O DIREITO FUNDAMENTAL À EDUCAÇÃO E AS AÇÕES AFIRMATIVAS: A RESERVA DE COTAS NAS UNIVERSIDADES – César Leandro de Almeida Rabelo e Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas – p. 1
A Mineração em Terras Indígenas: uma Análise Socioambiental da Necessidade de Regulamentação – Mining in Indigenous Lands: an Analysis of Environmental State Regulation of Indigenous Lands – Adriany Barros de Britto Ferreira e Camila Martins de Oliveira – p. 21 Mandado de Segurança em Prol do Titular do “Direito Originário” (Artigo 3º da Lei nº 12.016/2009) – José Rogério Cruz e Tucci – p. 41 Prequestionamento em Matéria Tributária – Andrei Pitten Velloso – p. 47 A Indelegabilidade da Execução da Pena e a Inconstitucionalidade da Terceirização Prisional no Brasil – Jacinto Teles Coutinho – p. 54 Do Menor sob Guarda e o Sistema da Previdência Social – Henrique Jorge Dantas da Cruz – p. 65 Acórdão na Íntegra – Supremo Tribunal Federal – p. 73 Pesquisa Temática – Estelionato – p. 80
Jornal Jurídico
Jurisprudência Comentada – Sociedade de Profissionais que Prestam Seus Serviços em Caráter Pessoal – Sujeição ao ISS na Forma Privilegiada (Fixa) Mesmo com o Advento da LC 116/2003 – Classificação Desta Atividade Como Empresarial – Eduardo Augusto Cordeiro Bolzan e Marcelo Carlos Zampieri – p. 84 Normas Legais – p. 91 Medida Provisória – p. 92
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Indicadores – p. 93
Doutrina
O Direito Fundamental à Educação e as Ações Afirmativas: a Reserva de Cotas nas Universidades CÉSAR LEANDRO DE ALMEIDA RABELO
Mestre em Direito Público pela Universidade Fumec, Bacharel em Administração de Empresas e em Direito pela Universidade Fumec, Especialista em Docência no Ensino Superior pela Pontifícia Universidade Católica do Estado de Minas Gerais, Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho pelo Ceajufe – Centro de Estudos da Área Jurídica Federal, Advogado do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Fumec.
CLÁUDIA MARA DE ALMEIDA RABELO VIEGAS
Professora da Faculdade Del Rey e do Instituto João Alfredo Andrade, Doutoranda pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Mestre em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Tutora de Direito do Consumidor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Servidora Pública Federal do TRT-MG – Assistente do Desembargador Dr. Sércio da Silva Peçanha, Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Gama Filho, Especialista em Educação à distância pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Especialista em Direito Público – Ciências Criminais pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus, Bacharel em Administração de Empresas e Direito pela Universidade Fumec.
RESUMO: A Constituição da República de 1988 abriga princípios e garantias fundamentais, entre eles, a igualdade, da qual emerge a premência de redução das desigualdades sociais, razão pela qual não basta ao Estado proibir a discriminação e abster-se de discriminar. Cumpre-lhe, em paralelo, atuar positivamente e enfrentar as evidentes desigualdades, em especial
aquelas que perpetuam heranças discriminatórias, desde o período colonial adotando medidas que enfrentem os prejuízos impostos a determinados grupos, excluídos de conquistas decorrentes do desenvolvimento no plano social, econômico e cultural. Nesse cenário, destacam-se, entre outras medidas, as políticas públicas de inclusão social, por meio das ações afirmativas. Estas visam, sem distinção de qualquer ordem, propiciar oportunidades compensatórias aos grupos desfavorecidos, visando não só concretizar o princípio da igualdade material, mas também reduzir e neutralizar os efeitos da discriminação racial, de gênero e social em todas as suas dimensões. Sob o pressuposto de que a ação afirmativa constitui via adequada à igualdade de oportunidades, defende-se que a concretização do direito à educação, por meio da reserva de vagas nas instituições de ensino superior, necessita de um planejamento eficaz, orientado para atender a parcela da população desafortunada, e não apenas aqueles que se definem como excluídos por discriminação racial. PALAVRAS-CHAVE: Direito à educação; ações afirmativas; reserva de cotas; princípio da igualdade; políticas públicas. SUMÁRIO: Introdução; 1 A justiça social de John Rawls; 2 A norma constitucional da igualdade; 3 As ações afirmativas no plano constitucional; 4 O direito à educação e as ações afirmativas; 5 A situação dos negros no Brasil e a necessidade de políticas públicas que reduzam as desigualdades; 6 A reserva de cotas nas universidades; 7 Sugestões de políticas públicas para incrementar a educação no Brasil; Conclusão; Referências.
INTRODUÇÃO No Brasil, a educação constitui direito fundamental, expresso na Constituição da República de 1988; apesar disso, há evidências de que grande parte da população ainda fica excluída do acesso a esse direito, precipuamente, quando se pensa em termos de qualidade da educação fundamental e do acesso aos níveis médio e universitário.
Contudo, no plano da realidade das instituições de ensino, o que se verifica é que, pelos motivos mais variados, muitos alunos sequer ultrapassam o nível da alfabetização e domínio de conhecimentos elementares. Nessa circunstância, a noção de educação como processo de desenvolvimento integral que propicia a leitura do mundo, o desenvolvimento da capacidade crítico-reflexiva e de emancipação. Diante da premência de concretizar esse direito, a educação tem assumido papel de destaque no panorama das políticas públicas no Brasil, tudo em função da erradicação do analfabetismo, da universalização do atendimento escolar, da melhoria da qualidade de ensino, visando à formação intelectual, como instrumento de preparação para o trabalho e a promoção humanística, sociocultural e científico-tecnológica. De longa data, a sociedade brasileira luta pela universalização do acesso à formação escolar, definindo a quem cabe a responsabilidade por sua promoção, a todos os segmentos. Mais recentemente, o esforço para superar as mazelas sociais, promovendo a inclusão, merece relevo o programas de ações afirmativas, apoiado em teses que defendem a correção das desigualdades em termos de direitos negados socialmente ao longo da história. A medida se justifica. Eis que, como sublinhado, em muitos casos, as iniciativas tomadas para concretizar a garantia à
educação não evidenciam eficiência, em função da baixa qualidade dos serviços disponibilizados, o que resulta na exclusão de alguns cidadãos. A noção de igualdade, característica do estado social, justifica os diversos experimentos, com o devido suporte constitucional, que buscam promover a justiça social. No caso em tela, mais do que igualdade de condições, cumpre levar em conta as condições fáticas, no plano socioeconômico das famílias e do ambiente em que vivem, bem como variáveis intraescolares que interferem no desempenho dos estudantes. Todos esses são requisitos para implementar efetivamente o princípio da igualdade, por meio de medidas compensatórias destinadas a incluir aqueles cidadãos vitimados pela segregação social. A esse respeito, não se pode ignorar a trajetória cruel dos negros ao longo da história do Brasil, o que justifica plenamente os movimentos sociais que lutam por igualdade e justiça. Barreiras sociais, econômicas, jurídicas e institucionais devem ser rompidas no dia a dia, para que os negros consigam abrir espaços inéditos. Por força da constatação de que a ideia de neutralidade estatal ensejaria um formidável fracasso, especialmente nas sociedades que, por muito tempo, mantiveram certos grupos de pessoas em posição de inferioridade, torna-se imprescindível adotar uma concepção material, substancial do princípio da igualdade, na qual seriam equilibradas as desigualdades concretas da sociedade, fazendo com que as situações desiguais fossem tratadas de forma diferenciada, impedindo, assim, a perpetuação da discriminação que persiste. Ademais, o direito constitucional emancipatório, comprometido até a raiz com a dignidade da pessoa humana, não admite um conceito estático e formal de igualdade, pressupondo uma de-
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Assegurar a todos os brasileiros o direito à educação é meta de elevada relevância social, que alcança a família e o Estado, no intuito de garantir a toda criança e adolescente as condições essenciais ao pleno desenvolvimento de suas potencialidades intelectuais, físico-psíquicas e sociais, sem esquecer a formação quanto a valores morais e éticos, além de adaptá-la ao contexto social, tornando-a capaz de exercer a cidadania, participando conscientemente do processo de desenvolvimento.
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sigualação positiva, com o fito de promover a igualação jurídica efetiva. Na intenção de concretização da igualdade substancial, em relação ao direito constitucional à educação, o Estado elabora políticas públicas de ações afirmativas, abrindo espaço para que se discuta a reserva de um percentual de quotas para garantir o acesso da população negra ao ensino superior. A premissa é de que, com intuito de obter justiça social, as ações afirmativas, por meio do sistema de quotas, representam como instrumentos capazes de integrar, econômica e socialmente, a população afro-brasileira ao processo de desenvolvimento da sociedade em todas as suas dimensões.
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Contudo, assim concebido, o sistema de cotas apresenta vulnerabilidades, visto que a exclusão socioeconômica não atinge somente a população negra no Brasil; há brancos em situação de pobreza similar, os quais merecem igualmente as medidas compensatórias, sob pena de se reproduzir a discriminação que se pretende combater.
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É compreensível que a população negra foi fragilizada ao longo da história, mas as políticas públicas precisam corresponder às necessidades de todos os excluídos social e culturalmente. A educação inclusiva faz parte de um contexto maior que é o da própria sociedade e, por isso, ela não pode ser reduzida à quebra dos processos de exclusão e marginalização na escola. Nessa linha de pensamento, é oportuna uma reflexão sobre as políticas afirmativas de caráter específico ao sistema de cotas para negros no ensino superior. Sem desconsiderar os avanços conquistados em favor da inclusão de negros, torna-se imprescindível conferir prioridade à educação como processo e direito de todos, nos diferentes níveis de ensino. No caso do direito em tela, as políticas públicas têm como horizonte proporcionar
a preparação dos educandos para exercer a cidadania em todos os espaços sociais. Devem, portanto, ser ações afirmativas compreendidas como igualdade de oportunidades educacionais de forma democrática e equânime, independente da etnia. A inclusão educacional é uma questão de responsabilidade social.
1 A JUSTIÇA SOCIAL DE JOHN RAWLS Segundo a teoria de John Rawls, a correção das injustiças sociais depende de práticas ativas de políticas de igualdade. Verificando-se a classe social desfavorecida (seja em razão de raça, sexo, cultura ou religião), os agentes políticos buscariam meios adequados para reparar, por meio de lei ou outro meio efetivo, as injustiças cometidas. Dessa forma, a sociedade avançaria gradativamente, corrigindo as injustiças identificadas, na construção de uma igualdade social, sem vantagens ou privilégios, alcançada dentro dos parâmetros da principiologia constitucional de um Estado Democrático de Direito. Em sua obra Uma teoria da justiça, Rawls (2002) traz a concepção política de justiça como equidade de uma democracia liberal, ampliando a compreensão do que é justo na sociedade. Para ele, uma teoria somente passa a ser aceita quando considerada verdadeira pela maioria da sociedade e, em contrapartida, quando injusta, a teoria seria passível de modificação ou extinção por leis ou instituições jurídicas. Nesse sentido, Rawls salienta que “a justiça é a primeira virtude das instituições sociais, como a verdade o é dos sistemas de pensamento” (2002, p. 3). Consoante seus ensinamentos (Rawls, 2002, p. 4), “cada pessoa possui uma inviolabilidade fundada na justiça que nem mesmo o bem-estar da sociedade como um todo pode ignorar”. Cada indivíduo é dotado de uma justiça pessoal, reconhecida social-
mente, haja vista tratar-se de um sentimento inerente ao indivíduo para proteger-se de qualquer tipo de violência.
todos os demais; e, nesse projeto, as liberdades políticas, e somente estas, deverão ter seu valor eqüitativo garantido.
Contudo, para Rawls (2002, p. 4), o conceito de justiça está além do íntimo individual, sendo esta mais ampla (justiça política), devendo atender à sociedade como um todo. Nesta linha de pensamento, conclui: “Portanto, numa sociedade justa, as liberdades da cidadania igual são consideradas invioláveis; os direitos assegurados pela justiça não estão sujeitos à negociação política ou ao cálculo de interesses sociais”.
As desigualdades sociais e econômicas devem satisfazer dois requisitos; (a) devem estar vinculadas a posições e cargos abertos a todos, em condições de igualdade eqüitativa de oportunidades; e (b) devem representar o maior benefício possível aos membros menos privilegiados da sociedade. (Rawls, 2000, p. 47/48)
Rawls defende a instituição de princípios de justiça social, que possibilite a divisão de vantagens, atribua direitos e deveres à sociedade atendendo à proporcionalidade e atribuindo conceitos de responsabilidades e cooperação social. Nesse sentido, Rawls afirma que: O objeto primário da justiça é a estrutura básica da sociedade, ou mais exatamente, a maneira pela qual as instituições sociais mais importantes distribuem direitos e deveres fundamentais e determinam à divisão de vantagens provenientes da cooperação social. (Rawls, 2002, p. 8/9)
A existência e a aceitação das desigualdades sociais em uma estrutura básica da sociedade interferem, consideravelmente, na concretização de um Estado Democrático de Direito, bem como nas possibilidades de uma vida digna aos cidadãos. É para manter a solidez de uma sociedade ordenada que os princípios de justiça política devem ser aplicados, conforme ensinamentos de John Rawls: Todas as pessoas têm igual direito a um projeto inteiramente satisfatório de direitos e liberdades básicas para todos, projeto este compatível com
A teoria de Rawls busca a aplicação imparcial e distributiva das liberdades fundamentais básicas a todos os indivíduos e, ainda, o estabelecimento da ordem social, assegurando uma perspectiva de vantagens aos desfavorecidos ou excluídos, mas sem desfazer dos mais afortunados. Seria uma inserção das desigualdades no plano de atuação das igualdades, visando à promoção de benefícios a todos e, principalmente, para os desprivilegiados. Somente assim é possível construir uma sociedade de iguais, capazes de propiciar a justiça social, na medida em que cada cidadão irá se beneficiar a partir das desigualdades admissíveis da estrutura básica da sociedade. É certo que os princípios de justiça se justificam, quando aceitos consensualmente em uma situação de igualdade social. “A idéia norteadora é que os princípios da justiça para a estrutura básica da sociedade são o objeto do consenso original.” (Rawls, 2002, p. 12)
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Por todo contexto histórico-jurídico, restou reconhecido que uma sociedade necessita de regulamentação geral da autonomia privada, visando ao bem comum, por meio da cooperação e vantagens, bem como meios para solução de interesses e conflitos individuais.
Observa-se que é traçada uma escala de prioridades pretendendo a justiça político-social, com o objeto primordial de manter a estrutura básica da sociedade, sendo que a forma como se distribuem os direitos e deveres fundamentais visa garantir a efetivação da igualdade social.
Contudo, os princípios de justiça, conforme Rawls, estão em um plano mais amplo da teoria do contrato social, ainda que
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direcionados à cooperação e regulação de acordos sociais, eles se efetivam por meio da função legislativa. Não se pode admitir como justo que alguns tenham menos para que outros prosperem; é isso o que se espera da aptidão moral do indivíduo. A moral é suficiente para a fundamentação e julgamento do que é justo ou injusto. Esse juízo de valor, para Rawls, deve pautar-se no desejo de agir, em consonância com os sentimentos que esperamos da parte dos outros, haja vista que: Juízos ponderados são simplesmente os que são feitos sob condições favoráveis ao exercício do senso de justiça, e, portanto, em circunstância em que não ocorrem as desculpas e explicações mais comuns para se cometer um erro. (Rawls, 2002, p. 51)
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Pode-se dizer, portanto, que a filosofia moral decorre de princípios pessoais que correspondem ao juízo ponderado e ao senso de justiça individual.
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Deveríamos ver uma teoria da justiça como um esquema orientador destinado a enfocar as nossas sensibilidades morais e colocar diante das nossas capacidades intuitivas problemas mais limitados e administráveis para julgarmos. Os princípios da justiça identificam certas considerações como sendo moralmente pertinentes e as regras de prioridade indicam a precedência apropriada quando elas conflitam entre si, enquanto a concepção da posição original define a idéia subjacente que deve informar as nossas ponderações. (Rawls, 2002, p. 56)
A eficácia da teoria da justiça de John Rawls indica ser preciso lidar com a questão da igualdade e da desigualdade entre pessoas e entre os grupos de pessoas, demonstrando que a igualdade é moralmente justificável e a desigualdade injustificável. A teoria da justiça contribui para o desenvolvimento de políticas públicas capazes de propor maior justiça social, minimizando as desigualdades existentes na sociedade. É pela teoria Rawlsiana que as políticas públicas podem ser avaliadas, postulando
a defesa e a promoção da pessoa e da vida em sociedade, ainda que decorra da intervenção Estatal. E, para garantia do Estado Democrático de Direito e dos princípios constitucionais fundamentais, é de extrema importância a intervenção estatal no sentido da manutenção de uma sociedade organizada.
2 A NORMA CONSTITUCIONAL DA IGUALDADE: Dispõe o inciso III do art. 1º da Constituição da República de 1988 que a dignidade humana é um dos princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito, devendo o mesmo ser observado em todas as normas infraconstitucionais, ainda que não declarado expressamente. Basta que se interprete a legislação em conformidade com a Lei Maior; trata-se da interpretação constitucional axiológica das normas infraconstitucionais. Em outras palavras, a Constituição da República é soberana a toda e qualquer forma legal existente, não devendo qualquer outra lei contradizê-la ou ignorá-la, ficando, assim, os princípios constitucionais gravados em qualquer norma infraconstitucional. Embora os ramos do direito sejam autônomos, não são incomunicáveis, ficando todos os princípios infraconstitucionais obrigatoriamente convergentes com os princípios da Constituição da República, como garantia do Estado Democrático de Direito. Assim é o princípio da igualdade, ratificador do princípio da dignidade humana e um dos alicerces da estrutura do Estado Democrático de Direito, disseminando seus efeitos por toda legislação brasileira, cuja observância vincula, incondicionalmente, todas as manifestações do Poder Público. Como bem propugna Paulo Bonavides: “De todos os direitos fundamentais, a igualdade é aquele que mais tem subido de importância no Direito Constitucional de nossos dias, sendo, como não poderia deixar de ser, direito-chave, o direito-guardião do Estado Social” (Bonavides, 2004, p. 376).
Assim é que qualquer norma ou cláusula negocial, por mais insignificante que pareça, deve se coadunar e exprimir a normativa constitucional. Sob essa óptica, as normas de direito civil necessitam ser interpretadas como reflexo das normas constitucionais. A regulamentação da atividade privada [...] deve ser, em todos os seus momentos expressão da indubitável opção constitucional de privilegiar a dignidade da pessoa humana [...]. (Moraes, 1993, p. 22)
Por isso, o Constituinte Originário estruturou a Constituição da República de 1988 em normas e princípios capazes de garantir proteção ao hipossuficiente, buscando igualdade substancial entre os indivíduos, em um equilíbrio justo, nas mais diversas relações jurídicas. A Carta Magna também consagrou princípios gerais de cidadania que não podem ser desprezados, como bem assevera Flavia Piovesan:
A Constituição da República adotou o princípio da igualdade de direitos, no sentido que todos os cidadãos desfrutem de tratamento isonômico pela lei, em consonância com os critérios garantidos pelo ordenamento jurídico, sendo vedadas as discriminações de qualquer natureza. A norma da igualdade tem por horizonte o tratamento desigual dos casos desiguais como exigência tradicional do próprio conceito de Justiça, eliminando o elemento discriminatório que transforma diferenças em desigualdade de condições sociais. O estudioso Celso Ribeiro Bastos esclarece que igualdade formal “consiste no direito de todo cidadão não ser desigualado ou, ao menos, não vedados pelo ordenamento constitucional” (Bastos, 2002, p. 319). Afirma-se que o princípio constitucional da igualdade (art. 5º, caput e inciso I, CR/19881) opera em dois planos distintos: no que tange à elaboração de normas que impeçam tratamentos abusivamente diferenciados a pessoas que se encontram em situações idênticas; quanto à obrigatoriedade de o intérprete aplicar a lei de maneira igualitária, sem estabelecer distinção em razão de sexo, religião, convicções filosóficas ou políticas, raça e classe social, nos termos do imperativo constitucional.
Com a Constituição de 1988 há uma redefinição do Estado brasileiro, bem como os direitos fundamentais. Extrai-se do sistema constitucional de 1988 os delineamentos de um Estado intervencionista, voltado ao bem-estar social. O Estado Constitucional Democrático de 1988 não se identifica com um Estado de Direito Formal, reduzido a simples ordem de organização e processo, mas visa legitimar-se como um Estado de Justiça Social, concretamente realizável. (Piovesan, 1998, p. 226)
A desigualdade legislativa reproduz-se na distinção não razoável ou arbitrária da norma a um grupo de pessoas diversas. Para que as normas sejam diferenciadas, sem serem discriminatórias, faz-se indispensável uma justificativa objetiva e razoável entre os meios empregados e a finalidade perseguida, sempre em
A noção de igualdade vem sendo defendida desde 1789, com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, época em que se questionou a generalidade da lei nas relações pessoais entre indivíduos, bem como o reconhecimento da vulnerabilidade de diversas classes sociais.
1 “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; [...]” (Brasil, CR/1988)
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Importa esclarecer que não apenas os princípios constitucionais estão interligados, como todos os existentes no ordenamento jurídicos são garantidores de direitos, reforçando-se mutuamente, não havendo como dissociá-los, sob risco de comprometimento de toda estrutura legislativa e judicial. Consoante ensinamentos de Maria Celina Bodim de Moraes:
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conformidade com os direitos e garantias fundamentais, constitucionalmente protegidos. Assim, o princípio da igualdade tem respaldo legislativo, no que se refere a tratar igualmente os iguais, ou desigualmente os desiguais, buscando sempre o equilíbrio, para que as desigualdades decorram exclusivamente das diferenças das aptidões pessoais, como bem esclareceu Alexandre de Moraes: A Constituição Federal de 1988 adotou o princípio da igualdade de direitos, prevendo a “igualdade de aptidão, uma igualdade de possibilidades virtuais, ou seja, todos os cidadãos têm o direito de tratamento idêntico pela lei, em consonância com os critérios albergados pelo ordenamento jurídico”. (Moraes, 1998, p. 92)
Passadas as reflexões iniciais, de conteúdo mais aberto, ingressa-se na análise da questão da igualdade, sob a perspectiva que mais diretamente se vincula ao propósito principal deste trabalho; ou seja, perquirir sobre a legitimidade das ações afirmativas que estabelecem cotas para negros nas universidades.
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A importância de aferir os exatos limites dessa igualdade tem caráter crucial. A grande dificuldade reside, destarte, em se estabelecer “quem são os iguais, quem são os desiguais e qual a medida dessa desigualdade” (Araújo; Nunes Júnior, 2004, p. 102).
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Celso Antonio Bandeira de Mello, indicando critérios para a aferição do regime jurídico do princípio da igualdade, pondera que: [...] o reconhecimento das diferenciações que não podem ser feitas sem quebra da isonomia se divide em três questões: a) a primeira diz com o elemento tomado como fator de desigualação; b) a segunda reporta-se à correlação lógica abstrata existente entre o fator erigido em critério de discrímen e a disparidade estabelecida no tratamento jurídico diversificado; c) a terceira atina à consonância desta correlação lógica com os interesses absorvidos no sistema constitucional e destarte juridicizados. [...] tem-se que investigar, de um lado, aquilo que é adotado como critério discriminatório; de outro lado, cumpre verificar
se há justificativa racional, isto é, fundamento lógico, para, à vista do traço desigualador acolhido, atribuir o específico tratamento jurídico construído em função da desigualdade proclamada. Finalmente, impende analisar se a correlação ou fundamento racional abstratamente existente é, in concreto, afinado com os valores prestigiados no sistema normativo constitucional. A dizer: se guarda ou não harmonia com eles. (Mello, 1993, p. 21-22)
Nessa perspectiva, a essência do princípio da igualdade é, em última análise, revelar a impossibilidade de desequiparações fortuitas ou injustificadas. Sabe-se que o ordenamento jurídico brasileiro proíbe diferenciações em razão da raça, do sexo, da compleição física, da idade, da convicção religiosa ou política, de acordo com o art. 3º, IV, e art. 5º da Constituição Federal. Mas, para Celso Antônio, esses obstáculos constitucionais não são, por si, o bastante para aclamar a definitividade do princípio da igualdade: [...] descabe, totalmente, buscar aí a barreira insuperável ditada pelo princípio da igualdade. É fácil demonstrá-lo. Basta configurar algumas hipóteses em que esses caracteres são determinantes do discrímen para se aperceber que, entretanto, em nada se chocam com a isonomia. (Mello, 1993, p. 22)
A propósito, Celso Bastos e Ives Gandra da Silva Martins (1989, p. 10) já se manifestavam nesse sentido, ao observar que: O elemento discrímen não é autônomo em face do elemento finalidade. Ele é uma decorrência deste e tem que ser escolhido em função dele. Assim, uma vez definida a finalidade, o discrímen há de ser aquele que delimite com rigor e precisão quais as pessoas que se adaptam à persecução do telos normativo.
Vale dizer, para que se alcance efetivamente o conteúdo dos preceitos constitucionais insertos no art. 3º e art. 5º, caput, a desigualdade fática existente em nosso País deve receber por parte do Poder Público ou de entidades privadas, necessariamente, tratamento desigual, mas justificado. Esse é o fundamento constitucional para a aplicação das ações afirmativas.
[...] as ações afirmativas, enquanto políticas compensatórias adotadas para aliviar e remediar as condições resultantes de um passado discriminatório, cumprem uma finalidade pública decisiva ao projeto democrático e à pluralidade social. (Piovesan, 1998, p. 134)
A ação afirmativa é uma forma jurídica para evitar o isolamento ou a diminuição social a que se encontram sujeitas as minorias. A ação afirmativa é, sem dúvida, um instrumento político do Estado para estabelecer a igualdade jurídica entre situações reconhecidamente diversas. A norma da igualdade não é apenas um princípio de Estado Democrático de Direito, mas também um princípio de Estado Social, constituindo-se um princípio jurídico informador de toda a ordem constitucional, capaz de suprir diferenças que possam impedir o exercício de direitos iguais.
3 AS AÇÕES AFIRMATIVAS NO PLANO CONSTITUCIONAL A noção constitucional de igualdade decorre de um conceito jurídico de lei, abstrata e genérica, voltada a todos os indivíduos, sem qualquer distinção ou privilégio. Não apenas o legislador, mas os operadores do direito e aplicadores da norma devem utilizá-la de forma imparcial, sobre as situações jurídicas concretas e sobre os conflitos interindividuais.
O princípio da igualdade puramente formal pode ser questionado, quando não se revela suficiente para possibilitar, perante aos indivíduos socialmente privilegiados, a acessibilidade dos indivíduos e grupos socialmente desfavorecidos. Contudo, o princípio da igualdade não faz referência à igualdade de oportunidades, eis que se reporta a igualdade de condições, visando a extinguir ou mitigar as desigualdades econômicas e sociais, tudo pela promoção da justiça, pela proteção e defesa dos interesses das pessoas socialmente fragilizadas e desfavorecidas. Assim, justifica-se a formulação de políticas sociais de apoio e de promoção de grupos socialmente fragilizados. Políticas sociais (ações afirmativas) que nada mais são do que tentativas de concretização da igualdade. As ações afirmativas representam um momento de ruptura, para evolução do direito constitucional e efetivação das garantias fundamentais, consoante ensinamentos da Ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha: Inobstante a garantia constitucional da dignidade humana igual para todos, da liberdade igual para todos, não são poucos os homens e mulheres que continuam sem ter acesso às iguais oportunidades mínimas de trabalho, de participação política, de cidadania criativa e comprometida, deixados que são à margem da convivência social, da experiência democrática na sociedade política. (Rocha, 1996, p. 287)
É por meio das ações afirmativas que o Estado abandona a tradicional posição de indiferença e passa a atuar na busca da concretização da igualdade constitucional. Com efeito, por ações afirmativas entendem-se as “medidas privadas ou políticas públicas objetivando beneficiar determinados segmentos da sociedade, sob o fundamento de lhes falecerem as mesmas condições de competição em virtude de terem sofrido discriminações ou injustiças históricas” (Atchabahian, 2004,
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A igualdade aqui tratada visa a compensar as desvantagens para inclusão social de segmentos sociais desfavorecidos, cuja desigualdade deve ser minimizada por meio da edição de leis especiais para proteger e ampará-los. Outra forma de garantir a inclusão social dos desiguais se configura mediante a implementação de políticas públicas compensatórias e ações afirmativas. Como assevera Flávia Piovesan:
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p. 150). São políticas públicas voltadas à neutralização da discriminação racial, de gênero, de idade, de sexo, de nacionalidade e de deficiência física. Na sua compreensão, a igualdade deixa de ser simplesmente um princípio jurídico a ser respeitado por todos e passa a ser objetivo constitucional a ser alcançado pelo Estado e pela sociedade, em parceria.
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Quando se tem em mente viabilizar a harmonia e a paz social, cumpre ter consciência de que tais propósitos podem ser prejudicados, quando determinados grupos sociais se encontram às margens do processo produtivo e dos benefícios do progresso econômico-social do País, como ocorre, por exemplo, quando se obstrui a universalização do acesso à educação e ao mercado de trabalho. Nessa linha de pensamento, as ações afirmativas constituem um paliativo eficaz para tais circunstâncias, mas não dispensa a conscientização da sociedade e dos agentes políticos, que são os responsáveis por inibir ou eliminar as desigualdades sociais que acometem as minorias.
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Como exposto, discriminar é uma forma de reduzir as perspectivas de alguns em benefício de outros, o que não pode ser permitido em um Estado Democrático de Direito. Quanto mais intensa a discriminação, mais eficazes devem ser os mecanismos que impedem sua evolução, tudo resultante de esforços em benefício da concretização do princípio constitucional da igualdade.
acesso a estabelecimentos educacionais públicos e privados, acessibilidade em geral, entre outros. Atualmente, as ações afirmativas são definidas como conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário, com vistas ao combate à discriminação racial, de sexo, de gênero, por deficiência física e de nacionalidade, tendo por objetivo efetivação do princípio da igualdade, bem como acesso aos direitos fundamentais como a educação e o emprego. Não se trata da simples ideia de realização da igualdade de oportunidades, por meio da imposição de cotas rígidas de acesso das minorias a determinados setores. Diferentemente de políticas antidiscriminatórias, constituídas por meio de textos legislativos de conteúdo proibitivo e punitivo, que proporcionariam às vítimas apenas instrumentos jurídicos de caráter compensatório, as ações afirmativas visam a evitar a discriminação na sua origem. Marco Aurélio Mello, observando a necessidade da promoção das ações afirmativas, é categórico ao reconhecer que:
Ao Estado, cabe atuar firmemente para a eliminação das desigualdades que afetam aqueles grupos desprovidos de voz, de força política e de meios de fazer valer os seus direitos. A introdução das políticas de ações afirmativas demonstra a mudança de postura estatal, na busca de erradicação da discriminação.
Pode-se afirmar, sem receio de equívoco, que se passou de uma igualização estática, meramente negativa, no que se proíbe a discriminação, para uma igualização eficaz, dinâmica, já que os verbos “construir”, “garantir”, “erradicar” e “promover” implicam, em si, mudança de ótica, ao denotar “ação”. Não basta não discriminar. É preciso viabilizar – e encontrar, na Carta da República, base para fazê-lo – as mesmas oportunidades. Há de ter-se como página virada o sistema simplesmente principiológico. A postura deve ser, acima de tudo, afirmativa. E é necessário que essa seja a posição adotada pelos nossos legisladores. [...]. É preciso buscar-se a ação afirmativa. A neutralidade estatal mostrou-se nesses anos um grande fracasso; é necessário fomentar-se o acesso à educação [...]. Deve-se reafirmar: toda e qualquer lei que tenha por objetivo a concretude da Constituição Federal não pode ser acusada de inconstitucionalidade. (Mello, 2002, p. 39-44)
Por essa postura, políticas públicas passam a ser introduzidas no ato de contratação de empregados, concursos públicos,
Essa proposta extrapola o âmbito da discriminação do presente, eis que se orienta para exterminar os efeitos históricos da
É com esta conotação que as ações afirmativas atuariam como mecanismos de incentivo à educação, à profissionalização, ao aprimoramento e crescimento de integrantes de grupos excluídos socialmente. Ação afirmativa pressupõe consciência dos problemas sociais e decisões coerentes para remediá-los, garantindo a implementação do princípio constitucional da igualdade. Toda política governamental de combate à desigualdade social deve oferecer instrumentos necessários à erradicação ou inibição da discriminação, visando à efetividade da garantia da igualdade constitucional. Como sublinhado, a Constituição da República não se limita a proibir a discriminação, vez que determina a utilização de medidas que implementem a igualdade material, como salienta Cármen Lúcia Antunes Rocha: O princípio da igualdade resplandece sobre quase todos os outros acolhidos como pilastras do edifício normativo fundamental alicerçado. É guia não apenas de regras, mas de quase todos os outros princípios que informam e conformam o modelo constitucional positivado, sendo guiado apenas por um, ao qual se dá a servir: o da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da Constituição da República). Verifica-se que todos os verbos utilizados na expressão normativa – construir, erradicar, reduzir, promover – são de ação, vale dizer, designam um comportamento ativo. O que se tem, pois, é que os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil são definidos em termos de obrigações transformadoras do quadro social e político retratado pelo constituinte quando da elaboração do texto constitucional. (Rocha, 1996, p. 290/291)
Se a igualdade jurídica fosse exclusivamente para vedação de tratamentos discriminatórios, o princípio seria absolutamente insuficiente para possibilitar a realização dos objetivos fundamentais da República, tal como constitucionalmente definidos. A
Carta Magna proporcionou um conceito do princípio da igualdade de imprescindibilidade para a transformação da sociedade, a fim de se chegar a seu modelo livre, justo e solidário. A concepção contemporânea conclama que o Estado deixe de lado a passividade, para adotar um comportamento ativo, afirmativo, na busca da concretização da igualdade. Em termos formais, o Direito brasileiro demonstra dar sustentação às políticas públicas contemplando algumas modalidades de ações afirmativas, embora, na prática, ainda sejam tímidas as experiências, as quais ainda carecem de sistematização, no contexto do Estado Democrático de Direito.
4 O DIREITO À EDUCAÇÃO E AS AÇÕES AFIRMATIVAS Vive-se em um País (e em um mundo) marcado por contrastes e desigualdades quanto a oportunidades e direitos, no qual, cada vez mais, uns poucos concentram quase tudo e a grande maioria padece de escassez e exclusão... Não se trata apenas de concentração de recursos financeiros, eis que as diferenças de acesso abarcam outros bens e direitos, tais como: espaço de participação, voz ativa, poder de decisão, informação e oportunidades de aprendizagem... Buscando concretizar o princípio da igualdade e, consequentemente, o direito à educação, o governo elaborou as políticas de ações afirmativas de acesso às instituições de ensino. Como reiterado, a educação constitui direito humano fundamental do cidadão brasileiro, juridicamente reconhecido, tanto no cenário pátrio, como internacional. No plano externo, está positivado no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ratificado pelo Brasil, que, em seu art. 13, afirma categoricamente:
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discriminação do passado, por meio da criação de políticas antidiscriminatórias.
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Os Estados-partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa à educação. Concordam em que a educação deverá visar ao pleno desenvolvimento da personalidade humana e do sentido de sua dignidade e a fortalecer o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais. [...] Mais adiante, no mesmo artigo, se declara que Os Estados-partes no presente Pacto reconhecem que, com o objetivo de assegurar o pleno exercício desse direito: – A educação primária deverá ser obrigatória e acessível gratuitamente a todos. – A educação secundária em suas diferentes formas, inclusive a educação secundária técnica e profissional, deverá ser generalizada e tornar-se acessível a todos, por todos os meios apropriados e, principalmente, pela implementação progressiva do ensino gratuito. (Comparato, 2004, p. 353)
No Brasil, a Constituição de 1988 dedica vários artigos ao direito à educação, sendo que, no art. 205, um dos principais, estabelece:
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A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (Brasil, 1988, p. 195)
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O documento da Relatora Especial da Comissão de Direitos Humanos da ONU sobre o direito à educação afirma que esse direito articula as diferentes gerações de direitos fundamentais (primeira, segunda e terceira), destacando que: O direito à educação invalida a dicotomia dos direitos humanos que separa os direitos civis e políticos dos direitos econômicos, sociais e culturais, já que engloba todos ao afirmar e afiançar a universalidade conceitual desses direitos negando-se a aceitar que a desigualdade e a pobreza sejam fenômenos contra os que não se pode lutar. (Tomasevski, 2004, p. 15)
Nessa perspectiva de análise, cumpre ter a consciência de que o direito à educação é mais amplo que o direito à simples
escolarização, vez que os processos educativos permeiam toda a vida das pessoas, que envolvem várias dimensões e fases. Não obstante a garantia constitucional à educação, a realidade demonstra que, em regra, uma pequena parcela da população é beneficiada com o efetivo exercício do mencionado direito, enquanto que o maior contingente permanece excluído do acesso à educação de qualidade. Sob essa perspectiva de análise, emerge cristalina a inferência de que o simples aumento das matrículas nas instituições de ensino não é suficiente para comprovar que o Estado tenha cumprido seu papel constitucional, na erradicação do analfabetismo, na universalização do atendimento escolar, na melhoria da qualidade de ensino e na promoção humanística, científica e tecnológica do indivíduo. Assegurar o direito à educação a todos os brasileiros subsiste como uma grande responsabilidade, significando, a rigor, garantir a toda criança o pleno desenvolvimento de suas funções mentais e cognitivas, para aquisição de conhecimentos e formação de valores morais e éticos. Nesse passo, as ações afirmativas são um meio importante para reduzir as desigualdades sociais e intelectuais. De origem norte americana, a partir dos meados do século XX, as ações afirmativas, também denominadas de discriminação positiva, tornaram-se um dos temas mais polêmicos e discutidos nos últimos anos na política interna, principalmente pelo desconhecimento de sua essência pela maioria da população. A proposta de reserva de cotas nas universidades brasileiras surgiu diante da necessidade de igualdade social, de proporcionar a todos a possibilidade de disputar um espaço na sociedade e no mercado de trabalho de forma equitativa. Impostas ou sugeridas pelo Estado, por seus entes vinculados e até mesmo
Nilma Lino, educadora da Universidade Federal de Minas Gerais, expõe que: As políticas de ação afirmativa representam uma transformação de caráter político, cultural e pedagógico. Ao implementá-las, o Estado, o campo da Educação, o mercado de trabalho, os formuladores de políticas públicas e a iniciativa privada saem de sua suposta neutralidade e passam a considerar e importância de fatores como sexo, raça e cor nos critérios de seleção existentes na sociedade. (Lino, 2003, p. 20)
Nesse sentido, a educação tem assumido papel de destaque no panorama das políticas governamentais. De longa data, a sociedade luta pela universalização do acesso à escola, inclusive diante do imperativo constitucional que afirma a responsabilidade do Estado em garantir a educação como um direito de todos. O crescimento do percentual de escolarização vem, em tese, reduzindo o analfabetismo; entretanto, as ações elaboradas para concretizar tal garantia acabam por colocar em dúvida a qualidade dos serviços disponibilizados à população. Essa inferência decorre de que garantir a educação não se limita a alfabetizar e proporcionar acesso a conhecimentos elementares, eis que tal direito implica o compromisso de possibilitar acesso efetivo a um ensino de qualidade, de forma igualitária, independente da classe social, raça ou idade, para proporcionar as mesmas oportunidades e condições de desenvolvimento integral a todos os cidadãos, no sentido de conquistar uma formação profissional e, por consequência, a inserção no mercado de trabalho e realização em todas as dimensões da vida humana. Por tais razões, formulam-se diversas políticas públicas, visando a minimizar as desigualdades econômicas e sociais, para, assim, promover a justiça social.
A democratização do processo ensino-aprendizagem, no contexto da universalização dos direitos educacionais, requer tanto vontade política quanto uma sociedade civil fortalecida, com espaço e voz para poder participar efetivamente das decisões atinentes ao sistema educacional. Nessa linha de argumentação, cumpre transformar a maneira de se definir e implementar as políticas e práticas educacionais, distribuindo, de maneira mais equitativa, os recursos para que a população brasileira possa desfrutar do direito à educação, tal como previsto na Constituição da República.
5 A SITUAÇÃO DOS NEGROS NO BRASIL E A NECESSIDADE DE POLÍTICAS PÚBLICAS QUE REDUZAM AS DESIGUALDADES A análise das relações raciais tomou projeção nos últimos anos, principalmente, no Brasil, onde a divisão de classes sociais é notória, como indicam dados estatísticos que permitem comparação entre o acesso a direitos entre brancos, mestiços e negros. Sob esse enfoque, a população negra sofre um processo de discriminação que se arrasta na história, pois, desde a época da escravidão até hoje, o preconceito racial está enraizado na sociedade brasileira. É imprescindível reconhecer que, mesmo com o formal ocaso da escravidão e com a existência de dispositivos legais que refutam a prática do racismo, a desigualdade que atinge a comunidade negra ainda é evidente e cruel... Os resquícios do preconceito impediram à comunidade negra o acesso aos subsídios necessários para conquista de superação de uma estrutura socioeconômica e cultural indigna. Diante da disparidade persistente, não seria absurdo afirmar que a grande maioria da população de baixa renda, sem acesso aos bens necessários para uma vida justa e digna, é composta por negros.
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por entidades puramente privadas, elas visam a combater as manifestações flagrantes de discriminação de fundo cultural, estrutural, enraizada na sociedade.
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O abandono político desse importante segmento população não deixa dúvidas a respeito de uma dívida social e moral para com os afrodescendentes, submetidos a condições mínimas insatisfatórias sob o ponto de vista do crescimento sociocultural e econômico, sendo que alguns reproduzem o contingente de empobrecidos e excluídos do acesso aos direitos mais elementares. Trata-se, pois, de um problema sócio-histórico e cultural, evidente quando se verifica a notória supremacia da população branca nas universidades, públicas ou privadas. Tal disparidade decorre da falta de oportunidades para a população negra, no ensino fundamental e médio. Alargando a abrangência do olhar, verifica-se que tal dilema não se restringe à população negra brasileira, pois alcança o cenário de problema mundial, como se percebe nas palavras do Secretario Geral da ONU, Kofi Annan, em março de 2001:
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Em todo o mundo... Minorias étnicas continuam a ser desproporcionalmente pobres, desproporcionalmente afetadas pelo desemprego e desproporcionalmente menos escolarizadas que os grupos dominantes. Estão sub-representadas nas estruturas políticas e super-representadas nas prisões. Tem menos aceso a serviços de saúde de qualidade e, conseqüentemente, menos expectativa de vida. Estas, e outras formas de injustiça social, é a cruel realidade do nosso tempo; mas não precisam ser inevitáveis no nosso futuro. (Annan, 2001, p. 5)
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O período de escravidão não foi esquecido pela sociedade brasileira, permanecendo presente no imaginário hegemônico, conforme se verifica no cotidiano, em que a comunidade negra tende a ser tratada como inferior, o que supostamente justificaria a exclusão social. Com fundamento no conhecimento dessa problemática, o Estado propõe soluções para que a população negra possa participar de forma efetiva da sociedade, configurando, assim, o atendimento aos critérios de equidade social, que não se
limita à questão educacional, mas alcança o espaço profissional, visando a possibilitar aos negros melhoria nas condições socioeconômicas e culturais. Quando se assume a defesa da concepção de igualdade, é premente enfrentar as incongruências econômicas, sociais e culturais, que se refletem em comportamentos discriminatórios. Sob essa premissa, encaminham-se os ensinamentos da Ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, ao ressaltar que: Concluiu-se, então, que proibir a discriminação não era bastante para se ter a efetividade do princípio da igualdade jurídica. O que naquele modelo se tinha e se tem é tão-somente o princípio da vedação da desigualdade, ou da invalidade do comportamento motivado por preconceito manifesto ou comprovado (ou comprovável), o que não pode ser considerado o mesmo que garantir a igualdade jurídica. (Rocha, 1996, p. 293)
Como sublinhado, a educação é uma das mais importantes prestações que o indivíduo recebe ou tem legítima expectativa de receber do Estado, o que, todavia, nem sempre acontece, sob a alegação da falta de recursos suficientes para fornecê-la em caráter universal e gratuito, como determina a Carta Magna. No Brasil, é reconhecido que o ensino fundamental e médio de qualidade é proporcionado por instituições de ensino particulares, acessíveis a uma parcela reduzida da população que pode arcar com os custos desse serviço. Já, no ensino superior, os papéis se invertem... Existe uma grande parcela de ensino superior de qualidade no Brasil sob a responsabilidade do Estado e quem consegue tal acesso são os estudantes que tiveram adequada formação no ensino fundamental e médio, o que, em regra, compreende os que estudaram em instituições particulares. Vale recordar que as instituições universitárias públicas possuem um processo de seleção mais rigoroso, o qual propicia
Sob esse ângulo de avaliação, o vestibular, entre outras formas de seleção ao ensino superior, representa efetivo mecanismo de exclusão social das minorias, principalmente pelo fato de que aqueles que disputam vaga não estão em igualdade de condições. Para comprovar essa inferência, basta avaliar o perfil socioeconômico dos que logram acesso às universidades públicas brasileiras. E este é, com certeza, um problema de desrespeito constitucional de primeira grandeza... Diante de problema de tal magnitude, necessário se faz a adoção de políticas, programas e ações governamentais de ação afirmativa, os quais envolvam mecanismos de inclusão dos negros e outros socialmente excluídos, na sociedade intelectualizada.
6 A RESERVA DE COTAS NAS UNIVERSIDADES Cumpre, entretanto, avaliar se apenas a reserva de vagas nas universidades seria suficiente para solucionar a problemática e até que ponto esta ação não pode ser considerada como forma de discriminação social, por meio do preconceito racial, mesmo que de forma positiva. O Brasil já possui várias formas de inclusão social, como a reserva de vagas para deficientes físicos em concursos públicos; porém, cada caso deve ser analisado particularmente, uma vez que lidamos com situações, realidades e aspectos socioculturais totalmente distintos. A inclusão social é o processo pelo qual a sociedade procura adaptar-se aos excluídos, viabilizando a equiparação de condições e as ações afirmativas têm sua função, principalmente,
nas políticas de percentual de quotas para a população negra no ensino superior, no intuito de concretizar a igualdade material. Entretanto, é necessária uma discussão mais detalhada sobre esse tipo de política, tendo em vista definir seus limites, possibilidades e consequências para que o instituto atenda realmente aos desprivilegiados. O preconceito racial está presente no dia a dia, nas práticas e nos discursos sociais, mas não é devidamente combatido. As liberdades e os direitos individuais dispostos na Carta Magna não são efetivados no cotidiano social; as práticas de discriminação e de desigualdade de tratamento continuam sendo a regra das relações sociais. Tais ocorrências são visíveis, devido à clara posição de inferioridade do afro-brasileiro na sociedade e na educação. Assim definido o problema, as peculiaridades da realidade sócio-político-econômica, no que diz respeito ao racismo, deveriam ser contempladas e combatidas pelas ações afirmativas. É compreensível, mas não aceitável, concluir que a população negra, em maioria, teve formação educacional deficitária, o que se reflete no acesso às universidades federais brasileiras. Somente por meio das ações afirmativas, tal quadro poderá ser alterado, visando à mudança cultural em relação a esse grupo tão sofrido. A necessidade de ação efetiva do Estado para minimizar os efeitos danosos do processo histórico sócio-político-econômico a que foram submetidos os negros é persistente. Contudo, há ainda os que creem que a questão de classe supera a questão de raça e muitos acreditam que a adoção de políticas afirmativas para negros poderá criar perigoso e indesejável acirramento da harmônica convivência desejável com os demais grupos étnicos e raciais que compõem a nação brasileira.
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o acesso àqueles mais preparados, principalmente aos cursos de maior prestígio, aptos a assegurar boas condições de futuro profissional.
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Especificamente no que pertine ao sistema de quotas, bem observa Serge Atchabahian: O sistema de quotas tem sofrido suas críticas, as quais, no mais das vezes, repousam sob o fundamento de que o indivíduo que obtiver sua quota irá auferir vantagens independentemente de méritos, qualidades individuais ou necessidades reais. A questão do mérito, depois de recebido o benefício da quota, é matéria que deverá comportar amplo debate e não poderá ser ignorado. Significa dizer que todo aquele que for brindado pelo sistema de quotas deverá mostrar mérito para sua manutenção ou, no mínimo, grande esforço capaz de mantê-lo sob este estado de benefício. Do contrário, a oportunidade deverá ser estendida a outrem. A razão do elemento mérito não requer maiores explicações ao seu entendimento. Não pode o Estado, em ato de tratamento desigual justificado, beneficiar aquele que não corresponde ao verdadeiro intuito do sistema de quotas, qual seja, atingir a igualdade de oportunidades. Sustentar no sistema de quotas aquele que não demonstra mérito seria, sem dúvida, prejudicar as ações afirmativas. [...] o sistema de quotas pode ser constitucional desde que não considere apenas o aspecto racial ou étnico para a escolha, e desde que não haja quotas inflexíveis. (Atchabahian, 2004, p. 156-157)
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Com o intuito de obter justiça social, as ações afirmativas, por meio do sistema de quotas, são o instrumento capaz de integrar, econômica e socialmente, a população negra aos demais membros da sociedade.
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Como se sabe, o Brasil é um País marcado por contrastes sociais, carente de políticas públicas eficientes, pois falta vontade política para traçar uma perspectiva de planejamento a médio e longo prazo, orientada para atacar radicalmente o problema da educação, melhorando a qualidade do ensino em todos os níveis e para todos, indistintamente. Em que pese se reconhecer a situação dos negros ao longo da história, as justificativas para implementação do sistema de cotas é pouco concreta, tendo-se apenas como base a exclusão socioeconômica do negro brasileiro, ignorando a existência de brancos e mestiços em situação semelhante, sem equilibradas
condições de convivência. Tal circunstância pode gerar discriminação generalizada contra os indivíduos beneficiados, bem como contra as instituições que aplicam o sistema, sem adentrar na possibilidade de beneficiar os negros que desfrutam de condição socioeconômica razoável e poderiam disputar em igualdade de condições com os demais, sem necessitar do benefício. É cediço que os negros, ainda, sofrem preconceito e situações opressivas, mas os diversos movimentos negros2 existentes contribuem para elevação da honra e orgulho da raça, que vem reconhecendo seus direitos e não mais se submetem à condição de vítimas da sociedade. Pioneiras na implementação das ações afirmativas, a Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ – e a Universidade de Brasília – UNB têm detectado os primeiros problemas para sua efetividade. De fato, os problemas são importantes para que se pense na melhoria e adequação dessa política inclusiva; mas, até solucioná-los, maiores injustiças poderão ocorrer. Como se não bastasse a diversidade social, cultural e econômica brasileira, ainda contamos com a diversidade racial. Nessa circunstância, é pertinente imaginar como agirá uma Universidade que reservará 10% (dez por cento) de suas vagas para negros. 2 Antes da intervenção do Movimento Negro, o movimento nacional por direitos humanos não reconhecia que os negros eram as maiores vítimas das violações dos direitos humanos. Em face da persistente discriminação e sua subsequente posição na estrutura econômico-social. Nesse sentido, Eric Edward Telles, enuncia que: Embora o movimento de direitos humanos moderno no Brasil tenha começado principalmente com a oposição da classe média ao regime militar e suas violações de direitos políticos e civis, nos últimos anos esse movimento agrega, aos antigos, novos ativistas de base que lutam contra a injustiça social em termos econômicos, sociais e culturais. Dessa forma, o movimento negro tem sido capaz de colocar a questão racial no centro da agenda nacional de direitos humanos do governo quanto da sociedade civil em geral (Telles, 2003, p. 85).
Outra hipótese seria uma pessoa negra, proveniente de família com boas condições financeiras, que estudou em excelentes instituições de ensino fundamental e médio. No ato da inscrição para o vestibular, opta para concorrer dentro das cotas reservadas para negros. Seria justo? Por óbvio, estará em vantagem perante os demais concorrentes, retirando a oportunidade de quem realmente necessita do benefício. Pode ser um caso atípico, mas não impossível, devendo o legislador estar preparado para tratar destas questões. Pode-se discutir, ainda, se a reserva de cotas não seria uma forma de preconceito, uma vez que o sistema de cotas visa a equiparar o negro, que se encontra em condição de desigualdade. Assim, ao invés de uma política inclusiva, poder-se-ia dizer que estamos diante de uma política exclusiva, vez que a condição étnica (ser negro) garantiria o ingresso a uma instituição pública de ensino superior. O Brasil é um País cuja mistura étnica impossibilita a classificação da população em branca, negra, mestiça, amarela... Não obstante a tonalidade de pele, ainda existe a análise subjetiva: há pessoas brancas que se consideram pardas ou negras devidos aos seus antecedentes, bem como existem negros e pardos que se consideram brancos. Como seria o controle para o ingresso de negros, por meio da reserva de cotas, nas universidades, sem que ocorra qualquer tipo de fraude?
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (2006) utiliza o critério baseado na cor e etnia para classificar a população brasileira como branco, preto, pardo, amarelo e indígena. Já os pesquisadores que atuam no campo das ciências sociais vêm classificando como negros o conjunto de pretos e pardos3. O termo negro é uma categoria sociopolítica, enquanto o termo pardo e preto são categorias utilizadas para aferição estatística de estudos4. Por essas e outras razões, trabalhar as ações afirmativas para tratar da reserva de cotas direcionadas apenas à população negra geraria enorme insegurança jurídica, como não atenderia ao cerne do princípio da igualdade, que exigiria efetivar a todos os excluídos o direito à educação. Ao invés de tratar de reserva de cotas para negros, as ações afirmativas deveriam tratar da reserva de cotas para pessoas de baixa renda5 e/ou que tenham cursado todo ensino fundamental 3 “A abordagem histórica e institucional da análise da questão racial enquanto uma construção social justifica, de forma plena, a agregação desses dois universos na medida em que, no Brasil, o perfil socioeconômico das populações preta e parta é estritamente equivalente.” (Henriques, 2003, p. 13-14) 4 Essa opção metodológica é justificada com base em um fato e em um pressuposto. O fato é que pretos e pardos estão sempre muito próximos, segundo indicadores como mortalidade infantil, expectativa de vida, rendimentos do trabalho assalariado e escolaridade, para ficarmos nos mais importantes, e sempre muito distantes dos brancos. O pressuposto, que essas análises buscam provar, é de que essa distância se deve, ao menos em uma parte substancial, à discriminação racial (Henriques, 2003, p. 14). 5 Neste caso, haveria inclusão dos “brancos pobres” que, sem base estatística alguma, estariam sendo injustamente discriminados por essa iniciativa governamental. Entretanto, a antropóloga social Moema de Poli Teixeira diz que os “negros brasileiros não teriam encontrado espaço igual aos brancos na sociedade de classes. Mesmo entre os brancos pobres, pesquisas foram realizadas mostrando que os negros continuavam a
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Se, no processo seletivo, 15% (quinze por cento) de negros obtiverem aprovação no quadro geral, apenas 10% (dez por cento) poderiam se matricular? O que aconteceria com os demais 5% (cinco por cento)? Se todos os 15% (quinze por cento) se matriculassem, o que aconteceria com os outros, que perderam suas vagas para os 5% (cinco por cento) negros aprovados?
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e médio em escolas públicas, e, ainda, que comprovem a carência financeira para prosseguir nos estudos. As ações afirmativas devem ser compreendidas como política governamental que visa propiciar oportunidades educacionais com cunho democrático e igualitário, sem distinção racial.
7 SUGESTÕES DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA INCREMENTAR A EDUCAÇÃO NO BRASIL Após detectar que o sistema de cotas em si não resolveria o problema estrutural de inclusão dos indivíduos na educação, pretende-se sugerir algumas propostas que possibilitem igualdade de oportunidades e condições no acesso no ensino superior.
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Sabe-se que a educação fundamental brasileira não conseguirá responder aos desafios do terceiro milênio se continuar ignorando os desafios contemporâneos. Precisa-se de profunda reformulação, pois não se trata apenas de corrigir aspectos pontuais, como a revisão curricular, a melhoria dos materiais de ensino ou a capacitação de professores. Todos esses insumos básicos são extremamente importantes; porém, a investigação educacional já produziu conhecimentos que permitem afirmar que o aumento desses insumos, isoladamente, não apresenta correlação direta com a melhoria da aprendizagem dos alunos, resultado que se busca em última instância.
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Considerando essa limitação, cumpre refletir sobre a viabilidade e oportunidade das seguintes medidas: a) Em primeiro lugar, deve ser feito um diagnóstico do ensino fundamental no Brasil, destacando-se dois aspectos: ocupar os piores empregos, a freqüentar as piores escolas, num quadro que, no geral, contribuía para a perpetuação ou reprodução [...], dos níveis de desigualdade social com base na raça [...]” (Teixeira, 2003, p. 13).
o padrão de gestão e alguns indicadores de produtividade e desempenho dos alunos e professores; b) Fazer indicações para um novo padrão de gestão da política educacional do ensino fundamental, partindo da definição e da articulação de objetivos e prioridades nacionais, visando ao fortalecimento da organização escolar, com a necessidade de coordenação e o regime de cooperação entre União, Estados e municípios; c) Como no Brasil, as realidades escolares e sócio-regionais são diversificadas e certamente não comportam modelos únicos de organização e de tratamento dos conteúdos curriculares, é preciso promover a organização e o tratamento dos conteúdos básicos universalmente consagrados, de forma adequada a alunos desiguais socialmente e heterogêneos culturalmente; d) Utilizar os novos padrões tecnológicos a serviço da educação como ferramenta de inclusão dos alunos, como componente essencial das estratégias de desenvolvimento da aprendizagem. Já se tornou evidente que o conhecimento, a capacidade de processar e selecionar informações, a criatividade e a iniciativa constituem matérias-primas vitais para as economias modernas. e) Rever o padrão de financiamento e alocação de recursos. Aumentar os recursos para o financiamento da educação dos órgãos públicos no âmbito municipal, estadual e Federal, visando subsidiar aos profissionais da educação os meios necessários para garantir melhor nível de qualidade da formação dos educandos. Os recursos existem, mas, para onde vão? Como garantir que cheguem em tempo hábil às tão necessitadas escolas? A questão do financiamento da educação é tema relevante para todos aqueles que lutam
f) Promover os ajustes necessários para elevar os padrões de qualidade, à medida que as taxas de repetência diminuam e que o fluxo escolar comece a se regularizar; g) Depois de decididos os objetivos e prioridades nacionais da educação, deve-se estabelecer um sistema racional de cooperação entre a União, Estados e Municípios. Para tanto, será essencial o processo de descentralização, baseado no federalismo brasileiro. Essa cooperação provavelmente tomará formatos diferentes nas diversas regiões, mas seu traço comum será propiciar a distribuição justa e o uso mais racional dos recursos, evitando a duplicidade ou sobreposição de meios para idênticas ações. h) Qualificar a gestão escolar, pois a capacidade de gestão é pré-requisito para fortalecimento da escola e o exercício de sua autonomia; i) Elaborar planos de capacitação dos docentes, visando a melhorar a aprendizagem dos alunos; j) Formular uma política de distribuição gratuita do livro didático, selecionado criteriosamente, com consonância com os objetivos mais elevados da educação escolar; k) Estabelecer diretrizes para articular a escola aos equipamentos de saúde, lazer e cultura; l) Propor planos de carreira, que valorizem o professor do ensino público para que se torne uma carreira atrativa. Identificar as dificuldades e alternativas de solução para a questão salarial dos professores. A melhoria salarial do professor constitui o desafio maior em termos de opções de políticas públicas. (Mello, 2011)
Assim, é imprescindível equacionar os problemas estruturais, conflitos e carências, a fim de construir uma política educacional direcionada e inclusiva, inserindo metas viáveis de serem executadas gradativamente em curto e em longo prazo. Isso requer que o planejamento e a execução das políticas em educação tenham continuidade e sofram o menos possível com rupturas bruscas, como acontece com a alternância de poder em países politicamente instáveis e de tradição democrática frágil.
CONCLUSÃO Estamos em uma época que exige o abandono de muitos estereótipos e preconceitos, sendo necessário abrir a mente para que sejam percebidos fenômenos que privilegiam pequena parcela da sociedade e excluem os demais, acarretando um gravame social e invocando a necessidade de planos emergenciais nem sempre eficazes. Por isso, as ações afirmativas para educação inclusiva devem ser encaradas como realidade possível, no contexto da sociedade. Os avanços não dependem apenas de produção legislativa, pois, além disso, requerem avaliação das possibilidades de implementação gradativa, contínua, sistemática e planejada. Deve ser gradativa, pois é preciso que os sistemas de educação se ajustem à nova ordem, construindo práticas políticas, institucionais e pedagógicas que garantam o incremento da qualidade de ensino que envolva todos os alunos. A inserção de políticas dirigidas a grupos “raciais” estanques, em nome da justiça social, não elimina o racismo e pode até mesmo produzir o efeito contrário, dando respaldo legal ao conceito de raça e possibilitando o acirramento do conflito e da intolerância.
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por uma escola pública de qualidade, que historicamente demanda um volume significativo de recursos financeiros.
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Na verdade, o que se requer com as ações afirmativas é eliminar as desigualdades raciais, étnicas, religiosas e quaisquer outras, historicamente acumuladas, garantindo a igualdade de oportunidade e de tratamento. Em outras palavras, quer se constituir uma sociedade inclusiva, comprometida com as minorias, capaz de preparar todos os cidadãos brasileiros para transformações culturais e sociais, almejando, sempre, uma convivência pacífica. Filosoficamente, seria criar condições para que todos tenham o direito de participar ativamente da sociedade, contribuindo, de alguma forma, para o seu crescimento, quebrando as barreiras ideológicas de grupos estigmatizados.
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A educação inclusiva não surgiu ao acaso; ao contrário, é algo real e possível, de boa aceitação social e de grande potencial para mudar uma história de exclusão, sustentado por um princípio e garantia constitucional. A sociedade tem o direito de exigir do Estado o seu efetivo cumprimento, com a finalidade de diminuir as desigualdades sociais existentes.
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Percebe-se que o principal caminho para o combate à exclusão social é a construção de serviços públicos universais de qualidade nos setores de educação, de saúde, de previdência e de segurança, conquistas básicas para a promoção do bem-estar geral do povo brasileiro. O Estado deve implantar um plano de políticas públicas que abranja a educação integral, planejando ações que ataquem o problema em sua raiz, reestruturando as escolas públicas, investindo na formação profissional e financeira dos professores, valorizando, dessa forma, todos os brasileiros, sem distinção de raça e, realmente concretizando os princípios constitucionais compatíveis com um verdadeiro Estado Democrático de Direito.
Afinal, o direito à educação é um direito humano fundamental e universal; trata-se de direito subjetivo de todo cidadão e, em contrapartida, dever do Estado, que não pode se furtar a cumpri-lo. Vislumbra-se, portanto, que políticas públicas eficientes e comprometidas a corrigir discriminações, com a finalidade de promover o equilíbrio e a igualdade de condições, estimulando o crescimento intelectual e propiciando maiores oportunidades garantiriam a todos os cidadãos a dignidade, fundamento do Estado Brasileiro.
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Doutrina
A Mineração em Terras Indígenas: uma Análise Socioambiental da Necessidade de Regulamentação Mining in Indigenous Lands: an Analysis of Environmental State Regulation of Indigenous Lands ADRIANY BARROS DE BRITTO FERREIRA
Advogada, Mestranda em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável na Escola Superior Dom Helder Câmara – Belo Horizonte/MG.
CAMILA MARTINS DE OLIVEIRA
Advogada, Professora na Polícia Militar de Minas Gerais e na Escola Superior Dom Helder Câmara, Mestranda em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável pela Escola Superior Dom Helder Câmara.
RESUMO: O presente artigo tem como objetivo realizar uma análise legal e doutrinária acerca da real situação do sistema regulatório que orienta a atividade mineradora em terras indígenas brasileiras. O ordenamento
jurídico brasileiro, sobretudo na esfera constitucional, bem como o sistema normativo internacional obtiveram consideráveis avanços no reconhecimento da necessidade de proteção dos direitos da parte da população nacional composta por índios. No entanto, algumas questões ainda deverão ser enfrentadas pelo Poder Público para que o fim último da nação, representado pela tentativa de pacificação social e o bem da coletividade, seja atingido. A problemática que surge em torno da tentativa de desocupação das terras indígenas para fins de atividade mineradora representa uma das mais importantes batalhas dos índios desde o período do Brasil Colônia. A busca incessante pelo crescimento econômico, principalmente na região Norte do País, por meio da implantação de mineradoras, reacende uma antiga polêmica jurídica acerca dos limites da propriedade em terras indígenas bem como dos impactos sociais, culturais e ambientais que ela representa. Nesse contexto, ressurge, principalmente após o conflito armado ocorrido em 2004 no território Roosevelt, o debate acerca de uma possível aprovação do Projeto de Lei nº 1.610, de 1996, que regula a exploração de recursos minerais em terras indígenas. Diante da escassez de material científico acerca do assunto, tal análise assume grande relevância no cenário moderno vivenciado pela sociedade plural e multiétnica. PALAVRAS-CHAVE: Direito de propriedade; Mineração; terras indígenas; Projeto de Lei nº 1.610/1996; corte interamericana de direitos humanos. ABSTRACT: This paper aims to conduct a legal analysis and doctrinaire about the real situation of the regulatory system that guides the mining activities in indigenous territories in Brazil. The Brazilian legal system, especially in the constitutional sphere, as well as the international legal system achieved considerable advances in the recognition of the need to protect the rights of the national population composed of Indians. However, some issues still need to be addressed by the Government so that the ultimate goal of the nation, represented by the attempt of social peace and the good of the community, is reached. The issue that arises around the attempted eviction of indigenous lands for mining activity is one of the most important battles of the Indians from the period of colonial Brazil. The relentless pursuit of economic growth, especially in the northern region of
KEYWORDS: Property right; Mining; indigenous lands; Law Project nº 1.610/1996; inter-american court of human rights. SUMÁRIO: Introdução; 1 O índio no ordenamento jurídico brasileiro e no cenário internacional; 1.1 Estado socioambiental e tribos indígenas; 1.2 Estatuto do Índio, Código Civil e projeto de lei dos povos indígenas; 2 Direitos dos índios sobre as terras que ocupam; 2.1 O caso da demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol; 2.2 A Corte Interamericana de Direitos humanos e o índio latino-americano; 3 Impactos da mineração em terras indígenas; 3.1 O patrimônio cultural indígena e a atividade mineradora; 4 O anteprojeto da Lei de Mineração em Terras Indígenas (PL 1.610, de 1996); Considerações finais; Referências.
INTRODUÇÃO É imensa a dificuldade de realizar a tarefa científica de analisar algo que sequer existe no ordenamento jurídico, isto é, a falta de lei reguladora da atividade minerária em território indígena enseja a urgência de debate acerca da matéria a fim de que sejam obtidas soluções mais adequadas possíveis para o impasse. Ainda existem, na dogmática jurídica brasileira, poucas obras sobre o tema em análise, fato que torna a elaboração deste artigo árdua, mas, ao mesmo tempo, instigante pelo seu caráter inovador.
O artigo não abordará a totalidade das questões históricas que envolvem a constante participação do índio na formação da sociedade brasileira, uma vez que este assunto é objeto muito bem estudado pelos historiadores e antropólogos. O que se pretende é esclarecer que a participação indígena na constante formação da sociedade brasileira, seja na economia, seja no contexto social, torna necessária a transformação do ordenamento jurídico brasileiro. Há mais de quinhentos anos o não índio tenta impor ao índio brasileiro certo modo de vida que seja considerado “normal” dentro do contexto social. Fato é que ocorreram dominações e, posteriormente, tentativas de integração da população indígena à sociedade cosmopolita. Referida tentativa representa uma época em que o homem subjulgava seu semelhante pelo simples fato de ser índio, fato que gerava reflexos em todas as esferas, principalmente na social e na jurídica, sendo que nesta o próprio Estatuto do Índio, quando promulgado em 1973, tentou integrar o indígena à sociedade. Surge, nesse cenário, a necessidade de regulação da exploração e aproveitamento de minerais em terras indígenas, ao mesmo tempo em que é debatido o mandamento constitucional de demarcação do território indígena brasileiro. É intenso o sentimento social que leva os brasileiros a buscarem que este País se desenvolva economicamente e, ao certo, a exploração de recursos minerais atua como um dos fatores que contribuem para o crescimento econômico. No entanto, faz-se necessário que tal desenvolvimento seja realizado de forma sustentável, com respeito e inclusão de todos os envolvidos, mormente os povos indígenas que integram a sociedade brasileira e, portanto, devem ser considerados e tratados como tal.
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the country, through the deployment of mining rekindles an old debate about the legal boundaries of the property on Indigenous Lands as well as the social, cultural and environmental benefits that this represents. In this context resurge, especially after the armed conflict occurred in 2004 in the Territory Roosevelt, the debate about a possible approval of law Project 1610/1996 that regulates the exploitation of mineral resources in indigenous territories. Given the scarcity of scientific material on the subject such analysis is of great importance in the scenario experienced by our modern pluralistic society.
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1 O ÍNDIO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E NO CENÁRIO INTERNACIONAL O termo “índio” é utilizado no Brasil para se referir a qualquer cidadão descendente de aborígenes americanos que pertençam às diferentes etnias existentes no País, possuidores de costumes próprios. Para Manuela Carneiro (1985, p. 37), índio é aquele que se considera pertencente a uma comunidade indígena – segmentos distintos da sociedade nacional em virtude de uma consciência de sua continuidade histórica com sociedades pré-colombianas – e é por ela reconhecido como membro. A Lei nº 6.001, de 1973, também conhecida como Estatuto do Índio, conceitua índio da seguinte forma: Art. 3º Para os efeitos de lei, ficam estabelecidas as definições a seguir discriminadas:
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I – Índio ou silvícola – É todo indivíduo de origem e ascendência pré-colombiana que se identifica e é identificado como pertencente a um grupo étnico cujas características culturais o distinguem da sociedade nacional [...]. (Brasil, 1973)
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Aos indígenas brasileiros é concedido um tratamento diferenciado. No passado, esse tratamento caracterizou-se por ser integracionista e paternalista. No entanto, conforme o disposto tanto no Estatuto do Índio (Brasil, 1973) quanto na Convenção nº 107 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a visão integracionista já não retratava os anseios da sociedade moderna. Nesse contexto, a própria OIT declarou, em 1986, que a Convenção em tela “mostrava-se obsoleta na modernidade” (OIT, 1989).
A partir da constatação formulada pela OIT, iniciou-se, em 1989, a revisão da Convenção nº 107 e a edição da Convenção nº 1691, ambas da Organização Internacional do Trabalho, de forma a “garantir a preservação e sobrevivência dos sistemas de vida dos povos indígenas e tribais e sua ativa e efetiva participação no planejamento e execução de projetos que lhes dissessem respeito” (OIT, 1989, p. 7). O Brasil não se manteve inerte nesse embate, apesar de ter ratificado a Convenção nº 169 da OIT apenas em julho de 2002. Ao constitucionalizar os direitos dos índios em 1988, o Estado brasileiro concedeu a eles uma regulação especial, como tentativa de respeito e proteção aos direitos inerentes a esta categoria de cidadão, e, claramente, deixou a ultrapassada política da integração para adotar a política de interação. Outras leis no ordenamento jurídico brasileiro também tentam, de alguma forma, regular a situação indígena frente ao Estado, como o Estatuto do Índio, o Código Civil, entre outras tantas que regulam a situação jurídica do índio no Brasil. Apesar da diversidade de normas constantes no ordenamento jurídico pátrio referente aos povos indígenas, o Brasil ainda não dispõe de legislação própria que regule a exploração mineral em terras indígenas, fato que enseja calorosos debates políticos, jurídicos, sociais e ambientais. Antes de proceder à análise do Projeto de Lei nº 1.610-A/1996 que regula a atividade minerária em terras indígenas, cabe realizar um breve levantamento acerca do tratamento do índio na legislação nacional. 1 A Convenção nº 169 da OIT foi internalizada pelo ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto nº 5.051, de 19 de abril de 2004.
1.1 Estado socioambiental e tribos indígenas Como tentativa de encontrar soluções para a crise ambiental vivida pela modernidade, construiu-se a figura do Estado socioambiental, no qual fica evidente que a responsabilidade pelas desordens ambientais é do ser humano e é este que deve modificar seu comportamento e encontrar a melhor forma de sair da crise. Neste artigo não será discutida a nomenclatura utilizada para designar essa nova concepção de Estado baseada no desenvolvimento sustentável, uma vez que para muitos juristas o termo correto seria “Estado Ambiental de Direito” ou “Estado de Direito Ambiental e Ecológico” (Aragão; Canotilho, 2011, p. 25). Adotar-se-á aqui a figura do Estado Socioambiental de Direito para fazer referência à estrutura política-jurídica que objetiva a conciliação dos interesses sociais, econômicos e ambientais do Estado. O socioambientalismo no Brasil “pode ser identificado com o processo histórico de redemocratização do País, iniciado com o fim do regime militar, em 1984, e consolidado com a promulgação da nova Constituição, em 1988 [...]” (Santilli, 2005, p. 31).
A República Federativa do Brasil tem como um de seus objetivos, disposto no art. 3º, IV, da Constituição Federal, a promoção do “bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (Brasil, 1988). Consagra também, no caput de seu art. 5º, o princípio da isonomia. Em uma leitura aprofundada, de forma a conciliar os dois artigos citados anteriormente com o caput do art. 225 da Constituição Federal (Brasil, 1988), chega-se à conclusão que o meio ambiente que pertence a todos, sejam índios ou não índios, deve ser protegido por estes “todos”, sem que o Poder Público possa constituir óbice a essa proteção ambiental. Nessa linha de raciocínio que se dá a proteção constitucional das terras indígenas, que, posteriormente, veremos, constituem bens ambientais, portanto, passíveis de proteção por “todos”. Os bens ambientais restam protegidos constitucionalmente no Direito brasileiro por determinação do art. 225 da Constituição Federal. O artigo em tela, ao dispor que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida [...]”, deixa claro que a palavra “todos” se refere, adotando-se, aqui, uma visão minimalista antropocêntrica, a qualquer ser humano que esteja em território brasileiro, o que, de fato, inclui os índios (Brasil, 1988). Os índios têm um papel de grande relevância na construção do Estado socioambiental ante a própria relação que esta parte da população tem com seu entorno, isto é, com o meio ambiente. Essa relação caracteriza-se pelo respeito e adoração com que os índios tratam a natureza. O índio não se enxerga como parte dissociada do meio ambiente, mas, ao contrário, se vê como
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No cenário internacional, torna-se importante, apenas a título de menção, relatar a aprovação pela Assembleia da ONU em 13 de setembro de 2007, na Cidade de Nova Iorque, da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas. Referido documento segue a mesma tendência da Convenção nº 169 da OIT ante a tentativa de afirmação dos direitos dos índios sem que para isso tenha que assumir uma visão paternalista e integralizadora. A principal característica de ambos os documentos internacionais é resgatar a autonomia e autodeterminação dos povos indígenas com respeito à diversidade cultural e proteção às minorias.
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parte integrante deste meio, em uma completa simbiose ambiental buscada pelo Estado socioambiental.
Estatuto do Índio torna evidente a vontade legislativa de regular a situação indígena.
Vários são os dispositivos normativos brasileiros que fazem referências aos índios. Entre eles, o art. 231 da Constituição Federal em concurso com o Estatuto do Índio tem grande relevância quando se discute a problemática situação das tribos indígenas no contexto sociojurídico nacional.
O parágrafo único do art. 1º do Estatuto em comento dispõe:
Conforme Luciano (2006, p. 28), o índio deixou o medo da estigmatização e preconceito para trás e se assumiu como tal, impondo ao Estado brasileiro a sua condição de parte da sociedade carecedora de direitos peculiares derivados tanto de sua condição econômica quanto da real situação política, social e cultural que os índios encontram-se inseridos.
Acerca da lei em questão, é preciso que seja esclarecida a sua não recepção parcial pela Constituição Federal no que tange ao objetivo integracionista que busca, em 1973, o Estatuto do Índio.
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Nesse contexto, o Estado deve, em respeito ao princípio constitucional da igualdade insculpido no caput do art. 5º da Constituição Federal (Brasil, 1988), regular as situações em que os indígenas sejam parte, de modo a não deixá-los à margem da sociedade como de fato vêm se situando ao longo dos mais de 500 anos de história do nosso País. Portanto, não há como se conceber a concretização de um Estado socioambiental sem que o Estado proteja e regule as atividades praticadas em terras indígenas.
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1.2 Estatuto do Índio, Código Civil e projeto de lei dos povos indígenas O indígena se submete à integralidade da legislação brasileira conforme preceitua o princípio da isonomia disposto no caput do art. 5º da Constituição Federal (Brasil, 1988). No entanto, a fim de resguardar direitos e preservar características muito peculiares à população indígena, o Estado brasileiro criou normas específicas para este setor do povo brasileiro. O
Aos índios e às comunidades indígenas se estende a proteção das leis do País, nos mesmos termos em que se aplicam aos demais brasileiros, resguardados os usos, costumes e tradições indigenistas, bem como as condições peculiares reconhecidas nesta lei. (Brasil, 1973)
Por integracionismo entende-se a necessidade de integrar o índio na sociedade “civilizada”, tratando-o como ser não evoluído. Tanto a Convenção OIT quanto a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas já aboliram a ideia retrógrada de integração do índio à sociedade, como se esta parcela da população não fizesse parte da construção de um projeto de nação. O Código Civil brasileiro também não se omitiu quando, no parágrafo único do art. 4º, dispôs que a capacidade civil do indígena será regulada por lei especial, que, no caso, é representada pelo Estatuto do Índio. Por fim, deve ser observado o Projeto de Lei nº 2.054, de 1991, que tramita no Congresso Nacional a mais de vinte anos, que consiste em uma tentativa de alterar-se o atual Estatuto do Índio. Conforme o projeto de lei, deverá ser acelerada a demarcação do território indígena, fato que dificultaria a atividade minerária nessas terras.
2 DIREITOS DOS ÍNDIOS SOBRE AS TERRAS QUE OCUPAM A terra para os índios possui significado diverso de como a entende a sociedade capitalista. Em suas terras eles desen-
Santos, Bloemer, Werner e Nacke (1985) citam trecho de uma palestra proferida por José Afonso da Silva na Universidade de São Paulo, em outubro de 1983, na qual o mencionado professor fala da “aplicabilidade do art. 198 e os direitos constitucionais das populações indígenas”. Veja: A relação entre o indígena e suas terras não se rege pelas normas do direito civil... sua posse extrapola a órbita puramente privada e é a base de seu habitat no sentido ecológico de interação do conjunto de elementos naturais e culturais que propiciam o desenvolvimento equilibrado da vida humana... Esse tipo de relação não tem nada a ver com as limitações individualistas do direito privado. (Santos, Bloemer, Werner e Nacke, 1985, p. 107)
O Alvará Régio de 1º de abril de 1680, ratificado pela lei de 6 de junho de 1755, em que João Mendes Junior, no início do século XX, elaborou a teoria brasileira do indigenato (Bulos, 2011) foi o primeiro documento que expressou e estabeleceu “uma reserva de terras aos índios, senhores primários e naturais delas” (Bulos, 2011, p. 1609). Para Barbosa: Pelo indigenato, instituído pelo Alvará de 1680, o direito indígena à terra no Brasil é reconhecido como direito especial, absolutamente distinto do direito de quaisquer outros cidadãos, não integrando o sistema relativo aos direitos de posse e de propriedade, previstos pelo Código Civil, mas se constitui em direito autônomo, especial e independente do sistema geral. (Barbosa, 2007, p. 5)
Desde a Constituição de 1934 o Estado brasileiro procura “proteger as terras que os índios tradicionalmente ocupam, evitando desapossamentos” (Bulos, 2011, p. 1609). Porém, foi a atual Constituição (Brasil, 1988) que, além de preservar o instituto do indigenato, inaugurou uma nova fase da relação entre os povos indígenas e o Estado, já que, conforme Curi (2005), expressou
direitos fundamentais para a sobrevivência física e cultural dos indígenas e “retirou a visão assimilacionista que permeava a legislação brasileira desde a conquista”. Do art. 231 e seus parágrafos, da Constituição da República (Brasil, 1988), depreende-se que sobre as terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas decorrem os direitos de propriedade e usufruto, com as suas correspondentes limitações (Silva, 2001). Vale mencionar, a priori, que tais terras são bens da União, conforme art. 20, inciso XI, da Carta Maior (Brasil, 1988), e de seu domínio, conforme estabelece a Súmula nº 480 do Supremo Tribunal Federal: “Pertencem ao domínio e administração da União, nos termos dos arts. 4º, IV, e 186, da Constituição Federal de 1967, as terras ocupadas pelos silvículas”, e com isso há uma proteção maior aos territórios que são indígenas com a garantia da não alienação, indisponibilidade e imprescritibilidade de tais terras (art. 231,§ 4º, da CF). Cite-se Luiz Felipe Lobo (1996): A propriedade das terras indígenas outorgadas à União nasce com o objetivo de mantê-las reservadas a seus legítimos possuidores. Há um vínculo indissolúvel entre a reserva a que se destina e a natureza desta propriedade. Por esta razão são terras inalienáveis, indisponíveis, inusucapíveis e os direitos sobre elas são imprescritíveis. (Lobo, 1996, p. 53)
O § 1º do art. 231 caracteriza as “terras tradicionalmente ocupadas pelos índios” com base em quatro condições, quais sejam: a) aquelas habitadas por eles em caráter permanente; b) as utilizadas para suas atividades produtivas; c) as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários ao seu bem-estar (dos índios); e d) as necessárias para a reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições (Brasil, 1988).
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volvem todos os seus potenciais de identidade cultural e de sobrevivência física.
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O termo “tradicionalmente” não deve ser interpretado de forma temporal ou imemorial, como se a ocupação das terras pelos índios fosse determinada pela história, pela quantidade de anos da habitação. Deve, sim, ser analisada a partir do modus vivendi dessas populações (ou comunidades). A esse respeito, Silva (2001) menciona: O tradicionalmente refere-se, não a uma circunstancia temporal, mas ao modo tradicional de os índios ocuparem e utilizarem as terras e ao modo tradicional de produção, enfim, ao modo tradicional de como eles se relacionam com a terra, já que há comunidades mais estáveis, outras menos estáveis, e as que têm espaços mais amplos pelo qual se deslocam, etc. Daí dizer que tudo se realize segundo seus usos, costumes e tradições. (Silva, 2001, p. 831)
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Para ilustrar a abrangência do termo anteriormente citado, ou seja, “tradicionalmente”, vale mencionar como Von Martins apud Santilli descreve o modo como os índios entendem propriedade e com ela relacionam-se. Veja-se:
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Esta idéia nítida de uma propriedade determinada da tribu toda, basêa-se principalmente na necessidade de possuir uma certa região de matta para terreno exclusivo de caça porque, ao passo que poucos hectares de terreno cultivado são sufficientes para prover a subsistência de uma communidade numerosa, a caça move-se em território muito maior. Às vezes estendem-se taes territórios de caça até além do terreno occupado pela tribu. Os seus limites são rios, montanhas, rocha, cachoeiras e grandes árvores; estes limites basêam-se ora em tradições, ora em verdadeiros tratados. Nas occasiões das demarcações os pagés também representam um papel, fazendo toda espécie de palhaçadas, chocalhando os maracás, communs a todos os selvagens africanos, batendo os bumbos e soltando fumaça de grandes cigarros. Às vezes penduram-se cestas, trapos ou pedaços de cascas de arvores nos marcos. As incursões nos territórios alheios são uma das mais frequentes causas de guerra. Cessões voluntarias são feitas tacitemente, retirando-se uma tribu para deixar entrar outra [sic]. (Von Martins apud Santilli, 1993, p. 21)
O § 2º do art. 231 da Constituição da República (Brasil, 1988), por sua vez, declara que “as terras ocupadas tradicionalmente pelos índios destinam-se à sua posse permanente”. Ao falar em “posse permanente” o constituinte a considera como uma garantia para o futuro e, com isso, “algo insuscetível de alienação e, muito menos, de disponibilidade” (Bulos, 2011, p. 1610). Tourinho Neto (1993) esclarece que o sentido da palavra “permanência” expressa pelas Constituições brasileiras de 1934, 1937 e 1946 é diferente do mencionado pelas Constituições de 1967, 1969 e 1988, pois as primeiras referiram-se ao passado, enquanto as últimas, ao futuro, ou seja, as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, como sempre o foram, assim continuarão. Silva (2001), em concordância com a posição anterior, acrescenta: Quando a Constituição declara que as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios se destinam a sua posse permanente, isso não significa um pressuposto do passado como ocupação efetiva, mas, especialmente, uma garantia para o futuro, no sentido de que essas terras inalienáveis e indisponíveis são destinadas, para sempre, ao seu habitat. Se se destinam (destinar significa apontar para o futuro) à posse permanente é porque um direito sobre elas preexiste à posse mesma, e é o direito originário já mencionado. (Silva, 2011, p. 833)
Nascimento (2010, p. 711) acrescenta que tal termo traduz “o local onde eles aparecem, mesmo em ritmo de frequência inconstante, embora, a rigor, tenham uma organização estável”, isto é, devem ser considerados também os hábitos de cada comunidade indígena, já que algumas podem exercer habitação permanente em mais de um lugar, influenciadas pelo clima ou solo.
Refere-se tal previsão, conforme Bulos (2011), ao poder de direito que os índios exercem sobre tais territórios, vez que pertencem a eles desde sempre (ius possidendi). Ademais, tal exclusividade do usufruto é oriunda do modo como vivem os índios e da interdependência que possuem com a terra, já que a ela dão “valor de vida” conforme seus costumes e tradições. As terras indígenas, portanto, são de domínio da União. A posse, todavia, pertence exclusivamente aos índios. Do instituto do indigenato (fonte primária e congênita da posse territorial) deriva o princípio da irremovibilidade dos índios de suas terras, conforme dita o § 5º do art. 231 da Constituição (Brasil, 1988). Por mencionado dispositivo, a retirada dos índios de seus territórios não é permitida, somente se autorizado pelo Congresso Nacional e em caso de catástrofe ou epidemia que possa colocar em risco a vida e continuidade da população (comunidade), ou no interesse do País, com a garantia de retorno imediato às terras, após a cessação do risco. O § 6º do art. 231 da Constituição da República (Brasil, 1988), por fim, considera nulos e extintos “os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nela existentes”.
Ademais, insta mencionar que as terras indígenas estão incluídas no que dispõe o art. 5º, inciso XXIII, da Constituição da República (Brasil, 1988), ou seja, devem cumprir a sua função social. O conceito de função social da propriedade encontrou força em Leo Duguit, bem como na doutrina social da Igreja, no constitucionalismo social de Weimar e do México (Figueiredo, 2010, p. 79), e decorreu da necessidade de ultrapassar as concepções individualistas do direito privado, ligadas ao absolutismo na relação entre homens e bens. A Constituição da República (1988), com a inserção do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, adicionou ao conceito do princípio da função social da propriedade o aspecto ambiental, intimamente relacionado à dignidade da pessoa humana e, que se sabe, inclui não somente o aspecto natural, mas também o social e cultural. Quando se fala de terras indígenas, a ideia de propriedade prevalecente é “comunitária”, em que os índios dividem os seus frutos e proveitos em benefício da sobrevivência da comunidade.
2.1 O caso da demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol Ao tratar-se de assunto tão relevante no contexto jurídico-social brasileiro, como a regulação das terras indígenas, não pode esquecer-se de analisar o caso emblemático que envolve índios e direito de propriedade: a demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, iniciada no STF com a Petição nº 3.388, em 20 de maio de 2005, pelo Senador Augusto Affonso Botelho Neto contra a União. A terra indígena Raposa Serra do Sol localiza-se junto à fronteira do Brasil com a Venezuela e a Guiana, ao norte do Estado de Roraima, e abriga diversas etnias destacando-se a Macuxi.
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E ainda, o citado parágrafo acrescenta como direito dos índios, em decorrência da posse permanente sobre as terras ocupadas tradicionalmente, “o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes” (Brasil, 1988).
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O processo demarcatório da reserva citada iniciou-se em 1977 com conclusão em 2005 e representa a “existência de uma discussão mais profunda que revela a divergência entre valores, princípios e objetivos que permeiam a atual sociedade brasileira”, segundo Mota e Galafassi (2012, p. 11).
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Bulos (2011), em apartada síntese, resume as alegações dos autos:
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[...] buscou impugnar o modelo contínuo de demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, situada no Estado de Roraima, pleiteando a declaração de nulidade da Portaria nº 534/2005, do Ministro de Estado da Justiça, e do Decreto homologatório de 15 de abril de 2005, do Presidente da República. Sustentou o autor da ação popular que a Portaria nº 534/2005 apresentou os mesmos vícios da Portaria nº 820/1998, que a antecedeu, não observando as normas dos Decretos nºs 22/1991 e 1.775/1996, haja vista que não teriam sido ouvidas todas as pessoas e entidades afetadas pela controvérsia. Demais disso, alegou-se que o laudo antropológico sobre a área em discussão teria sido assinado por apenas um profissional, o que seria prova de presumida parcialidade. Afirmou, ainda, que a reserva em área contínua traria consequências desastrosas tanto para o Estado de Roraima, sob os aspectos comercial, econômico e social, quanto para os interesses do País, por comprometer a segurança e a soberania nacionais. Argumentou, finalmente, que haveria desequilíbrio da Federação, já que a área demarcada, ao passar para o domínio da União, suprimiria parte significativa do território roraimense, ferindo o princípio da razoabilidade, ao privilegiar a tutela do índio em detrimento da iniciativa privada. (Bulos, 2011, p. 1613)
Aqui não será feita uma análise detalhada do voto do Relator, mas merecem destaque – vez que tema deste tópico – os argumentos relacionados ao impedimento da demarcação das terras em questão. Nesse caso, o Ministro Relator Carlos Ayres Britto entendeu pela manutenção da demarcação contínua das terras indígenas nos limites fixados pela Funai em parecer de 1993, no qual delimitou a área equivalente a 1.678 milhões de hectares.
Um dos argumentos utilizados pelo Estado de Roraima foi o de que a demarcação da terra indígena representaria a subtração do território do Estado e isso prejudicaria não apenas a ele, mas também ao País. O Ministro rechaçou tal alegação, afirmando que o direito dos índios às terras trata-se de direito preexistente e originário à constituição do Estado citado, bem como que tais terras são bens da União antes, inclusive, do próprio território de Roraima tornar-se ente federado. Insta salientar que a demarcação das terras indígenas não representa um ato constitutivo e significa ato secundário para a sua certificação (Souza Filho, 1998, p. 149). Souza Filho (1998), a esse respeito, menciona: A demarcação das terras indígenas é o ápice do processo de reconhecimento do seu caráter ou natureza. Apesar disto, muitas vezes tem se dado mais importância à demarcação do que à realidade. A demarcação de terras indígenas somente é necessária para sua própria proteção física, mas não se pode deixar de protegê-la juridicamente ainda que não haja demarcação. Isto é, a demarcação não é um ato administrativo que constitui a terra indígena, mas é mero ato de reconhecimento, de natureza declaratória. (Souza Filho, 1998, p. 148)
Importante mencionar, do conteúdo do voto do Ministro, o seu entendimento quanto à ameaça à integralidade do território e soberania nacional, por “suposta independência das comunidades indígenas em relação aos Poderes Públicos, seja por suposta insuficiência dessas comunidades em defender faixa de fronteira”, como sintetizaram Mota e Galafassi (2012, p. 55). Da mesma forma, o Ministro Relator refutou tal menção ao afirmar que os índios integram a sociedade brasileira desde o início e, por isso, não devem ser considerados como indivíduos apartados e longe da formação da identidade cultural do país. Ademais e novamente, as terras indígenas são bens da União,
Merece ser citado fragmento do voto do Ministro Carlos Ayres que bem retrata o anteriormente mencionado: Como, então, em pleno século XXI, considerados os avanços culturais de toda ordem, cogitar-se de isolamento da população indígena, procedendo-se à delimitação territorial contínua para afastar-se da área os não-índios? O retrocesso é flagrante, não se coadunando com os interesses maiores de uma nacionalidade integrada. As lutas incessantes pela almejada unidade, especialmente as capitaneadas por Dom Pedro II, não podem ser olvidadas, menosprezando-se a cláusula proibitiva da distinção presente a origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer formas de discriminação. A óptica contrária desconsidera objetivo fundamental da República Federativa do Brasil – construir uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º). (Supremo Tribunal Federal, 2008, p. 85)
Outro ponto a ser sublinhado diz respeito à não confusão entre terras indígenas e territórios, já que as primeiras, conforme se depreende do dito anteriormente, são partes formadoras do território brasileiro e esse, por sua vez, “se define como parte elementar de cada qual das nossas pessoas jurídicas federadas” (Bulos, 2011, p. 1615).
solidariedade, no plano do reconhecimento de que os aborígines precisam do convívio com os não índios; b) humildade, para reconhecer que esse convívio é uma verdadeira estrada de mão dupla, porquanto reciprocamente benfazejo. Esse tipo de humildade, justamente, que refreia e dissipa de vez todo ímpeto discriminatório ou preconceituoso contra os indígenas, como se eles não fossem os primeiros habitantes da Terra Brasilis cuja integridade física tão bem souberam defender no curso de nossa história de emancipação política, de parelha com uma libertária visão de mundo que talvez seja o mais forte componente do nosso visceral repúdio a toda forma de autocracia, ao lado da nossa conhecida insubmissão a fórmulas ortodoxas de pensar, fazer e criar. Daqui se infere o despropósito da afirmação de que “índio só atrapalha o desenvolvimento”, pois o desenvolvimento como categoria humanista e em bases tão ecologicamente equilibradas quanto sustentadas bem pode ter na cosmovisão dos indígenas um dos seus elementos de propulsão. (Bulos, 2011, p. 1616)
Diante disso, o presente caso possui importância histórica na luta pelos direitos dos índios às terras que tradicionalmente ocupam e das quais possuem a base para a sua sobrevivência física e cultural sem falar, obviamente, da relevância da cultura indígena na formação e continuidade da identidade deste País.
2.2 A Corte Interamericana de Direitos Humanos e o índio latino-americano
Bulos (2011), referindo-se ao tema, em um mesmo tópico menciona a importância do indígena para a formação sociocultural do Brasil bem como a improcedência da afirmação de que a questão indígena é empecilho para o desenvolvimento do País. Veja-se:
A necessidade de proteção às terras indígenas e seus recursos naturais, com destaque para a valorização da relação de sobrevivência física, cultural, social e espiritual que os índios mantêm com a terra, chegou ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos que, com base no princípio da não discriminação, passou a estabelecer obrigações legais aos Estados, com o intuito de avançar no campo da proteção dos direitos humanos.
A Magna Carta brasileira busca integrar os nossos índios para agregar valor à subjetividade deles (fenômeno da aculturação). [...] Já o outro lado da normação constitucional, este reside na proposição de que as populações ditas civilizadas também têm a ganhar com sua aproximação com os índios. Populações civilizadas de quem se exige: a)
O sistema interamericano de proteção aos direitos humanos possui como mais importante instrumento a Convenção Americana de Direitos Humanos, denominada também de Pacto de San José da Costa Rica (1969). Tal Convenção reconhece e elenca uma
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constituem o seu patrimônio e a sua titularidade não é partilhada com nenhum outro sujeito jurídico, seja de direito público interno ou externo, segundo Bulos (2011), o que não impossibilita a manutenção dos vínculos jurídicos com os Estados e Municípios que os abarcam.
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série de direitos civis e políticos, entre eles, a título de exemplo, o direito à personalidade jurídica, o direito à liberdade, o direito à resposta, à nacionalidade, e à proteção judicial. Conforme Piovesan (2010, p. 339), a Convenção Americana limita-se a determinar aos Estados o atendimento e alcance progressivos à realização dos direitos nela contidos, por meio da adoção de medidas legislativas e outras adequadas. Salienta, ainda, a mesma autora: Promover a observância e a proteção dos direitos humanos na América é a principal função da Comissão Interamericana, Para tanto, cabe à Comissão fazer resimendações aos governos dos Estados-partes, prevendo a adoção de medidas adequadas à proteção desses direitos; preparar estudos e relatórios que se mostrem necessários; solicitar aos governos informações relativas às medidas por eles adotadas concernentes à efetiva aplicação da Convenção; [...]. (Piovesan, 2010, p. 340)
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Entre as categorias de violações aos direitos humanos nas quais atuam a Corte Interamericana, encontra-se o das violações aos direitos de grupos socialmente vulneráveis em que estão incluídos, além das crianças, migrantes e presos, também os povos indígenas (Piovesan, 2010, p. 345).
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A América Latina é a região do mundo considerada a que mais sofre com as consequências da exclusão e desigualdade sociais. Dentro desse cenário, inclui-se a situação dos indígenas latino-americanos, que é marcada por discriminação social e violações aos seus direitos. O caso da comunidade Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs. o Estado da Nicarágua, em 1998, foi o primeiro a ser levado à Corte Interamericana de Direitos Humanos e a demanda proposta baseou-se nos seguintes pontos: a) que o Estado acusado não demarcou as terras comuns da comunidade Awas Tingni; b) que não adotou as medidas efetivas para assegurar os direitos de propriedade da comunidade em suas terras ancestrais e
recursos naturais; c) outorgou concessão à empresa Solcarsa para a exploração de madeira nas terras da comunidade, sem o seu consentimento (comunidade); e d) não respondeu às reclamações da comunidade sobre os seus direitos de propriedade (Corte Interamericana de Direitos Humanos, 2001). Após toda a instrução do procedimento, com a garantia do contraditório e ampla defesa, a Corte reconheceu a natureza coletiva do direito à terra dos índios da comunidade referida, bem como a sua íntima relação com a terra. A Corte reconheceu que os povos indígenas possuem o direito coletivo à propriedade das terras por eles tradicionalmente ocupadas, e que tal direito está fundamentado na história desses povos, em seu direito originário que independe de títulos do governo (Corte Interamericana de Direitos Humanos, 2001). Considerou, ainda, que o Estado da Nicarágua falhou e omitiu-se na proteção dos direitos de tal comunidade, não tendo a ela oportunizado, especialmente, acesso às informações necessárias quanto ao uso das suas terras e recursos naturais existentes por empresa madeireira, bem como não possibilitou a sua participação no processo de concessão de tal exploração (Corte Interamericana de Direitos Humanos, 2001). Quanto à relação da comunidade Awas Tingi com a propriedade de suas terras, a fim de corroborar com as afirmações do tópico anterior, a título ilustrativo, vale mencionar os testemunhos a seguir, que foram levados em conta para o reconhecimento do caráter coletivo do direito à terra dos indígenas. Transcrevam-se: a) Jaime Castillo Felipe, membro da comunidade em questão: Él y los miembros de la Comunidad viven de la agricultura, la caza y la pesca, entre otras actividades. Para cazar realizan un viaje de 15 días. La Comunidad selecciona lo que consume, y así no destruye los recursos naturales. Las tierras son ocupadas y explotadas por toda la
b) Charly Webster Mclean Cornelio, secretário da Comissão Territorial de Awas Tingni: El territorio de los Mayagna es vital para su desarrollo cultural, religioso y familiar, y para su propia subsistencia, pues realizan labores de caza (cazan “chanchos de monte”) y pesca (desplazándose a lo largo del Río Wawa) y, además, cultivan la tierra. Es un derecho de todo miembro de la Comunidad trabajar la tierra, cazar, pescar y recolectar plantas medicinales; sin embargo, está prohibida la venta y la privatización de estos recursos. El territorio es para ellos sagrado, y a lo largo de éste se encuentran varios cerros de gran importancia religiosa, como el Cerro Mono, el Cerro Urus Asang, el Kiamak y el Cerro Quitirís. Existen también otros lugares sagrados, en los cuales la Comunidad tiene árboles frutales de pejibaye, limón y aguacate. Cuando los habitantes de Awas Tingni pasan por estos lugares, que datan de 300 siglos, según lo que su abuelo le decía, lo hacen en silencio como señal de respeto a sus
2 Os membros da comunidade vivem da agricultura, da caça e da pesca, entre outras atividades. Para caçar realizam uma viagem de 15 dias. A comunidade seleciona o que consome, e assim não destroem os recursos naturais. As terras são ocupadas e exploradas por toda a comunidade. Ninguém é individualmente dono da terra, os recursos dela são coletivos. Se a pessoa não pertence à comunidade não pode explorar a terra. Não existe o direito de expulsar alguém da comunidade. Para negar o direito ao uso da terra a algum dos membros da comunidade, o assunto tem que ser considerado e decidido pela junta da comunidade. [...] Mas, por serem as terras propriedade coletiva da comunidade, não há forma de transmissão de um membro ao outro dos direitos que livremente tem em relação ao uso delas. (Tradução livre)
muertos y saludan a Asangpas Muigeni, el espíritu del monte, que vive debajo de los cerros.3 (Corte Interamericana de Direitos Humanos, 2001, p. 21)
c) Perícia de Rodolfo Stavenhagen Gruenbaum, antropólogo e sociólogo: La mayoría de los pueblos indígenas en América Latina son pueblos cuya esencia se deriva de su relación con la tierra, ya sea como agricultores, como cazadores, como recolectores, como pescadores, etc. El vínculo con la tierra es esencial para su autoidentificación. La salud física, la salud mental y la salud social del pueblo indígena están vinculadas con el concepto de tierra. Tradicionalmente, las comunidades y los pueblos indígenas de los distintos países en América Latina han tenido un concepto comunal de la tierra y de sus recursos.4 (Corte Interamericana de Direitos Humanos, 2001, p. 25)
3 O território dos Mayagna é vital para o seu desenvolvimento cultural, religioso e familiar, e para a sua própria subsistência, pois realizam trabalhos de caça (caçam chanchos de monte) e pesca (ao largo do Rio Wawa) e, além disso, cultivam a terra. É um direito de todo membro da comunidade trabalhar na terra, caçar, pescar e colher plantas medicinais; contudo, está proibida a venda e a privatização destes recursos. O território é para eles sagrado, e ao seu redor encontram-se vários morros de grande importância religiosa, como o Morro Mono, o Morro Urus Asang, o Kiamak e o Morro Quitirís. Existem também outros lugares sagrados, nos quais a comunidade tem árvores frutíferas de …, limão e abacate. Quando os habitantes de Awas Tingni passam por estes lugares, que datam de 300 séculos, segundo o que seus avós diziam, fazem silêncio em sinal de respeito a seus mortos e saúdam a Asang Muigeni, o espírito do vale, que vive debaixo dos morros. (Tradução livre) 4 A maioria dos povos da América Latina são povos cuja essência deriva-se de sua relação com a terra, seja como agricultores, como caçadores, como colhedores, como pescadores, etc. O vínculo com a terra é essencial para a sua autoidentificação. A saúde física, a saúde mental e a saúde social do povo indígena estão vinculadas com o conceito da terra. Tradicionalmente, as comunidades e os povos indígenas dos distintos países na América Latina tem tido um conceito comum da terra e seus recursos naturais. (Tradução livre)
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comunidad. Nadie es individualmente dueño de la tierra, los recursos de ésta son colectivos. Si la persona no pertenece a la Comunidad no puede explotar la tierra. No existe el derecho de expulsar a alguien de la Comunidad. Para negar el derecho al uso de la tierra a alguno de los miembros de la Comunidad, el asunto tiene que ser considerado y decidido por La Junta de ésta. [...] Pero, al ser las tierras propiedad colectiva de la Comunidad, no hay manera de que un miembro transmita a otro libremente los derechos que tiene en relación con el uso de ellas.2 (Corte Interamericana de Direitos Humanos, 2001, p. 19)
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Outro caso levado à Corte Interamericana foi o do povo Saramaka vs. o Estado do Surinam, cuja demanda foi proposta em 23 de junho de 2006 e sentenciada em 28 de novembro do ano seguinte. A Comissão alegou que o Estado do Surinam, em síntese: a) não adotou medidas efetivas para reconhecer o uso e gozo do território que tem sido ocupado e usado tradicionalmente pelo povo Saramaka; b) que, supostamente, violou o direito a proteção judicial desse povo indígena ao não dar-lhes acesso efetivo à Justiça para a proteção de seus direitos fundamentais, particularmente o direito a posse e propriedade, conforme os seus costumes tradicionais; e c) que, supostamente, o Estado não cumpriu com o seu dever de adotar disposições de direito interno para garantir e respeitar estes direitos dos Saramakas (Corte Interamericana de Direitos Humanos, 2007).
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No relatório do caso, a Corte reconhece os integrantes do povo Saramaka não como indígenas, mas como um povo que se comporta como tal e expressa isso em suas tradições sociais, culturais e econômicas. Reconhece a Corte que a estrutura social de tal comunidade é diferente das demais comunidades nacionais, a exemplo, a sua organização em clãs de linhagem materna e comportamentos baseados em costumes e tradições e a nomina de “comunidade tribal” (Corte Interamericana de Direitos Humanos, 2007).
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Merece destaque o seguinte trecho do relatório apresentado pela Corte que descreve a relação do povo Saramaka com a terra que, apesar de não ser indígena, considera-se como tal. Veja-se: Su cultura es muy parecida a aquella de los pueblos tribales en tanto los integrantes del pueblo Saramaka mantienen una fuerte relación espiritual con el territorio ancestral que han usado y ocupado tradicionalmente. La tierra significa más que meramente una fuente de subsistencia para ellos; también es una fuente necesaria para la continuidad de la vida y de la identidad cultural de los miembros del pueblo Saramaka. Las tierras y los recursos del pueblo Saramaka forman parte de su esencia social, ancestral y espiritual. En este territorio, el pueblo Saramaka caza,
pesca y cosecha, y recogen agua, plantas para fines medicinales, aceites, minerales y madera. Los sitios sagrados están distribuidos en todo el territorio, a la vez que el territorio en sí tiene un valor sagrado para ellos. En especial, la identidad de los integrantes del pueblo con la tierra está intrínsicamente relacionada con la lucha histórica por la libertad en contra de la esclavitud, llamada la sagrada “primera vez”.5 (Corte Interamericana de Direitos Humanos, 2007, p. 25)
Ademais, quanto ao uso da terra, a Corte concluiu que o Estado do Surinam outorgou aos integrantes do povo Saramaka o privilégio de usá-la, porém não garantiu a eles o direito de controlá-la efetivamente e de ser proprietário do território sem qualquer interferência externa. Ao final, a Corte estabeleceu as seguintes medidas reparatórias, quais sejam: a) determinou que o Estado do Surinam estabeleça disposições legais para a proteção do direito de propriedade do povo Saramaka, bem como adotar em sua legislação interna e por meio de consultas prévias a tal comunidade, as medidas legislativas, administrativas necessárias para proteger o direito de propriedade desse povo, sem prejuízo a outras comunidades tribais e indígenas; b) abstenha-se de praticar qualquer ato que afete diretamente o direito de propriedade ou a integridade do território do povo Saramaka; c) reparar o dano ambiental causado 5 Sua cultura é muito parecida com aquela dos povos tribais, já que os integrantes do povo Saramaka mantêm uma forte relação espiritual com o território ancestral que têm usado e ocupado tradicionalmente. A terra significa mais que uma mera fonte necessária para a continuidade da vida e da identidade cultural dos membros do povo Saramaka. As terras e os recursos do povo Saramaka formam parte de sua essência social, ancestral e espiritual. Neste território, o povo Saramaka caça, pesca e cozinha, e recolhe água, plantas para fins medicinais, azeites, minerais e madeira. Os lugares sagrados estão distribuídos em todo o território, uma vez que o território em si possui um valor sagrado para eles. Em especial, a identidade dos integrantes dos povos com a terra está intrinsecamente relacionada com a luta histórica para a liberdade e contra a escravidão, chamada de a “sagrada primeira vez”. (Tradução livre)
Ante a breve descrição dos casos anteriores, percebe-se que em ambos destacam-se os seguintes pontos: a) a necessária proteção às comunidades indígenas (comunidades tribais) e a inserção de tal proteção no ordenamento interno dos países; b) a relação de respeito e interdependência entre o povo indígena (ou comunidade tribal) e a terra, o que claramente demonstra a diferença existente entre a noção de propriedade para tais populações e a sociedade capitalista; e c) a relevância da participação dos indígenas nas decisões que possam afetá-los em seu bem estar e sua vida em geral. Na América Latina, vez que se fala aqui dos índios latino-americanos, a primeira iniciativa de proteção internacional aos direitos indígenas remonta de 1940, no Congresso Indigenista Interamericano de Pátzcuaro, realizado no México (Urquidi; Teixeira; Lana, 2008, p. 199). Atualmente, o principal documento de proteção internacional aos direitos tratados é a Convenção nº 169, de 1989, da Organização Internacional do Trabalho, que trata dos Povos Indígenas
e Tribais em países independentes. Tal Convenção destaca a autodeterminação dos povos em relação ao Estado, a consciência de identidade como critério identificador do sujeito de direitos, a participação e influência dos indígenas em decisões relacionadas aos aspectos econômicos, sociais e culturais de suas vidas, bem como a garantia dos territórios ditos como tradicionais, todos baseados nos princípios de igualdade e não discriminação (Urquidi; Teixeira; Lana, 2008, p. 200).
3 IMPACTOS DA MINERAÇÃO EM TERRAS INDÍGENAS É sabido que a mineração é considerada uma das atividades que mais causam impactos socioambientais, já que, além da utilização de recursos naturais não renováveis, ainda interferem na vida e organização social das comunidades que vivem na área minerada ou próximo a ela. Em terras indígenas, as agressões são muito mais perversas, vez que confronta interesses de povos que vivem e sobrevivem da intensa relação com a terra. Curi (2005) menciona: A questão da mineração em terras indígenas abrange diversos interesses e atores sociais, o que faz com que a matéria se apresente ainda hoje de maneira delicada e controvertida. De modo geral, as partes antagônicas que se conflitam são, de um lado, os povos indígenas, que lutam pelo reconhecimento de seus direitos sobre as terras que tradicionalmente ocupam e pela necessidade de eles próprios decidirem sobre os projetos realizados dentro de seus limites e que envolvam suas comunidades; e do outro lado, estão os interessados em explorar os recursos minerais dispostos nessas terras, que visam, primeiramente, a obtenção de lucro e riqueza. (Curi, 2005, p. 90)
No que se refere ao aproveitamento dos recursos minerais em terras indígenas, a Constituição da República (1988) fixou con-
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pela concessão madeireira outorgadas pelo Estado no território tradicionalmente ocupado e utilizado pela comunidade citada; d) adotar todas as medidas necessárias, legislativas, administrativas e qualquer outra que o caso exija, para proteger judicialmente o povo Saramaka e tornar efetivo os direitos coletivos e individuais do povo em relação com o território em que vivem; e) a fim de dar acesso ao povo envolvido a todo o ocorrido e determinado pela Corte, foi estabelecido por ela que o Estado do Surinam traduzisse para o holandês e publicasse o Capítulo VII da sentença definitiva; e f) estabeleceu que o Estado garanta a realização de estudos de impactos ambientais e sociais com toda a assistência técnica necessária e participação do povo Saramaka, com o intuito de minimizar o prejuízo que os projetos de construção possam vir a causar a eles (Corte Interamericana de Direitos Humanos, 2007).
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dições específicas e restritivas, conforme os arts. 176, § 1º, e 231, § 3º.
Os conflitos entre os garimpeiros e os índios Cinta Larga iniciaram-se em 2004.
Para Curi (2005, p. 99), tais limitações a essa exploração decorrem do alto impacto causado pela mineração ao meio ambiente (natural) e às populações indígenas, com possibilidade de provocar danos irreversíveis e irreparáveis.
Segundo Curi (2005):
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Com a análise das restrições constitucionais à exploração mineral em terras indígenas, tem-se que as condições exigidas são basicamente três, quais sejam: a) autorização do Congresso Nacional; b) consulta prévia às comunidades envolvidas pelo projeto (ponto também previsto na Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho quando menciona que as atividades econômicas que atinjam terras indígenas devem contar com o “consentimento livre, prévio e informado” desses povos); e c) participação dos indígenas nos resultados da lavra.
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Apesar de todas as limitações constitucionais, bem como as constantes do Estatuto do Índio, todas com claros objetivos de preservar as tradições dos povos indígenas e respeitá-los enquanto comunidades organizadas e autônomas, a prática das explorações minerais nas terras tradicionalmente ocupadas pelos índios revela problemas complexos e ainda impregnados de grande discriminação e com graves violações aos direitos humanos das comunidades em diversos setores: saúde, cultura e organização social, por exemplo. Um caso brasileiro bastante significativo e que marca a história do País na luta pelos direitos indígenas é o da terra indígena Roosevelt, localizada entre os Estados de Rondônia e Mato Grosso. Tais terras são ocupadas pelos índios Cinta Larga que, conforme Curi (2005, p. 121), orientam-se “espacialmente pela direção em que correm as águas dos Rios Aripuanã e Roosevelt”.
A invasão ilegal dos garimpeiros foi motivada pela notícia de que a área abrigava uma quantidade inestimável de diamantes, o que atraiu cerca de 5 mil garimpeiros para a região. Além das mortes que ocorreram, o conflito correu o país, através da grande mídia, devido ao potencial econômico que a suposta reserva de diamantes apresentava, ou apresenta, que é na verdade o alvo principal da notícia e o motivo da proporção que a questão em si ganhou nos últimos tempos. (Curi, 2005, p. 122)
Além das disputas pelas terras e pelos recursos naturais nelas existentes, o que acarretou sérias violências a todos os envolvidos, conforme infere-se do trecho anteriormente transcrito, o caso foi marcado também por impactos socioambientais descritos por Curi (2005). Veja-se: A comunidade sofreu de certa forma um processo de desintegração, devido principalmente, ao casamento de índios com mulheres não índias, já que pela sua cultura o índio pode ter mais de uma mulher, e pela morte de inúmeros índios em conflito com garimpeiros. Com isso, não só as mulheres e as crianças sentiram com a perda de seus maridos e pais, mas a comunidade como um todo, que continuava sofrendo seu processo de depopulação. [...] Pode-se dizer, ainda, que os impactos sociais foram para além das fronteiras da área indígena, alcançando principalmente os municípios mais próximos da área, Cacoal e Espigão D’Oeste. Essas suas cidades, principalmente a segunda, abrigaram a maioria dos 5 mil garimpeiros que foram para a região, o que ocasionou um aumento da violência, principalmente homicídio, e do número de casos de Aids. Como mais um exemplo do impacto social, pode-se citar também a violência e corrupção gerada pelo contrabando dos diamantes explorados na terra indígena Roosevelt. (Curi, 2005, 137-138)
Com isso, confirma-se que os impactos causados pela mineração ultrapassam, e muito, o ambiente natural e são capazes de causar danos socioambientais irreversíveis, especialmente quando praticada em terras indígenas.
O direito ao patrimônio cultural material e imaterial encontra-se consagrado na Constituição Brasileira (Brasil, 1988) em diversas passagens, adquirindo, no Estado socioambiental, caráter de direito fundamental. Nesse sentido, o direito à cultura é protegido tanto na essência como obrigação do Estado quanto na garantia de exercício da pluralidade cultural que ocorre no Brasil. Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. § 1º O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros participantes do processo civilizatório nacional. (Brasil, 1988)
Com base nesse dispositivo, é possível afirmar que os direitos culturais inerentes às tribos indígenas brasileiras devem ser preservados e, principalmente, protegidos. Para diversas tribos indígenas, a prática de seus rituais em determinado espaço de terra, isto é, na parte em que os praticaram seus ancestrais, é sagrada e representa direito cultural protegido constitucionalmente. Não há como negar que, sendo titular de direitos fundamentais, o indígena deve ter respeitada sua identidade cultural fruto especialmente da relação que o índio mantém com a natureza, uma vez que as manifestações culturais não são nada mais que a materialização dos direitos culturais imateriais. Torna-se imprescindível que o Poder Público crie mecanismos para que a cultura indígena se mantenha viva. Neste sentido dispõe o art. 13 da Convenção nº 169 da OIT:
1. Na aplicação das disposições desta parte da Convenção, os governos respeitarão a importância especial para as culturas e valores espirituais dos povos interessados, sua relação com as terras ou territórios, ou ambos, conforme o caso, que ocupam ou usam para outros fins e, particularmente, os aspectos coletivos dessa relação. (OIT, 1989)
Cabe salientar que a proteção aos bens culturais imateriais, ao assumir caráter de direito fundamental no ordenamento jurídico nacional, torna-se uma das formas de se atingir vida digna e saudável. Preservar o patrimônio ambiental é garantir a qualidade de vida. Garantir a qualidade de vida é preservar a dignidade humana. O bem maior protegido pelo direito é a vida humana. Mas o ser humano, ser racional, é sujeito consciente das situações que vivencia e valora os objetos à sua volta. Precisa, portanto, de algo mais do que sobreviver: precisa viver com dignidade. (Reisewitz, 2004, p. 45)
O princípio da função sociocultural da propriedade tem como característica garantir que “proprietário utilize a seu favor a representatividade cultura que aquele espaço exerce”. Tal caso pode ser vislumbrado com clareza em territórios pertencentes a tribos indígenas que acreditam haver ali uma força espiritual (Miranda, 2006, p. 25). “Não há dúvida que o desenvolvimento econômico é um valor precioso da sociedade, mas ele deve coexistir com a preservação do meio ambiente cultural, de forma que aquele não implica a anulação deste último.” (Miranda, 2006, p. 37)
4 O ANTEPROJETO DA LEI DE MINERAÇÃO EM TERRAS INDÍGENAS (PL 1.610, DE 1996) “Comprimidos numa base territorial única, à mercê de um núcleo étnico dominante e desprezados pelo Estado que não enxerga as coletividades [...]”. É assim que Edson Damas Silveira define a atuação estatal em prol dos indígenas (Silveira, 2009, p. 34).
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3.1 O patrimônio cultural indígena e a atividade mineradora
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A falta de regulamentação da atividade minerária em terras indígenas é só mais um dos reflexos dessa atitude omissiva do Estado brasileiro, que insiste em deixar o indígena à margem da lei e da sociedade.
sentido, o art. 49, XVI, da Carta Maior dispõe que é competência exclusiva do Congresso Nacional “[...] autorizar, em terras indígenas, a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de recursos minerais [...]” (Brasil, 1988).
Essa situação gerou e gera variados conflitos, constantemente violentos e que deixam vítimas fatais, entre garimpeiros e índios, o que reacende o debate acerca da regulamentação em questão6.
No entanto, no Brasil, os atos legislativos realizam caminhadas demoradas para atingirem fins há muito tempo reivindicados. O projeto em tela aguarda o parecer de comissão especial formada para opinar acerca da regulamentação da atividade minerária em terras indígenas, isto é, há mais de doze anos o Projeto de Lei nº 1.610/1996 do Senado está obstado no Congresso Nacional.
Tanto as comunidades indígenas quanto o setor de minerais clamam pela edição de lei que solucione o impasse.
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O que de fato torna dificultosa essa edição é a falta de concordância dos representantes das partes. Os índios querem ser ouvidos, querem que suas terras sejam demarcadas e, é claro, querem a propriedade do território que ocupam. Por outro lado, a indústria da mineração que representa um dos principais setores responsáveis pelo crescimento econômico brasileiro almeja a rápida regulamentação da atividade, mesmo que nesse processo não sejam ouvidas todas as partes.
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A ementa do projeto tem o seguinte texto: “Dispõe sobre a exploração e o aproveitamento de recursos minerais em terras indígenas, de que tratam os arts. 176, § 1º, e 231, § 3º, da Constituição Federal”. O projeto prevê dois regimes de exploração de minerais que só poderão ocorrer em terras devidamente homologadas. O primeiro é o regime especial para as atividades de pesquisa e lavra de recursos minerais em terras indígenas. Já o segundo é o extrativismo mineral indígena.
É nesse contexto que surge o Projeto de Lei nº 1.610/1996, apresentado, inicialmente, no Senado Federal. No ano de 2005 a Câmara dos Deputados criou uma comissão especial para realizar um parecer acerca do tema, baseando-se, agora, no denominado Anteprojeto de Lei de Mineração em Terras Indígenas.
A criação do Fundo de Preservação da Cultura Indígena, como participação nos lucros obtidos com a exploração de minerais em terras indígenas, isto é, uma parte dos resultados monetários obtidos com a lavra e a utilização do solo será repassada às tribos indígenas, também está prevista no projeto.
Resta evidente pelo exposto a necessidade de regulamentação da atividade minerária em terras indígenas em virtude especialmente de ordem expressa na Constituição Federal. Nesse
Citado repasse, na verdade, é uma tentativa de compensação financeira pelos impactos ambientais, sociais e culturais causados pela exploração mineral em uma pura imposição do capitalismo global ao indígena brasileiro.
6 Em abril de 2004 ocorreu em Rondônia, especificamente no território indígena Roosevelt, um conflito armado entre garimpeiros e índios denominados guerreiros cinta-largas no qual 29 pessoas foram mortas, todas elas pertencentes à indústria de mineração.
Saliente-se ainda que, conforme o art. 19 da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (ONU, 2007), bem como a própria Convenção nº 169 da OIT, os povos
indígenas deverão ser consultados acerca da regulamentação da atividade minerária nas terras que ocupam. Art. 16. [...]. 2. Em situações nas quais o Estado retém a propriedade dos minerais ou dos recursos do subsolo ou direitos a outros recursos existentes nas terras, os governos estabelecerão ou manterão procedimentos pelos quais consultarão estes povos para determinar se seus interesses seriam prejudicados, e em que medida, antes de executar ou autorizar qualquer programa de exploração desses recursos existentes em suas terras. (OIT, 1989)
O projeto de lei em tela parece não se atentar para o dispositivo anteriormente exposto, uma vez que estabelece apenas que as comunidades indígenas afetadas pela possível atividade mineradora deverão ser cientificadas e, posteriormente, ouvidas pelo Ministério da Justiça acerca da mineração. Ao certo, no Brasil, em que as audiências públicas ambientais acabam por não cumprirem seu papel de oitiva de todas as partes interessadas, a manifestação dos índios afetados pelo empreendimento pouco acrescentará quando o Ministério de Minas e Energia for analisar o requerimento relativo à pesquisa e exploração de recursos minerais em terras indígenas.
Tal discussão, conforme demonstrado no desenvolvimento do tema, dá-se especialmente porque a relação que os índios possuem com a terra ultrapassa os interesses econômicos e está ligada a um pacto de sobrevivência física, cultural, social e espiritual. A legislação brasileira protege os direitos indígenas na Constituição da República (1988), bem como no Estatuto do Índio e no Código Civil. Na seara internacional, o documento mais importante que os garantem em seus direitos é a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho, bem como a atuação da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Com a análise do conjunto normativo vigente verifica-se que a exploração da atividade minerária, sobretudo em terras indígenas, merece uma análise profunda e atenta às especificidades de cada comunidade envolvida, voltada para a valorização do índio como sujeito possuidor de tradições e costumes próprios que integram a história e formação cultural da sociedade brasileira, bem como com a abertura e garantia de participação e interferência, inclusive com o poder de veto, às atividades que revelarem-se danosas e inconciliáveis aos valores culturais e sociais.
A mineração é atividade importante para o desenvolvimento econômico do País, ligada à extração do solo e subsolo de recursos minerais não renováveis e a grande questão que permeia tal atividade é a sua conciliação com a sustentabilidade, tão urgente e necessária, especialmente no atual quadro de degradação ambiental do planeta. Uma das grandes polêmicas, de ordem política e social, na elaboração da Constituição da República de 1988, e que continua até hoje, refere-se à mineração em terras indígenas.
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Doutrina
Mandado de Segurança em Prol do Titular do “Direito Originário” (Artigo 3º da Lei nº 12.016/2009) JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI
Professor Titular da Faculdade de Direito da USP, Ex-Presidente da Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, Assessor Ad Hoc da Fapesp, Ex-Presidente da AASP, Advogado em São Paulo.
SUMÁRIO: Introdução; 1 Hipótese legal; 2 Prazo para impetração; 3 Superamento dogmático da substituição processual; 4 Ciência necessária e limites subjetivos da coisa julgada.
INTRODUÇÃO Como ocorre com a generalidade das demandas cíveis, igualmente, na ação de mandado de segurança, é imprescindível a sua respectiva impetração por quem se diz titular de uma situação de vantagem no plano do direito material. É exatamente essa coincidência (entre o plano do direito material e o plano do direito processual) que Alfredo Buzaid denominou de pertinência subjetiva da ação; ou seja, é necessário que, coexistindo
com outras condições, haja legitimação ativa e passiva para que a demanda possa prosseguir até a sentença de mérito1. Com efeito, a legitimatio para agir, no quadro das condições de admissibilidade da ação, como enfatiza Donaldo Armelin, “é uma qualidade jurídica que se agrega à parte, habilitando-a a ver resolvida no mérito a lide sub judice. Essa qualidade emerge de uma situação jurídica legitimante e dá colorido a uma situação processual oriunda, obviamente, de um processo existente, ou seja, a situação de parte no processo”2. Anota, igualmente, Juan Montero Arouca3 que a regra geral “del que hay que partir es el de que sólo el titular del derecho puede disponer del mismo y que, atendido que una manera de disponer de él es deducirlo en el proceso, en éste sólo podrá dictarse una sentencia sobre el fondo si las partes han afirmado su titularidad, es decir, si existe la legitimación ordinaria”. E isso até mesmo porque, em consonância com o art. 6º do Código de Processo Civil, “ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei”. Não obstante, como também se verifica em outras situações, nas quais a lide repercute na esfera jurídica de vários sujeitos, pode 1 Do agravo de petição no sistema do código de processo civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1956, passim. 2 Legitimidade para agir no direito processual civil brasileiro. São Paulo: RT, 1979. p. 80. 3 La legitimación en el proceso civil. Madrid: Civitas, 1994. p. 49-50.
Esta possibilidade – embora de todo desnecessário – veio reiterada no § 3º do art. 1º da Lei nº 12.016/2009, com a seguinte redação: “Quando o direito ameaçado ou violado couber a várias pessoas, qualquer delas poderá requerer o mandado de segurança”4. Saliente-se, por outro lado, que o novo texto legal, no parágrafo único do art. 3º, também repetiu outra regra, então contemplada no art. 3º da Lei nº 1.533/1951. Com redação mais precisa no que concerne ao prazo para a impetração, que antes causava certa perplexidade, consagra-se uma situação de substituição processual “ulterior” ou “condicionada”, uma vez que a lei outorga legitimidade ativa a um terceiro, posicionado na mesma condição jurídica do titular do 4 A rigor, como bem pontua Eduardo Talamini, repetindo a regra do § 2º do art. 1º da Lei nº 1.533/1951, a norma legal transcrita não traz qualquer exceção, visto que, em nosso sistema processual, o litisconsórcio ativo é necessário apenas quando exigido por lei. Ademais, observa, com precisão, que: “No ordenamento, há várias outras regras que, em face da titularidade conjunta de um direito, reconhecem a qualquer dos cotitulares a legitimidade para isoladamente promover ações em defesa desse direito comum. Entre outras, considerem-se as seguintes hipóteses: (i) legitimidade de cada um dos cocredores para exigir integralmente a obrigação indivisível (CC, art. 260); (ii) legitimidade de cada um dos credores solidários para exigir do devedor o cumprimento da obrigação por inteiro (CC, art. 267); (iii) legitimidade de cada condômino para reivindicar a coisa comum de terceiro e para defender a sua posse (CC, art. 1.314); (iv) legitimidade de qualquer dos herdeiros para defender, até a partilha, os bens integrantes da herança (CC, art. 1.791, parágrafo único), etc.” (Nota sobre as partes e os terceiros no mandado de segurança individual, à luz de sua nova disciplina (Lei nº 12.016/2009). Disponível em: <http:// www.justen.com.br/informativo/default.asp>).
direito líquido e certo, a impetrar mandado de segurança em prol do “direito originário”. E isso se o titular desse denominado “direito originário” manter-se inerte no prazo de 30 dias, a despeito de ter sido notificado. Aduza-se que o instituto da substituição processual, de todo singular, é normalmente conceituado como o exercício, autorizado por lei, de atividades processuais em nome próprio, em prol de uma situação subjetiva alheia. Trata-se, pois, de legitimação processual extraordinária, na qual a parte em juízo não corresponde ao titular do direito material que constitui o objeto do processo.
1 HIPÓTESE LEGAL A doutrina fornece alguns exemplos que bem evidenciam a situação legal ora analisada: a) em uma determinada repartição pública, a lei manda que as promoções se façam, todas, por antiguidade. Ocorrendo uma vaga, o mais antigo, a quem cabe a promoção, deixa que outro seja promovido, sem defender o seu direito líquido e certo à vaga. Este, o preterido, na terminologia da lei, é o “terceiro” titular de direito originário, que, por desídia, não vai a juízo arguir a ilegalidade. Quem tem maior antiguidade, depois dele, neste caso, ficará prejudicado; como ambos se encontram em condições idênticas, deve-lhe ser permitido defender o direito do mais antigo, caso este não o faça, embora para isto notificado. Na realidade, o que ele está defendendo será o próprio direito, embora o esteja fazendo mediante defesa do direito do colega mais antigo, do “terceiro” negligente. É que novas vagas poderão ser preenchidas sem aproveitamento do mais antigo e, não havendo reclamação, por parte deste, o segundo ficará lesado.5 5 Cf. CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à lei do mandado de segurança. Rio de Janeiro: Forense, 1989. p. 163, reportando-se à obra de Castro Nunes (Do mandado de segurança, 5. ed., 1956, p. 253).
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haver mais de um legitimado à impetração do mandado de segurança. Assim, como é curial, qualquer um destes cotitulares tem legitimidade concorrente para invocar, solitariamente, tutela jurisdicional.
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Talamini, a seu turno, anota que tal hipótese também se verifica nos casos em que, por força do contrato de locação, cabe ao locatário arcar com a carga econômica do IPTU incidente sobre o imóvel sobre o imóvel locado. Se ocorre uma elevação supostamente inconstitucional ou ilegal do tributo, de um exercício para o outro, o locatário tem o interesse econômico em impugnar tal majoração. Mas ele não é titular de nenhuma relação jurídica com o Fisco municipal. Sua relação jurídica, meramente obrigacional, dá-se apenas com o locador do imóvel. Na relação jurídica tributária, esse último, como proprietário do imóvel, é que detém a posição de contribuinte. Ele é legitimado para discutir em juízo a elevação do IPTU – vale dizer, é o “titular do direito originário”, a que alude a lei. Mas é comum que lhe falte o interesse prático, econômico (não o jurídico, sempre presente) em discutir a questão, já que o custo do tributo tem sido arcado por seu inquilino. Então, nos termos da lei, é possível que o locatário, titular do “direito decorrente”, notifique judicialmente o locador para que, em trinta dias, esse importante judicialmente o aumento do IPTU. Se o locador não o fizer em tal prazo, o locatário passa a ser legitimado para promover a medida judicial.6
2 PRAZO PARA IMPETRAÇÃO
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Verifica-se, outrossim, que o art. 3º eliminou, de uma vez por todas, o problema exegético que existia sob a égide da legislação revogada, que se referia a “prazo razoável”. Esta dicção gerava incerteza.
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Agora, depois de devidamente notificado7, se o titular do direito originário não tomar qualquer iniciativa no prazo de 30 dias, o notificante poderá então impetrar mandado de segurança. 6 TALAMINI, Eduardo. Op. cit. 7 “Entendo, com Cássio Scarpinella Bueno, que, a despeito da letra da lei, não se faz necessária notificação judicial para atingir o escopo; basta que se comprove a ciência inequívoca do titular do direito, por qualquer meio idôneo de comunicação.” (A nova lei do mandado de segurança. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 15-16)
Aduza-se que o parágrafo único desse mesmo art. 3º esclarece que, neste caso, o impetrante também se sujeita ao lapso decadencial de 120 dias, previsto no art. 23 da Lei nº 12.016/2009, cujo dies a quo é sempre o mesmo (para o titular do direito originário e para o titular do direito derivado)8. Imaginar que haveria novo prazo para o notificante seria fomentar eventual “acerto” entre os dois legitimados, para possibilitar a dilatação do tempo legal.
3 SUPERAMENTO DOGMÁTICO DA SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL É generalizado o entendimento no sentido de que o substituído, qualquer que seja o resultado do processo, fica adstrito à coisa julgada. Como explica Allorio, o fenômeno da substituição processual nem mesmo enseja uma expansão da eficácia da coisa julgada, visto que o substituído, sujeito da lide, não é estranho à sentença; é ele o principal destinatário do julgado9. Liebman também admite que o substituído não é “verdadeiro terceiro”. Attardi esclarece que é a lei que autoriza a substituição e, consequentemente, nada há de ilegal na extensão da res judicata ao substituído. Gian Franco Ricci considera o substituído “parte substancial do processo”10. 8 Este, igualmente, parece ser o ponto de vista de Cássio Scarpinella Bueno (A nova lei do mandado de segurança, p. 15). V., em sentido contrário, entendendo que o prazo se renova em favor do legitimado à impetração na hipótese do art. 3º, ora analisado, TALAMINI, Eduardo. Op. cit. 9 La cosa giudicata rispetto ai terzi, rist. Milano: Giuffrè, 1992, p. 261. 10 LIEBMAN. Efficacia ed autorità della sentenza, rist., Milano: Giuffrè, 1962. p. 74 (= Eficácia e autoridade da sentença. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981. p. 97); ATTARDI. Diritto processuale civile. Padova: Cedam, v. 1, 1994. p. 505; RICCI, Gian Franco. Principi di diritto processuale generale. Torino: Giappichelli, 1995. p. 242.
Como claramente se observa, a própria doutrina envida grande esforço para justificar a posição do substituído, atingido pela coisa julgada. 11 Comentários ao código de processo civil. Rio de Janeiro: Forense, v. 4, 2000. p. 305; Estudo sobre a substituição processual no direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 438, 1972. p. 32. Estribado em Garbagnati, Araújo Cintra sustenta que o substituto não fica pessoalmente subordinado à coisa julgada, mas está impedido de obter nova decisão sobre a matéria porque a lide do substituído já foi definitivamente decidida. Mais incisivo é Donaldo Armelin (op. cit., p. 134): “Não teria, mesmo, sentido, classificar-se a substituição processual como hipótese de legitimidade extraordinária se o substituto fosse excluído da eficácia da res judicata. Isto porque o que caracteriza a legitimidade extraordinária é, exatamente, a eficácia sobre o patrimônio ou sobre a esfera moral alheia de ato praticado, em nome próprio, por terceiro. Por outro lado, se não repercutisse a sentença sobre o substituto, ter-se-ia um caso de representação mascarado de substituição processual, pois a circunstância de o substituto figurar como parte no processo, inexoravelmente leva à conclusão de sujeitar-se ele à eficácia da coisa julgada. Se isso não ocorresse, não seria ele parte, só se justificando sua presença no processo para atuar em nome alheio, tão somente”.
Entendo, no entanto, que esse verdadeiro dogma necessita urgentemente ser submetido ao crivo das garantias do devido processo legal. Só então, após essa indispensável verificação, é que será possível dizer se ainda hoje merece ou não ser ele prestigiado. O problema posto dessa forma exige que se tenha presente, mais uma vez, o postulado – até elementar, diga-se de passagem – de que não se decide a relação litigiosa, objeto central do processo, sem que os interessados se manifestem, ou melhor, sem a prévia oportunidade de defesa e participação daqueles que serão afetados pelo provimento judicial. Colhe-se, na literatura processual italiana, pioneira manifestação crítica que se coloca em flagrante contraste à tradicional orientação. Proto Pisani examinou as raras hipóteses de substituição processual autorizadas pela legislação peninsular, cotejou-as com inúmeros precedentes da Corte Constitucional e chegou à conclusão de que o sistema processual italiano atinente ao ponto ora analisado encontra-se superado12. Em estudo mais recente, anota o citado autor que, hoje em dia, diante das garantias constitucionais, especialmente da ampla defesa, no caso de o processo ser iniciado por um “falso” legitimado extraordinário, como, por exemplo, o usufrutuário, na ação 12 Appunti sui rapporti tra i limiti soggettivi di efficacia della sentenza civile e la garanzia costituzionale del diritto di difesa. Rivista trimestrale di diritto e procedura civile, 1971, n. 4-7, p. 1230-1236, nt. 33. Note-se que esse enfoque crítico não é geralmente observado em obras atuais e específicas: v., e.g., na literatura pátria, Ephraim de Campos Jr. (Substituição processual. São Paulo: RT, 1985. p. 76 ss.); Manoel Severo Neto (Substituição processual. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002. p. 192-193); e, na doutrina estrangeira, Fabrizio Ottaviani (Le parti nel processo civile ticinese, Zürich, Schulthess Verlag, 1989. p. 27 ss.); Francisco Hoyos Henrechson (Algunos aspectos de la cosa juzgada en el ordenamiento jurídico chileno, bajo el prisma del derecho procesal moderno. Libro homenaje a Jaime Guasp, Granada, Colmares, 1984. p. 34), que se limitam a abordar o tema nos moldes tradicionais.
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Analisando a questão, Araújo Cintra, firme em difundido ensinamento, esclarece que o vocábulo partes, na moldura do art. 472, não está empregado no sentido de sujeitos do contraditório no processo, mas designa os sujeitos da relação litigiosa. Em outras palavras, o entendimento correto do aludido Texto Legal decorre da distinção formulada por Carnelutti entre parte em sentido material e parte em sentido formal, o que nada tem de surpreendente, diante da influência exercida pelo renomado processualista italiano na elaboração do anteprojeto de nosso Código de Processo Civil. Tal perspectiva autoriza a aplicação, sem maiores dificuldades, da regra explicitada pelo art. 472, à coisa julgada formada tanto nos casos de legitimação ordinária quanto naqueles de legitimação extraordinária. Assim, com efeito, explica-se por que, nos casos de substituição processual, o substituído sujeita-se à coisa julgada formada em processo de que não participou11.
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negatória de servidão (art. 1.012, 2ª al., do CC), ou qualquer sujeito interessado, na ação de anulação de um contrato (art. 1.421 do CC), impõe-se a aplicação das regras do litisconsórcio necessário. Afirmando que esse ponto de vista goza do aval da doutrina e da jurisprudência atuais, conclui Proto Pisani que, de duas, uma: ou o substituído não foi citado, e aí a sentença que lhe for contrária deverá ser considerada inutiliter data, ou então o substituído foi citado (providência que soluciona qualquer problema quanto à extensão da coisa julgada) e, já agora como parte, poderá deduzir a defesa que bem entender13.
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Mais radical acerca desse assunto é Girolamo Monteleone, ao frisar que as disposições legais sobre a legitimação extraordinária devem ser respeitadas. No entanto, diante de novas perspectivas, mesmo que possa parecer paradoxal, é possível conceber que todos os casos de substituição processual são, na verdade, hipóteses de litisconsórcio necessário entre o substituto e o substituído, exatamente porque o direito deduzido no processo pelo substituto processual pertence ao substituído, e ainda porque a coisa julgada vincula ambos.
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Subsistindo ainda hoje na legislação processual italiana hipóteses de legitimação extraordinária, “deve-se categoricamente afirmar, em obséquio à correta aplicação do princípio do contraditório, das regras que governam a legitimação para agir e da disciplina relativa aos limites subjetivos da coisa julgada, que o substituído terá de ser sempre necessariamente chamado ao 13 PISANI, Proto. Lezioni di diritto processuale civile. Napoli, Jovene, 1994. p. 319-320 e 402. Esclareça-se que o “falso” legitimado extraordinário, segundo se pode inferir, é aquele que ostenta legitimação concorrente e que, portanto, tem interesse direto na causa. A tal propósito, Proto Pisani faz importante ressalva no sentido de que as únicas duas situações em que, no Direito italiano, não se verifica a imposição de o substituído também participar do contraditório, são aquelas previstas nos arts. 108 (extromissão do afiançado pelo ingresso do fiador no processo) e 111 (sucessão a título particular) do CPC italiano.
processo”. Portanto, “todas as situações de substituição processual, ou se preferir, de legitimação extraordinária, são casos de litisconsórcio necessário, visto que, nestes, não se pode, não se deve, absolutamente prescindir da participação em juízo do titular do direito sobre o qual se controverte [...]”14.
4 CIÊNCIA NECESSÁRIA E LIMITES SUBJETIVOS DA COISA JULGADA Secundando de certo modo essa tendência, válida para o direito brasileiro, Moniz de Aragão15 asseverou que submeter o titular da relação de direito material à coisa julgada, gerada em processo, no qual não lhe foi concedida a oportunidade de participar e defender o seu próprio interesse, significa tolher-lhe o acesso ao Judiciário, “o que nem a lei nem ninguém pode fazê-lo”. Diferente, porém, é a situação em que se assegura a possibilidade de intervenção do substituído no processo, a 14 I limiti soggettivi del giudicato civile. Padova: Cedam, 1978. p. 118-119. Monteleone igualmente ressalva que, se bem examinadas, as hipóteses de sucessão a título particular e de sucessão do afiançado, contempladas, respectivamente, nos arts. 108 e 111 do CPC, não configuram, na verdade, casos de substituição processual, porque os substituídos podem perfeitamente intervir no processo. 15 Sentença e coisa julgada, n. 208, II, p. 302. Marcelo Abelha Rodrigues aponta a inconstitucionalidade da substituição processual (“exclusiva inicial”), uma vez que colide com o princípio da inafastabilidade da Poder Judiciário, consagrado no art. 5º, XXXV da CF (Limites subjetivos da coisa julgada. Incijur Informativo jurídico, 3, 1999, p. 6, nt. 6). Araken de Assis, pelo contrário, refuta expressamente a opinião de Moniz de Aragão, porque “prescindindo o substituído de intervir no processo, a única solução técnica concebível reside na análise da qualidade jurídica dos figurantes da relação processual que originou a coisa julgada. Deste ponto de vista, o substituído somente revela-se terceiro formalmente; na verdade, é parte no sentido material (rectius: sujeito da lide), porque titular do direito litigioso, e, em virtude dessa inconcussa qualidade, atingido pela eficácia própria do provimento” (Substituição processual. ADV-Seleções Jurídicas, n. 6, p. 8, set. 2005).
tempo de produzir defesa adequada. Em suma: ou é garantida a participação no processo a todos aqueles que futuramente ficarão sujeitos à auctoritas rei iudicatae, ou então esta, de modo algum, poderá atingi-los. Esta correta premissa, traçada pelo ilustre conterrâneo, inspirou Talamini a debruçar-se sobre a questão. Com a indispensável cautela, procurou ele estabelecer determinados critérios norteados pelas garantias constitucionais do processo, que permitem a sujeição do substituído à coisa julgada: (i) se o sujeito teve a prévia oportunidade de exercer a ação e não o fez, é razoável que, em certos casos, a lei atribua a legitimidade a outrem para atuar em juízo e vincular o substituído. Afinal, se a lei poderia até prever a perda do direito ou da pretensão, pelo decurso do tempo, não há o que impeça essa outra solução, menos grave; ou (ii) se o sujeito tinha (ou, conforme parâmetros de razoável diligência, deveria ter) ciência do processo em que ocorria sua substituição, também é legítimo que a coisa julgada o atinja; (iii) especialmente nessa segunda hipótese, a extensão da coisa julgada [rectius: da eficácia da intervenção] ao substituído fica ainda condicionada à possibilidade de ele, querendo, participar do processo como assistente.16
Apenas nesta hipótese é que poderá ser ele atingido pela coisa julgada.
16 Coisa julgada e sua revisão. São Paulo: RT, 2005. p. 115, com a observação de que se inserem, ainda, nesses critérios: a) a substituição processual do sucessor pelo alienante (art. 42); b) a substituição processual admitida no art. 3º da Lei nº 1.533/1951; e c) a substituição processual da sociedade pelo sócio (art. 159, § 3º, da Lei nº 6.404/1976).
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Parece-me, assim, que, na situação ora examinada, diante de tais considerações, o titular do direito decorrente do direito do titular originário, ao impetrar mandado de segurança, deverá requerer a citação deste, para que lhe seja conferida oportunidade de participar do processo.
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Doutrina
Prequestionamento em Matéria Tributária ANDREI PITTEN VELLOSO
Juiz Federal da 4ª Região, designado para atuar como Juiz Auxiliar do Supremo Tribunal Federal, Doutor em Direitos e Garantias do Contribuinte pela Universidade de Salamanca (Espanha), Mestre em Direito Tributário pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS,. Ex-pesquisador visitante da Ludwig-Maximilians Universität (LMU – Munique) e da Università degli Studi di Milano (Itália), Professor da Especialização em Direito Tributário PUCRS/ IET e da Escola Superior da Magistratura Federal – Esmafe, Membro do Instituto de Estudos Tributários (IET).
riores e, por consequência, à subsistência de decisões ofensivas a direitos fundamentais dos cidadãos ou a poderes-deveres das autoridades públicas. Este artigo se propõe a abordar criticamente a jurisprudência formada sobre o tema. Almeja, outrossim, indicar os problemas decorrentes da sua aplicação a causas complexas e a pedidos sucessivos, bem como a relativização que os institutos da repercussão geral e dos recursos repetitivos estão a impor-lhe, sempre com o foco voltado para as questões tributárias. Para tanto, principia por traçar um panorama geral do instituto.
I – FUNDAMENTO SUMÁRIO: Introdução; I – Fundamento; II – Significado e modalidades; III – Omissão judicial: entre o prequestionamento ficto e a nulidade do acórdão omisso; a) Orientação do Superior Tribunal de Justiça; b) Tendência jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal; IV – Teses complexas e pedidos sucessivos; V – Implicações da sistemática da repercussão geral e dos recursos repetitivos.
INTRODUÇÃO O prequestionamento representa incessante fonte de preocupação para os advogados, procuradores e defensores públicos, haja vista os significativos obstáculos que se impõem ao preenchimento desse importantíssimo pressuposto de cognoscibilidade dos recursos ditos excepcionais e, por consequência, de acesso ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça. Sempre que tais obstáculos prevalecem, abre-se ensejo a que pretensões legítimas deixem de ser tuteladas pelos Tribunais Supe-
O requisito do prequestionamento não encontra previsão legislativa. Decorre de construção pretoriana, assentada nos dispositivos constitucionais que atribuem ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça o mister de julgar, mediante recurso extraordinário ou especial, as “causas decididas em única ou última instância” (arts. 102, III, e 105, III). Lê-se a expressão “causas decididas” como “questões decididas”, vinculando-se, por conseguinte, o âmbito de cognição dos recursos excepcionais às questões jurídicas enfrentadas no acórdão a quo. Não compete ao STF e ao STJ apreciar questões inéditas no processo.
II – SIGNIFICADO E MODALIDADES O prequestionamento pressupõe, em regra, manifestação das partes. Pressupõe-na, mas não se confunde com ela. Concerne à decisão judicial. Diz-se prequestionada a questão decidida, não a meramente suscitada pelas partes.
Em uma ação em que a parte sustenta, por exemplo, ser indevida a incidência do Imposto de Renda sobre o abono de permanência (art. 40, § 19, da CF), por se tratar de verba indenizatória, não caracterizando renda ou proventos de qualquer natureza, razão pela qual a cobrança ofenderia o conceito constitucional de renda (art. 153, III) e o princípio da capacidade contributiva (art. 145, § 1º), o Tribunal de origem pode rejeitar a pretensão aludindo que nada obsta a incidência do Imposto de Renda (p. implícito), haja vista o abono de permanência não ostentar caráter indenizatório, mas remuneratório, e o seu recebimento evidenciar capacidade contributiva (p. expresso), de modo que a cobrança não viola os arts. 145, § 1º, e 153, III, da CF (p. numérico). O ideal é que haja enfrentamento da questão jurídica com referência expressa aos dispositivos jurídicos correlatos (p. expresso e numérico). Contudo, segundo a jurisprudência predominante, 1 Sobre as modalidades de prequestionamento e o debate doutrinário, conferir, por todos, MEDINA, José Miguel Garcia. Prequestionamento e repercussão geral: e outras questões relativas aos recursos especial e extraordinário. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 112-250, passim; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 397 e ss.
a indicação dos preceitos jurídicos é dispensável, sempre que a questão controvertida tenha sido efetivamente apreciada (p. expresso). A recíproca, porém, não é verdadeira. A mera enumeração de dispositivos constitucionais ou legais (p. numérico) não basta. Com maior razão, o dito prequestionamento implícito não supre o pressuposto de cognoscibilidade. É imprescindível que haja decisão acerca da questão jurídica, nos termos da Súmula nº 282 do STF: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada”.
III – OMISSÃO JUDICIAL: ENTRE O PREQUESTIONAMENTO FICTO E A NULIDADE DO ACÓRDÃO OMISSO A grande dificuldade que se impõe às partes decorre do fato de o prequestionamento, requisito imprescindível à apreciação da causa pelos Tribunais Superiores, não estar sob o seu total controle. Trata-se, afinal, do fruto de uma atuação concertada entre as partes e os julgadores. Aquelas devem suscitar a questão jurídica, preferencialmente desde a primeira oportunidade que tenham para fazê-lo. Aos julgadores, cabe-lhes enfrentá-la, sempre que seja relevante para o deslinde da controvérsia e se revista de um mínimo de plausibilidade. Se a questão suscitada não for apreciada pelo Tribunal de apelação, incumbe à parte opor embargos declaratórios para que o seja. Esses embargos, alcunhados de “prequestionadores”, são consagrados pela Súmula nº 98 do STJ, que preceitua: “Embargos de declaração manifestados com notório propósito de prequestionamento não têm caráter protelatório”.
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Há distintas formas de prequestionamento – e somente algumas suprem o requisito de cognoscibilidade. A doutrina majoritária alude ao prequestionamento: i) implícito, verificado quando a decisão não enfrenta a questão jurídica, limitando-se a acolher solução contrária aos interesses da parte; ii) ficto, quando, na hipótese precedente, a parte opõe embargos prequestionadores, mas estes não são providos; iii) expresso, caracterizado pelo enfrentamento direto da questão jurídica; e iv) numérico, que sucede quando há expressa referência ao dispositivo constitucional ou legal controvertido1.
Chegamos, assim, ao grande problema. Como proceder quando, a despeito da oposição dos aclaratórios, a omissão persiste?
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a) Orientação do Superior Tribunal de Justiça
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No Superior Tribunal de Justiça, a orientação é clara. Reputa-se imprescindível a análise direta, pelo Tribunal de origem, da questão ventilada no recurso especial. Consectariamente, não se admite o prequestionamento ficto, decorrente da oposição de embargos de declaração não conhecidos ou improvidos: “Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal a quo” (Súmula nº 211 do STJ).
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Destarte, negado provimento aos aclaratórios, a parte deverá interpor recurso especial suscitando a nulidade do acórdão, por violação do art. 535, II, do CPC. Para tanto, haverá de demonstrar: i) ter sido a questão tratada anteriormente ou se cuidar de questão de ordem pública; ii) ser a tese omitida fundamental à conclusão do julgado, alterando-a, caso acolhida; iii) a interposição dos embargos de declaração; iv) não haver outro fundamento autônomo, apto a manter o acórdão2. Após a reforma do art. 544 do CPC, por força da qual os agravos contra decisões de não admissão dos recursos extraordinário ou especial na origem passaram a ser interpostos nos próprios autos, tornou-se despicienda a juntada de cópias comprovando a alegação prévia da questão jurídica e a interposição dos aclaratórios, de modo que o decisivo passou a ser a demonstração da omissão do julgado. Entende-se, porém, não estarem os Tribunais obrigados a apreciar todas as questões jurídicas suscitadas pelas partes, bastando, para afastar-se a pecha de nulidade, a fundamentação adequada da decisão. 2 STJ, AgRg-REsp 1.204.604, 2ª T., Rel. Min. Castro Meira, Julgado em 19.06.2012.
Conjugando-se esses dois entendimentos, exsurgem situações paradoxais, em que a parte suscita a questão jurídica em todas as suas manifestações no processo, o Tribunal de origem não a aprecia no julgamento do apelo e sequer nos embargos declaratórios e, interposto recurso especial, o Superior Tribunal de Justiça afasta a alegação de nulidade do acórdão, por violação do art. 535, II, do CPC, visto estar a decisão devidamente fundamentada, e, na sequência, não conhece da irresignação da parte quanto ao mérito, por falta de prequestionamento. Das duas, uma: ou o acórdão não é omisso e a questão jurídica foi prequestionada; ou há efetiva omissão, a impor a complementação do julgamento. Não há como se falar em fundamentação adequada e inexistência de prequestionamento3, a menos que a questão jurídica seja visivelmente descabida ou irrelevante. Se for pertinente e apta a modificar a conclusão do julgado, tem de ser enfrentada.
b) Tendência jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal No Supremo Tribunal Federal, a orientação aparenta ser clara. Porém, dista muito de ser uníssona. A Corte rechaça o prequestionamento implícito e, à primeira vista, acolhe o ficto, pelo que se infere da Súmula do STF nº 282, interpretada a contrario sensu: “O ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento”. Logo, o ponto omisso da decisão po3 Contra: STJ, AgRg-AREsp 58.931, 2ª T., Rel. Min. Herman Benjamin, Julgado em 02.02.2012: “Não há contradição em afastar a alegada violação do art. 535 do CPC e, ao mesmo tempo, não conhecer do mérito da demanda por ausência de prequestionamento, desde que o acórdão recorrido esteja adequadamente fundamentado” (trecho da ementa).
Essa posição já foi perfilhada pelo Alto Tribunal, com fulcro na concepção de que, se a parte ventilou previamente a questão constitucional e opôs embargos de declaração para que a omissão do acórdão fosse suprida, nada mais lhe poderia ser exigido, de modo que estaria aberta a via extraordinária4. Existem, contudo, decisões dissonantes, que não formam uma jurisprudência robusta, mas evidenciam a tendência da Suprema Corte de rejeitar o prequestionamento ficto5. Frente a esse entendimento, a parte deveria prequestionar, na origem, a violação das garantias do devido processo legal, da ampla defesa e do dever de fundamentação das decisões judiciais (arts. 5º, LIV e LV, 93, IX, da CF) e, posteriormente, pleitear a anulação do acórdão a quo no apelo extremo. No entanto, não se costuma reconhecer a nulidade do acórdão a quo, salvo casos teratológicos, em que a fundamentação acolhida seja flagrantemente insuficiente para resolver a lide, malferindo o núcleo essencial do dever de fundamentação das decisões judiciais (art. 93, IX, da CF). 4 STF, RE 210.638, 1ª T., Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Julgado em 14.04.1998. Lê-se na ementa: “O que, a teor da Súmula nº 356, se reputa carente de prequestionamento é o ponto que, indevidamente omitido pelo acórdão, não foi objeto de embargos de declaração; mas, opostos esses, se, não obstante, se recusa o Tribunal a suprir a omissão, por entendêla inexistente, nada mais se pode exigir da parte, permitindo-se-lhe, de logo, interpor recurso extraordinário sobre a matéria dos embargos de declaração e não sobre a recusa, no julgamento deles, de manifestação sobre ela”. 5 Conferir, a propósito, STF, AI 495.485-AgRg, 1ª T., Rel. Min. Marco Aurélio, Julgado em 19.06.2012; AI 689.706-AgRg-ED, 2ª T., Relª Min. Ellen Gracie, Julgado em 12.04.2011.
Por consequência, repetem-se, na Suprema Corte, as situações paradoxais verificadas no Superior Tribunal de Justiça, em que se refuta a alegação de nulidade do acórdão omisso e também o prequestionamento da matéria, levando ao não conhecimento de inúmeros recursos extraordinários. Esse contexto denota uma jurisprudência defensiva, que trata o prequestionamento como um filtro à enxurrada de recursos excepcionais que sobrecarregam os Tribunais Superiores. Impõe-se um ônus exagerado às partes, que, não raro, constitui obstáculo intransponível à reforma de decisões ofensivas à Lei Maior ou às leis federais brasileiras. Esse quadro tem de ser superado. O prequestionamento não pode ser utilizado como um filtro recursal, um instrumento vocacionado a reduzir as estatísticas dos Tribunais Superiores. Os filtros consagrados pelo nosso ordenamento jurídico são outros: a repercussão geral no STF e a sistemática dos recursos repetitivos no STJ. O prequestionamento tem de ser visto e tratado como um requisito efetivamente imprescindível à apreciação da questão jurídica, que não impõe senão um ônus razoável e factível às partes. Somente assim se chegará a uma jurisprudência efetiva e isonômica, que assegure a primazia do Direito e a igualdade na aplicação das leis.
IV – TESES COMPLEXAS E PEDIDOS SUCESSIVOS Expostos os aspectos e problemas gerais do prequestionamento, cumpre analisar situações específicas que merecem especial atenção dos advogados, ilustrando-as com exemplos tributários.
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deria ser objeto de recurso extraordinário, contanto que a parte se desincumba do seu ônus de opor os aclaratórios.
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Duas situações merecem destaque, atinentes às teses autônomas que sustentam o mesmo pleito e às questões jurídicas específicas, sucessivas às principais.
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Iniciemos pelas teses autônomas que fundamentam uma mesma pretensão. Em um caso paradigmático, a Caixa de Assistência dos Advogados de Minas Gerais ajuizou ação postulando o reconhecimento de imunidade tributária, sob a alegação de estar tutelada pela imunidade tributária recíproca (concedida às pessoas constitucionais, às suas autarquias e às fundações públicas), constante na alínea a do art. 150, VI, da CF, por integrar a estrutura da Ordem dos Advogados do Brasil. Esse pleito fora acolhido pelo Tribunal a quo, mas restou negado por decisão monocrática do Ministro Ricardo Lewandowski, assentada em precedentes da Corte. Irresignada, a parte interpôs embargos de declaração, recebidos como agravo regimental, alegando ter direito à imunidade tributária recíproca ou, ao menos, à imunidade das entidades de assistência social, prevista na alínea c do art. 150, VI. Ao julgá-lo, a Segunda Turma manteve o entendimento quanto à imunidade da alínea a e não conheceu da tese pertinente à imunidade da alínea c, porquanto não fora prequestionada – e sequer suscitada em embargos de declaração ou nas contrarrazões do apelo extremo6. Portanto, é recomendável que a parte suscite e prequestione cada uma delas, fundamentadamente, sob pena de restar inviabilizado o acesso às instâncias superiores.
período anterior à EC 20/1998. Alega-se ser inconstitucional a cobrança porque: i) a ampliação da base de cálculo estabelecida pelo art. 3º, § 1º, da Lei nº 9.718/1998, que passou a englobar a totalidade da receita bruta das empresas, é inconstitucional, visto a Carta de 1988, em sua redação original, somente autorizar a incidência da contribuição sobre o “faturamento” (art. 195, I), entendido, pela tradicional jurisprudência do STF, como o produto da venda de mercadorias e da prestação de serviços; e ii) imóveis não são mercadorias e, por conseguinte, a receita advinda da sua alienação não caracteriza faturamento, inviabilizando a incidência da Cofins. Trata-se de duas teses autônomas, que se complementam para sustentar a arguição de inconstitucionalidade da incidência da contribuição sobre a receita advinda da venda de imóveis. Somente após acolhida a primeira, relativa ao conceito de faturamento, é que a segunda, atinente ao conceito de mercadoria, passa a ter relevância. Em contrapartida, a primeira tese não conduz, por si só, ao acolhimento da pretensão, porquanto não diz respeito à situação específica da empresa contribuinte.
Um exemplo interessante é a tese da inconstitucionalidade da incidência da Cofins sobre a receita da venda de imóveis no
Logo, incumbe à parte suscitar adequadamente ambas as teses, almejando o prequestionamento de cada uma delas, sob pena de o seu apelo extremo não ser conhecido. Foi o que decidiu a Segunda Turma do STF, em um julgado recente, relativo à incidência do PIS sobre operações com imóveis: “Pretender que o cálculo do tributo não tomasse por base receita bruta, por não equivaler a faturamento, não pressupõe debate específico sobre a caracterização do resultado das operações com imóveis como faturamento. Assim, não houve prequestionamento expresso ou implícito da matéria. Não é omisso acórdão que deixa de apreciar matéria que não foi devidamente prequestionada”7.
6 STF, RE 405.267-ED, 2ª T., Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Julgado em 24.04.2012.
7 STF, AI 549.916-AgRg-ED, 2ª T., Rel. Min. Joaquim Barbosa, Julgado em 31.08.2010, excerto da ementa.
Também as questões jurídicas específicas, sucessivas às principais, devem ser prequestionadas ou, no mínimo, ventiladas oportunamente.
V – IMPLICAÇÕES DA SISTEMÁTICA DA REPERCUSSÃO GERAL E DOS RECURSOS REPETITIVOS O requisito do prequestionamento tem sido flexibilizado de forma significativa, devido ao instituto da repercussão geral e à sistemática dos recursos repetitivos. Consideremos os recursos submetidos à repercussão geral. Até o reconhecimento, no âmbito do Plenário Virtual, da repercussão geral da questão constitucional suscitada no recurso representativo da controvérsia (leading case), a causa petendi remanesce essencialmente fechada, atrelada aos fundamentos do acórdão de origem, de modo que o prequestionamento subsiste como requisito inarredável ao conhecimento do apelo. Porém, após o reconhecimento da repercussão geral, com a admissão do julgamento do apelo extremo pelo Plenário, a causa petendi do recurso representativo da controvérsia elastece-se sobremaneira, desvinculando-se das ponderações lançadas no acórdão fustigado, tendo em vista que a decisão proferida no leading case será aplicada a todos os casos análogos, independentemente dos fundamentos consignados no acórdão de origem e no recurso extraordinário. Em outros termos, após o
reconhecimento da repercussão geral, a causa petendi passa a ser aberta, dissociando-se dos fundamentos do acórdão de origem. Daí a razão de se admitir a intervenção de amici curiae no recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida, destinada a ofertar à Corte uma visão rica, profunda e holística da questão constitucional, mediante o aporte de novos argumentos, pontos de vista, ponderações, etc. A abertura da causa petendi do recurso representativo da controvérsia implica a flexibilização do prequestionamento nos recursos sobrestados, aos quais se aplicará a orientação perfilhada pela Suprema Corte, independentemente dos argumentos específicos que os sustentam. Essa flexibilização do prequestionamento, como requisito inexorável ao conhecimento e ao provimento dos recursos excepcionais, intensificou-se, mas não decorreu do instituto da repercussão geral e dos recursos repetitivos. Trata-se de uma tendência iniciada antes mesmo da sua criação, verificada, por exemplo, em decisões que: i) acolhem a tese suscitada em recurso extraordinário interposto com base no art. 102, III, a, da CF, mas confirmam o acórdão por fundamentos diversos8; ii) apreciam causas homogêneas, aplicando a jurisprudência consolidada da Corte sem se ater às amarras do prequestionamento9; iii) apreciam de ofício questões de ordem pública10; iv) conhecem do recurso, acolhem as alegações nele suscitadas e vão além, aplicando o direito à espécie, na esteira da Súmula nº 456 do STF11. 8 STF, RE 298.694, Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Julgado em 06.08.2003. 9 STF, AI 375.011-AgRg, 2ª T., Relª Min. Ellen Gracie, Julgado em 05.10.2004. 10 STJ, REsp 869.534, 1ª T., Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Julgado em 27.11.2007. 11 Eis a sua redação: “O Supremo Tribunal Federal, conhecendo do recurso extraordinário, julgará a causa, aplicando o direito à espécie”.
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A situação pode ser inversa, figurando a tese da inconstitucionalidade da ampliação da base de cálculo da Cofins como uma questão sucessiva, a ser apreciada na hipótese de rejeição da tese principal. É o que se verifica, por exemplo, nas ações ajuizadas pelas cooperativas objetivando eximir-se, por completo, da cobrança da contribuição, sob o argumento central de não possuírem receita alguma – e muito menos faturamento. A tese sucessiva deve ser suscitada pela parte e, quando possível, prequestionada pelo Tribunal de origem, a fim de que a rejeição do pedido principal não conduza, inexoravelmente, à integral improcedência da demanda.
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A relativização do prequestionamento é relevante sobretudo no direito tributário, que, como pontuam os juristas alemães, caracteriza-se por ser um “direito de massa” (Massenrecht), visto se aplicar a uma infinidade de fatos homogêneos. O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça não devem julgar os recursos representativos das controvérsias apenas à luz da questão jurídica prequestionada no leading case. Devem julgá-los em abstrato, mas com uma visão profunda de todas as nuances e repercussões da lide tributária posta à sua apreciação, resolvendo-a por completo.
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Somente assim as inovações processuais trarão resultados práticos significativos, redundando em uma prestação jurisdicional mais célere, segura, isonômica e efetiva.
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Doutrina
A Indelegabilidade da Execução da Pena e a Inconstitucionalidade da Terceirização Prisional no Brasil JACINTO TELES COUTINHO
Especialista em Direito Público pelo CEUT, Habilitado em Direito Penal pela UESPI, Graduado em Direito pela FAETE, Aprovado no V Exame Nacional da OAB, Agente Penitenciário e Conselheiro Penitenciário do Piauí (2005-2013), Foi Vereador, Assessor Jurídico da Prefeitura de Teresina, Presidente da CDH da Câmara Municipal de Teresina, Diretor Jurídico da Confederação Brasileira de Trabalhadores Policiais Civis – Cobrapol do SINPOLJUSP e Coordenador do Fórum Nacional de Assuntos Penitenciários.
PALAVRAS-CHAVE: Execução penal; regime disciplinar diferenciado; persecução penal; terceirização prisional; inconstitucionalidade. SUMÁRIO: Introdução; 1 A execução penal como papel fundamental do Estado; 1.1 A persecução penal como função indelegável do Estado; 2 A incompatibilidade da terceirização no sistema penitenciário brasileiro; 2.1 Breve histórico acerca da terceirização; 2.2 Natureza jurídica; 3 O princípio constitucional da legalidade como obstáculo à terceirização e à privatização do sistema penitenciário; 3.1 Ação civil pública (ACP) do Ministério Público impede terceirização de presídios no Ceará; 4 A omissão do Brasil para com as regras mínimas da ONU para tratamento dos prisioneiros; 5 A importância da implementação da PEC 308/2004 pelo Congresso Nacional para o sistema prisional; Conclusão; Referências.
INTRODUÇÃO Este trabalho objetiva fomentar o debate sobre a execução da pena no Brasil e chamar à reflexão acerca do fato de que tal instituto é função indelegável do Estado, e que a conclusão da persecução penal ocorre com o efetivo término da execução da pena no estabelecimento penal; ao contrário da posição majoritária da doutrina, que afirma ocorrer essa conclusão com o julgamento do acusado. Isso se reflete de várias maneiras, principalmente por meio de propostas de terceirização de penitenciárias, como caminho natural à privatização da execução penal. Tais atitudes ignoram princípios legais e constitucionais, principalmente o da legalidade, expresso na Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB/1988) e o da indelegabilidade do poder de polícia à iniciativa privada, previsto na Lei nº 11.079/2004, que obstaculizam essa esdrúxula pretensão. Enfim, procurar-se-á provar, durante toda a exposição do trabalho, que a execução da pena é realmente função indelegável do Estado, que a terceirização é essencialmente incompatível com a execução penal.
1 A EXECUÇÃO PENAL COMO PAPEL FUNDAMENTAL DO ESTADO Conforme preconiza o art. 1º da Lei Federal de Execução Penal nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (LEP), “a execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”. Efetivar as disposições de sentença ou
decisões criminais significa concretizar as finalidades da pena na sentença, garantindo a retribuição e a prevenção. A LEP estabelece, ainda, os critérios para a classificação dos condenados, os quais devem levar em consideração os antecedentes e a personalidade do autor do delito. Tal classificação será feita por Comissão Técnica que elaborará o programa individualizador da pena privativa de liberdade adequada ao condenado ou preso provisório, cujo texto constante do art. 6º da citada lei sofreu alteração por meio de Lei nº 10.792, de 01.12.2003, antes previa a pena restritiva de direitos e autorizava às autoridades competentes a propor as progressões e as regressões de regimes, bem como as conversões.
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Nesse particular, é importante destacar que o exame de classificação se difere do exame criminológico, porque aquele é mais amplo e genérico, envolve aspectos relacionados à personalidade do condenado, suas características, sua vida familiar social e sua capacidade laborativa, orienta o modo de cumprimento da pena. Já este é mais específico, envolve aspectos psicológicos, psiquiátricos do condenado, atestando sua maturidade, disciplina, capacidade de suportar frustrações, enfim, objetiva construir um prognóstico de periculosidade.
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De acordo com Minhoto (2000), em seu livro Privatização de presídios e criminalidade, a gestão da violência no capitalismo global, um traço central das modernas democracias é o postulado do monopólio estatal do uso legítimo da força, segundo a clássica formulação weberiana. Nesses termos, o direito de privar um cidadão da liberdade, e de entregar a coerção, que o acompanha, constitui uma daquelas situações excepcionais que fundamentam a própria razão de ser do Estado, figurando no centro mesmo do sentido moderno de coisa pública e, nessa medida, seria intransferível. (Minhoto, 2000 p. 87)
Nessa concepção, para que o Estado execute a pena, é importante destacar os diversos tipos de regimes previstos no sistema penitenciário, bem como suas diversas classificações conforme a LEP. O regime fechado, constante do art. 87, é cumprido na penitenciária; o semiaberto, em colônia agrícola ou industrial (art. 91); o aberto, em casa de albergado (art. 93). Nos diversos regimes aqui mencionados, observadas as suas peculiaridades, há que se ter como referencial o aspecto do trabalho e do estudo, que devem ser estimulados pela remição, conforme o art. 126 da LEP, alterado pela Lei nº 12.433/2011, a qual incluiu a possibilidade da remição também pelo estudo.
1.1 A persecução penal como função indelegável do Estado A doutrina tem se manifestado de forma unânime sobre o reconhecimento de que a persecução penal é função indelegável do Estado. Neste particular, Mirabete (2001) ensina que, praticado um fato caracterizado como infração penal, surge para o Estado, o jus puniendi, que só pode ser efetivado por meio do processo. Justamente porque é na ação penal que deve ser procedida em juízo a pretensão punitiva do Estado. A partir daí deverá sair a aplicação da sanção penal adequada. Para ser intentada a ação penal, é necessário que o Estado disponha de um mínimo de elementos probatórios que indiquem a ocorrência da infração, bem como de sua autoria. Indiscutivelmente, o meio mais comum para a colheita de tais elementos é o inquérito policial. O Jurista penalista Júlio Fabbrinni Mirabete (2003), citando José Frederico Marques, autor do anteprojeto do Código de Processo Penal, classifica o inquérito assim: “A apuração de fato que configure infração penal e respectiva autoria, para servir de base à ação penal ou às providências cautelares”.
Nos termos do art. 4º do CPP, cabe à polícia judiciária, a qual exercida pelas autoridades policiais competentes, a atividade destinada à apuração das infrações penais e da autoria por meio do inquérito policial, preparatório da ação penal, ou seja, como peça subsidiária desta. À soma dessa atividade investigatória com a ação penal promovida pelo Ministério Público ou do próprio ofendido, denomina-se de persecução penal (persecutio criminis). Com ela se procura tornar efetiva o jus puniendi resultante da prática do crime, a fim de se impor ao seu autor a sanção penal cabível. Persecução penal significa, portanto, a ação de perseguir o crime; como diz literalmente o Dicionário Aurélio: “Qualquer violação grave da lei moral, civil ou religiosa; ato ilícito; contravenção”. Registre-se que não encontramos na pesquisa bibliográfica para a feitura deste modesto estudo divergência no sentido de que a persecução penal seja função típica de Estado. Quase a unanimidade da doutrina pesquisada ensina que sua conclusão deve se dar com o julgamento do acusado, pois é mínima a posição na doutrina brasileira de que a conclusão da persecução penal se materialize com o cumprimento da pena, fato que deve ser repensado pela doutrina dominante dessa área penal e/ou penitenciária. É fundamental destacar que o direito/dever de punir atribuído ao Estado, data venia aos contrários, não se conclui apenas com o julgamento do acusado, com a imposição da pena, em caso de sê-lo considerado culpado, haja vista que, no momento em que o sentenciado é encaminhado ao estabelecimento penal ou a
outro órgão para a execução de sua pena, continua o processo de punição do Estado, agora exercendo o direito/dever de punir e cuidar, desse que é comprovadamente o autor do delito. A nosso sentir, a persecução penal só vai ser exaurida quando do integral cumprimento da pena. Independentemente do regime penitenciário a que esteja submetido o detento, este poderá vir a ter a persecução interrompida, inclusive por meio da fuga. A partir daí volta-se a persecução, ou seja, a perseguição do evadido continua até a sua recaptura para o retorno ao interior do estabelecimento penal. A renomada penitenciarista Armida Bergamini Miotto (1992) defende, senão explícita, mas implicitamente, que a persecução penal deva se dar com a devida execução da pena, quando assegura taxativamente que o direito/dever de punir compete exclusivamente ao Estado, como parte integrante da persecução penal. Veja-se: O direito de punir é um direito subjetivo público, estatal. Como todo direito subjetivo público, não é simples facultas agendi (como é o direito subjetivo privado), mas potesta agendi, poder de agir. Desdobra-se ele em três fases: a da cominação da pena, a da aplicação e a da execução. A cominação é feita pelo Poder Legislativo, na elaboração das leis (promulgadas pelo Executivo), constando, pois, de lei, para cada tipo de crime: a aplicação é feita pelo Poder Judiciário (juiz tribunal), na sentença condenatória, segundo cada caso concreto; a execução é feita, tendo em vista a pena aplicada na sentença, formalmente pelo Poder Judiciário (juiz tribunal), formalmente pelo Poder Judiciário (juiz de execução) e praticamente pelo Poder Executivo (Administração Penitenciária). Nesse desdobramento em três fases sucessivas, o exercício do direito de punir compete a adequados órgãos dos três poderes do Estado. Em nenhuma das três fases pode o direito de punir ser transferido ou delegado a pessoas ou entidades privadas, nem a órgãos paraestatais, autarquias etc. essa exclusividade da titularidade do direito de punir pelo Estado é uma conquista da civilização, em favor da garantia dos direitos pessoais, da tranqüilidade e segurança pessoais e sociais, e da justiça da punição. [...]. (Miotto, 1992, p. 112-113)
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Obviamente que este não é o único instrumento, já que ao Ministério Público, por incumbência constitucional e entendimento majoritário da jurisprudência do Supremo, cabe também, diretamente, a colheita de provas à instrução da ação penal competente.
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Ainda de acordo com Miotto (1992), não colidem com este princípio acima descrito, o jus querelandi, que é o direito que o Estado confere ao particular para, através de queixa ou representação, provocá-lo a exercer o direito de punir (jus puniendi). “O Estado ao ser provocado, procederá por meio de seus órgãos competentes e de acordo com a legislação penal e processual penal, para ao final aplicar e executar a pena, ou mesmo não aplicá-la, se assim for o caso”.
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Comprovado como está, que verdadeiramente a execução penal é função indelegável do Estado, como também o é o processo até a fase de julgamento; a conclusão lógica desse raciocínio é a de que a execução da pena, irrefutavelmente, é a conclusão da persecução penal. Porque tanto aquela fase como esta são atividades jurisdicionais do Estado, do que decorre a indelegabilidade dos serviços. A primeira se manifesta por meio do juiz sentenciante; já, a segunda, pelo juízo da execução penal.
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Na execução, a persecução penal está intrinsecamente presente, ora na vigilância permanente dos agentes penitenciários do Estado na rotina da prisão, ora na recaptura do preso, quando este se evade, situação que advém, principalmente, de um instinto natural de quem está privado da liberdade, ou mesmo para se livrar de uma situação de humilhação, como uma espécie de autodefesa, cuja realidade jamais é admitida pelas autoridades do Estado ou mesmo para voltar a delinquir.
2 A INCOMPATIBILIDADE DA TERCEIRIZAÇÃO NO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO 2.1 Breve histórico acerca da terceirização Terceirização deriva do latim tertius, que seria o estranho a uma relação entre duas pessoas. Terceiro é o intermediário, o interveniente. No caso, a relação entre duas pessoas poderia
ser entendida como a realizada entre o terceirizante e o seu cliente, sendo que o terceirizado ficaria fora dessa relação, daí, portanto, ser terceiro. A terceirização, entretanto, não ficaria restrita a serviços, podendo ser feita também em relação a bens e serviços ou produtos. Com relação ao seu conceito, conforme Martins (2007), não existe na legislação vigente nenhuma definição sobre a denominação de terceirização, trata-se, na verdade, de uma estratégia na forma de administração das empresas, que tem por objetivo, bem definido, organizar a empresa e estabelecer métodos da sua atividade empresarial. A utilização da terceirização pelas empresas traz problemas jurídicos que necessitam ser analisados, mormente no campo trabalhista. É evidente que a empresa deverá obedecer às estruturas jurídicas vigentes, principalmente às trabalhistas, sob pena de arcar com as consequências decorrentes de seu descumprimento, o que diz respeito aos direitos trabalhistas sonegados ao empregado. Visando a ilustrar, para melhor entendimento sobre a tão falada terceirização, transcreve-se a seguir parte do que diz o Jurista Sérgio Pinto Martins: Consiste a terceirização na possibilidade de contratar terceiro para a realização de atividades que geralmente não constitui o objeto principal da empresa. Essa contratação pode envolver tanto a produção de bens como serviços, como ocorre na necessidade de contratação de serviços de limpeza, de vigilância ou até de serviços temporários. Envolve a terceirização uma forma de contratação que vai agregar a atividade-fim de uma empresa, normalmente a que presta os serviços, à atividade-meio de outra. É também uma forma de parceria, de objetivo comum, implicando mútua e complementariedade. O objetivo comum diz respeito à qualidade dos serviços para colocá-los no mercado. A complementariedade significa a ajuda do terceiro para aperfeiçoar determinada situação que o terceirizador não tem condições ou não quer fazer. [...] Na verdade, os empresários pretendem, na maioria dos casos, a diminuição de encargos trabalhistas e previdenciários, com a utilização da terceirização, podendo ocasionar desemprego no setor [...]. (Martins, 2007, p. 24)
2.2 Natureza jurídica Difícil é dizer qual a natureza jurídica da terceirização, pois, como visto, existem várias concepções a serem analisadas. Dependendo da hipótese em que a terceirização for utilizada, haverá elementos de vários contratos, sejam eles nominados ou inominados. Sérgio Martins sobre o assunto assim se manifesta: Poderá haver a combinação de elementos de vários contratos distintos: de fornecimentos de bens ou serviços; de empreitada, em que o que interessa é o resultado, de franquia, de locação de serviços, em que o que importa é a atividade e não o resultado; de concessão, de consórcio, de tecnologia, knowhow, com transferência da propriedade industrial, como inventos, fórmulas. A natureza jurídica será do contrato utilizado ou da combinação de vários deles. (Martins, 2007, p. 25)
Se a natureza jurídica da terceirização, nos segmentos aceitáveis, é tão difícil de ser caracterizada, imagine no sistema penitenciário, que não admite tal instituto. Poder-se-ia estabelecer uma denominação, fosse a terceirização para o fornecimento de alimentação nos estabelecimentos penais, nesse particular, acredita-se ser compatível com as atividades do sistema prisional do País. É realmente dificílimo nominar a natureza jurídica da terceirização na execução penal, porque patente é a sua dissociação da desejável ressocialização do apenado, são institutos visivelmente díspares.
3 O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA LEGALIDADE COMO OBSTÁCULO À TERCEIRIZAÇÃO E À PRIVATIZAÇÃO DO SISTEMA PENITENCIÁRIO O art. 5º, II, da CRFB/1988 consagrou o princípio da legalidade nos seguintes termos: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Logo, o princípio da legalidade é corolário do Estado Democrático de Direito, na medida em que estabelece a obrigação de o Estado, apenas e tão somente, exigir ações dos particulares ante a aprovação de leis em sentido amplo, respeitando o processo democrático e representativo, previsto no art. 1º, parágrafo único, da Constituição Federal. O princípio constitucional da legalidade é o fundamento básico do Estado Democrático de Direito, nesse diapasão somente a lei obriga de forma eficaz e validamente às pessoas físicas ou jurídicas, a fazer ou deixar de fazer algo. Porque pressupõe que a lei seja a manifestação clara da vontade da maioria, obviamente que tudo deve ocorrer em conformidade com o devido processo legislativo, indispensável ao Estado de Direito. Constata-se, assim, que esse importante princípio constitucional é plenamente aplicável ao caso da terceirização ou privatização da execução da pena, isto é, para impedi-la, haja vista que em nenhum momento o Congresso Nacional, por meio de suas casas legislativas, Câmara dos Deputados e Senado Federal, editou qualquer espécie legislativa visando a tão falada terceirização ou mesmo a privatização do sistema prisional. É fato público e notório no meio acadêmico que o princípio da legalidade possui, ao menos, dois entendimentos de aplicabilidade, ou seja, com relação aos particulares é permitido fazer tudo aquilo que a lei não proíbe. Já, no que diz respeito à Administração Pública, o mesmo fundamento se apresenta ao
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Como aqui demonstrado, a terceirização é plenamente incompatível com a execução da pena, haja vista que esta é função indelegável do Estado, justamente por ser atividade-fim, já que é por meio do cumprimento da pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos que o autor do delito é devolvido à sociedade na perspectiva de que não retorne ao cometimento de ilícito penal.
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contrário, pois a garantia para agir em determinada situação só será lícita se amparada no ordenamento jurídico, isto é, se calcada expressamente em lei. A lei para o particular significa pode fazer assim, enquanto que para o Poder Público significa deve fazer assim. O Estado não pode agir ao arrepio da lei, sob pena de violar a legalidade constitucional mencionada, além do princípio da segurança jurídica, que, indiscutivelmente, é a base primeira do Estado Democrático de Direito. Essa conclusão nada mais é do que decorrência lógica do também princípio da legalidade, insculpido no caput do art. 37 da CRFB/1988. Assim, não podendo o administrador público inovar sem que sua conduta esteja previamente definida e amparada por lei.
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Nessa mesma linha, é importante observar o que leciona o Jurista Floriano Peixoto de Azevedo Marques Neto:
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É inegável que o princípio da legalidade assume significado muito especial para o Direito Administrativo, visto que constitui o pilar de toda ordem jurídica nacional, revelando-se elemento de garantia e segurança jurídica. A partir dai, deve o administrador público conscientizar-se de que não age em nome próprio, mas sim em nome da coletividade representando uma garantia aos administrados, pois qualquer ato da administração pública somente terá validade de acordo com a lei, representando desta forma um limite para atuação do Estado [...]. (Peixoto, 2008, p. 1)
Por outro lado, à luz do que dispõe o inciso III do art. 4º da Lei nº 11.079/2004, que institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da Administração Pública, impede a delegabilidade do poder de polícia para pessoa jurídica de direito privado. O inciso em referência assim disciplina a matéria: “III – indelegabilidade das funções de regulação, jurisdicional, do exercício do poder de polícia e de outras atividades exclusivas do Estado”. Como se observa,
essa questão está amparada duplamente, já que a execução da pena é também reconhecida como função jurisdicional do Estado.
3.1 Ação civil pública (ACP) do Ministério Público impede terceirização de presídios no Ceará É importante destacar que fatos concretos de terceirização na execução da pena aconteceram em alguns Estados, entre eles os do Paraná e do Ceará, e continuam acontecendo, agora mais recentemente no de Minas Gerais. Ocasião em que os dois primeiros entes públicos celebraram contratos com a Empresa Humanitas – Administração Prisional Privada S/C Ltda. Nesta oportunidade, destaca-se o caso do Ceará, cujo contrato visava à terceirização dos serviços necessários ao pleno funcionamento da Penitenciária Industrial Regional do Cariri. O Ministério Público do Ceará, após ampla mobilização de segmentos da sociedade, como Pastoral Carcerária da Igreja Católica, OAB local, Sindicato dos Agentes Penitenciários, Fórum Nacional Permanente de Assuntos Penitenciários, entre outros, ajuizou ação civil pública por meio da Promotoria de Defesa da Moralidade Administrativa, cuja titularidade à época (dezembro de 2001) estava a cargo do promotor de Justiça, Eduardo Araújo Neto, visando à anulação do tal contrato administrativo, o qual realizado, nas palavras do representante ministerial: “À margem da legalidade e de princípios constitucionais básicos”. Ressalte-se que não somente os serviços de conservação e alimentação dos presos do estabelecimento penal, mas, inclusive, os serviços de segurança e gerência da administração penitenciária, todos ficaram a cargo da Empresa Humanitas. Objetivando corroborar com o que aqui se expõe, transcreve-se fragmentos de argumentos lógicos que ajudaram a fundamentar a ACP do Parquet cearense:
João Marcello de Araújo Júnior, ao apresentar a obra coletiva por si coordenada, de nome Privatização das prisões (São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995), considera, baseado nos ensinamentos de René Ariel Dotti, “provavelmente, o Professor brasileiro mais autorizado para falar sobre a lei de execução penal, por ter sido o mais notório dos seus autores”, “que a administração penitenciária participa da atividade jurisdicional”. O pessoal penitenciário, de qualquer nível, embora vinculado ao Poder Executivo para fins de gestão financeira e disciplinar, ao praticar os atos de execução são a longa manus do juiz da execução. Estão para este, assim como estão o Oficial de Justiça e o Escrivão. A administração penitenciária participa, portanto, da execução de decisões judiciais. Sendo, assim, a execução penal uma atividade jurisdicional e sendo, como se sabe, a atividade jurisdicional indelegável, devemos concluir que a administração penitenciária é, também, indelegável e, por isso, somente poderá ser exercida pelo Estado. [...]. (Ação Civil Pública nº 00810-2006-017-10-00-7, de 18 de dezembro de 2001)
nômico e Social da ONU, por meio da Resolução nº 663, de 31 de julho de 1957, a qual foi aditada pela Resolução nº 2.076, de 13 de maio de 1977.
O MP e o Poder Judiciário do Ceará prestaram relevantes serviços ao sistema penitenciário brasileiro, no momento em que, atendendo reivindicações de diversos segmentos sociais, por meio de ação civil pública, conseguiram expurgar a famigerada terceirização prisional naquele Estado, na década passada. Essa decisão afastou a famigerada política da privatização da execução penal na região do Cariri cearense (Juazeiro/Crato). Foi assim defenestrado um modelo retrógrado, mas que já estava se proliferando por outras regiões do País. Ação como essa é digna de ser difundida, por todas as razões já elencadas.
Esse documento da ONU sobre as prisões, do qual o Brasil é signatário, embasou substancialmente a LEP de 1984, que, não se tem dúvida, é uma lei bastante avançada, mas pouco cumprida nos estabelecimentos penais Brasil afora.
4 A OMISSÃO DO BRASIL PARA COM AS REGRAS MÍNIMAS DA ONU PARA TRATAMENTO DOS PRISIONEIROS
O cumprimento dessas Regras Mínimas sempre foi bastante questionado, tanto é verdade que, em 1971, a Assembleia-Geral das Nações Unidas chamou a atenção dos Estados signatários para o cumprimento de todos os seus dispositivos, e para isso adotou resolução especial criando procedimentos para regulamentar tal cumprimento. Dos treze pontos procedimentais adotados pela ONU, visando ao efetivo cumprimento das Regras Mínimas, pelos Países-membros da ONU, destacamos aqui os seguintes:
Não é necessário conhecer pessoalmente para se ter uma noção da lamentável situação do sistema penitenciário brasileiro, basta que se observe o Relatório da CPI do Sistema Carcerário de 2009 (Disponível em: http://www.camara.gov.br) para se comprovar que tanto as Regras Mínimas da ONU como a LEP são explicitamente violadas em todo o território nacional.
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As Regras Mínimas da ONU para tratamento dos reclusos são fundamentais para a correta execução penal no País. Tais regras foram adotadas no Primeiro Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção do Crime e Tratamento dos Delinquentes, realizado em Genebra (Suíça), em 1955, aprovadas pelo Conselho Eco-
Em 25 de maio de 1984, por meio da Resolução nº 47/1984, o Conselho Econômico e Social aprovou 13 procedimentos para a efetiva aplicação das Regras Mínimas supracitadas. Cujo objetivo visava a estabelecer princípios e regras de uma boa organização penitenciária, primando pelo adequado tratamento dos prisioneiros. Tendo como pressuposto básico fundamental o que está consignado no art. 6º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que diz textualmente: “Todo homem tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa perante a lei”.
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Procedimento 1 – Todos os Estados cujas normas de proteção a todas as pessoas submetidas a qualquer forma de detenção ou prisão não estiverem à altura das Regras Mínimas para o tratamento de prisioneiros, adotarão essas Regras Mínimas. Comentário: A Assembleia-Geral, em sua Resolução nº 2.858 (XXVI), de 20 de dezembro de 1971, chamou a atenção dos Estados-membros para as Regras Mínimas e recomendou que eles as aplicassem na administração das instituições penais e correcionais e que considerassem favoravelmente a possibilidade de incorporá-las em sua legislação nacional. É possível que alguns Estados tenham normas mais avançadas que as Regras e, portanto, não se pede aos mesmos que as adotem. Quando os Estados considerarem que as Regras necessitam ser harmonizadas com seus sistemas jurídicos e adaptadas à sua cultura, devem ressaltar a intenção e não a letra fria das Regras. Procedimento 2 – Adaptadas, se necessário, às leis e à cultura existentes, mas sem distanciar-se do seu espírito e do seu objetivo, as Regras Mínimas serão incorporadas à legislação nacional e demais regulamentos. Comentário: Este procedimento ressalta a necessidade de se incorporar as Regras Mínimas à legislação e aos regulamentos nacionais, com o que se abrange também alguns aspectos do procedimento 1.
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Procedimento 3 – As Regras Mínimas serão postas à disposição de todas as pessoas interessadas, em particular dos funcionários responsáveis pela aplicação da lei e do pessoal penitenciário, a fim de permitir sua aplicação e execução dentro do sistema de justiça penal.
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Comentário: Este procedimento lembra que as Regras Mínimas, assim como as leis e os regulamentos nacionais relativos à sua aplicação, devem ser colocados à disposição de todas as pessoas que participem na sua aplicação, em especial dos funcionários responsáveis pela aplicação da lei e do pessoal penitenciário. É possível que a aplicação das Regras exija, ademais, que o organismo administrativo central encarregado dos aspectos correcionais organize cursos de capacitação. [...].
As Regras Mínimas da ONU, de acordo com o Procedimento nº 3 transcrito, deveriam ser distribuídas a todas as pessoas interessadas, em particular aos funcionários responsáveis pela aplicação da lei e do pessoal penitenciário, a fim de permitir sua aplicação e execução no sistema de justiça criminal.
No Brasil, a maioria esmagadora dos juízes da execução penal e dos promotores de justiça não conhece integralmente as Regras Mínimas da ONU sobre tratamento de reclusos, tampouco o pessoal penitenciário, uma prova inequívoca do descaso com que o Estado brasileiro trata tão importante questão.
5 A IMPORTÂNCIA DA IMPLEMENTAÇÃO DA PEC 308/2004 PELO CONGRESSO NACIONAL PARA O SISTEMA PRISIONAL É importante destacar a necessidade de implementação da PEC 308/2004, haja vista está inserida diretamente nesse contexto do sistema penitenciário. Cuja proposta já aprovada em todas as comissões temáticas competentes sobre o tema, na Câmara dos Deputados, que institui a polícia penal, órgão que, entre outras funções, terá as de combater o crime organizado a partir do interior dos estabelecimentos penais, o Substitutivo aprovado na Comissão Especial, sob a presidência do deputado Nelson Pelegrino (PT-BA), que discutiu o mérito da matéria, teve como relator o deputado Alberto Fraga (PTB-SP), que assim se manifestou: Substitutivo adotado pela Comissão Altera os arts. 7º, 21, 32, 39 e 144 da Constituição Federal, criando as polícias penitenciárias federal e estaduais. As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do § 3º do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao Texto Constitucional: Art. 1º O caput do art. 7º da Constituição Federal passa a vigorar acrescido do seguinte inciso XIV-A: “Art. 7º [...] [...]
XIV – duração do trabalho de 6 (seis) horas diárias e 36 (trinta e seis) horas semanais, para o serviço prestado a estabelecimentos prisionais.” (NR)
§ 10. Às polícias penais incumbe, no âmbito das respectivas circunscrições e subordinadas ao órgão administrador do sistema penitenciário da unidade federativa a que pertencer:
Art. 2º O inciso XIV do caput do art. 21 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:
I – supervisionar e coordenar as atividades ligadas, direta ou indiretamente, à segurança interna e das áreas de segurança dos estabelecimentos penais;
[...] XIV – organizar e manter a polícia civil, a polícia militar, a polícia penal e o corpo de bombeiros militar do Distrito Federal, bem como prestar assistência financeira ao Distrito Federal para a execução de serviços públicos por meio de fundo próprio; [...]” (NR) Art. 3º O § 4º do art. 32 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 32. [...] [...] § 4º Lei federal disporá sobre a utilização pelo Governo do Distrito Federal das polícias civil, militar e penal e do corpo de bombeiros militar.” (NR) Art. 4º O § 3º do art. 39 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:
II – promover, elaborar e executar atividades policiais de caráter preventivo, investigativo e ostensivo, que visem a garantir a segurança e a integridade física dos apenados, custodiados e os submetidos às medidas de segurança, bem como dos funcionários e terceiros envolvidos, direta ou indiretamente, com o sistema penitenciário, nas dependências das unidades prisionais, inclusive em suas áreas de segurança; III – diligenciar e executar, junto com os demais órgãos da segurança pública estadual e/ou federal, atividades policiais que visem a imediata recaptura de presos foragidos das unidades penais; IV – promover, elaborar e executar atividades policiais de caráter preventivo, investigativo e ostensivo, nas dependências das unidades prisionais e respectivas áreas de segurança, que visem a coibir a prática de infrações penais direcionadas às unidades prisionais, mediante a instauração de inquérito de polícia judiciária; V – promover a defesa das instalações físicas das unidades prisionais, inclusive no que se refere à guarda das suas muralhas;
[...]
VI – executar a atividade de escolta dos apenados, custodiados e dos submetidos às medidas de segurança, para os atos da persecução criminal, bem como para o tratamento de saúde. [...]” (NR)
§ 3º Aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto nos incisos IV, VII, III, IX, XII, XIII, XIV-A, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII E XXX do caput do art. 7º, podendo a lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir.” (NR)
Art. 6º O quadro de servidores das polícias penais será oriundo, mediante lei específica de iniciativa do Poder Executivo, de transformação dos cargos, isolados ou organizados em Carreiras, com atribuições de segurança a que se refere o art. 77 da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984.
Art. 5º O art. 144 da Constituição Federal passa a vigorar acrescido dos seguintes incisos VI e VII e do seguinte § 10:
Parágrafo único. Fica assegurado aos servidores das Carreiras policiais civis, militares e bombeiros militares do Distrito Federal que exerçam suas atividades no âmbito do sistema penitenciário o direito de opção entre as Carreiras a que pertencem e a correspondente Carreira do quadro da Polícia Penal.
“Art. 39. [...]
“Art. 144. [...] [...] VI – polícia penal federal; VII – polícias penais estaduais. [...]
Art. 7º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação. Sala da Comissão, em 17 de outubro de 2007. (Brasil, 2007, p. 1)
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“Art. 21. [...]
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Com a criação da Polícia Penal no âmbito dos Estados-membros, do Distrito Federal e da União, haverá substancial alteração no sistema de investigação criminal no País, já que à polícia penal será incumbida, além de outras, a função de promover, elaborar e executar atividades policiais de caráter preventivo, investigativo e ostensivo, nas dependências das unidades prisionais e respectivas áreas de segurança, que visem a coibir o narcotráfico direcionado às unidades prisionais. Convém destacar que o texto aprovado na Comissão Especial que discutiu a PEC em referência, sofreu modificações superficiais posteriormente.
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No Brasil, o crime organizado é comandado, em grande escala, de dentro dos presídios, mas atualmente os agentes penitenciários não têm poder de investigação criminal, o que de certa forma favorece as ações criminosas nos estabelecimentos penais. A polícia civil dos Estados, a quem compete a investigação criminal, não dispõe das condições necessárias para promover a investigação adequada no interior desses estabelecimentos, aliás, esta instituição já faz além das condições que lhe são propiciadas pelos Governos, e um dos principais motivos por que não conseguem desenvolver a contento suas atribuições é justamente porque estão a cuidar de presos nas delegacias de polícia, em completo desvio de função. Recebendo os agentes penitenciários as condições imprescindíveis à investigação, como investimento no conhecimento técnico, por meio de aparatos de inteligência, como as demais condições de trabalho, inclusive salariais, nenhuma outra categoria tem mais condições de investigar o crime organizado no interior dos presídios do que os agentes penitenciários, haja vista que estes abnegados profissionais conhecem mais do que ninguém as peculiaridades internas dos estabelecimentos integrantes do sistema penitenciário brasileiro.
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O que lhes falta é a atenção das autoridades responsáveis pela gestão do sistema prisional, já que esse segmento da segu-
rança pública está submetido ao caos. A aprovação da PEC 308 traz, inexoravelmente, a perspectiva de um futuro melhor, não somente para os agentes penitenciários, mas, sobretudo, à população usuária dos serviços públicos de segurança, que convive no Brasil com setenta por cento dos presos que são colocados em liberdade, reincidindo na criminalidade. A propósito, o então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Ministro Cezar Peluso, afirmou ao Jornal Valor Econômico, em 05.09.2011, que sete em cada dez presos que deixam o sistema penitenciário voltam ao crime, uma das maiores taxas de reincidência do mundo. É melhor também para os que cumprem pena, os detentos, já que os executores da execução penal (agentes prisionais) serão melhor qualificados, conhecedores, e, consequentemente, respeitadores dos direitos fundamentais da pessoa humana cerceada da liberdade. Por outro lado, registra-se o fato relevante de retirar das estruturas físicas dos estabelecimentos penais os policiais militares, que ficarão a disposição da população, desenvolvendo suas funções constitucionais, quais sejam, as de atividades preventivas no combate ao crime e à preservação da ordem pública, medida mais que necessária, já que a população ressente-se tanto pela falta de efetivo policial no trabalho ostensivo.
CONCLUSÃO A precariedade aviltante em que se encontra o sistema penitenciário brasileiro é fato público, incontestável e estarrecedor. Da mesma forma que está comprovada, a nosso sentir, que sua solução não está na política de terceirização ou privatização do sistema, seja pelo óbice constitucional e das normas vigentes em nosso ordenamento jurídico, seja pela própria essência da
Os institutos da terceirização e da privatização, com raríssimas exceções, são inaplicáveis e inservíveis aos serviços penitenciários, em especial àqueles relacionados à segurança, à disciplina e à gerência nos estabelecimentos penais, e ao efetivo acompanhamento ao/a presidiário(a), além da avaliação da individualização da execução da pena. É evidente que ainda precisa-se de algumas inovações no ordenamento jurídico acerca do sistema penitenciário, com a edição de normas legais previstas no art. 59 da CRFB/1988, como leis e emendas constitucionais, entre as quais as que tenham o objetivo de regulamentar a Polícia Penal, essa que, formada e equipada adequadamente, como previsto na PEC 308/2004, terá grande responsabilidade no combate ao crime organizado no interior dos estabelecimentos penais do Brasil, reconhecendo constitucionalmente a categoria de agentes penitenciários, que, não obstante as recomendações da ONU, de que esses profissionais exercem funções de alta relevância para o Estado, padecem à falta de uma política de valorização adequada. O que efetivamente falta é o Estado brasileiro tratar o sistema penitenciário com a necessária prioridade e seriedade que a questão requer. Deve ser tratado como função típica e indelegável, já que o direito/dever de punir atribuído ao Estado não se
conclui apenas com o julgamento do acusado, com a imposição da sanção penal, quando julgado culpado, mas quando se constata que é no sistema penitenciário que o condenado vai se submeter às regras da execução da pena que representa a conclusão da persecução penal.
REFERÊNCIAS BRASIL. Ação Civil Pública nº 00810-2006-017-10-00-7, datada em 18 de dezembro de 2001. Disponível em: www.pgj.ce.gov.br. Acesso em: 20 mar. 2013. ______. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 20 abr. 2013. ______. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984: Institui a Lei de Execução Penal. Legislação federal. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 20 abr. 2013. ______. PEC 308/2004. Disponível em: www.camara.gov.br. Acesso em: 10 maio 2013. MARQUES, J. F. Tratado de direito penal. São Paulo: Saraiva, 1965. MARTINS, Sergio Pinto. A terceirização e o direito do trabalho. 8. ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 2007. MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 11. ed. São Paulo: Atlas 2001. MELO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 5. ed. São Paulo Malheiros, 1994. MIOTTO, Armida Bergamini. A violência nas prisões. 2. ed. Goiânia: Centro Editorial e Gráfico/UFG, 1992.
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realidade peculiar à execução penal, que não se amolda às normas de mercado adotadas por essa política de terceirização.
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Doutrina
Do Menor sob Guarda e o Sistema da Previdência Social HENRIQUE JORGE DANTAS DA CRUZ Procurador Federal.
SUMÁRIO: Introdução; 1 Da recorribilidade e técnica de julgamento; 2 Dos direitos previdenciários à criança e ao adolescente; 3 Da guarda e da tutela; 4 Das considerações finais.
INTRODUÇÃO A redação originária do art. 16, § 2º, da Lei nº 8.213/19911 equiparava a filho, na condição de dependente do segurado, o menor que, por determinação judicial, estivesse sob a sua guarda. Com o advento da Medida Provisória nº 1.596, de 10.11.1997, posteriormente convertida na Lei nº 9.528/1997, a redação passou a ser a seguinte: “O enteado e o menor tutelado equiparam-se a filho mediante declaração do segurado e desde que comprovada a dependência econômica na forma estabelecida no Regulamento”. 1 “Equiparam-se a filho, nas condições do inciso I, mediante declaração do segurado: o enteado; o menor que, por determinação judicial, esteja sob a sua guarda; e o menor que esteja sob sua tutela e não possua condições suficientes para o próprio sustento e educação.”
Isto é, o menor sob guarda deixou de figurar no rol de dependentes do segurado. O Tribunal Regional Federal da 1ª Região, apreciando o Incidente de Inconstitucionalidade no Reexame Necessário nº 000129281.1998.4.01.3700, declarou a inconstitucionalidade da exclusão do menor sob guarda do rol de beneficiários do Regime Geral de Previdência Social: CONSTITUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO − ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO § 2º DO ART. 16 DA LEI Nº 8.213/1991, COM A REDAÇÃO DADA PELA MEDIDA PROVISÓRIA Nº 1.523, DE 11.10.1996, REEDITADA E CONVERTIDA NA LEI Nº 9.528/1997 − SUPRESSÃO DO MENOR SOB GUARDA JUDICIAL DO ROL DE BENEFICIÁRIOS DO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL, NA CONDIÇÃO DE DEPENDENTE DO SEGURADO − AFRONTA AOS ARTS. 227, § 3º, II E VI, E 5º, CAPUT, DA CF/1988 − INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA − I − A redação original do § 2º do art. 16 da Lei nº 8.213/1991 estabelecia que se equiparavam “a filho, nas condições do inciso I, mediante declaração do segurado: o enteado; o menor que, por determinação judicial, esteja sob a sua guarda; e o menor que esteja sob sua tutela e não possua condições suficientes para o próprio sustento e educação”. II − A Medida Provisória nº 1.523, de 11.10.1996, reeditada e convertida na Lei nº 9.528/1997, alterou o aludido § 2º do art. 16 da Lei nº 8.213/1991, para estabelecer que “o enteado e o menor tutelado equiparam-se a filho mediante declaração do segurado e desde que comprovada a dependência econômica na forma estabelecida no Regulamento”, suprimindo, portanto, o menor sob guarda judicial do rol de beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependente do segurado. III − A Constituição Federal consagra, em relação à criança e ao adolescente, o princípio da proteção integral, cabendo à família, à sociedade e ao Estado o dever de, solidariamente, assegurar-lhes, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, direitos naturais fundamentais
No voto da relatora – hoje, Ministra do STJ – consignou-se que “[...] em relação à criança e ao adolescente, a Constituição
Federal consagra o princípio da proteção integral, cabendo à família, à sociedade e ao Estado o dever de, solidariamente, assegurar-lhes tais direitos naturais fundamentais, com absoluta prioridade”. Mais adiante, registrou: O constituinte elenca, ainda, no § 3º do art. 227 da Carta Maior, sete normas indicativas das obrigações que o legislador ordinário não pode deixar de cumprir, entre as quais destacam-se a garantia ao menor – criança e adolescente – dos direitos previdenciários e trabalhistas, e o estímulo do Poder Público ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado. Sob o manto do art. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei nº 4.657/1942), segundo o qual, “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”, sua excelência, acompanhada pela maioria dos membros daquela Corte presentes ao julgamento, julgou inconstitucional a exclusão do menor sob guarda por afronta ao art. 227, caput, § 3º, II e VI, da Carta Constitucional, uma vez que a finalidade social do Direito Previdenciário é atender às pessoas nas contingências da vida, assegurando, assim, a dignidade da pessoa humana a todos, em especial ao menor, cuja proteção tem absoluta prioridade.
Ademais, vislumbrou violação ao princípio constitucional da igualdade (art. 5º, caput, da CRFB), já que o menor sob guarda necessitaria “[...] dos mesmos cuidados e da mesma proteção estatal dispensada aos tutelados, diante do infortúnio da morte do guardião ou tutor, conforme o caso”.
1 DA RECORRIBILIDADE E TÉCNICA DE JULGAMENTO Visto o julgamento mencionado, passa-se agora a analisar, sem qualquer pretensão de esgotar o assunto, as relações jurídicas que gravitam em torno do tema, sem olvidar algumas peculiares questões processuais de recorribilidade em face do aludido julgamento.
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(art. 227, caput, da Carta Magna). IV − O constituinte elenca, ainda, no § 3º do art. 227 da Carta Maior, sete normas indicativas das obrigações que o legislador ordinário não pode deixar de cumprir, entre as quais destacam-se a garantia, ao menor − criança e adolescente −, dos direitos previdenciários e trabalhistas, e o estímulo do Poder Público ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado. V – “Sabemos que a supremacia da ordem constitucional traduz princípio essencial que deriva, em nosso sistema de direito positivo, do caráter eminentemente rígido de que se revestem as normas inscritas no estatuto fundamental. Nesse contexto, em que a autoridade normativa da Constituição assume decisivo poder de ordenação e de conformação da atividade estatal − que nela passa a ter o fundamento de sua própria existência, validade e eficácia −, nenhum ato de Governo (Legislativo, Executivo e Judiciário) poderá contrariar-lhe os princípios ou transgredir-lhe os preceitos, sob pena de o comportamento dos órgãos do Estado incidir em absoluta desvalia jurídica” (ADIn 2.215/PE, Rel. Min. Celso de Mello, DJU de 26.04.2001). VI − Desse modo, a norma contida no art. 16, § 2º, da Lei nº 8.213/1991 − na redação dada pela Medida Provisória nº 1.523, de 11.10.1996, reeditada e convertida na Lei nº 9.528/1997 −, na parte em que exclui o menor sob guarda judicial da condição de dependente, colocando-o à margem da proteção previdenciária estatal, é inconstitucional, pois não se harmoniza com as garantias estabelecidas na Lei Maior, entre elas as do art. 227, caput, § 3º, II e VI, da Carta. VII − Ademais, a discriminação trazida pela nova redação do § 2º do art. 16 da Lei nº 8.213/1991 − ao excluir o menor sob guarda judicial da condição de dependente do segurado −, afronta, também, o princípio constitucional da isonomia, previsto no art. 5º, caput, da CF/1988, pois, do ponto de vista essencial − não do nomen iuris do instituto jurídico sob cuja tutela vivem −, os menores sujeitos à guarda judicial de outrem necessitam dos mesmos cuidados e da mesma proteção estatal dispensada aos tutelados, diante do infortúnio da morte do guardião ou tutor, conforme o caso. VIII − Acolhimento da arguição de inconstitucionalidade do § 2º do art. 16 da Lei nº 8.213/1991, com a redação dada pela Medida Provisória nº 1.523, de 11.10.1996, reeditada e convertida na Lei nº 9.528/1997, na parte em que excluiu o menor sob guarda judicial do rol dos beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependente do segurado. (INREO 1998.37.00.001311-0/MA, Relª Desª Federal Assusete Magalhães, Corte Especial, e-DJF1 21.09.2009)
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Diante de declaração de inconstitucionalidade, o recurso extraordinário, eventualmente interposto, terá como base na alínea b, o que permite ao STF a livre análise da controvertida, sem ficar jungido ao cotejo entre a decisão recorrida e o preceito constitucional invocado na insurreição recursal2.
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Não obstante a liberdade citada, é necessário o prequestionamento do fundamento constitucional da declaração de inconstitucionalidade impugnada no recurso extraordinário. Assim, na hipótese muito comum de os acórdãos posteriores apenas fazerem referência ao julgamento do incidente de constitucionalidade, é indispensável a oposição de embargos de declaração ou a juntada do inteiro teor do precedente invocado3.
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Finalizados esses lembretes acerca da recorribilidade, é de se registrar a Corte Especial do STJ4 não ter conhecido semelhante incidente de inconstitucionalidade, já que a declaração de ilegitimidade da norma era dispensável ao julgamento da causa. Em outras palavras, a técnica de julgamento seguida pelo TRF1 foi rechaçada pelo STJ em virtude de a nova legislação não ter negado direito de equiparação do menor sob guarda, mas apenas omitiu-se em prevê-lo. Assim, “[...] se a Constituição assegura, como se alega, a mencionada equiparação, o eventual vazio normativo da lei ordinária é suscetível de ser colmatado, se for o caso, pela aplicação direta do próprio preceito constitucional”5. 2 RE 420.816, Rel. Min. Carlos Velloso, Rel. p/o Ac. Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, J. 29.09.2004, DJ 10.12.2006. 3 RE 121.487, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, J. 23.08.1990, DJ 14.09.1990. 4 AI nos EREsp 727.716/CE, Rel. Min. Celso Limongi (Desembargador convocado do TJSP), Rel. p/o Ac. Min. Teori Albino Zavascki, Corte Especial, J. 16.02.2011, DJe 23.05.2011. 5 Excerto do voto vencedor.
Inicia-se agora o exame a respeito da inconstitucionalidade de estender o direito do tutelado ao menor sob guarda, sob o império da atual legislação.
2 DOS DIREITOS PREVIDENCIÁRIOS À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE É certo que a nossa Constituição garante direitos previdenciários à criança e ao adolescente, mas não é menos correto afirmar que esses direitos não são absolutos e devam ser aplicados em conformidade com o interesse público, a pacífica e harmoniosa vida em sociedade e a boa gestão dos finitos recursos públicos à disposição da população6. Nessa diretriz, o Pleno do STF deixou claro inexistir direitos e garantias de caráter absoluto: OS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS NÃO TÊM CARÁTER ABSOLUTO − Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição. O estatuto constitucional das 6 “Porém, precisa ser desmistificada a ideia corrente de que a intervenção judicial nas políticas públicas é algo sempre positivo, na medida em que visa a assegurar a concretização dos direitos sociais. É decisivo, neste ponto, lembrar que a realização desses direitos envolve gastos públicos e que os recursos para fazer frente a tais despesas são escassos. O Magistrado, em princípio, não tem à sua disposição todos os dados técnicos necessários à análise objetiva dos critérios de oportunidade e conveniência de implementação de determinada ação voltada ao bem coletivo. Nesse diapasão, e dentro de um inescapável cenário de escassez de recursos, em que as necessidades são maiores do que as possibilidades do orçamento público, o Poder Judiciário deve realizar uma análise realista no que se refere à implementação dos direitos sociais.” (TRF1, SLAT 0037075-88.2012.4.01.0000, Presidente Desembargador Federal Mário César Ribeiro, e-DJF1 05.09.2012)
Seguindo essa linha de raciocínio, a Carta Magna compeliu o Poder Público a organizar a Seguridade Social, com espeque, entre outros, nos princípios da seletividade e distributividade, cuja função primordial é traçar as linhas-mestras do disciplinamento legislativo no atendimento às contingências da vida. A respeito deles, já tive o prazer de me manifestar7.
3 DOS PRINCÍPIOS DA SELETIVIDADE E DISTRIBUTIVIDADE
direito a uma prestação previdenciária, e seu atendimento não prescindir de requisitos para seu gozo. O princípio da seletividade apregoa que os benefícios só serão fruídos por quem deles realmente necessite, devendo o necessitado estar dentro dos critérios erigidos na legislação9. Segundo o Professor Wagner Balera: A seletividade é um instrumento a serviço dessas finalidades adrede fixadas no Texto Fundamental. O momento da seletividade está situado no estágio da elaboração legislativa. Orientando a intenção normativa, que se expressa nas finalidades a serem atingidas, cabe ao legislador definir os benefícios e serviços cuja prestação propicie melhores condições de vida à população.10
Se por um lado a Previdência Social arrecada valores para distribuí-los, essa distribuição, por outro lado, não deve ser desordenada. A renda deve ser auferida, em um primeiro plano, pelos mais necessitados. Nessa ótica, o princípio da distributividade é um desdobramento do princípio da igualdade material11.
A nossa Constituição, nos incisos do art. 2018, enumera eventualidades a serem atendidas, nos termos da lei, pela Previdência Social. Dessa primeira leitura percebe-se toda e qualquer contingência humana não ser geradora de um consequente
Em suma: nem toda contingência humana é atendida por uma prestação previdenciária, e, quando houver previsão legal para tanto, inarredável será o atendimento dos requisitos legais para sua concreta efetivação. Portanto, já passou da hora de se pensar que o sistema previdenciário, seja público ou privado, é um
7 CRUZ, Henrique Jorge Dantas da. Desaposentação. In: PAVIONE, Lucas dos Santos; AMORIM, Luiz Antônio M. Temas aprofundados: AdvocaciaGeral da União. Salvador: JusPodivm, 2012. p. 486-487. 8 “Art. 201. A Previdência Social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: I − cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; II − proteção à maternidade, especialmente à gestante; III − proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário; IV − salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda; V − pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no § 2º.”
9 DIAS, Eduardo Rocha; MACÊDO, José Leandro Monteiro de. Op. cit. p. 100-101. No mesmo sentido: CORREIA, Marcus Orione Gonçalves; CORREIA, Érica Paula Barcha. Curso de direito da seguridade social. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 101. MARTINEZ, Wladimir Novaes. Comentários à lei básica da previdência social. 2. ed. São Paulo: LTr, 1996. p. 15. VIANA, João Ernesto Aragonés. Curso de direito previdenciário. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 16. 10 BALERA, Wagner. A seguridade social na Constituição de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989. p. 36. 11 DIAS, Eduardo Rocha; MACÊDO, José Leandro Monteiro de. Op. cit. p. 103.
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liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas − e considerado o substrato ético que as informa −, permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social, e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros. (Tribunal Pleno, MS 23452, Rel. Min. Celso de Mello, J. 16.09.1999, DJ 12.05.2000) (excerto da ementa)
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guarda-chuva em que todos possam se abrigar, pois, ou são estabelecidos critérios para atender aos politicamente eleitos, ou findará ninguém sendo atendido adequadamente12.
medida excepcional (art. 19 do ECA), e tem o caráter de fazer frente à falta daquela, nos termos do ECA, e será efetivada mediante guarda, tutela ou adoção (art. 28 do ECA).
Destarte, cai por terra utilizar o art. 227 da CRFB e seus parágrafos e incisos na tentativa de impedir qualquer mudança legislativa ou estender direitos previdenciários a quem não é legislativamente eleito. São os postulados da seletividade e distributividade que ordenam ao Poder Público ter critérios na escolha dos beneficiários (segurados e dependentes).
Esses instrumentos – guarda, tutela e adoção – são taxativos, sendo o primeiro considerado a modalidade mais simples, pois sequer retira o poder familiar dos pais sanguíneos, ao passo que a tutela pressupõe sua suspensão ou mesmo a destituição; e a adoção, a mais drástica de todas, tem como consequência o rompimento dos vínculos de parentesco com a família natural.
3 DA GUARDA E DA TUTELA
Para o interesse do presente estudo, as atenções são voltadas para o instituto da guarda e suas espécies em uma relação comparativa com a tutela.
Adentra-se agora na apreciação da Lei nº 8.069/1990 (ECA), com a finalidade de desvendar a natureza jurídica do instituto da guarda.
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A família natural é aquela unidade comum formada pelos pais ou qualquer um deles e seus descendentes (art. 25 do ECA). Já a família substituta13 – a própria denominação já revela – é
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12 Prova maior dessa asserção é a recém instituição do regime de previdência complementar para os servidores públicos federais pela Lei nº 12.618/2012 e as reformas na previdência nos países europeus. 13 “E como bem acentua J. M. Leoni Lopes de Oliveira citando passagem colhida em Luiz Paulo Santos Aoki: ‘A história da família substituta é quase tão antiga quanto a humanidade, pois certamente brotou do próprio espírito de solidariedade existente latente nos seres humanos, de molde a suprir incontáveis ausências da família natural, gerando, daí, até mesmo fábulas, lendas e fantasiosas histórias que rechearam a imaginação de inúmeras gerações, como é o caso, por exemplo, dos irmãos romanos Rômulo e Remo, que foram criados por uma Loba; ou, então, a história do Lord inglês que foi criado por uma família de gorilas; ou então, a deliciosa história de Mogli, o menino das selvas, criado por uma família de lobos selvagens; ou a milenar história de Moisés, posto nas águas do rio em que se banhava a filha do faraó e por ela tirado das águas e criado, tendo por ama de leite sua própria mãe’.”.(JUNIOR,
A guarda, que obriga o seu detentor à prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou ao adolescente (art. 33, caput, do ECA), em regra, “[...] destina-se a regularizar a posse de fato, podendo ser deferida, liminar ou incidentalmente, nos procedimentos de tutela e adoção [...]” (art. 33, § 1º, do ECA). Não há muita dificuldade em enxergar a provisoriedade dessa espécie, pois ela não passa de fase anterior ao procedimento de tutela e adoção. Já o § 2º do art. 33 do ECA dispõe sobre as hipóteses excepcionais, fora dos casos de tutela e adoção, em que se deferirá a guarda para atender a situações peculiares ou suprir a falta eventual dos pais ou responsável. A título de exemplo, os programas de acolhimento familiar ou institucional configuram situação peculiar; contudo, sua precariedade é nota intrínseca. Dois dos seus princípios esculpidos
Alberto Gosson Jorge. Guarda, tutela e adoção no estatuto da criança e do adolescente. Principais Aspectos. Revista de Direito Privado, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 05, p. 32-33, 2001)
A eventual falta dos pais também permite ao guardião representar o guardado em determinada situação (por exemplo, menor, cujos pais estejam em outra localidade impedidos de se deslocarem, que necessita ser representado para retirada de FGTS). Em suma, a guarda é (a) preparatória para a tutela ou adoção, (b) estágio para a reintegração familiar ou integração em família substituta, ou (c) proteção aos interesses do menor diante de situação passageira. Diante do exposto, ela é meio e não fim; é estado não buscado a título de definitividade, mas como etapa prévia ou temporária àquela visada pelos próprios princípios de proteção à criação e ao adolescente. Aliás, sua natureza precária e provisória decorre de expressa previsão no ECA: “Art. 35. A guarda poderá ser revogada a qualquer tempo, mediante ato judicial fundamentado, ouvido o Ministério Público”. Adiante, em rápidos esclarecimentos, restarão evidentes os traços distintivos entre a guarda e a tutela. Enquanto o deferimento da guarda não é definitivo, tampouco faz cessar o poder familiar, o que permite aos pais futuramente reverter essa situação14, são postos em tutela os filhos menores cujos pais faleceram, são considerados judicialmente ausentes ou decaíram do poder familiar (art. 1.728, I e II, do CC). Em consonância, o art. 36, parágrafo único, do ECA prevê como pressuposto ao deferimento da tutela a prévia decretação da suspensão (art. 1.637 do CC) ou perda (art. 1.638 do CC) do poder familiar. 14 REsp 993.458/MA, Relª Min. Nancy Andrighi, 3ª T., J. 07.10.2008, DJe 23.10.2008.
Ao passo que a guarda é instituto revestido de provisoriedade, a tutela tem cores de estabilidade, apesar de não revestir-se de definitividade. Basta ler os arts. 1.740 e seguintes do Código Civil para ver que ao tutor incumbem todos os deveres que normalmente caberiam aos pais, isto é, a tutela substitui o poder familiar. Outros suportes normativos da estabilidade da tutela são: (a) o art. 38 do ECA, que equipara os casos de cessação da tutela às hipóteses de destituição do poder familiar – ou seja, a tutela, diferentemente da guarda, não é simplesmente destituída em razão de a criança e o adolescente atingir estágio melhor de proteção (adoção, por exemplo); e (b) o caráter de firmeza do estado de tutor ante as hipóteses de destituição prevista do art. 1.764 do CC. Ademais, interpretando os incisos do art. 1.763 do CC, cessa a condição de tutelado se for atingida a maioridade/emancipação ou estiver/retornar, em qualquer hipótese, ao manto do poder familiar: reconhecimento, adoção, descoberta ou reaparecimento dos genitores e reaquisição judicial do poder familiar15. Mais uma vez, essas razões sinalizam o grau de estabilidade do instituto. Demonstrada a abissal diferença entre os institutos da guarda e da tutela, quem viola o princípio constitucional da isonomia é, na verdade, a equiparação do menor sob guarda ao tutelado pela simples razão de eles viverem situações desassemelhadas.
4 DAS CONSIDERAÇÕES FINAIS Infelizmente, o jeitinho brasileiro, ferramenta típica de indivíduos de baixo nível de politização, é costume por demais arraigado no povo brasileiro: basta lembrar a época da Revolta da Vacina, 15 PELUSO, Cezar (Coord.). Código civil comentado. 3. ed. Barueri: Manole, 2009. p. 1.976.
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no art. 92 do ECA evidenciam essa conclusão: preservação dos vínculos familiares e promoção da reintegração familiar e integração em família substituta, quando esgotados os recursos de manutenção na família natural ou extensa.
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em que população passou a criar ratos16. A guarda simulada também não passou despercebida pela doutrina e jurisprudência brasileiras: O que se deve evitar é a constituição de guardas somente com vistas à percepção do benefício previdenciário, pois o encargo é muito mais amplo, conferindo ao seu detentor a responsabilidade de prestar assistência moral, material e educacional à criança ou adolescente. É comum os avós postularem a guarda do neto, quando mãe (ou pai) com eles reside, trabalha, mas só tem a assistência médica do INSS e quer beneficiar seu filho com o IPE ou com outro convênio. Entendo, respeitando posições em contrário, que tais pedidos devem ser indeferidos, porque a situação fática, nesses casos, está discrepante com a jurídica. Em suma, é uma simulação com a qual o MP, como custo legis, e o Juiz competente não podem ser convenientes, sob pena de se fomentar o assistencialismo às custas de entidades não destinadas a esse fim.17
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O STJ18, na pena no Ministro Ruy Rosado de Aguiar, de há muito, esboçou preocupação com os pedidos judiciais de guarda que maquiavam a verdadeira intenção de enriquecimento ilícito,
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16 “Para acabar com os ratos do Rio de Janeiro e erradicar a peste bubônica que eles transmitiam, o diretor-geral da saúde pública, Oswaldo Cruz, teve uma idéia genial. Montou brigadas mata-ratos. A tarefa de cada voluntário era eliminar cinco roedores por dia. Para cada rato caçado acima dessa cota, recebia-se 300 réis do governo! Foi uma mina de ouro para os malandros. De olho na recompensa, houve quem se especializasse na criação doméstica de ratos, que eram vendidos ou depois de abatidos trocados por dinheiro. Conhecidos pela sua extraordinária capacidade de procriar, os bichinhos devem ter feito o pé-de-meia de muita gente. Mas a farsa foi descoberta e alguns criadores presos.” (Disponível em: <http:// histoblogsu.blogspot.com.br/2009/10/revolta-da-vacina.html>. Acesso em: 11 set. 2012) 17 CHAVES, Antônio. Comentários ao estatuto da criança e do adolescente. São Paulo: LTr, 1994. p. 150. 18 REsp 86442/RJ, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, 4ª T., J. 10.12.1996, DJ 03.03.1997.
no sentido de que pretendiam criar situações jurídicas aptas a gerarem benefícios previdenciários: No Estado do Rio de Janeiro, pelo que posso depreender da quantidade de processos que tenho recebido, versando sobre a mesma matéria, e só nesta sessão tenho três para julgamento, está se tornando hábito requerer a concessão da guarda para as avós, com o declarado objetivo de alcançar efeito previdenciário.
A responsabilidade primária e imediata da criação dos filhos é dos pais, e não dos avós, porque são eles que têm maiores possibilidades e melhores condições biológicas de acompanhar o desenvolvimento da criança até a maioridade. O falecimento dos avós antes de ser alcançado esse limite, possibilidade atuarialmente comprovada, não interfere no encargo dos pais, que continuam com o dever de prestar a assistência necessária aos filhos. Porém, se a neta passa a ser dependente da avó, os efeitos previdenciários dessa medida, em caso de seu falecimento, implicarão a oneração da Previdência Social, com o pagamento da pensão devida ao dependente, quando o dever de sustentar o filho era e deveria continuar sendo dos pais. O expediente da guarda, em tais circunstâncias e com tal objetivo, passa a ser mero instrumento para garantir uma pensão aos filhos, em caso de falecimento da avó, quando a pensão dos filhos deveria decorrer do falecimento dos seus pais. Se estes estão vivos, saudáveis e em condições de trabalho, conforme ordinariamente acentuado nos autos, não há razão jurídica para deferimento da guarda. Esta, como diz a lei, serve para regularizar a posse de fato, nos procedimentos de tutela e adoção, ou para ser deferida em casos excepcionais: na espécie, a conveniência de atribuir ao neto uma vantagem previdenciária, que não teria se continuasse na guarda dos pais, não caracteriza aquela excepcionalidade exigida pela lei, antes parecendo ser uma saída cômoda para onerar a Previdência Social.
As duas situações mais corriqueiras com menor sob guarda são: a) transição para a tutela ou adoção; b) morte do avô, avó ou ambos cujos pais ainda estão vivos. Essas hipóteses são por demais afastadas da morte do tutor cujos estipêndios supriam as necessidades de um menor. Parece-me – e digo isso com todo o respeito – que conceder pensão por morte para quem ainda tem seus provedores imediatos vivos é agir com irresponsabilidade frente aos recursos do Erário. Por óbvio, não se parte do pressuposto de que todas as pessoas agiam de forma dissimulada. Entretanto, como as situações se repetiam aos milhares, o legislador, sem ofender qualquer preceito constitucional e dentro do seu legítimo exercício do poder legiferante, manteve a proteção e cobertura previdenciárias ao menor e ao adolescente dentro de parâmetros mais razoáveis e seguros.
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Confesso que minha primeira impressão foi a de que a medida somente viria em benefício do menor, e daí a possibilidade de atendimento da pretensão. Refleti, porém, nas consequências do que disso poderia decorrer, caso firmada a orientação jurisprudencial no sentido de que os netos poderiam ser colocados, com o deferimento formal da guarda, como dependentes previdenciários dos avós, o que certamente teria importante reflexo no sistema previdenciário e constituiria um desvio de finalidade da lei, seja a da que regula o sistema da previdência, seja a da que protege a criança e o adolescente. Na verdade, haveria a parcial desoneração dos pais e a consequente imposição de um ônus à instituição de previdência, com o surgimento de beneficiários em uma escala que não corresponde à ordem natural das coisas, a exigir o refazimento dos cálculos de suas despesas e consequente aumento de receita.
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Acórdão na Íntegra
Supremo Tribunal Federal 12.06.2014 Plenário Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 806.190/Goiás Relator: Ministro Gilmar Mendes Recte.: União Proc.: Advogado-Geral da União Recdo.: Almeida & Monteiro Ltda. Adva.: Kelbia Dias Maciel Souza Maia Recurso extraordinário. Repercussão geral da questão constitucional reconhecida. Reafirmação de jurisprudência. 2. Art. 31 da Lei nº 8.880/1994. Indenização adicional decorrente de demissão imotivada de empregado. Medida legislativa emergencial. Norma de ajustamento do sistema monetário. Implementação do Plano Real. Competência privativa da União. 3. Inexistência de inconstitucionalidade formal. 4. Recurso extraordinário provido.
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, reputou constitucional a questão. O Tribunal, por unanimidade, reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada. No mérito, por maioria, reafirmou a jurisprudência dominante sobre a matéria, vencido o Ministro Marco Aurélio. Não se manifestaram os Ministros Celso de Mello, Joaquim Barbosa e Cármen Lúcia. Ministro Gilmar Mendes Relator
MANIFESTAÇÃO Trata-se de recurso extraordinário, interposto pela União, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da1ª Região, assim ementado:
PROCESSO CIVIL – REMESSA OFICIAL – DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL DO ART. 31 DA LEI Nº 8.880/1994 PELA CORTE ESPECIAL – INDENIZAÇÃO ADICIONAL INDEVIDA 1. A indenização adicional de 50%, prevista pelo art. 31, da Lei nº 8.880/1994, decorrente de demissão imotivada do empregado, somente poderia ser imposta por Lei Complementar, na forma do disposto no art. 7º, I, da Constituição Federal, conforme decidido no incidente julgado pela Corte Especial deste Tribunal que declarou a inconstitucionalidade daquele artigo. 2. Nega-se provimento à remessa oficial. (fls. 175) O recurso extraordinário, interposto com fundamento no art. 102, III, b, do permissivo constitucional, apresenta preliminar formal e fundamentada da existência de repercussão geral, na forma do art. 543-A, § 2º, do CPC.
Aponta-se violação ao art. 7º, I, da Constituição Federal e ao art. 10 do ADCT. Sustenta-se, em síntese, que a transitoriedade e a especificidade do art. 31 da Lei nº 8.880/1994 retiram a exigência formal de lei complementar para tratar da matéria. Argumenta-se que o dispositivo normativo tinha a função de evitar que a implantação de um novo plano econômico (URV) provocasse demissões em massa de forma imotivada e na fase de consolidação na nova ordem econômica (fls. 186). Pugna-se pelo provimento do recurso para que seja reformado o acórdão vergastado. Observados os demais requisitos de admissibilidade do recurso extraordinário, passo à análise da existência de repercussão geral da questão constitucional debatida nos autos. O Tribunal de origem, ao assentar a inconstitucionalidade do art. 31 da Lei nº 8.880/1994, fundamentado no art. 7ª, I, da Constituição Federal, destoou da jurisprudência desta Corte, a qual é firme no sentido de que o dispositivo questionado configurou medida legislativa emergencial do Estado em busca da preservação do nível de emprego durante o período de transição monetária (implantação do
A propósito, cito os seguintes precedentes: RE 295.659-AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe 02.03.2012; e RE 252.555, Rel. Min. Marco Aurélio, Red. para acórdão Min. Cármen Lúcia, Pleno, DJe 09.05.2011, e RE 264.434, Rel. Min. Marco Aurélio, Red. para acórdão Min. Cármen Lúcia, DJe 12.05.2011, este último assim ementado: RECURSO EXTRAORDINÁRIO – PLANO REAL – IMPLANTAÇÃO – UNIDADE REAL DE VALOR (URV) – LEI Nº 8.880/1994, ART. 31 – DISPENSA SEM JUSTA CAUSA – INDENIZAÇÃO ADICIONAL – PROTEÇÃO DA RELAÇÃO DE EMPREGO – RESERVA DE LEI COMPLEMENTAR (ART. 7º, INC. I, DA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA) – DISCIPLINA PROVISÓRIA (ART. 10, INC. I, DO ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS) – COMBATE À INFLAÇÃO – REGRA DE AJUSTAMENTO DO SISTEMA MONETÁRIO – INEXISTÊNCIA DE INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL – RECURSO EXTRAORDINÁRIO AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO 1. Ao determinar o pagamento de indenização adicional equivalente a cinquenta por cento (50%) da última remuneração recebida pelo trabalhador, na ocorrência de dispensa sem justa causa durante o período de vigência da Unidade Real de Valor (URV), o art. 31 da Lei nº 8.880/1994 veicula preocupação legítima e necessária do Estado com a preservação do nível de emprego, existente apenas durante o período de transição monetária (implantação do denominado Plano Real). 2. O diploma normativo, no qual consta o dispositivo questionado, configurou medida legislativa emergencial do Estado em busca do atendimento de interesse social maior, geral e abstrato, para evitar resultados mais desastrosos ou mesmo o completo descontrole da ordem econômica pela Administração Pública. 3. Norma de ajustamento do sistema monetário, inserida num contexto macroeconômico de combate à inflação, sem conotação com a proteção da relação de emprego exigida pelo inc. I do art. 7º da Constituição da República, a qual configura situação de permanência. 4. Matéria de competência legislativa privativa da União que não está reservada à lei complementar (art. 22, inc. VI, da Constituição da República). 5. Negado provimento ao recurso extraordinário.
Ressalto trecho do voto condutor do acórdão sobre a questão debatida nos autos: 10. Inobstante a ressalva feita na exposição de motivos referida, no sentido de que a fase que se estava inaugurando a partir da utilização da URV se destina[va] a implementar uma reforma monetária e não uma mudança no regime salarial (item 46), não era demasia prever um sentimento de desconfiança em relação ao sucesso do novo plano econômico, mormente após sucessivos fracassados recém experimentados, com graves repercussões no âmbito social. Daí a inclusão, no complexo normativo do novo plano econômico, de um dispositivo com o claro intuito de desencorajar a demissão de trabalhadores visando a compensação de eventuais desajustes econômicos verificados pelos empregadores durante o estágio inicial do novo sistema monetário, o que agravaria, indiscutivelmente, o já difícil quadro social existente na época. 11. Não afirmo, como é óbvio, que o êxito do plano econômico dependia da existência do dispositivo ora impugnado. Entretanto, tenho como inquestionável que o mesmo traduzia uma preocupação legítima e necessária do Estado com a preservação do nível de emprego existente, apenas durante o período de transição monetária (de 01.03.1994 até 01.07.1994 vigência da URV). Cuida-se, portanto, a meu ver, de norma de ajustamento do sistema monetário, inserida num contexto macroeconômico de combate à inflação, sem qualquer conotação com a proteção da relação de emprego exigida pelo inc. I do art. 7º da Constituição da República, a qual prevê um status de permanência, pelo que necessário não era a adoção de lei para tal disposição, donde inexistente o alegado vício formal a contaminar a norma. (grifei)
Resta evidenciado, assim, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido da constitucionalidade do art. 31 da Lei nº 8.880/1994. Ante o exposto, manifesto-me pelo reconhecimento da repercussão geral da matéria constitucional debatida nos autos, para reafirmar a jurisprudência desta Corte no sentido de declarar
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denominado Plano Real), não tendo a finalidade de implantar um sistema geral e definitivo de proteção da relação de emprego, mas se configurando como norma de ajustamento do sistema monetário, cuja competência é privativa da União, conforme previsto no art. 22, VI, da Constituição.
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a constitucionalidade do art. 31 da Lei nº 8.880/1994 e, consequentemente, dar provimento ao recurso extraordinário para reformar o acórdão recorrido e denegar a segurança. Sem honorários advocatícios, nos termos da Súmula nº 512/STF. Trata-se de recurso extraordinário, interposto pela União, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, assim ementado: PROCESSO CIVIL – REMESSA OFICIAL – DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL DO ART. 31 DA LEI Nº 8.880/1994 PELA CORTE ESPECIAL – INDENIZAÇÃO ADICIONAL INDEVIDA 1. A indenização adicional de 50%, prevista pelo art. 31, da Lei nº 8.880/1994, decorrente de demissão imotivada do empregado, somente poderia ser imposta por Lei Complementar, na forma do disposto no art. 7º, I, da Constituição Federal, conforme decidido no incidente julgado pela Corte Especial deste Tribunal que declarou a inconstitucionalidade daquele artigo.
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2. Nega-se provimento à remessa oficial. (fls. 175) O recurso extraordinário, interposto com fundamento no art. 102, III, b, do permissivo constitucional, apresenta preliminar formal e fundamentada da existência de repercussão geral, na forma do art. 543-A, § 2º, do CPC.
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Aponta-se violação ao art. 7º, I, da Constituição Federal e ao art. 10 do ADCT. Sustenta-se, em síntese, que a transitoriedade e a especificidade do art. 31 da Lei nº 8.880/1994 retiram a exigência formal de lei complementar para tratar da matéria. Argumenta-se que o dispositivo normativo tinha a função de evitar que a implantação de um novo plano econômico (URV) provocasse demissões em massa de forma imotivada e na fase de consolidação na nova ordem econômica (fls. 186). Pugna-se pelo provimento do recurso para que seja reformado o acórdão vergastado.
Observados os demais requisitos de admissibilidade do recurso extraordinário, passo à análise da existência de repercussão geral da questão constitucional debatida nos autos. O Tribunal de origem, ao assentar a inconstitucionalidade do art. 31 da Lei nº 8.880/1994, fundamentado no art. 7º, I, da Constituição Federal, destoou da jurisprudência desta Corte, a qual é firme no sentido de que o dispositivo questionado configurou medida legislativa emergencial do Estado em busca da preservação do nível de emprego durante o período de transição monetária (implantação do denominado Plano Real), não tendo a finalidade de implantar um sistema geral e definitivo de proteção da relação de emprego, mas se configurando como norma de ajustamento do sistema monetário, cuja competência é privativa da União, conforme previsto no art. 22, VI, da Constituição. A propósito, cito os seguintes precedentes: RE 295.659-AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe 02.03.2012; e RE 252.555, Rel. Min. Marco Aurélio, Red. para acórdão Min. Cármen Lúcia, Pleno, DJe 09.05.2011, e RE 264.434, Rel. Min. Marco Aurélio, Red. para acórdão Min. Cármen Lúcia, DJe 12.05.2011, este último assim ementado: RECURSO EXTRAORDINÁRIO – PLANO REAL – IMPLANTAÇÃO – UNIDADE REAL DE VALOR (URV) – LEI Nº 8.880/1994, ART. 31 – DISPENSA SEM JUSTA CAUSA – INDENIZAÇÃO ADICIONAL – PROTEÇÃO DA RELAÇÃO DE EMPREGO – RESERVA DE LEI COMPLEMENTAR (ART. 7º, INC. I, DA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA) – DISCIPLINA PROVISÓRIA (ART. 10, INC. I, DO ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS) – COMBATE À INFLAÇÃO – REGRA DE AJUSTAMENTO DO SISTEMA MONETÁRIO – INEXISTÊNCIA DE INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL – RECURSO EXTRAORDINÁRIO AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO – 1. Ao determinar o pagamento de indenização adicional equivalente a cinquenta por cento (50%) da última remuneração recebida pelo trabalhador, na ocorrência de dispensa sem justa causa durante o período de vigência da Unidade Real de Valor (URV), o art. 31 da Lei nº 8.880/1994 veicula preocupação legítima e necessária do Estado com a preservação do nível de emprego, existente apenas durante o período de transição monetária (implantação do denominado Plano Real). 2. O diploma normativo, no qual consta o dispositivo questionado, configurou
Ressalto trecho do voto condutor do acórdão sobre a questão debatida nos autos: 10. Inobstante a ressalva feita na exposição de motivos referida, no sentido de que a fase que se estava inaugurando a partir da utilização da URV se destina[va] a implementar uma reforma monetária e não uma mudança no regime salarial (item 46), não era demasia prever um sentimento de desconfiança em relação ao sucesso do novo plano econômico, mormente após sucessivos fracassados recém experimentados, com graves repercussões no âmbito social. Daí a inclusão, no complexo normativo do novo plano econômico, de um dispositivo com o claro intuito de desencorajar a demissão de trabalhadores visando a compensação de eventuais desajustes econômicos verificados pelos empregadores durante o estágio inicial do novo sistema monetário, o que agravaria, indiscutivelmente, o já difícil quadro social existente na época. 11. Não afirmo, como é óbvio, que o êxito do plano econômico dependia da existência do dispositivo ora impugnado. Entretanto, tenho como inquestionável que o mesmo traduzia uma preocupação legítima e necessária do Estado com a preservação do nível de emprego existente, apenas durante o período de transição monetária (de 01.03.1994 até 01.07.1994 vigência da URV). Cuida-se, portanto, a meu ver, de norma de ajustamento do sistema monetário, inserida num contexto macroeconômico de combate à inflação, sem qualquer conotação com a proteção da relação de emprego exigida pelo inc. I do art. 7º da Constituição da República, a qual prevê um status de permanência, pelo que necessário não era a adoção de
lei para tal disposição, donde inexistente o alegado vício formal a contaminar a norma. (grifei)
Resta evidenciado, assim, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido da constitucionalidade do art. 31 da Lei nº 8.880/1994. Ante o exposto, manifesto-me pelo reconhecimento da repercussão geral da matéria constitucional debatida nos autos, para reafirmar a jurisprudência desta Corte no sentido de declarar a constitucionalidade do art. 31 da Lei nº 8.880/1994 e, consequentemente, dar provimento ao recurso extraordinário para reformar o acórdão recorrido e denegar a segurança. Sem honorários advocatícios, nos termos da Súmula nº 512/STF.
PRONUNCIAMENTO LEI Nº 8.880/1994 – ART. 31 – RELAÇÃO JURÍDICA EMPREGATÍCIA – ROMPIMENTO – MULTA – CONSTITUCIONALIDADE FORMAL DECLARADA NA ORIGEM – RECURSO EXTRAORDINÁRIO – REPERCUSSÃO GERAL CONFIGURADA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO – PLENÁRIO VIRTUAL – JULGAMENTO – INADEQUAÇÃO
1. O Gabinete prestou as seguintes informações: Eis a síntese do que discutido no Recurso Extraordinário nº 806.190/GO, da relatoria do ministro Gilmar Mendes, inserido no sistema eletrônico da repercussão geral em 23 de maio de 2014. A Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, ao negar provimento à remessa oficial, consignou que a multa de 50% sobre a última remuneração devida em virtude de demissão imotivada, conforme previsto no art. 31 da Lei nº 8.880/1994, por se tratar de mecanismo de proteção do emprego, consubstanciado em indenização compensatória, somente poderia ser instituída por lei complementar, nos termos do art. 7º, inciso I, da Carta Federal. No exame dos embargos de declaração interpostos, assentou-se o prejuízo do julgamento anterior e determinou-se o envio do processo à
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medida legislativa emergencial do Estado em busca do atendimento de interesse social maior, geral e abstrato, para evitar resultados mais desastrosos ou mesmo o completo descontrole da ordem econômica pela Administração Pública. 3. Norma de ajustamento do sistema monetário, inserida num contexto macroeconômico de combate à inflação, sem conotação com a proteção da relação de emprego exigida pelo inc. I do art. 7º da Constituição da República, a qual configura situação de permanência. 4. Matéria de competência legislativa privativa da União que não está reservada à lei complementar (art. 22, inc. VI, da Constituição da República). 5. Negado provimento ao recurso extraordinário.
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Corte Especial, para análise de arguição de inconstitucionalidade, a qual foi acolhida para proclamar a inconstitucionalidade formal do referido preceito legal em face do disposto no Diploma Maior. Ante o retorno do processo, o aludido Colegiado negou provimento à remessa oficial, considerado o entendimento formalizado no incidente de inconstitucionalidade. No extraordinário, protocolado com alegada base na alínea b do permissivo constitucional, a União articula com a existência da Orientação Jurisprudencial nº 148 da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, na qual consignada a constitucionalidade do citado art. 31 da Lei nº 8.880/1994, à luz dos arts. 7º, inciso I, da Carta de 1988 e 10 do Ato das Disposições Transitórias. Diz do afastamento da exigência de lei complementar, no caso, em razão do caráter temporário da norma. Sustenta não ser razoável requerer-se o cumprimento de requisitos formais impostos pelos dispositivos constitucionais para as normas gerais de proteção da relação de emprego, de caráter permanente. Esclarece que a edição do preceito em questão teve por objetivo evitar demissões imotivadas em massa na implantação de novo plano econômico. Sob o ângulo da repercussão geral, afirma que a matéria versada no recurso ultrapassa os limites subjetivos da lide, tendo relevância em virtude da controvérsia sobre a constitucionalidade do art. 31 da Lei nº 8.880/1994. A parte recorrida, apesar de intimada, não apresentou contrarrazões.
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O extraordinário foi admitido na origem.
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Consta da presente repercussão geral questão relativa à reafirmação da jurisprudência do Supremo no sentido da constitucionalidade do art. 31 da Lei nº 8.880/1994, tendo o relator provido o recurso para reformar o acórdão recorrido e indeferir a ordem pleiteada na impetração. Eis o pronunciamento do ministro Gilmar Mendes: Trata-se de recurso extraordinário, interposto pela União, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, assim ementado: PROCESSO CIVIL – REMESSA OFICIAL – DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL DO ART. 31 DA LEI Nº 8.880/1994 PELA CORTE ESPECIAL – INDENIZAÇÃO ADICIONAL INDEVIDA 1. A indenização adicional de 50%, prevista pelo art. 31, da Lei nº 8.880/1994, decorrente de demissão imotivada do empregado,
somente poderia ser imposta por Lei Complementar, na forma do disposto no art. 7º, I, da Constituição Federal, conforme decidido no incidente julgado pela Corte Especial deste Tribunal que declarou a inconstitucionalidade daquele artigo. 2. Nega-se provimento à remessa oficial. (fls. 175) O recurso extraordinário, interposto com fundamento no art. 102, III, b, do permissivo constitucional, apresenta preliminar formal e fundamentada da existência de repercussão geral, na forma do art. 543-A, § 2º, do CPC. Aponta-se violação ao art. 7º, I, da Constituição Federal e ao art. 10 do ADCT. Sustenta-se, em síntese, que a transitoriedade e a especificidade do art. 31 da Lei nº 8.880/1994 retiram a exigência formal de lei complementar para tratar da matéria. Argumenta-se que o dispositivo normativo tinha a função de evitar que a implantação de um novo plano econômico (URV) provocasse demissões em massa de forma imotivada e na fase de consolidação na nova ordem econômica (fls. 186). Pugna-se pelo provimento do recurso para que seja reformado o acórdão vergastado. Observados os demais requisitos de admissibilidade do recurso extraordinário, passo à análise da existência de repercussão geral da questão constitucional debatida nos autos. O Tribunal de origem, ao assentar a inconstitucionalidade do art. 31 da Lei nº 8.880/1994, fundamentado no art. 7ª, I, da Constituição Federal, destoou da jurisprudência desta Corte, a qual é firme no sentido de que o dispositivo questionado configurou medida legislativa emergencial do Estado em busca da preservação do nível de emprego durante o período de transição monetária (implantação do denominado Plano Real), não tendo a finalidade de implantar um sistema geral e definitivo de proteção da relação de emprego, mas se configurando como norma de ajustamento do sistema monetário, cuja competência é privativa da União, conforme previsto no art. 22 VI, da Constituição. A propósito, cito os seguintes precedentes: RE 295.659-AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe 02.03.2012; e RE 252.555, Rel. Min. Marco Aurélio, Red. para acórdão Min. Cármen Lúcia, Pleno, DJe 09.05.2011, e RE 264.434, Rel. Min. Marco Aurélio, Red. para acórdão Min. Cármen Lúcia, DJe 12.05.2011, este último assim ementado: RECURSO EXTRAORDINÁRIO – PLANO REAL – IMPLANTAÇÃO – UNIDADE REAL DE VALOR (URV) – LEI Nº 8.880/1994, ART. 31 – DISPENSA SEM JUSTA CAUSA – INDENIZAÇÃO ADICIONAL – PROTEÇÃO DA RELAÇÃO DE EMPREGO – RESERVA DE LEI
Ressalto trecho do voto condutor do acórdão sobre a questão debatida nos autos: 10. Inobstante a ressalva feita na exposição de motivos referida, no sentido de que a fase que se estava inaugurando a partir da utilização da URV se destina[va] a implementar uma reforma monetária e não uma mudança no regime salarial (item 46), não era demasia prever um sentimento de desconfiança em relação ao sucesso do novo plano econômico, mormente após sucessivos fracassados recém experimentados, com graves repercussões no âmbito social. Daí a inclusão, no complexo normativo do novo plano econômico, de um dispositivo com o claro intuito de desencorajar a demissão de trabalhadores visando a compensação de eventuais desajustes econômicos verificados pelos empregadores durante o estágio ini-
cial do novo sistema monetário, o que agravaria, indiscutivelmente, o já difícil quadro social existente na época. 11. Não afirmo, como é óbvio, que o êxito do plano econômico dependia da existência do dispositivo ora impugnado. Entretanto, tenho como inquestionável que o mesmo traduzia uma preocupação legítima e necessária do Estado com a preservação do nível de emprego existente, apenas durante o período de transição monetária (de 01.03.1994 até 01.07.1994 vigência da URV). Cuida-se, portanto, a meu ver, de norma de ajustamento do sistema monetário, inserida num contexto macroeconômico de combate à inflação, sem qualquer conotação com a proteção da relação de emprego exigida pelo inc. I do art. 7º da Constituição da República, a qual prevê um status de permanência, pelo que necessário não era a adoção de lei para tal disposição, donde inexistente o alegado vício formal a contaminar a norma. (grifei) Resta evidenciado, assim, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido da constitucionalidade do art. 31 da Lei nº 8.880/1994. Ante o exposto, manifesto-me pelo reconhecimento da repercussão geral da matéria constitucional debatida nos autos, para reafirmar a jurisprudência desta Corte no sentido de declarar a constitucionalidade do art. 31 da Lei nº 8.880/1994 e, consequentemente, dar provimento ao recurso extraordinário para reformar o acórdão recorrido e denegar a segurança. Sem honorários advocatícios, nos termos da Súmula nº 512/STF.
2. O tema está a merecer o crivo do Supremo ante a declaração de inconstitucionalidade, na origem, do art. 31 da Lei nº 8.880/1994, no que previu multa de 50%, considerada a última remuneração do trabalhador, em caso de rompimento imotivado do vínculo. Quanto ao julgamento do extraordinário no próprio Plenário Virtual, ainda que sob a óptica de buscar-se a confirmação da jurisprudência, tenho a prática como inadequada. É que essa forma de atuar deixa de atender parâmetros alusivos ao devido
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COMPLEMENTAR (ART. 7º, INC. I, DA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA) – DISCIPLINA PROVISÓRIA (ART. 10, INC. I, DO ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS) – COMBATE À INFLAÇÃO – REGRA DE AJUSTAMENTO DO SISTEMA MONETÁRIO – INEXISTÊNCIA DE INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL – RECURSO EXTRAORDINÁRIO AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO – 1. Ao determinar o pagamento de indenização adicional equivalente a cinquenta por cento (50%) da última remuneração recebida pelo trabalhador, na ocorrência de dispensa sem justa causa durante o período de vigência da Unidade Real de Valor (URV), o art. 31 da Lei nº 8.880/1994 veicula preocupação legítima e necessária do Estado com a preservação do nível de emprego, existente apenas durante o período de transição monetária (implantação do denominado Plano Real). 2. O diploma normativo, no qual consta o dispositivo questionado, configurou medida legislativa emergencial do Estado em busca do atendimento de interesse social maior, geral e abstrato, para evitar resultados mais desastrosos ou mesmo o completo descontrole da ordem econômica pela Administração Pública. 3. Norma de ajustamento do sistema monetário, inserida num contexto macroeconômico de combate à inflação, sem conotação com a proteção da relação de emprego exigida pelo inc. I do art. 7º da Constituição da República, a qual configura situação de permanência. 4. Matéria de competência legislativa privativa da União que não está reservada à lei complementar (art. 22, inc. VI, da Constituição da República). 5. Negado provimento ao recurso extraordinário.
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processo legal, pois as partes, apregoado o processo, têm o direito de assomar à tribuna e sustentar. 3. Limito-me à manifestação no sentido de encontrar-se configurada a repercussão geral. 4. Ao Gabinete, para acompanhar a tramitação do incidente, inclusive quanto a processos que versem idêntica matéria. 5. Publiquem. Brasília – residência –, 5 de junho de 2014, às 11h25.
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Ministro Marco Aurélio
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Pesquisa Temática
Estelionato Estelionato – auxílio-doença – recebimento – Súmula nº 444 do STJ – aplicação “Penal. Estelionato. Recebimento de auxílio-doença simultâneo com vencimentos de servidor público. Art. 171, § 3º, do Código Penal. Autoria e materialidade do ilícito provadas. Dosimetria da pena. Aplicação da Súmula nº 444 do STJ. Confissão qualificada do réu. Desconsideração para efeito de atenuante. Pena-base reduzida. Manutenção da pena referente à continuidade delitiva. Apelação improvida. 1. Apelante que recebeu auxílio-doença concomitante com vencimentos de servidor público. Autoria e materialidade do ilícito suficientemente demonstradas. Presença das elementares subjetivas e objetivas necessárias à perfectibilização do delito, no que tange ao recebimento fraudulento de benefício previdenciário enquanto servidor público considerado apto para o exercício de suas funções. Código Penal, art. 171, § 3º. 2. Impossibilidade de as ações administrativas e penais em curso serem computadas em detrimento da personalidade e da conduta social do agente, devendo, no caso, ser prestigiada a Súmula nº 444 do STJ, segundo a qual os ‘inquéritos policiais ou ações penais em andamento não podem, em razão do princípio constitucional do Estado presumido de inocência, ser considerados para fins de exasperação da pena-base, seja a título de maus antecedentes, má conduta social ou personalidade’ (Quinta Turma, HC 185.835/RS, Relª Min. Laurita Vaz, J. 10.05.2011, publ. DJU 18.05.2011). 3. Redução da pena-base de 2 (dois) anos de reclusão para 1 (um) ano e 6 (seis) meses de reclusão, porque desfavorável ao apelante apenas 1 (um) entre os 8 (oito) requisitos do art. 59 do CP (culpabilidade), tendo em vista que os processos em andamento existentes contra o apelante não podem ser considerados em desfavor de sua conduta social e personalidade. 4. Sem agravantes. Confissão do delito pelo réu, acompanhada, porém, da alegação de que ele teria praticado o crime em face da perseguição dos colegas nos Correios e das necessidades da família e dos filhos. Confissão qualificada. Não incidência da atenuante prevista no art. 65, III, d, do Código Penal. 5. Presente a causa de aumento de pena prevista no art. 171, § 3º, do Código Penal, na fração de 1/3 (um terço), ficando a pena em 2 (dois) anos de reclusão. Pena aumentada em face da continuidade delitiva na fração de 1/4 (um quarto), totalizando 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão. 6. Manutenção da pena de multa em 90 (noventa) dias-multa, cada dia-multa correspondendo ao valor de 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente à época dos fatos. 7. Substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, conforme a sentença. 8. Apelação do MPF provida em parte, para excluir a redução da pena referente à confissão espontânea. Apelação do réu provida em parte, apenas para reduzir a pena-base pela aplicação da Súmula nº 444 do STJ no tocante à conduta social.” (TRF 5ª R. – ACr 2005.83.00.012083-0 – (8514/PE) – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Geraldo Apoliano – DJe 17.04.2013)
Estelionato – cheque sem fundos – tipicidade – princípio da insignificância – alegação – impossibilidade “Estelionato pagamento com cheque sem fundos. Tipicidade material. Ausência. Princípio da insignificância ou da bagatela o art. 171, § 2º, VI, do CP. (Estelionato. Emissão de cheque sem suficiente provisão de fundos a um posto de gasolina). Absolvição sumária com fundamento no art. 397, inciso III, do Código de Processo Penal. (Ausência de tipicidade material. Princípio da insignificância). Inconformismo do Ministério Público pretendendo a condenação nos termos da denúncia. Impossibilidade. O valor do prejuízo (R$ 334,00) poderá autorizar o Magistrado a absolver o réu quando a sua conduta não lesou consideravelmente a vítima, nem se deu com o emprego de violência ou grave ameaça à pessoa. O direito penal, por sua natureza fragmentária, só deve atuar quando imprescindível à proteção do bem jurídico tutelado pela norma, não se ocupando de somenos importância. A aceitação de tal tese, até pelo risco de estiolar a norma penal repressiva, merece cautelosa aplicação, escorreitamente analisadas todas as nuances do caso concreto. Na hipótese vertente, porém, os elementos necessários se reuniram, permitindo a solução pelo prisma da bagatela. A conduta perpetrada pelo agente, com efeito, possui tipicidade formal, pois vedada e punida pela norma prevista no art. 171, § 2º, inciso VI, do Código Penal. Em contrapartida, o mesmo fato carece de tipicidade material. Assim, não exagerada matematicamente o quantum do dano, pode incrustar-se na moldura pretendida. Recurso conhecido e desprovido.” (TJRJ – ACr 0010899-20.2010.8.19.0061 – 5ª C.Crim. – Rel. Des. José Roberto Lagranha Tavora – DJe 17.04.2013)
Estelionato – contra os correios – agência franqueada – exame pericial – desnecessidade “Penal. Estelionato contra a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. Agência franqueada. Declaração de processamento de correspondências em número menor do efetivamente processado. Utilização de máquina de franquear não registrada junto à EBCT. Desnecessidade de exame pericial. Ausência de vestígios. Materialidade delitiva comprovada por prova testemunhal e documental. Preliminar de nulidade processual rejeitada. Alegação de atipicidade de conduta afastada. Fraude e indução e manutenção em erro caracterizada. Ausência da contabilização dos valores das postagens. Autoria inconteste. Condenação mantida. Falsificação de documento particular e formação de quadrilha. Delitos não configurados. Absol-
vição. Dosimetria das penas. Art. 16 do CP. Inaplicabilidade. Prescrição inocorrente. 1. Réus condenados pela prática do art. 171 do CP por terem, na qualidade de proprietário e funcionários de agência franqueada da ECT, declarado o processamento de menor número de correspondências do que efetivamente foi processado, além de franquear correspondências utilizando-se de máquina de franquear não registrada junto à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, obtendo vantagem indevida mediante fraude em favor daquela agência, no valor de R$ 403.285,50. 2. A regra da indispensabilidade do exame de corpo de delito não é absoluta, pois excepcionada pelo CPP, permitindo que a prova testemunhal lhe supra a falta, quando não for possível realizar o exame pericial: Arts. 158 e 167 do CPP. 3. Impossibilidade de realização de exame pericial em máquina de franquear inexistente ou desaparecida. Materialidade do crime de estelionato comprovada por depoimentos de testemunhas em consonância com a documentação juntada no procedimento administrativo realizado pela ACT. 4. Preliminar de nulidade processual rejeitada. 5. Presença de todos os elementos caracterizadores do crime de estelionato. Os réus obtiveram vantagem ilícita em prejuízo da ECT, induzindo-a e mantendo-a em erro, mediante a fraude consubstanciada na ausência de contabilização de valores de postagens efetuadas pela agência franqueada na qual trabalhavam. 6. Autoria corroborada pelos depoimentos das testemunhas, funcionários dos Correios que atuaram no procedimento administrativo, que em juízo descreveram os fatos tais como descritos na denúncia, descrevendo as condutas dos réus Vitor, Reinaldo, Ruth e Elaine, que eram as pessoas responsáveis pela realização do franqueamento das correspondências e deixaram de contabilizar os valores correspondentes às que foram postadas perante os Correios. 7. Mantida a condenação dos réus pela prática do crime de estelionato. 8. Correta a absolvição dos réus quanto aos delitos de falsificação de documento particular e formação de quadrilha, diante da ausência de provas seguras quanto à efetiva falsidade dos recibos apresentados pela agência franqueada, e de que tivessem a finalidade específica de realizar mais de um delito de maneira estável e permanente. A reunião foi ocasional, caracterizando-se apenas o concurso de agentes. 9. Impossibilidade de incidência da causa de diminuição de pena prevista no art. 16 do CP (arrependimento posterior) na dosimetria das penas, pela não comprovação de que a quitação do débito tenha sido efetuado antes do recebimento da denúncia e da regra do art. 60, § 2º, do CP, diante da quantidade da reprimenda. 10. Pena mantida nos termos fixados pela sentença. 11. Inocorrência da prescrição da pretensão punitiva na modalidade retroativa. Lapso prescricional com base na pena aplicado não transcorrido. 12. Preliminar de nulidade processual rejeitada. 13. Apelações a que se nega provimento.” (TRF 3ª R. – ACr 0010598-65.2006.4.03.6181 – 5ª T. – Rel. Juiz Fed. Conv. Rubens Calixto – DJe 21.12.2012)
Estelionato – crime praticado por particular contra particular – vítima residente em outro país – Justiça Estadual – competência Conflito negativo de competência. Estelionato. Crime praticado por particular contra particular. Ausência de lesão a bens, serviços ou interesses da união. Vítima residente em outro país. Irrelevância. Competência da justiça estadual. 1. Constatado que o crime de estelionato foi cometido por particular contra particular, não havendo, portanto, qualquer lesão a bens, serviços ou interesses da União, a competência para processar e julgar o feito é da Justiça Estadual. 2. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da 1ª Vara de Ituverava/SP, o suscitado. (STJ – CC 125.237 – SP (2012/0226863-6) – 3ª S. – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJe 14.02.2013)
Estelionato – emissão de cheques – sem provisão de fundos – atipicidade da conduta – não configuração
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“Penal. Estelionato. Emissão de cheques sem provisão de fundos. Alegada ausência de dolo. Atipicidade da conduta. Não configuração. Pedido de remessa dos autos ao MP para proposta de sursis processual. Impossibilidade. Pena-base exacerbada. Redimensionamento. Apelo parcialmente provido. 1. Não vinga o pleito absolutório por atipicidade da conduta quanto ao crime do art. 171, § 2º, VI, do CP, quando fica comprovado que o acusado havia emitido cheques, posteriormente devolvidos sem provisão de fundos, cujo termo futuro alegado pelo acusado não restou comprovado nos autos. 2. O benefício do sursis processual tem momento oportuno para ser proposto, qual seja, o oferecimento da denúncia, não havendo que se falar em suspensão do processo após a prolação da sentença (precedente do TJDFT). 3. Verificando-se exacerbada a pena aplicada ao réu, dá-se provimento parcial para reduzi-la. 4. Apelo parcialmente provido.” (TJDFT – Pen 20090111461677 – (643110) – Rel. Des. Jesuino Rissato – DJe 19.12.2012)
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Estelionato contra a Previdência Social – crime permanente – prescrição “Habeas corpus. Penal. Estelionato praticado contra a Previdência Social (art. 171, § 3º, do Código Penal). Crime permanente quando o beneficiário recebe a quantia indevida. Prescrição pela pena máxima em abstrato. Não. ocorrência. 1. A jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal é no sentido de ser o crime de estelionato previdenciário praticado pelo próprio beneficiário de natureza permanente; prazo prescricional começa a fluir a partir da cessação da permanência, não do primeiro pagamento do benefício. 2. Sem transcurso do prazo de doze anos entre o último pagamento indevido do benefício previdenciário e o recebimento da denúncia, afastada está a prescrição pela pena máxima em abstrato. 3. Ordem denegada.” (STF – HC 117.470 – Relª Min. Cármen Lúcia – DJe 23.10.2013)
Estelionato contra a Previdência Social – pena-base – fixação – aumento – possibilidade “Direito penal. Estelionato contra a Previdência Social. Fixação da pena-base. Aumento. Prejuízo material causado pela prática delituosa. Art. 59 do Código Penal. I – O quantum do prejuízo material causado aos cofres da Previdência Social pelo cometimento do ilícito do art. 171 e § 3º do Código Penal é elemento que denota a excepcionalidade da situação concreta e propicia, adequada e proporcionalmente, o aumento da pena-base, com fundamento no art. 59 do Código Penal. II – Embargos infringentes desprovidos.” (TRF 2ª R. – EI-Nul 0523717-05.2006.4.02.5101 – 1ª S.Esp. – Rel. Des. Fed. André Fontes – DJe 05.09.2013)
Estelionato previdenciário – crime permanente – prescrição – não ocorrência “Direito penal. Estelionato previdenciário. Natureza jurídica. Crime permanente. Delito praticado pelo próprio beneficiário da vantagem indevida. Prescrição. Não ocorrência. Writ denegado. 1. O crime de estelionato previdenciário (CP, art. 171, § 3º), quando praticado pelo próprio beneficiário das prestações, assume caráter permanente, cessando a atividade delitiva apenas com o fim da percepção das prestações. Precedentes da Corte (HCs 102.774, 107.209, 102.491, 104.880 e RHC 105.183). 2. O prazo prescricional nos delitos de estelionato previdenciário, quando praticado pelo beneficiário da vantagem indevida, se inicia da cessação da atividade delitiva. 3. In casu, o paciente foi condenado à pena de 2 (dois) anos, 1 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão, razão por que o prazo prescricional, mercê do art. 109, IV e V, do CP, é de 8 (oito) anos. 4. In casu, é irrelevante a ciência do termo a quo sobre se é a data do primeiro recebimento do benefício previdenciário indevido, em novembro de 2000, ou a data em que foi interrompida a concessão da verba de seguridade social em maio de 2003, porquanto entre as respectivas datas e o recebimento da denúncia (29.06.2006) não transcorreu o lapso temporal de 8 (oito) anos, indispensáveis à configuração da prescrição. 5. Impossibilidade de reconhecimento da extinção da punibilidade no caso concreto. 6. Habeas corpus denegado.” (STF – HC 115.678 – Rel. Min. Luiz Fux – DJe 27.06.2013 – p. 69)
Estelionato previdenciário – desclassificação – impossibilidade – sentença mantida “Crime capitulado no art. 248 do CPM. Sentença absolutória. Apelação interposta pelo Ministério Público. Conduta subsumida no crime denominado estelionato previdenciário. Impossibilidade de desclassificação para os delitos capitulados nos arts. 249 ou 251, ambos do CPM. Manutenção da sentença a quo. I – É firme a Jurisprudência desta Corte no sentido de que, em se tratando de saque de numerários relativos à pensão creditada indevidamente após o falecimento da pensionista com a utilização de cartão e senha bancária da falecida, tal conduta não se amolda à figura penal do art. 248 do CPM, mas ao estelionato, capitulado no art. 251 do CPM, tendo em vista a elementar da fraude na consecução do resultado lesivo à Fazenda Nacional. II – In casu, descarta-se, aqui, qualquer possibilidade de se admitir a emendatio libelli autorizada pelo art. 437, alínea a, do CPPM, uma vez que esse requerimento não foi formulado pelo MPM nas alegações escritas, nem tampouco pode ser invocada a Súmula nº 5 deste Tribunal, tendo em vista que o seu verbete deixa claro que a desclassificação do crime, nesse caso, deverá trazer um benefício para a situação jurídica do réu. Apelo ministerial não provido. Decisão majoritária.” (STM – Ap 58-78.2010.7.06.0006/BA – Rel. Min. Fernando Sérgio Galvão – DJe 24.04.2013)
Estelionato previdenciário – prescrição da pretensão punitiva – reconhecimento “Penal. Apelação criminal. Estelionato previdenciário. Prescrição. Decorrido prazo superior ao previsto no CP para prescrição pela pena in concreto, entre a consumação do delito e o recebimento da denúncia, só resta decretar a extinção da punibilidade, pela prescrição da pretensão punitiva do Estado. Em vigor, à época dos fatos, o § 2º do art. 110 do CP, posteriormente revogado pela Lei nº 12.234/2010, deve ser observado para fins de cálculo prescricional, por ser mais benéfico à acusada.” (TRF 2ª R. – ACr 2004.51.01.536944-7 – 1ª T.Esp. – Rel. Antonio Ivan Athié – DJe 22.05.2013)
“Penal e processual penal. Estelionato previdenciário. Sentença condenatória. Trânsito em julgado para a acusação. Prescrição pela pena em concreto. Extinção da punibilidade. 1. Transitada em julgado a sentença condenatória para a acusação, a prescrição se regula pela pena aplicada, consoante disposto no § 1º do art. 110 do Estatuto Repressivo. 2. Fluído lapso temporal superior ao prazo prescricional entre a data dos fatos e a do recebimento da denúncia, assim como, entre a data do recebimento da denúncia e a da sentença condenatória, resta prescrita a pretensão punitiva estatal, impondo-se a declaração da extinção da punibilidade dos réus.” (TRF 4ª R. – ACr 0001621-77.2006.404.7015/PR – 8ª T. – Rel. Juiz Fed. Gilson Luiz Inácio – DJe 10.01.2013)
Estelionato previdenciário – vínculos comprovadamente falsos – condenação “Previdenciário. Embargos de declaração. Vínculos comprovadamente falsos. Sentença penal condenatória transtitada em julgado. Recurso provido com atribuição de efeitos infringentes. Pedido julgado improcedente. O recurso em questão é de efeito vinculado aos requisitos de admissibilidade previstos no art. 535 do CPC, quais sejam, obscuridade, contradição ou omissão. Tendo o próprio autor reconhecido a falsidade dos vínculos laborais e dos salários-de-contribuição, em sede de interrogatório, vindo, inclusive a ser condenado na esfera penal, pela prática do delito de estelionato perpetrado em desfavor do INSS, na forma do art. 171 e com causa de aumento de pena do § 3º do CP, tendo esta Corte mantido a sentença condenatória, por ocasião do recurso de apelação criminal, transitado em julgado, não há falar em restabelecimento do benefício previdenciário, diante da ocorrência da coisa julgada, nos termos dos arts. 467 e 471 do CPC. Embargos de declaração providos com atribuição de efeitos infringentes. Pedido julgado improcedente.” (TRF 2ª R. – EDcl-AGInt-AC 2010.51.01.808403-8 – 2ª T.Esp. – Rel. Des. Fed. Messod Azulay Neto – DJe 08.01.2013)
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Estelionato previdenciário – sentença condenatória – prescrição – extinção da punibilidade – possibilidade
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Estelionato qualificado – laudo técnico – autoria e materialidade – possibilidade “Penal. Processo penal. Estelionato qualificado. Laudo técnico idôneo. Autoria e materialidade. Suficiência da prova. 1. Demonstradas com suficiência a materialidade e autoria do estelionato (art. 171, § 3º, do CP), e que a acusada se utilizou de vínculos de emprego e de trabalho inexistentes para requerer e obter aposentadoria por tempo de serviço, em prejuízo do INSS, é de confirmar-se a sentença condenatória. 2. O laudo de exame grafotécnico utilizou padrão gráfico idôneo, retirado do requerimento do passaporte da acusada, concluindo pela certeza científica que partiu do seu punho a assinatura do requerimento de benefício previdenciário e do documento em que atesta o recolhimento das contribuições na qualidade de contribuinte individual. 3. Apelação desprovida.” (TRF 1ª R. – ACr 2002.39.00.002522-6/PA – Rel. Des. Fed. Olindo Herculano de Menezes – DJe 16.04.2013)
Estelionato qualificado – recebimento indevido de seguro-desemprego – prescrição retroativa “Penal. Processual penal. Estelionato qualificado (art. 171, § 3º, do CP). Recebimento indevido de seguro-desemprego. Trânsito em julgado para a acusação. Prescrição retroativa. Provimento da apelação de um dos réus, porque abordou o assunto. Concessão de habeas corpus em prol dos demais, que nem mesmo apelaram. 1. O recorrente (João Gualberto dos Santos) foi condenado, pelo recebimento indevido de parcelas do seguro-desemprego (CP, art. 171, § 3º), às penas de 01 ano e 04 meses de reclusão, mais 39 dias-multa. Para além dele, a sentença também condenou os seguintes réus: (i) Antoniel Marcelino da Cruz, Edson Freire Cortes e Francisco Manoel Filho, todos a 01 (um) ano e 04 (quatro) meses de reclusão mais 39 (trinta e nove) dias-multa; e (ii) José Lourenço Ferreira, a 01 (um) ano e 08 (oito) meses de reclusão, mais 204 (duzentos e quatro) dias-multa; 2. Não houve apelo do MPF (tendo, portanto, transitado em julgado a sentença para a acusação), daí por que o prazo prescricional deve ser aferido pela pena in concreto (inclusive dos réus que não recorreram), nos termos do CP, art. 110, caput; 3. Passados, então, mais de 05 (cinco) anos entre a data do recebimento da denúncia (22.03.2007, cf. fl. 09) e a da publicação da sentença (02.08.2012, cf. fl. 167), constata-se lapso temporal suficiente para que seja reconhecida a prescrição retroativa pela pena aplicada, a gerar a extinção da punibilidade, a teor do que dispõe o art. 109, V, do CP, o qual prevê o prazo de 04 (quatro) anos para prescrição da pena igual a 01 (um) ano e não excedente a 02 (dois), comunicada para a pena de multa que tenha sido cominada (CP, art. 114, II); 4. O apelo de João Gualberto dos Santos deve ser provido, pois, vez que aborda o assunto prescrição; relativamente aos demais réus, deve ser concedida a ordem de habeas corpus ex officio.” (TRF 5ª R. – ACR 2007.84.00.001374-0 – (10030/ RN) – 2ª T. – Rel. Des. Fed. Paulo Roberto de Oliveira Lima – DJe 22.08.2013)
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Estelionato qualificado – saque indevido – benefícios previdenciários – autoria e materialidade – comprovação
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“Penal. Processual penal. Estelionato qualificado. Art. 171, § 3º, c/c art. 71, CP. Saque indevido de benefícios previdenciários. Pensão por morte e aposentadoria. Óbito da segurada. Genitora da acusada. Autoria e materialidade comprovadas. Deficiência física e dificuldades financeiras. Estado de necessidade. Percebimento dos benefícios por quase cinco anos. Perigo atual. Inocorrência. Substituição da pena de prestação de serviços comunitários. Art. 78, § 2º, CP. Possibilidade. 1. Apelação criminal interposta por Maria José de Lima em contrariedade à sentença proferida pelo Juízo da 3ª Vara da Seção Judiciária da Paraíba que, julgando parcialmente procedente a ação penal, condenou a recorrente nas sanções do art. 171, caput, e § 3º, c/c o art. 71, ambos do CPB, à pena de 01 ano, 06 meses e 07 dias de reclusão, aplicando-se a suspensão condicional da pena pelo prazo de 02 anos, com prestação de serviços à comunidade durante o primeiro ano. 2. A defesa pede a reforma da sentença requerendo a absolvição, alegando, em síntese, que a acusada teria praticado o crime sob estado de necessidade. Subsidiariamente, invoca a inadequação da pena de prestação de serviços à comunidade imposta em razão de ser portadora de deficiência física, entendendo que faria jus ao benefício previsto no § 2º do art. 78 do CP. 3. Autoria e materialidade delitivas não contestadas pela defesa. Com efeito, o conjunto probatório aponta, a toda evidência, o fato de a apelante Maria José de Lima ter percebido indevidamente benefícios previdenciários referentes a pensão por morte e aposentadoria por idade a que fazia jus a genitora da denunciada, Severina Batista de Lima, desde o falecimento desta, em novembro/2002, até novembro/2007, causando uma lesão aos cofres da Previdência Social de mais de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais). 4. Em que pese entender comprovada a dificuldade financeira e comprometimento de saúde para o exercício de atividade laborativa, sem falar nas poucas oportunidades de emprego disponíveis na localidade, não cabe a aplicação da excludente de ilicitude do estado de necessidade em razão de o recebimento indevido dos benefícios ter se perpetrado por quase cinco anos, o que descaracteriza a atualidade do perigo inerente ao estado de necessidade. Trechos da sentença transcritos. 5. Cabível a substituição da pena de prestação de serviços à comunidade pelas condições previstas no § 2º do art. 78 do CP, considerando a grave limitação física da recorrente que a impede de cumprir a prestação de serviços comunitários na forma estabelecida na sentença. Apelação criminal parcialmente provida em consonância com o parecer ministerial.” (TRF 5ª R. – ACr 2008.82.00.008119-7 – (9094/PB) – 1ª T. – Rel. Des. Fed. José Maria de Oliveira Lucena – DJe 14.11.2013)
Jurisprudência Comentada
Sociedade de Profissionais que Prestam Seus Serviços em Caráter Pessoal – Sujeição ao ISS na Forma Privilegiada (Fixa) Mesmo com o Advento da LC 116/2003 – Classificação Desta Atividade Como Empresarial
Julgamento: 28.02.2007 DJ: 15.03.2007 Apelante: Laboratório de Cardiologia Ltda. Apelado: Município de Santa Maria EMENTA DIREITO TRIBUTÁRIO – SOCIEDADE DE MÉDICOS QUE PRESTAM SEUS SERVIÇOS DE FORMA PESSOAL: SUJEIÇÃO AO ISS NA FORMA PRIVILEGIADA, POR PROFISSIONAL HABILITADO, E NÃO PELO MOVIMENTO BRUTO, MESMO COM O ADVENTO DA LC FEDERAL Nº 116/2003 Com a edição da LC federal 116/2003 em nada mudou a tributação do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) prevista no art. 9º do DL 406/1968, que subsiste integralmente em relação às sociedades de profissionais liberais de nível superior, – no caso, médicos –, que continuam sujeitas à tributação privilegiada, por profissional habilitado e não segundo seu movimento bruto, sempre que prestarem seus serviços sob a forma de trabalho pessoal (do próprio sócio) e não-empresarial (isto é, não prestado pelo próprio sócio, o que nada tem a ver com o tipo jurídico da sociedade que os presta). O que importa ao usuário do serviço, nesse tipo de sociedade, não é a existência desta (que se justifica apenas pela necessidade de conjugarem seus sócios esforços para melhor atingirem os fins que, isoladamente, não lhes seria possível alcançar), mas o trabalho pessoal dos que a integram, ainda que se socorram eles de auxiliares para a execução de tarefas não técnicas. Atendidos os requisitos da pessoalidade da prestação dos referidos serviços, é o quanto basta para que a sociedade seja tributada de forma privilegiada (fixa e anual, por profissional habilitado), e
EDUARDO AUGUSTO CORDEIRO BOLZAN
Graduado em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria/RS, Mestrando em Integração Latino-Americana – UFSM, Professor de Direito Tributário da Faculdade de Direito de Santa Maria – FADISMA, Advogado.
MARCELO CARLOS ZAMPIERI
Graduado em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria/RS, Mestre em Direito Público – UNISC, Professor de Direito Tributário e Empresarial na UFSM, Professor da Escola de Registros Públicos do Rio Grande do Sul, Advogado.
não sobre o movimento bruto. Negaram Provimento ao recurso. Unânime1.
1 O ACÓRDÃO COMENTADO Segunda Câmara Cível do TJRS Apelação Cível nº 70018134270 Relator: Desembargador Roque Joaquim Volkweiss
1
Em sede de Embargos de Declaração opostos pela Apelante (Processo nº 70018970087), restou assim proclamado o resultado da apelação, em vista o erro material constante no acórdão originário: “Deram provimento ao recurso, nos termos do voto do relator. Unânime”.
2 COMENTÁRIOS Nos últimos anos, a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul e Superior Tribunal de Justiça tem proferido decisões divergentes quanto à possibilidade das sociedades de profissionais autônomos usufruírem o privilégio constante no art. 9º, §§ 1º e 3º, do Decreto-Lei nº 406/1968 e Lei Complementar nº 116/2003. O entendimento majoritário dos tribunais é que estas sociedades não possuem a característica de prestadoras de serviços em caráter individual, mas sim empresarial, o que afasta a possibilidade de usufruir do privilégio previsto no art. 9º, §§ 1º e 3º, do Decreto-Lei nº 406/1968 e Lei Complementar nº 116/2003.
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Assim, com vistas à solução desta controvérsia, algumas premissas devem ser enfrentadas, as quais muitas não têm sido objeto de análise pelos nobres julgadores. Com efeito, no julgado em comento, referidos aspectos foram suscitados, culminando com a decisão em testilha.
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Um primeiro aspecto a ser esclarecido diz respeito à necessidade de definir a natureza jurídica das sociedades de profissionais, ou seja, sociedade simples ou empresária, cuja classificação será obtida em razão do objeto das mesmas. Essa classificação é resultado do abandono pelo legislador da teoria dos atos de comércio e a adoção da teoria da empresa de inspiração italiana. Na vigência do Código Comercial brasileiro (Lei nº 556, de 1850) e Código Civil de 1916 (Lei nº 3.071), a despeito de algumas oscilações, era uniforme o entendimento a respeito da divisão das sociedades em função do seu objeto, em sociedades
civis e comerciais. As primeiras, em regra, voltadas a atividades de prestação de serviços; ao passo que as segundas tinham por objeto social as práticas dos denominados “atos de comércio”. A partir do Código Civil de 2002, o legislador abandonou a concepção francesa da teoria dos atos de comércio, cuja inspiração estava presente no Código Comercial Francês de 1808, e adotou a teoria italiana, fundada na atividade como elemento delimitador entre o empresário e o não-empresário. Portanto, com a vigência do Código Civil brasileiro de 2002, se deixou de falar em atividades comerciais e civis e se passou a adotar a nomenclatura de atividades empresariais e não-empresariais conforme a atividade desenvolvida pela pessoa física ou jurídica. Assim, se anteriormente as atenções estavam voltadas à prática ou não dos atos de comércio, atualmente, deverão estar voltadas à atividade desempenhada pela pessoa física ou jurídica. No caso das pessoas jurídicas, será seu objeto social que definirá a sua natureza jurídica, de sociedade simples ou empresária. Neste sentido, pela análise do objeto social da pessoa jurídica se depreende se determinada sociedade desenvolve atividades de serviços profissionais, sendo seu quadro societário integrado exclusivamente por profissionais habilitados ao exercício de uma profissão de natureza eminentemente científica. Como exemplo, se pode citar uma sociedade de médicos, na qual em comunhão de esforços, os mesmos venham a desenvolver suas atividades de forma conjunta, diminuindo custos e executando um serviço em sociedade.
Logo, se mostra extreme de dúvidas que o objeto social de uma sociedade de profissionais, como no exemplo referido supra, é uma atividade científica, portanto, não-empresarial, o que permite incluí-la, em função do seu objeto social, como típica sociedade simples (ou não-empresária).
Nesse aspecto, o art. 966 do Código Civil se constitui em elemento delimitador da distinção entre sociedades simples e empresárias, considerando, por exclusão, como empresárias todas aquelas cujo objeto social não compreenda o exercício de atividade científica, literária, artística ou intelectual.
Definida essa primeira premissa, qual seja, de que a sociedade, em função do seu objeto, se constitui em típica sociedade simples, passamos a analisar a questão relacionada ao modelo societário.
Portanto, nota-se que por mais que uma sociedade limitada tenha aparências de ser quase sempre uma sociedade empresária, ela poderá revestir, uma sociedade simples, com seus elementos reguladores e disciplinadores, sem que isso implique na transformação da sociedade simples em empresária. O próprio legislador franqueou essa possibilidade conforme se depreendeu da redação do art. 983 do Código Civil.
Assim, uma sociedade simples que desenvolve atividade não-empresarial poderá adotar, como modelo societário, as regras que lhe são próprias (arts. 997 a 1.028 do Código Civil), ou ainda adotar o modelo societário das limitadas (arts. 1.052 a 1.087 do Código Civil). Portanto, objeto social e forma societária são aspectos distintos. O objeto social permite classificar as sociedades em simples ou empresárias. Já a forma societária permite classificar as sociedades em função dos diferentes modelos definidos pelo legislador (sociedade simples, sociedade em nome coletivo, sociedade comandita, sociedade limitada, sociedade anônima etc.). A propósito do assunto, são adeptos destas proposições os eminentes autores de Direito Comercial Fábio Ulhôa Coelho2 e Ricardo Negrão3. 2 “Uma sociedade limitada, em decorrência, poderá ser empresária ou simples: se for exercente de atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços, será empresária; caso profissionais intelectuais ou dedicada à atividade rural sem registro na
Não se pode admitir, que em função de uma interpretação puramente econômica, sejam relegados institutos e formas de direito privado. Sem a menor sombra de dúvidas, restam, flagrantemente, violados o disposto nos arts. 109 e 110 do Código Tributário Nacional e arts. 983 e 998 do Código Civil, ao definir-se que qualquer sociedade detém caráter empresarial, in casu, as sociedades de profissionais (simples). Um outro aspecto que merece o devido esclarecimento diz respeito aos critérios utilizados pelos Magistrados para concluir pela ausência de pessoalidade na prestação dos serviços, óbice à caracterização de uma sociedade como não-empresarial.
junta comercial), será simples.” (Manual de direito comercial. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 111)
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Uma sociedade que é concebida em função do seu objeto como sendo uma sociedade simples poderá adotar diferentes modelos societários, à exceção do modelo societário das sociedades anônimas que é própria das sociedades empresárias.
3 “É possível uma sociedade simples no objeto e limitada na forma” (Manual de direito comercial e de empresa. 3. ed. reform. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 352)
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Com efeito, seguindo a linha de raciocínio desenvolvida pelos Julgadores, não estaria presente a pessoalidade na prestação dos serviços, principalmente em função dos seguintes aspectos:
a uma, distribuição de lucros entre os sócios; e a duas, disposição em seu contrato social que cada sócio possui responsabilidade limitada ao valor total do capital. Com efeito, a distribuição de lucros jamais poderá ser concebida como critério definidor de uma sociedade empresarial ou mesmo elemento que identifica a ausência de pessoalidade na prestação de serviços. Aliás, a prevalecer esse entendimento, todas as sociedades serão concebidas como empresárias, devendo ser banida do sistema jurídico brasileiro a figura da sociedade simples cujo objeto social é o desenvolvimento de uma atividade não-empresarial.
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Em outras palavras, estaríamos sepultando definitivamente a divisão entre atividades empresariais e não-empresariais, fazendo “letra morta” o disposto no art. 966 do Código Civil. Ademais, é inerente a toda e qualquer sociedade, seja ela simples (não-empresarial) ou empresária a necessidade de distribuição de lucros. Essa conclusão é extraída do próprio conceito de sociedade contido no art. 981 do Código Civil
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Não se pode conceber o lucro como sendo uma característica apenas das sociedades empresariais, quando na verdade o lucro se faz presente em toda sociedade, já que é uma característica presente no seu próprio conceito conforme se depreende da redação do art. 981 do Código Civil. Outrossim, o fato de uma sociedade que desenvolve atividades não-empresariais (sociedade simples em função do seu objeto social) adotar o modelo das limitadas não a torna uma sociedade empresarial. Em verdade, ela permanece uma sociedade simples em virtude do seu objeto social contemplar uma atividade não-empresária, porém, com a responsabilidade dos seus sócios limitada ao valor do capital social.
Mais uma vez é importante trazer a evidência que é o objeto social que torna uma sociedade simples ou empresária e não o modelo ou tipo societário adotado, a exceção das sociedades anônimas e sociedades cooperativas. Ao final, a previsão sobre a possibilidade de abertura de previsão de aberturas de filiais, agências e escritórios em qualquer parte do Brasil ou exterior, não constitui característica exclusiva das sociedades empresárias. As sociedades simples também poderão promover a aberturas de filiais, agências e escritórios, desde que atentas para a necessidade de se submeter à inscrição junto ao Registro de Pessoas Jurídicas do respectivo local, conforme art. 1.000 do Código Civil. Com vistas ao enquadramento das sociedades simples ao regime de tributação do Imposto sobre Serviços, não se pode esquecer que as alterações supervenientes a edição do Decreto-Lei nº 406, não alteraram em nada a forma de tributação de algumas atividades contempladas no § 3º do art. 9º, entre as quais aquelas desenvolvidas pelas sociedades de profissionais. Mesmo com a edição da Lei Complementar nº 116, de 2003, que trouxe substanciais modificações na sistemática do ISS, não houve revogação do art. 9º e respectivos parágrafos conforme se depreende do art. 10 da referida lei complementar. Informa-se que a 1ª Câmara Cível do TJRS tem proferido julgados entendendo que a partir da entrada em vigor da Lei Complementar nº 116/2003 não mais subsiste o regime privilegiado, como se pode observar em acórdãos cujo Relator foi o Desembargador Irineu Mariani4. 4
Apelações Cíveis nº: 70020895058, 70019075977, 70020386504, 70013710504, dentre outros.
O STJ, por sua vez, tem afastado totalmente a possibilidade da adoção do regime privilegiado de tributação do Imposto Sobre Serviços, ao julgar que as sociedades civis ao prestarem serviço com caráter empresarial não fariam jus ao benefício5. Com efeito, a dificuldade reside em definir em sede de Recurso Especial o que é empresarial ou não, nos termos acima colocados, pois este trabalho envolve análise de provas, criando obstáculo pela incidência da Súmula nº 7 do STJ. Como corolário dessa assertiva, não se mostra crível admitir que a legislação municipal (art. 156, II, da Constituição Federal) possa estabelecer critérios diversos aos ora trabalhados, com vistas à definição de uma sociedade como simples ou empresária. Efetivamente, teríamos um abalo da estrutura e da harmonia do sistema em virtude de interesses, exclusivamente, arrecadatórios dos municípios.
Desta forma, enquanto sociedade simples constituída sob forma de limitada, com objeto social voltado. Exclusivamente. à prestação de serviços profissionais, qualquer destas sociedades possui a prerrogativa de recolhimento do ISS sob o regime de tributação fixa, nos moldes do art. 9º, §§ 1º e 3º, do Decreto-Lei nº 406/1968, sendo mantida essa sistemática por força da entrada em vigor da Lei Complementar nº 116/2003, consoante decisão ora comentada. 5 REsp 872311/RJ, REsp 859084/PR, AgRg-Ag 789778/SC, REsp 663492/ES, AgRg-Ag 611294/RJ, AgRg-REsp 711877/AL, REsp 663492/ES, AgRg-REsp 809930/AL, entre outros.
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Logo, uma Lei Municipal que extrapolar a competência material fixada pela Lei Complementar referida no art. 146, inciso III, da Constituição Federal, na hipótese a Lei Complementar nº 116/2003 e o Decreto nº 406, art. 9º, § 3º, sendo esse último, conforme visto alhures, recepcionado com eficácia de lei complementar, será nesse aspecto inconstitucional.
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Nota: Prezado assinante, todas as normas selecionadas, inclusive medidas provisórias, podem ser consultadas em nosso endereço eletrônico www.sintese.com. 2.186-16, DE 23.08.2001
Patrimônio Genético. Diversidade Biológica Previdência Social. Alteração na Legislação
2 .156-5, DE 24.08.2001
Agência de Desenvolvimento do Nordeste – Adene
2.187-13, DE 24.08.2001
2.157-5, DE 24.08.2001
Agência de Desenvolvimento da Amazônia – ADA
2.189-49, DE 23.08.2001
IR. Alteração na Legislação
2.158-35, DE 24.08.2001
Cofins, PIS/Pasep e IR. Alteração na Legislação
2.190-34, DE 23.08.2001
Vigilância Sanitária. Alteração da Lei nº 9.782/1999
2.159-70, DE 24.08.2001
IR. Alteração na Legislação
2.192-70, DE 24.08.2001
Proes. Bancos Estaduais
2.161-35, DE 23.08.2001
Programa Nacional de Desestatização. Alteração da Lei nº 9.491/1997
2.196-3, DE 24.08.2001
Instituições Financeiras Federais. Recuperação. Empresa Gestora de Ativos – Emgea
2.162-72, DE 23.08.2001
Notas do Tesouro Nacional – NTN
2.197-43, DE 24.08.2001
SFH. Disposições
2.163-41, DE 23.08.2001
Meio Ambiente. Alteração da Lei nº 9.605/1998
2.198-5, DE 24.08.2001
Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica
2.164-41, DE 24.08.2001
Alteração da CLT. Trabalho a Tempo Parcial e PAT
2.199-14, DE 24.08.2001
IR. Incentivos Fiscais
2.165-36, DE 23.08.2001
Servidor Público e Militar. Auxílio-Transporte
2.200-2, DE 24.08.2001
Infraestrutura de Chaves Públicas. ICP-Brasil
2.166-67, DE 24.08.2001
Código Florestal. Alteração da Lei nº 4.771/1965
2.206-1, DE 06.09.2001
Programa Nacional de Renda Mínima
2.167-53, DE 23.08.2001
Recebimento de Valores Mobiliários pela União
2.208, DE 17.08.2001
Estudante Menor de 18 Anos. Comprovação
2.168-40, DE 24.08.2001
Cooperativas. Recoop. Sescoop
2.209, DE 29.08.2001
Comercializadora Brasileira de Energia Elétrica – CBEE
2.169-43, DE 24.08.2001
Servidor Público. Vantagem de 28,86%
2.210, DE 29.08.2001
Orçamento. Crédito Extraordinário
2.170-36, DE 23.08.2001
Tesouro Nacional. Administração de Recursos
2.211, DE 29.08.2001
Orçamento 2001 e 2002. Diretrizes
2.172-32, DE 23.08.2001
Usura. Agiotagem
2.213-1, DE 30.08.2001
Programa Bolsa-Renda. Estiagem
2.173-24, DE 23.08.2001
Anuidades Escolares
2.214, DE 31.08.2001
Administração Pública Federal. Recursos
2.174-28, DE 24.08.2001
União. Programa de Desligamento Voluntário – PDV
2.215-10, DE 31.08.2001
Militares das Forças Armadas. Reestruturação da Remuneração
2.177-44, DE 24.08.2001
Planos de Saúde. Alteração da Lei nº 9.656/1998
2.220, DE 04.09.2001
Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano – CNDU
2.178-36, DE 24.08.2001
Programa Nacional de Alimentação Escolar. Dinheiro Direto na Escola
2.224, DE 04.09.2001
Capitais Brasileiros no Exterior
2.179-36, DE 24.08.2001
União e Banco Central. Relações Financeiras
2.225-45, DE 04.09.2001
Servidor Público. Tráfico de Entorpecentes. Alteração das Leis nºs 6.368/1976 e 8.112/1990 Alteração da CLT
2.180-35, DE 24.08.2001
Advocacia-Geral da União. Alteração na Legislação
2.226, DE 04.09.2001
2.181-45, DE 24.08.2001
Operações Financeiras do Tesouro Nacional
2.227, DE 04.09.2001
Plano Real. Correção Monetária. Exceção
2.183-56, DE 24.08.2001
Reforma Agrária. Alteração na Legislação
2.228-1, DE 06.09.2001
2.184-23, DE 24.08.2001
Carreira Policial. Gratificação
Cultura. Política Nacional do Cinema – Ancine. Prodecine. Funcines
2.185-35, DE 24.08.2001
Dívida Pública Mobiliária. Consolidação. Assunção. Refinanciamento
2.229-43, DE 06.09.2001
Policiais Civis da União e DF. Alteração na legislação
Normas do Juris SÍNTESE atingidas pelas Medidas Provisórias em vigor (até 31.07.2014) Nota: Prezado assinante, todas as normas selecionadas, inclusive as medidas provisórias, podem ser consultadas em nosso endereço eletrônico www.sintese.com.
89
MP 643
DOU 25.04.2014
ART 1º
NORMA LEGAL Lei nº 9.648/98
ALTERAÇÃO 14
MP 647
DOU 29.05.2014
ART 6º
NORMA LEGAL Lei nº 11.097/05
ALTERAÇÃO 2º
644
02.05.2014
2º
Lei nº 7.713/88
6º
648
04.06.2014
2º
Lei nº 4.117/62
38
644
02.05.2014
3º
Lei nº 9.250/95
4º, 8º e 10
648
04.06.2014
4º
Lei nº 4.117/62
38
644
02.05.2014
4º
Lei nº 11.482/07
1º
649
06.06.2014
1º
Lei nº 12.741/12
5º
646
27.05.2014
1º
Lei nº 9.503/97
115 e 144
650
01.07.2014
2º
Lei nº 9.266/96
2º
647
29.05.2014
4º
Lei nº 9.478/97
2º
650
01.07.2014
3º
Lei nº 11.358/06
Anexo II
DOU 01.07.2014
ART 4º
NORMA LEGAL Lei nº 10.550/02
ALTERAÇÃO Anexo III
650
01.07.2014
7º
DL 2.320/87
1º, 3º, 4º e 7º
650
01.07.2014
7º
Lei nº 9.266/96
Anexos I e II
651
10.07.2014
5º
Lei nº 10.179/01
1º, 3º e 3º-A
651
10.07.2014
20
Lei nº 12.431/11
2º
651
10.07.2014
30
Lei nº 9.718/98
3º e 8º-B
651
10.07.2014
31
Lei nº 10.637/02
8º
651
10.07.2014
32
Lei nº 10.833/03
10
651
10.07.2014
34
Lei nº 12.996/14
2º
651
10.07.2014
41
Lei nº 12.546/11
7º, 8º e 9º
651
10.07.2014
44
Lei nº 9.430/96
64
651
10.07.2014
45
Lei nº 11.977/09
4º, 11, 29 e 30
651
10.07.2014
46
Lei nº 12.409/11
10
651
10.07.2014
47
Lei nº 5.895/73
2º
651
10.07.2014
51
Lei nº 10.179/01
1º
651
10.07.2014
51
Lei nº 10.522/02
2.156-5
27.08.2001
32
DL 1.376/74
2.156-5 2.156-5 2.156-5 2.157-5
27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001
32 32 32 32
DL 2.397/87 Lei nº 8.034/90 Lei nº 9.532/97 DL 1.376/74
12 1º 2º 1º
2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.161-35 2.162-72 2.163-41 2.164-41
27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 27.08.2001
2º e 93 3º e 93 10 e 93 19 e 93 34 e 75 64 69 70 72 73 73 e 93 75 82 93 93 93 93 93 93 1º e 6º 6º 1º 7º e 8º
Lei nº 9.718/98 Lei nº 9.701/98 Lei nº 9.779/99 Lei nº 9.715/98 Lei nº 9.532/97 D nº 70.235/72 DL 1.455/76 Lei nº 9.430/96 Lei nº 8.218/91 Lei nº 9.317/96 Lei nº 9.317/96 Lei nº 9.532/97 Lei nº 8.981/95 Lei nº 9.432/97 LC 70/91 LC 85/96 Lei nº 7.714/88 Lei nº 9.004/95 Lei nº 9.493/97 Lei nº 9.491/97 Lei nº 9.094/95 Lei nº 9.605/98 Lei nº 7.998/90
2.164-41
27.08.2001
1º e 2º
CLT
2.164-41 2.164-41 2.164-41 2.164-41 2.164-41 2.164-41
27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001
3º 4º 5º 6º 9º 10
Lei nº 4.923/65 Lei nº 5.889/73 Lei nº 6.321/76 Lei nº 6.494/77 Lei nº 8.036/90 Lei nº 9.601/98
3º e 8º 1º 14 e 17 2º e 4º 1º e 64-A 1º, 25 e 64-A 1º, 9º, 10, 16, 18, 19 e 64-A 63 11 e 12 1º e 64-A 9º e 15 1º, 15 e 64-A 29 11 6º e 7º Revogada 5º Revogada 7º 2º, 4º, 5º, 6º e 30 2º 79-A 2º, 2º-A, 2º-B, 3º-A, 7º-A, 8º-A, 8º-B e 8º-C 58-A, 59, 130-A, 143, 476-A, 627-A, 643 e 652 1º 18 2º 1º 19-A, 20, 29-C e 29-D 2º
MP 2.165-36 2.165-36 2.166-67
DOU 24.08.2001 24.08.2001 25.08.2001-extra
ART 13 13 1º
NORMA LEGAL Lei nº 7.418/85 Lei nº 8.627/93 Lei nº 4.771/65
2.166-67 2.167-53 2.168-40 2.168-40 2.168-40 2.170-36 2.172-32 2.173-24 2.177-44
25.08.2001 24.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 27.08.2001
3º 2º e 3º 13 14 18 8º 7º 1º e 2º 1º e 8º
Lei nº 9.393/96 Lei nº 9.619/98 Lei nº 5.764/71 Lei nº 9.138/95 Lei nº 10.186/01 Lei nº 8.212/91 Lei nº 1.521/51 Lei nº 9.870/99 Lei nº 9.656/98
20
2.178-36 2.178-36 2.180-35
25.08.2001-extra 25.08.2001-extra 27.08.2001
16 32 1º
Lei nº 9.533/97 Lei nº 8.913/97 Lei nº 8.437/92
1º e 11
2.180-35
27.08.2001
4º
Lei nº 9.494/97
2.180-35 2.180-35 2.180-35 2.180-35 2.180-35 2.180-35 2.181-45 2.181-45 2.181-45 2.183-56 2.183-56 2.183-56 2.187-13 2.187-13 2.187-13 2.187-13 2.187-13 2.189-49 2.189-49 2.189-49 2.189-49 2.190-34 2.192-70 2.196-3 2.196-3 2.197-43 2.197-43 2.197-43 2.199-14 2.211 2.211 2.214 2.215-10 2.215-10
27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 25.08.2001-extra 25.08.2001 25.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 30.08.2001 30.08.2001 01.09.2001-extra 01.09.2001 01.09.2001
6º 7º 8º 10 14 21 45 46 52 1º 3º 4º 2º 3º e 16 4º e 16 7º 16 10 11 13 14 7º e 8º 23 12 14 3º e 8º 4º e 8º 5º 18 1º 2º 1º 41 41
Lei nº 7.347/85 Lei nº 8.429/92 Lei nº 9.704/98 CPC Lei nº 4.348/64 Lei nº 10.257/01 Lei nº 8.177/91 Lei nº 9.365/96 Lei nº 10.150/00 DL 3.365/41 Lei nº 8.177/91 Lei nº 8.629/93 Lei nº 6.015/73 Lei nº 8.212/91 Lei nº 8.213/91 Lei nº 9.639/98 Lei nº 9.711/98 Lei nº 9.532/97 Lei nº 9.250/95 Lei nº 9.430/96 Lei nº 9.317/96 Lei nº 9.294/96 Lei nº 9.496/97 Lei nº 8.036/90 Lei nº 7.827/89 Lei nº 8.692/93 Lei nº 4.380/64 Lei nº 8.036/90 Lei nº 9.532/97 Lei nº 9.995/00 Lei nº 10.266/01 Lei nº 10.261/01 Lei nº 8.448/92 Lei nº 8.460/92
ALTERAÇÃO 1º 6º 1º, 3º-A, 4º, 14, 16, 37-A, 44, 44-A, 44-B e 44-C 10 1º e 4º-A 88 2º 7º 60 4º, § 3º 1º e 6º 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 24-A, 24-B, 24-C, 24-D, 25, 26, 27, 28, 29, 29-A, 30, 31, 32, 34, 35, 35-A, 35-B, 35-C, 35-D, 35-E, 35-F, 35-G, 35-H e 35-I 4º Revogada 1º e 4º 1º-A, 1º-B (CPC e CLT), 1º-C, 1º-D, 1ºE, 1º-F, 2º-A e 2º-B 1º e 2º 17 1º 741 4º 53 18 6º 1º 10, 15-A, 15-B e 27 5º 2º, 2º-A, 5º, 6º, 7º, 11, 12, 17, 18 e 26-A 80 38, 55, 56, 68, 101 e 102 41, 95, 96, 134, 144, 145, 146 e 147 1º, 2º e 5º 7º, 8º, 9º, 12, 13, 14, 15, 16 e 17 6º, II, 34 e 82, II, f 10 e 25 79 9º 2º, 3º e 7º 1º, 3º, 6º, 7º-A e 7º-B 9º 9º-A 23 e 25 9º, 14 e 18 9º, 20, 23, 29-A e 29-B 4º 35 e 70 18, 34, 38 e 51 1º 6º 2º, 20, 25, 26 e 27, 5º, 7º-A, 13, 14, 14-A, 23, 24, 27, 28, 30, 32, 34-A, 38, 44, 51-A e 61-A
Agosto/2014 – Ed. 209
MP 650
90
Normas Legais
Lei nº 13.018, de 22.07.2014
Institui a Política Nacional de Cultura Viva, e dá outras providências. Mensagem de veto (DOU 23.07.2014)
Lei nº 13.017, de 21.07.2014
Altera o § 7º do art. 23 da Lei nº 4.131, de 3 de setembro de 1962, que disciplina a aplicação do capital estrangeiro e as remessas de valores para o exterior e dá outras providências, para alterar o valor das operações de câmbio que não necessitam de contrato de câmbio para até US$ 10.000,00 (dez mil dólares norte-americanos). (DOU 22.07.2014)
Lei nº 13.016, de 21.07.2014
Dispõe sobre a denominação do prédio da administração da sede da Universidade Federal do Vale do São Francisco, localizado na cidade de Petrolina, Estado de Pernambuco. (DOU 22.07.2014)
Lei nº 13.015, de 21.07.2014
Altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, para dispor sobre o processamento de recursos no âmbito da Justiça do Trabalho. (DOU 22.07.2014)
Lei nº 13.014, de 21.07.2014
Altera as Leis nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, e nº 12.512, de 14 de outubro de 2011, para determinar que os benefícios monetários nelas previstos sejam pagos preferencialmente à mulher responsável pela unidade familiar. (DOU 22.07.2014)
Lei nº 13.013, de 21.07.2014
Denomina, no Estado do Amapá, Rodovia Landri de Oliveira Cambraia o trecho da rodovia BR-156 entre as cidades de Macapá e Amapá e Rodovia Janary Nunes o trecho da rodovia BR-156 entre as cidades de Amapá e Oiapoque. (DOU 22.07.2014)
Lei nº 13.012, de 16.07.2014
Abre crédito extraordinário, em favor do Ministério da Defesa e de Operações Oficiais de Crédito, no valor de R$ 5.100.000.000,00, para os fins que especifica. (DOU 17.07.2014)
Lei nº 13.011, de 16.07.2014
Autoriza o Banco Central do Brasil a alienar à Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro S.A. – CDURP os imóveis que especifica. (DOU 17.07.2014)
Medidas Provisórias Medida Provisória nº 652, de 25.07.2014 Cria o Programa de Desenvolvimento da Aviação Regional. (DOU de 28.07.2014)
Medida Provisória nº 651, de 09.07.2014 Dispõe sobre os fundos de índice de renda fixa, sob a responsabilidade tributária na integralização de cotas de fundos ou clubes de investimento por meio da entrega de ativos financeiros; sobre a tributação das operações de empréstimos de ativos financeiros; sobre a isenção de imposto sobre a renda na alienação de ações de empresas pequenas e médias; prorroga o prazo de que trata a Lei nº 12.431, de 24 de junho de 2011; e dá outras providências. (DOU de 10.07.2014)
Medida Provisória nº 651, de 09.07.2014 Dispõe sobre os fundos de índice de renda fixa, sob a responsabilidade tributária na integralização de cotas de fundos ou clubes de investimento por meio da entrega de ativos financeiros; sobre a tributação das operações de empréstimos de ativos financeiros; sobre a isenção de imposto sobre a renda na alienação de ações de empresas pequenas e médias; prorroga o prazo de que trata a Lei nº 12.431, de 24 de junho de 2011; e dá outras providências. (DOU de 10.07.2014 – Rep. Parcial DOU de 11.07.2014)
Medida Provisória nº 650, de 30.06.2014 Dispõe sobre a reestruturação da Carreira Policial Federal de que trata a Lei nº 9.266, de 15 de março de 1996, sobre a remuneração da Carreira de Perito Federal Agrário de que trata a Lei nº 10.550, de 13 de novembro de 2002, e dá outras providências. (DOU de 01.07.2014)
Indicadores I – Índices de Atualização dos Débitos Trabalhistas (Vigência: Agosto/2014 – Atualização: Julho/2014)
1 – Índice de Atualização Monetária até 31 de julho de 2014 – Decreto-Lei nº 2.322/1987 combinado com a Lei nº 7.738/1989 (incluindo a Lei nº 8.177/1991 – TR – a partir de fev. 1991) – TR prefixada de 1º agosto/2014 a 1º setembro/2014 (Banco Central) = 0,06020% 1991
1992
1993
1994
1995
1996
2003
2004
2005
2006
2007
2008
JAN
Mês/Ano
0,014983744
0,002861940
0,000227821
0,008848312
2,314946997
1,758775735
JAN
1,194809430
1,141734369
1,121343652
1,090445592
1,068668973
1,053443440
FEV
0,012464245
0,002280794
0,000179726
0,006255877
2,267304135
1,737017850
FEV
1,189009442
1,140274817
1,119239482
1,087915102
1,066334766
1,052380535
MAR
0,011648827
0,001815774
0,000142188
0,004472957
2,226053144
1,720458437
MAR
1,184135541
1,139752811
1,118163808
1,087126934
1,065566493
1,052124869
ABR
0,010736246
0,001461153
0,000113018
0,003153300
2,176009283
1,706568675
ABR
1,179674013
1,137729927
1,115225190
1,084877982
1,063571233
1,051694726
MAIO
0,009856097
0,001206766
0,000088144
0,002160239
2,103101078
1,695384225
MAIO
1,174758823
1,136736419
1,112995859
1,083951204
1,062220089
1,050691316
JUN
0,009043120
0,001007233
0,000068499
0,001475170
2,036958982
1,685460235
JUN
1,169321478
1,134981737
1,110190408
1,081908561
1,060429025
1,049918576
JUL
0,008266106
0,000832080
0,000052659
2,762013401
1,979815566
1,675242928
JUL
1,164470294
1,132986548
1,106877523
1,079816955
1,059418340
1,048716746
AGO
0,007511228
0,000672714
0,040391894
2,629833950
1,922328337
1,665498099
AGO
1,158141054
1,130779267
1,104034634
1,077929501
1,057864337
1,046713337
SET
0,006709449
0,000545946
0,030292406
2,574956477
1,873532191
1,655112270
SET
1,153483288
1,128516591
1,100221267
1,075310046
1,056315778
1,045068399
OUT
0,005745375
0,000435433
0,022502158
2,513646134
1,837889990
1,644227484
OUT
1,149615980
1,126569878
1,097327614
1,073676983
1,055944086
1,043013662
NOV
0,004797007
0,000348151
0,016481475
2,451020119
1,807985903
1,632118794
NOV
1,145934094
1,125323021
1,095028055
1,071667606
1,054739573
1,040406404
DEZ
0,003675304
0,000282384
0,012104491
2,381457739
1,782343330
1,618930983
DEZ
1,143902523
1,124034877
1,092919813
1,070295487
1,054117644
1,038725746
Mês/Ano
Mês/Ano
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2009
2010
2011
2012
2013
2014
JAN
1,604940714
1,461894504
1,356194620
1,282701399
1,256364117
1,228294448
JAN
1,036498311
1,029201214
1,022161062
1,009961658
1,007044158
1,005124139
FEV
1,593088139
1,445332439
1,349228553
1,279950785
1,254646506
1,225120162
FEV
1,034594657
1,029201214
1,021430739
1,009089804
1,007044158
1,003993642
MAR
1,582617508
1,438913446
1,338124793
1,276977980
1,254184966
1,223687224
MAR
1,034128265
1,029201214
1,020895789
1,009089804
1,007044158
1,003454787
ABR
1,572684466
1,426085805
1,322762233
1,274121400
1,252026472
1,221539757
ABR
1,032643324
1,028386731
1,019659961
1,008013246
1,007044158
1,003187939
MAIO
1,562976817
1,419386301
1,314752759
1,272465922
1,250093827
1,218667358
MAIO
1,032174716
1,028386731
1,019283846
1,007784479
1,007044158
1,002727687
JUN
1,553108366
1,412967191
1,307221854
1,269302819
1,247814071
1,216111092
JUN
1,031711478
1,027862522
1,017686078
1,007313057
1,007044158
1,002122405
JUL
1,543024700
1,406059222
1,303171596
1,266592312
1,245997407
1,214190243
JUL
1,031035119
1,027257467
1,016553638
1,007313057
1,007044158
1,001656635
AGO
1,532937968
1,398364025
1,299360572
1,264635920
1,242963333
1,210973897
AGO
1,029952639
1,026076453
1,015305827
1,007168024
1,006833730
1,000602000
SET
1,523386336
1,393141139
1,295545191
1,262080208
1,238707135
1,207976906
SET
1,029749778
1,025144596
1,013202419
1,007044158
1,006833730
1,000000000
OUT
1,513587371
1,386883521
1,292037310
1,260771527
1,236695033
1,205619919
OUT
1,029749778
1,024425450
1,012187195
1,007044158
1,006754196
NOV
1,503733406
1,374660043
1,289117459
1,259114532
1,233103004
1,202291975
NOV
1,029749778
1,023942149
1,011560028
1,007044158
1,005828834
DEZ
1,481023393
1,366276570
1,286546938
1,257609174
1,230730156
1,199121498
DEZ
1,029749778
1,023598220
1,010907992
1,007044158
1,005620670
Mês/Ano
OBS.: Foram consideradas as divisões por 1.000 ocorridas em março/1986, janeiro/1989, agosto/1993, e por 2.750 ocorridas em julho/1994.
* NOTA DO TRT DA 2ª REGIÃO SOBRE O ÍNDICE DE ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA A atualização de débitos trabalhistas é definida no art. 39 da Lei nº 8.177/1991, que não sofreu alteração com a Lei nº 12.703/2012: tal lei modificou os parâmetros para cálculo dos rendimentos da caderneta de poupança, mas não alterou a TR, índice-base para atualização monetária. A TR tem sido calculada com valor “zero” desde setembro de 2012, o que não é nenhuma discrepância, dados os valores mais baixos da Taxa Selic. Observamos que, nas poupanças “novas” (abertas após a Lei nº 12.703/2012), o rendimento tem sido inferior a 0,5%, o que significaria, matematicamente, TR negativa (por isso a TR fica “zerada” nas tabelas de atualização). Lembramos, ainda, que a TR vem apresentando valor mensal muito baixo há muitos anos: o que, efetivamente, garante a preservação do valor dos débitos trabalhistas é a taxa de juros, que, ultimamente, tem sido superior à Selic – daí a TR “negativa” das poupanças novas. A alteração da TR como índice de atualização oficial das tabelas só poderá ser efetuada se houver mudança da legislação, já que a tabela é unificada nacionalmente. Até o fechamento desta edição, a tabela não foi divulgada pelo Tribunal.
2 – Juros de mora (incidentes a partir da propositura da ação e aplicados sobre o principal corrigido): • Até 28.02.1987 – Juros simples – 0,5% ao mês; • De 01.03.1987 até 31.01.1991 – Juros capitalizados mensalmente – 1% ao mês; • De 01.02.1991 em diante – Juros simples – 1% ao mês.
Fórmula para cálculo da taxa efetiva (T) dos juros capitalizados: T = (1,01)n – 1, onde “n” é igual ao número de dias decorridos desde a data da propositura da ação, contidos no período compreendido entre 01.03.1987 e 31.01.1991, dividido por 30.
Juros Capitalizados Mensalmente Nº Meses 01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15 16
% Efetivo 1,0000 2,0100 3,0301 4,0604 5,1010 6,1520 7,2135 8,2856 9,3685 10,4622 11,5668 12,6825 13,8093 14,9474 16,0968 17,2578
Nº Meses 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32
% Efetivo 18,4304 19,6147 20,8108 22,0190 23,2391 24,4715 25,7163 26,9734 28,2431 29,5256 30,8208 32,1290 33,4503 34,7848 36,1327 37,4940
Nº Meses 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 –
% Efetivo 38,8690 40,257+6 41,6602 43,0768 44,5076 45,9527 47,4122 48,8863 50,3752 51,8789 53,3977 54,9317 56,4810 58,0458 59,6263 –
Vigência
Moeda
Valor
Norma Legal
DOU
Moeda
Valor
Norma Legal
DOU
01.10.1989
NCz$
381,73
Decreto nº 98.211/89
02.10.1989
Vigência 01.09.1990
Cr$
6.056,31
Port. 3.588/90
03.09.1990
01.11.1989
NCz$
557,33
Decreto nº 98.346/89
31.10.1989
01.10.1990
Cr$
6.425,14
Port. 3.628/90
01.10.1990
01.12.1989
NCz$
788,18
Decreto nº 98.456/89
01.12.1989
01.11.1990
Cr$
8.329,55
Port. 3.719/90
01.11.1990
01.01.1990
NCz$
1.283,95
Decreto nº 98.783/89
29.12.1989
01.12.1990
Cr$
8.836,82
Port. 3.787/90
03.12.1990
Cr$
12.325,50
Port. 3.828/90
31.12.1990
01.02.1990
NCz$
2.004,37
Decreto nº 98.900/90
01.02.1990
01.01.1991
01.03.1990
NCz$
3.674,06
Decreto nº 98.985/90
01.03.1990
01.02.1991
Cr$
15.895,46
MP 295/91
01.02.1991
01.04.1990
Cr$
3.674,06
Port. 3.143/90
24.04.1990
01.03.1991
Cr$
17.000,00
Lei nº 8.178/91
04.03.1991
Cr$
42.000,00
Lei nº 8.222/91
06.09.1991
01.05.1990
Cr$
3.674,06
Port. 3.352/90
23.05.1990
01.09.1991
01.06.1990
Cr$
3.857,76
Port. 3.387/90
04.06.1990
01.01.1992
Cr$
96.037,33
Port. 42/92
21.01.1992
01.07.1990
Cr$
4.904,76
Port. 3.501/90
16.07.1990
01.05.1992
Cr$
230.000,00
Lei nº 8.419/92
08.05.1992
01.08.1990
Cr$
5.203,46
Port. 429/90
01.08.1990
01.09.1992
Cr$
522.186,94
Port. 601/92
31.08.1992
Agosto/2014 – Ed. 209
II – Evolução do Salário-Mínimo desde 1989
94
Vigência
Moeda
Valor
Norma Legal
DOU
Moeda
Valor
Norma Legal
DOU
01.01.1993
Cr$
1.250.700,00
Lei nº 8.542/92
24.12.1992
Vigência 03.04.2000
R$
151,00
Lei nº 9.971/00
19.05.2000
01.03.1993
Cr$
1.709.400,00
Port. Interm. 4/93
01.03.1993
01.04.2001
R$
180,00
MP 2.142/01 (atual 2.194-6)
30.03.2001
01.05.1993
Cr$
3.303.300,00
Port. Interm. 7/93
04.05.1993
01.04.2002
R$
200,00
Lei nº 10.525/02
28.03.2002
01.07.1993
Cr$
4.639.800,00
Port. Interm. 11/93
01.08.1993
01.04.2003
R$
240,00
Lei nº 10.699/03
10.07.2003
01.08.1993
CR$
5.534,00
Port. Interm. 12/93
03.08.1993
01.05.2004
R$
260,00
Lei nº 10.888/04
25.06.2004
01.09.1993
CR$
9.606,00
Port. Interm. 14/93
02.09.1993
01.05.2005
R$
300,00
Lei nº 11.164/05
19.08.2005
01.10.1993
CR$
12.024,00
Port. Interm. 15/93
04.10.1993
01.04.2006
R$
350,00
MP 288/06
31.03.2006
01.11.1993
CR$
15.021,00
Port. Interm. 17/93
03.11.1993
01.04.2006
R$
350,00
Lei nº 11.321/06
10.07.2006
01.12.1993
CR$
18.760,00
Port. Interm. 19/93
02.12.1993
01.04.2007
R$
380,00
MP 362/07
30.03.2007-extra
01.01.1994
CR$
32.882,00
Port. Interm. 20/93
31.12.1993
01.04.2007
R$
380,00
Lei nº 11.498/07
29.06.2007
01.02.1994
CR$
42.829,00
Port. Interm. 02/94
02.02.1994
01.03.2008
R$
415,00
MP 421/08
29.02.2008-extra
01.03.1994
URV
64,79
Port. Interm. 04/94
03.03.1994
01.02.2009
R$
465,00
MP 456/09
30.01.2009-extra
01.07.1994
R$
64,79
Lei nº 9.069/95
30.06.1994/30.06.1995
01.01.2010
R$
510,00
MP 474/09
24.12.2009
01.09.1994
R$
70,00
Lei nº 9.063/95
01.09.1994/20.06.1995
01.01.2011
R$
540,00
MP 516/10
31.12.2010
01.05.1995
R$
100,00
Lei nº 9.032/95
29.04.1995
01.03.2011
R$
545,00
Lei nº 12.382/11
28.02.2011
01.05.1996
R$
112,00
Lei nº 9.971/00
19.05.2000
01.01.2012
RS
622,00
Decreto nº 7.655/11
26.12.2011
01.05.1997
R$
120,00
Lei nº 9.971/00
19.05.2000
01.01.2013
R$
678.00
Decreto nº 7.872/11
26.12.2012
01.05.1998
R$
130,00
Lei nº 9.971/00
19.05.2000
01.01.2014
R$
724,00
Decreto nº 8.166/2013
24.12.2013
01.05.1999
R$
136,00
Lei nº 9.971/00
19.05.2000
Agosto/2014 – Ed. 209
III – Previdência Social – Valores de Benefícios (Julho/2014)
95
1 – Salário-de-benefício mínimo: R$ 678,00 (seiscentos e setenta e oito reais) 2 – Salário-de-benefício máximo: R$ 3.916,20 (três mil, novecentos e dezesseis reais e vinte centavos) 3 – Renda mensal vitalícia: R$ 678,00 (seiscentos e setenta e oito reais) 4 – Auxílio-funeral*
– R$ 31,22 (trinta e um reais e vinte e dois centavos) para o segurado com remuneração mensal não superior R$ 608,80 (seiscentos e oito reais e oitenta e centavos); – R$ 22,00 (vinte e dois reais) para o segurado com remuneração mensal superior a R$ 608,80 (seiscentos e oito reais e oitenta e centavos) e igual ou inferior a R$ 915,05 (nocentos e quinze reais e cinco centavos).
5 – Auxílio-natalidade*
7 – Benefícios a idosos e portadores de deficiência: Valor de um salário-mínimo (Decreto nº 1.744/1995).
6 – Salário-família:
* Benefícios extintos a partir de jan. 1996 (Lei nº 8.742/1993, art. 40).
8 – Tabela de contribuição (empregado, empregado doméstico e trabalhador avulso) para pagamento de remuneração Salário-de-contribuição (R$)
Alíquota para fins de recolhimento ao INSS (%)
Até R$ 1.317.07
8,00*
De R$ 1.317,08 até 2.195,12
9,00*
De R$ 2.195,13 até 4.390,24
11,00*
9 – Escala de salários-base para os segurados contribuinte individual e facultativo Nota: Escala extinta, conforme o art. 9º da Lei nº 10.666, de 08.05.2003, DOU 09.05.2003, e o art. 39 da Instrução Normativa DC/INSS nº 89, de 11.06.2003, DOU 13.06.2003.
* Alíquota reduzida para salários e remunerações até três salários-mínimos, em razão do disposto no inciso II do art. 17 da Lei nº 9.311, de 24.10.1996, que instituiu a Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e de Direitos de Natureza Financeira – CPMF.
IV – Imposto de Renda na Fonte TABELA PROGRESSIVA MENSAL Alíquota %
Parcela a deduzir do imposto em R$
-
-
De 1.787,78 até 2.679,29
7,5
134,08
De 2.679,30 até 3.572,43
15,0
335,03
De 3.572,44 até 4.463,81
22,5
602,96
Acima de 4.463,81
27,5
826,15
Até 1.787,77
Dedução por dependente
O imposto de renda anual devido, incidente sobre os rendimentos de pessoas físicas, será calculado de acordo com a tabela progressiva anual correspondente à soma das tabelas progressivas mensais vigentes nos meses de cada ano-calendário.
179,71
V – Depósitos Recursais na Justiça do Trabalho Novos valores para Depósitos Recursais na Justiça do Trabalho (Ato nº 506/2013 do TST, DJe de 17.07.2013, vigência a partir de 01.08.2013) Recurso Ordinário
R$ 7.485,83
Recurso de Revista, Embargos, Recurso Extraordinário e Recurso em Ação Rescisória
R$ 14.971,65
Agosto/2014 – Ed. 209
Base de cálculo em R$
TABELA PROGRESSIVA ANUAL
Ação Rescisória – Depósito prévio de 20% do valor da causa, salvo prova de miserabilidade, nos termos do art. 836 da CLT, alterado pela Lei nº 11.495/2007, cujos efeitos começam a fluir a partir do dia 24.09.2007.
96
VI – Indexadores Indexador
Fevereiro
Março
Abril
Maio
Junho
Julho
INPC IGPM UFIR SELIC
0,64 0,38
0,82 1,67
0,78 0,82
0,60 (-)0,13
0,26 (-)0,74
0,13 -(0,61)
0,27
0,95
Extinta, a partir de outubro de 2000, pela MP 1.973-67, atual Lei nº 10.522, de 19.07.2002, DOU 22.07.2002, art. 29, § 3º.
0,79
0,77
0,72
0,87
Valor de Referência Base Maio/1992 – Cruzeiros 79.297,75 Emissão anterior a Jan./1989 79.297,75
TDA
Valores nominais reajustados – Reais 91,87 Emissão anterior a Jan./1989 157,23
(*) Referente ao primeiro dia de cada mês.
VII – Índices de Atualização dos Débitos Judiciais Tabela editada em face da Jurisprudência ora predominante.
Agosto/2014 – Ed. 209
Mês/Ano
97
JAN FEV MAR ABR MAIO JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1.942,73 2.329,52 2.838,99 3.173,71 3.332,71 3.555,33 3.940,38 4.418,74 5.108,95 5.906,96 7.152,15 9.046,04
11.230,66 14.141,65 17.603,52 21.409,40 25.871,12 32.209,55 38.925,24 47.519,93 58.154,89 72.100,44 90.897,02 111.703,35
140.277,06 180.634,78 225.414,14 287.583,35 369.170,75 468.034,68 610.176,81 799,392641 1.065,91 1.445,69 1.938,96 2.636,99
3.631,93 5.132,64 7.214,96 10.323,16 14.747,66 21.049,34 11,346741 12,036622 12,693821 12,885497 13,125167 13,554359
13,851199 14,082514 14,22193 14,422459 14,69937 15,077143 15,351547 15,729195 15,889632 16,07554 16,300597 16,546736
16,819757 17,065325 17,186488 17,236328 17,396625 17,619301 17,853637 18,06788 18,158219 18,16185 18,230865 18,292849
Mês/Ano JAN FEV MAR ABR MAIO JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ
1997
1998
1999
2000
2001
2002
18,353215 18,501876 18,585134 18,711512 18,823781 18,844487 18,910442 18,94448 18,938796 18,957734 19,012711 19,04123
19,149765 19,312538 19,416825 19,511967 19,59977 19,740888 19,770499 19,715141 19,618536 19,557718 19,579231 19,543988
19,626072 19,753641 20,008462 20,26457 20,359813 20,369992 20,38425 20,535093 20,648036 20,728563 20,927557 21,124276
21,280595 21,410406 21,421111 21,448958 21,468262 21,457527 21,521899 21,821053 22,085087 22,180052 22,21554 22,279965
22,402504 22,575003 22,68562 22,79451 22,985983 23,117003 23,255705 23,513843 23,699602 23,80388 24,027636 24,337592
24,51769 24,780029 24,856847 25,010959 25,181033 25,203695 25,357437 25,649047 25,869628 26,084345 26,493869 27,392011
Mês/Ano JAN FEV MAR ABR MAIO JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ
2003
2004
2005
2006
2007
2008
28,131595 28,826445 29,247311 29,647999 30,057141 30,354706 30,336493 30,348627 30,403254 30,65256 30,772104 30,88596
31,052744 31,310481 31,432591 31,611756 31,741364 31,868329 32,02767 32,261471 32,422778 32,477896 32,533108 32,676253
32,957268 33,145124 33,290962 33,533986 33,839145 34,076019 34,038535 34,048746 34,048746 34,099819 34,297597 34,482804
34,620735 34,752293 34,832223 34,92627 34,968181 35,013639 34,989129 35,027617 35,020611 35,076643 35,227472 35,375427
35,594754 35,769168 35,919398 36,077443 36,171244 36,265289 36,377711 36,494119 36,709434 36,801207 36,91161 37,070329
37,429911 37,688177 37,86908 38,062212 38,30581 38,673545 39,025474 39,251821 39,334249 39,39325 39,590216 39,740658
Mês/Ano JAN FEV MAR ABR MAIO JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ
2009
2010
2011
2012
2013
2014
39,855905 40,110982 40,235326 40,315796 40,537532 40,780757 40,952036 41,046225 41,079061 41,144787 41,243534 41,396135
41,495485 41,860645 42,153669 42,45296 42,762866 42,946746 42,899504 42,869474 42,839465 43,070798 43,467049 43,914759
44,178247 44,593522 44,834327 45,130233 45,45517 45,714264 45,814835 45,814835 46,007257 46,214289 46,362174 46,626438
46,864232 47,103239 47,286941 47,372057 47,675238 47,937451 48,062088 48,268754 48,485963 48,791424 49,137843 49,403187
49,76877 50,226642 50,48782 50,790746 51,090411 51,269227 51,41278 51,345943 51,428096 51,566951 51,881509 52,161669
52,537233 52,868217 53,206573 53,642866 54,061280 54,385647 54,527049 54,597934
Observação I – Dividir o valor a atualizar (observar o padrão monetário vigente à época) pelo fator do mês do termo inicial e multiplicar pelo fator do mês do termo final, obtendo-se o resultado na moeda vigente na data do termo final, não sendo necessário efetuar qualquer conversão. Esclarecendo que, nesta tabela, não estão incluídos os juros moratórios, apenas a correção monetária.
Padrões monetários a considerar: Cr$ (cruzeiro): de out./1964 a jan./1967
NCz$ (cruzado novo): de jan./1989 a fev./1990
NCr$ (cruzeiro novo): de fev./1967 a maio/1970
Cr$ (cruzeiro): de mar./1990 a jul./1993
Cr$ (cruzeiro): de jun./1970 a fev./1986
CR$ (cruzeiro real): de ago./1993 a jun./1994
Cz$ (cruzado): de mar./1986 a dez./1988
R$ (real): de jul./1994 em diante
Exemplo: Atualização até agosto de 2014 do valor de Cz$ 1.000,00, fixado em janeiro 1988. Cz$ 1.000,00 : 596,94 (jan./1988) x 54,597934 (agosto/2014) = R$ R$ 91,46
Out./1964 a fev./1986: ORTN Mar./1986 e mar./1987 a jan./1989: OTN Abr./1986 a fev./1987: OTN pro rata Fev./1989: 42,72% (conforme STJ, índice de jan./1989
Abr./1989 a mar./1991: IPC do IBGE (de mar./1989 a fev./1991) Abr./1991 a jul./1994: INPC do IBGE (de mar./1991 a jun./1994) Ago./1994 a jul./1995: IPC-r do IBGE (de jul./1994 a jun./1995) Mar./1989: 10,14% (conforme STJ, índice de fev./1989)
Ago./1995 em diante: INPC do IBGE (de jul./1995 em diante), sendo que, com relação à aplicação da deflação, a matéria ficará sub judice) Observação III – Aplicação do índice de 10,14%, relativo ao mês de fevereiro de 1989, ao invés de 23,60%, em cumprimento ao decidido no Processo nº G-36.676/2002. Fonte: DJe, TJSP, Administrativo, 11.08.2014, p. 4. * Aplicável aos cálculos judiciais, exceto para aqueles com normas específicas estabelecidas por lei ou com decisão transitada em julgado, que estabelece critérios e índices diferentes.
Agosto/2014 – Ed. 209
Observação II – Os fatores de atualização monetária foram compostos pela aplicação dos seguintes índices:
98
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