A Nova Aposentadoria Compulsória – Bruno Sá Freire Martins – p. 1
O Controle Social na Regulação dos Serviços Públicos de Saneamento Básico: Desafios e Estágio de Implantação da Lei Federal nº 11.445/2007 – Carlos Roberto de Oliveira e Juliana Alcorta Furlan – p. 10 Aspectos Polêmicos da Execução para a Entrega de Coisa – Comentários aos Artigos 621 a 631 do CPC – Marco Antônio Ribas Pissurno – p. 23 A Desconsideração da Personalidade Jurídica na Execução Fiscal – Ives Gandra da Silva Martins – p. 35 O Plano Diretor Municipal e o Desenvolvimento Econômico Sustentável: Análise a Partir da Extração de Rochas Ornamentais em Áreas Urbanas – Marcus Vinícius Coutinho Gomes, Lincoln Nemer Salles, Arilson de Arruda e Bruna Victório Bindaco – p. 45 O Poder Estatal: uma Seleção (Nada) Natural – Jacson Caprini de Oliveira – p. 56 Acórdão na Íntegra – Superior Tribunal de Justiça – p. 72 Pesquisa Temática – Ato Administrativo – p. 80 Jurisprudência Comentada – Furto Qualificado – Princípio da Insignificância – Aplicação – Luiz Manoel Gomes Junior – p. 82
Jornal Jurídico
Medida Provisória – p. 88 Normas Legais – p. 91 Indicadores – p. 92
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Doutrina
A Nova Aposentadoria Compulsória BRUNO SÁ FREIRE MARTINS Servidor público efetivo do Estado de Mato Grosso, Advogado, Pós-Graduado em Direito Público e em Direito Previdenciário, Professor da LacConcursos e de pós-graduação na Universidade Federal de Mato Grosso, no ICAP – Instituto de Capacitação e Pós-graduação (Mato Grosso), no Infoc − Instituto Nacional de Formação Continuada (São Paulo), no Complexo Educacional Damásio de Jesus − curso de Regime Próprio de Previdência Social (São Paulo), fundador de site jurídico, membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Administração de Pessoal e Previdência do Agente Público, publicação do Grupo Sage. Autor de livros jurídicos e de diversos artigos nas áreas de Direito Previdenciário e Direito Administrativo.
SUMÁRIO: Introdução; 1 Natureza do benefício; 2 A Emenda Constitucional nº 88/2015; 3 A idade-limite; 4 Necessidade de lei complementar; 5 Aposentadoria compulsória dos ministros; 6 A exigência de nova sabatina; Conclusão.
INTRODUÇÃO A idade-limite de permanência no serviço público vem sendo objeto de discussão há alguns anos, principalmente no que tange àqueles que integram à cúpula dos Poderes e determinadas carreiras em que prepondera a atividade intelectual, sempre sob o argumento de que, aos 70 (setenta) anos, esses profissionais encontram-se em condições mentais que permitam sua continuidade nas atividades diárias. Agora em 2015, em meio a uma crise política, o Congresso Nacional finalmente aprovou proposta modificando o requisito da aposentadoria compulsória dos servidores públicos brasileiros.
A Emenda Constitucional nº 88/2015 impôs requisitos alternativos para a concessão do benefício, regulando de forma temporária apenas a idade para parte dos servidores. O novo texto permite algumas digressões e exige uma análise detalhada para que sejam conhecidos seus novos contornos.
1 NATUREZA DO BENEFÍCIO A aposentadoria compulsória se constitui em benefício previdenciário, como o próprio nome já diz, de natureza obrigatória tanto para a Administração Pública quanto para o servidor, não sendo permitido a nenhum dos dois optar entre a inativação ou a permanência em atividade. Na aposentadoria compulsória, não cabe ao servidor, mas sim ao ente da Federação a aposentação deste, ainda que não haja sua concordância, já que ela deve se dar ex officio, isso porque se pressupõe que o servidor, ao atingir determinada idade, não possui mais condições para desenvolver suas atividades laborais plenamente1. Essa imposição decorre da presunção de que, ao atingir a idade prevista para a concessão do benefício, o servidor tem reduzida suas condições de saúde física e mental, comprometendo, assim, a continuidade das atividades desenvolvidas por ele no âmbito da Administração Pública. O mandamento constitucional instituiu, como suporte fático do benefício, uma presunção absoluta (iureet de iure) de incapacidade do servidor, presunção essa que não cede à prova em contrário2. 1 MARTINS, Bruno Sá Freire. Direito constitucional previdenciário do servidor público. 2. ed. LTr, p. 86. 2 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 26. ed. Atlas, p. 704.
Em verdade, o estabelecimento do limite etário pode variar, também, em virtude da posição atuarial do sistema previdenciário. Assim, se o caixa do órgão controlador da previdência dos servidores públicos anda esquelético, ao Estado impõe-se restringir ainda mais a possibilidade de inativação dos servidores. Sem dúvida, essa foi uma das razões que levaram às reformas previdenciárias verificadas no Brasil recentemente4. Portanto, a aposentadoria compulsória, em razão da presunção de ausência de condições ou mesmo da necessidade de se manter a rotatividade no serviço público ou mesmo a observância do equilíbrio atuarial, constitui-se em ato administrativo vinculado a ser expedido em razão de ter o servidor completado a idade estabelecida na norma constitucional.
2 A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 88/2015 Conforme dito anteriormente, após longos anos de tramitação e um momento de crise política, aprovou-se um novo Texto Constitucional prevendo novos requisitos para a aposentadoria compulsória. A Emenda promulgada em maio de 2015 estabelece: 3 CAMPOS, Marcelo Barroso Lima Brito de. Regime próprio de previdência social dos servidores públicos. 4. ed. Juruá, p. 236. 4 MAGALHÃES FILHO, Inácio. Lições de direito previdenciário e administrativo no serviço público. 2. ed. Fórum, p. 128.
Altera o art. 40 da Constituição Federal, relativamente ao limite de idade para a aposentadoria compulsória do servidor público em geral, e acrescenta dispositivo ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do § 3º do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao texto constitucional: Art. 1º O art. 40 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte alteração: Art. 40. [...] § 1º [...] [...] II – compulsoriamente, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição, aos 70 (setenta) anos de idade, ou aos 75 (setenta e cinco) anos de idade, na forma de lei complementar; [...]. (NR) Art. 2º O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias passa a vigorar acrescido do seguinte art. 100: Art. 100. Até que entre em vigor a lei complementar de que trata o inciso II do § 1º do art. 40 da Constituição Federal, os Ministros do Supremo Tribunal Federal, dos Tribunais Superiores e do Tribunal de Contas da União aposentar-se-ão, compulsoriamente, aos 75 (setenta e cinco) anos de idade, nas condições do art. 52 da Constituição Federal. Art. 3º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação.
Analisando o teor do texto reformador pode-se identificar os seguintes aspectos: a) a idade-limite de permanência no serviço público, a partir de então, pode ser 70 (setenta) ou 75 (setenta e cinco) anos;
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Além da questão relativa à saúde, outro motivo para fixar um limite de idade para o exercício da função pública reside no fato de que deve haver uma certa rotatividade no serviço público, de modo a torná-lo acessível a outras pessoas3.
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b) compete à Lei complementar definir qual será a regra geral e quais as exceções; c) os Ministros do STF, dos Tribunais Superiores e do Tribunal de Contas da União se aposentam compulsoriamente aos 75 (setenta e cinco) anos de idade;
Prova disso é que os impactos na saúde decorrentes das atividades desenvolvidas por um membro da Magistratura não são os mesmos daqueles advindos do exercício das atividades de um gari, sem qualquer supervalorização ou mesmo diminuição de uma ou outra categoria de servidores públicos brasileiros.
d) tais agentes políticos devem ser submetidos à nova sabatina para que possam continuar no serviço público após os 70 (setenta) anos.
Trata-se apenas de constatação e comparativo que serve para demonstrar a diferença existente entre a mais variada gama de atividades desenvolvidas pelos agentes públicos.
3 A IDADE-LIMITE A idade de 70 (setenta) anos para a aposentadoria compulsória dos servidores públicos foi adotada desde a Constituição Federal de 1946, mas sofria críticas, principalmente dos integrantes do Poder Judiciário e das carreiras cujas atividades se caracterizam por serem eminentemente intelectuais, conforme já mencionado, sempre sob o argumento de que nessas funções o avanço da idade permitiria uma maior maturidade para o seu.
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Na primeira década desse século, ganhou força o intento de mudança, contudo, mais uma vez não houve a sua concretização.
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Agora se estabeleceu a obrigatoriedade de concessão do benefício aos 70 (setenta) ou aos 75 (setenta e cinco) anos de idade. Analisando as novas idades-limite previstas na Constituição Federal, sob a perspectiva das razões que alicerçam a existência do benefício, é possível afirmar que a opção por limites alternativos melhor se adéqua à realidade do serviço público, pois não se pode negar que, sob o aspecto redução da capacidade laboral, algumas funções exercidas no âmbito da Administração Pública, em razão das condições oferecidas para sua prestação e até mesmo pela sua natureza, têm o condão de provocar maior desgaste do que outras.
Cite-se, ainda, que alguns servidores, como é o caso dos garis, fazem jus à chamada aposentadoria especial, em que, em razão, da exposição da saúde a agentes nocivos, autoriza-se a inativação com requisitos menores dos que os impostos pela regra geral das aposentadorias. Acontece que a aposentadoria especial é um benefício voluntário, exigindo, portanto, para sua concessão que o servidor
formule pedido de inativação após completar os requisitos previstos em Lei.
ver a situação do quadro de professores e de profissionais da área de saúde em todos os entes da Federação.
E como é sabido por todos, ainda hoje, a grande maioria dos servidores não deseja deixar suas atividades laborais do dia pra noite, optando por permanecer no trabalho até a data-limite fixada pela Constituição, no caso, a idade estabelecida para a aposentadoria compulsória.
De outra monta, no que tange à manutenção do equilíbrio atuarial e financeiro do sistema, o aumento da idade-limite e a futura inserção de grande número de servidores no maior limite etário permitirão que haja um menor déficit, uma vez que haverá maior número de contribuições vertidas para o sistema antes da inativação compulsória.
Sob o aspecto da rotatividade, em verdade, uma série de reclamações surgirá, principalmente naquelas situações em que a progressão na carreira pressupõe a abertura de vagas. Isso porque, hoje, entre as muitas hipóteses de vacância do cargo público, a que prepondera é a aposentadoria, em especial quando a vaga estatal oferece a seus ocupantes vantagens que não poderão ser incorporadas na aposentadoria, como é o caso das chamadas verbas indenizatórias ante seu caráter transitório e sua natureza de ressarcimento de uma despesa contraída pelo servidor para o exercício das atribuições de seu cargo que não permitem sua incorporação nos proventos, mas integram de fato a renda mensal familiar aferida por esses servidores. Além disso, as carreiras estatais mais numerosas não possuem esse problema, já que, além de possuírem critérios de promoção e progressão que não pressupõem a existência de cargos vagos, em regra, sempre contam com número menor de integrantes do que o necessário para a prestação dos serviços públicos; basta
A extensão da idade implica, ainda, um aumento na relação ativos/inativos por aumentar o número de contribuintes ativos e diminuir o de inativos. Isso porque é inegável que entre os fatores que contribuem decisivamente para o desequilíbrio atualmente nos RPPS estão: aposentadorias precoces, aumento da expectativa de vida das pessoas, ausência de um modelo de financiamento da Previdência no Serviço Público por muitos anos, entre outros5. Merece destaque, ainda, o fato de que a Emenda Constitucional nº 88/2015 manteve como requisito único para a aposentadoria compulsória a idade-limite para ambos os sexos, não introduzindo qualquer outra das exigências previstas para as modalidades voluntárias. Não tendo alterado também a metodologia de cálculo dos proventos, preponderando a regra da proporcionalidade incidente sobre o resultado da média contributiva ou da última remuneração do cargo efetivo, prevalecendo o que for menor para efeito de base de cálculo. 5 SILVA, Joel Fraga da. A Conjuntura da Previdência do Servidor e seus Impactos no Cálculo Atuarial. In: Regimes próprios – Aspectos relevantes. Abipem, v. 4, p. 195.
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Além do que, mesmo naquelas atividades nas quais não haja exposição a agentes nocivos, existem diferenças significativas que precisam ser respeitadas e observadas no momento da definição da idade-limite de permanência no serviço público.
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Eis o posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal no sentido de que:
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Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – MEDIDA CAUTELAR – ART. 57, § 1º, II, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO PIAUÍ, NA REDAÇÃO DADA PELA EC 32, DE 27.10.2011 – IDADE PARA O IMPLEMENTO DA APOSENTADORIA COMPULSÓRIA DOS SERVIDORES PÚBLICOS ESTADUAIS E MUNICIPAIS ALTERADA DE SETENTA PARA SETENTA E CINCO ANOS – PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DA ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ART. 40, § 1º, II, DA CF – PERICULUM IN MORA IGUALMENTE CONFIGURADO – CAUTELAR DEFERIDA COM EFEITO EX TUNC – I – É firme a jurisprudência desta Corte no sentido de que as normas constitucionais federais que dispõem a respeito da aposentadoria dos servidores públicos são de absorção obrigatória pelas Constituições dos Estados. Precedentes. II – A Carta Magna, ao fixar a idade para a aposentadoria compulsória dos servidores das três esferas da Federação em setenta anos (art. 40, § 1º, II), não deixou margem para a atuação inovadora do legislador constituinte estadual, pois estabeleceu, nesse sentido, norma central categórica, de observância obrigatória para Estados e Municípios. III – Mostra-se conveniente a suspensão liminar da norma impugnada, também sob o ângulo do perigo na demora, dada a evidente situação de insegurança jurídica causada pela vigência simultânea e discordante entre si dos comandos constitucionais federal e estadual. IV – Medida cautelar concedida com efeito ex tunc.6
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Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – MEDIDA CAUTELAR – CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO MARANHÃO – EMENDA CONSTITUCIONAL 64/2011 – SERVIDORES PÚBLICOS – APOSENTADORIA COMPULSÓRIA AOS 75 ANOS DE IDADE – DENSA PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DA ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE – PERIGO NA DEMORA CONFIGURADO – MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA COM EFEITOS RETROATIVOS – 1. A Constituição Federal de 1988 estabelece, no art. 40, § 1º, II, a idade de 70 (setenta) anos para a aposentadoria compulsória dos servidores públicos. 2. Trata-se de norma de reprodução obrigatória pelos Estados-membros, que não podem extrapolar os limites impostos pela Constituição Federal 6 ADI 4696/MC, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, J. 01.12.2011, Processo Eletrônico DJe-055 Divulg 15.03.2012 Public 16.03.2012.
na matéria. 3. Caracterizada, portanto, a densa plausibilidade jurídica da arguição de inconstitucionalidade da Emenda à Constituição do Estado do Maranhão 64/2011, que fixou a idade de 75 (setenta e cinco) anos para a aposentadoria compulsória dos servidores públicos estaduais e municipais. 4. Do mesmo modo, configura-se o periculum in mora, na medida em que a manutenção dos dispositivos impugnados acarreta grave insegurança jurídica. 5. Medida cautelar deferida com efeito ex tunc.7
Mais recentemente, o STF suspendeu os efeitos de Emenda à Constituição do Estado do Rio de Janeiro que objetivava implementar a idade de 75 (setenta e cinco) anos para a aposentadoria compulsória8. As decisões proferidas pela Corte Maior impõem aos demais entes da Federação a observância obrigatória dos requisitos previstos na Constituição Federal para a aposentadoria do servidor.
4 NECESSIDADE DE LEI COMPLEMENTAR A modificação promovida pela Emenda Constitucional nº 88/2015, fixando a possibilidade de existência de duas idades-limite de permanência dos servidores na ativa, transformou o regramento contido no inciso II do § 1º do art. 40 da Constituição Federal em norma constitucional de eficácia limitada. Isso porque sua aplicação pressupõe a definição em legislação infraconstitucional de natureza complementar de quais carreiras e/ou atribuições sujeitam-se à aposentadoria compulsória aos 70 (setenta) anos e quais autorizam a permanência de seus integrantes no serviço público até os 75 (setenta e cinco) anos de idade. 7 ADI 4698/MC, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, J. 01.12.2011, Processo Eletrônico DJe-080 Divulg 24.04.2012 Public 25.04.2012. 8 ADI 5298/MC, Rel. Min. Luiz Fux, J. 15.04.2015, Publicado em Processo Eletrônico DJe-072 Divulg 16.04.2015 Public 17.04.2015.
A conclusão de que se trata de norma de eficácia limitada decorre da própria redação do inciso II, que estabelece: compulsoriamente, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição, aos 70 (setenta) anos de idade, ou aos 75 (setenta e cinco) anos de idade, na forma de lei complementar. Isso em razão da posição das vírgulas lançadas no texto, já que têm por finalidade primeira separar entre si elementos coordenados e, também, marcar elipse (omissão) do verbo, além do emprego da conjunção alternativa ou com o objetivo de dar ideia de alternância de fatos ou escolhas. As vírgulas introduzidas logo após a expressão “tempo de contribuição” e antes da conjunção ou, salvo melhor juízo, permitem o entendimento de que a norma se constitui em de eficácia limitada, especial, pelo fato de que a expressão “na forma de lei complementar” também está antecedida de uma vírgula.
Tanto é assim que o constituinte derivado editou norma transitória, com previsão de aplicação imediata do novo limite de idade para aposentadoria compulsória especificamente para Ministros do STF, dos Tribunais Superiores e do TCU (art. 100 do ADCT).10
Este parecer foi acompanhado pelo Supremo Tribunal Federal, que concluiu no julgamento do pedido liminar constante da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.316: 2) fixar a interpretação, quanto à parte remanescente da EC nº 88/2015, de que o art. 100 do ADCT não pode ser estendido a outros agentes públicos até que seja editada a lei complementar a que alude o art. 40, § 1º, II, da CRFB, a qual, quanto à magistratura, é a lei complementar de iniciativa do Supremo Tribunal Federal nos termos do art. 93 da CRFB [...].
Ao se adotar o posicionamento de que o inciso como um todo se constitui em norma de eficácia limitada, a aposentadoria compulsória em ambas as idades passa a depender da edição de lei complementar de caráter nacional, conforme vem decidindo o próprio Supremo Tribunal Federal ao manifestar-se quanto à omissão legislativa na regulamentação de direitos contidos no art. 40 da Constituição Federal, como no caso das aposentadorias especiais, in verbis:
Parece evidente que o preceito da parte final do art. 40, § 1º, II, da CR possui caráter de norma constitucional de eficácia limitada, isto é, a aposentadoria compulsória aos 75 anos de idade para juízes e outros servidores depende da edição de lei complementar.
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO – APOSENTADORIA ESPECIAL DE SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL – AUSÊNCIA DE NORMA REGULAMENTADORA DE CARÁTER NACIONAL – LEGITIMIDADE PASSIVA DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA PARA O MANDADO DE INJUNÇÃO – PRECEDENTES – O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 797.905-RG, sob a relatoria do Ministro Gilmar Mendes, reafirmou sua jurisprudência de que é o Presidente da República quem detém legitimidade passiva para mandado de injunção em que se discute a omissão relativa à edição da lei complementar a que se refere o art. 40, § 4º, da CF/1988, ainda que
9 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 10. ed. Saraiva, p. 70.
10 Trecho do parecer emitido pelo Procurador-Geral da República na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.316.
Entretanto, a Procuradoria-Geral da República coaduna apenas parcialmente com esse entendimento, limitando-o à aposentadoria compulsória aos 75 (setenta e cinco) anos, senão vejamos:
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As normas de eficácia limitada somente produzem os seus efeitos essenciais após um desenvolvimento normativo, a cargo dos poderes constituídos. A sua vocação de ordenação depende, para ser satisfeita nos seus efeitos básicos, da interpolação do legislador infraconstitucional. São normas, pois, incompletas, apresentando baixa densidade normativa9.
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nos âmbitos estadual, distrital e municipal. Ausência de argumentos capazes de infirmar a decisão agravada. Agravo regimental a que se nega provimento.11
Em plenário, por ocasião do julgamento da ADIn 5.316, ainda, afirmou-se a impossibilidade de norma complementar estadual dispor sobre o assunto, o que quer nos parecer uma decisão parcialmente equivocada. O art. 24 da Constituição Federal, pois, em seu inciso XII, estabelece a competência concorrente para legislar sobre previdência social, prevendo no mesmo dispositivo, especificamente no § 2º, a competência suplementar dos Estados.
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Ou seja, enquanto não for editada norma federal, encontram-se eles autorizados a definir as regras norteadoras da inativação obrigatória de seus servidores, sendo que todos os entes mantêm lei prevendo sua ocorrência aos 70 (setenta) anos, ressalvadas as aposentadorias compulsórias dos magistrados, cuja iniciativa legislativa, nos termos da liminar concedida na referida Ação de Inconstitucionalidade, é de competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal.
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5 APOSENTADORIA COMPULSÓRIA DOS MINISTROS
As Cortes Superiores em nosso Poder Judiciário são aquelas que se posicionam acima dos Tribunais tidos como de 2º grau de jurisdição, possuindo, em regra, competência constitucionalmente estabelecida e diversa da reanálise dos fatos contidos nos autos. Assim, a Emenda excluiu da idade-limite de 75 (setenta e cinco) anos os juízes e os desembargadores, fato que gerou grande insatisfação e ensejou a concessão de liminares em favor dos mesmos pelo Brasil, objetivando assegurar-lhes a aplicabilidade da regra transitória lançada no art. 100. O fundamento para a concessão residiu no princípio da unidade do Poder Judiciário do qual decorre seu caráter nacional. O art. 92, como já fazia o art. 112 da Constituição revogada, inclui os órgãos da justiça estadual entre os que exercem o Poder Judiciário; em assim fazendo, acolheu a doutrina que vem sustentando, pacificamente aliás, a unidade da jurisdição nacional12. E o próprio Supremo Tribunal Federal, em outra oportunidade, ao decidir acerca da aplicação do limite remuneratório previsto na Carta Magna para os Magistrados Estaduais, entendeu que:
Independentemente de se adotar o posicionamento de que o texto constitui-se, integral ou parcialmente, em norma constitucional de eficácia limitada, o fato é que o Constituinte reformador regulou de forma imediata a compulsoriedade da aposentadoria para os Ministros do STF, das demais Cortes Superiores e do Tribunal de Contas da União.
EMENTA: MAGISTRATURA – Remuneração. Limite ou teto remuneratório constitucional. Fixação diferenciada para os membros da magistratura federal e estadual. Inadmissibilidade. Caráter nacional do Poder Judiciário. Distinção arbitrária. Ofensa à regra constitucional da igualdade ou isonomia. Interpretação conforme dada ao art. 37, inc. XI, e § 12, da CF. Aparência de inconstitucionalidade do art. 2º da Resolução nº 13/2006 e do art. 1º, parágrafo único, da Resolução nº 14/2006, ambas do Conselho Nacional de Justiça. Ação direta de inconstitucionalidade. Liminar deferida. Voto vencido em parte. Em
11 RE 758338/AgRg, Rel. Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, J. 18.11.2014, Processo Eletrônico DJe-248 Divulg 16.12.2014 Public 17.12.2014.
12 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional previdenciário. 20. ed. Malheiros, p. 554.
Fundamentos que, conforme já dito, permitiriam a conclusão de que a unidade da magistratura brasileira autorizaria a aplicação da nova aposentadoria compulsória aos magistrados de qualquer instância e de todo o País. Entretanto, o STF não entendeu dessa forma e concedeu liminar para suspender as decisões proferidas em favor dos magistrados de primeiro e segundo grau: [...] 3) suspender a tramitação de todos os processos que envolvam a aplicação a magistrados do art. 40, § 1º, II da CRFB e do art. 100 do ADCT, até o julgamento definitivo da presente demanda e 4) declarar sem efeito todo e qualquer pronunciamento judicial ou administrativo que afaste, amplie ou reduza a literalidade do comando previsto no art. 100 do ADCT e, com base neste fundamento, assegure a qualquer outro agente público o exercício das funções relativas a cargo efetivo após ter completado setenta anos de idade [...].
Restando agora, aguardar a edição de Lei Complementar que alcance a todos os magistrados do País ou o julgamento do mérito da ADIn, em que se pode reconhecer a extensão da norma transitória a todo o Poder Judiciário com fundamento no seu caráter nacional.
6 A EXIGÊNCIA DE NOVA SABATINA A parte final do novo art. 100 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias impôs aos Ministros a submissão a uma 13 ADI 3854/MC, Rel. Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, J. 28.02.2007, DJe047 Divulg 28.06.2007 Public 29.06.2007 DJ 29.06.2007 pp-00022 Ement Vol-02282-04 pp-00723 RTJ Vol-00203-01 pp-00184.
nova sabatina para que pudessem continuar a exercer suas atividades após os 70 (setenta) anos de idade. O que, salvo melhor interpretação, não está claro na redação, mas em todo caso teria sido essa a intenção. Ocorre que a confusa redação primeiramente sequer previu o que ocorreria se o Ministro não fosse aprovado na nova sabatina, deixando no ar as seguintes indagações: Estaria ele automaticamente aposentado? Seria exonerado do cargo? Toda essa confusão origina-se no fato de que a sabatina, na forma preconizada hoje pelo Texto Constitucional, constitui-se em ato prévio à nomeação para o cargo e não em condição para a manutenção do seu exercício. Além disso, ao submeter novamente os membros da cúpula do Judiciário e os do Tribunal de Contas, o Congresso afrontou o princípio da independência dos Poderes e dos membros do Tribunal de Contas, conforme conclusão do Ministério Público Federal: CONSTITUCIONAL – ESTATUTO DA MAGISTRATURA JUDICIAL – LIMITAÇÕES AO PODER DE REFORMA CONSTITUCIONAL – ART. 100 DO ADCT, INCLUÍDO PELA EMENDA CONSTITUCIONAL 88/2015 – SUJEIÇÃO DE MINISTROS DO JUDICIÁRIO E DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO A ARGUIÇÃO E APROVAÇÃO DO SENADO FEDERAL PARA PERMANÊNCIA NO CARGO ATÉ 75 ANOS DE IDADE – INTERFERÊNCIA DO PODER LEGISLATIVO NA INDEPENDÊNCIA DO JUDICIÁRIO – VIOLAÇÃO A CLÁUSULA PÉTREA – INTERPRETAÇÃO CONFORME AO ART. 100 DO ADCT PARA RESTRINGI-LO ÀS AUTORIDADES QUE INDICA E AO ART. 40, § 1º, II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL PARA RECONHECER A MATÉRIA COMO RESERVADA À LEI COMPLEMENTAR DE INICIATIVA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL 1. Ampliação para 75 anos da idade limite para aposentadoria compulsória significa, para a magistratura, ampliação do alcance da vitaliciedade que, assim como as demais garantias inscritas no art. 95 da Constituição
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sede liminar de ação direta, aparentam inconstitucionalidade normas que, editadas pelo Conselho Nacional da Magistratura, estabelecem tetos remuneratórios diferenciados para os membros da magistratura estadual e os da federal.13
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da República, visa a assegurar independência e imparcialidade aos órgãos judiciais, como garantias voltadas aos cidadãos.
Argumentos acolhidos pelo Supremo Tribunal Federal, que, ao deferir a liminar pleiteada na ADIn, assim se posicionou:
2. Exigência de arguição e aprovação do Senado Federal para permanência de ministros do Supremo Tribunal Federal, de Tribunais Superiores e do Tribunal de Contas da União após 70 anos de idade representa intromissão indevida do Legislativo em tema sensível à independência do Judiciário e à garantia de independência técnica e funcional dos membros do TCU, pois submete a continuidade no exercício da judicatura e do controle externo a juízo de índole eminentemente política e de caráter discricionário.
[...] 1) suspender a aplicação da expressão “nas condições do art. 52 da Constituição Federal” contida no art. 100 do ADCT, introduzido pela EC nº 88/2015, por vulnerar as condições materiais necessárias ao exercício imparcial e independente da função jurisdicional, ultrajando a separação dos Poderes, cláusula pétrea inscrita no art. 60, § 4º, III, da CRFB [...].
3. O modelo de investidura no cargo de ministro do Judiciário e do TCU, incluída a arguição pública (“sabatina”), é ínsito ao procedimento prévio à nomeação. Transpô-lo para além do processo prévio de escolha desnatura sua essência e compromete a independência do Judiciário e a imparcialidade técnica da Corte de Contas.
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4. A exigência da parte final do art. 100 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias de 1988 (ADCT/1988), incluída pela Emenda Constitucional 88, de 7 de maio de 2015, consubstancia redução do núcleo de identidade do princípio da divisão funcional de poder e, por comprometerem essência a independência do Judiciário e a independência técnica e funcional das cortes de contas, extrapola os limites do poder de reforma previstos no art. 60, § 4º , III e IV, da Constituição.
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5. Não se admite interpretação extensiva de norma transitória que vise a regular situações específicas enquanto não aplicável a disciplina constitucional permanente. Descabe extensão do alcance do art. 100 do ADCT para a totalidade dos membros do Poder Judiciário. 6. Temas atinentes ao desenrolar da carreira judicial, entre eles a garantia de permanência no cargo, são próprios do estatuto da magistratura e, portanto, reservados a lei complementar de iniciativa do Supremo Tribunal Federal. 7. Parecer pela concessão da medida cautelar.14 14 Ementa do parecer emitido pelo Procurador-Geral da República na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.316.
CONCLUSÃO Portanto, tomando por base apenas a decisão liminar proferida pelo Supremo Tribunal Federal na ADIn 5.316, a aposentadoria compulsória dos servidores em geral continua tendo como requisito a idade de 70 (setenta) anos de idade. No caso dos Ministros da Corte Maior, dos demais Tribunais Superiores e dos integrantes do Tribunal de Contas da União, a aposentadoria compulsória ocorrerá aos 75 (setenta e cinco) anos, idade-limite que não se estende aos demais integrantes da Magistratura brasileira, os quais continuam a ser inativados compulsoriamente aos 70 (setenta) anos de idade. Não se aplica, por fim, a exigência de nova sabatina para a continuidade no exercício das atribuições na forma preconizada pelo art. 100 da ADCT, por ofensa à independência do Poder Judiciário e dos membros do Tribunal de Contas da União. Para aqueles que entenderem que toda a regra que regula a aposentadoria compulsória dos servidores públicos se tornou norma de eficácia limitada, a inativação aos 70 (setenta) anos de idade passa a alicerçar-se nas legislações locais ainda vigentes, cujo fundamento de validade reside na competência legislativa suplementar prevista no § 2º do art. 24 da Carta Magna.
Doutrina
O Controle Social na Regulação dos Serviços Públicos de Saneamento Básico: Desafios e Estágio de Implantação da Lei Federal nº 11.445/2007 CARLOS ROBERTO DE OLIVEIRA
Advogado, Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP), Especialista em Gestão Normativa dos Recursos Hídricos pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Diretor Administrativo e Financeiro da Agência Reguladora de Saneamento ARES-PCJ.
JULIANA ALCORTA FURLAN
Graduanda em Direito do Centro Universitário Salesiano de São Paulo (Unisal), Campus Americana.
RESUMO: O presente artigo tem como proposta refletir sobre a importância do controle social no processo regulatório, notadamente na regulação dos serviços públicos de saneamento básico, conforme instituída pela Lei Federal nº 11.445/2007. O instituto do controle social, entendido como a ativa participação da sociedade na formulação das políticas públicas de saneamento básico, é situação recente no ordenamento jurídico brasileiro e deve ser enfrentada pelas agências reguladoras de saneamento básico como condição de validade dos seus atos. O artigo aborda, ainda, a experiência da Agência Reguladora de Saneamento das Bacias PCJ (consórcio público de direito público com sede na Cidade de Americana,
interior do Estado de São Paulo), no trato da participação da sociedade em âmbito municipal, não só fiscalizando a qualidade dos serviços que são prestados, mas também opinando de forma direta na fixação dos valores das tarifas dos serviços públicos de saneamento básico. PALAVRAS-CHAVE: Regulação; Lei Federal nº 11.445/2007; controle social. ABSTRACT: This article aims to reflect on the importance of social control in the regulatory process, especially in the regulation of public sanitation services, as established by Federal Law nº 11.445/2007. The institute of social control, understood as the active participation of society in the formulation of public policies on sanitation, is the recent situation in the Brazilian legal system and should be addressed by regulatory agencies sanitation as a condition of validity of their acts. The paper also discusses the experience of Sanitation Regulatory Agency Basins PCJ (public consortium of public law-based in Americana, the State of São Paulo), in dealing with participation of society at the municipal level, not only overseeing the quality of services provided, but also opining directly in setting the tariffs of public sanitation services. KEYWORDS: Regulation; Federal Law nº 11.445/2007; social control. SUMÁRIO: 1 Conceito e premissas da regulação; 1.1 A regulação dos serviços públicos de saneamento básico; 1.2 O controle social como componente da regulação dos serviços de saneamento básico; 1.3 A experiência da Agência Reguladora ARES-PCJ; 2 Conclusões; Referências.
1 CONCEITOS E PREMISSAS DA REGULAÇÃO Assim como a participação social na formulação de políticas públicas é situação recente no ordenamento jurídico brasileiro – e até mesmo uma novidade diante da repressão e do déficit participativo que foram vivenciados em tempos recentes de ditadura –, a figura de um órgão de estado com funções técnicas para fazer a regula-
ção de mercado – econômica e da qualidade da prestação dos serviços – é igualmente nova1. Nos últimos anos, o Brasil tem sido palco de uma série de mudanças no sistema de relações do Estado com a sociedade, algumas delas bastante relevantes para a história econômica e política do País. Na década de 1990 e nos primeiros anos deste século, a principal mudança no arranjo das funções e organização do Estado no Brasil foi o surgimento de estruturas autônomas de administração para os assuntos de regulação da economia, chamadas agências reguladoras2.
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As agências reguladoras surgem como uma alternativa para solucionar a crise pela qual passava o Estado, resultante de um crescimento muito superior à sua real possibilidade de atuação, com a evolução do Estado de Direito para o Estado de Direito Social, acabando por estender o exercício de suas atividades para as áreas da saúde, educação, transportes, desportes, fornecimento de energia elétrica, água, exploração de petróleo, econômica (seja como interventor, seja como fomentador de atividades de desenvolvimento), habitacional, rural, previdenciária, o que acabou por acarretar o colapso, o esgotamento de sua capacidade de atuação, significando, muitas vezes, a prestação dos serviços públicos de forma ineficaz, morosa, inadequada,
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1 Nesse mesmo sentido destaca Maria Sylvia Zanella Di Pietro que: “As agências reguladoras foram introduzidas no Direito brasileiro, inicialmente, para assumir o papel que, na concessão, era antes desempenhado pela própria Administração Pública direta, na qualidade de poder concedente; o mesmo papel é assumido na permissão e na autorização. E é desempenhado quando o objeto da concessão é um serviço público, como nas hipóteses elencadas no art. 21, XI e XII, ou quando o objeto da concessão é a exploração de atividade econômica monopolizada, como nas hipóteses do art. 177” (cf. Direito regulatório: temas polêmicos. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 217). 2 RAMALHO, Pedro Ivo Sebba. Regulação e agências reguladoras: reforma regulatória da década de 1990 e desenho institucional das agências no Brasil. In: RAMALHO, Pedro Ivo Sebba (Org.). Regulação e agências reguladoras: governança e análise de impacto regulatório. Brasília: Anvisa, 2009. p. 125.
quando não danosa, inclusive para a “imagem” do próprio Estado, isso sem contar que seus recursos financeiros são óbvia e efetivamente insuficientes para tal gama de atividade3. Com o agigantamento da prestação de serviços pelo Estado, surge a necessidade de equilibrar as relações entre o poder público e o agente privado, objetivando conjugar as vantagens da capacidade empresarial privada com a realização de fins de interesse público, para garantir a prestação dos serviços adequados. A atuação do ente regulador é garantir que os serviços públicos concedidos sejam prestados com eficiência, qualidade e continuidade, buscando o cumprimento das regras de direito administrativo, submetendo o ente privado aos princípios que regram a Administração Pública4. As atribuições das agências reguladoras5 na concessão, permissão e autorização de serviço público resumem-se ou derivam-se das funções que o poder concedente exerce nesses tipos de contratos ou atos de delegação: regulamentar os serviços que constituem objeto da delegação; acompanhar o procedimento licitatório para escolha do concessionário, permissionário ou au3 Nesse sentido destaca Verônica Cruz que “a instauração de aparato regulatório capaz de prevalecer sobre os vícios detectados anteriormente na Administração Pública ganhou corpo e assim as agências se multiplicaram e, atualmente no Brasil, controlam os mais distintos setores, de audiovisual a vigilância sanitária, passando por telecomunicações, saúde, energia e transportes” (cf. Estado e regulação: fundamentos teóricos. In: RAMALHO, Pedro Ivo Sebba (Org.). Regulação e agências reguladoras..., cit., p. 56). 4 Nesse sentido, conferir FELDMAN, Maria Augusta. As relações entre os direitos fundamentais, o direito regulatório e a legitimação democrática das agências reguladoras. Revista da AGERG, Marco Regulatório nº 15 – Edição Especial de 15 anos, Porto Alegre: AGERGS, p. 23, 2009. 5 Destaca Gustavo Augusto Freitas de Lima que: “Designamos como poder regulador o conjunto de atribuições típicas das agências reguladoras, necessárias à regulação de um determinado setor econômico. O poder regulador engloba o exercício de funções administrativas, o poder normativo e o poder de julgar e arbitrar conflitos, desde que especificamente relacionados à atividade regulatória” (cf. Agências reguladoras e o poder normativo. São Paulo: Baraúna, 2013. p. 53).
Dentro de tais contornos e com o crescimento de sua importância, notadamente com o crescente rol de tarefas e de cobranças feitas pela sociedade para que as agências reguladoras tenham forte atuação em favor da qualidade da prestação dos serviços, trazemos o conceito de ente regulador nas lições de Maria Sylvia Zanella Di Pietro: Assim, agência reguladora, em sentido amplo, é, no Direito brasileiro, qualquer órgão da Administração direta ou indireta com função de regular a matéria específica que lhe está afeta. Em sentido restrito, e abrangendo apenas o modelo mais recente, a agência reguladora é entidade da Administração indireta, em regra autarquia de regime especial, com a função de regular a matéria que se insere em sua esfera de competência, outorgada por lei.6
E a mesma autoria adverte, em embasado estudo, que a função reguladora vem para suprimir a atuação do poder público nos limites da delegação, destacando que “isso significa que a lei, ao criar a agência reguladora, está tirando do Poder Executivo todas essas atribuições para colocá-las nas mãos da agência”7. Na opinião de Vivian Cristina Lima, é tendência do Estado moderno ser menor e reservar para si tão somente a fiscalização das atividades econômicas, afirmando que 6 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública. São Paulo: Atlas, 2012. p. 179. 7 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2013. p. 533.
a proposta contemporânea: uma estrutura de Administração Pública simples, rápida, voltada a metas e resultados e, sobretudo, sensivelmente menor, não mais preocupada com a prestação de serviços públicos e tão somente com a sua regulação.8
Há de se destacar, porém, que o compromisso com o sistema regulatório deve ser cultivado sempre, mesmo quando o ambiente pareça extremamente problemático, pois sem o comprometimento com a segurança jurídica e planejamentos de longo prazo não há como manter investimentos e atrair novos parceiros para as atividades públicas. Ademais, a prática regulatória brasileira leva-nos a considerar as peculiaridades institucionais que foram estabelecidas pela nossa legislação e pelo modelo federalista brasileiro e reconhecer que alcançar nível de comprometimento pode requerer regime de inflexibilidade regulatória em alguns casos, e, em outros, só mesmo a propriedade pública dos serviços é possível9. A discussão dos marcos regulatórios é tema recente e ainda controverso, já que são inúmeros os setores que ainda estão em processo de transição entre um modelo de regulação estatal para monopólios estatais e para setores em que a competição entre empresas no mercado ou mesmo monopólios privados requer diferente visão dessa função. Enfim, há necessidade de que essa regulação, em qualquer cenário, seja uma regulação de qualidade, o que envolve inúmeros outros insumos10. 8 Administração Pública contemporânea: o usuário de serviço público e a dignidade da pessoa humana. Dissertação de Mestrado, Curso de Pós-Graduação da Faculdade de Direito, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2004. p. 28. 9 Nesse sentido, conferir CRUZ, Verônica. Estado e regulação: fundamentos teóricos. In: RAMALHO, Pedro Ivo Sebba (Org.). Regulação e agências reguladoras..., cit., p. 53-86. 10 SANTOS, Luiz Alberto dos. Desafios da governança regulatória no Brasil. In: RAMALHO, Pedro Ivo Sebba (Org.) Regulação e agências reguladoras..., cit., p. 178.
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torizatário; ser anuente na celebração do contrato de concessão ou permissão ou praticar ato unilateral de outorga de autorização; definir o valor da tarifa e da sua revisão ou a caducidade; intervir; fazer a rescisão amigável; acompanhar a reversão de bens ao término da concessão; exercer o papel de ouvidor de denúncias e reclamações dos usuários; enfim, exercer todas as prerrogativas que a lei outorga ao Poder Púbico na concessão, permissão ou autorização.
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1.1 A regulação dos serviços públicos de saneamento básico
públicos prestados: o planejamento e a fiscalização e regulação dos serviços públicos de saneamento básico.
Bem mais recente que em outras áreas de atuação do Estado é a regulação nos serviços públicos de saneamento básico11.
O planejamento consiste no conjunto de estudos e na fixação das diretrizes e metas que deverão orientar a prestação de serviços14, pois, como base na elaboração deste instrumento, pode-se buscar a eficiência e a sustentabilidade econômica, preconizadas como fundamentos no art. 2º, VII, da Lei nº 11.445/2007. O documento que exterioriza esse planejamento é o plano municipal de saneamento básico15.
Somente no ano de 2007, e com a intenção de criar um marco regulatório na área de saneamento básico e fomentar as ações e as políticas públicas do setor, a União, dentro de suas competências legislativas12, estabeleceu as diretrizes nacionais para regrar os serviços públicos de saneamento básico, por meio da edição da Lei Federal nº 11.44513. Com a definição legal dos componentes do saneamento básico – notadamente serviços públicos prestados diretamente pelo Estado e em alguns casos concedidos –, pôs-se luz sobre serviços que tradicionalmente eram tratados com pouca eficiência e raros casos de preocupação com a qualidade e continuidade de sua prestação.
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Com base na inovação legislativa, foram destacados dois novos componentes para imprimir qualidade de gestão aos serviços
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11 A definição dos componentes do saneamento básico é encontrada no art. 2º, inciso XI, do Decreto Federal nº 7.217/2010, compreendendo: “[...] conjunto dos serviços públicos de manejo de resíduos sólidos, de limpeza urbana, de abastecimento de água, de esgotamento sanitário e de drenagem e manejo de águas pluviais, bem como infraestruturas destinadas exclusivamente a cada um destes serviços”. 12 A competência legislativa para instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, incluindo habitação, saneamento básico e transporte urbano, pertence à União, conforme dispõe o art. 21, XX, da Constituição Federal de 1988. 13 A fiscalização e a regulação são componentes de gerenciamento das ações na área de saneamento básico, definidos no art. 2º, XI, do Decreto Federal nº 6.017/2007 como “todo e qualquer ato, normativo ou não, que discipline ou organize um determinado serviço público, incluindo suas características, padrões de qualidade, impacto socioambiental, direitos e obrigações dos usuários e dos responsáveis por sua oferta ou prestação e fixação e revisão do valor de tarifas e outros preços públicos”.
Define a própria Lei Federal nº 11.445/2007, em seu art. 19, quais os componentes mínimos necessários para estruturação do plano municipal de saneamento, que são: Art. 19. A prestação de serviços públicos de saneamento básico observará plano, que poderá ser específico para cada serviço, o qual abrangerá, no mínimo: I – diagnóstico da situação e de seus impactos nas condições de vida, utilizando sistema de indicadores sanitários, epidemiológicos, ambientais e socioeconômicos e apontando as causas das deficiências detectadas; II – objetivos e metas de curto, médio e longo prazos para a universalização, admitidas soluções graduais e progressivas, observando a compatibilidade com os demais planos setoriais; 14 Lembra Maria Luiza Machado Granziera que “é preciso planejar como será feita a prestação dos serviços, de acordo com as características e necessidades locais, com vistas a garantir resultados positivos, no que se refere à qualidade ambiental e da saúde pública. O planejamento também corresponde ao princípio da eficiência, pois direciona o uso dos recursos públicos de forma racional” (cf. Direito ambiental. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 653-654). 15 O conceito de plano municipal de saneamento básico pode ser extraído da Portaria nº 118, de 14 de fevereiro de 2012, da Fundação Nacional da Saúde – Funasa, que diz que “o Plano Municipal de Saneamento Básico, nos termos da Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, e Decreto nº 7.217, de 21 de junho de 2010, tem como diretrizes a promoção da equidade social, o estímulo à adequada regulação dos serviços, o planejamento com base em indicadores epidemiológicos e de desenvolvimento social, a qualidade de vida e o desenvolvimento urbano e regional dentre outros fatores focados na qualidade dos serviços, visando sua universalização”.
IV – ações para emergências e contingências; V – mecanismos e procedimentos para a avaliação sistemática da eficiência e eficácia das ações programadas.
A ação de fiscalização e regulação se dará com a indicação por parte do titular do saneamento (Município) de uma entidade reguladora de suas atividades (que poderá ter o seu âmbito de atuação nos limites do Município, regional ou estadual) e condições do órgão público para manter sua independência decisória e autonomias administrativa, orçamentária e financeira16-17. É obrigação de todo Município integrante da Federação, portanto, após a edição da Lei Federal nº 11.445/2007 (Política Nacional de Saneamento Básico) e do Decreto Federal nº 7.217/2010), elaborar e aprovar o seu plano municipal de saneamento básico e indicar (ou criar) uma agência reguladora para os serviços públicos de saneamento básico18. 16 Cf. art. 21 da Lei Federal nº 11.445/2007. 17 Confere-se à agência reguladora, entre outras, a função de coibir a tendência natural de se estabelecer monopólio no mercado e, ainda, a de procurar a conciliação entre os interesses público e privado. As agências reguladoras de serviços públicos são órgãos destinados à preservação do equilíbrio nas relações jurídicas existentes entre prestadores de serviços públicos e seus usuários, exercendo, portanto, atividade de regulação de mercado. 18 Estabelece o art. 27 do Decreto Federal nº 7.217/2010 que: “São objetivos da regulação: I – estabelecer padrões e normas para a adequada prestação dos serviços e para a satisfação dos usuários; II – garantir o cumprimento das condições e metas estabelecidas; III – prevenir e reprimir o abuso do poder econômico, ressalvada a competência dos órgãos integrantes do sistema nacional de defesa da concorrência; e IV – definir tarifas e outros preços públicos que assegurem tanto o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos, quanto a modicidade tarifária e de outros preços públicos, mediante mecanismos que induzam a eficiência e eficácia dos serviços e
Como já destacado, o modelo a ser criado é definido pelo próprio Município, que, após estudos de viabilidade, pode optar por uma autarquia municipal, pela criação de uma agência regional, nos moldes definidos pela Lei Federal nº 11.107/2005 (Lei de Consórcios Públicos)19, ou por meio de convênio de cooperação com órgãos reguladores estaduais, conforme dispõe o art. 31 do Decreto Federal nº 7.217/2010: Art. 31. As atividades administrativas de regulação, inclusive organização, e de fiscalização dos serviços de saneamento básico poderão ser executadas pelo titular: I – diretamente, mediante órgão ou entidade de sua administração direta ou indireta, inclusive consórcio público do qual participe; ou II – mediante delegação, por meio de convênio de cooperação, a órgão ou entidade de outro ente da Federação ou a consórcio público do qual não participe, instituído para gestão associada de serviços públicos. § 1º O exercício das atividades administrativas de regulação de serviços públicos de saneamento básico poderá se dar por consórcio público constituído para essa finalidade ou ser delegado pelos titulares, explicitando, no ato de delegação, o prazo de delegação, a forma de atuação e a abrangência das atividades a ser desempenhadas pelas partes envolvidas.
Bastante diversificada, portanto, a formatação da agência reguladora para os serviços de saneamento básico, sendo que, atualmente, pelos dados compilados pela Associação Brasileique permitam a apropriação social dos ganhos de produtividade. Parágrafo único. Compreendem-se nas atividades de regulação dos serviços de saneamento básico a interpretação e a fixação de critérios para execução dos contratos e dos serviços e para correta administração de subsídios”. 19 Conforme preconiza o art. 31 do Decreto Federal nº 7.217/2010 (que regulamentou a Lei Federal nº 11.445/2007): “As atividades administrativas de regulação, inclusive organização, e de fiscalização dos serviços de saneamento básico poderão ser executadas pelo titular: I – diretamente, mediante órgão ou entidade de sua administração direta ou indireta, inclusive consórcio público do qual participe; ou, II – mediante delegação, por meio de convênio de cooperação, a órgão ou entidade de outro ente da Federação ou a consórcio público do qual não participe, instituído para gestão associada de serviços públicos”.
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III – programas, projetos e ações necessárias para atingir os objetivos e as metas, de modo compatível com os respectivos planos plurianuais e com outros planos governamentais correlatos, identificando possíveis fontes de financiamento;
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ra de Agências de Regulação – ABAR20, são: 27 (vinte e sete) as agências reguladoras de saneamento básico, sendo: 17 (dezessete) agências estaduais ou distrital, 7 (sete) agências municipais e 3 (três) agências consorciadas. Evidente que tal número é maior, pois existem várias agências municipais em plena atividade, mas que não integram o quadro associativo da ABAR. Com o nosso conhecimento por contatos e trocas de experiências, podemos citar, ao menos, outras 7 (sete) que existem e não integram o rol da pesquisa, o que nos leva ao número de 34 (trinta e quatro) entes de regulação no saneamento básico.
1.2 O controle social como componente da regulação dos serviços de saneamento básico
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Com a teoria da democracia deliberativa, formulada por Habermas21, passou-se a entender que a democracia não pode restringir-se ao sistema de seleção dos dirigentes e governantes, no qual a participação política dos cidadãos está limitada ao voto pelo processo eleitoral. As decisões políticas do Estado não podem estar desancoradas das demandas advindas do mundo e, por isso, deve haver um lugar central ao processo discursivo de conformação das opiniões dos cidadãos em sua concepção de democracia.
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O princípio da participação popular na gestão e no controle da Administração Pública é inerente à ideia de Estado Democrático de Direito, enfatizado no Preâmbulo da Constituição Federal de 1988, em seu art. 1º, e reafirmado no seu parágrafo único, com a regra de que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos, ou diretamente, nos termos desta constituição”; além disso, decorre, de forma implícita, de 20 Associação Brasileira de Agências de Regulação – ABAR. Saneamento básico: regulação 2013. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2013. 21 Nesse sentido, conferir HABERMAS, Jürgen. Concluding comments on empirical approaches to deliberative politics, Acta Politica, International Journal of Political Science, v. 40, n. 3, p. 384-392.
várias normas consagradoras da participação popular em diversos setores da Administração Pública, em especial na parte referente à ordem social. Diante de tais premissas básicas, surge o conceito de controle social, que pode ser entendido como a participação da sociedade no acompanhamento e verificação das ações e metas da gestão pública na execução das políticas públicas, por meio da avaliação dos objetivos, processos e resultados. Antônio Ivo de Carvalho22 destaca que o “controle social é expressão de uso recente e corresponde a uma moderna compreensão de relação Estado-sociedade, onde a esta cabe estabelecer práticas de vigilância e controle sobre aquele”. A opção por instrumentos de participação e controle social, tais como conselhos representativos (consultivos ou deliberativos), audiências públicas, consultas públicas, ouvidoria (ou ombudsman23), são essenciais para a melhoria da qualidade da prestação dos serviços regulados24. Aliás, instrumento de relevância na novel democracia brasileira é a audiência pública, conceituada por Diogo de Figueiredo Moreira Neto como 22 Cf. Conselhos de saúde no Brasil: participação cidadã e controle social. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Administração Municipal, 1995. 23 Ombudsman é um profissional contratado por um órgão, instituição ou empresa com a função de receber críticas, sugestões e reclamações de usuários e consumidores, devendo agir de forma imparcial no sentido de mediar conflitos entre as partes envolvidas (no caso, a empresa e seus consumidores). A palavra passou às línguas modernas através do sueco ombudsman, que significa “representante do povo” (cf. Dicionário escolar da língua portuguesa. 2. ed. Academia Brasileira de Letras. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2008. p. 921). 24 Nesse sentido, conferir MELO, Glenda Barbosa de; NAHUM, Tânia. Estudo sobre regulação de serviços municipais de saneamento básico. Brasília: Assemae, 2009. p. 19.
Acertado, portanto, exercitar este modelo democrático da audiência pública sempre que existir interesse público ou políticas públicas a serem implantadas. As audiências tem a possibilidade real de educar, informar e conscientizar a população, sendo poderoso instrumento pedagógico. E quanto maior o acesso da população a tais audiências, mais efetivas e legítimas elas serão26. Em relação à participação social na legislação brasileira, podemos dar o exemplo da Lei Federal nº 9.784/1999, que, embora não mencione a participação do cidadão como princípio da Administração Pública, disciplinou vários instrumentos que facilitam a sua participação, como é o caso do direito à informação, da motivação das decisões no âmbito administrativo e das regras sobre publicidade. Estão também previstas a consulta pública (art. 31), a audiência pública (art. 32) e a participação dos administradores, direta ou por meio de organizações e associações legalmente reconhecidas (art. 33)27-28. 25 Direito da participação política legislativa, administrativa, judicial: fundamentos e técnicas constitucionais da democracia. Rio de Janeiro: Renovar, 1992. p. 129. 26 No mesmo sentido: OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Direito administrativo democrático. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 26-27. 27 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 26. ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 698. 28 Dispõe a citada Lei Federal nº 9.784/1999: “Art. 31. Quando a matéria do processo envolver assunto de interesse geral, o órgão competente poderá, mediante despacho motivado, abrir período de consulta pública para manifestação de terceiros, antes da decisão do pedido, se não houver prejuízo para a parte interessada. § 1º A abertura da consulta pública será
Já no caso específico do saneamento básico, podemos afirmar que o controle social é um dos princípios estabelecidos pela Lei Federal nº 11.445/2007, que reafirma a participação da sociedade nos processos de formulação de política, de planejamento e de avaliação relacionados aos serviços públicos de saneamento básico (art. 2º, inciso IV); em audiências e consultas públicas sobre minuta de contrato para prestação de serviços públicos de saneamento básico (art. 11, inciso IV); em audiência e/ou consultas públicas para apreciação de propostas de plano de saneamento básico, inclusive dos estudos que os fundamentem (art. 19, inciso V, § 5º); por meio de mecanismos normatizados pela entidade de regulação da prestação dos serviços (art. 23, inciso X); por meio do acesso a informações sobre a regulação ou à fiscalização dos serviços prestados (art. 26). O contexto do controle e participação social no saneamento básico (Lei Federal nº 11.445/2007) deve ser entendido como um avanço de transparência para os atos regulatórios, já que, historicamente, existe um déficit de participação social na formulação e fiscalização das políticas públicas no saneamento básico. O reajuste tarifário e o planejamento das ações sempre foram marcados pelo controle absoluto do executivo; a partir de agora, objeto de divulgação pelos meios oficiais, a fim de que pessoas físicas ou jurídicas possam examinar os autos, fixando-se prazo para oferecimento de alegações escritas. § 2º O comparecimento à consulta pública não confere, por si, a condição de interessado do processo, mas confere o direito de obter da Administração resposta fundamentada, que poderá ser comum a todas as alegações substancialmente iguais. Art. 32. Antes da tomada de decisão, a juízo da autoridade, diante da relevância da questão, poderá ser realizada audiência pública para debates sobre a matéria do processo. Art. 33. Os órgãos e entidades administrativas, em matéria relevante, poderão estabelecer outros meios de participação de administrados, diretamente ou por meio de organizações e associações legalmente reconhecidas”.
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um instituto de participação administrativa aberta a indivíduos e a grupos sociais determinados, visando à legitimidade da ação administrativa, formalmente disciplinada em lei, pela qual se exerce o direito de expor tendências, preferências e opções que possam conduzir o Poder Público a uma decisão de maior aceitação consensual.25
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o que se busca é a convalidação social para os atos de gerenciamento e aprimoramento de um dos mais nobres serviços públicos: a efetiva disponibilização de água tratada para o consumo humano e a correta disposição dos efluentes decorrentes deste uso (esgotamento sanitário tratado). O controle social pressupõe, portanto, a participação efetiva da sociedade civil organizada na elaboração, acompanhamento e verificação das ações de gestão pública. Na prática, significa definir diretrizes, realizar diagnósticos, indicar prioridades, definir programas e ações e avaliar os objetivos, processos e resultados obtidos.
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Há de se destacar, portanto, que o controle social se constitui em uma via de mão dupla: o Estado necessita que as comunidades locais atuem no controle das políticas públicas, e a sociedade organizada precisa que o Estado institucionalize e reconheça esses grupos (atores sociais) como representativos da comunidade, para que eles possam oferecer contribuições formais ao Estado, visando à melhoria das políticas públicas.
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Com a edição da Política Nacional de Saneamento, iniciou-se a fase de implantação das agências reguladoras, considerada como o marco zero da regulação no País, e instaurou-se um cenário de natureza eminentemente técnica. Se, no primeiro momento, predominavam temas como universalização e acesso aos serviços – principalmente os considerados essenciais e os de infraestrutura –, a evolução atual aponta para os caminhos de excelência técnica, de controle social e de transparência29. 29 Dispõe o art. 3º do Decreto Federal nº 7.217/2010: “Os serviços públicos de saneamento básico possuem natureza essencial e serão prestados com base nos seguintes princípios: I – universalização do acesso; II – integralidade, compreendida como o conjunto de todas as atividades e componentes de cada um dos diversos serviços de saneamento básico, propiciando à população o acesso na conformidade de suas necessidades e maximizando a eficácia das ações e resultados; III – abastecimento de
Outro marco na trajetória dos órgãos reguladores foi a iniciativa da Presidência da República que, em 2007, estabeleceu o Programa de Fortalecimento da Capacidade Institucional para Gestão em Regulação (PRO-REG). Entre seus objetivos, o PRO-REG foi criado para propiciar condições para a melhoria da qualidade do sistema regulatório, trazer novos conceitos e experiências de regulação em outros países, consolidar a autonomia das agências reguladoras federais e aperfeiçoar os instrumentos de supervisão e de controle social para as agências de regulação criadas nos Estados e também nos Municípios30-31. água, esgotamento sanitário, limpeza urbana, manejo dos resíduos sólidos e manejo de águas pluviais realizados de formas adequadas à saúde pública e à proteção do meio ambiente; IV – disponibilidade, em todas as áreas urbanas, de serviços públicos de manejo das águas pluviais adequados à saúde pública e à segurança da vida e do patrimônio público e privado; V – adoção de métodos, técnicas e processos que considerem as peculiaridades locais e regionais, não causem risco à saúde pública e promovam o uso racional da energia, conservação e racionalização do uso da água e dos demais recursos naturais; VI – articulação com as políticas de desenvolvimento urbano e regional, de habitação, de combate à pobreza e de sua erradicação, de proteção ambiental, de recursos hídricos, de promoção da saúde e outras de relevante interesse social voltadas para a melhoria da qualidade de vida, para as quais o saneamento básico seja fator determinante; VII – eficiência e sustentabilidade econômica; VIII – utilização de tecnologias apropriadas, considerando a capacidade de pagamento dos usuários e a adoção de soluções gra duais e progressivas; IX – transparência das ações, baseada em sistemas de informações e processos decisórios institucionalizados; X – controle social; XI – segurança, qualidade e regularidade; e XII – integração das infraestruturas e serviços com a gestão eficiente dos recursos hídricos”. 30 MACHADO, Álvaro Otávio Vieira. Os ganhos de uma década e meia de regulação. Revista da AGERGS, Marco Regulatório nº 15, Porto Alegre: AGERGS, p. 85, 1999. 31 Informações e histórico do Programa de Fortalecimento da Capacidade Institucional para Gestão em Regulação (PRO-REG) estão disponíveis no sítio eletrônico: www.regulacao.gov.br.
1.3 A experiência da Agência Reguladora ARES-PCJ
renta e sete) Municípios33, com população atendida de mais de 5 (cinco) milhões de habitantes.
Com a obrigatoriedade da regulação e fiscalização dos serviços públicos de saneamento básico, instituída pela Lei Federal nº 11.445/2007, Municípios localizados na região hidrográfica das Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (interior do Estado de São Paulo) uniram-se para criação de um órgão regional, que recebeu o nome de Agência Reguladora dos Serviços de Saneamento das Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (ARES-PCJ).
Para dar efetividade à participação e controle social nas políticas regulatórias do saneamento básico, o art. 47 da Lei Federal nº 11.445/2007 estabeleceu a composição mínima de representação dos conselhos de regulação:
I – dos titulares dos serviços; II – de órgãos governamentais relacionados ao setor de saneamento básico; III – dos prestadores de serviços públicos de saneamento básico; IV – dos usuários de serviços de saneamento básico; V – de entidades técnicas, organizações da sociedade civil e de defesa do consumidor relacionadas ao setor de saneamento básico.
A instalação do consórcio público se deu no dia 6 de maio de 2011, e hoje, com 3 (três) anos de atividades, o órgão regional fiscaliza e pratica a regulação econômica e tarifária em 47 (qua-
Já a Agência Reguladora ARES-PCJ, para atender ao comando legal, delimitou em seu Protocolo de Intenções34 que os Muni-
32 A Lei Federal nº 11.107/2005 introduziu em nosso ordenamento uma pessoa jurídica denominada consócio público, fundamentada no disposto no art. 241 da Constituição Federal, que estabelece: “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos”. O conceito de consórcio público pode ser extraído, ainda, do art. 2º, I, do Decreto Federal nº 6.017/2007, como “pessoa jurídica formada exclusivamente por entes da Federação, na forma da Lei nº 11.107, de 2005, para estabelecer relações de cooperação federativa, inclusive a realização de objetivos de interesse comum, constituída como associação pública, com personalidade jurídica de direito público e natureza autárquica, ou como pessoa jurídica de direito privado sem fins econômicos”.
33 São Municípios integrantes da ARES-PCJ os Municípios de Águas de São Pedro, Americana, Amparo, Analândia, Araras, Araraquara, Artur Nogueira, Atibaia, Campinas, Capivari, Cerquilho, Charqueada, Cordeirópolis, Corumbataí, Cosmópolis, Hortolândia, Ipeúna, Iracemápolis, Itatiba, Itirapina, Jaguariúna, Jundiaí, Leme, Limeira, Louveira, Mogi Mirim, Mombuca, Monte Alegre do Sul, Nova Odessa, Paraibuna, Paulínia, Pedreira, Piracaia, Piracicaba, Pirassunga, Rafard, Rio Claro, Rio das Pedras, Salto, Santa Bárbara d’Oeste, Santa Maria da Serra, Santo Antonio de Posse, São Pedro, Sumaré, Tietê, Valinhos e Vinhedo. 34 De acordo com o disposto na Lei Federal nº 11.107/2005 (Lei dos Consórcios Públicos), protocolo de intenções é o instrumento pelo qual os participantes de consórcios públicos fixam regras que deverão ser seguidas no decorrer do consórcio. Pelo protocolo de intenções será disciplinada a finalidade, prazo, sede do consórcio, partes, administradores (assembleia-geral) e todas as regras para a formação de uma pessoa jurídica. Por meio do protocolo de intenções se definirá o número de votos de cada ente consorciado na assembleia.
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O modelo adotado para a configuração jurídica do ente regulador foi o consórcio público de direito público, depois de aprofundados estudos de viabilidade regulatória, nos termos da Lei Federal nº 11.107/2005 (Lei dos Consórcios Públicos)32.
Art. 47. O controle social dos serviços públicos de saneamento básico poderá incluir a participação de órgãos colegiados de caráter consultivo, estaduais, do Distrito Federal e municipais, assegurada a representação:
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cípios, na condição de titulares dos serviços de saneamento básico, devem criar, individualmente, os seus Conselhos de Regulação e Controle Social, mecanismos estes que exteriorizam a participação e o controle social efetivos no âmbito local, com a seguinte composição: Cláusula 60ª (Da composição) – Cada um dos Conselhos de Regulação e Controle Social será composto, no que couber, por 01 representante: I – do titular dos serviços de saneamento básico; II – de órgãos governamentais relacionados ao setor de saneamento básico; III – dos prestadores de serviços públicos de saneamento básico; IV – dos usuários de serviços de saneamento básico; V – de entidades técnicas, organizações da sociedade civil e de defesa do consumidor relacionadas ao setor de saneamento básico;
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VI – do Conselho Municipal de Meio Ambiente.
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Tais Conselhos são criados em todos os Municípios consorciados (hoje são 47 Municípios e 47 Conselhos em pleno funcionamento), sendo que sempre foram tratados com extremo zelo pela ARES-PCJ e atendem à premissa de participação dos atores sociais nas manifestações colegiadas, sendo suas atribuições: Cláusula 61ª (Das competências) – Compete aos Conselhos de Regulação e Controle Social: I – avaliar as propostas de fixação, revisão e reajuste tarifário dos serviços de saneamento básico no âmbito do Município consorciado; II – encaminhar reclamações e denunciar irregularidades na prestação de serviço; III – elaborar, deliberar e aprovar seu Regimento Interno, bem como suas posteriores alterações.
§ 1º As competências do Conselho de Regulação e Controle Social são limitadas às matérias relativas ao Município em que se encontre instalado. § 2º Cada Município consorciado fornecerá ao seu Conselho de Regulação e Controle Social a estrutura física necessária para o exercício de suas atividades.
A agência reguladora premiou a sociedade civil de cada Município com a ampla participação na discussão local da prestação dos serviços públicos, evidenciando como principais tarefas de seus membros a avaliação das propostas de fixação, revisão e reajuste tarifário dos serviços de saneamento básico e a fiscalização da qualidade da prestação dos serviços, por meio do encaminhamento de reclamações e denúncias por irregularidades na prestação de serviço. De forma bastante clara, o membro do Conselho pode ser classificado como um representante local do ente regulador. Ponto ainda vulnerável no controle social do saneamento básico é a atribuição meramente consultiva35 atribuída pela Lei Federal nº 11.445/2007, que mitiga o efetivo interesse de participação por parte da sociedade, já que esta se vê apenas como simples interlocutor sem peso decisório e já que sua opinião pode ser relevante, mas nem sempre será refletida na decisão final do processo. É inegável o significativo avanço na criação destas instituições democráticas que ampliam a democracia e asseguram a participação e o controle social. No entanto, em se tratando de novas institucionalidades democráticas, ainda são muitos os desafios para a compreensão e efetivação destes espaços como instâncias deliberativas. 35 Dispõe o art. 47 da Lei Federal nº 11.445/2007 que “o controle social dos serviços públicos de saneamento básico poderá incluir a participação de órgãos colegiados de caráter consultivo, estaduais, do Distrito Federal e municipais, assegurada a representação [...]” (grifei).
Para delimitar com clareza quais atribuições e limites de atuação dos membros dos Conselhos de Regulação e Controle Social, a ARES-PCJ, utilizando seu poder normativo36, editou a Resolução nº 01, de 21 de novembro de 2011, que dispõe sobre as regras para instalação e funcionamento de tais Conselhos. Para exemplificarmos o funcionamento dos Conselhos de Regulação, citamos alguns artigos da citada Resolução nº 01, que estabelecem: Art. 2º [...] § 1º O Conselho de Regulação e Controle Social deve atuar com autonomia, sem vinculação ou subordinação institucional ao Poder Executivo 36 Com base na teoria dos poderes implícitos (segundo a qual a Constituição Federal, ao atribuir competência para o exercício de determinada atividade, implicitamente outorga os poderes a tanto necessário). Nesse sentido, Alexandre Santos de Aragão destaca a possibilidade de órgãos integrantes da estrutura do Poder Executivo editar regulamentos autônomos, hipótese que não avilta o art. 84, IV, da Constituição porque a competência regulamentar não é exclusiva do Chefe do Poder Executivo, sendo, portanto, deferida por lei a outros órgãos da Administração. As agências reguladoras, assim, exercitam poder regulamentar com o objetivo de traduzir concretamente os conceitos, as finalidades e os parâmetros abstratos contidos na lei (cf. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 382-383).
Municipal e será renovado periodicamente ao final de cada mandato dos seus membros. § 2º Do recebimento do parecer prévio sobre fixação, revisão e reajuste tarifário encaminhado pela ARES-PCJ, o Presidente tem prazo de até 30 (trinta) dias para realizar a reunião ordinária. § 3º A reunião do Conselho será pública e divulgada com antecedência mínima de 10 (dez) dias nos meios oficiais de divulgação do Município. [...] Art. 6º A atuação no Conselho de Regulação e Controle Social é considerada atividade de relevante interesse público, não cabendo qualquer espécie de remuneração ou ajuda de custo. Art. 7º Perderá o mandato o Membro do Conselho que deixar de comparecer sem justificativa a duas reuniões consecutivas. Art. 8º Compete aos membros do Conselho de Regulação e Controle Social: I – comparecer às reuniões ordinárias e extraordinárias do Conselho; II – estudar as matérias distribuídas pelo Presidente; III – emitir parecer circunstanciado em relação aos assuntos de pauta; IV – exercer outras atribuições, por delegação do Conselho.
É possível perceber na prática a aplicação de um conceito cristalizado na lei e de grande anseio da população, já que a agência reguladora credencia a sociedade civil de cada Município à participação na discussão local da prestação dos serviços públicos, com ênfase na avaliação das propostas de fixação, revisão e reajuste das tarifas. Desde a instalação da agência reguladora, foram realizadas aproximadamente 100 (cem) reuniões participativas e sempre com a presença de técnicos e dirigentes do ente regulador para a apresentação de dados técnicos, apoio em dúvidas e informações gerais sobre os serviços de saneamento básico no âmbito do Município.
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A opção expressada na Política Nacional de Saneamento Básico (Lei Federal nº 11.445/2007), mantendo o caráter apenas consultivo ou de assessoramento, fragiliza o poder decisório da participação da sociedade na relação com o Estado e, caso revisto, traria credibilidade e legitimidade para as ações dos entes reguladores, até mesmo porque os Conselhos não são executores de políticas públicas, são os formuladores, os promotores de políticas, defensores de direitos, controladores das ações públicas governamentais e definidores de diretrizes das políticas na perspectiva da garantia dos direitos humanos, sociais e políticos.
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2 CONCLUSÕES Com o presente trabalho, podemos concluir que a regulação da prestação dos serviços públicos é extremamente salutar, notadamente no saneamento básico, que por suas peculiaridades é marcado pelo monopólio de mercado. Sua tarefa primordial é, portanto, buscar uma relação de equilíbrio à qualidade da prestação dos serviços com modicidade de tarifas. Como já destacado, a regulação de mercado é bastante recente no Brasil, porém, ainda mais recente é a regulação dos serviços públicos de saneamento básico, que foi implantada somente em 2007, com a edição da Lei Federal nº 11.445.
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Não podemos deixar de consignar que o novo marco legal para o saneamento foi um notável avanço, principalmente neste setor que sempre foi marcado pela ausência de políticas públicas claras, pela falta de investimentos e por fortes indefinições jurídicas.
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Diante das particularidades do saneamento básico, notadamente pelo disposto no art. 30, inciso V, da Constituição Federal, que atribui à municipalidade a titularidade dos serviços públicos de saneamento básico e, por consequência, a prerrogativa da indicação do ente regulador, temos presenciado uma lenta e gradual criação de entes reguladores. Fator de destaque – e ponto positivo do novo regramento para o saneamento – é a efetiva participação da sociedade civil organizada, por meio de instrumentos de controle social no processo regulatório. O instituto do controle social, altamente prestigiado em inúmeros pontos da Lei Federal nº 11.445/2007 e entendido como a ativa e efetiva participação da sociedade na formulação das políticas públicas, impõe a participação de atores sociais na formulação de política, de planejamento e de avaliação relacionados aos
serviços públicos de saneamento básico (art. 2º, inciso IV); em audiências e consultas públicas sobre minuta de contrato para prestação de serviços públicos de saneamento básico (art. 11, inciso IV); em audiência e/ou consultas públicas para apreciação de propostas de plano de saneamento básico, inclusive dos estudos que os fundamentem (art. 19, inciso V, § 5º); por meio de mecanismos normatizados pela entidade de regulação da prestação dos serviços (art. 23, inciso X); por meio do acesso a informações sobre a regulação ou à fiscalização dos serviços prestados (art. 26). Notadamente em relação às audiências públicas, os benefícios são aparentes e inegáveis; além da participação direta da sociedade, existem as funções pedagógicas de informar e educar a população para uma participação efetiva e reivindicação de seus direitos. Para ilustrar este modelo participativo, foi trazida a experiência da Agência Reguladora dos Serviços de Saneamento das Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí – ARES-PCJ (consórcio público de direito público), que sintetizou o comando legal por meio dos Conselhos de Regulação e Controle Social, que são criados em todos os Municípios, sempre com vistas à discussão dos problemas locais pela população local. A Agência Reguladora ARES-PCJ, com intuito de dar efetividade ao art. 47 da Lei nº 11.445/2007, definiu como tarefas dos membros dos Conselhos de Regulação: (i) a avaliação das propostas de fixação, revisão e reajuste tarifário dos serviços de saneamento básico e a fiscalização da qualidade da prestação dos serviços; e (ii) o encaminhamento de reclamações e denúncias por irregularidades na prestação de serviço. Único ponto que ainda padece de aprimoramentos no âmbito do controle social na Política Nacional de Saneamento Básico (Lei Federal nº 11.445/2007) é a opção pelo caráter apenas
A ampliação da participação dos Conselhos como agentes de deliberação tende a dar credibilidade e legitimidade para as ações dos entes reguladores, até mesmo porque os Conselhos não são executores de políticas públicas, são os formuladores, os promotores de políticas, defensores de direitos, controladores das ações públicas governamentais e definidores de diretrizes das políticas na perspectiva da garantia dos direitos humanos, sociais e políticos. Por fim, o processo de regulação no saneamento básico está em fase inicial e de estruturação. A participação e o controle social são ainda incipientes no saneamento, pois não faz parte da cultura da sociedade civil ter voz e voto ativos na formulação de políticas públicas, o que nos leva à conclusão de que o controle social passa, também, por um momento educativo. A sociedade civil passa a ter poderes de participação por força de lei, mas precisa aprender a manejá-lo.
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consultivo ou de assessoramento de tais Conselhos, o que fragiliza e até mesmo desestimula a participação da sociedade na relação com o Estado, já que acabam por vislumbrar um papel secundário na formulação das políticas públicas e até mesmo como um mero ato protocolar que nunca vai ser ouvido pelos detentores do poder decisório.
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Doutrina
Aspectos Polêmicos da Execução para a Entrega de Coisa – Comentários aos Artigos 621 a 631 do CPC MARCO ANTÔNIO RIBAS PISSURNO
Advogado Associado do Escritório Washington Almeida em São Paulo, Professor de Direito Processual Civil, Especialista em Direito Civil e Direito Processual Civil, Membro da Academia Brasileira de Direito Processual Civil, Ex-Professor da Pós-Graduação Lato Sensu em Direito Processual Civil da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo e Recife, Ex-Assessor de Juiz e de Desembargador no Estado de Mato Grosso do Sul. Organizador e coautor do livro Estudos sobre as Últimas Reformas do Código de Processo Civil (IEJ-MS).
Capítulo II Da Execução para a Entrega de Coisa Seção I Da Entrega de Coisa Certa Obedecendo a um critério de lógica jurídica, o Código de Processo Civil brasileiro de 1973 dispôs, para cada tipo de pretensão in executivis, um correlato meio executório, apto a municiar o Poder Judiciário de instrumento, bastante, em tese, para a implementação do direito aplicado no mundo dos fatos. Daí a clássica divisão
e conexão entre: a) execução por expropriação e execução por quantia certa; b) execução por desapossamento e execução para entrega de coisa; e c) execução por transformação e execução de obrigações de fazer e não fazer1. Convergindo o foco da questão ao tema em epígrafe, urge ressaltar que, valendo-se de tais critérios distintivos, a doutrina etiquetou de específica a execução para a entrega de coisa certa, tendo em vista a sua satisfação pré-dirigida ao próprio objeto delineado no título exequendo, ao contrário da execução por quantia certa, incidente indistintamente sobre todo e qualquer bem do devedor2. Entretanto, o aprofundamento de tais estudos levou à constatação de que nem todas as hipóteses envolvendo adimplemento específico envolviam atos típicos de execução, tal como sucede nas obrigações de fazer ou não fazer infungíveis. Por tal razão, a execução para entrega de coisa certa passou a ser academicamente alocada na categoria mais abrangente da “tutela jurisdicional específica”, definida como “o conjunto de providências tendentes a proporcionar àquele em cujo benefício se estabeleceu a obrigação o exato resultado prático atingível pelo cumprimento espontâneo da obrigação”3. 1 DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução civil: a execução na teoria geral do direito processual civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 112. 2 Idem. 3 YARSHELL, Flávio Luiz. Reflexões em torno da execução para entrega de coisa no Direito brasileiro. In: CRUZ E TUCCI, José Rogério (Coord.). Processo civil: estudos em comemoração aos 20 anos de vigência do Código de processo civil. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 127; BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Temas de direito processual. 2. sér. São Paulo: Saraiva, 1980. p. 31.
Sintetizando os contornos de tal mudança, vale destacar a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, externada no REsp 654.583/BA, 1ª Turma, relatado pelo Sr. Ministro Teori Albino Zavascki e julgado em 14.02.2006 (DJ 06.03.2006, p. 177): 4 Redação primitiva do art. 621: “Quem for condenado a entregar coisa certa será citado para dentro de (10) dias, satisfazer o julgado ou, seguro o juízo (art. 737, II), apresentar embargos”. Redação atual, após o advento da Lei nº 10.444/2002: “O devedor de obrigação de entrega de coisa certa, constante de título executivo extrajudicial, será citado para, dentro de 10 (dez) dias, satisfazer a obrigação ou, seguro o juízo (art. 737, II), apresentar embargos”. 5 “Art. 461-A. Na ação que tenha por objeto a entrega de coisa, o juiz, ao conceder a tutela específica, fixará o prazo para o cumprimento da obrigação.” 6 Em suma, “no regime jurídico atual, a ação de conhecimento para obtenção de cumprimento de dever de entrega de coisa – tenha ele fundamento obrigacional ou real – será uma ação executiva lato sensu e, secundariamente, mandamental [...] O processo do art. 621 e seguintes, por sua vez, é reservado a casos em que aquele que pretende o recebimento da coisa já detém título executivo, independentemente do fundamento obrigacional ou real da pretensão” (WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil: processo de execução. 9. ed. rev., atual. e amp. Coord. Luiz Rodrigues Wambier. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 2, 2007. p. 342).
Voto do Relator, Ministro Teori Zavascki: [...] no atual regime do CPC, em se tratando de obrigações de prestação pessoal (fazer ou não fazer) ou de entrega de coisa, as sentenças correspondentes são, segundo a linguagem da doutrina, “executivas lato sensu”, a significar que o seu cumprimento se operacionaliza como simples fase do próprio processo cognitivo original, nos termos estabelecidos nos arts. 461 e 461-A do CPC, independentemente de ação autônoma de execução. Dispõe, com efeito, o art. 644 do CPC, na redação dada pela Lei nº 10.444/2002, o seguinte: “Art. 644. A sentença relativa a obrigação de fazer ou não fazer cumpre-se de acordo com o art. 461, observando-se, subsidiariamente, o disposto neste Capítulo. [...]”. Resulta desses dispositivos, conforme se disse, que, relativamente ao cumprimento das obrigações pessoais (fazer e não fazer), as sentenças correspondentes têm força executiva própria e imediata, dispensando a propositura de ação de execução autônoma. [...] são incabíveis embargos de devedor como meio de oposição à atividade executória dessa espécie de sentença [...]. Voto-vista do Ministro Luiz Fux, acompanhando o Relator Deveras, é cediço que o art. 461 do CPC estabelece que, nas ações que tenham por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, quando procedente o pedido, o juiz deve conceder a tutela específica da obrigação ou determinar providências que assegurem o resultado prático, sem a necessidade de ação autônoma de execução e, a fortiori, oposição do devedor via embargos à execução. Em tais hipóteses, à míngua de ação executiva autônoma, a defesa por eventuais excessos opera-se dentro da própria relação processual.
Assentadas tais premissas iniciais, passamos a analisar os artigos que compõem essa seção. Art. 621. O devedor de obrigação de entrega de coisa certa, constante de título executivo extrajudicial, será citado para, dentro de 10 (dez) dias, satisfazer a obrigação ou, seguro o juízo (art. 737, II), apresentar embargos.
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O sistema normativo alusivo a essa tutela jurisdicional específica por desapossamento (arts. 621-628), que dantes abrangia apenas as sentenças judiciais contendo tal tipo de condenação4, sofreu profundas alterações após o advento da Lei nº 10.444/2002, a qual culminou por alterar a redação do art. 621, restringindo tal modalidade in executivis aos casos de ação fundada em título executivo extrajudicial, encartando as demais hipóteses de ações de conhecimento envolvendo cumprimento de entrega de coisa no âmbito executivo lato sensu do art. 461-A5 do Codex6.
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Parágrafo único. O juiz, ao despachar a inicial, poderá fixar multa por dia de atraso no cumprimento da obrigação, ficando o respectivo valor sujeito a alteração, caso se revele insuficiente ou excessivo.
Segundo a lição de Pontes de Miranda7, “coisa certa é a coisa individuada [...] os sinais distintivos bastam para a identificação [...] Se a coisa que há de prestar foi indicada com características que em sua totalidade outras coisas têm, é uma dentro do gênero; não é coisa certa [...]”. Em suma, “a obrigação de dar coisa certa é obrigação em que se determinou o objeto a ser prestado e se individuou tal objeto”. No mesmo sentido, Caio Mário8, ensinando que a obrigação de dar coisa certa se caracteriza por gênero, qualidade e quantidade [...] Giorgi ensina ser a determinada, o certum corpus distinto das outras coisas e dos outros indivíduos, e que se diferencia da coisa incerta ou da dívida de gênero, em que falta a menção dos caracteres individuais, restando apenas a determinabilidade pelo gênero e pela quantidade.
Escudada em tais doutrinas a jurisprudência já decidiu, e.g., que:
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– Lastreada a execução em título, tendo por objeto a importância de 2.900 sacas de soja in natura, o procedimento adequado a ser adotado é o da execução para entrega de coisa incerta9;
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– Se o título é representado por genérica quantidade de produto, a execução deve observar o disposto no art. 629, combinado com os arts. 621 e seguintes do CPC10; 7 Comentários ao código de processo civil. Rio de Janeiro: Forense, T. X, 1976. p. 48. 8 Instituições de direito civil – Teoria geral das obrigações. 20. ed. de acordo com o Código Civil de 2002, revista e atualizada por Luiz Roldão de Freitas Gomes. Rio de Janeiro: Forense, v. II, p. 49. 9 TJRS, Apelação Cível nº 598236990, Giruá, 5ª Câmara Cível, Rel. Des. Marco Aurélio dos Santos Caminha, J. 25.03.1999. 10 TJRS, Apelação Cível nº 599403516, Itaqui, 9ª Câmara Cível, Relª Desª Maria Isabel Broggini, J. 17.05.2000.
– Tratando-se de obrigação para entrega de sacas de coisa fungível, a execução deverá atender o preceituado nos arts. 629 e 630 do CPC11;
Vencidos tais prolegômenos, vale alertar que o teor do art. 621 revela contradição sistemática e carece de leitura, conforme as inúmeras alterações emanadas das últimas reformas do CPC. Primeiramente, faz incorreta remissão à necessidade de segurança do juízo para a interposição de embargos do devedor, remetendo ao vetusto art. 737, expressamente revogado pela Lei nº 11.382/2006, cujo bojo trouxe o art. 736, prevendo, atual mente, que “o executado, independentemente de penhora, depósito ou caução, poderá opor-se à execução por meio de embargos” (art. 736). Quanto ao ponto, vale colacionar as observações de Humberto Theodoro Jr.12: A Lei nº 11.382/2006 [...] ao remodelar a sistemática do processo de execução, revogou o art. 737 e modificou a redação do art. 736 para adotar orientação completamente oposta, qual seja, a de que a oposição do executado à execução por meio de embargos dar-se-á “independentemente de penhora, depósito ou caução”. Seguiu-se, destarte, o padrão do direito italiano [...] A segurança do juízo não foi, propriamente, eliminada da disciplina dos embargos à execução. Mudou, porém, de papel. Em lugar de condição de procedibilidade passou a ser requisito do efeito suspensivo, quando pleiteado pelo embargante (art. 739-A, § 1º).
Ademais, o prazo de 10 dias para entregar a coisa não mais coincide com o prazo para interpor embargos, também alterado 11 TJRS, Apelação Cível nº 598467678, Passo Fundo, 13ª Câmara Cível, Relª Desª Laís Rogéria Alves Barbosa, J. 12.08.1999. 12 Os embargos do devedor após as reformas do CPC efetuadas pelas Leis nºs 11.232 e 11.382. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, n. 17, p. 75-76, mar./abr. 2007.
Portanto, os prazos para entrega ou depósito da coisa e para o manejo de embargos do devedor se tornaram autônomos e independentes. Sendo assim, citado para entregar coisa certa, ao devedor será facultado: a) Entregar o bem no prazo de 10 dias, reconhecendo juridicamente o pedido executivo, gerando a extinção do feito; b) Depositar a coisa no prazo de 10 dias (ato que não importa reconhecimento jurídico do pedido), a fim de paralisar os riscos da imposição de astreinte e ressalvar um eventual direito de retenção, tirando embargos do executado no prazo de 15 dias; c) Embargar a execução no prazo de 15 dias, sem depositar a coisa em juízo no decêndio legal, sujeitando-se aos riscos da demanda. Diz o parágrafo único que o juiz, ao despachar a inicial, poderá fixar multa por dia de atraso no cumprimento da obrigação, ficando o respectivo valor sujeito à alteração, caso se revele insuficiente ou excessivo. Os Tribunais têm decidido, de forma correta, que tal multa por dia de atraso prevista no parágrafo único do art. 621 do CPC traduz faculdade de imposição ex officio de astreinte, com incidência no caso em que não houve entrega do bem prometido em tempo hábil13. Também sedimentaram que a 13 TJRS, Apelação Cível nº 70017023581, 17ª Câmara Cível, Relª Elaine Harzheim Macedo, J. 26.10.2006.
imposição de multa-diária prescinde de investigação anímica sobre a má-fé do devedor (requisito inexistente na norma) e se sujeita a mutável calibragem do juízo quando o quantum fixado mostrar-se diminuto ou excessivo, podendo ser reduzido ou aumentado para um valor que se mostre condizente com a razoabilidade e proporcionalidade inerentes às especificidades do litígio14. Quanto à cobrança da multa quiçá creditada em favor do exequente, concordamos com Gledson Marques de Campos quando propõe que, diante do desaparecimento da ação de execução autônoma fundada em título judicial em nosso sistema, o passivo decorrente astreinte deverá ser implementado “nos termos dos arts. 475-I e seguintes do CPC, inclusive com a possibilidade de impugnação por parte do executado (CPC, art. 475-J, § 1º), sendo processada em autos apartados, apenas para não haver dificuldade com o trâmite da execução específica”15. Art. 622. O devedor poderá depositar a coisa, em vez de entregá-la, quando quiser opor embargos.
Seguindo a sorte do art. 621, caput, o preceito em comento se tornou letra morta por força da Lei nº 11.382/2006, conforme razões já alhures externadas. Destarte, o depósito da coisa, voluntário (art. 622) ou compulsório (art. 625), já não é condicionante da defesa do devedor mediante embargos, significando o primeiro tão somente uma conduta proativa de garantia contra os riscos do descumpri14 TJMS, Agravo nº 2006.006787-1/0000-00, Caarapó, 3ª Turma Cível, Rel. Des. Paulo Alfeu Puccinelli, J. 29.05.2006. 15 Ação autônoma de execução para a entrega de coisa (artigos 621 a 631 do CPC). In: CIANCI, Mirna; QUARTIERI, Rita de Cássia Rocha Conte (Coord.). Temas atuais da execução civil: estudos em homenagem ao Professor Donaldo Armelin. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 264.
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pela Lei nº 11.382/2006 para o lapso de 15 dias, contados da data da juntada dos autos do mandado de citação (art. 738).
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mento e de salvaguarda a eventual direito de retenção em relação a benfeitorias e acessões edificadas no objeto da pretensão executiva. Art. 623. Depositada a coisa, o exeqüente não poderá levantá-la antes do julgamento dos embargos.
A redação original deste artigo emana da Lei nº 8.953/1994, publicada na época em que o ajuizamento dos embargos sempre produzia efeito suspensivo na execução e o levantamento da coisa se condicionava ao futuro julgamento de improcedência da ação incidental de defesa do devedor.
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No procedimento contemporâneo (Lei nº 11.382/2006), a generalidade do efeito suspensivo nos embargos cedeu lugar à excepcionalidade da paralisação, doravante subordinada à prova do cumprimento de todas as exigências do art. 739-A, § 1º, do CPC, quais sejam: o requerimento expresso e fundamentado do embargante demonstrando a relevância dos fundamentos defendidos nos embargos; o risco manifesto do prosseguimento da execução ante a eclosão de grave dano de difícil ou incerta reparação; e a prévia garantia da execução por penhora, depósito ou caução suficientes.
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Desta forma parece não mais subsistir a necessidade de aguardar o julgamento dos embargos para somente após viabilizar o levantamento da coisa pelo exequente, merecendo prestígio o entendimento de que “o art. 623 somente se aplica no caso de embargos ou de impugnação suspensiva da execução. Em tal hipótese, após o juízo de improcedência dos embargos, o exeqüente poderá levantar a coisa, pois a execução prosseguirá, embora provisoriamente (art. 587, segunda parte)”16. 16 ASSIS, Araken de. Manual do processo de execução. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 514-515.
Art. 624. Se o executado entregar a coisa, lavrar-se-á o respectivo termo e dar-se-á por finda a execução, salvo se esta tiver de prosseguir para o pagamento de frutos ou ressarcimento de prejuízos.
A entrega da coisa pelo devedor no decêndio legal importa em reconhecimento jurídico que desaguará na lavratura do termo e, pagas as despesas do processo17, no subsequente fim da execução (art. 794, I), ressalvada a hipótese de pendência do pagamento de frutos ou ressarcimento de prejuízos. Art. 625. Não sendo a coisa entregue ou depositada, nem admitidos embargos suspensivos da execução, expedir-se-á, em favor do credor, mandado de imissão na posse ou de busca e apreensão, conforme se tratar de imóvel ou de móvel.
O preceito em comento é autoexplicativo e regra os desdobramentos da inação do executado: a ausência de entrega ou depósito da coisa, bem como o não requerimento ou o indeferimento de efeito suspensivo nos embargos defensivos (art. 739-A, § 1º), provocará a expedição de mandado de imissão na posse (imóveis) ou de busca e apreensão (móveis ou semoventes18) em favor do credor. Art. 626. Alienada a coisa quando já litigiosa, expedir-se-á mandado contra o terceiro adquirente, que somente será ouvido depois de depositá-la.
O terceiro adquirente sofrerá as consequências do mandado de imissão ou de busca e apreensão quando, por força da aquisição 17 Como alerta Araken de Assis, “depois da entrega, a execução não se extinguirá obrigatoriamente, segundo assevera por equívoco o art. 624, mesmo no caso de inexistirem frutos e dano indenizáveis. Existe a pendência das despesas do processo” (idem, p. 511). 18 “Em consonância com a sistemática processual civil, na execução para entrega de coisa incerta, o devedor será citado para a entrega ou o depósito do bem, caso contrário, será procedida a busca e apreensão, tratando-se in casu de semoventes (art. 625 do CPC).” (TJGO, Agravo de Instrumento nº 13940-0/180, Mineiros, 1ª Câmara Cível, Rel. Des. Arivaldo da Silva Chaves, J. 28.04.1998, DJ 02.06.1998, p. 12)
Defendendo a corrente minoritária e reputando o terceiro adquirente como parte legítima para tirar embargos à execução, observa Araken de Assis que, ante a supressão do art. 737 e a sobrevinda do art. 736, desatrelou-se a defesa executiva do prévio depósito do bem em litígio, surgindo, para aqueles que advogam tal tese, um evidente conflito interpretativo com o art. 626 em comento, o qual se resolveria da seguinte maneira: Em razão da revogação do art. 737, II, pela Lei nº 11.382/2006, há dois termos de alternativa para o art. 626: ou considera-se a regra revogada, implicitamente, pelo art. 736, caput, que dispensa o depósito para embargar; ou entende-se que o legislador, nas particularidades do caso, optou por manter o requisito. Parece preferível a primeira solução. O art. 626 foi “esquecido” pelo legislador da reforma, sempre desatento aos reflexos de suas reformas parciais no conjunto do CPC. Por outro lado, o depósito “suficiente” subsiste como exigência para a concessão do efeito suspensivo (art. 739-A, § 1º, parte final). Art. 627. O credor tem direito a receber, além de perdas e danos, o valor da coisa, quando esta não lhe for entregue, se deteriorou, não for encontrada ou não for reclamada do poder de terceiro adquirente. § 1o Não constando do título o valor da coisa, ou sendo impossível a sua avaliação, o exeqüente far-lhe-á a estimativa, sujeitando-se ao arbitramento judicial. § 2o Serão apurados em liquidação o valor da coisa e os prejuízos. 19 WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI, Eduardo. Ob. cit., p. 344.
Na execução para a entrega de coisa certa, o credor não é obrigado a exaurir todos os meios e formas para encontrar a res devida ou buscá-la nas mãos de quem quer que a possua. Presente a deterioração, ausente a entrega ou o depósito, ou desconhecido o paradeiro do objeto perseguido20 e ponderadas as dificuldades e os dispêndios de uma tutela jurisdicional específica, será dado ao exequente formular liquidação incidental com a conversão da execução de desapossamento para quantia certa, a fim de obter o equivalente pelo metro da pecúnia, tanto em relação ao valor da coisa quanto às perdas e aos danos porventura existentes no caso concreto21. Dispondo o título o valor expresso da coisa, poderá o credor requerer a imediata liquidação das perdas e dos danos. Não constando do título o valor da coisa, ou sendo impossível a sua avaliação, o exequente apresentará a sua estimativa, sujeitando-se ao arbitramento judicial. Com acerto a jurisprudência já esclareceu que a petição que dá início ao procedimento de apuração em execução para entrega de coisa inexitosa (CPC, art. 627) não se submete aos rigores dos arts. 282 e 283 do CPC, bastando que a parte credora indique expressamente o modo de liquidação e aponte os elementos a serem levados em consideração para fins de arbitramento, propiciando, ainda, 20 “Em execução para entrega de coisa (certa ou incerta), não sendo ela entregue pelo devedor, por qualquer motivo, é possível a conversão em execução por quantia certa, estimado o valor pelo credor (art. 627 do CPC).” (TAPR, Apelação Cível nº 129442200, Ac. 11007, Assis Chateaubriand, 4ª Câmara Cível, Rel. Juiz Ruy Cunha Sobrinho, J. 31.03.1999, DJ 23.04.1999) 21 Em sentido contrário, defendendo, com base nas lições de Carreira Alvim, a impossibilidade da imediata opção do credor pela conversão da obrigação em genérica, posiciona-se Gledson Campos, alertando, todavia, ser majoritária a posição defendida no texto, citando os ensinamentos de Araken de Assis, Daniel Neves, Calmon de Passos, Cândido Dinamarco, Nery Jr. e Rosa Maria Nery (Ob. cit., p. 270-271).
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consumada depois de instaurada a lide, tiver em seu poder o objeto da entrega almejada, restando presumida a sua incursão em fraude à execução (art. 593, I). Intimado para os fins do art. 626, de duas uma: ou entrega a coisa e se livra da demanda ou se insurge mediante embargos de terceiro, pois, segundo a doutrina majoritária, trata-se de mero responsável que “não se torna parte apenas em virtude de os mecanismos executivos investirem contra bem que está em seu poder”19.
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ampla defesa à parte devedora, cumprindo, assim, o objetivo almejado com a garantia do devido processo legal.22
Diante da omissão, torna-se imprescindível a prévia liquidação incidental, porquanto somente depois de concretizado o processo seguirão os trâmites da execução por quantia certa (procedimento expropriatório), nos termos do art. 652 et seq.23 Nesse passo, ainda inerente à espécie, a respeitável manifestação do STJ24:
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O objetivo específico da execução para entrega da coisa é a obtenção do bem que se encontra no patrimônio do devedor (ou de terceiro). Caso não mais seja encontrado o bem, ou no caso de destruição ou alienação, poderá o credor optar pela entrega de quantia em dinheiro equivalente ao valor da coisa e postular a transformação da execução de coisa certa em execução por quantia certa, na linha do art. 627 do CPC. Indispensável, nessa hipótese, contudo, a prévia apuração do quantum, por estimativa do credor ou por arbitramento. Sem essa liquidação, fica inviável a conversão automática da execução para entrega da coisa em execução por quantia certa, mormente pelo fato que a execução carecerá de pressuposto específico, a saber, a liquidez.25
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22 TJMS, Apelação Cível – Execução nº 2006.011176-5/0000-00, Miranda, 3ª Turma Cível, Rel. Des. Oswaldo Rodrigues de Melo, J. 09.10.2006. 23 ASSIS, Araken de. Ob. cit., p. 512. 24 REsp 327650/MS, 2001/0057043-8, 4ª Turma, Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira (1088), J. 26.08.2003, DJ 06.10.2003, p. 273. 25 No mesmo sentido: “AÇÃO PARA ENTREGA DE COISA INCERTA – CONVERSÃO – EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA – APURAÇÃO DO QUANTUM POR MEIO DE ESTIMATIVA DO CREDOR – Frustrada a execução de entrega de coisa incerta poderá o credor optar pela entrega de quantia em dinheiro equivalente ao valor da coisa, conforme o art. 627, do CPC, sendo indispensável, nessa hipótese, a prévia apuração do quantum, a qual pode ser feita por estimativa do credor, podendo o devedor, pela via de embargos, contrapor-se aos cálculos apresentados pelo exeqüente” (TJMS, Apelação Cível – Execução nº 2005.0140756/0000-00, Rio Brilhante, 4ª Turma Cível, Rel. Des. Elpídio Helvécio Chaves Martins, J. 12.09.2006).
Para melhor sedimentação, vale exemplificar tal procedimento, mediante a descrição de um caso concreto muito comum nos foros da Região Centro-Oeste: 1) “A” ajuíza execução para entrega de coisa certa em face de “B”, tendo por objeto um contrato de parceria pecuária prevendo a entrega de 200 vacas individuadas, dotadas de propriedades e marcas muito específicas, dispostas nos termos da avença; 2) Conclusos os autos, haverá despacho: “Cite-se o executado para que em 10 (dez) dias satisfaça a execução ou deposite a coisa resguardando os riscos da demanda, podendo, sem necessidade de prévia segurança, interpor embargos do devedor no prazo de 15 (quinze) dias (art. 738)”; 3) Diante da inércia do devedor, se expedirá mandado de busca e apreensão das reses: “Expeça-se mandado de busca e apreensão dos semoventes, com as especificações constantes na exordial”; 4) Caso o mandado seja infrutífero em razão de ter sido certificada a inexistência das vacas na propriedade do executado, caberá ao exequente atravessar petição requerendo a liquidação incidental do objeto do contrato para quantia certa; 5) Recebendo a súplica, o juiz poderá valer-se da nomeação de perito para o mister, facultando a elaboração de quesitos prévios; 6) Vindos os esclarecimentos, o magistrado proferirá interlocutória, liquidando o valor exequendo26, decisão que desafiará agravo de instrumento; 26 Em casos tais, se tem assentado que a conversão de rendas vencidas para quantia certa deve ser realizada com base nos valores informados pela
Outro debate intrigante é aquele pertinente aos limites da preclusão para a investigação de matérias de ordem pública após a conversão do rito. Com certa vantagem, tem prevalecido a corrente admitindo a futura discussão de objeções não suscitadas no contraditório da liquidação incidental, desde que o devedor não tenha tirado embargos, nos termos do art. 621, in fine27; porquanto em matéria inatacada não incidem os efeitos da coisa julgada. Quanto à coexistência da liquidação do valor da coisa devida com o valor das perdas e dos danos nos próprios autos da conversão, registra Paulo Henrique Lucon28 que a conveniência do juízo diante das particularidades da lide ditará a necessidade de arbitramento conjunto, ou seja, “a liquidação relativa à quantificação do bem pode ser feita conjuntamente ou não com o arbitramento das perdas e danos; competirá ao juiz verificar a conveniência para o regular e rápido desenvolvimento do processo de se proceder à fixação conjunta”. Entrementes, tem sido comum os Tribunais orientarem que, frustrada a entrega de coisa fundada em título executivo extrajudicial, a apuração do equivalente pecuniário e das perdas e danos pode e deve ser feita simultaneamente, visando a agilizar a oferta de tutela jurisdicional29. pauta do gado fornecida pela Secretaria de Fazenda do Estado, afastada a exigência de elaboração prévia de laudo pericial para avaliação dos semoventes (TJMS, AI 2002011699-8, Rel. Des. Josué de Oliveira, 20.05.2003). 27 TJMS, Apelação Cível – Execução nº 2006002686-8/0000-00, Dourados, Rel. Des. Rubens Bossay. 28 MARCATO, Antonio Carlos (Coord.). Código de processo civil interpretado. São Paulo: Atlas, 2004. p. 1863, nota 2 ao artigo 627. 29 TJMS, Apelação Cível – Execução nº 1000.073021-2/0000-00, Bela Vista, 3ª Turma Cível, Rel. Des. Oswaldo Rodrigues de Melo, 29.11.2002.
Art. 628. Havendo benfeitorias indenizáveis feitas na coisa pelo devedor ou por terceiros, de cujo poder ela houver sido tirada, a liquidação prévia é obrigatória. Se houver saldo em favor do devedor, o credor o depositará ao requerer a entrega da coisa; se houver saldo em favor do credor, este poderá cobrá-lo nos autos do mesmo processo.
O preceito tem exclusiva aplicação às execuções baseadas em títulos extrajudiciais. Nesse norte, explicitou a Lei nº 11.382/2006, ao revogar o anterior art. 744 e fazer constar no novo inciso V do art. 745 a possibilidade de arguição da retenção por benfeitorias necessárias ou úteis, nos casos de título para a entrega de coisa certa, remetendo o exegeta ao art. 62130. Por conseguinte, a leitura do artigo deverá ser contextualizada com todas as modificações advindas das mais recentes reformas do CPC. De acordo com o art. 96 do Código Civil em vigor, as benfeitorias podem ser voluptuárias, úteis ou necessárias. O mesmo preceito dispõe em seus parágrafos que: são voluptuárias as de mero deleite ou recreio, que não aumentam o uso habitual do bem, ainda que o tornem mais agradável ou sejam de elevado valor (§ 1º); são úteis as que aumentam ou facilitam o uso do bem (§ 2º); e são necessárias as que têm por fim conservar o bem ou evitar que se deteriore (§ 3º). Como alerta Sílvio Venosa31, as conseqüências da classificação em torno de uma das três categorias são grandes, pois o possuidor de boa-fé tem direito à indenização pelas benfeitorias necessárias e úteis, podendo levantar as voluptuárias, se não lhe forem pagas e permitir a coisa, sem que haja prejuízo. Poderá, ainda, o possuidor de boa-fé, pelas benfeitorias úteis e necessárias, exercer direito de retenção. Já o possuído de má-fé não terá tal direito de retenção, devendo apenas ser ressarcido 30 ASSIS, Araken de. Ob. cit., p. 507. 31 Direito civil: parte geral. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 337.
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7) Esgotadas as vias recursais sem reforma da decisão, se iniciará o procedimento de execução por quantia certa.
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pelo valor das benfeitorias necessárias (arts. 1.219 e 1.220; antigo, arts. 516 e 517).
Araken de Assis32 propõe uma interpretação ampla do termo “benfeitorias”, para que sejam abrangidas também as acessões, em relação as quais possa haver direito de retenção (art. 1.255 et seq. do CCB). Nada obstante respeitáveis posicionamentos em contrário 33, a doutrina majoritária e a jurisprudência fixaram o entendimento de que as benfeitorias e acessões têm conceitos análogos, confundindo-se na sua terminologia, reconhecendo-se a ambas o direito de indenização e de retenção34. As construções e plantações são reputadas melhoramento ou acréscimo na propriedade, sendo equiparadas, em casos tais, a benfeitorias, ex vi do art. 242 do Código Civil35.
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A princípio, prevista contratual ou legalmente a indenização por benfeitorias pelo executado ou terceiros, a liquidação prévia é condição para se apurar o quantum indenizatório, ainda que a dúvida incida apenas sobre determinada parcela do bem.
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Dependendo das particularidades da causa, a apuração ensejará liquidação por arbitramento, na qual “o árbitro nada mais é do que um perito, pessoa de conhecimento técnico ou científico indispensável à apuração do valor da obrigação cuja existência está certificada [...] Seu papel não é o de julgar, 32 ASSIS, Araken de. Ob. cit., p. 508. 33 VENOSA, Sílvio. Ob. cit., p. 338. 34 TAMG, Apelação (Cv) Cível nº 0296362-0, Juiz de Fora, 1ª Câmara Cível, Rel. Juiz Gouvêa Rios, J. 22.02.2000, unânime. 35 Cf. SANTOS, Ernani Fidélis dos. Execução por título extrajudicial das obrigações de entrega de coisa e das obrigações de fazer e não fazer, de acordo com a Lei nº 11.383/2006. In: SANTOS, Ernani Fidélis dos (Coord.) et al. Execução civil: estudos em homenagem ao Professor Humberto Theodoro Júnior. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 766.
mas, simplesmente, o de dar, à luz dos seus conhecimentos especiais uma definição a respeito do valor devido”36; ou liquidação por artigos, definida como aquela útil à determinação do valor da condenação, “quando houver necessidade de alegar e provar fato novo, não se visando a rediscussão de matéria já decidida na lide, mas, tão-somente, a apreciação de fatos que interfiram na fixação do valor da condenação ou na individuação do seu objeto, apresentados na forma de artigos pelo credor”37. Nesse sentido, já considerando as últimas mudanças do Codex, professa Costa Machado38 que a “liquidação prévia” de que cogita o dispositivo sob análise corresponde quer à “liquidação por arbitramento” (arts. 475-C e 475-D), quer à “liquidação por artigos” (arts. 475-E e 475-F), mas sempre desvinculada do fenômeno “sentença” [...] a partir de agora, também com base em título extrajudicial, é possível isntaurar processo liquidatório, servindo como argumento, além deste art. 628, o art. 633, parágrafo único, o art. 638, parágrafo único, e o inciso I do art. 475-C (que fala de convenção das partes).
Decidido o procedimento de liquidação, havendo saldo em favor do devedor, o credor o depositará ao requerer a entrega da coisa; o eventual saldo em favor do credor poderá ser cobrado nos mesmos autos. Entretanto, obtempera Ernane Fidélis dos Santos que, com a nova sistemática da execução de título extrajudicial para o cumprimento das obrigações de entrega de coisa, 36 STJ, REsp 693.475/RJ, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, J. 13.09.2005, DJ 26.09.2005, p. 229. 37 TJMG, Apelação Cível nº 400.843-3, Conselheiro Lafaiete, Rel. Des. Armando Freire, 04.09.2003. 38 Código de processo civil interpretado: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. 6. ed. rev. e atual. Barueri/SP: Manole, 2007. p. 814.
Realmente, na prática o credor poderá ajuizar execução sem a liquidação prévia, sujeitando-se, todavia, a sofrer as intempéries de possíveis embargos invocando a retenção. Inexistente a liquidação prévia, o executado, citado, poderá depositar a coisa (ato volitivo que não traduz reconhecimento jurídico do pedido), conjurando os riscos sem renunciar ao direito de retenção40. Como já observado, o momento próprio para o devedor opor direito de retenção em relação às benfeitorias, estreme de anterior depósito, é o da interposição dos embargos do devedor, ex vi do novo art. 745, IV, porquanto revogado restou o art. 744. Interposta a defesa in executivis, o credor poderá: a) depositar incondicionalmente em juízo o valor das benfeitorias, a fim de levantar a coisa e gerar a extinção do feito; b) pugnar pela imissão na posse, mediante caução ou depósito do valor das benfeitorias ou da compensação (art. 745, § 2º). Procedentes os embargos, mediante sentença passada em julgado, a coisa reverte para o devedor; reputados improcedentes, ao credor será entregue a coisa, a não ser que os embargos tenham sido blindados pelo efeito suspensivo do art. 739-A, § 1º41. 39 SANTOS, Ernani Fidélis dos. Ob. cit., p. 765. 40 ASSIS, Araken de. Ob. cit., p. 509. 41 SANTOS, Ernani Fidélis dos. Ob. cit., p. 767.
Seção II Da Entrega de Coisa Incerta A presente seção dispondo sobre a execução por entrega de coisa incerta difere da anterior na medida em que exige o enfrentamento de um incidente de individualização. Consumado este, o rito correrá nos termos da Seção I. Art. 629. Quando a execução recair sobre coisas determinadas pelo gênero e quantidade, o devedor será citado para entregá-las indivi dualizadas, se lhe couber a escolha; mas se essa couber ao credor, este a indicará na petição inicial.
Segundo o art. 243 do CCB, a coisa incerta será indicada, ao menos, pelo gênero e pela quantidade. Na execução que recai em tal objeto, a citação será dirigida àquele que couber a escolha (geralmente o devedor), para fazê-la no prazo de 10 dias, a fim de se individualizar o direito, agregando-lhe os atributos da certeza e da liquidez42. A indicação pelo credor deve ser feita de forma concreta e individualizada, e não apenas de modo abstrato e indeterminado, sob pena de desacolhimento, por inadequação às determinações do art. 629, segunda parte, do CPC43. A inércia do devedor reverte o poder de opção para o credor (art. 571, § 1º, por analogia). Na omissão total do exequente, deverá o mesmo ser intimado pessoalmente para impulsionar o curso do processo, sujeitando-se a extinção terminativa caso assim não proceda (art. 267, III)44. 42 LUCON, Paulo Henrique. Ob. cit., p. 1867. 43 TAMG, Apelação (Cv) Cível nº 0278774-2, Passa-Quatro, 7ª Câmara Cível, Rel. Juiz Fernando Bráulio, J. 26.05.1999, unânime. 44 ASSIS, Araken de. Ob. cit., p. 517.
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o art. 628, ao exigir a prévia liquidação, condiciona-a, na verdade, à interposição dos embargos respectivos. Ou seja, se houver benfeitorias indenizáveis, ainda que previstas no título, a execução pode ser instaurada, competindo ao executado a interposição dos embargos de retenção, contanto que cabíveis em razão da espécie de benfeitoria.39
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Já se decidiu que eventual equívoco alusivo à troca do rito da entrega de coisa incerta, mediante impulsão do processo como se de coisa certa tratasse, não ensejará a nulidade do processo se o executado detentor do poder de eleição deixar de alegar invalidade, efetuando a escolha já na primeira oportunidade em que se manifestar nos autos45. Data vênia, aderimos ao posicionamento que defende a imperatividade de se obedecer as formalidades da citação para o exercício de opção, sob pena de anulação do processo, restando presumido o prejuízo com a omissão da faculdade no respectivo mandado46. Art. 630. Qualquer das partes poderá, em 48 (quarenta e oito) horas, impugnar a escolha feita pela outra, e o juiz decidirá de plano, ou, se necessário, ouvindo perito de sua nomeação.
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Consumada a escolha por um dos contendores, abrir-se-á a faculdade de um contraditório incidental para a parte contrária, que, intimada, poderá impugnar a escolha feita pela outra no prazo de 48 (quarenta e oito) horas.
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Tal impugnação, quando utilizada, paralisa o feito, sendo dotada de cognição de parcial profundidade, cingida à obediência dos critérios de escolha previstos na lei material. Bem por isso merece ser indeferida de plano a insurgência feita a esmo, ventilando questões totalmente alheias e estranhas à regularidade do ato47, próprias dos domínios dos embargos do devedor. Exaurido o lapso sem manifestação, o processo tomará curso. 45 TARS, Agravo de Instrumento nº 198101453, Santo Ângelo, 14ª Câmara Cível, Rel. Henrique Osvaldo Poeta Roenick, J. 03.09.1998. 46 TJMS, Agravo nº 2006.014411-1/0000-00, Cassilândia, 4ª Turma Cível, Rel. Des. Paschoal Carmello Leandro, 21.11.2006. 47 TAPR, Agravo de Instrumento nº 0184592-5, Ac. 12804, Peabiru, 5ª Câmara Cível, Rel. Juiz Edson Vidal Pinto, J. 14.11.2001, DJ 30.11.2001.
Art. 631. Aplicar-se-á à execução para entrega de coisa incerta o estatuído na seção anterior.
As regras correlatas à execução para entrega de coisa certa (arts. 621-628) guardam, naquilo que não destoarem, caráter de cunho geral perante essa segunda seção (arts. 629-631)48. Com base em tal regra, já se decidiu pelo cabimento da imposição de astreintes nos casos de execução para entrega de coisa incerta, aplicando-se a espécie o art. 621, considerando que a redação do art. 631 não faz nenhuma discriminação quanto à utilização de tal meio de coerção49.
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Doutrina
A Desconsideração da Personalidade Jurídica na Execução Fiscal IVES GANDRA DA SILVA MARTINS
Professor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIP, UNIFIEO, UNIFMU, do CIEE/O ESTADO DE SÃO PAULO, das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército – ECEME, Superior de Guerra – ESG e da Magistratura do Tribunal Regional Federal – 1ª Região, Professor Honorário das Universidades Austral (Argentina), San Martin de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia), Doutor Honoris Causa das Universidades de Craiova (Romênia) e da PUC-Paraná, Catedrático da Universidade do Minho (Portugal), Presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomércio/ SP, Fundador e Presidente Honorário do Centro de Extensão Universitária – CEUEscola de Direito/Instituto Internacional de Ciências Sociais – IICS.
Tem sido cada vez mais constante o redirecionamento da execução fiscal, inicialmente proposta apenas contra a pessoa jurídica, para atingir o patrimônio dos sócios. Também diante de “grupos econômicos”, cada vez mais a Administração Fazendária tem redirecionado a cobrança do crédito tributário para as pessoas jurídicas que os integram, mesmo sem que estas tenham participado do fato gerador. A análise do tema, portanto, faz-se indispensável, haja vista que tal procedimento gera flagrante afronta aos princípios da estrita legalidade, tipicidade fechada e reserva absoluta da lei fiscal. Assim, no presente artigo, inicialmente, analisamos os contornos da responsabilidade, sob a ótica dos arts. 124, I, 128, 134 e 135 do CTN, para, posteriormente, abordar a questão da desconsideração
na seara tributária, distinguindo-a do disposto no parágrafo único do art. 116 do CTN. Senão vejamos.
DA RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA Estão os dispositivos que cuidam da responsabilidade tributária assim redigidos: Art. 124. São solidariamente obrigadas: I – as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal; [...] Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação. [...] Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis: I – os pais, pelos tributos devidos por seus filhos menores; II – os tutores e curadores, pelos tributos devidos por seus tutelados ou curatelados; III – os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes; IV – o inventariante, pelos tributos devidos pelo espólio;
ARTIGO 124, I O primeiro deles, ao falar de interesse comum, à evidência, vincula o “interesse” à pessoa beneficiária. A expressão “interesse comum” não pode ser entendida como alusiva a qualquer tipo de interesse, como, por exemplo, o interesse do pai de ver a atividade profissional de seu filho ser bem sucedida. O “interesse” a que se refere é o interesse material e vinculado à operação, isto é, aquele que resulta em benefício pecuniário, gerando obrigações tributárias a serem cumpridas. O mesmo “interesse” sem vinculação ao fato gerador não autoriza qualquer espécie de responsabilidade.
V – o síndico e o comissário, pelos tributos devidos pela massa falida ou pelo concordatário; VI – os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício; VII – os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas.
Ora, essa vinculação só pode decorrer de hipóteses de responsabilidade, como as definidas nos arts. 128, 134 e 135, a seguir comentados.
II – os mandatários, prepostos e empregados;
1) a responsabilidade tributária é aquela definida no capítulo;
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Parágrafo único. O disposto neste artigo só se aplica, em matéria de penalidades, às de caráter moratório.
Os sócios de uma empresa ou as empresas integrantes de um “grupo econômico”, desvinculadas em suas ações, objetivos, atos ou fatos geradores de tributos, não estão sujeitos à solidariedade e, por consequência, ao redirecionamento de dívida tributária ou da execução fiscal. Por isso, faz menção o legislador complementar a interesse comum em situação que “constitua fato gerador da obrigação principal”.
III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.
2) a lei, entretanto, pode estabelecer outros tipos de responsabilidade, não previstos no capítulo, a terceiros.
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Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: I – as pessoas referidas no artigo anterior;
ARTIGO 128 O artigo pretende consubstanciar uma norma geral formalizada em duas ideias básicas, a saber:
O dispositivo começa com a expressão “sem prejuízo do disposto neste Capítulo”, que deve ser entendida como exclusão da possibilidade de a lei determinar alguma forma de responsabilidade conflitante com a determinada no Código. Isso vale dizer que a responsabilidade não prevista pelo capítulo pode ser objeto de lei, não podendo, entretanto, a lei prever nenhuma responsabilidade que entre em choque com os arts. 128 a 1381. A seguir, o artigo diz que “a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa”, determinando, de plano, que esta escolha de um terceiro somente pode ser feita se clara, inequívoca e cristalinamente exposta na lei.
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Uma responsabilidade sugerida, indefinida, pretendidamente encontrada por esforço de interpretação nem sempre juridicamente fundamentado não pode ser aceita, diante da nitidez do dispositivo, que exige deva a determinação ser apresentada “de forma expressa”2.
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1 Muito embora na interpretação da norma jurídica deva utilizar o exegeta os elementos de ciência de que possui e uma certa dose de intuição artística, no caso em concreto, a clareza da intenção legislativa prescinde deste último recurso. Para S. Dabin (La technique de l’elaboration de droit positiv, Bruxelles, 1935, p. 2), “todo o mundo toma conhecimento, sem dúvida, de que a noção da técnica evoca as ideias de especialidade e de profissão, de procedimento e de artifício. Mas o que é necessário saber será em que reside o artifício no Direito. Ora, a este respeito, as opiniões (ou os pontos de vista) estão longe de se comporem”. 2 Embora tenham os casos relacionados com a responsabilidade tributária dos investidores na IOS ocorrido antes do advento do CTN, seguindo o espírito que norteou a sua elaboração, decidiu o STF que esta só incidiria em relação ao imposto não satisfeito, porque expressamente determinado em lei, e não às multas, face à inexistência de norma expressa e impossibilidade de aumento de penalização, a partir do princípio de que “acessorium sequitur principale” (Ac. 23.375, DOU, Seção IV, de 18.08.1972, p. 965, e Ag. 52.323, DJU de 12.04.1971, p. 1267).
Por outro lado, o legislador fala em “crédito tributário”, de tal maneira que a expressão abrange tanto os tributos como as multas, quando assim a lei o determinar. Significa dizer que o crédito tributário, cuja obrigação de pagar for transferida a terceiros, sempre que não limitado, por força do CTN ou de lei promulgada nesses moldes, à exigência apenas de tributos, deve ser entendido por crédito tributário total (tributo e penalidade). Em havendo, todavia, qualquer limitação expressa, a transferência da responsabilidade pela liquidação do crédito só se dará nos limites da determinação legal3. Aliás, a própria vinculação da determinação com a responsabilidade subjacente do contribuinte, “excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação”, está a 3 Decisão do Tribunal de Alçada Civil (RT, 444/201) serve de excelente exemplo à afirmação acima, quando diz: “1. Trata-se de executivo fiscal para a cobrança do ICM, multa por infração ao art. 158, nº II, do Decreto nº 47.763, com a nova redação do Decreto nº 52.103, de 1969, acréscimo de 20% e taxa postal. O MM. Juiz julgou procedente, em parte, a ação, excluindo da condenação a multa punitiva, e recorreu de ofício. A Fazenda, inconformada, interpõe agravo de petição, pedindo a procedência total do executivo. Processado o recurso, com despacho de sustentação, subiram os autos. 2. A decisão merece ser mantida. Consoante restou decidido, a multa punitiva (hipótese dos autos) tem caráter pessoal e, assim, somente poderá ser exigida do infrator autuado. O que será possível cobrar-se do sucessor do contribuinte é, apenas, o tributo que este deixou de pagar (cf. RT, v. 433/192). O art. 133 do Código Tributário Nacional, invocado pela agravante, diz respeito à responsabilidade do sucessor pelos tributos e não pelas multas punitivas do sucedido. 3. Isto posto: Acórdão em Sexta Câmara do Tribunal de Alçada Civil, por votação unânime, negar provimento a ambos os recursos. Custas na forma da lei.
Tomou parte no julgamento o Juiz Nóbrega de Saltes. São Paulo, 6 de junho de 1972 – Carvalho Neves, Pres. com voto – Sabino Neto, Relator”.
Fala a lei, ainda, que a terceira pessoa eleita como responsável deve ser vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação. É evidente que, ao falar “vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação”, pela amplitude da expressão, a norma admitiu os dois tipos de responsabilidade por relação, ou seja, a “transferente” e a “substitutiva”4. Finalmente, deve-se verificar que o verdadeiro contribuinte, podendo ter sua responsabilidade excluída ou ter uma responsabilidade parcial ou total de caráter supletivo, somente perde 4 Gilberto de Ulhôa Canto, em 22.05.1956, em conferência publicada pelo IBDF (Rio de Janeiro, 1958, p. 108), sob o título “Obrigação tributária, seus pressupostos e elementos”, assim distingue a substituição da transferência: “A lei não basta ao surgimento da obrigação tributária. Quando há uma ligação comum dos interessados, ao mesmo fato gerador, então, se verifica a responsabilidade solidária. Mas há outras figuras de transferência. Há, por exemplo, a sucessão, que os senhores sabem perfeitamente de que se trata, e que não é apenas a mortis causa, mas também a inter vivos. O sucessor, de acordo com tais ou quais disposições legais peculiares, assume a responsabilidade que, numa obrigação tributária já criada, competia ao seu antecessor. A substituição é uma outra das modalidades amplas de modificação do sujeito passivo. Ocorre quando a lei elege para sujeito passivo uma pessoa diferente daquela que figura na relação econômica que justificaria e que justificou a incidência. Um exemplo bem típico de substituição é o do imposto de renda cobrado na fonte.
Assim o que incide sobre dividendos de ações ao portador. A lei desconhece totalmente os beneficiários do rendimento. Por motivos de ordem prática, fixa um sujeito passivo que toma o lugar do sujeito passivo lógico, que é o beneficiário do rendimento, e impõe o recolhimento do tributo à parte, que não recebeu o rendimento, mas, pelo contrário o pagou”.
sua função de personagem passiva principal por razões de interesse estatal, vinculado, principalmente, às necessidades de simplificação na arrecadação e fiscalização do tributo”5. O art. 150, § 7º, da Constituição Federal criou tipo de responsabilidade tributária sem fato gerador atual, estando assim redigido: “§ 7º A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido”. Sendo fictícia e não presumida a hipótese de imposição, tenho minhas dúvidas sobre a constitucionalidade do dispositivo, posto que, a meu ver, o art. 128 é explicitador da cláusula pétrea constitucional vinculada ao princípio da legalidade, e este princípio não permitia, até a EC 3/1993, a imposição sem fato gerador, mas o Pretório Excelso pensa diferente.
ARTIGO 134 O problema fundamental que se coloca na análise do referido texto legal é o de saber a extensão da responsabilidade tributária na sua inserção quanto ao capítulo comentado. Fala o legislador que, se o contribuinte não puder cumprir a obrigação principal6, que abrange o tributo e as penalidades 5 No caso do Imposto de Renda na fonte, inclusive se a assunção da responsabilidade de pagamento do tributo é feita pela fonte pagadora, o verdadeiro contribuinte fica exonerado do tributo, à custa de um acréscimo no terceiro sub-rogado nas suas obrigações correspondentes ao tributo devido sobre o tributo não suportado por quem originariamente o deveria suportar. 6 “Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória. § 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente
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mostrar que a atribuição de uma responsabilidade a terceiros para extinguir o crédito tributário pode ser parcial ou total, como pode ser a responsabilidade total, parcial ou nenhuma de quem deveria ser o contribuinte.
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pecuniárias, serão com ele solidariamente responsáveis as pessoas enumeradas a seguir, não mais em relação a toda a obrigação, mas apenas quanto ao tributo. Dessa forma, passou a existir um contribuinte a mais, por força da solidariedade criada, que, juntamente com o devedor originário, passou a dar maior garantia ao crédito fiscal. De notar, todavia, que a eleição de um novo responsável, sem a eliminação do primeiro responsável, decorre, fundamentalmente, de uma incapacidade do sujeito ativo em obter o cumprimento da obrigação principal pelo sujeito passivo original.
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A formulação original do anteprojeto, que previa duas hipóteses, “falta de cumprimento” e “impossibilidade de exigência”, foi reduzida a uma única enunciação, na qual o legislador pretendeu, de forma inequívoca, dar um caráter subjetivo à razão pela qual criara a solidariedade, isto é, impossibilidade de ser atendida a obrigação principal, pelo contribuinte.
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Assim, o legislador, ao critério de estabelecer a solidariedade apenas para os casos de “falta de cumprimento” (formulação objetiva), preferiu prevê-la somente para os casos de impossibilidade de exigência por incapacidade do contribuinte para responder pela totalidade da obrigação por culpa, e não dolo (formulação subjetiva). A aceitação da restrição subjetiva quanto à capacidade de contribuir do devedor originário não representou, todavia, por com o crédito dela decorrente. § 2º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos. § 3º A obrigação acessória, pelo simples fato de sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária.”
parte do legislador, a descrença na sua capacidade total, mas apenas parcial, a ponto de, em vez de criar a figura da transferência da obrigação, mesmo que parcial, como nos casos dos arts. 130, 131, 132 e 133, criar a da solidariedade, com as seguintes implicações: a) apenas dos tributos, para os novos contribuintes; b) dos tributos e penalidades moratórias, para os contribuintes originários, eliminando-se, para estes últimos, a responsabilidade por outras penalidades. A meu ver, a melhor colocação teria sido aquela do projeto, que também para estes últimos teria eliminado as penalidades moratórias. Aliás, a discussão sobre se as penalidades moratórias teriam ou não essa natureza não é ainda pacífica, tendo eu sempre entendido que seriam penalidades, pela própria formulação do direito positivo (parágrafo único do art. 134), que assim as considera7, por manifestação do Tribunal de Justiça de São Paulo8, nesse diapasão. 7 TILBERY, Henry; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Direito tributário, nº 1, Bushatsky, p. 91: “A conclusão iniludível é de que o legislador preferiu adotar para o país o sistema pelo qual o sucessor se responsabiliza apenas PELOS TRIBUTOS DEVIDOS PELO SUCEDIDO, mas continua este respondendo por toda a espécie de penalidades pertinentes (multas, juros, etc.), deles oriundas”. 8 AASP, n. 768, p. 45: “FALÊNCIA – HABILITAÇÃO DE CRÉDITO – PENA PECUNIÁRIA – MULTA PENAL E MORATÓRIA – DISTINÇÃO NÃO MAIS ADMITIDA PELO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL – Aplicação do art. 23, parágrafo único, nº III, do Decreto-Lei nº 7.661, de 1945. O Código Tributário Nacional não mais distingue multa penal e multa moratória. Sendo assim, ambas incidem na proibição do art. 23, parágrafo único, inciso III, do Decreto-Lei nº 7.661, de 1945” (TJSP, AgP 217.482, São Paulo, C.Cív., Rel. Des. Sydney Sanches, J. 12.02.1973, neg. provto., v. u.).
Interpretação original ao dispositivo traz o Professor Aliomar Baleeiro9, segundo o qual a correção monetária tem um caráter moratório, com o que, na verdade, qualquer acréscimo adicional a título de compensação moratória representaria um excesso de indenização, o que, vale dizer, passaria já a ter caráter meramente punitivo.
também, uma “concordata fiscal”. À evidência, o texto deve ser adaptado à nova lei de recuperação judicial.
No mais, o artigo não oferece maiores problemas interpretativos. Todas as figuras mencionadas estão perfeitamente caracterizadas na legislação civil ou comercial.
ARTIGO 135
O mesmo deveria ser lembrado em relação aos comissários, que normalmente não tinham a gerência dos negócios, por continuarem em mãos do concordatário. Sua inclusão, além de esdrúxula, representava um desincentivo à assunção de tais encargos por parte de credores com boas condições de exercê-los. Até porque a concordata comercial quase sempre representa, 9 Direito tributário, cit., p. 433: “Note-se que o CTN não se referiu à correção monetária. Mas ela tem o caráter moratória a que se refere o parágrafo único do art. 134”. 10 BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário, cit. p. 433: “Se, temerariamente, nos atos praticados por elas ou nas omissões que cometerem, tomarem impossível o cumprimento da obrigação principal – o pagamento dos tributos em tempo útil, pagarão solidariamente não só esse tributo, senão também juros da mora e mais a multa de caráter estritamente moratório”.
Inicialmente, deve-se considerar que este dispositivo faz referência à responsabilidade por créditos decorrentes de obrigações tributárias, cuidando, pela primeira vez no Capítulo, de responsabilidade superior àquela limitada apenas aos tributos11. Dentro deste espírito, pode-se compreender a razão pela qual o legislador, ao referir-se, na norma geral do Capítulo, a créditos tributários, cuidou de que estes deveriam ser compreendidos nas delimitações indicadas pelas normas específicas, isto é, tributos, quando tributos, tributos e penalidades, quando tributos e penalidades. Tratando o Capítulo de uma responsabilidade projetada para outras pessoas, que foram assemelhadas aos contribuintes originários para satisfação de exigências fiscais preestabelecidas, os créditos mencionados no Capítulo, de acordo com a importância da responsabilidade agregada ou da intenção governamental incentivadora, seriam cobrados de sucessores e terceiros, apenas quanto a tributos, ou, em maior extensão, nos termos de cada hipótese prevista. Na hipótese do art. 135, os terceiros indicados passariam a ter responsabilidade maior que a das hipóteses anteriores, porque 11 CTN, art. 139: “O crédito tributário decorre da obrigação principal e tem a mesma natureza desta”.
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Deve-se, todavia, estranhar uma modificação quanto aos tipos de atos praticados, já que deveriam, na melhor interpretação, referir-se apenas àqueles que, de alguma forma, tivessem criado uma obrigação tributária, e não a todo ou qualquer ato, que pode o intérprete menos avisado entender aplicável, com o que os mandatários mencionados no dispositivo, no momento em que fossem indicados, passariam a ter uma responsabilidade ilimitada, sempre que tentassem solucionar as situações de infrações preexistentes10.
Finalmente, quanto aos sócios mencionados no item VII, entendemos que respondem solidariamente pelos tributos e também pelas penalidades de caráter moratório.
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abrangendo, além dos tributos, todas as penalidades porventura aplicáveis. Um outro aspecto a analisar, de plano, é se a responsabilidade das pessoas mencionadas no referido artigo, quando agindo em nome de pessoas jurídicas, excluiria a responsabilidade destas. Entendo que sim, embora não seja a opinião dominante. Os textos do anteprojeto e do projeto pretendiam abranger responsabilidade tanto de pessoas jurídicas quanto de pessoas naturais, mas, em relação a pessoas jurídicas, o texto codificado excluiu sua participação do elenco acobertado. Tal restrição, a meu ver, representou a clara demonstração de que a responsabilidade das pessoas físicas seria excludente da responsabilidade das pessoas jurídicas.
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Por outro lado, contrariamente ao dispositivo anterior, em que o legislador fala em responsabilidade solidária, o ora comentado fala apenas – e, a meu ver, de forma incisiva e definitiva – em responsabilidade pessoal12.
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O elemento, todavia, fundamental reside no fato de cuidar o artigo de atos praticados de forma dolosa contra os interesses dos contribuintes representados, com o que houve por bem o legislador considerar responsável não os representados, mas exclusivamente os representantes. Por essa razão, julgou legítima a solidariedade quanto aos atos culposos, porque praticados com imperícia, negligência, imprudência ou mesmo omitidos, e limitou essa responsabilidade (art. 134). As mesmas pessoas, no entanto, praticando atos 12 Quando o dispositivo acima foi debatido com alguns participantes da 1ª edição dos Comentários ao CTN (Ed. Bushatsky) e membros da Comissão, o Dr. Henry Tilbery discordou da tese acima, entendendo que a não menção à solidariedade não a excluiria, por consequência. Foi no debate a única opinião divergente.
lesivos ao Fisco, dolosamente, se procurarem responsabilizar seus representados, tal responsabilização inviabilizar-se-á pela clara formulação legal, fazendo-os pessoalmente responsáveis e excluindo as outras pessoas da relação jurídico-tributária por decorrência criada. De notar que fala a lei em “excesso de poderes” e em “infração à lei, contrato social ou estatutos”, o que vale dizer, à lei emanada dos poderes públicos e aquela válida apenas entre os particulares, por acordo mútuo, como são os estatutos sociais de uma sociedade por ações ou o contrato social de uma sociedade de pessoas. Ora, sempre que os contratos ou estatutos sociais, a saber, os diplomas protetores da vida societária, são violados por quem estaria na obrigação de preservá-los, é evidente que a pessoa jurídica, a que pertencem, está, como o Fisco, na posição de vítima, e não pode de vítima ser transformada em autora. Sob esse aspecto, parece-me sadia a orientação legislativa em tornar, para esses casos: a) pessoal, b) total, e c) exclusiva a responsabilidade das pessoas físicas, enunciadas no referido artigo, sempre que o dolo, a fraude e a má-fé forem os agentes deflagradores das obrigações tributárias13.
DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA Prevista no art. 50 do Código Civil, a desconsideração da personalidade jurídica tem por finalidade estender aos sócios a responsabilidade pelos atos realizados pela sociedade, desde 13 É esta a opinião também de Aliomar Baleeiro (Direito tributário, cit., p. 435): “O caso, diferentemente do anterior, não é apenas de solidariedade, mas de responsabilidade por substituição. As pessoas indicadas no art. 135 passam a ser os responsáveis ao invés do contribuinte”.
que configurado o desvio de finalidade ou a confusão patrimonial. Eis, pois, a dicção do artigo:
matéria pertinente, exclusivamente, aos princípios gerais tratados pelo Código Tributário Nacional.
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
Sendo assim, no momento em que ocorrer a figura da desconsideração no âmbito do direito civil, poderá ter implicações tributárias, uma vez que a lei tributária considerará a nova figura e não a figura anterior. Entretanto, todos os efeitos tributários são aplicados não porque o Direito Tributário foi modificado, mas porque aquela situação de fato passou a ser outra, com base dos conceitos próprios do direito civil.
EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – EXECUÇÃO FISCAL – AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA – ART. 50 DO NOVO CÓDIGO CIVIL – AFERIÇÃO DA PRESENÇA DOS ELEMENTOS AUTORIZADORES DA MEDIDA – REEXAME DE MATÉRIA DE FATO – IMPOSSIBILIDADE – SÚMULA Nº 7/STJ 1. A teoria da desconsideração da personalidade jurídica, medida excepcional prevista no art. 50 do Código Civil de 2002, pressupõe a ocorrência de abusos da sociedade, advindos do desvio de finalidade ou da demonstração de confusão patrimonial. 2. O Tribunal de origem, com base no contexto fático-probatório dos autos, afastou os elementos fáticos autorizadores da medida. Desse modo, infirmar as conclusões a que chegou o acórdão recorrido – investigação acerca da ocorrência de abusos da personificação jurídica advindos do desvio de finalidade ou da demonstração de confusão patrimonial – demandaria a incursão na seara fático-probatória dos autos, tarefa essa soberana às instâncias ordinárias, o que impede o reexame na via especial (Súmula nº 7 deste Superior Tribunal). 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ, AgRg-AREsp: 441231 RJ 2013/0395771-1, 2ª T., Rel. Min. Og Fernandes, Data de Julgamento: 06.02.2014, Data de Publicação: DJe 20.02.2014)
Ressalte-se, entretanto, que o Código Civil não altera em nada o conceito de responsabilidade tributária, visto que se trata de
Trata-se, pois, de uma interpretação coerente com o disposto nos arts. 109 e 110 do CTN, de acordo com os quais não pode o legislador tributário alterar princípios, normas, institutos de direito civil, podendo apenas dar às operações decorrentes de direito privado efeitos tributários14. No que se refere, entretanto, especificamente aos casos de excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto, nos termos do art. 135 do CTN, mais do que desconsideração da personalidade jurídica com base no Código Civil, o que ocorre, em verdade, é a responsabilização daquele que, nos termos com Código Tributário Nacional, agir com dolo. Significa dizer que, independentemente da previsão legal do Código Civil, as pessoas indicadas no art. 135 do CTN respon14 Estão os artigos assim redigidos: “Art. 109. Os princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos efeitos tributários. Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias”.
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Este é, pois, o dispositivo frequentemente utilizado pela jurisprudência para fundamentar o redirecionamento da execução fiscal aos sócios da empresa, conforme segue:
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dem pela obrigação tributária sempre que agirem com excesso de poderes, infração à lei ou ao estatuto, sendo este, pois, na esfera tributária, a maior fundamento para o redirecionamento da execução fiscal. Neste sentido, é possível encontrar decisões a respeito: TRIBUTÁRIO – EXECUÇÃO FISCAL – REDIRECIONAMENTO – RESPONSABILIDADE DO SÓCIO-GERENTE – ART. 135 DO CTN – CDA – PRESUNÇÃO JURIS TANTUM DE LIQUIDEZ E CERTEZA – ÔNUS DA PROVA 1. Depreende-se do art. 135 do CTN que a responsabilidade fiscal dos sócios restringe-se à prática de atos que configurem abuso de poder ou infração de lei, contrato social ou estatutos da sociedade. 2. A Primeira Seção, no julgamento do EREsp 702.232/RS, de relatoria do Ministro Castro Meira, assentou entendimento segundo o qual:
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1) se a execução fiscal foi promovida apenas contra a pessoa jurídica e, posteriormente, foi redirecionada contra sócio-gerente cujo nome não consta da Certidão de Dívida Ativa, cabe ao Fisco comprovar que o sócio agiu com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto, nos termos do art. 135 do CTN;
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2) se a execução fiscal foi promovida contra a pessoa jurídica e o sócio-gerente, cabe a este o ônus probatório de demonstrar que não incorreu em nenhuma das hipóteses previstas no mencionado art. 135; e 3) se a execução foi ajuizada apenas contra a pessoa jurídica, mas o nome do sócio consta da CDA, o ônus da prova também compete ao sócio, em virtude da presunção juris tantum de liquidez e certeza da referida certidão. 3. Na hipótese dos autos, a Certidão de Dívida Ativa incluiu o sócio-gerente como corresponsável tributário, cabendo a ele os ônus de provar a ausência dos requisitos do art. 135 do CTN. Recurso especial provido. (REsp 969.382/PR, 2ª T., Rel. Min. Humberto Martins, Julgado em 01.04.2008, DJe 11.04.2008)
DA NORMA ANTIELISÃO Cumpre ressaltar, ainda, uma distinção: a norma contida no art. 50 do Código Civil não se confunde com o parágrafo único do art. 116 do CTN, que foi introduzido no ordenamento jurídico pátrio por meio da Lei Complementar nº 104, de 10 de janeiro de 2001, dispondo nos seguintes termos: Parágrafo único do art. 116, CTN. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.
Tal disposição ainda carece de regulamentação, não tendo, portanto, eficácia no Direito brasileiro. É preciso destacar, entretanto, que a Medida Provisória nº 66, de 29 de agosto de 2002, sob o escopo de regulamentá-lo, elencava diversas inconstitucionalidades. Tantas foram as críticas que nenhum de seus artigos referentes à elisão fiscal (arts. 13 a 19) foram convertidos em lei. Verifiquemos, entretanto, os arts. 13 e 14, que tinham a seguinte redação: Art. 13. Os atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência de fato gerador de tributo ou a natureza dos elementos constitutivos de obrigação tributária serão desconsiderados, para fins tributários, pela autoridade administrativa competente, observados os procedimentos estabelecidos nos arts. 14 a 19 subseqüentes. Parágrafo único. O disposto neste artigo não inclui atos e negócios jurídicos em que se verificar a ocorrência de dolo, fraude ou simulação. Art. 14. São passíveis de desconsideração os atos ou negócios jurídicos que visem a reduzir o valor de tributo, a evitar ou a postergar o seu pagamento ou a ocultar os verdadeiros aspectos do fato gerador ou a real natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária. § 1º Para a desconsideração de ato ou negócio jurídico dever-se-á levar em conta, entre outras, a ocorrência de:
II – abuso de forma. § 2º Considera-se indicativo de falta de propósito negocial a opção pela forma mais complexa ou mais onerosa, para os envolvidos, entre duas ou mais formas para a prática de determinado ato. § 3º Para o efeito do disposto no inciso II do § 1º, considera-se abuso de forma jurídica a prática de ato ou negócio jurídico indireto que produza o mesmo resultado econômico do ato ou negócio jurídico dissimulado.
Se fossem aprovados e não fossem considerados inconstitucionais, permitiriam que uma operação legítima, do ponto de vista formal, fosse desconsiderada. Ocorre que a falta de propósito negocial para a escolha de uma determinada forma de agir, formalmente correta, objetivando exclusivamente a redução de tributos, continua não ofertando ao Fisco o direito de rejeitar a solução, pois o dispositivo regulador da denominada norma antielisão foi rejeitado pelo Congresso (art. 14 da MP 66/2002)15. Inconcebível que, por exemplo, o Fisco desconsidere um contrato de compra e venda para efeitos de tributários (como se contrato não fosse), mas todos os efeitos civis deste contrato remanesçam, continuando a ser um contrato de compra e venda para fins comerciais. À evidência, se houver fraude, a desconsideração tributária terá que decorrer da lei comum, como na figura da distribuição 15 Desde 21 de março de 2007, entretanto, está em trâmite no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 133/2007, que, muito embora não cometa a patente inconstitucionalidade constante na MP 66/2002, pretende regulamentar o artigo.
disfarçada de lucros. A desconsideração da personalidade jurídica, no direito tributário – ao contrário do que ocorre no direito civil, onde poderia decorrer da lei ou da formação jurisprudencial –, só poderá decorrer de lei. E os casos de distribuição disfarçada de lucros são nitidamente casos de fraude. Assim, não é possível admitir que uma operação própria de direito privado continue sendo válida e venha o Fisco a desconsiderá-la, dizendo que, para o direito tributário, a operação deixou de sê-lo – apesar de continuar a ser legal e legítima para o direito privado que lhe dá o perfil. Tais observações se justificam na medida em que, cada vez com maior frequência, o Fisco tem buscado atingir empresas integrantes de um “grupo econômico”, desvinculadas em suas ações, objetivos, atos ou fatos geradores de tributos, e, ainda assim, promovendo o redirecionamento a dívida tributária. Como visto no início deste artigo, a característica da responsabilidade é a vinculação à operação, e a solidariedade decorre de ter o responsável, de alguma forma, participado do fato gerador. Ora, não ocorrendo esta vinculação, à luz da mera informação da existência de um grupo econômico, empresas sem qualquer vinculação com o fato gerador não podem ser responsabilizadas, pois o art. 124, inciso I, do CTN está subordinado à ocorrência das hipóteses dos arts. 128, 134 e 135. Como se percebe, entretanto, qualquer interpretação que vise a implantar a desconsideração da pessoa jurídica antes da aprovação da lei cujo projeto foi proposto pelo Congresso Nacional é de manifesta ilegalidade, pois fere o parágrafo único do art. 116, que ainda dependente de regulação pelo Congresso Nacional.
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I – falta de propósito negocial; ou
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Doutrina
O Plano Diretor Municipal e o Desenvolvimento Econômico Sustentável: Análise a Partir da Extração de Rochas Ornamentais em Áreas Urbanas MARCUS VINÍCIUS COUTINHO GOMES
Doutorando em Sociologia Política pela Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Mestre em Relações Privadas e Constituição pela Faculdade de Direito de Campos, Pós-Graduado em Direito Ambiental com ênfase em Petróleo pela Universidade Candido Mendes, Professor de Direito Ambiental e Teoria Geral do Processo na Faculdade de Direito de Cachoeiro de Itapemirim/ES.
LINCOLN NEMER SALLES
Graduado em Administração pela Universidade Metodista de São Paulo, Graduando em Direito pela Faculdade de Direito de Cachoeiro de Itapemirim/ES.
ARILSON DE ARRUDA
Graduado como Técnólogo de Informação pela Faculdade Anglo-Americana do Rio de Janeiro, Graduando em Direito pela Faculdade de Direito de Cachoeiro de Itapemirim/ES.
BRUNA VICTÓRIO BINDACO
Graduanda em Direito pela Faculdade de Direito de Cachoeiro de Itapemirim/ES.
RESUMO: O presente artigo objetiva analisar a efetividade da legislação que dispõe sobre o Plano Diretor Municipal no atendimento ou não dos objetivos de desenvolvimento econômico sobre bases sustentáveis. Ele será desenvolvido utilizando metodologia indutiva a partir de estudo de situação específica em município marcado fortemente por economia extrativista mineral. PALAVRAS-CHAVE: Plano Diretor Municipal; mineração; município; desenvolvimento sustentável. ABSTRACT: This article aims to analyze the effectiveness of legislation which provides for the Master Plan in attendance or not the economic development objectives on a sustainable basis. The same will be developed using inductive methodology from study of specific situation in a city strongly marked by mineral extractive economy. KEYWORDS: Director Plan; mining; municipality; sustainable development. SUMÁRIO: Introdução; 1 O município à luz da CF/1988; 1.1 Município de Cachoeiro de Itapemirim; 2 Política urbana; 2.1 Estatuto da Cidade e o PDM; 2.2 Sustentabilidade ambiental, social e econômica como valores da industria do mármore e granito; 3 PDM de Cachoeiro de Itapemirim e a indústria mineral deste município; Considerações finais.
INTRODUÇÃO O presente artigo apresenta um estudo sobre a relação entre o Plano Diretor Municipal (PDM) e o setor de rochas ornamentais utilizando como objeto de exame a cidade de Cachoeiro de Itapemirim. Através de análise desdobrada sobre o PDM, procurou-se considerar pontos relevantes do processo de desenvolvimento deste diploma legal municipal, entre os quais se ressalta a política urbana, a geração de renda, a arrecadação de impostos, a sustentabilidade ambiental e econômica.
1 O MUNICÍPIO À LUZ DA CF/1988 A promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil em 5 de outubro de 1988, em concordância com o período pós-ditadura militar e consequente redemocratização (a partir de 1985), trouxe vários aspectos inovadores, como uma observância mais estreita sobre direitos e garantia fundamentais, participação popular, democracia plena, entre outros. Por essa razão é reconhecida como a Constituição Cidadã. Este diploma normativo elevou ao status de ente federativo o município, criando, assim, novas responsabilidades e competências, como, por exemplo, a possibilidade de legislar sobre assuntos de interesse local e criar e instituir tributos municipais. A importância do município pode ser lida desde o caput do primeiro artigo da Constituição: Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania;
III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
Percebe-se ainda que o parágrafo único menciona que “todo o poder emana do povo”, o que deixa clara a importância da participação popular (direta ou indireta) nas decisões entabuladas pelos entes federativos. O município é o membro mais próximo do cidadão, então é nele que se percebe essa influência participativa de forma mais inflamada. A autonomia dada ao município possibilitou uma descentralização do poder e como consequência um melhor gerenciamento dos problemas locais, facilitando as tomadas de decisão em cada instância de poder, pois, em um país com as dimensões do Brasil, não se pode aceitar um Poder Público engessado e sem flexibilidade. A CF/1988 destinou um capítulo específico para os municípios: trata-se do capítulo IV, dotado de quatro artigos: o art. 29 organiza o município na sua formação política e despesas com a máquina pública; o art. 29-A trata de outras despesas; o art. 30 delimita suas competências legislativas; e, no art. 31, é onde se encontra como será realizada a fiscalização do município. Claras são, portanto, as atribuições municipais. No estado do Espírito Santo – que tem o município de Vitória como capital e outros 78 municípios componentes –, a cidade de Cachoeiro de Itapemirim é a mais importante da região sul, exercendo influência na economia e nas dinâmicas sociais do estado, por motivos que serão elaborados a seguir.
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Para a exata compreensão das linhas seguintes, desde logo faz-se necessário explicar o que se compreende pelo termo “rochas ornamentais”. O mercado conhecido como de mármores e granitos refere-se não somente a essas duas rochas, mas também a materiais como travertino, serpentinito, arenito e outras tantas que podem ser serradas, recortadas e receber algum tipo de acabamento (polimento, flameamento, levigamento etc.) e que ainda possam ser usadas como revestimento ou piso na construção civil.
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1.1 Município de Cachoeiro de Itapemirim A história de Cachoeiro tem seu início em 1812, com o donatário da capitania do Espírito Santo, o Governador Francisco Alberto Rubim da Fonseca e Sá Pereira, conforme consta no site da prefeitura do município, como segue: “Nossa história tem início no ano de 1812, quando o donatário da capitania do Estado, Francisco Alberto Rubim, teve a tarefa de desenvolver o povoa mento em nosso Estado” (Prefeitura Municipal de Cachoeiro de Itapemirim, 2014). Cachoeiro tem um papel de destaque no desenvolvimento do Espírito Santo, sendo a maior economia do sul do estado, como podemos ler nas palavras de Schayder (2002, p. 59):
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De minúsculo povoado ligado à vila de Itapemirim, no início do século XIX, foi elevado à condição de freguesia em 1856. Na sequência, desmembrou-se daquele vilarejo, emancipando-se politicamente, em 1867. Passou a ser o epicentro do sul da província.
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Nos primórdios, o rio Itapemirim era navegável, o que proporcionou desenvolvimento econômico para o município. Mais tarde, a ferrovia reforçou o progresso, possibilitando a ligação direta com Vitória (1910), mas, antes disso, Cachoeiro já estava conectada com a cidade do Rio de Janeiro (1903), basicamente impulsionada pelo mercado cafeeiro, importante fonte de riqueza da época, como podemos ler no trecho extraído do site da prefeitura: “Entretanto, mesmo sendo o ouro a base da economia naquele momento, foi o café o grande responsável pelo crescimento desta região”. Este município desenvolveu-se como importante entreposto para o norte do Rio de Janeiro e oeste de Minas Gerais, porém, com a decadência do café, a pecuária estabeleceu-se, tornando-se, na época, uma importante fonte de progresso da região.
Cachoeiro teve o projeto da primeira linha férrea do estado do Espírito Santo em 1872, mas a construção somente ocorreu anos depois, de acordo com Freitas, Ruegg e Pinheiro (1976, p. 16): Foi iniciativa de Basílio Carvalho Daemon, o brilhante escritor e jornalista, a apresentação à Assembleia Provinçal, de que era deputado, do projeto para a construção da primeira estrada de ferro do Espírito Santo, em Cachoeiro de Itapemirim. O requerimento foi feito a 31 de outubro de 1872. No entanto, quinze anos haveria de transcorrer até a inauguração da primeira linha férrea.
Percebe-se a importância da linha férrea que ligava Cachoeiro de Itapemirim à cidade do Rio de Janeiro, dando vazão aos produtos da nova base econômica do município – como se pode ler neste trecho retirado do site cidades.com.br: Com a descoberta do granito, da calcita e principalmente do mármore, gerou outra preocupação: o escoamento destas tão importantes matérias-primas. Entra aí a história da via férrea, que também foi tão importante para o café quanto para o açúcar na região. (cidades. com.br, 2014)
Ao longo das décadas, a matriz econômica foi tomando forma com a instalação de importantes empresas e a visão de grandes empreendedores que acreditaram no potencial da cidade, dando início às empresas de transporte viário, cimento, cal e minérios. A partir da década de 1980, o setor de rochas ornamentais acelerou seu desenvolvimento no município, ganhando destaque na economia, chegando ao ponto de Cachoeiro ser conhecida como “Capital do Mármore e Granito”. Esse crescimento continuou na década de 1990, sendo estimado que o setor seja responsável por 27.900 empregos diretos e indiretos na região. Acredita-se que Cachoeiro abastece cerca de 80% do mercado brasileiro de mármore. Se, por um lado, o desenvolvimento do setor de rochas ornamentais garantiu ao município de Cachoeiro de Itapemirim
grande crescimento na economia, por outro, a dependência de apenas uma fonte traz consigo um lado perverso de fragilidade na formação da matriz econômica de um município. Como diz o dito popular, colocar todos os ovos na mesma cesta não é a melhor estratégia; o ideal é aplicar a diversificação. A arrecadação tributária de Cachoeiro, no contexto econômico atual, vem sofrendo um constante distanciamento da média nacional per capita; segundo levantamento realizado pelo Datasus e do Ipeadata, em 1999 o município tinha arrecadação muito próximo da média (R$ 79,44 média nacional contra R$ 74,59 município de Cachoeiro), mas, com o passar dos anos, essa distância foi se agravando, chegando, em 2011, aos números apresentados abaixo (R$ 358,52 – média nacional contra R$ 192,30 – município de Cachoeiro):
É indispensável, para se ter um município próspero, uma política pública que propicie condições para o desenvolvimento de suas empresas geradoras de recursos e ofereça atrativos para que novas empresas venham a se instalar em suas regiões, a fim de criar empregos, geração de renda e arrecadação do impostos.
2 POLÍTICA URBANA Assim como o ente municipal foi bem contemplado na CF/1988, a política urbana ganhou sua importância no mesmo diploma legal, e pela primeira vez uma constituição brasileira deu a devida relevância ao tema. Entende-se por política urbana as ações e o planejamento com o objetivo de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes, como pode ser encontrado, de forma expressa, no próprio texto legal, em seu art. 182, caput:
Tabela 1: Receita tributária municipal total per capita.
Claramente é perceptível que o município vem perdendo fontes de geração de renda, uma vez que as empresas que traziam divisas para a cidade não mais impactam na arrecadação dos impostos como antes faziam.
Por meio desse planejamento, a cidade terá condições de se desenvolver, criando ambiente favorável para o surgimento de empregos e melhorias na qualidade de vida da população, garantindo o cuidado com o ambiente a fim de proporcionar desenvolvimento sustentável e duradouro, conforme diz Ferreira (2010): A política urbana envolve transporte público, saneamento, calçamento, empregos, lazer, enfim, tudo aquilo que oferece conforto ao cidadão residente ou que esteja apenas de passagem pela cidade. O planejamento urbano deve integrar todas as políticas setoriais.
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Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.
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Importante destacar que o administrador publico tem garantido sua autonomia, na execução das políticas publicas, para melhor gerir e governar o município. No entender de Milaré (2010, p. 553): [...] estabelece condições essenciais para que se configure a efetivação de um processo democrático descentralizado, atribuíram-se aos Municípios um campo de maior responsabilidades institucionais e uma dosagem mais intensa de liberdade e autonomia, permitindo e garantindo que a Administração Pública se desenvolva de forma equilibrada e preencha os sentimentos de seu povo e as aspirações concretas das comunidades locais.
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Que a política urbana deve tratar do zoneamento urbano, transporte público, calçamento, saneamento, lazer, entre outros, é indubitável. Mas ela deve ir além, tratando também da criação de empregos, como bem citado por Ferreira (2010), vez que, sem emprego, sem desenvolvimento econômico, não há sobrevida da população. Se tomado como exemplo uma região que tenha como principal fonte de renda o turismo, a manutenção de tal atividade deve ser a mais importante preocupação da Administração Pública, a fim de manter a renda da população.
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Se o futuro que se desenha traz uma perspectiva ruim para esse cenário, é de responsabilidade do administrador público (e aí entra toda a sociedade na forma participativa delineada constitucionalmente) antever tal cenário e tomar medidas cabíveis para minimizar a fase ruim que se avizinha e que pode prejudicar a economia local, seja planejando melhorias para sua matriz econômica, seja diversificando sua geração de renda. As políticas urbanas de cada município devem ser customizadas a fim de atender cada realidade. Não existe receita pronta para se aplicar políticas públicas; claro que educação, saúde, segurança, emprego e lazer estão entre as principais preocupações de todas as administrações, mas cada um dos fatores deve ter sua importância aumentada, preservada, atenuada ou
minimizada conforme a necessidade, mas sem perder o foco no planejamento de curto, médio e longo prazo. Política urbana requer então planejamento. Ferrari (1991) nos ensina que planejamento é [...] um método de aplicação, contínuo e permanente, destinado a resolver racionalmente os problemas que afetam uma sociedade situada em determinado espaço, em determinada época através de uma previsão ordenada capaz de antecipar suas ulteriores consequências.
Assim, planejamento não é simplesmente imaginar um cenário futuro e traçar ações para se chegar até lá; é muito mais do que isso, e requer a previsão de vários cenários possíveis a fim de trabalhar para que os imprevistos sejam de menor impacto negativo na trajetória planejada. Para se realizar um planejamento, inicialmente se deve ter uma boa ideia de onde se está e onde se almeja chegar; depois, cabe analisar os caminhos possíveis de se chegar lá, avaliando variantes. Por exemplo, não é possível ter certeza se na economia a inflação irá subir ou cair, mas é necessário estar preparado para tais possibilidades. E daí surge a pergunta: o que se deve fazer em cada cenário? No que concerne à política urbana com fins a promover o desenvolvimento econômico e social, impende haver o debate, planejamento e revisões de percurso a cada instante. Deve-se trabalhar de forma contínua para se realizar os ideais urbanos de forma efetiva, uma vez que a capacidade de mudança é uma característica fundamental de quem planeja, pois ficar atado a um plano e não se adaptar é o caminho mais curto para o fracasso.
2.1 O Estatuto da Cidade e o PDM O Estatuto da Cidade, como é denominada a Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, visa a garantir o planejamento participativo
e a função social da propriedade, versados nos arts. 182 e 183 da Constituição Federal. O Estatuto tem como objetivo normatizar a elaboração do planejamento municipal, possibilitando uma adaptação de cada município à sua realidade e necessidade. Prevê, entre outras coisas, a capacidade do ente federativo municipal legislar sobre assuntos locais, sendo assim viável a implementação das políticas urbanas, tendo como principal instrumento o plano diretor municipal, conforme versa o art. 4º, III, a: Art. 4º Para os fins desta lei, serão utilizados, entre outros instrumentos: I – planos nacionais, regionais e estaduais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social; II – planejamento das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões;
como meta a ser alcançada. Tal alvo deve ser realocado mais à frente, para que sirva de busca, de horizonte. A meta deve nortear as ações. O planejamento deve ter objetivos de curto, médio e longo prazo, pois só assim este cumprirá sua função, e por isso deve ser continuamente revisto e reformulado, sem perder o objetivo final. O Estatuto da Cidade não se limita a tratar de assuntos prediais, usucapião ou direito de preempção do Poder Público. Tal instrumento pode, e deve, planejar a melhor maneira de empregar o potencial econômico do município, a fim de garantir arrecadação de impostos, seja na forma de indústrias, empresas prestadoras de serviços, agricultura ou turismo. Essa lei estabeleceu o prazo de cinco anos para que as cidades com mais de 20 mil habitantes elaborassem o Plano Diretor, mas, infelizmente, muitas cidades não cumpriram essa determinação, e o prazo foi prorrogado até junho de 2008.
III – planejamento municipal, em especial:
[...]
Plano Diretor é o principal instrumento instituído pelo Estatuto da Cidade, reunindo os demais instrumentos e estabelecendo como cada porção (urbana, rural, residencial, industrial etc.) do território municipal cumpre sua função social. É uma lei municipal que deve ser revista pelo menos a cada dez anos e deve expressar a construção de um pacto social, econômico e territorial para o desenvolvimento urbano do município. O prazo de dez anos não deve ser entendido como limite para o planejamento, uma vez que o planejamento deve ser realizado
2.2 Sustentabilidade ambiental, social e econômica como vetores da indústria do mármore e granito A extração de rochas ornamentais para o uso na arquitetura data de milhares de anos. Várias culturas em todos os cantos do planeta usaram pedras nas suas construções. Os egípcios, os maias, os astecas, os chineses, quase todas as civilizações no mundo fizeram o uso dessa importante matéria-prima para a construção civil, em suas casas, palácios, muros e templos. Segundo Motomura (2007): A construção das pirâmides botou milhares de egípcios para suar, exigiu conhecimentos avançados de matemática e muitas pedras. Das cem pirâmides conhecidas no Egito, a maior (e mais famosa) é a de Quéops, única das sete maravilhas antigas que resiste ao tempo. Datada de 2550 a.C. [...].
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a) plano diretor;
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Se por um lado trata-se de bem finito, não renovável, sua quantidade disponível é enorme, de acordo com o Anuário Mineral Brasileiro (2006), estima-se que a reserva medida no Brasil é de 20,6 bilhões de metros cúbicos, o que nos faz pensar que seu uso não requer maiores preocupações, como temos com a madeira. Por outro lado, o meio de extração pode ser bastante ofensivo ao meio ambiente, provocando desmatamento, impacto visual, contaminando rios, lagos, nascentes e lençóis freáticos.
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Vale ressaltar que toda ação do homem demanda uma preocupação com a preservação e a sustentabilidade. Deve-se analisar cuidadosamente se a atividade realizada está degradando o meio ambiente ou se o que está sendo degradado está recebendo uma compensação. Claro que mudar o curso de um rio pode trazer prejuízos irreparáveis; por outro lado, é possível compensar o desmatamento com o replantio de árvores de importância equivalente, mantendo, assim, o equilíbrio da cobertura vegetal da região.
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Quando se fala de preservação e sustentabilidade, é importante que se mantenha em mente que o homem pertence a esse ambiente e que sua preservação depende dele. Não se pode pensar em degradação zero, mas também não se pode deixar de reparar o dano causado, pois, como dito anteriormente, há degradações que são irremediáveis e estas devem ser evitadas ao máximo. Tanto é assim que o legislador constitucional deixou clara essa preocupação e orientou tratamento diferenciado de acordo com o impacto ambiental produzido, como versa o art. 170, VI, da CF/1988: Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...]
VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação.
O desenvolvimento econômico de uma nação frequentemente demanda alguma agressão ao meio ambiente. Por este motivo é importante a existência de limites e normas claras para evitar abusos e garantir a reparação do dano causado. O setor de mármore e granito traz, no seu método de extração, grande potencial impactante. Os resíduos gerados pela extração, se não tratados, podem alcançar os lençóis freáticos e contaminar, de forma irrecuperável, a água potável de uma região. Algumas ações simples, que trazem grande resultado, já estão sendo utilizadas pelas empresas do ramo, como reutilização de água por meio da reciclagem, destinação apropriada dos resíduos sólidos e implantação de estações de tratamento de efluentes, a fim de possibilitar uma destinação adequada para a lama abrasiva (resíduo poluente oriundo do processo de desdobramento do bloco). A indústria do mármore e granito padece de uma má imagem junto à sociedade pelo seu potencial destrutivo. Em parte, tal preconceito é justificado pela má administração de alguns empresários do setor, que mantêm o velho hábito de conti nuar trabalhando, poluindo e colocando vidas em risco, sem se preocupar com o desenvolvimento sustentável e duradouro da sociedade. Por isso é importante haver regras claras e punições severas para que todas as empresas tenham condições de se manter no mercado, sem atentar contra a qualidade do ambiente, sem colocar vidas em risco, gerando emprego, renda e arrecadação de impostos.
A extração mineral está intimamente ligada à área rural, menos populosa de nosso país e é comum se imaginar grandes jazidas e pedreiras em locais remotos e ermos, distantes das cidades. Raramente se encontra extração mineral em área urbana e esse é o principal foco deste estudo: tratar da extração mineral de rochas não metálicas próxima dos centros urbanos. Como visto, o PDM deve contemplar um planejamento visando ao desenvolvimento e à organização do município, tanto para área urbana como rural, levando em consideração todos os aspectos: sociais, econômicos, políticos, de mobilidade urbana, emprego, lazer, preservação ambiental etc. O PDM de Cachoeiro de Itapemirim, em seu art. 6º, descreve os objetivos deste diploma legal, baseados nos princípios elencados nos artigos anteriores. Percebe-se a preocupação com vários aspectos que fazem parte da responsabilidade e da competência do município, inclusive o desenvolvimento sustentável e a eficiência de sua economia. Metas que devem ser sempre perseguidas pelos órgãos competentes da Administração Pública, como pode se lido nos incisos III e VII do art. 6º do PDM de Cachoeiro de Itapemirim: Art. 6º São objetivos gerais decorrentes dos princípios elencados: [...] III – promover o desenvolvimento sustentável, a justa distribuição das riquezas e a eqüidade social no Município; VII – aumentar a eficiência econômica do Município, de forma a ampliar os benefícios sociais e reduzir os custos operacionais para os setores público e privado, inclusive por meio do aperfeiçoamento administrativo do setor público; [...].
Pode-se observar, claramente, que o legislador, ao criar os objetivos do PDM, deu a devida importância ao tema desenvolvimento sustentável e eficiência econômica, em conformidade com o que dita a Constituição da República. Ainda nesta análise, no Título III – Das políticas públicas: diretrizes e ações estratégicas, no Capítulo I – Do desenvolvimento econômico, o PDM mantém seu propósito de criar condições favoráveis para que o progresso seja garantido pelo Poder Público municipal. Buscando ainda manter um equilíbrio do crescimento econômico com os demais temas da sociedade como cultura, desenvolvimento social, meio ambiente e diminuição das desigualdades, o art. 43 do PDM de Cachoeiro de Itapemirim versa: Art. 43. As ações de competência do Poder Público municipal, voltadas para o desenvolvimento econômico, objetivam criar condições para o fortalecimento da economia local, consolidando sua polaridade como centro industrial, agropecuária, comercial e de serviços, harmonizando-o com o desenvolvimento social e cultural, a proteção ao meio ambiente, a configuração do espaço urbano pautado pelo interesse público e a busca da redução das desigualdades sociais e regionais presentes no Município.
O PDM de Cachoeiro de Itapemirim, de forma muito responsável e em harmonia com os vários movimentos ecológicos existentes no mundo, teve forte preocupação com o assunto meio ambiente, adotando o Zoneamento Ecológico Econômico (o ZEE), que tem a função de regular o convívio harmonioso entre a ecologia e o desenvolvimento econômico. O ZEE delimita as atividades e as zonas em que elas podem ser realizadas, a fim de garantir um perfeito equilíbrio entre a ação do homem (seja para moradia, indústria ou comércio) e a preservação do meio ambiente, como disposto no art. 114 do PDM de Cachoeiro de Itapemirim:
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3 PDM DE CACHOEIRO DE ITAPEMIRIM E A INDÚSTRIA MINERAL DESTE MUNICÍPIO
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Art. 114. O Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE) é o instrumento de organização territorial do município em zonas de modo a regular, instalações e funcionamento de atividades, urbanas e rurais, compatíveis com a capacidade de suporte dos recursos ambientais de cada zona. § 1º O Zoneamento Ecológico Econômico tem por finalidade: I – assegurar a qualidade ambiental e a preservação das características e atributos dessas zonas; II – garantir que nas localidades de extração mineral, sejam estabelecidos limites para áreas residenciais, instalações industriais e a proteção do meio ambiente; III – evitar os conflitos decorrentes da expansão das atividades econômicas e o crescimento da malha urbana.
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§ 2º Para efeito do Zoneamento Ecológico Econômico serão considerados os estudos técnicos respectivos, em especial, aqueles realizados quanto aos Distritos de Itaoca, Gironda e Vargem Grande de Soturno.
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Aqui se vê, claramente, um importante registro: a extração mineral sendo citada expressamente no texto do ordenamento jurídico municipal, tendo em vista o alto risco de degradação ao meio ambiente que tal atividade pode causar ao longo dos anos, além do imediato impacto na vida das pessoas que moram, trabalham ou convivem próximas das empresas que extraem minério, devido à produção de poeira e ruídos. Ainda em perfeita afinidade com a preservação do meio ambiente, nosso ordenamento municipal garante o que foi previsto na CF/1988, em seu § 2º do art. 225:
§ 2º Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.
No PDM de Cachoeiro de Itapemirim, tal artigo (225 da CF/1988) foi assegurado pelo de nº 118, como segue: Art. 118. Aquele que explorar os recursos naturais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente na forma da lei (art. 225, § 2º, da CF), prevenir ou corrigir inconvenientes causados ao meio ambiente (Decreto-Lei nº 1.413, de agosto de 1975).
O diploma legal de Cachoeiro de Itapemirim tratou, de forma adequada, a questão ambiental, dando a importância devida ao tema, versando de forma expressa tal preocupação. Infelizmente isso não basta, pois o legislador, ao elaborar o PDM, também deve ter em mente um programa de desenvolvimento para os próximos anos, atendo-se aos fatores relevantes para esse planejamento. A palavra rocha é encontrada em quatro artigos no PDM, quais sejam: art. 48, VII; art. 115, §§ 2º e 4º; e, por fim, art. 315. Os aludidos artigos estão aqui descritos: Art. 48. [...] VII – recuperação e manutenção das estradas do interior através da pavimentação com cascalho usinado, oriundo das indústrias de extração e beneficiamento de rochas ornamentais. Art. 115. [...]
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
§ 2º A extração de rochas para uso direto na construção civil ficará condicionada ao disposto nos instrumentos de ordenamento territorial em escala definida pelo órgão ambiental competente.
[...]
Art. 115. [...]
Art. 315. O Poder Público Municipal determinará ex-officio ou a requerimento, vistorias administrativas, sempre que for denunciada ameaça ou consumação de desabamentos de terra ou rochas, obstrução ou desvio de cursos d’água e canalizações em geral, desmatamento de áreas protegidas por legislação específica, causados pelos proprietários das áreas onde ocorrerem os fatos aludidos ou pelos seus prepostos.
Não foram encontradas menções às palavras mármore ou granito. Pode-se perceber, com isso, que não foi objetivado o setor de rochas ornamentais como matéria de planejamento e desenvolvimento econômico. O uso da palavra rocha ocorre tão somente se referindo a calçamento, pavimentação, desabamento de rochas ou meio ambiente. Tais assuntos são importantes para o município, mas não garantem progresso e desenvolvimento econômico; não se pode esperar de uma cidade qualidade de vida saudável sem o devido avanço sustentável da economia. O PDM da cidade de Cachoeiro de Itapemirim apresenta uma importante lacuna no assunto desenvolvimento econômico, deixando de traçar diretrizes capazes de permitir um desenvolvimento sustentável para o município. No PDM de Cachoeiro de Itapemirim, a única alusão à extração de rochas ornamentais refere-se à jazida num único bairro denominado IBC. Nesse bairro, existe uma pedreira de brita que fornece matéria-prima para o setor de construção civil e pavimentação para o município. Essa pedreira foi citada no PDM no art. 104: Art. 104. Integram a Zona de Proteção Ambiental 1 as seguintes categorias:
I – as unidades de conservação existentes e aquelas de proteção integral que vierem a ser criadas; II – Serra da Andorinha (prolongamento de terras acidentadas que vai desde a localidade de Santa Tereza, tendo na extremidade norte o bairro Zumbi e Jardim América); III – todos os fragmentos de Matas remanescentes, ou em processo de regeneração, no Bairro São Geraldo; IV – taludes da pedreira do bairro IBC e suas respectivas coberturas vegetais; V – cavernas.
Tal menção refere-se, novamente, à preservação do ambiente e trata dos taludes da pedreira do bairro IBC. Não há dúvidas de que o meio ambiente deve ser, além de preservado, mantido, e que locar os taludes na Zona 1 (de maior proteção) foi corretamente disposto, mas somente isso não é suficiente. O PDM deve organizar e preparar o município para um crescimento e desenvolvimento sustentável a fim de manter e melhorar a qualidade de vida de seus moradores, sejam eles urbanos, rurais, trabalhadores, aposentados ou estudantes. Este texto legal não pode ser somente uma orientação para investimentos imobiliários: como deverá ser feita a calçada, se tal edificação será comercial ou residencial. O PDM não se resume a isso; a importância deste diploma legal deve ser elevada ao prestígio que merece e deve contemplar todos os temas do município e da sociedade: saúde, cultura, economia, bem-estar social etc. Fica claro, portanto, que o PDM de Cachoeiro de Itapemirim, assim como o de muitas outras cidades, não contempla, de forma adequada, o setor de rochas ornamentais e as atividades econômicas desenvolvidas no município, devendo, portanto, numa próxima revisão, abranger o tema economia, de forma
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§ 4º Consideram-se áreas de Zoneamento Ecológico Econômico também aquelas ocupadas, de forma regular, por depósitos de subprodutos provenientes do processo de beneficiamento de rochas ornamentais (aterro de lama abrasiva), conforme NBR 13896/97.
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que os setores de desenvolvimento pecuniário possam ser discutidos e tratados neste importante instrumento jurídico do município.
CONSIDERAÇÕES FINAIS Após a análise dos fatos aqui apresentados, pode-se concluir que algo deve ser mudado no que diz respeito à relação entre o setor econômico e o PDM. Devido à importância desses dois temas, esses assuntos não podem ser debatidos de forma isolada, devendo, sim, manter uma sinergia, no intuito de beneficiar toda a sociedade.
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O PDM de Cachoeiro de Itapemirim deveria contemplar com maior relevo o setor de rochas ornamentais – motor de sua economia –, gerando possibilidades para o fomento e desenvolvimento dessa importante atividade para a região. Tratar do setor no PDM traria maior envolvimento de toda a sociedade e principalmente dos órgãos da Administração Pública para a questão econômica do município.
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Trabalhar de forma harmônica, com o objetivo de promover o desenvolvimento e a geração de empregos e renda, com maior arrecadação de impostos, deve ser a meta a ser alcançada pelo Poder Público municipal. A omissão do tema econômico no PDM deixa clara a falta de coerência e o pouco interesse que o setor público destina a esse importante tópico. Este texto está sendo escrito no final de 2014, e os PDMs serão revistos em 2016. Assim sendo, está próxima a oportunidade de deixar, de forma expressa, a preocupação do município no progresso econômico. Serve, portanto, de propósito para aventar a inclusão do tema nas próximas revisões deste importante diploma jurídico municipal.
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Doutrina
O Poder Estatal: uma Seleção (Nada) Natural JACSON CAPRINI DE OLIVEIRA
Graduado em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (2000), tendo experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Processual Civil, Especialista em Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina (2008), com ênfase em Direito Penal, Especialista em Ciências Penais pela PUCRS (2011) e Mestre em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, com ênfase em Criminologia (2014).
RESUMO: O texto busca fazer uma breve incursão pelo mundo da normatividade, trazendo algumas origens histórico-sociológicas do surgimento do poder como elemento controlador da sociedade, e da lei como elemento normativo construído e aceito por este grupo. Analisa-se aqui como o Estado tem agido quando na figura de representante do povo, e aplicador da violência simbólica, buscando manter harmonia nas relações sociais, além de buscar demonstrar-se que, em que pese
este objetivo, há influência do elemento seletivo dentro deste processo, e verificar então quais seus reflexos, com destaque ao tratamento pertinente às crianças e aos adolescentes em situações de infrações à lei. PALAVRAS CHAVE: Política criminal; poder punitivo; seletividade. ABSTRACT: The text seeks to make a brief foray by the world of normativity, bringing some historical and sociological origins of the appearance of power, as element that controls the society, and the law, as a normative element constructed and accepted by this group. Is analyzed here how the State has acted as the representative figure of the people, and applicator of symbolic violence, seeking to maintain harmony in the social relations, beyond of seek to demonstrate that, despite this goal, there is an influence of selective element inside this process and then verify what is your reflexes, especially the relevant treatment to children and adolescents in situations of violations of the law. KEYWORDS: Criminal policy; punitive power; selectivity. SUMÁRIO: Introdução; 1 Estado e normatividade; 2 Estado punitivo; 3 A seletividade do sistema penal; 4 O menor infrator; Considerações finais; Referências.
INTRODUÇÃO A proposta deste artigo é fazer uma incursão pelo mundo da normatividade, traçando sua gênese e buscando compreender sua formação e seus objetivos no tocante à gestão da sociedade como um todo. A sequência deste estudo perpassa pela compreensão da política criminal, verificando-se como esta se compõe e como ela interfere no modo de vida do sujeito humano. Neste momento pretende-se adentrar as Ciências Criminais e buscar uma forma de identidade em relação a esta e a política criminal. Em momento a posteriori, será dada ênfase ao poder estatal, buscando identificar como ele vem “atingindo” as mais variadas constituições sociais e interferindo nas relações que ali se formam.
O fechamento deste artigo pretende colocar em evidência as marcas que o sistema deixa no cidadão quando se utiliza da “seletividade” para definir quem e como serão atingidos seus sujeitos pela normatividade, posteriormente focando-se na criança e no adolescente, com o propósito de verificar as possíveis contraposições entre estes e os adultos no tocante ao tratamento penal utilizado.
um regramento, ressalta então Michaud2 que “a falta destas normas causa na sociedade um movimento de insegurança para todos os formadores da sociedade, assim como se traduz em uma ameaça social”. Acrescenta o autor que a violência remete ao caos o qual a sociedade deve buscar resolver, podendo ou não ter êxito neste objetivo dependendo, para isto, dos critérios que forem utilizados.
A metodologia a ser utilizada neste artigo é a pesquisa bibliográfica em livros, periódicos, material webliográfico e outras espécies de mídias específicas que possam de qualquer forma enriquecer o levantamento, tais como filmes ou vídeos contendo depoimentos pessoais.
De acordo com o que expõe a história, os ordenamentos jurídicos bem como o poder político estiveram durante longos períodos intimamente ligados à religião. Tanto o foi que os imperadores eram vistos como os “representantes de Deus” na Terra, podendo assim criar e executar as leis, conforme seus interesses, pois estariam supostamente defendendo a fé3. Corroborando com esta ideia, Azambuja4 explica que a origem de todo o poder está na figura de Deus. Segundo o autor, poder e autoridade se confundem e se completam. Sendo assim, nada mais coerente do que ver a gênese do poder configurada em uma vontade (no caso em um ser) suprema.
1 ESTADO E NORMATIVIDADE
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Sem ter a pretensão de fazer uma densa incursão histórica, os primórdios legislativos surgem quando se concretizam os primeiros conflitos entre os seres humanos. Desta feita, não ficaria incorreto colocar como gênese o ato de violência que levou Abel à morte pelas mãos de seu irmão Caim, retratado pela Bíblia Sagrada e comentado na obra de Roger Dadoun1. Destaque-se que a violência, como elemento complexo, irá sofrer influências de diversos campos. Como exemplos têm-se: o ambiental, o demográfico, o político, o cultural, o social e o econômico, entre outros que constituiriam um rol quase que infindável. No tocante à necessidade de
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1 DADOUN, Roger. A violência: ensaio acerca do homo violens. Trad. Pilar Ferreira de Carvalho e Carmem de Carvalho Ferreira. Rio de Janeiro: Difel, 1998. Roger Dadoun nos lembra de um dos primeiros crimes da humanidade, cometido por Caim contra Abel e, indo adiante, traz uma passagem bíblica em que Deus teria dito “Preencham a terra e subjuguem-na; dominem os peixes do mar, os pássaros do céu [...]”, e analisa o autor as palavras “subjugar” e “dominar” que tem, expressamente, conteúdo de incitação à violência. Neste sentido, Nilo Odalia nos traz a expulsão de Eva e Adão do paraíso, como início e expansão de um movimento de violência, com suas origens arraigadas, além de historicamente, na religião e posteriormente na cultura do homem.
Complementando o exposto, verificam-se as mais diversas compilações normativas, tendo destaque para as Leis das XII Tábuas, as Ordálias5, as Leis de Talião6, o Código de Hamurabi, 2 MICHAUD, Yves-Alain. A violência. São Paulo: Ática, 2001. 3 Esta passagem tem grande representação no período de Justiniano, imperador romano que subiu ao poder em 527 d.C., após a morte de Justino. Para ter-se uma ideia da influência religiosa na constituição legislativa, uma das obras de Justiniano foi o Segundo Código (Codéx), no qual o primeiro capítulo foi inteiramente dedicado ao Direito Eclesiástico. 4 AZAMBUJA, Darcy. Teoria geral do estado. 26. ed. São Paulo: Globo, 1993. 5 As Ordálias se referiam, sinteticamente, a sentenças “divinas” em que o sujeito era exposto a duras penas, tais como exposição a animais ferozes e marcação com ferro em brasa, sendo que, para ser considerado inocente, deveria ocorrer uma intervenção divina que assim o libertasse e resolvesse os conflitos. 6 Na verdade não se tratam de leis, como popularmente são conhecidas, mas de instrumentos de penalização. Desta feita, presenciamos o talião dentro do Código de Hamurabi, bem como na Lei das XII Tábuas, na qual o princípio é se aplicar ao delinquente ou infrator o mesmo mal que ele
Em outro viés, percebe-se que a violência está intimamente ligada ao conceito de poder e subordinação8, visto que, no mundo capitalista, tomou enormes proporções, verificando-se, hodiernamente, uma valoração maior ao patrimônio do que à própria vida, quando nos referimos aos bens juridicamente tutelados. Prova disso percebemos inclusive no próprio Código Penal, que, mesmo com substanciais modificações sobre o texto original de 1940, ainda apresenta distorções como a penalização por homicídio culposo (art. 121,§ 3º) em relação ao roubo (art. 157). Quanto à questão do poder e sua relação com a violência, temos duas correntes bem distintas. Uma é formada por personalidades, de esquerda e direita, tais como Wright Mills, Weber, Mao Tse Tung e Bertrand de Jouvenel, para os quais o poder é a chave de todo o movimento de violência. Ou seja, quem o detém teria então influência direta no sentido de provocar a violência na sociedade;
causou à vítima (do brocardo “olho por olho, dente por dente”). Montesquieu (Espírito das Leis, livro XIX) expõe que a Lei de Talião era aplicada pelos Estados despóticos e moderados. No primeiro caso, a aplicação ocorria de forma totalitária, rigorosa, já no segundo caso, ela seria abrandada. 7 Segundo Onorato Chiauzzi, o Digesto era um compêndio formulado pelos antigos jurisconsultos. A obra foi composta de 50 volumes e elaborada por 16 membros, tendo sido presidida sua elaboração por Triboniano. O trabalho durou mais de três anos e foi o resultado da compilação de mais de dois mil livros. 8 Importante ressaltar que, em termos de poder, tem-se no Estado a figura de titular da “violência legítima”, quando imprime as normas de convivência, com o intuito de garantir a segurança e o bem-estar da sociedade. Na visão de Azambuja, o Estado se confunde com a figura da sociedade, uma vez que é formado por várias pessoas e que buscam um mesmo objetivo. Acrescenta o autor que ele se trata de uma sociedade política, considerando-se que é regido por normas de direito positivo e hierarquizado, no tocante aos governantes e governados.
e, por outro lado, Hannah Arendt9, que vê a violência como oposta ao poder, pois para ela este somente se manifesta quando há um consenso entre várias pessoas. Em suma, a desintegração do poder é que irá gerar a violência. Nas palavras da autora: Politicamente falando, é insuficiente dizer que poder e violência não são o mesmo. Poder e violência são opostos; onde um domina absolutamente, o outro está ausente. A violência aparece onde o poder está em risco, mas deixada a seu próprio curso, ela conduz à desapropriação do poder [...] falar de um poder não violento é de fato redundante.
Analisando o fator da imposição ou submissão, por outro lado, John Stuart Mill10 fala que “a primeira lição da civilização é aquela da obediência”. Neste sentido, Mill ainda acrescenta que podemos verificar dois vértices neste assunto, um em que o indivíduo tem inclinação pelo poder e outro em que o indivíduo é submisso a este poder. Desta forma, a psicologia nos ensina que tão forte quanto o poder é o instinto de submissão no homem. O grande problema que se vislumbra, no tocante ao poder e controle, é que inevitavelmente irá resultar em alguma forma de violência e exclusão do ser humano. Por seu turno, Rousseau11 irá falar sobre as limitações do poder, no caso específico de sua obra em termos de limites da soberania. Em uma forma visionária, o autor colocará limites ao poder do soberano quando fala em interesse social. Segundo Rousseau, os poderes do soberano, que herdou de uma alienação feita pelos súditos por meio do “contrato social”, limitam-se ao bem estar de todos (vontade geral). Neste caso, qualquer atitude que vislumbrasse um interesse particular seria considerada inválida e inidônea, além de corromper a ideia de equidade, tão defendida no contrato. Em suma, para que as decisões sejam considera9 ARENDT, Hannah. Sobre a violência. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994. 10 MILL, John Stuart. Considerations on Representative Governmennt (1861). Disponível em: <http://www.gutenberg.org/files/5669/5669-h/5669-h.htm>. Acesso em: 20 set. 2014. 11 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social (1762). 7. ed. Trad. Márcio Pugliesi e Norberto de Paula Lima. São Paulo: Hemus, 1981.
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o Corpus Juris Civilis, o Digesto7, entre inúmeras outras que tiveram como finalidade buscar evitar a propagação da violência no meio social, regulamentando então a vida em sociedade.
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das igualitárias, o soberano deve conhecer “apenas o corpo da nação e não distingue nenhum daqueles que a compõem”. Retomando a questão normativa, tem-se a passagem na obra de Cesare Beccaria12, na qual ele comenta que: “leis são as condições sob as quais homens independentes e isolados se uniram em sociedade, cansados de viver em contínuo estado de guerra e de gozar de uma liberdade inútil pela incerteza de conservá-la”. Em outro ponto da obra, Beccaria traz à tona a questão de que as leis eram “calhamaços” de difícil compreensão, mesmo pelos juristas da época, e que as normativas eram elaboradas para trazer a felicidade pública, esta limitada à burguesia e não acessível aos plebeus ou aos formadores das classes mais populares. Corroborando com Beccaria, tem-se passagem na obra de Rousseau13, em que o autor, ao refletir sobre o estado social e suas vantagens, fala das desigualdades e comenta que um mau governo se observa quando as leis tornam a igualdade entre os homens uma utopia ou ilusão e ficam direcionadas aos que mais têm e deixam os pobres fixados na miséria14.
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A sequência destas normatizações segue a evolução (duvidosa) do ser humano e busca adequar-se às necessidades que as mudanças exigem conforme a humanidade avança no decorrer de sua história. Neste sentido, tem-se como um dos marcos históricos
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12 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. 3. ed. Revista da tradução de J. Cretella Jr. e Agnes Cretella. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. 13 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Op. cit., p. 34. 14 Em relação ao tema, importante a obra de Löic Wacquant, sociólogo francês, o qual fez uma densa análise do sistema de “Tolerância Zero” que foi implementado inicialmente em Nova Iorque (EUA) e após grosseiramente copiado para diversas partes do mundo (oriente e ocidente), tendo diversas repercussões de cunho negativo. Na obra As prisões da miséria, Löic procura demonstrar ao leitor que o sistema da tolerância zero, em suma, irá buscar manter uma etiqueta na classe pobre e consequentemente punir estes sem o menor pudor. Fica evidente, neste sentido, que se apresenta um grande preconceito com a faixa da sociedade que apresenta menores recursos financeiros, sendo alvo frequente do Estado punitivo.
relevantes a passagem da sociedade da era fortemente marcada pela economia agro-comercial para um mercado urbano-industrial. Este movimento ocorre no Brasil em fins da década de 30, sendo que terá como reflexos principalmente a mudança do foco trabalhista. Com este fator, ocorrem também inúmeras alterações legislativas buscando agora proteger a classe trabalhadora. A evolução histórica da sociedade vai trazer o avassalador capitalismo muito bem trabalhado na obra de Marx (O capital, 1867). Conjuntamente com o surgimento deste sistema econômico, o mundo sofre uma virada em que os valores se alteram. Neste sentido, Lukács e Marx analisam a explosão do materialismo, na qual se observam severas correlações entre sujeito e mercadoria. Estes autores chegam a afirmar que se forma um sentimento tão forte em relação à aquisição de bens que chega a se confundir a pessoa e os bens materiais, tendo esses uma forma de dominação sobre o comportamento daqueles, ao ponto da submissão. De acordo com Lukács15, observa-se uma verdadeira inversão nas relações entre sujeito produtor e objeto produzido. Este movimento é tão expressivo que tem como exemplo marcante no Brasil a era do escravismo, em que o sujeito (escravo) era visto como coisa (res), sendo propriedade do senhor de engenho e podendo inclusive ser comercializado16. Vale salientar que este autor trabalha também com o conceito de coisificação, no qual, em suma, observa-se uma espécie de transformação do homem em objeto de uso. Lukács acrescenta que esta cultura em que as pessoas se coisificam é fruto de um mercado capitalista/ consumista no qual tudo é medido pelo seu valor de uso e troca. 15 LUKÁCS, György. História e consciência de classe: estudos de dialética marxista. Trad. Telma Costa; Rev. Manuel A. Resende e Carlos Cruz. 2. ed. Rio de Janeiro: Elfos; Porto/Portugal: Escorpião, 1989. 16 Cabe lembrar que, até o ano de 1888, o escravo era visto como propriedade do senhor de engenho e assim poderia ser objeto de venda ou troca. Em termos de escravidão temos filmes que abordam a questão, tais como o brasileiro “Quanto vale ou é por quilo?” (2005), dirigido por Sérgio Bianchi, e mais recentemente “12 anos de escravidão”, dirigido por Steve Mc Queen, e que recebeu o Oscar de melhor filme em 2013.
Alterando-se o ponto de reflexão, passa-se a uma breve análise sobre o Estado punitivo e a política criminal. É da autoria de Franz Von Liszt (1851-1919) o tripé em que se encontra a política criminal, vista como uma ciência autônoma. Para este autor, as linhas científicas são o Direito Penal, visto como a dogmática, a Política Criminal e a Criminologia. De acordo com Liszt17, a política criminal exige, em geral, que a pena, como meio, seja adequada ao fim, isto é, seja determinada quanto ao gênero e à medida segundo a natureza do delinquente, a quem inflige um mal (lesa nos seus bens jurídicos a vida, a liberdade, a honra e o patriotismo), para impedir que no futuro ele cometa novos crimes.
Percebe-se, desta forma, que este período fortemente marcado pelo positivismo tinha na realidade uma grande preocupação (ou fixação) em determinar campos bem específicos para cada segmento de estudo da formação societária, suas normatizações e os conflitos que a permeiam. Atualmente se percebe, entretanto, que há uma real necessidade de entrelaçamento difuso entre estes campos e outros auxiliares à compreensão de pontos complexos como é o estudo do homem e suas diversas possibilidades de formações societárias. Neste sentido, o jurista alemão Hans-Heinrich Jescheck (1915-2009) deixou clara a necessidade de ligação entre o Direito Penal e a Política Criminal, de forma que ambos possam “cumprir a sua missão de proteger a sociedade” sem, contudo, atingir os direitos básicos do cidadão como sua liberdade e dignidade. Para que se cumpram então os papéis de regulação, seguindo a normatividade, elegeu-se o Estado, que, por meio de seus poderes, entre eles o punitivo, vai buscar trazer um convívio mais pacífico entre os homens. Azambuja18 esclarece que o Estado é uma forma de sociedade em que o homem se insere e permanece durante toda a sua vida. É o Estado, em suma, 17 LISZT, Franz von. Tratado de Direito Penal Alemão. Campinas: Russell, 2003. p. 153. 18 AZAMBUJA, Darcy. Op. cit.
que irá proteger todos os direitos do homem desde o nascituro até a sua morte. Conforme o autor, pode-se ver esta instituição como “a mais formidável das organizações, tendo em vista que a contextura das vidas humanas se insere solidariamente no quadro das suas instituições; porque não existe esfera alguma de atividade, ao menos em teoria, que não dependa de sua atividade”. Em verdade, o Estado é detentor de uma “violência legítima” quando imprime as normas de convivência com o intuito de garantir a segurança, a ordem e o bem estar da sociedade19. Em complemento, é oportuno citar a mensagem de Hobbes20 quanto à penalização quando o autor define como sendo “um dano infligido pela autoridade pública, a quem omitiu o que pela mesma autoridade é considerado transgressão da lei, a fim de que assim a vontade dos homens fique mais disposta à obe diência”. Em suma, é um acordo “contratual” entre os homens e o Estado em que aqueles substabelecem poderes a este para que possa então buscar um bem comum, protegendo toda a sociedade. Já deste período se deixa implícita a proibição da autotutela, quando Hobbes afirma que, ao instituir-se o Estado, o homem renuncia o seu direito de “defender-se” e passa a este o direito de punição que outrora o pertencia. Neste sentido, Hobbes esclarece que, antes da formação estatal, era permitido ao homem “subjugar, ferir ou matar qualquer um”, em um movimento de total liberdade e liberalidade de ação. 19 Azambuja esclarece que o poder é o elemento necessário à formação do Estado, quando visto pelo caráter político. Segundo o autor, o poder estatal é supremo e dotado de coação irresistível em relação aos seus destinatários (cidadãos), além de guardar uma autonomia em relação a outros Estados. Em complemento ao exposto temos a ideia de supremacia ilustrada na obra de Hobbes (1588-1679), o Leviatã, em que o autor compara o Estado a um monstro alado que mantém a sociedade presa em meio as suas asas poderosas. 20 HOBBES, Thomas. O leviatã. Trad. João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
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2 ESTADO PUNITIVO
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Traçando uma teoria completamente inovadora em relação às “dogmáticas clássicas”, Foucault21 irá refletir sobre o poder iniciando seu discurso com a afirmação de que, para ele, não há uma teoria geral do poder. Segundo o autor, o poder não se encontra vinculado somente ao Estado, mas pode ser encontrado na natureza e consequentemente no homem em diversas formas sem haver qualquer vinculação com aquele. Para Foucault, há microssistemas na sociedade em que cada um pode apresentar22 o poder de uma forma diferenciada, estando interligados ou não e, inclusive, sem necessidade do Estado para se firmar, ter sustentação ou eficácia. O que Foucault denomina então de micropoder, sinteticamente, é a possibilidade de se vislumbrar o poder no corpo do homem e no corpo social, em microesferas.
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Já no tocante ao poder de coerção, de acordo com Zaffaroni e Nilo Batista23, ele é delegado ao Estado e subdivido em três pontes: coerção reparadora ou restitutiva (presente com efeito no Direito Civil); coerção direta ou policial, a qual em tese busca evitar uma injustiça eminente ou em curso (tendo como exemplo clássico o flagrante), e a coerção punitiva, muito bem trabalhada nas obras de Beccaria (Dos delitos e das penas) e de Foucault (Vigiar e punir e Microfísica do poder), em que se busca impor um sofrimento (do corpo e/ou da alma) por um evento pretérito.
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21 FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 25. ed. São Paulo: Graal, 2012. 22 Para Foucault, o poder não é um “objeto” que se pode dispor ou ter propriedade. Frisando, em suas reflexões, o autor afirma que o poder propriamente dito não existe, mas há sim, na natureza, práticas ou relações de poder. Por isso o autor afirma que não há um ponto específico de localização do poder, mas este está em todos os locais (em microestruturas) e disseminado no corpo social. 23 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; BATISTA, Nilo; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Direito penal brasileiro: primeiro volume. Rio de Janeiro: Revan, 2003.
A coerção punitiva tem sua representação máxima na pena. Esta, por sua vez, poderá ter como objeto a prevenção que tende a se verificar em caráter geral ou especial. Como explicam os Mestres Zaffaroni e Pierangelli24, a de caráter geral irá se dirigir a todo e qualquer formador da sociedade, buscando evitar a propagação de comportamentos prejudiciais à sociedade, enquanto a de caráter especial irá se dirigir especificamente ao autor do ato delituoso/conflitivo. Este segundo modelo ainda poderá se apresentar em caráter de ressocialização ou neutralização do indivíduo. Quanto à ressocialização, temos historicamente as Escolas Ecléticas da Criminologia, que buscaram recolocar o homem na sociedade por meio de um meio mais humanitário em que os esforços de conjunção entre o direito penal, a criminologia e a ciência penitenciária se traduzem na utilização da pedagogia corretiva para então alcançar o objetivo de reintroduzir o “homem delinquente” à sociedade. Há que se ter um especial cuidado para que a educação nos presídios se faça realmente útil e proveitosa. Neste sentido, pertinente a colocação das alunas da pós-graduação da Faculdade de Direito de Pernambuco, que trouxeram ao 5º Congresso de Ciências Criminais25 a sua experiência em relação à pesquisa feita nos presídios femininos localizados em 5 grandes Estados da Federação brasileira26. De 24 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. Parte Geral. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 1, 2008. 25 Realizado na PUCRS, no período entre 28 a 30 de outubro de 2014. 26 Os Estados eleitos para a pesquisa, ainda a ser publicada, foram: São Paulo, Pernambuco, Pará, Distrito Federal e Rio Grande do Sul. Importante salientar que no caso de São Paulo existe a Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso – Funap, que tem por objetivo promover a educação com desenvolvimento de atividades manuais e artesanais, visando à reinserção dos indivíduos ao meio social, como agentes efetivamente participantes. Segundo o site, para isso “planeja, desenvolve e avalia, no âmbito estadual, programas sociais nas áreas de assistência jurídica,
Em viés crítico ao termo ressocialização, importante as colocações de Baratta ao enfrentar o tema, quando em suma afirma que este movimento busca colocar o homem “desviante” novamente no caminho que a sociedade traçou para ele. De acordo com o autor: “Tratamento” e “ressocialização” pressupõem uma postura passiva do detento e ativa das instituições: são heranças anacrônicas da velha criminologia positivista que tinha o condenado como um indivíduo anormal e inferior que precisava ser (re)adaptado à sociedade, considerando acriticamente esta como “boa” e aquele como “mau”.27
Já em termos de neutralização, é viável fazer-se analogia ao movimento do “arianismo” aplicado e defendido por Hitler durante a Segunda Guerra Mundial. De acordo com esta doutrina, o indivíduo que não fizesse parte de uma raça “pura” deveria ser extirpado da sociedade. É neste sentido também a análise
da educação, da cultura, da capacitação profissional e do trabalho para as pessoas que se encontrem privadas de liberdade”. 27 BARATTA, Alessandro. Ressocialização ou controle social: uma abordagem crítica da reintegração social do sentenciado. Disponível em: <http://www. eap.sp.gov/pdf/ressocializacao/pdf>. Acesso em: 3 dez. 2014.
de Jock Young28, quando, estudando a sociedade, vislumbra o processo de reabilitação em que o homem criminoso deveria ficar “igual” a nós (o homem observador). Corroborando com Young, Zaffaroni, por seu turno, irá se referir ao “inimigo” quando a sociedade busca excluir do convívio o “suposto criminoso”. Ele (o criminoso) é inimigo porque é diferente e desta forma não pode ser aceito em sociedade, tendo por muitas vezes sido rebaixado ao nível de coisa (processo de reificação, analisado na obra de Lukács29). Há, no entanto, uma necessidade de se rever esta ótica sobre o criminoso, pois o fato de isolá-lo em um cárcere irá provavelmente torná-lo mais perigoso, já que este ato os rebaixa, humilha e retira todo e qualquer poder de recuperação. É fato de que o cárcere muitas vezes é considerado como a escola do crime, ou seja, além de estar-se enjaulando um indivíduo como se ele fosse um animal, estaremos colocando-o em convívio com pessoas com as mais variadas experiências de delinquência, dando assim a oportunidade de especializar o suposto criminoso. Complementando a ideia de neutralização, segue então a análise da questão da seletividade penal, que vem de encontro com a reificação e exclusão do ser humano do sistema socioeconômico.
3 A SELETIVIDADE DO SISTEMA PENAL A realização desta árdua tarefa de buscar manter uma coesão das relações sociais pelo Estado deveria passar, inevitavelmen-
28 YOUNG, Jock. A sociedade excludente: exclusão social, criminalidade e diferença na modernidade recente. Rio de Janeiro: Revan, 2002. 29 LUKÁCS, György. Para uma ontologia do ser social I. São Paulo: Boitempo, 2012.
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acordo com o relato, o processo de ressocialização se mostra deficiente a partir do momento em que se observa nas casas de detenção uma prevalência do ócio, que deixa assim as internas em um movimento de total descaso com seu crescimento, bem como transparece uma falha no sistema penal quanto ao objetivo da efetiva ressocialização. Neste sentido, então, faz-se necessárias políticas públicas sérias que visem à inserção de uma reeducação com valorização do ser humano, respeito aos direitos humanos e dignidade, ainda, objetivando a reinserção econômica e social, principalmente, permitindo assim um convívio mais ameno e real.
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te, pelo princípio da isonomia de tratamento entre os homens30, garantido constitucionalmente no art. 5º, caput, de nossa Carta Política de 1988. Entretanto o que se observa não somente em nosso País, mas em nível internacional, é que há uma forte corrente de pensamento seletivo. Esta cultura “seletiva” nasce de forma histórica e é sempre vinculada aos interesses dos que detém o capital e, em última instância, o poder. Em virtude desse enorme “porém” é que as minorias acabam sofrendo com o descaso. Especialistas no assunto tais como Garland31, Becker32 e Young33 fazem então um denso estudo procurando colocar às claras como se comporta a sociedade contemporânea. É primordial que se tenha esta compreensão para que seja assim possível traçar planos efetivos de defesa dos direitos, em especial das crianças e adolescentes, que são a parte mais vulnerável de nossa sociedade.
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busca então delimitar quem é o criminoso verificando, para isso, algumas características psicomorfológicas (estudo que irá se denominar frenologia34). Superadas então estas ideias, que buscam explicar os fenômenos da violência e do desvio, dirige-se então para pontos de reflexão que irão considerar uma maior amplitude nos estudos interdisciplinares, tendo o auxílio assim da sociologia, bem como da neurociência35. Como bem explica Young, no introito de sua obra, há mais de uma forma de exclusão dos indivíduos que formam o corpo social. Neste sentido, têm-se então três principais formas, quais sejam: “a exclusão econômica dos mercados de trabalho, exclusão social entre pessoas na sociedade civil, e nas atividades excludentes sempre crescentes no sistema de justiça criminal e da segurança privada”.
Em exordiais estudos sobre a humanidade veremos na origem das espécies e da “Seleção Natural” (Charles Darwin) a genea logia desta categoria de comportamento em que se busca colocar cada indivíduo em uma diferente seara, conforme suas características peculiares e suas (in)capacidades. Em um lento avanço histórico, teremos a obra de Lombroso, em que o autor
A exclusão econômica é um movimento muito forte e amplo, que tem sido intensificado pela mídia (para muitos, um quarto poder, tendo em vista sua influência nas massas). Nesse sentido, o indivíduo contemporâneo perde parte de seus valores e, em uma ruptura com esses, passa a ser mais valorizado pelo que tem e não pelo que é ou representa para a sociedade36. Desta forma, quem não possui condições de adquirir “a roupa
30 Neste sentido teremos uma passagem na obra de Rousseau (1712-1778), em que o autor explica a necessidade de formação do “Contrato Social”, o qual busca evitar maiores desigualdades entre os homens e, para isto, o cidadão repassa parte de seus direitos naturais para o Estado, a fim de que esse busque proteger os direitos de todos os indivíduos componentes da sociedade e criando uma organização que retrate a vontade geral de uma nação. 31 GARLAND, David. A cultura do controle: crime e ordem social na sociedade contemporânea. Trad. apres. e notas André Nascimento. Rio de Janeiro: Revan, 2008. 32 BECKER, Howard S. Outsiders: estudos de sociologia do desvio. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. 33 YOUNG, Jock. Op. cit.
34 Estudo do caráter e das funções intelectuais do homem segundo a conformação do crânio. Desenvolveu-se a partir dos progressos da anatomia e fisiologia, no começo do século XIX. O fundador da frenologia, Franz J. Gall, estudou a anatomia do encéfalo. Baseado nesse conhecimento, proclamou que as características mentais estavam associadas às características físicas. 35 A neurociência, topologicamente em pontos específicos da medicina, vai buscar explicar o fenômeno da violência por meio dos estudos de áreas específicas do cérebro humano (cortéx frontal, pré-frontal, orbito e lobo-temporal. 36 Neste sentido, Young irá se referir ao homem consumista usando deste recurso para medir seu suposto sucesso individual e como marca do progresso econômico constante de uma economia em crescimento.
da moda, o carro do ano ou a casa dos sonhos” está fora do contexto social. Em suma, é excluído. No caso dos adolescentes, este movimento toma enormes proporções, uma vez que ele está vivenciando um período de sua vida em que “necessita” fazer parte de determinados grupos para ser aceito (autoafirmação ou autoaceitação)37.
seu seio, tais como raça, sexo, cor e orientação sexual39. A estes grupos, é comum denominar-se de minorias, o que, na verdade, acaba sendo uma distorção conceitual vez que, ao considerarmos a soma destas “diversidades”, tais como mulheres, negros e gays, iremos ao fim e ao cabo termos um enorme percentual de componentes societários.
Em termos de exclusão do campo de trabalho, com a ruptura histórica da vida econômica agropastoril e entrada no mercado urbano-industrial, há uma alteração também nas exigências de capacidades para se entrar no competitivo mercado de trabalho38. Verifica-se, assim, que, além de ser necessária uma capacitação intelectual, muitas vezes disponível somente para as pessoas da classe média ou média alta, ainda será necessário enfrentar os preconceitos que a própria sociedade instala em
No tocante às atividades da justiça criminal e da segurança privada, observa-se também um sem fim de exclusões sociais. Em um primeiro momento é fácil observar que quem realmente tem acesso aos meios de proteção efetiva aos seus direitos são os indivíduos das classes mais abastadas. E isso não é nenhuma novidade, vez que tem raízes históricas. Assim, além de terem melhores condições de arcar com os custos de um processo, que pode se alongar, ainda tem estas condições superadas por suas formações, pois, na maioria das vezes, tem maiores condições de fazer uma leitura vertical de seus direitos e consequentemente serem mais incisivos na exigência de proteção dos mesmos. Quanto à segurança privada, além do verdadeiro “arsenal” de parafernálias40 que está à disposição no mercado, a concorrência vem criando novas necessidades, frente a uma estrutura social cada vez mais frágil. Vale salientar que, além de todo um processo de exclusão já observado alhures, em outros países, agora com destaque 39 Muito embora a Carta Política de 1988, em seu art. 5º, caput, fale que todos são iguais perante a lei, este enunciado traz consigo uma grande utopia, pois vivemos em um plano em que o que predomina são as diversidades, e o cidadão necessita então de proteção aos seus direitos conforme se verifiquem suas peculiaridades. 40 Hodiernamente, observamos a criação de verdadeiras empresas que comercializam segurança privada. Nossa vida extramuros está cada vez mais limitada e ao chegarmos em nossas residências nos deparamos com verdadeiros “presídios” nos quais buscamos colocar um pouco mais de conforto, mas que, em suma, seguem regras talvez até mais rígidas do que os expedientes encarcerados.
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37 Sobre o tema, tem-se a amplitude da obra de Zigmunt Bauman (1925), sociólogo polonês, que vem explorando e analisando criticamente a nova formação da sociedade que ele denomina de “modernidade líquida”, e procurando compreender as novas nuances que esta apresenta nos últimos anos. Saliente-se que Bauman publicou diversos livros com esta temática. Destaco aqui O amor líquido, que retrata as novas formas de relações que o jovem, principalmente, está vivenciando com a forte influência das tecnologias e das redes sociais. O autor percebe e compartilha claramente a mudança que a sociedade está sofrendo neste aspecto em que as relações sociais estão se tornando mais “líquidas” como ele se refere: estão perdendo sua qualidade, e o jovem está ficando desta forma mais “perdido” no contexto social, vez que acaba se isolando agora que vive em função de um mundo “virtual” e com isto abandona grande parte das oportunidades em viver um mundo “real”, que está ao seu redor. 38 Neste aspecto, a Constituição Federal brasileira de 1988, ao normatizar os direitos sociais (art. 6º), vai garantir, entre outros, o acesso ao trabalho, o qual poderá gerar outros frutos (também enumerados neste artigo). O que se verifica na prática, entretanto, é um esvaziamento do sentido legislativo-positivista, uma vez que, além de não haver emprego para todos, ainda sofre-se com um grande rol de preconceitos quando o indivíduo parte em busca de uma colocação no mercado.
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para os Estados Unidos, mais especificamente Nova Iorque, foi palco do movimento denominado “Tolerância Zero”, muito criticado por Löic Wacquant41. Este movimento, de forma bastante sintética, buscou penalizar todos os indivíduos que cometessem qualquer “desvio” comportamental. Esta foi a ideia central da também denominada teoria “Broken windows theory” aplicada inicialmente pelo prefeito na época (década de 70) em Nova Iorque, e que teria sido então disseminada por uma cópia grosseira pelos mais diversos países que compõem o globo.
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O efeito deste processo, em boa parte do globo, foi catastrófico, uma vez que fora aplicado de forma indiscriminada. Nos Estados Unidos, local originário, iremos observar que as pesquisas estatísticas demonstram um salto quantitativo no sistema carcerário. No Brasil, assim como em outros países latino-americanos, iremos nos defrontar com uma superpopulação carcerária (noticiada com ênfase nos principais jornais e revistas do País42), a qual trará inúmeros problemas institucionais e sociais. Além das precárias condições observadas em diversos presídios, este movimento vai poder ser comparado a uma estrutura que poderia ser denominada, de forma sarcástica, de verdadeiras “escolas do crime”43.
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41 WACQUANT, Löic. As prisões da miséria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. 42 Neste sentido, o Jornal Zero Hora trouxe uma ampla reportagem sobre a estrutura do Presídio Central em Porto Alegre, deixando às claras as péssimas condições subumanas em que vivem os presos, bem como o Jornal Estadão (São Paulo) noticiou sobre massacres ocorridos no presídio de Pedrinhas/MA, para limitarmos o campo contextual. Disponível em: <http://zh.clicrbs.com.br/rs/entretenimento/noticia/2014/01/chacina-no-presidio-de-pedrinhas-no-maranhao-reabre-debate-sobre-o-sistema-carcerario-4387745.html>. Acesso em: 20 nov. 2014. 43 Os presídios atuais são comandados por facções, denominadas de PCCs (Primeiro Comando da Capital), que são verdadeiras organizações criminosas, as quais estabelecem fortes regramentos intramuros (vezes com reflexos extramuros) e que detêm, na prática, total controle sobre a
Ainda neste sentido, o que se pode observar em termos sociais são os efeitos maléficos de um “etiquetamento” (teoria do labelling approach) provocado e disseminado pelo sistema penal. De acordo com Becker, o desviado44 que comete um ato condenado pela sociedade irá receber uma etiqueta que o acompanhará pelo resto de sua vida. Becker esclarece que o comportamento desviado não existe ontologicamente, mas é uma criação dos grupos que detêm o “poder” de criar e impor as normas45, etiquetando determinados componentes da sociedade. Este comportamento considerado desviado será então fruto da aceitação desta “etiqueta”, e também como sucesso da criação e imposição das normas (normas estas criadas pelos vida nos presídios. Como exemplo, o Estado do Rio Grande do Sul tem atualmente cinco (5) facções que mantêm regras próprias de convívio dentro do Presídio Central (em Porto Alegre). 44 Becker traz um exemplo de compreensão do desvio fazendo um comparativo estatístico em que tudo o que for considerado preponderante na sociedade seria considerado normal (por exemplo, ser destro) e o que não o for seria considerado anormal ou desviante (exemplo contrário, ser canhoto). Este, entretanto, é considerado pelo autor como um modelo muito simplório, apesar de sua ampla utilização na sociedade. O ponto crucial então que Becker traz em sua obra é que existem inúmeros grupos que criam normas específicas para cada um, assim como há normas que regem de forma geral. O fato então de desrespeitar uma norma (que muitas vezes estaria em desacordo com um grupo, mas não com outro) é que torna o indivíduo “estranho” (outsider, também denominado desviante ou marginal, este último com a concepção de estar fora da margem, ou dos limites sociais) à composição do grupo em que ele se insere. Ou seja, os grupos acabam criando o desvio a partir do momento em que criam regras cuja infração irá, em última análise, constituir o próprio desvio. 45 De acordo com Becker, o desvio não é uma qualidade do ato, mas sim uma consequência da aplicação de normas por um determinado grupo ao indivíduo que é considerado infrator. Ainda, a concepção de desvio para o ato dependerá de como o grupo o vislumbrar. Traz como exemplo o incesto clânico, que, em determinadas sociedades, poderá ser visto somente como reprovável, mas, em outras, o agressor poderia vir a ser condenado à morte caso o ato fosse conhecido publicamente.
Feita a análise do sistema penal no tocante ao fenômeno da “seletividade” e das consequências que esta traduz, parte-se agora, especificamente, para a verificação de como este fenômeno irá atingir em especial o jovem (criança e/ou adolescente) e quais as consequências desta interferência no meio social.
4 O MENOR INFRATOR Como fora delimitado no início deste estudo, após a reflexão sobre a exclusão e a segregação social, em termos genéricos, parte-se agora para uma analogia do impacto que o sistema penal como um todo terá, especificamente, sobre a criança e o adolescente. Neste sentido, importante salientar que será utilizada a legislação vigente para definir os limites do que se denominam crianças e adolescentes, sendo que isso não impede que se façam incursões em legislações do direito comparado, buscando então traçar-se uma analogia do que ocorre aqui (Brasil) em relação ao restante do globo47. Nestes 46 Becker ressalta que o grande problema da etiqueta é o fato de prejudicar o andamento normal da vida do indivíduo. Traz como exemplo o caso do indivíduo que tem registro de passagem pela prisão. Uma vez com essa rotulação, o seguimento da vida de forma “normal” torna-se mais difícil e este fato pode então contribuir para que o sujeito cometa outros atos “anormais” para poder sobreviver. 47 Corroborando com o disposto, tem-se, em nível federal, o Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Con-
termos, de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), sancionado em julho de 1990, temos que “a criança é a pessoa até doze anos incompletos e o adolescente aquele entre doze e dezoito anos”. Como definido, estes marcos servem como parâmetros, embora não sejam estanques, assim como o próprio legislador alerta que, em alguns casos, a legislação poderá estender sua proteção ao indivíduo entre dezoito e vinte e um anos (art. 2º, parágrafo único, do ECA). É importante salientar que as idades aqui citadas servem especificamente como marcos jurídicos para a proteção dos direitos da criança e do adolescente, sendo que os limitadores de idades para as diversas fases que compreendem a vida do ser humano (infância, adolescência e fase adulta) irão depender de uma série de variantes, que envolvem, entre outros, o contexto cultural e social em que está inserido o indivíduo. Compreender o universo do adolescente, em especial, é tarefa árdua, vez que esta fase é repleta de inúmeras incertezas, uma mistura de sensações e de emoções como ousadia e coragem, que nem sempre irão fazer parte da fase adulta48. Também vivência Familiar e Comunitária, que traz marcos normativos para a questão em tela, em termos globais, como sendo as Declarações sobre os Direitos da Criança (1924/1959), a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (1948), o Pacto de São José da Costa Rica (1969), o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966, ratificados em 1992), o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças (ratificado pelo Brasil em 2004) e o Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança Referente à Venda de Crianças, à Prostituição Infantil e à Pornografia Infantil (ratificado pelo Brasil em 2004). 48 Neste sentido, esclarece Motta Costa que a adolescência não possui um marco preciso que identifique a mudança das fases entre ser uma criança ou tornar-se um adulto. Lembra a autora que alguns elementos que podem servir de parâmetros seriam condições relacionadas à condição social do sujeito e outros elementos que se usam para identificar o que
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grupos que detêm mais poder do que lhes é concedido por sua posição social). Seguindo esta análise, Becker nos adverte que os “atores” (ou agentes) que criarão estas etiquetas são indivíduos (componentes da sociedade em geral), policiais e juízes (que ele denominou de “empresários morais”), os quais irão criar e aplicar as normas efetivamente. Dentro desta perspectiva, é importante destacar que, em nossos tempos, as chamadas minorias (que em tese entram em uma tela de suspeições) acabam sendo os principais alvos da etiqueta de desviados46.
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faz parte deste contexto a instabilidade e a impulsividade que acompanham a fase da adolescência. Estes elementos então é que poderão ser o estopim de diversos comportamentos, os quais em última análise irão cooperar para que o adolescente seja visto como infrator das normas sociais.
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Entre os diversos fatores que buscam explicar a alteração das fases da vida e a compreensão da adolescência, um é marco forte e preponderante: a questão social. Observa-se na sociedade que nas famílias com parcas condições financeiras é comum o adolescente ter que ingressar no mercado de trabalho ainda em tenra idade49. Este compromisso, assumido prematuramente, poderá ter então reflexos na vida do indivíduo conforme sua formação sociocultural que o levará a ingressar em uma rotina de desvios, considerando-se a possibilidade do impacto negativo gerado por essas responsabilidades temporâneas. Alguns dos prejuízos que se pode observar então são alterações no desenvolvimento moral, cognitivo e afetivo. Dependendo então da ordem em que estas alterações ocorrem, iremos observar, consequentemente, reflexos no convívio social.
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Outro ponto que é importante asseverar na compreensão desta fase que contempla inúmeras mudanças é no tocante ao imediatismo e à necessidade de pertencimento a determinados grupos. Os objetos de referência aqui são os mais diversos, tendo como destaque a questão da sexualidade, que, além da descoberta, supostamente é vivido pelo adulto, como ter um emprego, o qual seja suficiente para o sustento de uma família, e ter uma vida sexual ativa. É comum também perceber na adolescência uma série de mudanças de caráter psico-fisiológico, mas que nem sempre servem como medidores da fase, considerando que podem ocorrer em idades diferentes, de acordo com a constituição de cada indivíduo. 49 Segundo Young, o mercado de trabalho apresenta uma faceta ambígua, pois ao mesmo tempo em que inclui de maneira precária o indivíduo na sociedade, é também considerado a fonte da qual derivam boa parte da criminalidade e, como complemento, “o anseio punitivo da sociedade”.
contempla nesta fase uma série de experimentações as quais poderão trazer riscos ao adolescente (entre eles gravidez inesperada/indesejada e doenças sexualmente transmissíveis – DSTs). Por outra banda, o adolescente está constantemente buscando uma identificação estética e um elevado padrão de consumismo. Este último elemento, em especial, tem levado o adolescente com menores condições financeiras a executar pequenos furtos (viver à margem da sociedade) para buscar então “entrar” no grupo social que almeja50, podendo dessa forma ostentar a “grife do momento”. Como já se observou, mostrando-se ineficientes as tentativas do menor em ingressar na sociedade e ser reconhecido por esta, poderá então ocorrer, consequentemente, a inserção do agente no mundo do desvio ou, objetivamente falando, da criminalidade. Desta feita, o legislador irá buscar então “penalizar” o menor procurando evitar que este seja reincidente no ato cometido e também buscando demonstrar à sociedade que estes comportamentos não são aprovados no convívio harmônico. Para isto, então, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê diversas situações em que se almejam imprimir medidas coercitivas sem, contudo, desrespeitar os direitos humanos e a dignidade do menor como cidadão. Ainda, prevê o ECA (art. 112) uma série de medidas denominadas “socioeducativas”, em uma gradação que irá acompanhar a gravidade do ato cometido. Importante observar que em nenhuma hipótese será admitida a prestação de serviço/trabalho forçado, como bem observou o legislador.
50 Silva vai se referir à necessidade de pertencimento – ou reconhecimento – que o jovem busca dentro da sociedade. Ao se sentir frustrado nesta “busca” é que ele então parte para a prática dos delitos, em um “grito” desesperado para ser visto e ouvido. É comum também que se adote “apelidos” que remetam a este pertencimento e seja assim distinguido no “bando” em que ele está inserido. Em última instância, o ato delinquente é a forma encontrada pelo jovem para “forçar” a sua ressignificação e existência.
51 Neste sentido, Wacquant alerta que as prisões no Brasil são vistas como “um campo de concentração de pobres”. O autor ainda compara a situação com empresas públicas que acumulam um “depósito industrial de dejetos sociais”, ficando distante do real objetivo que seria buscar a reinserção do indivíduo, função esta realmente penalógica. 52 Em relação à população carcerária, observou-se que, apesar de haver um crescimento substancial em números, há um grande déficit de vagas, o que ocasiona um problema crônico em termos de segurança pública. Em termos estatísticos, observou-se um crescimento de 140,12 pessoas presas (para cada 100.000 habitantes) em 2000 para 260,18 pessoas presas em 2010. Fonte: Ministério da Justiça. Departamento Penitenciário Nacional. 53 Trata-se de um instrumento (software) para a integração (rede) dos órgãos de administração penitenciária de todo Brasil, que possibilita a criação dos bancos de dados federal e estadual sobre estabelecimentos penais e populações prisionais. Constitui mecanismo de comunicação entre órgãos de administração penitenciária – “pontes estratégicas” para órgãos da execução penal – e proporciona a execução de ações articuladas dos agentes na proposição de políticas públicas. Fonte: Portal do Ministério da Justiça.
dos54 e China em número de sentenciados cumprindo pena. Este fator, além de gerar um ambiente que reúne condições degradantes, desumanas e cruéis55, colide com a dignidade e está em sentido contrário ao que se espera para o efetivo processo de ressocialização e proteção aos direitos humanos. Corroborando com o aumento da superpopulação, há uma ampla discussão em torno da maioridade penal, esta vista como cláusula pétrea e, portanto, não passível de alterações. Neste sentido, há explanações nos mais diversos segmentos, desde a questão psicológica, em que se afirma que o menor de 18 anos não teria sua capacidade de cognição completa para entender tudo o que está praticando, e questões de fundo histórico-antropológico, nas quais se compreende que já houve tentativas frustradas no passado no sentido de reduzir a menoridade penal56 e insistir neste fato seria um erro dantesco, além de não se verificar melhorias no sistema social57.
54 Quanto aos Estados Unidos, Löic Wacquant alerta que o número de presos teve um aumento extraordinário em consequência do movimento de “Tolerância Zero”, aplicado inicialmente pelo prefeito daquela cidade na época e posteriormente “copiado” para grande parte do globo. 55 Para ter-se uma ideia da magnitude do problema, o Ministério da Justiça (2011) informou que houve um incremento nas taxas de óbitos de encarcerados na ordem 1,01 em 1994, para 12,2 em 2009, atingindo um percentual de aumento de 1.107% em um período de 15 anos. Isto traduz os reflexos da problemática que se observa com a superpopulação carcerária. 56 O Código Criminal do Império (1830) assim rezava: “Art. 13. Se se provar que os menores de quatorze annos, que tiverem commettido crimes, obraram com discernimento, deverão ser recolhidos ás casas de correção, pelo tempo que ao Juiz parecer, com tanto que o recolhimento não exceda á idade de dezasete anos”. 57 Neste sentido, adverte J. J. Gomes Canotilho que esta busca pela redução da maioridade é vista como um retrocesso. Para o autor, então, é “proibido o retrocesso social”, uma vez que “a ideia aqui expressa também tem sido designada como proibição de contra-revolução social ou da evolução reacionária”.
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Das medidas constantes no rol do art. 112 do ECA, a internação é seguramente a mais rígida. Esta espécie deverá então ser utilizada somente em casos extremos, quando não demonstradas as eficácias de medidas mais brandas, bem como quando se considerar que o menor infrator poderá ser visto como um risco à segurança da sociedade se mantido em liberdade. De qualquer forma, o legislador ainda assegura ao menor infrator que seja internado em local diferenciado dos adultos (art. 123 do ECA), buscando assim preservar a sua segurança, bem como evitar o contato com “profissionais do crime”, o que certamente acarretaria um aprimoramento das técnicas utilizadas pelo menor em sua incursão no mundo criminoso. Infelizmente é o que se observa, em termos práticos, em elevado número no Brasil, já que a superpopulação carcerária51-52 é um fenômeno atual e persistente, tendo-se por conta disto que o País hoje apresenta um dos mais elevados números de presos – em torno de 711 mil presos (fonte InfoPen53, 2014) –, ficando atrás somente dos Estados Uni-
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As discussões sobre o tema seguem nos mais diversificados vieses. Recentemente (maio de 2013), a Revista Isto É trouxe uma ampla reflexão sobre o tema com apontes em vários sentidos: há quem compreenda uma necessidade premente de redução da maioridade penal, nos casos específicos de reincidência ou crimes hediondos; por outro ângulo, especialistas em educação creem que não é suficiente uma revisão na maioridade, mas necessita-se de uma reestruturação ampla em termos de sociedade, família e escola58. Finalmente, a questão do discernimento é investigada pela neurociência, verificando-se que o adolescente ainda não teria capacidade total para tanto e contraposto, por outro lado, os fatos de o menor poder (no Brasil) votar, trabalhar, casar, ser emancipado e, mais recentemente, decidir sobre seu sexo59.
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Retomando a questão das execuções de medidas socioeducativas, é importante frisar que estas serão determinadas somente por autoridades judiciárias, sempre com acompanhamento do Ministério Público, e tendo-se como provas inequívocas a autoria e materialidade do crime praticado. Cabe também frisar que o legislador (art. 90 combinado com o art. 112 do ECA) trouxe um rol gradativo das medidas que são cabíveis em se verificando um ato infracional, as quais deverão ser tomadas levando-se em conta a periculosidade do agente além de buscar evitarem-se os exageros punitivos. Em quaisquer casos, o legislador teve o cuidado (e o bom senso) de evitar que o menor infrator fique afastado das atividades relativas
58 Neste sentido é a entrevista da doutora em educação Cosete Ramos, concedida à Revista Isto É (jun. 2013). 59 A reportagem da Revista Isto É (2013) traz o caso do jovem Alexander, de 16 anos, que tem voz e corpo de menino, mas nasceu mulher e está buscando então a alteração de genitais.
ao trabalho e escolarização60, fatores estes que ajudarão no processo de ressocialização do jovem. Em um viés multidisciplinar, as pesquisadoras e bolsistas da Universidade do Paraná61 buscaram compreender então uma das medidas previstas pelo ECA, em especial então a intervenção psicológica ou psiquiátrica por determinação judicial (art. 101 do ECA). Em um primeiro momento se identificou a “estranheza” desta legislação, pois, segundo as pesquisadoras, o tratamento “psicanalítico” deveria ser naturalmente demandado pelo paciente e, neste caso, ocorre o contrário. De qualquer forma, o que se percebeu nesta pesquisa “integrativa” foi que o adolescente reagiu, de modo geral, muito bem a este tratamento “obrigatório”. A psicanálise aqui fez as vezes do superego ao buscar traçar limites ao comportamento delitivo do adolescente que procura “ser visto” pelo mundo por meio então de atos delinquentes ou da toxicomania. Ainda, percebeu-se que o juiz irá funcionar, nestes casos, como a figura de um “pai simbólico” que age por meio da legislação e busca, além de impor limites, trazer novamente o jovem ao convívio social, seja por tratamento forçado ou por trabalho como ferramentas que o auxiliarão a voltar a ser percebido, sem, contudo, agir de forma a prejudicar a si próprio e ao “outro”. Buscando fazer uma análise profunda sobre o tema das medidas socioeducativas, levantando-se as formas como elas podem ser aplicadas, em quais situações são indicadas e quem são 60 A preocupação do legislador com as questões trabalhistas e escolares se vê expressa em diversos artigos do ECA, tais como: art. 117, parágrafo único; art. 120, parágrafo único; art. 123, parágrafo único, e art. 124, inciso XI. 61 GOMES, Maira Marchi et. al. Da lei no estatuto da criança e do adolescente a uma psicanálise do adolescente em conflito com a lei. Revista de Estudos Criminais, v. 7, n. 24, p. 81-104, jan./mar. 2007.
É fato que ainda se observa na crítica ao que ocorre em nosso País em termos de execuções das medidas socioeducativas, uma forte abordagem segregatória, vez que o infrator ainda é considerado aquele que “está em situação irregular de carência, abandono, inadaptado ou infrator”. Entretanto, é necessário que se busque fortificar as relações sociais em sentido amplo, com respeito aos direitos humanos e à dignidade do ser humano, tendo como objetivo a harmonia das relações sociais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao final do enlaçamento das ideias propostas no introito deste artigo, pode-se deduzir que a sociedade sempre foi rodeada de normatividades que buscaram a seu modo e tempo trazer um convívio harmônico dos cidadãos que compõem um determinado conjunto (seja ele um pequeno grupo ou uma nação). Estas normas, por assim dizer, necessitam estar em constantes 62 BRASIL. Presidência da República. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária. Brasília. 2006. 63 Pedagogo e Diretor-Presidente da Modus Faciendi – Desenvolvimento Social e Ação Educativa.
atualizações, acompanhando assim o estado dinâmico das formações societárias. Em relação ao Estado, é importante perceber que este tem uma grande responsabilidade de bem administrar os “poderes” que lhe foram delegados pelos cidadãos quando da formação do “contrato social”. É fato que o poder não se concentra ou se encontra em local determinado, como bem definiu Foucault, mas entrelaça-se em todos os tempos e espaços de forma difusa. Entretanto, é preponderante que este seja propagado com cautela e bom senso, visando não prejudicar os componentes da sociedade. No tocante à seletividade que o sistema imputa a todos os indivíduos, é primordial que se busque gradativamente eliminá-la, evitando-se assim os equívocos penalizantes que ocorrem diariamente. Este ponto, entretanto apresenta profundas raízes culturais que necessitarão de tempo e amadurecimento para serem aparadas, gradativamente, e eliminadas, na medida do possível. Finalmente, a questão específica no que tange ao menor infrator ainda necessita de cuidados muito especiais. É fato que as políticas criminais tiveram um grande avanço no decorrer da história e hoje estão mais brandas, mas também é fato que ainda carecem de melhorias, evitando-se que haja discriminação, pré-conceitos e preconceitos para que se possa então dar à criança e ao adolescente um tratamento digno e respeitoso no tocante aos direitos humanos, para que eles possam crescer de forma sadia (lato sensu) e serem verdadeiros cidadãos que futuramente contribuam com o crescimento da humanidade com toda a amplitude possível.
REFERÊNCIAS
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os agentes envolvidos neste processo – tanto educador quanto educando –, a Secretaria Especial de Direitos Humanos publicou em 2006 uma pesquisa62 que traz todos estes pontos, buscando clarear como estas ações ocorrem e quais as ponderações que são ainda necessárias. O que se percebe no decorrer do trabalho do Professor Antonio Carlos Gomes da Costa63 é uma grande preocupação em manter orientados os agentes educadores no sentido de buscar as melhores alternativas de (re)educação do jovem, visando sempre sua reinserção no meio social e respeitando, acima de tudo, os direitos humanos.
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Acórdão na Íntegra
Superior Tribunal de Justiça Agravo Regimental no Agravo Regimental no Recurso Especial nº 973.895/DF (2007/0184907-0) Relatora: Ministra Maria Isabel Gallotti Agravante: Mareluci de Almeida Gontijo Advogados: Libério José Azevedo Gontijo e outro(s) Agravado: Companhia de Seguros Aliança do Brasil Advogados: Marcos Jorge Caldas Pereira e outro(s)
ACÓRDÃO
A Quarta Turma, por unanimidade, não conheceu dos embargos de declaração e negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Antonio Carlos Ferreira, Marco Buzzi, Luis Felipe Salomão e Raul Araújo votaram com a Sra. Ministra Relatora. Brasília/DF, 6 de outubro de 2015 (data do Julgamento). Ministra Maria Isabel Gallotti Relatora
EMENTA AGRAVO REGIMENTAL – SEGURO DE VIDA EM GRUPO – CLÁUSULA QUE PREVÊ NÃO RENOVAÇÃO – VALIDADE – PAGAMENTO DOS PRÊMIOS – DÉBITO EM CONTA CORRENTE – SUBSISTÊNCIA DO CONTRATO ANTERIOR – NÃO OCORRÊNCIA 1. Não se conhece de embargos de declaração opostos pela mesma parte, impugnando a mesma decisão e sob o idêntico argumento deduzido no agravo regimental, por força dos princípios da unirrecorribilidade e da preclusão consumativa. 2. A prerrogativa de não renovação dos contratos de seguro de vida, concedida a ambas as partes contratantes, não configura procedimento abusivo, sendo decorrente da própria natureza do contrato. Precedente da 2ª Seção (REsp 860.605/RN). 3. A continuidade dos débitos em conta corrente dos prêmios do seguro não demonstram a intenção da seguradora em manter a apólice anterior, mas o pagamento das coberturas previstas no novo produto oferecido, sendo certo que o cancelamento dos descontos caberia ao titular da conta (segurado). Embargos de declaração também não conhecidos em face do princípio da preclusão consumativa e da unirrecorribilidade. 4. Embargos de declaração não conhecidos. Agravo regimental a que se nega provimento.
RELATÓRIO Ministra Maria Isabel Gallotti (Relatora): Trata-se de agravo regimental interposto por Mareluci de Almeida Gontijo contra decisão mediante a qual reconsiderei decisão proferida pelo Ministro Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do Tribunal e Justiça do Estado do Amapá), conheci do agravo e dei parcial provimento ao recurso especial interposto pela Companhia de Seguros Aliança do Brasil, para considerar válida a cláusula que prevê a possibilidade de não renovação de contrato de seguro de vida em grupo, com base na orientação da 2ª Seção deste Tribunal sobre o tema. Sustenta a agravante que não houve a rescisão do contrato de seguro, sob o argumento de que, a despeito de ter notificado judicialmente a seguradora de que não aceitara a não renovação do contrato e a consequente migração para outra apólice, a ora agravada permaneceu aceitando os pagamentos dos prêmios, mediante débito em conta corrente do segurado. É o relatório.
VOTO Ministra Maria Isabel Gallotti (Relatora): Anoto, inicialmente, que a ora agravante também opôs embargos de declaração (fls. 722-725) contra a mesma decisão agravada regimentalmente e sob o idêntico argumento de que não houve a rescisão do contrato de seguro em razão da continuidade dos pagamentos dos prêmios mediante débito em conta corrente, motivo pelo qual à luz dos princípios da unirrecorribilidade e da preclusão consumativa, não conheço dos referidos embargos e passo a examinar o agravo regimental de fls. e-STJ 718-721. Conheci do agravo e dei parcial provimento ao recurso especial com os seguintes fundamentos (fls. 704-715):
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Assim delimitada a questão, verifico, inicialmente, que a matéria em discussão no recurso especial – possibilidade de a seguradora não renovar o contrato de seguro de vida em grupo, após o vencimento do prazo estabelecido na apólice – é exclusivamente de direito e foi devidamente prequestionada, motivo pelo qual reconsidero a decisão agravada regimentalmente e passo a examinar o recurso especial, interposto com base nas alíneas a e c do inciso III do art. 105 da Constituição, em face de acórdão proferido pela 3ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e territórios, ementado (e-STJ, fls. 397-398):
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CIVIL – CONTRATO DE SEGURO DE VIDA EM GRUPO – ALTERAÇÃO POSTERIOR NA APÓLICE – EXCLUSÃO DE COBERTURA POR INVALIDEZ PERMANENTE DECORRENTE DE DOENÇA (IPD) – COMUNICAÇÃO DA ALTERAÇÃO À MANDATÁRIA/ESTIPULANTE – MIGRAÇÃO DOS SEGURADOS PARA OUTRA APÓLICE COM PREVISÃO DE COBERTURA SOMENTE PARA DOENÇA EM ESTÁGIO TERMINAL – AUSÊNCIA DE PROPOSTA ESCRITA À SEGURADA – PREVALÊNCIA DA APÓLICE ORIGINAL – CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – INFRINGÊNCIA AOS PRINCÍPIOS NORTEADORES – RECURSO PROVIDO 1. Em contrato de seguro de vida em grupo, ainda que o estipulante seja considerado mandatário dos segurados, tal fato, por si só, não o autoriza a proceder a alterações nas condições originalmente pactuadas na apólice e que importem verdadeira restrição aos direitos dos segurados, sem que estes manifestem expressamente e por escrito a sua anuência com a nova proposta.
2. Fere o principio da boa-fé, ínsito a todos os contratos celebrados sob a égide do Código de Defesa do Consumidor, a seguradora que, após a celebração do seguro, altera unilateralmente as coberturas inicialmente avençadas, na medida em que fere expectativa legitimamente constituída da segurada, adquirida por ocasião da celebração da avença. 3. Recurso conhecido e provido. Opostos embargos de declaração, foram os mesmos rejeitados nos termos da seguinte ementa (e-STJ, fl. 458): EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO LEGAL – REJEIÇÃO 1. Inviável se mostra o acolhimento de embargos de declaração, interpostos sob a alegação de violação de dispositivos legais, quando o objetivo precípuo do embargante é rediscutir as questões debatidas no acórdão, bem como prequestionar a alegada violação. 2. Tal pretensão não se coaduna com os estreitos limites da via dos embargos de declaração, previstos no art. 535 do Código de Processo Civil. 3. Embargos declaratórios rejeitados. Nas razões do especial, sustentou a ora agravante, em suma, ofensa aos arts. 128, 460 e 535 do Código de Processo Civil; 1.435, 1.448 e 1.471 do Código Civil de 1916; 51, incisos IV, XI e XII, do Código de Defesa do Consumidor; e 774 do Código Civil de 2002; sob o argumento de que apenas exerceu o direito assegurado a ambas as partes de não renovar o contrato de seguro de vida em grupo, denominado “Seguro Ouro Vida – Apólice 40”, oferecendo aos segurados a opção de “aderirem ou não a um novo contrato com cláusulas e condições diferentes”. Acrescenta que o entendimento do acórdão recorrido encontra-se em divergência com o posicionamento dos Tribunais de Justiça do Estados de Minas Gerais e Rio do Grande do Sul sobre o tema. Observo que o acórdão recorrido manifestou-se de forma suficiente e motivada sobre o tema em discussão nos autos. Ademais, não está o órgão julgador obrigado a se pronunciar sobre todos os argumentos apontados pelas partes, a fim de expressar o seu convencimento. No caso em exame, o pronunciamento acerca dos fatos controvertidos, a que está o magistrado obrigado, encontra-se objetivamente fixado nas razões do acórdão recorrido. Afasto, pois, a alegação de ofensa ao art. 535 do CPC.
A pedra de toque do conflito trazido aos autos está no trato da vigência da apólice de nº 93.0.0000.40, decorrente do pacto de seguro de vida firmado entre as partes, com vigência iniciada em 18.08.1994 (fls. 23/24). Atento ao acervo probatório, observa-se, primeiramente, no próprio verso da apólice em questão (fl. 24), a subsunção o pacto de seguro entabulado às chamadas “Condições Gerais e Particulares”, inserta nos autos a fls. 93/108. Em tal instrumento, percebe-se a estipulação da cláusula de nº 15.1, que reza, verbis: “A apólice é emitida com prazo de 1 (um) ano e será considerada automaticamente renovada ao fim de cada ano de vigência, caso na haja expressa desistência do estipulante ou da seguradora, até 30 (trinta) dias antes do seu aniversário”. Aliás, a própria apólice mencionada prevê, ainda em seu verso, os casos de cessação da vigência do seguro, incluindo, entre eles, o término do prazo respectivo sem a renovação. Ocorre que a parte ré, conforme assumido pela própria autora em sua exordial, manifestou, em fevereiro de 2002, o desejo de não mais renovar os termos do firmado, subsistindo a vigência até às 24:00 horas do dia 31 de março de 2002 (fl. 131). Tal ação deu-se, sem dúvida, dentro do prazo previsto contratualmente; até 30 (trinta) dias antes do aniversário do pacto (cláusula 15.1). Em seguida, a requerida providenciou outro produto, com emissão de nova apólice. O acórdão recorrido, a despeito de o voto condutor e a ementa terem afirmado tratar-se de “alteração unilateral do contrato”, hipótese que considerou não admissível por ofensa aos dispositivos do Código de Defesa do Consumidor, julgou procedente o pedido sob o fundamento de que a deliberação de não renovar a apólice foi comunicada à estipulante do seguro em grupo, Fenabb (Federação Nacional de Associações
Atléticas Banco do Brasil) e não à autora da ação, que, portanto, não anuiu às alterações inseridas no novo produto oferecido, motivo pelo qual determinou fossem pagas as coberturas previstas na “apólice 40”, confira-se (e-STJ, fls. 407-409): Consoante se extrai da peça contestatória de fls. 57/74, a seguradora requerida fez consignar que em virtude de nova realidade econômica do país – Análise Atuarial da Apólice 40 Ourovida (fls. 122/130) a atividade do ramo securitário “[...] passou a rever seus produtos, alterando coberturas e reajustando os prêmios em razão do aumento da idade dos segurados. [...] contudo, a manutenção das condições originais da apólice 40, por tempo indeterminado, comprometeria o equilíbrio financeiro de todo o grupo, colocando em riso o interesse de todos. [...] Nesse sentido, exercitando direito legalmente amparado, a Aliança do Brasil, na qualidade de gestora das reservas formadas através dos prêmios pagos pelos segurados, visando garantir segurança a toda a coletividade segurada, comunicou à Fenabb – mandatária legal dos segurados – seu desiderato de não aceitar a renovação da apólice 40, operando-se assim, a sua extinção, em 31.03.2002”. Vê-se, pois, que a seguradora ré, com vistas a se eximir do pagamento da indenização pretendida, firma-se no fato de que houve comunicação à Fenabb, mandatária, legal dos segurados, para não proceder à renovação da apólice 40, da qual fazia parte a autora e seu cônjuge, e assim promover a migração dos segurados, com alteração nas coberturas previstas, haja vista que a nova apólice não mais previa a cobertura por IPD. Com efeito, não se pode olvidar que o contrato de seguro celebrado entre a apelante e seu cônjuge com a Companhia de Seguros Aliança do Brasil é regido pelo Código de Defesa de Consumidor. A meu sentir, a conduta adotada pela seguradora ré não encontra abrigo na legislação protetiva, do consumidor, ao contrário, traduz-se em ofensa à principiologia do CDC, não podendo, pois, prosperar. O contrato de seguro, assim como os demais contratos, é formado por princípios, dentre os quais o da força obrigatória e o da autonomia da vontade e, em que pese a sua observância, tais princípios devem ser relativizados em face da legislação consumerista, que traz em seu bojo normas sociais e de ordem pública, visando à proteção do consumidor na qualidade de parte hipossuficiente da relação de consumo.
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No mérito, verifico que a sentença de improcedência do pedido delineou que a controvérsia tem por origem, não a alteração unilateral das cláusulas de contrato de seguro de vida em grupo durante o prazo estabelecido na apólice, mas a circunstância de a seguradora ter notificado aos segurados que, após o vencimento do referido prazo, o contrato não seria renovado, com base na cláusula que assegura tal prerrogativa a ambas a partes, conforme se observa nas seguintes passagens (e-STJ, fls. 310-311):
Verifico que a controvérsia reside mesmo na questão atinente à necessidade ou não da anuência do aderente de contrato de seguro em grupo às alterações que a estipulante possa fazer na pactuação
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originalmente levada a efeito entre as partes, e que impliquem em restrições de direito ou ônus ao segurado. Na hipótese retratada nos autos, a seguradora, ao pretender alterar as condições da apólice inicialmente contratada pela autora, sem comunicação formal aos seus segurados, infringiu princípios norteadores, da relação de consumo, tais quais, o dever de informação e o principio da boa-fé. Entendo que, ainda que a estipulante Fenabb, na condição de mandatária legal dos segurados, tenha se pronunciado no sentido de aceitar a negativa de renovação da apólice 40, noticiada à fl. 131, e determinar que a seguradora Ré disponibilizasse aos segurados produto em condições similares ao anteriormente contratado, ainda assim, tal fato não tem o condão de afastar a natureza do contrato de seguro, qual seja, a formalidade que deve vir estampada por meio de proposta escrita, em que o segurador impõe as cláusulas ao segurado, que pode aceitar ou rejeitar as condições estipuladas pelo segurador, o que, à toda evidência, não se verificou in casu.
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Como se não bastasse, insta destacar o teor da Cláusula 6 - Segurado, constante da apólice 40, à f.96, segundo a qual “6.2 A contratação do Seguro se formalizará através do preenchimento da Proposta de Adesão pelo Proponente e a respectiva aceitação pela Seguradora”. Ora, não se pode deixar de reconhecer que a alteração na avença original, qual seja, a exclusão da cobertura por invalidez permanente em razão de doença (IPD), era de tal monta que não era de se prescindir a realização de novo pacto, com a devida anuência dos segurados.
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Verifico, todavia, que a própria autora da ação admite que o seu cônjuge e signatário do seguro foi pessoalmente cientificado de que a apólice não seria renovada, antes do término do prazo de sua vigência, bem assim que a seguradora disponibilizaria novo produto, conforme narrado na petição inicial (e-STJ, fls. 6-8): Por volta de novembro de 1993, consoante comprova Certificado Individual de Seguro de Vida em Grupo, apólice VG nº. 5.901, anexo, com a interveniência do Banco do Brasil S/A, foi celebrada contratação securitária com a ré, estabelecendo-se cobertura para a autora em valor correspondente a 50% (cinquenta por cento) do valor do capital segurado para seu cônjuge, segurado principal. O cônjuge da autora mantém junto ao interveniente, na Agência da Universidade de Brasília, Código 3603-x, a conta corrente nº 372.609-6, onde recebe seus proventos de aposentadoria.
Ao ser celebrada a contratação, acordou-se que o Banco do Brasil S/A efetuaria mensalmente o desconto do prêmio na conta corrente do cônjuge da autora. Em conformidade com a contratação, a cobertura securitária alcançou morte, invalidez acidentária e invalidez por doença, fossem estas parciais ou totais. Progressivamente, a ré atualizou o valor segurado, com a correspondente incidência sobre o prêmio mensal, fazendo descontar na conta corrente do cônjuge da autora o valor das parcelas. Assim, durante o período que medeou o mês novembro de 1993 e março de 2002, a ré, através do interveniente, efetuou todos os meses o desconto das parcelas mensais na conta do cônjuge da autora. Em fevereiro de 2002, o cônjuge da autora recebeu correspondência da ré, pela qual esta manifestou intenção de cancelar a apólice decorrente do contrato celebrado e vigente por mais de sete anos, fazendo incluir os segurados em nova apólice, na qual excluiu o direito ao pagamento de indenização por invalidez decorrente por doença. Nesta nova apólice, a ré limitou o pagamento do seguro às doenças terminais, em flagrante desrespeito ao contrato celebrado e, durante todo o tempo respeitado pelo segurado. Sendo, pois, incontroversa nos autos a comunicação de não renovação ao segurado, o entendimento do acórdão recorrido no sentido de ser abusiva a cláusula contratual que estabelece a rescisão unilateral do contrato de seguro de vida em grupo, porque incompatível com o princípio da boa-fé objetiva de observância obrigatória nos contratos regidos pelo Código de Defesa do Consumidor, encontra-se em divergência com a orientação da 2ª Seção deste Tribunal, no julgamento do REsp 880.605/RN, concluído em 13.06.2012, de que a prerrogativa de não renovação dos contratos de seguro em grupo, concedida a ambas as partes contratantes, não configura procedimento abusivo, sendo decorrente da própria natureza do contrato, bem assim de que o entendimento também sufragado pela 2ª Seção no REsp 1.073.595/MG (Relatora Ministra Nancy Andrighi, DJ 29.04.2011), restringe-se aos contratos individuais de seguro de vida renovados sucessivamente por extenso período de tempo. Com efeito, a ementa do referido julgado tem o seguinte teor: RECURSO ESPECIAL – CONTRATO DE SEGURO DE VIDA EM GRUPO – RESCISÃO UNILATERAL – LEGALIDADE – POSSIBILIDA-
I – De plano, assinala-se que a tese jurídica encampada por esta colenda Segunda Seção, por ocasião do julgamento do Recurso Especial nº 1.073.595/MG, Relatado pela Ministra Nancy Andrighi, DJe 29.04.2011, não se aplica ao caso dos autos, notadamente porque possuem bases fáticas distintas. Na hipótese dos autos, diversamente, a cláusula que permite a não renovação contratual de ambas as partes contratantes encontra-se inserida em contrato de seguro de vida em grupo, que possui concepção distinta dos seguros individuais. In casu, não se pode descurar, também, que o vínculo contratual estabelecido entre as partes (de dez anos) perdurou interregno substancialmente inferior àquele tratado anteriormente pela Segunda Seção, de trinta anos. II – Em se tratando, pois, de contrato por prazo determinado, a obrigação da Seguradora, consistente na assunção dos riscos predeterminados, restringe-se ao período contratado, tão-somente. Na hipótese de concretização do risco, durante o período contratado, a Seguradora, por consectário lógico, é responsável, ainda, pelo pagamento da respectiva cobertura. Em contrapartida, a não implementação do risco (ou seja, a não concretização do perigo – evento futuro, incerto e alheio à vontade das partes) não denota, por parte da Seguradora, qualquer inadimplemento contratual, tampouco confere ao segurado o direito de reaver os valores pagos ou percentual destes, ou mesmo de manter o vínculo contratual. Sobressai, assim, do contrato em tela, dois aspectos relevantes, quais sejam, o do mutualismo das obrigações (diluição do risco individual no risco coletivo) e o da temporariedade contratual. III – A temporariedade dos contratos de seguro de vida decorre justamente da necessidade de, periodicamente, aferir-se, por meio dos correlatos cálculos atuarias, a higidez e a idoneidade do fundo a ser formado pelas arrecadações dos segurados, nas bases contratadas, para o efeito de resguardar, no período subseqüente, os interesses da coletividade segurada. Tal regramento provém, assim, da constatação de que esta espécie contratual, de cunho coletivo, para atingir sua finalidade, deve ser continuamente revisada (adequação atuarial), porquanto os riscos predeterminados a que os interesses segurados estão submetidos são, por natureza, dinâmicos.
IV – Efetivamente, a partir de tal aferição, será possível à seguradora sopesar se a contratação do seguro de vida deverá seguir nas mesmas bases pactuadas, se deverá ser reajustada, ou mesmo se, pela absoluta inviabilidade de se resguardar os interesses da coletividade, não deverá ser renovada. Tal proceder, em si, não encerra qualquer abusividade ou indevida potestatividade por parte da seguradora. V – Não se descura, por óbvio, da possibilidade de, eventualmente, o contrato de seguro de vida ser vitalício, entretanto, se assim vier a dispor as partes contratantes, é certo que as bases contratuais e especialmente, os cálculos atuariais deverão observar regime financeiro próprio. Ademais, o seguro de vida vitalício, ainda que expressa e excepcionalmente possa ser assim contratado, somente comporta a forma individual, nunca a modalidade em grupo. Na verdade, justamente sob o enfoque do regime financeiro que os seguros de vida deverão observar é que reside a necessidade de se conferir tratamento distinto para o seguro de vida em grupo daquele dispensado aos seguros individuais que podem, eventualmente, ser vitalício. VI – Não se concebe que o exercício, por qualquer dos contratantes, de um direito (consistente na não renovação do contrato), inerente à própria natureza do contrato de seguro de vida, e, principalmente, previsto na lei civil, possa, ao mesmo tempo, encerrar abusividade sob a égide do Código de Defesa do Consumidor, ou, ainda, inob servância da boa-fé objetiva, fundada, tão-somente, no fato de o contrato entabulado entre as partes ter tido vigência pelo período de dez anos. Não se pode simplesmente, com esteio na lei consumerista, reputar abusivo todo e qualquer comportamento contratual que supostamente seja contrário ao interesse do consumidor, notadamente se o proceder encontra respaldo na lei de regência. Diz-se, supostamente, porque, em se tratando de um contrato de viés coletivo, ao se conferir uma interpretação que torne viável a consecução do seguro pela Seguradora, beneficia-se, ao final, não apenas o segurado, mas a coletividade de segurados. VII – No contrato entabulado entre as partes, encontra-se inserta a cláusula contratual que expressamente viabiliza, por ambas as partes, a possibilidade de não renovar a apólice de seguro contratada. Tal faculdade, repisa-se, decorre da própria lei de regência. Desta feita, levando-se em conta tais circunstâncias de caráter eminentemente objetivo, tem-se que a duração do contrato, seja ela qual for, não tem o condão de criar legítima expectativa aos
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DE DECORRENTE DA PRÓPRIA NATUREZA DO CONTRATO SUB JUDICE – MUTUALISMO (DILUIÇÃO DO RISCO INDIVIDUAL NO RISCO COLETIVO) E TEMPORARIEDADE – OBSERVÂNCIA – NECESSIDADE – ABUSIVIDADE – INEXISTÊNCIA – RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO
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Do ponto de vista econômico o caráter mais relevante do contrato de seguro é a mutualidade, por meio da qual o risco individual se dissolve solidariamente entre todos os participantes do grupo de pessoas que resolvem participar da cobertura proporcionada pelo segurador, o qual se vale dos próprios recursos arrecadados entre os segurados para formar um fundo comum. É esse fundo comum que fornecerá os meios para indenizar o prejuízo individual do segurado que vier a sofrer a consumação do risco temido e acobertado pelo contrato. Cumpre, assim, ao seguro um importante papel na economia e no desenvolvimento sócio-econômico, já que enseja a formação de um “patrimônio coletivo”, embora não-público e não-estatal. Cria-se um “fundo privado”, com notável significação na vida econômica desenvolvida pela livre iniciativa.
segurados quanto à pretendida renovação. Ainda que assim não fosse, no caso dos autos, a relação contratual perdurou por apenas dez anos, tempo que se revela demasiadamente exíguo para vincular a Seguradora eternamente a prestar cobertura aos riscos contratados. Aliás, a conseqüência inexorável da determinação de obrigar a Seguradora a manter-se vinculada eternamente a alguns segurados é tornar sua prestação, mais cedo ou mais tarde, inexeqüível, em detrimento da coletividade de segurados. VII – Recurso especial improvido. Destaco, a propósito, as seguintes passagens do substancioso voto condutor do acórdão proferido pelo Ministro Massami Uyeda, nas quais Sua Excelência demonstra, com precisão, que a cláusula que permite a não renovação do contrato coletivo de seguro de vida encontra-se em perfeita harmonia com o princípio do mutualismo e encontra amparo na distinção entre as modalidades individual e coletiva, feita à luz dos respectivos regimes financeiros a que estão submetidos, fundamentos que aderi na oportunidade e adoto como razões de decidir:
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O mutualismo, no bojo do contrato de seguro, não se se circunscreve, tão-somente, à contraprestação paga pelo segurado (prêmio) em razão da assunção do risco deste pela seguradora, que, na hipótese de implementação do risco contratado, compromete-se a prestar a cobertura contratada ao segurado. Na verdade, seu conceito agrega, ainda, a ocorrente diluição do risco individual no risco reputado coletivo. É dizer, a partir da arrecadação, pela seguradora, de recursos/contribuições de cada segurado, garante-se a proteção dos interesses de toda a coletividade segurada.
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Destaca-se de autorizada doutrina, por oportuno, as seguintes considerações acerca do mutualismo nos contratos de seguro, in verbis: O mutualismo constitui, portanto, a base do seguro. Sem a coope ração da coletividade seria impossível, ou melhor, não se distinguiria do jogo. Não alcançaria, também seu objetivo social, pois, ao invés do patrimônio segurado seria sacrificado o patrimônio do segurador. A insegurança permaneceria para um e para outro. Importa socialmente evitar o sacrifício de alguém pelo risco e eliminar a insegurança que ameaça a todos. Isto é possível através do mutualismo que reparte os prejuízos para muitos em pequenas parcelas que não afetam sua estabilidade econômica. O patrimônio de todos é resguardado. Já foi dito que o seguro é a técnica da solidariedade. (ALVIM, Pedro. O contrato de seguro. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 59/60)
O mutualismo, nestes termos, encontra-se arraigado nos contratos de seguro de vida, seja na modalidade individual, seja na modalidade em grupo, já que em ambos há a formação de carteiras e, portanto, a correspondente diluição do risco individual no risco coletivo. [...] O seguro de vida vitalício, ainda que expressa e excepcionalmente possa ser assim contratado, somente comporta a forma individual, nunca a modalidade em grupo. Na verdade, justamente sob o enfoque do regime financeiro que os seguros de vida deverão observar é que reside a necessidade de se conferir tratamento distinto para o seguro de vida em grupo daquele dispensado aos seguros individuais que podem, eventualmente, ser vitalício. Nesse ínterim, revela-se oportuno e necessário mencionar o escólio de Sergio Rangel Guimarães, que, tendo em conta a distinta concepção dos seguros de vida individual e em grupo, bem como seus respectivos regimes financeiros, destaca, de forma técnica, que: Os contratos de seguro de vida em grupo são estabelecidos de forma anual, renováveis. Este ramo de seguro é fundamentado no regime financeiro de repartição simples, em que, atuarialmente, com base em tábuas de mortalidade, é estimado o valor provável de sinistros. Adiciona-se a esta estimativa os custos administrativos da seguradora, bem como o lucro da operação, os custos de colocação e os impostos. Por fim, o montante final é, de forma antecipada aos eventos, rateado entre os segurados. O preço final, que é conhecido pelo termo “prêmio comercial de seguro”, representa o valor que o segurado deverá pagar para ter direito à cobertura contratada.
Devidamente delineados os regimes financeiros dos seguros de vida na modalidade individual (quando expressamente contratado de forma vitalícia) e na modalidade em grupo (que, como visto, necessariamente, deve observar prazo determinado para sua efetiva consecução), constata-se inexistir, nos seguros de vida em grupo, qualquer reserva técnica ou provisões matemáticas (passivo para seguradora) ao final do período contratado que possam ser revertidas ao segurado. Ressalto que, a partir desses mesmos fundamentos, essa orientação foi aplicada pela 3ª Turma no recente julgamento do REsp 1.356.725/ RS, no qual foi examinada hipótese absolutamente idêntica de validade de cláusula que prevê a não renovação de contratos de seguro em grupo prevista no denominado “Seguro Ouro Vida - Apólice 40”, em discussão nos presentes autos, mediante acórdão cuja ementa que tem o seguinte teor: RECURSO ESPECIAL – CIVIL – SEGURO DE VIDA EM GRUPO (OURO VIDA – APÓLICE 40) – NÃO RENOVAÇÃO PELA SEGURADORA – AUSÊNCIA DE ABUSIVIDADE – NATUREZA DO CONTRATO (MUTUALISMO E TEMPORARIEDADE) – EXISTÊNCIA DE CLÁUSULA CONTRATUAL – NOTIFICAÇÃO DO SEGURADO EM PRAZO RAZOÁVEL 1. A Segunda Seção deste Tribunal Superior, quando do julgamento do REsp 880.605/RN (DJe 17.09.2012), firmou o entendimento de não ser abusiva a cláusula contratual que prevê a possibilidade de não renovação automática do seguro de vida em grupo por qualquer dos
contratantes, desde que haja prévia notificação em prazo razoável. Essa hipótese difere da do seguro de vida individual que foi renovado ininterruptamente por longo período, situação em que se aplica o entendimento firmado no REsp 1.073.595/MG (DJe 29.04.2011). 2. O exercício do direito de não renovação do seguro de vida em grupo pela seguradora, na hipótese de ocorrência de desequilíbrio atuarial, com o oferecimento de proposta de adesão a novo produto, não fere o princípio da boa-fé objetiva, mesmo porque o mutualismo e a temporariedade são ínsitos a essa espécie de contrato. 3. Recurso especial da Fenabb não conhecido; recurso especial da Companhia de Seguros Aliança do Brasil S.A. provido e recurso especial da Abrasconseg prejudicado. (Rel. p/o Ac. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJ 12.06.2014) Anoto, por fim, que, nesse mesmo sentido, proferi decisão singular no REsp 1.196.266/SP, reconhecendo a validade de cláusula que prevê a não renovação de contratos de seguro em grupo prevista no denominado “Seguro Ouro Vida – Apólice 40”, que, sem inconformismo algum do segurado, transitou em julgado em 25.08.2015 e, na mesma data, os autos foram restituídos ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Em face do exposto, reconsidero a decisão agravada regimentalmente e, com base no art. 557, § 1º-A, do CPC, dou parcial provimento ao recurso especial para julgar improcedente o pedido. Responderá a autora pelo pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em R$ 2.000,00 (dois mil reais), ônus suspensos nos termos do art. 12 da Lei nº 1.060/1950. Intimem-se.
Os argumentos da agravante não infirmam os fundamentos da referida decisão. Acrescento que não tem pertinência alguma a alegação de que o contrato de seguro permaneceu em vigor, sob o argumento de que os descontos dos prêmios continuaram a ser efetivados em sua conta corrente, mesmo depois de a seguradora ter sido notificada judicialmente de que não concordava ela com a não renovação do contrato e a consequente migração para outra apólice com coberturas mais restritas.
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Os seguros individuais, na sua acepção clássica, não são muito difundidos no Brasil. O ramo vida individual (VI) é fundamentado no regime financeiro de capitalização, em que o prêmio comercial de seguro é calculado de forma nivelada. Ou seja, nesta modalidade de seguro, em que os prazos contratuais são plurianuais ou vitalícios, o prêmio é fixo, não se alterando em relação ao capital segurado quando o segurado for atingindo as idades subseqüentes. Para que seja preservado o equilíbrio técnico da operação, a parte do prêmio que nos primeiros anos contratuais é superior ao risco efetivo deve ser guardada, constituindo-se uma provisão matemática correspondente (um passivo para seguradora). É utilizada a técnica atuarial, sustentada em tábuas de mortalidade e taxas de juros, para se estabelecer as tarifas e as provisões matemáticas deste tipo de seguro. (GUIMARÃES, Sergio Rangel, Fundamentação atuarial dos seguros de vida: um estudo comparativo entre os seguros de vida individual e em grupo. Rio de Janeiro: Fundação Escola Nacional de Seguros – Funenseg, v. 9, 2004. 148 p.)
E isso porque, em primeiro lugar, estabelecido na avença que os prêmios do seguro seriam pagos mediante débito em conta
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corrente do segurado, é evidente que o titular da conta (o próprio segurado e não a seguradora) seria o único autorizado a cancelar a autorização para o desconto perante o banco, caso fosse de seu interesse o cancelamento do contrato. Ademais, conforme registrei no voto condutor do acórdão embargado, a própria autora da ação, admite que o seu cônjuge e signatário do contrato foi notificado pessoalmente de que apólice não seria renovada e disponibilizado novo produto com coberturas restritas (fl. 8). Em fevereiro de 2002, o cônjuge da autora recebeu correspondência da ré, pela qual esta manifestou intenção de cancelar a apólice decorrente do contrato celebrado e vigente por mais de sete anos, fazendo incluir os segurados em nova apólice, na qual excluiu o direito ao pagamento de indenização por invalidez decorrente por doença. Nesta nova apólice, a ré limitou o pagamento do seguro às doenças terminais, em flagrante desrespeito ao contrato celebrado e, durante todo o tempo respeitado pelo segurado.
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Diante disso, os pagamentos debitados na conta corrente do cônjuge da autora da ação referiam-se aos prêmios correspondentes às novas coberturas contratadas a partir de abril de 2002, não havendo que se falar em continuidade da apólice anterior e nem de enriquecimento sem causa. Em face do exposto, nego provimento ao agravo regimental. É como voto. CERTIDÃO DE JULGAMENTO AgRg-AgRg-REsp 973.895/DF Quarta Turma Número Registro: 2007/0184907-0 Processo Eletrônico
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Números Origem: 20020110154444 20030110656757
Em Mesa Julgado: 06.10.2015 Relatora: Exma. Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti Presidente da Sessão: Exma. Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Antônio Carlos Pessoa Lins Secretária: Belª Teresa Helena da Rocha Basevi
AUTUAÇÃO Recorrente: Companhia de Seguros Aliança do Brasil Advogados: Marcos Jorge Caldas Pereira e outro(s) Recorrido: Mareluci de Almeida Gontijo Advogados: Libério José Azevedo Gontijo e outro(s) Assunto: Direito Civil – Obrigações – Espécies de Contratos – Seguro
AGRAVO REGIMENTAL Agravante: Mareluci de Almeida Gontijo Advogados: Libério José Azevedo Gontijo e outro(s) Agravado: Companhia de Seguros Aliança do Brasil Advogados: Marcos Jorge Caldas Pereira e outro(s)
CERTIDÃO Certifico que a egrégia Quarta Turma, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: A Quarta Turma, por unanimidade, não conheceu dos embargos de declaração e negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.
Os Srs. Ministros Antonio Carlos Ferreira, Marco Buzzi, Luis Felipe Salomão e Raul Araújo votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Pesquisa Temática
Ato Administrativo Ato administrativo – autoexecutoriedade – MST em prédio público – reintegração de posse – via judicial – possibilidade “Administrativo. Reintegração de posse. MST em prédio público. Autoexecutoriedade dos atos administrativos. Interesse processual. A autoexecutoriedade dos atos administrativos e o poder geral de autotutela da Administração Pública não a impedem de recorrer a via judicial para repelir eventual agressão ao patrimônio público. Afora estar afeta a atividade (material) de segurança pública ao Estado-membro (art. 25, § 1º, da CF) sendo reservada à União somente a proteção de seus próprios bens, nos limites de suas respectivas áreas, em situações de conflito acirrado como a que constitui objeto da lide (invasão de prédio público por aproximadamente 400 pessoas, inclusive com a participação de mulheres e menores), é prudente a atuação do Poder Judiciário (na condição de terceiro imparcial) em busca de uma solução pacífica.” (TRF 4ª R. – AC 2009.71.00.024917-4/RS – 4ª T. – Rel. Des. Fed. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle – DJe 04.02.2014)
Ato administrativo – benefício indevido – erro da Administração Pública – decadência – configuração “Ação anulatória de ato administrativo. Erro da Administração Pública. Benefício indevido. Inteligência da Lei Estadual nº 10.177/1998 que estabelece prazo de dez anos para que Administração possa rever seus próprios atos. Ajuizada a ação após bem mais de dez anos da realização do ato. Decadência configurada. Impossibilidade de rever o ato judicialmente. Sentença que julgou improcedente a ação mantida. Recurso improvido.” (TJSP – Ap 0055160-31.2012.8.26.0053 – 10ª CDPúb. – Rel. Marcelo Semer – DJe 15.08.2014)
Ato administrativo – faixa de domínio do DER – comércio irregular – remoção “Mandado de segurança. Ato administrativo. Remoção do comércio irregular. Permanência na faixa de domínio do DER que coloca em risco a segurança dos usuários da rodovia e das pessoas que frequentam o local. Ausência de direito líquido e certo de permanecer no local. Recurso improvido.” (TJSP – Ap 0000430-93.2009.8.26.0435 – 11ª CDPúb. – Rel. Aroldo Viotti – DJe 09.05.2014 – p. 1388)
Ato administrativo – Lei Cidade Limpa – multa – aplicação – prévio procedimento administrativo – desnecessidade “Anulação de ato administrativo. Multa administrativa. Lei Cidade Limpa. Poder de polícia da municipalidade. Sanção prevista em lei. Desnecessidade de prévio procedimento administrativo para aplicação da multa legalmente prevista. Sentença mantida. Recurso não provido.” (TJSP – Ap 0004562-73.2012.8.26.0053 – 3ª CDPúb. – Rel. Marrey Uint – DJe 18.12.2013)
Ato administrativo – licença-prêmio – revisão – prazo decadencial quinquenal – art. 54 da Lei nº 9.784/1999 – aplicabilidade “Administrativo. Ato de concessão de licença-prêmio. Revisão. Revogação. Prazo decadencial quinquenal. Art. 54 da Lei nº 9.784/1999. Norma aplicável a toda a federação. Mérito do ato administrativo. Análise de direito local. Impossibilidade de exame. 1. O art. 54 da Lei nº 9.784/1999 prevê um prazo decadencial de 5 anos, a contar da data da vigência do ato administrativo viciado, para que a administração anule os atos que gerem efeitos favoráveis aos seus destinatários. 2. No presente caso, o ato de concessão da licença-prêmio, datado de 23.04.2002, foi revisto em 28.06.2006, antes do esgotamento do prazo quinquenal. Evidente, pois, que não foi consumada a decadência para revisão do ato administrativo. 3. Quanto ao mérito do ato administrativo, impende assinalar que, embora a recorrente alegue ter ocorrido violação de matéria infraconstitucional, segundo se observa dos fundamentos do acórdão estadual, a Corte de origem dirimiu a controvérsia no âmbito local (Lei Estadual nº 10.261/1968), de modo a afastar a competência desta Corte Superior de Justiça para o deslinde do desiderato contido no recurso especial. Incidência da Súmula nº 280/STF. Agravo regimental improvido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 470.539 – (2014/0021970-0) – 2ª T. – Rel. Min. Humberto Martins – DJe 02.04.2014)
Ato administrativo – multas de trânsito anuladas – quantia – devolução – admissibilidade “Ato administrativo. Restituição de valores de multas de trânsito anuladas judicialmente. Pretensão pela devolução da quantia recolhida. Admissibilidade. O condutor de veículo que sofre autuação por infração de trânsito e obtém ordem mandamental no sentido da anulação da multa, preenche as condições e requisitos para o percebimento do reembolso da
multa paga. Decisão mantida. Recurso negado.” (TJSP – Ap 0004422-54.2013.8.26.0554 – 1ª CDPúb. – Rel. Danilo Panizza – DJe 14.04.2014)
Ato administrativo – Ordem dos Advogados do Brasil – moção de repúdio e desagravo – lista de autoridades – elaboração – ilegalidade “Constitucional. Administrativo. Ação mandamental. Lista de autoridades que receberam moção de repúdio e desagravo. Ato ilegal. Direito líquido e certo que se reconhece. 1. Consoante expresso no art. 44, II, da Lei nº 8.906/1997, a Ordem dos Advogados do Brasil tem por finalidade promover, com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção e a disciplina dos advogados em toda a República Federativa do Brasil. 2. A Ordem dos Advogados do Brasil não só tem o poder de defender as prerrogativas dos advogados como também tem competência para fiscalizar e punir os profissionais inscritos em seus quadros. 3. Ao elaborar lista de autoridades que receberam desagravo e moção de repúdio a Ordem dos Advogados do Brasil extrapolou de suas atribuições e praticou ato eivado de nulidade, porquanto aplicou, sem o devido processo legal e sem lei que autorizasse, punição a pessoas não integrantes de seus quadros, violando, com isso, o princípio da legalidade. 4. Apelação provida. Sentença reformada.” (TRF 3ª R. – AC 0025854-63.2007.4.03.6100/ SP – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Nery Junior – DJe 15.08.2014)
Ato administrativo – Procon – multa – aplicação – emissão de carnê – cobrança – ilegalidade – contratos até 30 de abril de 2008 – cobrança – possibilidade
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“Apelação cível. Ação anulatória de ato administrativo. Aplicação de multa pelo Procon por infração ao Código de Defesa do Consumidor. Cobrança de emissão de carnê (TEC). Violação à legislação consumerista. Não aplicação no caso concreto. Fixação de entendimento pelo Superior Tribunal de Justiça em recurso repetitivo de que é legal a cobrança pela emissão de boleto nos contratos firmados até 30 de abril de 2008. apelo conhecido e provido. É certa a ilegalidade da cobrança de tarifas pela emissão de boletos, por afronta à legislação consumerista. Entretanto, o Superior Tribunal de Justiça, em recurso repetitivo fixou entendimento de que referida proibição é válida para contratos firmados a partir de 30 de abril de 2008, verbis: ‘[...] A Tarifa de Abertura de Crédito (TAC) e a Tarifa de Emissão de Carnê (TEC) não foram previstas na Tabela anexa à Circular Bacen nº 3.371/2007 e atos normativos que a sucederam, de forma que não mais é válida sua pactuação em contratos posteriores a 30.04.2008. A cobrança de tais tarifas (TAC e TEC) é permitida, portanto, se baseada em contratos celebrados até 30.04.2008, ressalvado abuso devidamente comprovado caso a caso, por meio da invocação de parâmetros objetivos de mercado e circunstâncias do caso concreto, não bastando a mera remissão a conceitos jurídicos abstratos ou à convicção subjetiva do magistrado [...] (REsp 1251331/RS, Relª Min. Maria Isabel Gallotti, 2ª Seção, Julgado em 28.08.2013, DJe 24.10.2013). No caso em debate o contrato foi firmado em 25 de outubro de 2005 (fls. 123/163), razão pela qual a cobrança de referida taxa não se mostra ilegal.” (TJPR – AC 1134718-5 – 5ª C.Cív. – Rel. Des. Luiz Mateus de Lima – DJe 10.04.2014)
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Ato administrativo – revisão – Comandante-Geral da PMES – conselho disciplina – julgamento – divergência – revisão – possibilidade “Apelação cível. Revisão de ato administrativo. Exclusão a bem da disciplina. Comandante-Geral da PMES. Possibilidade de divergência do julgamento pelo conselho de disciplina, desde que fundamentadamente. Interceptações telefônicas fornecidas pelo juízo criminal. Prova emprestada. Admissibilidade. Independência entre as esferas administrativas e penal. Recurso desprovido. 1. A teor do que dispõe o art. 13 da Lei nº 3.206/1978, cabe ao Comandante-Geral da PMES, uma vez recebidos os autos já apreciados pelo Conselho de Disciplina, determinar o desfecho cabível à hipótese. Não há qualquer ilegalidade no fato do Comandante-Geral discordar da maioria do Conselho de Disciplina. Ele pode aceitar ou não o julgamento do Conselho de Disciplina e aplicar a sanção por considerar o servidor culpado. Necessário é que o faça de forma motivada e fundamentada. Precedentes. 2. A exclusão de praça com estabilidade a bem da disciplina é ato administrativo autônomo previsto na legislação militar, estando a autoridade administrativa autorizada a promover o licenciamento, inserto tal ato em seu poder discricionário e no dever de agir dentro do princípio da moralidade, de fulcro constitucional. O Poder Judiciário no controle do processo administrativo disciplinar deve limitar-se ao exame da regularidade do procedimento, bem como da legalidade do ato atacado, sendo-lhe vedada qualquer incursão no mérito administrativo. Precedentes. 3. A prova produzida em ação penal pode ser usada como prova emprestada em processo disciplinar, eis que consoante jurisprudência pátria é válida a utilização de informações colhidas em interceptação telefônica, licitamente autorizada em Inquérito Policial, como elemento de prova em processo administrativo disciplinar. Precedentes. 4. Considerada a independência entre as esferas criminal e administrativa, a imposição de sanção disciplinar pela Administração Pública, quando comprovado que o servidor praticou ilícito administrativo, prescinde de anterior julgamento na esfera criminal. Precedentes. 5. Recurso desprovido.” (TJES – Ap 0026993-34.2008.8.08.0024 – Rel. Fabio Clem de Oliveira – DJe 27.03.2014)
Jurisprudência Comentada
Furto Qualificado – Princípio da Insignificância – Aplicação LUIZ MANOEL GOMES JUNIOR
Advogado, Mestre e Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), Coordenador do Curso de Direito das Faculdades Integradas (Fafibe) (Bebedouro/SP), Professor no Curso de Mestrado da Unaerp/SP nos Cursos de Pós-Graduação da Universidade Paranaense (Unipar/PR), nos Institutos Paraibanos de Ensino (Unipê/PB) e na PUC/SP (Cogeae/SP), Coordenador Regional do Exame de Ordem/SP.
COMENTÁRIO
EMENTA FURTO QUALIFICADO – PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – APLICABILIDADE, EM SENDO IRRISÓRIO O VALOR SUBTRAÍDO – ORDEM CONCEDIDA 1. O Direito Penal, como na lição de Francisco de Assis Toledo, “[...] por sua natureza fragmentária, só vai até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico. Não se deve ocupar de bagatelas” (Princípios básicos de direito penal. Saraiva, p. 133). 2. Cumpre, pois, para que se possa falar em fato penalmente típico, perquirir-se, para além da tipicidade legal, se da conduta do agente resultou dano ou perigo concreto relevante, de modo a lesionar ou fazer periclitar o bem na intensidade reclamada pelo princípio da ofensividade, acolhido na vigente Constituição da República (art. 98, inciso I). 3. O correto entendimento da incompossibilidade das formas privilegiada e qualificada do furto, por óbvio, não inibe a afirmação da atipicidade penal da conduta que se ajusta ao tipo legal do art. 155, § 4º, inciso IV, por força do princípio da insignificância. 4. Em sendo ínfimo o valor da res furtiva, com irrisória lesão ao bem jurídico tutelado, mostra-se a conduta do agente penalmente irrelevante, não extrapolando a órbita civil. 5. Ordem concedida. (STJ – HC 21.750/SP – 6ª T. – Rel. Min. Hamilton Carvalhido – DJe 10.06.2003)
SUMÁRIO: Introdução; I – O Estado Democrático de Direito e a dignidade da pessoa humana; II – O Direito penal e sua função subsidiária; III – O princípio da insignificância penal – Caracteres; Conclusões; Referências.
INTRODUÇÃO Procuraremos, no presente trabalho, analisar as conclusões inseridas no acórdão – HC 21.750/SP – originário da 6ª Turma do STJ, Relator Ministro Hamilton Carvalhido. O paciente foi denunciado pela suposta violação ao art. 155, § 4º, I e IV, do CP por ter, segundo a denúncia, subtraído a importância de R$ 35,00 (trinta e cinco reais). Foi indeferido o pedido no sentido de se reconhecer o furto privilegiado. Segundo o acórdão prolatado em sede de apelação, a figura qualificada do tipo impede a incidência do § 2º do art. 155 do CP, restando mantida a condenação do paciente nas penas de 2 (dois)
anos de reclusão, em regime aberto, além do pagamento de 10 (dez) dias-multa. O julgamento do HC, no STJ, cingiu-se à verificação quanto à aplicação do princípio da insignificância penal, já que furtado bem de reduzido valor econômico (R$ 35,00).
I – O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA Não se pode ignorar que, na exegese de qualquer texto legal, torna-se relevante a ponderação de diversos valores, especialmente quando prevalecem as regras de uma Constituição Democrática que, já em seu preâmbulo, deixa evidenciada a sua opção por uma sociedade na qual são privilegiados a igualdade, o bem-estar e a justiça, entre outros.
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Atualmente, é assente que a
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dignidade da pessoa é valor supremo da democracia [...]. Na observação de Ana Paula de Barcellos, “um dos poucos consensos teóricos do mundo contemporâneo diz respeito ao valor essencial do ser humano. Ainda que esse consenso ou que essa expressão, por demais genérica, seja capaz de agasalhar concepções as mais diversas – eventualmente contraditórias –, o fato é que a dignidade da pessoa humana, o valor do homem com um fim em si mesmo, é hoje um axioma da civilização ocidental, e, talvez, a única ideologia remanescente” (Normatividade dos princípios e o princípio da dignidade da pessoa humana na Constituição de 1988. RDA, n. 221/159) [...].1
A nosso ver, representa uma diretriz a ser seguida pelos legisladores e aplicadores do Direito, de modo a valorizar o indivíduo, enquanto ente único de uma sociedade, respeitando os seus anseios e as suas necessidades, bem como a sua natureza enquanto ser humano. Analisando tal aspecto, a doutrina 2 já deixou consignado, invocando a lição de Jorge Miranda, que: [...] “No reino dos fins, tudo tem um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode-se pôr em vez dela qualquer outro como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço e, portanto, não permite equivalente, então tem ela dignidade”. Com isso quis dizer que a pessoa humana é valor que transcende pretensos interesses coletivos, e com este pensamento o autor “afasta a ideia de predomínio das concepções transpessoalistas de Estado e Nação, em detrimento da liberdade individual [...]”.
II – O DIREITO PENAL E SUA FUNÇÃO SUBSIDIÁRIA
Mas no que se traduz a alegada dignidade da pessoa humana?
Não se pode ignorar que o Direito Penal somente deve incidir naquelas situações em que existir uma real violação ao bem jurídico protegido. Em outras palavras, deve haver uma agressão
1 TJRGS, AC 70002434710, Porto Alegre, Rel. Des. Armínio José Abreu Lima da Rosa, J. 25.04.2001, RJTJERGS 206/378.
2 BIM, Eduardo Fortunato. A inconstitucionalidade da responsabilidade objetiva no direito tributário sancionador. RT, São Paulo, n. 788, p. 155.
Como já decidido4: Ora, nos casos de ínfima afetação do bem jurídico, o conteúdo do injusto é tão pequeno que não subsiste nenhuma razão para o pathos ético da pena. É indispensável que o fato tenha acarretado uma ofensa de certa magnitude ao bem jurídico protegido para que se possa concluir por um juízo positivo de tipicidade.
Na verdade, desproporcional uma pena de 2 (dois) anos de reclusão, ainda que em regime aberto, quando se verifica que o bem objeto da subtração foi a quantia de R$ 35,00 (trinta e cinco reais). Deve ser ponderado que a aplicação de qualquer sanção é indispensável uma adequação meio-fim, em outras palavras, a proporcionalidade.
III – O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA PENAL – CARACTERES Há determinadas situações nas quais o Direito Penal não deve se ocupar, ou seja, quando houver uma violação irrelevante, sob o ponto de vista jurídico, que não justifique a intervenção do aparelho jurisdicional em sede penal. 3 STEFANI, Gaston; LEVASSEUR, Georges. Droit pénal général et procédure penale. 9. ed. Paris, t. II, 1975; MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. Rio de Janeiro: Forense, v. 1, p. 11-13. 4 TRF, Ap. 96.05.18872-4/PE, 2ª T., Rel. Juiz Araken Mariz, J. 05.09.2000, DJU 23.03.2001, RT 792/743.
Em outras palavras, quando a violação for de tal modo insignificante que deva ser ignorada pelo aparelho repressor estatal. Seja crime doloso, seja crime culposo, o que se mostra relevante para a incidência do denominado princípio da insignificância é o grau de violação à norma penal, a gravidade da conduta concretamente considerada. Assim, para a incidência do princípio da insignificância é essencial ponderar qual a natureza ou magnitude da lesão provocada, e não o dolo do agente, sendo viável a adoção de tal princípio, ainda que o crime seja doloso. Em outros precedentes, o STJ já havia aplicado o princípio da insignificância. Em tal sentido: [...] O princípio da insignificância, para E. R. Zaffaroni (Manual de derecho penal. 6. ed., p. 474-475), é caso de atipicidade conglobante em que a conduta, sendo legalmente típica, não é penalmente típica por ausência de antinormatividade (Tipicidade conglobante, ob. cit., p. 383 e ss.). Diz o mestre argentino que nem toda afetação mínima do bem jurídico é capaz de configurar a afetação requerida pela tipicidade penal. Assim alerta que “todo el orden normativo persigue una finalidad, tiene un sentido, que es el aseguramiento jurídico para posibilitar una coexistencia que evite la guerra civil (la guerra de todos contra todos). La insignificancia sólo puede surgir a la luz de la finalidad general que le da sentido al orden normativo y, por ende, a la norma en particular, y que nos indica que esos supuestas están excluidos de su ámbito de prohibición, lo que no se puede establecer a la simple luz de su consideración aislada” (ob. cit., p. 475). Exemplifica com casos, v.g., de apoderamento de objeto de valor mínimo (uma vela), ou do recebimento, por pequeno funcionário, de agrado de Natal (o que não afeta a imagem da Administração). [...] Carlos Vico Manãs (O princípio da insignificância como excludente da tipicidade no direito penal. Saraiva, 1994), por seu turno, preleciona que “nos casos de ínfima afetação do bem jurídico, o conteúdo de injusto é tão pequeno que não subsiste qualquer razão para a imposição
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que justifique a incidência da pesada sanção de natureza penal. Segundo autorizado magistério doutrinário, se é certo que com a prática de um delito passe a existir a possibilidade de sanção, ou seja, uma reação pela sociedade, essa, contudo, “[...] não é instintiva, arbitrária e irrefletida; ela é ponderada, regulamentada, essencialmente judiciária” (destaques nossos)3.
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da reprimenda. Ainda a mínima pena aplicada seria desproporcional à significação social do fato” [...].5
tamento penal é penalmente irrelevante [...]” (destaques nossos)7.
A questão tem sido objeto de detida análise pela doutrina. Segundo Fernando Célio de Brito Nogueira6,
Realmente, no caso concreto não houve lesão ao bem jurídico protegido de modo a justificar a pena aplicada, sob pena de violação ao princípio da proporcionalidade ou razoabilidade, assumindo ares de vingança estatal8.
[...] numa visão mais humana do Direito Penal, o princípio da insignificância não pode ser desprezado ou desconsiderado a pretexto de fomentar a impunidade. O que fomenta a impunidade e o recrudescimento da criminalidade são muito mais a ausência de resposta estatal efetiva aos grandes desmandos e ilicitudes da Nação, condutas que não raras vezes sangram os cofres públicos e o bolso dos cidadãos que trabalham e pagam impostos, bem como o não atendimento das necessidades básicas das pessoas.
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Não se pode olvidar que “[...] o crime, por sua vez, reclama resultado, ou seja, repercussão no bem jurídico tutelado pela ocorrência de dano ou perigo. Sem esse evento, o compor-
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5 STJ, HC 9.199/MG, Rel. Felix Fischer, J. 17.06.1999, RSTJ 126/374375. No mesmo sentido: STJ, REsp 229.390/PR, Rel. Min. Vicente Leal, J. 19.09.2000, RSTJ 136/552. 6 Os miseráveis e o princípio da insignificância. Boletim IBCCrim, a. 10, n. 116, p. 7, jul. 2002. Analisando o tema, Luiz Flávio Gomes (Delito de bagatela: princípios da insignificância e da irrelevância penal do fato. Boletim IBCCrim, n. 102, p. 2, maio 2001) tece interessantes considerações: “[...] Ambos os princípios (da insignificância tout court e da irrelevância penal do fato), creio, podem ser englobados numa clássica (sugestiva e expressiva) denominação: infração de bagatela (mesmo porque, quando se fala em infração de bagatela ou delito de bagatela imediatamente conseguimos apreender o espectro do seu conteúdo: é algo insignificante, de ninharia ou, em outras palavras, não se trata de um ataque intolerável ao bem jurídico, que necessite da intervenção penal). De qualquer maneira, não ocupam os dois princípios a mesma posição topográfica dentro do fato punível. O princípio da insignificância é causa de exclusão da tipicidade do fato; o princípio da irrelevância penal do fato é causa de dispensa da pena (em razão da sua desnecessidade no caso concreto) [...]”.
Não é ocioso afirmar que, em um Estado Democrático de Direito, inexiste poder absoluto. Todos os atos de quaisquer dos Poderes do Estado – Judiciário, Executivo e Legislativo – se sujeitam à CF e, ainda, aos princípios nela inseridos. Um dos limites mais evidentes na atuação dos Poderes Executivo e Legislativo é o da razoabilidade, também intitulado como da proporcionalidade. Assim, tanto as restrições a determinados direitos como, ainda, a discriminação positiva (que cria privilégios) sujeitam-se a tal limitação. Será inadmissível qualquer tipo de atuação estatal que vá além dos limites do razoável para o atendimento de determinado interesse público. Devem o administrador, o legislador e o julgador sopesarem os fins a serem alcançados e os meios
7 STJ, REsp 234.623/PR, Rel. Min. Vicente Leal, J. 03.04.2000, RT 782/ 558-559. 8 Conforme já decidido: “Por isso, deve o órgão investido do ofício judicante resistir à tendência de, em época de delinquência exacerbada, caminhar para a persecução criminal a ferro e fogo, com desprezo de normas comezinhas, entre as quais surge, com relevância maior, a alusiva ao princípio da não culpabilidade” (Ver Trim. Jurisp. 171/582). (TACrimSP, RSE 1.316.405/3, Rel. Des. Carlos Biasotti, J. 25.07.2002, RT, v. 810, p. 633).
Na lição da doutrina11: [...] 3. O princípio da proporcionalidade, também conhecido princípio da proibição do excesso, pode ser entendido como princípio do Estado de Direito, ou direito fundamental, que vai desdobrar-se em vários aspectos ou até requisitos. A solução adotada para a efetivação do ato ou medida deve ser adequada a seu fim ou fins. Deve ser conforme nos fins que justificam a sua adoção. É o meio e fim [...]. [...] Como expõe Konrad Hesse, para o Direito alemão, a proporcionalidade expressa uma relação de duas grandezas variáveis. Não devem ir mais além do que é necessário para produzir a concordância de ambos os bens jurídicos, e insiste na relação entre concessões e restrições de liberdade, sendo determinada no sentido de uma presunção inicial a favor da liberdade. (HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998. p. 67) [...]. (destaques nossos)
Havendo a adoção de meios desproporcionais ou que não sejam razoáveis, estará sempre presente uma incompatibilidade com os valores e princípios adotados pela CF, e, consequentemente, haverá uma inconstitucionalidade. 9 A questão nem é nova na jurisprudência, como pode ser verificado em antigos precedentes do STF: Representação por Inconstitucionalidade nº 930/DF, Rel. Min. Rodrigues Alckmin; RE 18.331, Rel. Min. Orozimbo Nonato, RF 145/164; e Representação por Inconstitucionalidade nº 1.077, Rel. Min. Moreira Alves, RTJ 112/58-59. 10 CARRAZZA, Roque Antonio; BOTTALLO, Eduardo. Anistia eleitoral – Artigo 2º da Lei nº 9.996/2000 – Sua inconstitucionalidade, por abuso de poder legislativo. RT, São Paulo, n. 779, p. 95. 11 ROSAS, Roberto. Devido processo legal: proporcionalidade e razoabilidade. RT, São Paulo, n. 783, p. 12-13, 2001.
Conforme reiteradamente decidido pelo STF12: [...] O exame da adequação de determinado ato estatal ao princípio da proporcionalidade, exatamente por viabilizar o controle de sua razoabilidade, com fundamento no art. 5º, LV, da CF, inclui-se, por isso mesmo, no âmbito da própria fiscalização de constitucionalidade das prescrições normativas emanadas do Poder Público. [...] Essa é a razão pela qual a doutrina, após destacar a ampla incidência desse postulado sobre os múltiplos aspectos em que se desenvolve a atuação do Estado – inclusive sobre a atividade estatal de produção normativa -, adverte que o princípio da proporcionalidade, essencial à racionalidade do Estado Democrático de Direito e imprescindível à tutela mesma das liberdades fundamentais, proíbe o excesso e veda o arbítrio do Poder, extraindo a sua justificação dogmática de diversas cláusulas constitucionais, notadamente daquela que veicula, em sua dimensão substantiva ou material, a garantia do due process of law (STUMM, Raquel Denize. Princípio da proporcionalidade no direito constitucional brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995. p. 159-170; FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. São Paulo: Saraiva, item n. 14, 1995. p. 111-112; BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Malheiros, item n. 11, 1993. p. 352-355) [...].
Impossível deixar de afirmar que, realmente, no caso concreto houve um excesso de lavra das instâncias ordinárias, considerando o ato praticado e a punição imposta, devidamente corrigido pelo STJ em sede de HC.
CONCLUSÕES Desse modo, podemos concluir que, em um Estado Democrático de Direito, deve ser sempre privilegiada a dignidade da pessoa 12 STF, ADIn-MC 2.551/MG, Rel. Min. Celso de Mello, J. 19.12.2002, DJU 03.02.2003, p. 62 e ss.
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empregados, de forma que esses justifiquem aqueles9. É a proibição do excesso10.
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humana, notadamente quando se almeja a aplicação de sanção de natureza penal. Trata-se de verdadeira regra de princípios; antes são privilegiados a dignidade da pessoa humana, a cidadania, os valores pessoais do indivíduo, atuando o princípio da insignificância penal como fator de proteção, isso em detrimento do Direito Penal, que somente deve ser invocado em caráter subsidiário, não sendo constitucionalmente lícita a sua aplicação quando a violação ao bem jurídico protegido não se revestir de uma visível gravidade. Anote-se, de qualquer modo, precisa advertência13 de respeitável posição jurisprudencial:
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[...] Casos haverá (sendo o dos autos desse número) em que ao Magistrado corre o dever de repelir, com retidão e sabedoria, a ingrata censura, na qual se detinham e compraziam já nossos maiores, por onde “regimentos não se executam senão nos pobres; leis e prisões se guardam, senão contra os desamparados” (COUTO, Diogo do. Diálogo do soldado prático, 1790, p. 19).
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Ou ainda: [...] os quais disseram que as leis e justiça eram tais como a teia de aranha, na qual os mosquitos pequenos, caindo, são retidos e morrem nela, e as moscas grandes e que são mais rijas, jazendo nela, rompem-na e vão-se, e assim diziam eles que as leis e justiça, se não cumpriam senão os pobres, mas os outros, que tinham ajuda e recurso, caindo nela, rompiam-na e escapavam. (LOPES, Fernão. Crônica de D. Pedro I, 1965, p. 43) 13 TACrimSP, RSE 1.316.405/3, Rel. Des. Carlos Biasotti, J. 25.07.2002, RT, v. 810, p. 633-634.
Por fim, para que seja aplicado o princípio da insignificância penal, mostra-se irrelevante se o delito é doloso ou culposo; importa apenas a sua gravidade em abstrato frente ao direito pretensamente ofendido.
REFERÊNCIAS BIM, Eduardo Fortunato. A inconstitucionalidade da responsabilidade objetiva no direito tributário sancionador. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 788, ago. 2001. BRITO, Miguel Nogueira de. Originalismo e interpretação constitucional. Sub Judice, Lisboa: DocJuris, v. 12, 1998. CARRAZZA, Roque Antonio; BOTTALLO, Eduardo Bottallo. Anistia eleitoral – Artigo 2º da Lei nº 9.996/2000 – Sua inconstitucionalidade, por abuso de poder legislativo. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 779, 2000. FALCÃO, Raimundo Bezerra. Hermenêutica. São Paulo: Malheiros, 1997. GOMES, Luiz Flávio. Delito de bagatela: princípios da insignificância e da irrelevância penal do fato. Boletim IBCCrim, n. 102, maio 2001. MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. Rio de Janeiro: Forense, v. 1. MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 1996. MELLO FILHO, José Celso de. Constituição Federal anotada. São Paulo: Saraiva, 1984. NOGUEIRA, Fernando Célio de Brito. Os miseráveis e o princípio da insignificância. Boletim IBCCrim, a. 10, n. 116, jul. 2002. ROSAS, Roberto. Devido processo legal: proporcionalidade e razoabilidade. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 783, 2001. STEFANI, Gaston; LEVASSEUR, Georges. Droit pénal général et procédure penale. 9. ed. Paris, t. II, 1975.
Medida Provisória Medida Provisória nº 699, de 10.11.2015 – DOU de 11.11.2015 Altera a Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, que institui o Código de Trânsito Brasileiro.
Dezembro/2015 – Ed. 225
Nota: Prezado assinante, todas as normas selecionadas, inclusive medidas provisórias, podem ser consultadas em nosso endereço eletrônico www.sintese.com.
89
2.186-16, DE 23.08.2001
Patrimônio Genético. Diversidade Biológica Previdência Social. Alteração na Legislação
2 .156-5, DE 24.08.2001
Agência de Desenvolvimento do Nordeste – Adene
2.187-13, DE 24.08.2001
2.157-5, DE 24.08.2001
Agência de Desenvolvimento da Amazônia – ADA
2.189-49, DE 23.08.2001
IR. Alteração na Legislação
2.158-35, DE 24.08.2001
Cofins, PIS/Pasep e IR. Alteração na Legislação
2.190-34, DE 23.08.2001
Vigilância Sanitária. Alteração da Lei nº 9.782/1999
2.159-70, DE 24.08.2001
IR. Alteração na Legislação
2.192-70, DE 24.08.2001
Proes. Bancos Estaduais
2.161-35, DE 23.08.2001
Programa Nacional de Desestatização. Alteração da Lei nº 9.491/1997
2.196-3, DE 24.08.2001
Instituições Financeiras Federais. Recuperação. Empresa Gestora de Ativos – Emgea
2.162-72, DE 23.08.2001
Notas do Tesouro Nacional – NTN
2.197-43, DE 24.08.2001
SFH. Disposições
2.163-41, DE 23.08.2001
Meio Ambiente. Alteração da Lei nº 9.605/1998
2.198-5, DE 24.08.2001
Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica
2.164-41, DE 24.08.2001
Alteração da CLT. Trabalho a Tempo Parcial e PAT
2.199-14, DE 24.08.2001
IR. Incentivos Fiscais
2.165-36, DE 23.08.2001
Servidor Público e Militar. Auxílio-Transporte
2.200-2, DE 24.08.2001
Infraestrutura de Chaves Públicas. ICP-Brasil
2.166-67, DE 24.08.2001
Código Florestal. Alteração da Lei nº 4.771/1965
2.206-1, DE 06.09.2001
Programa Nacional de Renda Mínima
2.167-53, DE 23.08.2001
Recebimento de Valores Mobiliários pela União
2.208, DE 17.08.2001
Estudante Menor de 18 Anos. Comprovação
2.168-40, DE 24.08.2001
Cooperativas. Recoop. Sescoop
2.209, DE 29.08.2001
Comercializadora Brasileira de Energia Elétrica – CBEE
2.169-43, DE 24.08.2001
Servidor Público. Vantagem de 28,86%
2.210, DE 29.08.2001
Orçamento. Crédito Extraordinário
2.170-36, DE 23.08.2001
Tesouro Nacional. Administração de Recursos
2.211, DE 29.08.2001
Orçamento 2001 e 2002. Diretrizes
2.172-32, DE 23.08.2001
Usura. Agiotagem
2.213-1, DE 30.08.2001
Programa Bolsa-Renda. Estiagem
2.173-24, DE 23.08.2001
Anuidades Escolares
2.214, DE 31.08.2001
Administração Pública Federal. Recursos
2.174-28, DE 24.08.2001
União. Programa de Desligamento Voluntário – PDV
2.215-10, DE 31.08.2001
Militares das Forças Armadas. Reestruturação da Remuneração
2.177-44, DE 24.08.2001
Planos de Saúde. Alteração da Lei nº 9.656/1998
2.220, DE 04.09.2001
Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano – CNDU
2.178-36, DE 24.08.2001
Programa Nacional de Alimentação Escolar. Dinheiro Direto na Escola
2.224, DE 04.09.2001
Capitais Brasileiros no Exterior
2.225-45, DE 04.09.2001
Servidor Público. Tráfico de Entorpecentes. Alteração das Leis nºs 6.368/1976 e 8.112/1990
2.179-36, DE 24.08.2001
União e Banco Central. Relações Financeiras
2.180-35, DE 24.08.2001
Advocacia-Geral da União. Alteração na Legislação
2.226, DE 04.09.2001
Alteração da CLT
2.181-45, DE 24.08.2001
Operações Financeiras do Tesouro Nacional
2.227, DE 04.09.2001
Plano Real. Correção Monetária. Exceção
2.183-56, DE 24.08.2001
Reforma Agrária. Alteração na Legislação
2.228-1, DE 06.09.2001
2.184-23, DE 24.08.2001
Carreira Policial. Gratificação
Cultura. Política Nacional do Cinema – Ancine. Prodecine. Funcines
2.185-35, DE 24.08.2001
Dívida Pública Mobiliária. Consolidação. Assunção. Refinanciamento
2.229-43, DE 06.09.2001
Policiais Civis da União e DF. Alteração na legislação
Normas do Juris SÍNTESE atingidas pelas Medidas Provisórias em vigor (até 31.10.2015) Nota: Prezado assinante, todas as normas selecionadas, inclusive as medidas provisórias, podem ser consultadas em nosso endereço eletrônico www.sintese.com. MP 678 684 688 688 688 689 690 690 691 691 691
DOU 24.06.2015 22.07.2015 18.08.2015 18.08.2015 18.08.2015 31.08.2015-extra 31.08.2015-extra 31.08.2015-extra 31.08.2015-extra 31.08.2015-extra 31.08.2015-extra
ART 1º 1º 2º 3º 4º 1º 8º 9º 12 15 16
NORMA LEGAL Lei nº 12.462/11 Lei nº 13.019/2014 Lei nº 10.848/2004 Lei nº 12.783/2013 Lei nº 9.478/1997 Lei nº 8.112/1990 Lei nº 9.430/1996 Lei nº 11.196/2005 Lei nº 9.636/1998 DL 3.438/1941 DL 9.760/1946
ALTERAÇÃO 1º 83 e 88 2º 8º e 15 2º 183 25, 27 e 29 28 a 30 37 4º 100
MP 691 691 692 692 693 693 694 694 694 694 694
DOU 31.08.2015-extra 31.08.2015-extra 22.09.2015 22.09.2015 30.09.2015-extra 30.09.2015-extra 30.09.2015-extra 30.09.2015-extra 30.09.2015-extra 30.09.2015-extra 30.09.2015-extra
ART 18 18 1º 3º 1º 2º 1º 2º 3º 5º 5º
NORMA LEGAL Lei nº 9.636/1998 Lei nº 13.139/2015 Lei nº 8.981/1995, MP 685/2015 Lei nº 12.780/2013 Lei nº 10.593/2002 Lei nº 9.249/1995 Lei nº 10.865/2004 Lei nº 11.196/2005 Lei nº 11.196/2005 Lei nº 10.865/2004
ALTERAÇÃO 24 e 27 1º 21 2º 18-A, 23-A, 23-B e 23-C 5º-A 9º 8º 19, 19-A, 26 e 56 56, 57, 57-A e 57-B 8º
DOU 05.10.2015 23.10.2015-extra 11.11.2015 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 27.08.2001
ART 2º 1º 1º 32 32 32 32 32 2º e 93 3º e 93 10 e 93 19 e 93 34 e 75 64 69 70 72 73 73 e 93 75 82 93 93 93 93 93 93 1º e 6º 6º 1º 7º e 8º
NORMA LEGAL Lei nº 10.683/2003 Lei nº 11.977/2009 Lei nº 9.503/1997 DL 1.376/74 DL 2.397/87 Lei nº 8.034/90 Lei nº 9.532/97 DL 1.376/74 Lei nº 9.718/98 Lei nº 9.701/98 Lei nº 9.779/99 Lei nº 9.715/98 Lei nº 9.532/97 D nº 70.235/72 DL 1.455/76 Lei nº 9.430/96 Lei nº 8.218/91 Lei nº 9.317/96 Lei nº 9.317/96 Lei nº 9.532/97 Lei nº 8.981/95 Lei nº 9.432/97 LC 70/91 LC 85/96 Lei nº 7.714/88 Lei nº 9.004/95 Lei nº 9.493/97 Lei nº 9.491/97 Lei nº 9.094/95 Lei nº 9.605/98 Lei nº 7.998/90
2.164-41
27.08.2001
1º e 2º
CLT
2.164-41 2.164-41 2.164-41 2.164-41 2.164-41 2.164-41 2.165-36 2.165-36 2.166-67
27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 25.08.2001-extra
3º 4º 5º 6º 9º 10 13 13 1º
Lei nº 4.923/65 Lei nº 5.889/73 Lei nº 6.321/76 Lei nº 6.494/77 Lei nº 8.036/90 Lei nº 9.601/98 Lei nº 7.418/85 Lei nº 8.627/93 Lei nº 4.771/65
2.166-67 2.167-53 2.168-40 2.168-40 2.168-40 2.170-36 2.172-32 2.173-24 2.177-44
25.08.2001 24.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 27.08.2001
3º 2º e 3º 13 14 18 8º 7º 1º e 2º 1º e 8º
Lei nº 9.393/96 Lei nº 9.619/98 Lei nº 5.764/71 Lei nº 9.138/95 Lei nº 10.186/01 Lei nº 8.212/91 Lei nº 1.521/51 Lei nº 9.870/99 Lei nº 9.656/98
2.178-36
25.08.2001-extra
16
Lei nº 9.533/97
ALTERAÇÃO 1°, 3°, 5°, 6°, 16, 25, 27, 29 e 54 6º-A 253-A, 271-A e 320-A 1º e 11 12 1º 2º 1º 3º e 8º 1º 14 e 17 2º e 4º 1º e 64-A 1º, 25 e 64-A 1º, 9º, 10, 16, 18, 19 e 64-A 63 11 e 12 1º e 64-A 9º e 15 1º, 15 e 64-A 29 11 6º e 7º Revogada 5º Revogada 7º 2º, 4º, 5º, 6º e 30 2º 79-A 2º, 2º-A, 2º-B, 3º-A, 7º-A, 8º-A, 8º-B e 8º-C 58-A, 59, 130-A, 143, 476-A, 627-A, 643 e 652 1º 18 2º 1º 19-A, 20, 29-C e 29-D 2º 1º 6º 1º, 3º-A, 4º, 14, 16, 37-A, 44, 44-A, 44-B e 44-C 10 1º e 4º-A 88 2º 7º 60 4º, § 3º 1º e 6º 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 24-A, 24-B, 24-C, 24-D, 25, 26, 27, 28, 29, 29-A, 30, 31, 32, 34, 35, 35-A, 35-B, 35-C, 35-D, 35-E, 35-F, 35-G, 35-H e 35-I 4º
MP 2.178-36 2.180-35
DOU 25.08.2001-extra 27.08.2001
ART 32 1º
NORMA LEGAL Lei nº 8.913/97 Lei nº 8.437/92
ALTERAÇÃO Revogada 1º e 4º
2.180-35
27.08.2001
4º
Lei nº 9.494/97
2.180-35 2.180-35 2.180-35 2.180-35 2.180-35 2.180-35 2.181-45 2.181-45 2.181-45 2.183-56 2.183-56 2.183-56 2.187-13 2.187-13 2.187-13 2.187-13 2.187-13 2.189-49 2.189-49 2.189-49 2.189-49 2.190-34 2.192-70 2.196-3 2.196-3 2.197-43 2.197-43 2.197-43 2.199-14 2.211 2.211 2.214 2.215-10 2.215-10
27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 25.08.2001-extra 25.08.2001 25.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 30.08.2001 30.08.2001 01.09.2001-extra 01.09.2001 01.09.2001
6º 7º 8º 10 14 21 45 46 52 1º 3º 4º 2º 3º e 16 4º e 16 7º 16 10 11 13 14 7º e 8º 23 12 14 3º e 8º 4º e 8º 5º 18 1º 2º 1º 41 41
Lei nº 7.347/85 Lei nº 8.429/92 Lei nº 9.704/98 CPC Lei nº 4.348/64 Lei nº 10.257/01 Lei nº 8.177/91 Lei nº 9.365/96 Lei nº 10.150/00 DL 3.365/41 Lei nº 8.177/91 Lei nº 8.629/93 Lei nº 6.015/73 Lei nº 8.212/91 Lei nº 8.213/91 Lei nº 9.639/98 Lei nº 9.711/98 Lei nº 9.532/97 Lei nº 9.250/95 Lei nº 9.430/96 Lei nº 9.317/96 Lei nº 9.294/96 Lei nº 9.496/97 Lei nº 8.036/90 Lei nº 7.827/89 Lei nº 8.692/93 Lei nº 4.380/64 Lei nº 8.036/90 Lei nº 9.532/97 Lei nº 9.995/00 Lei nº 10.266/01 Lei nº 10.261/01 Lei nº 8.448/92 Lei nº 8.460/92
2.217-3
05.09.2001
1º
Lei nº 10.233/01
2.220 2.224 2.225-45 2.225-45
05.09.2001-extra 05.09.2001 05.09.2001 05.09.2001
15 4º 1º 2º, 3º e 15
Lei nº 6.015/73 Lei nº 4.131/62 Lei nº 6.368/76 Lei nº 8.112/90
2.225-45 2.225-45 2.226 2.226 2.228-1 2.228-1
05.09.2001 05.09.2001 05.09.2001 05.09.2001 05.09.2001 05.09.2001
4º 5º 1º 3º 51 52 e 53
Lei nº 8.429/92 Lei nº 9.525/97 CLT Lei nº 9.469/97 Lei nº 8.685/93 Lei nº 8.313/91
2.229-43 2.229-43
10.09.2001 10.09.2001
72 74
Lei nº 9.986/00 Lei nº 8.745/93
1º-A, 1º-B (CPC e CLT), 1º-C, 1º-D, 1ºE, 1º-F, 2º-A e 2º-B 1º e 2º 17 1º 741 4º 53 18 6º 1º 10, 15-A, 15-B e 27 5º 2º, 2º-A, 5º, 6º, 7º, 11, 12, 17, 18 e 26-A 80 38, 55, 56, 68, 101 e 102 41, 95, 96, 134, 144, 145, 146 e 147 1º, 2º e 5º 7º, 8º, 9º, 12, 13, 14, 15, 16 e 17 6º, II, 34 e 82, II, f 10 e 25 79 9º 2º, 3º e 7º 1º, 3º, 6º, 7º-A e 7º-B 9º 9º-A 23 e 25 9º, 14 e 18 9º, 20, 23, 29-A e 29-B 4º 35 e 70 18, 34, 38 e 51 1º 6º 2º, 20, 25, 26 e 27, 5º, 7º-A, 13, 14, 14-A, 23, 24, 27, 28, 30, 32, 34-A, 38, 44, 51-A e 61-A 74, 77, 78-A, 78-B, 78-C, 78-D, 78-E, 78-F, 78-G, 78-H, 78-I 78-J, 82, 83, 84, 85-A, 85-B, 85-C, 85-D, 86, 88, 89, 100, 102-A, 103-A, 103-B, 103-C, 103-D, 113-A, 114-A, 15, 116-A, 118 e 119 167, I 6º 3º 25, 26, 46, 47, 61, 62-A, 67, 91, 117 e 119 17 2º 896-A 6º 5º 3º, II, a (a partir de 01.01.2007), e 18, § 3º 22 4º
Dezembro/2015 – Ed. 225
MP 696 698 699 2.156-5 2.156-5 2.156-5 2.156-5 2.157-5 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.161-35 2.162-72 2.163-41 2.164-41
90
Normas Legais Lei nº 13.195, de 25.11.2015 Altera a Lei nº 12.712, de 30 de agosto de 2012, para estabelecer que a Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e Garantias S.A. – ABGF ficará encarregada da gestão do Fundo de Estabilidade do Seguro Rural – FESR até a completa liquidação das obrigações deste Fundo, as Leis nºs 4.829, de 5 de novembro de 1965, e 10.823, de 19 de dezembro de 2003, e o Decreto-Lei nº 73, de 21 de novembro de 1966. Mensagem de veto (DOU de 26.11.2015) Lei nº13.194, de 24.11.2015
Altera a Lei nº 7.573, de 23 de dezembro de 1986, que “dispõe sobre o Ensino Profissional Marítimo”. (DOU de 25.11.2015)
Lei nº 13.193, de 24.11.2015 Altera a Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980, que define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil e cria o Conselho Nacional de Imigração, para dispor sobre a dispensa unilateral do visto de turista por ocasião dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de 2016, Rio 2016. (DOU de 25.11.2015) Lei nº 13.192, de 23.11.2015 Altera a Lei nº 13.080, de 2 de janeiro de 2015, que dispõe sobre as diretrizes para a elaboração e execução da Lei Orçamentária de 2015. (DOU de 24.11.2015) Lei nº 13.191, de 23.11.2015 Altera o Anexo V à Lei nº 13.115, de 20 de abril de 2015, que estima a receita e fixa a despesa da União para o exercício financeiro de 2015. Mensagem de veto (DOU de 24.11.2015) Lei nº 13.190, de 19.11.2015 Altera as Leis nºs 12.462, de 4 de agosto de 2011, que institui o Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC, 7.210, de 11 de julho de 1984, 6.015, de 31 de dezembro de 1973, 8.935, de 18 de novembro de 1994, 11.196, de 21 de novembro de 2005, e 12.305, de 2 de agosto de 2010; e dá outras providências. Mensagem de veto (DOU de 20.11.2015 – Edição extra) Lei nº 13.189, de 19.11.2015 Institui o Programa de Proteção ao Emprego – PPE. (DOU de 20.11.2015) Lei nº 13.188, de 11.11.2015 Dispõe sobre o direito de resposta ou retificação do ofendido em matéria divulgada, publicada ou transmitida por veículo de comunicação social. Mensagem de veto (DOU de 12.11.2015) Lei nº 13.187, de 11.11.2015 Institui o Dia Nacional da Amazônia Azul. (DOU de 12.11.2015) Lei nº 13.186, de 11.11.2015 Institui a Política de Educação para o Consumo Sustentável. (DOU de 12.11.2015) Lei nº 13.185, de 06.11.2015 nstitui o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying). (DOU de 09.11.2015) 13.184, de 04.11.2015
Acrescenta § 2º ao art. 44 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, para dispor sobre a matrícula do candidato de renda familiar inferior a dez salários mínimos nas instituições públicas de ensino superior. (DOU de 05.11.2015)
13.183, de 04.11.2015
Altera as Leis nºs 8.212, de 24 de julho de 1991, e 8.213, de 24 de julho de 1991, para tratar da associação do segurado especial em cooperativa de crédito rural e, ainda essa última, para atualizar o rol de dependentes, estabelecer regra de não incidência do fator previdenciário, regras de pensão por morte e de empréstimo consignado, a Lei nº 10.779, de 25 de novembro de 2003, para assegurar pagamento do seguro-defeso para familiar que exerça atividade de apoio à pesca, a Lei nº 12.618, de 30 de abril de 2012, para estabelecer regra de inscrição no regime de previdência complementar dos servidores públicos federais titulares de cargo efetivo, a Lei nº 10.820, de 17 de dezembro de 2003, para dispor sobre o pagamento de empréstimos realizados por participantes e assistidos com entidades fechadas e abertas de previdência complementar e a Lei nº 7.998, de 11 de janeiro de 1990; e dá outras providências Mensagem de veto (DOU de 05.11.2015)
13.182, de 03.11.2015
Autoriza a Companhia Hidro Elétrica do São Francisco e a Furnas Centrais Elétricas a participar, respectivamente, do Fundo de Energia do Nordeste e do Fundo de Energia do Sudeste e do Centro-Oeste, com o objetivo de prover recursos para a implementação de empreendimentos de energia elétrica; altera as Leis nºs 11.943, de 28 de maio de 2009, 9.491, de 9 de setembro de 1997, 10.522, de 19 de julho de 2002, e 12.111, de 9 de dezembro de 2009; e dá outras providências. Mensagem de veto (DOU de 04.11.2015)
13.181, de 03.11.2015
Abre crédito extraordinário, em favor do Ministério da Educação, de Encargos Financeiros da União e de Operações Oficiais de Crédito, no valor de R$ 9.820.639.868,00, para os fins que especifica, e dá outras providências. (DOU de 04.11.2015)
Indicadores
I – Índices de Atualização dos Débitos Trabalhistas O Supremo Tribunal Federal suspendeu a decisão do Tribunal Superior do Trabalho, que havia estipulado a correção dos créditos trabalhistas pelo índice da inflação IPCA-E (Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial). Planilha mantendo o índice de atualização monetária conforme a Lei nº 8.177/1991 (TR):
Mês/Ano 1993 1994 1995 1996 1997 1998
Mês/Ano 2005 2006 2007 2008 2009 2010
JAN
0,000232712 0,009038271 2,364644940 1,796533635 1,639396040 1,493278872
JAN
1,145416977 1,113855589 1,091611464 1,076059064 1,058750152 1,051296399
FEV
0,000183585 0,006390180 2,315979267 1,774308645 1,627289010 1,476361249
FEV
1,143267634 1,111270774 1,089227145 1,074973341 1,056805630 1,051296399
MAR
0,000145241 0,004568983 2,273842689 1,757393730 1,616593626 1,469804451
MAR
1,142168868 1,110465686 1,088442379 1,074712186 1,056329226 1,051296399
ABR
0,000115445 0,003220996 2,222724471 1,743205778 1,606447305 1,456701422
ABR
1,139167162 1,108168453 1,086404284 1,074272809 1,054812405 1,050464431
MAIO
0,000090036 0,002206615 2,148251052 1,731781218 1,596531249 1,449858092
MAIO
1,136889972 1,107221778 1,085024133 1,073247857 1,054333738 1,050464431
JUN
0,000069969 0,001506839 2,080688999 1,721644177 1,586450940 1,443301174
JUN
1,134024292 1,105135283 1,083194618 1,072458527 1,053860554 1,049928968
JUL
0,000053789 2,821309094 2,022318812 1,711207522 1,576150795 1,436244903
JUL
1,130640286 1,102998774 1,082162235 1,071230897 1,053169675 1,049310923
AGO
0,041259038 2,686291976 1,963597430 1,701253488 1,565847518 1,428384503
AGO
1,127736365 1,101070799 1,080574870 1,069184478 1,052063956 1,048104555
SET
0,030942732 2,630236378 1,913753715 1,692069380 1,556090828 1,423049491
SET
1,123841132 1,098395108 1,078993067 1,067504226 1,051856740 1,047152693
OUT
0,022985241 2,567609807 1,877346337 1,680941547 1,546081497 1,416657532
OUT
1,120885357 1,096726986 1,078613395 1,065405377 1,051856740 1,046418108
NOV
0,016835304 2,503639319 1,846800261 1,667157587 1,536015984 1,404171638
NOV
1,118536430 1,094674472 1,077383023 1,062742146 1,051856740 1,045924431
DEZ
0,012364354 2,432583554 1,820607185 1,653686655 1,512818426 1,395608186
DEZ
1,116382928 1,093272896 1,076747742 1,061025407 1,051856740 1,045573119
Mês/Ano 1999 2000 2001 2002 2003 2004
Mês/Ano 2011 2012 2013 2014 2015 2016
JAN
1,385309793 1,310238799 1,283336101 1,254663824 1,220459940 1,166245449
JAN
1,044105107 1,031643803 1,028663670 1,026702431 1,017954964 1,000000000
FEV
1,378194176 1,307429134 1,281581615 1,251421391 1,214535437 1,164754563
FEV
1,043359105 1,030753232 1,028663670 1,025547664 1,017061984
MAR
1,366852038 1,304392508 1,281110167 1,249957691 1,209556900 1,164221349
MAR
1,042812672 1,030753232 1,028663670 1,024997241 1,016891146
ABR
1,351159670 1,301474602 1,278905334 1,247764121 1,204999592 1,162155038
ABR
1,041550313 1,029653562 1,028663670 1,024724664 1,015574961
MAIO
1,342978246 1,299783584 1,276931198 1,244830057 1,199978880 1,161140201
MAIO
1,041166122 1,029419884 1,028663670 1,024254531 1,014485404
JUN
1,335285666 1,296552575 1,274602500 1,242218913 1,194424805 1,159347849
JUN
1,039534054 1,028938341 1,028663670 1,023636255 1,013317049
JUL
1,331148456 1,293783877 1,272746835 1,240256826 1,189469475 1,157309827
JUL
1,038377301 1,028938341 1,028663670 1,023160485 1,011483230
AGO
1,327255615 1,291785485 1,269647625 1,236971430 1,183004356 1,155055159
AGO
1,037102702 1,028790195 1,028448724 1,022083209 1,009157123
SET
1,323358325 1,289174906 1,265300054 1,233910099 1,178246597 1,152743908
SET
1,034954137 1,028663670 1,028448724 1,021468286 1,007276537
OUT
1,319775136 1,287838130 1,263244755 1,231502512 1,174296264 1,150755402
OUT
1,033917119 1,028663670 1,028367483 1,020577322 1,005346273
NOV
1,316792600 1,286145562 1,259575611 1,228103122 1,170535334 1,149481776
NOV
1,033276487 1,028663670 1,027422254 1,019519061 1,003549918
DEZ
1,314166895 1,284607887 1,257151822 1,224864580 1,168460149 1,148165978
DEZ
1,032610453 1,028663670 1,027209622 1,019026871 1,002250000
OBS.: Foram consideradas as divisões por 1.000 ocorridas em março/1986, janeiro/1989, agosto/1993, e por 2.750 ocorridas em julho/1994.
Tabela para Atualização Diária de Débitos Trabalhistas ATUALIZAÇÃO DE DÉBITOS TRABALHISTAS (tabelas atualizadas em 03.09.2015) • Conforme decisão proferida em 04.08.2015 pelo Tribunal Pleno do TST (Processo nº TST-ArgInc-479-60.2011.5.04.0231), a atualização monetária dos débitos trabalhistas pela TR, prevista no art. 39 da Lei nº 8.177/1991, foi declarada inconstitucional. • Para substituir a TR, foi eleito o IPCA-E (Índice de Preços ao Consumidor Amplo-Especial). • À decisão foi atribuído efeito modulatório, para que o novo índice seja aplicado a partir de 30 de junho de 2009. Em decorrência de tal decisão, fomos solicitados a alterar a tabela de atualização de débitos trabalhistas, conforme Ofício CSJT Setic nº 35, de 18.08.2015, da Secretaria de Tecnologia da Informação e Comunicação do Conselho Superior da Justiça do Trabalho. PRINCIPAIS ALTERAÇÕES Os usuários perceberão duas importantes diferenças na atualização:
Dezembro/2015 – Ed. 225
1. A TR é um índice prefixado, ou seja, a sua variação é divulgada para o mês seguinte. O IPCA-E, como índice de preços, é pós-fixado: a variação medida é a inflação do mês anterior.
93
2. Tal descompasso é um óbice à correção pro rata die do índice, pois não há como obter índices diários do mês corrente. Além disso, a natureza de índice inflacionário é conceitualmente incompatível com prorratização diária. Assim, o IPCA-E vigora fixo no mês inteiro, calculando-se apenas os juros até a data do pagamento, conforme § 1º do art. 39 da Lei nº 8.177/1991.
2 – Juros de mora (incidentes a partir da propositura da ação e aplicados sobre o principal corrigido): • Até 28.02.1987 – Juros simples – 0,5% ao mês; • De 01.03.1987 até 31.01.1991 – Juros capitalizados mensalmente – 1% ao mês; • De 01.02.1991 em diante – Juros simples – 1% ao mês.
Fórmula para cálculo da taxa efetiva (T) dos juros capitalizados: T = (1,01)n – 1, onde “n” é igual ao número de dias decorridos desde a data da propositura da ação, contidos no período compreendido entre 01.03.1987 e 31.01.1991, dividido por 30.
Juros Capitalizados Mensalmente Nº Meses
% Efetivo
Nº Meses
% Efetivo
Nº Meses
% Efetivo
01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15 16
1,0000 2,0100 3,0301 4,0604 5,1010 6,1520 7,2135 8,2856 9,3685 10,4622 11,5668 12,6825 13,8093 14,9474 16,0968 17,2578
17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32
18,4304 19,6147 20,8108 22,0190 23,2391 24,4715 25,7163 26,9734 28,2431 29,5256 30,8208 32,1290 33,4503 34,7848 36,1327 37,4940
33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 –
38,8690 40,257+6 41,6602 43,0768 44,5076 45,9527 47,4122 48,8863 50,3752 51,8789 53,3977 54,9317 56,4810 58,0458 59,6263 –
Vigência
Moeda
Valor
Norma Legal
DOU
Vigência
Moeda
Valor
Norma Legal
DOU
01.10.1989
NCz$
381,73
Decreto nº 98.211/89
02.10.1989
01.09.1990
Cr$
6.056,31
Port. 3.588/90
03.09.1990
01.11.1989
NCz$
557,33
Decreto nº 98.346/89
31.10.1989
01.10.1990
Cr$
6.425,14
Port. 3.628/90
01.10.1990
01.12.1989
NCz$
788,18
Decreto nº 98.456/89
01.12.1989
01.11.1990
Cr$
8.329,55
Port. 3.719/90
01.11.1990
01.01.1990
NCz$
1.283,95
Decreto nº 98.783/89
29.12.1989
01.12.1990
Cr$
8.836,82
Port. 3.787/90
03.12.1990
Cr$
12.325,50
Port. 3.828/90
31.12.1990
01.02.1990
NCz$
2.004,37
Decreto nº 98.900/90
01.02.1990
01.01.1991
01.03.1990
NCz$
3.674,06
Decreto nº 98.985/90
01.03.1990
01.02.1991
Cr$
15.895,46
MP 295/91
01.02.1991
01.04.1990
Cr$
3.674,06
Port. 3.143/90
24.04.1990
01.03.1991
Cr$
17.000,00
Lei nº 8.178/91
04.03.1991
Cr$
42.000,00
Lei nº 8.222/91
06.09.1991
01.05.1990
Cr$
3.674,06
Port. 3.352/90
23.05.1990
01.09.1991
01.06.1990
Cr$
3.857,76
Port. 3.387/90
04.06.1990
01.01.1992
Cr$
96.037,33
Port. 42/92
21.01.1992
01.07.1990
Cr$
4.904,76
Port. 3.501/90
16.07.1990
01.05.1992
Cr$
230.000,00
Lei nº 8.419/92
08.05.1992
01.08.1990
Cr$
5.203,46
Port. 429/90
01.08.1990
01.09.1992
Cr$
522.186,94
Port. 601/92
31.08.1992
Dezembro/2015 – Ed. 225
II – Evolução do Salário-Mínimo desde 1989
94
Vigência
Moeda
Valor
Norma Legal
DOU
Vigência
Moeda
Valor
Norma Legal
DOU
01.01.1993
Cr$
1.250.700,00
Lei nº 8.542/92
24.12.1992
03.04.2000
R$
151,00
Lei nº 9.971/00
19.05.2000
01.03.1993
Cr$
1.709.400,00
Port. Interm. 4/93
01.03.1993
01.04.2001
R$
180,00
MP 2.142/01 (atual 2.194-6)
30.03.2001
01.05.1993
Cr$
3.303.300,00
Port. Interm. 7/93
04.05.1993
01.04.2002
R$
200,00
Lei nº 10.525/02
28.03.2002
01.07.1993
Cr$
4.639.800,00
Port. Interm. 11/93
01.08.1993
01.04.2003
R$
240,00
Lei nº 10.699/03
10.07.2003
01.08.1993
CR$
5.534,00
Port. Interm. 12/93
03.08.1993
01.05.2004
R$
260,00
Lei nº 10.888/04
25.06.2004
01.09.1993
CR$
9.606,00
Port. Interm. 14/93
02.09.1993
01.05.2005
R$
300,00
Lei nº 11.164/05
19.08.2005
01.10.1993
CR$
12.024,00
Port. Interm. 15/93
04.10.1993
01.04.2006
R$
350,00
MP 288/06
31.03.2006
01.11.1993
CR$
15.021,00
Port. Interm. 17/93
03.11.1993
01.04.2006
R$
350,00
Lei nº 11.321/06
10.07.2006
01.12.1993
CR$
18.760,00
Port. Interm. 19/93
02.12.1993
01.04.2007
R$
380,00
MP 362/07
30.03.2007-extra
01.01.1994
CR$
32.882,00
Port. Interm. 20/93
31.12.1993
01.04.2007
R$
380,00
Lei nº 11.498/07
29.06.2007
01.02.1994
CR$
42.829,00
Port. Interm. 02/94
02.02.1994
01.03.2008
R$
415,00
MP 421/08
29.02.2008-extra
01.03.1994
URV
64,79
Port. Interm. 04/94
03.03.1994
01.02.2009
R$
465,00
MP 456/09
30.01.2009-extra
01.07.1994
R$
64,79
Lei nº 9.069/95
30.06.1994/30.06.1995
01.01.2010
R$
510,00
MP 474/09
24.12.2009
01.09.1994
R$
70,00
Lei nº 9.063/95
01.09.1994/20.06.1995
01.01.2011
R$
540,00
MP 516/10
31.12.2010
01.05.1995
R$
100,00
Lei nº 9.032/95
29.04.1995
01.03.2011
R$
545,00
Lei nº 12.382/11
28.02.2011
01.05.1996
R$
112,00
Lei nº 9.971/00
19.05.2000
01.01.2012
RS
622,00
Decreto nº 7.655/11
26.12.2011
01.05.1997
R$
120,00
Lei nº 9.971/00
19.05.2000
01.01.2013
R$
678.00
Decreto nº 7.872/11
26.12.2012
01.05.1998
R$
130,00
Lei nº 9.971/00
19.05.2000
01.01.2014
R$
724,00
Decreto nº 8.166/13
24.12.2013
01.05.1999
R$
136,00
Lei nº 9.971/00
19.05.2000
01.01.2015
R$
788,00
Decreto nº 8.381/14
29.12.2014
Dezembro/2015 – Ed. 225
III – Previdência Social – Valores de Benefícios (Abril/2015)
95
Salário-de-benefício mínimo Salário-de-benefício máximo Renda mensal vitalícia Salário-família:
R$ 788,00 R$ 4.663,75 R$ 788,00 I - R$ 37,18 (trinta e sete reais e dezoito centavos) para o segurado com remuneração mensal não superior a R$ 725,02 (setecentos e vinte e cinco reais e dois centavos);
II - R$ 26,20 (vinte e seis reais e vinte centavos) para o segurado com remuneração mensal superior a R$ 725,02 (setecentos e vinte e cinco reais e dois centavos) e igual ou inferior a R$ 1.089,72 (um mil e oitenta e nove reais e setenta e dois centavos). Benefícios a idosos e portadores de deficiência Um salário-mínimo (Decreto nº 1.744/1995)
8 – Tabela de contribuição (empregado, empregado doméstico e trabalhador avulso) para pagamento de remuneração Alíquota para fins de recolhimento ao INSS (%)
Até R$ 1.399,12
8,00*
De R$ 1.399,13 até 2.331,8
9,00*
De R$ 2.331,89 até 4.663,75
11,00*
* Alíquota reduzida para salários e remunerações até três salários-mínimos, em razão do disposto no inciso II do art. 17 da Lei nº 9.311, de 24.10.1996, que instituiu a Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e de Direitos de Natureza Financeira – CPMF.
Nota: Escala extinta, conforme o art. 9º da Lei nº 10.666, de 08.05.2003, DOU 09.05.2003, e o art. 39 da Instrução Normativa DC/INSS nº 89, de 11.06.2003, DOU 13.06.2003.
IV – Imposto de Renda na Fonte TABELA PROGRESSIVA MENSAL Base de cálculo em R$
Alíquota %
Até 1.903,98
-
Parcela a deduzir do imposto em R$
O imposto de renda anual devido, incidente sobre os rendimentos de pessoas físicas, será calculado de acordo com a tabela progressiva anual correspondente à soma das tabelas progressivas mensais vigentes nos meses de cada ano-calendário.
-
De 1.903,99 até 2.826,65
7,5 142,80
De 2.826,66 até 3.751,05
15,0 354,80
De 3.751,06 até 4.664,68
22,5 636,13
Acima de 4.664,68
27,5 869,36
Dedução por dependente
TABELA PROGRESSIVA ANUAL
189,59
V – Depósitos Recursais na Justiça do Trabalho Novos valores para Depósitos Recursais na Justiça do Trabalho (Ato nº 397/2015 do TST, DJe de 13.07.2015, vigência a partir de 01.08.2015) Recurso Ordinário
R$ 8.183,06
Recurso de Revista, Embargos, Recurso Extraordinário e Recurso em Ação Rescisória
R$ 16.366,10
Ação Rescisória – Depósito prévio de 20% do valor da causa, salvo prova de miserabilidade, nos termos do art. 836 da CLT, alterado pela Lei nº 11.495/2007, cujos efeitos começam a fluir a partir do dia 24.09.2007.
Dezembro/2015 – Ed. 225
Salário-de-contribuição (R$)
9 – Escala de salários-base para os segurados contribuinte individual e facultativo
96
VI – Indexadores Indexador INPC IGPM UFIR SELIC
Junho
Julho
Agosto
Setembro
Outubro
Novembro
0,77 0,58 0,28 0,51 0,77 0,67 0,69 0,25 0,95 1,89 Extinta, a partir de outubro de 2000, pela MP 1.973-67, atual Lei nº 10.522, de 19.07.2002, DOU 22.07.2002, art. 29, § 3º. 0,99 1,07 1,18 1,11 1,11 Valor de Referência Base Maio/1992 – Cruzeiros 79.297,75 Emissão anterior a Jan./1989 79.297,75
TDA
1,11 1,52 1,06
Valores nominais reajustados – Reais 91,87 Emissão anterior a Jan./1989 157,23
(*) Referente ao primeiro dia de cada mês.
VII – Índices de Atualização dos Débitos Judiciais
Dezembro/2015 – Ed. 225
Tabela editada em face da Jurisprudência ora predominante.
97
Mês/Ano 1992 1993 1994 1995 1996 1997
Mês/Ano 1998
JAN 11.230,659840 140.277,063840 FEV 14.141,646870 180.634,775106 MAR 17.603,522023 225.414,135854 ABR 21.409,403484 287.583,354522 MAIO 25.871,123170 369.170,752199 JUN 32.209,548346 468.034,679637 JUL 38.925,239176 610.176,811842 AGO 47.519,931986 799,392641 SET 58.154,892764 1065,910147 OUT 72.100,436048 1445,693932 NOV 90.897,019725 1938,964701 DEZ 111.703,347540 2636,991993
JAN FEV MAR ABR MAIO JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ
3631,929071 5132,642163 7214,955088 10323,157739 14747,663145 21049,339606 11,346741 12,036622 12,693821 12,885497 13,125167 13,554359
13,851199 16,819757 14,082514 17,065325 14,221930 17,186488 14,422459 17,236328 14,699370 17,396625 15,077143 17,619301 15,351547 17,853637 15,729195 18,067880 15,889632 18,158219 16,075540 18,161850 16,300597 18,230865 16,546736 18,292849
18,353215 18,501876 18,585134 18,711512 18,823781 18,844487 18,910442 18,944480 18,938796 18,957734 19,012711 19,041230
1999
2000
2001
2002
19,149765 19,626072 21,280595 22,402504 24,517690 19,312538 19,753641 21,410406 22,575003 24,780029 19,416825 20,008462 21,421111 22,685620 24,856847 19,511967 20,264570 21,448958 22,794510 25,010959 19,599770 20,359813 21,468262 22,985983 25,181033 19,740888 20,369992 21,457527 23,117003 25,203695 19,770499 20,384250 21,521899 23,255705 25,357437 19,715141 20,535093 21,821053 23,513843 25,649047 19,618536 20,648036 22,085087 23,699602 25,869628 19,557718 20,728563 22,180052 23,803880 26,084345 19,579231 20,927557 22,215540 24,027636 26,493869 19,543988 21,124276 22,279965 24,337592 27,392011
2003 28,131595 28,826445 29,247311 29,647999 30,057141 30,354706 30,336493 30,348627 30,403254 30,652560 30,772104 30,885960
Mês/Ano JAN FEV MAR ABR MAIO JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ
2004
2005 2006 2007
31,052744 32,957268 31,310481 33,145124 31,432591 33,290962 31,611756 33,533986 31,741364 33,839145 31,868329 34,076019 32,027670 34,038535 32,261471 34,048746 32,422778 34,048746 32,477896 34,099819 32,533108 34,297597 32,676253 34,482804
2008
2009
34,620735 35,594754 37,429911 34,752293 35,769168 37,688177 34,832223 35,919398 37,869080 34,926270 36,077443 38,062212 34,968181 36,171244 38,305810 35,013639 36,265289 38,673545 34,989129 36,377711 39,025474 35,027617 36,494119 39,251821 35,020611 36,709434 39,334249 35,076643 36,801207 39,393250 35,227472 36,911610 39,590216 35,375427 37,070329 39,740658
39,855905 40,110982 40,235326 40,315796 40,537532 40,780757 40,952036 41,046225 41,079061 41,144787 41,243534 41,396135
Mês/Ano JAN FEV MAR ABR MAIO JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ
2010
2011 2012 2013
41,495485 44,178247 46,864232 41,860645 44,593522 47,103239 42,153669 44,834327 47,286941 42,452960 45,130233 47,372057 42,762866 45,455170 47,675238 42,946746 45,714264 47,937451 42,899504 45,814835 48,062088 42,869474 45,814835 48,268754 42,839465 46,007257 48,485963 43,070798 46,214289 48,791424 43,467049 46,362174 49,137843 43,914759 46,626438 49,403187
2014
2015
49,768770 52,537233 55,809388 50,226642 52,868217 56,635366 50,487820 53,206573 57,292336 50,790746 53,642866 58,157450 51,090411 54,061280 58,570367 51,269227 54,385647 59,150213 51,412780 54,527049 59,605669 51,345943 54,597934 59,951381 51,428096 54,696210 60,101259 51,566951 54,964221 60,407775 51,881509 55,173085 60,872914 52,161669 55,465502 61,548603
Observação I – Dividir o valor a atualizar (observar o padrão monetário vigente à época) pelo fator do mês do termo inicial e multiplicar pelo fator do mês do termo final, obtendo-se o resultado na moeda vigente na data do termo final, não sendo necessário efetuar qualquer conversão. Esclarecendo que, nesta tabela, não estão incluídos os juros moratórios, apenas a correção monetária.
Padrões monetários a considerar: Cr$ (cruzeiro): de out./1964 a jan./1967
NCz$ (cruzado novo): de jan./1989 a fev./1990
NCr$ (cruzeiro novo): de fev./1967 a maio/1970
Cr$ (cruzeiro): de mar./1990 a jul./1993
Cr$ (cruzeiro): de jun./1970 a fev./1986
CR$ (cruzeiro real): de ago./1993 a jun./1994
Cz$ (cruzado): de mar./1986 a dez./1988
R$ (real): de jul./1994 em diante
Observação II – Os fatores de atualização monetária foram compostos pela aplicação dos seguintes índices:
Out./1964 a fev./1986: ORTN Abr./1989 a mar./1991: IPC do IBGE (de mar./1989 a fev./1991) Mar./1986 e mar./1987 a jan./1989: OTN Abr./1991 a jul./1994: INPC do IBGE (de mar./1991 a jun./1994) Ago./1994 a jul./1995: IPC-r do IBGE (de jul./1994 a jun./1995) Abr./1986 a fev./1987: OTN pro rata Fev./1989: 42,72% (conforme STJ, índice de jan./1989 Mar./1989: 10,14% (conforme STJ, índice de fev./1989) Ago./1995 em diante: INPC do IBGE (de jul./1995 em diante), sendo que, com relação à aplicação da deflação, a matéria ficará sub judice)
Observação III – Aplicação do índice de 10,14%, relativo ao mês de fevereiro de 1989, ao invés de 23,60%, em cumprimento ao decidido no Processo nº G-36.676/2002. Fonte: DJe, TJSP, Administrativo, 10.12.2015, p. 8 * Aplicável aos cálculos judiciais, exceto para aqueles com normas específicas estabelecidas por lei ou com decisão transitada em julgado, que estabelece critérios e índices diferentes.
Dezembro/2015 – Ed. 225
Exemplo: Atualização, até dezembro de 2015, do valor de Cz$1.000,00 fixado em janeiro de 1988 Cz$1.000,00 : 596,94 (janeiro/1988) x 61,548603 (dezembro/2015) = R$ 103,10
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