Edição Dezembro 2013

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O Reconhecimento da Insignificância em Relação aos Delitos contra a Ordem Tributária e Estelionato contra a Fazenda Nacional – Uma Justificação Utilitarista para a Adoção de Igual Parâmetro – Adriane Pinto Rodrigues da Fonseca Pires – p. 1

A Ilegalidade e a Inconstitucionalidade do Aumento dos Impostos sobre Produtos Industrializados para Veículos Automotores Importados pela Medida Provisória nº 540/2011 e pelo Decreto nº 7.567/2011 – Raphael Ulian Avelar – p. 15 O Direito da Criança e do Adolescente à Convivência Comunitária: o Ministério das Cidades na Institucionalização das Políticas Públicas de Combate à Segregação Socioespacial Urbana – Benedicto de Vasconcellos Luna Gonçalves Patrão – p. 26 Mercado Imobiliário e Contratação de Trabalho Infantil: Questões Relacionadas à Utilização de Mão de Obra de Menores de 18 Anos – Luís Rodolfo Cruz e Creuz e Maria Fernanda Ramirez Assad – p. 34 Promoções por Merecimento no Serviço Público e a Inconstitucional Bonificação pelo Desempenho de Cargos em Comissão ou Funções Gratificadas – Rodrigo Gerent Mattos – p. 38

Jornal Jurídico

Apontamentos sobre a Situação Jurídica do Particular/Terceiro na Lei nº 8.429/1992 – Aplicação da Teoria da Equivalência dos Antecedentes Causais na Improbidade Administrativa – Mauro Roberto Gomes de Mattos – p. 50 Acórdão na Íntegra –Supremo Tribunal Federal – p. 68 Pesquisa Temática – Benefício previdenciário – p. 82 Jurisprudência Comentada –Ausência de Previsão de Arbitragem no Edital de Licitação. Nulidade da Sentença Arbitral Proferida por Dois Árbitros. Ausência de Cláusula Compromissória. Arbitragem em Contratos Administrativos – Ana Gerdau de Borja – p. 87

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Medida Provisória – p. 99 Normas Legais – p. 103 Indicadores – p. 104


Doutrina

O Reconhecimento da Insignificância em Relação aos Delitos contra a Ordem Tributária e Estelionato contra a Fazenda Nacional – Uma Justificação Utilitarista para a Adoção de Igual Parâmetro ADRIANE PINTO RODRIGUES DA FONSECA PIRES Mestranda em Ciências Criminais pela PUCRS, Especialista em Direito Público pelo IMED, Servidora Pública Federal, Analista Judiciário junto ao Tribunal Regional Federal da Quarta Região.

RESUMO: O presente artigo pretende discorrer acerca da aplicação do princípio da insignificância como instrumento de legitimação da intervenção penal nos crimes de sonegação fiscal. O texto concentrar-se-á no exame do fundamento utilitarista que embasa seu reconhecimento por parte da jurisprudência brasileira, analisando-se quais as justificativas para que os critérios patrimoniais de insignificância, adotados para esses delitos, não sejam, da mesma forma, estendidos ao delito de estelionato praticado contra a Fazenda Nacional.

PALAVRAS-CHAVE: Crimes contra a ordem tributária; estelionato; bem jurídico; insignificância; utilitarismo. SUMÁRIO: 1 O princípio da insignificância como critério utilitarista de afastamento da tipicidade; 2 O princípio da insignificância como critério de afastamento da tipicidade dos delitos contra a ordem tributária; 3 A resistência ao reconhecimento da insignificância em relação aos delitos de estelionato em detrimento de entidade pública.

1 O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA COMO CRITÉRIO UTILITARISTA DE AFASTAMENTO DA TIPICIDADE Dada a relação entre os modelos de crime e os modelos estatais e tomada a Constituição na acepção de “ordem jurídica fundamental de uma comunidade ou o plano estrutural para a conformação jurídica de uma comunidade, segundo certos princípios”1, é inegável que a Lei Fundamental demarca limites para a intervenção do Estado na área penal. Essa restrição se impõe, eminentemente, pela necessária compatibilização da exigência da punição de determinadas condutas com o comprometimento com a tutela de direitos fundamentais do Estado Democrático e Social de Direito. Nesse contexto, deve-se destacar que o texto constitucional não é um parâmetro de incriminação em si, pois, na condição de estatuto político, a Constituição é um produto cultural cuja elaboração é precedida do anterior reconhecimento social de determinados 1 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 11.


A partir da recepção do modelo de crime como ofensa a bens jurídicos3, conceituados estes como “dados ou finalidades necessários para o livre desenvolvimento do individuo, para a realização de seus direitos fundamentais ou para o funcionamento de um sistema estatal baseado nessas finalidades”4, é correto dizer-se que a função do direito penal é a tutela subsidiária de alguns destes bens, isto é, “o direito penal é um instrumento qualificado de proteção de bens jurídicos especialmente importantes”5. Sua tarefa se encerra, portanto, na tutela destes últimos. Assim, pode-se considerar que “um bem jurídico criminalmente tutelável existe ali, e só ali, onde se encontre refletido num valor jurídico-constitucionalmente reconhecido em nome do sistema 2 FELDENS, Luciano. A constituição penal – A dupla face da proporcionalidade no controle de normas penais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 50. 3 Conforme referido por Fabio D’Avila, “a teoria de proteção aos bens jurídicos tem o seu primeiro desenvolvimento em um conhecido escrito de Birnbaum (1834), no qual o autor afirmava que o conteúdo do crime deveria ser buscado, não na violação de direitos subjetivos, mas na ofensa a valores assim reconhecidos pela sociedade, isto é, na ofensa a bens protegidos pela norma” (D’AVILA, Fabio Roberto. A ofensividade em direito penal. Escritos sobre a teoria do crime como ofensa a bens jurídicos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 64). 4 ROXIN, Claus. Sobre o recente debate em torno do bem jurídico. Trad. Luís Greco. In: GRECO, Luís; TÓRTIMA, Fernanda Lara (Org.). O bem jurídico como limitação do poder estatal de incriminar? Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 186. 5 SILVA-SÁNCHEZ, Jesús María. A expansão do direito penal. Aspectos de politica criminal nas sociedades pós- industriais. Trad. Luiz Otavio de Oliveira Rocha. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 27.

social total e que, deste modo, se pode afirmar que preexiste ao ordenamento jurídico-penal”6. A normatividade penal orienta-se pela normatividade constitucional, de onde se extraem tanto imposições como proibições de incriminação. Deste modo, a legitimidade das restrições às liberdades decorrente da criminalização pode ser pensada a partir de sua relação de harmonia com a ordem axiológico-jurídico constitucional, que atua como “um quadro obrigatório de referência e, ao mesmo tempo, critério regulativo da atividade punitiva”7. A estrutura e os fins do tipo penal acham, pois, seu embasamento no bem jurídico-penal, conceituado este como “todo o valor digno e necessitado de tutela penal”8. Para Schunemann, “a determinação do bem jurídico não é formulada apenas ao final do processo de interpretação, como etiqueta final, mas ela dirige a concretização da matéria de proibição [de modo que] se pode dizer que a ideia de bem jurídico é imanente e crítica”9. 6 FIGUEIREDO DIAS, Jorge de. Direito penal: parte geral. Questões fundamentais – A doutrina geral do crime. São Paulo: Revista dos Tribunais; Coimbra: Coimbra Editora, t. I, 2007. p. 120. 7 Especialmente em Figueiredo Dias, para quem “entre a ordem axiológica jurídico-constitucional e a ordem legal – jurídico-penal – dos bens jurídicos tem por força de verificar-se uma qualquer relação de mútua referência; relação que não será de ‘identidade’, ou mesmo só de ‘recíproca cobertura’, mas de analogia material, fundada numa especial ‘correspondência de sentido’ e – do ponto de vista de sua tutela – de fins” (FIGUEIREDO DIAS, Jorge de. Direito penal: parte geral. Questões fundamentais – A doutrina geral do crime. São Paulo: Revista dos Tribunais; Coimbra: Coimbra Editora, t. I, 2007. p. 120). 8 SPORLEDER DE SOUZA, Paulo Vinícius. O meio ambiente como sujeito passivo dos crimes ambientais. In: D’AVILA, Fabio Roberto; SPORLEDER DE SOUZA, Paulo Vinícius (Org.). Direito penal secundário. Estudos sobre crimes econômicos, ambientais, informáticos e outras questões. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 249. 9 SCHUNEMANN, Bernd. O princípio da proteção de bens jurídicos como ponto de fuga dos limites constitucionais e da interpretação dos tipos.

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valores ou interesses. Isto quer dizer que, “antes de serem bens ou valores recolhidos pelo Direito (bens jurídicos), eles se fazem constituídos como tais na consciência social, extraídos que são dos costumes vigentes em uma sociedade e, por consequência, de suas necessidades”2.

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Está-se, pois, frente a um juízo valorativo que resulta na escolha de bens jurídicos que sejam merecedores de proteção penal. A incriminação, por implicar restrição da liberdade, deve se dar em prol de valores dignos desse tipo de tutela. Para Fábio D’Avila, esse “modelo de crime como ofensa a bens jurídico-penais” atribui ao ilícito uma “posição privilegiada” na estrutura dogmática do crime, eis que portador, por excelência, do juízo de desvalor da infração enquanto elemento capaz de traduzir para além da intencionalidade normativa, também a própria função do direito penal, como propõe a noção de “ofensa a bens jurídicos”, a noção de “resultado jurídico” como a pedra angular do ilícito-típico.10

Essa concepção, por não ignorar o caráter de historicidade dos bens jurídicos penalmente relevantes (protegidos pela norma), tem na ofensa (dano ou perigo de dano) a esse bem o seu substrato material legitimador da intervenção penal. A verificação da ofensa, em todas as suas modalidades, atua como diretriz – orienta e delimita a produção legislativa penal.

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A ofensividade revela-se, pois, como uma “imposição constitucional de legitimidade”11 do ordenamento jurídico-penal. Tal

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Trad. Luís Greco. In: GRECO, Luís; TÓRTIMA, Fernanda Lara (Org.). O bem jurídico como limitação do poder estatal de incriminar? Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 27. 10 D’AVILA, Fabio Roberto. Ofensividade em direito penal. Escritos sobre a teoria do crime como ofensa a bens jurídicos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 50-51. 11 Idem, ibidem, p. 54. Em trabalho anterior, o autor já sustentava que, “fundado na inter-relação de regras e princípios, podemos, mediante a admissão de uma proposição de ordem e paz a cargo do Estado de Direito, reconhecer um princípio geral fundamental de tutela de bens jurídicos, densificador do princípio estruturante do Estado de Direito” (D’AVILA, Fabio Roberto. O modelo de crime como ofensa ao bem jurídico. Elementos para a legitimação do direito penal secundário. In: D’AVILA,

postura importa na aceitação de que o conteúdo do ilícito penal estabelece-se, como realidade, a partir do reconhecimento da ofensa (dano ou perigo de dano) a esses bens (valores ou interesses). E, assim, por ser a ofensividade “o resultado jurídico da relação entre a conduta típica e o objeto de tutela da norma”12, quando ausente ofensa a bem jurídico detentor de dignidade penal, não há crime por ausência de tipicidade material. Dito isso, deve a atividade legislativa13 observar que a incriminação é pautada pela função subsidiária da tutela penal (condição de ultima ratio ostentada pelo direito penal). Há de se perquirir acerca da existência de alternativa extrapenal idônea. A intervenção penal deve ser mínima, garantindo que “o direito penal continue a ser um arquipélago de pequenas ilhas no grande mar do penalmente indiferente”14. Apenas diante do fracasso de outras formas de controle social previstas nos demais ramos do Direito é que se recorre ao direito penal. Nesse contexto, coloca-se presente a necessidade de, além dos critérios legitimadores da incriminação, serem estabelecidos, para o intérprete da lei, parâmetros interpretativos, eis que não se mostra suficiente que o fato encontre correspondência narrativa na descrição na norma penal incriminadora (tipicidade formal). Nas hipóteses em que a conduta não seja materialmente típica

Fabio Roberto; SPORLEDER DE SOUZA, Paulo Vinícius. Direito penal secundário. Estudos sobre crimes econômicos, ambientais, informáticos e outras questões. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 86). 12 Idem, ibidem, p. 54. 13 No projeto de Reforma do Código Penal (parte geral), há, na proposta de redação da parte geral, o acolhimento do princípio da ofensividade, ao se estabelecer a necessidade de que a conduta incriminada represente “ofensa potencial ou efetiva”. Disponível em: <www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp>. Acesso em: 15 abr. 2013. 14 LOPES, Maurício Antonio Ribeiro. Princípios políticos no direito penal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 93.


Uma dessas possibilidades de reconhecimento da atipicidade, que tem como premissa a concepção material do tipo penal, é a aplicação do princípio da insignificância, expressão cunhada por Claus Roxin em 1964 como “princípio de validade geral para a determinação do injuto”15. Esse princípio, na qualidade de “instrumento de interpretação restritiva”16, tornou-se um balizador utilizado, tanto pela doutrina como pela jurisprudência17, para a aferição de condutas que, penalmente, não possuem significação. No entender de Mauricio Antonio Ribeiro Lopes, a imperfeição do trabalho legislativo não evita que sejam subsumíveis também casos que, em realidade, deveriam permanecer fora do âmbito de proibição estabelecido pelo tipo penal. Para corrigir essa discrepância entre o abstrato e o concreto e para dirimir a divergência entre o conceito formal e o conceito material de delito, utiliza-se o princípio da insignificância.18 15 ROXIN, Claus. Política criminal y sistema del derecho penal. Trad. Francisco Muñoz Conde. 2. ed. Buenos Aires: Hammurabi, 2002. p. 73. Nessa obra, o próprio autor faz referência à primeira vez em que ele mesmo teria utilizado este termo. 16 VICO MAÑAS, Carlos. O princípio da insignificância como excludente da tipicidade do direito penal. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 68-69. 17 Citam-se alguns julgados do Supremo Tribunal Federal: HC 114241, 2ª T., Rel. Min. Ricardo Lewandowski, J. 26.02.2013, DJe 13.03.2013; RHC 107264, 2ª T., Rel. Min. Celso de Mello, J. 19.04.2011, DJe 07.12.2011; HC 102.088, 1ª T., Relª Min. Cármen Lúcia, DJe 21.05.2010. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: 15 fev. 2013. Mencionam-se, também, julgados do Superior Tribunal de Justiça: HC 255.587/MG, 5ª T., Rel. Min. Campos Marques, J. 19.03.2013, DJe 22.03.2013; HC 120433/RS, 6ª T., Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura, J. 27.09.2011, DJe 13.10.2011. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 15 mar. 2013. 18 LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 117.

O princípio da insignificância é precedido, historicamente, pelo princípio da adequação social19, introduzido por Welzel, para “restringir o teor literal do tipo”20, excluindo do âmbito do direito penal os comportamentos socialmente aceitos. Para Assis Toledo, “o princípio da adequação social se desdobra para alcançar inúmeras situações nem sempre ajustadas a regras éticas”21, mas tidas como socialmente aceitáveis. De modo diverso ao princípio da insignificância, o da adequação social está alicerçado sobre o desvalor da ação e não do resultado. Assim, entende-se que o princípio da insignificância é a face inversa do princípio da ofensividade: se o resultado22 advindo de uma conduta que se amolda à descrição contida na norma incriminadora é ínfimo, isto é, não provoca, efetivamente, dano, tampouco expõe a perigo o bem jurídico tutelado pelo tipo, tal comportamento não interessa ao direito penal. O reconhecimento do princípio da insignificância decorre, portanto, da concepção utilitarista que se vislumbra modernamente nas estruturas típicas do direito penal, [pois] no exato momento em que a doutrina evoluiu de um conceito formal a outro material de crime, adjetivando de significado lesivo a conduta humana necessária a fazer incidir a 19 Segundo Mauricio Antonio Ribeiro Lopes, a adoção dessa teoria significa a adoção da seguinte premissa: “apesar de uma conduta se subsumir ao modelo legal, não será considerada típica se for socialmente adequada ou reconhecida, isto é, se estiver de acordo com a ordem social da vida historicamente condicionada” (Princípios políticos no direito penal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 95). 20 ROXIN, Claus. Política criminal y sistema del derecho penal. Trad. Francisco Muñoz Conde. 2. ed. Buenos Aires: Hammurabi, 2002. p. 73. 21 ASSIS TOLEDO, Francisco de. Princípios básicos de direito penal. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 132. 22 Nas circunstâncias em que não se faz possível a aferição do desvalor do resultado, pode ser levado em conta o desvalor da ação.

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(aptidão a ofender um bem jurídico), afasta-se a aplicação da norma penal.

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pena criminal pela ofensa concreta a um determinado bem jurídico, fez nascer a ideia de indispensabilidade do resultado concreto obtido ou que se pretenda alcançar.23

Ao se adotar uma teoria que faça uso do critério da utilidade para definir, racionalmente, as condutas que devem ser tidas como típicas ou atípicas, implica a compreensão da referência adotada, ou seja, do conceito de utilitarismo24. A filosofia social distingue duas formas de utilitarismo: o individualista, que recomenda maximizar a própria utilidade do agente, e o social, que busca a maximização da utilidade social ou total. Diferencia um ato utilitarista, hipótese em que se avalia cada ação por seu próprio mérito, de uma regra utilitarista, a qual exige que certas regras sejam seguidas, regramentos estes tão imprecisos quanto o conceito de utilidade25.

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Segundo a ética utilitarista, o princípio da maior felicidade estabelece que as ações praticadas devem ser capazes de trazer a máxima felicidade para o maior número possível de indivíduos (humanidade) – o objetivo principal da filosofia utilitarista. Se a maximização do prazer e a busca da felicidade são os fins últimos da ação humana, estes se constituem no padrão de

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23 LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 215. 24 Bobbio explica que o termo utilitarismo “não é um termo de significado unívoco e preciso. Usado inicialmente por Jeremias Bentham e por Stuart Mill para denotar o próprio sistema de ética normativa, e adotado para toda a concepção ético-política dos dois pensadores ingleses e dos seus discípulos, o termo, ao longo do tempo, assumiu uma notável variedade de significados e hoje é usado para designar toda uma série de doutrinas ou teorias, seja de natureza factual, seja de caráter normativo” (BOBBIO, Norberto; MATEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. 2. ed. Brasília: Editora de Universidade de Brasília, 1983). 25 BUNGE, Mario. Dicionário de filosofia. Trad. Guita Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, 2002. p. 398.

moralidade (regras e preceitos da conduta humana) a ser observada por toda a humanidade26. Para essa doutrina, o sacrifício é justificado pela quantidade de felicidade global produzida – a ação moralmente correta é aquela que produz um resultado favorável ao maior número de pessoas. De modo inverso, o agir será moralmente incorreto se os resultados não forem favoráveis para a maioria27. Para Comte-Sponville, trata-se de uma visão que “peca, talvez, por otimismo”28. Num contexto em que o princípio da insignificância está intrinsecamente relacionado ao exame da gradação (quantitativa e qualitativa) da relevância do injusto, excluída a tipicidade penal quando demonstrada a inutilidade e a injustiça da imposição de uma sanção, mostra-se relevante e adequado o estudo do pensamento de John Stuart Mill (1806-1873). Para esse filósofo inglês, a ideia de utilitarismo perpassa pela avaliação de uma regra, não a partir de sua essência, 26 Nas palavras de Stuart Mill, “the end of human action is necessarily also the standard of morality; which may accordingly be defined, the rules and precepts for human conduct” (STUART MILL, John. Utilitarianism. Great Books of the Western World. American State Papers. The Federalist, v. 43, Chicago. University of Chicago, 1952. p. 450). 27 Para Mill, “the creed which accepts as the foundation of morals, Utility, or the Greatest Happiness Principle, holds that the actions are right in proportion as they tend to promote happiness, wrong as they tend to produce the reverse of the happiness. By happiness is intended pleasure, and the absence of pain; by unhappiness, pain and the privation of pleasure” (STUART MILL, John. Utilitarianism. Great Books of the Western World American State Papers. The Federalist, v. 43. Chicago. University of Chicago, 1952. p. 448). 28 COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário de filosofia. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 613.


A utilidade é fundamento da moral, de modo que a correção das medidas demonstra-se pela sua aptidão em promover a maior felicidade. O prazer, para Stuart Mill, é “o único valor intrínseco e as outras coisas são valiosas seja pelo prazer que envolvem, seja pelo seu valor instrumental que leva ao prazer – evitação da dor”29. Logo, o valor da ação estará sempre nas vantagens que for capaz de trazer ou nas consequências da sua concretização. O utilitarismo, interpretado como um sistema, mostra-se também incompatível qualquer forma de egoísmo ético, porque a ética utilitarista não é mesquinha30, não permite a preferência à felicidade ou ao bem-estar individual. De acordo com Comte-Sponville, “o utilitarismo é menos uma moral particular do que uma filosofia particular de moral: os comportamentos, na prática, muitas vezes são os mesmos, mas pensados e justificados de maneira diferente”31. Retomando-se a relação entre o utilitarismo e o princípio da insignificância, tem-se que o agir voltado ao impedimento da deflagração da persecução penal, com o consequente julgamento de crimes que, na maioria dos casos, poderiam ser arquivados, em razão de não se reconhecer ofensa ao bem 29 BONJOUR, Laurence; BAKER, Ann. Filosofia – Textos fundamentais comentados. Porto Alegre: Artmed, 2010. p. 405. 30 Stuart Mill ressalta que esta é a condição para a aceitação do padrão utilitarista – “for that standard is not the agent’s own greatest happiness, but the greatest amount of happiness altogether” (STUART MILL, John. Ob. cit., p. 459). 31 COMTE-SPONVILLE, André. Ob. cit., p. 612.

jurídico ou de ela ser considerada ínfima, mostra-se válido por atender à felicidade coletiva. Em verdade, como vetor interpretativo (restritivo), “a adoção do princípio da insignificância auxilia na tarefa de reduzir ao máximo o campo de atuação do direito penal, reafirmando seu caráter fragmentário e subsidiário”32. Sob o viés constitucional, argumenta-se que essa limitação ao poder punitivo estatal está vinculada à observância do postulado da proporcionalidade (e de seus subprincípios: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido)33 como modulador da atuação estatal, vinculado à limitação desse agir. A extensão da ofensa dá os contornos da intervenção, de modo que “para as lesões desprovidas de conteúdo lesivo, haja a possibilidade de se afastar a incidência da pena”34. Busca-se, assim, o equilíbrio entre os meios empregados e os fins a serem alcançados. E é nessa perspectiva de aferição de possibilidade/impossibilidade da intervenção do Estado na esfera penal é que se insere o princípio da insignificância, cuja aplicação não prescinde de sua conjugação com os demais princípios que dão os contornos do sistema de proteção estatal.

32 ISOLDI FILHO Carlos Alberto da Silveira. Causas de exclusão da tipicidade. Belo Horizonte: Mandamentos, 2008. p. 80. 33 Segundo Ingo Sarlet, a adequação tem o sentido de controle da viabilidade (idoneidade técnica); a necessidade respeita à exigência de opção pelo meio menos restritivo, menos gravoso para o direito objeto de restrição, e a proporcionalidade em sentido estrito concerne à proporção dos meios utilizados e os fins colimados (SARLET, Ingo Wolfgang. Constituição e proporcionalidade: o direito penal e os direitos fundamentais entre a proibição de excesso e da insuficiência. Revista Brasileira de Ciências Criminais, a. 18, n. 82, p. 101, jan./fev. 2010). 34 LOPES, Maurício Antonio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 80.

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mas de suas consequências para a coletividade (felicidade geral). Isto significa dizer que a observância de uma norma justifica-se pela quantidade e qualidade de felicidade que ela produz.

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2 O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA COMO CRITÉRIO DE AFASTAMENTO DA TIPICIDADE DOS DELITOS CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA O princípio da insignificância ou bagatela, por se tratar de um postulado, tem seu conteúdo construído pelo intérprete, ainda que este não seja o único capaz de fazê-lo. Maurício Antônio Ribeiro Lopes salienta que o princípio da insignificância, assim, vem à luz em decorrência de uma especial maneira de se exigir a composição do tipo penal, a ser preenchido, doravante, não apenas por aspectos formais, mas também, e essencialmente, por elementos objetivos que levem à percepção da utilidade e da justiça de imposição de pena criminal ao agente.35

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Estabelecida a premissa de que “o direito penal não se deve ocupar de bagatelas”36 e de que a insignificância é verificada quando ausente ofensa, ainda que de forma limitada, passa-se a examinar o critério utilizado para a aferição da insignificância e o consequente afastamento da tipicidade nos crimes contra a ordem tributária, especificamente em relação aos delitos do art. 1º da Lei nº 8.137/1990.

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Com relação a esse tipo de delito, pertencentes ao denominado direito penal secundário, Figueiredo Dias assinala que “só a partir da consideração do comportamento proibido é possível identificar e recortar, em definitivo, o bem jurídico [que ]é normalmente um posterius em relação à conformação legal positiva da incriminação”37. 35 LOPES, Maurício Antonio Ribeiro. Ob. cit., 2000. p. 34. 36 ASSIS TOLEDO, Francisco de. Princípios básicos de direito penal. São Paulo: Saraiva, p. 133. 37 FIGUEIREDO DIAS, Jorge de; ANDRADE, Manuel da Costa. O crime de fraude fiscal no novo direito penal tributário português. Revista Brasileira de Ciências Criminais, a. 4, n. 13, p. 60, jan./mar. 1996.

De início, cumpre referir que os delitos contra a ordem tributária, previstos na Lei nº 8.137/1990, remontam ao crime de sonegação fiscal, que encontrava sua definição na Lei nº 4.729, de 14.07.1965. Com a promulgação da Lei nº 8.137, de 27.12.1990, aqueles comportamentos considerados crimes de sonegação fiscal passaram a receber a denominação de crimes contra a ordem tributária. Observe-se a redação do tipo penal do art. 1º da Lei nº 8.137/1990: Art. 1º Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: I – omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias; II – fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal; III – falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável; IV – elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato; V – negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação. Pena – reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. [...]38

Esse modelo de incriminação segue a linha adotada, por exemplo, pela legislação alemã, que, em seu Código Fiscal de 1977 38 Disponível em: <www.planalto.gov.br/legislação/codigos>. Acesso em: 1º fev. 2013. Além do tipo suprarreferido, mencionam-se os crimes inclusos no Código Penal brasileiro – apropriação indébita previdenciária (art. 168-A do CP) e sonegação de contribuição previdenciária (art. 337-A do CP).


A falta de consenso acerca da definição do bem jurídico tutelado pelos delitos em questão reflete-se nas diversas concepções doutrinárias a esse respeito – algumas de cunho patrimonialista (tutela do patrimônio público) e outras que sustentam ter o bem jurídico um caráter mais funcional. Há quem defenda que aos processos de arrecadação de ingressos e de distribuição/redistribuição dos recursos resultantes desses ingressos não cabe conferir uma acepção meramente ou predominantemente patrimonial, uma vez que o interesse público no regular recebimento envolve, além do Erário, o próprio funcionamento da máquina estatal no seu mister de promover os direitos fundamentais (individuais e sociais). Sávio Guimarães Rodrigues defende que, nos crimes tributários, o bem jurídico protegido pela norma, cuja ofensa, potencial ou efetiva, deve ser aferida pelo intérprete, é a estabilidade do Sistema Tributário Nacional. Esclarece que

Nesse contexto de tutela subsidiária de bens jurídicos, o autor acima referido adverte que, para o intérprete, “torna-se necessário esclarecer o bem jurídico efetivamente tutelado nos crimes contra a ordem tributária, não com base nas leis vigentes, mas com base na apreciação constitucional de uma realidade social anterior, externa ao ordenamento”41. Nessa mesma linha, Anabela Miranda Rodrigues assinala que a satisfação de prestações mínimas ao indivíduo em sociedade deve ser garantida pelo “mesmo nível que a proteção dos seus direitos individuais, quando se estiver a tratar de dano ou perigo de dano aos interesses e valores ali contidos”42. Segundo esse posicionamento, o correto processo de arrecadação reverte em benefícios para toda a sociedade, uma vez que a correta distribuição dos ônus sociais não prescinde da estabilização do sistema arrecadatório. Não se trata, portanto, da proteção dos interesses arrecadatórios do Estado, tampouco do patrimônio público isoladamente considerado.

o bem jurídico em questão, a ordem tributária nacional (ou estabilidade do sistema), deve ser entendido em dupla vertente: por lado, um bem mediato, imaterial e abstrato, entendido como as funções econômicas e sociais dos tributos (o sistema em si), e, por outro, um bem mediato, representativo daquele primeiro, concretizado no correto processo de arrecadação tributária (a estabilidade do sistema).40

No entanto, como oportunamente salientado por Jorge de Figueiredo Dias e Manuel da Costa Andrade, em relação a esse modelo de incriminação adotado pelo legislador na descrição do art. 1º da Lei nº 8.137/1990 (crime de dano), “a representação do bem jurídico há de emprestar à incriminação fiscal uma estrutura substancialmente idêntica à dos crimes contra o patrimônio em geral”43. Essa concepção parece ter sido a adotada pela jurisprudência brasileira, em que a insignificância da conduta, cuja mensuração dá-se pelo “grau de intensidade da ofensa ao

39 FIGUEIREDO DIAS, Jorge de; ANDRADE, Manuel da Costa. Ob. cit., p. 61. 40 RODRIGUES, Savio Guimarães. O bem jurídico-penal tributário e legitimidade constitucional do sistema punitivo em matéria fiscal. In: SOUZA, Artur de Brito Gueiros (Org.). Inovações no direito penal. Brasília: ESMPU, 2011. p. 352.

41 Idem, ibidem, p. 346. 42 RODRIGUES, Anabela Miranda. Contributo para da fundamentação de um discurso punitivo em matéria fiscal. In: PODVAL, Roberto (Org.). Temas de direito penal econômico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 182. 43 FIGUEIREDO DIAS, Jorge de; ANDRADE, Manuel da Costa. Ob. cit., p. 62.

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(§ 370 do Abgabenordung), previu, como fraude fiscal (Steuerhinterziehung), as condutas de prestar informações falsas ou de omitir informações a autoridades fazendárias visando à redução de impostos ou à obtenção de benefício fiscal indevido39.

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bem jurídico protegido”44, em relação à norma do art. 1º da Lei nº 8.137/1990, restringe-se ao montante do tributo sonegado – o critério de apuração da existência dessa ofensa. Essa orientação jurisprudencial possui uma perspectiva patrimonial, haja vista o vetor utilizado para a identificação de situações que, não obstante sejam formalmente típicas, devam ter sua tipicidade material afastada em decorrência da aplicação do princípio da insignificância penal. Estabeleceu-se, desse modo, uma espécie de “tarifação” baseada numa relação custo-benefício. Sopesam-se os custos da cobrança do débito (via execução fiscal) e a quantia devida ao Erário, e, a partir de então, estabelecem-se as hipóteses em que há relevante ofensa ao bem jurídico penalmente tutelado. O valor consolidado do débito fiscal é o parâmetro adotado para a aferição do interesse na persecução penal, porquanto se entende como “inadmissível que uma conduta seja irrelevante no âmbito administrativo e não o seja para o direito penal, em observância ao princípio da subsidiariedade”45.

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Até o início do ano de 2012, o parâmetro financeiro eram R$ 10.000,00 (dez mil reais), nos termos do art. 20 da Lei nº 10.522/2002 (na redação dada pela Lei nº 11.033, de 2004),

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44 ROXIN, Claus. Política criminal y sistema del derecho penal. Barcelona: Bosch, 1972. p. 168. 45 STJ, Ag-HC 109.494, Rel. Min. Jane Silva, DE 28.10.2008. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 10 fev. 2013. A referida decisão seguiu a mudança de orientação do Supremo Tribunal Federal, que, por ocasião do julgamento do HC 95749, em 23.09.2008 (2ª T., Rel. Min. Eros Grau, DJe 07.11.2008), já havia se manifestado no sentido de que “o arquivamento das execuções fiscais cujo valor seja igual ou inferior ao previsto no art. 20 da Lei nº 10.522/2002 é dever-poder do Procurador da Fazenda Nacional, independentemente de qualquer juízo de conveniência e oportunidade., sendo inadmissível que a conduta seja irrelevante para a Administração Fazendária e não para o direito penal” (Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: 10 fev. 2013).

norma que dispõe sobre o cadastro informativo dos créditos não quitados de órgãos e entidades federais. Veja-se: Art. 20. Serão arquivados, sem baixa na distribuição, mediante requerimento do Procurador da Fazenda Nacional, os autos das execuções fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, ou por ela cobrados, de valor consolidado, igual ou inferior, a R$ 10.000,00 (dez mil reais). [...].46

Em 22.03.2012, com a edição da Portaria nº 75 do Ministério da Fazenda (DOU 26.03.2012), modificou-se o valor do tributo a ser considerado como critério de reconhecimento da insignificância. A referida norma infralegal, atualmente com a redação parcialmente modificada pela Portaria MF nº 130, de 19.04.201247, determinou, em seu art. 2º, “o não ajuizamento de execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, cujo valor consolidado seja igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais)”, limite mínimo que foi acolhido pela jurisprudência48. Apreciando-se essa postura jurisprudencial, sob a perspectiva utilitarista, conclui-se que a irrelevância da consequência efetiva da conduta – aferida com base no valor do tributo sonegado – não justifica que toda a “máquina estatal”, sustentada pela 46 Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 1º mar. 2013. 47 Disponível em: <www.receita.fazenda.gov.br/Legislacao/Portarias/2012/ MinisteriodaFazenda/portmf075.htm>. Acesso em: 15 abr. 2013. 48 Nesse sentido, decidiu a Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da Quarta Região que, “na linha da orientação jurisprudencial, aplica-se o princípio da insignificância jurídica, como excludente de tipicidade, aos crimes em que há elisão tributária não excedente ao patamar considerado irrelevante pela Administração Pública para efeito de processamento de execuções fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União, atualmente no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), conforme Portaria nº 75/2012 do Ministério da Fazenda” (TRF 4ª R., Recurso Criminal em Sentido Estrito nº 500522663.2012.404.7005/PR, 8ª T., Rel. Des. Fed. Victor Laus, DE 03.02.2012. Disponível em: http:www.trf4.gov.br. Acesso em: 10 fev. 2013).


Transpondo-se essa análise para o pensamento do utilitarismo hedonista de Stuart Mill, conclui-se que a deflagração da persecução penal seria justificada na medida em que “produzisse o maior excedente possível de prazer sobre a dor, isto é, de maximizar a felicidade, entendida exatamente em termos de prazer e ausência de dor”49. No caso dos delitos de sonegação fiscal, quando os custos da realização da cobrança de um crédito (despesas suportadas por toda a sociedade) são maiores do que os benefícios trazidos (retomada aos cofres públicos do valor sonegado, nas hipóteses em que este valor é considerado de pouca monta ou até ínfimo conforme critério já referido acima), sem maiores aprofundamentos, entende-se que não há a “maximização” da utilidade, de modo que resta injustificada eventual atuação estatal. Em verdade, do exame do teor dos julgados, percebe-se que a jurisprudência brasileira não se aprofunda no necessário debate acerca da ofensa ao bem jurídico protegido. A discussão está, portanto, reduzida à representação patrimonial do dano ocasionado pela conduta delituosa daquele que suprime ou reduz tributo.

3 A RESISTÊNCIA AO RECONHECIMENTO DA INSIGNIFICÂNCIA EM RELAÇÃO AOS DELITOS DE ESTELIONATO EM DETRIMENTO DE ENTIDADE PÚBLICA Não obstante esteja consolidada, pela jurisprudência, a adoção do critério financeiro e extrapenal (limite mínimo para a cobrança 49 BOBBIO, Norberto; MATEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Ob. cit., p. 1277.

de débitos inscritos em dívida ativa) para o reconhecimento da insignificância nos delitos de sonegação fiscal, curiosamente tal entendimento não se estende ao delito de estelionato (também crime de dano), cometido em detrimento de entidade pública (art. 171, caput e § 3º do Código Penal), como, por exemplo, contra a Fazenda Nacional, mesmo diante da pouca relevância financeira do resultado provocado pelo agir delituoso. No estelionato, a ação incriminada assemelha-se, em parte, à que configura o crime contra a ordem tributária previsto no art. 1º da Lei nº 8.137/1990, porquanto exige-se a utilização, por parte do agente de artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento; o induzimento ou manutenção da vítima em erro; a obtenção de vantagem patrimonial ilícita pelo agente, e o prejuízo alheio50. Eis o teor da norma incriminadora: Art. 171. Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento: [...] Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa. [...] § 3º A pena aumenta-se de um terço, se o crime é cometido em detrimento de entidade de direito público ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência.51

A similitude do desvalor da ação e o do resultado, em ambos os delitos, pode ser verificada a partir do seguinte exemplo: o cometimento do estelionato praticado em prejuízo da Fazenda Nacional, em que o agente faz uso de meio fraudulento para induzir em erro o Erário, obtendo vantagem ilícita. Tem-se, como 50 BITENCOURT, Cezar Roberto. Código penal comentado. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 666. 51 Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 1º dez. 2012.

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coletividade, seja movimentada para a cobrança de pequenas quantias.

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exemplo, a situação na qual o sujeito mantém o Fisco em erro, mediante a inserção de elementos inidôneos (dados ideologicamente falsos) apostos na declaração de ajuste anual, com o fim de obter restituição indevida de imposto de renda, em prejuízo da Fazenda Nacional.

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Em casos tais, a jurisprudência tem entendido que não se faz possível o acolhimento do princípio da insignificância para justificar a não intervenção penal, ainda que em virtude do reduzido valor obtido. Esse rechaço funda-se no seguinte argumento: dentro da realidade normativa, não é cabível, no que tange ao estelionato praticado em detrimento do Fisco, a aferição intensidade da ofensa ao bem jurídico considerando-se, isoladamente, o quantum auferido pelo sujeito ativo do delito52. Observe-se julgado do Supremo Tribunal Federal:

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Habeas corpus. Penal. Estelionato praticado contra a Previdência Social. Art. 171, § 3º, do Código Penal. Princípio da insignificância. Inaplicabilidade. Elevado grau de reprovabilidade da conduta praticada, o que não legitima a aplicabilidade do postulado. Ordem denegada. 1. A aplicação do princípio da insignificância, de modo a tornar a conduta atípica, carece, entre outros fatores, além da pequena expressão econômica do bem objeto de subtração, de um reduzido grau de reprovabilidade da conduta do agente. 2. Ainda que se admitisse como norte para aferição do relevo material da conduta praticada pelo paciente a tese de que a própria Fazenda Pública não promove a execução fiscal para débitos inferiores a R$ 10.000 (dez mil reais) – Lei nº 10.522/2002 –, remanesceria, na espécie, o alto grau de reprovabilidade da conduta praticada. Esse fato, por si só, não legitimaria a aplicabilidade do postulado da insignificância. [...] 5. Segundo a jurisprudência da Corte, “o princípio da insignificância, cujo escopo é flexibilizar a interpretação da lei em casos excepcionais, para que se alcance o verdadeiro senso de justiça, não pode ser aplicado para abrigar conduta cuja lesividade transcende 52 Mencionam-se, a título exemplificativo, os seguintes julgados: TRF 5ª R., ACR 200681000096153, 1ª T., Rel. Des. Fed. José Maria Lucena, DJE 22.10.2010, e TRF 4ª R., ACR 2005.71.08.005623-6, 7ª T., Rel. Des. Fed. Néfi Cordeiro, DE 10.06.2010. Disponíveis em: <www.cjf.jus.br/juris/unificada>. Acesso em: 14 out. 2012.

o âmbito individual e abala a esfera coletiva” (HC 107.041/SC, 1ª T., de minha relatoria, DJe 07.10.2011). 6. Ordem denegada. (HC 111918, 1ª T., Rel. Min. Dias Toffoli, DJe 22.06.2012)53

Refletindo-se acerca de tal justificativa, torna-se difícil não reconhecer, de plano, a incoerência desse fundamento, porquanto, mesmo diante de condutas típicas símeis – tanto no estelionato contra entidades públicas como nos crimes tributários, o Erário deixa de dispor de valores que lhe são devidos por força de leis (obrigação tributária é ex lege) –, há uma verdadeira resistência, a nosso ver injustificada, à exclusão da tipicidade material do estelionato contra entidades públicas com base no mesmo parâmetro financeiro utilizado em relação aos delitos contra a ordem tributária. Segundo o entendimento acima referido, o princípio da insignificância não pode ser aplicado, porquanto o bem jurídico, pela norma do art. 171, caput e § 3º do Código Penal, é a “inviolabilidade do patrimônio, particularmente em relação aos atentados que podem ser praticados mediante fraude, interesse social [que é] representado pela confiança recíproca que deve presidir os relacionamentos patrimoniais”54. Ao que parece, não se pretende reduzir o exame do bem jurídico-penal protegido a um bem de natureza eminentemente patrimonial55. No entanto, a inconsistência dessa tese desvela-se pelo fato de que, como já pontuado anteriormente, a aferição da ofensa ao o bem jurídico-penal protegido nos crimes contra a ordem 53 Disponível em: <www.cjf.jus.br/juris/unificada>. Acesso em: 14 dez. 2012. 54 BITENCOURT, Cezar Roberto. Código penal comentado. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 667. 55 TRF 4ª R., HC 0008482-36.2010.404.0000, 8ª T., Rel. Luiz Fernando Wowk Penteado, DE 16.04.2010. No mesmo sentido: TRF 4ª R., ACR 2006.71.10.005646-0/RS, 8ª T., Rel. Des. Fed. Paulo Afonso Brum Vaz, DE 25.09.2008. Disponíveis em: <www.cjf.jus.br/juris/unificada>. Acesso em: 14 dez. 2012.


Dessa maneira, a não adoção do já referido standard “utilitarista” para aferição da insignificância, tal como adotado nos crimes da Lei nº 8.137/1990, expõe, a nosso ver, uma incoerência sistêmica por parte do intérprete, pois não existe diferença entre as espécies de delito referidas quando se trata do exame do desvalor da ação e o do resultado para fins de aferição de ofensa a bem jurídico-penal. A justificação utilitarista perde força quando, pois, a deflagração da persecução estatal, no caso do estelionato contra entidades públicas, quando considerados valores inferiores ao limite de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), não é útil pela mesma razão que não é útil nos delitos tributários, isto, é, pelo elevado custo acarretado pela forma de recomposição do Erário, qual seja, a realização de procedimentos de cobrança administrativa. Até mesmo pragmaticamente, a ação do mesmo critério financeiro estaria justificada, pois, em ambos os casos, privilegiar-se-ia o êxito da ação, o efeito prático “identificando-se a concepção de um objeto à de seus efeitos possíveis”56. Está-se diante do que popularmente se conhece como “a utilização de dois pesos e duas medidas”. 56 COMTE-SPONVILLE, André. Ob. cit., p. 466.

Como se pode verificar, mesmo sob o viés do utilitarismo altruísta (e “otimista”) de Stuart Mill, segundo o qual a justeza e a moralidade de uma ação “devem depender, exclusivamente, das consequências que ela conduz ou para o sujeito agente ou para o grupo”57, não se sustenta, racionalmente, a mantença desse tratamento desigual dispensado pelo intérprete em relação ao reconhecimento da insignificância entre os delitos contra a ordem tributária e o estelionato em detrimento do Estado. Ademais, cumpre destacar que já se reconhece que a existência da figura do estelionato privilegiado, para valores correspondentes a um salário-mínimo, não tem o condão de satisfazer as exigências da proporcionalidade, de modo a justificar o não reconhecimento da insignificância penal. Mas essa mudança de concepção jurisprudencial é tímida, pois limita a incidência do princípio da insignificância tão somente nos casos em que o estelionato é praticado contra particulares58. De posse dessas referências, constata-se que, a despeito do inadiável debate acerca da necessidade de intervenção penal em relação às condutas que impliquem supressão ou redução de tributos, enquanto há incriminação dessas condutas, devem-se discutir as hipóteses de reconhecimento da insignificância penal. Nos delitos contra a ordem tributária, previstos no art. 1º da Lei nº 8.137/1990, remete-se o critério de afastamento da tipicidade material à doutrina utilitarista e ao pragmatismo59, de modo que o acolhimento do princípio da insignificância visa a 57 BOBBIO, Norberto; MATEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. 2. ed. Brasília: Editora de Universidade de Brasília, 1983. p. 1276. 58 STF, HC 100937, 2ª T., Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe 01.02.2011. Disponível em: <http://cjf.jus.br/juris/unificada>. Acesso em: 14 out. 2012. 59 Para o pragmatismo, a práxis (ação) “é a fonte, o conteúdo, a medida e a meta de todo o conhecimento e valor”; “o teste de toda e qualquer coisa é a utilidade” (BUNGE, Mario. Ob. cit., p. 292).

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tributária possui uma ótica patrimonial. Em que pesem os conceitos de “ordem tributária”, “patrimônio público” e “prejuízo aos cofres públicos” não sejam equivalentes, permite-se, nos crimes tributários, a aferição da insignificância por meio do uso de um critério financeiro (valor do tributo sonegado). De modo diverso, ao tratar do estelionato contra a Fazenda Nacional, delito de caráter patrimonial que pune o dano causado ao Estado, a perspectiva hermenêutica é modificada, não se examinam as mesmas categorias analisadas no delito de sonegação fiscal (valor do prejuízo, dano, custo aos cofres públicos para a obtenção da quantia devida...)

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corrigir certas “distorções” entre a conduta delituosa e a sanção legalmente prevista, depurando-se, por assim dizer, o rigor do sistema punitivo e, como isso, alça-se a máxima felicidade (o bem-estar coletivo). Ainda que não se defenda a adoção dessa concepção utilitarista, nos termos em que posta pela jurisprudência brasileira, o que não se pode fazer é negar a possibilidade desse tipo de justificação para o reconhecimento da insignificância em relação a outros, além dos crimes de sonegação fiscal, cuja conduta ofensiva seja semelhante àquele, pois essa contradição interpretativa aqui demonstrada desvela a intolerável fragilidade teórica dos posicionamentos jurisprudenciais ou até mesmo a ausência de qualquer base teórica por parte do intérprete, o que leva à adoção de princípios metodológicos e hermenêuticos ad hoc.

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Doutrina

A Ilegalidade e a Inconstitucionalidade do Aumento dos Impostos sobre Produtos Industrializados para Veículos Automotores Importados pela Medida Provisória nº 540/2011 e pelo Decreto nº 7.567/2011 RAPHAEL ULIAN AVELAR

Advogado, cursando Master of Laws (LL.M.) em Direito Tributário pelo Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), Bacharel em Direito pela Universidade Paulista.

RESUMO: Diante do aumento das alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados pela Medida Provisória nº 540/2011 e pelo Decreto nº 7.567/2011, observou-se uma discriminação entre veículos produzidos no Brasil e veículos importados, aumentando a alíquota deste imposto para todos os veículos automotores e concedendo benefício fiscal de redução de alíquota para veículos fabricados no país, para aqueles produzidos em países com quem o Brasil mantém acordo internacional focado para este

setor, bem como aquelas empresas que firmarem acordo com o Poder Executivo Federal para investimentos em fábricas no Brasil, em desrespeito a outros tratados internacionais firmados, em especial ao Acordo Geral de Tarifas e Comércio (“GATT”). Observar-se-ão, nos presentes estudos, a ilegalidade e a inconstitucionalidade da referida medida, trazida pela medida provisória em questão e seu decreto regulamentador, objeto dos presentes estudos, tendo em vista a edição, pela Presidência da República, de normativos em desrespeito às regras de direito do comércio internacional e direito tributário insculpidos no Código Tributário Nacional e na Constituição Federal. ABSTRACT: Considering the Industrialized Products Tax rates increased by the Provisional Measure nº 540/2011 and by Decree nº 7.567/2011, was verified a discrimination between the vehicles produced in Brazil and the imported vehicles, increasing this tax rate to all the automotive vehicles and granting a tax benefit, reducing the tax rate to the vehicles manufactures in the country, the manufactured in countries which Brazil maintain international agreement focused to this sector, as well as the companies which grants agreement with the Federal Executive Power for investments in factories in Brazil, disrespecting other international treaties firmed, in special, the General Agreement of Tariffs and Trades (“GATT”). Will be observed, in this studies, the illegality and the unconstitutionality of this measure, considering the edition, by the Republic Presidency, of these normatives disrespecting the rules of foreign trade commerce law and tax law inscribed in the Nacional Tax Code and the Federal Constitution. PALAVRAS-CHAVE: Incidência; tributária; IPI; veículos; importados; decreto; 7.567; 7.567/2011; imposto; produtos; industrializados; GATT; benefício; fiscal. SUMÁRIO: Introdução; 1 O Decreto nº 7.567/2011 e o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (“GATT”); 2 O Decreto nº 7.567/2011 e o Tratado de Assunção Instituidor do MERCOSUL; 3 O Decreto nº 7.567/2011 e o princípio do não confisco. CONCLUSÕES: Pode-se concluir que a Medida Provisória nº 540/2011, bem como o seu Decreto regulamentador de nº 7.567/2011 são totalmente


Ademais, verifica-se também a inconstitucionalidade por infração ao art. 153, IV, § 3º, I e art. 170, IV, da Constituição Federal, por violarem o princípio da essencialidade e seletividade do IPI, não obstante o princípio da livre concorrência, respectivamente.

INTRODUÇÃO Tendo em vista a enxurrada de veículos automotores importados no mercado brasileiro durante o grande crescimento econômico, em especial pelos veículos chineses, carros e motocicletas, uma preocupação ímpar passou a tomar conta do Governo Federal. Essa preocupação dá-se porque não somente havia a importação desses veículos da China, diversas vezes abaixo do valor de custo fixo dos veículos produzidos no Brasil, em virtude da manipulação do câmbio do Yuan pelo governo chinês em relação ao Dólar americano, mas também porque já estava sendo buscado o planejamento tributário de produção destes veículos em outros países do Mercado Comum do Sul (“Mercosul”), evitando-se, assim, o altíssimo custo Brasil, mão de obra mais barata e tributos reduzidos, em especial relacionado à importação de componentes chineses para montagem dos veículos nestes países. Ou seja, por vezes, era importado o que conhecemos por completely knock-down (“CKD”) ou o semi-knock-down (“SKD”), apenas montado nestes países para futura importação pela subsidiária brasileira. Desta forma, o Governo Federal editou o Decreto nº 7.567/2011, elevando a alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados (“IPI”) para todos os veículos automotores descritos no anexo

da norma em epígrafe e, por conseguinte, concedendo um benefício fiscal de redução de alíquota, de forma que as alíquotas dos veículos produzidos no Brasil ou produzidos nos países em que o Brasil possui acordo automotivo (lê-se Argentina e México) permanecessem as mesmas que anteriores à edição do decreto em questão. O que muito foi questionado pelo mercado foi o porquê a Presidência da República não manipulou o Imposto de Importação, o que geralmente é realizado para defender o mercado nacional contra produtos importados e, não obstante, aceito pela comunidade internacional. Ademais, se já ocorreu outras hipóteses em que o Brasil sofreu represálias da Organização Mundial do Comércio (“OMC”), pelo mesmo ato, questionou-se o motivo de o país socorrer-se do mesmo infrutífero caminho para proteger o mercado. Desta maneira, muitas foram as arguições por juristas de todo o país, em especial pelo decreto não ter observado o disposto no art. 150, III, c, da Constituição Federal (“CF”), qual seja, o princípio da anterioridade nonagesimal, também conhecido por “noventena”, após reconhecido o direito do contribuinte pelo Supremo Tribunal Federal na hipótese do julgamento liminar da Ação Direta de Inconstitucionalidade (“ADIn”) nº 4661, perpetrada pelo partido Democratas (“DEM”). Assim sendo, verifiquemos as razões da inconstitucionalidade presente do referido normativo.

1 O DECRETO Nº 7.567/2011 E O ACORDO GERAL DE TARIFAS E COMÉRCIO (“GATT”) Observemos o que dispõe o art. 10 do decreto: Art. 10. Ficam alteradas para os percentuais indicados no Anexo V, até 31 de dezembro de 2012, as alíquotas do IPI, conforme a TIPI.

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ilegais, por violar o art. 98 do CTN, aplicando uma simples norma de IPI como mais especial no conflito aparente de normas em desfavor de tratado internacional, disciplinando especialmente sobre a tributação e diferenciação no comércio internacional de mercadorias e serviços, quais sejam, o GATT e o Mercosul.

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Anteriormente ao entendimento do egrégio STF, havia apenas as novas alíquotas trazidas pelo Poder Executivo. Todavia, após posicionamento do MM. Tribunal, o Poder Executivo editou o Decreto nº 7.604/2011, trazendo as antigas alíquotas à tona, com validade até 15 de dezembro de 2011 e, de 16 de dezembro de 2011 a 31 de dezembro de 2012, as alíquotas anteriormente majoradas, nos mesmos termos, para dar validade ao princípio da anterioridade nonagesimal. A título exemplificativo, transcrevem-se abaixo algumas alíquotas alteradas pelo decreto em questão:

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NCM/SH 8703.21.00 8703.22.10 8703.23.10 8703.24.10 8704.21.10

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Alíquota Anterior 7% 13% 25% 25% 0%

Nova Alíquota 37% 30% 55% 55% 30%

a) fabricação de veículos referidos no Anexo I com, no mínimo, sessenta e cinco por cento de conteúdo regional médio para cada empresa, de acordo com definição apresentada no Anexo II; b) realização de investimentos em atividades de inovação, de pesquisa e de desenvolvimento tecnológico de produto e processo no País, correspondentes a pelo menos meio por cento da receita bruta total de venda de bens e serviços, excluídos os impostos e contribuições incidentes sobre a venda a serem comprovados até a data referida no caput; e c) realização de pelo menos seis das seguintes atividades, no País, pela empresa beneficiária, por empresa por ela contratada para esse objetivo específico ou, ainda, por fornecedora da empresa beneficiária, em pelo menos oitenta por cento de sua produção de veículos referidos no Anexo I: 1. montagem, revisão final e ensaios compatíveis; 2. estampagem; 3. soldagem; 4. tratamento anticorrosivo e pintura;

Observou-se, então, a sensível elevação da carga tributária para os veículos.

5. injeção de plástico;

Noutro giro, o decreto em questão especifica:

7. fabricação de transmissões;

Art. 2º As empresas fabricantes, no País, de produtos relacionados no Anexo I, conforme a Tabela de Incidência do IPI – TIPI, aprovada pelo Decreto nº 6.006, de 28 de dezembro de 2006, poderão usufruir, até 31 dezembro de 2012, de redução de alíquotas do IPI, nos termos deste Decreto. § 1º A redução de que trata o caput: I – não se aplica aos produtos de que tratam as Notas Complementares NC (87-1), NC (87-3) e NC (87-4) da TIPI; II – abrangerá todos os produtos relacionados no Anexo I fabricados no País pelas empresas provisória ou definitivamente habilitadas nos termos do Capítulo II; e III – estará condicionada ao atendimento dos seguintes requisitos:

6. fabricação de motores;

8. montagem de sistemas de direção, de suspensão, elétrico e de freio, de eixos, de motor, de caixa de câmbio e de transmissão; 9. montagem de chassis e de carrocerias; 10. montagem final de cabines ou de carrocerias, com instalação de itens, inclusive acústicos e térmicos, de forração e de acabamento; e 11. produção de carrocerias preponderantemente através de peças avulsas estampadas ou formatadas regionalmente. § 2º A redução de alíquotas do IPI será definida em pontos percentuais, de acordo com o disposto nos Anexos III e IV. § 3º A verificação do atendimento do requisito de que trata a alínea a do inciso III do § 1º será realizada no segundo mês do trimestre-calendário, em relação ao trimestre-calendário anterior.


§ 5º Poderão ser consideradas, para fins do disposto na alínea b do inciso III do § 1º, e no § 6º, as despesas em inovação realizadas em conformidade com a Lei nº 11.196, de 21 de novembro de 2005, com a Lei nº 9.440, de 14 março de 1997, e com a Lei nº 9.826, de 23 de agosto de 1999. § 6º Para os fins do disposto na alínea b do inciso III do § 1º, o cômputo das despesas com as atividades de inovação, pesquisa e desenvolvimento tecnológico será realizado de acordo com o estabelecido em ato do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. § 7º Até 30 de junho de 2012, as empresas habilitadas que comercializem produtos originários de industrialização sob encomenda a outra empresa habilitada poderão utilizar, para fins de cumprimento do disposto na alínea a do inciso III do § 1º, o percentual de conteúdo regional da empresa contratada, incluindo os veículos produzidos sob encomenda. § 8º No caso de montagem de carroçaria ou de carroçaria e cabina sobre chassis, de que resulte produto classificado nos códigos 8704.2, 8704.3 ou 8704.90.00 da TIPI, a redução de que trata o caput poderá ser usufruída pela empresa que execute a operação, independentemente de habilitação e de atendimento aos requisitos de que trata o inciso III do § 1º, desde que a empresa fabricante do chassis tenha, quanto a este produto, usufruído da redução do IPI nos termos deste decreto.

Para o presente momento, chamo a atenção do disposto no § 1º do art. 2º acima, determinando a obrigação da produção regional no montante de 65% (sessenta e cinco por cento), a realização de investimentos de acordo com o disposto no inciso III, b, do referido parágrafo, bem como a realização de seis das atividades descritas no inciso III, c, deste normativo. Pois bem. É conhecido que o Brasil é signatário do Acordo Geral de Tarifas Aduaneiras e Comércio (“GATT”), internado neste país

pelo Decreto nº 313/1948. Desta forma, o art. 3º deste acordo internacional disciplina: Artigo III Tratamento Nacional em Matéria de Impostos e de Regulamentação Internos 1. Os produtos de qualquer parte contratante importados no território de outra parte contratante serão isentos da parte dos tributos e outras imposições internas de qualquer natureza que excedam aos aplicados, direta ou indiretamente, a produtos similares de origem nacional. Além disto, nos casos em que não houver no território importador produção substancial de produto similar de origem nacional, nenhuma parte contratante aplicará tributos internos novos ou mais elevados sôbre os produtos de outras partes contratantes com o fim de conceder proteção à produção de produtos, diretamente competidores ou substitutos, não taxados de maneira semelhante; os tributos internos dessa natureza, existentes, serão objeto de negociação para a sua redução ou eliminação. 2. Os produtos originários de qualquer parte contratante importados no território de qualquer outra parte contratante gozarão de tratamento não menos favorável que a concedido a produtos similares de origem nacional no que concerne a todas as leis, regulamentos e exigências que afetem a sua venda, colocação no mercado, compra, transporte, distribuição ou uso no mercado interno. As disposições dêste parágrafo não impedirão a aplicação das taxas diferenciais de transportes, baseadas exclusivamente na utilização econômica dos meios de transporte e não na origem de produtos. 3. Na aplicação dos princípios do 2º dêste artigo as regulamentações quantitativas internas, relativas à mistura, transformação e uso dos produtos em determinadas quantidades ou proporções, as partes contratantes observarão as disposições seguintes: a) não será baixada nenhuma regulamentação que, formal ou efetivamente exija que qualquer quantidade ou determinada proporção do produto a que a regulamentação se aplicar deva proceder de fontes nacionais;

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§ 4º As autopeças originárias dos países-membros do Mercosul serão consideradas produzidas no País para efeito de apuração do percentual de conteúdo regional.

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b) Nenhuma parte contratante, formal ou efetivamente, restringirá a mistura, transformação ou uso de um produto de que não houver produção nacional de importância, a fim de proteger a produção nacional de um produto diretamente concorrente ou substituto. 4. As disposições do § 3º dêste artigo não se aplicarão a: a) qualquer medida de contrôle quantitativa interno, vigente no território de qualquer das Partes Contratantes a 1º de julho de 1939 ou a 10 de abril de 1947, à escolha da referida parte contratante, com a condição de que qualquer medida dessa natureza, que estiver em oposição às disposições do § 3º dêste artigo, não será modificada em detrimento das importações e ficará sujeita a negociações visando à sua limitação, afrouxamento ou eliminação. b) qualquer regulamentação interna referente a filmes cinematográficos e de acôrdo com as disposições do art. IV.

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5. As disposições dêste artigo não se aplicarão à compra pelos órgãos governamentais ou por sua conta de produtos destinados ao seu uso, e não à reverida ou ao uso na produção de mercadorias destinadas à venda. Também não impedirão o pagamento, sòmente a produtores nacionais, dos subsídios previstos no art. XVI, incluindo os provenientes de arrecadação de taxas e imposições interiores, e os subsídios efetuados através das compras de produtos nacionais pelos órgãos governamentais ou por sua conta.

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Observou-se que nos itens 1 e 2 do artigo supracitado do GATT disciplina que será isenta a parcela tributária que exceda a tributação do mesmo produto, fabricado no país, não podendo haver divergência de tratamento tributário para proteger a economia do país, salvo o Imposto de Importação, mundialmente de natureza extrafiscal para regulação da economia local. Em tempo, verifica-se, pelo item 3 e suas alíneas, que fica vedado o Estado-parte, em análise o Brasil, de exigir qualquer tipo de mistura ou parcela produtiva, exceto as estipuladas por agências reguladoras para proteção de direitos difusos de saúde pública, meio ambiente, defesa nacional, etc.

Ou seja, claramente observa-se que o referido decreto infringiu o art. 3º do GATT, merecendo represália a favor de qualquer país que se sinta lesionado, após o trânsito em julgado do caso no órgão de solução de controvérsias da OMC. A representação do Japão em Genebra, em 14 de outubro de 2011, lançou mão de seu direito e requereu que o país prestasse informações ao órgão de solução de controvérsias. O Japão ainda foi o menor dos impactados, pois Estados Unidos e Alemanha, ambas de maneira mais sutil, China e Coreia do Sul, de maneira mais enérgica e claramente impactadas pela medida, vêm cobrando informações a respeito do governo brasileiro, que frisa não voltar atrás, a não ser que as montadoras realizem investimentos no país – que se observará adiante a inconstitucionalidade nesta medida. As alíquotas de IPI podem livremente ser alteradas por decreto presidencial, por estarem acobertadas pelo princípio da extrafiscalidade, ou seja, um tributo indireto objetivando a regulação da economia interna. Todavia, benefícios fiscais, entendidos como isenções totais ou parciais, devem ser concedidos mediante lei, com fundamento no art. 176 do Código Tributário Nacional (“CTN”) (ou medida provisória, conforme entendimento do STF, apesar deste que lhes escreve discordar), este não foi diferente, trazido pela Medida Provisória nº 540/2011, ainda não convertido em lei, mas prorrogado sua vigência pelo Congresso Nacional por 60 (sessenta dias), a contar de 23 de setembro de 2011, pelo Ato do Congresso Nacional nº 39/2011. Desta forma, mediante o claro conflito aparente de normas de lei ordinária face a acordo internacional, deve ser observado o que disciplina a legislação tributária. Disciplina o art. 98 do CTN:


A doutrina esclarece: Ainda há muita divergência sobre a existência ou não de hierarquia entre os tratados e a legislação interna, bem como sobre a abrangência do art. 98 do CTN, se aproveita apenas aos tratados de natureza contratual ou também aos contratos de natureza normativa. O Ministro Francisco Rezek, ao abordar os tratados internacionais, em mesa de debates sobre tributos federais em RDT nº 67, Ed. Malheiros, p. 94, procurou delimitar o problema: “Posto o tratado em confronto com uma lei que o hostiliza de algum modo, e que é de produção mais recente, a questão não é saber se o tratado, por sua própria qualidade, já de prevalecer assim mesmo, visto que a Constituição brasileira não diz isso; é de saber se a lei doméstica tem algum vício congênito, pelo fato de ter sido produzida em desobediência ao art. 98 da lei complementar, que diz que os tratados hão de ser observados na produção legislativa doméstica que viceja posteriormente. A esse respeito aguarda-se alguma produção doutrinária que oriente, de algum modo, os caminhos da jurisprudência.1 De setembro de 1975 a junho de 1977, estendeu-se no Plenário do Supremo Tribunal Federal o julgamento do Recurso Extraordinário nº 80.004, em que assentada, por maioria, a tese de que, ante a realidade do conflito entre o tratado e lei posterior, esta, porque expressão última da vontade do legislador republicano, deve ter sua prevalência garantida pela Justiça – sem embargo das consequências do descumprimento do tratado, no plano internacional. [...] Admitiram as vozes majoritárias que, faltante na Constituição do Brasil garantia de privilégio hierárquico do tratado internacional sobre as leis do Congresso, era inevitável que a Justiça devesse garantir a autori1 PAULSEN, Leandro. Direito tributário, constituição e código tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 854.

dade da mais recente das normas, porque paritária sua estatura no ordenamento jurídico.2

Acerca do conflito de normas em questão, o marco da jurisprudência brasileira sobre conflito sobre legislação interna e tratados internacionais, fora na oportunidade que o STF manifestou-se, sobre Lei Uniforme sobre Letras de Câmbio e Notas Promissórias, no julgamento do Recurso Extraordinário (“RE”) nº 80.004/SE, em 1º de junho de 1977, o egrégio Tribunal decidiu que tratados internacionais possuem a mesma força legal que lei ordinária. Em novo julgamento, o STF, ao analisar a ADIn 1.480-3/DF, entendeu que todos os tratados internacionais estão subordinados à CF, que tem irrestrita precedência hierárquica sobre eles. Há, portanto, uma relação de paridade normativa entre a lei ordinária e os tratados. Em eventual conflito entre leis e tratados, deve ser utilizado o critério cronológico (lex posterior derogat priori) ou, quando cabível, o critério da especialidade (lex specialis derogat generalis). Conforme já mencionado, não será analisado o critério da hierarquia, pois ambas as normas são consideradas como leis ordinárias. Ao analisar a presente antinomia de segundo grau, ou seja, quando existe a possibilidade de solução deste conflito por dois critérios, um a favor de cada norma, a brilhante doutrina, esclareceu: b) de especialidade e cronológico, se houver uma norma anterior-especial conflitante com uma posterior-geral; seria a primeira preferida pelo critério da especialidade, e a segunda, pelo critério cronológico.3 2 REZEK, José Francisco. Direito internacional público: curso elementar. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 106-107. 3 DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução ao código civil brasileiro interpretada. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 79.

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Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha.

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Quanto ao critério cronológico, não há como negar que o decreto objeto dos presentes estudos é mais recente que o GATT. Todavia, e quanto a sua especialidade? Deve-se entender que o Decreto sobre IPI é mais específico ou que o Tratado Internacional sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio é mais específico? A solução desta antinomia ocorreu como aconteceu ao analisar o critério especial e o critério cronológico, da aplicação do Código de Processo Civil (“CPC”) e da Lei de Execuções Fiscais (“LEF”). Ou seja, nestes casos, a jurisprudência e a doutrina têm entendido que deve ser aplicada a LEF pelo critério da especialidade em desfavor do CPC, norma mais recente. Igualmente a brilhante doutrina colacionada, entendo que também deve ser aplicado o tratado, por ser norma especial e tratar de tributação no comércio internacional de mercadorias, norma mais específica que as medidas trazidas pelo Governo Federal, pois trata-se sobre IPI de veículos e benefício fiscal, de forma geral. Para este que lhes escreve, o Tratado Internacional do GATT é mais específico.

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Isto porque trata do comércio e produção de produtos em âmbito internacional, devendo ser mantida a uniformidade, sem distinção de qualquer forma, entre produtos de países diferentes.

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Note-se que o próprio Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) manifestou-se no seguinte sentido: TRIBUTÁRIO – RECURSO ESPECIAL – ICMS – IMPORTAÇÃO DE LEITE – PAÍSES SIGNATÁRIOS DO GATT – ISENÇÃO 1. O leite importado de país signatário do GATT deve usufruir do benefício da isenção do ICMS conferida ao similar nacional. 2. Recurso especial provido.4 4 STJ, REsp 621.128/RS, 2ª T., Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 10.05.2007, v.u.

Ou seja, verificamos a possibilidade inicial de se observar o Tratado do GATT antes de verificar a norma do IPI que driblou referido normativo, mesmo que de forma rudimentar. De início, já observa sua ilegalidade. No entanto, ainda devem ser verificados os princípios constitucionais de direito. Disciplina a CF: Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...] IV – livre concorrência; [...] Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. [...] § 4º A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.

Nota-se que o normativo menciona, em seu caput, relevante interesse coletivo, bem como, em seu § 4º, que a lei reprimirá a eliminação da concorrência. Alguns constitucionalistas defenderiam que referido normativo é a base para a Lei nº 8.884/1994, que rechaça a formação de cartéis no Brasil para que seja incentivada a livre concorrência.


Ou seja, entendo que a majoração do IPI, nos termos que fora disciplinado, trata-se de norma totalmente eivada de inconstitucionalidade. Vale, neste momento, a brilhante citação da doutrina pátria:

quando o poder econômico passa a ser o fator concorrente para um aumento arbitrário de lucros do detentor do poder, o abuso fica manifesto.6

Diante do exposto, verifica-se que o próprio Estado está retirando os crescentes lucros das empresas importadoras de veículos e concentrando-o nas que estão há anos estabelecidas no Brasil. Noutro giro, observa-se novamente, a Carta Magna de 1988: Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:

A afirmação, principiológica, da livre concorrência no texto constitucional é instigante.

[...]

De uma banda porque a concorrência livre – não liberdade de concorrência, note-se – somente poderia ter lugar em condições de mercado nas quais não se manifestasse o fenômeno do poder econômico. Este, no entanto – o poder econômico – é não apenas um elemento da realidade, porém um dado constitucionalmente institucionalizado, no mesmo texto que consagra o princípio.5

[...]

Ou seja, entendo que acaba o Poder Executivo, mediante medida provisória e decreto do Executivo, em criar o abuso do poder econômico para as montadoras sediadas no país, limitando então aquelas que, para que realizem caixa para investimentos iniciais, optam por inicialmente, ingressar no mercado realizando a importação destes veículos. Ou seja, primeiro ganha-se mercado com veículos importados, verifica-se a aceitação do mercado para, então, planejar os investimentos do país. Trata-se de regra básica de planejamento econômico. Continua a doutrina: Quando o poder econômico passa a ser usado com o propósito de impedir a iniciativa de outros, com a ação no campo econômico, ou

5 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 208.

IV – produtos industrializados; § 3º O imposto previsto no inciso IV: I – será seletivo, em função da essencialidade do produto.

A doutrina explica: A finalidade do princípio é minorar a injustiça do imposto, determinando o impacto tributário que deve ser suportado pelas classes mais protegidas e onerando os bens consumidos em padrões sociais mais altos. A seletividade significa discriminação ou sistema de alíquotas diferenciadas por espécie de mercadorias, como adequação do produto à vista do maior número de habitantes do país. As mercadorias essenciais à existência civilizada deles devem ser tributadas mais suavemente, ao passo que as maiores alíquotas devem ser reservadas aos produtos de consumo restrito, isto é, o supérfluo das classes de maior poder aquisitivo. [...]

6 GUIMARAES, Guilherme A. Canedo de. O abuso do poder econômico: apuração e repressão. Rio de Janeiro: Artenova, 1975. p. 16; cf. também SHIEBER, Benjamin M. Abuso de poder econômico, p. 3, citando MAGALHÃES, Ruy de Souza Agamenon. Abuso do poder econômico, p. 17 apud SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 16. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 769.

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Todavia, a Carta Magna de 1988 também vincula o Poder Público, estrangulando a livre concorrência do mercado automotivo, notadamente pelos veículos oriundos de China e Coreia do Sul.

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No tocante à essencialidade, é o contexto da Constituição que deve oferecer os fundamentos básicos para dimensionar o arquétipo do IPI, não se tratando de mera recomendação, devendo ser rigorosamente obedecido pelo legislador ordinário. A essencialidade decorre da devida compreensão dos valores captados pela Constituição, como é o caso do salário-mínimo, que toma em consideração as necessidades vitais básicas como moradia, alimentação, educação, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência.7

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Assim sendo, verificou-se o entendimento da doutrina que a seletividade sobre a essencialidade do IPI decorre da majoração ou redução de alíquotas em virtude da finalidade do produto, ou seja, produtos supérfluos deverão observar alíquota de IPI maiores que produtos de necessidades básicas. Todavia, para driblar o referido normativo, como ocorreu com a norma do GATT, o Governo Federal instituiu esta majoração de alíquotas maquiada com um benefício fiscal, e assim diferenciar produtos nacionais de importados.

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Não defendo nos presentes trabalhos que, para manutenção da atividade produtiva e dos empregos no Brasil, não é defeso o Governo Federal fazê-lo, mas existem ferramentas apropriadas para tanto, que é o Imposto de Importação. Pela norma do GATT anteriormente observada, deveria o veículo importado observar a mesma parcela de redução do IPI, sem a necessidade de comprometimento mínimo de investimentos, como determina o regulado pelo decreto objeto deste estudo, regulamentando a Medida Provisória retrocitada.

2 O DECRETO Nº 7.567/2011 E O TRATADO DE ASSUNÇÃO INSTITUIDOR DO MERCOSUL Para a presente análise, observar-se-ão outros conceitos formados no capítulo anterior. O Tratado de Assunção, que instituiu o Mercosul, internalizado no Brasil pelo Decreto nº 350/1991, dispõe do livre comércio entre os países do bloco, além do Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. A ideia inicial do Mercosul, atualmente com mais força que quando entrou em vigor, era criar uma área de livre comércio entre os países do bloco, sem a cobrança de impostos sobre a importação, mas, tão somente, a cobrança de tributos no país de destino como se nacional fosse. Além do Mercosul, a Argentina possui tratado internacional automotivo com o Brasil, conforme mencionado anteriormente. Todavia, o Uruguai não possui referido tratado com o Brasil. Menciono esta nação, pois uma das marcas conhecidas e comercializadas no Brasil como chinesa possui a montagem efetuada naquele país. Essa escolha foi efetuada porque o Uruguai possui um custo país menor que o Brasil, entre estes com salário, infraestrutura, impostos, etc.

Ou seja, entendo que o Decreto nº 7.567/2011 é ilegal por ferir o art. 98 do CTN e inconstitucional por ferir os arts. 153, IV, § 3º, I e 170, IV da Constituição Federal.

A operação desta montadora dá-se da seguinte forma: realiza a importação de parte dos componentes dos veículos da China, realizando somente a montagem de componentes chineses com conteúdos regionais no Uruguai, exportando o veículo montado para o Brasil.

7 MELO, José Eduardo Soares de. Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), p. 451. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva et al. (Coord.). Tratado de direito tributário. 1. ed. São Paulo: Saraiva, v. 1, 2011.

O governo brasileiro, obviamente, repudiou referida operação, que não acontece somente com veículos, mas também é conhe-


A Receita Federal do Brasil (“RFB”) já se manifestou no sentido de que realizaria uma fiscalização mais rigorosa quando houvesse indícios de industrialização em país do Mercosul, cuja boa parte dos insumos fosse oriunda de outros países, em especial China, Índia e Paquistão. Todavia, observemos o que dispõe o Tratado de Assunção: Art. 1º Serão considerados originários dos Estados-partes: a) Os produtos elaborados integralmente no território de qualquer um deles, quando em sua elaboração forem utilizados exclusivamente materiais originários dos Estados-partes; [...] Considerar-se-ão produzidos no território de um Estado-parte: [...] iii – Os produtos que resultem de operações ou processos efetuados em seu território pelos quais adquiram a forma final em que serão comercializados, exceto quando esses processos ou operações consistam somente em simples montagens ou ensamblagens, embalagem, fracionamento em lotes ou volumes, seleção e classificação, marcação, composição de sortimentos de mercadorias ou outras operações ou processos equivalentes. c) Os produtos em cuja elaboração se utilizem materiais não originários dos Estados Partes, quando resultem de um processo de transformação, realizado no território de algum deles, que lhes confira uma nova individualidade, caracterizada pelo fato de estarem classificados na Nomenclatura Aduaneira da Associação Latino-Americana de Integração em posição diferente à dos mencionados materiais, exceto nos casos em que os Estados Partes determinem que, ademais, se cumpra com o requisito previsto no art. 2º do presente Anexo. [...]

Art. 2º Nos casos em que o requisito estabelecido na letra c do art. 1º não possa ser cumprido porque o processo de transformação operado não implica mudança de posição na nomenclatura, bastará que o valor CIF porto de destino ou CIF porto marítimo dos materiais de terceiros países não exceda a 50 (cinqüenta) por cento do valor FOB de exportação das mercadorias de que se trata.

Ou seja, o custo total do insumo oriundo de nação que não seja oriundo de membro do Mercosul não pode exceder a 50% do valor Free on Board (“FOB”), que se trata de custo da mercadoria final, ou seja, o veículo automotor, a bordo do navio, sem valor de frete internacional e seguro internacional. Diante disto, voltemos ao disposto do decreto objeto dos presentes estudos, que dispõe em seu art. 2º: Art. 2º Omissis [...] III – estará condicionada ao atendimento dos seguintes requisitos: a) fabricação de veículos referidos no Anexo I com, no mínimo, sessenta e cinco por cento de conteúdo regional médio para cada empresa, de acordo com definição apresentada no Anexo II.

Desta forma, analisemos a disposição da doutrina: [...] isto é, não impedem o legislador de formular o âmbito de incidência das leis tributárias internas em geral do modo que bem entender. Simplesmente, exigem que tais leis não se apliquem ou só se apliquem de certo modo às pessoas, coisas ou fatos sujeitos ao âmbito de aplicação do tratado. Não se trata de limites genéricos à formulação das leis, mas de limites relativos à sua incidência em casos concretos.8

Pela leitura da doutrina, é possível perceber que o legislador, como disse no capítulo anterior, dispõe de outras ferramentas

8 XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil. 7. ed. ref. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 13.

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cida esta operação relacionada a produtos esportivos e lençóis, onde a industrialização é efetuada no Paraguai, com custo país menor ainda, mas com população sem muita qualificação geralmente exigida para a produção de veículos.

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para regular a economia. Mas a que fora realizada, conforme se verificou, é totalmente eivada de vícios. Ou seja, o Governo Federal impõe que o contribuinte siga duas normas tributárias com bases de cálculo que podem ser totalmente diferentes. Pode-se ainda dizer, novamente, que, de certa forma, o Estado brasileiro está, mediante referidos normativos, extrapolando o princípio da territorialidade do direito tributário, pois está começando a produzir efeitos no Uruguai. Mais uma vez, observou-se a infração a Constituição Federal pelo Governo Federal, haja vista que referido normativo viola o art. 170, IV, da CF, por atacar novamente a ordem econômica e limitar a livre concorrência, insculpida na Carta Magna de 1988. Ademais, verifica-se vibrante violação ao art. 98 do CTN, violando o Tratado de Assunção, podendo ser denunciado pelo Uruguai referido ato arbitrário do Brasil, isto em um plano internacional no Órgão de Solução de Controvérsias do Mercosul.

3 O DECRETO Nº 7.567/2011 E O PRINCÍPIO DO NÃO CONFISCO Dezembro/2013 – Ed. 201

Observe-se o que dispõe a Constituição Federal:

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Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: [...] IV – utilizar tributo com efeito de confisco.

A doutrina de melhor forma, explica o dispositivo legal: Já no regime constitucional anterior alguns tributaristas sustentavam ser inadmissível o tributo confiscatório, posto que isto implicaria negar o direito de propriedade, constitucionalmente garantido. [...]

Porque constitui receita ordinária, o tributo deve ser um ônus suportável, um encargo que o contribuinte pode pagar sem sacrifício do desfrute normal dos bens da vida. Por isso mesmo é que não pode ser confiscatório.9

O princípio da extrafiscalidade aplicável ao IPI não é absoluta, é relativa. Deve ser um instrumento para regulação da economia, mas desde que não haja diferenciação de contribuintes, como cabalmente verificado no presente, bem como não impacte nos princípios do não confisco que é estritamente ligado ao princípio da propriedade. Diante das alterações efetuadas pelo Governo Federal, verifica-se claramente o confisco efetuado pelo Poder Público por meio do IPI contra os importadores de veículos, impactando em seu direito de propriedade, não obstante, no direito de propriedade do contribuinte final, ou seja, o consumidor final. Isto porque o ônus do IPI, por seu um tributo indireto, é suportado pelo consumidor final. Assim sendo, se este não quer escolher outro veículo para adquirir, terá de desembolsar um grande valor para satisfazer o desejo de propriedade do mesmo carro, sem contrapartida alguma, e este aumento não se justifica. Mais uma vez, diante da voracidade arrecadatória da União, verificamos mais uma inconstitucionalidade, que, ao tentar regular a economia, barrando o ingresso de veículos importados no país, infringe o princípio da propriedade do contribuinte, constitucionalmente garantido, bem como o princípio do não confisco. Desta maneira, entendo que a medida discutida nos presentes trabalhos é inconstitucional, por atacar o princípio do não confisco e do direito a propriedade. 9 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 25. ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 58/59.


Doutrina

O Direito da Criança e do Adolescente à Convivência Comunitária: o Ministério das Cidades na Institucionalização das Políticas Públicas de Combate à Segregação Socioespacial Urbana BENEDICTO DE VASCONCELLOS LUNA GONÇALVES PATRÃO Advogado e Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, Especialista em Direito Civil-Constitucional pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, Mestrando em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ.

RESUMO: O propósito deste trabalho consiste em demonstrar a função do Ministério das Cidades na institucionalização das políticas públicas de combate à segregação urbana, que constitui um dos fatores impeditivos para a utilização do espaço público e, consequentemente, para a efetividade do direito à convivência comunitária da criança e do adolescente. PALAVRAS-CHAVE: Ministério das Cidades; direito à cidade; criança e adolescente; convivência comunitária.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Problemas urbanos: a segregação socioespacial da criança e do adolescente; 2 A estrutura da política urbana: a criação do Ministério das Cidades; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO Constituindo uma interseção imperativa com o direito à convivência familiar1, que pode ser caracterizado como sendo o direito intersubjetivo da criança e do adolescente ao convívio familiar, seja pela manutenção do vínculo com sua família ou – quando isto se mostrar não aconselhável – pelo incentivo à convivência com uma substituta, o direito à convivência comunitária igualmente está previsto no art. 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente e no art. 227 da Constituição Federal2. Na busca de seu significado, verificamos 1 MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade. Direito fundamental à convivência familiar. In: Curso de direito da criança e do adolescente: Aspectos teóricos e práticos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 61. 2 Segundo o art. 227 da Constituição Federal, é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à convivência comunitária, colocando-os a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Considerando a importância do ambiente na formação da criança e do adolescente, a questão envolvendo a tutela da convivência comunitária está inegavelmente baseada na obrigatoriedade do Poder Público, em especial o Município, com fulcro no art. 182 da Constituição Federal, efetivar políticas públicas voltadas para a revitalização e a readequação dos espaços públicos, buscando resguardar a qualidade de vida dos jovens. Por essa razão, não obstante o dever da família, no sentido de proporcionar um ambiente aconchegante e vivo para que se sintam acolhidas, e da sociedade, através da gestão democrática da cidade, é o Estado, principalmente o Município, o principal responsável em salvaguardar o direito fundamental da criança e do adolescente à convivência comunitária, já que é especialmente na cidade que devem ser fornecidos os espaços públicos dignos para que deles as crianças possam fazer uso, exercitando sua cidadania na plenitude constitucional.


que o convívio da criança e do adolescente não deve ocorrer somente no ambiente em que os componentes do núcleo familiar estão presentes, mas estendendo-se onde se encontram os membros da comunidade, como forma de fomentar o sentimento de pertencimento3 frente a uma determinada realidade espacial.

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Especificamente, em relação à convivência na urbe, a expressão “espaço público urbano”, utilizada no decorrer do presente artigo, será adotada para identificar os espaços tradicionais de uso comum nas cidades, tais como ruas, praças, calçadas e parques. São nestes espaços de convivência social que a criança e o adolescente, ao interagirem com outras e também com adultos de diferentes crenças, etnias e classes sociais, aprendem a se relacionar e a respeitar as regras de convívio, em especial a solidariedade Por isso, assim como a proteção do espaço doméstico é de suma importância para a efetivação do direito à convivência familiar, a coexistência da criança e do adolescente no espaço “exofamiliar”, sob o fundamento de que tal inter-relacionamento propiciaria o pleno desenvolvimento de suas potencialidades4, também ganha igual e especial relevância.

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3 Ana Lúcia Amaral, citando Weber, afirma que “a sensação de pertencimento significa que precisamos nos sentir como pertencentes a tal lugar e ao mesmo tempo sentir que esse tal lugar nos pertence, e que assim acreditamos que podemos interferir e, mais do que tudo, que vale a pena interferir na rotina e nos rumos desse tal lugar” (AMARAL, Ana Lúcia. Disponível em: <http://www.esmpu.gov.br/dicionario/tiki-index. php?page=Pertencimento>. Acesso em: 17 set. 2008). 4 O principal objeto de nosso estudo é a inter-relação da criança e do adolescente no espaço público urbano, por entendermos que a criança e o adolescente, ao não frequentá-lo, não propicia a socialização, comprometendo o seu adequado desenvolvimento (OLIVEIRA, Cláudia. O ambiente urbano e a formação da criança. São Paulo: Aleph, 2004, p. 70). Contudo, o espaço convivacional da criança e do adolescente tem outras importantes vertentes, em especial o espaço de convivência na escola, a ser abordado em outra oportunidade, diante da complexidade do tema.

Neste aspecto, a busca pelo usufruto equitativo do ambiente urbano, alcançado pela tutela dos elementos que compõem o “direito à cidade”5, afiançará o ideal de convívio articulado de ambos os lados da “cidade partida”. Para tanto, a criação do Ministério das Cidades, ao ocupar um vazio institucional que retirava o Governo Federal da discussão sobre a política pública e o destino dos centros urbanos, pode ser considerada uma importante iniciativa na mitigação dos fatos impeditivos da fruição do espaço, inaugurando um novo padrão no planejamento das cidades. 5 Rosângela Lunardelli Cavallazzi afirma que o direito à cidade, definido como o usufruto equitativo das cidades dentro dos princípios de sustentabilidade e justiça social, “é compreendido como um direito coletivo dos habitantes das cidades, em especial dos grupos vulneráveis e desfavorecidos que lhes confere a legitimidade de ação e de organização com base nos seus usos e costumes, para obterem o pleno exercício do direito a um padrão de vida adequado. [...] O direito à cidade é interligado e interdependente a todos os direitos humanos internacionalmente reconhecidos, concebidos integralmente; inclui, portanto, direito a terra, aos meios de subsistência, ao trabalho, à saúde, à educação, à cultura, à moradia, à proteção social, à segurança, ao meio ambiente sadio, ao saneamento, ao transporte público, ao lazer e à informação. Inclui também o direito à liberdade de reunião e organização, o respeito às minorias e à pluralidade étnica, sexual e cultural; o respeito aos imigrantes e a garantia da preservação de herança histórica e cultural. [...] Este direito pressupõe a interdependência entre população, recursos, meio ambiente, relações econômicas e qualidade de vida para as presentes e futuras gerações. Implica em mudanças estruturais profundas nos padrões de produção e consumo e nas formas de apropriação do território e dos recursos naturais. Referência à construção de soluções contra os efeitos negativos da globalização, da privatização, da escassez dos recursos naturais, do aumento da pobreza mundial, da fragilidade ambiental e suas conseqüências para a sobrevivência da humanidade e do planeta” (CAVALLAZZI, Rosângela Lunardelli. O estatuto epistemológico do direito urbanístico brasileiro: possibilidades e obstáculos na tutela do direito à cidade. Revistas Magister de Direito Ambiental e Urbanístico, Porto Alegre: Magister, n. 13, ago./set. 2007).


1 PROBLEMAS URBANOS: A SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE O espaço, em especial o urbano, de uso público e multifuncional6, ganha relevante destaque na formação da criança e do adolescente, de tal modo que, estando impedidos de frequentar o ambiente comunitário, em razão da desordem citadina7, os mesmos deixam de observar as mudanças que ocorrem na cidade como um todo. Isto tem efeitos devastadores na própria dinâmica urbana, pois devemos entender e sentir a cidade através de seus espaços de uso comum8, de tal forma que, quanto 6 A multifuncionalidade da cidade é um princípio informador da mesma, na medida em que a cidade acolhe simultaneamente várias funções complexas, desenvolvendo uma pluralidade de diferenças (diferentes culturas, tipologias de ocupação de espaço urbano, classes sociais, idades e vulnerabilidades, profissões e ofícios). 7 “No Brasil, a urbanização intensiva já transformou estruturalmente a ordem socioeconômica e redesenhou a ocupação do território nacional, tendo provocado impactos ambientais comparáveis aos efeitos de grandes catástrofes naturais. Cerca de 80% da população brasileira – de um total de 165 milhões – vive atualmente nas cidades, sobretudo nas áreas metropolitanas.” (FERNANDES, Edésio. Op. cit.) 8 Para Jane Jacobs, a imagem que temos em relação à determinada cidade é diretamente proporcional àquilo que apreendemos de suas ruas. Assim sendo, “se as ruas de uma cidade parecem interessantes, a cidade parecerá interessante; se elas parecerem monótonas, a cidade parecerá

mais diversificado for a utilização dos logradouros, praças, calçadas e parques, através da apropriação do local público9, mais seguro e propício à convivência os mesmos se tornam10. Ao mencionar o direito à convivência comunitária, verificamos a judicialização dos laços comunitários, mediante a apropriação de espaços diversos do familiar, de tal forma a propiciar o pleno desenvolvimento da criança e do adolescente, conforme ensina Cláudia Oliveira11: É trabalhando o corpo no espaço público que a criança conhece e participa da dinâmica do viver na cidade, do encontro com a natureza. Na relação com esse espaço ela aprende a medir, em cada movimento, distância, força e velocidade. A cultura da sociedade é aprendida pela criança no espaço e no tempo por observação e imitação, brincando, trocando experiências, criando vínculos com outras crianças e com adultos de diversas classes sociais, eliminando barreiras segregacionistas, desenvolvendo a solidariedade e promovendo a socialização. Estes espaços precisam ser estimulantes, vivos, com diversos tipos de materiais, cores, alturas, formas e texturas. O ambiente prazeroso monótona” (JACOBS, Jane. Morte e vida nas grandes cidades. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 29). 9 Segundo Jacobs, a existência de um número substancial de estabelecimentos e outros locais públicos, dispostos ao longo das calçadas, é um requisito básico de vigilância, acarretando em maior segurança, na medida em que permite que as pessoas, tanto moradores, quanto estranhos, tenham motivos concretos para utilizar os locais onde esses estabelecimentos se encontram (JACOBS, Jane. Op. cit.). 10 Jacobs aponta, como traço característico das cidades, o fato de estarem sempre repletas de estranhos, afirmando que os mesmos são benéficos, fazendo a cidade mais divertida, desde que a rua esteja bem preparada para lidar com eles, através de uma boa e eficaz demarcação de áreas provadas e públicas e um “suprimento básico de atividades e olhos” (JACOBS, Jane. Op. cit., p. 41). 11 OLIVEIRA, Cláudia. Entrevista concedida à Mônica Herculano, jornalista do portal do Gife – Grupo de Institutos Fundações e Empresas. Disponível em: <http://www.gife.org.br/redegifeonline_noticias.php?codigo=849&ta manhodetela=3&tipo=ie>. Acesso em: 17 set. 2008.

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Sob este aspecto, portanto, que o presente trabalho será desenvolvido. Para tanto, considerando que a segregação socioespacial constitui um dos fatores impeditivos para a utilização do espaço público e, consequentemente, para a efetividade do direito à convivência comunitária da criança e do adolescente, analisaremos o papel do Ministério das Cidades na institucionalização das políticas públicas de combate às questões urbanas.

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propicia a socialização. Num espaço adequado, as crianças se sentirão respeitadas enquanto suas usuárias e futuras cidadãs e também o respeitarão, pois ele é o seu espaço. Um espaço público bem projetado criará nas crianças o gosto pela cidade.

No caso das cidades, devemos destacar a importância de serem criadas condições favoráveis para o usufruto equitativo do ambiente de convivência, por meio de políticas públicas voltadas para tal fim. Para tanto, o Poder Público necessita propiciar, dentre outras, melhorias nas condições de mobilidade urbana entre os diversos espaços públicos existentes na cidade, na medida em que a convivência em ambientes diversos e multifuncionais, sob a ótica da criança e do adolescente, estimula os sentidos e o movimento, enriquecem a mente e a criatividade, permitem o contato com a natureza e com outras pessoas.

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Atualmente, contudo, nem todos vivenciam a atmosfera pública, fazendo com que os gestores urbanos, responsáveis em fornecer espaços sustentáveis, desempenhem importante papel no processo de formação da criança e do adolescente.

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Verificamos, neste sentido, que são nas grandes cidades que a criança e o adolescente, inseridos nas classes sociais mais elevadas, já não utilizam adequadamente o espaço público, há muito substituído pelos segregados ambientes privados dos condomínios fechados ou clubes recreativos de classe média, que acarretam mudanças na percepção e exploração do território. De forma ainda mais insalubre, por óbvio, os menores das camadas menos favorecidas comumente habitam o interior de guetos urbanos “favelizados”, não raro incrustados nos bairros “nobres” das grandes cidades, ou localizados nas periferias, desprovidos dos investimentos públicos mínimos, imprescindíveis para a adequada construção do espaço de convivência. Para Edésio Fernandes, este último fenômeno pode ser assim descrito: Na maioria dos casos, a exclusão social tem correspondido também a um processo de segregação territorial, já que os indivíduos e grupos excluídos da economia urbana formal são forçados a viver nas precárias periferias das grandes cidades, ou mesmo em áreas centrais que não são devidamente urbanizadas. Dentre outros indicadores da poderosa combinação entre exclusão social e segregação territorial – mortalidade infantil; incidência de doenças; grau de escolaridade; acesso a serviços, infra-estrutura urbana e equipamentos coletivos; existência de áreas verdes, etc. – dados recentes indicam que cerca de 600 milhões de pessoas nos países em desenvolvimento vivem atualmente em situações insalubres e perigosas. Exclusão social e segregação territorial têm determinado a baixa qualidade de vida nas cidades, bem como contribuído diretamente para a degradação ambiental e para o aumento da pobreza na sociedade urbana.12

Ao não possibilitar a revitalização e a readequação dos espaços públicos para a convivência da criança e do adolescente, as questões urbanas – dentre elas algumas que formam o 12 FERNANDES, Edésio. Direito urbanístico e política urbana no Brasil: Uma introdução. In: Direito urbanístico e política urbana no Brasil. Belo Horizonte: Del Rey, 2000.


2 A ESTRUTURA DA POLÍTICA URBANA: A CRIAÇÃO DO MINISTÉRIO DAS CIDADES A partir da Constituição Federal de 1988 é que o papel do Município ganha notória relevância. É no Município, sendo a instância mais visível e próxima da população, que mais facilmente a criança e o adolescente encontrarão guarida na proteção do ambiente urbano. De fato, a proximidade da comunidade confere aos Municípios melhores condições de apreender os anseios dos habitantes da cidade, por meio de ações efetivas e coerentes, conforme ensina Dória13: [...] nenhum Município é uma ilha no sentido social. Num mundo cada vez mais internacionalizado, no qual forças econômicas e movimentos culturais atuam cada vez mais livremente, sem respeitar sequer as barreias internacionais, a vida dos Municípios só tem sentido como parte de conjuntos sociais cada vez mais amplos, nacionais e internacionais. É no nível do Município, no entanto, que o indivíduo se relaciona socialmente de forma mais visível, transparente; no Município o cidadão tem sua casa, recebe os serviços públicos, tem vizinhos concretos. Assim, o processo de democratização e integração social só pode avançar se envolver decisivamente a vida municipal. 13 DÓRIA, Og. Município: O poder local. São Paulo: Página Aberta, 1992. p. 15.

A questão envolvendo a tutela da convivência comunitária, portanto, está inegavelmente baseada na obrigatoriedade do Município em efetivar soluções voltadas para a revitalização e para a readequação dos espaços, buscando resguardar o direito da criança e do adolescente à cidade. Nesta empreitada, devemos nos valer das normas urbanísticas, seja de origem constitucional (por meio dos arts. 182 e 183, ambos da CF/1988), ou de estirpe infraconstitucional, como o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001), no intuito de alcançar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade. O “Plano Diretor”, no contexto, está inserido como o principal instrumento que fornece ao Poder Público municipal instrumentos para o desenvolvimento urbano sustentável e melhoria da qualidade de vida de todos os cidadãos, em especial das crianças e dos adolescentes, que merecem distinta atenção do Estado. A criação do Ministério da Cidade, em cooperação de desígnios com o Município, vem ao encontro da perspectiva de garantir o “direito à cidade”, por meio do fomento de uma política nacional de desenvolvimento urbano, que visa garantir o adequado suporte institucional à efetiva implementação do Estatuto da Cidade. Neste sentido, Erminia Maricato14 considera que a criação do Ministério das Cidades é um novo marco na reestruturação da política urbana nacional, ocupando o “vazio institucional que retirava o Governo Federal da discussão sobre a política urbana e o destino das cidades”15. Transmutamos, portanto, o antigo paradigma da elaboração de planos e projetos a partir dos níveis superiores da representação política, de viés tecnocrático e excludente da participação local 14 Professora Titular e Presidente da Comissão de Pesquisa da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. 15 MARICATO, Erminia Terezinha Menon. Entrevista concedida à Revista aU. Disponível em: <http://www.revistaau.com.br/arquitetura-urbanismo/156/ imprime44395.asp>. Acesso em: 30 jan. 2009.

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tripé estruturante da problematização em que o Ministério das Cidades está inserido (mobilidade, moradia e saneamento ambiental) – constituem barreiras para a concretização do direito à convivência comunitária. Portanto, resta claro que adoção de soluções para a superação da pobreza urbana, por meio de políticas de moradia e saneamento ambiental, rompe com o paradigma segregacionista, ao constituírem medidas de fundamental relevância na garantia das condições mínimas de fruição do espaço convivacional.

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e popular, pela primazia do planejamento municipal, baseado na gestão democrática, em cooperação com os demais entes da federação. Não obstante, a imprescindível atuação do gestor municipal, o Governo Federal, por meio do Ministério da Cidade – que visa fomentar políticas públicas centradas na melhoria das condições de habitação, saneamento ambiental (água, esgoto, drenagem e coleta e destinação de resíduos sólidos) e mobilidade urbana (trânsito) – passa também a ter destacado papel na superação do atual quadro segregacionista, ao conferir diretrizes e bases institucionais para a melhoria das condições condignas de utilização do espaço público.

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Com efeito, ao destacar que a política urbana no Brasil depende essencialmente de um esforço de cooperação federativa – observando o primado da gestão democrática das cidades – é incontroverso que o planejamento das cidades constitua um ato estruturado de mobilização entre os entes da federação e os vários segmentos da sociedade. Contribuiríamos, com isso, para a boa governança, ao destacar a legitimidade e relevância do Ministério das Cidades na elaboração de diretrizes gerais e suporte institucional que promova a inclusão socioespacial da criança e do adolescente, por meio da articulação, implantação e implementação – em parceria com todas as esferas do Poder Público e com a sociedade – de programas e ações destinados a universalizar o acesso da população à habitação digna, ao saneamento ambiental e à mobilidade, que é dada pela racionalização do trânsito e transporte público.

CONCLUSÃO A questão envolvendo as relações mantidas entre a criança e o adolescente no espaço público urbano é antiga e paradoxal. Ao mesmo tempo em que sempre foi considerada a síntese da vida cotidiana das cidades, a utilização do espaço público, como ambiente convivacional por excelência, sempre suscitou

diversas resistências. Triaga da violência doméstica, ocupado essencialmente pela “infância perdida”, o espaço público, historicamente, foi visto como local de perigo social, de tal forma que, os jovens que aí indevidamente transitassem, deveriam ser corrigidos e integrados ao universo do trabalho, por meio das medidas de internação impostas no Código Mello Mattos (1927) e pelo Código de Menores (1979). Porém, as mudanças que ocorreram a partir da segunda metade do século passado, sejam nos valores culturais e econômicos, bem como nos aspectos políticos e sociais da sociedade moderna ocidental16, refletiram na Constituição Federal de 1988, tornando-se essencial vislumbrar, a partir de então, o significado da juridicidade em algo sensível a qualquer modificação da realidade em volta17. Diante dos desejos da sociedade moderna em buscar novas alternativas para assegurar a felicidade pessoal de cada um de seus componentes, o próprio ordenamento jurídico, receptáculo das alterações sociais, conferiu ampla efetividade aos princípios constitucionais. No caso do direito à convivência comunitária, verificamos que a integração dos valores constitucionais nas relações intersubjetivas, através da constitucionalização dos vários ramos do direito18, impôs uma nova roupagem ao próprio fundamento da 16 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Direito civil: Sucessões. São Paulo: Atlas, 2003. p. 115. 17 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil: Introdução ao direito civil-constitucional. Trad. Maria Cristina de Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 01. 18 Segundo Gustavo Tepedino: “O Código Civil perde, assim, definitivamente, o seu papel de Constituição do direito privado. Os textos constitucionais, paulatinamente, definem princípios relacionados a temas antes reservados exclusivamente ao Código Civil e ao império da vontade: a função social da propriedade, os limites da atividade econômica, a organização da família, matérias típicas do direito privado, passam a integrar uma nova ordem pública constitucional” (TEPEDINO, Gustavo. Premissas metodológicas


para a constitucionalização do direito civil. In: Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 7). 19 Neste sentido, destacam-se os ensinamentos de Heloisa Helena Barbosa, que ensina qual é o novo fundamento da família no mundo contemporâneo: “Qual a função atual da família? Se é certo que ela é a base da sociedade, qual o papel que ela cumpre desempenhar, já que não tem mais funções precipuamente religiosa, econômica ou política como outrora. Qual a base que se deve dar à comunidade familiar para que alcance a tão almejada estabilidade, tornando-a duradoura? Devemos reunir todas essa funções ou simplesmente considerar o seu verdadeiro e talvez único fundamento: a comunhão de afetos?” (BARBOZA, H. H. G. Novas tendências do direito de família. Revista da Faculdade de Direito, Rio de Janeiro: UERJ, v. 2, p. 232, 1994). 20 A solidariedade social é reconhecida como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, exposta no art. 3º, inciso I, da CF/1988, no sentido de buscar a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Por razões óbvias, esse princípio acaba repercutindo nas relações familiares, já que a solidariedade deve existir nos relacionamentos intersubjetivos. Por isso, acolho, com reservas, as palavras de Maria Berenice Dias, ao ensinar que, “ao gerar deveres recíprocos entre os integrantes do grupo familiar, safa-se o Estado do encargo de prover toda a gama de direitos que são assegurados constitucionalmente ao cidadão”, pois “basta atentar que, em se tratando de crianças e adolescentes, é atribuído primeiro à família, depois à sociedade e finalmente ao Estado (art. 227 da CF/1988) o dever de garantir, com absoluta prioridade, os direitos inerentes aos cidadãos em formação” (DIAS, Maria Berenice. Manual de direitos das famílias. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006). Não obstante, o posterior alerta da autora, no sentido de que “o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações” (art. 226, § 8º, da CF/1988), importante destacar que, em se tratando de convivência comunitária, cabe ao Estado, em especial ao Município, ser o principal responsável pelo planejamento e execução de política públicas para o ordenamento urbano, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, objetivando ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes, nos termos impostos pelo art. 182 da Constituição Federal.

na conceituação de “direito à cidade”, justamente por ser considerado como sendo o espaço preferencial de convívio. Para tanto, verificamos a necessidade da adequação do espaço, como meio de alcançarmos o ajuste básico para a formação das futuras gerações. Neste sentido, demonstramos, no presente artigo, a relevância do Ministério das Cidades, em cooperação de escopos como o poder municipal, em garantir aquilo necessário para a inserção da criança e do adolescente no espaço público convivacional, através de prestações positivas que visem oferecer, ao menos, a quantidade mínima de direitos sociais, sem aos quais os mesmos não têm condições de afastar o atual quadro de segregação socioespacial. Afinal, como afirma Ermínia Maricato21: O Ministério das Cidades não pretende ignorar essa orientação de descentralização, mas, ao contrário, reafirmá-las capacitando tecnicamente as prefeituras para melhor exercê-las. Já começou a fazê-lo por meio de programas e ações relacionadas à elaboração de Planos Diretores, modernização das informações cadastrais e cartográficas, regularização das terras irregulares, prevenção à ocupação de áreas de risco de desmoronamentos, educação para o trânsito, elaboração de políticas para favelas, coleta e destinação sustentável do lixo, entre muitos outros. Essa tarefa de capacitação de quadros técnicos e modernização da administração municipal pretende criar um movimento institucional e também social de modernização administrativa que unifique esforços públicos e privados em torno de rumos e diretrizes que superem a falta de informações sobre a própria realidade local (poucos municípios brasileiros tem seus cadastros atualizados e cobram regulamente o IPTU) e a definição de planos. 21 MARICATO, Ermínia Terezinha Menon. Disponível em: <www.usp.br/fau/ depprojeto/labhab/biblioteca/textos/maricato_mincidades.pdf>. Acesso em: 30 jan. 2009.

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família19 contextualizada no ambiente urbano. Especificamente em relação à criança e ao adolescente, hodiernamente entendidos como sujeitos de direito, que merecem especial atenção da família, sociedade e Estado20, podemos destacar a relevância da convivência comunitária no espaço público-urbano, inserida

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REFERÊNCIAS BARBOZA, H. H. G. Novas tendências do direito de família. Revista da Faculdade de Direito, Rio de Janeiro: UERJ, v. 2, 1994. CAVALLAZZI, Rosângela Lunardelli. O estatuto epistemológico do direito urbanístico brasileiro: possibilidades e obstáculos na tutela do direito à cidade. Revistas Magister de Direito Ambiental e Urbanístico, Porto Alegre: Magister, n. 13, ago./set. 2007. DIAS, Maria Berenice. Manual de direitos das famílias. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. DÓRIA, Og. Município: O poder local. São Paulo: Página Aberta, 1992. FERNANDES, Edésio. Direito urbanístico e política urbana no Brasil: uma introdução. In: Direito urbanístico e política urbana no Brasil. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Direito civil: Sucessões. São Paulo: Atlas, 2003.

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Doutrina

Mercado Imobiliário e Contratação de Trabalho Infantil: Questões Relacionadas à Utilização de Mão de Obra de Menores de 18 Anos LUÍS RODOLFO CRUZ E CREUZ

Advogado, Consultor em São Paulo, Sócio da Creuz e Villarreal Advogados (www.cv.adv.br), Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP, Pós-Graduado em Direito Societário no Curso LLM – Master of Laws, do Insper (ex-IBMEC/São Paulo), Mestre em Relações Internacionais pelo Programa Santiago Dantas, do Convênio das Universidades Unesp/Unicamp/PUCSP, Mestre em Direito e Integração da América Latina pelo Prolam – Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina da Universidade de São Paulo – USP. Autor da monografia Commercial and Economic Law – Brasil, da International Encyclopedia of Laws, editada por Dr. Jules Stuyck (Holanda: Kluwer Law International, 2010). Autor do livro Acordo de quotistas – Análise do instituto do acordo de acionistas previsto na Lei nº 6.404/1976 e sua aplicabilidade nas sociedades limitadas à luz do novo código civil brasileiro, com contribuições da teoria dos jogos (São Paulo: IOB Thomson, 2007). Coautor do livro Organizações internacionais e questões da atualidade, organizado por Jahyr-Philippe Bichara (Natal/RN: EDUFRN, 2011), sendo autor do capítulo “Organizações internacionais e a integração econômica: Revisões de uma teoria geral” (p. 67-101). Autor do livro Commercial and economic law in Brazil (Holanda: Wolters Kluwer – Law & Business, 2012).

MARIA FERNANDA RAMIREZ ASSAD

Advogada da Creuz e Villarreal Advogados (www.cv.adv.br), em São Paulo, Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Pós-Graduada em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP.

No dia 31 de maio de 2012, o Ministério Público do Trabalho da 2ª Região/SP emitiu uma Notificação Recomendatória, cujo nº é 120995/20121, recomendando ao Presidente do Secovi/SP que fossem comunicados e informados às empresas do mercado imobiliário de São Paulo (aquelas que atuam com compra, venda, locação e administração de imóveis residenciais e comerciais) os efeitos negativos e malefícios do trabalho desempenhado por adolescentes, bem como sobre a proibição legal ao emprego de crianças e adolescentes para a distribuição de material jornalístico ou publicitário nas ruas, para promover lançamentos imobiliários, seja através de contratação direta ou indireta dos mesmos, inclusive dentro dos empreendimentos imobiliários, com o intuito de coibir a utilização de crianças ou adolescentes para fins de atividades exploratórias, preponderantemente portando placa indicativa da localidade do prédio objeto do negócio a céu aberto.

Devemos lembrar, primeiramente, que a atuação do Ministério Público é pautada pelos ditames e valores político-sociais fixados em nossa Constituição Federal. De pronto, temos fixado logo no art. 1º da Carta Magna que o Brasil é um Estado Democrático de Direito, cujo fundamento, entre outros, é a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa2. 1 Notificação Recomendatória nº 120995/2012, do Ministério Público do Trabalho da 2ª Região/SP, disponível em: <http://www.secovi.com.br/files/Downloads/ notificacao-recomendatoria-mptpdf.pdf>. 2 Constituição Federal de 1988: “TÍTULO I – Dos Princípios Fundamentais – Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre


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Como indicado na norma em comento, nossa Carta Magna determina que é dever da família, da sociedade como um todo e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, diversos direitos estabelecidos, incluindo-se o direito à profissionalização, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão3. Nesse sentido, verificamos clara vontade da legislação de proteger os menores de 18 anos da exploração de trabalho infantil, inclusive com respaldo no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição4, que determina a proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos (o que certamente não seria o caso para o trabalho de distribuição de material jornalístico ou publicitário nas ruas).

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iniciativa; V – o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Disponível em: <http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. 3 Constituição Federal de 1988: “Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. 4 Constituição Federal de 1988: “Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...] XXXIII – proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos; [...]”. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>.

A própria Consolidação das Leis do Trabalho5 (arts. 4036 e 405, I e II, § 2º7) também expressamente proíbe o trabalho de adolescentes em lugares que possam ser perigosos ou insalubres ou que possam comprometer a sua moralidade. E mais, vemos que o § 2º do art. 405 expressamente veda o trabalho exercido nas ruas, praças e outros logradouros, fixando que este apenas é possível com prévia autorização do Juiz de Menores (que deverá verificar se a ocupação é indispensável à sua própria subsistência ou à de seus pais, avós ou irmãos e se dessa ocupação não poderá advir prejuízo à sua formação moral). Nesse mesmo sentido, vale ressaltar, conforme o apontamento da Notificação Recomendatória de necessária observância do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei nº 8.069, de

5 Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943 – Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/ Del5452compilado.htm>. 6 Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943 – Consolidação das Leis do Trabalho: “Art. 403. É proibido qualquer trabalho a menores de dezesseis anos de idade, salvo na condição de aprendiz, a partir dos quatorze anos. Parágrafo único. O trabalho do menor não poderá ser realizado em locais prejudiciais à sua formação, ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social e em horários e locais que não permitam a freqüência à escola.” Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/ Del5452compilado.htm>. 7 Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943 – Consolidação das Leis do Trabalho: “Art. 405. Ao menor não será permitido o trabalho: I – nos locais e serviços perigosos ou insalubres, constantes de quadro para êsse fim aprovado pelo Diretor Geral do Departamento de Segurança e Higiene do Trabalho; II – em locais ou serviços prejudiciais à sua moralidade. § 1º (Revogado) § 2º O trabalho exercido nas ruas, praças e outros logradouros dependerá de prévia autorização do Juiz de Menores, ao qual cabe verificar se a ocupação é indispensável à sua própria subsistência ou à de seus pais, avós ou irmãos e se dessa ocupação não poderá advir prejuízo à sua formação moral”. Disponível em: <http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del5452compilado.htm>.


Sem prejuízo de todas as normas supradestacadas, considerando o objeto da Notificação Recomendatória do Ministério Público, devemos atentar, ainda, para a disposição contida no Decreto nº 6.841, de 12 de junho de 200811, o qual regulamenta normas da Organização Internacional do Trabalho aprovadas em nosso ordenamento jurídico, relacionando as piores formas de trabalho infantil. A lista trazida por referido decreto expres-

8 Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/ L8069Compilado.htm>. 9 Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990: “Art. 60. É proibido qualquer trabalho a menores de quatorze anos de idade, salvo na condição de aprendiz”. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069Compilado.htm>. 10 Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990: “Art. 67. Ao adolescente empregado, aprendiz, em regime familiar de trabalho, aluno de escola técnica, assistido em entidade governamental ou não-governamental, é vedado trabalho: I – noturno, realizado entre as vinte e duas horas de um dia e as cinco horas do dia seguinte; II – perigoso, insalubre ou penoso; III – realizado em locais prejudiciais à sua formação e ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social; IV – realizado em horários e locais que não permitam a freqüência à escola”. Disponível em: <http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/Leis/L8069Compilado.htm>. 11 Decreto nº 6.841, de 12 de junho de 2008. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/decreto/d6481.htm>.

samente elenca a atuação de crianças e adolescentes em ruas e outros logradouros públicos (comércio ambulante, guardador de carros, guardas mirins, guias turísticos, transporte de pessoas ou animais, entre outros), atividade que está entre as piores formas de trabalho infantil. Resta evidente que, salvo nas hipóteses previstas no art. 2º do Decreto supracitado12, a contratação de menores de 18 anos para as atividades de distribuição de material jornalístico ou publicitário nas ruas, para promover lançamentos imobiliários, seja por meio de contratação direta, seja por meio da contratação indireta dos mesmos, inclusive dentro dos empreendimentos imobiliários, representa direta, expressa e grave infração a diversas disposições legais.

12 Decreto nº 6.841, de 12 de junho de 2008: “Art. 2º Fica proibido o trabalho do menor de dezoito anos nas atividades descritas na Lista TIP, salvo nas hipóteses previstas neste decreto. § 1º A proibição prevista no caput poderá ser elidida: I – na hipótese de ser o emprego ou trabalho, a partir da idade de dezesseis anos, autorizado pelo Ministério do Trabalho e Emprego, após consulta às organizações de empregadores e de trabalhadores interessadas, desde que fiquem plenamente garantidas a saúde, a segurança e a moral dos adolescentes; e II – na hipótese de aceitação de parecer técnico circunstanciado, assinado por profissional legalmente habilitado em segurança e saúde no trabalho, que ateste a não exposição a riscos que possam comprometer a saúde, a segurança e a moral dos adolescentes, depositado na unidade descentralizada do Ministério do Trabalho e Emprego da circunscrição onde ocorrerem as referidas atividades. § 2º As controvérsias sobre a efetiva proteção dos adolescentes envolvidos em atividades constantes do parecer técnico referido no § 1º, inciso II, serão objeto de análise por órgão competente do Ministério do Trabalho e Emprego, que tomará as providências legais cabíveis. § 3º A classificação de atividades, locais e trabalhos prejudiciais à saúde, à segurança e à moral, nos termos da Lista TIP, não é extensiva aos trabalhadores maiores de dezoito anos”. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/decreto/ d6481.htm>.

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13 de julho de 19908), que igual e claramente dispõe acerca da proibição de qualquer trabalho a menores de quatorze anos de idade, salvo na condição de aprendiz9, e sendo vedado ao adolescente empregado, aprendiz, em regime familiar de trabalho, aluno de escola técnica, assistido em entidade governamental ou não governamental, o trabalho (i) noturno, realizado entre as vinte e duas horas de um dia e as cinco horas do dia seguinte; (ii) perigoso, insalubre ou penoso; ou (iii) realizado em locais prejudiciais à sua formação e ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social10.

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Sem prejuízo das demais sanções aplicáveis, como esclarecimento vale destacar a disposição contida no art. 434 da CLT13, a qual estabelece a aplicação de multa aos empregadores que, de qualquer forma, infrinjam as disposições que regulamentam a contratação de trabalhadores menores de 18 anos, fixando o valor da multa em um salário mínimo por ocorrência, limitando o valor ao máximo de 05 salários mínimos, salvo no caso de reincidência. Na esteira dos ditames da Notificação Recomendatória nº 120995/2012, verificamos que as normas apresentadas são aplicáveis e perfeitamente exigíveis a qualquer momento, em qualquer localidade e para quaisquer das condições apresen-

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13 Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943 – Consolidação das Leis do Trabalho: “Art. 434. Os infratores das disposições dêste Capítulo ficam sujeitos à multa de valor igual a 1 (um) salário mínimo regional, aplicada tantas vêzes quantos forem os menores empregados em desacôrdo com a lei, não podendo, todavia, a soma das multas exceder a 5 (cinco) vêzes o salário-mínimo, salvo no caso de reincidência em que êsse total poderá ser elevado ao dôbro. (Redação dada pelo Decreto-lei nº 229, de 28.02.1967)”. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ Decreto-Lei/Del5452compilado.htm>.

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tadas, quando eventualmente verificada a infração. Em outras palavras, não devemos ter as orientações do Ministério Público do Trabalho da 2ª Região, restritas à sua área de atuação (São Paulo/SP), mas sim afirmamos que tais recomendações devem ser observadas (ainda que a título preventivo e de boa governança), por todas as empresas atuantes no território brasileiro. Por fim, apontamos que essa recomendação, ainda que tenha sido feita pelo Ministério Público do Trabalho de São Paulo especificamente relacionada ao trabalho de crianças e adolescentes para empresas do ramo imobiliário, é altamente recomendável que seja utilizada como norte e orientação para empresas atuantes nos mais diversos segmentos, visto que frequentemente menores são contratados por empresas de diferentes ramos de atuação, para as mais diversas atividades “informais”, sem prejuízo das empresas do mercado imobiliário de todo o Brasil, estarem especialmente atentas, seja para adotar medidas de não contratação e emprego de crianças e adolescentes para a distribuição de material publicitário, seja para a adoção de medidas de governança corporativas e empresariais voltadas para as boas práticas de mercado e em sintonia com os ditames de proteção aos direitos de crianças e adolescentes.


Doutrina

Promoções por Merecimento no Serviço Público e a Inconstitucional Bonificação pelo Desempenho de Cargos em Comissão ou Funções Gratificadas RODRIGO GERENT MATTOS Procurador Federal.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Progressão horizontal e progressão vertical; 2 Promoção por merecimento no âmbito das carreiras jurídicas da União e do Distrito Federal; 3 Ofensa ao princípio da proporcionalidade; 4 Violação ao princípio da isonomia e da igualdade de chances; 5 Ofensa aos princípios da impessoalidade e da moralidade públicas; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO A prestação de um serviço público de qualidade passa pelo estímulo à capacitação técnica dos servidores integrantes do quadro

efetivo da Administração direta e indireta da União, dos Estados e dos Municípios. Como é cediço, desde a Constituição de 1988, para o ingresso nos quadros efetivos do serviço público, o candidato deve submeter-se a um rígido concurso de provas e títulos, por meio de um certame isonômico em que se busca selecionar os profissionais melhor capacitados ao exercício de determinado cargo público. Para obter sucesso na seleção, sabe-se que há a necessidade de dedicação, empenho e força de vontade para que o postulante ao cargo consiga superar os desafios e as vicissitudes do caminho. Ao ingressar nos quadros efetivos da Administração direta, o servidor passará a ter algumas prerrogativas, entre as quais a estabilidade, por meio da qual somente poderá perder o seu cargo por meio de condenação em processo administrativo disciplinar ou por decisão judicial transitados em julgado. A estabilidade é uma prerrogativa concedida aos servidores públicos a fim de evitar ingerência política sobre este ou aquele servidor, de modo que ninguém poderá ser exonerado ou demitido de um cargo efetivo por não se enquadrar no mesmo viés ideológico dos detentores do poder. Após o esforço e a dedicação para ingressar no serviço público, há a necessidade de o servidor continuar auferindo conquistas intelecto-morais, de modo que a melhoria pessoal e o aperfeiçoamento profissional se transformem em contributos à prestação de um serviço público de qualidade.


Cumpre ao Estado estabelecer formas de incentivo à qualificação profissional de seus servidores, e uma das maneiras encontradas para estimular o aperfeiçoamento do servidor são as promoções por merecimento, que, como o próprio nome diz, tem por objetivo promover o mérito no desempenho funcional.

1 PROGRESSÃO HORIZONTAL E PROGRESSÃO VERTICAL

Portanto, a promoção por merecimento é um excelente meio de estimular uma melhor capacitação técnica nos quadros da Administração Pública direta, autárquica e fundacional.

Em seu art. 6º previu que a progressão funcional obedecerá a critérios seletivos a serem estabelecidos pelo Poder Executivo, tendo como norte a elevação do nível de eficiência dos servidores públicos:

Para atingir o objetivo de estimular o servidor a buscar o seu aperfeiçoamento, os critérios do merecimento devem ser previamente conhecidos por todos e pautar-se pelos princípios da isonomia, da impessoalidade, da igualdade de chances, da moralidade, da proporcionalidade e da razoabilidade, não permitindo ingerências de caráter subjetivo ou político.

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O prévio conhecimento das regras fará com que o servidor envide esforços para atingir as metas propostas e, assim, auferir a progressão funcional na carreira que integra.

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Contudo, não basta o prévio conhecimento das regras. Essas devem ser compatíveis com o que se espera de um Estado Democrático de Direito, de modo que sobre tais regras não possa pairar dúvidas quanto ao favorecimento de quem quer que seja. Nesse diapasão, chama atenção o fato de em algumas carreiras da Administração Pública adotar-se como critério de avaliação do merecimento o mero exercício de cargos em comissão ou funções gratificadas. Nesse artigo proceder-se-á à análise sobre a constitucionalidade de tal critério.

A Lei nº 5.645, de 10 de novembro de 1970, estabeleceu diretrizes para a classificação de cargos do serviço civil da União e das autarquias federais.

Art. 6º A ascensão e a progressão funcionais obedecerão a critérios seletivos, a serem estabelecidos pelo Poder Executivo, associados a um sistema de treinamento e qualificação destinado a assegurar a permanente atualização e elevação do nível de eficiência do funcionalismo.

Por meio do Decreto nº 84.669/1980, houve a regulamentação desse dispositivo, que disciplinou a progressão funcional no serviço público. Consoante esse decreto, o desenvolvimento funcional poderá ocorrer de forma horizontal, quando ocorrer dentro da mesma classe, ou de modo vertical, quando implicar mudança de classe: Art. 1º Aos servidores incluídos no Plano de Classificação de Cargos, instituído pela Lei nº 5.645, de 10 dezembro de 1970, aplicar-se-á o instituto da progressão funcional, observadas as normas constantes deste Regulamento. Art. 2º A progressão funcional consiste na mudança do servidor da referência em que se encontra para a imediatamente superior. Parágrafo único. Quando a mudança ocorrer dentro da mesma classe, denominar-se-á progressão horizontal e quando implicar mudança de classe, progressão vertical. (Redação dada pelo Decreto nº 89.310/19084)

Estabelece esse decreto que as progressões ocorrerão mediante avaliação do superior hierárquico:


§ 1º O desempenho funcional será apurado pelo chefe imediato e ponderado de acordo com os critérios estabelecidos no modelo anexo de ficha de avaliação de desempenho. [...].

Contudo, estabeleceu em seu art. 18 que, independentemente da avaliação, será concedido aos servidores ocupantes de determinados cargos em comissão Conceito 1: Art. 18. Independentemente de avaliação, será atribuído o Conceito 1 aos servidores: I – ocupantes de cargos de natureza especial; II – ocupantes de cargos ou funções integrantes dos Grupos Direção e Assessoramento Superiores e Direção e Assistência Intermediárias; III – ocupantes de Funções de Assessoramento Superior a que aludem os arts. 122 a 124 do Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, titulares de cargo efetivo ou de emprego permanente; IV – em exercício nos Gabinetes Civil e Militar da Presidência da República, no Serviço Nacional de Informações, na Secretaria Geral do Conselho de Segurança Nacional; V – requisitos para o exercício de cargos ou funções integrantes do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores, nos Poderes Legislativo e Judiciário da União, no Distrito Federal e Territórios, bem assim os afastados, mediante autorização expressa da autoridade competente, para cargos ou funções de direção superior em Empresas Públicas, Sociedades de Economia Mista, Fundações instituídas pela União, e nos serviços dos Estados e Municípios; VI – afastados em virtude de eleição por assembléia ou designados membros de órgãos colegiados federais.

O Decreto nº 84.669/1980 ainda rege a avaliação de desempenho no serviço público federal de um modo geral e, mais especificamente, naquelas carreiras indicadas na MP 2.229-43,

desde que não regulamento específico disciplinando a matéria no âmbito da respectiva carreira1. Contudo, a regra criada durante o regime ditatorial, que prevê uma conceituação específica pelo exercício de cargos em comissão no âmbito da Administração Pública Federal, não foi recepcionada pela Constituição, porquanto fere preceitos comezinhos a um Estado Democrático de Direito, já que confere privilégios a servidores mais próximos às esferas decisórias, ferindo de morte os princípios da isonomia, da impessoalidade, da igualdade de chances, da moralidade, entre outros. 1 “Art. 1º Esta medida provisória dispõe sobre a criação das Carreiras de Procurador Federal e de Fiscal Federal Agropecuário, reestrutura e organiza as seguintes carreiras e cargos: I – Analista de Finanças e Controle e Técnico de Finanças e Controle; II – Analista de Planejamento e Orçamento e Técnico de Planejamento e Orçamento; III – Analista de Comércio Exterior; IV – Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental; V – Técnico de Planejamento e Pesquisa e demais cargos de nível superior e de nível intermediário do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA; VI – Técnico de Planejamento P-1501 do Grupo P-1500; VII – Analista, Procurador e Técnico do Banco Central do Brasil; VIII – Inspetor e Analista da Comissão de Valores Mobiliários – CVM; IX – Analista Técnico da Superintendência de Seguros Privados – Susep; X – Carreira de Pesquisa em Ciência e Tecnologia; XI – Carreira de Desenvolvimento Tecnológico; XII – Carreira de Gestão, Planejamento e Infra-Estrutura em Ciência e Tecnologia; [...]” “Art. 4º O desenvolvimento do servidor nas carreiras e nos cargos de que tratam os arts. 1º e 55 desta medida provisória ocorrerá mediante progressão funcional e promoção. § 1º Para fins desta medida provisória, progressão é a passagem do servidor para o padrão de vencimento imediatamente superior dentro de uma mesma classe ou categoria, e promoção, a passagem do servidor do último padrão de uma classe ou categoria para o primeiro padrão da classe ou categoria imediatamente superior. § 2º A progressão funcional e a promoção observarão os requisitos fixados em regulamento.”

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Art. 12. A avaliação representará o desempenho do servidor no período de 12 (doze) meses e será feita até 15 de agosto.

“Art. 65. Até que seja aprovado o regulamento de que trata o § 2º do art. 4º desta medida provisória, aplicam-se, para fins de progressão funcional e promoção, as normas vigentes na data de sua publicação.”

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O que causa estupor é que essa regra acabou fincando raízes no Brasil e vem sendo reproduzida em outras carreiras do serviço público, entre as quais, por incrível que pareça, a Advocacia-Geral da União, a Procuradoria-Geral Federal, a Procuradoria-Geral do Banco Central e a Procuradoria-Geral do Distrito Federal, órgãos de natureza técnico-jurídica, que deveriam prezar pelo respeito à ordem constitucional e permanecer alheios a quaisquer tipos de ingerência política.

2 PROMOÇÃO POR MERECIMENTO NO ÂMBITO DAS CARREIRAS JURÍDICAS DA UNIÃO E DO DISTRITO FEDERAL

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No âmbito das carreiras jurídicas anteriormente citadas, a promoção por merecimento depende da abertura de vagas na classe ou categoria superior. Por meio de regulamentos específicos, foi estipulado que será promovido por merecimento o membro da carreira que obtiver o maior número de pontos, observada a pontuação obtida em decorrência das atividades desenvolvidas.

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No caso da Advocacia-Geral da União ficou estabelecido, por meio da Resolução nº 11, de 30 de dezembro de 2008, que o Advogado da União ou o Procurador da Fazenda Nacional pelo exercício de apenas 1 ano dos cargos em comissão que especifica receberá uma bonificação no concurso de promoção por merecimento: Art. 16. Ao efetivo exercício, de forma ininterrupta ou não, de cargos em comissão em órgão da Advocacia-Geral da União previsto no art. 2º da Lei Complementar nº 73, de 1993, será atribuída pontuação da seguinte forma: I – Advogado-Geral da União, pelo período de 1 (um) ano: 10 (dez) pontos; II – Natureza Especial – NES e Direção e Assessoramento Superiores – DAS, níveis 5 e 6, pelo período de 1 (um) ano: 7 (sete) pontos;

III – DAS, níveis 3 e 4, pelo período de 2 (dois) anos: 5 (cinco) pontos; e IV – DAS, níveis 1 e 2, pelo período de 3 (três) anos: 3 (três) pontos.

Com uma ou outra variação, norma semelhante foi introduzida no âmbito da Procuradoria-Geral Federal, da Procuradoria-Geral do Banco Central e da Procuradoria-Geral do Distrito Federal, respectivamente, por meio da Portaria PGF nº 1.432/2008, da Portaria BCB nº 51.745/2009 e da Resolução CSPGDF nº 2/2006. Na prática, tais regras vêm fazendo com que, no âmbito das respectivas carreiras, somente consigam ser promovidos com precedência sobre os demais concorrentes quem exerceu por algum período cargo em comissão ou função gratificada contemplados com bonificação nos certames.

3 OFENSA AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE O princípio da proporcionalidade tem por objetivo aferir se determinada norma apresenta vício de inconstitucionalidade decorrente do excesso de poder normativo. No caso, salta aos olhos o excesso normativo consubstanciado na estipulação de avaliação discriminatória na promoção por merecimento pela ocupação de cargos em comissão ou funções gratificadas. É que a liberdade de normatizar, compreendida na atividade regulamentar, está sempre limitada pelo dever de agir em conformidade com a segurança e a proteção suficiente dos direitos fundamentais daqueles que se sujeitarão ao campo de incidência das normas que serão extraídas da lei ou do regulamento.


Em sua substância, o princípio da proporcionalidade proíbe o excesso de poder normativo, que se revela mediante a contrariedade, incongruência e irrazoabilidade ou inadequação entre meios e fins. Por este princípio é possível se proceder à censura do excesso normativo quando não forem observados os seus pressupostos de adequação e necessidade. Acrescenta o doutrinador: O Tribunal Constitucional explicitou, posteriormente, “que os meios utilizados pelo legislador devem ser adequados e necessários à consecução dos fins visados. O meio é adequado se, com sua utilização, o evento pretendido pode ser alcançado; é necessário se o legislador não dispõe de outro meio eficaz, menos restritivo aos direitos fundamentais”. [...] Uma lei será inconstitucional, por infringente ao princípio da proporcionalidade ou da proibição de excesso, diz a Corte Constitucional alemã, “se se puder constatar, inequivocamente, a existência de outras medidas menos lesivas”. [...] O princípio da proibição de excesso, tal como concebido pelo legislador português, afirma Canotilho, “constitui um limite constitucional à liberdade de conformação do legislador”. Portanto, a doutrina constitucional mais moderna enfatiza que, em se tratando de imposição de restrições a determinados direitos, deve-se 2 MENDES, Gilmar Ferreira et al. Curso de direito constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 407 e 408.

indagar não apenas sobre a admissibilidade constitucional da restrição eventualmente fixada (reserva legal), mas também sobre a compatibilidade das restrições estabelecidas com o princípio da proporcionalidade. Essa orientação, que permitiu converter o princípio da reserva legal (Gesetzesvorbehalt) no princípio da reserva legal proporcional (Vorbehalt des verältnismässigen Gesetzes), pressupõe não só a legitimidade dos meios utilizados e dos fins perseguidos pelo legislador, mas também a adequação desses meios para consecução dos objetivos pretendidos (Geeignetheit) e a necessidade de sua utilização (Notwendigkeit oder Erforderlichkeit).3

Assim é que, para verificar se determinada norma respeita o princípio da proporcionalidade, deve-se realizar sobre ela um exame sobre a sua necessidade e adequação. E sob esse aspecto não é necessário, muito menos adequado, estabelecer pontuação no concurso de promoção por merecimento a quem ocupa cargo em comissão ou função gratificada em qualquer unidade do serviço público. É que o concurso de promoção por merecimento tem por objetivo fundamental promover o mérito pelo desempenho profissional em razão da presteza e segurança no desempenho da função. Não é nem um pouco adequado nem razoável privilegiar profissionais que exercem cargos em comissão ou funções gratificadas no serviço público, pois existem muitos outros modos de se aferir o mérito profissional. O critério em questão abarca a mera aparência, a mera exteriorização, o mero exercício do cargo, mas de modo algum avalia a presteza e a segurança no desempenho dessa função, pois, em regra, não há fixação de metas a serem atingidas pelos servidores que desempenham este ou aquele cargo comissionado e muito menos aferição se objetivos foram alcançados.

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Conforme doutrina Gilmar Ferreira Mendes2, o princípio da proporcionalidade possui assento constitucional na cláusula do devido processo legal prevista no art. 5º, LIV, da CF, que em seu aspecto substancial exterioriza a cláusula do devido processo legal proporcional: “LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; [...]”.

3 Idem, p. 409-410.

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Basta a ocupação do cargo, por si só, para que o servidor seja beneficiado com uma considerável pontuação sobre os demais, e assim ter facilitada a sua promoção na carreira, mas não há nenhuma preocupação em verificar se exerceu o cargo a contento.

Salta aos olhos a inadequação desse critério de pontuação. Ele também é totalmente desnecessário e desarrazoado, pois a Administração pode utilizar outros critérios que venham efetivamente pontuar o mérito profissional.

Ocorre que a Constituição Federal estabelece em seu art. 93, II, c, que a aferição do merecimento deverá ser realizada conforme o desempenho, pelos critérios objetivos da produtividade, pela presteza no exercício da jurisdição, pela frequência e pelo aproveitamento em cursos oficiais ou reconhecidos de aperfeiçoamento.

É evidente o excesso de poder regulamentar no caso em apreço, pois tal critério pode ser utilizado para beneficiar uma seleta casta de servidores mais próximos às esferas superiores de decisão. Há um evidente desvio de poder normativo, pois a regra em questão não se preocupa em avaliar o mérito pelo desempenho profissional, e acaba por estabelecer privilégios e distinções entre membros da mesma carreira.

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Essa norma revela um verdadeiro princípio constitucional a ser observado não só pelo Poder Judiciário, não só pelo Ministério Público, por força do disposto no art. 129, § 4º, mas por todo o serviço público.

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Nesse passo, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que o desvio e o excesso de poder normativo devem sofrer censura pelo Judiciário por afronta ao princípio da proporcionalidade:

O critério de pontuação por merecimento pelo mero exercício em cargos de comissão abre ensanchas ao favoritismo político, à troca de favores, ao subjetivismo do ato de escolha de quem será ou de quem não será promovido, com grande probabilidade de se estabelecer preferências ou privilégios a determinados integrantes da carreira.

Coloca-se em evidência, neste ponto, o tema concernente ao princípio da proporcionalidade, que se qualifica – enquanto coeficiente de aferição da razoabilidade dos atos estatais (Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de direito administrativo, p. 56/57, itens 18/19, 4. ed., 1993, Malheiros; Lúcia Valle Figueiredo, Curso de direito administrativo, p. 46, item 3.3, 2. ed., 1995, Malheiros) – como postulado básico de contenção dos excessos do Poder Público.

E a Constituição Federal, em seu art. 19, veda peremptoriamente o estabelecimento de privilégios ou preferências entre brasileiros:

Essa é a razão pela qual a doutrina, após destacar a ampla incidência desse postulado sobre os múltiplos aspectos em que se desenvolve a atuação do Estado – inclusive sobre a atividade estatal de produção normativa – adverte que o princípio da proporcionalidade, essencial à racionalidade do Estado Democrático de Direito e imprescindível à tutela mesma das liberdades fundamentais, proíbe o excesso e veda o arbítrio do Poder, extraindo a sua justificação dogmática de diversas cláusulas constitucionais, notadamente daquela que veicula, em sua dimensão substantiva ou material, a garantia do due process of law (Raquel Denize Stumm, Princípio da proporcionalidade no direito constitucional brasileiro, p. 159/170, 1995, Livraria do Advogado Editora; Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Direitos humanos fundamentais, p. 111/112, item 14, 1995, Saraiva; Paulo Bonavides, Curso de direito constitucional, p. 352/355, item 11, 4. ed., 1993, Malheiros).

Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: [...] III – criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.

Além do mais, o exercício do cargo já tem a sua correspondente contraprestação consistente no valor pecuniário relativo à remuneração a que o profissional faz jus mensalmente, acrescidos aos seus subsídios.


Isso significa, dentro da perspectiva da extensão da teoria do desvio de poder ao plano das atividades legislativas do Estado, que este não dispõe de competência para legislar ilimitadamente, de forma imoderada e irresponsável, gerando, com o seu comportamento institucional, situações normativas de absoluta distorção e, até mesmo, de subversão dos fins que regem o desempenho da função estatal. A jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal, bem por isso, tem censurado a validade jurídica de atos estatais, que, desconsiderando as limitações que incidem sobre o poder normativo do Estado, veiculam prescrições que ofendem os padrões de razoabilidade e que se revelam destituídas de causa legítima, exteriorizando abusos inaceitáveis e institucionalizando agravos inúteis e nocivos aos direitos das pessoas (RTJ 160/140-141, Rel. Min. Celso de Mello; RTJ 176/578579, Rel. Min. Celso de Mello; ADIn 1.063/DF, Rel. Min. Celso de Mello, v.g. – HC 97.976-MC/MG)

O critério é inadequado, pois não avalia o desempenho, a segurança nem a presteza pelo exercício do cargo; é impregnado com alto grau de subjetivismo; e, além disso, vem estabelecer um fator de discriminação entre servidores que são contemplados e outros que não são contemplados para o desempenho de cargos em comissão ou funções gratificadas no âmbito da Administração. É um critério desnecessário, pois existem outras formas para se aferir o merecimento. É desarrazoado, pois cargos em comissão e funções gratificadas já possuem a contraprestação que lhes é pertinente: o quantum remuneratório alusivo ao exercício do cargo.

Por fim, ofende a proporcionalidade, pois, na prática, impossibilita a participação democrática e o acesso à promoção por servidores que não exercem cargos em comissão.

4 VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA E DA IGUALDADE DE CHANCES Os princípios da isonomia e da igualdade de chances vêm estabelecidos no art. 5º, caput, da Constituição Federal. Diz o referido dispositivo: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...].

O princípio da isonomia implica o tratamento igualitário a todos aqueles que estejam na mesma situação jurídica. A regra que rege qualquer concurso de promoção, mormente de promoção por merecimento, deve pautar-se por critérios objetivos, os quais devem ser previamente conhecidos e permitir a todos os integrantes da carreira a igualdade de acesso à respectiva pontuação. Nesse passo, o critério de pontuação por merecimento, em razão do exercício de cargos em comissão ou de funções gratificadas, não é igualitário nem possibilita a todos a igualdade de acesso à pontuação a ele relativa. Os exercentes desses cargos são escolhidos discricionariamente pelo administrador. Em regra, no serviço público não existe um processo seletivo nem um critério objetivo que selecione o melhor, quem em tese teria melhores condições de exercer este ou aquele cargo em comissão, esta ou aquela função gratificada. Para o exercício de referidos cargos sequer é levada

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Como precedentemente enfatizado, o princípio da proporcionalidade visa a inibir e a neutralizar o abuso do Poder Público no exercício das funções que lhe são inerentes, notadamente no desempenho da atividade de caráter legislativo. Dentro dessa perspectiva, o postulado em questão, enquanto categoria fundamental de limitação dos excessos emanados do Estado, atua como verdadeiro parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais.

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em consideração a antiguidade na carreira, de modo que não raro servidores em estágio probatório ou até mesmo recém-empossados são alçados a exercer cargos em comissão ou funções gratificadas, mesmo com a mínima ou até mesmo sem qualquer vivência ou experiência prática na administração. E o que é pior: a pontuação é conferida apenas e tão somente pelo exercício do cargo. Ao servidor, normalmente, não é estipulada uma meta a cumprir. Também não existe nenhum critério de aferição se o ocupante do cargo em comissão ou função gratificada exerceu suas atribuições condignamente. Definitivamente, não se pode dizer que aqueles que exercem cargos em comissão ou funções gratificadas sempre o merecem por serem os mais capazes ou competentes tecnicamente, pois o administrador não estipulou regras objetivas para a escolha de tais profissionais e dificilmente este terá condições humanas de conhecer todos os integrantes da carreira.

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Muitas vezes o maior merecimento dos que ocupam esses cargos ou essas funções é ser conhecido ou amigo pessoal do gestor público ou daqueles que a ele tenham acesso no trato político.

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Em outras palavras, é o próprio administrador que, em última instância, poderá escolher quem deseja – ou quem não deseja – ver promovido. É por isso que o Supremo Tribunal Federal, pelo seu Tribunal Pleno, já decidiu que viola o princípio da isonomia a norma que estabelece em concurso público pontuação pelo mero exercício de função pública: EMENTA: CONSTITUCIONAL – CONCURSO PÚBLICO – REGULAMENTO Nº 7/2004 DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO, INCISOS I E II DO ART. 31 – PROVA DE TÍTULOS: EXERCÍCIO DE FUNÇÕES PÚBLICAS – I – Viola o princípio constitucional da isonomia

norma que estabelece como título o mero exercício de função pública. II – [...]. (ADIn 3443/MA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, J. 08.09.2005)

Para exemplificar, traz-se situação verificada no âmbito da Procuradoria-Geral Federal. Essa instituição possui 4.369 cargos de Procurador Federal, distribuídos por 713 unidades institucionais e todos eles exercem a representação judicial e extrajudicial de 155 autarquias e fundações públicas federais4. Ocorre que, atualmente, existem apenas 359 cargos em comissão ou funções gratificadas no âmbito da Procuradoria-Geral Federal. Estes números constam do Decreto nº 7.392, de 13 de dezembro de 2010, em seu Anexo IV: b) Quadro Resumo de Custos dos Cargos em Comissão e das Funções Gratificadas da Procuradoria-Geral Federal CÓDIGO

DAS-UNITÁRIO

NE

SITUAÇÃO ATUAL

SITUAÇÃO NOVA

QTDE.

VALOR TOTAL

QTDE.

VALOR TOTAL

5,40

1

5,40

1

5,40

101.6

5,28

1

5,28

1

5,28

101.5

4,25

7

29,75

7

29,75

101.4

3,23

27

87,21

27

87,21

101.2

1,27

12

15,24

12

15,24

101.1

1

19

19,00

19

19,00

SUBTOTAL 1

67

161,88

67

161,88 23,20

FG-1

0,20

116

23,20

116

FG-2

0,15

176

26,40

176

26,40

SUBTOTAL 2

292

49,60

292

49,60

TOTAL

359

211,48

359

211,48

4 Dados extraídos do seguinte endereço eletrônico, de acesso reservado aos membros da instituição: <https://redeagu.agu.gov.br/PaginasInternas. aspx?idConteudo=160682&idSite=1106&aberto=&fechado>. Acesso em: 7 jul. 2012, às 18h45min.


Por isso, além do princípio da isonomia, esse critério infringe o princípio da igualdade de chances, pois dado número reduzido de cargos em comissão ou funções gratificadas comparativamente ao número de integrantes da carreira, e à ausência de um critério objetivo para escolha ou para a rotatividade dos que irão exercer tais cargos ou funções, resta impossibilitado a todos os Procuradores Federais uma paridade de chances para ter acesso à respectiva pontuação. Desse modo, acabou-se por escolher um critério restritivo que costuma premiar aqueles chegados às camadas mais próximas das esferas de decisão. Daí a ofensa aos princípios da isonomia e da igualdade de chances.

5 OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA IMPESSOALIDADE E DA MORALIDADE PÚBLICAS Como dito, os critérios de pontuação para a promoção por merecimento necessitam ser objetivos. Significa dizer que devem ser substancialmente – e não apenas formalmente – objetivos.

O subjetivismo original será determinante para o gestor previamente decidir sobre quem deseja – ou quem não deseja – promover. Desse modo, o critério escolhido pode até apresentar uma aparência objetiva, por estar previamente estipulado; mas retirado o verniz que o encobre, descortina-se a substância subjetiva do critério, pois em última instância o gestor público poderá definir quem gostaria de favorecer – ou quem não gostaria de contemplar de jeito nenhum – com uma promoção próxima. E não se pode conceber no serviço público que o gestor da vez tenha tanto poder, não apenas para escolher quem irá ser promovido, mas também para decidir quem definitivamente terá dificultada a sua promoção durante o período em que detiver o poder. Por isso, o critério adotado fere de morte o princípio da impessoalidade, tanto no momento em que privilegia os amigos do rei quanto quando serve de instrumento aviltante àqueles que não se enquadram no mesmo viés ideológico do detentor do poder. A Constituição Federal erigiu os princípios da impessoalidade e da moralidade como basilares da Administração Pública: Art. 37. A Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência [...].

Quando a escolha por um critério recai sobre quem ocupa determinado cargo em comissão, esse critério não pode ser considerado substancialmente objetivo, pois está impregnado por uma subjetividade nascente.

Por isso todo concurso de promoção deve basear-se por critérios essencialmente objetivos.

O fato de caber ao gestor a escolha sobre quem irá exercer este ou aquele cargo ou função torna o critério subjetivo em seu nascedouro e acaba por impregnar a pontuação da promoção por merecimento de uma discricionariedade abusiva.

Importante frisar que todo critério de pontuação deve ser objetivo e integralmente objetivo. Ele não pode apenas aparentar uma objetividade, que procura encobrir uma subjacente carga de subjetividade ou discricionariedade abusiva do administrador.

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Como se pode perceber, por razões óbvias, o número de Procuradores Federais supera em muito o número de cargos em comissão e funções gratificadas existentes no âmbito da Procuradoria-Geral Federal.

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Certo é que a presença de subjetivismos na avaliação por merecimento deve ser exemplarmente combatida, sob pena de se atribuir privilégios excessivos a uns em detrimento de outros que igualmente demonstram competência administrativa, mas que simplesmente por não serem conhecidos do administrador ou serem a ele opositores, ideologicamente falando, acabam por ter dificultada a sua ascensão funcional.

Ora, pela ocupação dos cargos em comissão todos os servidores já percebem a contraprestação que lhes é devida, qual seja, o quantum remuneratório a ela correspondente. Por isso não há nenhuma necessidade em sentido estrito em conferir uma pontuação destacada pelo exercício de cargos em comissão, pois todos devem exercer o seu múnus com tanta dedicação quanto os demais membros da instituição.

Não se está a dizer que todas as pessoas exercentes de cargos em comissão ou funções gratificadas não possuam capacidade para o exercício de tal função. Definitivamente não é isso.

Assim, o critério acaba por favorecer os servidores mais próximos aos meandros do poder.

O que se está dizendo é que esse critério permite que profissionais sejam promovidos sem ter havido qualquer mérito de sua parte, pois se pontua o mero exercício do cargo de per si, sem considerar o que se fez durante o exercício do cargo.

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O ato de escolha de tais pessoas é absolutamente subjetivo e por isso o mero exercício de tais cargos ou funções não pode implicar uma consequência tão grave na vida funcional dos integrantes da carreira que integra.

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Apenas à guisa de ilustração, tem-se que nos últimos 7 concursos de promoção realizados no âmbito da Procuradoria-Geral Federal sob a égide da Portaria PGF nº 1.432/20085, em que se premia o exercício de cargos em comissão ou funções gratificadas, 37 Procuradores Federais foram promovidos por merecimento da primeira categoria para a categoria especial; destes, 31 (83,78%) foram promovidos ostentando pontuação pelo exercício de cargos em comissão ou funções gratificadas. Ou seja, dos 37 apenas 06 (17,22%) conseguiram ser promovidos sem a utilização de pontos relativos a cargos em comissão ou funções gratificadas. E o que é pior: constata-se que dos promovidos, 4 Procuradores o foram mediante utilização única e exclusiva da pontuação relativa ao exercício de cargos em comissão ou funções gratificadas, o que é absolutamente inaceitável em um Estado Democrático de Direito. 5 Período considerado: 01.01.2009 a 31.06.2012.

E se há a possibilidade de desvirtuamento, de abuso ou de favorecimento pessoal, esse critério deve ser expurgado da ordem jurídica por ofensa ao princípio da impessoalidade e da moralidade, pois não basta ao administrador ser honesto. Ele deve parecer honesto. Como a mulher de César. Dallari leciona: [...] Todo o ser humano tem uma natural aspiração a melhorar, progredir, evoluir. A estagnação e o imobilismo destroem psicologicamente qualquer pessoa normal. A questão jurídica que se coloca é a da criação de meios e instrumentos que possibilitem essa evolução, em conformidade com aos princípios constitucionais da isonomia e da impessoalidade. [...] A evolução funcional deverá ser baseada no mérito do servidor, desde que objetivamente aferido. Para isso existem dois processos básicos, já suficientemente conhecidos que são a avaliação de desempenho e os concursos de promoção ou acesso. [...] A Constituição não admite a evolução funcional determinada exclusivamente pelo tempo de serviço, nem por sorteio, nem, muitíssimo menos por escolha pessoal de quem quer que seja (até mesmo por eleição). O plano de carreira não pode ser entendido como um benefício ao servidor, mas, sim, com um instrumento de melhoria do serviço público, como meio de proporcionar a melhoria da qualidade de vida da coletividade,


No caso em apreço, está-se diante de um quadro absolutamente inconstitucional, pois os regulamentos supracitados erigem no concurso interno de promoção por merecimento o critério político no lugar do técnico. Esse critério retira o caráter meritório que deve ser contemplado no desenvolvimento funcional de quaisquer servidores públicos e acaba por ir de encontro a outro princípio constitucional, o da eficiência, pois o desestímulo à capacitação técnica dos profissionais que integram os quadros efetivos da Administração direta e indireta – como sói ocorrer na situação em análise – pode trazer consequências deletérias à qualidade na prestação dos serviços públicos pela Administração. A atribuição de pontuação a cargo de livre nomeação permeia o certame de pessoalidade, certo de que o gestor nem sempre conseguirá escolher o melhor profissional, e o que é pior: permite que a escolha recaia naquele que possui mais contato com o detentor do poder, seja por convívio, seja por amizade, seja por uma odiável política de troca de favores, em afronta direta aos princípios da impessoalidade e moralidade públicas. Assim é que a falta de objetividade materializada na subjetividade nascente que norteia a indicação de um determinado servidor para o exercício deste ou daquele cargo em comissão ou função gratificada impede que se possa conferir bonificação pelo mero exercício do cargo de livre nomeação para fins de promoção por merecimento, sob pena de conferir demérito à 6 DALLARI, Adilson Abreu. Regime constitucional dos servidores públicos. 2. ed. São Paulo: RT, 1990. p. 52.

moralidade, à isonomia, à igualdade de chances, à eficiência, à impessoalidade e à proporcionalidade.

CONCLUSÃO Viu-se nas linhas supra que a pontuação no concurso de promoção por merecimento pelo mero exercício de cargos em comissão ou funções gratificadas em quaisquer carreiras públicas infesta o concurso de um subjetivismo nefasto, ofensivo a princípios comezinhos em um Estado Democrático de Direito, tais como a proporcionalidade, a razoabilidade, a moralidade, a isonomia, a igualdade de chances e a impessoalidade. O critério é inadequado, pois não avalia o desempenho, a segurança nem a presteza pelo exercício do cargo; é impregnado com alto grau de subjetivismo e estabelece um fator de discriminação entre os servidores. É um critério desnecessário, pois existem outras formas para se aferir o merecimento. É desarrazoado, pois cargos em comissão e funções gratificadas já possuem a contraprestação que lhes é pertinente: o quantum remuneratório alusivo ao exercício do cargo. É anti-isonômico, pois retira de todos a participação democrática no certame. Ofende o princípio da igualdade de chances, pois o número de integrantes da carreira é inversamente proporcional ao número de cargos em comissão ou funções gratificadas. Infringe ao princípio da impessoalidade, pois em última instância é o gestor quem escolherá quem deseja ou quem não deseja ser promovido enquanto ele estiver no exercício do poder.

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enfim, como forma de satisfazer o interesse público, proporcionando, também (mas não exclusivamente) vantagens aos servidores, aos bons servidores, aos melhores servidores públicos.6

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Por fim, é um critério imoral, pois permite a prevalência do mérito político, em detrimento do técnico, podendo abrir ensanchas a uma odiável troca de favores. Cumpre a administração encontrar mecanismos que incentivem a meritocracia, evitando-se quaisquer tipos de favorecimento de caráter pessoal ou político. Espera-se que os gestores públicos atentem para esse fato e envidem esforços para que princípios tão basilares em um Estado Democrático de Direito não sejam desrespeitados no seio da Administração Pública.

REFERÊNCIAS DALLARI, Adilson Abreu. Regime constitucional dos servidores públicos. 2. ed. São Paulo: RT, 1990.

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MENDES, Gilmar Ferreira et al. Curso de direito constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

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Doutrina

Apontamentos sobre a Situação Jurídica do Particular/Terceiro na Lei nº 8.429/1992 – Aplicação da Teoria da Equivalência dos Antecedentes Causais na Improbidade Administrativa MAURO ROBERTO GOMES DE MATTOS

Advogado Especializado em Direito Administrativo, Vice-Presidente do Instituto Ibero-Americano de Direito Público (Capítulo Brasileiro) – IADP, Membro da Sociedade Latino-Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social, Membro do IFA – International Fiscal Association, Conselheiro Efetivo da Sociedade Latino-Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social, Cocoordenador da Revista Ibero-Americana de Direito Público – RIADP (Órgão de Divulgação Oficial do IADP). Autor dos Livros Lei no 8.112/1990 Interpretada e Comentada (6. ed., 2012), Tratado de Direito Administrativo Disciplinar (2. ed., 2010), O Limite da Improbidade Administrativa – O Direito dos Administrados dentro da Lei nº 8.429/1992 (5. ed., 2010), O Contrato Administrativo (2. ed., 2002), Licitação e seus Princípios na Jurisprudência (1999), Compêndio de Direito Administrativo – Servidor Público (1998), entre outras obras.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS Apesar da Lei de Improbidade Administrativa ser endereçada para o combate aos atos imorais e devassos dos agentes públicos que violem os bens jurídicos tutelados pela Lei nº 8.429/1992, o particular ou o terceiro também respondem aos seus termos, em conjunto com os agentes públicos tidos por ímprobos. Com efeito, o particular que induza ou concorra para o ato de improbidade administrativa ou dele se beneficie é considerado também sujeito ativo da Lei nº 8.429/1992, legitimando-se a figurar no polo passivo da demanda judicial, como se verifica da redação do art. 3º da mencionada lei, verbis: Art. 3º As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática de ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.

Com uma imperfeita aplicação da norma ao caso concreto, pode-se verificar que o art. 3º em questão permite verdadeira distorção do texto da Lei nº 8.429/1992, em decorrência de que, para a caracterização do ato de improbidade administrativa, como regra, exige-se que a conduta seja praticada de modo doloso. Contudo, o artigo em comento não faz distinção específica entre o ato doloso e o culposo, pois, ao tempo em que descreve a necessidade de o particular induzir ou concorrer com o agente público para a prática de ato de improbidade administrativa (dolo), em sua parte final, de maneira equivocada e contraditória, estabelece que a obtenção de qualquer benefício, direto ou indireto pelo particular, mesmo que sequer tenha concorrido para tal, ensejará a caracteri-


zação da solidariedade com o agente público na prática do ato ímprobo, simplesmente por ter grafado uma situação jurídica ou outra (caput do art. 3º). Ora, se o particular induzir ou concorrer para a prática do ato de improbidade administrativa, não resta dúvida de que será partícipe da imoralidade qualificada, caracterizada pelo ato de má-fé do agente público, que, no exercício de sua função pública, se desvia do dever de atuar com retidão e lisura, para beneficiá-lo ilicitamente. Isso porque a indução do particular, considerada a indução como a consequência tirada dos fatos que se examinam, representa verdadeira influência na prática do ato devasso e imoral do agente público, bem como “concorrer” tem o significado de “juntar-se para uma ação ou fim comum”1.

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Em sendo assim, caracterizada a indução ou a concorrência de atos ímprobos, e estando presente o elemento subjetivo do tipo, configurado está o delito qualificado pela improbidade administrativa. Não só o agente público responderá aos termos da Lei nº 8.429/1992, mas também o particular, pois as disposições contidas nos arts. 1º e 3º da citada legislação são uníssonas ao preservarem a responsabilidade de todas as pessoas que participem dolosamente, de forma direta ou indireta, do ato ímprobo.

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Nesse sentido, segue o posicionamento da eminente Ministra Eliana Calmon2, Relatora do REsp 931135/RO, que ficou assim ementado: Administrativo. Improbidade administrativa. Terceiro não ocupante de cargo público. Concurso para a prática de ato descrito no art. 9º da Lei nº 8.429/1992. Condenação. Possibilidade. Incidência dos arts. 1º e 3º da Lei nº 8.429/1992. 1. Os arts. 1º e 3º da Lei nº 8.429/1992 são expressos ao preservarem a responsabilização de todos, agentes públicos ou não, 1 MICHAELIS. Moderno Dicionário da Língua Portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 1998. p. 554. 2 STJ, Relª Min. Eliana Calmon, 2ª T., REsp 931135/RO, DJ de 27.02.2009.

que induzam ou concorram para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficiem sob qualquer forma, direta ou indireta. 2. A expressão “no que couber”, prevista no art. 3º, deve ser entendida apenas como forma de restringir as sanções aplicáveis, que devem ser compatíveis com as condições pessoais do agente, não tendo o condão de afastar a responsabilidade de terceiro que concorre para ilícito praticado por agente público. 3. Recurso especial não provido.

Portanto, é certo que sem a demonstração do elemento subjetivo da conduta do agente e do terceiro, não haverá a possibilidade jurídica de subsunção de suas condutas em um dos tipos descritos na Lei nº 8.429/19923. De se ressaltar que essa demonstração do elemento subjetivo da conduta é totalmente necessária4, pois na Lei nº 8.429/1992 inexiste a figura do litisconsórcio necessário entre o agente público e os terceiros supostamente beneficiários do ato ímprobo, não se aplicando, via de consequência, a regra legal prevista no art. 47 do CPC. O litisconsórcio forma-se, genericamente, no processo civil, por iniciativa do autor, do réu, do juiz ou de terceiro que intervém voluntariamente na demanda. Quando propõe a demanda, o autor institui o litisconsórcio, identificando quem vai participar da relação processual no polo passivo. 3 “[...] 2. Não se pode confundir improbidade com simples ilegalidade. A improbidade é ilegalidade tipificada e qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do agente. Por isso mesmo, a jurisprudência do STJ considera indispensável para caracterização de improbidade, que a conduta do agente seja dolosa, para a tipificação das condutas descritas nos arts. 9º e 11 da Lei nº 8.429/1992, ou pelo menos eivada de culpa grave, mas do art. 10 [...].” (STJ, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, AIA 30/AM, Corte Especial, 21.09.2011) 4 STJ, Ag-REsp 1280560, 2ª T., Rel. Min. Humberto Martins, DJ de 09.02.2012; REsp 896044/PA, 2ª T., Rel. Min. Herman Benjamin, DJ de 19.04.2011.


Por óbvio que esse ato processual – ato potestativo do autor da ação, pois seu cumprimento depende da vontade exclusiva de uma das partes enquanto que a outra se encontra em estado de sujeição – deve se fundar em sólidos elementos, capazes de demonstrar, em sumaria cognito, a plausibilidade da postulação e a justa causa da inclusão do litisconsórcio passivo. O requerimento de litisconsórcio passivo, tal qual a inclusão do agente público na demanda, dependerá de provas consistentes e concretas da atuação (elemento subjetivo) do particular, em conjunto com o agente público, na prática de um ato imoral e devasso que viole o bem jurídico tutelado pela Lei nº 8.429/1992. O benefício a que alude o art. 3º em questão deve vir precedido, em nosso entendimento, de um ajuste ou acerto de interesses inescrupulosos e imorais, confrontando-se com os interesses da Administração Pública. De um lado, o agente público, livre e consciente, viola o seu dever de probidade para deliberadamente beneficiar o terceiro, em detrimento do Erário ou do interesse público. O terceiro que adere e aceita a prática do ato imoral que vai beneficiá-lo passa a ser partícipe da prática de ato ímprobo. Essa conectividade deve existir, pois é cediço que na Lei de Improbidade Administrativa a responsabilidade é pessoal e intransferível, portanto, subjetiva, sendo necessária a prática isolada ou em coautoria do agente público com terceiros/particulares, para se estabelecer um vínculo jurídico ilícito, capaz de subsumir as respectivas condutas na Lei nº 8.429/1992. O benefício do particular a que alude o art. 3º da Lei nº 8.429/1992, direto ou indireto, pressupõe um vínculo de atuação

do particular em conjunto, ou seja, um nexo de causalidade, com o agente público, visando ao fim jurídico ilícito, vedado pela lei de improbidade administrativa. Por benefício se entende um ganho ou favorecimento, em que o agente público deliberadamente se junta com os interesses do particular para lesar o Erário ou os interesses morais da Administração Pública. Se é exigido o elemento subjetivo do agente público para fins de subsunção de sua conduta em um dos tipos descritos pela Lei nº 8.429/1992, por igual motivo deve se demonstrar a adesão ilícita e imoral do particular por meio de uma conexão entre ambas as condutas, visto que a responsabilidade objetiva é rechaçada pela aludida lei, inclusive para o particular. Nesse sentido, é ilegal se partir da presunção da prática de ato imoral de particular por ter sido beneficiado por ato de agente público tido como ímprobo. Há a necessidade de demonstração do elo existente entre a conduta do agente e a participação do terceiro/particular para o resultado produzido. O nexo de causalidade consiste em descobrir quais condutas, positivas ou negativas, deram causa ao resultado previsto em lei. Assim, para se dizer que alguém causou determinado fato, faz-se necessário estabelecer a ligação (participação) entre a conduta do agente público e o resultado gerado em favor do particular, com prejuízo (financeiro ou moral) para o Poder Público. Isto é, verificar se da ação ou omissão adveio o resultado combatido pela Lei nº 8.429/1992, tratando-se de pressuposto inafastável, perseguido pela persecução estatal para a imputação de um delito previsto na citada lei, resultante da materialidade e da autoria, vinculados aos atos dos acusados. Vários são os exemplos de nexo causal. Um deles se resume no fato de alguém realizar trabalho danoso, penoso, insalubre, e, após certo período, desenvolver uma doença e isso não ser suficiente para concessão de indenização. Para tanto, é neces-

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No caso da improbidade administrativa, somente tem a obrigatoriedade de figurar no polo passivo da demanda o agente público tido, em tese, como ímprobo. O litisconsórcio é um plus, que a juízo do autor da ação poderá ser instaurado ou não.

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sário que o empregado comprove o vínculo entre a doença e a atividade desenvolvida. Da mesma forma, na Lei de Improbidade Administrativa é dever do autor da ação demonstrar a participação ou adesão do particular para a prática do ato ímprobo. Exemplo do afirmado é quando determinado auditor fiscaliza o contribuinte e não faz qualquer lançamento tributário, por entender que a situação com o Fisco é regular, e, a posteriori, a Administração Pública determina que haja uma nova fiscalização desse contribuinte e encontra débito tributário a ser lançado.

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Quem garante que a primeira fiscalização estava tecnicamente errada e que a segunda é que deve ser adotada para fins de verificação de lançamento tributário? E se a segunda estiver correta, como afirmar que houve dolo do auditor em benefício do terceiro/particular? É preciso demonstrar o nexo de causalidade sob pena de não ser possível a responsabilização civil.

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De se dizer, sem a prova de que houve a adesão do particular, por meio de um conluio ou demonstração de ato imoral, como se admitir que ele figure no polo passivo da ação de improbidade administrativa por ter sido, em tese, “beneficiado” pela primeira fiscalização que não encontrou indício de irregularidade tributária? Entende-se que, para que o particular seja alçado à condição de réu em ação de improbidade administrativa, mister se faz que seja demonstrado o nexo de causalidade entre o benefício direto ou indireto auferido por meio da prática em conjunto, com a adesão de agente público, do ato imoral ou indecente, pois do contrário não há plausibilidade jurídica de imputação de responsabilidade objetiva. O erro ou o equívoco do agente público que cause benefício ou gere situação irregular para o particular necessariamente

deverá ter a adesão do mesmo ao ato ímprobo, pois não se admite em nosso ordenamento jurídico a culpa por presunção, e muito menos uma ilegalidade administrativa se equipara a um ato ímprobo. Além do mais, a ilegalidade consiste no equívoco do agente público, e, para se transformar em ato de improbidade administrativa, tem que ser demonstrado que foi gerado com a intenção de lesar ou ferir um dos bens jurídicos tutelados pela Lei nº 8.429/1992. Ainda ad exemplum, diferente é a hipótese, narrada no AI 2008010004715365, do TRF 1ª Região, em que pessoa jurídica de direito privado recebeu pagamentos por serviços não prestados. Nessa situação, há a atuação volitiva dos representantes de sociedades empresárias do acréscimo patrimonial auferido em função da prática do ato imoral e ilícito do agente público em detrimento do Erário. A necessidade de atuação dolosa e em parceria entre o agente público e o terceiro/particular faz nascer a responsabilidade perante a Lei nº 8.429/1992, desde que violado bem jurídico tutelado pela mesma. À guisa de ilustração, pode-se citar o seguinte julgado do TRF 1ª Região, em que determinado servidor público, do alto escalão da Presidência da República, fez tráfico de influência em contrato de gestão de loterias da CEF, exigindo a contratação de terceiro como condição de aprovação do aludido contrato, por um custo de 10 milhões de reais. Assim ficou ementado o referido julgado6: 5 TRF 1ª R., AI 200801000471536, 3ª T., Rel. Juiz Fed. Conv. Reynaldo Soares da Fonseca, DJ de 06.03.2009, p. 62. 6 TRF 1ª R., Ap. Cível nº 200434000223790, 3ª T., Rel. Juiz Fed. Conv. Guilherme Mendonça Doehler, DJ de 31.01.2012, p. 67.


incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 5 (cinco) anos, e a suspensão dos direito políticos também pelo prazo de 5 (cinco) anos. 7. Apelações parcialmente providas.

Como visto, a improbidade administrativa que dá ensejo à responsabilização do agente com adesão do particular se materializa pelo ato marcante desonesto, praticado de má-fé ou caracterizado pela imoralidade qualificada e pelo elemento subjetivo da conduta. Daí que a conduta ilegal só se torna ímproba se revestida também de má-fé do agente público e do particular. Essa é uma das razões legais que exige que esse ato de má-fé do agente público seja compartilhado integralmente pelo terceiro/particular, não só pelo fato do recebimento de benefício ou de vantagem, mas na prática conjunta do ato imoral e devasso. O terceiro/particular, que não é agente público, para que figure no polo passivo da ação de improbidade administrativa, necessário se faz a existência as situações que elencamos em nossos comentários à Lei nº 8.429/19927, litteris: Para que o terceiro, que não é agente público, figure como sujeito ativo na improbidade administrativa, necessário se faz que existam uma ou todas as situações elencadas no artigo em exame: • indução do agente público para a prática do ato de improbidade administrativa; • que ocorra o concurso para a sua ocorrência; • que se beneficie dele ainda que indiretamente; • dolo, caracterizado pela vontade de lesar o Erário ou se beneficiar de um ato velado pelo direito, direta ou indiretamente.

Sem que seja descrita a utilização de ardil ou de fraude (má-fé), não se presta para fim de legitimar a inclusão do terceiro/parti7 MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. O limite da improbidade administrativa. Comentários à Lei nº 8.429/1992. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 77.

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Administrativo e processual civil. Improbidade administrativa. Tráfico de influência: Subchefe de assuntos parlamentares da Secretaria de Coordenação Política e Assuntos Institucionais da Presidência da República. Interferência indevida em contrato de gestão de loterias da Caixa Econômica Federal. GTECH. Contratação de terceiro como condição de renovação do contrato: extorsão. Violação ao art. 11 da Lei nº 8.429/1992. 1. O uso de cargo público para tráfico de influência constitui ato de improbidade administrativa, na forma do art. 11 da Lei nº 8.429/1992, com quebra dos princípios que regem a Administração Pública, quando tal fato não configura enriquecimento ilícito ou dano ao Erário. 2. Ato de improbidade administrativa cometida pelo Subchefe de Assuntos Parlamentares da Secretaria de Coordenação Política e Assuntos Institucionais da Presidência da República pelos seguintes fatos: 2.1. A interferência indevida para renovação de contrato entre a Caixa Econômica Federal e a Empresa GTECH, então responsável pelo gerenciamento das loterias sob a responsabilidade da CEF, para o qual participou no mínimo de 3 (três) reuniões. 2.2. Imposição à Empresa GTECH da contratação de terceiro, interposta pessoa, para cargo de consultor, mediante pagamento no valor de, pelo menos, R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais). 2.3. Valeu-se das facilidades que o cargo proporcionava para realizar operações clandestinas e fora de sua área de atuação, vislumbrando o auferimento de vantagem pecuniária, para outrem ou para si. 3. A ação deliberada do ex-servidor, de usar as prerrogativas que são inerentes aos ocupantes de cargo em comissão na Casa Civil da Presidência da República, em atuação dentro do Palácio do Planalto, demonstra a ausência do animus necessário ao regular exercício das atribuições de seu cargo. 4. Condenação do Ex-Subchefe à pena de multa civil de quinze vezes o valor da remuneração percebida à época dos fatos, devidamente corrigida, acrescida de juros legais de 6% (seis por cento) ao ano, à perda de cargo público eventualmente ocupado, à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 5 (cinco) anos, e à suspensão dos direito políticos também pelo prazo de 5 (cinco) anos. 5. O segundo réu, não servidor público, que seria o beneficiário imediato do valor da extorsão, incide nas mesmas proibições, na forma autorizada pelo art. 3º da Lei nº 8.429/1992. 6. Condenação do particular à pena de multa civil de cinco vezes o valor da remuneração percebida pelo Ex-Subchefe à época dos fatos, devidamente corrigida, acrescida de juros legais de 6% (seis por cento) ao ano, à perda de cargo público eventualmente ocupado, a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou

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cular no polo passivo da ação de improbidade administrativa, porquanto, para a caracterização de qualquer ato ímprobo, necessário se faz a presença do elemento subjetivo (dolo) na conduta do agente público em conjunto com o particular, visto que não é admitida a responsabilidade objetiva no presente ordenamento jurídico sancionatório, como já destacado. O nexo de causalidade é imperioso para que ocorra a subsunção da conduta do particular na Lei nº 8.429/1992. Deverá haver uma relação direta ou indireta entre o ato ímprobo praticado pelo agente público e a adesão do particular, justamente porque, obrigatoriamente, terão que ser partícipes da má-fé, visando à obtenção de um resultado ilícito e imoral, vedado pela citada lei. Porquanto

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a Lei nº 8.429/1992 visa a resguardar os princípios da Administração Pública sob o prisma do combate à corrupção, da imoralidade qualificada e da grave desonestidade funcional, não se coadunando com a punição de meras irregularidades administrativas ou transgressões disciplinares, as quais possuem foro disciplinar adequado para processo e julgamento.8

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Assim sendo, a responsabilidade tanto do agente público quanto a do particular que se beneficie do ato deve ser subjetiva, resultante da prática conjunta do ato ímprobo e do ato desonesto e imoral. Deverão estar invencivelmente caracterizadas a desonestidade e a má-fé do agente público em conjunto com o particular, na obtenção de um resultado ilícito e vedado pelo ordenamento jurídico, a fim de ocorrer a subsunção das respectivas condutas nos referidos tipos da Lei nº 8.429/1992. Essa é a correta exegese das regras insertas na Lei nº 8.429/1992, considerando a gravidade das sanções e restrições que a res8 STJ, REsp 108991/PE, 2ª T., Rel. Min. Castro Meira, DJ de 25.11.1999.

pectiva lei prevê, muitas delas com caráter penal sancionatório evidente. No entanto, sucede que o disposto na parte final do art. 3º da Lei nº 8.429/1992 conduziu ao desvirtuamento indevido da aplicação da presente lei em relação ao particular que age com culpa ou que até mesmo se beneficie do ato de improbidade administrativa sem ter contribuído para a sua prática, ou ainda que não tenha a menor relação jurídica ou pessoal com o ente público ou com a Administração Pública. A expressão “sob qualquer forma direta ou indireta” relacionada ao particular, a que alude o art. 3º em sua parte dispositiva final, não pode ser aplicada em sua ampla literalidade, inclusive em relação ao sujeito que não agiu de modo doloso, com culpa stricto sensu, e tampouco induziu ou concorreu para a obtenção de vantagem para o agente público, não podendo ser punido rigorosamente com penalidades previstas na Lei nº 8.429/1992, sem ter dado causa ao ato ímprobo. Se o particular não agiu com dolo ou culpa, a imposição da sanção retributiva prevista na Lei de Improbidade Administrativa é injurídica e imoral. Não estando configurado o dolo na atuação do particular, não poderá haver a subsunção de sua conduta nos arts. 9º e 11 da Lei de Improbidade Administrativa, isso porque a ilegalidade somente adquire o status de ato ímprobo quando a conduta típica e antijurídica é praticada com a má-fé do agente público ou do particular, conjuntamente, e não de modo isolado. Por sua vez, apesar de o art. 10 da Lei nº 8.429/1992 admitir a presença da culpa, a mesma deve ser grave9. Portanto, deve ser cabalmente demonstrado na petição inicial de improbidade administrativa ou no curso do processo que o particular bus9 STJ, AIA 30/AM, Corte Especial, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 28.09.2011.


Não aderindo a nenhuma prática ilícita, não agindo com dolo em coautoria ou participação com agentes públicos nem causando prejuízo ao Erário, o particular está fora do contexto do art. 3º da Lei nº 8.429/1992. Tudo porque é necessária a presença do elemento subjetivo do tipo, para que a subsunção da conduta do agente público ou do particular seja aferida dentro do contexto da Lei nº 8.429/199210. Não resta dúvida que a ação de improbidade administrativa deve ser manejada contra o agente público ou terceiro/particular que tenham praticado ato desonesto e imoral, trazendo prejuízo diretamente ou de forma indireta para o Poder Público, por conta da prática de ato devasso e imoral. Contudo, sem a presença do agente público, não há a menor plausibilidade jurídica em se manter o terceiro/particular isoladamente dentro do escopo da Lei nº 8.429/1992, como já dito alhures, pois o art. 3º da Lei nº 8.429/1992 somente admite a inclusão do terceiro/particular na ação de improbidade administrativa, desde que ele participe solidariamente, com o agente público, na prática do ato devasso e imoral. Portanto, para que o terceiro/particular se torne sujeito ativo na Lei nº 8.429/1992, deverá, necessariamente, estar na companhia ilícita do agente público, sob pena de faltar possibilidade jurídica para caracterizar a subsunção da aludida conduta na lei de improbidade administrativa. Assim, é obrigatória a adesão do agente público, que, se não estiver identificada de 10 STJ, REsp 1006378/GO, 2ª T., Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJ de 27.04.2011; EREsp 479812/SP, 1ª S., Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 27.09.2010.

forma clara, precisa e circunstanciada, lastreada pela prova direta dos autos, retira a legitimidade da inclusão do terceiro/ particular no polo passivo da ação de improbidade administrativa. Em sendo assim, fica cristalinamente demonstrado pela Lei nº 8.429/1992 que os atos de improbidade administrativa somente podem ser praticados por agentes públicos, com ou sem a participação de terceiros, e que, ausente o agente público no polo passivo da demanda, não há a menor possibilidade jurídica de imputar-se à prática de improbidade administrativa ao particular11. Essa ótica, inclusive, tem sido adotada pelo TRF da 1ª Região12, que vem entendendo que o terceiro/particular, constando isoladamente no polo passivo da ação de improbidade administrativa, não possui legitimidade ad causam, pois é certo que a petição inicial da ação de improbidade administrativa possui o dever de descrever conduta ativa do agente público na prática de ato de improbidade administrativa, bem como a participação do terceiro/particular no ato ímprobo, descrevendo a sua responsabilidade efetiva no evento danoso.

11 STJ, REsp 1155992/PA, 2ª T., Rel. Ministro Herman Benjamin, Julgado em 23.03.2010, DJe de 01.07.2010; STJ, REsp 1181300/PA, 2ª T., Rel. Min. Castro Meira, Julgado em 14.09.2010, DJ de 24.09.2010. 12 TRF 1ª R., AC 2004.35.00.016587-9/GO, 3ª T., Rel. Des. Fed. Carlos Olavo, Conv. Juiz Federal Guilherme Mendonça Doehler (Conv.), e-DJF1 de 19.08.2011, p. 45; TRF 1ª R., AC 2006.39.03.003070-0/PA, 3ª T., Rel. Des. Federal Carlos Olavo, e-DJF1 de 29.07.2011, p. 40; TRF 1ª R., AC 2006.39.03.003070-0/PA, 3ª T., Rel. Des. Federal Carlos Olavo, e-DJF1 de 29.07.2011, p. 40; TRF 1ª R., AC 0000112-36.2003.4.01.3900/PA, 3ª T., Rel. Juiz Tourinho Neto, e-DJF1 de 13.05.2011, p. 112.

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cou auferir benefício dolosamente sob qualquer forma direta ou indireta, por meio da prática de um ato ilícito do agente público.

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A TEORIA DA EQUIVALÊNCIA DOS ANTECEDENTES CAUSAIS E SUA APLICAÇÃO AO TERCEIRO/PARTICULAR NA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA A condição sine qua non para o terceiro/particular participar de relação processual no polo passivo da demanda judicial movida contra a prática do ato de improbidade administrativa, conforme dito no tópico anterior, é o mesmo que, em conjunto com o agente público, ter concorrido de forma direta ou indireta para a prática do ato ímprobo, se beneficiando do mesmo, agindo com dolo e má-fé.

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A expressão “ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta” por si só não induz à obrigatoriedade da inclusão dos particulares no polo passivo da ação judicial, como visto anteriormente. Não resta dúvida que somente os agentes públicos, com ou sem cooperação de terceiros, podem praticar atos de improbidade administrativa. Contudo, é importante destacar que a Lei nº 8.429/1992 não contempla a figura jurídica do particular vinculado a outro particular em prática de ato de improbidade administrativa. Melhor dizendo, o particular/terceiro, pessoa física ou jurídica, para figurar no polo passivo da ação de improbidade administrativa, mesmo que não seja agente público, conforme dispõem os arts. 1º e 3º da Lei nº 8.429/1992, não pode estar ligado puramente a ato de outros particulares, mas sim, obrigatoriamente, deve se conectar diretamente ao ato praticado pelo agente público (nexo de causalidade).

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Isso porque, para que a ação de improbidade administrativa possa ter plausibilidade jurídica, é necessária a inclusão de pelo

menos um agente público no polo passivo da demanda13, que trave relação jurídica direta ou indireta com o particular. Somente ao agente público caberá ser o autor da prática do ato de improbidade administrativa (sujeito ativo), e o particular que não estiver diretamente unido a ele, em coparticipação, ou que direta ou indiretamente receba benefícios, não será parte passiva na relação processual da ação de improbidade administrativa. É necessário que demonstre a participação do particular, em conjunto com o agente público, na prática do ato ímprobo. Sem essa relação direta entre eles (nexo de causalidade), não há como responsabilizar o particular que não praticou ato algum em conluio com o agente público. A responsabilidade do particular na Lei nº 8.429/1992, tal qual a do agente público, é vinculada aos atos que pratica ativa ou passivamente, com má-fé ou dolo, visando a um fim proibido, vedado pela Lei de Improbidade Administrativa. A relação de causalidade ou nexo de causalidade, utilizados pelo Direito Penal, também é aplicável na improbidade administrativa, tendo em vista que por ela se estuda a relação de causa e efeito entre a conduta do agente e o resultado obtido. Dispõe o art. 13, § 1º, do Código Penal: Art. 13. O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido. § 1º A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou. 13 STJ, REsp 1.181.300/PA, 3ª T., Rel. Min. Castro Meira, Julgado em 14.09.2010; REsp 1155992/PA, 2ª T., Rel. Min. Herman Benjamin, DJ de 04.03.2010.


Para saber se determinado fato é causa da prática do ato ilícito, utiliza-se do método hipotético de eliminação de Thyrén, “segundo o qual a mente humana julga que um fenômeno é condição de outro toda vez que, suprimindo-o mentalmente, resulta impossível conceber o segundo fenômeno”14. Ou seja, se não houvesse o fato, o resultado teria sido consumado? Se a conclusão for que não, é porque o fato foi causador do resultado. Assim, quando se procura definir se uma conduta foi ou não causa de determinado resultado, pergunta-se: caso a conduta não tivesse sido praticada, o resultado teria ocorrido? Se o resultado se modificasse, é porque a conduta foi preponderante para a causa. Aplica-se, pois, a teoria da causalidade adequada, aquela que prestigia a causa predominante que deflagrou o dano, tendo em vista que nem todos os antecedentes podem ser levados em conta na aferição do nexo de causalidade. Essa conclusão, no entanto, nem sempre satisfaz o caso concreto. Tal teoria é utilizada também integralmente na responsabilidade civil do Estado. Apesar de ser objetiva a responsabilidade civil do Estado, ao verificar o comportamento funcional do agente público, é dever do julgador comprovar a existência do nexo 14 JESUS, Damásio E. de. Direito penal. Parte geral. 27. ed. São Paulo: Saraiva, v. 1, 2003. p. 248.

de causalidade material entre o seu comportamento e o evento danoso, a fim de comprovar a viabilidade, no plano jurídico, do reconhecimento da obrigação de recomposição do dano sofrido pelo ofendido. A demonstração da relação de causalidade (teoria da causalidade adequada) se revela essencial ao reconhecimento do dever de indenizar, levando-se em conta ser necessária tal prova para fins de ressarcimento15. Nessa linha de pensamento, extraem-se as seguintes lições do Ministro Celso de Mello16: Vê-se, daí, que a comprovação da relação de causalidade revela-se essencial, pois, sem ela, não há como imputar, ao causador do dano, a responsabilidade civil ainda que objetiva, tal como enfatiza a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: “Responsabilidade civil do Estado. Art. 107 da Constituição. Assentada no risco administrativo, independente da prova de culpa. Basta que o lesado demonstre o nexo causal entre o fato e o dano. Recurso conhecido e provido.” (RE 116.333/RJK, Rel. Min. Carlos Madeira – grifei) Qualquer que seja o suporte doutrinário invocado para justificar a atribuição a alguém (inclusive ao Poder Público), da responsabilidade civil – teoria da equivalência das condições, teoria da causalidade necessária ou teoria da causalidade adequada –, o fato é que, conforme adverte Arnaldo Rizzardo (Responsabilidade civil, p. 71, item n. 1, 15 “[...] Os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem (a) alteralidade do dano, (b) a causalidade material entre o eventus damni e o comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público, (c) oficialidade da atividade causal e lesiva, imputável a agente do Poder Público, que tenha, nessa condição funcional, incidido em conduta comissiva ou omissiva, independentemente da licitude, ou não, do comportamento funcional (RTJ 140/636) e (d) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal (RTJ 55/503; RTJ 71/99; RTJ 91/377; RTJ 99/1155; RTJ 131/417). [...]” (RTJ 163/1107-1109, 1108, Rel. Min. Celso de Mello). 16 Voto do Ministro Celso de Mello, RE 481110-AgRg/PE, 2ª T., DJ de 09.03.2007, p. 50.

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A leitura do art. 13, § 1º, do Código Penal permite ver que houve a adoção da teoria da equivalência dos antecedentes causais, que considera causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido. Ou, em outras palavras, causa é tudo aquilo que pode modificar o resultado no mundo exterior. Abrange a condição e motivação, incluindo-se nesse contexto não só o resultado material unicamente, mas a ofendibilidade ao bem jurídico protegida pela norma penal.

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2. ed., 2006, Forense), faz-se necessário a verificação de uma relação, ou liame, entre o dano e o causador, o que torna possível a sua imputação a um indivíduo. (grifei)

A identificação em cada situação concreta do nexo de causalidade impõe o exame das circunstâncias fáticas evidenciadoras da existência ou não da relação que deve haver entre a causa reveladora da responsabilidade civil e o prejuízo advindo dela, de tal modo que, deixando de ser comprovado esse indispensável liame, torna-se incabível imputar, ao causador do dano, a obrigação de indenizar.

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Nessa linha, mesmo reconhecendo-se a responsabilidade civil objetiva do Estado, o Supremo Tribunal Federal17 pacificou ser necessária a demonstração do vínculo causal para fins de reparação financeira ao lesado. Havendo o evento danoso, afigura-se como necessário verificar-se justamente o nexo de causalidade entre ele e a participação do agente público, para fins de verificação de responsabilidades, incluindo-se nesse contexto a improbidade administrativa.

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A partir da teoria da causalidade adequada, havendo mais de um responsável pelo evento danoso, é necessário se aferir a concorrência de culpas (causas) como critério de responsabilidade de cada envolvido para que seja responsabilizado quem deu causa ao prejuízo de outrem. Somente o fato idôneo ou adequado para produzir o dano é que deve ser levado em consideração para o estabelecimento de responsabilidade do agente. Isso porque a responsabilidade 17 “A responsabilidade do Estado, embora objetiva por força do disposto no art. 107 da Emenda Constitucional nº 1/1969 (e, atualmente, no § 6º do art. 37 da Carta Magna), não dispensa, obviamente, o requisito, também objetivo, do nexo de causalidade entre a ação ou a omissão atribuída a seus agentes e o dano causado a terceiros [...].” (STF, Rel. Min. Moreira Alves, RTJ 143/270)

do agente público tanto na esfera penal como na disciplinar e na responsabilidade civil é subjetiva, vinculando a sua conduta comissiva ou omissiva, capaz de gerar danos ou prejuízos ao Poder Público ou a terceiros18. Dessa forma, a teoria da causalidade adequada, ou da equivalência dos antecedentes causais, utilizada para a verificação da participação (conduta) tanto do particular na Lei nº 8.429/1992 18 “Responsabilidade civil do Estado. Furto de veículo ocorrido em estacionamento de edifício público federal. Ausência de nexo causal. 1. ‘A responsabilidade do Estado, embora objetiva por força do disposto no art. 107 da Emenda Constitucional nº 1/1969 (e, atualmente, no § 6º do art. 37 da Carta Magna), não dispensa, obviamente, o requisito, também objetivo, do nexo de causalidade entre a ação ou a omissão atribuída a seus agentes e o dano causado a terceiros. 2. Em nosso sistema jurídico, como resulta do disposto no art. 1.060 do Código Civil, a teoria adotada quanto ao nexo de causalidade é a teoria do dano direto e imediato, também denominada teoria da interrupção do nexo causal. Não obstante aquele dispositivo da codificação civil diga respeito à impropriamente denominada responsabilidade contratual, aplica-se ele também à responsabilidade extracontratual, inclusive a objetiva, até por ser aquela que, sem quaisquer considerações de ordem subjetiva, afasta os inconvenientes das outras duas teorias existentes: a da equivalência das condições e a da causalidade adequada’ (STF, RE 130.564/PR). 3. A responsabilidade civil (objetiva ou subjetiva) pressupõe, necessariamente, que o dano suportado esteja relacionado, direta e imediatamente, com a ação ou a omissão do agente do Estado, sem o que não se forma o nexo de causalidade, indispensável à configuração do dever de indenizar. 4. Inexistência, na espécie, de relação direta e imediata entre o dano suportado e a ação ou a omissão imputável aos agentes da ré (Código Civil, art. 1.060), uma vez que se tratava de estacionamento aberto ao público, sem vigilância, caso em que não há como imputar a ocorrência de omissão ou de culpa in vigilando aos servidores públicos da União. Precedentes desta Corte. 5. Ainda que houvesse vigilância no referido estacionamento, seria ela devida apenas aos bens públicos, uma vez que a Administração Pública não pode assumir a guarda de bens de particulares, mesmo que sejam servidores públicos. 6. Apelação provida. Remessa prejudicada.” (TRF 1ª R., Ap. Cível nº 199701000106153, 3ª T., Rel. Juiz Federal Conv. Leão Aparecido Alves, DJ de 27.06.2002, p. 833)


Com a utilização da teoria da causalidade adequada para fins de subsunção da conduta do terceiro/particular na Lei de Improbidade Administrativa, muitas conclusões serão admitidas no presente contexto, pois é defeso ao Ministério Público imputar responsabilidades objetivas para particulares que sequer tiveram relação ou participação direta ou indireta com o agente público acusado da prática do ato ímprobo. Existentes condutas de várias pessoas são indispensáveis, do ponto de vista objetivo, que haja nexos causais entre cada uma delas e o resultado. Na improbidade administrativa, não é diferente. Havendo essa relação (relevância causal) de atos ímprobos praticados pelo agente público, com a participação (adesão) do terceiro/particular, estará configurado, em tese, o ato vedado pela Lei nº 8.429/1992, com a responsabilidade de ambos19. Há que existir relevância causal de cada conduta entre o agente público e o particular na busca da prática do ato de improbidade administrativa. Além da relevância causal da conduta do agente público e do terceiro/particular, também deverá ser demonstrado um liame psicológico entre o agente público e os particulares, na consciência de cooperarem entre si para a obtenção do ato ímprobo. Sem esses liames (relevância causal e liame psicológico), não 19 “Havendo essa relação entre a ação de cada uma delas e o resultado, ou seja, havendo relevância causal de cada conduta, concorreram essas pessoas para o evento e por ele serão responsabilizados.” (MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de direito penal. Parte geral. 21. ed. São Paulo: Atlas, v. I, 2004. p. 229).

será lícito nem moral acusar o particular (ou particulares) de partícipe de uma relação jurídica ímproba. Júlio Fabbrini Mirabete20 também pensa da mesma forma quando elenca as seguintes conclusões sobre concurso de pessoas na obtenção de um fim vedado pela lei criminal: Havendo essa relação entre a ação de cada uma delas e o resultado, ou seja, havendo relevância causal de cada conduta, concorreram essas pessoas para o evento e por elas serão responsabilizadas. Há que se exigir, também, um liame psicológico entre os vários autores, ou seja, a consciência de que cooperam numa ação comum. Não basta atuar o agente com dolo (ou culpa), sendo necessária uma relação subjetiva entre os concorrentes. Somente a adesão voluntária, objetiva (nexo causal) e subjetiva (nexo psicológico), à atividade criminosa de outrem, visando à realização do fim comum, cria vínculo do concurso de pessoas e sujeita os agentes à responsabilidade pelas consequências da ação. Inexistindo esse liame psicológico, não há que se reconhecer o concurso de agentes disciplinado no art. 29.

Daí se conclui que a adesão voluntária do particular na prática do ato de improbidade administrativa se vincula à respectiva conduta (responsabilidade subjetiva), reveladora do nexo psicológico, em conjunto com a conduta dolosa e imoral do agente público (nexo de causalidade). Inexistindo esse liame psicológico entre o terceiro/particular e o agente público, é fato incontornável que não há participação descrita no art. 3º da Lei nº 8.429/1992, devendo o indivíduo ou a pessoa jurídica de direito privado ser excluída da demanda judicial. Deve haver, portanto, na concorrência do ato de improbidade administrativa, a consciente e voluntária participação no fato (ato ímprobo) tanto do agente público como do particular.

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como do agente público, é plenamente aplicada, visto ser evidente que o ato de improbidade administrativa somente poderá recair para os responsáveis diretos ou indiretos pela prática de ato ímprobo (nexo de causalidade).

20 Idem, p. 229.

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Há que se ter o devido equilíbrio da acusação, que não poderá ser desatenta ou desleixada ao ponto de deixar de descrever a participação efetiva do particular (relevância causal e liame psicológico) no escopo da Lei nº 8.429/1992, bem como do agente público responsável pela prática do suposto ato ímprobo. Por isso, quando o particular receber verba pública, por ter sido contratado pelo poder público para determinado serviço, por si só não pode ser considerado como “beneficiado” ilegal ou improbamente por tal contratação e, via de consequência, não pode ser responsabilizado objetivamente perante a Lei nº 8.429/1992, que, como se sabe, também exige a demonstração do elemento subjetivo.

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Em sendo assim, o vínculo jurídico desse particular perante a Lei nº 8.429/1992, capaz de atrair a responsabilidade de outros particulares, deve prender-se básica e exclusivamente ao elemento subjetivo (relevância causal e liame psicológico) do partícipe do ato ímprobo, em conjunto e em conluio com o agente público.

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Não contempla a Lei de Improbidade Administrativa a situação jurídica do particular, elencado como terceiro, com outros particulares que não praticaram atos com o Poder Público, ou até mesmo não se relacionaram por meio de condutas com o agente público investigado pela prática de ato ímprobo. Deve-se ressaltar que a Lei nº 8.429/1992 não contempla a figura jurídica criminal da “lavagem de dinheiro”, que é disciplinada por diploma penal próprio e específico, nem se imiscui na relação de particulares, empresas ou pessoas físicas entre si, pois o bem jurídico que tutela é a probidade dos atos praticados pelos responsáveis por entes de direito público, na forma do art. 1º da Lei nº 8.429/1992, com ou sem a adesão do particular. Jamais a Lei nº 8.429/1992 contemplará a cadeira de atos particulares entre si e que não possuam uma relação causal com

a prática do ato de improbidade administrativa, bem como inexistindo o correspondente liame psicológico, e mesmo que originariamente um deles tenha vínculo jurídico com o Poder Público, não ocorrerá responsabilização de todos na prática do ato ímprobo. Ao ser incorporada a verba pública ao patrimônio do particular, em face ao vínculo direto com o ente de direito público, a relação entre ele e os outros particulares não está ao alcance da citada lei, senão comprovado o nexo de causalidade desses particulares com o agente público tido como ímprobo e igualmente o necessário liame psicológico. Demonstrado o liame etiológico entre a conduta ímproba e o benefício auferido pela pessoa jurídica de direito privado ou física, impõe-se a correspondente sanção, sendo certo que o ato de improbidade administrativa pressupõe a prova inequívoca do elemento subjetivo da conduta, por meio da prática de ato de má-fé, até mesmo para estabelecer o nexo de causalidade entre a conduta do agente público e o particular. Não participando da relação (concorrência com uma causa) com o agente público, não há como denunciar a lide, no polo passivo da demanda, o particular que não teve vínculo jurídico com o mesmo, ou participou da imoralidade qualificada. Devem ser demonstrados elementos mínimos entre os fatos tidos como ímprobos e a eventual conduta que teria sido praticada pelos terceiros e pelo agente público. Exemplo claro do afirmado é quando particulares são alçados à condição de réus em ação civil pública por ato de improbidade administrativa, pelo simples fato de serem sócios proprietários de determinada empresa, mesmo não participando da Administração ou não se relacionando direta ou indiretamente com o agente público que responde à ação de improbidade administrativa. E sabe-se que somente responderá por ato de improbidade administrativa aquele que deu causa a um resultado tido como ímprobo, ativa ou passivamente (relação de causa e efeito).


Aplica-se para essas situações a teoria da equivalência dos antecedentes causais, pois o benefício direto ou indireto do particular a que alude a parte final do art. 3º da Lei nº 8.429/1992 exige para a subsunção de sua conduta na aludida lei do elemento subjetivo de cada um individualmente. Por isso, a petição inicial da ação de improbidade administrativa deverá descrever a conduta de cada acusado pormenorizadamente, sob pena de rejeição da mesma. Na Lei de Improbidade Administrativa, nos tipos dos arts. 9º e 11, não se pune a título de culpa, como se sabe. Portanto, a petição inicial, ao individualizar a conduta do particular, é obrigada a descrever a prática de ato doloso do mesmo e a sua efetiva participação no evento tido como ímprobo, sendo vedada, via de consequência, a imputação culposa nesses dois tipos infracionais. Da mesma forma, no prejuízo ao Erário, a responsabilização do terceiro deve vir devidamente fundamentada, respaldada na prática de ato de má-fé do mesmo (elementos mínimos de ligação entre os fatos e a eventual conduta), para que ocorra a subsunção de uma conduta do referido tipo ímprobo. Em situação igual ao que se descreve no presente contexto, foi trancada ação penal, com base na teoria da equivalência dos

antecedentes causais, por se rejeitar a responsabilidade penal objetiva de sócios proprietários de empresa privada, bem como ausente o dolo específico do ilícito imputado, como se verifica do acórdão do TRF da 1ª Região21: Penal e processual penal. Habeas corpus. Redução à condição análoga à de escravo e omissão de anotação em Carteira de Trabalho. Denúncia. Vinculação dos pacientes ao fato punível. Inexistência. Alegação de responsabilidade penal objetiva e ausência de dolo específico. Acolhimento. Trancamento da ação penal. Ordem concedida. I – Inexistência, na peça de acusação, de elementos mínimos de ligação entre os fatos nela narrados e eventual conduta que teria sido praticada pelos pacientes. A mera condição de representantes legais da empresa (sócios proprietários) dos pacientes é insuficiente para a sua responsabilização criminal por todos os fatos delituosos que eventualmente venha a ocorrer na administração da empresa de que são sócios. II – “O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido”(art. 13 do CP). Vê-se que, no tocante ao aspecto da causalidade, o nosso direito penal adotou a teoria da equivalência dos antecedentes causais, teoria da conditio sine qua non, condição indispensável. Determinação, que por ser muito ampla, se interpretada literalmente, tende ao infinito, a ponto de considerar que a “causa da causa também seria causa do que foi causado”. Todavia, o parágrafo único do art. 18 do CP impõe o necessário limite à causalidade ao dispor que: “Salvo os caos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente”. E, como se sabe, ninguém pode ser punido por culpa, a não ser naqueles crimes para os quais a lei, expressamente, prevê a modalidade culposa. III – Habeas corpus concedido. (grifos nossos)

Assim, para fins de responsabilização do particular, na Lei nº 8.429/1992 deve ser sopesada a sua conduta, na participação real e efetiva no ato tido como ímprobo (nexo de causalidade e resultado), porque senão a “causa da causa também seria causa do que foi causado”, o que se transforma em verdadeiro absurdo jurídico. 21 TRF 1ª R., HC 0045693-56.2011.4.01.0000/PA, 3ª T., Rel. Des. Fed. Assusete Magalhães, DJ de 21.10.2011, p. 169.

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In casu, não é suficiente se considerar apenas a participação societária, pois a responsabilidade de sócios de empresas, além de ser subjetiva, deve se relacionar com a atuação do agente público acusado da prática do ato ímprobo visando à realização de um fim comum vedado pela Lei nº 8.429/1992. Pensar de modo diverso seria, em tese, a reedição da manutenção das responsabilidades objetivas dos particulares, por figurarem como sócios da empresa (sem ação de cada um deles para o resultado), mesmo não dando causa ou participando do ato ímprobo.

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O elemento subjetivo somente será deflagrado no caso concreto do particular quando ele for beneficiado de alguma vantagem, por se vincular direta e promiscuamente com o agente público na conduta ímproba, não sendo admitida a responsabilização na Lei nº 8.429/1992 das pessoas físicas somente pelo fato delas receberem verba pública ou privada de outro particular ou serem sócios de empresas privadas. Há que se ter o devido nexo de causalidade entre as condutas e o resultado (relevância causal) Esse fato é de suma importância, porquanto, quando um particular que recebe verba de ente público se relaciona com outro particular, fruto de negócio jurídico diverso do vínculo originário, não há que se falar em litisconsorte passivo necessário e muito menos em lesão aos bens jurídicos tutelados pela Lei de Improbidade Administrativa.

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Mesmo o particular recebendo verba pública, por ter sido contratado por ente de direito público, quando ela é incorporada ao seu patrimônio, as novas relações com particulares não projetam efeitos legais para a Lei de Improbidade Administrativa, por não ser considerada verba pública aquela que já se encontra no patrimônio da pessoa ou empresa de direito privado.

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Quando os recursos envolvidos nas relações de particulares são privados, não há ato de improbidade administrativa, pouco importando que um deles tenha recebido verba pública, por ser necessária a relação de causalidade do fato com o resultado. Deverá haver uma relevância causal de cada particular (conduta), capaz de demonstrar que concorreram várias pessoas para o evento (ato ímprobo) e por ele serão responsabilizados. Como dito alhures, tem que ser demonstrados a adesão voluntária e o nexo psicológico do particular na obtenção do resultado ímprobo.

O recebimento da verba pública pelo particular e utilizado em outros eventos por si só não atrai o litisconsórcio de outros particulares ao ato ímprobo, por ser necessária a demonstração do elemento subjetivo de todos, por meio da descrição de condutas de todos. Por outro lado, com maior razão, a verba não sendo pública, e sim privada, exclui a incidência da Lei de Improbidade Administrativa. Aliás, essa situação ficou muito bem delineada no julgamento das sobras de campanha do então Presidente Fernando Collor de Mello, em que era acusado de corrupção e tráfico de influência, entre outras imputações, por ter recebido verbas para a prática de atos vedados pelo ordenamento jurídico. A ação de improbidade administrativa foi julgada improcedente no Superior Tribunal de Justiça, por ter ficado demonstrado que os recursos envolvidos nas transações tidas como ilícitas eram sobra de campanha política, mesmo envolvendo agentes políticos e empresas particulares, e possuíam origem privada e não pública, fora do escopo da Lei nº 8.429/1992. Nesse sentido, posicionou-se o eminente Ministro Mauro Campbell Marques22, Relator designado no REsp 1.129.121/GO: A partir daí, a sentença chegou à conclusão de que seria necessário transpor apara a presente demanda o entendimento do Supremo Tribunal Federal que, julgando ação penal relativa a estas mesmas condutas, haveria entendido que os recursos envolvidos nas referidas transações eram sobras de campanha (leia-se: privados, e não públicos), motivo pelo qual não caberia a ação de improbidade administrativa. Ocorre que, decidido pela Corte Suprema que houve apenas utilização de recursos privados, o art. 12 deste diploma normativo seria inaplicável mesmo no que tange aos arts. 9º e 11 da LIA, uma vez que os incisos I e II daquele dispositivo condicionam o ressarcimento 22 STJ, REsp 1.129.121/GO, 2ª T., Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Julgado em 03.05.2012.


Ao acompanhar o Relator do REsp 1.129.161/GO, o Ministro Humberto Martins ratificou a inaplicabilidade da Lei de Improbidade Administrativa quando os recursos são de origem privada: Ademais, e estas considerações são feitas apenas em obiter dictum, ainda que fosse possível aplicar ao caso a Lei nº 8.429/1992, a pretensão do recorrente seria infrutífera, haja vista que, no caso dos autos, não há que se falar em improbidade administrativa em decorrência de lesão ao Erário. Como bem ressaltou o Ministro Mauro Campbell, e conforme consignado pela instância ordinária, os recursos envolvidos nas transações eram sobras de campanha, cuja origem – segundo entendimento firmado pelo STF ao julgar ação penal relativa a essas mesmas condutas – é exclusivamente privada. Ora, se os recursos são de origem privada, se não havia dinheiro público envolvido nas transações realizadas pelos recorridos, a conclusão a que se chega, por óbvio, é a de que qualquer prejuízo porventura existente não desfalcou o Erário.

Em outro caso concreto, verificada a utilização de verba privada para aquisição do mobiliário e adequação do ambiente de trabalho, derivada de acordo de cooperação técnica celerado entre o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região e Banco do Brasil, foi excetuada pelo TRF 3ª Região23 a relação jurídica entre 23 “Ação civil pública. Concorrência pública. Improbidade administrativa: inexistência. Aquisição de mobiliário e adequação do ambiente de trabalho sem utilização de recurso público. 1. A verba destinada para aquisição do mobiliário e adequação do ambiente de trabalho, derivada do acordo de cooperação técnica celebrado entre o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região e o Banco do Brasil, não guarda natureza pública. 2. A discussão acerca da natureza da verba, reconhecida como privada pelo col. Superior Tribunal de Justiça (Ação Penal nº 330/SP), não ganha outra dimensão simplesmente pelo fato de esta demanda não ser de

eles da Lei nº 8.429/1992 por total impossibilidade jurídica do pleito. Também merece ser realçada a hipótese julgada pelo REsp 823.559/MG, que envolveu a Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora/MG, entidade privada, sem fins lucrativos que não está adstrita a nenhum controle de cunho administrativo por parte de órgãos públicos, que presta serviços médicos, recebendo verba do SUS, mas suplementa tal recurso com doações de particulares, por ser aquela insuficiente. O sistema de saúde da Santa Casa de Misericórdia tinha contrato de prestação de serviço com a Administração Pública representada pelo Ministério da Saúde e visava à assistência médica a pessoas carentes. Mesmo recebendo dinheiro proveniente do SUS, como ele é insuficiente para pagar os gastos da Santa Casa, não há como se configurar a hipótese de malversação de verba pública, pois o complemento dessa verba era privada, fruto de doações de pessoas físicas ou empresas privadas, fugindo, assim, da incidência da Lei nº 8.429/1992. Felizes foram as lições do Ministro Mauro Campbell Marques24 no julgado do precedente anteriormente declinado: [...] 4. No caso dos autos, é possível afirmar que a Corte a quo, ao analisar a controvérsia relacionada à legitimidade do Ministério Público, para ajuizar ação cautelar e ação civil por improbidade administrativa em face de supostas irregularidades praticadas na gestão administrativa da entidade hospitalar, expressamente consignou que: a) a Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora é uma entidade privada caráter penal. 3. Inexistência, na quadra desta ação, de discussão sobre a validade do acordo de cooperação técnica firmado entre o Banco do Brasil e o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. 4. Preliminar de incompetência desta Corte rejeitada. Apelações improvidas.” (TRF 3ª R., Ap. Cível nº 1397212, 4ª T., Rel. Des. Fed. Alda Basto, DJ de 19.12.2011) 24 STJ, REsp 823559/MG, 2ª T., Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJ de 29.06.2012.

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à existência de sangramento de dinheiro público (existência de dano patrimonial) – hipótese que, como dito pelo STF, não ocorre. (grifos nossos)

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que presta serviços médicos, a qual não está adstrita ao controle de cunho administrativo por órgãos públicos; b) o vínculo jurídico entre a Santa Casa de Misericórdia e a Administração Pública, representada pelo Ministério da Saúde, consiste em contrato bilateral de prestação de serviços médicos às pessoas carentes por meio do Sistema Único de Saúde, no qual o pagamento por verba pública está condicionado à demonstração dos procedimentos e atendimento médicos efetivamente realizados pela entidade; c) os recursos patrimoniais adquiridos pela instituição, tanto os originados da contraprestação prestada ao SUS quanto os decorrentes da atividade privada, podem ser geridos livremente pelos administradores, sem a submissão ao controle estatal em atos de gestão da entidade; d) a eventual utilização de valores provenientes do SUS na malversação da Santa Casa de Misericórdia somente teria ocorrido após o ingresso dos valores na esfera privada da instituição; e) a análise da documentação e peças apresentadas pelas partes indica que não é objeto da medida cautelar, tampouco da ação civil por ato de improbidade administrativa [...]. (grifos nossos)

Foi consignado no REsp 1.103.633/MG26 que, se o particular prestou o serviço contratado pelo Poder Público e não foi partícipe da má-fé e da imoralidade qualificada, não há lesividade ao Erário, o que faz com que ele seja retirado do polo passivo da ação de improbidade administrativa.

Está bem identificado no julgado que, não existindo malversação de verba pública, inexiste vilipêndio ao bem jurídico tutelado pela Lei nº 8.429/1992, não se aperfeiçoando a conduta de improbidade administrativa.

08.06.2006 [...].” (STJ, REsp 1103633/MG, 1ª T., Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 03.08.2010)

Por outro lado, deve ser reiterado que o elemento subjetivo é essencial à caracterização da improbidade administrativa, além do dano ao Erário, para que ocorra a responsabilização do particular ou do agente público no que vem disposto na Lei nº 8.429/199225. 25 “[...] 8. Ocorre que, in casu, se vislumbra a ausência de dolo e de dano ao Erário, encerrando hipótese de rejeição da ação de improbidade. Isto porque o ato de improbidade, na sua caracterização, como de regra, exige elemento subjetivo doloso, à luz da natureza sancionatória da Lei de Improbidade Administrativa, o que afasta, dentro do nosso ordenamento jurídico, a responsabilidade objetiva. Precedentes: REsp 654.721/MT, Primeira Turma, julgado em 23/06/2009, DJe 01.07.2009; REsp 717.375/PR, Segunda Turma, DJ 08.05.2006; REsp 658.415/RS, Segunda Turma, DJ de 03.08.2006; REsp 604.151/RS, Primeira Turma, DJ de

Portanto, para a responsabilização tanto do particular como do agente público, é imperioso o elemento subjetivo para a demonstração da justa causa da ação de improbidade administrativa, em que deve ser provada a desonestidade ou a má-fé de ambos

26 “[...] 5. À luz de abalizada doutrina: ‘A probidade administrativa é uma forma de moralidade administrativa que mereceu consideração especial da Constituição, que pune o ímprobo com a suspensão de direitos políticos (art. 37, § 4º). A probidade administrativa consiste no dever de o ‘funcionário servir a Administração com honestidade, procedendo no exercício das suas funções, sem aproveitar os poderes ou facilidades delas decorrentes em proveito pessoal ou de outrem a quem queira favorecer’. O desrespeito a esse dever é que caracteriza a improbidade administrativa. Cuida-se de uma imoralidade administrativa qualificada. A improbidade administrativa é uma imoralidade qualificada pelo dano ao erário e correspondente vantagem ao ímprobo ou a outrem [...]’ (SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 669). [...] 9. Deveras, se os serviços foram prestados, não há lesividade, consoante a jurisprudência predominante desta Corte: Precedentes do STJ: REsp 861.566/GO, Primeira Turma, julgado em 25.03.2008, DJe 23.04.2008; REsp 717375/PR, Segunda Turma, DJ 08.05.2006; REsp 514820/SP, Segunda Turma, DJ 06.06.2005. [...] 11. Recurso especial provido, para restabelecer a sentença a quo e julgar improcedente o pedido da ação civil pública por ato de improbidade administrativa.” (STJ, REsp 1103633/MG, 2ª T., Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 03.08.2010)


27 “Constitucional e administrativo. Improbidade administrativa. Elemento subjetivo. Desonestidade ou má-fé. Ausência. Justa causa para a ação por ato de improbidade. Inexistência. Extinção do processo sem resolução de mérito. Cabimento. Ação por ato de improbidade administrativa proposta em face de Ex-Secretário Municipal de Saúde por ter utilizado recursos federais do SUS para complementar os pagamentos de serviços hospitalares, ambulatoriais e de anestesia prestados por instituições privadas, descumprindo o art. 1º da Portaria nº 1.606/2001 do Ministério da Saúde, segundo o qual a mencionada complementação deveria ter sido realizada com recursos da municipalidade. A legislação regulamentadora do SUS permite que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios paguem aos prestadores de serviços médicos, hospitalares e ambulatoriais valores superiores aos estabelecidos na Tabela Única de Procedimentos; inexiste suspeita de que os serviços não tenham sido prestados ou de que tenha ocorrido malversação, desvio ou apropriação de recursos públicos. A única conduta imputada ao demandado consiste no fato de ele haver efetuado complementação de pagamentos com recursos federais do SUS, quando deveria ter utilizado verbas próprias do Município. O simples descumprimento da Portaria nº 1.606/2001 do Ministério da Saúde, embora se configure como infração administrativa, não está marcado com os elementos subjetivos ‘desonestidade’ e ‘má-fé’, indispensáveis à incidência da Lei de Improbidade Administrativa. Entendimento da doutrina especializada. Precedentes do STJ e deste Tribunal. Não configurado o ato de improbidade administrativa, ante a falta do elemento subjetivo que lhe é indispensável, mostra-se acertada a rejeição da ação com fulcro do art. 17, § 8º, da Lei nº 8.429/1992. Manutenção da sentença recorrida. Improvimento do recurso.” (TRF 5ª R., Ap. Cível nº 400565, 2ª T., Rel. Des. Fed. Rubens Mendonça Canuto, DJ de 05.11.2009, p. 266) 28 “Ação civil pública. Senac. Legitimidade do MPF. Discussão acerca da gestão financeira. Dano ao Erário não demonstrado. Não comprovado dolo no decorrer do processo licitatório. 1. Os valores que custeiam as atividades do Senac e demais entidades paraestatais de cooperação do Poder Público, tem como principal fonte as contribuições patronais compulsórias arrecadadas pelo INSS, sendo nítida a origem federal da verba, que após recolhimento e repasse é administrada pela iniciativa privada. Em síntese, a má gestão financeira pelo Senac implica lesão a interesse da União no exercício de atividade por esta atribuída àquele, de maneira que entendo ser o Ministério Público Federal legítimo para o ajuizamento desta ação civil pública. 2. Não demonstrado dano ao Erário

não há violação a bem jurídico tutelado pela Lei nº 8.429/1992. Dessa forma, é necessária uma melhor avaliação sobre a real participação dos acusados da prática de ato de improbidade, verificando-se aprofundadamente as suas situações jurídicas à luz da teoria dos antecedentes causais, para que a ação civil pública não seja utilizada de forma indevida contra pessoas que sequer violaram o bem tutelado pela Lei nº 8.429/1992, o que se traduz, em última análise, em clara injustiça.

CONCLUSÕES Após o presente estudo, conclui-se que: 1) O particular somente pode ser parte passiva na ação de improbidade administrativa se induzir ou concorrer para a prática do ato ímprobo; 2) A responsabilização civil do particular na Lei nº 8.429/1992 é subjetiva, vinculada à prática de atos conectados com o agente público, vedando-se a imputação objetiva; 3) Jamais o particular poderá figurar na prática do ato de improbidade administrativa isoladamente, pois deve estar vinculado ao ato do agente público ímprobo; 4) Aplica-se a teoria da equivalência dos antecedentes causais para a situação jurídica do particular na Lei de Improbidade Administrativa; nem dolo no descumprimento dos princípios que regem a Administração Pública, improcedente ação civil pública para reconhecimento de improbidade administrativa.” (TRF 4ª R., Ap. Cível nº 200571000219905, 3ª T., Relª Desª Maria Lucia Luz Leiria, DJ de 03.02.2010)

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(dolo)27, além do efetivo prejuízo ao Erário28, pois do contrário

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5) Havendo mais de um responsável pelo ato ímprobo (agente público e particulares), deve-se apurar a concorrência de suas culpas como critério de responsabilidade subjetiva de cada envolvido; 6) Há a obrigação de o autor da ação civil pública demonstrar a relevância causal dos atos tidos como ímprobos pelo agente público e a adesão do particular; 7) Há igualmente que existir nos atos tidos como ímprobos relevância causal e liame psicológico; 8) A verba de natureza privada não dá ensejo à subsunção da conduta do particular ou do agente público na Lei nº 8.429/1992;

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9) Não contempla a Lei de Improbidade Administrativa a figura jurídica do particular, elencado como terceiro, com outros particulares que não praticaram atos com o Poder Público, não se relacionando direta ou indiretamente com o agente público;

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10) Deve sempre ser sob pesada a conduta do particular na participação real e efetiva no ato tido como ímprobo (nexo de causalidade) para fins de responsabilização subjetiva na Lei nº 8.429/1992.


Acórdão na Íntegra

Supremo Tribunal Federal Recurso Extraordinário nº 607.056/RJ

Plenário

Recorrente: Estado do Rio de Janeiro Procurador: Procurador-Geral do Estado do Rio de Janeiro Recorrido: Condomínio do Edifício Paula

ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária, sob a presidência do Senhor Ministro Joaquim Barbosa, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, em negar provimento ao recurso extraordinário, nos termos do voto do Relator.

Adv.: Lígia Costa Tavares

Brasília, 10 de abril de 2013.

Intimado: Associação das Empresas de Saneamento Básico Estaduais – Aesbe

Ministro Dias Toffoli Relator

Adv.: Elizabeth Costa de Oliveira Góes Relator: Ministro Dias Toffoli DJe nº 91, div. 15.05.2013, pub. 16.05.2013

RELATÓRIO O Senhor Ministro Dias Toffoli (Relator):

EMENTA Tributário – ICMS – Fornecimento de água tratada por concessionárias de serviço público – Não incidência – Ausência de fato gerador 1. O fornecimento de água potável por empresas concessionárias desse serviço público não é tributável por meio do ICMS. 2. As águas em estado natural são bens públicos e só podem ser exploradas por particulares mediante concessão, permissão ou autorização. 3. O fornecimento de água tratada à população por empresas concessionárias, permissionárias ou autorizadas não caracteriza uma operação de circulação de mercadoria. 4. Precedentes da Corte. Tema já analisado na liminar concedida na ADI 567, de relatoria do Ministro Ilmar Galvão, e na ADI 2.224-5/DF, Relator o Ministro Néri da Silveira. 5. Recurso extraordinário a que se nega provimento.

Trata-se de recurso extraordinário interposto pelo Estado do Rio de Janeiro contra acórdão do Tribunal de Justiça daquele Estado, assim ementado: “Tributário. ICMS incidente sobre água canalizada. Ação de rito ordinário objetivando a exoneração da cobrança e a restituição dos valores pagos a título de ICMS indevidamente incluídos pela Cedae nas faturas referentes ao fornecimento de água encanada. Sentença que julgou improcedente o pedido inicial. Apelação do Autor. Água que não constitui mercadoria, mas sim serviço público essencial e específico. Inexistência da relação jurídico-tributária impugnada. Entendimento predominante neste Tribunal de Justiça. Incidente de Uniformização de Jurisprudência nº 2006.018.00005. Precedentes do STJ. Contribuinte que faz jus à restituição dos valores pagos indevidamente, corrigidos desde o desembolso e acrescido de juros de mora a contar do trânsito em julgado da decisão, observada a prescrição quinquenal. Súmula nº 188 do STJ. Reforma do julgado que enseja a imposição ao Réu dos ônus sucumbenciais. Provimento parcial da apelação” (fl. 152).


No extraordinário, interposto com fundamento na alínea a do permissivo constitucional, o Estado do Rio de Janeiro sustenta que o acórdão recorrido – motivado, basicamente, no enunciado da Súmula nº 130 do próprio TJRJ, o qual dispõe que o fornecimento de água limpa e potável é serviço essencial, sendo ilegal a cobrança do ICMS por parte das empresas concessionárias – violaria o art. 155, II, da Constituição Federal, já que toda a discussão travada no julgado giraria em torno de saber se a água encanada constitui mercadoria, justificando-se, assim, a incidência do ICMS, à luz do citado dispositivo constitucional. Aduz, ainda, que, “[p]or detrás dessa questão, jazem outras. Se, como reiteradamente orienta o STF, o fornecimento de água canalizada é remunerável somente por tarifas, em tudo por tudo idênticas às tarifas cobradas pelas concessionárias dos serviços de comunicação, de energia elétrica, de gás canalizado, etc., por que esses outros serviços sofrem a incidência do ICMS e o fornecimento de água não pode sofrê-la? Onde ficam os princípios da capacidade contributiva e da isonomia tributária nisto tudo?” (fl. 162).

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A matéria teve sua repercussão geral reconhecida pelo Plenário Virtual, em 21.10.2010.

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O Ministério Público Federal opinou pelo não provimento do recurso (fls. 254/256). É o relatório.

VOTO O Senhor Ministro Dias Toffoli (Relator): As discussões relacionadas à inconstitucionalidade da incidência do Imposto Sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Serviços de Transporte Interestadual e In-

termunicipal e de Comunicação (ICMS) sobre a operação de fornecimento de água encanada não são novas. O tema já foi objeto de análise, com decisão unânime desta Suprema Corte, nos autos da ADI 567, na qual o Ministro Relator, Ilmar Galvão, votou pela suspensão liminar do ICMS sobre o fornecimento de água no Estado de Minas Gerais, conforme a ementa a seguir: “Cautelar. Ação Direta de inconstitucionalidade. Arts. 546, 547 e 548 do Decreto nº 32.535, de 18 de fevereiro de 1991, do Estado de Minas Gerais. Alegada infringência aos arts. 150, I e VI e § 2º, e 155, 1, b, da Constituição Federal. Relevância do direito, caracterizada pela circunstância de haver-se definido por decreto, fato gerador e base cálculo de tributo; e, ainda, por ter-se pretendido modificar, pela mesma via, a natureza jurídica do fornecimento de água potável, encanada, às populações urbanas, transmudando-a de serviço público essencial em circulação de mercadoria. Periculum in mora, igualmente configurado, em face da extrema dificuldade de recuperação dos valores correspondentes ao tributo que vier a ser pago. Cautelar deferida.”

Na ADI 2.224-5/DF, o Ministro Néri da Silveira, no voto proferido, considerou relevante, para votar pela concessão da liminar, o mesmo fundamento invocado pelo Ministro Ilmar Galvão na ADI 567. Embora não se tenha conhecido dessa ação direta de inconstitucionalidade por questões processuais, na discussão do mérito, contudo, acenou-se com a tese da não tributação, via ICMS, da água fornecida como serviço público. O objeto da referida ADI 2.224-5/DF consistia em declarar a inconstitucionalidade do Convênio nº 77/1995 – que autorizava os Estados do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul a revogar a isenção do ICMS para a água canalizada – e da Resolução nº 2.679/1996 da Secretaria do Estado de Fazenda do Estado do Rio de Janeiro – “que leva a efeito o mencionado convênio dispondo sobre as operações internas com água natural”.


No caso sob exame, são impugnados tanto o Convênio nº 98/1989, que concedeu a isenção, como o Convênio Confaz nº 77/1995, ratificado pelo Governador do Estado por meio do Decreto nº 21.845/1995, além das Resoluções nº 2.679/1996 e nº 3.525/1999 da Secretaria Estadual de Fazenda, que determinavam a incidência do ICMS sobre os serviços de fornecimento de água canalizada no Estado do Rio de Janeiro. Na esteira dos precedentes da Corte, entendo que a incidência do ICMS sobre água potável para o consumo da população – prevista na legislação do Rio de Janeiro – gera uma situação eivada de inconstitucionalidade, destoando da materialidade desse tributo, inserta no art. 155, inciso II, da Constituição Federal. Com efeito, a Constituição Federal define o âmbito do ICMS no referido art. 155, inciso II, o qual estabelece a sua incidência sobre “operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior”. Observe-se que, embora o fato gerador do ICMS seja descrito na lei que o institui, como ocorre com todos os demais tributos, sujeita-se o legislador infraconstitucional aos limites da hipótese de incidência estabelecida na Carta Magna. A lei que veicular sua hipótese de incidência só será válida se descrever uma ope-

ração relativa à circulação de mercadorias ou à prestação dos serviços taxativamente previstos no dispositivo constitucional. Assim, analisar a extensão da hipótese de incidência prevista no art. 155, inciso II, da Constituição Federal é indispensável para a identificação do que constitui ou não fato gerador do ICMS. Geraldo Ataliba define “operações” como “atos jurídicos; atos regulados pelo Direito como produtores de determinada eficácia jurídica; são atos juridicamente relevantes; circulação e mercadorias são, nesse sentido, adjetivos que restringem o conceito substantivo de operações”. “Circular”, no dizer de Ataliba e Cleber Giardino, citados por José Eduardo Soares de Melo (ICMS: teoria e prática. 10. ed. Dialética, p. 14), “significa, para o Direito, mudar de titular. Se um bem ou uma mercadoria mudam de titular, circula para efeitos jurídicos. Convenciona-se designar por titularidade de uma mercadoria à circunstância de alguém deter poderes jurídicos de disposição sobre a mesma, sendo ou não seu proprietário (disponibilidade jurídica)”.

No que se refere à noção de mercadoria, para fins de tributação do ICMS, consolidou-se, ao longo do tempo, o entendimento de que consiste em bem móvel sujeito à mercancia ou, se preferirmos, no objeto da atividade mercantil. Dessa forma, não é qualquer bem móvel que é mercadoria, mas tão somente aquele que se submete à mercancia, ou seja, que é passível de apropriação pelo promotor da operação que o destina ao processo econômico circulatório. O bem móvel é o gênero, do qual mercadoria é a espécie. A fundamentação que vem ensejando a classificação da distribuição de água potável como atividade mercantil – para fins de imposição tributária pelos estados-membros e pelo Distrito Federal – é construída a partir de uma concepção segundo a qual a água canalizada é um bem dotado de valor econômico,

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Na ocasião, não se conheceu da ação, sob o fundamento de que o afastamento do mundo jurídico das normas impugnadas importaria em deixar remanescer a regra geral que “isenta um absurdo”, no dizer do Ministro Maurício Corrêa. Sem que se tenha atacado a norma que criou a isenção, o Tribunal entendeu que não seria o caso de se conhecer de ação que “visa cancelar a isenção setorizada no Estado do Rio Grande do Sul”.

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diferente daquela encontrada em seu estado natural (água bruta), já que sofre tratamento químico necessário para o consumo. Em resumo, o fornecimento de água potável caracterizaria uma operação de circulação de mercadoria. Todavia, as águas públicas derivadas de rios ou mananciais são qualificadas juridicamente como bem de uso comum do povo, conforme os arts. 20, III, e 26, I, da Constituição Federal, não podendo ser equiparadas a uma espécie de mercadoria, sobre a qual incidiria o ICMS. O tratamento químico necessário ao consumo não tem o condão de descaracterizar a água como um bem público de uso comum de todos. De longa data, Geraldo Ataliba questiona a incidência do imposto estadual sobre bens que não tenham a natureza jurídica de “mercadorias”, argumentando que:

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“Não é qualquer bem que pode ser juridicamente qualificado como mercadoria. Essa qualificação depende de dois fatores, a saber (1) a natureza do promotor da operação que a tem por objeto e (2) a destinação comercial que a ela dá o seu titular”.

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Evidencia-se, assim, que os conceitos de “operação”, “circulação” e “mercadoria” permanecem umbilicalmente ligados, devendo o intérprete das leis e os aplicadores do ICMS tomá-los em suas concepções jurídicas para efeito da caracterização de sua incidência. No caso, estão ausentes os elementos que adjetivam o aspecto material da hipótese de incidência do ICMS, quais sejam: “circulação” e “mercadoria”, na medida em que as concessionárias – promotoras da operação de fornecimento de água – não detêm poderes jurídicos de disposição sobre ela, tampouco podem dar destinação comercial à água, dada a sua natureza de bem público. Esse entendimento é corroborado pelo art. 18 da Lei nº 9.433/1997, que “institui a Política Nacional de Recursos Hídricos”, ao deixar claro que a concessão do serviço público

de distribuição de água canalizada constitui mera outorga dos direitos de uso, não implicando a alienação das águas, uma vez que se trata de bem de uso comum do povo, inalienável. “Art. 18. A outorga não implica a alienação parcial das águas, que são inalienáveis, mas o simples direito de seu uso.”

No mesmo sentido, o Código de Águas (Decreto nº 24.643/1934): “Art. 46. concessão não importa, nunca, a alienação parcial das águas públicas, que são inalienáveis, mas no simples direito ao uso destas águas.”

Observa-se, assim, que, ao se tributar o fornecimento de água potável, está-se conferindo interpretação inadequada ao conceito de mercadoria, o que conduz, erroneamente, à classificação de água canalizada como bem passível de comercialização. E mais. Está-se pretendendo tributar, via ICMS, serviço de saneamento básico não taxativamente previsto no art. 155, II, da Magna Carta. A água natural canalizada, ao contrário do que acontece com a água envasada, não é objeto de comercialização, e sim de prestação de serviço público. Inexiste, portanto, uma operação relativa à circulação de água, como se essa fosse mercadoria. Em verdade, os concessionários que detêm o direito ao uso dessas águas prestam serviços públicos essenciais de competência do Estado, mediante a captação, o tratamento e o abastecimento de água de forma adequada ao consumidor final – os quais compreendem um conjunto de serviços que visam assegurar a universalidade e a qualidade do consumo de água pela população, promovendo, desse modo, a saúde pública. A doutrina abalizada não destoa desse entendimento, a exemplo do magistério do Professor Antônio Roque Carraza (ICMS. 10. ed. Malheiros, p. 131): “Na medida em que as águas são incontendivelmente bens públicos, segue-se que não são mercadorias, não podendo, só por isso, ensejar


Por outro lado, o serviço domiciliar de água (água encanada e tratada), porque serviço público específico e divisível, possibilita apenas um tipo de tributação: a tributação por meio de taxa de serviço (art. 145, II, segunda parte da CF). Não de imposto; muito menos de ICMS, cujas regras matrizes estão perfeitamente delineadas no Texto Magno e não podem ter seu traçado alterado pelo legislador ou pelo agente fiscal”.

Complementa o Professor José Eduardo Soares de Melo (ICMS – Teoria e prática. 10. ed. Dialética, 2008. p. 20): “[...] [N]ão se tributa (ICMS) a água em estado bruto (bem público não destinado a comércio); a água utilizada no preparo de alimentos, higiene, etc., e a água encanada e tratada (sujeita à taxa); embora o Convênio ICMS nº 98, de 24.10.1989, tenha disposto sobre a isenção no fornecimento de água natural canalizada, evidenciando que poderia (à falta de convênio) ser objeto de tributação.”

Por fim, registro a jurisprudência já há muito consolidada nesta Corte de que o serviço de fornecimento de água é submetido ao regime de preço público, e não ao de taxa, como manifesto nos embargos no RE 54.491/PE e nos RE 85.268/PR e 77/162/SP. Registro, ademais, que essa discussão – sobre a remuneração do serviço público –, ao contrário do que faz parecer o recorrente, não tem qualquer relevância para o deslinde do caso concreto, pois incontroverso que se trata de um serviço público essencial posto à disposição da população, o qual, independentemente do regime jurídico de sua remuneração, não está sujeito à tributação pela via do imposto em questão. Não bastassem todos os fundamentos já delineados, considero que a incidência do ICMS sobre o serviço de água tratada não atende ao interesse público; ao contrário, a tributação pode, inclusive, prejudicar políticas públicas de universalização do acesso a esse serviço.

Diante do exposto, voto pelo não provimento do recurso extraordinário, ratificando a jurisprudência da Corte no sentido da não incidência do ICMS sobre o serviço de fornecimento de água tratada.

VISTA O Senhor Ministro Luiz Fux – Senhor Presidente, temos aqui algumas questões bastante complexas. Em primeiro lugar, no meu modo de ver, o fato de ser serviço essencial não inibe a incidência de exação. Transporte coletivo é serviço essencial e há incidência de tributos; a água, no meu modo de ver, pode ser avaliável economicamente. Por força de tantas outras questões que esta causa suscita, peço vênia ao Colegiado para pedir vista, para trazer um voto mais aprofundado.

VOTO-VISTA RECURSO EXTRAORDINÁRIO – REPERCUSSÃO GERAL – CONSTITUCIONAL – TRIBUTÁRIO – IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES RELATIVAS À CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS (ICMS) – Fornecimento de água canalizada. Serviço público essencial. Precedentes no sentido de rejeitar a tributação (ADIn 567/MG, Rel. Min. Ilmar Galvão, e ADIn 2.224/DF, Red. p/o Ac. Min. Nelson Jobim). Água, em estado bruto in natura, que configura bem público estadual ou da União (CRFB/1988, art. 20, III e VI, e art. 26, I). Outorga do direito de uso da água que não implica alienação parcial, nos termos do art. 18 da lei que disciplina a política nacional de recursos hídricos (Lei nº 9.433/1997). Interpretação gramatical. Momento de captação da água, posteriormente à outorga. Impossibilidade de apropriação da água pelo agente econômico. A presença de finalidade econômica na captação da água, revelada pela meta pública de “reconhecer a água como bem econômico e dar ao usuário uma indicação de seu real valor” (Lei nº 9.433/1997,

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tributação por meio de ICMS. Ademais, neste estado natural, a água é insusceptível de avaliação econômica, circunstância que, de per si, afasta a incidência do ICMS.

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art. 19, I), bem como pela cobrança de valores pelo uso de recursos hídricos conforme o volume de água captado pelo outorgado (Lei nº 9.433/1997, art. 21, I), não justifica a incidência da tributação. Ausência de típica operação de circulação de mercadorias. Ausência de previsão expressa no texto constitucional (CRFB/1988, art. 155, II e § 3º) não se amoldando ao fato gerador principal do ICMS (CRFB/1988, art. 155, II, Primeira Parte). Recurso extraordinário desprovido.

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O Senhor Ministro Luiz Fux: A controvérsia dos autos gira em torno da possibilidade de tributação, por ICMS, da atividade de fornecimento de água canalizada, prestada pela Cedae/RJ aos usuários através do pagamento de tarifa. Para equacioná-la, as duas teses principais, sustentadas pelo recorrente (Estado do Rio de Janeiro) e pelo recorrido (Condomínio do Edifício Paula), partem, respectivamente, das premissas de que o fornecimento de água canalizada configuraria (i) mercadoria ou (ii) serviço público essencial: na primeira hipótese, diversamente da segunda, haveria subsunção à matriz constitucional do ICMS, prevista no art. 155, II, da CRFB/1988 (Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: [...] II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior), o que validaria sua incidência.

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O acórdão recorrido, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, afastou a tributação sobre a água encanada, considerando se tratar de serviço público essencial, e não fornecimento de mercadoria, de modo que se admitiria a cobrança apenas de tarifa frente ao cidadão. Fundou-se, para tanto, no art. 23, II e IX (Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: [...] II – cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência; [...] IX – promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico), e no art. 175

da CRFB/1988. Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Parágrafo único. A lei disporá sobre: I – o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão; II – os direitos dos usuários; III – política tarifária; IV – a obrigação de manter serviço adequado), que disciplinam o regime constitucional do serviço público de fornecimento de água, sendo que o art. 10, I, da Lei de Greve confirmaria a classificação como serviço público essencial (Lei nº 7.783/1989, Art. 10. São considerados serviços ou atividades essenciais: I – tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis; [...]). O eminente Min. Relator Dias Toffoli, ao trazer o feito a julgamento na sessão plenária de 1º de setembro de 2011, proferiu voto no sentido de negar provimento ao recurso extraordinário. Após aludir a precedentes deste Supremo Tribunal Federal sobre o tema, afirmou que a incidência do ICMS sobre o fornecimento de água canalizada encerraria “uma situação eivada de inconstitucionalidade, destoando da materialidade desse tributo inserta no art. 155, II, da Constituição Federal”. Asseverou que somente os bens móveis submetidos à mercancia configurariam mercadoria para fins de tributação pelo ICMS, razão pela qual as águas públicas, “qualificadas juridicamente como bem de uso comum do povo”, não poderiam ser equiparadas à espécie daquelas, e isso ainda que após o tratamento químico necessário ao consumo. Nessa linha, aludiu ao art. 18 da Lei nº 9.433/1997 e ao art. 46 do Código de Águas (Decreto nº 24.643/1934), que impediriam a alienação parcial das águas públicas por força de outorgas do direito de uso. Assim, ao contrário da água envasada, a água natural canalizada, insuscetível de avaliação econômica, não


Deste modo, e com amparo na lição de Roque Antonio Carrazza, afirmou o Min. Rel. que o fornecimento de água ensejaria, em tese, “apenas um tipo de tributação: a tributação por meio de taxa de serviço (CRFB/1988, art. 145, II)”, muito embora logo a seguir tenha ressaltado que a jurisprudência desta Suprema Corte se firmou no sentido de que o fornecimento de água se submete ao regime de preço público, e não de taxa. E, por fim, asseverou que a tributação do fornecimento de água por ICMS não atenderia ao interesse público, já que “poderia inclusive prejudicar políticas públicas de universalização do acesso a esse serviço”. Feito o relato do ocorrido até o momento, passo a votar. Após refletir com a devida profundidade sobre todos os aspectos constitucionais que envolvem o tema, e levando em conta principalmente que o presente recurso extraordinário está submetido a julgamento segundo a sistemática da repercussão geral, de modo que assim se firmará um precedente a ser aplicado de maneira uniforme por todo o país (CPC, art. 543-B, §§ 3º e 4º), alinho-me à tese que rejeita a tributação do fornecimento de água canalizada pelo ICMS, e encampada pelo i. Relator Ministro Dias Toffoli. Trago apenas algumas breves reflexões acerca da temática. De início, assento que, do ponto de vista conceitual, inexiste qualquer incompatibilidade lógica entre a classificação de determinada atividade como serviço público, no âmbito do direito administrativo, e a configuração, nesta mesma atividade, sob o ângulo material, de um fornecimento de mercadorias a ensejar a incidência do ICMS.

Com efeito, a função da classificação de atividades como serviços públicos, como se sabe, é conduzir à atração de um peculiar regime jurídico de direito público, diante do especial significado de determinadas utilidades econômicas para a interdependência social, de modo que “o Estado reputa que não convém relegá-las simplesmente à livre iniciativa; ou seja, que não é socialmente desejável fiquem tão só as sujeitadas à fiscalização e controles que exerce sobre a generalidade das atividades privadas” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 641). E esse especial significado social pode se mostrar presente tanto na realização de um fazer quanto na de um dar, nesta última hipótese em típica operação de circulação econômica de mercadoria: há serviço público a revelar um fazer, por exemplo, nas atividades de telecomunicações e de limpeza urbana, e há também serviço público na atividade de distribuição de gás canalizado, que configura um dar a ensejar a tributação por ICMS. Em suma, serviço público, para o direito administrativo, é conceito absolutamente distinto de serviço público para o direito tributário, em cujo núcleo reside a configuração de um facere, isto é, uma obrigação de fazer (TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário – Os tributos na Constituição. Rio de Janeiro: Renovar, v. IV, 2007. p. 368). Nada obstante isso, a rejeição da tributação do fornecimento de água canalizada, por ICMS, se justifica por outros fundamentos. O primeiro deles reside no caráter essencial subjacente ao fornecimento de água canalizada para a coletividade em geral que, por tal razão, afasta in casu a incidência tributária. As águas, em seu estado bruto in natura, foram ineludivelmente alçadas pelo constituinte à condição de bens públicos, insuscetíveis, portanto, de avaliação econômica. Podem ser estaduais, conforme disposto no art. 26, I, da CRFB/1988 (CRFB/1988, Art. 26. Incluem-se entre os bens dos Estados: I – as águas superficiais

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seria objeto de comercialização, e sim de “prestação de serviço público” de natureza essencial e de competência do Estado.

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ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União; [...]), ou federais, nas hipóteses previstas no art. 20, III e VI, da Constituição (CRFB/1988, art. 20. São bens da União: [...] III – os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais; [...] e VI – o mar territorial). Nota-se, portanto, que o Constituinte entendeu por excluir o Município da titularidade das águas, conforme assinala BARROSO, Luís Roberto. Água: a próxima crise. In: Temas de direito constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, t. II, 2003. p. 310.

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Tal circunstância permanece inalterada mesmo quando haja o fornecimento através da canalização ao consumidor final. É dizer, a condição jurídica da água não muda radicalmente de figura com a mera distribuição domiciliar de água potável por concessionárias ou permissionárias aos cidadãos, razão por que não se revela possível qualificá-las juridicamente como mercadorias para fins de incidência de tributação por ICMS.

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De fato, como prega a Lei que disciplina a Política Nacional de Recursos Hídricos, está sujeita à outorga do Poder Público a “derivação ou captação de parcela da água existente em um corpo de água para consumo final, inclusive abastecimento público, ou insumo de processo produtivo” (Lei nº 9.433/1997, art. 12, I). Nessa hipótese, portanto, há outorga do direito de uso dos recursos hídricos públicos, sendo que a própria Lei afirma que “a outorga não implica a alienação parcial das águas, que são inalienáveis, mas o simples direito de seu uso” (art. 18). A leitura dessa última disposição tem de ser feita em seus devidos termos. Isso significa que, em uma primeira guinada de visão, que a só outorga do direito de uso acarrete a transferência da propriedade sobre a água encontrada no domínio dos

Estados ou da União. Mais que isso, tampouco se pode cogitar, partindo da própria literalidade do preceito legal, de que, uma vez promovida a intervenção do agente econômico através da captação da água, a partir de tal momento a água captada passa a ser, naturalmente, da propriedade do agente econômico, para que assim seja possível o respectivo fornecimento aos usuários finais através da rede de distribuição. Em outras palavras, o art. 18 da Lei nº 9.433/1997 (Lei de Recursos Hídricos) impede que seja adquirida a propriedade sobre a água no mero momento da outorga do direito de uso, outrossim obstaculiza que haja a apropriação sobre as águas já captadas através do exercício concreto de tal direito de uso. Nesse diapasão, não consubstancia premissa inexorável do outorgado direito de uso sobre as águas públicas que o concessionário possa, após captá-las, apropriar-se da água para conduzir o fornecimento aos usuários. Demais, a natureza de bem público não se altera ante o reconhecimento da finalidade econômica dado pela mesma Lei nº 9.433/1997, que disciplina a Política Nacional de Recursos Hídricos. A rigor, o referido diploma fixa apenas e tão somente parâmetros objetivos para a cobrança pelo uso da água, com vistas a racionalizar a sua utilização pelos usuários, em nada alterando o seu caráter de bem público. Isso pode ser corroborado pelos arts. 19 e 21, I, da Lei nº 9.433/1997 (Art. 19. A cobrança pelo uso de recursos hídricos objetiva: I – reconhecer a água como bem econômico e dar ao usuário uma indicação de seu real valor; II – incentivar a racionalização do uso da água; III – obter recursos financeiros para o financiamento dos programas e intervenções contemplados nos planos de recursos hídricos; Art. 21. Na fixação dos valores a serem cobrados pelo uso dos recursos hídricos devem ser observados, dentre outros: I – nas derivações, captações e extrações de água, o volume retirado e seu regime de variação). Assim, assiste razão ao acórdão recorrido quando afirma, para negara tributabilidade da água canalizada, que “a água, recurso


Neste cenário, o fornecimento de água canalizada, por não se tratar de operação de circulação de mercadorias, queda-se fora da incidência do ICMS de acordo com a primeira parte do art. 155, II, da CRFB/1988 (Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: [...] II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior). Outrossim, os serviços públicos de água canalizada não receberam previsão expressa na hipótese de incidência do ICMS, contidas na parte final do citado inciso II do art. 155 da CF e no corpo do §3º do mesmo dispositivo (CRFB/1988, Art. 155. § 3º À exceção dos impostos de que tratam o inciso II do caput deste artigo e o art. 153, I e II, nenhum outro imposto poderá incidir sobre operações relativas a energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do País), razão por que não revela legítima a sua cobrança por Estados e pelo DF. Por fim, a natureza jurídica de serviço também foi reconhecida pela Lei Complementar nº 116/2003, que revogou o regramento do ISS à época vigente (Decreto-Lei nº 406/1968). Esta norma geral do ISS, por disposição expressa do art. 156, III, da CF/1988, veio a definir em seu texto os serviços passíveis de tributação por este imposto, com exceção daqueles já tributados pelo ICMS, verbis: Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: [...]

III – serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art.155, II, definidos em lei complementar.

Na lista anexa à aludida Lei Complementar, foram inseridas as atividades típicas das companhias de saneamento, notadamente, para o que interessa ao deslinde da questão, os itens 7.14 e 7.15, os quais foram objeto de veto presidencial, cujas razões ora transcrevemos por subsidiarem o decisum, verbis: 7.14 Saneamento ambiental, inclusive purificação, tratamento, esgotamento sanitário e congêneres. 7.15 Tratamento e purificação de água. A incidência do imposto sobre serviços de saneamento ambiental, inclusive purificação, tratamento, esgotamento sanitários e congêneres, bem como sobre serviços de tratamento e purificação da água, não atende ao interesse público. A tributação poderia comprometer o objetivo do Governo em universalizar o acesso a tais serviços básicos. O desincentivo que a tributação acarretaria ao setor teria como consequência de longo prazo aumento nas despesas no atendimento da população atingida pela falta de acesso a saneamento básico e água tratada. Ademais, o Projeto de Lei nº 161 – Complementar revogou expressamente o art. 11 do Decreto-Lei nº 406, de 31 de dezembro de 1968, com redação dada pela Lei Complementar nº 22, de 9 de dezembro de 1974. Dessa forma, as obras hidráulicas e de construção civil contratadas pela União, Estados, Distrito Federal, Municípios e autarquias e concessionárias, antes isentas do tributo, passariam a ser taxadas, com reflexos nos gastos com investimentos do Poder Público. Dessa forma, a incidência do imposto sobre os referidos serviços não atende o interesse público, recomendando-se o veto aos itens 7.14 e 7.15, constantes da Lista de Serviços do presente Projeto de Lei Complementar. Em decorrência, por razões de técnica legislativa, também deverão ser vetados os incisos X e XI do art. 3º do Projeto de Lei.

Adite-se a isso que, ontologicamente, não subsiste a distinção feita pelo Recorrente no sentido de que o fornecimento de água canalizada se apresentaria como serviços públicos essenciais, e não como serviços públicos obrigatórios (i.e., aqueles cuja prestação é de tal forma tocada pelo interesse público que cabe ao Estado exercê-la mesmo que o usuário, por ato voluntário,

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natural e essencial à vida, ao desenvolvimento econômico e ao bem-estar social, constitui bem público inalienável, e o fornecimento de água potável, disponibilizada à população como serviço público, de obrigação do Estado, não enseja a perda de sua natureza, mesmo sendo delegado mediante concessão”.

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pretenda ilidi-la), razão por que atrairia a incidência da tributação por ICMS. Em essência, inexiste justificativa que dê suporte a tal distinção. O fato de haver serviços em que mesmo diante do inadimplemento do usuário, por não ter recolhido a taxa pertinente, ocorrerá a prestação (e.g., esgoto sanitário e com a coleta de lixo) não retiram a sua pecha de essencial. Por outro lado, é inobjetável que o fornecimento de água canalizada, bem considerado vital à vida humana, reveste-se de obrigatoriedade, não podendo a sua distribuição ficar ao alvedrio do Poder Público ou dos particulares prestadores deste serviço (concessionários ou permissionários).

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Amparar tal distinção na circunstância de que é possível que o particular opte por poços artesianos ou carros-pipas, sem que tenha de pagar, assim, qualquer remuneração pelo serviço de fornecimento de água não utilizado, como pretende o Recorrente, seria irreal e pouco pragmático sob o ponto de vista da racionalidade. Na verdade, essa opção se revela fictícia e desconsidera as diferenças socioeconômicas existentes na sociedade brasileira.

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Alguns dados ilustram bem o pano de fundo da discussão. De acordo com levantamento feito pelo IBGE, em 2011, o número de domicílios atendidos por rede geral de abastecimento de água no Brasil era de 51,8 milhões, correspondendo a 84,6% do total de unidades. Nas regiões Norte e Nordeste, que possuem os piores índices, esse percentual é de 55,9% e 79,9%, respectivamente (Fonte: IBGE. Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento. PNAD 2009/2011). Ou seja, a tão almejada universalização do serviço público de abastecimento de água canalizada no Brasil ainda é um sonho distante de boa parte da população. Se isso é verdade, como os dados fazem crer que sejam, cai por terra essa pseudoliberdade de escolha dos cidadãos entre, de um lado, o fornecimento de

água canalizada e, de outro, a construção de poços artesianos ou a contratação de carros-pipa. A rigor, ao sugerir tais opções, o Recorrente, a um só tempo, desconsidera as condições materiais de cada cidadão brasileiro (no caso da contratação de carros-pipa), bem como promove o estabelecimento de cidadãos de primeira (para os quais se disponibilizaria água canalizada) e de segunda classe (para os quais restariam os poços artesianos). Demarco, por fim, que a tese pela rejeição da tributação do fornecimento de água canalizada é tradicional neste Supremo Tribunal Federal, notadamente a partir dos precedentes firmados na ADIn 567/MG, Rel. Min. Ilmar Galvão, e na ADIn 2.224/DF, Red. p/o Ac. Min. Nelson Jobim, nos quais se parte da premissa de que a água encanada não configura mercadoria a ensejar a incidência do ICMS. Eis a ementa destes e de outros julgados que a eles se seguiram, verbis: CAUTELAR – AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – ARTS. 546, 547 E 548 DO DECRETO Nº 32.535, DE 18 DE FEVEREIRO DE 1991, DO ESTADO DE MINAS GERAIS – ALEGADA INFRINGÊNCIA AOS ARTS. 150, I E VI, § 2º, E 155, I, B, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – Relevância do direito, caracterizada pela circunstancia de haver-se definido, por decreto, fato gerador e base de calculo de tributo; e, ainda, por ter-se pretendido modificar, pela mesma via, a natureza jurídica do fornecimento de água potável, encanada, as populações urbanas, transmudando-a de serviço público essencial em circulação de mercadoria. Periculum in mora igualmente configurado, em face da extrema dificuldade de recuperação dos valores correspondentes ao tributo que vier a ser pago. Cautelar deferida. (ADI 567-MC, Rel. Min. Ilmar Galvão, Tribunal Pleno, Julgado em 12.09.1991, DJ 04.10.1991, p. 13779; Ement., v. 01636-01, p. 00038; RTJ, v. 00138-01, p. 00060) CONSTITUCIONAL – TRIBUTÁRIO – RESOLUÇÃO Nº 98/1989 QUE APROVOU CONVÊNIO NA FORMA DA LC 24/1975, EM QUE AUTORIZA ESTADOS E O DISTRITO FEDERAL A CONCEDERAM “A ISENÇÃO DO ICMS EM OPERAÇÕES COM ÁGUA NATURAL CANALIZADA, NAS HIPÓTESES PREVISTAS NA LEGISLAÇÃO ESTADUAL” – EDIÇÃO DO CONVÊNIO Nº 77/1995, DO MINISTÉRIO DA FAZENDA, QUE AUTORIZA RIO DE JANEIRO E RIO GRANDE DO SUL A REVOGAREM A ISENÇÃO DO ICMS PARA A ÁGUA CANALIZADA – RESOLUÇÃO Nº


TRIBUTÁRIO – ICMS – FORNECIMENTO DE ÁGUA CANALIZADA – SERVIÇO PÚBLICO ESSENCIAL – INCIDÊNCIA – IMPOSSIBILIDADE – AGRAVO IMPROVIDO – I – A decisão agravada está em conformidade com a jurisprudência desta Corte, que possui entendimento no sentido de que não incide o ICMS sobre o fornecimento de água canalizada, uma vez que se trata de serviço público essencial e não de mercadoria. Precedentes. II – Agravo regimental improvido. (RE 552948-AgRg, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, Julgado em 01.06.2010, DJe-145 Divulg. 05.08.2010, Public. 06.08.2010; Ement., v. 02409-07, p. 01558) PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL – TRIBUTÁRIO – IMPOSTO SOBRE OPERAÇÃO DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO E DE TRANSPORTE INTERMUNICIPAL E INTERESTADUAL – ICMS – FORNECIMENTO DE ÁGUA POR EMPRESA DE SANEAMENTO PÚBLICO – CARACTERIZAÇÃO DA OPERAÇÃO COMO SERVIÇO OU ATIVIDADE COMERCIAL – NATUREZA INFRACONSTITUCIONAL DO ARGUMENTO – IMPOSSIBILIDADE DE A LEGISLAÇÃO INFRALEGAL ALTERAR O CONCEITO DE SERVIÇOS DE FORNECIMENTO DE ÁGUA PARA ENCAIXÁ-LO NO FATO GERADOR DO TRIBUTO – 1. A discussão acerca da caracterização do fornecimento de água como serviço ou operação de circulação de mercadoria depende do exame da legislação infraconstitucional que define o regime de acesso e distribuição do mineral, de modo a não desafiar a

interposição de recurso extraordinário. Precedente: RE 450.496-AgRg, Rel. Min. Carlos Britto, Primeira Turma, DJ de 16.12.2005. 2. Esta Corte afastou, em cautelar de controle direto de constitucionalidade, legislação infralegal tendente à modificação dos conceitos legais dos serviços de fornecimento de água para encaixá-los na hipótese de incidência do ICMS (ADI 567-MC, Rel. Min. Ilmar Galvão, Pleno, DJ de 04.10.1991). Agravo regimental ao qual se nega provimento. (AI 297277-AgRg, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, Julgado em 06.04.2010, DJe 081 Divulg. 06.05.2010, Public. 07.05.2010; Ement., v. 02400-04, p. 00869) AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO – TRIBUTÁRIO – COBRANÇA DE ICMS INCIDENTE SOBRE O FORNECIMENTO DE ÁGUA ENCANADA – IMPOSSIBILIDADE – O Supremo Tribunal Federal fixou entendimento no sentido da ilegitimidade da cobrança de ICMS sobre água encanada, uma vez que se trata de serviço público essencial e não mercadoria. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento. (AI 682565-AgRg, Rel. Min. Eros Grau, Segunda Turma, Julgado em 23.06.2009, DJe-148 Divulg. 06.08.2009, Public. 07.08.2009; Ement., v. 02368-17, p. 03640)

Mesmo enquanto atuava no Superior Tribunal de Justiça, ademais, já tive a oportunidade de perfilhar a orientação firmada por esta Suprema Corte, entendendo, à época, pela rejeição da incidência de ICMS sobre o fornecimento de água encanada, como exemplifica a ementa do seguinte acórdão por mim relatado: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL – PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – ICMS – ÁGUA TRATADA – NÃO INCIDÊNCIA 1. O fornecimento de água potável não constitui hipótese de tributação, visto que o serviço prestado se reveste de caráter público e essencial. Precedentes: AgRg-REsp 1080699/RJ, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe 15.03.2010; AgRg-REsp 1056579/RJ, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe de 05.10.2009; AgRg-REsp 1014113/RJ, Rel. Min. José Delgado, Primeira Turma, DJ de 23.06.2008; AgRg-Ag 814.335/RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJ de 19.12.2007; AgRg-REsp 1081573/RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 08.03.2010. 2. Agravo regimental desprovido. (AgRg-REsp1034735/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, Julgado em 23.11.2010, DJe 06.12.2010)

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2.679/1996, QUE LEVA A EFEITO O CONVÊNIO Nº 77/1995 – Requerida declaração de inconstitucionalidade dos dois últimos atos normativos, sob a alegação de: 1) errônea classificação de água canalizada como mercadoria; 2) Legitimidade dos estados e distrito federal para firmar convênios que tratem de isenção de ICMS, na falta de lei complementar. Necessária a compreensão da extensão da hipótese de incidência do ICMS. Art. 155, II, da CF, para identificar o que constitui ou não fato gerador do ICMS. Jurisprudência deste tribunal que entende não ser a água canalizada mercadoria sujeita à tributação pelo ICMS, por tratar-se de serviço público. Em ação direta de inconstitucionalidade, se a suspensão da norma impugnada fizer ressurgir norma anterior também inconstitucional, estas deverão ser impugnadas na inicial – o que não sucedeu – se decidir este tribunal pela inconstitucionalidade do Convênio nº 77/1995, haverá a repristinação do Convênio anterior – nº 98/1989 – ação não conhecida. (ADI 2224, Rel. Min. Néri da Silveira, Rel. p/o Ac. Min. Nelson Jobim, Tribunal Pleno, Julgado em 30.05.2001, DJ 13.06.2003, p. 00008; Ement., v. 02114-02, p. 00252)

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Ex positis, voto no sentido negar provimento ao recurso extraordinário, assentando a inconstitucionalidade da tributação, pelo ICMS, do fornecimento de água encanada. É como voto. O Senhor Ministro Marco Aurélio: Presidente, há um sistema que vem funcionando em todo o território nacional, ligado ao fornecimento desse bem indispensável ao homem, que é a água. Não me consta que até aqui tenha surgido conflito no âmbito da competência tributária ativa, considerados Estado e município: o município pretendendo a incidência do imposto sobre serviços, e o Estado à incidência do ICMS, tributo cuja própria sigla já revela a possibilidade de existir situação concreta em que envolvidos serviços, como está no inciso II do art. 155 da Constituição Federal: Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

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[...]

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II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, [...]; [...].

Quando se tem, junto com o fornecimento da mercadoria – e, para mim, água é mercadoria –, a prestação de serviços, adota-se a teoria do preponderante. Reconheço que as empresas de água que se dedicam, em linhas gerais, ao saneamento – e a Cedae, no caso, é uma empresa de água – prestam serviços. Recebo em minha residência um medidor, que vai conferir o hidrômetro, o relógio que marca a chegada dessa mercadoria

canalizada – e o fato de a mercadoria ser canalizada não implica a sua descaracterização. Indago: ainda que coloquemos a água como indispensável, como a englobar esse gênero – não espécie – serviço essencial, porque vejo nele também apanhadas certas mercadorias, esse fato descaracteriza o que fornecido como mercadoria? A meu ver, não, Presidente. Repito que, até aqui, pelo que me consta – teria que fazer pesquisa um pouco mais aprofundada –, o ICMS vem sendo cobrado em todas as contas apresentadas, não sendo, no caso do fornecimento de água, primazia do Estado do Rio de Janeiro. A persistir o quadro decisório, teremos como assegurado a esse contribuinte, ao condomínio do Edifício Paula, a repetição do indébito, presente o período em que o tributo foi cobrado, com a incidência de juros e correção monetária, observado, claro, o quinquênio alusivo ao prazo prescricional. Vejo que, nos precedentes levantados pelo Gabinete, existem vários formalizados em procedimentos de apreciação sumária. Refiro-me ao problema, muito embora às vezes não pareça, da cautelar no processo objetivo, ao do agravo regimental no agravo de instrumento para a subida do extraordinário e ao do regimental, também, no recurso extraordinário. Peço vênia, Presidente, aos colegas para concluir que, no caso, tem-se a observância pelo Estado do Rio de Janeiro, como também por outros estados, do disposto na Constituição Federal. Hugo de Brito Machado, em regime tributário da venda de água – mercadoria, repito, e não é um simples serviço –, entende ser legítima essa mesma incidência e sustenta que se tem realmente um serviço público em sentido estrito. No caso de fornecimento de água pelo Estado, diretamente ou por intermédio de concessionárias, a questão está em saber – diz ele – se tal atividade


Por isso, Presidente, assentando que não houve extravasamento dos limites constitucionais, do figurino constitucional referente ao tributo, peço vênia ao relator e àqueles que o acompanharam, para prover o extraordinário. VOTO O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski – Senhor Presidente, eu ouvi atentamente a explicação e o voto do eminente Ministro Marco Aurélio. E essa questão é uma questão extremamente palpitante, e eu votei, confesso que votei, não só pelo brilho dos argumentos do eminente Relator, mas também por um precedente que eu subscrevi no mesmo sentido. Mas agora, refletindo sobre as ponderações do Ministro Marco Aurélio, imaginando que não se trata de água in natura, e não se trata de um simples transporte de algo que vem de fontes naturais, mas é uma água tratada, a qual, não raro, é adicionado flúor, algicidas e outros produtos químicos... O Senhor Ministro Marco Aurélio – É um produto aperfeiçoado. O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski – Pois é, é algo que se adiciona à natureza. E tendo em conta, também, Senhor Presidente, que a água não só em nosso país, mas em escala

mundial, vem se transformando num bem cada vez mais escasso, eu gostaria de exteriorizar um pensamento em voz alta, no sentido de que, talvez, a tributação sobre esse bem escasso seja uma forma de se, pedagogicamente, indicar um uso mais adequado desse importante bem... O Senhor Ministro Marco Aurélio – Vossa Excelência me permite? Um doutrinador, Fábio Giusto Moroli, ressalta justamente esse aspecto apontado por Vossa Excelência, ou seja, que, no caso da água, há o acréscimo, inclusive de outros produtos, e a comercialização sob o ângulo econômico. O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski – Pois não. O Senhor Ministro Luiz Fux – A premissa da nossa jurisprudência já leva isso em conta, tanto que nós nos referimos – ainda que sinteticamente, porque houve um pedido para que fôssemos concisos –, ela se refere exatamente ao pagamento desse preço público, mercê de um bem ser essencial à vida humana, exatamente para atingir esse escopo de racionalização. Ficaria completamente contraditória a jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal se entendêssemos como mercadoria. O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski – Eu entendo. Os argumentos de lado a lado são muito instigantes, mas, para que eu possa refletir mais uma vez – e até homenageando o brilho do voto do Ministro Marco Aurélio, a preocupação que Sua Excelência sempre traz em aprofundar o debate –, vou reformular o meu voto, Senhor Presidente, pedindo vênia ao eminente Ministro-Relator para acompanhar o voto do Ministro Marco Aurélio e dar provimento ao recurso. EXTRATO DE ATA

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deve ser considerada serviço público, em sentido estrito – e aí, ter-se-ia a incidência apenas do imposto sobre serviço –, ou uma atividade propriamente estatal. Relevante observar que a água é bem comum. Tece considerações apontando que o Estado exerce atividade econômica de fornecimento de água, que bem poderia ser realizada por particulares, porque tal atividade é de relevante interesse coletivo. Conclui que é razoável entender-se que, no fornecimento de água, o que se dá é o transporte feito mediante a tubulação, mas de algo que ressoa como mercadoria, uma mercadoria peculiar.

Decisão: Após o voto do Senhor Ministro Dias Toffoli (Relator), negando provimento ao recurso extraordinário, pediu vista dos

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autos o Senhor Ministro Luiz Fux. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Joaquim Barbosa. Falaram, pelo recorrente, a Dra. Christina Aires Corrêa Lima, Procuradora do Estado e, pela interessada, a Dra. Elizabeth Costa de Oliveira Góes. Presidência do Senhor Ministro Cezar Peluso. Plenário, 01.09.2011. Decisão: Prosseguindo no julgamento, o Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, negou provimento ao recurso extraordinário, vencidos os Ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski. Votou o Presidente, Ministro Joaquim Barbosa. Ausente, neste julgamento, o Ministro Celso de Mello. Plenário, 10.04.2013. Presidência do Senhor Ministro Joaquim Barbosa. Presentes à sessão os Senhores Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Luiz Fux, Rosa Weber e Teori Zavascki. Procurador-Geral da República, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos.

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p/ Luiz Tomimatsu Assessor-Chefe do Plenário

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Pesquisa Temática

Benefício Previdenciário Benefício previdenciário – acidente do trabalho – LER – síndrome do túnel do carpo e patologias no membro superior esquerdo – concessão “Apelação cível. Previdenciário. Esforço repetitivo. Síndrome do túnel do carpo e patologias no membro superior esquerdo. Concessão do benefício auxílio-doença no primeiro grau. Lesão incapacitante para a função habitual. Nexo etiológico evidenciado. Possível tratamento. Readaptação. Auxílio-doença devido. Irresignação. Pagamento do benefício acidentário até seis meses após a perícia. Impossibilidade do estabelecimento de data limite. Sentença reformada nesse ponto. Inversão dos ônus sucumbenciais. Recurso provido. Conceder-se-á a aposentadoria por invalidez ao segurado em casos de incapacidade total e permanente para qualquer serviço que lhe garanta a subsistência; auxílio-acidente para incapacidade parcial e permanente para o trabalho que habitualmente exercia; auxílio-doença para incapacidade total e temporária para o exercício da função habitual. Consoante o art. 62 da Lei nº 8.213/1991 o segurado em gozo de auxílio-doença, insusceptível de recuperação para sua atividade habitual, deverá submeter-se a processo de reabilitação profissional para o exercício de outra atividade. Não cessará o benefício até que seja dado como habilitado para o desempenho de nova atividade que lhe garanta a subsistência ou, quando considerado não-recuperável, for aposentado por invalidez. A incapacidade laborativa temporária de obreiro, provocada por moléstia profissional, rende ensejo à concessão do auxílio-doença acidentário, que deverá ser mantido enquanto o segurado continuar incapaz para o trabalho, podendo o INSS iniciar processo de reabilitação, quando julgar necessário (AC 2008.056796-8, Rel. Des. Newton Janke, J. 21.07.2009).” (TJSC – AC 2010.052067-5 – Rel. Des. Pedro Manoel Abreu – DJe 24.08.2012)

Benefício previdenciário – auxílio-doença – cessação pela alta programada – prorrogação – requerimento administrativo – possibilidade “Previdenciário. Incidente de uniformização de jurisprudência. Restabelecimento de benefício de auxílio-doença cessado em razão da alta programada. Requerimento administrativo de prorrogação do benefício. Interesse processual. Matéria processual. Não conhecimento. 1. A questão acerca da necessidade de pedido de prorrogação de benefício por incapacidade cessado em razão da aplicação do instituto da alta programada para caracterização do interesse processual da parte autora tem natureza estritamente processual, não ensejando incidente de uniformização, nos termos da Súmula nº 1 deste órgão colegiado: ‘Não caberá pedido de uniformização de interpretação de lei federal quando a divergência versar sobre questões de direito processual’. Precedente citado no voto: Incidente de Uniformização nº 5003499-54.2012.404.7107, Turma Regional de Uniformização da 4ª Região, Rel. p/o Ac. Osório Ávila Neto, DE 25.06.2012. 2. Incidente de uniformização de jurisprudência não conhecido.” (TRF 4ª R. – IUJ 0007735-61.2010.404.7251/SC – TUJEF – Rel. Juiz Fed. André Luís Medeiros Jung – DJe 27.07.2012 – p. 437)

Benefício previdenciário – auxílio-doença – incapacidade laboral – prova inequívoca – ausência – tutela não concedida “Direito previdenciário e processual civil. Tutela antecipada em casos de natureza previdenciária. Possibilidade. Benefício previdenciário. Auxílio-doença. Incapacidade laboral. Prova inequívoca. Inexistência de verossimilhança das alegações do demandante. Agravo de instrumento improvido. 1. Não há óbice para concessão de antecipação dos efeitos da tutela de mérito em casos de natureza previdenciária. 2. A antecipação parcial da tutela de mérito, para o restabelecimento do benefício previdenciário, não pode ser deferida, por falta de prova inequívoca a evidenciar a plausibilidade objetiva do bom direito. 3. Não restou cabalmente demonstrada a incapacidade laboral do agravante para restabelecer o benefício do auxílio-doença, pois, ante a existência de dois laudos médicos com conclusões distintas, não há como se verificar a verossimilhança das alegações do demandante, sendo necessária a realização da instrução processual para análise da sua incapacidade laborativa.” (TJAC – AI 0000375-80.2012.8.01.0000 – (12.413) – Relª Desª Maria Cezarinete de Souza Augusto Angelim – DJe 09.04.2012 – p. 12)


Benefício previdenciário – cálculo que desconsidera vínculo empregatício na época da concessão – reconhecimento em ação trabalhista – possibilidade “Apelação/reexame necessário. Revisão de benefício previdenciário. Cálculo que desconsidera vínculo empregatício na época da concessão. Reconhecimento em ação trabalhista. Possibilidade. É possível a revisão de benefício previdenciário quando a renda mensal é calculada sem levar em consideração a remuneração percebida pelo beneficiário em vínculo empregatício existente na época da concessão, reconhecido em ação trabalhista. Sentença retificada.” (TJMT – Ap-RN 63474/2011 – Rel. Des. Luiz Carlos da Costa – DJe 26.07.2012 – p. 30)

Benefício previdenciário – cancelamento – dano moral – indenização –descabimento “Previdenciário e processual civil. Pedido de indenização de dano moral ajuizado logo após o falecimento de segurada. Cancelamento de benefício por incapacidade concedido em diverso processo judicial. Danos morais. 1. Ostentam legitimidade ativa e interesse processual os dependentes previdenciários de quem figurou como parte autora de ação com pedido de indenização por dano moral mesmo que a segurada já tenha falecido antes da propositura da ação. 2. Incabível indenização por dano moral em razão do cancelamento administrativo de benefício previdenciário concedido em sede judicial, pois não possui o ato administrativo o condão de provocar, por si, danos morais ao segurado.” (TRF 4ª R. – AC 0000442-70.2012.404.9999/RS – 6ª T. – Rel. Des. Fed. João Batista Pinto Silveira – DJe 16.05.2012)

Benefício previdenciário – concessão fraudulenta – não inclusão no conceito de dívida ativa não tributária – execução fiscal – via processual inadequada “Processual civil e administrativo. Violação dos arts. 114 e 115 da Lei nº 8.213/1991 e do art. 204 do CTN não configurada. Benefício previdenciário concedido mediante suposta fraude. Não inclusão no conceito de dívida ativa não tributária. Execução fiscal. Via processual inadequada. 1. O acórdão recorrido consignou que ‘na hipótese, os valores executados, embora de natureza previdenciária, são frutos de relação jurídica advinda de benefício de aposentadoria especial aparentemente deferida ao agravado e suspensa por supostas irregularidades, o que afasta a penhora requerida’. Assim sendo, não foram violados os arts. 114 e 115 da Lei nº 8.213/1991 e o art. 204 do CTN. 2. Em obiter dictum, observo que a jurisprudência do STJ firmou o entendimento de que a execução fiscal não é o meio adequado para cobrar benefícios previdenciários pagos indevidamente, pois o valor respectivo não assume a natureza de crédito tributário nem permite sua inscrição em dívida ativa. 3. Recurso especial não provido.” (STJ – REsp 1.322.051 – (2011/0295362-7) – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 31.10.2012 – p. 375)

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Benefício previdenciário – decadência – prazo

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“Previdência social. Revisão do ato de concessão de benefício previdenciário. Decadência. Prazo. Art. 103 da Lei nº 8.213/1991. Benefícios anteriores. Direito intertemporal. 1. Até o advento da MP 1.523-9/1997 (convertida na Lei nº 9.528/1997), não havia previsão normativa de prazo de decadência do direito ou da ação de revisão do ato concessivo de benefício previdenciário. Todavia, com a nova redação, dada pela referida Medida Provisória, ao art. 103 da Lei nº 8.213/1991 (Lei de Benefícios da Previdência Social), ficou estabelecido que ‘é de dez anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo’. 2. Essa disposição normativa não pode ter eficácia retroativa para incidir sobre o tempo transcorrido antes de sua vigência. Assim, relativamente aos benefícios anteriormente concedidos, o prazo de decadência do direito ou da ação visando à sua revisão tem como termo inicial a data em que entrou em vigor a norma fixando o referido prazo decenal (28.06.1997). Precedentes da Corte Especial em situação análoga (v.g.: MS 9.112/DF, Min. Eliana Calmon, DJ 14.11.2005; MS 9.115, Min. César Rocha, DJ de 07.08.2006, MS 11123, Min. Gilson Dipp, DJ de 05.02.2007, MS 9092, Min. Paulo Gallotti, DJ de 06.09.2006, MS (AgRg) 9034, Min. Félix Fischer, DJ 28.08.2006). Precedente específico da 1ª Seção: REsp 1.303.988/PE, Min. Teori Albino Zavascki, DJe de 21.03.2012. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-REsp 1.333.599 – (2012/0148703-4) – 1ª T. – Rel. Min. Teori Albino Zavascki – DJe 27.08.2012 – p. 663)

Benefício previdenciário e indenização por danos morais – cumulação – hipótese de cabimento “Previdenciário e processual civil. Cumulação de pedidos. Concessão de benefício previdenciário e indenização por danos morais. Litisconsórcio ativo facultativo. Valor da causa inferior a 60 salários-mínimos. Competência dos juizados especiais federais. 1. Ação ordinária com pedidos cumulados de concessão do benefício previdenciário ‘salário-maternidade’ e de indenização por danos morais. Processo extinto sem resolução do mérito, no Juízo a quo, por considerar ser o Juízo absolutamente incompetente para o julgamento, em face de a pretensão econômica das autoras não superar 60 (sessenta) salários-mínimos (art. 267, inciso IV, do CPC). 2. Em se tratando de litisconsórcio ativo facultativo, para que se fixe a competência dos Juizados Especiais Federais, deve-se considerar o valor buscado por cada autor, individualmente, não importando se a soma ultrapassar o limite dos 60 (sessenta) salários-mínimos. 3. Situação em que a cumulação do pedido de indenização por dano moral revelou-se como uma estratégia utilizada


pelas apelantes para o fim de afastar a competência dos Juizados Especiais Federais, que é absoluta, ante o contido no § 3º do art. 3º da Lei nº 10.259/2001. Apelação improvida.” (TRF 5ª R. – AC 0015781-32.2011.4.05.8300 – (536835/PE) – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Geraldo Apoliano – DJe 16.04.2012 – p. 144)

Benefício previdenciário – empréstimo consignado – desconto – inclusão no cadastro de inadimplentes – não comprovação – efeitos “Civil. Empréstimo consignado. Desconto na renda mensal do benefício previdenciário. Inclusão do nome nos cadastros de proteção ao crédito indevida. Inadimplência não configurada. 1. O contrato de empréstimo consignado, com desconto na renda mensal de benefício previdenciário (aposentadoria por idade) das prestações decorrentes do contrato, é hipótese de pagamento retido na fonte, portanto previamente à efetiva disponibilização do valor do benefício de aposentadoria à agravante. Assim, não há que se falar em inadimplência desta consoante, inclusive, atestam os documentos juntados. 2. Ademais, o erro, conforme informa o INSS em sua contraminuta, deveu-se ao fato de que o contrato de financiamento está vinculado ao NB 1275214972, o qual foi substituído pelo NB 1187158892, no qual pendia recurso administrativo, posteriormente deferido. A agravante recebeu os valores atrasados, sendo abatidos os valores já recebidos por meio do NB 1275214972. Ora, se foram descontados os valores já recebidos, caberia ao INSS repassar à CEF o montante concernente ao empréstimo, caso já não o tivesse efetuado, e informar a alteração do número de benefício, o que corrobora a adimplência da agravante. 3. Agravo de instrumento provido.” (TRF 3ª R. – AI 0021095-81.2011.4.03.0000/SP – 5ª T. – Rel. Des. Fed. Luiz Stefanini – DJe 31.10.2012 – p. 1716)

Benefício previdenciário – IR – incidência “Tributário. Benefício previdenciário pago de forma cumulada pelo INSS. Natureza salarial. Incidência de imposto de renda retido na fonte. Aplicação da alíquota mês a mês. I – Os valores pagos ao autor representam o que lhe era devido (crédito previdenciário – benefício de aposentadoria concedido após regular procedimento administrativo), pago com atraso, caracterizando-se como renda, apenas com recebimento postergado. II – Tal disponibilidade de crédito configura acréscimo ao seu patrimônio, da mesma forma que o recebimento da remuneração pelo trabalho acrescida dos percentuais cabíveis na data adequada o seria. III – O cálculo do imposto de renda incidente sobre o pagamento, por via administrativa, de salário/proventos deve observar as alíquotas vigentes na época em que o crédito era devido. Se o salário, que deveria ser pago na época oportuna, não estiver sujeito à incidência do tributo por estar abaixo do limite mensal de isenção naquele momento, também não incidirá a tributação no montante pago acumuladamente. Caso o valor mensal seja superior ao limite legal de isenção do IR deverá ocorrer a tributação do imposto de renda, com a devida retenção na fonte, o que ocorreu na hipótese. IV – O beneficiário não pode sofrer prejuízo pecuniário em razão do procedimento administrativo para a concessão de pedido de aposentadoria, que, ao final, mostrou-se procedente, devendo ser garantido ao contribuinte a observância as alíquotas, tabelas e limites de isenção do imposto de renda que seriam aplicáveis, caso as verbas salariais fossem pagas pela Administração em época oportuna. VI – Apelação improvida.” (TRF 5ª R. – AC 0000951-88.2011.4.05.8000 – (538314/AL) – 4ª T. – Relª Desª Fed. Margarida Cantarelli – DJe 12.04.2012 – p. 376)

Benefício previdenciário – recebimento de boa-fé – devolução – impossibilidade

Benefício previdenciário – repetição de valores recebidos indevidamente – natureza alimentar – irrepetibilidade

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“Agravo regimental no agravo de instrumento. Previdenciário. Benefício. Recebimento de boa-fé. Devolução. Art. 115 da Lei nº 8.213/1991. Impossibilidade. Natureza alimentar. Ausência do necessário prequestionamento. Súmulas nºs 282 e 356 do STF. Alegação de violação ao princípio da reserva de Plenário. Inocorrência. Precedentes. 1. O requisito do prequestionamento é indispensável, por isso que inviável a apreciação, em sede de recurso extraordinário, de matéria sobre a qual não se pronunciou o Tribunal de origem, incidindo os óbices das Súmulas nºs 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal. 2. O benefício previdenciário recebido de boa-fé pelo segurado não está sujeito a repetição de indébito, dado o seu caráter alimentar. Precedentes: RCL 6.944, Plenário, Relª Min. Cármen Lúcia, DJe de 13.08.2010 e AI 808.263-AgRg, Primeira Turma, Relator o Ministro Luiz Fux, DJe de 16.09.2011. 3. O princípio da reserva de Plenário não restou violado, conforme a tese defendida no presente recurso, isso porque a norma em comento (art. 115 da Lei nº 8.213/1991) não foi declarada inconstitucional nem teve sua aplicação negada pelo Tribunal a quo, ou seja, a controvérsia foi resolvida com fundamento na interpretação conferida pelo tribunal de origem à norma infraconstitucional que disciplina a espécie. 4. In casu, o acórdão recorrido assentou: ‘Aposentadoria por idade. Trabalhadores rurais em regime de economia familiar. Arrendamento da propriedade rural. É indevida a aposentadoria por idade aos autonomeados trabalhadores rurais em regime de economia familiar que cediam mediante arrendamento, no período aquisitivo do direito (1991-2003), oitenta por cento do imóvel rural que eram proprietários’. 5. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STF – AI-AgRg 850.620/RS – 1ª T. – Rel. Min. Luiz Fux – DJe 14.05.2012)

“Previdenciário. Agravo do art. 557, § 1º, do CPC. Benefício previdenciário. Repetição de valores recebidos indevidamente. Natureza alimentar. Irrepetibilidade. 1. A fraude realizada por terceiros autoriza o cancelamento do benefício previdenciário, mas não se repetem os valores recebidos, em razão da sua natureza alimentar. 2. Agravo interposto pelo INSS não provido.” (TRF 3ª R. – AL-AC 0038363-71.2004.4.03.9999/SP – Turma do Projeto Mutirão – Rel. Juiz Fed. Conv. João Consolim – DJe 14.05.2012)

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Benefício previdenciário – revisão – correção monetária dos trinta e seis salários-de-contribuição – benefício concedido antes da CF/1988 – efeitos “Previdenciário. Ação rescisória. Revisão de benefício. Correção monetária dos trinta e seis salários-de-contribuição. Benefício concedido antes da promulgação da CF/1988. Erro de fato. Violação a literal disposição de lei. Ocorrência. Julgado parcialmente rescindido. Pedido subjacente improcedente. Honorários advocatícios. Justiça gratuita. 1. O aresto rescindendo incorreu em erro de fato, por ter admitido um fato inexistente, qual seja: o de ter sido o benefício concedido após a Constituição Federal de 1988, como premissa lógica para o reconhecimento do direito postulado. 2. Considerado o nexo causal entre a admissão de fato inexistente e a procedência do pedido, cabível é a desconstituição do julgado, com fundamento no art. 485, IX, do CPC. 3. O réu requereu a aposentadoria em 09.12.1988, quando ainda não decorrido o prazo previsto no art. 32, § 1º, I, a, do Decreto nº 89.312/1984. Assim, correto é o termo inicial do benefício fixado pelo INSS desde a data do desligamento do emprego (11.09.1988). 4. A legislação aplicada ao cálculo da renda mensal inicial do benefício do réu foi a vigente na data de início, ou seja, o Decreto nº 89.312/1984, cujo art. 21 estabelecia a atualização monetária dos 24 (vinte e quatro) salários-de-contribuição anteriores aos 12 (doze) últimos. 5. Ao determinar a correção monetária dos 36 (trinta e seis) salários-de-contribuição a benefício concedido antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, resta configurada a violação à disposição literal de lei, razão pela qual se rescinde o julgado com fulcro no inciso V do art. 485 do Código de Processo Civil. 6. Em sede de juízo rescisório, não procede o pedido de recálculo da renda mensal inicial com a atualização monetária de todos os salários-de-contribuição, mas somente dos 24 (vinte e quatro) salários-de-contribuição anteriores aos 12 (doze) últimos. 7. Ação rescisória que se julga procedente para desconstituir parcialmente o r. julgado em relação à atualização monetária dos doze últimos salários-de-contribuição, e, em novo julgamento, julgo improcedente este pedido subjacente. 8. Sem condenação do réu nos ônus de sucumbência, por ser beneficiário da assistência judiciária gratuita.” (TRF 3ª R. – AR 0049520-41.1999.4.03.0000/SP – 3ª S. – Relª Desª Fed. Daldice Santana – DJe 02.08.2012 – p. 32)

Benefício previdenciário – revisão – decadência – observação “Previdenciário. Decadência. Revisão do ato de concessão de benefício anterior ao art. 103 da Lei nº 8.213/1991 (redação da MP 1.523-9/1997). Recurso desprovido. 1. Ao dar nova redação ao art. 103 da Lei nº 8.213/1991, a MP 1.523-9/1997 (convertida na Lei nº 9.528/1997) inovou ao prever prazo de decadência do direito à revisão de concessão de benefícios previdenciários, de modo que atos de concessão até 27.06.1997 (inclusive) estão sujeitos a prazo decadencial de dez anos contados da data em que essa MP entrou em vigor (precedentes do eg. STJ e desta col. Corte). Direito de o segurado pleitear revisão decaiu em 28.06.2007. 2. Por aplicação analógica do art. 219, § 5º, do Código de Processo Civil (na redação da Lei nº 11.280/2006), o juiz pronunciará a decadência de ofício. 3. Decisão agravada mantida. 3. Recurso do particular desprovido.” (TRF 3ª R. – Ag-AC 0004586-75.2011.4.03.6111/SP – 7ª T. – Rel. Juiz Conv. Carlos Francisco – DJe 18.10.2012 – p. 1283)

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Benefício previdenciário – revisão – efeitos

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“Previdenciário. Agravo legal interposto contra decisão monocrática proferida nos termos do art. 557 do CPC. Ação ajuizada com vistas à revisão de benefício previdenciário. Agravo improvido. Recurso interposto contra decisão monocrática proferida nos termos do art. 557 do CPC. O caso dos autos não é de retratação. A pretensão da parte autora resume-se, com suposto fundamento no direito intertemporal, e visando a majoração do benefício, no aproveitamento daquilo que se afigura mais vantajoso nas legislações que regem os cálculos de proventos. Pleiteia a conjugação dos tetos de 20 (vinte) salários mínimos da legislação pretérita (Lei nº 6.950/1981) com as determinações de recálculo contidas no art. 144 da Lei nº 8.213/1991, o que não é admitido pelo Direito pátrio. Eventual alegação de que não é cabível o julgamento monocrático no caso presente, resta superada, frente à apresentação do recurso em mesa para julgamento Colegiado. Agravo legal não provido.” (TRF 3ª R. – AG-AC 0007320-45.2009.4.03.6183/SP – 8ª T. – Relª Desª Fed. Vera Jucovsky – DJe 24.08.2012 – p. 2922)

Benefício previdenciário – revisão da RMI – decadência – observação “Previdenciário. Revisão da renda mensal inicial. Prescrição. Art. 103 da Lei nº 8.213. Decadência. Incidência do Enunciado nº 16 do Foreprev. Precedentes da Primeira Turma Especializada. I – A hipótese é de recurso interposto contra a sentença que julgou improcedente o pedido do autor ao entendimento de que se havia esgotado o prazo estipulado no art. 103 da Lei nº 8.213/1991, para fins de revisão da renda mensal inicial do benefício previdenciário. II – Mesmo antes da legislação específica, tratando da matéria, vigia o Decreto nº 29.910/1932, que tratava de prazo prescricional para as ações contra as Fazendas Públicas, valendo aduzir que o INSS é Fazenda Pública autárquica federal e o prazo em questão é prescricional (de fundo de direito). III – Nosso Direito jamais coadunou com a imprescritibilidade em face de lesões convalescentes de direito, e inércia para recuperá-las. Não pode, agora, comportar exceções calcadas em mera casuística com que se venha a interpretar sucessão de leis no tempo, com afronta ao princípio da igualdade entre todos os segurados da Previdência Social. IV – No mesmo sentido a Súmula nº 8 da Turma Regional de Uniformização que dispõe: ‘Em 01.08.2007 operou-se a decadência das ações que visem à revisão de ato concessório de benefício previdenciário instituído anteriormente a 28.06.1997, data da edição da MP 1.523-9, que deu nova redação ao art. 103 da Lei nº 8.213/1991’. V – Ressalte-se que o próprio Superior Tribunal de Justiça, na apreciação do Mandado de Segurança nº 9.157/CF (Corte Especial,


Relª Min. Eliana Calmon, DJ de 07.11.2005, p. 71), decidiu que o prazo decadencial previsto na Lei nº 9.784/1999, no caso dos atos administrativos anteriores a sua vigência, tem início a partir do advento do aludido diploma, de acordo com a lógica interpretativa, haja vista que não seria possível retroagir a referida norma para limitar a Administração em relação ao passado, exegese que, dada a inegável similitude com a hipótese de decadência prevista na norma previdenciária, deve se aplicar ao disposto no art. 103 da Lei nº 8.213/1991. VI – Tendo a Administração que se submeter ao prazo legal para anulação de seus próprios atos, mesmo em relação aos que foram efetivados antes da Lei nº 9.784/1999, nada justifica que os benefícios concedidos antes da alteração promovida pela MP 1.523/1997, não se sujeitem também ao estipulado no art. 103 da Lei nº 8.213/1991. VII – Recurso não provido.” (TRF 2ª R. – AC 2011.51.01.808117-0 – Rel. Des. Fed. Abel Gomes – DJe 25.04.2012)

Benefício previdenciário – revisão – prazo decadencial – não ocorrência “Agravo regimental. Embargos de declaração. Recurso especial. Processual civil e previdenciário. Matéria constitucional. Análise. Impossibilidade. Revisão de benefício. Período anterior à MP 1.523/1997. Decadência. Não ocorrência. Cálculo da renda mensal. Retroação da data de início. Direito adquirido. Aplicação do art. 144 da Lei nº 8.213/1991. Possibilidade (precedentes). 1. Compete ao Supremo Tribunal Federal a análise de suposta ofensa a dispositivos constitucionais, nos termos do art. 102, III, da Constituição Federal, sendo defeso o seu exame em âmbito de recurso especial. 2. Conforme jurisprudência da Terceira Seção desta Corte, o prazo decadencial instituído pela MP 1.523, de 27.06.1997, posteriormente convertida na Lei nº 9.528/1997, não alcança os benefícios concedidos antes da sua vigência. 3. De acordo com o entendimento deste Tribunal, firmado no julgamento dos EREsp 1.241.750/SC, ocorrido em 14.12.2011 (Relator o eminente Ministro Gilson Dipp), preenchidos os requisitos para aposentadoria antes da Lei nº 7.787, de 30.06.1989, ainda que o benefício tenha sido concedido na vigência da Lei nº 8.213/1991, deve ser utilizado no cálculo o teto do salário-de-contribuição de vinte salários mínimos, previsto na Lei nº 6.950/1981. 4. Assentou-se, ainda, a compreensão de que, tendo o benefício sido concedido no período de 05.10.1988 a 05.04.1991, denominado ‘buraco negro’, deve ser recalculado na forma determinada pelo art. 144 da Lei nº 8.213/1991. A nova renda mensal a ser implantada, no entanto, substituirá, para todos os efeitos, a até então existente. 5. Agravo regimental improvido.” (STJ – AgRg-EDcl-REsp 1.267.929 – (2011/0172983-0) – 6ª T. – Rel. Min. Sebastião Reis Júnior – DJe 27.06.2012 – p. 1256)

“Previdenciário. Apelação do autor. Revisão da renda mensal inicial. Exclusão do fator previdenciário. Equilíbrio atuarial. Entendimento do STF. Recurso não provido. I – A sentença deve ser mantida. No caso dos benefícios concedidos na vigência da Lei nº 8.213/1991, devem ser obedecidos os critérios de fixação da renda mensal inicial (RMI) e os critérios de correção dos benefícios previdenciários mantidos pela previdência social, e por ela estabelecidos, não sendo possível a aplicação de critério diverso daquele fixado na legislação previdenciária pertinente, e sem amparo na jurisprudência firmada nos Tribunais. II – No que tange ao fator previdenciário, conforme o entendimento explanado no julgamento da medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade (ADIn-MC 2111 de 05.12.2003), da relatoria do Exmo. Ministro Sydney Sanches, ficou estabelecido que ‘o art. 201, §§ 1º e 7º, da CF/1988, com a redação dada pela EC 20, de 15.12.1998, tratou apenas, no que aqui interessa, dos requisitos para a obtenção do benefício da aposentadoria. No que tange ao montante do benefício, ou seja, quanto aos proventos da aposentadoria propriamente ditos, a constituição federal, em seu texto originário, dele cuidava no art. 202. O texto atual da constituição, porém, com o advento da EC 20/1998, já não trata dessa matéria, que assim, fica remetida aos termos da lei, a que se referem o caput e o § 7º do novo art. 201. Ora, se a constituição, em seu texto em vigor, já não trata do cálculo do montante do benefício da aposentadoria, ou melhor, dos respectivos proventos, não pode ter sido violada pelo art. 2º da Lei nº 9.876, de 26.11.1999, que, dando nova redação ao art. 29 da Lei nº 8.213/1991, cuidou exatamente disso. E em cumprimento, aliás, ao caput e ao § 7º do novo art. 201. Aliás, com essa nova redação, não deixaram de ser adotados, na lei, critérios destinados a preservar o equilíbrio financeiro e atuarial, como determinado no caput do novo art. 201. O equilíbrio financeiro é o previsto no orçamento geral da união. E o equilíbrio atuarial foi buscado, pela lei, com critérios relacionados com a expectativa de sobrevida no momento da aposentadoria, com o tempo de contribuição e com a idade’, não havendo, desta forma, hipótese de inconstitucionalidade e tampouco ilegalidade, a sentença deverá ser mantida. III – Recurso conhecido e não provido.” (TRF 2ª R. – AC 0811134-36.2011.4.02.5101 – 1ª T.Esp. – Rel. Des. Fed. Abel Gomes – DJe 11.05.2012)

Benefício previdenciário – revisão – teto previdenciário – efeitos “Previdenciário. Revisão de benefício. Emendas Constitucionais nºs 20/1998 e 41/2003. Adequação ao novo teto. Ação proposta em face do INSS, pretendendo seja condenada a Autarquia à revisão do benefício previdenciário, mediante a aplicação do novo teto estabelecido na Emenda Constitucional nº 20/1998, com o pagamento das diferenças encontradas. O valor do novo teto fixado pela EC 20/1998 tem aplicação imediata aos benefícios já concedidos, inclusive aqueles deferidos antes da sua edição: precedente do STF, RE 564.354/SE, Relatora Ministra Carmem Lucia. Restado comprovado que o valor da Renda Mensal Inicial foi limitada ao teto, tem direito o autor à revisão do valor percebido. Juros moratórios são devidos na forma do art. 1º F da Lei nº 9.494/1997, com a alteração dada pela Lei nº 11.960/2009, a partir da sua vigência. Honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação (art. 20, § 4º, do CPC).” (TRF 2ª R. – AC 2011.51.01.803600-0 – (529388) – Rel. Paulo Espirito Santo – DJe 14.06.2012)

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Benefício previdenciário – revisão – RMI – exclusão do fator previdenciário – descabimento

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Jurisprudência Comentada

Ausência de Previsão de Arbitragem no Edital de Licitação. Nulidade da Sentença Arbitral Proferida por Dois Árbitros. Ausência de Cláusula Compromissória. Arbitragem em Contratos Administrativos ANA GERDAU DE BORJA PhD em Arbitragem e LLM em Direito Internacional pela Universidade de Cambridge, Advogada.

Superior Tribunal de Justiça Recurso Especial nº 904.813/PR Companhia Paranaense de Gás Natural – Compagás v. Consórcio Carioca Passarelli J. 20.10.2011 Relatora: Min. Nancy Andrighi SUMÁRIO: I – Julgado; II – Comentário.

I – JULGADO Recurso Especial nº 904.813/PR (2006/0038111-2) Recorrente: Companhia Paranaense de Gás Natural – Compagás Advogado: Leonardo Peres da Rocha e Silva e outro(s) Recorrido: Consórcio Carioca Passarelli Advogado: Luiz Antonio Bettiol e outro(s)

RELATÓRIO A Exma. Sra. Ministra Nancy Andrighi (Relatora): Trata-se de recurso especial interposto por Companhia Paranaense de Gás Natural – Compagás, com base no art. 105, III, a e c, da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Paraná (TJ/PR). Ação: declaratória de nulidade de compromisso arbitral, proposta por Companhia Paranaense de Gás Natural – Compagás em face de Consórcio Carioca Passarelli. Aduz a autora, em suma, que (i) a arbitragem não estava prevista no edital de licitação; (ii) indisponibilidade do interesse público envolvido; e (iii) ausência de cumprimento dos requisitos legais para a instauração de uma arbitragem válida. Contestação: o Consórcio Carioca Passarelli arguiu, preliminarmente, a falta de interesse de agir da autora e, no mérito, que: (i) há incidência das regras de direito privado no negócio jurídico celebrado entre as partes; (ii) a autora, na condição de sociedade de economia mista, pode participar de procedimento arbitral; e (iii)


Sentença: julgou improcedente ação, sob o fundamento de que “a controvérsia levada ao juízo arbitral se refere exclusivamente à recomposição da equação econômico financeira, decorrente de atrasos no início da execução da obra contratada. Por conseguinte não há que se falar em direito indisponível, e, portanto, nada obsta a solução do conflito através do juízo arbitral. Ademais, não se vislumbra qualquer irregularidade quando à delimitação do objeto do compromisso arbitral” e desnecessária a indicação de árbitro substituto (e-STJ fls. 543/553). Foi interposta apelação pela Companhia Paranaense de Gás Natural – Compagás (e-STJ fls. 572/585). Acórdão: o TJ/PR negou provimento ao recurso, conforme a seguinte ementa (e-STJ fls. 700/708): COMPROMISSO ARBITRAL – SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA – PERSONALIDADE JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO – EXPLORAÇÃO DE GÁS CANALIZADO NÃO CARACTERIZA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO, MAS ATIVIDADE DE REGIME PRIVADO – NÃO ENVOLVE DIREITOS INDISPONÍVEIS – CONTRATO ADMINISTRATIVO – ADMISSIBILIDADE DA ARBITRAGEM – VÍCIOS DO COMPROMISSO NÃO CONFIGURADOS A atividade desenvolvida pela autora, ou seja, a exploração dos serviços de gás canalizado, não constitui prestação de serviço público, mas atividade que se compreende no regime jurídico próprio das empresas privadas (Constituição Federal, art. 173, § 1º, II). O fato de envolver licitação não significa obstáculo para que as partes resolvam seus conflitos por arbitragem. Admissível nos contratos administrativos a solução dos conflitos por meio de compromisso arbitral.

Embargos de Declaração: interpostos pela recorrente (e-STJ fls. 710/714), foram rejeitados (e-STJ fls. 720/724).

Recurso especial: interposto por Companhia Paranaense de Gás Natural – Compagás, com base nas alíneas a e c do permissivo constitucional (e-STJ fls. 837/854), aponta violação dos seguintes dispositivos legais: (i) arts. 41; 49; 54 e 59 da Lei nº 8.666/1993, em virtude da “falta de previsão no certame licitatório acerca da solução de conflitos por meio de arbitragem” (e-STJ fl. 844), estando previsto, outrossim, o foro da Comarca de Curitiba/PR como competente para dirimir eventuais conflitos entre as partes; (ii) arts. 9º; 10, III, e IV; e 32, IV, da Lei nº 9.307/1996, porquanto o acórdão recorrido “entendeu que o compromisso arbitral que instituiu a arbitragem é válido e eficaz, mesmo sem ter objeto determinado” (e-STJ fl. 846); (iii) arts. 7º e 16, § 2º, da Lei nº 9.307/1996, em razão de ter sido “proferida sentença arbitral por somente dois árbitros, e não três como determinava o compromisso” e a “Recorrida não buscou meios para que fosse nomeado novo árbitro” (e-STJ fl. 848).

O dissídio jurisprudencial, por sua vez, estaria configurado entre o acórdão recorrido e aqueles proferidos: (i) na AC 1999.01.1.083360-3, pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal; (ii) na AC 70005726070 e AC 70005680558, pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul; os quais teriam reconhecido a necessidade de “intervenção do Poder Judiciário para nomeação de árbitro no caso de inércia das partes” (e-STJ fl. 852). Exame de admissibilidade: o recurso foi inadmitido na origem pelo TJ/PR (e-STJ fls. 986/989), tendo sido interposto agravo de instrumento da decisão denegatória, que foi provido para determinar a subida do especial (e-STJ fl. 1.066). Em virtude de decisão anteriormente proferida no REsp 693. 219/PR, reconheci a minha prevenção para julgamento do recurso, nos termos do art. 71 do RISTJ (e-STJ fl. 1.099). É o relatório.

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a discussão tem natureza estritamente pecuniária e, portanto, é perfeitamente compatível com o procedimento arbitral.

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VOTO A Exma. Sra. Ministra Nancy Andrighi (Relatora): Cinge-se a controvérsia a verificar (i) se a ausência de previsão da arbitragem, no edital de licitação, torna nulo o compromisso arbitral posteriormente firmado entre as partes e (ii) se é nula a decisão proferida apenas por dois árbitros, em razão da não intervenção do Poder Judiciário para nomeação do terceiro árbitro.

I – DA PROIBIÇÃO DE REEXAME DE PROVAS E INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULA CONTRATUAL

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A análise da suposta violação dos arts. 9º e 10, III, da Lei nº 9.307/1996 implicaria o reexame das peculiaridades fáticas do caso, bem como interpretação das cláusulas do compromisso arbitral firmado entre as partes, o que é vedado em sede de recurso especial.

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Com efeito, entendeu o Tribunal de origem, após analisar (i) as cláusulas específicas do compromisso arbitral firmado entre as partes – com assessoramento de advogado –, bem como (ii) os demais documentos juntados aos autos, notadamente, as atas de reuniões e troca de correspondências entre as partes, que o objeto da arbitragem estava bem definido no compromisso e, portanto, não havia qualquer nulidade, in verbis: O objeto da arbitragem também se encontra bem definido no compromisso assumido pelas partes, uma vez que se cuida de cláusula fechada, se referindo a todas as divergências até então existentes entre as partes, o que pode ser constatado pelo simples exame das atas das reuniões e trocas de correspondências entre as litigantes. Não se cuida de objeto indefinido ou indeterminado como quer fazer crer a apelante. Sabia muito bem a apelante do que se tratava e o objeto do compromisso arbitral (e-STJ fls. 707).

Assim, para rever essa conclusão seria necessário analisar o conjunto fático probatório dos autos, além de interpretar cláusula contratual, o que é vedado em sede de recurso especial. Incidência, na hipótese, do óbice das Súmulas nºs 5 e 7, ambas do STJ.

II – DO PREQUESTIONAMENTO (OFENSA AO ART. 32, IV, DA LEI Nº 9.307/1996 E ART. 55, XIII, § 2º, DA LEI Nº 8.666/1993) A respeito do art. 32, IV, da Lei nº 9.307/1996, tido por violado, não houve emissão de juízo, pelo acórdão recorrido, apesar da oposição de embargos de declaração, ressentindo-se, portanto, o recurso especial do necessário prequestionamento. Com efeito, não se discutiu a validade da sentença proferida pelo juízo arbitral. A pretensão da recorrente é anterior: a declaração de nulidade do compromisso arbitral, limitando-se o julgamento do Tribunal de origem a esse aspecto. O Tribunal de origem também não apreciou a questão da necessidade de inserção de cláusula de eleição de foro no contrato celebrado em decorrência da licitação. Incidem à espécie, portanto, as Súmulas nºs 211/STJ e 282/STF. Os demais dispositivos legais apontados pelo recorrente como violados foram prequestionados pelo acórdão recorrido, ainda que de maneira implícita, autorizando o exame do especial.


III – DA VIOLAÇÃO DOS ARTS. 7º E 16, § 2º, DA LEI Nº 9.307/1996

o contrato ou qualquer lei que isso preveja, o conflito deve ser dirimido pelo Poder Judiciário” (e-STJ fl. 842).

O fundamento adotado pelo Tribunal de origem, para afastar a alegação de nulidade do compromisso arbitral em razão da decisão ter sido proferida apenas por dois árbitros, foi a obtenção da maioria. Com efeito, justificou o acórdão: “Na ausência do árbitro indicado pela autora a decisão se deu por maioria, com fundamento no art. 24, § 1º, da Lei nº 9.307/1996” (e-STJ fl. 707).

E, na hipótese, conforme explica a recorrente, a arbitragem não estava prevista no edital de licitação, nem no contrato celebrado posteriormente, o qual dispunha, inclusive, sobre a competência do foro da Comarca de Curitiba/PR para dirimir as eventuais controvérsias existentes entre as partes, nos termos do art. 55, XIII, § 2º, da Lei nº 8.666/1993.

Observe-se que “O extremo cuidado do legislador em exigir um número ímpar de árbitros [...] é plenamente justificável. O sistema é todo estruturado de forma a evitar empates” (CÂMARA, Alexandre Freitas. Arbitragem – Lei nº 9.307/1996. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2005. p. 52).

O acórdão recorrido, por sua vez, após extensa argumentação acerca da admissão da arbitragem para a resolução de conflitos que envolvam contratos administrativos celebrados por sociedades de economia mista, tendo em vista a disponibilidade dos interesses envolvidos e o regime jurídico de direito privado aplicável à hipótese (já que o contrato celebrado entre as partes não envolveria a prestação de serviço público), conclui que:

Ocorre que esse fundamento não foi abordado nas razões recursais, fazendo incidir à espécie, pois, a Súmula nº 283 do STF, que obsta o conhecimento do especial pra analisar suposta violação dos arts. 7º e 16, § 2º, da Lei nº 9.307/1996.

IV – DA VIOLAÇÃO DO ART. 41 DA LEI Nº 8.666/1993 A recorrente aduz que o acórdão recorrido, “ao reconhecer a possibilidade das partes se submeterem ao juízo arbitral, quando tal disposição não estava contida no edital de licitação” viola o disposto no art. 41 da Lei nº 8.666/1993. Observa, ainda, que “havendo previsão legal para a adoção da arbitragem, não há dúvida que essa saída para a solução de conflitos pode ocorrer. Mas quando nada dispuser o edital,

(i) “o fato de envolver licitação não significa obstáculo para que as partes resolvam seus conflitos por arbitragem” (e-STJ, fl. 703); (ii) “admissível a realização de compromisso arbitral nos contratos administrativos” (e-STJ fl. 704). De fato, tanto a doutrina como a jurisprudência já sinalizaram no sentido de que não existe óbice legal na estipulação da arbitragem pelo poder público, notadamente pelas sociedades de economia mista, admitindo como válidas as cláusulas compromissórias previstas em editais convocatórios de licitação e contratos. Aliás, pelo contrário, exulta-se a utilização da arbitragem, diante da sua maior celeridade e especialidade em comparação com Poder Judiciário. Nas palavras do i. Professor Themístocles Brandão, citado pelo ex-Ministro Eros Grau:

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Na hipótese, não se verificou empate, mas decisão por maioria. Ou seja, foi alcançado o resultado pretendido pelo legislador, inobstante o árbitro nomeado pela recorrente ter deixado de participar do procedimento.

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Parece-me que a administração realiza muito melhor os seus fins e a sua tarefa, convocando as partes que com ela contratarem a resolver as controvérsias de direito e de fato perante o juízo arbitral, do que denegando o direito das pares, remetendo-as ao juízo ordinário ou prolongado o processo administrativo, com diligências intermináveis, sem um órgão diretamente responsável pela instrução do processo. (Da Arbitrabilidade de Litígios Envolvendo Sociedades de Economia Mista e da Interpretação de Cláusula Compromissória. Revista de Direito Bancário do Mercado de Capitais e da Arbitragem, ano 5, out./dez. 2002, p. 399)

No mesmo sentido, Arnold Wald e André Serrão: O acesso à segurança jurídica, à celeridade e à especialização técnica de um tribunal arbitral podem constituir um interesse público primário, cuja indisponibilidade, ao contrário de proibir sua utilização, estaria a exigir que a Administração Pública viesse a valer-se da arbitragem. (Revista de Arbitragem e Mediação, ano 5, v. 16, jan./mar. 2008, p. 20)

Quando ainda era Desembargadora do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, também já me manifestei favoravelmente à arbitragem para a solução dos conflitos que envolviam sociedade de economia mista: MANDADO DE SEGURANÇA – PÓLO PASSIVO – TEMPESTIVIDADE – LICITAÇÃO – INTERESSE PÚBLICO INDISPONÍVEL – JUÍZO ARBITRAL – DECRETO-LEI Nº 2.300 E LEI Nº 8.666 – POSSIBILIDADE Dezembro/2013 – Ed. 201

[...]

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III – Pelo art. 54, da Lei nº 8.666/93, os contratos administrativos regem-se pelas suas cláusulas e preceitos de direito público, aplicando-se-lhes supletivamente os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado, o que vem reforçar a possibilidade de adoção do Juízo arbitral para dirimir questões contratuais. (MS 199800200366-9, Conselho Especial, TJDF, J. 18.05.1999, DJ 18.08.1999. Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem, ano 3, v. 8, 2000, p. 359-373)

Esta Corte também já se pronunciou acerca da viabilidade do juízo arbitral em contratos administrativos firmados por sociedades de economia mista, cumprindo citar alguns trechos do voto do Ministro Luiz Fux, proferido em sede do MS 11.308/DF, DJ 19.05.2008:

Destarte, as sociedades de economia mista encontram-se em situação paritária em relação às empresas privadas nas suas atividades comerciais, consoante leitura do artigo 173, § 1º, inciso II, da Constituição Federal, evidenciando-se a inocorrência de quaisquer restrições quanto à possibilidade de celebrarem convenções de arbitragem para solução de conflitos de interesses, máxime quando legitimadas para tal as suas congêneres. Ainda que as sociedades de economia mista estejam inseridas na órbita da Administração Pública Indireta, é bem verdade que suas atividades restam disciplinadas, majoritariamente, pela disciplina negocial das empresas privadas, como por exemplo, a penhorabilidade dos seus bens, aplicando-se-lhes o direito público apenas subsidiariamente, naquilo que não for incompatível com o seu regime privado, como aos princípios insculpidos no artigo 37 da Constituição Federal. Por sua vez, evitar que em um contrato administrativo, firmado entre partes de natureza comercial estipule-se cláusula arbitral é restringir aonde a lei não o fez. (sem destaque no original)

Assim também: PROCESSO CIVIL – JUÍZO ARBITRAL – CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA – EXTINÇÃO DO PROCESSO – ART. 267, VII, DO CPC – SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA – DIREITOS DISPONÍVEIS – EXTINÇÃO DA AÇÃO CAUTELAR PREPARATÓRIA POR INOBSERVÂNCIA DO PRAZO LEGAL PARA A PROPOSIÇÃO DA AÇÃO PRINCIPAL 1. Cláusula compromissória é o ato por meio do qual as partes contratantes formalizam seu desejo de submeter à arbitragem eventuais divergências ou litígios passíveis de ocorrer ao longo da execução da avença. Efetuado o ajuste, que só pode ocorrer em hipóteses envolvendo direitos disponíveis, ficam os contratantes vinculados à solução extrajudicial da pendência. 2. A eleição da cláusula compromissória é causa de extinção do processo sem julgamento do mérito, nos termos do art. 267, inciso VII, do Código de Processo Civil. 3. São válidos e eficazes os contratos firmados pelas sociedades de economia mista exploradoras de atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços (CF, art. 173, § 1º) que estipulem cláusula compromissória submetendo à arbitragem eventuais litígios decorrentes do ajuste.


A peculiaridade da hipótese analisada reside no fato de que, no contrato celebrado entre as partes, não foi estabelecida a arbitragem como meio de solução de controvérsias (cláusula compromissória). O compromisso arbitral foi firmado posteriormente pela concessionária recorrente. Importante esclarecer que há uma clara distinção feita pela Lei nº 9.307/1996 entre as duas figuras jurídicas. Depreende-se da leitura dos seus arts. 8º e 9º que, enquanto a cláusula compromissória, inserida previamente nos contratos, é genérica e refere-se a eventuais futuros litígios, o compromisso arbitral é firmado posteriormente e pressupõe a existência de uma determinada controvérsia, sendo que as partes resolvem submetê-la ao juízo arbitral, firmando o compromisso em sede do próprio juízo ou Tribunal arbitral ou por meio de instrumento particular, como ocorreu na hipótese. Todavia, o fato de não haver previsão da arbitragem no edital de licitação ou no contrato celebrado entre as partes, não invalida o compromisso arbitral firmado posteriormente. O princípio da vinculação das partes ao edital de licitação (arts. 3º e 41 da Lei nº 8.666/1993) tem por finalidade precípua estabelecer as regras do certame, assegurando a todos os participantes o prévio conhecimento acerca do objeto em disputa com precisão e clareza, possibilitando-lhes iguais condições no oferecimento e análise de suas propostas. Nas palavras de Heli Lopes Meireles, “o edital é a lei interna na licitação” (Licitação e Contrato Administrativo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 50-51), ou seja, visa-se garantir a lisura da licitação, no que respeita ao seu próprio conteúdo.

A previsão do juízo arbitral, em vez do foro da sede da administração (jurisdição estatal), para a solução de determinada controvérsia, não vulnera o conteúdo ou as regras do certame. Com efeito, não se pode dizer que a licitação teria outro resultado ou dela participariam mais ou menos concorrentes unicamente pelo fato de estar ou não previsto determinado foro para solução de controvérsias. Embora seja cláusula obrigatória do contrato administrativo, nos termos do art. 55, XIII, § 2º, da Lei nº 8.666/1993, a cláusula de foro não pode ser considerada essencial aos contratos administrativos. Com efeito, ensina-nos Heli Lopes Meireles: [...] de um modo geral, são consideradas cláusulas essenciais ou necessárias em todo contrato administrativo as que: definam o objeto e seus elementos característicos, estabeleçam o regime de execução da obra ou do serviço, ou a modalidade de fornecimento; fixem o preço e as condições de pagamento, os critérios, data-base e periodicidade do reajustamento de preços, os critérios de atualização monetária entre a data do adimplemento das etapas da execução, conclusão, entrega, observação e recebimento definitivo, conforme o caso; indiquem o valor e os recursos para tender Às despesas contratuais, com a sua classificação funcional programática e a categoria econômica; discriminem os direitos e obrigações das partes e fixem as penalidades e o valor das multas; estabeleçam os casos de rescisão do contrato; prescrevam as condições de importação, a data e taxa de câmbio para conversão, quando for o caso (Op. cit., p. 287).

No mesmo sentido: Maria Adelaide de Campos França, Lei de licitações e contratos da administração pública, São Paulo: Saraiva, 2010. p. 208. Ademais, a referida cláusula de foro não é incompatível com o juízo arbitral. Dentre as várias razões apontadas pela doutrina, pode-se mencionar: a necessidade de atuação do Poder Judiciário para a concessão de medidas de urgência; para a execução da sentença arbitral; para a própria instituição da arbitragem quando uma das partes não a aceita e forma amigável. Nesse

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4. Recurso especial parcialmente provido. (REsp 612439/RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, 2ª Turma, DJ 14.09.2006) (sem destaque no original).

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sentido: CARMONA, Carlos Alberto. Considerações sobre a cláusula compromissória e a eleição de foro, in Arbitragem – Estudos em homenagem ao Prof. Guido Fernandes da Silva Soares, São Paulo: Atlas, 2007, p. 37; e GRAU, Eros Roberto. Op. cit., p. 404). Assim, ambas as cláusulas podem conviver harmonicamente, de modo que as áreas de abrangência de uma de outra são distintas, inexistindo qualquer conflito. Especificamente, no âmbito do Poder Público, há ainda a questão da impossibilidade de instituição do juízo arbitral para dirimir determinadas controvérsias que envolvem direitos indisponíveis, sendo necessária, portanto, a atuação da jurisdição estatal, cuja competência será fixada pela cláusula de foro prevista obrigatoriamente nos contratos administrativos.

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Esse, contudo, não é o caso dos autos, cujo objeto da arbitragem limita-se à discussão acerca da manutenção do equilíbrio econômico financeiro do contrato, ou seja, não envolve direitos indisponíveis. Com efeito, a controvérsia estabelecida entre as partes é de caráter eminentemente patrimonial e disponível, tanto assim que as partes poderiam tê-la solucionado diretamente, sem intervenção tanto da jurisdição estatal, como do juízo arbitral.

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Preferiram, no entanto, optar pela arbitragem, mediante a celebração do compromisso arbitral, posteriormente impugnado pela recorrente. Observe-se que se tratou de um ato voluntário da administração – concessionária – submeter a controvérsia ao juízo arbitral, renunciando ao juízo estatal. Nesse contexto, pode-se dizer que a atitude posterior da recorrente, de impugnar seu próprio ato, beira as raias da má-fé, além de ser evidentemente prejudicial ao próprio interesse público de ver resolvido o litígio de maneira mais célere.

Em suma, assim como a concessionária recorrente teria autonomia para resolver a controvérsia relativa ao equilíbrio econômico financeiro do contrato celebrado com a recorrida sem precisar de autorização legislativa ou de recorrer ao Poder Judiciário, haja vista a disponibilidade dos interesses envolvidos, ela também tem autonomia para eleger um árbitro que solucione a controvérsia. Outrossim, uma vez firmado o compromisso e determinado o objeto da arbitragem, todas as demais controvérsias eventualmente existentes entre as partes, bem como as medidas de urgência ou de caráter executivo que envolvam a arbitragem, devem ser submetidas ao Poder Judiciário, no foro da sede da concessionária (Curitiba/PR), conforme cláusula inserta no contrato celebrado entre as partes, a qual, pelas razões supramencionadas, não é incompatível com o compromisso impugnado. Inexiste, portanto, qualquer violação ao art. 41 da Lei de nº 8.666/1993, pelo acórdão recorrido.

V – DO DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL Entre os acórdãos trazidos à colação pela recorrente, não há o necessário cotejo analítico nem a comprovação da similitude fática, elementos indispensáveis à demonstração da divergência. Assim, a análise da existência do dissídio é inviável, porque não foram cumpridos os requisitos dos arts. 541, parágrafo único, do CPC e 255, §§ 1º e 2º, do RISTJ. Forte nessas razões, nego provimento ao recurso especial. STJ, Recurso Especial nº 904.813/PR, Companhia Paranaense de Gás Natural – Compagás v. Consórcio Carioca Passarelli, Relª Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, J. 20.10.2011.


Trata-se de recurso especial proposto perante o STJ contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Paraná (“TJPR”), proposto pela Companhia Paranaense de Gás Natural (“Compagas”) contra o Consórcio Carioca Passarelli (“Consórcio”). Em primeira instância, a ação declaratória de nulidade de compromisso arbitral proposta pela Compagas foi julgada improcedente, sob o fundamento de que não se estava a tratar de direito indisponível na arbitragem, porquanto tratava da recomposição da equação econômico-financeira do negócio, à luz de atrasos na execução da obra. Outrossim, rejeitou-se a alegação da Compagas de que havia qualquer irregularidade em relação à delimitação do objeto da convenção arbitral, sendo desnecessária a indicação de árbitro substituto. Na sequência, o TJPR negou provimento à apelação proposta pela Compagas, ao considerar que a atividade por ela desenvolvida – exploração dos serviços de gás canalizado – não constituía prestação de serviço público. Na sua visão, a ocorrência de licitação e o fato de se tratar de um contrato administrativo não gerariam obstáculos para a solução do litígio por meio de arbitragem. Descontente, a Compagas ingressou com embargos de declaração, os quais foram rejeitados. Diante disso, interpôs recurso especial perante o STJ, apontando violação aos (i) arts. 41, 49, 54 e 59 da Lei nº 8.666/1993, devido à ausência de previsão na licitação sobre a solução de conflito por meio de arbitragem; (ii) arts. 9, 10, III e IV, e 32, IV, da Lei nº 9.307/1996 (Lei de Arbitragem), em virtude de ter se afirmado em segunda instância a validade e eficácia do compromisso de arbitragem; e (iii) arts. 7 e 16, § 2º, da Lei de Arbitragem, devido ao fato de a sentença arbitral ter sido proferida por dois e não três árbitros, como determinado no compromisso arbitral, sem que o Consórcio tivesse providenciado a nomeação de novo árbitro. O STJ negou provimento ao recurso, nos termos do voto da Ministra Relatora Nancy Andrighi, reafirmando a arbitrabilidade dos

litígios, em que uma das partes é sociedade de economia mista. Segundo a Relatora, a ausência no edital de licitação da convenção de arbitragem não impede que as partes possam firmar um compromisso de arbitragem em momento posterior. Segundo o STJ, a cláusula de foro prevista no contrato administrativo não guardava qualquer incompatibilidade com o compromisso arbitral. Tampouco houve qualquer irregularidade na sentença arbitral, que havia sido proferida por maioria, inobstante o árbitro nomeado pela Compagas ter deixado de participar da arbitragem. Por fim, tanto o voto da Relatora, como aquele proferido pelo Ministro Massami Uyeda, ressaltaram o comportamento contraditório da Compagas, ao ter assinado e, posteriormente, impugnado a convenção arbitral.

I – ARBITRABILIDADE OBJETIVA E SUBJETIVA “Arbitrabilidade” concerne à suscetibilidade de um litígio ser submetido à arbitragem, sendo caracterizada como arbitrabilidade subjetiva e objetiva. Pode-se conceituar arbitrabilidade subjetiva e objetiva a partir do art. 1º da Lei nº 9.307/1996, segundo o qual “as pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis”. Há referência à arbitrabilidade subjetiva na primeira parte do artigo (“as pessoas capazes de contratar”), que diz respeito aos indivíduos dotados de capacidade civil para submeter-se à arbitragem1. No âmbito do Direito Público Administrativo, indaga-se se os entes da Administração Pública direta e indireta, ou seja, as pessoas jurídicas de Direito Público (União, Estados, Municípios, Territórios e Autarquias) ou de Direito Privado (sociedades 1 LEMES, Selma. Arbitragem na administração – Fundamentos jurídicos e eficiência econômica. São Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2007. p. 116.

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II – COMENTÁRIO

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de economia mista, como no caso em questão, e empresas públicas) se enquadrariam nesse conceito de arbitrabilidade subjetiva. Como bem ressalta Selma Lemes, esses entes possuem capacidade de firmar convenção de arbitragem2. Tratando-se das sociedades de economia mista em arbitragem, o Ministro Relator Luiz Fux afirmou, no MS 11.308/DF, que: Destarte, as sociedades de economia mista encontram-se em situação paritária em relação às empresas privadas nas suas atividades comerciais, consoante leitura do art. 173, § 1º, inciso II, da Constituição Federal, evidenciando-se a inocorrência de quaisquer restrições quanto à possibilidade de celebrarem convenções de arbitragem para solução de conflitos de interesses, máxime quando legitimadas para tal as suas congêneres. Ainda que as sociedades de economia mista estejam inseridas na órbita da Administração Pública indireta, é bem verdade que suas atividades restam disciplinadas, majoritariamente, pela disciplina negocial das empresas privadas, como por exemplo, a penhorabilidade dos seus bens, aplicando-se-lhes o direito público apenas subsidiariamente, naquilo que não for incompatível com o seu regime privado, como aos princípios insculpidos no art. 37 da Constituição Federal.

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Por sua vez, evitar que em um contrato administrativo, firmado entre partes de natureza comercial estipule-se cláusula arbitral é restringir aonde a lei não o fez. 3

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Com base na jurisprudência da Corte4 e doutrina5, o voto da Ministra Nancy Andrighi confirma a arbitrabilidade subjetiva de disputas envolvendo sociedades de economia mista: 2 Idem, p. 116-117. 3 STJ, MS 11.308/DF, TMC Terminal Multimodal de Coroa Grande SPE S/A v. Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia, 1ª Seção, Rel. Min. Luiz Fux, J. 09.04.2008. 4 STJ, REsp 612.439/RS, AES Uruguaiana Empreendimentos Ltda v. Companhia Estadual de Energia Elétrica – CEEE, 2ª Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, J. 25.10.2005; STJ, MS 11.308/DF, TMC Terminal Multimodal de Coroa Grande SPE S/A v. Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia, 1ª Seção, Rel. Min. Luiz Fux, J. 09.04.2008. 5 WALD, Arnoldo; SERRÃO, André. Aspectos constitucionais e administra-

A doutrina como a jurisprudência já sinalizaram no sentido de que não existe óbice legal na estipulação da arbitragem pelo Poder Público, notadamente pelas sociedades de economia mista, admitindo como válidas as cláusulas compromissórias previstas em editais convocatórios de licitação e contratos.

Acresce que, segundo ela, as sociedades de economia mista são equiparadas às empresas privadas nas atividades comerciais, conforme o art. 173, § 1º, II, da Constituição Federal, além de estarem inseridas no campo da Administração Pública indireta, sendo as suas atividades mormente disciplinadas pela disciplina negocial das empresas privadas, utilizando-se do direito público, apenas subsidiariamente, no que for compatível ao seu regime privado. Portanto, as sociedades de economia estão aptas a celebrarem uma convenção de arbitragem, haja vista maximizar as suas atividades, valendo-se da segurança jurídica, celeridade e especialização técnica de um tribunal arbitral. Assim, não faria sentido negar às partes o direito de recorrer à arbitragem, remetendo-as ao Judiciário ou adiando o processo administrativo6. Por sua vez, a segunda parte do art. 1º da Lei de Arbitragem remete à arbitrabilidade objetiva, a qual alude à disponibilidade das matérias do litígio a serem tratadas na arbitragem. São disponíveis os direitos quando podem ser transacionados, alienados, ou seja, aqueles que o titular poder dispor e transferir tivos da arbitragem nas concessões. Revista de Arbitragem e Mediação, n. 16, a. 5, p. 20, jan./mar. 2008; GRAU, Eros. Da arbitrabilidade de litígios envolvendo sociedades de economia mista e da interpretação de cláusula compromissória. Revista de Direito Bancário do Mercado de Capitais e da Arbitragem, n. 18, a. 5, p. 399, out./dez. 2002. 6 BRANDÃO, Themístocles. Da arbitrabilidade de litígios envolvendo sociedades de economia mista e da interpretação de cláusula compromissória. Revista de Direito Bancário do Mercado de Capitais e da Arbitragem, a. 5, p. 399, out./dez. 2002. Vide, também, WALD, Arnoldo; SERRÃO, André. Op. cit., p. 20.


Sobre essa matéria, Eros Grau afirma: [...] a medida do interesse público é a legalidade. Assim, é evidente que, quando se afirma que a arbitragem se presta a “dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis”, isso não significa não possa, a Administração, socorrer-se dessa via visando ao mesmo fim. Pois não há qualquer correlação entre disponibilidade ou indisponibilidade de direitos patrimoniais e disponibilidade ou indisponibilidade do interesse público. Dispor de direitos patrimoniais é transferi-los a terceiros. Disponíveis são os direitos patrimoniais que podem ser alienados. [...] Mas é certo que inúmeras vezes deve dispor de direitos patrimoniais, sem que com isso esteja a dispor do interesse público, porque a realização deste último é alcançada mediante a disposição daqueles. [...] Daí por que, sempre que puder contratar, o que importa disponibilidade de direitos patrimoniais, poderá a Administração, sem que isso importe disposição do interesse público, convencionar cláusula de arbitragem.9

No caso, o objeto da arbitragem entre a Compagas e o Consórcio estava limitado à discussão sobre a manutenção do equilíbrio econômico financeiro do contrato, ou seja, não envolvia direitos indisponíveis, sendo uma controvérsia de caráter eminentemen7 STJ, MS 11.308/DF, TMC Terminal Multimodal de Coroa Grande SPE S/A v. Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia, 1ª Seção, Rel. Min. Luiz Fux, J. 09.04.2008: “Assim, tratar de direitos disponíveis, ou seja, de direitos patrimoniais, significa valer-se da possibilidade de transferi-los a terceiros, porquanto alienáveis. [...] In casu, por se tratar tão somente de contrato administrativo versando cláusulas pelas quais a Administração está submetida a uma contraprestação financeira, indubitável o cabimento da arbitragem. Não faria sentido ampliar o conceito de indisponibilidade à obrigação de pagar vinculada à obra ou serviço executado ou a benefício auferido pela Administração em virtude da prestação regular do outro contratante”. 8 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 56. 9 GRAU, Eros. Op. cit., p. 404.

te patrimonial e disponível, como bem observado pela Ministra Relatora Nancy Andrighi.

II – DESNECESSIDADE DE PREVISÃO DA ARBITRAGEM NO EDITAL Segundo a Compagas, o edital da licitação que precedeu a contratação não previa arbitragem como mecanismo de solução de disputas, tendo as partes firmado uma cláusula compromissória em momento posterior. Nada obstante, entendeu o STJ que “o fato de não haver previsão da arbitragem no edital de licitação ou no contrato celebrado entre as partes não invalida o compromisso arbitral firmado posteriormente”. Tanto é assim que a Ministra Relatora Nancy Andrighi fez menção à distinção legal entre “cláusula compromissória” e “compromisso arbitral”, com base nos arts. 8º e 9º da Lei nº 9.307/1996. A primeira é inserida previamente nos contratos, sendo genérica e aludindo futuros eventuais litígios, ao passo que o compromisso arbitral, firmado posteriormente, impõe a existência de certa controvérsia sobre a qual as partes decidem submeter à arbitragem através de compromisso em sede do juízo ou tribunal arbitral ou por meio de instrumento particular. Portanto, o fato de o edital ou contrato pactuado entre as partes não ter previsto a arbitragem não invalida o compromisso arbitral firmado posteriormente. É bem verdade que, no Direito brasileiro, designa-se habitualmente o edital – documento fundamental de licitação – como ato pelo qual se realiza a publicidade do certame e ato consubstanciado no documento que fixa os pressupostos em que se efetivará o certame; dessarte, o edital constitui a “lei interna” da licitação10. 10 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 588-589; Vide, também, MEIRELES, Heli

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a terceiros7. Tratam-se de direitos passíveis de livre exercício pelo seu titular, não havendo norma cogente dispondo sobre o cumprimento do preceito, sob pena de nulidade ou anulabilidade8.

96


Nesse sentido, os arts. 3º e 41 da Lei nº 8.666/1993 reafirmam o princípio da vinculação das partes ao edital de licitação, visando ao estabelecimento de regras do certame e assegurando o conhecimento antecipado aos participantes sobre o objeto da licitação, o que lhes concede iguais condições para realizarem as suas propostas.

Dezembro/2013 – Ed. 201

Portanto, cumpre examinar se a ausência de previsão de arbitragem no edital teria repercussões negativas na licitação. Em outras palavras, investigar se a cláusula de foro ou a convenção de arbitragem constituiriam elemento essencial ou necessário aos contratos administrativos. Segundo Heli Lopes Meireles, tal conceito não é de fácil definição, muito embora

97

[...] de um modo geral, são consideradas cláusulas essenciais ou necessárias em todo contrato administrativo as que: definam o objeto e seus elementos característicos, estabeleçam o regime de execução da obra ou do serviço, ou a modalidade de fornecimento; fixem o preço e as condições de pagamento, os critérios, data-base e periodicidade do reajustamento de preços, os critérios de atualização monetária entre a data do adimplemento das etapas da execução, conclusão, entrega, observação e recebimento definitivo, conforme o caso; indiquem o valor e os recursos para tender às despesas contratuais, com a sua classificação funcional programática e a categoria econômica; discriminem os direitos o obrigações das partes e fixem as penalidades e o valor das multas; estabeleçam os casos de rescisão do contrato; prescrevam as condições de importação, a data e taxa de câmbio para conversão, quando for o caso. 11

A previsão do juízo arbitral [...] não vulnera o conteúdo, ou as regras do certame. Com efeito, não se pode dizer que a licitação teria outro resultado, ou dela participariam mais ou menos concorrentes unicamente pelo fato de estar ou não previsto determinado foro para a solução de controvérsias.

Segundo Arnoldo Wald, tal entendimento do STJ representa [...] uma verdadeira “banalização” da cláusula compromissória e da arbitragem no sentido de retirar-lhe o aspecto extraordinário, ou extravagante que se lhes atribuía no passado. É, pois, matéria a ser decidida consensualmente pelas partes, independentemente da previsão ou ausência de previsão no edital.12

Portanto, a submissão da controvérsia à arbitragem não necessita de autorização específica, sendo um ato natural dos negócios e da vontade das partes.

III – COMPATIBILIDADE ENTRE O COMPROMISSO ARBITRAL E A CLÁUSULA DE FORO O STJ esclareceu, ainda, que a cláusula de foro é compatível com o juízo arbitral, podendo conviver harmonicamente, inclusive devido ao fato da necessidade de atuação do Poder Judiciário para a concessão de medidas de urgência, a instituição da arbitragem, a execução da sentença arbitral, etc. Carlos Alberto Carmona inclusive afirma:

Segundo o STJ, a cláusula de foro, ainda que obrigatória nos termos do art. 55, XIII, § 2º, da Lei nº 8.666/1993, e, por consequência, a convenção de arbitragem, não são consideradas “essenciais” aos contratos administrativos. É o que afirmou a Ministra Relatora:

Não há incompatibilidade entre a cláusula compromissória e a cláusula de eleição de foro. As duas avenças têm áreas de abrangência diferentes, não sendo razoável imaginar que a presença de uma invalide a eficácia da outra. Enganam-se, portanto, aqueles que veem alguma patologia por conta da inserção, num mesmo contrato, das duas cláu-

Lopes. Licitação e contrato administrativo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 51. 11 MEIRELES, Heli Lopes. Op. cit., p. 287.

12 WALD, Arnoldo. Licitude de compromisso arbitral em contrato administrativo mesmo quando o edital não previu a arbitragem – Comentário ao Recurso Especial nº 904.813/PR. Revista de Arbitragem e Mediação, n. 33, abr./jun. 2012, no prelo.


Entendeu o STJ que, no caso, o foro competente para quaisquer medidas de urgência ou de caráter executivo envolvendo a arbitragem deveriam ser submetidas ao Poder Judiciário, no foro da sede da concessionária, conforme previsto no contrato administrativo celebrado entre as partes.

IV – COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO E LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ Por fim, a ementa transmite a ideia de que a escolha por arbitragem foi um ato facultativo da Compagas. Logo, a sua atitude posterior, visando à impugnação desse ato, “beira às raias da má-fé, além de ser prejudicial ao próprio interesse público de ver resolvido o litígio de maneira mais célere”, segundo a Relatora. Igualmente, o Ministro Massami Uyeda considerou a atitude da Compagas “extremamente negativa”, a ponto de configurar litigância de má-fé devido ao “manejo irresponsável dos recursos processuais”, a fim de adiar a execução das sentenças arbitrais, impedindo, assim, uma prestação jurisdicional em tempo razoável. Para o Ministro, o juízo arbitral deveria ter sido refutado desde o início, na origem, e não, posteriormente, com o objetivo de reverter resultado negativo à Compagas. Para ele, tal seria o 13 CARMONA, Carlos Alberto. Considerações sobre a cláusula compromissória e a eleição de foro. In: Arbitragem – Estudos em homenagem a Professor Guido Fernando da Silva Soares. São Paulo: Atlas, 2007. p. 46.

caso, inclusive, de responsabilização da Administração, pois a conduta da Compagas atentaria contra o princípio da moralidade pública. Como bem observado por Arnoldo Wald: Na verdade, a maioria das ações anulatórias de cláusulas compromissórias, compromissos e sentenças arbitrais têm como única finalidade procrastinar a execução da decisão, ou seja, ganhar tempo. É um comportamento que não é admissível quando se pretende ganhar a todos uma justiça eficiente e o julgamento dos processos “em tempo razoável” como determina a Constituição Federal. A reação oportuna do Poder Judiciário se justifica, pois, não se podendo interpretar a garantia do ‘devido processo legal’ como o direito de perpetuar os feitos, mediante recursos ou ações rescisórias e anulatórias.14

Nesse sentido, há decisão recente do STF em recurso extraordinário contra a homologação pelo STJ de sentença arbitral estrangeira, em que entendeu ter o recurso caráter abusivo, representando “desatenção séria e danosa ao dever de lealdade processual” (art. 14, II e III, e art. 17, VII, do CPC). Nesse caso, o STF condenou a agravante ao pagamento de multa de 5% do valor da causa à agravada, por litigância de má-fé, nos termos do art. 557, § 2º, do CPC15. Verifica-se, dessarte, uma tendência das Cortes Superiores em promover a arbitragem e, ao fazê-lo, chegar a entender caracterizada litigância de má-fé na hipótese de comportamento contraditório por uma das partes, imputando, em certos casos, multa, a fim de coibir esse tipo de conduta.

14 WALD, Arnoldo. Op. cit., no prelo. 15 STF, AgRg-RExt 595.276/FR, Inepar S/A Indústria e Construções v. Spie Enertrans S/A, 2ª Turma, Min. Rel. Cezar Peluso, J. 23.03. 2010.

Dezembro/2013 – Ed. 201

sulas: a convivência de ambas é pacífica, não havendo necessidade de conceber artifícios interpretativos, muito menos de investigar eventuais intenções das partes para excluir uma ou outra avença.13

98


Medidas Provisórias Medida Provisória nº 628, de 28.11.2013 Constitui fonte adicional de recursos para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, autoriza a União a encerrar o Fundo de Recuperação Econômica do Estado do Espírito Santo e extingue o Grupo Executivo para a Recuperação Econômica do Estado do Espírito Santo. (DOU 29.11.2013)

Medida Provisória nº 627, de 11.11.2013 Altera a legislação tributária federal relativa ao Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas – IRPJ, à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL, à Contribuição para o PIS/Pasep e à Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – Cofins; revoga o Regime Tributário de Transição – RTT, instituído pela Lei nº 11.941, de 27 de maio de 2009; dispõe sobre a tributação da pessoa jurídica domiciliada no Brasil, com relação ao acréscimo patrimonial decorrente de participação em lucros auferidos no exterior por controladas e coligadas e de lucros auferidos por pessoa física residente no Brasil por intermédio de pessoa jurídica controlada no exterior; e dá outras providências. (DOU 12.11.2013)


2.186-16, DE 23.08.2001

Patrimônio Genético. Diversidade Biológica Previdência Social. Alteração na Legislação

2 .156-5, DE 24.08.2001

Agência de Desenvolvimento do Nordeste – Adene

2.187-13, DE 24.08.2001

2.157-5, DE 24.08.2001

Agência de Desenvolvimento da Amazônia – ADA

2.189-49, DE 23.08.2001

IR. Alteração na Legislação

2.158-35, DE 24.08.2001

Cofins, PIS/Pasep e IR. Alteração na Legislação

2.190-34, DE 23.08.2001

Vigilância Sanitária. Alteração da Lei nº 9.782/1999

2.159-70, DE 24.08.2001

IR. Alteração na Legislação

2.192-70, DE 24.08.2001

Proes. Bancos Estaduais

2.161-35, DE 23.08.2001

Programa Nacional de Desestatização. Alteração da Lei nº 9.491/1997

2.196-3, DE 24.08.2001

Instituições Financeiras Federais. Recuperação. Empresa Gestora de Ativos – Emgea

2.162-72, DE 23.08.2001

Notas do Tesouro Nacional – NTN

2.197-43, DE 24.08.2001

SFH. Disposições

2.163-41, DE 23.08.2001

Meio Ambiente. Alteração da Lei nº 9.605/1998

2.198-5, DE 24.08.2001

Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica

2.164-41, DE 24.08.2001

Alteração da CLT. Trabalho a Tempo Parcial e PAT

2.199-14, DE 24.08.2001

IR. Incentivos Fiscais

2.165-36, DE 23.08.2001

Servidor Público e Militar. Auxílio-Transporte

2.200-2, DE 24.08.2001

Infraestrutura de Chaves Públicas. ICP-Brasil

2.166-67, DE 24.08.2001

Código Florestal. Alteração da Lei nº 4.771/1965

2.206-1, DE 06.09.2001

Programa Nacional de Renda Mínima

2.167-53, DE 23.08.2001

Recebimento de Valores Mobiliários pela União

2.208, DE 17.08.2001

Estudante Menor de 18 Anos. Comprovação

2.168-40, DE 24.08.2001

Cooperativas. Recoop. Sescoop

2.209, DE 29.08.2001

Comercializadora Brasileira de Energia Elétrica – CBEE

2.169-43, DE 24.08.2001

Servidor Público. Vantagem de 28,86%

2.210, DE 29.08.2001

Orçamento. Crédito Extraordinário

2.170-36, DE 23.08.2001

Tesouro Nacional. Administração de Recursos

2.211, DE 29.08.2001

Orçamento 2001 e 2002. Diretrizes

2.172-32, DE 23.08.2001

Usura. Agiotagem

2.213-1, DE 30.08.2001

Programa Bolsa-Renda. Estiagem

2.173-24, DE 23.08.2001

Anuidades Escolares

2.214, DE 31.08.2001

Administração Pública Federal. Recursos

2.174-28, DE 24.08.2001

União. Programa de Desligamento Voluntário – PDV

2.215-10, DE 31.08.2001

Militares das Forças Armadas. Reestruturação da Remuneração

2.177-44, DE 24.08.2001

Planos de Saúde. Alteração da Lei nº 9.656/1998

2.220, DE 04.09.2001

Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano – CNDU

2.178-36, DE 24.08.2001

Programa Nacional de Alimentação Escolar. Dinheiro Direto na Escola

2.224, DE 04.09.2001

Capitais Brasileiros no Exterior

2.179-36, DE 24.08.2001

União e Banco Central. Relações Financeiras

2.225-45, DE 04.09.2001

Servidor Público. Tráfico de Entorpecentes. Alteração das Leis nºs 6.368/1976 e 8.112/1990 Alteração da CLT

2.180-35, DE 24.08.2001

Advocacia-Geral da União. Alteração na Legislação

2.226, DE 04.09.2001

2.181-45, DE 24.08.2001

Operações Financeiras do Tesouro Nacional

2.227, DE 04.09.2001

Plano Real. Correção Monetária. Exceção

2.183-56, DE 24.08.2001

Reforma Agrária. Alteração na Legislação

2.228-1, DE 06.09.2001

2.184-23, DE 24.08.2001

Carreira Policial. Gratificação

Cultura. Política Nacional do Cinema – Ancine. Prodecine. Funcines

2.185-35, DE 24.08.2001

Dívida Pública Mobiliária. Consolidação. Assunção. Refinanciamento

2.229-43, DE 06.09.2001

Policiais Civis da União e DF. Alteração na legislação

Normas do Juris SÍNTESE atingidas pelas Medidas Provisórias em vigor (até 30.11.2013) Nota: Prezado assinante, todas as normas selecionadas, inclusive as medidas provisórias, podem ser consultadas em nosso endereço eletrônico www.sintese.com. MP

DOU

ART

NORMA LEGAL

ALTERAÇÃO

MP

DOU

ART

NORMA LEGAL

ALTERAÇÃO

627

12.11.2013

DL 1.598 de 1977

7º, 8º, 8º-A, 12, 13, 15, 17, 19, 20, 21, 22, 23, 24-A, 24-B, 25, 27, 29, 31, 33 e 38-A

627

12.11.2013

38

Lei nº 4.506 de 1964

57

627

12.11.2013

49

Lei nº 9.718 de 1998

12.11.2013

50

Lei nº 10.865 de 2004 15 e 27

627

12.11.2013

Lei nº 9.430 de 1996

2º, 25, 27, 29 e 54

627

627

12.11.2013

Lei nº 9.249 de 1995

9º, 13, 15, 20 e 21

627

12.11.2013

51

Lei nº 10.637 de 2002 1º e 3º

32 e 51

627

12.11.2013

52

Lei nº 10.833 de 2003 1º e 3º

627

12.11.2013

Lei nº 8.981 de 1995

Dezembro/2013 – Ed. 201

Nota: Prezado assinante, todas as normas selecionadas, inclusive medidas provisórias, podem ser consultadas em nosso endereço eletrônico www.sintese.com.

100


Dezembro/2013 – Ed. 201

101

MP

DOU

ART

NORMA LEGAL

MP

DOU

ART

NORMA LEGAL

ALTERAÇÃO

627

12.11.2013

92

Lei nº 12.865 de 2013 39 e 40

ALTERAÇÃO

2.158-35

27.08.2001

93

LC 85/96

Revogada

627

12.11.2013

94

Lei nº 9.249 de 1995

25

2.158-35

27.08.2001

93

Lei nº 7.714/88

627

12.11.2013

99

Lei nº 4.506 de 1964

58

2.158-35

27.08.2001

93

Lei nº 9.004/95

Revogada

627

12.11.2013

99

Lei nº 6.099 de 1974

15

2.158-35

27.08.2001

93

Lei nº 9.493/97

627

12.11.2013

99

DL 1.598 de 1977

8º, 15, 20, 27, 29, 31, 32, 33, 34 e 38

627

12.11.2013

99

Lei nº 8.218 de 1991

18

2.161-35

24.08.2001

1º e 6º

Lei nº 9.491/97

2º, 4º, 5º, 6º e 30

627

12.11.2013

99

Lei nº 8.981 de 1995

31

2.162-72

24.08.2001

Lei nº 9.094/95

627

12.11.2013

99

Lei nº 9.249 de 1995

21 e 31

2.163-41

24.08.2001

Lei nº 9.605/98

79-A

627

12.11.2013

99

Lei nº 9.532 de 1997

2.164-41

27.08.2001

7º e 8º

Lei nº 7.998/90

2º, 2º-A, 2º-B, 3º-A, 7º-A, 8º-A, 8º-B e 8º-C

627

12.11.2013

99

Lei nº 9.718 de 1998

2.164-41

27.08.2001

1º e 2º

CLT

627

12.11.2013

99

MP 2.158-35 de 2001 74

58-A, 59, 130-A, 143, 476-A, 627-A, 643 e 652

627

12.11.2013

99

Lei nº 11.941 de 2009 15 a 24, 59 e 60

2.164-41

27.08.2001

Lei nº 4.923/65

627

12.11.2013

100

Lei nº 10.637 de 2002 55

2.164-41

27.08.2001

Lei nº 5.889/73

18

628

29.11.2013

DL 880 de 1969

DL 880 de 1969

2.164-41

27.08.2001

Lei nº 6.321/76

2.156-5

27.08.2001

32

DL 1.376/74

1º e 11

2.164-41

27.08.2001

Lei nº 6.494/77

2.156-5

27.08.2001

32

DL 2.397/87

12

2.164-41

27.08.2001

Lei nº 8.036/90

19-A, 20, 29-C e 29-D

2.156-5

27.08.2001

32

Lei nº 8.034/90

2.156-5

27.08.2001

32

Lei nº 9.532/97

2.164-41

27.08.2001

10

Lei nº 9.601/98

2.157-5

27.08.2001

32

DL 1.376/74

2.165-36

24.08.2001

13

Lei nº 7.418/85

2.158-35

27.08.2001

2º e 93

Lei nº 9.718/98

3º e 8º

2.165-36

24.08.2001

13

Lei nº 8.627/93

2.158-35

27.08.2001

3º e 93

Lei nº 9.701/98

2.166-67

25.08.2001-extra

Lei nº 4.771/65

1º, 3º-A, 4º, 14, 16, 37-A, 44, 44-A, 44-B e 44-C

2.158-35

27.08.2001

10 e 93

Lei nº 9.779/99

14 e 17

2.166-67

25.08.2001

Lei nº 9.393/96

10

2.158-35

27.08.2001

19 e 93

Lei nº 9.715/98

2º e 4º

2.167-53

24.08.2001

2º e 3º

Lei nº 9.619/98

1º e 4º-A

2.158-35

27.08.2001

34 e 75

Lei nº 9.532/97

1º e 64-A

2.168-40

27.08.2001

13

Lei nº 5.764/71

88

2.158-35

27.08.2001

64

D nº 70.235/72

1º, 25 e 64-A

2.168-40

27.08.2001

14

Lei nº 9.138/95

2.158-35

27.08.2001

69

DL 1.455/76

1º, 9º, 10, 16, 18, 19 e 64-A

2.168-40

27.08.2001

18

Lei nº 10.186/01

2.158-35

27.08.2001

70

Lei nº 9.430/96

63

2.170-36

24.08.2001

Lei nº 8.212/91

60

2.158-35

27.08.2001

72

Lei nº 8.218/91

11 e 12

2.172-32

24.08.2001

Lei nº 1.521/51

4º, § 3º

2.158-35

27.08.2001

73

Lei nº 9.317/96

1º e 64-A

2.173-24

24.08.2001

1º e 2º

Lei nº 9.870/99

1º e 6º

2.158-35

27.08.2001

73 e 93

Lei nº 9.317/96

9º e 15

2.177-44

27.08.2001

1º e 8º

Lei nº 9.656/98

2.158-35

27.08.2001

75

Lei nº 9.532/97

1º, 15 e 64-A

2.158-35

27.08.2001

82

Lei nº 8.981/95

29

2.158-35

27.08.2001

93

Lei nº 9.432/97

11

1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 24-A, 24-B, 24-C, 24-D, 25, 26, 27, 28, 29, 29-A, 30, 31, 32, 34, 35, 35-A, 35-B, 35-C, 35-D, 35-E, 35-F, 35-G, 35-H e 35-I

2.158-35

27.08.2001

93

LC 70/91

6º e 7º

2.178-36

25.08.2001-extra

16

Lei nº 9.533/97


DOU

ART

NORMA LEGAL

ALTERAÇÃO

MP

DOU

ART

NORMA LEGAL

ALTERAÇÃO

2.178-36

25.08.2001-extra

32

Lei nº 8.913/97

Revogada

2.196-3

25.08.2001

14

Lei nº 7.827/89

9º-A

2.180-35

27.08.2001

Lei nº 8.437/92

1º e 4º

2.197-43

27.08.2001

3º e 8º

Lei nº 8.692/93

23 e 25

2.180-35

27.08.2001

Lei nº 9.494/97

1º-A, 1º-B (CPC e CLT), 1º-C, 1º-D, 1ºE, 1º-F, 2º-A e 2º-B

2.197-43

27.08.2001

4º e 8º

Lei nº 4.380/64

9º, 14 e 18

2.180-35

27.08.2001

Lei nº 7.347/85

1º e 2º

2.197-43

27.08.2001

Lei nº 8.036/90

9º, 20, 23, 29-A e 29-B

2.180-35

27.08.2001

Lei nº 8.429/92

17

2.199-14

27.08.2001

18

Lei nº 9.532/97

2.180-35

27.08.2001

Lei nº 9.704/98

2.211

30.08.2001

Lei nº 9.995/00

35 e 70

2.180-35

27.08.2001

10

CPC

741

2.211

30.08.2001

Lei nº 10.266/01

18, 34, 38 e 51

2.180-35

27.08.2001

14

Lei nº 4.348/64

2.214

01.09.2001-extra

Lei nº 10.261/01

2.180-35

27.08.2001

21

Lei nº 10.257/01

53

2.215-10

01.09.2001

41

Lei nº 8.448/92

2.181-45

27.08.2001

45

Lei nº 8.177/91

18

2.215-10

01.09.2001

41

Lei nº 8.460/92

2.181-45

27.08.2001

46

Lei nº 9.365/96

2º, 20, 25, 26 e 27, 5º, 7º-A, 13, 14, 14-A, 23, 24, 27, 28, 30, 32, 34-A, 38, 44, 51-A e 61-A

2.181-45

27.08.2001

52

Lei nº 10.150/00

2.217-3

05.09.2001

Lei nº 10.233/01

2.183-56

27.08.2001

DL 3.365/41

10, 15-A, 15-B e 27

2.183-56

27.08.2001

Lei nº 8.177/91

74, 77, 78-A, 78-B, 78-C, 78-D, 78-E, 78-F, 78-G, 78-H, 78-I 78-J, 82, 83, 84, 85-A, 85-B, 85-C, 85-D, 86, 88, 89, 100, 102-A, 103-A, 103-B, 103-C, 103-D, 113-A, 114-A, 15, 116-A, 118 e 119

2.183-56

27.08.2001

Lei nº 8.629/93

2º, 2º-A, 5º, 6º, 7º, 11, 12, 17, 18 e 26-A

2.220

05.09.2001-extra

15

Lei nº 6.015/73

167, I

2.187-13

27.08.2001

Lei nº 6.015/73

80

2.224

05.09.2001

Lei nº 4.131/62

2.187-13

27.08.2001

3º e 16

Lei nº 8.212/91

38, 55, 56, 68, 101 e 102

2.225-45

05.09.2001

Lei nº 6.368/76

2.187-13

27.08.2001

4º e 16

Lei nº 8.213/91

41, 95, 96, 134, 144, 145, 146 e 147

2.225-45

05.09.2001

2º, 3º e 15 Lei nº 8.112/90

25, 26, 46, 47, 61, 62-A, 67, 91, 117 e 119

2.187-13

27.08.2001

Lei nº 9.639/98

1º, 2º e 5º

2.225-45

05.09.2001

Lei nº 8.429/92

17

2.187-13

27.08.2001

16

Lei nº 9.711/98

7º, 8º, 9º, 12, 13, 14, 15, 16 e 17

2.225-45

05.09.2001

Lei nº 9.525/97

2.189-49

24.08.2001

10

Lei nº 9.532/97

6º, II, 34 e 82, II, f

2.226

05.09.2001

CLT

896-A

2.189-49

24.08.2001

11

Lei nº 9.250/95

10 e 25

2.226

05.09.2001

Lei nº 9.469/97

2.189-49

24.08.2001

13

Lei nº 9.430/96

79

2.228-1

05.09.2001

51

Lei nº 8.685/93

2.189-49

24.08.2001

14

Lei nº 9.317/96

2.228-1

05.09.2001

52 e 53

Lei nº 8.313/91

2.190-34

24.08.2001

7º e 8º

Lei nº 9.294/96

2º, 3º e 7º

3º, II, a (a partir de 01.01.2007), e 18, § 3º

2.192-70

25.08.2001-extra

23

Lei nº 9.496/97

1º, 3º, 6º, 7º-A e 7º-B

2.229-43

10.09.2001

72

Lei nº 9.986/00

22

2.196-3

25.08.2001

12

Lei nº 8.036/90

2.229-43

10.09.2001

74

Lei nº 8.745/93

Dezembro/2013 – Ed. 201

MP

102


Normas Legais

Novembro/2013 Lei nº 12.888, de 29.11.2013

Abre ao Orçamento Fiscal da União, em favor dos Ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovação e da Educação, crédito especial no valor de R$ 320.781.825,00, para os fins que especifica. (DOU 02.12.2013)

Lei nº 12.887, de 26.11.2013

Revoga o § 4º do art. 107 da Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986 (Código Brasileiro de Aeronáutica). (DOU 27.11.2013)

Lei nº 12.886, de 26.11.2013

Acrescenta § 7º ao art. 1º da Lei nº 9.870, de 23 de novembro de 1999, dispondo sobre nulidade de cláusula contratual que obrigue o contratante a pagamento adicional ou a fornecimento de qualquer material escolar de uso coletivo. (DOU 27.11.2013)

Lei nº 12.885, de 21.11.2013

Denomina “Rodovia Adão Gasparovic” o trecho da rodovia BR-163 compreendido entre o entroncamento com a BR-277 e o entroncamento com a BR-467, no Contorno Oeste da cidade de Cascavel, no Estado do Paraná. (DOU 22.11.2013)

Lei nº 12.884, de 21.11.2013

Institui o Dia Nacional dos Trabalhadores em Turismo e Hospitalidade. (DOU 22.11.2013)

Lei nº 12.883, de 21.11.2013

Dispõe sobre a criação de cargos de membro, cargos efetivos, cargos em comissão e funções de confiança no âmbito do Ministério Público do Trabalho. (DOU 22.11.2013)

Lei nº 12.882, de 12.11.2013

Dispõe sobre a denominação do novo Prédio da Administração da Faculdade de Direito, no Campus da Universidade Federal do Amazonas, na cidade de Manaus. (DOU 13.11.2013 – Edição extra)

Lei nº 12.881, de 12.11.2013

Dispõe sobre a definição, qualificação, prerrogativas e finalidades das Instituições Comunitárias de Educação Superior – ICES, disciplina o Termo de Parceria e dá outras providências. Mensagem de veto (DOU 13.11.2013 – Edição extra)

Lei nº 12.880, de 12.11.2013

Altera a Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998, que “dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde”, para incluir tratamentos entre as coberturas obrigatórias. (DOU 13.11.2013 – Edição extra)

Lei nº 12.879, de 05.11.2013

Dispõe sobre a gratuidade dos atos de registro, pelas associações de moradores, necessários à adaptação estatutária à Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, e para fins de enquadramento dessas entidades como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público. (DOU 06.11.2013)

Lei nº 12.878, de 04.11.2013

ltera a Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980 (Estatuto do Estrangeiro), para estabelecer nova disciplina à prisão cautelar para fins de extradição. (DOU 05.11.2013)


Indicadores I – Índices de Atualização dos Débitos Trabalhistas (Vigência: Novembro/2013 Junho/2011 – Atualização: – Atualização: Maio/2011) Dezembro/2013)

1 – Índice de Atualização Atualização Monetária Monetária até até 31 31 de dedezembro maio de 2011 de 2013 – Decreto-Lei – Decreto-Lei nº 2.322/1987 nº 2.322/1987 combinado combinado comcom a Leia nº Lei7.738/1989 nº 7.738/1989 (incluindo (incluindo a Leia nº Lei8.177/1991 nº 8.177/1991 – TR – – a –partir TR a partir de fev. de fev. 1991) 1991) – TR – TR prefiprefi xada xada de 1º demaio/2011 1º dez./2013 a 1ºa junho/2011 1º jan./2014(Banco (BancoCentral) Central)==0,1570% 0,02070% 1990

1991

1992

1993

1994

1995

2002

2003

2004

2005

2006

2007

JAN

Mês/Ano

0,187319934

0,014899996

0,002845944

0,000226548

0,008798857

2,302008168

JAN

1,221429197

1,188131336

1,135352925

1,115076176

1,084350814

1,062695910

FEV

0,119992270

0,012394579

0,002268046

0,000178722

0,006220911

2,254631594

FEV

1,218272653

1,182363766

1,133901531

1,112983767

1,081834467

1,060374750

MAR

0,069448009

0,011583719

0,001805625

0,000141394

0,004447956

2,213611166

MAR

1,216847724

1,177517105

1,133382442

1,111914106

1,081050705

1,059610770

ABR

0,037677957

0,010676239

0,001452986

0,000112387

0,003135676

2,163847012

ABR

1,214712260

1,173080515

1,131370864

1,108991912

1,078814323

1,057626663

MAIO

0,037677957

0,009801009

0,001200021

0,000087651

0,002148165

2,091346310

MAIO

1,211855916

1,168192796

1,130382910

1,106775041

1,077892725

1,056283071

JUN

0,035754371

0,008992576

0,001001604

0,000068116

0,001466925

2,025573900

JUN

1,209313938

1,162785842

1,128638035

1,103985271

1,075861498

1,054502017

JUL

0,032619625

0,008219905

0,000827430

0,000052365

2,746575805

1,968749872

JUL

1,207403825

1,157961773

1,126653998

1,100690903

1,073781583

1,053496980

AGO

0,029442752

0,007469246

0,000668954

0,040166133

2,615135138

1,911583954

AGO

1,204205455

1,151667908

1,124459054

1,097863903

1,071904678

1,051951663

SET

0,026625748

0,006671948

0,000542894

0,030123094

2,560564389

1,863060542

SET

1,201225215

1,147036176

1,122209024

1,094071850

1,069299864

1,050411760

OUT

0,023593929

0,005713263

0,000432999

0,022376388

2,499596726

1,827617555

OUT

1,198881402

1,143190483

1,120273192

1,091194371

1,067675929

1,050042145

NOV

0,020749212

0,004770195

0,000346205

0,016389356

2,437320743

1,797880610

NOV

1,195572059

1,139529176

1,119033303

1,088907665

1,065677783

1,048844365

DEZ

0,017789105

0,003654762

0,000280806

0,012036836

2,368147165

1,772381359

DEZ

1,192419302

1,137508960

1,117752359

1,086811206

1,064313333

1,048225911

Mês/Ano

Mês/Ano

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2008

2009

2010

2011

2012

2013

JAN

1,748945489

1,595970292

1,453723603

1,348614502

1,275532054

1,249341978

JAN

1,047555476

1,030705058

1,023448746

1,016447943

1,004316725

1,001415532

FEV

1,727309214

1,584183963

1,437254108

1,341687370

1,272796814

1,247633967

FEV

1,046498512

1,028812043

1,023448746

1,015721702

1,003449744

1,001415532

MAR

1,710842357

1,573771856

1,430870993

1,330645673

1,269840625

1,247175006

MAR

1,046244275

1,028348258

1,023448746

1,015189743

1,003449744

1,001415532

ABR

1,697030228

1,563894332

1,418115048

1,315368977

1,267000011

1,245028577

ABR

1,045816536

1,026871617

1,022638816

1,013960822

1,002379203

1,001415532

MAIO

1,685908291

1,554240941

1,411452990

1,307404271

1,265353786

1,243106734

MAIO

1,044818734

1,026405629

1,022638816

1,013586808

1,002151715

1,001415532

JUN

1,676039768

1,544427648

1,405069758

1,299915458

1,262208362

1,240839720

JUN

1,044050313

1,025944980

1,022117536

1,011997972

1,001682927

1,001415532

JUL

1,665879569

1,534400342

1,398200399

1,295887838

1,259513005

1,239033210

JUL

1,042855201

1,025272401

1,021515863

1,010871860

1,001682927

1,001415532

AGO

1,656189206

1,524369987

1,390548212

1,292098114

1,257567548

1,236016094

AGO

1,040862989

1,024195971

1,020341450

1,009631024

1,001538706

1,001206279

SET

1,645861425

1,514871741

1,385354518

1,288304059

1,255026120

1,231783686

SET

1,039227246

1,023994244

1,019414802

1,007539372

1,001415532

1,001206279

OUT

1,635037477

1,505127546

1,379131875

1,284815784

1,253724753

1,229782829

OUT

1,037183993

1,023994244

1,018699675

1,006529823

1,001415532

1,001127190

NOV

1,622996466

1,495328657

1,366976718

1,281912253

1,252077020

1,226210877

NOV

1,034591307

1,023994244

1,018219075

1,005906161

1,001415532

1,000207000

DEZ

1,609882365

1,472745576

1,358640103

1,279356099

1,250580076

1,223851291

DEZ

1,032920043

1,023994244

1,017877069

1,005257770

1,001415532

1,000000000

Mês/Ano

OBS.: Foram consideradas as divisões por 1.000 ocorridas em março/1986, janeiro/1989, agosto/1993, e por 2.750 ocorridas em julho/1994.


* NOTA DO TRT DA 2ª REGIÃO SOBRE O ÍNDICE DE ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA A atualização de débitos trabalhistas é definida no art. 39 da Lei nº 8.177/1991, que não sofreu alteração com a Lei nº 12.703/2012: tal lei modificou os parâmetros para cálculo dos rendimentos da caderneta de poupança, mas não alterou a TR, índice-base para atualização monetária.

2 – Juros de mora (incidentes a partir da propositura da ação e aplicados sobre o principal corrigido): • Até 28.02.1987 – Juros simples – 0,5% ao mês; • De 01.03.1987 até 31.01.1991 – Juros capitalizados mensalmente – 1% ao mês; • De 01.02.1991 em diante – Juros simples – 1% ao mês.

Fórmula para cálculo da taxa efetiva (T) dos juros capitalizados: T = (1,01)n – 1, onde “n” é igual ao número de dias decorridos desde a data da propositura da ação, contidos no período compreendido entre 01.03.1987 e 31.01.1991, dividido por 30.

Juros Capitalizados Mensalmente

Nº Meses 01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11

% Efetivo 1,0000 2,0100 3,0301 4,0604 5,1010 6,1520 7,2135 8,2856 9,3685 10,4622 11,5668

Nº Meses 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27

% Efetivo 18,4304 19,6147 20,8108 22,0190 23,2391 24,4715 25,7163 26,9734 28,2431 29,5256 30,8208

Nº Meses 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43

% Efetivo 38,8690 40,257+6 41,6602 43,0768 44,5076 45,9527 47,4122 48,8863 50,3752 51,8789 53,3977

Dezembro/2013 – Ed. 201

II – Evolução do Salário-Mínimo desde 1989

105

Moeda

Valor

Norma Legal

DOU

Valor

Norma Legal

DOU

01.10.1989

Vigência

NCz$

381,73

Decreto nº 98.211/89

02.10.1989

VigênciaMoeda 01.09.1990

Cr$

6.056,31

Port. 3.588/90

03.09.1990

01.11.1989

NCz$

557,33

Decreto nº 98.346/89

31.10.1989

01.10.1990

Cr$

6.425,14

Port. 3.628/90

01.10.1990

01.12.1989

NCz$

788,18

Decreto nº 98.456/89

01.12.1989

01.11.1990

Cr$

8.329,55

Port. 3.719/90

01.11.1990

01.01.1990

NCz$

1.283,95

Decreto nº 98.783/89

29.12.1989

01.12.1990

Cr$

8.836,82

Port. 3.787/90

03.12.1990

Cr$

12.325,50

Port. 3.828/90

31.12.1990

01.02.1990

NCz$

2.004,37

Decreto nº 98.900/90

01.02.1990

01.01.1991

01.03.1990

NCz$

3.674,06

Decreto nº 98.985/90

01.03.1990

01.02.1991

Cr$

15.895,46

MP 295/91

01.02.1991

01.04.1990

Cr$

3.674,06

Port. 3.143/90

24.04.1990

01.03.1991

Cr$

17.000,00

Lei nº 8.178/91

04.03.1991

Cr$

42.000,00

Lei nº 8.222/91

06.09.1991

01.05.1990

Cr$

3.674,06

Port. 3.352/90

23.05.1990

01.09.1991

01.06.1990

Cr$

3.857,76

Port. 3.387/90

04.06.1990

01.01.1992

Cr$

96.037,33

Port. 42/92

21.01.1992

01.07.1990

Cr$

4.904,76

Port. 3.501/90

16.07.1990

01.05.1992

Cr$

230.000,00

Lei nº 8.419/92

08.05.1992

01.08.1990

Cr$

5.203,46

Port. 429/90

01.08.1990

01.09.1992

Cr$

522.186,94

Port. 601/92

31.08.1992


VigênciaMoeda

Valor

Norma Legal

DOU

Valor

Norma Legal

DOU

01.01.1993

Cr$

1.250.700,00

Lei nº 8.542/92

24.12.1992

VigênciaMoeda 01.05.1999

R$

136,00

Lei nº 9.971/00

19.05.2000

01.03.1993

Cr$

1.709.400,00

Port. Interm. 4/93

01.03.1993

03.04.2000

R$

151,00

Lei nº 9.971/00

19.05.2000

01.05.1993

Cr$

3.303.300,00

Port. Interm. 7/93

04.05.1993

01.04.2001

R$

180,00

MP 2.142/01 (atual 2.194-6)

30.03.2001

01.07.1993

Cr$

4.639.800,00

Port. Interm. 11/93

01.08.1993

01.04.2002

R$

200,00

Lei nº 10.525/02

28.03.2002

01.08.1993

CR$

5.534,00

Port. Interm. 12/93

03.08.1993

01.04.2003

R$

240,00

Lei nº 10.699/03

10.07.2003

01.09.1993

CR$

9.606,00

Port. Interm. 14/93

02.09.1993

01.05.2004

R$

260,00

Lei nº 10.888/04

25.06.2004

01.10.1993

CR$

12.024,00

Port. Interm. 15/93

04.10.1993

01.05.2005

R$

300,00

Lei nº 11.164/05

19.08.2005

01.11.1993

CR$

15.021,00

Port. Interm. 17/93

03.11.1993

01.04.2006

R$

350,00

MP 288/06

31.03.2006

01.12.1993

CR$

18.760,00

Port. Interm. 19/93

02.12.1993

01.04.2006

R$

350,00

Lei nº 11.321/06

10.07.2006

01.01.1994

CR$

32.882,00

Port. Interm. 20/93

31.12.1993

01.04.2007

R$

380,00

MP 362/07

30.03.2007-extra

01.02.1994

CR$

42.829,00

Port. Interm. 02/94

02.02.1994

01.04.2007

R$

380,00

Lei nº 11.498/07

29.06.2007

01.03.1994

URV

64,79

Port. Interm. 04/94

03.03.1994

01.03.2008

R$

415,00

MP 421/08

29.02.2008-extra

01.07.1994

R$

64,79

Lei nº 9.069/95

30.06.1994/30.06.1995

01.02.2009

R$

465,00

MP 456/09

30.01.2009-extra

01.09.1994

R$

70,00

Lei nº 9.063/95

01.09.1994/20.06.1995

01.01.2010

R$

510,00

MP 474/09

24.12.2009

01.05.1995

R$

100,00

Lei nº 9.032/95

29.04.1995

01.01.2011

R$

540,00

MP 516/10

31.12.2010

01.05.1996

R$

112,00

Lei nº 9.971/00

19.05.2000

01.03.2011

R$

545,00

Lei nº 12.382/11

28.02.2011

01.05.1997

R$

120,00

Lei nº 9.971/00

19.05.2000

01.01.2012

RS

622,00

Decreto nº 7.655/11

26.12.2011

01.05.1998

R$

130,00

Lei nº 9.971/00

19.05.2000

01.01.2013

R$

678.00

Decreto nº 7.872/11

26.12.2012

1 – Salário-de-benefício mínimo: R$ 678,00 (seiscentos e setenta e oito reais) 2 – Salário-de-benefício máximo: R$ 3.916,20 (três mil, novecentos e dezesseis reais e vinte centavos) 3 – Renda mensal vitalícia: R$ 678,00 (seiscentos e setenta e oito reais) 4 – Auxílio-funeral*

5 – Auxílio-natalidade* 6 – Salário-família: – R$ 31,22 (trinta e um reais e vinte e dois centavos) para o segurado com remuneração mensal não superior R$ 608,80 (seiscentos e oito reais e oitenta e centavos); – R$ 22,00 (vinte e dois reais) para o segurado com remuneração mensal superior a R$ 608,80 (seiscentos e oito reais e oitenta

Dezembro/2013 – Ed. 201

III – Previdência Social – Valores de Benefícios (Dezembro/2012)

106


e centavos) e igual ou inferior a R$ 915,05 (nocentos e quinze reais e cinco centavos). 7 – Benefícios a idosos e portadores de deficiência: Valor de um salário-mínimo (Decreto nº 1.744/1995).

Salário-de-contribuição (R$) Até R$ 1.247,70

Alíquota para fins de recolhimento ao INSS (%)

8,00*

De R$ 1.247,71 até R$ 2.079,50

9,00*

* Benefícios extintos a partir de jan. 1996 (Lei nº 8.742/1993, art. 40).

De R$ 2.079,51 até R$ 4.159,00

11,00*

9 – Escala de salários-base para os segurados contribuinte individual e facultativo

IV – Imposto de Renda na Fonte

Nota: Escala extinta, conforme o art. 9º da Lei nº 10.666, de 08.05.2003, DOU 09.05.2003, e o art. 39 da Instrução Normativa DC/INSS nº 89, de 11.06.2003, DOU 13.06.2003.

Dezembro/2013 – Ed. 201

8 – Tabela de contribuição (empregado, empregado doméstico e trabalhador avulso) para pagamento de remuneração

* Alíquota reduzida para salários e remunerações até três salários-mínimos, em razão do disposto no inciso II do art. 17 da Lei nº 9.311, de 24.10.1996, que instituiu a Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e de Direitos de Natureza Financeira – CPMF.

TABELA PROGRESSIVA MENSAL Base de cálculo em R$ Até 1.710,78

-

Alíquota %

Parcela a deduzir do imposto em R$

-

De 1.710,79 até 2.563,91

7,5

128,31

De 2.563,92 até 3.418,59

15,0

320,60

De 3.418,60 até 4.271,59

22,5

577,00

Acima de 4.271,59

27,5

790,58

V – Depósitos Recursais na Justiça do Trabalho Novos valores para Depósitos Recursais na Justiça do Trabalho (Ato nº 491/2012 do TST, DJe de 20.07.2012, vigência a partir de 01.08.2012) Recurso Ordinário

R$ 6.598,21

Recurso de Revista, Embargos, Recurso Extraordinário e Recurso em Ação Rescisória

R$ 13.196,42

Ação Rescisória – Depósito prévio de 20% do valor da causa, salvo prova de miserabilidade, nos termos do art. 836 da CLT, alterado pela Lei nº 11.495/2007, cujos efeitos começam a fluir a partir do dia 24.09.2007.

107


VI – Indexadores Indexador

Junho

Julho

Agosto

Setembro

Outubro

Novembro

INPC IGPM UFIR SELIC

0,28 0,75

- 0,13 0,26

0,16 0,71

0,27 0,71

0,61 0,81

0,54 0,29

0,86

0,72

Extinta, a partir de outubro de 2000, pela MP 1.973-67, atual Lei nº 10.522, de 19.07.2002, DOU 22.07.2002, art. 29, § 3º.

0,61

0,72

0,15

1,50

Valor de Referência Base Maio/1992 – Cruzeiros 79.297,75 Emissão anterior a Jan./1989 79.297,75

TDA

Valores nominais reajustados – Reais 91,87 Emissão anterior a Jan./1989 157,23

(*) Referente ao primeiro dia de cada mês.

VII – Índices de Atualização dos Débitos Judiciais Tabela editada em face da Jurisprudência ora predominante.

Mês/Ano JAN FEV MAR ABR MAIO JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ

1990

1991

102,527306 1942,726347 160,055377 2329,523162 276,543680 2838,989877 509,725310 3173,706783 738,082248 3332,709492 796,169320 3555,334486 872,203490 3940,377210 984,892180 4418,739003 1103,374709 5108,946035 1244,165321 5906,963405 1420,836796 7152,151290 1642,203168 9046,040951

1992

1993

1994

11230,659840 140277,063840 3631,929071 14141,646870 180634,775106 5132,642163 17603,522023 225414,135854 7214,955088 21409,403484 287583,354522 10323,157739 25871,123170 369170,752199 14747,663145 32209,548346 468034,679637 21049,339606 38925,239176 610176,811842 11,346741 47519,931986 799,392641 12,036622 58154,892764 1065,910147 12,693821 72100,436048 1445,693932 12,885497 90897,019725 1938,964701 13,125167 111703,347540 2636,991993 13,554359

1995 13,851199 14,082514 14,221930 14,422459 14,699370 15,077143 15,351547 15,729195 15,889632 16,075540 16,300597 16,546736

Mês/Ano 1996 JAN 16,819757 FEV 17,065325 MAR 17,186488 ABR 17,236328 MAIO 17,396625 JUN 17,619301 JUL 17,853637 AGO 18,067880 SET 18,158219 OUT 18,161850 NOV 18,230865 DEZ 18,292849

1997 18,353215 18,501876 18,585134 18,711512 18,823781 18,844487 18,910442 18,944480 18,938796 18,957734 19,012711 19,041230

1998 19,149765 19,312538 19,416825 19,511967 19,599770 19,740888 19,770499 19,715141 19,618536 19,557718 19,579231 19,543988

1999 19,626072 19,753641 20,008462 20,264570 20,359813 20,369992 20,384250 20,535093 20,648036 20,728563 20,927557 21,124276

2000 21,280595 21,410406 21,421111 21,448958 21,468262 21,457527 21,521899 21,821053 22,085087 22,180052 22,215540 22,279965

2001 22,402504 22,575003 22,685620 22,794510 22,985983 23,117003 23,255705 23,513843 23,699602 23,803880 24,027636 24,337592

108


Mês/Ano 2002 JAN 24,517690 FEV 24,780029 MAR 24,856847 ABR 25,010959 MAIO 25,181033 JUN 25,203695 JUL 25,357437 AGO 25,649047 SET 25,869628 OUT 26,084345 NOV 26,493869 DEZ 27,392011

2003 28,131595 28,826445 29,247311 29,647999 30,057141 30,354706 30,336493 30,348627 30,403254 30,652560 30,772104 30,885960

2004 31,052744 31,310481 31,432591 31,611756 31,741364 31,868329 32,027670 32,261471 32,422778 32,477896 32,533108 32,676253

2005 32,957268 33,145124 33,290962 33,533986 33,839145 34,076019 34,038535 34,048746 34,048746 34,099819 34,297597 34,482804

2006 34,620735 34,752293 34,832223 34,926270 34,968181 35,013639 34,989129 35,027617 35,020611 35,076643 35,227472 35,375427

2007 35,594754 35,769168 35,919398 36,077443 36,171244 36,265289 36,377711 36,494119 36,709434 36,801207 36,911610 37,070329

Mês/Ano 2008 JAN 37,429911 FEV 37,688177 MAR 37,869080 ABR 38,062212 MAIO 38,305810 JUN 38,673545 JUL 39,025474 AGO 39,251821 SET 39,334249 OUT 39,393250 NOV 39,590216 DEZ 39,740658

2009 39,855905 40,110982 40,235326 40,315796 40,537532 40,780757 40,952036 41,046225 41,079061 41,144787 41,243534 41,396135

2010 41,495485 41,860645 42,153669 42,452960 42,762866 42,946746 42,899504 42,869474 42,839465 43,070798 43,467049 43,914759

2011 44,178247 44,593522 44,834327 45,130233 45,455170 45,714264 45,814835 45,814835 46,007257 46,214289 46,362174 46,626438

2012 46,864232 47,103239 47,286941 47,372057 47,675238 47,937451 48,062088 48,268754 48,485963 48,791424 49,137843 49,403187

2013 49,768770 50,226642 50,487820 50,790746 51,090411 51,269227 51,412780 51,345943 51,428096 51,566951 51,881509 52,161669

Observação I – Dividir o valor a atualizar (observar o padrão monetário vigente à época) pelo fator do mês do termo inicial e multiplicar pelo fator do mês do termo final, obtendo-se o resultado na moeda vigente na data do termo final, não sendo necessário efetuar qualquer conversão. Esclarecendo que, nesta tabela, não estão incluídos os juros moratórios, apenas a correção monetária.

Padrões monetários a considerar: Cr$ (cruzeiro): de out./1964 a jan./1967

NCz$ (cruzado novo): de jan./1989 a fev./1990

NCr$ (cruzeiro novo): de fev./1967 a maio/1970

Cr$ (cruzeiro): de mar./1990 a jul./1993

Cr$ (cruzeiro): de jun./1970 a fev./1986

CR$ (cruzeiro real): de ago./1993 a jun./1994

Cz$ (cruzado): de mar./1986 a dez./1988

R$ (real): de jul./1994 em diante

Exemplo: Atualização até dezembro de 2013, do valor de Cz$ 1.000,00, fixado em janeiro 1988. Cz$ 1.000,00 : 596,94 (jan./1988) x 52,161669 (dezembro/2013) = R$ R$ 87,38.

Dezembro/2013 – Ed. 201

Observação II – Os fatores de atualização monetária foram compostos pela aplicação dos seguintes índices:

109

Out./1964 a fev./1986: ORTN Mar./1986 e mar./1987 a jan./1989: OTN Abr./1986 a fev./1987: OTN pro rata Fev./1989: 42,72% (conforme STJ, índice de jan./1989

Abr./1989 a mar./1991: IPC do IBGE (de mar./1989 a fev./1991) Abr./1991 a jul./1994: INPC do IBGE (de mar./1991 a jun./1994) Ago./1994 a jul./1995: IPC-r do IBGE (de jul./1994 a jun./1995) Mar./1989: 10,14% (conforme STJ, índice de fev./1989)

Ago./1995 em diante: INPC do IBGE (de jul./1995 em diante), sendo que, com relação à aplicação da deflação, a matéria ficará sub judice) Observação III – Aplicação do índice de 10,14%, relativo ao mês de fevereiro de 1989, ao invés de 23,60%, em cumprimento ao decidido no Processo nº G-36.676/2002. Fonte: DJe, TJSP, Administrativo, 09.12.2013, p. 4. * Aplicável aos cálculos judiciais, exceto para aqueles com normas específicas estabelecidas por lei ou com decisão transitada em julgado, que estabelece critérios e índices diferentes.


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