O Futebol no Banco dos Réus: Caso da Homofobia Marco Antonio Bettine de Almeida e Alessandro Soares da Silva – p. 1
Principais Aspectos Relativos ao Parecer nº LA-01 Emitido pela Advocacia-Geral da União, Que Trata da Aquisição e do Arrendamento de Terra por Empresa Brasileira Controlada por Estrangeiros – Maria Cristina L. S. Braga e Silva e Suzana Camarão Cencin – p. 12 Legalização da Venda de Animais Silvestres: um Remédio para o Tráfico de Fauna? – Carolina Brandt Gualdi – p. 22 O Poder Judiciário e os Direitos Individuais (Duas Poderosas Forças Antimajoritárias) – Paulo Fernando Silveira – p. 41 Os Dez Anos do Estatuto do Desarmamento – Flávio Eduardo Turessi – p. 67 Existe Exportação de Serviços? – Kiyoshi Harada – p. 82 Acórdão na Íntegra – Superior Tribunal de Justiça – p. 84 Pesquisa Temática – Direito Eleitoral – p. 89 Jurisprudência Comentada – A Decisão do STF Quanto à Aplicação do Artigo 41 da Lei Maria da Penha e Suas Implicações – Ronaldo Batista Pinto – p. 93
Jornal Jurídico D e ze m b r o / 2 0 1 4 – E d i ç ã o 2 1 3
Normas Legais – p. 97 Indicadores – p. 98
Doutrina
O Futebol no Banco dos Réus: Caso da Homofobia* 1
Football on Trial: the Case of Homophobia
Políticas Públicas e Multiculturalismo, Cofundadores da Associação Brasileira de Psicologia Política e da Asociación Ibero-Latinoamericana de Psicología Política (AILPP), Coeditor da Revista Psicologia Política mantida pela ABPP (2008-2015), Pesquisador do Grupo de Políticas Públicas, Territorialidades e Sociedade do Instituto de Estudos Avançados da USP. Fez Estágio Internacional na Universidad Complutense de Madrid junto ao Departamento de Sociologia das Estruturas Sociais. Tem experiência na Área de Psicologia, com ênfase em Relações Interpessoais, atuando principalmente nos seguintes temas: Psicologia Política, Psicologia Social, Consciência Política, Psicologia dos Movimentos Sociais, Políticas Públicas e Minorias e Multuculturalimo.
Fútbol en el Juicio: el Caso de la Homofobia MARCO ANTONIO BETTINE DE ALMEIDA
Professor Livre Docente da Universidade de São Paulo, Professor do Programa de Pós-Graduação em Mudança Social e Participação Política da EACH-USP, Pós-Doutor em Sociologia do Esporte – Universidade do Porto – FADEUP, Graduado em Educação Física – Unicamp, Graduado em Direito PUC-Campinas, Mestrado em Sociologia do Lazer – Unicamp, Doutorado em Sociologia do Lazer – Unicamp. Tem estudos na área Interdisciplinar em Humanidades, ênfase em Sociologia do Esporte e do Lazer, Coordenador do Grupo de Pesquisas Interdisciplinares em Sociologia do Esporte – PISE, Vice-Coordenador do Ludens – Núcleo de Apoio à Pesquisa USP-SP.
ALESSANDRO SOARES DA SILVA
Licenciado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (1998), Mestrado (2002) e Doutorado (2006) em Psicologia (Psicologia Social) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Livre Docente pela Universidade de São Paulo (2012), Professor da Escola de Artes Ciências e Humanidades – EACH da Universidade de São Paulo no Curso de Gestão de Políticas Públicas, Cofundador e Ex-Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Mudança Social e Participação Política (2011-2012), Atuante na Área de Psicologia Política,
* Artigo originalmente publicado na Revista Movimento, Porto Alegre, v. 18, n. 1, p. 301-321, 2012.
RESUMO: Este ensaio procura discutir algumas questões relacionadas à homofobia no futebol. Para isso, analisaram-se, por meio de documentos oficiais e pesquisa bibliográfica, as dificuldades e os desafios para a luta contra a homofobia no Brasil. A partir destas discussões iniciais, buscou-se relacionar o mundo do “macho” e a reprodução da discriminação no futebol. Como forma de análise, partiu-se de dois autores das ciências sociais, Durkheim, com o conceito de anomia, que oferece uma explicação do motivo da repressão ao diferente (ideia da dicotomia sagrado e profano), e Habermas, com a ideia de sociedade civil organizada como forma de construção de mecanismos de luta para transformação de uma realidade concreta e possibilidade de diálogo. PALAVRAS-CHAVE: Homofobia; sociedade civil; futebol. ABSTRACT: This essay discusses some issues related to homophobia in football. To this were analyzed by means of official documents and literature, the difficulties and challenges in the fight against homophobia in Brazil. From these initial discussions sought to relate the world of “male” and the reproduction of discrimination in football. As a form of analysis was from two authors of the social sciences, Durkheim with the concept of anomie, which offers an explanation of why the repression of different (idea of the sacred and profane dichotomy), Habermas and the idea of civil society as how to build coping mechanisms for processing a reality and possibility of dialogue. KEYWORDS: Homophobia; civil society; football.
PALABRAS CLAVE: La homofobia; de la sociedad civil; fútbol. SUMÁRIO: Cena 1: Futebol e sociedade: espaço de construção histórica do universo masculino; Cena 2: Homofobia e sociedade; Cena 3: Sociedade civil organizada e a luta pela igualdade; Cena final: Futebol, refúgio do “macho”; Referências.
CENA 1: FUTEBOL E SOCIEDADE: ESPAÇO DE CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO UNIVERSO MASCULINO Desde o seu nascimento, o futebol, mesmo com as regras de proibição e de permissão, é “denominado” viril. Segundo Franzini (2005, p. 2): A virilidade virtuosa do esporte é frequentemente ressaltada pela sentença “futebol é coisa para macho” (ou, em uma versão pouco menos rude, “coisa para homem”), bem como em tiradas jocosas reveladoras de vivo preconceito.
Em tempos de discussões frequentes no mundo esportivo, em que jogadores de futebol são hostilizados publicamente por serem homossexuais, este ensaio busca pensar a problemática futebol-homofobia. O ensaio é erigido num campo de forças,
em que se situam o futebol como campo de expressão de uma cultural homofóbica, em que predomina o culto à masculinidade. “Assumir a homossexualidade é sempre uma escolha, uma decisão. E essa decisão compromete toda a existência de um indivíduo: sua relação com a família, com os amigos, com o meio profissional” (Eribon, 2000). Há de se considerar que, sob a perspectiva heteronormativa da sociedade, os comportamentos homossexuais são vistos sistematicamente como desviantes do padrão, do comum, do esperado. As orientações sexuais não heterossexuais podem ser encaradas como distantes do “natural” (Welzer-Lang, 2004), e, portanto, elementos que põem em xeque as estruturas supostamente harmônicas que dão sustentabilidade a uma lógica social estável. Em outras palavras, tais diferenças são formas pouco sutis de controle social a serviço de uma lógica dominante.
Destacamos artigos que tratam de temas relativos à homossexualidade, abordando a homofobia. “Cidadania sexual na democracia portuguesa”, de Ana Cristina Santos; “Economia política del armário: políticas del silencio, políticas de la autenticidad”, de Fernando Villaamil-Perez; “Le gueuloir bi ou comment la bifobie vient aux gais”, de Daniel Welzer-Lang; “Homossexualidade e psicoterapia infantil – Possibilidades e desafios para a construção dos direitos sexuais na clínica psicológica”, de Luis Felipe Rios e Ítala Fabiana Nascimento; “Homofobia, silêncio e naturalização: uma narrativa da diversidade sexual”, de Tatiana Lionço e Débora Diniz; “Diversidade sexual, educação e sociedade: reflexões a partir do Programa Nacional do Livro Didático”, de Roger Raupp Rios e Wenderson Rufino dos Santos; “A eloquência do silêncio: gênero e diversidade sexual nos conceitos de família veiculados por livros didáticos”, de Claudia Vianna e Lula Ramires; “Ilustrações do silêncio e da negação: a ausência de imagens da diversidade sexual em livros didáticos”, de Malu Fontes; “Análise psicossocial das visões de ativistas LGBTs sobre família e conjugabilidade”, de Raimundo Gouveia e Leoncio Camino; “Banheiros, travestis, relações de gênero e diferenças no cotidiano da escola”, de Elizabete Franco Cruz.
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RESUMEN: Este ensayo trata sobre algunos aspectos relacionados con la homofobia en el fútbol. Para ello se analizaron por medio de documentos oficiales y la literatura, las dificultades y desafíos en la lucha contra la homofobia en Brasil. A partir de estas discusiones iniciales trató de relacionar el mundo de “macho” y la reproducción de la discriminación en el fútbol. Como una forma de análisis fue de dos autores de las ciencias sociales, Durkheim con el concepto de anomia, que ofrece una explicación de por qué la represión de las diferentes (idea de la dicotomía entre lo sagrado y lo profano), Habermas y la idea de la sociedad civil como cómo construir los mecanismos de adaptación para el procesamiento de una realidad y posibilidad de diálogo.
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O debate da homofobia tem como cerne um elemento higienizador de uma sociedade na qual a heteronormatividade é condição obrigatória de normalidade, sobretudo quando a diferença é princípio produtor da identidade e não o contrário; a identidade não é aquilo que somos, mas somos em função das multiplicidades do ser. As posições sobre a diversidade sexual, bem como o respeito e a tolerância, muitas vezes são discursivamente generalizadas de maneira estática, cristalizada, no cotidiano e têm implicações políticas no campo da produção das identidades coletivas. É dizer: eliminam-se elementos plurais e performativos da identidade e se estabelecem hierarquias que tipificam aquilo que as pessoas podem ser excluindo aquilo que cada uma está sendo.
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A homofobia é compreendida como um instrumental de dominação por meio do qual sujeitos e grupos sociais disputam espaços de legitimidade e de reconhecimento e, portanto, de poder. É nesse quadro que, na sequência, trataremos a questão da violência e da dominação como elementos constitutivos da homofobia.
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A homofobia é um produto social derivado de uma construção mítica da sexualidade humana a partir de justificativas médico-legalistas, dentro de uma cultura assentada em princípios religiosos (Guasch, 2000; Silva, A. S., 2008). Isso implica assumir que a violência homofóbica é um produto do modelo heteronormativo surgido apenas no século XIX e que vive em crise relativa à sua hegemonia e estrutura na sociedade (Guasch, 2000). Nesse quadro de crise, surgido de processos de abertura de determinados setores da sociedade com relação ao tema, assim como de fortalecimento de ações políticas de resistência e cidadania no campo dos movimentos LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transexuais), propicia-se contemporaneamente a emergência de expressões do desejo consideradas desviantes do padrão heteronormativo e de modo afirmativo. Elas ganham
visibilidade no espaço público e resistem a submeterem-se, mais uma vez, à sistemática perversa das políticas de silenciamento, ocultamento e esquecimento (Silva, A. S., 2008). Em certa medida, essa emergência fala do direito a ter direito, da necessidade de se garantir processos de subjetivação política que potencializem a ação de sujeitos que ocupam lugares minoritários e que desejam sair do subterrâneo do esquecimento (Silva, A. S., 2007). Assim, poderíamos nos perguntar: o que é homofobia? Homofobia ainda se desenha como sendo um conceito polissêmico e multifacetado quando visto em suas peculiaridades. Isso faz dele algo inacabado e em processo de produção contínua. Borges e Meyer (2008, p. 61), por exemplo, entendem que “comportamentos homofóbicos variam desde a violência física da agressão e do assassinato até a violência simbólica, em que alguém considera lícito afirmar que não gostaria de ter um colega [...] homossexual”. Mas é em Borrillo (2001) e em Silva (2008) que nos amparamos para realizar mais profundamente essa discussão. A esse respeito, Borrillo (2001, p. 36) escreve que a homofobia pode ser encarada como hostilidade geral, psicológica e social, com respeito àqueles e àquelas de quem se supõem que deseja a indivíduos de seu próprio sexo ou tenham práticas sexuais com eles. Forma específica do sexismo, a homofobia rechaça também a todos que não se conformam com o papel determinado pelo seu sexo biológico. Construção ideológica consistente na promoção da forma de sexualidade (hetero) em detrimento de outra (homo), a homofobia organiza uma hierarquização das sexualidades e extrai delas consequências políticas.
Como se percebe, a homofobia é um instrumento de dominação (Silva, A. S., 2008) e encontra sua fonte na heteronormatização dos comportamentos sociais. Qualquer comportamento que não se enquadre no padrão heteronormativo (relação binária homem/ mulher), e que fuja ao padrão machista e até mesmo misógino
Importante é considerar que a homofobia deriva de uma construção social e um fenômeno que é constantemente atravessado por outras dimensões da vida humana, como classe, raça/etnia, gênero, posição social, cultura etc. De fato, essa impressão impera muitas vezes, visto que a condição de virilidade está associada a essa orientação e é negada as orientações heterodiscordantes. Neste sentido, o futebol, que é considerado uma modalidade viril, não poderia ser praticado por aqueles que não possuam este sentido de virilidade típico do jogo, ficando negado à prática, apenas podendo jogar aqueles jogos que não tenham contato, ou não necessitam deste atributo do “macho”. Essa consideração contém a ideia de que a homofobia não se dá somente pela agressão física diretamente direcionada contra o homossexual, mas pode se firmar de maneira sutil e até imperceptível. Essa expressão da violência chamada simbólica compreende a agressão verbal, moral e toda forma velada e não física produtora de lugares minoritários e reprodutores da lógica dominação-exploração materializada em discursividades homófobas. Tal forma de manifestação da violência homofóbica deriva de um arranjo social ordenador das relações em sociedade e serve a demarcação e legitimação de lugares socialmente construídos. Um destes locais socialmente construídos é a arena do jogo. Tanto na prática de lazer, quanto nos estádios, a verbalização da negação do diferente se faz com frequência. Portanto, o território da prática, tanto como jogador como espectador, está permeado de preconceito e de violência simbólica.
Importante destacar, como assinala Eribon (2000), que a violência homofóbica é injúria, insulto; define a relação e posição social do indivíduo como inferior aos demais. Para ele, o que a injúria me diz é que sou alguém anormal ou inferior, alguém sobre o qual o outro tem o poder, e, em princípio, o poder de injuriar. A injúria é, pois, a expressão da assimetria entre os indivíduos, entre os que são legítimos e os que não o são, e, pela mesma razão, vulneráveis. Essa primeira cena teve como fundamento demonstrar que há uma razão histórica para o futebol ser considerado espaço da construção do macho na sociedade. Toda a sua estrutura foi constituída para representar os valores da masculinidade. Pensando no tema desse ensaio, que é a questão da homofobia, percebe-se que o futebol é um reduto importante ao preconceito aos homossexuais. O avanço na sociedade de respeito às diferenças demonstra o caráter masculinizado dessa modalidade; quanto mais a sociedade se constrói no respeito ao diferente, mais nítida fica a discrepância do aceite ao homossexual no futebol. Na cena seguinte, articularemos os conceitos homossexualidade, homofobia e preconceito, apontando como a sociedade funciona como reforçador da discriminação. Para olhar esses fatos sociais, utilizaremos a leitura habermasiana, na “teoria da ação comunicativa”, que aponta como a sociedade constrói os símbolos anômicos e que, muitas vezes, a lógica binária pode facilitar o olhar de como os sujeitos não convivem com o diferente. Na cena 3, trataremos de apresentar os espaços de lutas sociais e movimentos políticos para a igualdade. Particularmente, os grupos organizados contra a homofobia e as lutas simbólicas para reverter um quadro de hostilidade.
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(entendendo que, numa hierarquia orientada pelo patriarcalismo, não há espaço para uma mulher emancipada e crítica), é tido como fora do padrão. Estar fora do padrão é descumprir, transgredir os papéis sociais que lhe são atribuídos socialmente e que, supostamente, deveriam ser entendidos como biologicamente determinados.
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Na cena 4, final, a partir do conceito de esfera civil e sociabilidade espontânea habermasiana, traçaremos as possibilidades de transformação da realidade.
CENA 2: HOMOFOBIA E SOCIEDADE
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A homossexualidade surge, fundamentalmente, como uma temática eminentemente moral. Segundo Guacira Lopes Louro (2001), “enquanto alguns assinalam o caráter desviante, a anormalidade ou a inferioridade do homossexual, outros proclamam sua normalidade e naturalidade”. De acordo com o sociólogo espanhol Oscar Guasch (2000), tanto a heterossexualidade quanto a homossexualidade são mitos, invenções, uma produção histórico cultural.
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constituição das masculinidades. Assim, a homofobia aparece como elemento que rege as inter-relações dos homens em seus diversos contextos, de forma tal que busca afastar e rechaçar aproximações em torno de tudo que lembre o não masculino, o que inclui os modelos homossexuais. Kimmel (1998) afirma que os homens gays vêm a se converter em outros contra os quais os homens heterossexuais projetam suas identidades, de tal modo que eles devam afirmar sua virilidade colocando-se em posição de destaque em relação a esses outros, suprimindo-os e proclamando, assim, sua própria virilidade. Kimmel (1998) afirma que se forma um simulacro, um repúdio que busca dar conta da maneira como a identificação do eu se volta e se fixa em cada sujeito.
No caso do preconceito ao homossexual, há muitas palavras e frases que fazem parte do jogo simbólico de fala, principalmente para destruir o argumento do outro estrategicamente, como definiria Habermas (1990). O paradigma naturalista da dominação masculina valoriza os homens frente a todos os outros grupos sociais. Dá privilégios aos homens brancos. Na construção dos preconceitos, a primeira forma de ataque é expressar verbalmente uma condição de superioridade frente à pessoa diferente. Antes de qualquer culto mágico de purificação do diferente, os homens constroem as falas e expressão de ataque a estes grupos (Habermas, 1990).
Há um discurso contra o homossexual. Reproduzindo nos centros educacionais, na Internet, nos locais públicos, no Legislativo, no Judiciário e Executivo. Essas falas reforçam a tese habermasiana (1987) de que o preconceito é construído. Eis alguns exemplos:
A fala é tão potente que eterniza uma situação de preconceito, como a condição de submissão, indolência, afetação e promiscuidade dos homossexuais, como apontando na cena 1 deste ensaio.
(2) O líder evangélico J. Ibrahim, autor do livro O santo amigo da Bíblia, defendeu que
Os teóricos que escrevem sobre as masculinidades, entre eles Connel (1998) e Kimmel (1998), são enfáticos ao afirmarem que a busca de afirmação de uma sexualidade que se distancie de elementos ditos não masculinos é marcadamente central na
(1) O arcebispo de Fortaleza, Dom José Antônio Aparecido Tosi, ao ser indagado sobre a campanha deflagrada pelo Grupo Gay de Alagoas, que sugeria à Igreja Católica a inclusão dos homossexuais na lista do pedido de perdão do Vaticano pela opressão contra as minorias sociais, declarou: “O homossexualismo é um defeito da natureza humana, como é o orgulho, a tendência ao roubo, a cleptomania, o homicídio, ou qualquer coisa assim”. O Arcebispo de Florianópolis declarou que “gays são gente pela metade, se é que são gente!”.
o homossexualismo não é apenas uma perversão diabólica. Pior do que isto: é uma peste imoral, contaminosa e destruidora, pela qual Deus destruiu duas cidades: Sodoma e Gomorra. É importante deixar bem claro que quando se fala em discriminação social contra negros, etnia, etc., não inclui o homossexualismo. Negro é uma raça, mas o homossexualismo é sodomia, perversão e prostituição. Incluir os negros junto com estes pervertidos é a maior desonra que se pode fazer a este povo de Deus.
(4) Túlio Maravilha afirma que, no futebol, há vários casos, mas a maioria não assume por receio. “Ninguém é bobo, todo mundo sabe quem é quem, mas é opção de cada um, e a gente respeita” – atesta, em entrevista à Terra Magazine. Ele conta que o segredo se rompe porque as informações correm entre os colegas. Tanto no passado quanto no presente, tem “n” histórias de “ah, fulano é, sicrano é (gay)”. “Mas ninguém vem a público declarar, então a gente respeita a privacidade dos atletas. Pode ter uma certa resistência, mas acredito que declarar sua opção sexual é um direito de todo e qualquer cidadão, seja ele esportista, empresário, político, odontólogo”. (5) Por último, fazemos menção à decisão judicial do caso do jogador do São Paulo Futebol Clube Richarlyson Barbosa Felisbino. Ele, supostamente homossexual, foi vítima de grave discriminação em programa televisivo de rede nacional. Moveu processo criminal contra o responsável e teve seu pedido negado de pronto pelo Sr. Manoel Maximiano Junqueira Filho, Juiz de Direito titular da Nona Vara Cível da Comarca de São Paulo. Entre algumas justificativas invocadas para negar o pleito, vale transcrever os seguintes trechos: Quem se recorda da ‘Copa do Mundo de 1970’, quem viu o escrete de ouro jogando (Félix, Carlos Alberto, Brito, Everaldo e Piaza; Clodoaldo e Gérson; Jairzinho, Pelé, Tostão e Rivelino), jamais conceberia um ídolo seu homossexual. [...] Quem vivenciou grandes orquestras futebolísticas [...] não poderia sonhar em vivenciar um homossexual jogando futebol. [...] Não que um homossexual não possa jogar bola. Pois que jogue, querendo. Mas forme o seu time e inicie uma Federação. Agende jogos com quem prefira pelejar contra si. [...] Ora, bolas, se a moda pega, logo teremos o ‘sistema de cotas’, forçando o acesso de tantos por agremiação [...] O que não se mostra razoável é a aceitação de homossexuais no futebol brasileiro, porque prejudicariam a uniformidade do pensamento da equipe, o entrosamento, o equilíbrio, o ideal [...].
Uma leitura habermasiana (1990) aproximaria a discriminação à homossexualidade como ação estratégica da abordagem moral dominante, ligando-a justamente a uma situação anômica em que determinado indivíduo ou grupo se encontra diante
das regras sociais, por isso deve ser punido. O castigo, frente às regras sociais, é uma das múltiplas instituições que constrói e respalda o mundo social, produzindo os símbolos compartilhados e as classificações autoritárias, por meio das quais os indivíduos entendem entre si e a si mesmo. A penalidade atua como um mecanismo regulador social, na conduta direta por meio da coação física ou por meio das formas de pensar a conduta social (Habermas, 1987). Toda simbologia construída ao homossexual foi estruturada no processo do dominante (heterossexual) e dominado (homossexual). O controle aos desejos, ao querer foi fundamental para construir uma sociedade desoritizada, formando corpos dóceis, como analisaria Foucault (1987). Nesse caso, os homossexuais e outros grupos que não controlavam seus desejos eram vistos como corpos não dóceis, selvagens e deveriam ser, como são, combatidos. Não é por acaso que, historicamente, surgiram espaços de sociabilidade, de reconhecida aceitação mútua, ainda que oculta do mundo dos normais. Os chamados guetos foram estratégicos para garantir a sobrevivência em um mundo que há muito medicalizou e judicializou a sexualidade. Guetos foram, em certa medida, mais que espaços de sociabilidade; foram espaços de proteção e organização política e tempos duros, uma vez que a marginalidade é o que se outorga aos homossexuais (Eribon, 2000). Após anos de tentativas, o Conselho de Direitos Humanos da ONU deu, durante a sessão do dia 17 de junho de 2011, o primeiro passo real rumo à proteção dos direitos de homossexuais ao proclamar a “tolerância zero” contra qualquer tipo de discriminação ou violência por motivos de orientação sexual, e solicitou aos Países-membros que atuem para pôr fim aos abusos impingidos a esses sujeitos. Votaram a favor da moção 19 países, entre os quais o Brasil. Alguns países africanos e árabes
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(3) Em entrevista à colunista do jornal O Estado de São Paulo Sonia Racy, o jogador do Santos, Ganso, disse que há gays no futebol, mas que, “graças a deus”, em seu time não há. “Em alguns clubes por aí tem, sim. Mas no Santos, graças a Deus, não”.
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votaram contra, sob a alegação de que antes era preciso definir o que é “orientação sexual”. Se Uganda analisa, mais uma vez, impor a pena de morte a seus/suas cidadãos/as homossexuais, sete outros países já o fazem. Castigam gays e lésbicas com pena de morte países como Mauritânia, Sudão, Arábia Saudita, Iran, Iêmen, 12 estados do norte da Nigéria e partes meridionais da Somália.
sofrem repressão simbólica. O sistema administrativo (Estado) é assediado pela sociedade civil, que só deixa passar as fundamentações possíveis quando parecem aceitáveis à opinião das esferas públicas mobilizadas (Habermas, 2003). Ela consiste nas agremiações, associações, organizações e movimentos, os quais captam o eco dos problemas sociais que ressoam nas esferas públicas, condensando-se e os transmitem, a seguir, para a esfera política.
CENA 3: SOCIEDADE CIVIL ORGANIZADA E A LUTA PELA IGUALDADE
Como os movimentos e as paradas do orgulho LGBT, iniciativas cidadãs, fóruns cidadãos os grêmios e as associações políticas. Habermas (2003) classifica as formas organizacionais da sociedade civil como periferia social, que possui uma sensibilidade maior para os novos problemas, conseguindo captá-los e identificá-los antes dos centros da política.
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É importante, neste momento, ter em mente que a incorporação de hábitos e da linguagem na sociedade, ou em qualquer agrupamento humano, tem como função principal a definição da comunidade enquanto grupo, isto é, a partir de uma linguagem e símbolos, os indivíduos dotados de razão se definem enquanto comunidade organizada, desempenhando seus papéis sociais e se caracterizando enquanto sujeitos. Desta forma, os agentes sociais constroem o mundo da vida por meio das regras sociais compartilhadas (mundo objetivo), da vivência com seus pares (mundo social) e com a experiência individual do seu entorno (mundo subjetivo) (Habermas, 1987). Na visão habermasiana, a forma mais integrativa de ação política é a criação da sociedade civil organizada. No mundo contemporâneo, importa reconstruir o sistema dos direitos que o cidadão tem que atribuir uns aos outros, caso queiram regular legitimamente sua convivência com meios do direito positivo. A questão dos direitos humanos deve passar além da instituição absoluta da soberania do povo porque pode significar a tirania da maioria sobre os direitos do indivíduo, como, por exemplo, a reprodução da homofobia.
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A importância da sociedade civil é justamente trazer à tona as transformações sociais e dar voz aos grupos minoritários que
É fundamental a valorização desses grupos da sociedade civil para levantar a bandeira contra as discriminações. As peças de teatro, a discussão em livros, as palestras, os congressos são meios eficazes de estimulação do debate e da possibilidade de transformação. No Brasil, são muitas as etapas para que se observe transformação na cultura política que ainda resiste a reconhecer a diferença como valor, reconhecer a dignidade humana de pessoas que não produzem sua subjetividade e nem manifestam seu desejo da mesma maneira que preconizam a cultura heterossexual (Mott, 2006). Nesse contexto, ainda vemos o Judiciário atuar como legislador ao dar sentido à lei. Se em 1998 o então presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Celso Mello, apontava para o fato de que “não adianta comemorar o cinquentenário da Declaração dos Direitos Humanos, se práticas injustas que excluem os homossexuais dos direitos básicos continuam ocorrendo. É preciso que o Executivo, o Legislativo e o Judiciário tomem consciência e tenham per-
-se publicamente sem que por isso sejam molestados pela polícia ou por outros grupos. Esta tem sido hoje a reivindicação dos grupos homossexuais, como foi outrora a de religiões minoritárias. [...] O direito ao reconhecimento [...] destaca o problema da liberdade da ação e da autonomia num sentido forte. Quero dizer que o reconhecimento integral da diferença do outro é forte na medida em que a tolerância que se exige é maior do que a simples indiferença das atitudes exclusivamente privadas. Pode-se dizer que uma coisa é tolerar que alguém tenha, no íntimo de sua casa, certo comportamento sexual. Outra coisa é admitir, publicamente, que qualquer um de qualquer orientação sexual possa expressar publicamente este aspecto integral de sua personalidade, de modo a não ser molestado, nem preterido no seu local de trabalho.
Reflexo dessa cultura é o fato de o projeto de união homoafetiva, apresentado em 1995 pela então Deputada Marta Suplicy, ainda estar engavetado em Brasília, e o PL 122, que criminaliza a homofobia, sofrer resistência forte no Congresso Nacional. Efetivamente, as injustiças derivam de valores culturais e, para além de interpretações do Judiciário, ações do Executivo ou legislações apresentadas e aprovadas pelo Legislativo, é preciso pensar que elas são instrumentais importantes de regulação do Direito, mas certamente não possuem o poder de garantir a mudança social, a mudança da cultura política que diz respeito a esse grupo social.
A luta contra a homofobia e a defesa da orientação sexual e da identidade de gênero passam não só pela defesa da liberdade da vida privada constituída e vivida no âmbito do privado; ela alcança a possibilidade real, material, de viver a liberdade da vida privada no espaço público sem vê-la aviltada, sem que a expressão pública da liberdade denigra a imagem coletiva do grupo a que se pertence e a imagem de si. Viver livremente passa pela ruptura definitiva da lógica hierarquizante da dignidade humana e pela garantia da pluralidade como elemento ordenador da vida humana e como um valor universal constituinte da própria humanidade.
Entretanto, a segurança física e emocional de quem vive a expectativa da violência necessita da segurança de garantia ao direito de reconhecimento. A esse respeito, já fez importante apontamento José Reinaldo de Lima Lopes (2000, p. 92-93): A reivindicação do direito ao reconhecimento tem por finalidade garantir que certas identidades não sofram uma denegrição ou violência e que, simultaneamente, possam se expressar livremente sem temores. Violências [...] costumam vitimar pessoas humanas que pertencem a grupos minoritários ou subalternos na sociedade [...]. Qual o remédio adequado para a denegrição de certos grupos que termina estimulando a violência contra eles. Em primeiro lugar, de caráter penal: seja civil, seja criminalmente, o problema é tornar certas atitudes passíveis de penas [...], como se tem feito com o racismo. Outro remédio é garantir aos grupos minoritários liberdade de expressão: que possam manifestar-
Essas ações são fundamentais para que se amadureçam as estruturas da sociedade para o reconhecimento da liberdade sexual e igualdade de direitos, fortalecendo o mundo das relações espontâneas e reprimindo ações homofóbicas, como é o caso do futebol, que será analisado na última cena deste ensaio.
CENA FINAL: FUTEBOL, REFÚGIO DO “MACHO” O futebol carrega os atributos de uma sociedade masculinizada (conforme discutido nas cenas 2 e 3); todas as formas de preconceito ao homossexual são expressas em um campo de futebol. A imagem do homossexual é incongruente aos olhos
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cepção de que é necessário enfrentar essa situação de grave adversidade pela qual passam os integrantes deste grupo extremamente vulnerável”. Somente 13 anos depois, parcialmente, alguns dos elementos que tornam esse coletivo vulnerável foram juridicamente superados mediante a ação efetiva do Poder Judiciário, que, instado por uma parcela da sociedade, fez valer a isonomia e a equidade entre os/as cidadãos/as da República. Pode-se considerar histórica a decisão unânime da Suprema Corte brasileira ao garantir a equiparação de direitos em sessão realizada no dia 5 de maio de 2011.
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dos espectadores que entendem o futebol como reduto da força física, como se a liberdade sexual estivesse ligada a ter ou não força, ter ou não virilidade. Parte-se do entendimento de que o futebol reproduz as regras rígidas da masculinidade (hegemônica). A questão das formas de masculinidade é tão forte e disseminada no âmbito esportivo que, aparentemente, imagina-se anulada a possibilidade de coexistência de atletas gays nesse espaço. Anderson (2005, p. 14) aponta que a arena esportiva permanece como uma das “maiores instituições segregadoras de gênero das culturas ocidentais”.
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Interessante constatar que a hegemonia masculina do esporte (como valor necessário para “homens”) é tão persuasiva que passa despercebida pelo exame crítico daqueles que são oprimidos por ela, entre os quais estão, curiosamente, os gays. Anderson (2005) constrói categorias para analisar a hegemonia masculina, qual seja: capital masculino hipertrofiado, além de ser branco, homem, heterossexual, hábil, atlético, atrativo.
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Anderson (2005) diz que a homofobia (velada ou explícita no discurso das instituições) é o “remédio” contra a existência dos homossexuais no esporte. A homofobia não só é uma forma de resistência contra a invasão da subcultura gay no esporte, como funciona como elemento mantenedor da masculinidade. Segundo Anderson (2005), os técnicos da NFL (National Football League) sustentam que o atleta se mantenha quieto se quiser continuar jogando e, ainda, a política da MBL (Major Baseball League), que proíbe os jogadores de falar sobre homossexualidade, com o argumento de não prejudicarem suas respectivas equipes. A violência homofóbica no futebol eclode como alternativa à possibilidade de negociação, como não resposta ao trato com
a diferença, recusa à alteridade. Esse tipo de violência não é pontual, inesperada, nem casual. São violências tramadas sobre uma lógica, um pano de fundo em que ainda é forte a presença do patriarcado e em que a dominação masculina é a tônica. Nesta cena final, mais do que relatar aquilo que nos é conhecido sobre o universo do futebol, cabe aqui levantar duas bandeiras: a primeira refere-se à articulação política da sociedade civil em discutir estes símbolos reproduzidos no mundo futebolístico, que pode afastar o sujeito da prática. Isto ocorre pela linguagem construída no futebol, que utiliza no vocabulário vasto xingamento acerca daquele que tem uma opção sexual diferente; essa ação deveria se articular nas mídias e ser espaço para debate, diálogo e luta de resistência. Dessa preocupação cabe a segunda bandeira: as lutas de resistência ou de enfrentamento, a questão é simples: como dar respaldo social para pessoas poderem expressar livremente, se esta for sua vontade, sua opção sexual (como na entrevista do jogador Túlio Maravilha)? Punição de fato aos times ou jogadores que discriminem os gays seria uma ação ousada; não permitir nos espaços educativos que haja qualquer tipo de discriminação aos alunos que queiram participar do jogo; por último, reprimir por meio da estrutura jurídica qualquer tipo de fala preconceituosa contra atletas, dirigentes, praticantes e espectadores. Os espaços públicos devem valorizar a igualdade e os direitos humanos, como o direito à liberdade sexual, os espaços de encontros entre as pessoas, ainda mais em grandes eventos, como os esportivos, e o futebol é emblemático, e não deve reproduzir a discriminação. Todos os espaços de articulação e construção dos símbolos sociais deveriam reprimir ações homofóbicas e suas variantes, para não criar redutos de tipos sociais definidos. Deve prevalecer nesses espaços a convivência coletiva, na qual os grupos se encontrem para constituir uma sociabilidade
sujeitos e esferas institucionais que se utilizam dela como forma de manutenção de uma lógica de poder.
No espaço de futebol, o contato com o diferente poderia ser estimulado para as pessoas terem relações e com as relações sociais dirimir os preconceitos, que muitas vezes são reproduções sociais. Nesses casos, o contato já serve de estímulo para uma nova atitude individual que, por meio das teias sociais abrangentes, poderia ter uma influência social relevante para uma mudança de paradigma social, permitindo que a igualdade de direitos dos homossexuais e a liberdade sexual sejam de fato igualdade e liberdade.
A homofobia é uma categoria polissêmica e que traz em si elementos que, por vezes, dificultam a compreensão e o debate. Por envolver lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros, a homofobia produz subcategorias que guardam peculiaridades associadas a cada subgrupo da comunidade LGBT. Tais subcategorias específicas para cada ocorrência atendem por lesbofobia, gayfobia, a bifobia, a transfobia e a travestifobia. Ainda que muitos associem a homofobia aos coletivos gay e lésbico, este é um termo genérico que abarca todos os anteriores ou, dito de outro modo, cada uma dessas variantes compõe, como um todo, a homofobia. Na verdade, cada uma dessas formas mais específicas da homofobia carece ser melhor estudada, assim como a própria homofobia, pois não se deve confundir a homofobia com o heterossexismo e o androcentrismo, nem reduzir o peso deste na produção da própria homofobia. O pensamento baseado sobre a heteronormatividade, o heterossexismo e o androcentrismo está vivo e dá sustentação e, ainda, justifica a homofobia e a ação concreta de sujeitos e instituições homófobas.
Esse breve ensaio visou a apontar alguns aspectos pertinentes à discussão sobre homofobia, tema vigente em sociedades plurais e abertas ao debate, que visem a refinar a concepção de direitos humanos em suas práticas cotidianas e políticas. Porém, esse é um tema urgente em sociedades em que não há o direito a ter direitos e, menos ainda, direito à livre expressão sexual. Indubitavelmente, a homofobia compõe o emaranhado das violências que derivam do preconceito e de estereótipos vivenciados nas sociedades e a serviço da manutenção dos sistemas de dominação-exploração vigentes. Destarte, o racismo e a violência de gênero se encontram e atuam de maneira a potencializar as ações violentas que põem em risco tanto a saúde psíquica como a segurança da vida de pessoas que não estão assimiladas na conduta hegemônica de corte heteronormativo e obrigatório. Portanto, as temáticas do racismo e da violência de gênero ocupam lugar estratégico tanto no debate político-institucional brasileiro quanto no debate internacional, visto que eles são elementos significativos no processo de produção dos direitos humanos e da superação das desigualdades. Nesse cenário, é certo que essas correlações nos permitem entender melhor as dinâmicas que dão sustentação à homofobia e aos
Esse é um debate enquadrado nas disputas de poder, que ganha sentido no processo de enfrentamento que busca manter ou subverter o equilíbrio de força entre pessoas de primeira e de segunda classe, segundo uma noção essencialista da dignidade humana. Nesse embate, está posta a necessidade de se adaptar às condutas consideradas boas e dignas ou subverter essa ordem aristocrática e assumir a liberdade como o exercício do respeito que reconhece a si e ao outro como iguais na diferença. Uma perspectiva acaba gerando a segregação social entre normais e quase-normais e a outra subverte as formas que determinam e dão sentido à realidade e abrem espaço para uma pluralidade de performatividades que rompem com o pensamento binário e hierarquizado. O estigma e a homofobia provocam
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espontânea, uma sociabilidade livre de coerção, como é o caso da utopia habermasiana (1989).
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violências no âmbito familiar, nas escolas e no emprego e em quaisquer espaços, como nas cenas sugeridas, no futebol.
CONNEL, Raewin. W. El imperialismo y el cuerpo de los hombres. In: VALDÉS, T.; OLAVARRÍA, J. (Org.). Masculinidades y equidad de género en América Latina. Santiago: Flacso, p. 76-89, 1998.
Como nos recorda Lopes (2000, p. 97), “assim como o crime de genocídio difere do simples homicídio, ainda que este se faça com requintes de crueldade, o crime de ódio (hate crime) é também específico: há um dolo específico, uma vítima (ou grupo de vítimas) diferente, há um propósito distinto”. Gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros são discriminados no trabalho, na religião, no espaço público. São múltiplas as situações nas quais essas pessoas se veem humilhadas. Humilhadas por não serem admitidas ou promovidas no trabalho; por não serem admitidas nos seminários ou na comunidade religiosa, porque estariam vivendo pecados que nem Deus nem o amor seriam capazes de perdoar.
ERIBON, Didier. Identidades: reflexiones sobre la cuestión gay. Barcelona: Bellaterra, 2000.
Nesse quadro, as vitórias, no Brasil, de mulheres com a Lei Maria da Penha e a criação da Secretaria de Políticas para Mulheres e de mulheres e homens negros com a criminalização do racismo e a criação da Secretaria Especial de Políticas para a Igualdade Racial ainda precisam ser alcançadas por mulheres e homens LGBTs. Certamente, as vitórias que se têm alcançado junto ao Poder Legislativo são motivos de celebração; todavia, ainda há muito para se transformar na República Federativa do Brasil.
______. O discurso filosófico da modernidade. Lisboa: Dom Quixote, 1990.
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Doutrina
Principais Aspectos Relativos ao Parecer nº LA-01 Emitido pela Advocacia-Geral da União, Que Trata da Aquisição e do Arrendamento de Terra por Empresa Brasileira Controlada por Estrangeiros MARIA CRISTINA L. S. BRAGA E SILVA
Graduada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP), Professora de Direito Societário no Instituto Trevisan, Advogada em São Paulo.
SUZANA CAMARÃO CENCIN
Graduada pela Faculdades de Campinas (Facamp), Advogada em São Paulo.
RESUMO: O presente trabalho tem como ponto de partida o Parecer nº LA-01 emitido pela Advocacia-Geral da União (AGU) em 19 de agosto de 2010 (Parecer AGU nº LA-01), o qual altera o posicionamento da AGU com relação à aquisição ou arrendamento de terras rurais por estrangeiros, especificamente no que concerne às empresas brasileiras controladas direta ou indiretamente por estrangeiros. O atual entendimento supera
os argumentos apresentados anteriormente nos Pareceres da AGU nº GQ-181, de 1998, e nº GQ-22, de 1994, no sentido de permitir regras que restrinjam a venda de terras rurais a empresas brasileiras controladas direta ou indiretamente por estrangeiros e opinando pela recepção do § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709/1971 pela Constituição Federal de 1988. PALAVRAS-CHAVE: Parecer AGU; Advocacia-Geral da União; aquisição; arrendamento; terras rurais; estrangeiro; empresa brasileira controlada por estrangeiro; limites; Lei nº 5.709/1971. ABSTRACT: The present study is based on the Opinion nº LA-01 issued by the Brazilian Federal Attorney’s Office (AGU) dated as of August 19, 2010 (the “Opinion AGU nº LA-01”), which changes the understanding of AGU regarding the acquisition and lease of rural property in Brazil by foreigners, specially in connection with Brazilian companies directly or indirectly controlled by foreigners. The new understanding overcomes to the previous opinions presented by AGU in the Opinions nº GQ-181 issued in 1998 and nº GQ22 issued in 1994, allowing the application of rules that restricts the acquisition and lease of rural property by Brazilian companies directly or indirectly controlled by foreigners and determining that paragraph 1st, article 1st, of Law nº 5.709/1971 is consistent with the Brazilian Federal Constitution and remain in effect. KEYWORDS: Opinion AGU; Brazilian Federal Attorney’s Office; acquisition; lease; rural properties; foreigners; brazilian company controlled by foreigners; limits; Law nº 5.709/1971. SUMÁRIO: Introdução; I.1 Papel da AGU na análise da aquisição de terras por estrangeiros; I.2 Compatibilidade do § 1º do artigo 1º da Lei nº 5.709/1971 com o artigo 171 da CF/1988; I.3 Compatibilidade do § 1º do artigo 1º da Lei nº 5.709/1971 com o artigo 190 da Constituição Federal; I.4 Compatibilidade do § 1º do artigo 1º da Lei nº 5.709/1971 com os artigos 170, inciso I, 1º, inciso I, 3º, inciso II, e 4º, inciso II, da CF/1988; I.5 Compatibilidade do § 1º do artigo 1º da Lei nº 5.709/1971 com o artigo 172 da CF/1988; I.6 Compatibilidade do § 1º do artigo 1º da Lei nº 5.709/1971 com o artigo 5º, caput, da CF/1988; I.7 Compatibilidade do § 1º do artigo
1º da Lei nº 5.709/1971 com a CF/1988; I.8 Emenda Constitucional nº 6; I.9 Interpretação do § 1º do artigo 1º da Lei nº 5.709/1971; I.10 Conclusões do Parecer AGU nº LA-01; II – Lei nº 5.709/1971 – Aquisição de imóvel rural por estrangeiro; III – Decreto nº 74.965/1974 – Regulamenta a Lei nº 5.709/1971; IV – Estatuto do Estrangeiro; V – Regimento interno do Incra; VI – Conselho Nacional de Justiça; VII – Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo; Conclusão.
O recente Parecer AGU nº LA-01 teve como objetivo demonstrar que os argumentos anteriormente utilizados nos Pareceres AGU nº GQ-181, de 1998, e nº GQ-22, de 1994, deveriam ser revistos e ambos os pareceres deveriam ser revogados. Dessa forma, o Parecer AGU nº LA-01 trata, principalmente, dos seguintes pontos: a) papel da Advocacia Geral da União na análise da aquisição de terras por estrangeiros;
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INTRODUÇÃO
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O Parecer AGU nº LA-01 originou-se após uma reunião na Casa Civil da Presidência da República, realizada em 15.06.2007, cujo tema discutido foi a aquisição de terras por estrangeiros e a legislação nacional sobre o assunto. Do ponto de vista da Casa Civil, alguns acontecimentos externos gerais como a crise de alimentos e os investimentos em energias renováveis como o biocombustível deram ensejo ao debate sobre a possibilidade de revisão do Parecer AGU nº GQ-181, de 1998, que tratava dos limites para aquisição de terras rurais por empresas brasileiras cujo capital fosse detido por estrangeiros não residentes no Brasil.
b) compatibilidade do § 1º do art. 1º da Lei nº 5.7091, de 7 de outubro de 1971, com o art. 171 da Constituição Federal de 1988 (CF/1988);
Outros problemas levantados pela Casa Civil para justificar a emissão do Parecer AGU nº LA-01 e um controle maior com relação às aquisições de terras rurais por estrangeiro foram:
f) compatibilidade do § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709/1971 com o art. 5º, caput, da CF/1988;
(i) expansão da fronteira agrícola com o avanço do cultivo em áreas de proteção ambiental e em unidades de conservação; (ii) valorização desarrazoada do preço da terra e incidência da especulação imobiliária, gerando aumento do custo do processo de desapropriação voltada para a reforma agrária, bem como a redução do estoque de terras disponíveis para esse fim; (iii) crescimento da venda ilegal de terras públicas; (iv) utilização de recursos oriundos da lavagem de dinheiro, do tráfico de drogas e da prostituição na aquisição dessas terras; (v) aumento da grilagem de terras; (vi) proliferação de “laranjas” na aquisição dessas terras; (vii) incremento dos números referentes à biopirataria na Região Amazônica; (viii) ampliação, sem a devida regulação, da produção de etanol e biodiesel; e (ix) aquisição de terras em faixa de fronteira, pondo em risco a segurança nacional.
c) compatibilidade do § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709/1971 com o art. 190 da CF/1988; d) compatibilidade do § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709/1971 com os arts. 170, inciso I, 1º, inciso I, 3º, inciso II e 4º, inciso II, da CF/1988; e) compatibilidade do § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709/1971 com o art. 172 da CF/1988;
g) compatibilidade do § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709/1971 com a CF/1988; h) efeitos da Emenda Constitucional nº 6;
1 “Art. 1º O estrangeiro residente no País e a pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil só poderão adquirir imóvel rural na forma prevista nesta Lei.
§ 1º Fica, todavia, sujeita ao regime estabelecido por esta Lei a pessoa jurídica brasileira da qual participem, a qualquer título, pessoas estrangeiras físicas ou jurídicas que tenham a maioria do seu capital social e residam ou tenham sede no Exterior.”
j) conclusões do Parecer AGU nº LA-01.
I.1 P apel da AGU na análise da aquisição de terras por estrangeiros A AGU é o órgão responsável pela representação judicial e extrajudicial da União, assessorando juridicamente o Poder Executivo e colaborando na fixação de interpretações de leis e da Constituição Federal em casos de controvérsias jurídicas. Por essa razão, foi provocada a emitir seu parecer e opinião quanto à controvérsia surgida referente à recepção do § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709/1971 face à redação do art. 171 da CF/1988. O Parecer AGU nº GQ-181, de 1998, que havia sido anteriormente emitido pela AGU, afirmava que o § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709/1971 não havia sido recepcionado pelo art. 171 da CF/1988, o qual previa expressamente a distinção entre o conceito de empresa brasileira e empresa brasileira de capital nacional. A justificativa para a não recepção do § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709/1971 era que, em razão de a distinção estar expressa na Constituição, as restrições permitidas para diferenciar a empresa brasileira da empresa brasileira de capital nacional seriam somente aquelas expressamente previstas na CF/1988. Tal parecer teve como base o Parecer AGU nº GQ-22, de 1994, o qual não foi publicado e não teve efeito vinculante, porém foi utilizado como fundamento para o Parecer AGU nº GQ-181, de 1998, este sim publicado, e que afirmava que as restrições às empresas brasileiras que não fossem de capital nacional seriam apenas aquelas expressamente previstas no texto constitucional, não cabendo legislação infraconstitucional para a regulamentação da matéria. Outro argumento utilizado pelos Pareceres de 1994 e 1998 foi com relação ao art. 190 da CF/1988, afirmando-se que ele restringia apenas a aquisição de propriedade rural por estrangeiros, e não por empresas
brasileiras cujo capital social fosse controlado por estrangeiros. O Parecer AGU nº LA-01 toma as premissas do Parecer AGU nº GQ-22 e também do Parecer AGU nº GQ-181 para demonstrar a possibilidade de conclusões diversas e de restrições à aquisição e arrendamento de terras por empresas brasileiras cujo capital seja controlado direta ou indiretamente por estrangeiros não residentes, concluindo pela revogação de tais pareceres emitidos anteriormente.
I.2 Compatibilidade do § 1º do artigo 1º da Lei nº 5.709/1971 com o artigo 171 da CF/1988 Art. 171. São consideradas: I – empresa brasileira a constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no País; II – empresa brasileira de capital nacional aquela cujo controle efetivo esteja em caráter permanente sob a titularidade direta ou indireta de pessoas físicas domiciliadas e residentes no País ou de entidades de direito público interno, entendendo-se por controle efetivo da empresa a titularidade da maioria de seu capital votante e o exercício, de fato e de direito, do poder decisório para gerir suas atividades. (Revogado pela Emenda Constitucional nº 6, de 15.08.1995) § 1º A lei poderá, em relação à empresa brasileira de capital nacional: I – conceder proteção e benefícios especiais temporários para desenvolver atividades consideradas estratégicas para a defesa nacional ou imprescindíveis ao desenvolvimento do País; II – estabelecer, sempre que considerar um setor imprescindível ao desenvolvimento tecnológico nacional, entre outras condições e requisitos: a) a exigência de que o controle referido no inciso II do caput se estenda às atividades tecnológicas da empresa, assim entendido o exercício, de fato e de direito, do poder decisório para desenvolver ou absorver tecnologia; b) percentuais de participação, no capital, de pessoas físicas domiciliadas e residentes no País ou entidades de direito público interno.
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i) interpretação do § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709/1971; e
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§ 2º Na aquisição de bens e serviços, o Poder Público dará tratamento preferencial, nos termos da lei, à empresa brasileira de capital nacional. (Revogado pela Emenda Constitucional nº 6, de 1995)
A argumentação do Parecer AGU nº LA-01 com relação a esse dispositivo legal é no sentido de demonstrar que a distinção entre empresa brasileira e empresa brasileira de capital nacional feita pelo art. 171 da CF/1988 tinha como objetivo a restrição genérica às empresas brasileiras de capital estrangeiro, e não apenas o incentivo às empresas brasileiras de capital nacional.
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Outro argumento utilizado se baseia no fato de os princípios constitucionais não poderem ser interpretados contrariamente à sua finalidade geral, sobretudo quando analisados juntamente com as demais disposições da Constituição Federal, permitindo, inclusive, que, nos casos em que as empresas nacionais de capital estrangeiro não atendam às finalidades pretendidas ou caso sejam nocivas à soberania nacional, possa ser dado tratamento preferencial às empresas brasileiras de capital nacional.
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Dessa forma, o texto constitucional original, anteriormente à revogação do art. 71, não revogou o § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709/1971, uma vez que as restrições genéricas por ele admitidas permitiam não somente as restrições setoriais específicas e expressas na CF/1988, como também que leis infraconstitucionais, posteriores ou anteriores à CF/1988, regulamentassem a matéria com restrições específicas.
I.3 Compatibilidade do § 1º do artigo 1º da Lei nº 5.709/1971 com o artigo 190 da Constituição Federal Art. 190. A lei regulará e limitará a aquisição ou o arrendamento de propriedade rural por pessoa física ou jurídica estrangeira e estabelecerá os casos que dependerão de autorização do Congresso Nacional.
Refuta-se, no Parecer AGU nº LA-01, o argumento do Parecer AGU nº GQ-22, de 1994, o qual, segundo a argumentação da
AGU, interpretava a palavra “estrangeira” de forma restritiva e literal, de modo que o Parecer AGU nº LA-01 aponta que, se tivesse sido feita uma interpretação teleológica do dispositivo, buscando-se a finalidade na norma e sua interpretação no todo, teria sido verificado que a expressão “pessoa física ou jurídica estrangeira” tem, na realidade, a finalidade de conceder ao Estado brasileiro uma forma de controle sobre a apropriação de terras rurais por estrangeiros, seja direta ou indiretamente. Assim, a interpretação dada pelo Parecer AGU nº LA-01 é no sentido de considerar empresa brasileira controlada por capital estrangeiro como “pessoa jurídica estrangeira”, como forma de proteção à soberania nacional, uma vez que o poder de controle e escolha dos dirigentes e a fixação das diretrizes de tais empresas encontra-se nas mãos de estrangeiros.
I.4 C ompatibilidade do § 1º do artigo 1º da Lei nº 5.709/1971 com os artigos 170, inciso I, 1º, inciso I, 3º, inciso II, e 4º, inciso II, da CF/1988 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem, por fim, assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I – soberania nacional; [...] Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; [...] Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: [...]
Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: I – independência nacional; [...].
Mencionados artigos tratam da soberania nacional, desenvolvimento nacional e independência nacional, que são princípios da atividade econômica, elementos essenciais para o desenvolvimento da nação e a interpretação das demais normas constitucionais. Por essa razão, o Parecer AGU nº LA-01 utiliza de tais argumentos para dispor que, em vista do princípio da soberania nacional aplicado à ordem econômica, é possível mitigar direitos relativos à propriedade, incluindo a desapropriação de parcelas do território nacional, prerrogativa prevista na própria Constituição Federal2, cujo controle efetivo esteja nas mãos de estrangeiros.
I.5 C ompatibilidade do § 1º do artigo 1º da Lei nº 5.709/1971 com o artigo 172 da CF/1988
prever a possibilidade de restrições aos investimentos de capital estrangeiro, desde que com base no interesse nacional. O mencionado parecer afirma, também, que entende que a definição de capital estrangeiro abrange todo o capital detido por aqueles que residem no exterior, incluindo os investimentos de capital estrangeiro realizados em empresas brasileiras controladas por estrangeiros não residentes (interpretação feita com base no art. 1º da Lei nº 4.131, de 19923), incluindo os valores utilizados para aquisição dos bens imóveis rurais por tais empresas receptoras de investimento estrangeiro, concluindo a AGU que, dessa forma, seria possível a restrição à aquisição ou arrendamento de imóveis rurais por empresa brasileira controlada por estrangeiros.
I.6 Compatibilidade do § 1º do artigo 1º da Lei nº 5.709/1971 com o artigo 5º, caput, da CF/1988 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.
O objetivo do Parecer AGU nº LA-01 com relação a este dispositivo foi demonstrar que o mencionado artigo não sofreu qualquer alteração desde a promulgação da CF/1988, continuando a
O art. 5º da CF/1988 prevê a igualdade de brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil, sem distinção. Entretanto, segundo argumentado no Parecer AGU nº LA-01, essa regra pode sofrer algumas mitigações em face de outros princípios fundamentais, como é o caso da soberania nacional, do interesse nacional e da proteção aos setores estratégicos da economia. Adicionalmente, o Parecer AGU nº LA-01 ressalta que a Constituição Federal faz
2 “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XXIV – a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição.”
3 “Art. 1º Consideram-se capitais estrangeiros, para os efeitos desta lei, os bens, máquinas e equipamentos, entrados no Brasil sem dispêndio inicial de divisas, destinados à produção de bens ou serviços, bem como os recursos financeiros ou monetários, introduzidos no país, para aplicação em atividades econômicas desde que, em ambas as hipóteses, pertençam a pessoas físicas ou jurídicas residentes, domiciliadas ou com sede no exterior.”
Art. 172. A lei disciplinará, com base no interesse nacional, os investimentos de capital estrangeiro, incentivará os reinvestimentos e regulará a remessa de lucros.
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II – garantir o desenvolvimento nacional.
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restrições aos estrangeiros em diversos pontos, o que, segundo a AGU, demonstraria a possibilidade da mitigação de tal direito.
I.7 Compatibilidade do § 1º do artigo 1º da Lei nº 5.709/1971 com a CF/1988 Lei nº 5.709/1971 Art. 1º O estrangeiro residente no País e a pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil só poderão adquirir imóvel rural na forma prevista nesta lei.
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§ 1º Fica, todavia, sujeita ao regime estabelecido por esta lei a pessoa jurídica brasileira da qual participem, a qualquer título, pessoas estrangeiras, físicas ou jurídicas que tenham a maioria do seu capital social e residam ou tenham sede no exterior.
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O Parecer AGU nº LA-01 aponta que a Constituição Federal permite a regulamentação, por lei ordinária, de determinados assuntos, citando como exemplo a matéria tratada na Lei nº 8.629/1993, que dispõe sobre a reforma agrária. Nesse sentido, argumenta que a Lei nº 8.629/1993 determina que o estrangeiro somente possa arrendar imóvel na zona rural nos termos da Lei nº 5.709/1971 e que compete ao Congresso Nacional autorizar a aquisição ou o arrendamento de área rural a estrangeiros, nos termos da Lei nº 5.709/1971. Dessa forma, o Parecer AGU nº LA-01 conclui que, uma vez que a Lei nº 8.629/1993 faz menção expressa à Lei nº 5.709/1971 e a primeira é posterior à CF/1988, ficaria demonstrado que a Lei nº 5.709/1971 foi recepcionada pela CF/1988 e que, caso houvesse qualquer restrição à sua constitucionalidade, tal restrição teria sido declarada pelo Congresso Nacional no momento em que a Lei nº 8.629/1993 entrou em vigor.
I.8 Emenda Constitucional nº 6 O argumento seguinte do Parecer AGU nº LA-01 é com relação à Emenda Constitucional nº 6, a qual revogou o art. 171 da CF/1988, suprimindo a diferenciação expressa na Constituição
Federal entre a empresa brasileira e a empresa brasileira de capital nacional, passando, assim, a ser considerada como uma empresa brasileira aquela que tenha sido constituída sob as leis do Brasil. Entretanto, segundo afirmação da AGU, a revogação de tal dispositivo constitucional não impede o legislador de estabelecer restrições aos estrangeiros em leis ordinárias, tendo em vista os demais dispositivos da Constituição Federal que estabelecem diferenciações entre brasileiros e estrangeiros; em especial, são citados o art. 172, o inciso I do art. 170, o art. 190, o art. 1º, inciso I, o art. 3º, inciso II, o art. 4º, inciso I e o caput do art. 5º. Com base em tais premissas, afirma o Parecer AGU nº LA-01 que a “restrição à aquisição e ao arrendamento de terras rurais por pessoas jurídicas brasileiras controladas por estrangeiros não residentes ou pessoas jurídicas não sediadas no país decorre do que dispõe a análise sistêmica do texto constitucional”.
I.9 Interpretação do § 1º do artigo 1º da Lei nº 5.709/1971 Art. 1º O estrangeiro residente no País e a pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil só poderão adquirir imóvel rural na forma prevista nesta lei. § 1º Fica, todavia, sujeita ao regime estabelecido por esta lei a pessoa jurídica brasileira da qual participem, a qualquer título, pessoas estrangeiras físicas ou jurídicas que tenham a maioria do seu capital social e residam ou tenham sede no exterior.
O § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709/1971 equipara a empresa estrangeira às empresas brasileiras cujo capital social seja detido por estrangeiros que residam no exterior ou pessoa jurídica com sede no exterior. O caput do artigo faz menção à restrição de aquisição e arrendamento de terras rurais, não se aplicando tal restrição aos imóveis urbanos.
I.10 Conclusões do Parecer AGU nº LA-01 O Parecer AGU nº LA-01 conclui, com base nos argumentos acima apresentados, que a propriedade rural é essencial para a sobrevivência humana e que a aquisição de terras por estrangeiros leva à desnacionalização de importantes riquezas brasileiras. Assim, a AGU argumenta que, em razão de tais premissas, a Constituição Federal prevê regras que restringem a venda de terras rurais a estrangeiros. O argumento continua no sentido de demonstrar que os limites impostos por lei ao estrangeiro não ultrapassam a medida necessária para garantir a soberania, a independência e o desenvolvimento nacionais. Também são citados pelo Parecer AGU nº LA-01 exemplos de restrições nos Estados Unidos e México, sendo que, no Estado do Missouri, nos Estados Unidos, há imposição legal para que, caso estrangeiros venham a ser proprietários de terras rurais, tais terras devam ser negociadas com nacionais em até 2 anos, sob pena de irem a leilão público. Adicionalmente, há a preocupação da AGU em não gerar insegurança jurídica para os negócios em razão da nova interpretação quanto à aquisição e arrendamento de terras por estrangeiro. A justificativa apresentada no parecer é com base na mutação constitucional em razão de acontecimentos concretos que ocorrem hodiernamente, não somente em razão de
alterações no texto da lei, sendo citados como exemplos desses acontecimentos: (i) a supervalorização de terras rurais; (ii) o desenvolvimento de geração de energia (fontes renováveis); (iii) a crise alimentar; (iv) a valorização das commodities brasileiras; e (v) a riqueza mineral do solo brasileiro. Assim, a interpretação anterior da AGU acerca da Lei nº 5.709/1971 foi considerada vazia no que tange ao atendimento aos princípios da soberania nacional, independência nacional e interesse nacional, pois desconsiderava as restrições genéricas que sempre estiveram presentes no texto constitucional. Dessa forma, concluiu-se no parecer que: (i) o § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709/1971 foi recepcionado pela CF/1988; (ii) para haver a equiparação da pessoa jurídica brasileira com estrangeiro deve haver participação que assegure ao estrangeiro o poder de condução dos negócios, a qual pode ser a título direto ou indireto, afirmando-se que deve sempre se tratar de um não residente; (iii) houve a revogação do Parecer AGU nº GO-181, de 1998, e do Parecer AGU nº GQ-22, de 1994; e (iv) os efeitos do Parecer AGU nº LA-01 devem ser produzidos a partir de sua publicação do Diário Oficial da União4.
II – LEI Nº 5.709/1971 – AQUISIÇÃO DE IMÓVEL RURAL POR ESTRANGEIRO A Lei nº 5.709, de 7 de outubro de 1971, determina que a aquisição de imóvel rural por estrangeiro deve seguir as seguintes imposições: a) não exceder 50 módulos de exploração indefinida, em área contínua ou descontínua (limite que pode ser aumentado por decisão do Presidente da República); 4 Publicação ocorrida em 23.08.2010, seção 1, p. 1.
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Da interpretação de tal artigo, o Parecer AGU nº LA-01 extrai três restrições para a aquisição de imóveis rurais por estrangeiros, que devem ocorrer concomitantemente, quais sejam: (i) a participação do estrangeiro a qualquer título no capital social da empresa, ou seja, a participação pode ser tanto direta quanto indireta; (ii) a participação do estrangeiro no capital social deve ser de tal forma que assegure o comando das decisões da empresa; e (iii) o estrangeiro que possua participação nos termos dos itens (i) e (ii) deve ser não residente.
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b) a soma das áreas rurais pertencentes a estrangeiros não pode ultrapassar 1/4 da superfície dos Municípios em que estejam situados;
III – DECRETO Nº 74.965/1974 – REGULAMENTA A LEI Nº 5.709/1971
c) as pessoas de mesma nacionalidade não podem ser proprietárias, em cada Município, de mais de 40% do limite descrito no item (ii) acima (salvo se forem de antes de 10.03.1969 ou se o estrangeiro tiver filho brasileiro ou cônjuge brasileiro em regime de comunhão de bens);
Outro dispositivo legal que trata do tema, além das disposições já previstas na Lei nº 5.709/1971, é o Decreto nº 74.965/1974, o qual determina que o estrangeiro que pretenda adquirir terras rurais no Brasil deverá obter autorização do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), formulando requerimento que contenha as seguintes declarações:
d) em caso de loteamentos rurais feitos por empresas particulares de colonização, fica assegurado aos brasileiros o mínimo de 30% da área; e) para aquisição por pessoas jurídicas estrangeiras, o imóvel deve ser destinado à implantação de projetos agrícolas, pecuários, industriais ou de colonização, sempre vinculados ao objeto social da empresa; f) imóvel situado em área considerada de segurança nacional deve ter autorização prévia da Secretaria Geral do Conselho de Segurança Nacional; e
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g) deve ser feito cadastro especial nos cartórios de registro de imóveis, em livro auxiliar, que deve conter a transcrição da autorização do órgão competente, quando aplicável.
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A referida lei determina que os cartórios de registro de imóveis remetam à Corregedoria de Justiça dos Estados a relação de aquisições e arrendamentos de terras rurais efetuados por estrangeiros. Há ainda dispositivo na Lei nº 5.709/1971 que dispõe que, caso seja feita uma aquisição ou arrendamento de imóvel de forma a violar os termos da Lei nº 5.709/1971, tal aquisição ou arrendamento será considerado nulo, e o tabelião que lavrar a escritura e/ou o oficial de registro que a transcrever responderão civilmente pelos danos que causarem aos contratantes, sem prejuízo da responsabilidade criminal por prevaricação ou falsidade ideológica.
a) indicação de imóveis rurais de sua propriedade, caso já possua; b) que a nova aquisição não ultrapassa 50 (cinquenta) módulos de exploração indefinida, em área contínua ou descontínua; c) informação quanto à destinação do imóvel, com projeto de exploração, caso a área seja superior a 20 (vinte) módulos; e d) documentos que demonstrem a residência do interessado no território nacional, a área total do Município, a soma das áreas rurais em nome de estrangeiros de mesma nacionalidade no Município, e se o estrangeiro possui filho ou cônjuge brasileiro em regime de comunhão de bens. O decreto determina que o tabelião deverá lavrar a escritura apenas após a concessão da autorização do Incra, sendo que tal autorização é válida apenas pelo prazo de 30 (trinta) dias – e a escritura deve ser lavrada dentro deste prazo. É, também, mencionado, no art. 20 do mencionado decreto, que as normas de aquisição de imóveis rurais por estrangeiros aplicam-se em quaisquer casos, inclusive fusão, incorporação, alteração de controle societário ou transformação da sociedade.
O Estatuto do Estrangeiro, Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980, que define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil, não possui disposição expressa sobre a aquisição ou arrendamento de imóveis rurais por estrangeiros. Destaca-se apenas que, nos arts. 65 e seguintes do Estatuto do Estrangeiro, que tratam das hipóteses de expulsão de estrangeiro do território brasileiro, está previsto que é passível de expulsão estrangeiro que desrespeitar proibição especialmente prevista em lei para estrangeiro, devendo haver condenação para que o estrangeiro seja expulso do país. Em caso de infração contra a segurança nacional, a ordem política ou social e a economia popular, o inquérito não deverá ultrapassar 15 dias. Os arts. 76 e seguintes da referida lei tratam da extradição de estrangeiro, a qual pode ocorrer em caso de crime cometido ou leis penais aplicáveis e em caso de existir sentença final condenatória de privação de liberdade, ou estar a prisão do extraditando autorizada por juiz, Tribunal ou autoridade competente do Estado requerente. Ambos os casos, expulsão e extradição, se referem a pessoas físicas e dependem da instauração de processo que resulte na condenação do estrangeiro.
V – REGIMENTO INTERNO DO INCRA O Regimento Interno do Incra determina como atividades principais atribuídas ao Incra pela Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964 (Estatuto da Terra), e por legislação complementar, a função do Incra de controlar a aquisição e o arrendamento de imóveis rurais por estrangeiros, possuindo uma Divisão de Fiscalização e de Controle de Aquisições por Estrangeiros (DFC-2), cujas atribuições são definidas pelo art. 71 do Regi-
mento Interno do Incra, o que inclui a orientação, supervisão, controle, fixação de critérios, métodos e normas para fiscalização de imóveis rurais.
VI – CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por meio da Corregedoria Nacional de Justiça, em razão das atribuições que lhe foram concedidas pela Emenda Constitucional nº 61, de 11.11.2009 (art. 103-B, § 4º, inciso III e § 5º, incisos I e II, da Constituição Federal), possui poderes administrativos para orientar e controlar a execução dos serviços extrajudiciais (notariais e de registro) que atuem por delegação do Poder Público. Em razão de suas atribuições e dos argumentos apresentados pelo Parecer AGU nº LA-01, o CNJ determinou, por meio de despacho proferido em razão do pedido de providências nº 0002981-80.2010.2.00.0000, requerido pelo Ministério Público Federal, que os cartórios de registro de imóveis e tabelionatos de nota (i) passassem a observar rigorosamente as disposições da Lei nº 5.709/1971, tanto no momento em que lhe sejam apresentados atos, como no momento em que tiverem que lavrar atos de aquisição ou arrendamento de terras rurais por empresas brasileiras com participação majoritária de estrangeiros, e (ii) enviassem relação das aquisições já cadastradas anteriormente na forma da lei.
VII – CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Em parecer aprovado pelo Corregedor-Geral de Justiça do Estado de São Paulo e publicado no DJe de 16.09.2010, a Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo determinou que os tabeliães e oficias de registro passassem a aplicar o disposto da Lei nº 5.709/1971 aos casos de empresas brasileiras
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IV – ESTATUTO DO ESTRANGEIRO
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com participação majoritária estrangeira que venham a adquirir ou arrendar imóveis rurais no território brasileiro, em razão da emissão do Parecer AGU nº LA-01 com novo entendimento. Destaca-se que, entre as atividades da Corregedoria, está previsto o exercício da função normativa, o que atribui caráter vinculativo às suas decisões, as quais devem ser cumpridas pelos cartórios de registro de imóveis e tabelionatos de notas.
VIII – CONCLUSÃO E PONTOS DE QUESTIONAMENTO
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Uma vez publicado e sancionado o Parecer AGU nº LA-01 e tendo em vista a determinação do CNJ, em razão da força vinculativa de tais atos, os órgãos, quando devidamente notificados, deverão seguir e adotar as medidas administrativas e formais da Lei nº 5.709/1971, com suas obrigações e limitações, sempre que se tratar de aquisição ou arrendamento de imóvel rural por empresa brasileira cujo capital seja controlado direta ou indiretamente por estrangeiros não residentes.
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As determinações do Parecer AGU nº LA-01 do CNJ entram em vigor na data em que foram publicadas e que o parecer da Corregedoria-Geral de Justiça do Estado de São Paulo tem caráter normativo que vincula diretamente os cartórios e tabelionatos de notas do estado, que devem passar a cumprir suas imposições. Dessa forma, os cartórios de registro de imóveis e os tabelionatos de notas devem observar os requisitos da Lei nº 5.709/1971 no momento em que lhe forem apresentados atos ou no momento em que tiverem que lavrar atos de aquisição de terras rurais por empresa brasileira cujo capital seja controlado por
estrangeiro, o que, de certa forma, acaba vinculando também os atos passados que ainda não cumpriram todas as formalidades de registro, uma vez que, em cumprimento às imposições do CNJ e Corregedoria-Geral de Justiça, os cartorários e tabeliães deverão observar as exigências da Lei nº 5.709/1971 também no momento em que for lavrado o ato de aquisição ou arrendamento. Alguns pontos do Parecer AGU nº LA-01 podem ser questionados, sobretudo, em razão da alteração dos entendimentos da AGU, sem que houvesse qualquer alteração nas normas constitucionais e com relação ao direito adquirido daqueles que praticaram atos anteriormente à publicação do parecer, ainda que não tivessem cumprido todas as formalidades de registro. Entretanto, caso haja discussão com relação ao Parecer AGU nº LA-01, tais argumentos deverão ser apresentados em processos judiciais ou administrativos e dependerão da interpretação e entendimento das autoridades sobre o assunto. Finalmente, quando da finalização do presente artigo, os Jornais Valor Econômico e o Estado de S.Paulo, em suas edições de 16 e 17 de março, noticiaram a edição de ofícios, por parte da Advocacia-Geral da União, ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, que deve repassar a ordem às juntas comerciais, para que estas não efetuem o registro de operações de mudança do controle acionário de empresas proprietárias de áreas rurais envolvendo estrangeiros e para que auxiliem os cartórios de registros de imóveis na identificação da participação de capital estrangeiro nas empresas que adquiram terras rurais, bem como ofício à Comissão de Valores Mobiliários, órgão encarregado da fiscalização das companhias abertas, para restringir a aquisição de ações, por empresas estrangeiras, de companhias nacionais listadas na bolsa, que detenham terras rurais.
Doutrina
Legalização da Venda de Animais Silvestres: um Remédio para o Tráfico de Fauna? CAROLINA BRANDT GUALDI
Especialista em Direito Ambiental pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS (2012), Graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS (2008).
fazendo-se iminente a revisão dos aspectos que permeiam o comércio e a posse de animais silvestres. PALAVRAS-CHAVE: Animais silvestres; tráfico de animais silvestres; animais de estimação. SUMÁRIO: Introdução; O enredo: tráfico de animais; A Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies de Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção (Cites); O Brasil frente ao tráfico de animais: aspectos legais envolvidos; Captura de animais; Introdução de espécies invasoras; Maus-tratos; Outras esferas do debate – Uma breve discussão; Conclusão; Referências.
INTRODUÇÃO RESUMO: O tráfico de animais silvestres é uma das grandes ameaças à perpetuação das espécies, sendo motivado, principalmente, pelo ascendente mercado de animais de estimação. Entre as consequências desse tipo de tráfico encontram-se a transmissão de zoonoses, introdução de espécies invasoras, declínio populacional, impactos econômicos, recrutamento da população para a atividade ilícita, entre inúmeras outras de cunho ecológico, econômico e social. Com base no desenvolvimento sustentável, as principais ferramentas de contenção baseiam-se na regulamentação do comércio, a exemplo da Convenção sobre Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção (CITES) e das normativas e portarias do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Entretanto, até que ponto a legalização do comércio de animais silvestres é um remédio para tal problemática? O presente trabalho objetiva analisar as consequências da posse de animais silvestres como animais de estimação, de modo a instigar a realização de novos estudos que possibilitem a construção de um real embasamento para a tomada de decisão. Os aspectos discutidos remetem à conclusão de que a legalização, na verdade, tem trazido inúmeros problemas à sociedade e ao meio ambiente,
O tráfico de animais silvestres, uma das principais causas da perda de biodiversidade e da extinção de espécies1, é mantido especialmente pelo fascínio que as pessoas têm por animais de estimação2, aliado ao momento em que a sociedade se encontra 1 BRASIL. Congresso Nacional. Câmara dos Deputados. Relatório Final da Comissão Parlamentar de Inquérito Destinada a Investigar o Tráfico de Animais e Plantas Silvestres Brasileiros, a Exploração e Comércio Ilegal de Madeira e a Biopirataria no País – CPIBIOPI. Brasília/DF, 2006. 502 p. Disponível em: <http://http://www.camara.gov.br/internet/comissao/index/cpi/Rel_Fin_CPI_ Biopirataria.pdf>. Acesso em: 19 abr. 2012. p. 381. Também: Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres. Vida Silvestre: o estreito limiar entre preservação e destruição – Diagnóstico do tráfico de animais silvestres na Mata Atlântica – Corredores Central e Serra do Mar. 1. ed. Brasília, 2007. p. 12. 199 p. 2 LIMA, R. O tráfico de animais silvestres. In: Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres. Vida silvestre: o estreito limiar entre preser-
de extrema valorização ao consumo. Essa atividade envolve a aquisição, o transporte e a distribuição ilícita de animais e de suas partes ou derivados, violando as leis nacionais e estrangeiras e os tratados firmados3, sendo caracterizado como um crime transnacional, com consequências que ultrapassam os limites territoriais das nações4. Acredita-se que os fatores que têm levado ao incremento da atividade ilícita em questão sejam, entre outros: sua fusão com o narcotráfico, utilizando as mesmas rotas, técnicas e pessoas5; penalidades brandas aos envolvidos6; crescimento do comércio internacional e expansão dos meios de transporte sem o acompanhamento de um aumento dos equipamentos e técnicas de fiscalização e controle7; globalização e facilidades oferecidas
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vação e destruição – Diagnóstico do Tráfico de Animais Silvestres na Mata Atlântica – Corredores Central e Serra do Mar. 1. ed. Brasília, 2007. p. 44-49, p. 47. 199 p. WYLER, L. S.; SHEIKH, P. A. International illegal trade in wildlife: threats and U.S. Policy. Washington: Congressional Research Service, 2008. p. 1. 49 p. ELLIOTT, L. Combating transnational environmental crime: “joined up” thinking about transnational networks. In: KANGASPUNTA, K.; MARSHAL, I. H. (Ed.). Eco-crime and justice: essays on environmental crime. Turin: Unicri, 2009. p. 55-78, p. 59. Ver também: BRASIL. Gabinete de Segurança Institucional. Secretaria de Acompanhamento e Estudos Institucionais. Seminário Faixa de Fronteira: Novos Paradigmas. Brasília, 2004. p. 85. ZIMMERMAN, M. E. The black market for wildlife: combating transnational organized crime in the illegal wildlife trade. Vanderbilt Journal of Transnational Law, v. 36, n. 5, p. 1657-1689, 2003, p. 1671. Também: HERNANDEZ, E. F. T. Das redes e do tráfico de animais. Geografia, Londrina, v. 11, n. 2, p. 271-281, jul./dez. 2002, p. 277. Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres. 1º Relatório Nacional sobre o Tráfico de Fauna Silvestre. Brasília, 2001. 108 p. Disponível em: <http://www.renctas.org.br/pt/trafico/rel_renctas.asp>. Acesso em: 20 jun. 2011, p. 16. Também: HERNANDEZ, 2002. p. 278. WYLER; SHEIKH, 2008, p. 6. Ainda: Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres, 2001, p. 16. Também: HERNANDEZ, 2002, p. 278-280.
pelos meios de comunicação8; situação de extrema pobreza de grande parte da população9; alto valor dos espécimes, produtos e subprodutos no mercado nacional e internacional10. Por ser um país megadiverso, desde o seu descobrimento, o Brasil é alvo de cobiça e vem sendo saqueado em seus recursos naturais através do extrativismo, desmatamento e captura da fauna nativa para o abastecimento do comércio de animais silvestres, satisfação de colecionadores, ostentação, entre outros caprichos11. É evidente que tal exploração envolveu práticas cruéis de caça indiscriminada, abate, coleta, péssimas condições de cativeiro e transporte, o que, infelizmente, não é de se espantar que ocorresse (naquela época), visto a forma como se tratavam os “outros escravos”, os humanos12. Ambos eram tratados de forma animalesca pelo animal humano considerado
8 HERNANDEZ, 2002, p. 274. 9 Ibidem, p. 275. Também: Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres, 2001, p. 28. 10 HERNANDEZ, 2002, p. 277. Ver também: Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres, 2001, passim. 11 Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres, 2001, p. 12 e ss. Também: HERNANDEZ, 2002, p. 271-272. Ainda: SAAB, J. J. Tráfico ilícito de animais silvestres: a resposta penal segundo a Lei nº 9.605/1998. Revista Ciências Humanas, Taubaté, v. 12, n. 1, p. 61-66, jan./jun. 2006, p. 61-62; CALHAU, L. B. Da necessidade de um tipo penal específico para o tráfico de animais: razoabilidade da política criminal em defesa da fauna. [S.I.: s.n.], [2004?]. 8 p. Disponível em: <http://www.mma.gov. br/port/conama/processos/0B175B00/LelioPenalTrafAnim.pdf>. Acesso em: 16 jun. 2011, p. 2. 12 Como expõe Santana: “Decerto que, no decorrer da história, escravos e animais foram submetidos a violências muito semelhantes, mas, salvo entre alguns povos primitivos, o homem ocidental não costuma se alimentar da carne dos seus prisioneiros” (SANTANA, H. J. Abolicionismo animal. Salvador: Instituto de Abolicionismo Animal, [200-]. Disponível em: <http://www.abolicionismoanimal.org.br/artigos/abolicionismoanimal.pdf>. Acesso em 24 abr. 2012. Paginação irregular).
Atualmente, a criação e a manutenção de animais silvestres em cativeiro para fins científicos, comerciais, educacionais e conservacionistas são regidas no Brasil por meio de uma série de regulamentos, principalmente portarias e instruções normativas do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que conduzem tais atividades de acordo com as leis brasileiras de proteção à fauna. De acordo com o Diagnóstico de Tráfico de Animais Silvestres na Mata Atlântica – Corredores Central e Serra do Mar: [...] a liberação quase indiscriminada das espécies passíveis de serem criadas para fins comerciais foi largamente justificada pelo Ibama, como forma de “conter o comércio ilegal de animais silvestres”. No entanto, apesar do modismo que leva à expansão do comércio especializado e que usa como propaganda a “legalidade” dos animais, os elevados números das apreensões apontam para a intensificação do tráfico.15
Essa alternativa, a criação de animais silvestres em cativeiro, é vista como uma forma de diminuir a captura e o comércio ilegal da fauna silvestre brasileira, pois, havendo alternativas economicamente viáveis, o consumo predatório dos recursos naturais reduziria, auxiliando na conservação do meio ambiente16. 13 SANTANA, [200-], paginação irregular. 14 HOGEMANN, E. R. R. S. A ambiguidade da noção de pessoa humana e o debate bioético contemporâneo. In: Encontro Nacional do Conpedi, XIX, 2010, Fortaleza. Anais eletrônicos... 2010. Disponível em: <http://www. conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/fortaleza/3023.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2012, p. 557-578, p. 565. 15 Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres, 2007, p. 128. 16 Ver, por exemplo: ANTUNES, D. A. A importância do comércio legal frente ao comércio ilegal de animais silvestres. In: Zootec 2004, Anais eletrônicos... Brasília, 2004. Disponível em: <http://www.abz.org.br/
Nessa linha de pensamento, uma vez que existe demanda por um mercado de animais silvestres, estes deverão proceder de criatórios com tal finalidade, partindo-se do pressuposto que isso evitaria a retirada de espécimes do meio ambiente, promovendo a manutenção dos processos ecológicos e da biodiversidade17. Todavia, não podemos esquecer o ambiente em que tal situação hipotética está inserida: uma sociedade capitalista, consumista e imediatista. Restringindo a discussão somente ao comércio de animais de estimação, que, por sinal, é a modalidade que mais incentiva o tráfico de animais silvestres18, são inúmeras as consequências que a manutenção de animais silvestres em domicílios tem trazido para o meio ambiente e, evidentemente, para a sociedade. Focando na questão da saúde pública, por exemplo, as infecções zoonóticas representam cerca de 61% das doenças humanas e compõem 75% das doenças emergentes19. No caso da relação com animais de companhia, o risco de transmissão é elevado, pois existe um alto grau de proximidade com o animal que, muitas vezes, não é aliado ao conhecimento necessário20. publicacoes-tecnicas/anais-zootec/palestras/23116-importncia-comrcio-legal-frente-comrcio-ilegal-animais-silvestres.html>. Acesso em: 26 jan. 2012, p. 11. Também: ANTONIALLI, L. M.; SOUKI, G. Q.; TEIXEIRA, T. H. Estratégias para a criação comercial de aves silvestres: o caso de uma empresa autorizada pelo Ibama. In: Congresso da Sociedade Brasileira de Economia Rural (Sober), XLII, 2004, Cuiabá. Anais eletrônicos... Cuiabá, 2004. Disponível em: <http://www.sober.org.br/palestra/12/08O382.pdf>. Acesso em: 02 fev. 2012, p. 9 e 13. 17 ANTUNES, 2004, p. 6-7 e 11. 18 LIMA, R., 2007, p. 47. 19 TAYLOR, L. H.; LATHAM, S. M.; WOOLHOUSE, M. E. J. Risck factors for human disease emergence. Phil. Trans. R. Soc. Lond. B, v. 356, p. 983-989, 2001, p. 985-986. 20 PICKERING, L. K. et al. Exposure to nontraditional pets at home and to animals in public settings: risks to children. Pediatrics, v. 122, n. 4, p. 876-886, 2008, p. 877-878. Ainda: LIMA, R., 2007, p. 48.
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racional, vítimas de violência e demandas alheias13, ambos eram seres irracionais com o propósito de servir aos seres racionais14. Com o passar dos anos, parte desse pensamento mudou, mas infelizmente suas raízes ainda permanecem na sociedade.
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Além disso, a posse de animais de estimação (domésticos e silvestres) oferece riscos ao ambiente em função da soltura indiscriminada e da compra de animais sem origem conhecida, o que pode levar à introdução de zoonoses ao ambiente21. Pela falta de conhecimento ou responsabilidade no momento da aquisição de um animal de estimação, alguns proprietários decidem não permanecer mais com ele22. A parcela desses animais que é encaminhada para órgãos ambientais, tomando o mesmo rumo dos animais apreendidos do tráfico de fauna silvestre (Centros de Triagem ou Manejo de Animais Silvestres, principalmente)23, ainda gera um novo problema: que destino dar a tais espécimes?24
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Apesar disso, o mercado de animais de estimação cresce a cada ano no País25, intensificando as problemáticas descritas. Entre as principais motivações para aquisição de um animal de estimação estão: a companhia proporcionada por ele, a alegria que sua presença nos traz, a aprendizagem de valores como a responsabilidade, a necessidade de mais segurança, o inegável valor estético26, além da promoção de bem-estar e maior
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21 PICKERING et al., 2008, p. 877. Ver também: Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres, 2007, p. 193. 22 PICKERING et al., 2008, p. 877. 23 Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres, 2007, p. 153 24 Ibidem, p. 138. 25 BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Reunião Ordinária da Câmara Setorial da Cadeia Produtiva de Animais de Estimação, 1ª, 2012, Brasília. Ata de reunião. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, 2012. Disponível em: <http://www.agricultura.gov.br/ arq_editor/file/Alimenta%C3%A7%C3%A3o%20Animal/1RO/Ata_pet.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2013, p. 2. 26 GUALDI, C. B. Vidas de estimação: a fauna mantida nos lares de Porto Alegre... 2008. 41 f. Trabalho de Conclusão de Curso. (Graduação em Ciências Biológicas) – Instituto de Biociências, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2008. p. 31-32.
longevidade que a relação com outros animais nos propicia27. Porém, animais domésticos, como cães e gatos, há tantos anos domesticados e que, ainda assim, muitas vezes continuam sofrendo com a dificuldade humana de relacionamento intra e interespecífica (maus-tratos, abandono, etc.) já não cumprem esse papel perfeitamente? Frente ao exposto, fica a dúvida: a legalização da venda de animais silvestres como animais de estimação é um remédio efetivo para o tráfico de fauna? O objetivo deste trabalho consiste em analisar as consequências resultantes da posse de animais silvestres como animais de estimação, ao mesmo tempo em que se estabelece um paralelo com as normativas existentes. Sendo assim, não há pretensão de esgotar tão amplo e complexo tema. Pelo contrário, reflete o anseio de que novas pesquisas sejam feitas acerca do assunto, visto a relevância e urgência de sua discussão, bem como provocar a reflexão do leitor sobre as políticas públicas implementadas que declaram buscar a solução para problemas que atingem a tudo e a todos, mas que não tem recebido a merecida atenção e questionamento.
O ENREDO: TRÁFICO DE ANIMAIS O tráfico de animais silvestres é caracterizado por envolver o comércio e o contrabando de plantas, animais, recursos naturais e poluentes, violando leis e/ou acordos ambientais multilaterais28. Pertencente à preocupante categoria dos crimes ambientais transnacionais, trata-se de um importante fator de ameaça ao meio ambiente e um tópico que merece prioridade em programas e políticas internacionais29. Além de impactos ambientais, 27 WELLS, D. L. The effects of animals on human health and well-being. Journal of Social Issues, v. 65, n. 3, p. 523-543, 2009, p. 525-526. 28 Ibidem, p. 59. 29 ELLIOTT, 2009, p. 59.
Na área criminal, o crime ambiental transnacional envolvendo animais silvestres é uma das áreas que vem crescendo mais rapidamente, abarcando quantias entre 7,8-10 bilhões de dólares por ano, valor superado somente pelo mercado de drogas, de produtos falsificados, de seres humanos e de petróleo32. A atividade abrange formas oportunistas e informais, mas, de um modo geral, é altamente organizada e bem financiada, movimentando diariamente uma grande quantidade de mercadorias distribuídas entre contrabandistas que agem individualmente por meio de formas comuns de ocultação, até grupos organizados envolvendo grandes remessas33. A motivação para o tráfico de “produtos” do meio ambiente é evidente: lucros altos e baixos
30 No âmbito nacional, o Relatório Final da Comissão Parlamentar de Inquérito para Investigar o Tráfico Ilegal de Animais e Plantas Silvestres da Fauna e da Flora Brasileira (CPITRAFI) destacou a necessidade de o Ibama intensificar ações internas visando ao combate à corrupção e ao envolvimento de seus servidores em irregularidades (BRASIL. Congresso Nacional. Câmara dos Deputados. Relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito para Investigar o Tráfico Ilegal de Animais e Plantas Silvestres da Fauna e da Flora Brasileira – CPITRAFI. Brasília/DF, 2003a. 154 p. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/atividade-legislativa/comissoes/ comissoes-temporarias/parlamentar-de-inquerito/51-legislatura/cpitrafi/ relatorio/relatoriofinal.pdf>. Acesso em: 15 abr. 2012, p. 65). 31 ELLIOTT, 2009, p. 59-60. Ver também: WYLER; SHEIKH, 2008, p. 17-22. 32 HAKEN, J. Transnational crime in developing world. Washington: Global Financial Integrity, 2011. p. 11 e 56. 33 ELLIOTT, 2009, p. 65.
riscos34. Além de serem poucos os recursos voltados para o seu combate, a aplicação da lei deixa a desejar e os agentes são pouco atentos e interessados em crimes ambientais, bem como pobremente treinados para reconhecer tais produtos ilícitos35. A estrutura do mercado que sustenta os crimes ambientais transnacionais em grande escala possui a forma de rede36. Este arcabouço tem como característica sua flexibilidade e dinamicidade; associando-se a outras atividades, substituindo integrantes, movendo-se para locais mais favoráveis, numa constante alteração37. O fato de possuírem diversos nós, dispersos e frouxamente ligados, favorece a atividade, tornando difícil sua detecção pelas autoridades38. A dificuldade é intensificada pelo uso de rotas complexas que possibilitam a “lavagem dos produtos”, o que inclui, até mesmo, a obtenção de documentação falsificada39. A rede também conta com a cooperação de agentes e oficiais do governo, e outros personagens que contribuem com serviços de dentro da economia lícita e ilícita40. Nesse sentido, cabe citar o fenômeno da globalização. Ela trouxe vantagens para os empreendimentos de modo geral, inclusive os criminosos, aumentando a frequência e o volume de transferên-
34 Ibidem, p. 66. 35 Ibidem, p. 66. 36 Ibidem, p. 68-69. No mesmo sentido: HERNANDEZ, 2002, p. 274-275. 37 HERNANDEZ, E. F. T.; CARVALHO, M. S. O tráfico de animais silvestres no estado do Paraná. Acta Scientiarum Human and Social Sciences, v. 28, n. 2, p. 257-266, 2006, p. 258. 38 SANGIOVANNI, M. E. Transnational networks and new security threats. Cambridge Review of International Affairs, v. 18, n. 1, p. 7-13, 2005, p. 9. 39 ELLIOTT, 2009, p. 69. 40 HERNANDEZ; CARVALHO, 2006, p. 258. Também: ANDREAS, P. Ilicit international political economy: the clandestine side of globalization. Review of International Political Economy, v. 11, n. 3, p. 641-652, aug. 2004, p. 644.
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o crime ambiental transnacional caracteriza-se pela crescente participação de grupos criminosos organizados (terroristas, traficantes de armas, de drogas, entre outros) que desafiam a autoridade e a segurança das nações, comprometem sua estrutura por meio de corrupção30 e, assim, geram capital para a manutenção de outras práticas criminosas, além de questões sociais e econômicas envolvidas e resultantes da atividade31.
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cias de mercadorias, aumentando a dificuldade de fiscalização, facilitando o contato entre as pessoas, e até facilitando a “lavagem” de lucros41. Além das facilidades de transporte a preços acessíveis para as mais variadas localidades, atualmente temos a disposição uma poderosa ferramenta: a Internet. É claro que tal ferramenta também foi inserida no mundo do crime, trazendo o desafio de se combater criminosos de todo o mundo que têm a vantagem do anonimato e da rapidez na troca de informações ao seu lado42. Tal realidade é vivenciada tanto em transações particulares quanto em grandes empresas de comércio eletrônico, como o eBay e, localmente, o Mercado Livre43. A variedade de produtos encontrada é assustadora: dos clássicos animais vivos, peças de marfim, peles e couros, a bizarros bancos feitos com patas de elefantes praticamente inteiras44.
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Frente a tal problemática, fez-se necessária uma atuação também globalizada. Utilizando como estratégia o aprimoramento da proteção ao meio ambiente e da conservação ambiental por meio de diretrizes de produção, utilização e comércio, foram firmados acordos ambientais multilaterais para combater os crimes ambientais transnacionais45. Entre estes se encontram, por exemplo, a Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção, aderida pelo Brasil em 1975, e a Convenção de Basileia sobre o Controle de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos, 41 ELLIOTT, 2009, p. 59. 42 No Relatório da CPITRAFI, foi enfatizada a problemática do uso da Internet para o comércio de animais (BRASIL, 2003a, p. 109). Sobre a questão, ver também: International Fund for Animal Welfare. Caught in the web: wildlife trade on the Internet. Londres, 2005. 41 p. Disponível em: <http://www. ifaw.org/sites/default/files/Report%202005%20Caught%20in%20the%20 web%20UK.pdf>. Acesso em: 19 abr. 2012, p. 1. 43 BRASIL, 2006, p. 377-379; International Fund for Animal Welfare, 2005, p. 6-7. 44 International Fund for Animal Welfare, 2005, p. 3. 45 ELLIOTT, 2009, p. 60.
ratificada pelo Brasil em 1993. Entretanto, como expõe Elliott, “é uma ironia que as consequências não intencionais dos regimes de regulação ou proibição estabelecidos por estes vários acordos tenha sido a criação de um mercado negro e o incentivo a atividade criminal”46.
A CONVENÇÃO SOBRE O COMÉRCIO INTERNACIONAL DAS ESPÉCIES DE FLORA E FAUNA SELVAGENS EM PERIGO DE EXTINÇÃO (CITES) Diante de um contexto de internacionalização dos problemas ambientais, percebeu-se a necessidade de regulamentar o comércio internacional da vida silvestre, o que impulsionou a negociação e a entrada em vigor, em 1975, da Convenção sobre Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção (Cites)47. Com a sua implementação, tem-se um instrumento que, além de regrar a comercialização, dessa forma reprimindo o tráfico, também a fomenta, possibilitando o dito desenvolvimento sustentável48. Focando no tráfico de animais, a Cites é principal ferramenta de controle no âmbito internacional. A Convenção regulamenta o comércio internacional, que inclui a exportação, reexporta46 Tradução nossa. No original: “It is something of an irony that the unintended consequences of the regulation or prohibition regimes established by these various agreements has been the creation of a black market and the incentives for criminal activity that goes with it” (Elliott, 2009, p. 60). 47 LIMA, G. G. B. A situação da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção – Cites – no Brasil: análise empírica. Prismas: Dir., Pol. Publ. e Mundial., Brasília, v. 4, n. 2, p. 97-113, jul./dez. 2007, p. 98. 48 SOLLUND, R. Expressions of speciesism: the effects of keeping companion animals on animal abuse, animal trafficking and species decline. Crime, Law and Social Change, v. 55, n. 5, p. 437-451, 2011, p. 446. Também: LIMA, G., 2007, p. 100.
49 BRASIL. Decreto nº 3.607, de 21 de setembro de 2000. Dispõe sobre a implementação da Convenção sobre Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção – Cites, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília/DF, 22 set. 2000, art. 2º. 50 Para meiores informações, vide: BRASIL, 2000, cap. II. 51 LIMA, G., 2007, p. 105. 52 BRASIL, 2000, arts. 3º e 5º.
A Convenção abrange cerca de 34.000 espécies de animais e plantas, sendo que, para 97% destas (Anexos II e III), o comércio internacional é comumente permitido desde que os espécimes tenham origem legalizada e a atividade não ameace a sobrevivência de outras espécies53. Já para os 3% restantes (Anexo I), o comércio internacional de silvestres capturados é, de modo geral, proibido54. Porém, cabe destacar que a Cites, por si só, não torna o comércio ilegal de animais silvestres um crime, nem instaura sanções penais aos infratores, dependendo da implementação da legislação dos Estados-membros e do seu compromisso em denunciar casos de violação à Secretaria da Cites55. O descumprimento pode resultar em advertência, notificação ou sanção comercial, como a instrução para que seja suspenso o comércio com membros que infringiram preceitos, mas as sanções comerciais têm alcance limitado, não sendo possível saber realmente em que medida seu cumprimento ocorre56. Analisando o texto da Convenção, percebem-se algumas contradições, profundamente abordadas por Martins, que revelam o caráter mercantilista de sua essência57. Como o autor destaca, 53 YEATER, M. Corruption and illegal wildlife trafficking. In: UNODC. Corruption, environment and the United Nations Convention against Corruption. Indonesia, 2012. p. 17-22. Disponível em: <http://www.unodc.org/documents/eastasiaandpacific/indonesia/publication/Corruption_Environment_and_the_UNCAC.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2012, p. 18. 54 Ibidem, p. 18. 55 WYLER; SHEIKH, 2008, p. 29. 56 Ibidem, p. 29. Também: REEVE, R. Wildlife trade, sanctions and compliance: lessons from the Cites regime. International Affairs, v. 82, n. 5, p. 881-897, 2006, p. 888-892. 57 MARTINS, T. S. A Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e Flora Selvagens em Perigo de Extinção (Cites) e sua implementação no Brasil: das expectativas de proteção à mercantilização da vida. 2007. 206 f. Dissertação (Mestrado em Direito), Centro de Ciências Jurídicas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2007. p. 67-76.
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ção, importação e introdução procedente do mar, de animais e plantas, vivos e mortos e suas partes e derivados, para que a atividade não ameace a sobrevivência e a conservação das espécies49. A regulamentação ocorre por meio de um sistema de vigilância conjunta que é compartilhado entre países de importação, de exportação e de reexportação de animais silvestres e seus produtos, através de licenças e certificados para o comércio de espécies em particular, as quais estão discriminadas em três anexos, de acordo com o seu estado de vulnerabilidade ao comércio e estado de conservação. Na prática, a Convenção estabelece que as espécies ameaçadas de extinção, que são, ou podem ser, afetadas pelo comércio internacional, somente poderão ser comercializadas em circunstâncias excepcionais (espécies do Anexo I); as espécies que, atualmente, não estão ameaçadas de extinção, mas podem se tornar em função do comércio internacional, terão a comercialização rigorosamente regulamentada (Anexo II); e espécies protegidas em pelo menos um País-membro contarão com a cooperação dos Países-membros para que a exploração seja impedida ou restrita (Anexo III)50. De acordo com os preceitos estabelecidos na Cites, as atividades comerciais que envolvam espécies compreendidas em seus anexos devem passar por um sistema de licenciamento para serem autorizadas, o que ocorre sob regulação dos órgãos administrativo e científico51. No Brasil, tanto a função de órgão administrativo quanto a de órgão científico cabe ao Ibama, atuando em parceria com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade e com o Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro no segundo caso52.
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tal característica pode ser percebida já em seu preâmbulo, por meio de expressões vagas, a exemplo de “certas espécies” e “excessiva exploração”, o que se repete ao longo do texto58. Assim, a falta de conceituações claras e delimitações precisas proporciona que diferentes interpretações sejam feitas de acordo com o interesse das partes59. Soma-se ao exposto o fato de que a composição do Anexo I não necessariamente esteja vinculada ao verdadeiro grau de ameaça das espécies, visto que há discrepâncias entre a Lista da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção e o Anexo da Cites60, e que, por meio do Decreto nº 3.607/2000 (art. 27), o governo brasileiro reservou-se ao direito de obstar a passagem de espécies do Anexo II para o Anexo I, podendo não aceitar recomendações expostas durante a Conferência das Partes (embasadas em estudos realizados por um Comitê de Fauna) de que determinada transferência ocorra61.
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Desse modo, na tentativa de conter o comércio internacional de espécies ameaçadas de extinção, ao invés de promover a proibição de tal atividade, a Cites acaba por encorajar o comércio de animais silvestres, além de levar os consumidores a pensarem que, pelo fato de o comércio de animais silvestres estar regulado, sua aquisição é uma atitude que se encontra dentro dos padrões éticos, sem perceberem toda a teia de fatores envolvidos62. Como destaca Martins: Constata-se, no entanto, que muitas das Convenções que marcaram o advento do Direito Internacional do Meio Ambiente não se mostram efetivas, e o principal motivo dessa inoperância está no fato de que a função não declarada de tais instrumentos não é a preservação das 58 MARTINS, 2007, p. 67-69. 59 Ibidem, p. 69. 60 Ibidem, p. 162-164 61 Ibidem, p. 185. 62 SOLLUND, 2011, p. 446-448.
espécies: seus textos revelam a lógica mercantilista segundo a qual a salvação de animais em perigo de extinção estaria, por exemplo, na mera regulamentação do comércio internacional.63
Assim, o comércio de animais em larga escala, principalmente sem as ferramentas adequadas para sua realização de forma controlada e segura, acaba por mascarar a atividade também em larga escala dos contrabandistas64-65. Ainda, o comércio estimula a aquisição, e esta ocorre independente dos meios, em um ciclo que custa a vida e o sofrimento de milhares de animais. “Se a procura é legal, é difícil assegurar que o fornecimento permaneça assim”66.
O BRASIL FRENTE AO TRÁFICO DE ANIMAIS: ASPECTOS LEGAIS ENVOLVIDOS No Brasil, não há lei específica ou uma política pública específica para o combate ao tráfico de animais silvestres, mas somente um conjunto de leis que orienta as ações operacionais realizadas por diferentes agentes, entre eles o Departamento de Polícia Federal, a Polícia Militar Ambiental, o Ibama, principalmente, além de diversas organizações não governamentais, com destaque para a Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres – RENCTAS67. Apesar disso, o tráfico e a posse de 63 MARTINS, 2007, p. 16. 64 Ibidem, p. 16 65 Segundo o exposto no Relatório Final da CPITRAFI, estima-se que 90% do comércio de animais silvestres no Brasil é ilegal (BRASIL, 2003a, p. 108). 66 Tradução nossa. No original: “If the demand is legal, it is difficult to ensure that the supply remains so” (United Nations Office on Drugs and Crime. The globalization of crime: a transnational organized crime threat assessment. Vienna, 2010. 303 p. Disponível em: <http://www.unodc.org/documents/ data-and-analysis/tocta/TOCTA_Report_2010_low_res.pdf>. Acesso em: 21 mar. 2012. p. 169) 67 Para maiores informações sobre o assunto, ver: SERRA, C. R. O empreen-
CAPTURA DE ANIMAIS Começando pela captura em si, merecem destaque a Lei nº 5.197/1967, a Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998) e o Decreto nº 6.514/2008, que tipificam condutas envolvidas neste ato (a caça, a perseguição e a apanha, por exemplo). Ao olharmos com atenção suas disposições, é possível perceber a contraditória relação estabelecida com a fauna e o incentivo a manutenção deles como objetos de adorno, comércio, diversão, por exemplo, ao se incentivar a formação e o funcionamento de clubes e sociedades amadoristas de caça e a construção de criadouros para criação de animais silvestres com fins econômicos e industriais na Lei nº 5.197/196768. A caça tem sua definição no art. 7º da lei citada como a “utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha de espécimes da fauna silvestre”, quando consentidas na forma da lei em questão69. A atividade, dedorismo na gestão ambiental: o caso do combate ao tráfico de animais silvestres. 2003. 114 f. Dissertação (Mestrado em Planejamento e Gestão Ambiental), Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2003. p. 76-97. 68 É importante salientar que, ainda nos dias atuais, somente a caça profissional é proibida no País, de acordo com o art. 2º da Lei nº 5.197/1967, sendo permitida (de acordo com as especificidades contidas em regulamento) a caça de controle, de subsistência, científica e, somente há poucos anos, por determinação de proibição pelo TRF, a caça esportiva ou amadorista deixou de fazer parte deste grupo. Para maiores informações, vide: LEVAI, L. F. Ministério Público e a proteção jurídica dos animais. Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal, [200-]. Não paginado. Disponível em:<http://www.forumnacional.com.br/ministerio_publico_e_protecao_juridica_dos_animais.pdf>. Acesso em: 17 abr. 2012. 69 BRASIL. Lei nº 5.197, de 3 de janeiro de 1967. Dispõe sobre a proteção
associada pelo legislador a uma prática esportiva, continua estimulando, mesmo que indiretamente, a crueldade aos animais e a manutenção de uma visão distorcida do homem perante o meio ambiente70. Além disso, há incompatibilidade com os preceitos expostos na Constituição Federal de 1988, art. 225, que impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações71. Incompatibilidade também pode ser encontrada em relação à Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998), art. 32, pois não é de esperar que em tal ambiente hostil não haja lugar para a prática de maus-tratos. O questionamento de tal contradição resultou, após alguns anos de tramitação e de luta, na proibição da caça amadora no Rio Grande do Sul, decisão proferida pela 2ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região em 2008. O colegiado considerou que não ficou comprovado o necessário controle da atividade por parte do Ibama e que, frente ao dever constitucional de preservar e proteger o meio ambiente, a caça amadora deve ser barrada72. A decisão do TRF foi uma grande vitória que continua se manifestando nas apelações que prosseguiram. Entretanto, ainda falta um dispositivo legal que expresse a irregularidade à fauna e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília/DF, 5 jan. 1967. 70 LEVAI, [200-], não paginado. 71 Para maior aprofundamento, ver: DIAS, E. C. Tutela jurídica dos animais. 2000. Não paginado. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2000. Disponível em: <http://www.sosanimalmg.com.br/pdf/livros/tutela.pdf>. Acesso em: 30 maio 2012, cap. 4. 72 BRASIL. Tribunal Regional Federal (4ª Região). Embargos Infringentes em AC nº 2004.71.00.021481-2/RS. Embargante: Associação União Pela Vida e Ministério Público Federal. Embargado: Federação Gaúcha de Caça e Tiro e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama. Relator: Des. Fed. Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz. Porto Alegre, 13 de março de 2008d.
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animais silvestres, mesmo quando legalizada, envolve uma série de aspectos e consequências regulamentados pela legislação brasileira. Analisaremos alguns desses aspectos e as previsões legais envolvidas.
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desta e de outras práticas culturais que contrariam qualquer evolução ética da sociedade, bem como preceitos constitucionais de proteção ao meio ambiente.
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Infelizmente, até mesmo trechos de dispositivos legais propiciam que outros regulamentos sejam, de certa forma, “burlados”, a exemplo do disposto no art. 24, § 5º, do Decreto nº 6.514/2008, que diz que, “no caso de guarda de espécime silvestre, deve a autoridade competente deixar de aplicar as sanções previstas neste decreto, quando o agente espontaneamente entregar os animais ao órgão ambiental competente”73, e, no § 2º do art. 29 da Lei nº 9.605/1998, que estabelece que, “no caso de guarda doméstica de espécie silvestre não considerada ameaçada de extinção, pode o juiz, considerando as circunstâncias, deixar de aplicar a pena”74. Tais procedimentos demonstram, novamente, a falta de atenção concedida aos delitos em questão, estimulando uma visão distorcida dos ilícitos de cunho ambiental e, inclusive, contribuindo, de certo modo, para o descrédito quanto à justiça brasileira.
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Outra questão que merece análise é a presença, em mais de um momento, da expressão “sem a devida autorização”, ou outra do mesmo cunho, após a descrição do tipo penal no art. 29 da Lei nº 9.605/199875. Desse modo, a caracterização do delito está atada à existência de um ato administrativo não abrangido pela 73 BRASIL. Decreto nº 6.514, de 22 de junho de 2008. Dispõe sobre as infrações e sanções administrativas ao meio ambiente, estabelece o processo administrativo federal para apuração destas infrações, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília/DF, 23 jul. 2008ª – grifos nossos. 74 BRASIL. Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília/ DF, 13 fev. 1998 – grifos nossos. 75 Tais expressões se repetem ao longo da norma em questão, mas restringimo-nos ao art. 29, por tratar do tema em discussão.
normativa em questão76. Ainda sobre o art. 29, já na Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a Investigar o Tráfico Ilegal de Animais e Plantas Silvestres da Fauna e da Flora Brasileiras (CPITRAFI), ocorrida em 2003, observou-se que tal artigo traz um tipo penal múltiplo, não prevendo um tratamento diferenciado, com a necessária severidade, para os envolvidos no tráfico, o que resulta no fato de os grandes traficantes utilizarem, legalmente, os benefícios aplicáveis às condutas de menor potencial ofensivo, como a transação penal e a suspensão condicional do processo77. Assim, o único tipo penal voltado para o tráfico de animais trata situações com diferentes níveis de gravidade da mesma forma: amena78. Prosseguindo, sendo constatada alguma infração, o art. 107 do Decreto nº 6.514/2008 estabelece que, após a apreensão, a autoridade competente procederá com a libertação da fauna silvestre em seu hábitat ou entrega dos animais a centros de triagem, fundações, jardins zoológicos, entidades de caráter cientifico, criadouros regulares ou entidades assemelhadas, sob a responsabilidade de técnicos habilitados, podendo ainda resultar em guarda doméstica provisória. A Instrução Normativa Ibama nº 179/2008 regulamenta o tema, definindo as diretrizes e procedimentos envolvidos na destinação de animais silvestres e exóticos, apreendidos ou entregues espontaneamente às autoridades, além de detalhar os quesitos necessários para avaliação das áreas de soltura, levantamento clínico e diag76 Ver: STIFELMAN, A. G. Alguns aspectos sobre a fauna silvestre na Lei dos Crimes Ambientais. [S.l.: s.n.], [200-]. 14p. Disponível em: <http:// www.amprs.org.br/arquivos/comunicao_noticia/anelise1.pdf>. Acesso em: 19 mar. 2012. 77 BRASIL, 2003a, p. 11. 78 Sobre o mesmo tratamento dado a situações de gravidade distinta, ver o exposto por Antonio Herman Benjamin no Relatório da CPIBIOPI (Brasil, 2006, p. 56-57).
O percurso da maioria dos animais apreendidos segue para os Centros de Triagem ou Manejo de Animais Silvestres – Cetas81. A Instrução Normativa Ibama nº 169/2008 conceitua, em seu art. 3º, VIII, os Cetas como sendo aqueles empreendimentos autorizados pelo Ibama, unicamente de pessoa jurídica, com o propósito de “receber, identificar, marcar, triar, avaliar, recuperar,
79 Insta salientar que, em geral, os animais apreendidos são aqueles que historicamente estão presentes nos domicílios e que, já há alguns anos, podem ser adquiridos legalmente (Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres, 2007, p. 128). 80 BRASIL. Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. Instrução Normativa nº 179, de 25 de junho de 2008. Define as diretrizes e procedimentos para destinação dos animais da fauna silvestre nativa e exótica apreendidos, resgatados ou entregues espontaneamente às autoridades competentes. Diário Oficial da União, seção 1, Brasília/DF, n. 121, p. 60-63, 26 jun. 2008c, art. 4º. Sobre a questão, cabe destacar que a falta de critérios para soltura foi apontada pela RENCTAS como um dos fatores que dificulta o enfrentamento do tráfico e demonstra o lamentável descaso com a fauna (Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres, 2007, p. 118). 81 Ver dados da Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres, 2007, p. 112-115.
reabilitar e destinar animais silvestres provenientes da ação da fiscalização, resgates ou entrega voluntária de particulares”82. Nesses locais, os animais se unem ao grande número de indivíduos abandonados ou entregues pelos próprios compradores, atitude fundamentada muitas vezes na falta de interesse pelo animal83. Infelizmente, os centros de triagem são poucos e enfrentam dificuldades técnicas e financeiras, prejudicando o tratamento e a destinação adequada dos animais84. Além disso, os animais vindos do tráfico, com raras exceções, sofreram maus-tratos, e, com as marcas deixadas, será muito difícil sua sobrevivência e retorno à natureza, de modo que uma parcela significativa, e ainda incerta, vem a óbito durante o processo de apreensão até o encaminhamento e tratamento85.
INTRODUÇÃO DE ESPÉCIES INVASORAS Entre as possíveis consequências da posse de animais silvestres, independente de serem provenientes de criatórios legalizados ou não, está a introdução de espécies. Como resultado da falta de responsabilidade com o animal, da ânsia de fazer um bem e
82 BRASIL. Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. Instrução Normativa nº 169, de 20 de fevereiro de 2008. Institui e normatiza as categorias de uso e manejo da fauna silvestre em cativeiro em território brasileiro. Diário Oficial da União, seção 1, Brasília/ DF, n. 35, p. 57-59, 21 fev. 2008b. 83 SOUZA, V. L. et al. Caracterização dos répteis descartados por mantenedores particulares e entregues ao Centro de Conservação e Manejo de Répteis e Anfíbios – RAN. Revista de Biologia Neotropical, v. 4, n. 2, p. 149-160, 2007, p. 149. 84 Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres, 2007, p. 138. Ver também: BRASIL, 2006, p. 382-383. 85 Nos dados obtidos no Diagnóstico do Tráfico de Animais Silvestres na Mata Atlântica, a porcentagem variou de 0,51 a 22% entre os diferentes órgãos e estados, sendo que nem todos possuiam tal informação (Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres, 2007, p. 83).
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nóstico dos animais, monitoramento pós-soltura, entre outros79. De acordo com o art. 3º da instrução normativa citada, os espécimes da fauna silvestre terão como possíveis destinos: o retorno imediato à natureza, o cativeiro, programas de soltura (reintrodução, revigoramento populacional ou experimentação) e instituições de pesquisa ou didáticas. É importante esclarecer que os imprescindíveis requisitos para o retorno imediato de um espécime à natureza deveriam conferir singularidade a tal evento, pois deverá acontecer somente quando o espécime for recém-capturado na natureza, houver comprovação do local de captura, a espécie ocorrer naturalmente em tal local e o espécime não apresentar problemas que obstem sua sobrevivência ou adaptação à vida livre80.
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ter a liberdade como definição para tal conceito (principalmente tratando-se de pássaros), da falta de espaço e de consciência, espécimes são abandonados ou fogem de seu cativeiro domiciliar, podendo desencadear a introdução de espécies invasoras86.
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Ao ser solto ou fugir para um novo ambiente, um animal de estimação pode ir a óbito por não se adaptar à nova condição de vida, busca de alimentos, abrigo, etc., ou pode conseguir se estabelecer, tornando-se parte do novo hábitat em que se encontra87. Em ambos os casos, pode ocorrer transmissão de zoonoses para outros indivíduos88. Caso o animal se estabeleça, ainda poderá ocorrer a invasão do ambiente, caracterizada pela expansão da espécie e impacto às espécies locais (competição por alimento e espaço, predação de espécies nativas, introdução de patógenos e parasitas), ao ecossistema como um todo, à saúde humana e de outros animais e ao desenvolvimento econômico89. A introdução de espécies invasoras da flora e da fauna ocorreu, e continua ocorrendo, inúmeras vezes durante
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86 Sobre a questão, ver: VIDOLIN, G. P. et al. Programa Estadual de Manejo de Fauna Silvestre Apreendida – Estado do Paraná, Brasil. Revista Cadernos da Biodiversidade, v. 4, n. 2, p. 37-49, dez. 2004, p. 40. 87 VIDOLIN et al., 2004, p. 42. Também: International Union for Conservation of Nature. Guías de la IUCN para la disposición de animales confiscados. Gland, 2000. 25 p. Disponível em: <http://data.iucn.org/dbtw-wpd/ edocs/2002-004-Es.pdf>. Acesso em: 26 abr. 2012, p. 2. 88 Ibidem, p. 2. 89 Ibidem, p. 2. Também: FISZON, J. T. et al. Causas antrópicas. In: Ministério do Meio Ambiente. Secretaria de Biodiversidade e Florestas. Fragmentação de ecossistemas: causas, efeitos sobre a biodiversidade e recomendações de políticas públicas. Série Biodiversidade, Brasília, n. 6, p. 65-99, 2003, p. 92-93. Também: Programa Global de Espécies Invasoras. A América do Sul invadida. 2005. 80p. Disponível em: <http:// www.institutohorus.org.br/download/gispSAmericapo.pdf>. Acesso em: 16 jun. 2011, p. 6-9.
o desenvolvimento da civilização, sendo reconhecida como a segunda maior causa de extinção de espécies90. Visto a gravidade do problema, a Convenção sobre Diversidade Biológica estabelece, em seu art. 8, alínea h, que cada parte contratante deve, na medida do possível e conforme o caso, “impedir que se introduzam, controlar ou erradicar espécies exóticas que ameacem os ecossistemas, hábitats ou espécies”91. Um exemplo infeliz ocorreu no Chile, em função da importação de inúmeras caturritas (Myopsitta monachus) para o comércio de animais de estimação. Por escaparem do cativeiro ou serem deliberadamente soltas, as aves se adaptaram ao novo ambiente, disseminando-se pelo território e causando uma série de inconvenientes92. Já no Brasil, muitos saguis (Callithrix jacchus e Callithrix penicillata) foram levados para o Rio de Janeiro como animais de estimação e, posteriormente, invadiram as florestas do estado, passando a competir por recursos com as espécies nativas da região93. A problemática exposta é tratada por uma série de dispositivos legais, entre eles a Lei nº 5.197/1967 (art. 4º), a Lei nº 9.605/1998 (art. 31) e o Decreto nº 6.514/2008 (art. 67). Ainda, frente a tal problemática, a Resolução Conama nº 394/2007 estabeleceu que o Ibama deveria publicar, no prazo de seis meses, uma lista de espécies passíveis de serem criadas e comercializadas como animais de estimação, levando em consideração o potencial invasivo das espécies, histórico de invasão e dispersão, risco 90 Ministério do Meio Ambiente. Secretaria de Biodiversidade e Florestas. Espécies exóticas invasoras: situação brasileira. Brasília, 2006. p. 5. 24 p. 91 Ministério do Meio Ambiente. Secretaria de Biodiversidade e Florestas. A Convenção sobre diversidade biológica. Série Biodiversidade, Brasília, n. 1, 2000. p. 12. 30 p. 92 Programa Global de Espécies Invasoras, 2005, p. 46. 93 FISZON et al., 2003, p. 93.
Embora o assunto conste nos dispositivos citados, carecemos de uma efetiva política pública nacional voltada para a questão e, consequentemente, de um tratamento adequado, visto sua gravidade, aos fatores que a permeiam95. Percebe-se, ainda, um cumprimento insatisfatório das recomendações da Resolução Conama citada, pois, apesar de suspensões temporárias de deferimento de solicitações de criadouros comerciais para criação de animais para o mercado de animais de estimação96, por exemplo, a autorização da manutenção de espécies como animais de estimação não parece ocorrer aliada a estudos que comprovem a satisfação dos requisitos citados, o que contraria o princípio da precaução, pondo em risco os animais, o meio 94 BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Conselho Nacional do Meio Ambiente. Resolução nº 394, de 6 de novembro de 2007. Estabelece os critérios para a determinação de espécies silvestres a serem criadas e comercializadas como animais de estimação. Diário Oficial da União, seção 1, Brasília/DF, n. 214, p. 78-79, 07 nov. 2007. 95 MACHADO, C. J. S.; OLIVEIRA, A. E. S. Quem é quem diante da presença de espécies exóticas no Brasil? Uma leitura do arcabouço institucional-legal voltada para a formulação de uma política pública nacional. Ambiente & Sociedade, v. 12, n. 2, p. 373-387, 2009, p. 384. 96 BRASIL. Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. Instrução Normativa nº 31, de 31 de dezembro de 2002. Suspende, temporariamente, o deferimento de solicitações de criadouros comerciais para criação de répteis, anfíbios e invertebrados com o objetivo de produção de animais de estimação para a venda no mercado interno. Diário Oficial da União, seção 1, Brasília/DF, n. 4, p. 40, 06 jan. 2003b.
ambiente e a sociedade. Além do mais, persiste a espera da citada lista das espécies que poderão ser criadas e comercializadas como animais de estimação, e o mesmo não ocorre com os efeitos decorrentes da criação e comércio inadequados desses animais.
MAUS-TRATOS Em 1934, o Decreto Federal nº 24.645, também chamado Lei Juarez Távora, trouxe, para o universo jurídico, figuras típicas de maus-tratos, um grande avanço em termos de legislação que precisa ser relembrado. Posteriormente, a crueldade com animais foi vedada pela Constituição Federal brasileira em seu art. 225, § 1º, VII. Passados dez anos, a prática de maus-tratos foi criminalizada por meio da Lei nº 9.605/1998, que, em seu art. 32, dispõe ser crime “praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos”97. Os maus-tratos acompanham os animais envolvidos no tráfico durante toda a atividade, desde a captura, passando pelo transporte, distribuição, até a sua morte ou entrega ao consumidor final, podendo se estender também durante sua estadia em cativeiro domiciliar98. A título exemplificativo, pode-se citar, como práticas comuns nesse universo, dopar ou embriagar os animais, queimar suas córneas, serrar e/ou arrancar dentes e garras, resultando na morte de uma parcela significativa dos
97 Para maior aprofundamento sobre o tema na legislação brasileira, ver: DIAS, 2000, não paginado. 98 LIMA, R., 2007, p. 47. Também: Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres, 2007, p. 193.
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potencial à saúde humana e animal, risco de abandono ou fuga das dos espécimes, condição de adaptabilidade e bem-estar da espécie para a manutenção como animal de estimação, entre outros. Além disso, a Resolução estabelece, em seu art. 7º, que a “reprodução dos espécimes adquiridos e mantidos como animais de estimação deverá ser evitada e, uma vez ocorrendo, deverá ser comunicada ao órgão ambiental competente no prazo de trinta dias, para as providências cabíveis”94.
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animais capturados99, o que já é previsto pelos traficantes que resolvem tal situação capturando um número maior de animais100. Como já foi dito, a posse de animais silvestres como animais de estimação, lamentavelmente, também pode resultar em maus-tratos, principalmente em função da falta de conhecimento acerca das necessidades fisiológicas do animal por parte de quem o está adquirindo. Entretanto, qual o conceito de crueldade? O que são maus-tratos? A partir do momento em que existem pessoas tratando iguanas como cachorros, sem conhecimento sobre suas necessidades fisiológicas e, consequentemente, sem atendê-las, a caracterização de maus-tratos pode ser dada, ou não. Animais que passam o dia inteiro em gaiolas à espera de um comprador, fêmeas que emendam uma cria em outra graças à ganância de seus donos, o que falar então dos animais de produção? Pode-se dizer que são casos de maus-tratos? Novamente, a superficialidade dá margem a interpretações e a interesses.
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OUTRAS ESFERAS DO DEBATE – UMA BREVE DISCUSSÃO
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A estrutura brasileira ainda possui uma série de deficiências que impedem que o combate ao tráfico de animais silvestres seja efetivo, e um dos motivos é que, em sua base, existem problemas sociais que funcionam como um estímulo para os envolvidos nesse tipo de crime que são fortalecidos pela falta de consciência a respeito do tráfico de fauna por parte da sociedade101. O início da estrutura em rede que mantém o tráfico de animais se dá principalmente em populações rurais 99 LIMA, R., 2007, p. 47-48. 100 International Fund for Animal Welfare, 2005, p. 1. 101 Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres, 2001, p. 28-29.
e de baixa renda no Brasil102, sendo de extrema importância colocar em prática ensinamentos de projetos exitosos, como o Projeto Tamar103 – para a criação de programas que envolvam a valorização do conhecimento das populações tradicionais –, a conscientização acerca da problemática do tráfico e o desenvolvimento de alternativas para sua subsistência104. Ainda, o fortalecimento de programas de conscientização e educação ambiental pode possibilitar que a população atue como uma aliada no combate ao mercado ilegal, utilizando ferramentas como a Internet, por exemplo. O combate à atividade ilícita em questão exige que providências sejam tomadas para a identificação dos envolvidos. É necessário que medidas de segurança e de fiscalização sejam aperfeiçoadas nos portos, aeroportos, rodoviárias, faixas de fronteira, correios, sendo importante a efetivação de parcerias entre agências ambientais e órgãos que atuam nesses locais, ou sua presença permanente, quando possível105. Parcerias com países limítrofes focadas no combate ao tráfico de animais 102 LIMA, R., 2007, p. 45. 103 Para mais informações sobre o Projeto, vide http://www.tamar.org.br/. 104 SERRA, 2003, p. 84. Como exposto pela RENCTAS: “Educação e repressão precisam caminhar juntas, bem como a implantação de projetos de incentivo a atividades geradoras de renda para as comunidades que não impliquem em usos indevidos dos recursos naturais” (Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres, 2007, p. 193). 105 O Relatório da CPITRAFI, em 2003, já enfatizou a necessidade de intensificar a fiscalização e de haver uma atuação conjunta entre os órgãos com tal responsabilidade (BRASIL, 2003a, p. 130). Sobre a questão, o Diagnóstico do tráfico de animais silvestres na Mata Atlântica, elaborado pela RENCTAS em 2007, também destacou a precária estrutura dos órgãos de fiscalização como um entrave para o enfrentamento da problématica e expôs a necessidade da atuação ocorrer de forma integrada (LIMA, R., 2007, p. 49; Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres, 2007, p. 125-126). Nesse sentido, ver também: BRASIL, 2006, p. 456-457.
Paralelamente, no âmbito dos animais apreendidos, cabe salientar que o número de Cetas no País é insuficiente em relação à demanda108, a qual tende a aumentar, visto que o comércio de animais cresce cada vez mais, e muitos se encontram em situações precárias de funcionamento, de modo que o índice de mortalidade pode chegar a 50%, dependendo da forma como ocorre o acondicionamento e transporte dos animais109. É de extrema importância que mais Cetas sejam implantados, principalmente em locais estratégicos, para que se consiga atender bem os animais e a tempo, bem como se faz necessária a implantação de sistemas de controle da fauna que chega a tais centros e aos criadouros para que seja possível manter sua regularidade e avaliar sua efetividade. Há ainda a questão da necessidade de um tipo penal específico para o crime de tráfico de animais110. O traficante de animais silvestres deve receber um tratamento mais condizente com o universo do tráfico, até porque a atividade está cada vez mais imbricada com crimes como o tráfico de drogas e armas, 106 ASEAN Wildlife Enforcement Network. Para maiores informações, vide http://www.asean-wen.org/. 107 Para maiores informações, vide Decreto nº 85.050, de 1980, que promulga o Tratado de Cooperação Amazônica. 108 Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres, 2007, p. 138-139. 109 BRASIL, 2006, p. 382-383. 110 CALHAU, [2004?], p. 7.
não havendo coerência que os envolvidos em atividades de tal magnitude usufruam os benefícios aplicáveis às condutas consideradas de menor potencial ofensivo111. Tal necessidade é intensificada pelo fato de as atuais sanções leves resultarem em decisões de Magistrados que, com base no princípio da insignificância, não dão a necessária atenção para delitos praticados contra a fauna112. Os valores das fianças para liberdade provisória também devem ser reavaliados, pois sua irrelevância atual incita a prática de ilícitos ambientais e ainda colabora para o descrédito do processo penal113. Além disso, existem questões no que tange aos processos administrativos referentes às infrações ambientais que precisam ser sanadas. São disparidades entre o valor das multas aplicadas pelo Ibama e o valor pago, supressão irregular de multas, entre outras irregularidades que levam ao estímulo ainda maior da atividade criminosa e reforçam a necessidade de um combate à corrupção nos órgãos responsáveis pelo enfrentamento de um mercado ilícito tão lucrativo114. É essencial que se aumente o volume de recursos direcionados às autoridades para o combate à corrupção e que se foque nos órgãos que atuam na questão ambiental, visto a magnitude dos impactos.
111 Nesse sentido, o Relatório da CPITRAFI sugeriu a separação das condutas do art. 29 em tipos penais distintos, havendo penas mais severas para os envolvidos em crimes de grande escala (BRASIL, 2003a, p. 134). Já a RENCTAS sugeriu a introdução de um novo artigo na Lei de Crimes Ambientais que trate especificamente do tráfico de fauna e estabeleça penas suficientemente elevadas aos traficantes, de modo que eles não possam valer-se da transação penal e da suspensão do processo (Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres, 2007, p. 190). 112 BRASIL, 2003a, p. 109. 113 BRASIL, 2006, p. 441 e 453. 114 BRASIL, 2006, p. 391-396.
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também se fazem cada vez mais necessárias, principalmente por meio de acordos bilaterais ou regionais, a exemplo dos países-membros da Associação das Nações do Sudeste da Ásia (Asean), que se uniram na luta contra o tráfico106, podendo se utilizar como base acordos já estabelecidos, como o Tratado de Cooperação Amazônica107, visto que a rede criminosa não se restringe a limites territoriais.
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Voltando aos envolvidos na rede que forma o tráfico de animais, em sua base, porém no extremo oposto aos fornecedores de animais, está o mercado consumidor, até então praticamente inatingível pelas ferramentas punitivas. É fundamental ter em mente que o tráfico só existe porque há quem procure e compre os animais, de modo que, para coibir o comércio ilegal, há necessidade de, ao mesmo tempo em que se atua na repressão, atuar na conscientização e mudança no comportamento do consumidor115.
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É de extrema importância questionar se há necessidade de manter animais silvestres em cativeiro por mero prazer humano (seja o ocasionado pela sua beleza, status, modismo), favorecendo e incentivando uma visão distorcida do homem perante o meio ambiente e colocando seres vivos numa situação que, muitas vezes, envolve sofrimento.
(introdução de espécies invasoras, maus-tratos, abandono de animais) pela ausência de uma base legal, estrutural e, quiçá, até psicológica da sociedade, fazendo-se iminente a revisão dos aspectos que permeiam o comércio e a posse de animais silvestres. Infelizmente, ainda não se chegou a uma fórmula que acabe com tal problema; entretanto, o mais sensato a se fazer quando não se tem uma solução é interromper suas causas, e uma delas é o comércio de animais silvestres como animais de estimação. Sendo assim, é insensato combater o problema estimulando a causa, estimulando o mercado, buscando alternativas disfarçadas dentro de uma mesma lógica que resultarão no mesmo problema. A busca de soluções deve envolver ideias, princípios e resultados que não estejam implicados pelo problema, caso contrário deixará de ser válida, deixará de ser um remédio, passando em muitos momentos, inclusive, a constituir uma nova problemática.
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
A resposta para a pergunta inicial quanto à legalização da venda de animais silvestres como animais de estimação ser um remédio efetivo para o tráfico de animais ainda permanece desconhecida. Baseando-se na premissa de que a falta de certezas científicas não deve ser usada como razão para postergar medidas, é de extrema necessidade a implementação de sistemas de informação que forneçam dados relativos à aquisição e destinação de animais e possibilitem o acesso a esses dados para que novas pesquisas possam ser feitas na busca de soluções no campo social, econômico, de saúde pública, criminal e, é claro, ambiental. Todavia, os aspectos discutidos remetem à conclusão que a legalização tem, sim, trazido inúmeros problemas à sociedade e ao meio ambiente 115 Sobre a questão, ver exposições do Coordenador da RENCTAS, Dener Giovanini, no Relatório da CPIBIOPI (BRASIL, 2006, p. 52-54).
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Doutrina
O Poder Judiciário e os Direitos Individuais* (Duas Poderosas Forças Antimajoritárias) PAULO FERNANDO SILVEIRA
Juiz Federal aposentado, Advogado, Jurista, Escritor, Fundador do Tribunal Arbitral da Associação Comercial e Industrial de Uberaba – ACIU, Membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro – ALTM, Conselheiro de Honra da Revista Artigo 5º, da Associação Cultural Artigo 5º Delegados de Polícia Federal pela Democracia, de São Paulo, capital.
RESUMO: Três aspectos constitucionais são tratados neste trabalho. Primeiro, a divisão do poder político a fim de se evitar a tirania do governo e para salvaguardar a democracia. Corte horizontal e o federalismo. O poder de fazer leis por parte da União, dos Estados e dos Municípios. Corte vertical e a separação dos Poderes. Os Poderes eleitos: os ramos Legislativo e Executivo. A lei como expressão da vontade majoritária dos Poderes eleitos. O Poder Judiciário como poder político não eleito. Segundo, os direitos individuais e suas garantias como regras antimajoritárias. Assim, a Constituição proíbe qualquer interferência * Artigo publicado na revista Direito Federal da Associação dos Juízes Federais do Brasil – Ajufe, Brasília/DF, n. 88, a. 23, p. 121, abr./jun. 2007; na Revista do TRF 1ª Região, Brasília/DF, n. 4, a. 19, p. 39/56, abr. 2007; na Revista Unijus, v. 10, n. 12, p. 47/71, maio 2007, da Universidade de Uberaba/Uniube; e no site da Academia de Letras do Triângulo Mineiro – ALTM (www.academiadeletrastm.com.br).
governamental nesse tipo de direito por meio de edição de leis, as quais representam a vontade majoritária do povo, a menos que embasada em um real e imperativo interesse público, que demande uma excepcional ação governamental. Terceiro, o Poder Judiciário como um poder antimajoritário. Sua missão primordial de agir como guardião dos direitos individuais e de sua própria independência política. A lei que interfere nos direitos civis ou restringe o poder judicial deve ser considerada uma lei suspeita de inconstitucionalidade pelo próprio Judiciário, no qual deve ser analisada debaixo de um escrutínio estrito. Nesse caso, nos ombros do governo recai o ônus da prova de sua imperiosa e indeclinável necessidade. De outra forma, a lei que regulamenta outros aspectos constitucionais é controlada apenas pelo critério da razoabilidade. Nessa hipótese, o ônus da prova incumbe ao particular autor da ação. ABSTRACT: Three constitutional issues are treated in this work. First: The division of the governmental power against tyranny and for the safety of the democracy. Horizontal cut and the federalism. Union, State and Municipality legislative power. Vertical cut and the separation of power. The elective powers: legislative and executive branches. The law as the expression of the majoritarian will of the elective powers. The judiciary as a non elective political power. Second: The individuals (civil) rights and its guarantees as anti-majoritarian rules. So, the Constitution forbids any governmental interference with this kind of rights by the edition of law, which represents the majoritarian will of the people, unless supported by a real and compelling public interest that demands an unusual governmental action. Third: The judiciary as an anti-majoritarian power. Its prime mission is acting as a guardian of the individual rights and its own independence. The law that interferes with the civil rights or restrict the judicial power must be considered a suspect law by the judiciary, where it must be submitted to a strict scrutiny. On the govern shoulders falls the burden of the proof of its compelling necessity. Otherwise, the law that rules other constitutional matters is controlled only by the reasonable analysis. In this case, the burden of the proof remains with the private plaintiff. KEYWORDS: The majoritarian elective powers: legislative and executive
Este artigo pretende demonstrar a correlação entre os direitos e as garantias individuais (normas constitucionais antimajoritárias, que não podem ser abolidas pela lei nem por emenda constitucional – CF, art. 60, § 4º, IV) e o Poder Judiciário, como poder político não eleito, portanto de natureza ontologicamente antimajoritária. Analisa, sumariamente, a necessidade da divisão do poder político, visando a evitar a tirania e a ditadura do governo central, máxime em virtude da predominância, historicamente comprovada em nosso País, do Executivo federal, a fim de se preservar a democracia. Enfoca as duas dimensões básicas da descentralização do poder político. Em um corte horizontal, visualiza-se o federalismo, enfatizando a autonomia legislativa dos entes políticos periféricos (Estados-membros e Municípios), os quais existem e atuam a fim de se dar concretude ao princípio do pluralismo político e de se assegurar a realização efetiva do respeito à diversidade própria das minorias, no tocante à livre expressão de ideias, crenças, opiniões, religiões e condutas. Já, em um corte vertical, examina a separação dos poderes entre os ramos governamentais eleitos (majoritários) e o Poder Judiciário, como poder político não eleito, necessário para a preservação dos direitos individuais e de sua própria independência e jurisdição. Justamente por ser um poder político não eleito não pode permitir a supressão, por meio de leis, dos direitos fundamentais ou a diminuição de sua área de atuação. Sendo a lei a expressão da vontade da maioria, representada pelos poderes eleitos que a edita, sua apreciação, quanto à validade, em face da Constituição, deve ser feita pelo ramo não eleito, ao qual compete dizer, como último e interprete final da Carta Política, o que a lei é. Se a lei interferir nos direitos individuais ou com a independência
e o alcance da jurisdição do Judiciário, enquadra-se, automaticamente, na categoria de lei suspeita de inconstitucionalidade. Nesse caso, devem merecer exame meticuloso as razões invocadas pelo governo, ou seja, a ele compete o ônus da prova de que a lei se destina, real e concretamente, a preservar um atual e sobrepujante interesse público que, imperativamente, o força e o impele, como dever indeclinável, a agir. Versando a lei sobre outras matérias constitucionais, ela será examinada pelo Judiciário apenas pelo critério da razoabilidade, competindo ao prejudicado pela ação governamental demonstrar o prejuízo e a inconstitucionalidade. SUMÁRIO: Introdução; 1 Antecedentes de governos oligárquicos e ditatoriais no Brasil; 2 A fragmentação do Poder Político para se evitar a tirania do governo. A doutrina dos freios e contrapesos (checks and balances); 3 Fiscalização e controle dos poderes governamentais pelo povo; 4 A lei como expressão da vontade da maioria. A função primordial do Judiciário como poder antimajoritário; 5 Dois corpos distintos de normas constitucionais. Suspeição da lei que atente contra os direitos individuais e suas garantias. Escrutínio estrito e inversão do ônus da prova; 6 Direitos individuais básicos; 7 Distinção entre advocacia de ideias e incitação ao crime; 8 Outros direitos individuais além do rol do artigo 5º da Constituição Federal; 9 Tratados e convenções internacionais. Direitos humanos. Força de emenda constitucional; 10 Características dos direitos individuais; 11 Natureza autoexercitável. Independência de prévia lei; 12 Garantias dos direitos individuais; 13 Demais normas constitucionais. Critério da razoabilidade. Ônus da prova; Conclusão; Referências.
INTRODUÇÃO Maioria e minoria são modos de se caracterizar, na política, a forma de governo, isto é, o modo pelo qual a sociedade institui e organiza o poder político e disciplina a relação entre governantes e governados. Há o governo de uma só pessoa, como nas ditaduras ou nas monarquias. Há o de alguns, como nas aristocracias (governo dos mais sábios e competentes) e nas
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branches; judicial power; anti-majoritarian and non elective power; civil rights and its guarantees; anti-majoritarian constitucional rules; prime judicial power mission as the guardian of the Constitution; the interpretation of the law under the Constitution; suspect law; strict judicial scrutiny; common statute; reasonableness of the law; burden of the proof.
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oligarquias (governo dos mais ricos); e há o governo de muitos, ou seja, do povo, que elege seus representantes para o exercício do poder, em rodízio, a prazo certo. Esta é a característica fundamental da república. Para Niccolo Machiavelli, só existem duas formas de governo: república (democrática ou ditatorial) ou monarquia (hereditária ou não). Essa distinção foi feita por ele, com rara lucidez, na primeira oração de seu famoso livro O príncipe, quando afirmou concisa e lapidarmente que: “Todos os Estados e governos pelos quais os homens são ou têm sido sempre governados, tem sido e são ou Repúblicas ou Principados” (All the States and Governments by which men are or ever have been ruled, have been and are either Republics or Princedom)1.
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Aristóteles anteriormente já definia a democracia como sendo o governo da maioria numérica, que é suprema. Esclareceu o estagirita que:
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Das formas de democracia, primeiro vem a que é dita ser baseada estritamente na igualdade. Em tal democracia, a lei diz que é justo para o pobre não ter mais vantagens do que o rico, nem deve ser senhor, mas ambos iguais. Portanto, se a liberdade e igualdade, como pensam alguns, devem ser encontradas na democracia, elas melhor serão alcançadas quando todas as pessoas compartilharem o governo ao máximo. E, desde que o povo é a maioria, e a opinião da maioria é decisiva, tal governo necessariamente deve ser uma democracia (Of forms of democracy first comes that which is said do be based strictly on equality. In such a democracy the law says that it is just for the poor to have no more advantages than the rich; and that neither should be master, but both equal. For if liberty and equality, as it thought by some, are chiefly to be found in democracy, they will be best attained when all persons alike share in the government to the utmost. And since the people are the majority, and the opinion of the majority is decisive, such a government must necessarily be a democracy).2 1 MACHIAVELLI, Niccolo. The Prince. USA: The Easton Press, 1980. p. 27. 2 ARISTÓTELES. Politics. USA: The Easton Press, 1979. p. 128.
Ainda, de acordo com o grande filósofo grego, a liberdade é o primeiro princípio da democracia, eis que, nela, cada um vive como quer. Subentende-se latente, na sua tese, que a igualdade, no sentido de participação na escolha dos governantes e do destino da cidade, apresenta-se como outro sustentáculo da democracia, ao afirmar que a maioria numérica é suprema na sua vontade. Di-lo: A base do Estado democrático é a liberdade, a qual, de acordo com a opinião comum dos homens, só nele pode ser desfrutada. Afirmam ser esse o grande fim da democracia. Um princípio da liberdade é todos governarem e serem governados em turnos, e a verdadeira justiça democrática é a aplicação da igualdade numérica não proporcional. Daí decorre que a maioria deve ser suprema e o que aprovar deve ser o fim e o justo. Todo cidadão, é dito, deve ter igualdade, e por consequência, na democracia o pobre tem mais poder do que o rico, porque há mais deles e a vontade da maioria é suprema. Esta é uma característica da liberdade que todo democrata afirma ser o princípio de seu Estado. Outra é que o homem deve viver como gostar. Este é, dizem, o privilégio do homem livre, pois, de outra forma, não viver como gostar é a marca do escravo. Esta é a segunda característica da democracia, de onde tem levantado o clamor dos homens no sentido de não serem governados por ninguém, se possível, ou, se impossível, governarem e serem governados em turnos; assim, isso contribui para a liberdade baseada na igualdade (The basis of a democratic state is liberty; which, according to the common opinion of men, can only be enjoyed in such a state; this they affirm to be the great end of every democracy. One principle of liberty is for all to rule and be ruled in turn, and indeed democratic justice is the application of numerical not proportionate equality; whence it follows that the majority must be supreme, and that whatever the majority approve must be the end and the just. Every citizen, it is said, must have equality, and therefore in a democracy the poor have more power than the rich, because there are more of them, and the will of the majority is supreme. This, then, is one note of liberty which all democrats affirm to be the principle of their state. Another is that a man should live as he likes. This, they say, is the privilege of a freeman, since, on the other hand, not to live as a man likes is the mark of a slave. This is the second characteristic of democracy, whence has arisen the claim of men to be ruled by none, if possible, or,
O princípio da prevalência da vontade da maioria, como fundamento de um governo democrático, foi decididamente encampado por John Locke, quando publicou (l.689/90) o livro intitulado Dois tratados sobre o governo (Two Treatises of Government). Nele, refutou-se, frontalmente, o poder absoluto e a doutrina da origem divina do poder. Aí, pela primeira vez na história, alguém, de modo expresso e ostensivo, considera o governo não como originário do poder divino ou decorrente do pacto firmado entre governante e uma minoria privilegiada de governados, como ensinava Hobbes. Para Locke: O poder de governar decorre simplesmente da união, em comunidade, daquele que saiu do estado da natureza, que, assim, renuncia, a favor da maioria da comunidade – a menos que expressamente tenha concordado com número superior a essa maioria – o poder necessário aos fins para os quais se uniu em sociedade. E isso é feito simplesmente ao concordar em se unir a um corpo social político, o qual é tudo que o pacto é, ou necessita ser, entre o indivíduo que entra ou faz uma comunidade política. Assim, aquilo que inicia e verdadeiramente constitui qualquer sociedade política é nada, exceto o consentimento de qualquer número de homens livres, capazes de serem maioria, para unir e incorporar dentro dessa sociedade. E isso é tudo, tudo somente, que faz ou dá início a qualquer governo legal no mundo (Whosoever, therefore, out of a state of Nature unite into a community, must be understood to give up the power necessary to the ends for which they unite into society to the majority of the community, unless they expressly agreed in any number greater than the majority. And this is done by barely agreeing to unite into one political society, which is all the compact that is, or needs be, between the individuals that enter into or make up a commonwealth. And thus, that which begins and actually constitutes any political society is nothing but the consent of any number of freemen capable of majority, to unite and incorporate into such a society. And this is that, and that only, which did or could give beginning to any lawful government in the world).4 3 ARISTÓTELES. Op. cit., p. 207. 4 LOCKE, John. Two Treatises of Government. USA: The Easton Press, 1991, book II, cap. VIII, p. 178.
O forte do pensamento de Locke é que a legitimidade do governo resulta, necessariamente, da decisão da maioria. Para ele, diferentemente de Hobbes, não há renúncia dos direitos naturais em virtude do pacto, que não é celebrado entre governante e governado, mas entre os indivíduos que formam a maioria, visando, por eleição, e não por direito hereditário, a formar o governo justamente para proteger esses direitos naturais. Daí por que Locke – na mesma linha de Baruch de Espinosa – prega e justifica o direito à rebelião quando o governo volta-se contra o povo, que forma a maioria, que o constituiu e do qual obteve o poder político e a legitimidade para exercê-lo5. Em 1991, Ian Shapiro, Professor Associado de Ciência Política da Yale University, ao interpretar o pensamento de Locke, a respeito do governo civil, sintetizou que: Locke arguia que todo poder civil é condicionado pelos termos da convenção estabelecida visando o homem deixar o estado da natureza. Como consequência, qualquer governo que violar a confiança fiduciária prevista pelo contrato social perde sua legitimidade e ativa o direito à rebelião (Locke argued that all civil power is conditioned by the terms of their agreement to live the state of nature. As a consequence, any ruler who violetes the fiduciary trust provided for in the Social Contract loses his legitimacy and the right to rebelion is activated).6
Todavia, Alexis de Tocqueville, em seu livro Democracy in América7, alertou contra o risco da tirania da maioria. Preocupado com a perda da liberdade individual ou de grupo social minoritário, indagou:
5 SILVEIRA, Paulo Fernando. 500 anos de servidão. A lei como instrumento de dominação política no Brasil. Brasília: OAB, 2004. p. 50. 6 LOCKE, Jonh. Op. cit., p. VII-VIII; SILVEIRA, Paulo Fernando. Freios e contrapesos (checks and balances). Del Rey, 1999. p. 22. 7 TOCQUEVILLE, Alexis. Democracy in America. USA: The Easton Press, v. I, 1991. p. 233.
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if this is impossible, to rule and be ruled in turns; and so it contributes to the freedom based upon equality)3.
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Quando um homem ou um partido sofre uma injustiça nos Estados Unidos, em quem ele busca socorro? Na opinião pública? É ela que forma a maioria. No corpo legislativo? Ele representa a maioria e lhe obedece cegamente. No Poder Executivo? Ele é eleito pela maioria e a serve como passivo instrumento. Na polícia? Ela não é senão a maioria com armas. No júri? O júri é a maioria vestida com o direito de pronunciar julgamentos: mesmo os juízes em certos Estados são eleitos pela maioria. Assim, por mais iníqua ou desarrazoada que a medida que o machuca for, você deve se submeter a ela (When a man or a party suffers an injustice in the United States, to whom can he turn? To public opinion? That is what forms the majority. To the legislative body? It represents the majority and obeys it blindly. To the executive power? It is appointed by the majority and serves as its passive instrument. To the police? They are nothing but the majority under arms. A jury? The jury is the majority vested with the right to pronounce judgment; even the judges in certain states are elected by the majority. So, however iniquitous or unreasonable the measure which hurts you, you must submit).
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O próprio Tocqueville tentou dar a solução para o perigo da tirania da maioria, contrapondo os freios e contrapesos.
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Mas suponha que você tenha um corpo legislativo tão bem composto que ele representa a maioria sem ser necessariamente escravo de suas paixões, um Poder Executivo tendo a sua própria força e um Poder Judiciário independente das outras duas autoridades; então, você poderá ter um governo democrático, mas dificilmente haverá qualquer risco remanescente de tirania (But suppose you were to have a legislative body so composed that it represented the majority without being necessarily the slave of its passions, an executive power having a strength of its own, and a judicial power independent of the other two authorities; then you would still have a democratic government, but there would be hardly any remaining risk of tyranny).
James Madison, por sua vez, expôs o perigo da tirania de uma facção política majoritária (como, por exemplo, a dos proprietários de terras, a dos credores – leia-se, atualmente, a dos banqueiros –, a de uma seita religiosa que se degenera em partido político), que, assumindo o poder, fizesse sobrepor, por meio de leis, os seus interesses sobre os de suas contrapartes, mal representadas no Congresso, tais como os sem-terras, os
devedores, os de seitas religiosas minoritárias etc., acenando com a solução para tais inconvenientes por meio do federalismo, mediante a divisão do poder entre a União (assuntos gerais) e os Estados-membros (matérias locais), além de uma adequada e proporcional representação política congressual, assegurada, principalmente, por meio de inúmeros partidos políticos, de variadas tendências ideológicas. Eis parte do seu pensamento exarado no Federalist Papers nº 10: It will not be denied that the representation of the Union will be most likely to possess these requisite endowments. Does it consist in the greater security afforded by a greater variety of parties, against the event of any one party being able to outnumber and oppress the rest? In an equal degree dos the increase variety of parties comprise within the Union, increase this security. Does it, in fine, consist in the greater obstacles opposed to the concert and accomplishment of the secret wishes of an unjust and interested majority? Here, again, the extent of the Union gives it the most palpable advantage. The influence of factious leaders may kindle a flame within their particular States, but will be unable to spread a general conflagration throught the other States. A religious sect may degenerate into a political faction in a part of the Confedereracy; but the variety of sects dispersed over the entire face of it must secure the national councils against any danger from that source. A rage for paper money, for an abolition of debts, for an equal division of property, or for any other improper or wicked project, will be less apt to pervade the whole body of the Union than a particular member of it; in the same proportion as such malady is more likely to taint a particular county or district, than an entire State.8
1 ANTECEDENTES DE GOVERNOS OLIGÁRQUICOS E DITATORIAIS NO BRASIL Em nosso País, a partir de sua independência de 1822, o poder político sempre ficou histórica, indevida e impropriamente concentrado nas mãos do chefe do Poder Executivo. No tempo 8 MADISON, James. The Federalist. USA: The Easton Press, 1979. p. 62.
2 A FRAGMENTAÇÃO DO PODER POLÍTICO PARA SE EVITAR A TIRANIA DO GOVERNO. A DOUTRINA DOS FREIOS E CONTRAPESOS (CHECKS AND BALANCES) Com o objetivo claro de se evitar a tirania e a opressão sobre o povo por um governo centralizador, autoritário e ditatorial, a Constituição Federal, seguindo o paradigma americano, criou salvaguardas ao fragmentar o poder político – monolítico na mão do ditador – repartindo-o de duas maneiras diferentes (federalismo e independência dos Poderes), cada qual se subdividindo em três frações distintas. Esse fracionamento do poder político se torna necessário e extremamente imperioso para se constituir e preservar a democracia, eis que, como afirmou James Madison, no Federalista nº 47, a acumulação de todos os Poderes, Legislativo, Executivo e Judiciário, nas mesmas mãos, seja de um, de uns poucos ou de muitos, se de forma hereditária, por indicação própria, ou eletiva, pode adequadamente ser pronunciada como a própria definição da tirania (The accumulation of all powers, legislative, executive, and judiciary, in the same hands, whether of one, a few, or many, and whether hereditary, self-appointed, or elective, may justly be pronounced the very definition of tyranny).9
Assim, em um corte horizontal, ao adotar o federalismo, criado, pela primeira vez no mundo, pela Constituição americana de 1787, a Carta Política brasileira distribuiu o poder político entre os entes federativos (União, Estados-membros e Municípios), dotando-os de competência legislativa exclusiva e privativa e, também, de autonomia administrativa e financeira, de modo a viabilizar sua autogovernabilidade. Assim, cada ente político tem de respeitar a área de atuação constitucional, material e legislativa, estabelecida pela Carta Magna para os outros dois.
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do império, D. Pedro I e, depois, seu filho, D. Pedro II, governaram despoticamente, eis que acumulavam, ainda, o poder moderador. Em síntese, a vontade do imperador sempre foi a lei e traduzida pela lei, editada por uma assembleia domada e servil, sem quase nenhuma representação popular. Instalada a república por meio de um golpe militar, o poder político, na chamada república velha, foi exercido pelos coronéis, ou seja, uma minoria oligárquica, basicamente de latifundiários, banqueiros e grandes comerciantes, ou por pessoas ligadas a esses grupos de interesse. Com a Revolução de 1930, Getúlio Vargas empolgou, solitariamente, o poder, vivendo o povo debaixo de uma feroz ditadura até l945. Depois desse ano, até l963, as raposas políticas seguiram a cartilha dos coronéis da primeira República. Mesmo o grande Presidente Juscelino Kubitscheck de Oliveira foi cria das velhas oligarquias que haviam sido combatidas por Vargas. De 1964 a 1985, o povo brasileiro viveu debaixo da ditadura dos militares. Todas as sete Constituições, até então promulgadas e outorgadas (1824, 1891, 1934, 1937, 1967 e 1969), foram elaboradas pelo governo, à revelia do povo, ante a fraca representação congressual. Mesmo a de 1946, apesar de ser saudada como democrática, foi feita por um grupo de notáveis, sem a adequada e proporcional participação popular. Basta notar, para isso, que o analfabeto não votava e a maioria do povo era iletrada. Por isso, essas Constituições não passaram de meras folhas de papel, já que não resguardaram, adequadamente, nenhum direito individual. Somente a partir da Constituição de 05.10.1988, é que o povo começou a tomar consciência da necessidade de uma correta e proporcional representação congressual, eis que as leis, editadas pelos poderes eleitos, majoritários, devem traduzir os interesses da maioria. Daí, surge a necessidade de se entender a função do Poder Judiciário, como poder não eleito, e a força constitucional das normas que disciplinam os direitos e as garantias individuais.
9 MADISON, James. The Federalist. USA: The Easton Press, 1979. p. 322.
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O princípio federativo, que embasa essa forma de repartição do poder político, impõe que a União, como ente central, atue de modo excepcional, cuidando apenas das questões externas (por exemplo, diplomacia, soberania, forças armadas, etc.) e, internamente, as que envolvam interesses de âmbito nacional (por exemplo, navegação marítima, aeroportos, impostos federais, polícia federal, justiça federal, etc.), ou as que abranjam mais de um Estado-membro (comércio interestadual, ICMS); por sua vez, ao Estado-membro, como ente político periférico, ficou assegurado o controle das questões regionais (áreas metropolitanas, conflitos entre Municípios, servidores públicos estaduais, polícia estadual, justiça estadual, impostos estaduais); e, finalmente, aos Municípios, as matérias de interesse local (além dos assuntos específicos, como, por exemplo, o que trata dos servidores municipais e dos impostos municipais), todos os em que prevaleça, sobrepondo-se, o interesse local sobre o regional ou federal). Como a União atua por exceção, o grosso da legislação deve provir dos entes periféricos (em maior parte dos Municípios, nos quais o indivíduo de fato mora e exerce os seus direitos civis), que estão mais de perto em contato com os problemas a serem resolvidos pela Administração Pública.
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O federalismo constitui, pois, uma forma de fragmentação do poder político, a fim de se evitar a tirania resultante do excesso de concentração do poder governamental. Nesse sentido, asseverou o Justice Black da Suprema Corte americana, citado por Tony Freyer: “Nosso conceito de federalismo se assenta na política básica de evitar concentração excessiva de poder no governo, federal ou estadual” (Our concepts of federalism rested on the basic policy of avoiding excess concentration of power in government, federal or state)10. 10 SCHEIBER, Harry N. Federalism and the Judicial Mind. Berkeley: Institute of Governmental Studies Press. USA: University of California, 1992. p. 104.
Consciente dessa função essencial exercida pelo federalismo, como fator descentralizador e, simultaneamente, propulsor do crescimento político das lideranças locais, que não podem ser anuladas – muito menos ficar dependentes, na sua escalada política, do poder central – Paul J. Mishkin enfatizou: As funções políticas decorrentes de um real e forte federalismo têm se transformado em alguma coisa mais importante do que no passado. Por funções políticas, eu quero dizer as funções dos governos dos Estados (e locais) como fortalezas do pluralismo e da liberdade. Os Estados têm um papel como autônomos centros de poder – e como poder de base – que não são sujeitos ao controle hierárquico pelo poder central (The political functions of a real and strong federalism have become, if anything, more important than in the past. By “political” functions, I mean the functions of state (and local) governments as bulwarks of pluralism and of liberty. The states have a role as autonomic power centers – and thus power bases – that are not subject to hierarchical control from the center).11
Desse modo, sob pena de concentração indevida do poder político, não se pode permitir que um ente governamental (geralmente a União Federal), usurpe a competência do Estado-membro ou do Município, disciplinando, por lei, matéria fora de sua alçada. A lei federal não é superior à lei estadual ou municipal. Cada ente político pode e deve legislar, com exclusividade, na área de sua competência legislativa constitucionalmente delineada. Assim, uma lei municipal, dispondo sobre assunto de interesse eminentemente local, vale mais do que uma lei federal, ou estadual, porque, nesse caso, está validada e legitimada pela Constituição. Sendo a única a ter eficácia, ela naturalmente se opõe a qualquer indevida usurpação de competência originada nos entes políticos mais ao centro (Estado-membro e União Federal), que cuidam, em razão do princípio federalista, de questões de maior abrangência territorial.
11 Idem, p. 156.
A propósito, não se pode esquecer a precisa advertência lançada pelo Justice Louis D. Brandeis13, da Suprema Corte americana, ao elaborar, em 1932, a atualmente prevalente doutrina do estado-laboratório. De tão verdadeiro, esse lúcido pensamento, na área constitucional, se transformou, para os doutrinadores e juristas americanos, em um marco fundamental, tal como a 12 TRIBE, Laurence H. American Constitutional Law. 2. ed. USA: Foundation Press, 1988. p. 385. 13 BRANDEIS, J. New State Ice Co. v. Liebmann 285 US.262, 1932.
poesia épica de Homero, a qual vem servindo de referência, há cerca de 3.000 anos, para os novos bardos. Com absoluta propriedade, Brandeis sintetizou: Constitui um dos felizes acidentes do sistema federal que um único e corajoso Estado possa, se assim quiserem os seus cidadãos, servir como um laboratório; e tentar novos experimentos sociais e econômicos sem colocar em risco o restante do país (It is one of the happy incidents of the federal system that a single courageous state may, if its citizens choose, serve as a laboratory; and try novel social and economic experiments without risk to the rest of the country).
À luz desses raciocínios, fortes no princípio federalista, é inconstitucional o governo federal se apoderar de imposto estadual (ICMS) e municipal (ISS), ainda que com o compromisso de repassar aos seus titulares o valor arrecadado, como estabelecido nos arts. 13 e 22 da Lei Complementar nº 123, de 14.12.2006 (Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte). No caso, se o empresário utilizar a guia única do Simples Nacional, compete ao estabelecimento bancário separar, de imediato, as receitas ali mencionadas como pertencentes ao Município e ao Estado-membro, creditando os valores respectivos, instantaneamente, em suas contas-correntes. Receitas próprias dos entes políticos periféricos não podem nem devem – sob risco de dominação política – ser controladas pelo ente central. Já, em um corte vertical, o poder político foi dividido entre três ramos governamentais: Legislativo, Executivo e Judiciário – LEJ. Cada um deles é independente do outro. Porém, para não se inviabilizar a governabilidade do País, devem caminhar juntos, de preferência harmoniosamente. Todavia, isso não quer dizer que devam fazê-lo, sempre, consensualmente. Ocasionais enfrentamentos legislativos, ou judiciais, entre os poderes instituídos são próprios da democracia e necessários à sua sobrevivência. São como as tempestades no mundo físico. Não obstante serem esporádicas e indesejadas, além de causarem danos colaterais, sua ocorrência é certa e inafastável e, de certo modo, necessária,
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O Professor Richard Steward tem sugerido uma estreita correlação entre a defesa da autonomia do Estado-membro contra a dominação da União, com os direitos individuais, aos quais se acha atada. Ele identifica quatro aspectos da estrutura federal descentralizada que podem ser considerados valores que o indivíduo desejaria implementar: a grande precisão com que o tomador de decisão local pode operar como útil calculador dos custos e benefícios; a maior proteção da liberdade que a tomada de decisão estadual descentralizada alcança ao dificultar que qualquer grupo de pessoas se assenhoreie do poder total nacional; o maior grau de comunidade, alavancado pela oportunidade de participação política que a descentralização torna possível; e a maior diversificação que a descentralização encoraja (Professor Richard Stewart has suggested how claims of state sovereignty might be grounded in individual rights.He identifies four features of a decentralized federal structure which can be stated as values an individual would wish to further: the greater accuracy with which a local decisionmaker can operate as a utilitarian calculator of costs and benefits; the greater protection of liberty which the state’s decentralized decisionmaking affords by making it harder for any one group to seize total national power; the greater degree of community fostered by the opportunity for political participation that decentralization makes possible; and the greater diversity which decentralization fosters)12.
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a fim de se equilibrarem os efeitos da natureza. Os eventuais confrontos entre os Poderes instituídos fazem parte dos freios e contrapesos (checks and balances), doutrina pela qual cada ramo do governo controla e fiscaliza os outros dois. Se houver consenso absoluto entre eles, ou entre dois deles, já não teremos democracia, mas ditadura dos poderes, em virtude da indevida concentração, não desejada nem permitida pela Constituição. Os três Poderes hão de falar a mesma língua (governabilidade), porém cada um se expressando à sua maneira e, às vezes, contrariamente ao entendimento dos outros dois. A democracia pressupõe a fragmentação do poder político. É como um tapete colorido, com diversos desenhos formando, harmoniosamente, um quadro. Se for da mesma cor (a prevalecer unicamente a vontade do ditador), o tapete não ressalta essas diversas nuanças. É monótono. Desdenha da criatividade. Impede a contribuição participativa. Gera a letargia, a indolência e a dependência. Em matéria de interpretação da lei, o Poder Judiciário detém, pela Constituição, o direito e o dever de dar a última palavra, isto é, dizer o que a lei é. O pronunciamento do Supremo Tribunal Federal – a mais alta Corte do País em matéria constitucional e, também, relativamente à validade de lei local, contestada em face da Constituição Federal ou da lei federal – só pode ser superado por emenda constitucional. Existindo, em nosso País, um Tribunal intermediário, também com jurisdição nacional, que é o Superior Tribunal de Justiça, a ele pertence, quando não for suscitada a questão constitucional, a última palavra em matéria de validade de leis, exceto em se tratando de lei municipal, nos casos anteriormente citados. Na interpretação do Texto Constitucional, há de se observar o equilíbrio na distribuição do poder político, entre os Entes federados, visado pelo constituinte originário. Para alguns publicistas, esse é o elemento dominador na regra interpretativa da Constituição. Esse importante, decisivo e indeclinável papel é destinado ao Judiciário, que, como poder político não eleito,
tem o dever de examinar a matéria, observando as reais necessidades do País. John H. Garvey e T. Alexander Aleinikoff asseveraram que a metáfora do balanceamento refere-se a teorias de interpretação constitucional que são baseadas na identificação, avaliação e comparação dos interesses em conflito. Expõem que o melhor argumento utilizado pelos defensores do balancing é o que permite as Cortes Judiciais aumentar o processo de equilíbrio, dando peso a interesses que o Legislativo tende a ignorar ou subavaliar. Dentro desse enfoque, a Corte desempenha dois importantes papéis: a) reforça a representação, assegurando que interesses impopulares ou de grupos mal representados politicamente sejam contados e considerados com justiça; b) protege direitos e interesses constitucionais que, às vezes, são esquecidos no hurly-burly da política. Advertem, todavia, que o balanceamento pela Corte não repete a função legislativa ou suplanta os julgamentos legislativos de boa política social. Usa-se o ato legislativo como medida da importância social e, assim, como uma base para calcular o grau para o qual o interesse constitucional deverá ser “atenuado” (A better argument for the balancer is that the Court improves the balancing process by giving weight to interests that the legislature tends to ignore or undervalue. Under this view, the Court plays two important roles. First, it reinforces representation, ensuring that the interests of unpopular or underrepresented groups are conted and conted fairly. Second, it protects constitutional rights and interests that are sometimes forgotten in the hurly-burly of politics. [...] The balancing court does not replicate the legislative function or supllant legislative judgments of good social policy. It uses the legislative act as a measure of social importance and thus as a basis for calculating the degree to which the constitutional interest should be “softened”)14. 14 GARVEY, John H.; ALEINIKOFF, T. Alexander. Modern Constitutional Theory: A Reader. St. Paul: West Publishing, USA, 1991. p. 108.
A partir dessa ótica, lícito não é aos Poderes eleitos reduzirem, ou retirarem, em certos casos, por meio de emendas constitucio-
15 HAMILTON, Alexander. The Federalist. USA: The Easton Press, 1979. p. 525/526.
nais ou de leis, a jurisdição do Poder Judiciário nem seu poder de conceder liminares e, excepcionalmente, a antecipação de tutela. Compete a esse poder não eleito preservar sua jurisdição constitucional e sua força política para evitar lesão ou ameaça a direito dos particulares por meio de provimentos preventivos, sempre que ficarem evidenciados o fumus boni iuris e o periculum in mora. O poder cautelar é ínsito ao poder jurisdicional. A advertência feita para o legislador, no sentido de não restringir a independência do Poder Judiciário, serve, também, com muito mais propriedade, para o Executivo federal. Nos Estados Unidos, durante a guerra civil, os militares passaram a submeter a seus Tribunais, de exceção os civis acusados de sabotagem ou de espionagem, condenando vários deles à morte. Em 1866, ao apreciar o caso Ex parte Milligan, a Suprema Corte daquele país concedeu o Writ of Certiorari para anular essas condenações, não permitindo a redução da jurisdição dos Tribunais civis. Analisando esse caso, Laurence H. Tribe16 explica que: Como temos visto, a autoridade doméstica do Executivo é mais abrangente em tempos de guerra. Onde, entretanto, o presidente procura diretamente suplantar o Judiciário na solução de casos particulares, a Suprema Corte submeterá as justificações militares para tal ato a um exame estrito e meticuloso. Assim, no caso Ex parte Milligan a Corte regrou que lei marcial durante a Guerra Civil não pode “ser aplicada aos cidadãos nos estados que mantiveram a autoridade do governo, e onde as Cortes estão abertas e seu processo desobstruído”. Empregando análise similar, a Corte sustentou, em 1946, que a declaração de lei marcial no Havaí subsequentemente ao ataque sobre Pearl Harbor era inconstitucional (As we have seen, executive domestic authority is most expansive in time of war. Where, however, the President seeks directly supplant the judiciary in the resolution of particular cases, the Supreme Court will subject the military justifications for such action to close scrutiny. Thus, in Ex parte Milligan the Court held that martial law
16 TRIBE, Laurence H. Op. cit., p. 238.
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Um Poder Judiciário independente – proclama Alexander Hamilton, no Federalist Papers nº 78 – constitui não só com vista às infrações legislativas à Constituição, mas, também, a salvaguarda contra os efeitos ocasionais do mau humor da sociedade manifestado por meio de leis injustas e parciais. Esses efeitos, normalmente, não se estendem além dos danos aos direitos particulares de uma determinada classe de cidadãos. Aqui, a firmeza da magistratura judicial é de grande importância na mitigação da severidade e no confinamento da operação de tais leis. Essa firmeza não somente serve para moderar o imediato dano decorrente daquelas leis que já foram passadas, mas opera como um controle sobre o corpo legislativo ao editá-las, o qual, percebendo que obstáculos ao sucesso dessas intenções iníquas são esperados por parte de Cortes escrupulosas, é compelido, dessa maneira, pelo simples motivo da injustiça da pretensão, a fundamentar melhor suas tentativas (But it is not with a view to infractions of the Constitution only, that the independence of the judges pode ser uma essencial safeguard against the effects of occasional ill humor in the society. These sometimes extend no farther than to the injury of the private rights of particular classes of citizens, by unjust and partial laws. Here also the firmnes of the judicial magistracy is of vast importance in mitigating the severity and confining the operation of such laws. It not only serves to moderate the immediate mischiefs of those wihich may have been passed, but it operates as a check upon the legislative body in passing them; who, perceiving that obstacles to the success of iniquitous intention are to be expected from the scruples of the courts, are in a manner compelled, by the very motives of the inustice the meditate, to qualify their attempts)15.
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during the Civil War could not “be applied to citizens in states which have upheld the authority of the government, and where the courts are open and their process unobstructed.” Employing a similar analysis, the Court held in 1946 that the declaration of martial law in Hawaii subsequent to the attack upon Pearl Harbor was inconstitutional).
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No Brasil, diferentemente, o Presidente Artur Bernardes, em 1926, dominando um congresso submisso, reduziu significativamente, por meio de uma emenda constitucional, a jurisdição do Poder Judiciário, dele retirando a apreciação de vários atos praticados pelo governo (Legislativo e Executivo) durante o estado de sítio, que vigorou por todo o seu mandato (CF 1891, art. 60, § 5º). Esse péssimo exemplo de anulação e de apequenamento do Poder Judiciário foi seguido pelo ditador Getúlio Vargas, em sua constituição “polaca”, outorgada de 1937 (art. 170), bem como pela ditadura do regime militar, iniciada em 1964, a ver pelo AI 5/1968, art. 11 da CF de 1969 (art. 157) e EC 15/1985 (art. 156, § 6º). Tais medidas não foram declaradas inconstitucionais por nosso Supremo Tribunal, nem mesmo depois de passados os períodos ditatoriais, apesar de elas terem, de modo flagrante e ostensivo, violado os direitos individuais e, simultaneamente, atentado contra o princípio da independência dos Poderes, diminuindo a estatura política do Poder Judiciário e o seu prestígio perante a população, como poder confiável e com capacidade de defender a Constituição. Historicamente, portanto, o Judiciário brasileiro sempre foi politicamente fraco e submisso, primeiro aos monarcas e, depois, aos poderes eleitos. Talvez, daí advenha seu extremado amor pela literalidade da lei – os preceitos constitucionais, até alguns anos atrás, eram raramente invocados – e o tecnicismo doentio que lhe dá oportunidade de não enfrentar o mérito das questões que desagradem ao governo. Agora, está na hora de ele construir, de fato, sua independência, já assegurada formalmente na Constituição.
Voltando à análise da lei, como expressão da vontade dos ramos governamentais eleitos, também ela não pode impor ao Poder Judiciário o recurso de ofício, também chamado de reexame necessário, nos casos em que os entes estatais ou suas fundações e autarquias deixarem de recorrer voluntariamente, atuando o Judiciário como substituto processual da parte vencida, em detrimento da vencedora, o que viola, ainda, o princípio da isonomia processual, abrigado pela cláusula do devido processo legal. Muito menos pode o Congresso Nacional, mesmo por meio de emenda constitucional, impor ao Poder Judiciário a obrigação de executar, de ofício, as contribuições sociais devidas pelo empregador ao INSS, em razão das sentenças trabalhistas que proferir (CF, art. 114, VIII, inserido por força das Emendas nºs 20/1998 e 45/2004). Aí, além de ter sido ferido de morte o princípio da separação dos Poderes (CF, art. 2º), ocorrem várias outras inconstitucionalidades, como demonstrado no livro Tribunal arbitral17, tais como: a) indevida substituição processual (o Judiciário, que é poder político independente, age como exequente em nome e por conta de órgão do Poder Executivo); b) falta de constituição do crédito tributário pelo regular lançamento, notificação e de sua inscrição na dívida ativa, como pressupostos imprescindíveis da execução (Lei nº 8.212/1991 (Custeio da Previdência Social), art. 33, caput e seu § 7º, art. 37, caput e seu § 2º); c) violação do devido processo legal, por ausência de prévio e amplo direito de defesa no decorrer da inexistente constituição administrativa do crédito tributário (notificação do débito, auto de infração, etc.); d) o objeto do crédito tributário, sujeito a rígidas normas impostas por lei complementar (Código Tributário Nacional) e por lei ordinária específica (anteriormente citada), não se confunde com o da lide trabalhista, sujeita à sentença judicial, que se submete a outros pressupostos e que envolve 17 SILVEIRA, Paulo Fernando. Tribunal arbitral – Nova porta de acesso à justiça. Curitiba/PR: Juruá, 2006. p. 293/302.
3 FISCALIZAÇÃO E CONTROLE DOS PODERES GOVERNAMENTAIS PELO POVO Uma vez que o poder político emana do povo e em seu nome é exercido, compete ao próprio povo exercer severa fiscalização, indistintamente, sobre a conduta dos agentes dos três ramos governamentais a fim de se evitar a tirania, a ditadura e a opressão, de onde decorre a perda de sua liberdade. É lição sedimentada na história que todo aquele que exerce o poder tende a se corromper e a dele abusar. Todos, sem exceção, procuram se apoderar do poder e tendem a ampliá-lo por meios impróprios e a usurpá-lo, exercendo-o além de seus limites constitucionais permitidos e autorizados. Esse controle do povo se faz, normalmente, pela mídia: jornais, radiodifusão e televisão. Também se faz por meio do Ministério Público, que, apesar de ser um órgão do Poder Executivo, detém independência constitucional para defender os interesses da sociedade. De forma ancilar, o próprio cidadão pode exercer sua parcela de controle dos ramos governamentais ao fazer passeatas, mandar cartas aos deputados, escrever artigos ou manifestar sua opinião nos jornais e emissoras de rádio, ou participar de uma ONG.
Se o povo se omite nessa fiscalização, ficando inerte e deixando apenas nas mãos dos governantes a livre aplicação dos recursos financeiros arrecadados com os impostos, bem como a escolha e fixação dos interesses colocados nas leis, ainda que os agentes políticos aleguem estar buscando a melhor solução social, esse povo se torna servil e inoperante. A inação, o desinteresse pelas coisas públicas, a passividade e a tolerância com a corrupção são a marca – talhada no costume secular de aceitação do domínio dos governantes por meio de suas leis inconstitucionais – de um povo escravizado. Nenhuma Constituição recém-promulgada ou lei inovadora pode salvar esse tipo de povo, acostumado aos grilhões. A construção de qualquer edifício começa pela base, pelos seus alicerces. Politicamente, uma nação democrática se constrói a partir do seu povo, que deve ser livre. A democracia e a liberdade exigem que, a todo instante, se lute por elas. Daí por que os embates entre os Poderes são naturais e necessários, permanecendo, ainda, todos eles sob o controle do povo, que deve ficar em constante vigilância contra os tiranos, que são muitos a ambicionar o poder, e seus previsíveis abusos.
4 A LEI COMO EXPRESSÃO DA VONTADE DA MAIORIA. A FUNÇÃO PRIMORDIAL DO JUDICIÁRIO COMO PODER ANTIMAJORITÁRIO Há, ainda, uma distinção, muito sutil e pouco considerada, entre os três ramos governamentais. É que em dois deles (o Legislativo e o Executivo) os seus agentes são eleitos pelo povo. Atuam como representantes do povo. Os parlamentares e os governantes (presidente da República, governadores e prefeitos) são eleitos pela maioria dos cidadãos justamente para defender os interesses e fazer prevalecer a vontade dessa maioria. Daí, decorre que as leis feitas no Congresso nacional (ou nas assembleias legislativas e câmaras municipais) e sancionadas pelo presidente da República (ou governadores e prefeitos) devem veicular, como regra, a vontade da maioria, resguardando
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exclusivamente a relação jurídica controversa entre particulares, terceiros no caso (empregado e empregador). Note-se que a sentença trabalhista não pode criar para a seguridade social (terceiro, estranho à demanda) um direito que não foi objeto de discussão na lide. Ainda que crie, cabe ao INSS, de posse da sentença, constituir regularmente o crédito tributário, observado o devido processo legal, mediante ampla defesa prévia, e fazer sua inscrição da dívida ativa, notificando o contribuinte, antes de executá-lo na Justiça Federal (única competente para o caso, a ver pelo disposto no art. 109, inciso I, da CF), na qual o devedor ainda tem a oportunidade de apresentar nova defesa, com os recursos a ela inerentes.
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o interesse, geralmente econômico, dessa maioria. O princípio da representação pressupõe a lógica desse raciocínio. Portanto, esses dois Poderes, cujos membros são eleitos pelo voto, representam – pelo menos teoricamente – o interesse majoritário do povo. As leis devem refletir e encampar esses interesses majoritários.
E esses direitos e interesses minoritários? Como são preservados?
Contudo, se assim não ocorre no Brasil, é porque há defeito no processo representativo. Como se sabe, aqui, secularmente, o Congresso Nacional sempre representou o interesse de minorias oligárquicas, protegendo, por meio de leis, os seus interesses. Instituíram-se, a seu favor, não raras vezes, verdadeiros monopólios privados, como acontece com os bancos e as empresas de telecomunicação. Basta ver, para conferir a falta de representatividade do parlamento brasileiro, que até poucos anos atrás o analfabeto não votava. Essa situação só se modificou com a promulgação da Constituição de 1988, a Constituição Cidadã, que ampliou a representatividade congressual. Ora, como se sabe, ainda hoje parcela significativa do povo brasileiro é analfabeta. Logo, o Congresso não representava, até bem recentemente, o interesse do povo ao fazer as leis. Por isso mesmo, como sabido, a maioria da legislação editada anteriormente a 1988 padece do vício da inconstitucionalidade, por resguardar, apenas, os interesses de grupos oligárquicos minoritários. Essa sub-representação deve ser considerada pelo Judiciário na análise do caso concreto, devendo atenuá-la.
Seguiu, nesse passo, o paradigma americano. Lá, como atualmente cá, o Poder Judiciário constitui poder político independente e autônomo.
Voltando-se, pois, à normalidade dos países democráticos – e esquecendo o caso atípico de falta de representação congressual brasileira, que facilita a usurpação do poder pelo Executivo – o modelo montado pela nossa atual Constituição pressupõe a representação majoritária dos Poderes eleitos: Legislativo e Executivo. Por consequência, as leis editadas têm, necessariamente, que abranger e incorporar os direitos e interesses majoritários, sem, contudo, prejudicar os das minorias.
A Constituição deu a solução para esse problema ao instituir o Poder Judiciário como poder político não eleito, portanto, antimajoritário.
Para que o Judiciário possa, livremente e com segurança, exercer o controle da vontade da maioria, geralmente veiculada por lei, ele foi elevado à condição de poder político, com essa missão precípua: a de confrontar a vontade do legislador (hipoteticamente representado a vontade da maioria), com a Constituição, ou seja, a vontade geral da Nação, ou do povo, da qual emana todo poder político dos três ramos governamentais18. Visualizando esse cenário, registrou o Chief Justice Rehnquist, referindo-se à divisão do poder adotado na América, que, ao contrário da tradição inglesa, na qual o juiz não pode anular ato do Parlamento, essa foi a intenção clara dos elaboradores da Constituição de 1787: Eles queriam que os juízes fossem independentes do Presidente e do Congresso, mas também, com toda probabilidade, que as Cortes federais fossem capazes de dizer se a legislação editada pelo Congresso era consistente com as limitações da Constituição dos Estados Unidos. Os elaboradores reconciliaram, de um modo mais ou menos grosseiro, a necessidade de uma instituição antimajoritária como a Suprema Corte para interpretar a Constituição dentro de um amplo sistema de governo basicamente comprometido com a regra majoritária (They wanted the judges to be independent of the president and of Congress, but in all probability they also wanted the federal courts to be able to pass on 18 SILVEIRA, Paulo Fernando. Devido processo legal (due process of law). 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p. 327.
Portanto, sendo o Judiciário quem dá a última palavra sobre a constitucionalidade das leis, ele, como poder não eleito e guardião dos direitos das minorias, só pode sancionar, como constitucionais, as leis, justas paras as maiorias, que não prejudiquem os grupos minoritários protegidos pela própria Constituição, a saber, exemplificativamente: idosos, crianças, mulheres, índios, gays, negros, aidéticos, pessoas de origem estrangeira ou de procedência preconceituosamente estabelecida, como a dos nordestinos, etc. Para isso, foi dotado, também, do poder de apreciar a justiça da lei ou do ato administrativo, com fulcro no substantivo devido processo legal (substantive due process of law), doutrina que foi desenvolvida no Direito constitucional americano. O princípio do devido processo legal foi incorporado na Constituição brasileira de 1988, com oito séculos de atraso. Pois, se assim o Judiciário não atuar, isto é, se simplesmente der executividade a leis majoritárias que violem os direitos das minorias, constitucionalmente assegurados, ele passa a agir como braço opressor, a serviço da maioria, que os Poderes eleitos encarnam. Em última análise, o Poder Judiciário passa a servir como braço forte do governo. Nesse caso, a quem esses grupos minoritários recorrerão? Aos Poderes eleitos, representativos dos interesses majoritários? Não estaria, aí, então, instituída a ditadura da maioria, a que alude Alexis de Tocqueville, na sua tão decantada “democracia na América”?
19 REHNQUIST, William H. The Supreme Court. William Morrow, N. York, USA, 1987. p. 306.
Evidente que não! A nossa Constituição instituiu o Judiciário como poder político não eleito, porém em igualdade de força política com os outros dois ramos governamentais. Ao Judiciário, foi reconhecido o poder político de anular as leis feitas pelo Congresso Nacional e os atos da Administração Pública que violarem a Constituição. Perfilhou-se, nesse passo, o exemplo de seu paradigma americano, a Constituição de 1787, de onde foi extraído o judicial review20, que foi declarado pela Suprema Corte daquele país, em inesquecível voto do Chief-Justice John Marshall, ao apreciar, em 1803, o caso Marbury v. Madison21. Como, no Brasil, há, historicamente, uma inversão na representação congressual, pois quem sempre dominou o Congresso foi uma minoria oligárquica (grandes industriais, banqueiros, latifundiários, os donos dos grandes jornais e canais de televisão, ou pessoas ligadas a esses grupos de interesse, ou patrocinadas ou financiadas eleitoralmente por eles), a lei, como regra, nunca representou a vontade majoritária, mas apenas a de uma minoria privilegiada. Essa minoria não é aquela que a nossa Constituição pretendeu proteger. Daí a razão de tanta pobreza e de tamanha exclusão social, existentes em nosso País. Assim, presentemente, o Poder Judiciário – que é, ontologicamente, o defensor das minorias – deve tomar o maior cuidado na aplicação das leis, já que elas, absurdamente, de um modo geral, beneficiam minorias financeira e economicamente fortes, que se fazem representar, quase que com exclusividade, no Congresso, e prejudicam os interesses e direitos da própria maioria do povo, eis que essa maioria, normalmente, sempre foi excluída da representação congressual na elaboração das leis.
20 MARSHALL, John. Marbury v. Madison, 5. U.S. 137, 1803. 21 Sobre detalhes desse memorável julgamento, vide meu livro Freios e contrapesos (checks and balances). Belo Horizonte: Del Rey: 1999.
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whether or not legislation enacted by Congress was consistent with the limitations of the United States Constitution. The framers reconciled in a somewhat roughhewn way the need for an anti-majoritarian institution such as the Supreme Court to interpret a written constitution within a broader system of government basically commited to majority rule).19
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5 DOIS CORPOS DISTINTOS DE NORMAS CONSTITUCIONAIS. SUSPEIÇÃO DA LEI QUE ATENTE CONTRA OS DIREITOS INDIVIDUAIS E SUAS GARANTIAS. ESCRUTÍNIO ESTRITO E INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA Visando a proteger as verdadeiras minorias (as expressamente mencionadas na Carta Política) contra as leis, que normalmente expressam a vontade da maioria, por meio da representação congressual, a nossa Constituição federal fez, claramente, uma distinção entre os direitos fundamentais antimajoritários que, por sua própria natureza, não podem ser extintos por lei, ou ter, por esta, o seu livre exercício obstaculizado, e aquelas matérias que podem, sob qualquer aspecto, salvo pouquíssimas restrições, ser objeto de leis que, evidentemente, pressupõem a veiculação da vontade majoritária.
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A nossa Magna Carta seguiu, nesse passo, as mesmas linhas mestras traçadas pela Constituição americana de 1787, que só foi ratificada pelos Estados-membros depois de assumido o compromisso de se agregar nela um Bill of Rights, o que aconteceu em 1791, por influência de Thomas Jefferson e iniciativa parlamentar de James Madison.
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A importância dos direitos individuais inseridos na Constituição americana, em virtude das oito primeiras emendas, foi ressaltada pela Justice Sandra Day O’Connor (a primeira mulher a ter assento na Suprema Corte dos Estados Unidos), em seu livro The Majesty of the Law22. Demonstrando excepcional percepção, com acuidade, escreveu ela: “Esta é a grande ironia do Bill of Rights. A maioria dos americanos pensa que a Constituição e o Bill of Rights caminham de mãos dadas. Porém, a mais apro22 O’CONNOR, Sandra Day. The Majesty of the Law. USA: The Easton Press, 2003. p. 59.
priada analogia é a da bola e da corrente”. Entendido, aqui, como duas coisas distintas e opostas, mas necessariamente atadas entre si. O Bill of Rights foi uma restrição imposta ao novo governo federal para evitar que atuasse fora de controle. Foi posto lá em resposta aos anseios daqueles que estariam felizes se a Constituição jamais tivesse sido ratificada. Adicione-se à ironia este fato: enquanto a Constituição representa a pedra fundamental de nosso compromisso, como nação, aos princípios de um governo representativo e leis majoritárias, o Bill of Rights é, decididamente, um documento antimajoritário. No Bill of Rights os emulduradores da Constituição construíram um muro em volta de certas liberdades individuais fundamentais, limitando, para sempre, a possibilidade da maioria se intrometer nelas (This is the great irony of the Bill of Rights. Most Americans think of the Constitution and the Bill of Rights as going hand to hand. But the more appropriate analogy is ball and chain. The Bill of Rights was a restraint imposed on the new federal government to keep it from running out of control. It was put there in response to concerns by people who would have been quite happy had the Constitution never been ratified. Adding to the irony this fact: while the Constitution is the cornerstone of our nation’s commitment to principles of representative government and majority rule, the Bill of Rights is a decidedly antimajoritarian document. In the Bill of Rights, the Framers built a wall around certain fundamental individual freedoms, forever limiting the majority’s ability to intrude upon them).
Objetivando alcançar o mesmo propósito, a Constituição brasileira foi dividida em duas partes distintas – uma que protege os interesses minoritários e outra em que prevalece a vontade da maioria. Desse modo, a leitura e a interpretação da lei fundamental deve ser feita de dois modos diferentes, dependendo da natureza da norma submetida a exame. Resulta, daí, que não é permitida a interpretação linear, em uma ótica axiológica equalizadora, como se todos os dispositivos constitucionais incorporassem valores paritários, de igual intensidade e mesmos pesos jurídicos. Ao inverso, a noção básica, estabelecida pela Carta Política, é a da distinção inelutável ente as regras que disciplinam os direitos individuais e suas garantias (naturalmente oponíveis ao governo e às suas leis, oposição essa que conta
Assim, as normas constitucionais definidoras dos direitos individuais fundamentais vêm informadas pelo princípio antimajoritário, tanto que o seu exercício não depende da edição de prévia lei para reconhecê-los ou regulá-los, a ver pelo disposto na Constituição Federal, art. 5º, § 1º: As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. Por serem livremente exercitáveis, a vontade majoritária veiculada pela lei não pode impedir ou anular o exercício desses direitos individuais fundamentais, essencialmente antimajoritários, eis que consagrados na e protegidos pela própria Carta Magna. Sobre as limitações que recaem sobre a maioria, ainda que sua vontade seja instrumentalizada mediante lei, adverte Robert H. Bork: Há coisas que a maioria não pode fazer, por mais democraticamente que tenha sido a decisão. São áreas deixadas para a liberdade individual, sendo a coerção da maioria nesses aspectos da vida uma tirania. [...] A tirania da maioria ocorre se a legislação invade as áreas próprias deixadas para a liberdade individual (There are some things a majority should not do to us no matter how democratically it decides to do them. These are areas properly left to individual freedom, and coercion by the majority in these aspects of life is tyranny. [...] Majority tyrany occurs if legislation invades the areas properly left to individual freedom).23
Daí se extrai, com clareza – considerando que o direito individual fundamental é livremente exercitável, independentemente de prévia lei, sendo esta a expressão da vontade majoritária – que a lei que pretende interferir nos direitos individuais (mesmo à guisa de regulamentar o seu exercício), constitui lei suspeita de inconstitucionalidade. Desse modo, há de se inverter o ônus da prova quanto à interpretação de sua constitucionalidade. Sig23 GARVEY, John H.; ALEINIKOFF, T. Alexander. Op. cit., p. 41.
nifica dizer que esse tipo de lei (a que toca nos e mexe com os direitos individuais) deve ser considerada, a priori, pelo Judiciário como presumidamente inconstitucional, salvo se a Administração Pública comprovar, mediante a apresentação de dados reais e concretos, que a intervenção se deu em virtude, ou em defesa, de relevante interesse social, o qual a tenha compelido a agir ou a legislar sobre aquele direito individual. Portanto, em relação aos direitos individuais fundamentais, não se aplica, tout court, como verdade teórica absoluta – sem a devida comprovação fática, real e concreta, a cargo do governo, da necessidade de intervenção, motivada por um interesse público relevante e sobrepujante – o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, oriundo da escola francesa, o qual constitui regra matriz que sempre sustentou, sem maiores indagações e questionamentos, o Direito administrativo brasileiro. Em bases constitucionais, temos, pois, que toda e qualquer intervenção do governo nessa área sensível dos direitos individuais e suas garantias deve ser considerada perigosa, salvo justificante e provada motivação social (aqui não basta a simples e genérica alegação governamental no sentido de estar atuando em defesa do interesse público; há de prová-lo substancial e concretamente). O ônus da prova, nesse caso, compete ao ente político governamental que tenha editado a lei ou o ato administrativo. O Judiciário deve exercer o mais rigoroso e meticuloso exame das razões apresentadas pelo governo para justificar a edição da lei, ou do ato administrativo. O princípio que rege essa interpretação é o do escrutínio estrito ou exame meticuloso das razões invocadas pela Administração Pública. A imprescindibilidade da atuação, ante um imperativo, real e concreto interesse público, a ser preservado, constitui a pedra angular da questão envolvendo a excepcional legitimidade do governo para agir.
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com a sanção da própria lei fundamental) e aqueles outros normativos constitucionais, que regem outras matérias.
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6 DIREITOS INDIVIDUAIS BÁSICOS Desses direitos ontologicamente antimajoritários, cuidou a Constituição, prioritariamente, ao tratar dos direitos e garantias fundamentais, na qual são destacados os direitos e garantias individuais. Esses direitos, instituídos contra o Estado, ou seja, contra os poderes eleitos, que representam a vontade da maioria, são arrolados no art. 5º da Constituição Federal. Basicamente, os direitos individuais fundamentais são apenas dois: vida e liberdade.
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A propriedade, não obstante constar da garantia do devido processo legal (due process of law), de que cuidam os incisos LIV e LV do art. 5º da Carta Magna – ali mencionado como privação de seus bens – não constitui direito individual fundamental, já que é, de modo ínsito, fortemente imantado pelo interesse social, podendo ser extinto pela desapropriação, mediante prévia indenização (salvo outra forma excepcional de pagamento prevista na própria Constituição), mas não podendo, jamais, ser objeto de confisco. O confisco de bens afeta e se reflete no direito à vida, prejudicando substancialmente o seu exercício. Por isso, é vedado pela Constituição.
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A Constituição americana de 1787, seguindo a doutrina tripartite de Locke, ao tratar do devido processo legal (Emendas V e XIV), estendeu a proteção à propriedade, ao lado da vida e da liberdade, na dicção da Emenda V: “[...] nor be deprived of life, liberty, or property, without due process of law; [...]”. Todavia, não lhe atribuiu caráter de direito fundamental, eis que, adotando o ensinamento de Thomas Jefferson que, na Declaração de Independência de 04.07.1776, a excluiu do trinômio lockeano de direitos fundamentais, substituindo-a pela busca da felicidade (We hold these Truths to be self-evident, that all Men are created equal, that they are endowed by their Creator with
certain unalianabel Rights, that among these are Life, Liberty, and the Pursuit of Happiness [...]) Desse modo, a Constituição americana também permitiu a desapropriação da propriedade, para uso público, mediante justa indenização: “[...] nor shall private property be taken for public use, without just compensation”. Ao julgar os chamados Granger Cases, a Suprema Corte dos Estados Unidos, em decisão unânime, de 1877, restringiu a proteção dada pelo devido processo à propriedade, sujeitando-a ao interesse público e à sua função social. A Corte sustentou a validade das leis contra os ataques fundados no devido processo legal, sob o fundamento de que “[...] a propriedade se reveste de interesse público quando usada de maneira a causar consequência pública e afetar em geral a comunidade”. Tal propriedade deve “ser controlada pelo público em razão do bem comum, na extensão do interesse assim criado” (“[...] property.... become(s) clothed with a public interest when used in a maner to make it of public consequence, and affect the comunity at large”. Such property may “be controlled by the public for the common good, to the extent of the interest ... thus created”)24. A partir daí, a propriedade passou a sofrer severa regulamentação do Poder Público (poder de polícia). Os dois direitos fundamentais (vida e liberdade), anteriormente mencionados, desdobram-se, fazendo surgir inúmeros outros que, na essência, deles se originam. Assim, do direito fundamental à vida decorrem, entre outros, os seguintes: a) o direito ao trabalho – ou o livre exercício de qualquer atividade econômica – isto é, de adquirir pelo trabalho os
24 SCHWARTZ, Bernard. A Book of Legal Lists. USA: Oxford University Press, 1997. p. 58.
de espíritos de supostos médicos, já falecidos. Excepciona-se, é claro, as meramente simbólicas, de gestos, imitando a cirurgia real, ou por simples imposição de mãos, sem corte, perfuração ou aplicação de raios-X, laser, ou meio semelhante, no corpo do paciente; b) direito de o indivíduo livremente casar ou viver com a companheira por ele escolhida, de ter ou não filhos, ou seja, o direito de procriar ou não procriar, ou de a mulher interromper sua gravidez nos primeiros meses e em certos casos criminais, como a decorrente do estupro; c) o direito de o indivíduo ter e exigir o acesso à assistência e à saúde disponibilizadas pelo governo; d) direito ao meio ambiente limpo e sadio, inclusive no local de trabalho; e) direito a uma morte digna, podendo optar pela não continuação de tratamento médico doloroso ou prolongado, ou mediante o uso de aparelhos que, artificialmente, prolonguem a vida. Note-se que, neste caso, a decisão final é, sempre, do paciente e não do médico ou de membro da família, ainda que o facultativo alegue que o tratamento é necessário a fim de salvar a vida do paciente terminal. Quanto aos parentes, não se pode aceitar sua decisão, pois sobre eles sempre pesa a suspeição de haver interesses financeiros subalternos, como a herança, por exemplo. O paciente pode manifestar sua vontade oralmente, se estiver lúcido, ou por escrito, anterior ou posterior ao descobrimento da enfermidade fatal, ou que o tornou totalmente incapacitado. Qualquer um da família pode provar, por qualquer meio, a intenção do moribundo. Sendo a vida o primeiro e o mais essencial dos direitos fundamentais, do qual decorrem todos os demais, não pode o Estado extingui-la, nem mesmo em tempo de guerra, em virtude de punição militar (corte marcial). Somente se admite, em caso excepcional de guerra, o alistamento militar compulsório e as punições decorrentes da covardia em combate ao inimigo (expulsão da corporação, perda do direito de uso da farda, medalhas, insígnias, divisas e patentes e aplicação da pena de reclusão, etc.), mas, jamais, a aplicação e execução da pena
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meios de sobrevivência, podendo o indivíduo exercer qualquer profissão ou atividade lícita, salvo aquelas que dependerem de qualificações técnicas, exigidas por lei, fundadas em prevalente interesse público, devidamente comprovado. A regra é que todo trabalho pessoal e atividade econômica são lícitos, independentemente de lei ou autorização do ente governamental. Não há necessidade de prévia lei para se regular uma atividade individual, seja intelectual ou de trabalho manual. Ao contrário, a intervenção do governo, limitando o exercício do direito ao trabalho, só pode acontecer para proteger verdadeiros interesses públicos. Quanto às qualificações técnicas, há de se distinguir. Primeiramente, elas não podem ser exigidas naquelas profissões inteiramente intelectuais, como a do jornalista, cujo exercício é livre para qualquer pessoa. Segundo, a restrição está condicionada à existência de profissional, legalmente habilitado, na localidade. Caso contrário, o leigo pode atuar nos casos simples ou emergenciais, desde que compatível com o seu grau de conhecimento experimental da matéria, como aconteceu no passado com o dentista prático (caso de Tiradentes), o rábula do direito (v. art. 75 da Lei nº 4.215/1963, antigo estatuto da OAB), o construtor prático (desenhava a planta e edificava a casa residencial ou de comércio), etc. Evidentemente, não havendo, na localidade, pessoa formada, o interessado no serviço não é obrigado a contratar profissional de outra cidade, salvo se de seu interesse particular. Todavia, em algumas situações, mesmo não existindo profissional qualificado na localidade, a Administração Pública pode impedir a atividade do leigo, como a desenvolvida na construção de um prédio de vários andares, que exija cálculos complexos, fora do seu alcance prático de conhecimento, ou a relativa ao exercício da medicina cirúrgica, salvo, é lógico, a pequena incisão, urgente e necessária para se salvar a vida, em risco iminente, do paciente, como a traqueotomia. O governo pode e deve vedar qualquer outro tipo de cirurgia, por extrapolar a área do conhecimento prático do leigo, inclusive a chamada de “espiritual”, decorrente de alegada incorporação
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de morte. Também, não é lícita a decretação de pena de morte criminal comum, ou o estado de morte civil (civil death), de direito privado, com perda dos direitos civis e, consequentemente, dos meios de subsistência, nos casos de crimes de alta traição, ainda que tais sanções estejam previstas em lei. Ontologicamente, a vida – por se constituir em um direito natural, inalienável e indisponível – precede à formação do Estado. Daí por que o governo, que representa a vontade majoritária da sociedade política, não tem legitimidade, jamais, para decretá-la. Mesmo que dispositivo expresso, autorizador, conste da Carta Política, ele é inconstitucional, de modo inexorável, justamente por ferir o direito à vida, que é o mais sagrado dos direitos fundamentais, em razão de sua natureza substancial, intocável, e de seu caráter estrita e absolutamente antimajoritário.
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Já da liberdade emanam, só para arrolar alguns, (a) o direito à liberdade física propriamente (ir, vir e ficar) e os outros correlatos, como: (b) o da privacidade (o direito de estar sozinho, consigo mesmo, sem ser molestado por ninguém – muito menos pelos agentes do governo –, como o de ler, particularmente, qualquer livro, ainda que tido por pornográfico, e o de praticar, de fato, privadamente, sua orientação sexual; (c) o da inviolabilidade do domicílio (Minha casa é meu castelo! Ainda que seja um simples casebre em uma pobre favela!), ninguém pode penetrar, sem o consentimento do morador, na casa residencial à noite (salvo em flagrante delito, desastre ou para prestar socorro), ou, durante o dia, a não ser com ordem judicial; (d) o da livre manifestação do pensamento, em suas diversas facetas: 1) o de informar (abrir jornais, instalar estações de rádio e de televisão, observado, quanto a esses dois últimos, apenas, o princípio da igual utilização por todos do espectro eletromagnético, distribuir panfletos, etc.); 2) o de ser informado por fontes diversificadas, não monopolizadas, e sem controle do governo; 3) o de ter crença religiosa, ou de não tê-la; 4) o de reunião, formando clubes, associações e organizações, a fim de poder expressar e defender
suas diferentes opiniões, inclusive aquelas que desagradem o governo, ou certos grupos da população.
7 DISTINÇÃO ENTRE ADVOCACIA DE IDEIAS E INCITAÇÃO AO CRIME No campo da livre manifestação do pensamento, há de se fazer uma importante distinção. A que expõe a diferença que existe entre a advocacia de ideias e a incitação ao crime. A Constituição assegura o direito à livre manifestação do pensamento, por quaisquer meios, inclusive os artísticos (escultura, pintura, literatura, cinema, etc.). Assim, o indivíduo tem direito de livremente expor suas ideias, ou defender suas ideologias, ainda que contrariem o pensamento reinante na sociedade. Pode-se dizer comunista, ateu, nazista, gay, evangélico, católico, maçom, espírita, pai de santo, etc. Ou pode se dizer apolítico, agnóstico ou ateu. Pode defender a superioridade de qualquer raça ou sexo. Pode usar os símbolos, emblemas e insígnias que julgar conveniente para expressar suas ideias, como, por exemplo, a cruz, a suástica, o martelo entrelaçado com a foice e a estrela vermelha. Lícito lhe é, ainda, usar as vestimentas próprias de sua doutrina: a batina, o hábito, o uniforme, o capuz (este como na procissão do fogaréu, em Goiás, ou na passeata pacífica dos membros da Ku Klux Klan nos EUA), etc. Pode-se até queimar a bandeira brasileira em protesto político. Estamos, pois, aqui, no domínio da advocacia de ideias, permitida e assegurada pela Constituição. Diferentemente ocorre quando há incitação ao crime, mediante a prática de atos concretos de início de execução do delito. Saliente-se, todavia, que a Constituição protege a defesa de tese, no sentido de não ser delituosa determinada conduta, ainda que tipificada como tal no Código Penal. Difere da apologia do crime, em que se incita à prática de determinada conduta delituosa, sem se defender a atipicidade do ilícito. Enfim, a troca de ideias é salutar e garantida pela Constituição, salvo
8 OUTROS DIREITOS INDIVIDUAIS ALÉM DO ROL DO ARTIGO 5º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL Os direitos individuais fundamentais e suas garantias se encontram, em regra, arrolados literalmente no art. 5º da Constituição Federal. Contudo, esses direitos e garantias nela expressos, como afirma a própria Carta Política, não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais de que o Brasil seja signatário (CF, art. 5º, § 2º). O exemplo provém da Constituição dos Estados Unidos da América de 1787. Ela não cuidava, textualmente, do direito à privacidade. Ao julgar o caso Griswold v. Connecticut (1965), a Suprema Corte, em voto memorável do Justice William O. Douglas, estabeleceu, pioneiramente, o direito constitucional à privacidade (right to privacy), quando afirmou – baseando-se em outros direitos civis não mencionados na Constituição, tais como o direito de associação, o de educar os seus filhos e o de liberdade acadêmica, que: “Específicas garantias do Bill of Rights têm penumbras, formadas pelas emanações daquelas garantias, que ajudam a lhes dar vida e substância” (Specif guarantees in the Bill of Rights have penumbras, formed by emanations from those guarantees that help gave them life e substance)25. Logo, outros direitos civis, não mencionados na Constituição brasileira, decorrem diretamente, ou podem ser extraídos de sua penumbra, do regime de governo adotado, isto é, Estado 25 KAIRYS, David. With Liberty and Justice for Some. USA: The New Press, 1993. p. 151.
Democrático de Direito, sob o império da lei, esta subordinada à Constituição, enfeixando o princípio da igualdade e o exercício da cidadania (sua maior expressão é o voto secreto – que, como direito, não pode ser obrigatório nem ser a abstenção objeto de multa pelo governo – e, ainda, o direito de exercer cargos públicos por eleição ou concurso público), forma e sistema de governo (república e presidencialismo) e de Estado (federalismo), e dos princípios adotados pela Carta Magna, podendo ser citados, entre outros, o republicano (ninguém pode exercer a função pública ou permanecer no cargo público, senão por prazo certo e determinado), o federalismo (divisão de poder entre os entes federativos (União, Estado-membro e Municípios, respeitando-se sua autogovernabilidade), o da separação dos poderes políticos (Legislativo, Executivo e Judiciário, cada um independente dos outros dois), o pluralismo político (as várias tendências políticas e visões do mundo devem ser expressas por partidos políticos distintos; não pode haver um só partido político comandado pelo governo, ou mesmo mais de um, de fachada, se forem dominados pelo governo), o respeito à dignidade da pessoa humana; os valores sociais do trabalho e a livre iniciativa na ordem econômica, com repúdio aos monopólios, cartéis e trustes. Destaca-se, notadamente, ainda, entre os princípios tributários, o que proíbe o confisco.
9 TRATADOS E CONVENÇÕES INTERNACIONAIS. DIREITOS HUMANOS. FORÇA DE EMENDA CONSTITUCIONAL Como se viu, nem todo direito individual se acha expresso literal e taxativamente na Constituição. A Carta Magna inclui, também, entre os direitos individuais fundamentais os decorrentes dos tratados internacionais de que o País seja parte (CF, art. 5, § 2º). Promulgado o tratado pelo Congresso Nacional, por meio de decreto legislativo, ele se
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quando incitam, concretamente, à prática do fato penalmente típico, dando início, com atos de execução, ao iter criminis.
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incorpora ao ordenamento jurídico nacional. Na parte em que dispõe sobre direitos individuais, ele é recepcionado, instantaneamente, como adição às garantias constitucionais, valendo como norma constitucional, não podendo, pois, ser abolidos por emendas constitucionais ou, sequer, por leis, em decorrência da cláusula pétrea que protege os direitos individuais contra a intrusão do Estado (CF, art. 60, 4º, IV).
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Portanto, qualquer outro direito individual, não arrolado no art. 5º de nossa Carta Política, e que seja objeto de tratado internacional, passa a se incorporar ao citado rol instantaneamente, mediante a simples promulgação, pelo Congresso, do decreto legislativo que referenda o tratado internacional firmado pelo Poder Executivo. Para efeito de aprovação desse tipo de tratado não se exige forma especial (CF, arts. 49, I, e 84, VIII).
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Já, no caso de tratados e convenções internacionais dispondo sobre direitos humanos, eles terão equivalência à emenda constitucional se forem aprovados em cada Casa do Congresso, em dois turnos, por três quintos dos votos (CF, art. 5º, § 3º). A restrição se justifica, uma vez que a expressão “direitos humanos” é mais ampla e abrangente do que a de “direitos individuais”, eis que nem tudo referente ao gênero humano é pertinente ao indivíduo, como espécie. Exemplo de direitos humanos se tem no tratado ou convenção internacional que dispõe sobre o tratamento que deve ser dispensado ao prisioneiro de guerra. Também, viola os direitos humanos a manutenção de prisioneiros, oriundos de conflitos bélicos, sem guerra declarada, em cadeias secretas dispersas por vários países. Em razão da matéria versada nesses tratados, por ser muito mais abrangente do que a relativa aos direitos individuais, exige-se forma especial de aprovação congressual para sua incorpo-
ração entre os direitos fundamentais, já que o tratado passa a equivaler a uma emenda constitucional. Tal formalidade (aprovação em dois turnos, com quorum qualificado), porém, não se aplica aos direitos individuais, mesmo quando embutidos nos direitos humanos, já que uns se distinguem nitidamente dos outros, em virtude da relação gênero/ espécie. Enquanto os direitos individuais decorrentes de tratados internacionais se incorporam definitivamente em nossa Constituição, não podendo ser mais abolidos, em razão da garantia pétrea que os protege, os direitos humanos podem ser modificados, atenuados ou anulados por meio de emenda constitucional, já que não gozam daquela específica garantia constitucional. Não se referindo a direitos humanos e/ou a direitos individuais, os tratados e convenções internacionais firmados pelo Brasil e promulgados pelo Congresso valem apenas como leis ordinárias.
10 CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS INDIVIDUAIS Os direitos individuais fundamentais têm características próprias, a saber: a) são direitos livremente exercitáveis, independente da existência de prévia lei. Portanto, a ausência de lei não impede o seu pleno exercício, já que a própria Constituição afirma que as normas constitucionais que os definem têm aplicação imediata (CF, art. 5º, § 1º). A lei, quando vier e se vier, não pode extingui-los, mas apenas disciplinar o seu uso comum, considerando a existência de relevante e compelidor interesse público, que deve ser real, concreto e demonstrável. Só nessas condições o governo pode interferir, mediante lei, nessa área sen-
b) os direitos individuais e suas garantias são protegidos pelo núcleo constitucional pétreo, não podendo ser abolidos, ou suprimidos, por lei nem por emenda à Constituição (CF, art. 60, § 4º, IV); a lei só pode regular o seu exercício, a bem da comunidade, comprovando-se a necessidade, real e efetiva, de sua edição.
11 NATUREZA AUTOEXERCITÁVEL. INDEPENDÊNCIA DE PRÉVIA LEI Justamente por serem os direitos individuais de natureza antimajoritária, protegidos contra a agressão da lei (ou de emenda constitucional), que é, ostensivamente, de cunho majoritário, eles não podem ser abolidos, extintos ou ter o seu exercício impedido, máxime sob o falso argumento de ausência de lei. Assim, os direitos fundamentais não precisam de lei para validá-los e lhes dar eficácia. Obtêm a sua legitimação e sua autoexecutividade da própria Constituição, que os reconheceu e lhes deu aplicação imediata. Em um País, como o nosso, que se rege,
formalmente, pelo Estado Democrático de Direito, é a Carta Política que, ao positivá-los, dá vida e substância aos direitos civis fundamentais, não obstante a existência deles a preceder. Assim, a falta de lei sobre determinado direito fundamental, arrolado como tal na Constituição, não torna o seu exercício ilegal, clandestino ou pirata.
12 GARANTIAS DOS DIREITOS INDIVIDUAIS De nada valeria a especificação dos direitos individuais fundamentais se não houvesse meios de implementá-los, realizá-los, torná-los efetivos e oponíveis perante o governo. Para que o indivíduo realmente deles desfrute, a Constituição enumerou, junto com eles, uma série de garantias, que também não podem ser violadas, ou anuladas, pela lei, tampouco por meio de emendas constitucionais (CF, art. 60, § 4º, inciso IV). Por conta disso, a lei não pode proibir o Judiciário de apreciar certas questões, retirando-lhe a jurisdição (o que ocorreu, frequentemente, durante as ditaduras), nem mesmo impedindo-o de dar liminares sobre os direitos individuais, a uma porque maltrata, expressamente, o Texto Constitucional que resguarda os direitos individuais e suas garantias e, a duas, porque se viola o princípio da separação dos Poderes. O Judiciário é quem detém, pela Constituição, o poder de dar a última palavra na interpretação da lei fundamental. No tocante aos direitos individuais e suas garantias, nem por emenda constitucional os poderes eleitos podem derrubar a decisão judicial. O Judiciário tem o dever de resguardar o direito individual, e suas garantias, contra os ataques dos ramos eleitos do governo, seja por lei ou ato administrativo, não podendo se furtar, ou ser proibido, de emitir provimentos cautelares para assegurar o exercício do direito em risco de perecimento.
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sível e usualmente intocável dos direitos individuais. Quando a Constituição diz, no que diz respeito aos direitos individuais – já que a norma está inserida no capítulo que deles trata (art. 5º, inciso II) – que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, está consagrando o princípio de que tudo é permitido, sem nenhum embaraço governamental, salvo se vier lei regendo o exercício do direito em questão. Nesse caso, a lei, para ser constitucionalmente válida, já que adentra na seara restrita, normalmente proibida, dos direitos fundamentais, não pode impedir o exercício do direito assegurado na Constituição. Ela só pode outorgar poderes de gestão ao governo, para que administre o uso comum do direito, de modo que todos dele usufruam, sem uns prejudicarem os outros.
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Essas garantias constitucionais se resumem, basicamente, no livre acesso ao Poder Judiciário, eis que, consoante o Texto Constitucional (CF, art. 5º, inciso XXXV), “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
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Sem o livre acesso ao poder político – o Judiciário – que tem a missão de resguardar o direito e os interesses da minoria, não há como alguém defender os direitos individuais. O compromisso dos ramos políticos eleitos é, em tese, com a maioria. Vimos que no Brasil a coisa ocorre de maneira diferente, em face do defeito na representatividade popular no Congresso nacional. Por conta disso, uma tarefa maior é atribuída ao nosso Judiciário: defender a maioria, excluída dos benefícios, das riquezas e das oportunidades, em virtude de leis feitas por poderosas minorias insulares, em defesa de privilégios, o que, por isso mesmo, as torna, no mais das vezes, maculadas e inconstitucionais, eis que padecem dos vícios da injustiça e da falta de alcance majoritário.
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Complementa esse direito fundamental de acesso ao Judiciário outra garantia de excepcional valor na defesa dos direitos individuais. Refiro-me à cláusula milenar do devido processo legal (due process of law), abrigada nas alíneas LIV e LIV do art. 5º da Constituição Federal, cuja dicção é a seguinte: “LIV – Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; LV – Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Resumidamente26, o princípio do devido processo legal tem duas dimensões. Na primária, ele assegura ao indivíduo o direito de não sofrer nenhuma penalidade, administrativa ou criminal (multa, apreensão de bens, perda de bens, pena privativa de 26 Para maior aprofundamento, vide meu livro Devido processo legal (due process of Law). 3. ed. Belo Horizonte/MG: Del Rey, 2001.
liberdade, ou restritiva de direitos, etc.), sem que lhe tenha sido dada, antes, a oportunidade de exercer a mais ampla defesa, inclusive mediante o contraditório (ter acesso aos termos precisos da acusação, seus fundamentos de fato e de direito, as provas contra ele já colhidas, inclusive os documentos que a acompanham, para poder se defender adequadamente, produzindo sua prova e suas alegações, em prazo adequado) e o recurso a ela inerente (a Constituição não aceita, em regra, decisão de uma só instância, seja administrativa ou judicial, sem direito a recurso), com igual tratamento perante a lei, isto é, gozar das mesmas franquias do acusador (mesmos prazos processuais, para efetuar a defesa e qualquer diligência, e os mesmos prazos recursais, devendo sempre o acusado falar por último). Essa mesma cláusula milenar do devido processo legal, já em uma ótica substantiva, impõe ao Poder Judiciário o dever de julgar a causa que lhe é submetida – seja cível, administrativa, tributária ou criminal – sempre, pelo modo mais justo, correto, honrado e decente, ainda que a lei disponha de modo contrário. Nesse caso, a lei que trouxer consigo qualquer grau de injustiça é, nesse particular aspecto, plenamente inconstitucional, já que a nossa Carta Magna não compactua, em face dos princípios por ela adotados, com o injusto, o incorreto, o desonesto e o imoral, pois a fonte de validade e de legitimidade da lei é, sempre, a Carta Política, da qual – e não da lei – é o Judiciário o seu último e principal guardião. A sub-representação congressual, de onde decorre lei injusta, pode e deve ser enfocada pelo Poder Judiciário com base no substantivo devido processo legal. O acesso ao Poder Judiciário se faz, normalmente, com a utilização do instrumental colocado à disposição do indivíduo pela própria Carta Política. Realça-se, entre outros, os três a seguir, que são os principais: a) o pedido de habeas corpus, destinado a garantir a liberdade física (direito de ir, vir e ficar), que pode ser manejado por qualquer pessoa, em seu favor ou de
b) o mandado de segurança, individual ou coletivo, visando a proteger qualquer direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuição do poder público. Depende de advogado para o seu ajuizamento (CF, art. 5º, incisos LXIX e LXX);
patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; a defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas.
13 DEMAIS NORMAS CONSTITUCIONAIS. CRITÉRIO DA RAZOABILIDADE. ÔNUS DA PROVA
De forma indireta, o indivíduo conta, também, com o apoio do Ministério Público (promotores de justiça estaduais e procuradores da República federais), a quem a Constituição deu competência para “zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia” (CF, art. 129, II).
De outra sorte, as demais normas constitucionais, observados os princípios constitucionais que as orientam, estão sob o comando da vontade da maioria. Desse modo, a lei editada pelos Poderes eleitos, que representam a maioria do povo, quando regulam esses dispositivos constitucionais, tem, naturalmente, a presunção de constitucionalidade. O governo goza desse benefício. Por isso, pressupõe-se que a lei é constitucional, salvo prova em contrário, a ser feita por quem se diz prejudicado. O ônus da prova é do que alega a inconstitucionalidade. O governo nada tem que provar ou justificar. A interpretação constitucional, a ser feita pelo Judiciário, rege-se pelo princípio da razoabilidade. Em face desse princípio, a lei só será anulada pelo Judiciário, por vício de inconstitucionalidade, se o governo extrapolar os limites da administração moral, eficiente e razoável. Em termos constitucionais, a Administração Pública está vinculada, entre outros, aos princípios da legalidade, impessoalidade, publicidade e eficiência (CF, art. 37). A lei, no caso, não é considerada, aprioristicamente, suspeita de inconstitucionalidade, devendo, apenas, superar o crivo da razoabilidade.
É o Ministério Público, por força constitucional, o principal defensor dos interesses da sociedade.
CONCLUSÃO
Assim, o prejudicado pode, querendo, representar ao Ministério Público que, conforme o caso, está autorizado, entre outras atividades, a impetrar habeas corpus; a promover a ação penal; a realizar o inquérito civil e a ação civil pública, para proteção do
Finalizando, os direitos individuais fundamentais, essencialmente antimajoritários, só serão efetivamente garantidos – e a sociedade gozará das liberdades civis – se se contar com um Poder Judiciário realmente forte e independente, capaz de en-
c) o pedido de habeas data, objetivando assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público; ou para a verificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo (CF, art. 5º, inciso LXXII, alíneas a e b). A petição judicial deve ser feita por meio de advogado.
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outrem, isto é, pelo próprio interessado ou por terceiros, inclusive por advogado contratado por ele ou por seus familiares (CF, art. 5º, inciso LXVIII; CPP, art. 654);
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frentar o governo. Só assim ele terá condições de cumprir sua missão primordial, como instituição antimajoritária, de defender o povo contra a tirania dos poderes eleitos, veiculada por meio das leis, costumeiramente inconstitucionais em nosso País.
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Não se deve esquecer que, na França, o Judiciário, atualmente, não constitui poder político, já que não detém o poder de, constitucionalmente, anular leis. Isso só aconteceu porque, durante a revolução francesa de 1789, os revolucionários, deixando de seguir o modelo tripartite de divisão do poder político, pregado por Montesquieu e adotado na Constituição americana de 1787 – de que os revolucionários tinham detido conhecimento, pois Jefferson, na época, era embaixador na França – não confiaram no Poder Judiciário francês de então, porque os juízes da época agiam de modo subserviente, sempre no interesse do governo (rei) e da nobreza (minoria oligárquica que comandava as leis e o Judiciário), com desprezo pelo povo, que vivia na pobreza, miséria e ignorância.
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Infelizmente, o Judiciário brasileiro – mercê da secular dominação política do Executivo, que remonta ao tempo do Brasil império, quando o juiz era demissível pelo monarca – ainda não alcançou, de fato, por problemas culturais, o grau de independência que a Constituição expressamente lhe concedeu. Por isso, a exemplo do juiz francês, o Magistrado brasileiro, de um modo geral, comporta-se como escravo da lei, ou seja, submisso à vontade das minorias oligárquicas e privilegiadas que a fazem. Contudo, há, atualmente, bastante esperança de se mudar esse quadro, passando o Judiciário a se constituir um verdadeiro poder político. Para isso, basta haver vontade política do próprio Judiciário, que é o intérprete final da Constituição. Não depende de mudança nas leis e/ou na Carta Política. A transformação que se requer, e se impõe necessária, com urgência, é absolutamente endógena.
Sem um Judiciário forte e independente, preocupado, prioritariamente, em defender sua parcela de poder político e, simultaneamente, o povo contra leis injustas e, ainda, em proteger os Estados-membros e Municípios contra as usurpadoras incursões, por meio de leis inconstitucionais, por parte da União Federal, não há chance para a democracia em nosso País. O Poder Judiciário precisa, urgentemente, dadas as sentidas necessidades do povo, passar a exercer, efetivamente, sua missão constitucional de controlar a atuação dos dois outros ramos governamentais, para que não avancem, principalmente por meio de leis e emendas constitucionais, além dos estritos limites permitidos pela Carta Magna, a fim de se evitar a ditadura e a tirania. A ambição desenfreada dos que exercem o poder político, muitas vezes disfarçada e falsamente alicerçada na defesa da ordem e da estabilidade governamental, exigindo-se, ainda mais, a concentração de poder no ente central, tal como o leão ao circundar e envolver a sua presa, aprisiona, escraviza e põe em risco, perigosamente, a já tão combalida liberdade do povo. Liberdade e igualdade individual, como vimos, são os fundamentos essenciais da democracia.
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TRIBE, Laurence H. American Constitutional Law. 2. ed. USA: The Foundation Press Inc., 1988.
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Doutrina
Os Dez Anos do Estatuto do Desarmamento
KEYWORDS: Disarmament Statute; warrants criminalization; crimes abstract danger; principle of proportionality. SUMÁRIO: Introdução; Direito penal e modelo de estado; Tutela penal dos interesses transindividuais; Mandados de criminalização e crimes de perigo abstrato em face do princípio da proporcionalidade; Conclusão; Referências.
FLÁVIO EDUARDO TURESSI
Mestrando em Direito Penal pela PUCSP, Especialista em Direito Penal pela Escola Paulista da Magistratura (EPM), ex-Delegado de Polícia/SP, ex-Membro da Advocacia-Geral da União (AGU), Promotor de Justiça da Capital/SP.
RESUMO: Neste artigo, busca-se analisar o impacto dos dez anos da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003 – Estatuto do Desarmamento – no ordenamento jurídico brasileiro, a previsão, no Texto Constitucional, de normas que, nada obstante, não outorguem direitos, determinam ao legislador penal ordinário, de forma expressa e implícita, a criminalização de condutas e a legitimidade da criminalização de condutas de perigo abstrato em face do princípio da proporcionalidade. Ao final, aprofundados os conceitos, passa-se em revista os recentes episódios ocorridos em estabelecimentos de ensino com o emprego de armas de fogo, no Brasil e no exterior, e concita-se ao debate sobre a (in)eficiência da legislação. PALAVRAS-CHAVE: Estatuto do Desarmamento; mandados de criminalização; crimes de perigo abstrato; principio da proporcionalidade. ABSTRACT: This article seeks to analyze the impact of ten years of Law nº 10.826/2003 – Disarmament Statute –, the legitimacy of criminalizing behaviors abstract danger in the face of the principle of proportionality and the forecast in the constitutional text, the rules, nothing despite not accord rights, determine the legislature ordinary criminal, express and implied, the criminalization of conduct. At the end, deepened the concepts, passes in review the recent episodes occurred in schools with the use of firearms in Brazil and abroad, and calls upon the debate about the (in)efficiency of the legislation.
INTRODUÇÃO A clássica divisão entre o Direito Público e o Direito Privado, que remonta às origens da ciência do Direito e fixa em polos distintos o indivíduo e o Estado1, com a evolução da sociedade moderna mostrou-se insuficiente para a solução de lides e a pacificação de conflitos de interesses2. 1 Lembra Rodolfo de Camargo Mancuso que “a própria divisão do Direito Positivo em dois grandes ramos – o público e o privado – não se faz em termos de exclusividade, e sim de predominância, isto é: o Direito Penal integra o Direito Público porque a maioria de suas normas é de natureza cogente, imperativa (dado o jus puniendi reservado ao Estado), mas ele compreende também as normas de natureza privada (nos crimes contra a honra, por exemplo); e o Direito Civil integra o Direito Privado por causa da predominância das normas de natureza privada, embora nele coexistam normas de ordem pública, como as relativas ao direito de família e sucessões” (Interesses difusos: conceito e legitimação para agir. 5. ed. São Paulo: RT, 2001. p. 42). 2 Debruçando-se sobre a ramificação do Direito, Miguel Reale ensina que “a primeira divisão que encontramos na história da Ciência do Direito é a feita pelos romanos, entre Direito Público e Privado, segundo o critério da utilidade pública ou particular da relação: o primeiro diria respeito às coisas do Estado (publicum jus est quod ad statum rei romanae spectat), enquanto que o segundo seria pertinente ao interesse de cada um (privatum, quod ad singulorum utilitatem spectat)” (Lições preliminares de direito. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 335).
Durante esse período de transição, fomentadas pelo processo de industrialização e, mais adiante, pelos avanços tecnológicos, as demandas sociais também se transformaram e, consentâneas com a própria evolução do corpo social, como reforça Alexandre Rocha Almeida de Moraes, construíram cenário propício à formatação de uma verdadeira sociedade de riscos: As novas demandas e os avanços tecnológicos repercutiram diretamente no bem-estar individual. A sociedade tecnológica, cada vez mais competitiva, passou a deslocar para a marginalidade um grande número de indivíduos, que imediatamente são percebidos pelos demais como fonte de riscos pessoais e patrimoniais, consolidando-se, pois, o conceito de “sociedade de risco”.4
Nada obstante, o aparato jurídico criado para a solução de conflitos, ante a formação de novas pretensões (coletivas), ainda se mostrava insuficiente na busca de seu incessante mister. 3 Coincidente com a ascensão do capitalismo e, em verdade, contribuindo para ela, Robert L. Heilbroner pondera que, durante a Revolução Industrial, “novas ideias de democracia, de justiça social, de ‘direitos’ do indivíduo impregnaram a época de um espírito crítico ante o qual, a bem dizer, qualquer sistema econômico teria sido alvo de censuras. Por certo, os movimentos políticos pelos quais o capitalismo foi levado ao apogeu não eram movimentos da classe operária, mas da classe média, movimentos burgueses; os fabricantes em ascensão na Inglaterra e na França tinham escassa ‘consciência social’, além da preocupação com seus próprios direitos e privilégios” (A formação da sociedade econômica. Trad. Álvaro Cabral. 5. e. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987. p. 117-118). 4 MORAES, Alexandre Rocha Almeida de. Direito penal do inimigo: a terceira velocidade do direito penal. 1. ed. 2. reimp. Curitiba: Juruá, 2011. p. 49.
Nasce, em esforço de síntese, a ideia de interesses metaindividuais, difusos ou transindividuais, afetos a um grupo de pessoas que, por tal razão, excedem o âmbito individual, mas que, por outro lado, não esbarram na órbita do interesse público primário. Buscando ajustar-se às novas relações jurídicas originadas pela evolução social, a ciência do Direito passa a enxergar a necessidade de tutela específica desses interesses de grupos, tais como as relações de consumo, o meio ambiente, a família, a criança e o adolescente, o idoso, as pessoas portadoras de deficiência etc. No Brasil, alçado ao Texto Constitucional5, coube ao legislador ordinário conceituar os interesses difusos, coletivos em sentido estrito e individuais homogêneos6, classificação que ganha especial importância ao se enveredar pelo campo da legitimidade ativa e, notadamente, efeitos dessa tutela no plano jurisdicional. Assim é que, acompanhando essa saudável evolução, são editadas em nosso ordenamento jurídico, entre outras, a Lei Federal nº 7.347/1985 (ação civil pública), a Lei Federal nº 7.853/1989 (deficientes físicos), a Lei Federal 8.069/1990 (estatuto da criança e do adolescente), a Lei Federal nº 8.429/1992 (responsabilidade por atos de improbidade administrativa), a Lei Federal nº 8.884/1994 (defesa da ordem econômica), e a Lei Federal nº 8.974/1995 (patrimônio genético), tudo com vistas à tutela desses interesses de grupos. Na seara penal, como não poderia deixar de ser, ainda que se navegue pelas águas de um Direito Penal mínimo ou de ultima ratio, corolários dos princípios da fragmentariedade e da subsidiariedade, as transformações noticiadas também deveriam operar profundas mudanças em sua esfera de atuação. 5 Cf. art. 129, III, da Constituição da República. 6 Cf. art. 81, I, II e III, da Lei nº 8.078/1990.
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Os feudos do período medieval e, já na Idade Moderna, a Revolução Industrial3 transformaram ferozmente as relações sociojurídicas que, desde então, tiveram como pedra de toque a formação de grupos que, fortalecidos pela busca de interesses próprios, mitigaram a velha distinção entre o público e o privado.
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Nada obstante, ainda marcado por forte influência clássica-liberal-individualista, o Direito Penal, tradicionalmente voltado à tutela de bens individuais, resiste em aceitar, também, a necessidade da tutela de bens jurídicos transindividuais, tensão que coloca em xeque até a sua própria eficiência. Aliás, destacando essa verdadeira crise de legitimação do Direito Penal, Maximiliano Rusconi adverte que
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es indudable que hoy deberíamos poner seriamente en duda la capacidad del derecho penal para cumplir los objetivos que se predican como su propia justificación. El derecho penal debe ser uno de los mecanismos de control social más ineficientes desde el punto de vista, incluso, de uma relación costo-beneficio. Índices inusitados de violencia, frente a tan escasos resultados. [...]. Los valores que protege el derecho penal no coinciden exactamente con las demandas del ciudadano común, sino que son la consecuencia de procesos de selección más vinculados a necesidades institucionales o políticas que a la necesidad de protección social de los valores comunitarios.7
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Nessa quadra, forçoso reconhecer que a necessidade de uma nova leitura do Direito Penal converge, pois, para sua leitura constitucional e, por conseguinte, para a releitura dos seus próprios limites e delimitação do seu campo de proteção, vale dizer, para a delineação do bem jurídico-penal, essência do arcabouço punitivo de qualquer Estado democrático de Direito, temas a serem aqui enfrentados, ainda que não com a profundidade merecida, à luz do Estatuto do Desarmamento.
DIREITO PENAL E MODELO DE ESTADO A temática que ora se apresenta passa em revista, necessariamente, o perfil que assume o Direito Penal em um Estado Social e Democrático de Direito8. Contextualizar o Direito Penal 7 RUSCONI, Maximiliano. Las fronteras del poder penal. 1. ed. Buenos Aires-Madrid: Ciudad Argentina, 2005. p. 8-9. 8 Paulo César Busato e Sandro Montes Huapaya lembram que “a identifica-
à luz da Carta de Princípios implica orientá-lo de acordo com os fundamentos instituidores do próprio Estado. Afinal, se o Estado evolui, seu Direito Penal também deve evoluir. A dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil9, somente passou a ser reconhecida como princípio e expressamente positivada nos textos maiores das democracias ocidentais a partir da Segunda Guerra Mundial10, no curso do século XX, sobretudo após a sua consagração no texto da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, de 194811. ção de um Estado como social e democrático de Direito constitui bastião garantista para o cidadão em suas relações sociais. A linguagem que se estabelece entre o sujeito Estado e cidadão se antecipa à especulação e à barbárie. O Estado, ao exercer o poder de estabelecer os delitos e as penas, não o faz de modo absoluto; deve obedecer a uma série de princípios que salvaguardam as garantias mínimas que todo cidadão deve possuir para viver em uma sociedade democrática e respeitosa com os Direitos e obrigações de todos” (Introdução ao direito penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 119-120). 9 Dispõe o art. 1º, inciso III, da Constituição Federal, que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamento a dignidade da pessoa humana. 10 Ilustra Ricardo Marcondes Martins que, “durante o nazismo, o Estado alemão foi um Estado legalista. O parlamento era cem por cento nazista e, por isso, editou todas as leis que Hitler queria: pelas Leis de 1935, por exemplo, os judeus passaram à condição de súditos e perderam os direitos civis. Com o fim da Segunda Guerra Mundial e, conseqüentemente, do nazismo, muitos nazistas invocaram o fiel cumprimento da lei como tese defensiva. As atrocidades contra o provo judeu e o legalismo nazista fizeram com que a doutrina alemã vivesse uma crise de fundamentos: o cumprimento da lei por meio da simples subsunção tornou-se inaceitável” (Abuso de direito e a constitucionalização do direito privado. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 74). 11 “Art. I – Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.”
A interpretação sistemática do Direito tem por objeto o sistema jurídico na sua condição de totalidade axiológica, convindo recordar que, mesmo na tradição romano-germânica, o Direito é maior do que o conjunto das normas jurídicas, tanto em significado quanto em extensão. A interpretação sistemática não sucede nem antecede o Direito: é contemporânea dele. Empresta-lhe vida e dinamicidade. O conteúdo jurídico, por força de sua natureza valorativa, transcende o mera e esparsamente positivado.14
a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos, mediante o devido respeito aos demais seres que integram a rede da vida.13
No Brasil, no ano em que a Constituição Federal de 1988 completa seu vigésimo quinto aniversário, a primeira da história nacional a contemplar um título específico aos princípios fundamentais, ainda há aqueles operadores do Direito que, atrelados e vinculados a uma visão extremamente reduzida da eficácia dos Direitos Fundamentais, continuam a erroneamente enxergá-los única e exclusivamente como direitos de resistência contra o Estado.
Com efeito, destacando a importância de uma interpretação sistemática do Direito, Juarez Freitas pontua:
Ora, se é verdade que a dignidade da pessoa humana ergue barreiras à atuação estatal, força é convir que a sua consagração como norma fundamental revela, de outro vértice, conteúdo programático e impositivo de constante promoção de uma vida digna para todos. Pode-se afirmar, portanto, que, sob os auspícios de um Estado social e democrático de Direito, o desenvolvimento da atividade legiferante, assim como de todas as atividades públicas e até privadas, não é inteiramente livre15, mas vinculada aos seus próprios fundamentos.
12 No ponto, Rodrigo de Oliveira Kaufmann destaca que os direitos humanos e a dignidade da pessoa humana, “por terem conteúdo de princípios, são, por natureza, abertos e não se encerram totalmente na listagem que pretende elencá-los nas Constituições. No Brasil, por exemplo, existe largo consenso de que os direitos humanos não se restringem ao art. 5º da Constituição Federal, sedes materiae principal de suas previsões. É possível, dentro dessa lógica, direitos humanos não previstos terem força normativa constitucional, como que advindos de uma interpretação sistemática do conjunto valorativo da Constituição” (Direitos humanos, direito constitucional e neopragmatismo. São Paulo: Almedina, 2011. p. 269). 13 Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. 9. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 73.
14 A interpretação sistemática do direito. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 15. 15 Buscando descortinar o conteúdo da liberdade humana, Hanna Arendt pondera que “levantar a questão – o que é liberdade? – parece ser uma empresa irrealizável. É como se velhas contradições e antinomias estivessem à nossa espreita para forçar o espírito a dilemas de impossibilidade lógica de tal modo que, dependendo da solução escolhida, se torna tão impossível conceber a liberdade ou o seu oposto quanto entender a noção de um círculo quadrado. Em sua forma mais simples, a dificuldade pode ser resumida como a contradição entre nossa consciência e nossos princípios morais, que nos dizem que somos livres e, portanto, responsáveis, e a nossa experiência cotidiana no mundo externo, na qual nos orientamos em conformidade com o princípio da causalidade. Em todas as questões
De toda a sorte, por se tratar de norma fundamental, o texto ora apresentado enxerga na dignidade da pessoa humana diretriz orientadora de uma análise sistêmica, verdadeira mudança de paradigma que, no ponto, condiciona a existência do próprio Estado em função da pessoa humana.
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Por ter conteúdo de princípio, a amplitude do conceito de dignidade da pessoa humana, aberto por natureza, retrata, por si só, a enorme dificuldade encontrada na busca dos seus contornos12. E é justamente essa característica multidimensional, com traços ontológicos e histórico-culturais, que impulsiona Ingo Wolfgang Sarlet a conceituá-la como
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Nessa linha de intelecção, transcreve-se, novamente, Ingo Wolfgang Sarlet: Não restam dúvidas de que todos os órgãos, funções e atividades estatais encontram-se vinculados ao princípio da dignidade da pessoa humana, impondo-se-lhes um dever de respeito e proteção, que se exprime tanto na obrigação por parte do Estado de abster-se de ingerências na esfera individual que sejam contrárias à dignidade pessoal, quanto no dever de protegê-la (a dignidade pessoal de todos os indivíduos) contra agressões oriundas de terceiros, seja qual for a procedência, vale dizer, inclusive contra agressões oriundas de outros particulares, especialmente – mas não exclusivamente – dos assim denominados poderes sociais (ou poderes privados). Assim, percebe-se, desde logo, que o princípio da dignidade da pessoa humana não apenas impõe um dever de abstenção (respeito), mas também condutas positivas tendentes a efetivar e proteger a dignidade dos indivíduos.16
Nada obstante, a influência de uma nova ordem constitucional sobre o sistema penal de um determinado Estado deveria ser mais facilmente verificada do que na realidade o é.
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Debruçando-se sobre esse fenômeno, Francesco C. Palazzo ilustra que,
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no plano rigorosamente histórico, entretanto, a influência da ordem político-constitucional de um determinado Estado em seu sistema penal se revela menos necessariamente condicionante do que, talvez, se possa pensar. E, de fato, na Itália, a Constituição de 1948 não ocasionou, ainda, a reforma geral do código que nasceu sob o regime fascista. Na República Federal da Alemanha apenas com o projeto de 1962, que deveria colimar a grande reforma que começou a viger em 1975, malgrado positivamente pronto para uma adequação, continua sem cumprimento no sistema penal instaurado com a Constituição de 1949. Na Espanha práticas, e em especial nas políticas, temos a liberdade humana como uma verdade evidente por si mesma, e é sobre essa suposição axiomática que as leis são estabelecidas nas comunidades humanas, que decisões são tomadas e que juízos são feitos” (Entre o passado e o futuro. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1988. p. 188.). 16 SARLET, Ingo Wolfgang. Op. cit., p. 132.
depois da mudança constitucional de 1978, constata-se, no campo penal, um fervor de iniciativa reformista e, se bem que demasiado cedo para apreciá-lo plenamente, não faltam queixas procedentes quanto à modesta influência da Constituição na transformação do direito penal.17
Assim, em que pese o avanço sentido em nosso ordenamento pela eleição do modelo de Estado estampado no art. 1º, caput, da Carta de Princípios, constata-se que, na seara penal, o paradigma continua sendo o caráter liberal-individualista que, equivocadamente, insiste em polarizar os seus protagonistas, lançando-os em rota de colisão: Estado versus cidadão. Não é por outra razão que, destacando o retrocesso dessa linha intelectiva, Lenio Luiz Streck e Luciano Feldens obtemperam que os denominados penalistas liberais continuam, pois, a pensar o Direito a partir da ideia segundo a qual haveria uma contradição insolúvel entre Estado e Sociedade ou entre Estado e indivíduo. Para eles, o Estado é necessariamente mau, opressor, e o Direito Penal teria a função de “proteger” o indivíduo dessa opressão. Por isso, boa parte dos penalistas – que aqui denominamos de liberais-iluministas –, em pleno século XXI e sob os auspícios do Estado Democrático de Direito – no interior do qual o Estado e o Direito assumem (um) a função transformadora –, continuam a falar na mítica figura do Leviatã, repristinando – para nós de forma equivocada – a dicotomia Estado-Sociedade.18
Destarte, a efetiva tutela dos direitos fundamentais, à luz da dignidade da pessoa humana, deve ser, pois, o novo paradigma do Direito Penal. Quando se debruça sobre a efetividade dos direitos fundamentais percebe-se, à evidência, que os centros de agressão não são única e exclusivamente estatais, mas particulares. Dessa forma, os ultrapassados paradigmas teóricos que servi17 Valores constitucionais e direito penal. Trad. Gérson Pereira dos Santos. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1989. p. 19-20. 18 Crime e Constituição: a legitimidade da função investigatória do Ministério Público. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 24-25.
se o cidadão não vê a acção concreta do Direito Penal, punindo quem deve, e defendendo quem precisa (e não o contrário), então ele não existe, realmente, para si. E é o próprio sentido do mundo que começa a estar em perigo – já que os eixos começam a ficar às avessas, o que resulta em desorientação, e, logo, em medo –, perdendo-se a breve trecho o que é mais societário, cultural e, digamos “secundário” ao nível sócio-psicológico: o empenho comunitário (comittment), a sensação de pertença a um gupo (belonging), e passando o comportamento individual ou, na melhor das hipóteses, familiar, para o estádio defensivo do animal acossado.19
TUTELA PENAL DOS INTERESSES TRANSINDIVIDUAIS Controle, no léxico, significa a “fiscalização exercida sobre as atividades de pessoas, órgãos etc., para que não se desviem das normas preestabelecidas”20. O controle social, por seu turno, pode ser tido como a fiscalização exercida pela sociedade para a submissão de seus membros aos regramentos por ela preestabelecidos, fixando diretrizes de conduta e sanções aos agentes que deles se divorciem.
Identificam-se no primeiro sistema, entre outras regras de conduta, as estabelecidas por valores familiares, culturais, religiosos e sociais, vale dizer, os comportamentos esperados dos membros de um grupo social ao desempenharem suas atividades cotidianas. Ocorre que, nada obstante presentes no corpo social, as regras contidas nesse primeiro sistema revelam-se insuficientes para a garantia de sua sobrevivência, tendo campo de atuação o sistema jurídico. Pode-se estabelecer, portanto, uma escala de gravidade entre esses dois sistemas de controle social. Por primeiro, atuam as regras de controle informal e, em complemento, as regras do sistema jurídico, formal, entre eles o sistema jurídico-penal, com atuação residual. A inversão desse fluxo de atuação revela a existência de um Estado totalitário e intervencionista. De toda a sorte, força é convir que esses dois tipos de sistemas de controle social não são imutáveis. Como bem anotam Paulo César Busato e Sandro Montes Huapaya: Os critérios de seleção de condutas e de reação não têm uma regra universal e imutável, mas mudam em função da estrutura social e do momento histórico e político em concreto. No que respeita ao Direito Penal como um meio a mais de controle social, corresponde ao Estado analisar e selecionar as condutas proibidas e suas respostas.21
Essa fiscalização social é exercida por meio de dois tipos de sistemas: o não jurídico e o jurídico.
Nesse trilho, fica reforçada a ideia de que o escopo imediato e essencial do Direito Penal converge para a proteção de bens jurídicos, instituto que, criado por Johann Michael Franz Birbaum e aperfeiçoado por Karl Binding, como bem destaca Guillermo J. Yacobucci, continua em constante evolução:
19 A Constituição do crime: da substancial constitucionalidade do Direito Penal. Coimbra: Coimbra, 1998. p. 24. 20 Miniaurélio. 6. edição. 5. impr. Curitiba: Positivo, 2005.
21 Introdução ao direito penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 66.
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ram de lente para a leitura de um Direito Penal Iluminista e, mais amiúde, para a identificação do bem jurídico-penal merecem, agora, uma nova roupagem, uma roupagem que, consentânea com a sociedade contemporânea, identifique-se como efetivo instrumento de distribuição de justiça social e possa responder, de forma segura, para que serve o Direito Penal. Afinal, como pondera Paulo Ferreira da Cunha,
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La noción de bien jurídico expresa en el derecho penal de la modernidad, y en especial en la segunda pós-guerra, la idea de un contenido esencial en la ilicitude penal. En tanto el derecho penal se refiere – tutela, protege, etc. – a bienes jurídicos, estos son la única finalidad que justifica la intervención penal. Este concepto recibió además la función de operar como límite a la potestade penal del legislador. Es decir, solo pueden ser objeto de ley penal los comportamentos que afecten bienes jurídicos. Pero, claro está, como advierte entre otros Roxin, la protección de bienes jurídicos no exige que solo haya punibilidade en caso de lesión, sino que también se justifica la reacción con las situaciones de puesta en pelibro o, en los casos de peligro abstracto, que se presenten los bienes en cuestión como motivos de la punibilidade.22 Dessa forma, tendo-se por base a concepção material de bem jurídico-penal, vale dizer, preexistente à própria norma e identificado em um determinado corpo social, nasceram teorias que identificam na Constituição Federal os bens jurídicos passíveis de tutela pelo legislador penal. Assim sendo, identificado como limite ao Direito Penal, o instituto do bem jurídico guarda íntima correlação com o Texto Constitucional.
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Nessa ordem de ideias, transcreve-se Márcia Dometila Lima de Carvalho:
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É na ordem constitucional que se encontra a extensão e o conteúdo do bem jurídico, como realidade unitária. Os bens jurídicos protegidos pela Parte Especial do Direito Penal não podem fugir deste esquema constitucional, pois nele é que se encontra o essencial para a sua elaboração. O Direito Penal deve proteger os bens jurídicos fundamentais. E o que é fundamental para a Constituição é o desenvolvimento da justiça social, dignificando o homem.23
22 El crimen organizado: desafios y perspectivas en el marco de la globalización. Ciudad de Buenos Aires: Ábaco de Rodolfo Depalma, 2005. p. 50. 23 Fundamentação constitucional do Direito Penal. Porto Alegre: Sergio
Deve-se ressaltar, por oportuno, que o Texto Constitucional não deve atuar como limite positivo ao legislador penal ordinário, mas, ao revés, como limite negativo, uma vez que, como se sabe, não esgota todos os bens e valores passíveis de tutela pelo Direito Penal. Identificar o Texto Constitucional como limite negativo ao Direito Penal importa em reconhecer que toda e qualquer criminalização que não o arranhe frontalmente será aceita, mesmo que o bem jurídico protegido nele não encontre previsão expressa. Vale dizer, com base na limitação negativa, o legislador penal ordinário pode tipificar, como infrações penais, quaisquer condutas que lesem ou coloquem em perigo bens e valores, ainda que não reconhecidos expressamente no Texto Constitucional, desde que a criminalização não viole valores constitucionais. Nessa direção, Antonio Carlos da Ponte afirma: A Constituição Federal atua como limite negativo do Direito Penal, posto que será admitida toda criminalização que não atente contra o Texto Constitucional. Destarte, não é necessário que a Constituição tenha eleito um dado bem jurídico como passível de proteção, para que haja necessidade de previsão na lei penal. A eleição de bens jurídicos passíveis de proteção penal pode ser realizada aleatoriamente, desde que os valores constitucionais tenham sido preservados.24
A título meramente exemplificativo, reconhecida a dignidade da pessoa humana como valor hipotético fundamental da nossa Carta de Princípios, com base nessa concepção da limitação negativa, seria inconstitucional a lei penal que buscasse a criminalização da homossexualidade. Feitas essas (necessárias) observações, constata-se que o Direito Penal, no limiar do século XXI, encontra-se em descompasso Antonio Fabris, 1992. p. 100. 24 Crimes eleitorais. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 164.
Apresentando esse déficit penal e as incongruências vertentes da legislação, Luciano Feldens pontua que, se tomarmos o exemplo do Código Penal, não nos será tarefa difícil considerar que entre os sessenta anos que medeiam a edificação de sua Parte Especial e os dias atuais modificou-se, em escala nacional e mundial, a estrutura político-econômica que compõe o pacto da vida em sociedade. Basta lembrar que ao tempo em que elaborada, a Parte Especial do Código Penal – que define os crimes e as penas – sofreu inevitavelmente as “luzes” do regime político então vigorante (1941), retratado pelo Estado Novo, de baixa – ou nenhuma – densidade democrática. Demais disso – e provavelmente o aspecto mais importante −, entre aquela data e os dias atuais serpeia um fosso jurídico-político-normativo que acolheu, sucessivamente, novas ordens constitucionais, dentre as quais se notabiliza a atual, em face de seu caráter contemporâneo e democrático. Ao longo desse período, a estrutura normativa sempre esteve voltada ao regramento de direitos de primeira geração, os quais, dentro de uma consideração jurídica, traduzem conflitos de índole interindividual, sobre os quais assentou-se, correlatamente, a organização judiciária (aí incluído o Ministério Público), que se demonstrou preparada exclusivamente à composição de litígios dessa natureza. Todavia, como anotamos em caráter introdutório, paralelamente à evolução política nacional foram sendo concebidos e universalizados, dentre outros, direitos de segunda e terceira geração (sociais, coletivos e difusos), sem que os acompanhasse, entretanto, uma legislação penal adequada tendente a garantir a proteção dos bens e interesses assim considerados fundamentais, a despeito de terem sido constitucionalmente acolhidos.25 25 Tutela penal de interesses difusos e crimes de colarinho branco: por uma relegitimação da atuação do Ministério Público: uma investigação à luz dos valores constitucionais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. p. 57.
Esse descompasso pode ser visto, a título meramente exemplificativo, na escolha das penas previstas para certos crimes ambientais (Lei nº 9.605/1998), nas condutas e nas sanções penais previstas para certos crimes eleitorais que, altamente lesivos ao corpo social, maculam o próprio processo eleitoral (Código Eleitoral e leis esparsas), na risível (in)eficácia da lei que define os crimes contra a ordem tributária (Lei nº 8.137/1990)26 e, diante do assustador crescimento da violência urbana27, no insistente discurso verbalizado por penalistas de ocasião que, olvidando-se da necessidade do emprego do Direito Penal para a efetiva implantação de direitos fundamentais, relutam em identificar a segurança pública como direito social28. 26 Aqui, vale a pena relembrar que, com a entrada em vigor da Lei nº 10.684/2003, que trata do Refis, o parcelamento do pagamento do tributo tornou-se condição suspensiva da extinção da punibilidade, tendo a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, nos autos do HC 85.048-1/RS, Relatoria do Ministro Cezar Peluso, pontuado que, “no caso de crime tributário, basta, para suspensão da pretensão punitiva e da prescrição, tenha o réu obtido, da autoridade competente, parcelamento administrativo do débito fiscal, ainda que após o recebimento da denúncia, mas antes do trânsito em julgado da sentença condenatória”. 27 Apoiado em dados estatísticos compilados pela Secretaria de Estado dos Negócios da Segurança Pública de São Paulo, Alexandre Rocha Almeida de Moraes explicita que “o Estado de São Paulo, somente no ano de 2001 registrou nada menos que 267 sequestros; 296.771 roubos; 105.281 furtos de veículos; 94.585 roubos de veículos; e 507.017 furtos em geral. Pesquisa sobre a violência urbana, realizada pelo Instituto Gallup de Opinião Pública para o periódico O Estado de São Paulo (edição de 25.08.1996), revela que 1,28 milhão de pessoas adultas são assaltadas por ano somente na região metropolitana de São Paulo. Isso nos faz concluir que 106 mil pessoas por mês e 3,5 mil pessoas por dia sofrem algum tipo de violência. Não bastasse isto, o número de mortes (11.327 homicídios, 69 chacinas com 246 mortos apenas na Grande São Paulo, além de 495 latrocínios) torna incompreensível o motivo de tanta comoção com as guerras externas se o que ocorre dentro do nosso país é tão ou mais cruel” (Op. cit., p. 53-54). 28 Dispõe o art. 6º, caput, da Constituição, verbis: “Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a
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com a linha evolutiva dos direitos sociais. Há, pois, um déficit de atuação do legislador penal ordinário, seja na produção de leis penais, seja na eleição proporcional de sanções penais, quando debruçamos sobre bens jurídicos transindividuais.
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Assim é que, buscando ajustar-se a essa nova realidade social, salta aos olhos, pela evolução apresentada em nosso ordenamento jurídico, o tratamento legal conferido aos crimes relacionados com a posse e o porte de armas de fogo. Anteriormente tratadas como meras contravenções penais29, tais condutas foram objeto de nova leitura por meio da Lei nº 9.437, de 20 de fevereiro de 1997, posteriormente revogada pela Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 200330, conhecida como Estatuto do Desarmamento, que dispõe sobre o registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas – Sinarm –, define crimes e dá outras providências. Ao entrarem em vigor, alguns dispositivos previstos no Estatuto do Desarmamento geraram muito desconforto e pontuais discordâncias doutrinárias e jurisprudenciais. Destacam-se, aqui, pela pertinência temática, a polêmica questão da vigência de seu art. 12 e a prorrogação dos prazos estabelecidos nos arts. 29, 30 e 32, para a regularização do registro, e, também, a constitucionalidade da tipificação de crimes de perigo abstrato. O primeiro ponto aqui destacado merece um breve esforço histórico à luz da legislação em vigor.
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A Lei nº 10.826/2003 trouxe, em sua redação original, os seguintes artigos:
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Art. 30. Os possuidores e proprietários de armas de fogo não registradas deverão, sob pena de responsabilidade penal, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias após a publicação desta Lei, solicitar o seu registro apresentando nota fiscal de compra ou a comprovação da origem lícita da posse, pelos meios de prova em direito admitidos. [...] Art. 32. Os possuidores e proprietários de armas de fogo não registradas poderão, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias após a publicação desta Lei, entregá-las à Polícia Federal, mediante recibo e, presumindo-se de boa-fé, poderão ser indenizados, nos termos do regulamento desta Lei.
Na sequência, foi editada a Lei nº 10.884/2004, que, em seu art. 1º, estabeleceu que o termo inicial dos prazos previstos nos arts. 29, 30 e 32 do Estatuto do Desarmamento passaria a fluir a partir da publicação do decreto que os regulamentasse, não ultrapassando, para ter efeito, a data limite de 23 de junho de 2004. A Lei nº 10.826/2003 foi, então, regulamentada pelo Decreto nº 5.123, de 1º de julho de 2004. Ocorre que, em que pese a publicação de seu decreto regulamentador, os prazos previstos nos mencionados arts. 30 e 32 foram prorrogados pela Lei nº 11.118, de 19 de maio de 2005, para o dia 23 de junho de 2005, e, por força da Lei nº 11.191, de 10 de novembro de 2005, novamente prorrogados, nos exatos termos dos seus arts. 1º e 2º, verbis: Art. 1º O termo final do prazo previsto no art. 32 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, fica prorrogado até 23 de outubro de 2005.
previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. 29 Art. 18. Fabricar, importar, exportar, ter em depósito ou vender, sem permissão da autoridade, arma ou munição: Pena – prisão simples, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa, ou ambas cumulativamente, se o fato não constitui crime contra a ordem política ou social; Art. 19, caput. Trazer consigo arma fora de casa ou de dependência desta, sem licença da autoridade: Pena – prisão simples, de 15 (quinze) dias a 6 (seis) meses, ou multa, ou ambas cumulativamente. 30 “Art. 36. É revogada a Lei nº 9.437, de 20 de fevereiro de 1997.”
Art. 2º O termo final do prazo previsto no art. 30 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, fica prorrogado para os residentes em áreas rurais que comprovem depender do emprego de arma de fogo para prover sua subsistência familiar, de acordo com o disposto no § 5º do art. 6º da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, por 120 (cento e vinte) dias após a publicação desta Lei.
Não houve novas dilações de prazo e, quando já alcançado o termo final previsto nos arts. 30 e 32 do Estatuto, sobreveio a
Art. 30. Os possuidores de arma de fogo de uso permitido ainda não registrada deverão solicitar seu registro até o dia 31 de dezembro de 2008, mediante apresentação de documento de identificação pessoal e comprovante de residência fixa, acompanhados de nota fiscal de compra ou comprovação de origem lícita da posse, pelos meios de prova admitidos em direito, ou declaração firmada na qual constem as características da arma e a sua condição de proprietário, ficando este dispensado do pagamento de taxas e do cumprimento das demais exigências constantes dos incisos I a III do caput do art. 4º desta Lei. [...] Art. 32. Os possuidores e proprietários de arma de fogo poderão entregá-la, espontaneamente, mediante recibo, e, presumindo-se de boa-fé, serão indenizados, na forma do regulamento, ficando extinta a punibilidade de eventual posse irregular da referida arma.
Finalmente, por força da Lei nº 11.922/2009, foram prorrogados, para o dia 31 de dezembro de 2009, os prazos previstos no art. 5º, § 3º, e 30, ambos da Lei nº 10.826/2003, nos exatos termos do seu art. 20, verbis: Art. 20. Ficam prorrogados para 31 de dezembro de 2009 os prazos de que tratam o § 3º do art. 5º e o art. 30, ambos da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003.
Debruçando-se sobre esses dispositivos legais percebe-se que, pela redação original conferida ao art. 32, a abolitio criminis temporária fora instituída para que o proprietário ou possuidor do armamento o entregasse ao Poder Público, sendo que, pela redação vestibular do art. 30, a atipicidade temporária fora prevista para que esse mesmo possuidor solicitasse o seu registro31. 31 Nesse sentido, confira-se: STF, 1ª T., HC 99.448/RS, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 31.05.2011; STF, 2ª T., HC 96.188/RJ, Rel. Min. Eros Grau, DJe 14.08.2009.
Destarte, a nova roupagem conferida ao art. 30 do Estatuto do Desarmamento continuou a prever abolitio criminis temporária para que o possuidor buscasse a regularização de seu armamento por meio do devido registro. Ocorre que, diferentemente da redação vestibular, reduziu essa possibilidade ao possuidor de arma de fogo de uso permitido, excluindo, portanto, a possibilidade de regularização de armas de fogo de uso restrito ou de uso permitido com numeração raspada ou adulterada, por não serem passíveis de regularização, nos exatos termos do art. 15, II, j, do Decreto nº 5.123, de 1º de julho de 200432. De outro vértice, a entrega espontânea prevista na nova redação conferida ao art. 32 do Estatuto do Desarmamento deixou de prestigiar, como nas redações anteriores, abolitio criminis temporária. Instituindo verdadeira causa de exclusão da punibilidade, que não possui efeitos erga omnes, buscou, apenas, estimular a devolução do armamento e, dessa forma, reduzir o número de armas de fogo que povoam o nosso País. Nesse sentido, confira-se a jurisprudência perfilhada: Direito penal. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL – NÃO CABIMENTO – PATENTE ILEGALIDADE – AUSÊNCIA – POSSE DE ARMA DE FOGO COM NUMERAÇÃO RASPADA – ABOLITIO CRIMINIS TEMPORÁRIA – NÃO OCORRÊNCIA – 1. Não é razoável que se apresente como mera escolha a interposição de recurso ordinário, do recurso especial/agravo de inadmissão do REsp ou a impetração do habeas corpus. É imperioso promover-se a racionalização do emprego do mandamus, sob pena de sua hipertrofia representar verdadeiro índice de ineficácia da intervenção dos Tribunais Superiores. Não sendo o caso de patente ilegalidade, não é de se conhecer da impetração. 2. A Sexta Turma, a partir do julgamento do HC 188.278/RJ, passou a entender que a abolitio criminis, para a posse de armas e munições de uso permitido, restrito, proibido ou com numeração raspada, tem como data final o dia 32 “Art. 15. O registro da arma de fogo de uso permitido deverá conter, no mínimo, os seguintes dados: [...] II – da arma: [...] j) número de série gravado no cano da arma.”
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Lei nº 11.706, de 19 de junho de 2008, conferindo a esses dois artigos novas redações, verbis:
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23 de outubro de 2005. 2. Dessa data até 31 de dezembro de 2009, somente as armas/munições de uso permitido (com numeração hígida) e, pois, registráveis, é que estiveram abarcadas pela abolitio criminis. 3. Desde 24 de outubro de 2005, as pessoas que possuam munições e/ou armas de uso restrito, proibido ou com numeração raspada, podem se beneficiar de extinção da punibilidade, desde que, voluntariamente, façam a entrega do artefato. 4. Na espécie, o ora paciente foi flagrado, em 01.12.2007, por guardar em sua casa uma arma de fogo (um revólver Taurus, calibre 38) com numeração suprimida, sem autorização, em desacordo com determinação legal e regulamentar, sem entregá-la à Polícia Federal voluntariamente para efeito de registro, não podendo, portanto, se beneficiar da exclusão do crime (abolitio criminis temporária) e nem da específica extinção da punibilidade. 5. Habeas Corpus não conhecido (STJ, 6ª T., HC 137.664/RJ, Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 06.12.2012). Ainda nesse mesmo sentido, confira-se: STJ, 5ª T., REsp 1.251.476/MG, Relª Min. Laurita Vaz, DJe 28.05.2012.
O segundo ponto polêmico aqui apontado, vale dizer, a constitucionalidade da criminalização de condutas de perigo abstrato, para sua melhor exegese, será objeto de análise própria no item a seguir delineado.
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MANDADOS DE CRIMINALIZAÇÃO E CRIMES DE PERIGO ABSTRATO EM FACE DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
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Como se sabe, a Constituição Federal de 1988 nos fornece expressivo catálogo de normas que, nada obstante não outorguem direitos, determinam, de forma expressa e implícita, a criminalização de condutas33. Diante dos chamados mandados de criminalização, como bem assevera Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, 33 Entre outras, a título meramente exemplificativo, confira-se: art. 5º, XLI a XLIV.
a atuação do legislador no sentido de promover a proteção desses direitos recebe um elemento de vinculação. Ele pode até valer-se de outros instrumentos, mas a previsão de sanções penais perde seu caráter de subsidiariedade e torna-se obrigatória. Ordens diretas que são ao legislador para que atenda ao comando constitucional, a necessidade da edição da lei é questão de supremacia da Constituição. Razões de conveniência, oportunidade, política criminal ou outras não podem ser invocadas para justificar a omissão em dar cumprimento à Lei Magna. A sindicabilidade da não atuação legislativa é, no particular, plena. E será competente o Poder Judiciário para verificar a adequação da legislação expedida às ordens constitucionais.34
Nessa ordem de entendimento, a concepção de normas no próprio Texto Constitucional, que, valendo-se do Direito Penal, vincula a atuação do legislador ordinário, reforça a ideia de que os direitos fundamentais expressam, ao lado de proibições de intervenção (Eingriffsverbote), postulados de efetiva proteção (Schutzgebote) por parte do Estado. Sintetizando essa vinculação, Maria Luiza Schäfer Streck destaca que a ideia de Direito Penal e de direitos fundamentais não pode ser dissociada. A estreita ligação ocorre a partir do momento em que os direitos fundamentais passam a ser o limite para a escolha dos bens jurídicos penais protegidos pelo Estado Democrático de Direito, tornando-se paradigma para o mínimo abrigo constitucional. Ou seja, basta ver que o legislador penal encontra-se materialmente ligado à Constituição no que concerne essa matéria. Diante disso, temos que toda a lei penal representa sempre a medida que o Estado adota para a proteção dos direitos fundamentais, bem como aos demais bens jurídicos. Dessa forma, podemos facilmente observar que, na medida em que existe uma mudança no modelo de Estado, existe também uma alteração na forma de proteção dos direitos fundamentais.35 34 Mandados expressos de criminalização e a proteção de direitos fundamentais na Constituição brasileira de 1988. Belo Horizonte: Fórum, 2007. p. 139. 35 Direito Penal e Constituição: a face oculta da proteção dos direitos fun-
Com efeito, é justamente nessa quadra que deve ser discutida a constitucionalidade da previsão, por parte do legislador penal, de crimes de perigo abstrato ou presumido36. No âmbito do Estatuto do Desarmamento, essa discussão ganha corpo quando se analisa a criminalização do porte de arma de fogo desmuniciada. De acordo com a legislação em debate, constitui crime de mera conduta o porte de arma de fogo sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar. Se quanto ao resultado naturalístico de tais condutas não há maiores divergências doutrinárias e jurisprudenciais, no tocante ao seu resultado jurídico a questão ganha contornos de complexidade. Em que pese a envergadura de parte da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que, enfrentando o tema, firma-se no sentido de que o porte de arma de fogo desmuniciada e sem que damentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 59. 36 Muito embora aceitando a constitucionalidade dos crimes de perigo abstrato ou presumido, lembra André Estefam que “a doutrina e a jurisprudência majoritárias, em nosso país, consideram inconstitucionais os crimes de perigo abstrato ou presumido. Costuma-se afirmar que a caracterização da infração penal deve sempre depender da comprovação de que o comportamento do agente provocou, de fato, algum perigo ou ameaça a bens alheios” (Direito penal 1: parte geral. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 98).
o agente tenha a pronta disponibilidade da munição configura fato atípico37, dela se ousa discordar. Tendo-se em vista que os direitos fundamentais expressam, ao lado da proibição da intervenção estatal, postulados de proteção, e que a proporcionalidade em matéria penal também se apresenta como proibição de proteção insuficiente, tem-se que a criminalização do porte de arma de fogo desmuniciada se dá em obediência a mandado implícito de criminalização que enxerga a segurança pública como bem jurídico-penal transindividual, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos38. Reconhecer a atipicidade de tal conduta importa, pois, em violar o próprio princípio da proporcionalidade em matéria penal, notadamente de sua faceta vocacionada à proteção dos direitos fundamentais. Não é por outra razão que, enfrentando essa mesma questão, o Ministro Gilmar Mendes, na relatoria do Habeas Corpus nº 104.410/RS, impetrado pela Defensoria Pública da União contra decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça que, nos autos do Recurso Especial nº 984.616/RS, contrariando o entendimento defensivo, houve por bem reformar acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça gaúcho, o qual, esquecendo-se dos postulados aqui apresentados, ainda à luz da Lei nº 9.437/1997, reconhecera a atipicidade da conduta do porte de arma desmuniciada, denegando a ordem em judicioso voto, e consignou: A criação de crimes de perigo abstrato não representa, por si só, comportamento inconstitucional por parte do legislador penal. A tipificação de condutas que geram perigo em abstrato, muitas vezes, acaba sendo a melhor alternativa, ou a medida mais eficaz, para proteção de bens 37 RHC 81.057/SP, 1ª T., Rel. Orig. Min. Ellen Gracie, Red. p/ o Acórdão Min. Sepúlveda Pertence, DJ 29.04.2005. 38 “Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio [...].”
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Nesse contexto, não se pode olvidar que o cumprimento dos mandados de criminalização pelo legislador penal ordinário deve pautar-se, como não poderia deixar de ser, no princípio da proporcionalidade que encerra, ao lado da proibição do excesso (Übermassverbot), a proibição da proteção penal insuficiente (Untermassverbot).
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jurídico-penais supra-individuais ou de caráter coletivo, como o meio ambiente, por exemplo. A antecipação da proteção penal em relação à efetiva lesão torna mais eficaz, em muitos casos, a proteção do bem jurídico. Portanto, pode o legislador, dentro de suas amplas margens de avaliação e de decisão, definir quais as medidas mais adequadas e necessárias para a efetiva proteção de determinado bem jurídico, o que lhe permite escolher espécies de tipificação próprias de um direito penal preventivo. Apenas a atividade legislativa que, nessa hipótese, transborde os limites da proporcionalidade, poderá ser tachada de inconstitucional. (trecho do voto)
In casu, pode-se afirmar, no ponto, que a potencialidade lesiva da conduta de portar arma de fogo desmuniciada não guarda relação de dependência direta com a funcionalidade do próprio artefato. Identificada a segurança pública como direito social, a lesividade dessa conduta decorre, em última análise, da eleição do próprio modelo de Estado adotado em nosso ordenamento jurídico e dos seus fundamentos.
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CONCLUSÃO
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Dados estatísticos compilados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e recentemente divulgados39 pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE) revelam que, com o advento do Estatuto do Desarmamento, o percentual de adquirentes de armas de fogo no Brasil caiu 40,6%. Revelam, também, que, de maneira surpreendente, os denominados analfabetos funcionais, apontados pelo órgão pesquisador como sendo pessoas entre 0 e 3 anos de estudo, têm chances 34,6%, 52% e 80,3% maiores de compra de armas de fogo do que pessoas nas faixas de anos completos de estudo de 4 a 7, 8 a 11 e 12 ou mais, respectivamente. Revelam, ainda, que, no tocante às macrorregiões brasileiras, Sul, Norte e Nordeste são as regiões que apresentaram as maiores chances 39 Disponível em: www.ipea.gov.br/portal. Acesso em: 29 jun. 2013
de se ter gastos com armas de fogo no período, superando em 318%, 170% e 110%, respectivamente, àquelas observadas na região Sudeste. Revelam, por fim, que a compra anual de armas de fogo pelas famílias brasileiras caiu de 57 mil para 37 mil, redução fomentada, em boa parte, pelo aumento de 11% no valor das despesas unitárias com armas e munições. Paradoxalmente, o mapa da violência 2013 apresentado pelo Instituto Sangari40 aponta o crescimento global de 11,2% do número de óbitos por arma de fogo na década 2000/2010 em todo o território nacional. Aponta, também, que, nessa mesma década, a mortalidade por armas de fogo na região Norte cresceu 195,2% e, na região Nordeste, 92,2%. Já na região Centro-Oeste, os quantitativos permaneceram praticamente estagnados e, na região Sul, apresentaram crescimento de 53,6%. Ainda de acordo com o Instituto Sangari, a única região a evidenciar quedas na última década é a Sudeste, cuja redução foi de 39,7%. Em suas considerações finais, este órgão pesquisador destaca que o vírus da imunodeficiência humana (HIV), responsável pela AIDS, apenas no ano de 2010, matou 12.151 pessoas de todas as idades, sendo que, nesse mesmo ano, o número total de mortes por arma de fogo foi de 38.892 pessoas. Ora, de acordo com os dados anteriormente apresentados, não se pode negar que um dos objetivos do Estatuto do Desarmamento, qual seja reduzir o número de armas de fogo lícitas em circulação pelo País, foi minimamente alcançado. O problema maior se revela, agora, com relação às armas de fogo ilícitas que povoam o território nacional41, notadamente quando se 40 Disponível em: www.institutosangari.org.br. Acesso em: 29 jun. 2013. 41 Dados estatísticos compilados pelo sistema integrado de registro e gestão dos procedimentos da área criminal do Ministério Público do Estado de São Paulo (SIS Criminal) revelam que, no período compreendido entre 1º de janeiro de 2012 a 15 de julho de 2013 foram distribuídas, em todas as Comarcas deste Estado da Federação, 10.314 denúncias versando sobre crimes previstos no Estatuto do Desarmamento.
A tragédia de Realengo, na cidade do Rio de Janeiro, em abril de 2011, quando um jovem armado com dois revólveres invadiu uma escola e matou 12 alunos entre 12 e 14 anos de idade, a exemplo do ocorrido recentemente em Newtown, no Estado de Connecticut, nos Estados Unidos da América, reforça a necessidade de se discutir, com ainda maior profundidade, o tema armas de fogo. Diante desse quadro, nada obstante o pontual endurecimento da legislação penal especial, quando se analisa a Parte Especial do Código Penal, percebe-se que, em que pese servir de causa de aumento de pena para o crime de roubo, o emprego de arma de fogo na prática do crime de homicídio não lhe confere 42 Retratando a ausência de fronteiras para o crime organizado, Jeffrey Robinson narra que “três toneladas de cocaína passam por Ciudad del Este todo mês a caminho da Europa, América do Norte e África do Sul. A heroína colombiana também chega. A maconha, plantada no Paraguai, é contrabandeada para o Brasil e a Argentina, enquanto os produtos químicos necessários para refinar a cocaína são contrabandeados da Argentina para Ciudad. Embora ‘contrabandeado’ possa não ser a palavra certa, porque de 1.500 a duas mil carretas cruzam a ponte em ambas as direções todo mês e raramente alguma delas chega a ser parada. Grande parte do dinheiro que os colombianos ganham ali é levada no Rio de Janeiro num esquema ilegal de apostas criado para funcionar como pia de aluguel para a lavagem de dinheiro, sob a direção última da Cosa Nostra americana. As armas compradas, vendidas e negociadas lá também são reais. Foi em Ciudad del Este que a Loja Maçônica Italiana P-2 facilitou a venda de mísseis Exocet e peças de reposição aos argentinos para serem usados contra os britânicos na Guerra das Malvinas. As vidas lá vendidas também são reais. Pode-se comprar sexo barato, escravos baratos, partes do corpo no atacado para transplantes ou apenas mandar matar alguém. No caso de uma vítima não branca, um assassinato custa em Ciudad apenas mil dólares. Para caucasianos custa só um pouco mais” (A globalização do crime. Trad. Ricardo Inojosa. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001. p. 13).
a roupagem de homicídio qualificado, constatação que, à luz do Projeto de Lei do Senado nº 236, de 2012 (Anteprojeto de Código Penal), fica aqui consignada. De todo modo, vale a pena reforçar, em arremate, que o manejo da legislação penal não pode ser feito ao arrepio de uma interpretação sistêmica que, como anteriormente explicitado, enxerga no Direito Penal uma ferramenta de promoção de valores fundamentais, e não um arcaico instrumento de opressão do Estado contra o indefeso cidadão, sob pena de, apresentada a prestação jurisdicional, nela se enxergar apenas o desafogo erudito de verdadeira injustiça social.
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sabe que, nos dias atuais, o crime organizado não respeita fronteiras42.
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Doutrina
Existe Exportação de Serviços? KIYOSHI HARADA
Política manda exonerar da tributação os serviços contratados por pessoas físicas ou jurídicas domiciliadas no estrangeiro, mediante pagamento do respectivo preço por fonte igualmente situada no exterior do País.
Jurista, com 27 obras publicadas, Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas, Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário, Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito, Sócio-Fundador do Escritório Harada Advogados Associados, Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.
Dentro da política de que não se deve exportar tributos para o exterior, o inciso II do § 3º do art. 156 da CF, relativamente ao ISS, determina que cabe à lei complementar “excluir da sua incidência exportação de serviços para o exterior”. Posto que o ISS não grava o serviço, mas a sua efetiva prestação, tem-se em uma interpretação literal que a Constituição determina a exoneração por lei complementar da tributação pelo ISS à prestação de serviços no exterior, o que não passaria de uma declaração acaciana. Só se exonera da tributação algo que a ela está sujeito e não aquilo que está fora do alcance da tributação pelas leis brasileiras que só surtem efeitos no território nacional. Apenas um tratado ou uma convenção internacional às avessas poderia possibilitar a dupla tributação dos serviços postados num e noutro território. Considerando que a Constituição não contém, nem deve conter, dispositivos inúteis, cabe ao intérprete conferir àquele Texto Constitucional uma interpretação que confira algum efeito jurídico. Pela interpretação sistemática das normas constitucionais e pela interpretação teleológica chega-se à conclusão de que a Carta
É a única interpretação cabível, não sendo possível cogitar-se de exportar serviços ou exportar a sua prestação, pois eles não são passíveis de viagem, como acontece com as exportações de produtos industrializados e de mercadorias, para exonerar da incidência do IPI e do ICMS, respectivamente. É que o IPI e o ICMS resultam de operações que se traduzem por uma obrigação de dar, ao passo que o ISS resulta de uma operação que se traduz por uma obrigação de fazer. Serviço significa esforço humano que resulta na produção de um bem imaterial para a fruição do tomador. Na obrigação de dar, é possível a destinação de produtos ou mercadorias ao exterior. A obrigação de fazer que gera o serviço, ou seja, o ato de servir ou prestar serviço, não é passível de exportação. Contudo, essa única interpretação constitucional possível restou invalidada pelo art. 2º da Lei Complementar nº 116/2003, que assim dispôs: Art. 2º O imposto não incide sobre: I – as exportações de serviços para o exterior do País. [...] Parágrafo único. Não se enquadram no inciso I os serviços desenvolvidos no Brasil, cujo resultado aqui se verifique, ainda que o pagamento seja feito por residente no exterior.
Ao invés de conferir à norma constitucional a única interpretação cabível para a exoneração do ISS, o preceito da lei complementar, confundindo o resultado com o efeito, torna letra morta aquele preceito da Constituição, bem como a sua própria prescrição.
jurisprudência do STJ no sentido de que haverá exoneração do ISS sempre que o serviço executado surtir efeito no exterior como, por exemplo, a elaboração de um projeto de usina hidroelétrica a ser construída no exterior.
Ora, quando o prestador aqui localizado executa um serviço, o resultado só pode ser produzido aqui. Só que a execução do serviço, por si só, não gera a obrigação de pagar imposto. É preciso que esse serviço executado surta efeito imediato em relação ao tomador. Se o tomador não puder usufruir do serviço contratado. não haverá prestação de serviço e assim não ocorrerá o fato gerador do ISS. É o caso, por exemplo, de um consulente contratar a elaboração de um parecer jurídico. Ainda que pronto e acabado o parecer, portanto, produzido o resultado, o fato gerador do ISS somente ocorrerá com a fruição desse parecer jurídico pelo tomador, o que pressupõe a sua entrega ao encomendante. Implícita está a obrigação de dar (atividade meio) para concretizar a obrigação de fazer (atividade-fim).
Outros autores citam exemplos de pesquisas de mercado encomendadas por uma empresa localizada no exterior para, mediante análise dos dados pela sua Diretoria Executiva, decidir quanto ao investimento ou não do Brasil.
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Um exemplo poderá aclarar melhor as ideias na questão sob exame. Quando um tomador domiciliado no exterior contrata os serviços de um artista plástico aqui residente para pintar um determinado quadro, a prestação efetiva de serviço somente acontecerá quando o tomador receber o quadro (resultado da ação do pintor) para a fruição de seus efeitos imediatos.
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Se o quadro (resultado) continuar no atelier do artista plástico, não haverá prestação de serviço, de onde se conclui que o fato gerador só ocorrerá no exterior, hipótese em que a lei brasileira não poderá alcançar aquele fato gerador, por força do princípio da territorialidade das leis. Somente mediante tratado ou convenção, às avessas, como dissemos, poderá ser tributado o serviço prestado no exterior do País.
Nesses casos, não haveria incidência do ISS porque o resultado (na verdade, efeito) seria produzido no exterior. A afirmativa não está incorreta, porém a não incidência nesses casos não deriva da norma do art. 2º, II, da Lei Complementar nº 116/2003, mas da inocorrência do fato gerador no Brasil e sim no exterior. Esse novo posicionamento nosso mantém a coerência com o que afirmamos a respeito da incidência do ISS sobre os serviços procedentes do exterior, como determina o § 1º do art. 1º da Lei Complementar nº 116/2003. Conforme afirmamos: Esse preceito viola, às escâncaras, o princípio da territorialidade das normas, ligado ao aspecto espacial do fato gerador da obrigação tributária, ou seja, onde ocorre o fato gerador concretamente. Serviço prestado no exterior não pode gerar efeito jurídico no território municipal do Brasil, a menos que haja um tratado ou convenção internacional, bilateral ou multilateral, firmado, às avessas, não para evitar a dupla tributação, como acontece na área do Imposto de Renda, mas para possibilitar a dupla incidência tributária.1
Mas, certamente, muitas tintas serão gastas até a pacificação dessa controvertida matéria suscitada pela má redação do Texto Constitucional sob exame.
Confesso que o tema não é fácil. No nosso livro ISS doutrina e prática, escrito em 2008, seguindo a doutrina majoritária, sustentamos a tese também adotada pela
1 Cf. nosso ISS doutrina e prática. São Paulo: Atlas, 2008. p. 40.
Acórdão na Íntegra
Superior Tribunal de Justiça Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1.478.018/SP (2014/0218198-6) Relator: Ministro Humberto Martins Agravante: Carlos Roberto Costa Agravante: Eduardo Gonçalves Gomes Agravante: Nelson de Moraes Agravante: Dirceu Pio de Magalhães Junior Agravante: Deolinda Granado Advogados: Alexandre Dantas Fronzaglia e outro(s) Agravado: Fazenda Nacional Advogado: Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional
EMENTA PROCESSUAL CIVIL – PERÍODO COMPREENDIDO ENTRE A DATA DA ELABORAÇÃO DA CONTA DE LIQUIDAÇÃO E A DATA DA EXPEDIÇÃO DO PRECATÓRIO – JUROS DE MORA – NÃO INCIDÊNCIA – QUESTÃO JULGADA PELO REGIME DOS RECURSOS REPETITIVOS – ART. 543-C DO CPC 1. O STF, em 13.03.2008, reconheceu a repercussão geral do Recurso Extraordinário 579.431/RS. O reconhecimento da repercussão geral pelo STF, com fulcro no art. 543-B do CPC, não tem o condão, em regra, de sobrestar o julgamento dos recursos especiais pertinentes. É que os arts. 543-A e 543-B do CPC asseguram o sobrestamento de eventual recurso extraordinário interposto contra acórdão proferido pelo STJ ou por outros tribunais que verse sobre a controvérsia de índole constitucional cuja repercussão geral tenha sido reconhecida pela Excelsa Corte. 2. O STJ, por ocasião do julgamento do REsp 1.143.677/RS (art. 543-C do CPC), concluiu que não incidem juros moratórios no período compreendido entre a data da homologação dos cálculos e a da expedição do precatório judicial, pois, no caso, não se configura o inadimplemento do ente público. Agravo regimental improvido.
ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça “A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).” Os Srs. Ministros Herman Benjamin, Og Fernandes, Mauro Campbell Marques (Presidente) e Assusete Magalhães votaram com o Sr. Ministro Relator. Brasília/DF, 23 de outubro de 2014 (data do Julgamento). Ministro Humberto Martins Relator
RELATÓRIO O Exmo. Sr. Ministro Humberto Martins (Relator): Cuida-se de agravo regimental interposto por Carlos Roberto Costa e Outros contra decisão singular de minha relatoria que deu parcial provimento ao recurso especial da ora agravada. O acórdão recorrido, oriundo do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, está assim ementado (fl. 210, e-STJ): “DIREITO TRIBUTÁRIO – AGRAVO INOMINADO – AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO DE SENTENÇA – PRECATÓRIO COMPLEMENTAR – RPV – JUROS DE MORA – INCIDÊNCIA – JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA 1. Consolidada a jurisprudência, firme no sentido de reconhecer o direito do credor ao cômputo dos juros moratórios desde a data do cálculo anteriormente homologado, quando foi por último aplicado o encargo até – salvo
termo final requerido em menor extensão ou nos limites devolvidos pelo recurso – a data em que autuada a RPV neste Tribunal. 2. Ressalte-se ainda, que tal orientação está em plena conformidade com a Súmula Vinculante nº 17, editada pelo Supremo Tribunal Federal, segundo a qual ‘Durante o período previsto no § 1º do art. 100 da Constituição, não incidem juros de mora sobre os precatórios que nele sejam pagos’. 3. Certo que, em relação ao período anterior ao da SV 17/STF, de que cuidam os autos, foi admitida perante o Supremo Tribunal Federal a repercussão geral no RE 579.431, DJe 24.10.2008, ainda pendente de julgamento. Acerca da repercussão geral, o sobrestamento do art. 543-B, § 1º, do Código de Processo Civil, ocorre em relação aos recursos extraordinários de matérias pendentes de julgamento na Suprema Corte, não obstando, porém, o exame de feitos no âmbito das Turmas, como é o caso dos agravos de instrumentos interpostos de decisão interlocutória, agravos legais ou inominados e embargos declaratórios. 4. Quanto ao decidido no REsp 1.143.677, trata-se de precedente que interpretou a SV 17/STF, reconhecendo, portanto, a natureza constitucional da matéria e, considerando que a Suprema Corte apenas excluiu os juros de mora no período específico de 18 meses, a que se refere o § 5º do artigo 100 da Constituição Federal. 5. Precedentes do Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça e desta Corte. 6. Agravo inominado desprovido.”
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A decisão ora agravada traz a seguinte ementa (fl. 303, e-STJ):
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“PROCESSUAL CIVIL – INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO ART. 535 DO CPC – PERÍODO COMPREENDIDO ENTRE A DATA DA ELABORAÇÃO DA CONTA DE LIQUIDAÇÃO E O EFETIVO PAGAMENTO DA RPV – JUROS DE MORA – DESCABIMENTO – RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.”
Em suas razões de agravo regimental, a agravante sustenta que o tema relativo à incidência de juros de mora no período compreendido entre a elaboração dos cálculos de liquidação e a inscrição do precatório ou do RPV está sob repercussão geral nos autos do RE 579.431/RS, o que sugeriria a ausência de entendimento pacificado acerca do tema (fls. 313/314, e-STJ).
Aduz, ainda, que (fl. 314, e-STJ): “A EC 62/2009 até alterou o entendimento da Súmula nº 17 do STF, ao determinar a incidência sem solução de continuidade dos juros de mora, desde a citação, no caso concreto, e dos pagamentos realizados, e se a menor do que o devido, sobre o saldo a pagar. [...]. Ademais, o STJ já definiu que os juros, ao menos se contam até o trânsito em julgado da decisão que fixar a liquidação de sentença, que, no caso concreto, demorou vários anos, por força das mazelas do processo judiciário originário e seus recursos.”
Pugna, por fim, caso não seja reconsiderada a decisão agravada, para que se submeta o presente agravo à apreciação da Turma. É, no essencial, o relatório. EMENTA PROCESSUAL CIVIL – PERÍODO COMPREENDIDO ENTRE A DATA DA ELABORAÇÃO DA CONTA DE LIQUIDAÇÃO E A DATA DA EXPEDIÇÃO DO PRECATÓRIO – JUROS DE MORA – NÃO INCIDÊNCIA – QUESTÃO JULGADA PELO REGIME DOS RECURSOS REPETITIVOS – ART. 543-C DO CPC 1. O STF, em 13.03.2008, reconheceu a repercussão geral do Recurso Extraordinário 579.431/RS. O reconhecimento da repercussão geral pelo STF, com fulcro no art. 543-B do CPC, não tem o condão, em regra, de sobrestar o julgamento dos recursos especiais pertinentes. É que os arts. 543-A e 543-B do CPC asseguram o sobrestamento de eventual recurso extraordinário interposto contra acórdão proferido pelo STJ ou por outros tribunais que verse sobre a controvérsia de índole constitucional cuja repercussão geral tenha sido reconhecida pela Excelsa Corte. 2. O STJ, por ocasião do julgamento do REsp 1.143.677/RS (art. 543-C do CPC), concluiu que não incidem juros moratórios no período compreendido entre a data da homologação dos cálculos e a da expedição do precatório judicial, pois, no caso, não se configura o inadimplemento do ente público. Agravo regimental improvido.
O Exmo. Sr. Ministro Humberto Martins (Relator): Não assiste razão aos agravantes. O Supremo Tribunal Federal, em 13.03.2008, reconheceu a repercussão geral do Recurso Extraordinário 579.431/RS. Todavia, o reconhecimento da repercussão geral pelo STF, com fulcro no art. 543-B do CPC, não tem o condão, em regra, de sobrestar o julgamento dos recursos especiais pertinentes. Ocorre que os arts. 543-A e 543-B do CPC asseguram o sobrestamento de eventual recurso extraordinário interposto contra acórdão proferido pelo STJ ou por outros tribunais que versem sobre a controvérsia de índole constitucional cuja repercussão geral tenha sido reconhecida pela Excelsa Corte. Ademais, o Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do REsp 1.143.677/RS (art. 543-C do CPC), concluiu que não incidem juros moratórios no período compreendido entre a data da homologação dos cálculos e a da expedição do precatório judicial, pois, no caso, não se configura o inadimplemento do ente público. Confira-se a ementa do citado repetitivo: “PROCESSO CIVIL – RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA – ART. 543-C, DO CPC – DIREITO FINANCEIRO – REQUISIÇÃO DE PEQUENO VALOR – PERÍODO COMPREENDIDO ENTRE A DATA DA ELABORAÇÃO DA CONTA DE LIQUIDAÇÃO E O EFETIVO PAGAMENTO DA RPV – JUROS DE MORA – DESCABIMENTO – SÚMULA VINCULANTE Nº 17/STF – APLICAÇÃO ANALÓGICA – CORREÇÃO MONETÁRIA – CABIMENTO – TAXA SELIC – INAPLICABILIDADE – IPCA-E – APLICAÇÃO [...] 4. A Excelsa Corte, em 29.10.2009, aprovou a Súmula Vinculante nº 17, que cristalizou o entendimento jurisprudencial retratado no seguinte
verbete: ‘Durante o período previsto no § 1º do art. 100 da Constituição, não incidem juros de mora sobre os precatórios que nele sejam pagos’. 5. Consequentemente, os juros moratórios não incidem entre a data da elaboração da conta de liquidação e o efetivo pagamento do precatório, desde que satisfeito o débito no prazo constitucional para seu cumprimento (RE 298.616, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, Julgado em 31.10.2002, DJ 03.10.2003; AI 492.779 AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, Julgado em 13.12.2005, DJ 03.03.2006; e RE 496.703 ED, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, Julgado em 02.09.2008, DJe-206 Divulg. 30.10.2008 Public. 31.10.2008), exegese aplicável à Requisição de Pequeno Valor, por força da princípio hermenêutico ubi eadem ratio ibi eadem legis dispositivo (RE 565.046 AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, Julgado em 18.03.2008, DJe-070 Divulg. 17.04.2008; Public. 18.04.2008; e AI 618.770 AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, Julgado em 12.02.2008, DJe-041 Divulg. 06.03.2008 Public. 07.03.2008). 6. A hodierna jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, na mesma linha de entendimento do Supremo Tribunal Federal, pugna pela não incidência de juros moratórios entre a elaboração dos cálculos e o efetivo pagamento da requisição de pequeno valor – RPV (AgRg no REsp 1.116229/RS, Rel. Min. Felix Fischer, Quinta Turma, Julgado em 06.10.2009, DJe 16.11.2009; AgRg no REsp 1.135.387/PR, Rel. Min. Haroldo Rodrigues (Des. Conv. do TJ/CE), Sexta Turma, Julgado em 29.09.2009, DJe 19.10.2009; REsp 771.624/PR, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, Julgado em 16.06.2009, DJe 25.06.2009; EDcl nos EDcl no AgRg no REsp 941.933/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, Julgado em 14.05.2009, DJe 03.08.2009; AgRg no Ag 750.465/RS, Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, Julgado em 28.04.2009, DJe 18.05.2009; e REsp 955.177/RS, Relª Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, Julgado em 14.10.2008, DJe 07.11.2008). 7. A correção monetária plena, por seu turno, é mecanismo mediante o qual se empreende a recomposição da efetiva desvalorização da moeda, com o escopo de se preservar o poder aquisitivo original, sendo certo que independe de pedido expresso da parte interessada, não constituindo um plus que se acrescenta ao crédito, mas um minus que se evita. 8. Destarte, incide correção monetária no período compreendido entre a elaboração dos cálculos e o efetivo pagamento da RPV, ressalvada a observância dos critérios de atualização porventura fixados na sentença de liquidação, em homenagem ao princípio da segurança jurídica,
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VOTO
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encartado na proibição de ofensa à coisa julgada (Mutatis mutandis, precedentes do STJ: EREsp 674.324/RS, Relª Ministra Denise Arruda, Primeira Seção, Julgado em 24.10.2007, DJ 26.11.2007; AgRg no REsp 839.066/DF, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, Julgado em 03.03.2009, DJe 24.03.2009; EDcl no REsp 720.860/RJ, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Rel. p/Acórdão Ministro José Delgado, Primeira Turma, Julgado em 10.04.2007, DJ 28.05.2007; EDcl no REsp 675.479/DF, Relª Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, Julgado em 12.12.2006, DJ 01.02.2007; e REsp 142.978/SP, Relª Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, Julgado em 04.12.2003, DJ 29.03.2004). 9. Entrementes, ainda que a conta de liquidação tenha sido realizada em período em que aplicável a Taxa Selic como índice de correção monetária do indébito tributário, impõe-se seu afastamento, uma vez que a aludida taxa se decompõe em taxa de inflação do período considerado e taxa de juros reais, cuja incompatibilidade, na hipótese, decorre da não incidência de juros moratórios entre a elaboração dos cálculos e o efetivo pagamento, no prazo legal, da requisição de pequeno valor – RPV.
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10. Consectariamente, o índice de correção monetária aplicável aos valores constantes da RPV, quando a conta de liquidação for realizada no período em que vigente a Taxa Selic, é o IPCA-E/IBGE (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial), à luz do Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos na Justiça Federal, aprovado pela Resolução nº 242/2001 (revogada pela Resolução nº 561/2007).
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11. A vedação de expedição de precatório complementar ou suplementar do valor pago mediante Requisição de Pequeno Valor tem por escopo coibir o fracionamento, repartição ou quebra do valor da execução, a fim de que seu pagamento não se faça, em parte, por RPV e, em parte, por precatório (art. 100, § 4º, da CRFB/1988, repetido pelo art. 17, § 3º, da Lei nº 10.259/2001), o que não impede a expedição de requisição de pequeno valor complementar para pagamento da correção monetária devida entre a data da elaboração dos cálculos e a efetiva satisfação da obrigação pecuniária. 12. O Supremo Tribunal Federal, em 13.03.2008, reconheceu a repercussão geral do Recurso Extraordinário nº 579.431/RS, cujo thema iudicandum restou assim identificado: ‘“Precatório. Juros de mora. Incidência no período compreendido entre a data da feitura do cálculo e a data da expedição da requisição de pequeno valor’.
13. O reconhecimento da repercussão geral pelo STF, com fulcro no art. 543-B, do CPC, como cediço, não tem o condão, em regra, de sobrestar o julgamento dos recursos especiais pertinentes. 14. É que os arts. 543-A e 543-B, do CPC, asseguram o sobrestamento de eventual recurso extraordinário, interposto contra acórdão proferido pelo STJ ou por outros tribunais, que verse sobre a controvérsia de índole constitucional cuja repercussão geral tenha sido reconhecida pela Excelsa Corte [...]. [...] 16. Recurso especial parcialmente provido, para declarar a incidência de correção monetária, pelo IPCA-E, no período compreendido entre a elaboração dos cálculos e o efetivo pagamento da requisição de pequeno valor – RPV, julgando-se prejudicados os embargos de declaração opostos pela recorrente contra a decisão que submeteu o recurso ao rito do art. 543-C, do CPC. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C, do CPC, e da Resolução STJ 08/2008.’” (REsp 1.143.677/RS, Rel. Min. Luiz Fux, Corte Especial, DJe 04.02.2010.) Por conseguinte, o entendimento esposado pela Corte de origem divergiu da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, razão pela qual a decisão ora agravada houve por bem reformá-la. Ante o exposto, não logrando os agravantes infirmar a decisão agravada, nego provimento ao agravo regimental.
É como penso. É como voto. Ministro Humberto Martins Relator
CERTIDÃO DE JULGAMENTO SEGUNDA TURMA AgRg-REsp 1.478.018/SP Número Registro: 2014/0218198-6 Números Origem: 00320151720114030000 07197368919914036100 199903990754813
201103000320154 320151720114030000 456152 9107197365 Pauta: 23.10.2014
Julgado: 23.10.2014
Relator: Exmo. Sr. Ministro Humberto Martins Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Mauro Campbell Marques
AGRAVO REGIMENTAL Agravante: Carlos Roberto Costa Agravante: Eduardo Gonçalves Gomes Agravante: Nelson de Moraes
Subprocuradora-Geral da República: Exma. Sra. Dra. Elizeta Maria de Paiva Ramos
Agravante: Dirceu Pio de Magalhães Junior
Secretária: Belª Valéria Alvim Dusi
Agravante: Deolinda Granado Advogados: Alexandre Dantas Fronzaglia e outro(s)
AUTUAÇÃO Recorrente: Fazenda Nacional
Agravado: Fazenda Nacional Advogado: Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional
Advogado: Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional
Recorrido: Eduardo Gonçalves Gomes Recorrido: Nelson de Moraes Recorrido: Dirceu Pio de Magalhães Junior Recorrido: Deolinda Granado Advogados: Alexandre Dantas Fronzaglia e outro(s) Assunto: Direito tributário – Empréstimos Compulsórios – Aquisição de veículos automotores
CERTIDÃO Certifico que a egrégia Segunda Turma, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: “A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).”
Os Srs. Ministros Herman Benjamin, Og Fernandes, Mauro Campbell Marques (Presidente) e Assusete Magalhães votaram com o Sr. Ministro Relator.
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Recorrido: Carlos Roberto Costa
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Pesquisa Temática
Direito Eleitoral Direito eleitoral – alistamento – transferência – parentesco – comprovação – insuficiência “Recurso eleitoral. Alistamento eleitoral. Parentesco. Laços entre o eleitor e o município. Não comprovação. Conhecimento e provimento do recurso. A existência de parentesco entre o eleitor e pessoa residente no município para onde deseja transferir seu domicílio eleitoral, de conformidade com o novo entendimento desta Corte, não se afigura suficiente para autorizar o requerimento de transferência quando não sejam comprovados, igualmente, os laços afetivos que uniriam o requerente ao município, os quais devem, necessariamente, ser demonstrados para que se acolha o vínculo familiar como justificativa para a transferência. Conhecimento e provimento do recurso.” (TRERN – REL 66-91.2011.6.20.0013 – Rel. Juiz Subst. Nilo Ferreira Pinto Junior – DJe 09.04.2012)
Direito eleitoral – cadastro eleitoral – inelegibilidade – anotação “Mandado de segurança. Anotação de inelegibilidade em cadastro eleitoral. Aplicação da lei complementar 64/1990. Condenação colegiada por ato de improbidade administrativa promanada da justiça comum. Art. 1º, I, l, desse diploma. Necessidade de prática de ato doloso de improbidade que importe, simultaneamente, locupletamento e lesão ao erário. Momento de aferição: registro de candidatura. Competência da justiça eleitoral. Precedentes. Ordem de segurança concedida. Para que reconhecida a inelegibilidade prevista no art. 1º, I, l, da Lei Complementar nº 64/1990, é indispensável que a justiça eleitoral verifique se a condenação por improbidade administrativa configure ato doloso que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito. Apreciação e decisão acerca desses elementos que competem à justiça eleitoral na oportunidade do registro da candidatura. Ordem de segurança concedida.” (TRESP – MS 288-96.2012.6.26.0000 – Rel. Encinas Manfré – DJe 16.07.2012)
Direito eleitoral – campanha – vereador – prestação de contas – regularidade “Prestação de contas de campanha. Eleições 2012. Vereador. Rendimentos auferidos no período suficientes para cobrir as despesas, respeitados os limites legais. Aprovação com ressalvas. Ainda que o candidato não declare patrimônio por ocasião do registro de candidatura, as doações feitas com recursos próprios para sua campanha, desde que compatíveis com alguma fonte de renda naquele período, não constituem irregularidade grave a ponto de comprometer a regularidade das contas.” (TREPR – REL 663-60.2012.6.16.0070 – (46275) – Rel. Josafá Antonio Lemes – DJe 31.07.2013)
Direito eleitoral – campanha política – doação – limite excedido – multa – aplicação “Recurso eleitoral. Campanha política. Pessoa jurídica. Doação. Decadência da representação não configurada. Art. 81, § 1º, da Lei nº 9.504/1997. Limite a ser doado. Erro na base de cálculo. Valor da multa. Novo entendimento desta Corte. Provimento parcial do recurso. Reforma parcial da sentença objurgada. 1. Rejeita-se a preliminar de intempestividade, quando evidente que a representação eleitoral foi proposta dentro do prazo de cento e oitenta dias, previsto no art. 32 da Lei nº 9.504/1997. 2. A base de cálculo para estipular o valor máximo da doação é o faturamento bruto do ano anterior ao pleito apresentado à Receita Federal. 3. De acordo com recente entendimento desta Corte, a multa a ser aplicada deve ser, apenas, o valor excedente (diferença entre o valor efetivamente doado e o valor autorizado pela legislação). 4. Recurso a que dá parcial provimento.” (TREMT – RE 505-93.2011.6.11.0000 – (21400) – Rel. Francisco Alexandre Ferreira Mendes Neto – DJe 22.08.2012)
Direito eleitoral – candidato – parentesco consanguíneo – inelegibilidade “Recurso especial eleitoral. Pedido de registro de candidatura. Eleições 2012. Art. 14, § 70, da Constituição Federal. Inelegibilidade. Parentesco consanguíneo. Critério objetivo. Desprovimento. 1. A alegação de existência de rivalidade entre o recorrente, candidato a prefeito, e o atual chefe do Executivo da localidade, aspirante à reeleição e genitor do pretenso candidato, não afasta a inelegibilidade constitucional, uma vez que o critério da norma é objetivo. Precedentes. 2. Recurso especial desprovido.” (TSE – Recurso Especial Eleitoral nº 140-71.2012.6.26.0134 – Rel. Min. Marco Aurélio – J. 20.09.2012)
Direito eleitoral – desfile comemorativo – veículos e máquinas do Município – deputados estaduais – discurso – poder político – abuso – não ocorrência “Recurso eleitoral. Independência do Brasil. Desfile comemorativo. Veículos e máquinas do Município. Discurso de deputados estaduais. Abuso de poder político não configurado. Improcedência. Recurso desprovido. 1. A simples exibição de veículos da frota municipal no desfile comemorativo da Independência do Brasil por si só não caracteriza conduta vedada. 2. No caso não restou configurado o alegado abuso de poder político porquanto não se utilizou a máquina administrativa em benefício de candidato. 3. A recomendação administrativa do Ministério Público local por si só não tem o condão de caracterizar a conduta vedada porquanto se trata de interpretação própria do indicado dispositivo legal. 4. Ainda que a recomendação administrativa tenha caráter preventivo e vise preservar ilícitos decorrentes de propaganda eleitoral, não se pode esquecer, porque cediço, que o exercício do poder de polícia para fazer cessar a propaganda irregular compete ao Juiz eleitoral e não ao Ministério Público. 5. Recurso desprovido.” (TREPR – REL 386-65.2012.6.16.0160 – (45483) – Rel. Des. Rogério Coelho – DJe 22.01.2013)
Direito eleitoral – desfiliação partidária – mandado eletivo – perda – discriminação pessoal – comprovação “Ação de decretação de perda de mandado eletivo por desfiliação partidária. Vereador. Resolução TSE nº 22.610/2007. Alegação de ocorrência de grave discriminação pessoal. Práticas discriminatórias. Comprovação. Existência de justa causa. Improcedência. 1. A ocorrência de comportamentos segregativos e desarrazoados, como a intencional falta de convite para participar dos eventos partidários, aliada ao a um permanente estado de desqualificação, caracteriza situação de grave discriminação pessoal. 2. Demonstrado que o parlamentar foi vítima de fatos discriminatórios no seio do partido, impõe-se o reconhecimento da existência de justa causa para a migração. 3. Pedido julgado improcedente.” (TRESE – PET 366-54.2011.6.25.0000 – Relª Juíza Gardênia Carmelo Prado – DJe 03.07.2012)
Direito eleitoral – eleições 2012 – força federal – requisição – deferimento “Processo administrativo. TRE/AM. Força federal. Requisição. Garantia. Normalidade. Eleições 2012. Ausência de manifestação do Governador do Estado. Município de Anori. Deferimento. Cumpridos os requisitos da Resolução-TSE nº 21.843/2004, defere-se o pedido de requisição de força federal para atuar no Município de Anori durante a realização das eleições e a apuração dos resultados, haja vista a robustez das justificativas encaminhadas pelo TRE/AM.” (TSE – PADM 959-45.2012.6.00.0000 – Relª Min. Laurita Vaz – DJe 16.11.2012)
“Recursos eleitorais. Duplicidade. Filiação partidária. Nulidade. Decisão. Não comunicação e comunicação à justiça eleitoral e ao partido político em tempo hábil manutenção e reforma da sentença. 1. O eleitor que se filiar a outro partido deverá comunicar ao órgão de direção municipal do partido anterior e ao Juiz da sua respectiva Zona Eleitoral, solicitando o cancelamento de sua filiação; se não o fizer no dia imediato ao da nova filiação, ficará configurada dupla filiação, sendo ambas consideradas nulas para todos os efeitos’ (Lei nº 9.096/1995, art. 22, parágrafo único). 2. Os eleitores não comunicaram à Justiça Eleitoral, em tempo hábil, as suas desfiliações. 3. Duplicidades de filiações partidárias constatadas e devidamente abrandadas pela Justiça Eleitoral. Manutenção e reforma da sentença.” (TRECE – REL 7432 – Rel. Juiz Manoel Castelo Branco Camurça – DJe 04.09.2012) Transcrição IOB Lei nº 9.096/1995: “Art. 22. O cancelamento imediato da filiação partidária verifica-se nos casos de: I – morte; II – perda dos direitos políticos; III – expulsão;
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Direito eleitoral – filiação partidária – duplicidade – nulidade
IV – outras formas previstas no estatuto, com comunicação obrigatória ao atingido no prazo de quarenta e oito horas da decisão. Parágrafo único. Quem se filia a outro partido deve fazer comunicação ao partido e ao juiz de sua respectiva Zona Eleitoral, para cancelar sua filiação; se não o fizer no dia imediato ao da nova filiação, fica configurada dupla filiação, sendo ambas consideradas nulas para todos os efeitos.”
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Direito eleitoral – pintura em bens particulares – propaganda irregular – excesso – configuração “Recurso eleitoral. Propaganda irregular. Pintura em bens particulares. Seis inscrições. Candidatos diversos pertencentes ao mesmo partido. Representação de ambos. Pinturas em excesso. Improvimento do recurso. Condenação no valor mínimo. 1. Propaganda eleitoral por meio de pinturas em muro, que extrapolam a permissão legislativa prevista no art. 37, § 2º, da Lei nº 9.504/1997. 2. Individualmente inferiores a quatro metros quadrados, configura-se a irregularidade pelo abuso da quantidade de quadros. 3. Recursos improvidos.” (TRE-CE – REL 185262 – Rel. Juiz João Luís Nogueira Matias – DJe 27.12.2012)
Direito eleitoral – propaganda eleitoral antecipada – convenção partidária – pessoas não filiadas – multa – aplicação “Recurso. Propaganda eleitoral antecipada. Lei nº 9.504/1997. Participação em convenção partidária de pessoas não filiadas ao respectivo partido político. Propaganda irregular. Aplicação de multa. Recurso não conhecido. Não havendo impugnação da matéria que promoveu a sucumbência do recorrente, o recurso não merece ser conhecido. Recurso não conhecido.” (TREPI – RP 200-09.2012.6.18.0056 – Rel. Agrimar Rodrigues de Araújo – DJe 22.01.2013)
Direito eleitoral – propaganda eleitoral gratuita – pesquisa eleitoral – divulgação – multa – art. 33, § 3º, da Lei nº 9.504/1997 – inaplicabilidade “Recurso eleitoral. Representação. Propaganda eleitoral gratuita. Divulgação de pesquisa eleitoral. Aplicação de multa do art. 33, § 3º. Inaplicabilidade. Recurso conhecido e provido. 1. A multa do art. 33, § 3º, da Lei nº 9.504/1997 só é aplicável na hipótese de divulgação de pesquisa eleitoral sem prévio registro. 2. A não juntada dos documentos atinentes à pesquisa, a torna irregular, quando instados a isso. 3. Recurso conhecido e provido. 4. Remessa, por ofício, de cópia dos autos ao Ministério Público para averiguar possível delito penal eleitoral.” (TREPR – REL 981-59.2012.6.16.0000 – (45555) – Rel. Luciano Carrasco – DJe 08.02.2013)
Direito eleitoral – propaganda institucional – três meses antes da eleição – vedação “Eleições 2012. Recurso eleitoral. Agravo de instrumento. Propaganda institucional demonstrada. Inteligência do art. 73, inciso VI, alínea b, da Lei das Eleições. Liminar concedida. Recurso conhecido e parcialmente provido. 1. É vedada a realização de propaganda institucional durante os três meses que antecedem o pleito eleitoral, conforme proscrição do art. 73, inciso VI, alínea b, da Lei nº 9.504/1997. 2. A divulgação de atos e programas da Administração Pública em sítio eletrônico de Prefeitura, sem que se enquadrem dentro das permissões legais do próprio art. 73, inciso VI, alínea b, da Lei das Eleições, caracteriza publicidade institucional, devendo ser retiradas do ar. 3. Sítio eletrônico no qual o acesso às notícias anteriores depende de navegação por links indiretos (página anterior) de modo que as notícias que precederam ao início do período eleitoral estão bastante distantes do acesso rápido do cidadão. Desnecessidade de retirada destas notícias, em razão de seu caráter de acesso dificultoso. 4. Agravo regimental conhecido e parcialmente provido.” (TREPR – REL 468-91.2012.6.16.0000 – (44308) – Relª Andrea Sabbaga de Melo – DJe 11.09.2012)
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Direito eleitoral – propaganda partidária gratuita – requisitos “Propaganda partidária gratuita. Art. 57, inciso I, alínea b, da Lei nº 9.096/1995. Requisito não atendido. Pedido indeferido. O direito da veiculação de programa de propaganda partidária gratuita está adstrito ao cumprimento do requisito do partido possuir funcionamento parlamentar na Câmara dos Deputados, com representantes de, no mínimo, cinco Estados e obtiver um por cento dos votos apurados no País, não computados os brancos e os nulos.” (TREPR – PP 1068-49.2011.6.16.0000 – (41990) – Rel. Des. Rogério Coelho – DJe 09.04.2012) Transcrição IOB Lei nº 9.096/1995: “Art. 57. No período entre o início da próxima Legislatura e a proclamação dos resultados da segunda eleição geral subseqüente para a Câmara dos Deputados, será observado o seguinte: I – direito a funcionamento parlamentar ao partido com registro definitivo de seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral até a data da publicação desta lei que, a partir de sua fundação, tenha concorrido ou venha a concorrer às eleições gerais para a Câmara dos Deputados, elegendo representante em duas eleições consecutivas: [...] b) nas Assembleias Legislativas e nas Câmaras de Vereadores, toda vez que, atendida a exigência do inciso anterior, eleger representante para a respectiva Casa e obtiver um total de um por cento dos votos apurados na Circunscrição, não computados os brancos e os nulos;
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[...]”
Direito eleitoral – registro de candidato – impugnação – ausência – recurso – interposição – ilegitimidade “Agravo regimental. Recurso especial registro de candidato. Eleição municipal. Inelegibilidade. Ausência de impugnação. Súmula nº 11. Matéria infraconstitucional. Ilegitimidade recursal. Desprovimento. 1. Nos termos da Súmula nº 11 do TSE, a parte que não impugnou o registro de candidatura, seja ela candidato, partido político, coligação ou o Ministério Público Eleitoral, não tem legitimidade para recorrer da decisão que o deferiu, salvo em casos que envolvem matéria constitucional. Precedentes. 2. Agravo regimental desprovido.” (TSE – AgRg-REspEL 368-47.2012.6.26.0166 – Rel. Min. Dias Toffoli – DJe 21.02.2013)
Direito eleitoral – representação – pedido de decretação – perda de mandato eletivo – partido – anuência – infidelidade partidária – descaracterização “Representação eleitoral. Pedido de decretação de perda de mandato eletivo. Expressa anuência do partido com a desfiliação. Boa-fé do candidato. Resguardada a finalidade da legislação eleitoral. Resolução TSE nº 22.610/2007. Improcedência da ação. Na espécie, o Diretório Estadual do Partido Comunista do Brasil anuiu com a desfiliação do representado ao partido, por meio de expressa declaração, atestando, inclusive, que o representado não seria penalizado pelo órgão de direção por tal desligamento, seja administrativa ou judicialmente (fl. 127). As testemunhas ouvidas em juízo confirmaram a anuência do partido, o que ratifica a declaração da agremiação partidária. Restou descaracterizado o ato de infidelidade partidária, pois o representado agiu de boa-fé com autorização expressa do partido do qual se desfiliou. A jurisprudência tem se manifestado neste sentido: ‘[...] autorizada a desfiliação pelo próprio partido político, de forma justificada, não há falar em ato de infidelidade partidária’ (AgRg-AI 1600094, Uberlândia/MG, TSE, Rel. Min. Arnaldo Versiani Leite Soares, DJe de 05.04.2011, p. 50). Improcedência da ação. Unânime.” (TRECE – RP 55390 – Relª Desª Maria Iracema Martins do Vale – DJe 14.01.2013)
Direito eleitoral – requisição de servidor – renovação – deferimento “Processo administrativo. Renovação de requisição de servidor. Cartório eleitoral. Art. 6º, § 3º, da Resolução TSE nº 23.255/2010. Deferimento. 1. Compete aos Tribunais Regionais Eleitorais requisitar servidores lotados no âmbito de sua jurisdição para auxiliarem os Cartórios Eleitorais (art. 6º da Resolução TSE nº 23.255/2010). 2. As requisições não podem exceder a um servidor por dez mil ou fração superior a cinco mil eleitores inscritos na zona eleitoral (inteligência do § 3º do art. 6º da Resolução TSE nº 23.255/10). 3. Pedido deferido.” (TREGO – PADM 284-33.2012.6.09.0000 – (12000) – Rel. Juiz Airton Fernandes de Campos – DJe 01.08.2012)
Direito eleitoral – servidor público – requisição – prorrogação “Administrativo. Prorrogação da requisição de servidor. Deferimento. 1. A Lei nº 6.999/1982, juntamente com a Resolução TSE nº 23.255/2010 e a Resolução TRE/TO nº 131/2007, e as alterações da Resolução TRE/TO nº 172/2009, disciplinam a requisição de servidores. 2. O prazo para a requisição será de 1 (um) ano, podendo ser prorrogada a critério do Tribunal Regional Eleitoral, e não excederá a um servidor por dez mil (10.000) ou fração superior a cinco mil (5.000) eleitores inscritos na zona eleitoral. 3. Com o preenchimento dos requisitos legais, não há nenhum impedimento para o deferimento do pedido. 4. Unânime.” (TRETO – RSA 40-06.2012.6.27.0000 – Rel. Juiz José Ribamar Mendes Júnior – DJe 11.04.2012)
“Administrativo. Requisição de servidores. Prorrogação. Admissibilidade. 1. A critério do Tribunal Regional Eleitoral, é admitida a prorrogação da requisição de servidor para Cartório Eleitoral, desde que preenchidos os requisitos legais e regulamentares (arts. 1º e 6º da RES/TSE 23.255/2010). 2. Estando o pedido em consonância com os atos normativos que disciplinam a matéria, deve ser ele deferido. 3. Prorrogação da requisição deferida.” (TRETO – RSA 9-49.2013.6.27.0000 – Rel. Juiz Waldemar Cláudio de Carvalho – DJe 28.02.2013)
Direito eleitoral – vereador – Presidente da Câmara Municipal – inelegibilidade – Lei de Responsabilidade Fiscal – descumprimento “Eleições 2012. Inelegibilidade. Vereador. Rejeição de contas. Presidente de Câmara Municipal. Alegada inexistência de ato doloso de improbidade administrativa. Decisão do Tribunal de Contas dos Municípios baseada no descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal. Irregularidade insanável. Incidência do art. 1º, alínea g, da Lei Complementar nº 64/1990. Precedentes. Agravo regimental desprovido. 1. A suposta ofensa aos princípios da ampla defesa, do contraditório, da presunção de inocência e da razoabilidade não foi analisada pelo Tribunal a quo, o que atrai a incidência das Súmulas nºs 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal. 2. As circunstâncias fáticas relacionadas com a questão de direito devolvida com o recurso especial está devidamente fixada no aresto regional, daí por que não há falar em reexame de fatos e provas. 3. Constitui irregularidade insanável a rejeição das contas, pelo Tribunal de Contas competente, com base no descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal, sendo esse vício apto a atrair a causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, inciso I, alínea g, da Lei Complementar nº 64/1990. Precedentes. 4. A ausência de aposição de nota de improbidade administrativa pelo TCM e de não interposição de ação civil pública pelo Ministério Público contra o agravante bem como o fato de ter sido paga a multa imposta pelo TCM não são suficientes para sanar as irregularidades apontadas. Precedentes. 5. Agravo regimental desprovido.” (TSE – AgRg-REsp 105-97.2012.6.06.0060/CE – Relª Min. Laurita Vaz – DJe 01.04.2013)
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Direito eleitoral – servidores – requisição – prorrogação – admissibilidade
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Jurisprudência Comentada
A Decisão do STF Quanto à Aplicação do Artigo 41 da Lei Maria da Penha e Suas Implicações RONALDO BATISTA PINTO
Promotor de Justiça no Estado de São Paulo, Mestre em Direito pela UNESP. Autor do livro Violência Doméstica – Lei Maria da Penha Comentada Artigo por Artigo (São Paulo, 3. ed., 2011 – em coautoria com Rogério Sanches Cunha).
Em sessão plenária realizada no dia 9 de fevereiro de 2012, o Supremo Tribunal Federal apreciou dois pedidos que versaram sobre o tema, no qual foi Relator o Ministro Marco Aurélio.
reconhecendo a inconstitucionalidade da lei por violar o princípio da igualdade entre homens e mulheres. Quanto ao art. 33 da lei, que atribuiu ao juízo criminal a competência para conhecer da matéria enquanto não estruturados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, Tribunais do país se posicionavam no sentido da inconstitucionalidade da norma, já que a matéria era de competência exclusiva do Estado para sobre ela legislar. No que tange ao art. 41, a inconstitucionalidade derivaria do impedimento criado pela lei da aplicação dos benefícios previstos na Lei nº 9.099/1995 aos crimes perpetrados em um contexto de violência doméstica. O objetivo do pedido, portanto, era obter o posicionamento da mais alta Corte do país para que se declarassem constitucionais tais dispositivos legais.
No primeiro deles (ADIn 4.424/DF), ajuizado pela Procuradoria-Geral da República, o objetivo era se ver declarada a inconstitucionalidade dos arts. 12, inciso I, e 16, a fim de que, ao final, se reconhecesse que a ação penal, nos crimes que envolvam violência doméstica, é pública incondicionada, a prescindir, portanto, da prévia representação da vítima. A ADIn fazia referência, ainda, ao art. 41 da lei, para que a ele fosse dada uma interpretação conforme a Constituição.
Cumpre, de plano e ainda que rapidamente, tecer alguma observação sobre a natureza jurídica das ações diretas de inconstitucionalidade e constitucionalidade. É sabido, assim, que a constitucionalidade da lei (lato sensu) pode ser controlada pelo julgador em um caso concreto, naquilo que se denomina controle difuso de constitucionalidade. Ou pode esse controle, como na hipótese em análise, ser realizado por meio de pedido ajuizado diretamente no Supremo Tribunal Federal, que exerce, nesse caso, um controle concentrado da constitucionalidade, nos termos do art. 102, inciso I, a, da Constituição.
O segundo (ADC 19/DF) se tratava de uma ação manejada pela Advocacia-Geral da União, que visou à declaração da constitucionalidade dos arts. 1º, 33 e 41 da chamada Lei Maria da Penha. Isso porque, no que se refere ao art. 1º, alguns Tribunais vinham
Pois bem. Sem maior aprofundamento no tema, por fugir ao âmbito do trabalho, deve se destacar, porém, o efeito vinculante que é próprio das decisões proferidas nessas espécies de ação, nos termos do § 2º do art. 102 da Constituição, verbis:
Nem se argumente que, forte no princípio da livre convicção, poderia um Magistrado entender diversamente da decisão do STF. Não. Os efeitos irradiados a partir de decisões proferidas nessas espécies de ação a todos vinculam, tendo força de verdadeira lei, a não admitir, bem por isso, posicionamentos contrários. Destaque-se, a propósito, a lição do Gilmar Ferreira Mendes sobre o tema: Proferida a declaração de constitucionalidade ou inconstitucionalidade de lei objeto da ação declaratória, ficam os Tribunais e órgãos do Poder Executivo obrigados a guardar-lhe plena obediência. Tal como acentuado, o caráter transcendente do efeito vinculante impõe que sejam considerados não apenas o conteúdo da parte dispositiva da decisão, mas a norma abstrata que dela se extrai, isto é, a proposição de que determinado tipo de situação, conduta ou regulação – e não apenas aquela objeto do pronunciamento jurisdicional – é constitucional ou inconstitucional e deve, por isso, ser preservado ou eliminado. É certo, pois, que a não-observância da decisão caracteriza grave violação de dever funcional, seja por parte das autoridades administrativas, seja por parte do magistrado (cf., também, CPC, art. 133, I). Em relação aos órgãos do Poder Judiciário, convém observar que eventual desrespeito à decisão do Supremo Tribunal Federal legitima a propositura de reclamação, pois estará caracterizada, nesse caso, inequívoca lesão à autoridade de seu julgado (CF, art. 102, I, l).
A ADIn 4.424/DF foi acolhida por maioria de votos (vencido o Ministro Cezar Peluso), a fim de firmar a tese no sentido de que, nas lesões corporais leves e culposas, a ação penal é pública incondicionada. É preciso que se tenha presente, porém, que esse entendimento se restringe, apenas, aos crimes de lesões corporais leves e culposas. De sorte que, conforme destacado no Informativo nº 654 do Supremo Tribunal Federal, de 6 a 10 de fevereiro de 2012, “acentuou-se, entretanto, permanecer a neces-
sidade de representação para crimes dispostos em leis diversas da Lei nº 9.099/1995, como o de ameaça e os cometidos contra a dignidade sexual”. E nem poderia ser diferente, afinal a necessidade de representação para os delitos de lesões corporais leves e culposas foi uma inovação introduzida com a Lei nº 9.099/1995, em seu art. 88. Ora, ao declarar constitucional o art. 41 da Lei Maria da Penha, que afasta a incidência dos Juizados Especiais Criminais, por consequência, afastou, também, a necessidade de representação, mas apenas para esses dois delitos. Para os demais crimes (ameaça, por exemplo), que não foram atingidos pela Lei nº 9.099/1995 e sempre dependeram de representação, essa condição de procedibilidade continua sendo exigida. A ADC 19/DF foi julgada procedente à unanimidade, a fim de declarar constitucionais os dispositivos da lei inicialmente mencionados. É dizer, em resumo: com a decisão do Supremo, que a todos vincula, a ação penal, nos crimes de lesões corporais leves e culposas que envolvam violência doméstica, é pública incondicionada, a não reclamar, portanto, a prévia representação da vítima. Com isso, restaram prejudicados os inúmeros pronunciamentos em sentido contrário dos Tribunais estaduais, bem como o firme posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, que, após alguma divergência inicial, se consolidara pela natureza de ação penal pública condicionada quando praticada a lesão corporal no âmbito da lei em estudo. Também não mais se discutirá a constitucionalidade do dispositivo em exame – reconhecida pelo STF –, que afasta a incidência da Lei nº 9.099/1995 aos delitos perpetrados com violência doméstica e familiar contra a mulher. Tampouco se dirá que a lei é inconstitucional, por afrontar o princípio da igualdade entre homens e mulheres ou por invadir o âmbito da competência estadual para legislar sobre a criação de varas especializadas ou definir a competência da justiça criminal enquanto não implantados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.
Dezembro/2014 – Ed. 213
As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.
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Nota: Prezado assinante, todas as normas selecionadas, inclusive medidas provisórias, podem ser consultadas em nosso endereço eletrônico www.sintese.com. 2.186-16, DE 23.08.2001
Patrimônio Genético. Diversidade Biológica Previdência Social. Alteração na Legislação
2 .156-5, DE 24.08.2001
Agência de Desenvolvimento do Nordeste – Adene
2.187-13, DE 24.08.2001
2.157-5, DE 24.08.2001
Agência de Desenvolvimento da Amazônia – ADA
2.189-49, DE 23.08.2001
IR. Alteração na Legislação
2.158-35, DE 24.08.2001
Cofins, PIS/Pasep e IR. Alteração na Legislação
2.190-34, DE 23.08.2001
Vigilância Sanitária. Alteração da Lei nº 9.782/1999
2.159-70, DE 24.08.2001
IR. Alteração na Legislação
2.192-70, DE 24.08.2001
Proes. Bancos Estaduais
2.161-35, DE 23.08.2001
Programa Nacional de Desestatização. Alteração da Lei nº 9.491/1997
2.196-3, DE 24.08.2001
Instituições Financeiras Federais. Recuperação. Empresa Gestora de Ativos – Emgea
2.162-72, DE 23.08.2001
Notas do Tesouro Nacional – NTN
2.197-43, DE 24.08.2001
SFH. Disposições
2.163-41, DE 23.08.2001
Meio Ambiente. Alteração da Lei nº 9.605/1998
2.198-5, DE 24.08.2001
Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica
2.164-41, DE 24.08.2001
Alteração da CLT. Trabalho a Tempo Parcial e PAT
2.199-14, DE 24.08.2001
IR. Incentivos Fiscais
2.165-36, DE 23.08.2001
Servidor Público e Militar. Auxílio-Transporte
2.200-2, DE 24.08.2001
Infraestrutura de Chaves Públicas. ICP-Brasil
2.166-67, DE 24.08.2001
Código Florestal. Alteração da Lei nº 4.771/1965
2.206-1, DE 06.09.2001
Programa Nacional de Renda Mínima
2.167-53, DE 23.08.2001
Recebimento de Valores Mobiliários pela União
2.208, DE 17.08.2001
Estudante Menor de 18 Anos. Comprovação
2.168-40, DE 24.08.2001
Cooperativas. Recoop. Sescoop
2.209, DE 29.08.2001
Comercializadora Brasileira de Energia Elétrica – CBEE
2.169-43, DE 24.08.2001
Servidor Público. Vantagem de 28,86%
2.210, DE 29.08.2001
Orçamento. Crédito Extraordinário
2.170-36, DE 23.08.2001
Tesouro Nacional. Administração de Recursos
2.211, DE 29.08.2001
Orçamento 2001 e 2002. Diretrizes
2.172-32, DE 23.08.2001
Usura. Agiotagem
2.213-1, DE 30.08.2001
Programa Bolsa-Renda. Estiagem
2.173-24, DE 23.08.2001
Anuidades Escolares
2.214, DE 31.08.2001
Administração Pública Federal. Recursos
2.174-28, DE 24.08.2001
União. Programa de Desligamento Voluntário – PDV
2.215-10, DE 31.08.2001
Militares das Forças Armadas. Reestruturação da Remuneração
2.177-44, DE 24.08.2001
Planos de Saúde. Alteração da Lei nº 9.656/1998
2.220, DE 04.09.2001
Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano – CNDU
2.178-36, DE 24.08.2001
Programa Nacional de Alimentação Escolar. Dinheiro Direto na Escola
2.224, DE 04.09.2001
Capitais Brasileiros no Exterior
2.225-45, DE 04.09.2001
Servidor Público. Tráfico de Entorpecentes. Alteração das Leis nºs 6.368/1976 e 8.112/1990
2.179-36, DE 24.08.2001
União e Banco Central. Relações Financeiras
2.180-35, DE 24.08.2001
Advocacia-Geral da União. Alteração na Legislação
2.226, DE 04.09.2001
Alteração da CLT
2.181-45, DE 24.08.2001
Operações Financeiras do Tesouro Nacional
2.227, DE 04.09.2001
Plano Real. Correção Monetária. Exceção
2.183-56, DE 24.08.2001
Reforma Agrária. Alteração na Legislação
2.228-1, DE 06.09.2001
2.184-23, DE 24.08.2001
Carreira Policial. Gratificação
Cultura. Política Nacional do Cinema – Ancine. Prodecine. Funcines
2.185-35, DE 24.08.2001
Dívida Pública Mobiliária. Consolidação. Assunção. Refinanciamento
2.229-43, DE 06.09.2001
Policiais Civis da União e DF. Alteração na legislação
Normas do Juris SÍNTESE atingidas pelas Medidas Provisórias em vigor (até 30.11.2014) Nota: Prezado assinante, todas as normas selecionadas, inclusive as medidas provisórias, podem ser consultadas em nosso endereço eletrônico www.sintese.com.
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MP 660
DOU 24.11.2014
ART 1º
NORMA LEGAL Lei nº 12.800/13
651 651 651 651 651 651 651 651 651
10.07.2014 10.07.2014 10.07.2014 10.07.2014 10.07.2014 10.07.2014 10.07.2014 10.07.2014 10.07.2014
5º 20 30 31 32 34 41 44 45
Lei nº 10.179/01 Lei nº 12.431/11 Lei nº 9.718/98 Lei nº 10.637/02 Lei nº 10.833/03 Lei nº 12.996/14 Lei nº 12.546/11 Lei nº 9.430/96 Lei nº 11.977/09
ALTERAÇÃO 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10, 13, 14, 15, 16, 22 e 23-A 1º, 3º e 3º-A 2º 3º e 8º-B 8º 10 2º 7º, 8º e 9º 64 4º, 11, 29 e 30
MP 651 651 651 651 656 656 656 656 656 656 656 656
DOU 10.07.2014 10.07.2014 10.07.2014 10.07.2014 08.10.2014 08.10.2014 08.10.2014 08.10.2014 08.10.2014 08.10.2014 08.10.2014 08.10.2014
ART 46 47 51 51 1º 2º 3º 4º 5º 6º 7º 8º
NORMA LEGAL Lei nº 12.409/11 Lei nº 5.895/73 Lei nº 10.179/01 Lei nº 10.522/02 Lei nº 9.250/95 Lei nº 9.430/96 Lei nº 10.865/04 Lei nº 10.931/04 Lei nº 11.196/05 Lei nº 12.024/09 Lei nº 12.375/10 Lei nº 12.715/12
ALTERAÇÃO 10 2º 1º 20 12 9º, 10, 11 e 74 8º e 28 4º 30 2º 5º 46
DOU 08.10.2014 08.10.2014 08.10.2014 08.10.2014 08.10.2014 08.10.2014 08.10.2014 08.10.2014 08.10.2014 08.10.2014 08.10.2014 14.10.2014 30.10.2014 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 27.08.2001
ART 9º 15 16 51 52 53 54 56 56 56 56 1 1 32 32 32 32 32 2º e 93 3º e 93 10 e 93 19 e 93 34 e 75 64 69 70 72 73 73 e 93 75 82 93 93 93 93 93 93 1º e 6º 6º 1º 7º e 8º
NORMA LEGAL Lei nº 10.820/03 Lei nº 7.433/85 Lei nº 11.977/09 Lei nº 10.931/04 Lei nº 11.076/04 Lei nº 9.514/97 Lei nº 11.250/05 Lei nº 4.380/64 Lei nº 10.150/00 Lei nº 9.430/96 Lei nº 8.177/91 Lei nº 9.266/96 Lei nº 13.019/14 DL 1.376/74 DL 2.397/87 Lei nº 8.034/90 Lei nº 9.532/97 DL 1.376/74 Lei nº 9.718/98 Lei nº 9.701/98 Lei nº 9.779/99 Lei nº 9.715/98 Lei nº 9.532/97 D nº 70.235/72 DL 1.455/76 Lei nº 9.430/96 Lei nº 8.218/91 Lei nº 9.317/96 Lei nº 9.317/96 Lei nº 9.532/97 Lei nº 8.981/95 Lei nº 9.432/97 LC 70/91 LC 85/96 Lei nº 7.714/88 Lei nº 9.004/95 Lei nº 9.493/97 Lei nº 9.491/97 Lei nº 9.094/95 Lei nº 9.605/98 Lei nº 7.998/90
2.164-41
27.08.2001
1º e 2º
CLT
2.164-41 2.164-41 2.164-41 2.164-41 2.164-41 2.164-41 2.165-36 2.165-36 2.166-67
27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 25.08.2001-extra
3º 4º 5º 6º 9º 10 13 13 1º
Lei nº 4.923/65 Lei nº 5.889/73 Lei nº 6.321/76 Lei nº 6.494/77 Lei nº 8.036/90 Lei nº 9.601/98 Lei nº 7.418/85 Lei nº 8.627/93 Lei nº 4.771/65
2.166-67 2.167-53 2.168-40 2.168-40 2.168-40 2.170-36 2.172-32 2.173-24
25.08.2001 24.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001
3º 2º e 3º 13 14 18 8º 7º 1º e 2º
Lei nº 9.393/96 Lei nº 9.619/98 Lei nº 5.764/71 Lei nº 9.138/95 Lei nº 10.186/01 Lei nº 8.212/91 Lei nº 1.521/51 Lei nº 9.870/99
ALTERAÇÃO 1º, 2º, 3º, 4º e 5º 1º 41 17 49 41 1º e 2º 44 a 53 28 74 18 e 18-A 2º-A, 2º-B e 2º-C 83 e 88 1º e 11 12 1º 2º 1º 3º e 8º 1º 14 e 17 2º e 4º 1º e 64-A 1º, 25 e 64-A 1º, 9º, 10, 16, 18, 19 e 64-A 63 11 e 12 1º e 64-A 9º e 15 1º, 15 e 64-A 29 11 6º e 7º Revogada 5º Revogada 7º 2º, 4º, 5º, 6º e 30 2º 79-A 2º, 2º-A, 2º-B, 3º-A, 7º-A, 8º-A, 8º-B e 8º-C 58-A, 59, 130-A, 143, 476-A, 627-A, 643 e 652 1º 18 2º 1º 19-A, 20, 29-C e 29-D 2º 1º 6º 1º, 3º-A, 4º, 14, 16, 37-A, 44, 44-A, 44-B e 44-C 10 1º e 4º-A 88 2º 7º 60 4º, § 3º 1º e 6º
MP 2.177-44
DOU 27.08.2001
ART 1º e 8º
NORMA LEGAL Lei nº 9.656/98
2.178-36 2.178-36 2.180-35
25.08.2001-extra 25.08.2001-extra 27.08.2001
16 32 1º
Lei nº 9.533/97 Lei nº 8.913/97 Lei nº 8.437/92
2.180-35
27.08.2001
4º
Lei nº 9.494/97
2.180-35 2.180-35 2.180-35 2.180-35 2.180-35 2.180-35 2.181-45 2.181-45 2.181-45 2.183-56 2.183-56 2.183-56 2.187-13 2.187-13 2.187-13 2.187-13 2.187-13 2.189-49 2.189-49 2.189-49 2.189-49 2.190-34 2.192-70 2.196-3 2.196-3 2.197-43 2.197-43 2.197-43 2.199-14 2.211 2.211 2.214 2.215-10 2.215-10
27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 25.08.2001-extra 25.08.2001 25.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 30.08.2001 30.08.2001 01.09.2001-extra 01.09.2001 01.09.2001
6º 7º 8º 10 14 21 45 46 52 1º 3º 4º 2º 3º e 16 4º e 16 7º 16 10 11 13 14 7º e 8º 23 12 14 3º e 8º 4º e 8º 5º 18 1º 2º 1º 41 41
Lei nº 7.347/85 Lei nº 8.429/92 Lei nº 9.704/98 CPC Lei nº 4.348/64 Lei nº 10.257/01 Lei nº 8.177/91 Lei nº 9.365/96 Lei nº 10.150/00 DL 3.365/41 Lei nº 8.177/91 Lei nº 8.629/93 Lei nº 6.015/73 Lei nº 8.212/91 Lei nº 8.213/91 Lei nº 9.639/98 Lei nº 9.711/98 Lei nº 9.532/97 Lei nº 9.250/95 Lei nº 9.430/96 Lei nº 9.317/96 Lei nº 9.294/96 Lei nº 9.496/97 Lei nº 8.036/90 Lei nº 7.827/89 Lei nº 8.692/93 Lei nº 4.380/64 Lei nº 8.036/90 Lei nº 9.532/97 Lei nº 9.995/00 Lei nº 10.266/01 Lei nº 10.261/01 Lei nº 8.448/92 Lei nº 8.460/92
2.217-3
05.09.2001
1º
Lei nº 10.233/01
2.220 2.224 2.225-45 2.225-45
05.09.2001-extra 05.09.2001 05.09.2001 05.09.2001
15 4º 1º 2º, 3º e 15
Lei nº 6.015/73 Lei nº 4.131/62 Lei nº 6.368/76 Lei nº 8.112/90
2.225-45 2.225-45 2.226 2.226 2.228-1 2.228-1
05.09.2001 05.09.2001 05.09.2001 05.09.2001 05.09.2001 05.09.2001
4º 5º 1º 3º 51 52 e 53
Lei nº 8.429/92 Lei nº 9.525/97 CLT Lei nº 9.469/97 Lei nº 8.685/93 Lei nº 8.313/91
ALTERAÇÃO 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 24-A, 24-B, 24-C, 24-D, 25, 26, 27, 28, 29, 29-A, 30, 31, 32, 34, 35, 35-A, 35-B, 35-C, 35-D, 35-E, 35-F, 35-G, 35-H e 35-I 4º Revogada 1º e 4º 1º-A, 1º-B (CPC e CLT), 1º-C, 1º-D, 1ºE, 1º-F, 2º-A e 2º-B 1º e 2º 17 1º 741 4º 53 18 6º 1º 10, 15-A, 15-B e 27 5º 2º, 2º-A, 5º, 6º, 7º, 11, 12, 17, 18 e 26-A 80 38, 55, 56, 68, 101 e 102 41, 95, 96, 134, 144, 145, 146 e 147 1º, 2º e 5º 7º, 8º, 9º, 12, 13, 14, 15, 16 e 17 6º, II, 34 e 82, II, f 10 e 25 79 9º 2º, 3º e 7º 1º, 3º, 6º, 7º-A e 7º-B 9º 9º-A 23 e 25 9º, 14 e 18 9º, 20, 23, 29-A e 29-B 4º 35 e 70 18, 34, 38 e 51 1º 6º 2º, 20, 25, 26 e 27, 5º, 7º-A, 13, 14, 14-A, 23, 24, 27, 28, 30, 32, 34-A, 38, 44, 51-A e 61-A 74, 77, 78-A, 78-B, 78-C, 78-D, 78-E, 78-F, 78-G, 78-H, 78-I 78-J, 82, 83, 84, 85-A, 85-B, 85-C, 85-D, 86, 88, 89, 100, 102-A, 103-A, 103-B, 103-C, 103-D, 113-A, 114-A, 15, 116-A, 118 e 119 167, I 6º 3º 25, 26, 46, 47, 61, 62-A, 67, 91, 117 e 119 17 2º 896-A 6º 5º 3º, II, a (a partir de 01.01.2007), e 18, § 3º
Dezembro/2014 – Ed. 213
MP 656 656 656 656 656 656 656 656 656 656 656 657 658 2.156-5 2.156-5 2.156-5 2.156-5 2.157-5 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.161-35 2.162-72 2.163-41 2.164-41
96
Normas Legais
Lei nº 13.045, de 25.11.2014 Altera as Leis nºs 9.263, de 12 de janeiro de 1996, que “regula o § 7º do art. 226 da Constituição Federal, que trata do planejamento familiar, estabelece penalidades e dá outras providências”, e 10.289, de 20 de setembro de 2001, que “institui o Programa Nacional de Controle do Câncer de Próstata”, a fim de garantir maior efetividade no combate à doença. (DOU 26.11.2014) Lei nº 13.044, de 19.11.2014 Confere ao Município de Itabaiana no Estado de Sergipe o título de Capital Nacional do Caminhão. (DOU 14.11.2014) Lei nº 13.043, de 13.11.2014 Dispõe sobre os fundos de índice de renda fixa, sobre a responsabilidade tributária na integralização de cotas de fundos ou clubes de investimento por meio da entrega de ativos financeiros, sobre a tributação das operações de empréstimos de ativos financeiros e sobre a isenção de imposto sobre a renda na alienação de ações de empresas pequenas e médias; prorroga o prazo de que trata a Lei nº 12.431, de 24 de junho de 2011; altera as Leis nºs 10.179, de 6 de fevereiro de 2001, 12.431, de 24 de junho de 2011, 9.718, de 27 de novembro de 1998, 10.637, de 30 de dezembro de 2002, 10.833, de 29 de dezembro de 2003, 12.996, de 18 de junho de 2014, 11.941, de 27 de maio de 2009, 12.249, de 11 de junho de 2010, 10.522, de 19 de julho de 2002, 12.546, de 14 de dezembro de 2011, 11.774, de 17 de setembro de 2008, 12.350, de 20 de dezembro de 2010, 9.430, de 27 de dezembro de 1996, 11.977, de 7 de julho de 2009, 12.409, de 25 de maio de 2011, 5.895, de 19 de junho de 1973, 11.948, de 16 de junho de 2009, 12.380, de 10 de janeiro de 2011, 12.087, de 11 de novembro de 2009, 12.712, de 30 de agosto de 2012, 12.096, de 24 de novembro de 2009, 11.079, de 30 de dezembro de 2004, 11.488, de 15 de junho de 2007, 6.830, de 22 de setembro de 1980, 9.532, de 10 de dezembro de 1997, 11.196, de 21 de novembro de 2005, 10.147, de 21 de dezembro de 2000, 12.860, de 11 de setembro de 2013, 9.393, de 19 de dezembro de 1996, 9.250, de 26 de dezembro de 1995, 12.598, de 21 de março de 2012, 12.715, de 17 de setembro de 2012, 11.371, de 28 de novembro de 2006, 9.481, de 13 de agosto de 1997, 12.688, de 18 de julho de 2012, 12.101, de 27 de novembro de 2009, 11.438, de 29 de dezembro de 2006, 11.478, de 29 de maio de 2007, 12.973, de 13 de maio de 2014, 11.033, de 21 de dezembro de 2004, 9.782, de 26 de janeiro de 1999, 11.972, de 6 de julho de 2009, 5.991, de 17 de dezembro de 1973, 10.406, de 10 de janeiro de 2002, 9.514, de 20 de novembro de 1997, 11.775, de 17 de setembro de 2008, 10.150, de 21 de dezembro de 2000, e 10.865, de 30 de abril de 2004, e o Decreto-Lei no 911, de 1o de outubro de 1969; revoga dispositivos do Decreto-Lei nº 1.569, de 8 de agosto de 1977, das Leis nos 5.010, de 30 de maio de 1966, e 8.666, de 21 de junho de 1993, da Medida Provisória nº 2.158-35, de 24 de agosto de 2001, e do Decreto-Lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1977; e dá outras providências. Mensagem de veto (DOU 14.11.2014)
Indicadores I – Índices de Atualização dos Débitos Trabalhistas (Vigência: Dezembro/2014 Junho/2011 – Atualização: – Atualização: Maio/2011) Novembro/2014)
1 – Índice de Atualização Atualização Monetária Monetária até até 30 31 de denovembro maio de 2011 de 2014 – Decreto-Lei – Decreto-Lei nº 2.322/1987 nº 2.322/1987 combinado combinado comcom a Leia nº Lei7.738/1989 nº 7.738/1989 (incluindo (incluindo a Lei a nº Lei8.177/1991 nº 8.177/1991 – TR – – a –partir TR a partir de fev. de fev. 1991) 1991) – TR – TR prefixada prefixada de 1º demaio/2011 1º dezembro/2014 a 1º junho/2011 a 1º janeiro/2015 (Banco Central) (Banco=Central) 0,1570%= 0,10530% Mês/Ano 1991 1992 1993 1994 1995 1996
Mês/Ano 2004 2005 2006 2007 2008 2009
JAN
0,002871818 0,000228607 0,008878851 2,322936695 1,764845890 1,610479930
JAN
1,145674897 1,125213804 1,094209104 1,072357326 1,057079244 1,040075632
FEV
0,002288666 0,000180347 0,006277468 2,275129401 1,743012910 1,598586447
FEV
1,144210308 1,123102372 1,091669880 1,070015063 1,056012672 1,038165407
MAR
0,001822041 0,000142679 0,004488394 2,233736038 1,726396346 1,588079679
MAR
1,143686499 1,122022985 1,090878993 1,069244138 1,055756123 1,037697406
ABR
0,001466196 0,000113408 0,003164183 2,183519458 1,712458645 1,578112354
ABR
1,141656634 1,119074225 1,088622279 1,067241992 1,055324495 1,036207340
MAIO
0,001210931 0,000088448 0,002167694 2,110359621 1,701235593 1,568371201
MAIO
1,140659697 1,116837200 1,087692302 1,065886185 1,054317622 1,035737115
JUN
0,001010710 0,000068735 0,001480261 2,043989246 1,691277352 1,558468691
JUN
1,138898959 1,114022066 1,085642609 1,064088939 1,053542215 1,035272278
JUL
0,000834952 0,000052841 2,771546083 1,986648607 1,681024782 1,548350222
JUL
1,136896884 1,110697748 1,083543784 1,063074766 1,052336237 1,034593584
AGO
0,000675036 0,040531300 2,638910434 1,928962969 1,671246320 1,538228677
AGO
1,134681985 1,107845047 1,081649815 1,061515399 1,050325914 1,033507368
SET
0,000547830 0,030396955 2,583843560 1,879998411 1,660824645 1,528644079
SET
1,132411500 1,104018519 1,079021319 1,059961496 1,048675299 1,033303807
OUT
0,000436936 0,022579821 2,522321613 1,844233196 1,649902292 1,518811295
OUT
1,130458068 1,101114879 1,077382621 1,059588521 1,046613470 1,033303807
NOV
0,000349353 0,016538359 2,459479454 1,814225900 1,637751811 1,508923320
NOV
1,129206907 1,098807383 1,075366309 1,058379851 1,043997213 1,033303807
DEZ
0,000283359 0,012146268 2,389676989 1,788494825 1,624518484 1,486134927
DEZ
1,127914317 1,096691865 1,073989454 1,057755775 1,042310754 1,033303807
Mês/Ano 1998 1999 2000 2001 2002 2003
Mês/Ano 2010 2011 2012 2013 2014 2015
JAN
1,466940017 1,360875325 1,287128454 1,260700272 1,232533725 1,198933139
JAN
1,032753350 1,025688900 1,013447392 1,010519822 1,008593176 1,000000000
FEV
1,450320791 1,353885216 1,284368346 1,258976733 1,229348483 1,193113133
FEV
1,032753350 1,024956056 1,012572529 1,010519822 1,007458778
MAR
1,443879644 1,342743133 1,281385281 1,258513600 1,227910600 1,188222410
MAR
1,032753350 1,024419260 1,012572529 1,010519822 1,006918063
ABR
1,431007729 1,327327551 1,278518842 1,256347657 1,225755721 1,183745484
ABR
1,031936056 1,023179167 1,011492255 1,010519822 1,006650294
MAIO
1,424285104 1,319290434 1,276857650 1,254408341 1,222873409 1,178813329
MAIO
1,031936056 1,022801753 1,011262699 1,010519822 1,006188453
JUN
1,417843839 1,311733537 1,273683631 1,252120717 1,220308320 1,173357218
JUN
1,031410037 1,021198472 1,010789649 1,010519822 1,005581082
JUL
1,410912028 1,307669301 1,270963768 1,250297783 1,218380842 1,168489292
JUL
1,030802894 1,020062123 1,010789649 1,010519822 1,005113705
AGO
1,403190272 1,303845123 1,269000624 1,247253238 1,215153395 1,162138206
AGO
1,029617804 1,018810005 1,010644116 1,010308668 1,004055430
SET
1,397949360 1,300016574 1,266436091 1,242982350 1,212146060 1,157464365
SET
1,028682732 1,016699337 1,010519822 1,010308668 1,003451352
OUT
1,391670144 1,296496586 1,265122894 1,240963303 1,209780938 1,153583710
OUT
1,027961103 1,015680610 1,010519822 1,010228860 1,002576103
NOV
1,379404480 1,293566657 1,263460180 1,237358877 1,206441508 1,149889116
NOV
1,027476134 1,015051278 1,010519822 1,009300303 1,001536509
DEZ
1,370992072 1,290987265 1,261949626 1,234977839 1,203260089 1,147850533
DEZ
1,027131018 1,014396992 1,010519822 1,009091422 1,001053000
OBS.: Foram consideradas as divisões por 1.000 ocorridas em março/1986, janeiro/1989, agosto/1993, e por 2.750 ocorridas em julho/1994.
* NOTA DO TRT DA 2ª REGIÃO SOBRE O ÍNDICE DE ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA
A atualização de débitos trabalhistas é definida no art. 39 da Lei nº 8.177/1991, que não sofreu alteração com a Lei nº 12.703/2012: tal lei modificou os parâmetros para cálculo dos rendimentos da caderneta de poupança, mas não alterou a TR, índice-base para atualização monetária. A TR tem sido calculada com valor “zero” desde setembro de 2012, o que não é nenhuma discrepância, dados os valores mais baixos da Taxa Selic. Observamos que, nas poupanças “novas” (abertas após a Lei nº 12.703/2012), o rendimento tem sido inferior a 0,5%, o que significaria, matematicamente, TR negativa (por isso a TR fica “zerada” nas tabelas de atualização). Lembramos, ainda, que a TR vem apresentando valor mensal muito baixo há muitos anos: o que, efetivamente, garante a preservação do valor dos débitos trabalhistas é a taxa de juros, que, ultimamente, tem sido superior à Selic – daí a TR “negativa” das poupanças novas. A alteração da TR como índice de atualização oficial das tabelas só poderá ser efetuada se houver mudança da legislação, já que a tabela é unificada nacionalmente. Até o fechamento desta edição, a tabela não foi divulgada pelo Tribunal.
2 – Juros de mora (incidentes a partir da propositura da ação e aplicados sobre o principal corrigido): • Até 28.02.1987 – Juros simples – 0,5% ao mês; • De 01.03.1987 até 31.01.1991 – Juros capitalizados mensalmente – 1% ao mês; • De 01.02.1991 em diante – Juros simples – 1% ao mês.
Fórmula para cálculo da taxa efetiva (T) dos juros capitalizados: T = (1,01)n – 1, onde “n” é igual ao número de dias decorridos desde a data da propositura da ação, contidos no período compreendido entre 01.03.1987 e 31.01.1991, dividido por 30.
Juros Capitalizados Mensalmente Nº Meses 01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15 16
% Efetivo 1,0000 2,0100 3,0301 4,0604 5,1010 6,1520 7,2135 8,2856 9,3685 10,4622 11,5668 12,6825 13,8093 14,9474 16,0968 17,2578
Nº Meses 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32
% Efetivo 18,4304 19,6147 20,8108 22,0190 23,2391 24,4715 25,7163 26,9734 28,2431 29,5256 30,8208 32,1290 33,4503 34,7848 36,1327 37,4940
Nº Meses 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 –
% Efetivo 38,8690 40,257+6 41,6602 43,0768 44,5076 45,9527 47,4122 48,8863 50,3752 51,8789 53,3977 54,9317 56,4810 58,0458 59,6263 –
Dezembro/2014 – Ed. 213
II – Evolução do Salário-Mínimo desde 1989
99
Vigência
Moeda
Valor
Norma Legal
DOU
Vigência
Moeda
Valor
Norma Legal
DOU
01.10.1989
NCz$
381,73
Decreto nº 98.211/89
02.10.1989
01.09.1990
Cr$
6.056,31
Port. 3.588/90
03.09.1990
01.11.1989
NCz$
557,33
Decreto nº 98.346/89
31.10.1989
01.10.1990
Cr$
6.425,14
Port. 3.628/90
01.10.1990
01.12.1989
NCz$
788,18
Decreto nº 98.456/89
01.12.1989
01.11.1990
Cr$
8.329,55
Port. 3.719/90
01.11.1990
01.01.1990
NCz$
1.283,95
Decreto nº 98.783/89
29.12.1989
01.12.1990
Cr$
8.836,82
Port. 3.787/90
03.12.1990
Cr$
12.325,50
Port. 3.828/90
31.12.1990
01.02.1990
NCz$
2.004,37
Decreto nº 98.900/90
01.02.1990
01.01.1991
01.03.1990
NCz$
3.674,06
Decreto nº 98.985/90
01.03.1990
01.02.1991
Cr$
15.895,46
MP 295/91
01.02.1991
01.04.1990
Cr$
3.674,06
Port. 3.143/90
24.04.1990
01.03.1991
Cr$
17.000,00
Lei nº 8.178/91
04.03.1991
Cr$
42.000,00
Lei nº 8.222/91
06.09.1991
01.05.1990
Cr$
3.674,06
Port. 3.352/90
23.05.1990
01.09.1991
01.06.1990
Cr$
3.857,76
Port. 3.387/90
04.06.1990
01.01.1992
Cr$
96.037,33
Port. 42/92
21.01.1992
01.07.1990
Cr$
4.904,76
Port. 3.501/90
16.07.1990
01.05.1992
Cr$
230.000,00
Lei nº 8.419/92
08.05.1992
01.08.1990
Cr$
5.203,46
Port. 429/90
01.08.1990
01.09.1992
Cr$
522.186,94
Port. 601/92
31.08.1992
Vigência
Moeda
Valor
Norma Legal
DOU
Vigência
Moeda
Valor
Norma Legal
DOU
01.01.1993
Cr$
1.250.700,00
Lei nº 8.542/92
24.12.1992
03.04.2000
R$
151,00
Lei nº 9.971/00
19.05.2000
01.03.1993
Cr$
1.709.400,00
Port. Interm. 4/93
01.03.1993
01.04.2001
R$
180,00
MP 2.142/01 (atual 2.194-6)
30.03.2001
01.05.1993
Cr$
3.303.300,00
Port. Interm. 7/93
04.05.1993
01.04.2002
R$
200,00
Lei nº 10.525/02
28.03.2002
01.07.1993
Cr$
4.639.800,00
Port. Interm. 11/93
01.08.1993
01.04.2003
R$
240,00
Lei nº 10.699/03
10.07.2003
01.08.1993
CR$
5.534,00
Port. Interm. 12/93
03.08.1993
01.05.2004
R$
260,00
Lei nº 10.888/04
25.06.2004
01.09.1993
CR$
9.606,00
Port. Interm. 14/93
02.09.1993
01.05.2005
R$
300,00
Lei nº 11.164/05
19.08.2005
01.10.1993
CR$
12.024,00
Port. Interm. 15/93
04.10.1993
01.04.2006
R$
350,00
MP 288/06
31.03.2006
01.11.1993
CR$
15.021,00
Port. Interm. 17/93
03.11.1993
01.04.2006
R$
350,00
Lei nº 11.321/06
10.07.2006
01.12.1993
CR$
18.760,00
Port. Interm. 19/93
02.12.1993
01.04.2007
R$
380,00
MP 362/07
30.03.2007-extra
01.01.1994
CR$
32.882,00
Port. Interm. 20/93
31.12.1993
01.04.2007
R$
380,00
Lei nº 11.498/07
29.06.2007
01.02.1994
CR$
42.829,00
Port. Interm. 02/94
02.02.1994
01.03.2008
R$
415,00
MP 421/08
29.02.2008-extra
01.03.1994
URV
64,79
Port. Interm. 04/94
03.03.1994
01.02.2009
R$
465,00
MP 456/09
30.01.2009-extra
01.07.1994
R$
64,79
Lei nº 9.069/95
30.06.1994/30.06.1995
01.01.2010
R$
510,00
MP 474/09
24.12.2009
01.09.1994
R$
70,00
Lei nº 9.063/95
01.09.1994/20.06.1995
01.01.2011
R$
540,00
MP 516/10
31.12.2010
01.05.1995
R$
100,00
Lei nº 9.032/95
29.04.1995
01.03.2011
R$
545,00
Lei nº 12.382/11
28.02.2011
01.05.1996
R$
112,00
Lei nº 9.971/00
19.05.2000
01.01.2012
RS
622,00
Decreto nº 7.655/11
26.12.2011
01.05.1997
R$
120,00
Lei nº 9.971/00
19.05.2000
01.01.2013
R$
678.00
Decreto nº 7.872/11
26.12.2012
01.05.1998
R$
130,00
Lei nº 9.971/00
19.05.2000
01.01.2014
R$
724,00
Decreto nº 8.166/13
24.12.2013
01.05.1999
R$
136,00
Lei nº 9.971/00
19.05.2000
Salário-de-benefício mínimo Salário-de-benefício máximo Renda mensal vitalícia Salário-família:
Benefícios a idosos e portadores de deficiência
R$ 724,00 R$ 4.390,24 R$ 724,00 – R$ 35,00 (trinta e cinco reais) para o segurado com remuneração mensal não superior a R$ 682,50 (seiscentos e oitenta e dois reais e cinquenta centavos); – R$ 24,66 (vinte e quatro reais e sessenta e seis centavos) para o segurado com remuneração mensal superior a R$ 682,50 (seiscentos e oitenta e dois reais e cinquenta centavos) e igual ou inferior a R$ 1.025,81 (um mil e vinte e cinco reais e oitenta e um centavos). Um salário-mínimo (Decreto nº 1.744/1995)
Dezembro/2014 – Ed. 213
III – Previdência Social – Valores de Benefícios (Novembro/2014)
100
8 – Tabela de contribuição (empregado, empregado doméstico e trabalhador avulso) para pagamento de remuneração Salário-de-contribuição (R$)
Alíquota para fins de recolhimento ao INSS (%)
Até R$ 1.317.07
8,00*
De R$ 1.317,08 até 2.195,12
9,00*
De R$ 2.195,13 até 4.390,24
11,00*
9 – Escala de salários-base para os segurados contribuinte individual e facultativo Nota: Escala extinta, conforme o art. 9º da Lei nº 10.666, de 08.05.2003, DOU 09.05.2003, e o art. 39 da Instrução Normativa DC/INSS nº 89, de 11.06.2003, DOU 13.06.2003.
* Alíquota reduzida para salários e remunerações até três salários-mínimos, em razão do disposto no inciso II do art. 17 da Lei nº 9.311, de 24.10.1996, que instituiu a Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e de Direitos de Natureza Financeira – CPMF.
IV – Imposto de Renda na Fonte TABELA PROGRESSIVA MENSAL Base de cálculo em R$
Alíquota %
Parcela a deduzir do imposto em R$
-
-
De 1.787,78 até 2.679,29
7,5
134,08
De 2.679,30 até 3.572,43
15,0
335,03
De 3.572,44 até 4.463,81
22,5
602,96
Acima de 4.463,81
27,5
826,15
Até 1.787,77
Dezembro/2014 – Ed. 213
Dedução por dependente
TABELA PROGRESSIVA ANUAL O imposto de renda anual devido, incidente sobre os rendimentos de pessoas físicas, será calculado de acordo com a tabela progressiva anual correspondente à soma das tabelas progressivas mensais vigentes nos meses de cada ano-calendário.
179,71
V – Depósitos Recursais na Justiça do Trabalho Novos valores para Depósitos Recursais na Justiça do Trabalho (Ato nº 372/2014 do TST, DJe de 17.07.2014, vigência a partir de 01.08.2014) Recurso Ordinário
R$ 7.485,83
Recurso de Revista, Embargos, Recurso Extraordinário e Recurso em Ação Rescisória
R$ 14.971,65
Ação Rescisória – Depósito prévio de 20% do valor da causa, salvo prova de miserabilidade, nos termos do art. 836 da CLT, alterado pela Lei nº 11.495/2007, cujos efeitos começam a fluir a partir do dia 24.09.2007.
101
VI – Indexadores Indexador
Junho
Julho
Agosto
Setembro
Outubro
Novembro
INPC IGPM UFIR SELIC
0,26 (-)0,74
0,13 (-)0,61
0,18 (-)0,27
0,49 0,20
0,38 0,28
0,53 0,98
0,95
0,84
Extinta, a partir de outubro de 2000, pela MP 1.973-67, atual Lei nº 10.522, de 19.07.2002, DOU 22.07.2002, art. 29, § 3º.
TDA
0,27
0,95
0,87
0,91
Valor de Referência Base Maio/1992 – Cruzeiros 79.297,75 Emissão anterior a Jan./1989 79.297,75
Valores nominais reajustados – Reais 91,87 Emissão anterior a Jan./1989 157,23
(*) Referente ao primeiro dia de cada mês.
VII – Índices de Atualização dos Débitos Judiciais Tabela editada em face da Jurisprudência ora predominante.
Mês/Ano 1991 1992 1993 1994 1995 1996
Mês/Ano 1997
JAN FEV MAR ABR MAIO JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ
JAN FEV MAR ABR MAIO JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ
1.942,726347 11.230,659840 140.277,063840 3631,929071 13,851199 16,819757 2.329,523162 14.141,646870 180.634,775106 5132,642163 14,082514 17,065325 2.838,989877 17.603,522023 225.414,135854 7214,955088 14,221930 17,186488 3.173,706783 21.409,403484 287.583,354522 10323,157739 14,422459 17,236328 3.332,709492 25.871,123170 369.170,752199 14747,663145 14,699370 17,396625 3.555,334486 32.209,548346 468.034,679637 21049,339606 15,077143 17,619301 3.940,377210 38.925,239176 610.176,811842 11,346741 15,351547 17,853637 4.418,739003 47.519,931986 799,392641 12,036622 15,729195 18,067880 5.108,946035 58.154,892764 1065,910147 12,693821 15,889632 18,158219 5.906,963405 72.100,436048 1445,693932 12,885497 16,075540 18,161850 7.152,151290 90.897,019725 1938,964701 13,125167 16,300597 18,230865 9.046,040951 111.703,347540 2636,991993 13,554359 16,546736 18,292849
1998
1999
2000
2001
2002
18,353215 19,149765 19,626072 21,280595 22,402504 24,517690 18,501876 19,312538 19,753641 21,410406 22,575003 24,780029 18,585134 19,416825 20,008462 21,421111 22,685620 24,856847 18,711512 19,511967 20,264570 21,448958 22,794510 25,010959 18,823781 19,599770 20,359813 21,468262 22,985983 25,181033 18,844487 19,740888 20,369992 21,457527 23,117003 25,203695 18,910442 19,770499 20,384250 21,521899 23,255705 25,357437 18,944480 19,715141 20,535093 21,821053 23,513843 25,649047 18,938796 19,618536 20,648036 22,085087 23,699602 25,869628 18,957734 19,557718 20,728563 22,180052 23,803880 26,084345 19,012711 19,579231 20,927557 22,215540 24,027636 26,493869 19,041230 19,543988 21,124276 22,279965 24,337592 27,392011
102
Mês/Ano JAN FEV MAR ABR MAIO JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ
2003
2004 2005 2006
28,131595 31,052744 32,957268 28,826445 31,310481 33,145124 29,247311 31,432591 33,290962 29,647999 31,611756 33,533986 30,057141 31,741364 33,839145 30,354706 31,868329 34,076019 30,336493 32,027670 34,038535 30,348627 32,261471 34,048746 30,403254 32,422778 34,048746 30,652560 32,477896 34,099819 30,772104 32,533108 34,297597 30,885960 32,676253 34,482804
2007
2008
34,620735 35,594754 37,429911 34,752293 35,769168 37,688177 34,832223 35,919398 37,869080 34,926270 36,077443 38,062212 34,968181 36,171244 38,305810 35,013639 36,265289 38,673545 34,989129 36,377711 39,025474 35,027617 36,494119 39,251821 35,020611 36,709434 39,334249 35,076643 36,801207 39,393250 35,227472 36,911610 39,590216 35,375427 37,070329 39,740658
Mês/Ano JAN FEV MAR ABR MAIO JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ
2009
2010 2011 2012
39,855905 41,495485 44,178247 46,864232 40,110982 41,860645 44,593522 47,103239 40,235326 42,153669 44,834327 47,286941 40,315796 42,452960 45,130233 47,372057 40,537532 42,762866 45,455170 47,675238 40,780757 42,946746 45,714264 47,937451 40,952036 42,899504 45,814835 48,062088 41,046225 42,869474 45,814835 48,268754 41,079061 42,839465 46,007257 48,485963 41,144787 43,070798 46,214289 48,791424 41,243534 43,467049 46,362174 49,137843 41,396135 43,914759 46,626438 49,403187
2013
2014
49,768770 52,537233 50,226642 52,868217 50,487820 53,206573 50,790746 53,642866 51,090411 54,061280 51,269227 54,385647 51,412780 54,527049 51,345943 54,597934 51,428096 54,696210 51,566951 54,964221 51,881509 55,173085 52,161669 55,465502
Observação I – Dividir o valor a atualizar (observar o padrão monetário vigente à época) pelo fator do mês do termo inicial e multiplicar pelo fator do mês do termo final, obtendo-se o resultado na moeda vigente na data do termo final, não sendo necessário efetuar qualquer conversão. Esclarecendo que, nesta tabela, não estão incluídos os juros moratórios, apenas a correção monetária.
Padrões monetários a considerar: Cr$ (cruzeiro): de out./1964 a jan./1967
NCz$ (cruzado novo): de jan./1989 a fev./1990
NCr$ (cruzeiro novo): de fev./1967 a maio/1970
Cr$ (cruzeiro): de mar./1990 a jul./1993
Cr$ (cruzeiro): de jun./1970 a fev./1986
CR$ (cruzeiro real): de ago./1993 a jun./1994
Cz$ (cruzado): de mar./1986 a dez./1988
R$ (real): de jul./1994 em diante
Exemplo: Atualização até dezembro de 2014 do valor de Cz$ 1.000,00, fixado em janeiro 1988. Cz$ 1.000,00 : 596,94 (jan./1988) x 55,465502 (dezembro/2014) = R$ R$ 92,91
Dezembro/2014 – Ed. 213
Observação II – Os fatores de atualização monetária foram compostos pela aplicação dos seguintes índices:
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Out./1964 a fev./1986: ORTN Mar./1986 e mar./1987 a jan./1989: OTN Abr./1986 a fev./1987: OTN pro rata Fev./1989: 42,72% (conforme STJ, índice de jan./1989
Abr./1989 a mar./1991: IPC do IBGE (de mar./1989 a fev./1991) Abr./1991 a jul./1994: INPC do IBGE (de mar./1991 a jun./1994) Ago./1994 a jul./1995: IPC-r do IBGE (de jul./1994 a jun./1995) Mar./1989: 10,14% (conforme STJ, índice de fev./1989)
Ago./1995 em diante: INPC do IBGE (de jul./1995 em diante), sendo que, com relação à aplicação da deflação, a matéria ficará sub judice)
Observação III – Aplicação do índice de 10,14%, relativo ao mês de fevereiro de 1989, ao invés de 23,60%, em cumprimento ao decidido no Processo nº G-36.676/2002. Fonte: DJe, TJSP, Administrativo, 09.12.2014, p. 4. * Aplicável aos cálculos judiciais, exceto para aqueles com normas específicas estabelecidas por lei ou com decisão transitada em julgado, que estabelece critérios e índices diferentes.
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