Meio Ambiente de Trabalho. Precaução e Prevenção. Princípios Norteadores de um Novo Padrão Normativo – Tereza Aparecida Asta Gemignani e Daniel Gemignani – p. 1 Gestão Urbano-Ambiental Municipal – Rogéria Mara Lopes Rocha – p. 18 A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos e o ICMS – Rogério Tadeu Romano – p. 30 Regime de Dedicação Exclusiva dos Servidores de Agências Reguladoras – Ananda Tostes Isoni – p. 37 Notas sobre a Interpretação do Artigo 453 do Código Civil – Maurício Bunazar – p. 50 Ressocialização: o Desafio da Desestigmação do Egresso na Contemporaneidade – Isabela Santana dos Santos e Selma Pereira de Santana – p. 57 Acórdão na Íntegra – Supremo Tribunal Federal – p. 73 Pesquisa Temática – Desapropriação – p. 76 Jurisprudência Comentada – A Independência Funcional dos Membros do Ministério Público – Rômulo de Andrade Moreira – p. 79 Medidas Provisórias – p. 83
Jornal Jurídico D e ze m b r o / 2 0 1 6 – E d i ç ã o 2 3 7
Normas Legais – p. 86 Indicadores – p. 87
Doutrina
Meio Ambiente de Trabalho. Precaução e Prevenção. Princípios Norteadores de um Novo Padrão Normativo WORK ENVIRONMENT. PRECAUTION AND PREVENTION. GUIDING PRINCIPLES FOR A NEW NORMATIVE STANDARD TEREZA APARECIDA ASTA GEMIGNANI
Desembargadora do Tribunal Regional do Trabalho de Campinas da 15ª Região, Doutora pela USP – Universidade de São Paulo (nível de pós-graduação stricto sensu), Membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho – ANDT (cadeira 70), Membro da REDLAJ – Rede Latino Americana de Juízes.
DANIEL GEMIGNANI
Bacharel em Direito pela PUCSP – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Auditor Fiscal do Ministério do Trabalho.
RESUMO: Em um mundo pautado pela lógica do descarte, que assim tenta enquadrar o próprio ser humano, surge uma nova questão social, marcada por acirradas controvérsias em relação à segurança, à saúde e à integridade física no meio ambiente de trabalho. Neste contexto é preciso que o binômio dever ser/sanção, que estruturou o sistema jurídico da modernidade, passe a revestir-se de uma nova conotação, incorporando os princípios da precaução e prevenção como norte de um novo padrão normativo, a fim de manter a sua eficácia na contemporaneidade e resguardar a efetividade dos direitos fundamentais trabalhistas postos pela Constituição de 1988.
PALAVRAS-CHAVE: Direitos fundamentais; meio ambiente do trabalho; princípios da precaução e da prevenção; inversão do ônus da prova. ABSTRACT: In a world ruled by the logic of disposal, which just tries to reduce the human being’s dignity, a new social issue arises, marked by hard controversy regarding the safety, health and physical integrity of the employee in the work environment. In this context it is necessary that the binomial legal obligation/punishments, which structured the legal system of the modernity, shall be used with new meanings, including the principles of precaution and prevention, as the main directions of a new normative standard, in order to maintain its enforcement in contemporary moment and assure the effectiveness of fundamental labour rights, set forth by the 1988 Brazilian Constitution. KEYWORDS: Fundamental rights; work environment; principles of precaution and prevention; reversal of the burden of proof. SUMÁRIO: Introdução; 1 A lógica do descarte; 2 Repristinação da questão social?; 3 As consequências; 4 A função promocional do Direito; 5 O princípio da precaução e o princípio da prevenção; 6 Da responsabilidade. Teoria da menor desconsideração; 7 Do ônus da prova; 8 A edificação de um novo padrão normativo trabalhista; 9 A importância da perspectiva preventiva; 10 A atuação proativa do Poder Judiciário. A experiência de Cuiabá; Conclusão; Referências. A vida é curta demais para ser pequena. (Benjamin Disraeli) [...] a vida líquida é uma vida precária, vivida em condições e incerteza constante,em que há envelhecimento rápido, obsolescência quase instantânea e veloz rotatividade. (Zygmunt Bauman)
O ordenamento jurídico da modernidade foi edificado sob o binômio dever ser/sanção. As normas de conduta estabelecem determinados comportamentos. Se violados, ensejam a aplicação de certa penalidade. O Estado-juiz atua somente quando provocado, em caso de ameaça concreta ou após a ocorrência de lesão. A intensificação do conflito social, que marcou as últimas décadas, veio demonstrar que isso não era suficiente para que o Direito pudesse cumprir o seu objetivo de dirimir conflitos e obter a pacificação social com justiça. Nestes tempos de sociedade líquida, como define o Sociólogo Zygmunt Bauman, a estratégia de obsolescência programática, que em um primeiro momento foi engendrada para estimular a atividade econômica, chegou a um impasse. Com efeito, o que se convencionou denominar “obsolescência programada” surgiu como alternativa na primeira metade do século passado, visando a estimular a atividade industrial para superar a grande depressão causada pelo crash de 1929. Consistia na prática de reduzir a vida útil dos equipamentos para poder vender mais e, assim, impulsionar a retomada econômica. Com o tempo, consertar o que estava quebrado ficou tão caro que era melhor jogar fora e comprar um novo. Jogar fora o velho produto e comprar a última novidade tecnológica devia ser estimulado, porque se as pessoas continuassem a comprar, a atividade econômica permaneceria aquecida e todos teriam emprego. Entretanto, a intensificação deste processo de troca do velho (embora ainda passível de conserto) pelo novo também levou ao desperdício de grandes quantidades de matéria-prima, água e energia, não só das utilizadas na produção dos que estão sendo
jogados fora, mas também dos que são freneticamente produzidos para durar pouco, o que vem causando sérias preocupações quanto ao esgotamento dos bens da natureza, provocando danos ao ecossistema e ao meio ambiente, e comprometendo as condições de vida das próximas gerações. Neste sentido, o documento intitulado O futuro que queremos, recentemente divulgado pela ONU – Organização das Nações Unidas1, vem chamando atenção para a importância de uma governança ambiental, diretriz que serve de referência também para o ambiente onde o trabalhador passa grande parte de sua vida produtiva. Mas não é só. Esse modus operandi marcado pela lógica do descarte, calcado na ideia-matriz de que tudo tem que ser substituído rapidamente, vem gerando uma mentalidade que passou a ser aplicada também em relação à própria pessoa do trabalhador, sua segurança, saúde, integridade física e mental. Este artigo se propõe a examinar tais questões, focando a análise em seus desdobramentos no meio ambiente de trabalho e os efeitos que provoca na formação de um novo padrão normativo.
Entretanto, na contemporaneidade, a lógica da compra/venda passou a monitorar os demais atos da nossa vida, aniquilando
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INTRODUÇÃO
1 Disponível em: www.onu.org.br.
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1 A LÓGICA DO DESCARTE O intercâmbio comercial trouxe muitos benefícios para a humanidade. A troca de produtos, serviços e informações sempre se constituiu em um importante motor de desenvolvimento.
o conceito de valor e substituindo-o pela ideia de preço. Assim, pouco importa o valor, basta saber qual é o preço. O mais assustador é que essa mentalidade vem sendo aplicada também ao ser humano, destituindo-o da condição de sujeito e transformando-o em um objeto passível de troca, cujo “preço” é aferido pela possibilidade “de uso”. Nesta toada, pouca importância se dá às condições de segurança e saúde no meio ambiente de trabalho, pois, quando um trabalhador fica incapacitado, é mais fácil descartá-lo e substituí-lo por um novo.
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Se durante todo o século XX lutamos bravamente para impedir que o trabalho fosse reduzido à situação de mercadoria, no início deste novo século nosso desafio é maior ainda: impedir que a própria pessoa do trabalhador seja reduzida à condição de mercadoria, em um momento em que a descoberta de novas tecnologias e a exigência de intensificação dos ritmos das tarefas tem precarizado o meio ambiente de trabalho, aumentando os acidentes e provocando o surgimento de novas doenças2.
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Neste contexto, se revelam cada vez mais insuficientes as singelas respostas até hoje oferecidas, seja a consistente no pagamento de um adicional pela prestação laboral em condições de insalubridade e periculosidade, seguida de um rápido “descarte” do ser humano quando perde o seu “uso”, seja a sedimentação da que se pode denominar “cultura do EPI – Equipamento de Proteção Individual”, que a transfere ao empregado do ônus de se proteger dos riscos ambientais como algo natural, em vez da 2 Exempli gratia, os riscos ergonômicos – hoje tratados pela Norma Regulamentadora nº 17 e seus anexos, com redação dada pela Portaria MTPS nº 3.751, de 23 de novembro de 1990 – e as doenças ocupacionais, cuja constatação vem recebendo maior atenção, principalmente após a implantação do Nexo Técnico Epidemiológico – NTEP, pela Previdência Social. Esses temas serão tratados ao longo de todo o texto.
adoção de equipamentos de proteção coletivo, os denominados EPC, ou de modificações na organização do trabalho, de modo que o meio ambiente de trabalho seja adequado ao ser humano, que despende lá importante parte de seu tempo de vida3.
2 REPRISTINAÇÃO DA QUESTÃO SOCIAL? A chamada questão social começou a aflorar com maior intensidade em meados do século XIX, em decorrência das penosas e adversas condições de trabalho, que provocavam lesões cuja reparação não encontrava resposta no direito comum. A necessidade de construir um novo direito que olhasse além das teóricas categorias jurídicas codificadas, prestasse mais atenção à realidade da vida e dos fatos cotidianos, teve que percorrer um longo caminho até conseguir a edificação de uma nova base axiológica, que lhe desse suporte para a autonomia, tarefa para a qual, na América do Sul, tanto Cesarino Junior4 quanto Américo Plá Rodriguez5 contribuíram de forma significativa para a consolidação do Direito do Trabalho como ramo autônomo, regido por conceitos próprios, assim passando a regular o mundo peculiar das relações trabalhistas. 3 A crítica a sedimentação da mencionada “cultura do EPI” é tema dos mais interessantes em matéria de meio ambiente do trabalho. Imagina-se que capacetes, máscaras e macacões sejam métodos de proteção do trabalhador. Nada mais equivocado. A questão da proteção do trabalhador deve ser guiada, precipuamente, pela eliminação dos fatores de risco de forma coletiva – seja por meio de EPC ou por modificações na organização do trabalho –, sem empurrar a quem labora, além dos seus afazeres, os riscos e a responsabilidade de inevitáveis lesões. Trata-se, logicamente, da imputação dos riscos da atividade produtiva a quem dela se beneficia, sem transferi-los para o trabalhador. 4 CESARINO JUNIOR. Direito social brasileiro. São Paulo: Martins, 1940. 5 PLÁ RODRIGUEZ, Américo. Princípios de direito do trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2004.
A utilização do telefone celular e do computador transformaram as ferramentas de trabalho, aumentando as horas à disposição do empregador e invadindo os tempos da vida privada, criando, de maneira camuflada e sub-reptícia, novas formas de servidão. O estímulo à atividade econômica, mediante a generosa concessão de financiamentos a longo prazo, veio formatar aquilo que o Sociólogo Zygmunt Bauman6 define como vida a crédito. Explica que antes, na sociedade dos produtores, o “adiamento da satisfação costumava assegurar a durabilidade do esforço do trabalho”, por isso era preciso sacrificar o presente para poder gozar no futuro. Hoje, na sociedade dos consumidores, é preciso garantir a “durabilidade do desejo”, gozar acelerada e exaustivamente o presente, vivendo “de crédito”, cuja amortização se dará posteriormente, obrigando o ser humano a trabalhar intensamente para poder pagar o extenso rol dos débitos que assumiu, na pretensa satisfação de desejos que nunca terminam, gerando novas situações de servidão, que vão formar o caldo de cultura para o ressurgimento da questão social. Embora se apresente com nova roupagem, na verdade o que ocorre é uma repristinação da questão social do século passado, que volta com força ante a dimensão da lesão que se avizinha, exigindo novas formas de proteção jurídica para evitar que o estado de constante servidão transforme o ser humano em um objeto descartável. 6 BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Trad. Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. p. 183 e seguintes.
Ao lado de um movimento de ascensão do individualismo, marcado pelo mote nietzschiano7, “devo completar-me de mim mesmo”, e de rejeição do solidarismo, que tem reduzido a participação dos trabalhadores na vida sindical, observa-se uma preocupante intensificação das macrolesões, notadamente no meio ambiente de trabalho, trazendo para o foco da discussão a questão dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, colocando em xeque o modelo de acesso à Justiça pela categorização de interesses e direitos. Por isso Cássio Scarpinella Bueno8 chama atenção para a necessidade de aprimorar, ampliar e otimizar a eficiência do acesso coletivo à Justiça, superando a baliza da categorização. Ressalta que os direitos e interesses difusos, tanto quanto os coletivos e os individuais homogêneos, não são classes ou tipos de direitos preconcebidos ou estanques, não interpenetráveis ou relacionáveis entre si. São – é esta a única forma de entender, para aplicar escorreitamente, a classificação feita pela lei brasileira – formas preconcebidas, verdadeiros modelos apriorísticos, que justificam, na visão abstrata do legislador, a necessidade da tutela jurisdicional coletiva. Não devem ser interpretados, contudo, como realidades excludentes umas das outras, mas, bem diferentemente, como complementares.
O meio ambiente de trabalho, pela dimensão e importância que apresenta, congrega direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, cuja análise deve ser feita sob a perspectiva constitucional. Com efeito, a constitucionalização dos direitos trabalhistas é a resposta que vem sendo apresentada pelo sistema normativo à 7 NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Assim falava Zaratustra. Trad. Ciro Mioranza. São Paulo: Escala, 2006. p. 147. 8 BUENO, Cássio Scarpinella. Tutela coletiva em juízo: uma reflexão sobre a alteração proposta para o artigo 81, parágrafo único, inciso III, do CDC. Revista do Advogado, São Paulo, v. 31, n. 114, p. 18-30, dez. 2011.
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Entretanto, as décadas finais do século XX registraram mudanças significativas, inclusive na maneira de trabalhar e na organização dos núcleos produtivos. A grande fábrica fordista deu lugar a conglomerados autônomos, marcados por atuação inter-relacionada e pela intensificação do ritmo de trabalho.
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nova questão social surgida na contemporaneidade, apontando para a edificação de um novo padrão axiológico, que a doutrina vem sedimentando na aplicação dos direitos fundamentais também às relações entre particulares, superando o antigo modelo que os restringia às relações do cidadão com o Estado.
função social da propriedade, pois os efeitos provocados não atingem apenas as pessoas dos contratantes, de modo que se revela insuficiente a alternativa de apenas pagar um adicional (de insalubridade ou periculosidade) em vez de melhorar, de forma efetiva, as condições do meio ambiente do trabalho.
Conforme já ressaltamos em outro artigo9, uma “das características mais expressivas da pós-modernidade, que marca a época contemporânea, é a intensificação das relações de poder entre os particulares”. Em um momento de fragilidade das instituições, o sistemático descumprimento da lei causado pelo descrédito em sua atuação coercitiva tem acirrado as disputas de poder nas relações privadas, entre as quais as trabalhistas. Quando se trata de meio ambiente de trabalho, essa relação entre particulares se reveste de especial importância, porque gera efeitos ainda mais amplos, em decorrência das consequências que pode provocar em seu entorno social.
O trabalhador acidentado, “descartado do processo produtivo”, vai engrossar a legião dos excluídos, passando a ser sustentado pela previdência, em um momento em que o modelo conhecido como Estado do Bem-estar Social se desintegra a olhos vistos.
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3 AS CONSEQUÊNCIAS
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O direito de trabalhar em um ambiente saudável e seguro, disposto no inciso XXII do art. 7º da Constituição Federal ao garantir a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”, alberga direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. Além disso, se reveste de inequívoca socialidade, por ser evidente o predomínio do interesse social sobre o meramente individual, assim ensejando a aplicação dos princípios da boa-fé objetiva, função social do contrato, função social da empresa e 9 Sobre o tema, conferir GEMIGNANI, Daniel; GEMIGNANI, Tereza Aparecida Asta. A eficácia dos direitos fundamentais nas relações de trabalho. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, Campinas, n. 35, p. 70, jul./dez. 2009.
Neste contexto, qual a função do Direito?
4 A FUNÇÃO PROMOCIONAL DO DIREITO Como bem ressaltou Norberto Bobbio10, não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual é a sua natureza e o seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados.
Assim sendo em relação ao meio ambiente de trabalho, o direito contemporâneo não pode esgotar a sua capacidade de atuação apenas na apresentação de resposta às situações de ameaça concreta ou na função reparatória da lesão já ocorrida. A intensificação da função promocional do Direito e o estímulo à atuação preventiva mais abrangente se tornam cada vez mais importantes. Em relação ao trabalhador, assegurar meio ambiente de trabalho seguro e saudável evita lesões incapacitantes ainda na idade 10 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 25.
Também evita inegável dano à sociedade, pois um trabalhador acidentado ou doente, que é “encostado”, leva para a exclusão social toda a sua família. A queda da renda prejudica os filhos, que tem sua formação profissional comprometida, porque precisam entrar mais cedo no mercado de trabalho, a fim de contribuir para o próprio sustento. A intensificação do ritmo das obras de construção civil, exempli gratia as premidas pelos curtos prazos de entrega e conclusão em virtude da Copa do Mundo, a ser realizada no Brasil em 2014, vem delinear um quadro preocupante, pois leva à inequívoca precarização das regras de segurança, o que pode aumentar, e muito, o número de acidentes e doenças profissionais. Portanto, é chegado o momento de ponderar que, para garantir meio ambiente saudável e equilibrado no local de trabalho, não basta efetuar pagamentos por danos já ocorridos, cujos efeitos, via de regra, são irreversíveis e a restitutio in integrum impossível. É preciso agir antes. Nesta perspectiva, as ideias de precaução e prevenção entram no ordenamento como princípios reitores da edificação de um novo modelo de normatividade, pois tem o escopo de evitar que o dano ocorra. Apesar de já ter adotado uma Política Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho (PNSST), o Brasil ainda não ratificou a Convenção nº 187 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que prevê a adoção de medidas mais efetivas para a preservação da segurança e saúde, por constatar que a maioria dos danos ambientais de grande proporção está relacionada ao desempenho de uma atividade econômica e exercício de um trabalho.
No entanto, a Convenção nº 155 da OIT, que trata da segurança e saúde dos trabalhadores e o meio ambiente de trabalho, foi aprovada pelo Brasil (Decreto-Legislativo nº 2/1992 e Decreto nº 1.254/1994). O disposto em seu art. 3º, alínea e, estabelece que a saúde não pode ser definida apenas como “ausência de doenças”, abrangendo também os “elementos físicos e mentais que afetam a saúde e estão diretamente relacionados com a segurança e higiene no trabalho”. Em seu art. 4º, item 2, determina que a política estatal deve ser direcionada para prevenir os acidentes e os danos à saúde que forem consequência do trabalho, tenham relação com a atividade de trabalho, ou se apresentarem durante o trabalho, reduzindo ao mínimo, na medida em que for razoável e possível, as causas dos riscos inerentes ao meio ambiente de trabalho. (g.n.)
A Convenção nº 161 da OIT, também aprovada pelo Brasil (Decreto-Legislativo nº 86/1989 e Decreto nº 127/1991), caminha neste mesmo sentido, ao priorizar, em seu art. 1º, I e II, as funções essencialmente preventivas dos serviços de saúde no trabalho, que devem orientar o empregador, os trabalhadores e os seus representantes na empresa sobre os I – requisitos necessários para estabelecer e manter um ambiente de trabalho seguro e salubre, de molde a favorecer uma saúde física e mental ótima em relação com o trabalho;
Assim, o antigo critério de limitar a atuação da norma à exigibilidade do pagamento de um adicional pela precarização das condições de saúde e segurança, provocada pela prestação laboral em condições adversas de insalubridade e periculosidade, a execrada monetização do risco, não pode mais subsistir.
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produtiva, diminuindo os custos da previdência social com afastamentos por doenças e aposentadorias precoces.
Desde o julgamento do RE 466.343/SP, o STF vem adotando as razões de decidir exaradas no voto do Ministro Gilmar Mendes,
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II – a adaptação do trabalho às capacidades dos trabalhadores, levando em conta seu estado de sanidade física e mental.
apontando para uma nova hermenêutica no sentido de que, em conformidade com o disposto no § 2º do art. 5º da CF/1988, os preceitos internacionais ratificados pelo Brasil antes da EC 45 entram no ordenamento jurídico nacional como norma supralegal. Portanto, a alusão à “lesão ou ameaça de direito”, constante do inciso XXXV do art. 5º da CF/1988, no que se refere ao meio ambiente de trabalho, deve ser interpretada sob a ótica de uma nova mentalidade. Em vez da atuação restritiva, como resposta à ameaça concreta ou lesão já consumada, deve prioritariamente evitar a ocorrência da lesão, diretriz calcada nos princípios da precaução e da prevenção, que passam a ser aplicados e ter efeitos irradiantes também no Direito Trabalhista. Neste sentido a reflexão de Norma Sueli Padilha11, ao ressaltar que,
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quando a Constituição Federal, em seu art. 225, fala em meio ambiente ecologicamente equilibrado, está mencionando todos os aspectos do meio ambiente. E, ao dispor, ainda, que o homem para encontrar uma sadia qualidade de vida necessita viver neste ambiente ecologicamente equilibrado, tornou obrigatória também a proteção do ambiente no qual o homem, normalmente, passa a maior parte de sua vida produtiva, qual seja, o do trabalho.
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A leitura da matriz constitucional deve atentar para os novos tempos vividos neste início de século, em que a “economia capitalista produz uma enorme instabilidade, que ela é incapaz de dominar e controlar... e muito menos de evitar – assim como é incapaz de corrigir os danos perpetrados por essas catástrofes”, como alerta Zygmunt Bauman12, o que gera efeitos relevantes quando se trata de saúde e segurança no trabalho. 11 PADILHA, Norma Sueli. Do meio ambiente do trabalho equilibrado. São Paulo: LTr, 2002. p. 32. 12 BAUMAN, Zygmunt. Vida a crédito: conversas com Citlali Rovirosa Madrazo. Trad. Alexandre Werneck. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.
5 O PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO E O PRINCÍPIO DA PREVENÇÃO Tanto o princípio da precaução como o da prevenção atuaram decisivamente na formação do direito ambiental. Com o tempo a doutrina, que os reputava sinônimos, evoluiu no sentido de constatar e demonstrar que se tratavam de conceitos distintos. Explica Germana Parente Neiva Belchior13 que o princípio da prevenção exsurge expressamente do constante dos incisos II, III, IV e V do § 1º do art. 225 da CF/1988. Consiste na adoção antecipada de medidas definidas que possam evitar a ocorrência de um dano provável, em uma determinada situação, reduzindo ou eliminando as suas causas, quando se tem conhecimento de um risco concreto. Já o princípio da precaução consiste na adoção antecipada de medidas amplas, que possam evitar a ocorrência de possível ameaça à saúde e segurança. Aponta para a necessidade de comportamento cuidadoso, marcado pelo bom senso, de abrangência ampla, direcionado para a redução ou eliminação das situações adversas à saúde e segurança. Assim, enquanto o princípio da prevenção tem o escopo de evitar determinados riscos, o princípio da precaução aponta para a adoção de condutas acautelatórias gerais, considerando o risco abstrato e potencial, como esclarece Paulo Affonso Leme Machado14. 13 BELCHIOR, Germana Parente Neiva. Hermenêutica jurídica ambiental. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 208 e seguintes. 14 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 65 e seguintes.
Cristiane Derani15 ressalta que a aplicação do princípio da precaução objetiva “garantir uma suficiente margem de segurança da linha de perigo”, e, por isso, antecede a sua manifestação. É um comportamento de cautela, que visa a precaver-se para evitar um possível risco, ainda que indefinido, procurando reduzir o “potencial danoso oriundo do conjunto de atividade”. Precaução é atitude de cuidado, in dubio pro securitate, que assim surgiu como linha mestra do direito ambiental, cuja aplicação passa a ter importância cada vez maior, inclusive em se tratando de meio ambiente do trabalho, notadamente após a promulgação do Código Civil de 2002, que no parágrafo único do art. 927 agasalhou a teoria do risco na fixação da responsabilidade objetiva.
Em escala mundial, o desafio de se criar uma “economia verde”, eleito pela ONU como tema central da Rio+20, está imbricado com o meio ambiente de trabalho, por implicar na adoção de um novo tipo de sistema produtivo, marcado pela eficiência no uso dos recursos naturais e garantia de inclusão social pelo solidarismo, a fim de construir um modelo de desenvolvimento sustentável para todos.
Marcelo Abelha Rodrigues16 esclarece que, enquanto “a prevenção relaciona-se com a adoção de medidas que corrijam ou evitem danos previsíveis, a precaução também age prevenindo, mas, antes disso, evita-se o próprio risco ainda imprevisto”.
Isto porque a preservação do meio ambiente, incluído o do trabalho, exerce forte influência na quantificação do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), cuja aferição considera, além da média de desenvolvimento, as diferenças nos indicadores de renda, educação e saúde entre a população. O relatório divulgado em novembro de 2011 pelo PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) mostra o Brasil em 84º entre 187 nações18, marca que não se revela aceitável.
15 DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 149 a 152. 16 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos de direito ambiental: parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 207. 17 SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 22.
6 DA RESPONSABILIDADE. TEORIA DA MENOR DESCONSIDERAÇÃO No que se refere à responsabilidade, é necessário tecer algumas reflexões. O art. 50 do Código Civil de 2002 adotou a teoria da maior desconsideração, que admite a desconsideração da personalidade jurídica em caso de abuso, assim considerado quando há desvio de finalidade ou confusão patrimonial, imputando à pessoa física
18 Disponível em: www.pnud.org.br.
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Neste contexto, se torna imprescindível proceder à leitura constitucional dos preceitos, como enfatiza José Afonso da Silva17, de modo que tais princípios encontram fértil campo de aplicação também no meio ambiente de trabalho. O empregador que deixa de garanti-lo em condições equilibradas de saúde e segurança viola também o princípio da boa-fé objetiva e desatende à função social do contrato de trabalho, cujos efeitos vão muito além da pessoa dos contratantes, atingindo o entorno social em que estão envolvidos.
O tema é abordado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) desde 2008, quando foi lançada a iniciativa para uma economia verde, questão que notoriamente espraia os seus efeitos para as relações trabalhistas.
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dos sócios a responsabilidade pelos débitos inadimplidos da pessoa jurídica. Nestes casos, haverá desvio de finalidade quando a personalidade jurídica for utilizada com fins diversos daqueles para os quais foi constituída. A confusão patrimonial ocorrerá quando houver dificuldade para saber de quem é determinado patrimônio, se do sócio ou da empresa, quando aquele se utiliza reiteradamente do patrimônio desta, sem haver qualquer tipo de controle.
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Importante registrar que o critério inverso vem sendo adotado em situações contrárias. Há decisões recentes aplicando a teoria inversa de desconsideração19, também com fundamento no art. 50 do Código Civil, atribuindo à pessoa jurídica a responsabilidade pela quitação dos débitos contraídos pela pessoa física, a fim de impedir o desvirtuamento de bens em prejuízo do credor.
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O direito ambiental também aplica à desconsideração da personalidade jurídica, inclusive quanto ao critério inverso, mas vem trilhando outra vertente, para tanto aplicando a teoria da menor desconsideração explicitada no art. 4º da Lei nº 9.605/1998, estabelecendo que poderá “ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente”, ou seja, independentemente de ter ocorrido abuso, conceito que encontra guarida nas questões afetas ao meio ambiente de trabalho. Destarte, a imputação de responsabilidade ocorre de forma mais ampla, tendo em vista a importância do bem jurídico tutelado. 19 A tese foi levantada, primeiramente, no julgamento do Agravo de Instrumento nº 33.453/01, de relatoria do Desembargador Manoel de Queiroz Pereira Calças, pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP).
7 DO ÔNUS DA PROVA A inversão do ônus da prova pode decorrer de lei (ope legis) ou de determinação judicial (ope judicis). A distribuição do ônus da prova, além de constituir regra de julgamento dirigida ao juiz (aspecto objetivo), apresenta-se também como norma de conduta para as partes, pautando o seu comportamento processual conforme o ônus atribuído a cada uma delas (aspecto subjetivo). A diretriz, até então adotada de forma majoritária, no sentido de que a inversão ope judicis ocorreria por ocasião do julgamento da causa pelo juiz (sentença) ou pelo Tribunal (acórdão), vem sendo cada vez mais questionada, pois o modo como distribuído o ônus da prova influi no comportamento processual das partes (aspecto subjetivo), que assim atuam na fase de instrução. Previsão neste sentido consta do art. 358, § 1º, do novo Projeto de Código de Processo Civil – PL 166/2010. Em julgamento proferido no REsp 802832/MG – (2005/02038653), STJ, 2ª Seção, 13.04.2011 –, publicado DJe 21.09.2011, o Relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino ressaltou ser preciso estabelecer uma diferenciação entre duas modalidades de inversão do ônus da prova: Quando ope legis, a própria lei, atenta às peculiaridades de determinada relação jurídica, excepciona a regra geral de distribuição do ônus da prova estabelecido nos arts. 818 da CLT e 333 do CPC. Nessas hipóteses, não se coloca a questão de estabelecer qual o momento adequado para a inversão do ônus da prova, pois a inversão foi feita pelo próprio legislador e, naturalmente, as partes, antes mesmo da formação da relação jurídico-processual, já devem conhecer o ônus probatório que lhe foi atribuído por lei. Quando ope judicis, ou seja, a inversão decorre da determinação do Magistrado, a aplicação dos princípios da prevenção e da precaução nas questões afetas ao meio ambiente de trabalho respalda a inversão do ônus e sua imputação ao empregador, não só porque é ele quem tem maior aptidão para produzir a prova, mas também porque cabe a
Nestes casos, qual o momento processual mais adequado para que o juiz, verificando a presença dos pressupostos legais, determine a inversão da distribuição do ônus probatório? Não se desconhece que as normas relativas ao ônus da prova constituem, também, regra de julgamento, a fim de evitar o non liquet, pois as consequências da falta de comprovação de fato ou circunstância relevante para o julgamento da causa devem, quando da decisão, ser atribuídas à parte a quem incumbia o ônus da sua prova. Trata-se do aspecto objetivo do ônus da prova, que é dirigido ao juiz. No entanto, o aspecto subjetivo da distribuição do ônus da prova mostra-se igualmente relevante, norteando, como uma verdadeira bússola, o comportamento processual das partes. Com efeito, participará da instrução probatória com maior empenho a parte sobre a qual recai o encargo probatório de determinado fato controvertido no processo. Portanto, como a distribuição do encargo probatório influi decisivamente na conduta processual das partes, elas devem ter exata ciência do ônus atribuído a cada uma delas para que possam, com vigor e intensidade, produzir oportunamente as provas que entenderem necessárias. Portanto, como o empregador é o responsável por adotar condutas de precaução e prevenção para garantir meio ambiente de trabalho seguro, detém melhor aptidão para a produção da prova, de modo que, quando a inversão se opera ope judicis, assim deve ser explicitado pelo juiz na fase de instrução, a fim de conferir maior certeza às partes acerca dos seus encargos processuais, preservando o devido processo legal e evitando a insegurança jurídica.
8 A EDIFICAÇÃO DE UM NOVO PADRÃO NORMATIVO TRABALHISTA Além de o art. 5º já ter incluído no sistema as convenções internacionais que tratam do meio ambiente do trabalho, os arts. 6º e 7º, inciso XXII, considerarem a saúde e a redução dos riscos inerentes ao trabalho como direito fundamental, a Constituição Federal do Brasil estabeleceu, no inciso VIII do art. 200, que ao Sistema Único de Saúde compete colaborar na proteção do meio ambiente, “nele compreendido o do trabalho”, enquanto o art. 225 atribui a todos o direito ao meio ambiente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, assim incluindo o meio ambiente do trabalho. As novas formas de trabalhar e os diferentes modos de organização produtiva provocaram o surgimento de uma nova questão social. Em conhecido filme, que foi sucesso de público20 por retratar a complexidade dos novos desafios contemporâneos, ao se deparar com uma situação em que o personagem interpretado por Edward Norton é tratado como objeto descartável, igual “aos sachês de adoçante servidos com o café”, além de suportar constante pressão no trabalho para entregar inúmeros relatórios com rapidez, apresentando dificuldades para dormir, o ator Brad Pitt manifesta veemente inconformismo com o estilo de vida que obriga a trabalhar em situações adversas, com o objetivo de ter dinheiro e poder trocar incessante e desnecessariamente carros, móveis e utensílios da casa, além de comprar objetos que não precisa, para garantir um espaço de inclusão e evitar ser descartado da vida em sociedade. No século XXI, a questão social surge imbricada com a conscientização de ser preciso evitar, que a disseminação da perversa lógica do descarte seja aplicada ao próprio ser humano
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ele a adoção e a efetiva implementação das condutas de prevenção e precaução.
20 Clube da Luta – Fight Club. Filme dirigido por David Fincher, 1999.
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no ambiente de trabalho, de sorte que a precaução e a prevenção, princípios que inicialmente atuaram na formação do direito ambiental, passam a permear também a edificação de um novo padrão normativo trabalhista, pois é impossível dissociar o envolvimento e comprometimento da pessoa do trabalhador com a prestação do trabalho, submetido a certas condições, em um determinado local.
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A intensificação da violência na sociedade e os seus reflexos no ambiente de trabalho, onde pessoas têm que conviver por longos períodos em um local em que, via de regra, há elevado nível de estresse, vem desencadeando novas doenças e lesões, que comprometem a integridade física e mental, levam ao absenteísmo elevado e decréscimo de produtividade, causando prejuízo a todos os envolvidos. Neste contexto, pautar normas de conduta pelos princípios da precaução e prevenção fortalece a efetividade e confere ao Direito do Trabalho musculatura mais vigorosa para lidar com os novos desafios, fazendo valer o princípio da não reversibilidade dos direitos fundamentais. Como destaca Cristina Queiroz21, os direitos fundamentais “devem ser compreendidos e inteligidos como elementos definidores e legitimadores de toda a ordem jurídica positiva. Proclamam uma cultura jurídica e política determinada, numa palavra, um concreto e objetivo sistema de valores”.
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Esta interpretação encontra amparo em nossa Carta Política, que fixa diretriz assentada em um tripé formado pela inter-relação entre o crescimento econômico, a proteção ambiental dos recursos naturais do planeta e a garantia de ambiente seguro, saudável e equilibrado no local da prestação laboral, a fim de preservar a saúde física e mental do trabalhador, padrão axiológico que 21 QUEIROZ, Cristina. O princípio da não reversibilidade dos direitos fundamentais: princípios dogmáticos e prática jurisprudencial. Coimbra: Coimbra, 2006. p. 119.
imputa ao direito de propriedade e ao contrato de trabalho uma função social, além de exigir a observância da boa-fé objetiva. Importante registrar que, na seara trabalhista, já há um arcabouço infraconstitucional para a sustentação deste modelo. Com efeito, o inciso I do art. 157 da CLT imputa às empresas a obrigação de “cumprir e fazer cumprir” as regras de segurança; enquanto o item II do mesmo artigo, a de “instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais”, e o art. 158 atribui aos empregados o encargo de “observar as normas de segurança e medicina do trabalho, inclusive as instruções” referidas anteriormente. A instituição da Cipa – Comissão Interna de Prevenção de Acidentes de Trabalho (NR 5), o SESMT –Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho (NR 4), o PPRA – Programa de Prevenção de riscos ambientais (NR 9) e o PCMSO – Programa de Controle Médico e Saúde Ocupacional (NR 7) foram iniciativas pioneiras que demonstraram a importância da conduta de prevenção e precaução para evitar lesão à saúde do trabalhador, abrindo uma nova senda quanto à edificação do padrão normativo destinado a disciplinar o meio ambiente de trabalho. Também os institutos do embargo e da interdição, colocados à disposição da inspeção do trabalho pelo art. 161 da CLT, voltam-se para a proteção da saúde e segurança dos trabalhadores. Nos termos do item 1º da Norma Regulamentadora nº 3, com redação dada pela Portaria SIT nº 199/2011, são o “embargo e [a] interdição [...] medidas de urgência, adotadas a partir da constatação de situação de trabalho que caracterize risco grave e iminente ao trabalhador”. Por risco grave e iminente entende-se, com fulcro no art. 2º, § 1º, da mesma Portaria MTE nº 40/2011, tratar-se de “toda condição ou situação de trabalho
que possa causar acidente ou doença relacionada ao trabalho com lesão grave à integridade física do trabalhador”.
a) inclusão de todos os trabalhadores brasileiros no sistema nacional de promoção e proteção da saúde;
Após longo embate acerca da natureza dos institutos do embargo e da interdição, o Ministério do Trabalho fixou o entendimento, sedimentado no art. 21 da Portaria MTE nº 40/2011, de que não se tratam de medidas sancionatórias, mas sim acautelatórias, adotadas em caso de grave e iminente risco ao trabalhador. Tanto assim é que o referido artigo não impede sejam lavradas autuações por infrações constatadas, inocorrendo, portanto, qualquer forma de bis in idem, bem como não há qualquer necessidade de ao embargo ou à interdição corresponder, necessariamente, uma infração a legislação trabalhista. O critério é, assim, o grave e iminente risco, o fundamento, a imprescindível prevenção/ precaução de acidentes ou doenças do trabalho e o mote, a saúde e a segurança do trabalhador22.
b) harmonização da legislação e articulação das ações de promoção, proteção, prevenção, assistência, reabilitação e reparação da saúde do trabalhador;
d) estruturação de rede integrada de informações em saúde do trabalhador; e) promoção da implantação de sistemas e programas de gestão da segurança e saúde nos locais de trabalho; f) reestruturação da formação em saúde do trabalhador e em segurança no trabalho e o estímulo à capacitação e à educação continuada de trabalhadores; e g) promoção de agenda integrada de estudos e pesquisas em segurança e saúde no trabalho.
Estabelece a inserção de tais disposições em um Plano Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho, estruturado sobre as seguintes diretrizes:
Ademais, além da imputação de responsabilidade subjetiva ao empregador “quando incorrer em dolo ou culpa” como prevê o inciso XXVIII do art. 7º da CF/1988, o art. 927 do Código Civil trouxe à baila a questão da responsabilidade objetiva “quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.
22 Ademais, cumpre consignar que, nos termos do item 3.5 da Norma Regulamentadora nº 3, com redação dada pela Portaria SIT nº 199/2011, “durante a paralisação decorrente da imposição de interdição ou embargo, os empregados devem receber os salários como se estivessem em efetivo exercício”. Ou seja, ao deve a adoção, pela inspeção do trabalho, de medidas acautelatórias significar prejuízos aos empregados, na medida em que não são desses, como é obvio, os riscos da atividade econômica exercida pelo empregador.
A configuração do que é atividade de risco tem gerado muita controvérsia, não só doutrinária mas também jurisprudencial. A Convenção nº 155 da OIT, em seu art. 11, inciso b, imputa às autoridades competentes o dever de controlar “as operações e processos que serão proibidos, limitados ou sujeitos à autorização”, assim como “a determinação das substâncias e agentes aos quais estará proibida a exposição no trabalho”, devendo “ser
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O Decreto nº 7.602 de 7 de novembro de 2011, que dispõe sobre Política Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho – PNSST, prioriza as ações de promoção, proteção e prevenção sobre as de assistência, reabilitação e reparação, apontando para a necessidade de eliminação ou redução dos riscos nos ambientes de trabalho.
c) adoção de medidas especiais para atividades laborais de alto risco;
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levados em consideração os riscos para a saúde decorrentes da exploração simultânea a diversas substâncias ou agentes”, o que demonstra a importância de adotar, no ambiente de trabalho, condutas e procedimentos em conformidade com os princípios da precaução e prevenção.
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O art. 21-A da Lei nº 8.213/1991 prevê a caracterização da natureza acidentária da incapacidade apresentada quando constatado nexo técnico epidemiológico entre o trabalho e a lesão, decorrente da relação entre a atividade da empresa e a entidade mórbida motivadora da incapacidade elencada na Classificação Internacional de Doenças – CID. Para afastá-lo, conforme preceituado nos §§ 1º e 2º, cabe ao empregador o ônus de demonstrar a inexistência do nexo, o que inclui a comprovação de que tomou todas as providencias necessárias para a precaução e a prevenção da ocorrência da lesão.
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Em relação aos trabalhadores expostos a agentes nocivos à saúde, desde 2004 o empregador é obrigado a entregar na rescisão contratual o documento denominado perfil profissiográfico previdenciário (em lugar do anterior DIRBEN 8030), que deve conter as informações referentes à atividade exercida e ao meio ambiente de trabalho, conforme prevê o art. 58 da Lei nº 8.213/1991 e a IN INSS/DC 96/2003. O § 2º do artigo anteriormente referido consigna que deste documento deve constar se é adotada no local de trabalho “tecnologia de proteção coletiva ou individual, que diminua a intensidade do agente agressivo a limites de tolerância e recomendação sobre sua adoção pelo estabelecimento respectivo”, o que denota a importância dos princípios da precaução e da prevenção. Conforme dados apresentados pelo TST23, há mais de 700 mil acidentes de trabalho por ano no Brasil e a média de sete mortes 23 Disponível em: www.tst.jus.br.
por dia, sendo que a Previdência Social gasta R$ 10,4 bilhões por ano com acidentes de trabalho. Investir na melhoria das condições de trabalho, para que o ambiente seja saudável e seguro, cria um circulo virtuoso em beneficio de todos os envolvidos. Traz vantagens para o empregador, que não perde o tempo e dinheiro investidos no treinamento e pode contar com um empregado sadio e bem treinado. Reduz o número de acidentes e doenças profissionais, diminuindo os gastos previdenciários com auxílio-doença e aposentadorias precoces, evita o comprometimento da empregabilidade futura do trabalhador, a desagregação familiar e os casos recorrentes de alcoolismo e violência doméstica. Além disso, há outra consequência importante. O art. 120 da Lei nº 8.213/1991 prevê o ajuizamento, pela previdência, de ação regressiva contra os responsáveis, quando constatada “negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicadas para a proteção individual e coletiva”. Em observância a tal diretriz, a Recomendação nº 21/2011, expedida pela CGJT, estabelece que Desembargadores e Juízes do Trabalho encaminhem à Procuradoria da Fazenda Nacional cópias de sentenças/acórdãos que reconheçam a conduta culposa do empregador em acidente de trabalho, assim possibilitando o ajuizamento dessas ações regressivas. Por causa do alto número de acidentes no Brasil, responder a tais ações regressivas implicará no gasto de valores expressivos pelo empregador, que deverá incluir o pagamento de despesas médicas e previdenciárias, e indenização aos dependentes das pessoas vitimadas ou mortas.
9 A IMPORTÂNCIA DA PERSPECTIVA PREVENTIVA No início do século passado, o Médico Oswaldo Cruz atuou intensamente para vencer resistências e propagar a ideia de
Este desafio está sendo apresentado ao Direito um século depois. As obras afetas à Copa do Mundo de 2014, às Olimpíadas de 2016, à exploração do petróleo em águas profundas com o trabalho a ser desenvolvido em plataformas e unidades de perfuração, em um modelo que atribui à Petrobras a situação de operadora de todas as reservas do pré-sal, suscita questionamentos importantes quanto à segurança e às condições de saúde no meio ambiente de trabalho, por ser inevitável o enfrentamento de problemas provocados por novas tecnologias, que certamente advirão. Neste contexto, ante a evidente insuficiência da regulação jurídica meramente reparatória da lesão já ocorrida, chega com força a ideia de ser necessário atuar com precaução e bom-senso na prevenção dos conflitos, mediante a formatação de um novo padrão de normatividade em relação às questões que tratam do meio ambiente de trabalho24. Esta nova perspectiva demonstra que, enquanto a reparação do dano já ocorrido é prejuízo, como um número expressivo de 24 O tema foi abordado por nós em trabalho inicial apresentado no 7ª ILERA – Regional Congress of the Americas and 5ª IBRET – Instituto Brasileiro de Relações do Emprego e Trabalho – Conference, com trabalho cujo título é: “Fair play on the negotiate table: heading to a self-regulated model”, realizado em São Paulo, em 2011. O texto completo apresenta-se sobre o título: “Fair play nas negociações coletivas: rumo a um sistema normativo mais republicano”. Disponível em: <http://www.ibret.org.br/ui/evento/anais/ cdirca/trabalhos/2919.pdf>.
acidente de trabalho é evitável, o que se gasta na prevenção é investimento e não custo, pois traz mais segurança para o exercício da atividade econômica e melhor qualidade de vida ao trabalhador. Ademais, garantir condições de trabalho decente confere seriedade ao marco institucional do País e consequente up grade no cenário internacional, além de propiciar inestimáveis benefícios à sociedade brasileira como um todo, ao reduzir a conflitualidade e aumentar os níveis de bem-estar dos atores sociais. Como ressalta o constitucionalista peruano Omar Cairo Roldán25, a conduta dos órgãos públicos e dos cidadãos deve ser coerente com os fins colimados pelo Estado Democrático. Dentro deste esquema, a economia deve orientar-se pelo desenvolvimento, garantindo sempre a dignidade e a liberdade das pessoas, para que o desenvolvimento econômico ocorra em conjunto com o bem-estar geral.
10 A ATUAÇÃO PROATIVA DO PODER JUDICIÁRIO. A EXPERIÊNCIA DE CUIABÁ Esta mudança de eixo torna insustentável a antiga configuração de um Judiciário inerte, que só age quando provocado, exigindo que assuma postura proativa, como um dos agentes de transformação do marco normativo. Nesta senda, o TST organizou, nos dias 20 e 21.10.2011, um Seminário sobre Prevenção de Acidentes de Trabalho, atento aos sinais que demonstram a possibilidade de intensificação da ocorrência dos acidentes nesta fase de aceleração das obras de construção civil para a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016. A taxa atual de trabalhadores acidentados na construção civil é de 17,8% por 100 mil habitantes, enquanto 25 ROLDÁN, Omar Cairo. Escritos Constitucionales – Communitas – Cuadernos jurídicos. Lima/Peru: Editorial Cordillera S.A.C, v. 1, p. 142.
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que era melhor prevenir doenças, do que tentar curar as que podiam ser evitadas. A conhecida guerra da vacina lhe trouxe muitos dissabores, mas deixou o seu nome ligado à importante mudança de paradigma, que conferiu um salto de qualidade na vida do brasileiro.
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que a taxa geral é de 6,1% por 100 mil habitantes26, o que vem demonstrar a importância da implementação dos princípios da prevenção e precaução em relação ao meio ambiente de trabalho neste setor de atividade. Consciente disso, Osmair Couto, então presidente do Tribunal Regional do Trabalho do Mato Grosso, organizou uma audiência pública em novembro de 2011, em que proferi palestra de abertura na condição de Desembargadora, ressaltando a necessidade de adotar e divulgar boas práticas, prevenir litígios, reduzir os acidentes de trabalho e estimular o trabalho decente, destacando a importância da atuação proativa do Direito na obtenção da pacificação com justiça e diminuição dos níveis de conflito, por meio do estímulo à prevenção e à precaução.
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O evento contou com a participação de representantes da Secretaria Regional de Trabalho e Emprego (SRTE) do Ministério do Trabalho, do Ministério Público do Trabalho27, dos sindicatos, das Prefeituras de Cuiabá e Várzea Grande, da Assembleia Legislativa de Mato Grosso, da OAB-MT, da Associação dos Advogados Trabalhistas (Aatramat) e da Associação dos Magistrados do Trabalho de Mato Grosso (Amatra 23).
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Durante as discussões, os participantes ressaltaram a necessidade de se adotar medidas para evitar que, ao fim das obras realizadas para a Copa de 2014, não fique para trás um contingente de trabalhadores acidentados ou mesmo sem receber direitos trabalhistas básicos. 26 Disponível em: www.tst.jus.br. 27 No âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), cumpre destacar a criação do Grupo Móvel de Fiscalização de Grandes Obras, cujo fim principal é o destacamento de Auditores Fiscais do Trabalho dedicados a fiscalizar o andamento de grandes obras Brasil afora, dedicando atenção especializada a empreendimentos de vulto.
Representantes das entidades envolvidas na realização e fiscalização das obras da Copa do Mundo de 2014 na região assinaram a Carta de Compromisso de Cuiabá. Entre os onze compromissos firmados, os subscritores destacaram a importância da observância dos deveres pertinentes à higidez do meio ambiente do trabalho, a responsabilização solidária do empregador e do tomador dos serviços pela observância das normas atinentes ao meio ambiente do trabalho. Ressaltaram que eventual alegação de necessidade de cumprimento de prazos na realização de grandes obras, inclusive em relação à Copa do Mundo de 2014, não poderá ser aceita como justificativa para o descumprimento das normas de proteção da saúde e segurança dos trabalhadores. Destacaram que, apesar das controvérsias jurídicas a respeito da responsabilidade trabalhista do dono da obra, todos os que atuam na execução de empreendimentos na construção civil (donos da obra, empreiteiras e empresas especializadas subcontratadas) devem envidar esforços para o cumprimento de todos os deveres referentes à segurança dos trabalhadores, considerando que todos são responsáveis pelo meio ambiente de trabalho saudável. Por fim, comprometeram-se em manter aberto um canal permanente de interlocução com os diferentes atores sociais, visando a estimular a adoção concreta de boas práticas para prevenir os litígios, reduzir os acidentes de trabalho e construir uma cultura de precaução e prevenção, a fim de garantir a prestação de trabalho decente.
CONCLUSÃO Ao constatar a mutabilidade que a caracteriza, processada em um ritmo cada vez mais intenso, o conceituado Sociólogo Zygmunt Bauman esclarece que vivemos em uma sociedade líquida, assim classificada porque os líquidos mudam de forma
Na sociedade instável e invertebrada, a questão social ressurge com a mesma força de séculos atrás, porém com maior poder de destruição, por tentar transformar o trabalhador em um dado líquido, incutindo nas relações laborais a lógica do descarte, que corrói de forma insidiosa os pilares de sustentação do Direito Trabalhista. Neste cenário cresce de importância a atuação dos sindicatos, que conhecem mais de perto os locais de trabalho e os riscos existentes. Também se revela significativa a atuação do Ministério Público do Trabalho, seja na celebração dos Termos de Ajustamento de Conduta (TAC), que detêm força executiva, conforme dispõe o art. 876 da CLT, seja no ajuizamento de ação civil pública, nos termos do art. 83, III, da LC 75/1993. Por derradeiro, indiscutível a importância da atuação assertiva e efetiva da inspeção do trabalho, por meio de seus auditores fiscais, na implementação da legislação protetiva, bem como na adoção de medidas acautelatórias de efeito imediato, como o embargo e a interdição. Em suma, a atuação conjunta e sinérgica dos atores sociais e das instituições estatais envolvidas. O padrão normativo da era moderna foi edificado com base no pensamento do Filósofo Parmênides, mas os novos tempos da pós-modernidade contemporânea são de Heráclito, que apostou na constante mutação. Neste contexto, a função promocional do Direito indica a necessidade de intensificar a atuação preventiva, formando uma nova mentalidade com o escopo de evitar a ocorrência da lesão, por considerar que assegurar meio ambiente equilibrado no local de trabalho constitui direito fundamental, albergado pela Constituição de 1988.
Por isso é preciso que o binômio dever ser/sanção, que previa a adoção de medidas meramente reparatórias, adote uma nova perspectiva, incorporando os princípios da precaução e prevenção, que vão atuar como marcos de resistência, preservando o núcleo inalienável que garante ao trabalhador a condição de sujeito, impedindo a precarização provocada pela lógica que o reduz a objeto de descarte, assim atuando como norte de um novo padrão normativo, a fim de preservar a funcionalidade do sistema jurídico e manter a eficácia do Direito na contemporaneidade.
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rapidamente, sem qualquer pressão, e, por sua natureza, não têm condições de se solidificarem.
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and 5ª IBRET – Instituto Brasileiro de Relações do Emprego e Trabalho – Conference, realizado em São Paulo, em 2011. O texto completo apresenta-se sobre o título: Fair play nas negociações coletivas: rumo a um sistema normativo mais republicano. Disponível em: <http://www.ibret.org.br/ui/ evento/anais/cdirca/trabalhos/2919.pdf>. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2006. NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Assim falava Zaratustra. Trad. Ciro Mioranza. São Paulo: Escala, 2006. ONU – Organizações das Nações Unidas. Disponível em: <http://www.onu. org.br/com-campanha-o-futuro-que-queremos-onu-convida-sociedade-civil-a-participar-da-rio20/>. PADILHA, Norma Sueli. Do meio ambiente do trabalho equilibrado. São Paulo: LTr, 2002. PLÁ RODRIGUEZ, Américo. Princípios de direito do trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2004. QUEIROZ, Cristina. O princípio da não reversibilidade dos direitos fundamentais: princípios dogmáticos e prática jurisprudencial. Coimbra: Coimbra, 2006. RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos de direito ambiental: parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. ROLDÁN, Omar Cairo. Escritos Constitucionales – Communitas – Cuadernos jurídicos. Lima/Peru: Editorial Cordillera S.A.C, v. 1.
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SÜSSEKIND, Arnaldo. Convenções da OIT. 2. ed. São Paulo: LTr, 1998.
Doutrina
Gestão Urbano-Ambiental Municipal ROGÉRIA MARA LOPES ROCHA
Advogada e Pesquisadora do Núcleo Jurídico de Políticas Públicas, do Observatório de Políticas Urbanas/Proex e do Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC-Minas, Professora de Direito Ambiental da Universidade Presidente Antônio Carlos, Especialista em Direito de Empresa pela Universidade Gama Filho e Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Direito, Mestrado Stricto Sensu na Área de Concentração em Direito Público.
RESUMO: A Constituição democrática de 1988 elevou a proteção ao meio ambiente ecologicamente equilibrado ao status de direito fundamental e assegurou lugar especial ao meio ambiente urbano (arts. 21, IX, 30, VIII, 182 e 183). Houve, portanto, preocupação em afirmar a justiça intergeracional. A Política Nacional do Meio Ambiente foi instituída pela Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Mais tarde houve a dissociação dos recursos hídricos do meio ambiente, com a criação da Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997. No direito urbanístico, a edição da Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, trouxe uma nova tônica para a questão urbana. Portanto, as Agendas Verde e Marrom estão no âmbito da Política Nacional do Meio Ambiente e a Agenda Azul está inserida no Plano Nacional de Recursos Hídricos. Há uma real dificuldade de articulação entre as três Agendas, o que aumenta a burocracia, inibe ações integradas, redundando em superposição de algumas ações, bem como a omissão e a ineficiência em outras. Os Municípios brasileiros, em sua maioria, são hipossuficientes, pois dependem da transferência dos recursos federais e estaduais para cumprir as suas competências constitucionais. Esse texto pretende tecer reflexões sobre a intermunicipalidade como instrumento capaz de viabilizar a gestão urbano-ambiental municipal. Saliente-se que usaremos a bacia hidrográfica como unidade de planejamento, uma vez que é discurso corrente, quando se fala em regionalização, a utilização de Municípios limítrofes ou a polaridade de um determinado Município para definir o espaço de atuação conjunta.
PALAVRAS-CHAVE: Meio ambiente; urbanismo; intermunicipalidade; federalismo; competência. SUMÁRIO: Introdução; 1 A posição dos Municípios no pacto federativo brasileiro; 2 A integração entre as Agendas Verde e Marrom como instrumento de consolidação da gestão urbano-ambiental; Conclusão; Referências.
INTRODUÇÃO O debate internacional sobre o meio ambiente tem como marco a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, ocorrida nos dias 5 a 16 de junho de 1972, em Estocolmo, na Suécia. O conceito de desenvolvimento sustentável1 foi trazido à tona pela primeira vez nessa conferência. A partir daí, as populações perceberam a necessidade de desenvolverem seus países sem sacrificar o meio em que vivem, dando início à conscientização de que se o ciclo vital do meio ambiente for rompido a vida será extinta. Mais tarde, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, também conhecida como Eco-92, realizada no período de 3 a 14 de junho de 1992 no Rio de Janeiro, foi considerada o maior evento ambiental do século XX. Os compromissos específicos adotados pela Eco-92 incluíram três convenções, abarcando documentos como Mudança do Clima, 1 “A defesa do meio ambiente é uma dessas questões que obrigatoriamente devem constar da agenda econômica pública e privada. A defesa do meio ambiente passa a fazer parte do desenvolvimento nacional (art. 170 e 3º). Pretende-se um desenvolvimento ambiental, um desenvolvimento econômico, um desenvolvimento social. É preciso integrá-los no que se passou a chamar de desenvolvimento sustentado. O conceito de desenvolvimento sustentado foi desfraldado pela ONU através da sua Comissão Mundial para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento.” (Machado, 2006, p. 143)
Biodiversidade e a Declaração sobre Florestas. A Conferência também aprovou documentos com objetivos mais abrangentes e de natureza mais política: a Declaração do Rio e a Agenda 212. Ambos endossam o conceito fundamental de desenvolvimento sustentável, que combina o progresso econômico e material com a necessidade de uma consciência ecológica em caráter emergencial.
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Esses compromissos mundiais foram firmados na tentativa de utilizar-se o meio ambiente de forma que as gerações futuras também gozem do direito à vida3. Ressaltou-se a necessidade de se trabalhar a educação ambiental (art. 225, inciso VI, CR/1988)
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2 “A Agenda 21 resultou de relatórios, experiências e posicionamentos anteriores das Nações Unidas (tais são, por exemplo, o Relatório Dag Hamarskjold – ‘Por um outro desenvolvimento’ – e o Relatório Brundtland, conhecido como ‘Nosso Futuro Comum’), enriquecidos por documentos e posições das ONGs do Meio Ambiente. Se, de um lado, é um texto de diretrizes, por vezes normativo, de cunho otimista e com uma abrangência até então pouco vista em textos congêneres, de outro lado ressente-se de generalidades – o que não é de estranhar em um documento tão amplo e consensual, dirigido a todos os povos, governos e nações da Terra. Nela são tratadas, em grandes grupos temáticos, questões relativas ao desenvolvimento econômico-social e suas dimensões, à conservação e administração de recursos para o desenvolvimento, ao papel dos grandes grupos sociais que atuam nesse processo. São apontados, enfim, meios de implementação de planos, programas e projetos que visem ao desenvolvimento sustentável, ressaltando-se sempre os aspectos ligados aos recursos naturais e à qualidade ambiental. Aliás, pode-se dizer que a Agenda 21 é a cartilha básica do desenvolvimento sustentável.” (Milaré, 2005, p. 78-79) 3 “Não há, portanto, nenhum fundamento para se dar preferência à atual geração em detrimento das que se seguirão no gozo e uso do planeta. Como ações isoladas não podem resolver o problema a contento, somente uma cooperação internacional, inclusive no sentido de reduzir a pobreza no mundo, conseguirá garantir que o futuro não nos cobre pelo descumprimento do dever fiduciário e pela ruína dos seus destinos.” (Sampaio, 2003, p. 57)
buscando resgatar a ética como instrumento de mudança na relação homem/ambiente4. A Declaração do Milênio, organizada em Nova Iorque nos dias 6 a 8 de setembro de 2000, foi aprovada pela Assembleia-Geral das Nações Unidas, em que reuniu os planos de todos os Estados-membros da ONU para melhorar a vida de todos os habitantes do planeta no século XXI.
1 A POSIÇÃO DOS MUNICÍPIOS NO PACTO FEDERATIVO BRASILEIRO Com a implantação do regime republicano, em 1889, adotou-se no Brasil o federalismo, copiado do modelo norte-americano. Lá, Estados independentes abriram mão de parte da sua sobe4 “A solidariedade das presentes gerações para com as gerações futuras impõe a urgentíssima reconversão do mundo, através de uma pró-ativa e consequente ética ambiental. Por sinal que a ética ecológica levaria a um sistema de responsabilidades solidárias entre todos, liberado de uma visão acanhada de antropocentrismo.” (Nalini, 2001, p. 38)
O Brasil adotou o sistema federal em todas as suas Constituições, mesmo naquelas que vigeram durante o período do autoritarismo. Naquele momento, o federalismo estava assegurado apenas na Carta Magna, já que os Estados-membros perderam muito da sua autonomia. A princípio, o federalismo adotado foi o dual, ou seja, formado pela União e pelos Estados-membros. Em decorrência de todo esse processo, até meados da década de 1930 do século XX, foram as próprias oligarquias rurais que contribuíram para a estagnação da democracia, mesmo havendo a previsão da descentralização política. A partir daí, pode-se constatar que, de sua implantação em 1891 até a entrada em vigor da Constituição de 1988, o federalismo brasileiro não conseguiu atingir uma evolução satisfatória, em que pese a fase democrática pela qual passamos na vigência da Constituição de 1946, marcada pela divisão da autonomia em três: administrativa, financeira e política, possibilitando o início da participação municipal5. Com a promulgação da Constituição de 1988, os Municípios brasileiros ganharam uma nova dimensão federativa, haja vista 5 Assim, interessante a constatação da Professora Doutora Maria Coeli Simões Pires (Pires, 1999), ao afirmar que a Constituição de 1891, apesar de prever pela primeira vez a autonomia municipal, em seu art. 68, “fê-lo, todavia, em frágil construção, já que sua extensão (Município) deveria ser traçada pelo próprio Estado. Tal peculiaridade, ligada à escassez de recursos destinada aos Municípios e às contingências de nomeação de prefeitos para a maioria dos Municípios, reservou àquele modelo de autonomia um caráter apenas nominal”.
sua inclusão na organização político-administrativa da República Federativa do Brasil, conforme estabelecido em seu art. 18. Agora, os Municípios encontram-se lado a lado com União, Estados-membros e Distrito Federal, constituindo nova esfera de autonomia, alterando o federalismo existente até então. Os Municípios têm autonomia para legislarem tudo o que for de “interesse local”, o que se traduz em uma infinidade de matérias. É importante salientar que o Município é o ente federativo que está mais próximo da população, no qual os problemas e as dificuldades acontecem. É dos prefeitos municipais, normalmente, que a população cobra solução para os seus problemas. A União e o Estado-membro estão muito distantes da realidade das pessoas. Os Municípios estão fragilizados política e economicamente em razão da sua escassez financeira, o que dificulta sobremaneira a consecução de políticas públicas6. A Constituição da República de 1988 adotou a distribuição das competências de forma privativa, chamada de horizontal, combinada com a repartição de competências de forma vertical, propiciando o surgimento das competências concorrentes e comuns. Em matéria urbano-ambiental, a Constituição Federal de 1988 previu competências legislativas e materiais para a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. 6 Segundo José Luiz Quadros de Magalhães (1999, p. 117/118), há forte tendência em se valorizar o poder em pequeno espaço territorial. Veja-se: “O modelo de valorização do poder em um espaço territorial menor está vinculado à idéia de espaço econômico, cultural e político que fundamenta a unidade municipal, e sua viabilidade econômica deve ser fator primeiro a ser observado na recomposição dos Municípios brasileiros, possibilitando a construção de uma nova federação onde os Municípios cumpram o papel mais importante de construção de uma democracia, e de uma cidadania plena a ser exercida pela população”.
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rania, para a construção do Estado Federal. Aqui, o federalismo foi imposto pelo governo central. Naquela época, o Brasil ainda nem era dividido em Estados-membros. O federalismo surgiu como instrumento capaz de permitir a sobrevivência do próprio Estado, já que as suas dimensões são continentais.
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No art. 21 da CR/1988 estão previstas as competências materiais privativas da União. Atribuiu-se a esse ente a competência de tratar com privatividade os assuntos de interesse nacional, seja quando se tratam de competências a serem exercidas em suas relações exteriores, seja quando exercidas no plano interno. Internamente, verifica-se o interesse nacional quando a matéria é de interesse de todos ou de alguns dos Estados-membros, ou, ainda, do interesse de toda a população, como é o caso da nacionalidade e dos direitos políticos. A matéria urbano-ambiental está prevista nos seguintes incisos do art. 21:
[...] IV – águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão; [...] IX – diretrizes da política nacional de transportes; [...] XI – trânsito e transporte;
[...]
XII – jazidas, minas, outros recursos minerais e metalurgia;
[...] XIX – instituir sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios de outorga de direitos de seu uso; XX – instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos; [...] Dezembro/2016 – Ed. 237
Art. 22. [...]
Art. 21. Compete à União:
IX – elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social;
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à matéria urbano-ambiental, estão previstas como privativas da União a competência para legislar sobre:
XXIII – explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados, atendidos os seguintes princípios e condições: [...] XXV – estabelecer as áreas e as condições para o exercício da atividade de garimpagem, em forma associativa.
O art. 22 trata da competência legislativa privativa da União. As matérias elencadas neste artigo são de tal importância que se entendeu ser a União o ente indicado para legislar sobre elas, com exclusão dos demais entes federados. No que diz respeito
[...] XXVI – atividades nucleares de qualquer natureza; [...].
O parágrafo único diz que lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre as matérias dispostas neste artigo. Ocorre que essa lei complementar ainda não foi editada. Portanto, a União poderá delegar aos Estados que legislem sobre as matérias tratadas no art. 22. O art. 23 disciplina as competências comuns aos entes da federação. Competências comuns serão aquelas exercidas de forma isolada, em conjunto, ou em cooperação entre os entes federados. Não existe aqui hierarquia nem predominância de interesses. São matérias executivas, em que será necessária a utilização da máquina administrativa para o alcance dos desígnios propostos. São assuntos que interessam a todos indistintamente. No que diz respeito às questões urbano-ambientais, foram previstas as seguintes situações: Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
III – proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos; IV – impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico e cultural; [...] VI – proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; VII – preservar as florestas, a fauna e a flora; [...] IX – promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico; [...] XI – registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios; [...].
No que tange à poluição, a população local é a mais interessada em que se tomem as medidas de combate e controle. Ainda que exista normatização federal e estadual sobre o assunto, é no Município que os efeitos são sentidos diretamente. No Município de Itabira/MG, com população de 100.000 habitantes, a poluição atmosférica é altíssima em decorrência da mineração. A incidência de doenças respiratórias e cardiovasculares é tão alta que houve a necessidade de se fazer um estudo científico para comprovar se a poeira produzida pela mineração teria relação com o alto número de enfermos do Município. O estudo foi realizado e comprovou-se que a inalação de um tipo de poeira denominada PM10 era a responsável pelas causas das doenças. A degradação do ar desse Município foi comparada à degradação do ar de grandes centros urbanos.
Já o art. 24 disciplina as competências concorrentes, que são aquelas em que a União, os Estados e o Distrito Federal podem legislar sobre o mesmo assunto. A redação desse artigo não contemplou o Município, parecendo, à primeira vista, que o mesmo ficou alijado da possibilidade de legislar concorrentemente com a União, os Estados e o Distrito Federal. A competência do Município de legislar concorrentemente está deslocada do art. 24, estando prevista no art. 30, II. À União cabe editar normas gerais, e aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios cabe complementar ou suplementar a legislação. Complementar significa pormenorizar, detalhar a lei de caráter geral. Suprir significa editar uma lei na ausência da norma geral. Essa classificação suscita controvérsias. Muitos autores entendem que complementar e suplementar significam a mesma coisa. A União editará normas de caráter geral, nas quais a matéria será alcançada por todo o território nacional ou parte dele. A título de exemplo, considera-se a Amazônia de interesse nacional, muito embora esteja situada na região norte do País. Os biomas são de interesse nacional, mesmo estando cada um deles em uma região. Outro exemplo: o fato de se ter uma norma de caráter geral sobre o bioma mata atlântica não impede o Estado-membro onde ela se encontra de editar uma lei pormenorizando a lei geral, adequando-a a sua realidade. Caso não haja lei de caráter geral editada pela União sobre determinada matéria, os Estados e o Distrito Federal terão capacidade legislativa plena. Editando a União a norma geral, a legislação estadual e distrital ficará suspensa naquilo que colidir com a norma geral. Não existindo legislação federal de caráter geral, nem legislação estadual a respeito, exercerão os Municípios competência legislativa plena.
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[...]
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O art. 24 prevê as seguintes competências concorrentes urbano-ambientais: Art. 24. [...]
I – legislar sobre assuntos de interesse local;
I – direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;
II – suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;
[...]
[...]
VI – florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição;
VIII – promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;
VII – proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;
IX – promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.
VIII – responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;
O inciso I diz que o Município poderá legislar em assuntos de interesse local. Portanto, há aí uma limitação, pois não poderá o Município legislar sobre qualquer tema, mas, tão somente, aqueles em que predomine o interesse local. Nas questões ambientais, que são objeto da nossa discussão, muitos serão os casos em que terá o Município capacidade normativa. Isso por que é no Município que os resultados da atividade poluidora e degradadora se fazem sentir primeiro. A população local é a primeira a ser atingida e a sofrer os malefícios dos impactos causados à natureza.
[...].
O art. 25 trata das competências remanescentes ou residuais não enumeradas dos Estados. É competência do Estado-membro legislar em matéria urbano-ambiental: Art. 25. [...]
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[...]
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No que tange a sua competência normativa em matéria urbano-ambiental, previu a Constituição no art. 30:
§ 3º Os Estados poderão, mediante lei complementar, instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum.
O art. 30 trata das competências legislativas e materiais dos Municípios. Com a Constituição de 1988, os Municípios ganharam status de ente federado, conquistando assim a sua autonomia7. 7 Segundo o eminente constitucionalista Afonso da Silva, a autonomia municipal está fundamentada em quatro capacidades: (a) capacidade de auto-organização, mediante a elaboração de lei orgânica própria; (b) capacidade de autogoverno, pela eletividade do Prefeito e dos
Além disso, prevê o inciso II que compete ao Município suplementar a legislação federal e estadual no que couber. Assim sendo, será possível a edição de lei municipal restringindo matérias tratadas pela União ou pelo Estado. O Município poderá adequar a legislação existente à sua situação local. Municípios que têm a pesca como atrativo turístico, por exemplo, poderão Vereadores às respectivas Câmaras Municipais; (c) capacidade normativa própria, ou capacidade de autolegislação, mediante a competência de elaboração de leis municipais sobre áreas que são reservadas à sua competência exclusiva e suplementar; (d) capacidade de autoadministração (administração própria, para manter e prestar os serviços de interesse local) (2005, p. 641).
A política urbana nacional, prevista constitucionalmente nos arts. 182 e 183, foi regulamentada pela Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, também conhecida como Estatuto da Cidade. Essa lei dá um novo tom ao tratamento do urbanismo no Brasil, embora seja muito mais festejada externamente do que nas esferas governamentais brasileiras. O Estatuto da Cidade é um marco, tendo em vista que sempre houve um certo descaso pelo estudo do processo urbanístico por parte do Direito. A cidade ainda é vista por muitos como uma série de loteamentos e propriedades privadas circunscritos na área do Município. É a visão ultrapassada dos civilistas, que não analisam a propriedade privada sob as diretrizes da sua função social8. O Estatuto da Cidade preocupou-se em elucidar o papel da cidade no que tange a sua sustentabilidade e a sua função social como prescrito no art. 2º, I: “Garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações”. O direito urbanístico brasileiro, tão carente de normas jurídicas que ajudem a fomentar e a resolver os diversos problemas 8 Nesse tema são indispensáveis os ensinamentos de Edésio Fernandes: “Certamente, a doutrina jurídica dominante no Brasil ainda pensa a cidade como sendo pouco mais do que uma área limitada, integrada por lotes demarcados de propriedade privada dos indivíduos. O legalismo liberal não vai além de atribuir certos poderes administrativos às autoridades públicas para controlar o crescimento urbano, com base na sua responsabilidade por manter o bem-estar social” (Fernandes, 1998, p. 204 e 205).
que façam diminuir o abismo existente entre a “cidade legal” e a “cidade ilegal”, ganhou novo fôlego. Os instrumentos são inovadores e a perspectiva de melhoria da qualidade de vida da população carente, excluída do acesso à moradia, se torna mais presente.
2 A INTEGRAÇÃO ENTRE AS AGENDAS VERDE E MARROM COMO INSTRUMENTO DE CONSOLIDAÇÃO DA GESTÃO URBANOAMBIENTAL O processo de urbanização no Brasil ocorreu de maneira mais intensa a partir da década de 1950, com o processo de industrialização brasileira. Houve, portanto, a concentração do desenvolvimento econômico nacional em algumas regiões do País, o que provocou uma forte atração de população para esses polos industriais. Nesse mesmo diapasão, percebe-se que naquele momento não houve qualquer preocupação com a proteção dos recursos naturais, criando-se uma cultura de depredação ambiental. O processo de expansão industrial, aliado ao crescimento das cidades, provocou danos ambientais irreversíveis e de proporção desalentadora. A título de exemplo podemos citar a bacia hidrográfica do Rio Doce. A ocupação dessa bacia se iniciou na década de 1950 e foi a última bacia hidrográfica do Estado de Minas Gerais a passar pelo processo de ocupação. Hoje, a Bacia do Doce é a mais devastada, degradada e poluída das bacias mineiras. As grandes cidades se desenvolveram economicamente, e, tecnicamente, elevaram a sua produção e aumentaram sensivelmente a sua população. Mas também conquistaram favelização, distanciamento socioeconômico-cultural entre ricos e pobres, além de outros problemas relacionados com mobilidade urbana,
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editar leis que disciplinem a matéria à realidade local, sem, contudo, contrariar a lei federal e estadual pertinente.
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acesso urbano, déficit habitacional, trânsito caótico, poluição hídrica, atmosférica, do solo, visual, desmatamento, destruição de ecossistemas.
somose. Em alguns Municípios mineiros, a população padece de endemismo, ou seja, 100% da população contaminada por esquistossomose. É o caso do Município de Dores de Guanhães.
A preocupação ambiental começou a sinalizar com a instituição da Política Nacional do Meio Ambiente, em 1981. Em 26 anos de existência da política ambiental, podemos constatar que, em nível federal, ela está bem estruturada: na esfera estadual ainda necessita de muitos aprimoramentos, mas quando observamos a escala municipal percebemos que não existe, na maioria dos municípios, gestão ambiental.
A carência dos Municípios resulta em desinformação e incapacidade de gerência do próprio território. Os problemas ambientais e urbanísticos estão intimamente ligados, sendo impensável em políticas dissociadas e desarticuladas. No entanto, o que se percebe na esfera federal e estadual é a desarticulação e disputa entre as diversas pastas. Muitas vezes existe superposição de ações, o que compromete os resultados esperados, bem como propicia o desperdício do dinheiro público por má aplicação deste.
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Constatamos que não há articulação entre os níveis federal, estadual e municipal que garanta a proteção e conservação do meio ambiente, como inexistem mecanismos de monitoramento e fiscalização das atividades antrópicas. O poder local, que está próximo dos problemas e que tem o dever de ordenar o uso e a ocupação do solo, não dispõe de recursos materiais, técnicos, financeiros e de infraestrutura para cumprir esse desiderato.
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A complexidade dos problemas agrava quando analisamos o planejamento urbanístico dos Municípios. Em regra, essa medida preventiva não é praticada. O crescimento desordenado acaba por provocar inúmeros problemas de ordenamento territorial. Na maioria das cidades, as áreas de preservação permanente são suprimidas; os loteamentos construídos sobre mananciais de abastecimento público, bairros inteiros levantados à beira dos rios; em alguns casos, dentro dos rios; cidades sem coleta seletiva de lixo (Belo Horizonte, a capital mineira, ainda não implantou a coleta seletiva); inexistência de tratamento do esgoto doméstico e industrial; a prática da queimada de lixo nos quintais de casa; a destinação inadequada de resíduos hospitalares; o descarte de resíduos nos cursos d’água; a quase ausência de água tratada para as comunidades e, como consequência dessas deficiências, a proliferação de doenças veiculadas pela água, como as verminoses, cólera, dengue, hepatite, esquistos-
Os Municípios pobres estão à margem das decisões políticas, não atraindo o interesse do Estado-membro e da União. Os Municípios médios e grandes assumem muitas atribuições que são da competência dos outros entes federados, sem receber a devida contrapartida pelos serviços prestados. Não há no Brasil uma preocupação em criar políticas de desenvolvimento regional com o objetivo de fortalecer as municipalidades. Quando muito se vê discutir acerca da metropolização9. A União e o Estado-membro estão muito distantes dos problemas locais. É no Município que as coisas acontecem e é no prefeito municipal, que está próximo da população, que recaem as cobranças de soluções dos mais variados problemas. Ressalte-se, ainda, que o Brasil possui dimensões continentais e que a área 9 “Com efeito, embora se reconheça a dificuldade de se estabelecer conceito único de região metropolitana, válido a todo tempo e lugar, não se pode olvidar que há certos aspectos que lhe são comuns, notadamente quanto à existência de uma ‘grande região urbana’, mediante o entrelaçamento territorial dos Municípios circunvizinhos, motivado por processos de natureza socioeconômica e intensa industrialização, como polo atrativo populacional.” (Teixeira, 2005, p. 77)
Tanto a gestão ambiental como a urbana estão praticamente ausentes nos Municípios carentes. Isso é preocupante, se levarmos em conta que eles são a maioria esmagadora no Brasil. Há uma forte tendência de os estudiosos e governantes se preocuparem apenas com os Municípios médios e grandes, o que traduz em apenas 5% dos Municípios brasileiros beneficiados com políticas urbano-ambientais. Alguns argumentam que no Brasil houve um exagero em elevar os Municípios à condição de ente federado, o que não nos parece verdadeiro. A autonomia municipal não impede o processo de regionalização. A municipalidade na sua individualidade, ou associada a outros Municípios, pode desenvolver inúmeras políticas públicas, sem a necessidade da exclusão da sua autonomia. Essa argumentação que sugere que boa parte dos problemas não são resolvidos em razão da autonomia municipal soa como resquício do autoritarismo. Se a centralização das competências e decisões no poder da União e dos Estados-membros fosse a solução, não teríamos tantos problemas oriundos ainda do período colonial. Aqueles que defendem a descentralização das decisões, com o fortalecimento do poder local, aliado à participação popular nos processos decisórios, estão em consonância com o discurso da democracia participativa como meio de viabilizar e promover o Estado Democrático de Direito10.
10 “Em primeiro lugar, o princípio democrático acolhe os mais importantes postulados da teoria democrática representativa – órgãos representativos, eleições periódicas, pluralismo partidário, separação de poderes. Em segundo lugar, o princípio democrático implica democracia participativa, isto é, a estruturação de processos que ofereçam aos cidadãos efectivas possibilidades de aprender a democracia, participar nos processos de
Minas Gerais, por exemplo, possui 853 Municípios e apenas 2 regiões metropolitanas. A diversidade ambiental, social, econômica, cultural e de desenvolvimento nas diversas regiões mineiras é enorme. O poder estadual está ausente na maioria dos Municípios mineiros, que são pequenos e pobres, e pouco presente na minoria restante. A regionalização do Estado mineiro é imperiosa se quisermos diminuir as desigualdades existentes, bem como oferecer a oportunidade para várias regiões se fortalecerem. A Política Nacional de Recursos Hídricos nos oferece uma solução bastante interessante: a utilização da bacia hidrográfica como unidade de planejamento. Existem muitas simetrias entre os Municípios que estão inseridos no âmbito de uma bacia hidrográfica. São semelhanças geográficas, de relevo, de biodiversidade, sociais, culturais, econômicas, entre outras. É a regionalização respeitando o espaço natural. Essa forma de definição do espaço a ser trabalhado é muito inteligente, pois se utiliza o território que reúne as águas para reunir também o homem. Houve no Município de Belo Horizonte um “Seminário Legislativo de Regiões Metropolitanas”, que se realizou nos dias 10 a 12 de novembro de 2003, na Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais, que gerou um relatório no qual uma das diretrizes sugere a utilização da bacia hidrográfica como uma das unidades de planejamento na aplicação de políticas urbanas, visando à melhoria e à preservação da qualidade da água, cabendo aos Estados e aos Municípios promoverem a devida compatibilização entre as ações de saneamento básico, de habitação, de uso e ocupação do solo, de preservação do meio ambiente e de gestão de recursos hídricos, garantida a participação das comunidades nos planos a serem implantados.
decisão, exercer controle crítico na divergência de opiniões, produzir inputs políticos democráticos.” (Canotilho, 2003, p. 288)
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geográfica dos Estados-membros é muito extensa, o que dificulta sobremaneira a consecução de políticas públicas. É necessário articular outras formas de regionalização, além da criação de regiões metropolitanas e de ações ligadas a cidades-polo.
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A experiência dos comitês de bacia tem mostrado que a população tem sentimento de pertença com a bacia hidrográfica onde está inserida. Esse movimento propiciou uma nova forma de educação ambiental, pois as reuniões são itinerantes, o que permite que as pessoas conheçam e interajam com todo o território da bacia hidrográfica. São pessoas que têm ligações familiares, afetivas, profissionais, culturais e religiosas com o território onde vivem.
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Colocamos aqui como reflexão a regionalização estadual por meio das bacias hidrográficas. Essa regionalização permite que as Agendas Marrom, Verde e Azul trabalhem sob uma mesma unidade de planejamento. É uma organização muito mais racional do que a praticada hoje, em que cada Agenda adota uma unidade espacial a ser trabalhada, sem contar a desarticulação e a disputa entre as diversas pastas governamentais. Podemos dar como exemplo que todas as ações realizadas em saneamento ambiental refletem diretamente na saúde das comunidades.
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A especialização das diversas áreas se faz necessária para melhorar o planejamento e a execução das ações. Mas, se não houver a integração das pastas, todo o esforço de execução de uma política pública pode perecer. As ações são interligadas e interdependentes. É necessário que haja um salto qualitativo na gestão pública, com o objetivo de atingir a excelência dos resultados, extinguindo a má utilização dos recursos públicos. Como exemplo, podemos citar o atraso de Minas Gerais no que tange ao tratamento da informação e na produção de banco de dados. O Estado mineiro ainda não possui geoprocessamento em escala que permita a real administração do seu território. Entendemos que a intermunicipalidade é um instrumento capaz de promover a integração entre as Agendas Verde, Azul e Marrom. Sabemos que outras modalidades jurídicas podem atuar no mesmo sentido. A reflexão deste texto é no sentido de trabalhar
o consórcio intermunicipal entre Municípios que integram uma mesma bacia hidrográfica. A principal preocupação aqui é com os Municípios carentes, que não dispõem de recursos técnicos, financeiros, materiais e de infraestrutura para gerirem o seu território. Quando falamos de gestão urbano-ambiental a complexidade é ainda maior, porque há necessidade de uma equipe multidisciplinar e de equipamentos que permitam a fiscalização e o monitoramento das ações antrópicas. A realidade dos Municípios pequenos é que eles não têm orçamento que suporte a manutenção de vários profissionais qualificados, bem como não possuem meios de adquirir a infraestrutura e os equipamentos necessários, somando-se a essas dificuldades a desinformação e a desarticulação dos administradores e servidores municipais. A constituição de um consórcio intermunicipal com o objetivo de promover a gestão urbano-ambiental pode ser a solução para diversos problemas. A reunião de Municípios para a consecução de objetivos comuns levará a uma rede de solidariedade e cooperação entre eles. A Lei dos Consórcios Públicos, Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005, permite a cessão de servidores públicos ao consórcio. É uma alternativa bastante interessante para poder montar uma equipe multidisciplinar no consórcio intermunicipal. Pensamos que essa é uma proposta interessante, porque propiciará a qualificação dos técnicos municipais, prestigiando as pessoas que moram e trabalham na bacia hidrográfica e que têm laços afetivos, culturais e familiares nesse território. Com a formação da equipe multidisciplinar, os Municípios ganharão a capacidade de redigir projetos para captação de recursos financeiros junto aos organismos nacionais e internacionais. A força política também será maior, pois, reunidos em um consórcio, eles terão mais condições de articulação com a União e
E, como consequência dessas ações, terá uma maior presença dos Municípios na gestão urbano-ambiental, que certamente promoverá melhores resultados quanto à conservação e preservação do meio ambiente natural, com condições adequadas de monitoramento e fiscalização das atividades antrópicas. Teremos também um avanço na gestão do meio ambiente cultural e urbanístico, construindo cidades com condições aceitáveis de habitabilidade, mobilidade, segurança e possibilidade de convívio pacífico.
CONCLUSÃO A Constituição Federal de 1988 elevou os Municípios ao status de ente federado, o que é uma peculiaridade da nossa federação. A federação brasileira passou então a ser tripartite, adotando o federalismo cooperativo, com a repartição de competências em privativas, comuns e concorrentes. Devido à extensão territorial brasileira, sempre foi difícil solucionar as assimetrias entre as regiões do País. Muitas tentativas já foram realizadas, algumas pereceram e outras consolidaram políticas públicas bem sucedidas. Fato é que a preocupação com o meio ambiente, seja ele urbano, natural, cultural ou histórico, permaneceu adormecida até bem pouco tempo. A falta de planejamento das ações governamentais brasileiras agrava as mazelas sociais, nas quais o número de pessoas excluídas do acesso aos serviços e às políticas públicas são cada vez maiores. A União e os Estados-membros estão muito
distantes da realidade da maioria dos Municípios brasileiros, que, por serem pequenos e pobres, ficam à margem das decisões políticas. Os Municípios, em sua maioria, são hipossuficientes, não dispondo de meios técnicos, financeiros, humanos e materiais para disponibilizar políticas e serviços públicos à sua população. A receita desses Municípios basicamente vem do fundo de participação dos Municípios, que adota como critério de distribuição dos recursos a população local, o que pulveriza demais os recursos enviados. Acreditamos que a intermunicipalidade, fundamentada na bacia hidrográfica como unidade de planejamento, seja um instrumento capaz de promover entre os Municípios uma rede de solidariedade, que irá propiciar o desenvolvimento conjunto deles, em que todos terão a oportunidade de implantar a gestão urbano-ambiental em seu território.
REFERÊNCIAS BONAVIDES, Paulo. Teoria constitucional e democracia participativa. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. BRASIL. Coletânea de legislação de direito ambiental. Org. Odete Medauar, 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
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o Estado-membro. A troca de experiências também será fator positivo para o amadurecimento na gestão pública municipal, na qual juntos terão que encontrar soluções criativas para os diversos problemas enfrentados.
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TEIXEIRA, Ana Carolina Wanderley. Região metropolitana – Instituição e gestão contemporânea: dimensão participativa. Belo Horizonte: Fórum, 2005.
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Doutrina
A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos e o ICMS ROGÉRIO TADEU ROMANO
Procurador Regional da República Aposentado.
RESUMO: O presente artigo analisa a imunidade recíproca prevista na Constituição Federal aplicada à Empresa Brasileira de Correio e Telégrafos no que concerne ao ICMS, um exemplo de imposto indireto, à luz da doutrina brasileira e da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. PALAVRAS-CHAVE: Imunidade recíproca; Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos; ICMS. SUMÁRIO: I – A imunidade tributária dos Correios quanto ao ICMS; II – A natureza jurídica dos serviços prestados pela ECT e a imunidade recíproca; III – A ECT e o ICMS; Referências.
I–A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DOS CORREIOS QUANTO AO ICMS O Ministro Luiz Fux julgou procedentes as Ações Civis Originárias (ACO) nºs 958 e 865 para reconhecer a imunidade tributária da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) quanto à incidência do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Na decisão, o Relator determinou que o Distrito Federal emita certidões negativas de débitos em favor da empresa.
A questão (ponto controvertido) decorreu da inscrição da ECT em dívida ativa promovida pelo Distrito Federal em função de não recolhimento do ICMS. Nas ações noticiadas, a ECT requereu emissão de certidão negativa de débitos relativos ao ICMS sob a alegação de que tal tributo está enquadrado na imunidade prevista no art. 150, inciso VI, alínea a, da Constituição Federal. Em sua argumentação, a ECT sustentou que, “como empresa pública federal, delegatária do serviço público postal, por disposição legal e pela natureza do serviço prestado, está desobrigada de fazer acompanhar de documento fiscal as encomendas/ objetos por ela encaminhados”. Em sua defesa, o Distrito Federal alegou que a pretendida imunidade tributária não se aplica ao caso, uma vez que a empresa pública federal não presta exclusivamente serviços públicos por ela encaminhados. A matéria merece discussão com relação à natureza jurídica da ECT e, ainda, à questão da imunidade recíproca quando o ente público é contribuinte de facto.
II – A NATUREZA JURÍDICA DOS SERVIÇOS PRESTADOS PELA ECT E A IMUNIDADE RECÍPROCA A imunidade recíproca está incluída entre as limitações constitucionais ao poder de tributar. A Constituição Federal de 1988, art. 150, VI, a, veda, sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, à União, aos
Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir impostos sobre patrimônio, renda ou serviços uns dos outros. Esse princípio, sem exceções, entrou no direito constitucional brasileiro com o art. 10 da Constituição de 1891, que proibia “aos Estados tributar bens e rendas federais ou serviços a cargo da União, e reciprocamente”. Estudando a matéria à luz do art. 19, III, c, da Emenda nº 1, de 1969, Aliomar Baleeiro1 acentuava que a imunidade não cobria só o patrimônio, considerado como a universalidade dos bens da pessoa de direito público ou entidade. Protegia, ainda, qualquer dos bens que o integram.
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Por sua vez, ensinava Aliomar Baleeiro2 que rendas não são apenas os tributos, mas também os “preços públicos” que possam provir do exercício de suas atribuições, da venda de seus bens e da utilização de seus serviços. Lembrou ainda o Ministro Baleeiro que não é admissível, em qualquer caso, o significado que Rui Barbosa defendeu para rendas, equiparando-as às rentes, na linguagem francesa, os juros do título público. Tal interpretação não era compatível ao texto da Constituição de 1891 nem ao texto da Constituição de 1969, que, no art. 20, II, subordinava, de forma expressa, a imposto federal a renda das apólices.
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Serviços são os públicos, segundo se vê da definição que lhes é dada pelo direito administrativo. No que concerne às autarquias, entendeu ainda Aliomar Baleeiro3 que vigorava a imunidade para tudo quanto for de caráter instrumental ou funcional, isto é, dos bens, rendas, serviços que 1 BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar, p. 95. 2 Idem, ibidem. 3 Idem, p. 106.
a entidade emprega como meios de desempenho de serviços públicos ou atividades de competência específica do Governo que a instituiu. Os edifícios da direção e agências, os hospitais, ambulatórios, ambulâncias, etc., desde que utilizados exclusivamente na assistência dos indivíduos para os quais foi criado o serviço público, estão imunes. Ainda para Aliomar Baleeiro4, esse critério, quando da Emenda Constitucional de 1969, não se aplica à sociedade de economia mista, pois esta, como já estava consagrado pela Constituição de 1946, embora alvo de profundas reservas da doutrina, pode ser considerada agência ou instrumentalidade do governo, se lhe foi cometido o desempenho de um serviço público. O art. 19, § 1º, da Emenda Constitucional nº 1/1969, a contrario sensu, a excluiu da imunidade recíproca. Ficaria a critério do Congresso, por meio de lei complementar, beneficiá-la com isenções de impostos estaduais ou municipais, atendendo a relevante interesse social ou econômico nacional. Já no que concerne às empresas públicas, sempre se entendeu que a empresa privada não poderá sobreviver sujeita à competição com aqueles entes, que sejam isentas ou imunes. A regra que se trazia da Emenda nº 1, de 1969, art. 170, § 3º, era clara: “A empresa pública que explorar atividade econômica não monopolizada ficará sujeita ao mesmo regime tributário aplicável às empresas privadas”. Ficou assentado, no julgamento da ADPF 46, no voto do Ministro Eros Grau5, repetindo a lição já trazida em obra doutrinaria, que o serviço postal é serviço público. Assim, o serviço postal não se consubstancia atividade econômica em sentido estrito, a ser explorada pela empresa privada. 4 Idem, ibidem. 5 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988, p. 9.
É diversas vezes citada a lição de José Afonso da Silva6, quando disse que: Além da exploração e execução de serviços públicos decorrentes de sua natureza de entidade estatal, a Constituição conferiu à União, em caráter exclusivo, a competência para explorar determinados serviços que reputou públicos, tais como: a) manter o serviço postal e o correio aéreo nacional; [...].
É ainda José Afonso da Silva quem sustenta que o tema da atuação do Estado no domínio econômico exige prévia distinção entre serviços públicos, especialmente os de conteúdo econômico e social, e atividades econômicas. Enquanto a atividade econômica se desenvolve no regime de livre iniciativa sob a orientação de administradores privados, o serviço público, dada a sua natureza estatal, sujeita-se ao regime jurídico do direito público. 7
Concluiu José de Afonso da Silva ensinando que “a exploração dos serviços públicos por empresa estatal não se subordina às limitações do art. 173, que nada tem com eles, sendo certo que a empresa estatal prestadora daqueles e outros serviços públicos pode assumir formas diversas, não necessariamente sob o regime jurídico próprio das empresas privadas”, uma vez que somente por lei e não pela via contratual os serviços são outorgados às estatais (CF, art. 37, XIX). Assim, não se aplica às empresas públicas, às sociedades de economia mista e a outras entidades estatais ou paraestatais que explorem serviços públicos a restrição contida no art. 173, § 1º, da Constituição Federal, isto é, a submissão ao regime jurídico próprio das em6 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 471. 7 Idem, p. 732.
presas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias, nem a vedação do gozo de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado (CF, art. 173, § 2º). Veja-se a lição de Manoel Gonçalves Ferreira Filho8, quando ensinou que “a Constituição reserva à União o transporte de cartas e encomendas a elas equiparadas, por conta de terceiros, de modo habitual”, lembrando-se que o art. 42 da Lei nº 6.538/1978 define crime de violação de privilégio da União. Há, portanto, na atividade da ECT, um privilégio na prestação de serviços públicos, na exclusividade da prestação de serviços públicos. No Brasil, o serviço postal é prestado pela ECT, empresa pública, entidade da Administração indireta da União, criada pelo Decreto-Lei nº 509, de 10 de março de 1969, que foi recepcionado pela Constituição de 1988. Atua, assim, a ECT em regime de exclusividade na prestação dos serviços que lhe incumbem, em situação de privilégio (privilégio postal). Rui Barbosa9 afirmou a necessidade de distinguir entre o monopólio de atividade econômica (em sentido estrito) e a situação, “absolutamente diversa, nos seus elementos assim materiais como legais, de outros privilégios, que, não desfalcando por modo algum o território do direito individual, confiam a indivíduos ou corporações especiais o exercício exclusivo de certas faculdades, reservadas, de seu natural, ao uso da Administração, no País, no Estado ou no Município, e por ela delegados, em troca 8 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição brasileira de 1988, p. 156. 9 BARBOSA, Rui. Privilégios exclusivos na jurisprudência constitucional dos Estados Unidos. Obras completas, p. 13 e 14.
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Trata-se de serviço a ser prestado exclusivamente pela União.
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de certas compensações a esses concessionários privativos”. Completou Rui Barbosa a sua lição ao dizer: Num ou noutro caso, pois, todos esses serviços hão de ser, necessariamente, objeto de privilégios exclusivos, quer os retenha em si o governo local, quer os confie a executores por ele autorizados. De modo que são privilégios exclusivos, mas não monopólios na significação má e funesta da palavra.
Há, portanto, algo distinto da atividade econômica em sentido estrito, de modo que os regimes jurídicos sob os quais são prestados os serviços públicos, como disse o Ministro Eros Grau, importam que sua prestação seja desenvolvida sob privilégios, inclusive a exclusividade na exploração da atividade econômica em sentido amplo a que corresponde a sua prestação. Em sendo assim, natural o reconhecimento de que se está diante de uma limitação constitucional ao poder de tributar, não podendo se cobrar o IPTU da ECT.
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Da mesma forma, no julgamento do RE 601.392, entendeu o Supremo Tribunal Federal que a ECT não precisa pagar Imposto sobre Serviços (ISS) em atividades alheias à prestação de serviço postal.
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Naquele julgamento, foi questionada decisão do Tribunal Regional da 4ª Região que reconheceu o direito do Município de Curitiba de tributar a ECT com o ISS nos serviços elencados no item 95 da Lista anexa ao Decreto-Lei nº 56/187. Esses serviços abrangem cobranças e recebimentos por pessoa de protestos; devolução de títulos pagos; manutenção de títulos vencidos; fornecimento de posição de cobrança ou recebimento; e outros serviços correlatos da cobrança ou recebimento. Ora, o serviço prestado pela ECT não representa uma concorrência real, colocando-se em cidades afastadas, em que as empresas privadas não têm interesse em investir.
A exploração de atividade econômica pela ECT não importa sujeição ao regime jurídico das empresas privadas, pois sua participação neste cenário está ressalvada pela primeira parte do art. 173 da Constituição, uma vez que se trata de serviço público mantido pela União, já que o seu orçamento é elaborado de acordo com as diretrizes fixadas pela Lei nº 4.320/1964 e com as normas estabelecidas pela Lei nº 9.473/1987 (Lei de Diretrizes Orçamentárias), previamente aprovada pelo Ministério do Planejamento e Orçamento – Secretaria de Coordenação e Controle das Empresas Estatais. Na linha dos privilégios que lhe são dados pela Constituição Federal, a ECT é pessoa jurídica equiparada à Fazenda Pública, aplicando-se a ela o privilégio da impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços, de forma que o art. 12 do Decreto-Lei nº 509/1969 foi recepcionado, não incidindo para ela a restrição contida no art. 173, § 1º, da Constituição Federal, que submete a empresa pública, a sociedade de economia mista e outras entidades que explorem atividade econômica ao regime próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias. Isso porque, repita-se, a ECT explora um serviço monopolizado reservado exclusivamente à União. O fato de a ECT ser empresa pública dotada de personalidade jurídica de direito privado não retira sua natureza estatal. Situada na estrutura da Administração Pública indireta, faz parte integrante dela, garantindo, assim, no universo que delimita seu raio de ação no campo da prestação de serviço postal. Por lei, tem autonomia técnica que lhe permite atuar com certa desenvoltura em todo o País sob o regime de monopólio que lhe reservou a Constituição Federal.
Por certo, a imunidade recíproca é um instituto jurídico-político expressamente consagrado na Constituição que não pode ser anulado por sutilezas e jogos de palavras do legislador ordinário. Dir-se-ia que o contribuinte de facto não é estranho à relação jurídica fiscal, como se vê do art. 166 do Código Tributário Nacional. Perguntou, aliás, Aliomar Baleeiro10: Por que os órgãos públicos da Administração direta e indireta devem pagar ICM nas vendas a particulares, ainda que só aos seus serventuários? Porque esse imposto deve atingi-los e não às entidades vendedoras, que deverão incluir os tributos nos preços, como fazem as empresas privadas.
Conclui Aliomar Baleeiro11, após indagar por que as empresas públicas não monopolizadas devem submeter-se ao regime tributário das empresas privadas, que estas não poderiam sobreviver na livre competição se suportassem a concorrência das empresas oficiais aliviadas de ônus tributários que atingissem 20%, 30%, ou mais, conforme a natureza da mercadoria. Na matéria, é certo, colhe-se decisão da 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, AGTR 40.463/PE, DJ de 17 de agosto de 2004, em que se entendeu que a ECT, não obstante seja uma empresa pública federal, é pessoa jurídica de direito privado, que, nos termos do art. 173, II, da CF, sujeita-se às mesmas obrigações tributárias que as empresas privadas, de forma que o transporte de mercadorias que realiza sofre a incidência do ICMS, por não estar protegida pela imunidade constitucional. No mesmo sentido, fala-se de decisão da 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, no AC 170.488/RS (Rel. Juiz Sér10 BALEEIRO, Aliomar. Op. cit., p. 138. 11 Idem, ibidem.
gio Tejada Garcia, J. 26 de agosto de 2003), em que se conclui que, “havendo onerosidade consubstanciada nos serviços de transporte de bens ou valores realizados pela ECT, há contrato de transporte, devendo incidir o ICMS”. Ora, estamos diante de um serviço monopolizado em que a ECT possui privilégios. Acentuou o Ministro Luiz Fux que, do que se lê do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 46, ficou firmado o entendimento de que o serviço postal não consubstancia atividade economia estrita, mas sim modalidade de serviço público. Já quando do julgamento, em sede de liminar, da ACO 1095, o Supremo Tribunal Federal afastou a cobrança do ICMS pelo Estado de Goiás sobre o serviço de transporte e encomendas realizado pelos Correios. Assim entendeu o Ministro Gilmar Ferreira Mendes, no julgamento do Agravo Regimental na Medida Cautelar na Ação Civil Originária nº 1.095-6/GO, quando lembrou a lição da Professora Raquel Discacciati Bello12, da UFMG, em trabalho de doutrina, que registrou que “pode-se afirmar, a título de conclusão, que às empresas estatais prestadores de serviços públicos não se aplica a vedação do art. 150, § 3º, mas, sim, a imunidade recíproca, conforme interpretação sistemática do inciso I, letra a, do mesmo artigo”. Tem-se ainda o entendimento de Celso Antônio Bandeira de Mello13, Adilson de Abreu Dallari14 e Eros Roberto 12 BELLO, Raquel Discacciati. Imunidade tributária das empresas prestadoras de serviços públicos. Revista de Inf. Legislativa, v. 33, n. 132, p. 132-183. 13 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo, p. 116. 14 DALLARI, Adilson de Abreu. Imunidade de estatal delegada de serviço
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III – A ECT E O ICMS
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Grau15, ao admitirem a imunidade das empresas estatais, dizendo que, no que concerne ao regime tributário, as empresas prestadores de serviços públicos são imunes a impostos cuja titularidade impositiva caiba à pessoa estranha à órbita governamental de que sejam partes. Sobre a matéria escreveu Ives Gandra da Silva Martins16: Em conclusão e em interpretação sistemática da Constituição e do tipo de serviços prestados pela consulente, no que diz respeito aos serviços privativos, exclusivos, próprios ou monopolizados, nitidamente, a imunidade os abrange, sendo seu regime jurídico pertinente àquele de Administração Direta. Colocadas tais premissas, entendo que a natureza jurídica dos serviços postais é de serviços públicos próprios da União, em regime de exclusividade, assim como o patrimônio da empresa é patrimônio da União.
Fala-se na questão das embalagens. Ora, embalagens não são mercadorias.
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Sabe-se que o ICMS exige para a sua configuração a convergência de três elementos básicos indispensáveis à formação de sua hipótese e incidência: operação, circulação e mercadoria, visando ao aperfeiçoamento da relação jurídica onerosa.
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As embalagens que são utilizadas pela ECT para acondicionamento de papéis ou documentos, ou outros materiais, não se enquadram no conceito de mercadorias. Ademais, o consumidor não se presta à compra de embalagens, que não constitui atividade central da ECT. Não se pode falar, na espécie, em público. Revista de Direito Tributário, v. 65, p. 22-41. 15 GRAU, Eros Roberto. Empresas estatais ou estado empresário. In: BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio (Coord.). Curso de direito administrativo, p. 105- 107. 16 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Imunidade tributária dos Correios e Telégrafos. Revista Jurídica, v. 288.
uma venda mercantil que implique operação de circulação de mercadorias. Carlos Valder do Nascimento17 lembrou que a venda de embalagens destina-se ao acondicionamento dos produtos resultantes de sua atividade-meio, que constitui o serviço postal e telegráfico, de modo a compreender correspondência, catálogos com endereços postais, bem como outros papéis que são imprescindíveis à utilização dos serviços por ela prestados no campo de sua atuação privativa. De outro modo, o transporte de encomendas efetuado pelos Correios se caracteriza pelo seu cunho de acessoriedade, uma vez que é meio para a realização de sua tarefa de prestadora de serviço público, não envolvendo atividade negocial que tenha determinado valor econômico. Aliás, o transporte que é feito pela ECT é meio através do qual torna-se exequível a realização de atividades no campo postal. Não é linha de prestação de serviços, mas complemento dela. Fala-se no serviço de Sedex, serviço expresso de correspondência, mas este não se reveste em serviço de comunicação, fato que o afasta do ICMS. Em verdade, a ECT processa o encaminhamento ao destinatário da correspondência, sem preocupação com a interação entre transmissores e receptores do texto via Internet. A logística integrada nas atividades da estatal visa à consolidação das suas atividades operacionais sem que se fale em atividade de circulação de mercadorias e serviços. Em resumo, as atividades típicas desenvolvidas pela ECT são imunes ao ICMS, não se enquadrando no contexto das opera17 NASCIMENTO, Carlos Valder do. A imunidade recíproca do ICMS: o caso dos Correios. 1º Encontro de Direito Tributário dos Correios.
ções mercantis, nem ainda no que se entende nas modalidades de comunicação e transporte que sejam caracterizadas em lei como fatos geradores da exação estadual. Sendo assim, prevalece a imunidade recíproca nos moldes constitucionais.
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FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição brasileira de 1988. 2. ed. São Paulo: Saraiva, v. I, 1997.
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Doutrina
Regime de Dedicação Exclusiva dos Servidores de Agências Reguladoras ANANDA TOSTES ISONI Analista Judiciária do Tribunal Superior do Trabalho, Bacharel em Direito pela Universidade de Brasília – UnB.
RESUMO: As agências reguladoras são entidades autárquicas de natureza especial e gozam de autonomia perante a chefia da Administração central. O advento do modelo de Estado regulador significou a quebra do liame de unidade no interior da Administração Pública e, portanto, das estruturas tradicionais, fundadas em vínculos de subordinação hierárquica. Esse estudo visa a identificar em que medida a independência necessária ao exercício das funções regulatórias de uma agência importa a autonomia de sua gestão. Atualmente, a orientação geral emanada da SRH/MP, enquanto órgão central Sipec, tem caráter normativo e abrange o pessoal civil do Poder Executivo. Em 2010, a SRH/MP e a Conjur/MP se manifestaram no sentido da impossibilidade de exercício de qualquer outra atividade, permanente ou provisória, pelos servidores ocupantes de cargos efetivos, requisitados, ocupantes de cargos comissionados e dirigentes das agências reguladoras federais, ressalvadas as exceções constitucionais já existentes e legais que venham a ser criadas. Em síntese, a orientação da SRH/MP é a de que os servidores de agências reguladoras se submetem a regime de dedicação exclusiva. Nesse contexto, pretende-se examinar o grau de autonomia das entidades reguladoras perante o Poder Executivo central, notadamente quanto à gestão dos servidores. Por conseguinte, em análise pragmática, será avaliado se, de fato, a lei instituiu regime de dedicação aos servidores das agências reguladoras. PALAVRAS-CHAVE: Agências reguladoras; autonomia gerencial; dedicação exclusiva.
INTRODUÇÃO A Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais, veda o exercício de “quaisquer atividades que sejam incompatíveis com o exercício do cargo ou função e com o horário de trabalho”, conforme estabelece o inciso XVIII do art. 117. No âmbito das agências reguladoras, a proibição parece significar que os servidores de agências reguladoras devem abster-se de exercer atividades de conteúdo regulatório alheias às funções relativas ao cargo ocupado. Com efeito, os trabalhos desenvolvidos no seio das agências demandam imparcialidade incompatível com qualquer espécie de
Em princípio, tal compreensão parece não obstar a realização de qualquer outra atividade remunerada, pública ou privada, se alheia ao contexto regulatório e não coincidente com o horário de trabalho. Não obstante, em 2010, a Superintendência de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão – SRH/ MP exarou nota informativa1 com a seguinte conclusão: Isso posto, encontra-se pacificado no âmbito deste Ministério o entendimento de ser vedado aos servidores do quadro de pessoal, aos requisitados, aos ocupantes de cargo em comissão e aos dirigentes das Agências Reguladoras o exercício de outras atividades profissionais, seja na iniciativa privada ou pública, exceto os casos de acumulação de cargos previstos pela Constituição Federal de 1988, devendo-se providenciar, se constatados indícios de descumprimento de tais proibições, as apurações necessárias em conformidade com o art. 143 da Lei nº 8.112/90, aplicando-se, de acordo com a gravidade da(s) infração(ões) a(s) penalidade(s) prevista(s) no(s) art(s). 129, 130 e seu § 2º, 132 ou 134 da Lei nº 8.112/1990, conforme determina o § 2º do art. 23 da Lei nº 10.871/2004.
Na mesma linha, a Consultoria Jurídica do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão – Conjur/MP editou parecer2 em que concluiu o seguinte: Por todo o exposto, acolhemos o entendimento da Secretaria de Recursos deste Ministério, pela manutenção da interpretação pela impossibilidade do exercício de outras atividades profissionais pelos servidores ocupantes de cargos efetivos, requisitados, ocupantes de cargos comissionados e dirigentes da ANS, ressalvadas as exceções constitucionais e as que porventura venham a ser estabelecidas em lei. 1 Nota Informativa nº 98/2010/Coges/Denop/SRH/MP. 2 Parecer/MP/Conjur/JD nº 0115-3.27/2010.
A conclusão alcançada no parecer se encontra lastreada nos seguintes argumentos: o art. 23 da Lei nº 10.871, de 20 de maio de 2004, ao fazer referência aos deveres e proibições previstos na Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, e ao se utilizar da expressão “além dos”, apontaria no sentido da imposição de regime mais severo aos servidores sob sua regência, entendimento que defluiria da leitura do art. 23, II, c, ao acrescer às proibições elencadas na Lei nº 8.112/90 a do exercício de outra atividade profissional, inclusive gestão operacional de empresa, ou direção político-partidária, excetuados os casos admitidos em lei; a opção legislativa, no caso, foi de submeter os servidores lato sensu das agências a um regime de dedicação exclusiva, pois, em que pese a ausência de menção expressa na lei à “dedicação exclusiva”, os dispositivos sob exame, na forma como estruturados, impõem a vedação ao exercício de outras atividades profissionais; a razão para a tal “dedicação exclusiva” seria a “prevalência do interesse público”; a vedação contida no art. 36-A da Lei nº 10.871/2004 alcançaria não apenas as atividades regulares, mas qualquer atividade, ainda que exercida em caráter esporádico; o regime dos arts. 23, II, c, e 36-A da Lei nº 10.871/2004 não pode inviabilizar o exercício do direito subjetivo à acumulação de cargos prevista no art. 37, XVI, da Constituição Federal de 1988; havendo compatibilidade de horários, também seria possível a acumulação com os cargos políticos de vereador e de vice-prefeito; e por fim, o art. 5º, IX, da Constituição Federal de 1988 garante “a livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”, razão pela qual tais atividades não são passíveis de limitação pela norma infraconstitucional, devendo-se observar, na esfera federal, o que disposto no art. 117, XVIII, da Lei nº 8.112/90.
Em resumo, a SRH/MP e a Conjur/MP se manifestaram no sentido da impossibilidade de exercício de qualquer outra atividade, permanente ou provisória, pelos servidores ocupantes de cargos
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comprometimento com o setor regulado, à exceção do vínculo entre fornecedor e consumidor. O fundamento dessa vedação está, antes de tudo, na responsabilidade ética do servidor.
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efetivos, requisitados, ocupantes de cargos comissionados e dirigentes das agências reguladoras federais, ressalvadas as exceções constitucionais e legais já existentes e que venham a ser criadas. A razão para essa impossibilidade seria a leitura dos arts. 23, II, c, e 36-A da Lei nº 10.871/2004 e a percepção de que, por razões de “interesse público”, os servidores das agências reguladoras devem se submeter ao regime de dedicação exclusiva. Ante o exposto, em um primeiro passo, pretende-se analisar se a SRH/MP, porque órgão central do Sipec, detém competência para exarar opinião sobre os servidores das agências reguladoras em caráter substitutivo ao posicionamento das próprias agências. Para tanto, importa realizar um exame acerca do grau de autonomia das entidades reguladoras perante o Poder Executivo central, notadamente quanto à gestão dos servidores. Em seguida, será analisado se, de fato, os servidores das agências reguladoras se submetem a regime de dedicação exclusiva.
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Nesse ponto, almeja-se analisar os arts. 23, II3, c, e 36-A4 da Lei nº 10.871, de 20 de maio de 2004, que tratam das vedações
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3 “Art. 23. Além dos deveres e das proibições previstos na Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, aplicam-se aos servidores em efetivo exercício nas Agências Reguladoras referidas no Anexo I desta lei: [...] c) exercer outra atividade profissional, inclusive gestão operacional de empresa, ou direção político-partidária, excetuados os casos admitidos em lei; [...]” 4 “Art. 36-A. É vedado aos ocupantes de cargos efetivos, aos requisitados, aos ocupantes de cargos comissionados e aos dirigentes das Agências Reguladoras referidas no Anexo I desta Lei o exercício regular de outra
aos servidores das agências reguladoras. Tais dispositivos serão examinados a partir de uma contextualização interpretativa, tendo em conta a natureza das atividades exercidas pelos servidores de agências reguladoras, bem como a necessidade de independência em relação ao setor regulado.
1 O ADVENTO DO MODELO REGULATÓRIO E A MUDANÇA DE PARADIGMA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA As agências reguladoras começaram a ser instituídas no Brasil na esteira no processo de reposicionamento do Estado na economia, o que envolveu também o redimensionamento de sua estrutura. No modelo de Estado que veio a ser implantado, comumente chamado de modelo regulador, a característica principal é a diminuição do tamanho do Estado e a alteração da forma de atuação na ordem econômica: em vez da absorção (atuação direta), o Estado atua economicamente por meio da direção (atuação indireta). No modelo regulador, a propriedade é estatal apenas no núcleo estratégico e nas atividades exclusivas do Estado. No outro extremo – no setor de bens e serviços para o mercado –, a produção é realizada pelo setor privado. A escolha do modelo de agências reguladoras teve por fim conferir o sinal aos investidores externos de que a condução da economia brasileira ocorreria com base em critérios técnicos, alheios à política partidária. Como afirma Binenbojm (2008,
atividade profissional, inclusive gestão operacional de empresa ou direção político-partidária, excetuados os casos admitidos em lei. (Incluído pela Lei nº 11.314 de 2006)”
Para tanto, houve a desfragmentação do modelo piramidal de Administração Pública, dominante no continente europeu desde o século XIX e transplantado para o Brasil. No modelo piramidal, o chefe do Poder Executivo possui amplos poderes de intervenção sobre todos os órgãos administrativos. Para Binenbojm (2008, p. 243), a lógica de tal regime era baseada na responsabilidade política dos governantes, frente ao parlamento ou diretamente ao povo, pelas ações e omissões administrativas, na medida em que se encontravam habilitados a dirigir, orientar, supervisionar ou controlar as respectivas estruturas da burocracia estatal.
De acordo com o modelo piramidal, a unidade administrativa representaria “verdadeiro instrumento do princípio democrático e em favor da legitimação da Administração Pública”, já que o chefe do Poder Executivo, eleito pelo povo ou pelo Parlamento, conforme o sistema de governo, exerceria controle político sobre os órgãos administrativos (Binenbojm, 2008, p. 244). As autoridades ou agências independentes quebram o vínculo de unidade no interior da Administração Pública, pois a sua atividade passa a situar-se em esfera jurídica externa à de responsabilidade política do governo. Com efeito, a doutrina brasileira costuma apontar que a criação de agências reguladoras independentes representa um rompimento com o modelo piramidal de Administração Pública. Isso se daria por força do elevado grau de autonomia das agências em relação ao chefe do Poder Executivo – quando comparado com os órgãos administrativos e mesmo com as autarquias.
Embora integrantes da estrutura estatal, elas são dotadas de peculiaridades que as distinguem das entidades administrativas tradicionalmente observadas nos países de tradição continental. Desde a década de 1970, figuras semelhantes às agências reguladoras começaram a surgir nos países europeus como “autoridades administrativas independentes”, apesar de a criação de muitas visarem a fins peculiares. Em todos os casos, contudo, “o surgimento dessas entidades autônomas retrata a concepção de que as competências regulatórias não podem ser mantidas na órbita das estruturas estatais tradicionais”. O exercício das competências a elas definidas requer autonomia e independência, o que ensejaria seu distanciamento da influência direta dos órgãos executivos e legislativos (Justen Filho, 2002, p. 51). Caracterizadas por um grau reforçado da autonomia política de seus dirigentes em relação à chefia da Administração central, as autoridades independentes de fato rompem o modelo tradicional de recondução direta de todas as ações administrativas ao governo (decorrente da unidade da Administração). Passa-se, assim, de um desenho piramidal para uma configuração policêntrica. (Binenbojm, 2008, p. 245). O rompimento com o modelo piramidal conduz à busca de uma nova legitimação para a atuação das agências, legitimação, essa, que seria encontrada no procedimento. Aragão (2006, p. 341) afirma que a ideia de independência de entes da Administração Pública frente ao chefe do Poder Executivo representa uma mudança de paradigma que possui reflexo na legitimação democrática da sua atuação. De fato, as agências reguladoras normalmente gozam de independência orgânica frente à Administração central, que se caracteriza basicamente pela estabilidade de seus dirigentes
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p. 253), “era preciso vender o Brasil como um bom negócio, garantindo aos investidores a manutenção dos contratos celebrados e o direito de propriedade”.
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e pela ausência de controle hierárquico. Portanto, as agências reguladoras estão isentas de controle hierárquico a ser exercido pelo chefe do Poder Executivo. Nessa esteira, Justen Filho (2002, p. 331) sustenta que a utilização do termo “agência” visa a acentuar a consagração, em nível constitucional, de uma estrutura organizacional dotada de autonomia, visando a propiciar o desempenho de funções estatais com proteção contra influências políticas, econômicas e sociais, sem vínculo de subordinação hierárquica, como garantia contra o exercício das competências inerentes aos demais poderes.
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Apesar de todo o aparato doutrinário a sustentar a defesa da autonomia ou independência das agências reguladoras, é importante ter presente que tais entes terão o tanto de autonomia que o ordenamento jurídico lhes haja dado.
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As agências reguladoras são autarquias especiais, sobretudo porque a lei que as constitui possui previsão expressa que celebra um maior grau de independência do que as autarquias tradicionais. Essa “especialidade” não decorre da opinião do intérprete, mas sim dos atributos extraordinários que a cada uma dessas pessoas de Direito Público são positivamente outorgados em lei. A natureza especial da autarquia decorre, então, das peculiaridades que de fato lhe são outorgadas pelo legislador e que lhe garantam um maior grau de independência. Mas fato é que a maioria dos diplomas legislativos vigentes apenas define as agências reguladoras como autarquias especiais, mas não expressa em que consiste essa qualidade, sendo necessária a análise dos demais dispositivos para que a questão seja esclarecida (Cuéllar, 2008, p. 80).
2 AUTONOMIA GERENCIAL DAS AGÊNCIAS E INTERPRETAÇÃO NORMATIVA DA SRH/MP No que toca especificamente à gestão dos servidores, o art. 13 da Lei nº 10.871, de 20 de maio de 2004, prevê que compete às agências reguladoras “administrar os cargos efetivos de seu quadro de pessoal” (inciso I) e “editar e dar publicidade aos regulamentos e instruções necessários à aplicação desta lei” (inciso III). Observa-se desses dispositivos que o Estado brasileiro tomou a decisão política de conferir relativa autonomia às agências reguladoras na gestão de seus servidores, afastando parcialmente a participação do Poder Executivo central. Não obstante, importa registrar que a Procuradoria-Geral Federal da Advocacia-Geral da União – AGU possui entendimento diverso5. Segundo a entidade, as previsões insculpidas nos incisos I e III do art. 13 da Lei nº 10.871, de 2004, não conferem autonomia às agências reguladoras quanto à gestão de pessoal. Nesse contexto, o dispositivo aludido asseguraria tão somente gestão operacional, titularizada por todos os demais entes da Administração Pública. O fundamento dessa interpretação está no fato de as agências reguladoras integrarem a Administração Pública. Sustenta-se, nessa esteira, que a inexistência de subordinação hierárquica estaria adstrita às suas decisões técnicas, relacionas ao setor regulado, e não alcançaria qualquer outra área. Assim, no concernente às demais decisões, as agências deveriam se submeter às regras gerais aplicáveis à Administração. 5 Parecer nº 106/2011/DHMS/Consu/PGF/AGU.
Nesse diapasão, a AGU sustenta que, “excetuando-se o setor regulado, as agências são indiferenciadas, nada têm de especial”, “são agências reguladoras; nunca agências auto-reguladas”.
Atualmente, nos termos do art. 35, I7, do Decreto nº 7.063, de 13 de janeiro de 2010, a Secretaria de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento é o órgão central do Sipec.
Ademais, nos termos do art. 17, parágrafo único, da Lei nº 7.923, de 12 de dezembro de 1989, a orientação geral emanada do órgão central do Sistema de Pessoal Civil da Administração Federal – Sipec tem caráter normativo e abrange o pessoal civil do Poder Executivo.
Como órgão central do Sipec, a Secretaria de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento possui “competência normativa em matéria de pessoal civil no âmbito da administração federal direta, das autarquias, incluídas as de regime especial, e das fundações públicas” (art. 35, I, do Decreto nº 7.063, de 2010), assim como também lhe cabe “propor a formulação de políticas e diretrizes para a gestão de recursos humanos referentes [...] aos benefícios do servidor no âmbito da administração federal direta, autárquica e fundacional” (art. 35, II, do Decreto nº 7.063, de 2010).
Parágrafo único. A orientação geral firmada pelo Órgão Central do Sipec tem caráter normativo, respeitada a competência da Consultoria-Geral da República e da Consultoria Jurídica da Seplan.
O Sipec foi instituído pelo Decreto nº 67.326, de 5 de outubro de 1970, e agrega todas as unidades organizacionais incumbidas das atividades de administração de pessoal da Administração direta, das autarquias e das fundações públicas. As funções básicas do Sipec são classificação e redistribuição de cargos e empregos, recrutamento e seleção, cadastro e lotação, aperfeiçoamento e edição de legislação de pessoal, conforme disposto no art. 2º6 do decreto mencionado. 6 “Art. 2º São funções básicas de Administração de Pessoal, para os fins dêste decreto:
Assim é que, quanto à gestão de pessoal, argumenta-se que as agências reguladoras nada se distinguiriam das demais autarquias. Sua atuação estaria restrita à definição de meros padrões operacionais (normas procedimentais) com vistas à execução de suas atividades fins. Tal entendimento tem o mérito de primar por um tratamento isonômico no âmbito da Administração Pública. Em verdade, a descentralização de gestão pode implicar o risco de um desequilíbrio administrativo, em razão da coexistência de interpretações IV – Aperfeiçoamento; V – Legislação de Pessoal.” 7 “Art. 35. À Secretaria de Recursos Humanos compete:
II – Recrutamento e Seleção;
I – exercer, como Órgão Central do Sistema de Pessoal Civil da Administração Federal - SIPEC, a competência normativa em matéria de pessoal civil no âmbito da administração federal direta, das autarquias, incluídas as de regime especial, e das fundações públicas;
III – Cadastro e Lotação;
[...]”
I – Classificação e Redistribuição de Cargos e Empregos;
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Art. 17. Os assuntos relativos ao pessoal civil do poder Executivo, na Administração Direta, nas autarquias, incluídas as em regime especial, e nas fundações públicas, são da competência privativa dos Órgãos integrantes do Sistema de Pessoal Civil da Administração Federal – Sipec, observada a orientação normativa do Órgão Central do Sistema, revogadas quaisquer disposições em contrário, inclusive as de leis especiais.
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unilaterais conflituosas, ou até mesmo ensejar a concessão de privilégios infundados. Ocorre que, como demonstrado alhures, a independência das agências reguladoras é fundamental ao adequado exercício de suas competências. Marques Neto (2005, p. 72) identifica duas espécies de independência de que devem se revestir as agências: a orgânica e a administrativa. A independência orgânica refere-se ao exercício das atividades-fim da agência. Mas também é essencial sua independência administrativa ou de gestão, que objetiva garantir meios para a apropriada atuação do regulador. Trata-se de dotar o ente regulador de “recursos e instrumentos para exercer suas atividades sem necessidade de recorrer ao poder central”.
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Dessa forma, a independência administrativa e a orgânica detêm conteúdos distintos, mas se complementam particularmente porque “a independência orgânica será inviabilizada se o órgão regulador não possui mecanismos que assegurem independência na sua gestão” (Marques Neto, 2005, p. 72-76).
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Veja-se, portanto, que a independência orgânica requer a existência de independência administrativa. Assim, parece controverso admitir a independência das agências reguladoras com relação às decisões que tocam o setor regulado, mas recorrer à estrutura hierárquica tradicional para os demais assuntos. Em diversos aspectos, as atividades meio e fim se complementam e, por vezes, até se confundem. A questão do regime de dedicação exclusiva para os servidores de agências reguladoras parece ser exemplo dessa interação. Como destacar a competência das agências para decidir a respeito de questões centrais relativas aos servidores com base no argumento de que se trata de decisão alheia ao setor regulado? Ora, qual o teor das atividades desempenhadas pelos servido-
res de agências reguladoras, senão regulação? Sendo assim, parece razoável que as agências detenham autonomia para decidir a respeito da exclusividade ou não do regime de seus servidores, notadamente quando há diploma legal atribuindo-lhes tal competência. Como se viu, dissociar atividade-meio de atividade-fim nem sempre é factível no cenário das agências reguladoras. Com a devida vênia a entendimentos distintos, admitir a independência orgânica das agências, mas afirmar genericamente sua sujeição hierárquica à Administração central em matérias alheias ao setor regulado parece ser o esforço infértil de conjugar a proposta de um novo modelo a respostas assentadas em composições tradicionais. O advento do modelo regulatório trouxe novos desafios, que exigem, por sua vez, soluções criativas e compatíveis com a mudança de paradigma. Como outrora salientado, o desenho piramidal da Administração Pública converteu-se em uma configuração policêntrica (Binenbojm, 2008, p. 245) que não pode ser ignorada. Nesse contexto, e considerando que as agências reguladoras possuem (i) competência para administrar os cargos efetivos de seu quadro de pessoal e para editar os regulamentos necessários à aplicação da Lei nº 10.871, de 20048, e (ii) fonte de recursos própria, as orientações emanadas pela SRH/MP, enquanto órgão central do Sipec, não lhe podem ser aplicadas automática e acriticamente. Note-se que a aplicação de normas editadas pela SRH/MP, enquanto órgão central do Sipec, é possível caso a agência 8 O art. 13 da Lei nº 10.871, de 20 de maio de 2004, prevê que compete às agências reguladoras “administrar os cargos efetivos de seu quadro de pessoal” (inciso I) e “editar e dar publicidade aos regulamentos e instruções necessários à aplicação desta lei” (inciso III).
As normas editadas pelo órgão central do Sipec poderão ser aplicadas em caráter complementar ou subsidiário, mas não substituir disposição expressa constante de regulamento, expedido com amparo legal, por dada agência reguladora. O que deve ficar claro, então, é que se observam duas faixas de competência legalmente definidas: a da SRH/MP, enquanto órgão central do Sipec, e a das agências reguladoras. Assim, em relação a sistema de pessoal, as agências reguladoras, no exercício da competência de administração dos cargos efetivos de seu quadro de pessoal, não necessitam estar estritamente vinculadas às normas oriundas da SRH/MP, podendo editar normas em sentido diverso. É importante registrar que o art. 35, I, do Decreto nº 7.063, de 2010, que define a SRH/MP como órgão central do Sipec, exatamente em razão de sua natureza infralegal, não invalida essa conclusão, a qual foi alcançada por meio de análise de dispositivos legais. Há que se realizar a leitura do decreto, portanto, a partir do contexto das agências reguladoras e das normas de natureza legal a respeito de sua autonomia, e não o inverso. A mesma conclusão deve ser trazida para a interpretação de normas legais relacionadas a servidores. Isso porque não existe fundamento dogmático-jurídico para que as interpretações de normas lançadas pela SRH/MP prevaleçam sobre as interpretações de normas realizadas pelas agências reguladoras. Ou seja, não foi atribuída legislativamente à SRH/MP a competência privativa, com exclusão das agências reguladoras, para interpretar a Lei nº 10.871, de 2004, pelo que não existe razão
para que posicionamento externado pela SRH/MP se aplique automaticamente às agências reguladoras. Firmado o entendimento de que as interpretações normativas realizadas pela SRH/MP, em matéria de pessoal, não têm precedência em relação às realizadas diretamente pelas agências reguladoras, cabe pontuar que deve ser rechaçada a aplicação automática da interpretação realizada por meio da Nota Informativa nº 98/2010/Coges/Denop/SRH/MP. No ponto, e no exercício da competência para gerir os cargos efetivos de seu quadro de pessoal (art. 13, I, da Lei nº 10.871, de 2004) e para editar as instruções necessárias à aplicação da Lei nº 10.871, de 2004 (art. 13, III, da mesma lei), as agências reguladoras podem (e devem) exercer interpretação normativa em matéria de pessoal, ainda que tal interpretação venha a conflitar com interpretação precedente realizada pela SRH/MP. Aliás, caso haja conflito de interpretações, no âmbito de cada agência reguladora deverá prevalecer a interpretação realizada por sua Diretoria colegiada.
3 SERVIDORES DE AGÊNCIAS REGULADORAS E REGIME DE DEDICAÇÃO EXCLUSIVA Antes de se analisar a aplicação de regime de dedicação exclusiva aos servidores das agências reguladoras, cumpre tecer algumas breves considerações sobre a natureza de suas atividades. Na jurisprudência, quando da análise do pedido de concessão de medida cautelar na ADIn 2.310, o Ministro Marco Aurélio considerou que as decisões das agências reguladoras devem estar [...] imunes a aspectos políticos, devendo fazer-se presente, sempre, o contorno técnico. É isso o exigível não só dos respectivos dirigentes – detentores de mandato –, mas também dos servidores [...], que, juntamente com os primeiros, hão de corporificar o próprio Estado nesse mister da mais alta importância, para a efetiva regulação dos serviços.
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reguladora não exerça sua competência normativa. No entanto, caso o faça, o que se observa das disposições legais mencionadas é que as regras editadas pelas agências reguladoras terão prevalência, em relação aos seus servidores, sobre as regras editadas pela SRH/MP.
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Nessa ADIn, contestava-se, entre outros pontos, a qualificação de emprego público, e não de cargo público, atribuída aos servidores das agências reguladoras, o que foi considerado inconstitucional pelo Ministro Marco Aurélio em sede cautelar. Sobre esse ponto, o Ministro Marco Aurélio considerou que a atividade no âmbito de agências reguladoras deveria ser desenvolvida por servidores ocupantes de cargos públicos, amparados por todos os direitos e submetidos a todos os deveres do regime estatutário. Na visão do Ministro Marco Aurélio, os servidores das agências reguladoras corporificam o próprio Estado e, por isso, não podem se submeter a qualquer regime jurídico, mas ao regime jurídico estatutário, que seria próprio às chamadas carreiras de Estado. Observe-se, a seguir, o trecho do voto do Ministro Marco Aurélio: Em suma, não se coaduna com os objetivos precípuos das agências reguladoras, verdadeiras autarquias, embora de caráter especial, a flexibilidade inerente aos empregos públicos, impondo-se a adoção da regra que é a revelada pelo regime de cargo público, tal como ocorre em relação a outras atividades fiscalizadoras – fiscais do trabalho, de renda, servidores do Banco Central, dos Tribunais de Contas, etc.
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A preocupação manifestada pelo Ministro Marco Aurélio quando da análise do pedido de medida cautelar da ADIn 2.310 também vem se revelando presente na doutrina, não exatamente na mesma medida, mas certamente na mesma direção.
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De fato, a doutrina tem se ocupado, já há bastante tempo, com o tema da captura das agências reguladoras, seja pelo governo, seja pelos setores regulados. Stigler (2004) desenvolveu a tese de que a falta de legitimidade democrática das agências possibilitaria a captura pelos setores regulados. Com base em dados econômicos da regulação da Interstate Commerce Commission (ICC), afirma que, em regra, a regulação é adquirida pela indústria regulada, além de concebida e operada em seu benefício. As razões seriam múltiplas, tais como a natural identificação entre agências reguladoras
e entes regulados, ou mesmo o interesse dos reguladores de um dia irem ou retornarem para os entes regulados (fenômeno conhecido como revolving door). Na mesma linha, Posner (2004) afirma que as características básicas dos serviços públicos de infraestrutura e transporte público nos EUA podem ser explicadas não exatamente pela teoria da captura, mas pela teoria segundo a qual a regulação é estruturada para conceder benefícios a grupos de consumidores politicamente efetivos, o que se dá às custas de grupos desorganizados, em sua maioria também de consumidores. Assim, existe um certo consenso de que, em se tratando de regulação, sempre há grande risco de captura do ente regulador por interesses concentrados e fortes de segmentos econômicos em detrimento dos interesses difusos e frágeis da sociedade (Manetti, 2007)9. Daí a necessidade de serem estabelecidos eficazes mecanismos de prevenção e de controle sobre as suas atividades. Em relação às medidas preventivas relacionadas à captura, deve-se ter constante preocupação em se oferecer segurança e independência ao conjunto de servidores. Assim é que, em relação à garantia de independência dos servidores, revela-se natural a imposição de restrições à manutenção de qualquer tipo de vínculo com as empresas integrantes do setor regulado, com exceção da relação entre consumidor e fornecedor. Do ponto de vista pragmático, portanto, as restrições a serem impostas aos servidores das agências reguladoras devem ter 9 Manetti (2007, p. 19): “Il vuoto lasciato dall’assenza della politica, ossia dalla precisa formulazione degli interessi pubblici, rischia di essere riempito dall’attenzione unilaterale alle esigenze dei soggetti forti, che sono in grado di svolgere le pressioni più efficaci. Ciò richiede che il legislatore dia esplicita sanzione alla rilevanza degli interessi deboli e che eventualmente stimoli la loro capacità di attivarsi”.
Nessa esteira, não existirá qualquer sentido na restrição imposta ao servidor de agência reguladora quando a sua independência não esteja em risco. Ou seja, o impedimento imposto ao servidor atuante em agência reguladora não poderá representar um fim em si mesmo, mas deve se prestar a garantir sua independência e imparcialidade. Esse, portanto, é o contexto interpretativo para a leitura das normas que tratam dos impedimentos aos servidores das agências reguladoras. Os dispositivos da Lei nº 10.871, de 2004 que tratam das vedações aos servidores das agências reguladoras e que interessam à análise se encontram nos arts. 23, II, c, e 36-A. Art. 23. Além dos deveres e das proibições previstos na Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990, aplicam-se aos servidores em efetivo exercício nas Agências Reguladoras referidas no Anexo I desta lei: [...] II – as seguintes proibições: [...] c) exercer outra atividade profissional, inclusive gestão operacional de empresa, ou direção político-partidária, excetuados os casos admitidos em lei; [...] Art. 36-A. É vedado aos ocupantes de cargos efetivos, aos requisitados, aos ocupantes de cargos comissionados e aos dirigentes das Agências Reguladoras referidas no Anexo I desta lei o exercício regular de outra atividade profissional, inclusive gestão operacional de empresa ou direção político-partidária, excetuados os casos admitidos em lei. (Incluído pela Lei nº 11.314 de 2006)
O que se nota, primeiramente, é que ambos os dispositivos impedem o exercício de outra atividade profissional pelos servidores de agências reguladoras, inclusive gestão operacional de empresa, ou direção político-partidária, excetuados os casos admitidos em lei. A diferença de um dispositivo para outro é que o art. 36-A acrescenta a palavra regular à expressão exercício de atividade profissional. De toda sorte, tendo o dispositivo do art. 36-A sido incluído pela Lei nº 11.314, de 3 de julho de 2006, caso se visualize contradição em relação a qualquer dispositivo da Lei nº 10.871, de 2004, deve sobre ele naturalmente prevalecer. Nessa esteira, cabe analisar se a disposição constante do art. 36-A institui, para os servidores das agências reguladoras, regime de dedicação exclusiva, o qual impediria até mesmo o desempenho de atividade de ensino em entidades públicas e privadas. Em análise literal do dispositivo, cabe notar que nele não se institui claramente regime de dedicação exclusiva. De fato, não se pode extrair dos vocábulos ali postos comando inequívoco de instituição de regime proibitivo do desempenho de toda e qualquer atividade, seja pública, seja privada. A instituição de regime de dedicação exclusiva, por constituir medida especialmente restritiva da liberdade do servidor, veio, historicamente, acompanhada de certas cautelas, como se passa a demonstrar, bem como associada a um fundamento pragmático para a sua instituição. O Decreto nº 94.664, de 23 de julho de 1987, por exemplo, em seus arts. 14 e 15, ao tratar do regime de trabalho dos professores da carreira de Magistério Superior, possibilitou, em primeiro, a opção pelo regime de dedicação exclusiva. Em segundo, disciplinou o que seria a dedicação exclusiva: impedimento do exercício de outra atividade remunerada, pública ou privada. E, ao fim, possibilitou que o regime de dedicação exclusiva contemplasse algumas exceções (art. 14, § 1º).
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uma finalidade bastante clara: garantir a independência em relação ao setor regulado. Exatamente nessa medida é que se justificam restrições adicionais às já aplicáveis à generalidade do serviço público.
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Art. 14. O Professor da carreira do Magistério Superior será submetido a um dos seguintes regimes de trabalho: I – dedicação exclusiva, com obrigação de prestar quarenta horas semanais de trabalho em dois turnos diários completos e impedimento do exercício de outra atividade remunerada, pública ou privada; II – tempo parcial de vinte horas semanais de trabalho. § 1º No regime de dedicação exclusiva admitir-se-á: participação em órgãos de deliberação coletiva relacionada com as funções de Magistério; participação em comissões julgadoras ou verificadoras, relacionadas com o ensino ou a pesquisa; percepção de direitos autorais ou correlatos; colaboração esporádica, remunerada ou não, em assuntos de sua especialidade e devidamente autorizada pela instituição, de acordo com as normas aprovadas pelo conselho superior competente. § 2º Excepcionalmente, a IFE, mediante aprovação de seu colegiado superior competente, poderá adotar o regime de quarenta horas semanais de trabalho para áreas com características específicas.
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Quando da instituição de regime de dedicação exclusiva para os professores da carreira de Magistério Superior, teve-se o cuidado de traçar disciplina exaustiva a respeito de seu conteúdo.
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Não se tem dúvida de que o regime de dedicação exclusiva tem benefícios inquestionáveis para o desempenho da função de professor, que seria a completa imersão no meio acadêmico, com a finalidade de se estimular a produção científica. De modo diferente, em relação aos servidores das agências reguladoras, não se consegue extrair do art. 36-A da Lei nº 10.871, de 2004, disposição inequívoca tendente à instituição de regime de dedicação exclusiva, assim entendido como impedimento do exercício de qualquer outra atividade remunerada, pública ou privada. Também não se visualiza conteúdo mínimo do que seria a tal dedicação exclusiva aplicada aos servidores das agências re-
guladoras. Observa-se, de modo genérico, apenas a vedação ao exercício regular de outra atividade profissional. Seria possível identificar, então, vedação ao exercício regular de outra atividade profissional com regime de dedicação exclusiva? A resposta é negativa. Eis as razões. Em análise pragmática, deve-se pontuar que a instituição da dedicação exclusiva não contribuiria para a garantia da independência dos servidores das agências reguladoras frente aos setores regulados. É que a vedação de prestação de serviços às empresas reguladas já se presta a tal fim (vedação contida no art. 23, II, a, da Lei nº 10.871, de 2004). Portanto, não se visualiza fundamento prático para a instituição da dedicação exclusiva. Deve-se ter presente, ainda, que nem as atividades atribuídas aos juízes e aos representantes do Ministério Público da União se encontram sob a restrição da dedicação exclusiva. De fato, o art. 36 da Lei Complementar nº 35, de 14 de março de 1979, a conhecida Lei Orgânica da Magistratura – Loman, veda aos magistrados apenas (i) o exercício de comércio ou a participação em sociedade comercial, e (ii) o exercício de cargo de direção ou técnico de sociedade civil, associação ou fundação, de qualquer natureza ou finalidade, salvo de associação de classe, e sem remuneração. A Lei Complementar nº 75, de 20 de maio de 1993, a seu turno, veda aos membros do Ministério Público da União o exercício (i) da advocacia, (ii) do comércio, (iii) de outra função pública, salvo uma de magistério, e (iv) atividade político-partidária. Ora, se aos juízes, membros de um dos Poderes da República, e aos membros do Ministério Público da União, que representam uma função do Estado por excelência, não é imposto o regime de dedicação exclusiva como forma de garantir a sua independência, também não se visualiza razão para se impor, por meio de interpretação, tal regime aos servidores que desempenham suas atividades nas agências reguladoras.
Em verdade, falar em interesse público, em contexto aberto, não contribui para a análise da questão, visto que não existe método objetivo de definição do que seja o interesse público (Shapiro, 1988, p. 5)12. O paradigma segundo o qual o interesse público se contrapõe aos interesses privados, motivo pelo qual deve predominar sobre estes, tem raízes históricas. O individualismo renascentista, que pregava a prevalência dos interesses privados, parece haver ensejado, à época seguinte, o entendimento de que a negação desses interesses significaria alcançar o interesse comum. Assim, adotou-se de modo generalizado o pressupos10 Parecer/MP/Conjur/JD nº 0115-3.27/2010. 11 Parecer nº 106/2011/DHMS/Consu/PGF/AGU. 12 Shapiro (1988, p. 5): “They [the political theorists who propounded pluralist or polyarchical views] did argue, however, that there was no universally accepted logical or scientific procedure for determining the good and relatively little consensus on what the good was. Each group would have its own necessarily incomplete and somewhat distorted vision of the public good. Given these realities, and as a second-best solution in the absence of universally agreed right policies, the pluralists were driven toward a proceduralist criterion as a working standard for public policy. Those public policies were to be considered correct that were arrived at by a process in which all relevant groups had actively participated, each with enough political clout to insure that its views had to be taken into account by the ultimate decision makers”.
to do interesse público como uno, exclusivo, singular, que em cada situação concorre com os interesses privados. Trata-se de premissa “de oposição, de embate, de afirmação pela negação, segundo o qual a consagração do interesse público se oporia essencialmente aos interesses privados e, destarte, somente se efetivaria a partir de algum sacrifício ou restrição de interesses dos particulares” (Marques Neto, 2002, p. 82). Entretanto, parece possível uma formulação aberta e indeterminada de interesse público (embora também singular), com função de legitimação, que permita que o paradigma apresente-se “seguro e elástico, justo e compassivo, socialmente eficaz e moralmente eqüitativo”, conseguindo equilibrar “as intrincadas relações entre o individual e o coletivo [...] entre a liberdade de cada cidadão e as exigências de natureza coletiva” (Faria apud Marques Neto, 2002, p. 86-87). Enfim, não se pode pressupor que exista interesse público em impor regime de dedicação exclusiva aos servidores das agências reguladoras. Tampouco do art. 36-A da Lei nº 10.871, de 2004, pode-se inferir a imposição do regime. Qual o significado, então, da norma ali posta? Como já mencionado, a norma constante do art. 36-A da Lei nº 10.871 deve ser lida diante do contexto interpretativo. Assim, o exercício de outra atividade profissional deve estar vedado quando vier a comprometer negativamente o desempenho independente das funções regulatórias pelo servidor. Em sentido inverso, deve-se permitir que os servidores das agências desenvolvam suas potencialidades e maximizem seus ganhos financeiros sem que sua independência em relação ao setor regulado seja colocada em risco. Nesse contexto é que a vedação ao exercício regular de outra atividade profissional do art. 36-A da Lei nº 10.871, de 2004, deve ser vista como conceito jurídico indeterminado, a ser des-
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Não se consegue identificar, portanto, que o tal regime de dedicação exclusiva aplicado aos servidores das agências reguladoras venha a atender ao interesse público, consoante afirmado pela Conjur/MP10. Veja-se que também a Procuradoria-Geral Federal da Advocacia Geral da União faz referência ao interesse público ao sustentar que a autonomia gerencial das agências reguladoras restringe-se a aspectos meramente operacionais. Segundo a entidade, “não é possível pensar de outra forma”, uma vez que “a Administração e o interesse público são unos”11.
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dobrado mediante o exercício do poder regulamentar, que, no caso, se encontra atribuído às próprias agências reguladoras. A propósito, nada mais transparente para o exercício desse poder regulamentar do que a realização de um procedimento plural, no qual os servidores e a sociedade possam se manifestar a respeito. Essa sim parece ser uma solução condizente com o modelo de Estado regulador e a atual configuração policêntrica da Administração Pública.
REFERÊNCIAS ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2006. BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. CUÉLLAR, Leila. Introdução às agências reguladoras brasileiras. Belo Horizonte: Fórum, 2008. JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Dialética, 2002. MANETTI, Michela. Le autorità indipendenti. Roma: Laterza, 2007.
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MARQUES NETO, Floriano Peixoto de Azevedo. Agências reguladoras independentes. Belo Horizonte: Fórum, 2005.
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______. Regulação estatal e interesses públicos. São Paulo: Malheiros, 2002. POSNER, Richard A. Teorias da regulação econômica. In: MATTOS, Paulo (coord.). Regulação econômica e democracia: o debate norte-americano. São Paulo: Editora 34, 2004. SHAPIRO, Martin. Who guards the guardians? Judicial control of administration. Atlanta: University of Georgia, 1988. STIGLER, George J. A teoria da regulação econômica. In: MATTOS, Paulo (coord.). Regulação econômica e democracia: o debate norte-americano. São Paulo: Editora 34, 2004.
Doutrina
Notas sobre a Interpretação do Artigo 453 do Código Civil* MAURÍCIO BUNAZAR
Mestre em Direito Civil pela Faculdade de Direito da USP, Doutorando em Direito Civil pela Faculdade de Direito da USP, Professor de Direito Civil, Advogado.
SUMÁRIO: Introdução; I – Fundamento da obrigação de indenizar benfeitorias; II – Definição do obrigado a indenizar o evicto pelas benfeitorias necessárias e úteis; Conclusão; Referências.
INTRODUÇÃO A interpretação do art. 453 do Código Civil1 suscita algumas indagações às quais, sem qualquer pretensão de exaustividade, buscaremos responder. Entre estas questões, por fundamentais à decidibilidade dos casos concretos, sobrelevam-se: (i) fixar o fundamento da obrigação de indenizar as benfeitorias úteis e necessárias; (ii) definir a quem cabe prioritariamente a obrigação de indenizar o evicto pelas benfeitorias úteis e necessárias existentes na coisa ao tempo da evicção; (iii) verificar se há, ou não, incidência das regras acerca da posse de boa ou de má-fé (arts. 1.119 a 1.122 do Código Civil) na relação jurídica de evicção. A resposta às questões que se nos foram colocadas2 impõe que iniciemos com duas constatações, sendo uma bastante óbvia – porém fonte da perplexidade interpretativa que o art. 453 suscita –, e outra já não tão trivial, na medida em que, a depender da resposta que se lhe dê, pode alterar radicalmente a solução dos casos práticos subsumíveis ao dispositivo interpretado. Quanto à primeira constatação, é fora de questão que, da mesma forma que fizera o Código Civil revogado, o legislador, ao disciplinar a evicção (arts. 447 usque 457), supõe duas relações jurídicas distintas: (i) aquela entre o outorgante e o outorgado (arts. 447, 449, 450, 451 e 455) e (ii) aquela entre outorgado e o evictor (arts. 453 e 454). Já a segunda constatação é a de que os arts. 453 e 454 geram fundada dúvida sobre se o regime jurídico da indenização por ben1 “As benfeitorias necessárias ou úteis, não abonadas ao que sofreu a evicção, serão pagas pelo alienante.” 2 A questão, posta pelo Professor Zanetti foi: “Interpretação do art. 453. O outorgante responde em caráter subsidiário, na hipótese de o evictor não efetuar o ressarcimento a que se encontra obrigado?”.
feitorias ao possuidor (arts. 1.220, 1.221 e 1.222) incide ou não na relação entre outorgante e outorgado. Da opção por uma ou outra dessas possibilidades dependerá, por exemplo, a relevância ou irrelevância da investigação acerca da boa ou má-fé do outorgado. Postas essas duas constatações, cumpre-nos, de logo, buscar algumas respostas, as mais fundamentadas possíveis, às questões referidas.
I – FUNDAMENTO DA OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR BENFEITORIAS A doutrina, tanto de ontem como de hoje, ensina que benfeitorias são certos melhoramentos em uma dada coisa, os quais são classificáveis em necessários, úteis ou voluptuários, conforme o bem que façam a ela3.
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Não é, portanto, de se estranhar que, tradicionalmente, a doutrina, direta ou indiretamente, acabe por constatar que, diante da dissociação entre realizador da benfeitoria e titular do direito subjetivo de propriedade sobre a coisa beneficiada, seja posta a questão concernente a se saber se – e mediante quais condições – o beneficiador terá direito a algum ressarcimento. A fim de dar resposta à questão, não raro se recorre à norma que
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3 Tomamos, por referência, as seguintes definições: “Entre as pertenças, podem-se tambem contar as despesas, que se fazem para conservar, ou melhorar uma cousa. Se estas despesas têm por fim conservar a existencia da cousa, ou preserval-a de deterioração, chamam-se despesas ou bemfeitorias necessarias (impensae necessariae). L. 79, D. de verb. sign. [...] Chamam-se úteis quando augmentaram o valor commum da cousa (utiles); e voluptuarias, quando sómente têm por fim servir ao gozo ou regalo de quem as fez, sem augmentar o valor commum” (COELHO DA ROCHA, M. A. Instituições de direito civil portuguez. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1886. p. 56); “As benfeitorias, por definição, fazem bem, ou pela necessariedade delas, ou pela sua utilidade, ou pelo maior deleite, ou recreio, que trazem ao bem” (PONTES DE MIRANDA, F. C. Tratado de direito privado. Rio de Janeiro: Borsói, t. II, 1970. p. 74).
estatui a proibição do enriquecimento injustificado4, algo que, no mais das vezes, se nos afigura correto. A norma que veda o enriquecimento injustificado foi, segundo doutrina especializada5, alçada à condição de verdadeiro 4 Ao tratar do tema da indenização por benfeitorias, entre outros, recorrem à norma de proibição do enriquecimento sem causa: “O dispositivo do Código de 1916 sofrera muitas críticas. O legislador procurou conciliar tanto quanto possível o justo enriquecimento em situações que por vezes ambas as partes sofrem prejuízos de fato. [...] A solução da lei civil vigente apresenta-se mais justa. O reivindicante somente terá opção de pedir o valor atual ou seu custo se seu adversário for possuidor de má-fé. Se este é possuidor de boa-fé, deverá sempre indenizar pelo valor atualizado das benfeitorias, o qual, aliás, pode ser até mesmo inferior ao valor do custo” (VENOSA, Silvio de Salvo. Código civil comentado. São Paulo: Atlas, v. XII, 2003. p. 141); “O pagamento das benfeitorias feitas pelo possuidor de boa fé pode ter lugar nos casos previstos no art. 1273º Tanto o possuidor de boa fé como o de má fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias. Quanto às benfeitorias úteis, apenas satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa. Em relação às benfeitorias voluptuárias, nunca há direito à indemnização (art. 1275º)” (VARELA, Antunes; LIMA, Pires de. Código civil anotado. 4. ed. rev. e atual. Coimbra: Coimbra, v. II, 2011. p. 193-194); “Conforme sabe, em face do art. 1273º, tanto o possuidor de boa fé como o de má fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito e, bem assim, a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que possam fazer sem detrimento dela. Quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento de benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa” (MENEZES LEITÃO, Luis Manuel Teles de. Direito das obrigações: contratos em especial. 7. ed. Coimbra: Almedina, v. III, 2010. p. 109-110). 5 Nesse sentido são os ensinamentos de Menezes Leitão e Menezes Cordeiro: “Chegamos a este ponto, importa concluir que o enriquecimento sem causa, estabelecido nos § 812 BGB e no art. 473º do Código Civil, como um princípio normativo, instituído através de uma cláusula geral carecida de um profundo preenchimento casuístico, foi dogmaticamente reconduzida a uma tipologia de condictiones, cuja característica comum se situa a um nível pré-jurídico, através da sua recondução a uma máxima de justiça comutativa, sem campo operacional dogmático próprio”
Embora não tenhamos – até porque o tema exige profundíssima maturação intelectual – nos dedicado a um estudo sistemático da categoria jurídica do enriquecimento injustificado6, há indícios conjecturais7 suficientes para afirmarmos com alguma segurança que a norma proibidora do enriquecimento injustificado pode atuar em dois níveis bastante distintos do sistema jurídico. Funciona, em um primeiro nível, e já agora contando com a existência de dispositivo legal expresso, como instrumento próprio, embora subsidiário em regra, de correção de deslocamentos patrimoniais injustificados; em um segundo nível, e, aqui, mais destacadamente em sua feição de princípio geral do direito, como critério balizador da interpretação de dispositivos normativos, legais ou contratuais, evitando resultados hermenêuticos propiciadores de enriquecimento injustificado. (MENEZES LEITÃO, Luiz Manuel T de. O enriquecimento sem causa no direito civil. Coimbra: Almedina, 2005. p. 934); “Mercê de uma síntese complexa entre elementos técnicos, advenientes do mais antigo Direito romano e reconvertidos, diversas vezes, ao longo de uma evolução secular e factores de tipo significativo-ideológico, ligados ao pensamento grego, à retórica e à aequitas, tomou corpo um princípio de ordem geral: o de que não se deve enriquecer, sem causa, à custa alheia, cabendo restituir o enriquecimento, quando isso porventura ocorra” (MENEZES CORDEIRO, M. da Rocha. Tratado de direito civil português. Coimbra: Almedina, v. II, t. III, 2010. p. 147-148). 6 Sendo mesmo que há quem questione tratar-se de categoria jurídica unitária. 7 Cf. a noção realeana de conjetura em: REALE, Miguel. Verdade e conjetura. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.
Parece-nos que é sob a luz desse segundo nível sistemático da norma proibidora do enriquecimento injustificado que deve ser analisada a regra contida no art. 453 do Código Civil. Recordando-nos da constatação com que iniciamos este estudo8, vemos que a questão acerca da obrigação de indenizar as benfeitorias necessárias e úteis surge no seio de uma de duas possíveis relações jurídicas, isto é, ou naquela entre evictor e evicto ou naquela entre alienante e evicto. Daí, e partindo da distinção já hoje clássica entre enriquecimento por intervenção e por prestação, concluímos que, até mesmo pela literalidade do art. 453 do Código Civil, é desta última modalidade que se trata9. Fixada, pois, a proibição do enriquecimento injustificado como baliza interpretativa do artigo sob análise, cabe-nos investigar a quem incumbe a obrigação de indenizar ao evicto as benfeitorias necessárias e úteis.
II – DEFINIÇÃO DO OBRIGADO A INDENIZAR O EVICTO PELAS BENFEITORIAS NECESSÁRIAS E ÚTEIS Por imperativo lógico, antes de investigarmos a quem se dirige primeiramente a pretensão do evicto à indenização por benfeitorias, devemos arrolar as hipóteses em que ele não contará com tal pretensão nem em face do reivindicante e nem face do evictor. 1. O evicto não terá pretensão de ressarcimento contra o reivindicante nas seguintes hipóteses: 8 A de que legislador, ao disciplinar a evicção (arts. 447 usque 457), supõe duas relações jurídicas distintas: aquela entre o outorgante e o outorgado e aquela entre outorgado e o evictor. 9 MENEZES LEITÃO, Luiz Manuel T de. O enriquecimento sem causa no direito civil. Coimbra: Almedina, 2005. p. 798.
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princípio geral do direito ocidental, o que a faz presente ainda naqueles ordenamentos jurídicos que, como o brasileiro até a entrada em vigor do Código Civil de 2002, não contam com sua positivação em dispositivo legal expresso.
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(i) Se as benfeitorias não mais existirem ao tempo da reivindicação; (ii) No que tange às benfeitorias voluptuárias; (iii) Se estava de má-fé, no que tange às benfeitorias úteis; (iv) Se estava de má-fé e a opção do reivindicante (art.1.222) deixou-o sem indenização completa; (v) Se estava de boa-fé, mas o valor atual das benfeitorias for inferior ao preço de custo (art. 1.222). 2. Não terá pretensão de ressarcimento contra o alienante nas seguintes hipóteses: (i) Se sabia que a coisa era alheia ou litigiosa (art. 457); (ii) Se havia cláusula de exoneração da responsabilidade pela evicção e o outorgado assumiu o risco dela (art. 449); (iii) Se as benfeitorias forem voluptuárias; (iv) Se o evicto tiver auferido vantagens com eventual deterioração do bem e dar-se a compensação com o que deveria lhe ser indenizado pelo outorgante (art. 452);
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(v) Se o evictor houver indenizado o outorgado;
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(vi) Se as benfeitorias foram realizadas pelo alienante e tiverem entrado na composição do preço do negócio jurídico de outorga do direito subjetivo à coisa evicta; (vii) Se as benfeitorias não mais existirem ao tempo da evicção.
Da conjugação de ambas as hipóteses, decorre que o alienante responde exclusivamente ao evicto pelas seguintes verbas: pelas benfeitorias úteis que realizou estando de má-fé e pela diferença eventualmente existente entre o valor atual das benfeitorias necessárias e o preço de custo. Quanto às demais, como se verá a seguir, responderá em caráter subsidiário, isto é, se o evictor não o fizer.
Do estabelecimento daquelas exceções ao direito do evicto de ser indenizado decorre que não há como afirmar que os arts. 1.219 a 1.222 do Código Civil não têm influência quanto à determinação da indenizabilidade das benfeitorias necessárias e úteis, ao contrário, servirão, pelo menos, para estabelecermos hipóteses de irresponsabilidade para o evictor10. 10 Assim, parece não estarem corretos os autores Pontes de Miranda e Araken de Assis. Segundo Pontes de Miranda, “o art. 1.112 do Código Civil (idem, o art. 216 do Código Comercial) tem de ser interpretado como regra jurídica concernente às relações entre evicto e o outorgante, pois nada tem com as regras jurídicas dos arts. 516, 517 e 519 do Código Civil. Mesmo nos pontos em que há coincidência de solução, tem-se de evitar transportar-se para o instituto da responsabilidade de possuidores e de tenedores. Não há qualquer indagação no tocante à boa fé ou à má fé em que estaria o outorgado, porque tal matéria, se pertinente fosse, se referiria a existir ou não existir pretensão à responsabilidade por vício de direito” (PONTES DE MIRANDA, F. C. Tratado de direito privado. Rio de Janeiro: Borsói, t. XXXVIII, 1972. p. 246-247). Araken de Assis tem posicionamento bastante original. Após concordar com Pontes de Miranda de que o art. 453 diz respeito à relação entre outorgante e outorgado, e não entre outorgante e evicto, afirma de modo algo contraditório que haverá influência da boa ou má-fé do evicto, o que remete – daí a contradição – ao regime dos arts. 1.220 a 1.222 e, consequentemente, à relação entre outorgante e evicto: “Em princípio, conforme explica Pontes de Miranda, o art. 453, e, a fortiori, o subsequente art. 454, respeitam às relações entre o evicto e o outorgante, baseadas no princípio da restauração do equilíbrio patrimonial. A boa e a má-fé interessam à relação entre o evicto e o evictor. Assim, a reconhecida má-fé do evicto enseja, justamente, a aplicação do art. 453. Realmente, o art. 453 estabeleceu com nitidez uma regra básica de caráter negativo. Indenizada a benfeitoria pelo terceiro, seja qual for sua natureza e valor – o art. 1.222 autoriza o terceiro a optar, no caso de má-fé, entre o valor do custo e o valor atual da benfeitoria necessária –, nenhuma pretensão tem o evicto perante o outorgante. Em virtude dessa circunstância, Carvalho Santos diagnosticou que ‘dificilmente ocorrerá a hipótese’ versada no artigo. Entretanto, a regra sob foco incide numa situação muito clara. O terceiro não indenizará, ante a má-fé do evicto, as benfeitorias úteis e voluptuárias, nem assiste ao terceiro direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias (art. 1.220). Além disto, mesmo o evicto de boa-fé perde as benfeitorias voluptuárias cujo levantamento
A boa-fé que se exige do possuidor para que possa cobrar do reivindicante (eventualmente evictor) é a subjetiva, a qual, em matéria possessória, consiste na ignorância do vício ou obstáculo que impede a aquisição da coisa (art. 1.201 do Código Civil). Assim, para que se possa falar em boa-fé, os pressupostos de incidência são a existência de um título apto a justificar a crença do possuidor na legitimidade de sua posse e a existência de um vício que inquine este título. Disso decorre que a questio iuris acerca da boa ou má-fé do possuidor somente tem lugar nas relações jurídicas em que não figura como sujeito o outorgante do título, isto é, naquelas se realize em detrimento da coisa. Se as benfeitorias voluptuárias são, em qualquer situação, irrelevantes na relação entre evicto e o outorgante – deste jamais serão cobradas – e o terceiro sempre indenizará as benfeitorias necessárias, haja ou não o direito de retenção, a possibilidade real e concreta de o terceiro não indenizar as benfeitorias úteis esclarece a incidência da regra. São essas as benfeitorias ‘não abonadas’ ao evicto que o art. 453 manda o outorgante indenizar e daí a prescrição positiva da norma. E é claro que para serem indenizadas, precisam existir ao tempo da evicção (art. 1.221, in fine)” (ASSIS, Araken de. Comentário ao art. 453 do Código Civil. In: ASSIS, Araken de; ANDRADE, Ronaldo Alves de; ALVES; Francisco Glauber Pessoa. Comentários ao código civil brasileiro: do direito das obrigações. Coord. Arruda Alvim e Thereza Alvim. Rio de Janeiro: Forense, v. V, 2007. p. 393-394).
relações jurídicas entre o possuidor e terceiro. Isso porque, em relação ao outorgante, a posse do outorgado é justa, isto é, extreme de máculas, não havendo, pois, vício a ser conhecido11. Não há, também, razão alguma que autorize, como fazem Clóvis Beviláqua e João Luiz Alves12, a condicionar a integralidade da 11 Não se olvidando que no sistema jurídico brasileiro os vícios da posse são sempre relativos. 12 “O evicto é possuidor, e, nesta qualidade, tem direito a ser indenizado das benfeitorias úteis e necessárias (art. 516). Mas poderá acontecer que haja benfeitorias úteis realizadas depois de proposta a ação de reivindicação, as quais o reivindicante não indenizará, por outro lado, o reivindicante, obrigado a indenizar, tem o direito a escolher entre o valor atual das benfeitorias e o custo (art. 519). Pela diferença em prejuízo do adquirente responde o alienante” (BEVILÁQUA, Clóvis. Código civil dos estados unidos do Brasil comentado. 11. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, v. IV. p. 223). Esta interpretação foi, também, sustentada por João Luiz Alves no seu Código Civil Annotado (2. ed. v. 2, 1935. p. 193). Comentando os artigos do Code, Planiol e Ripert ensinam: “Em contrapartida, o comprador que realizou no bem despesas necessárias ou úteis tem igualmente o direito de reclamar uma indenização ao terceiro que o evenceu, em virtude dos arts. 555 (na hipótese de um terceiro, o proprietário) e 2175 (na hipótese de um terceiro, o hipotecário). O comprador, que realizou as despesas para a conservação da coisa ou para sua melhoria, possui, destarte, uma dupla ação indenizatória contra duas pessoas diferentes: o vendedor (garante) e o evictor. Portanto, o verdadeiro devedor é aquele que se beneficia das benfeitorias; sendo, então, o autor da evicção quem deve indenizar o comprador por este fato. Por conseguinte, contra ele é que o comprador deve, de início, procurar o pagamento daquilo que lhe é devido e, se negligenciar esse crédito, não poderá, então, exigi-lo do vendedor. Daí, portanto, a fórmula específica contida no art. 1634: ‘O vendedor deve reembolsar ou fazer reembolsar ao adquirente aquilo que lhe é devido pela evicção’. O vendedor, portanto, será o garante de uma caução cuja missão é dupla: por força de suas obrigações, estabelecidas pelos arts. 1633, 1634 e 1635, garantirá ao adquirente as somas devidas pelo terceiro, o evictor; de outro lado, se, por força do art. 555, o evictor somente reembolsá-lo pela mais-valia da benfeitoria, tendo opção entre a mais-valia e o valor das despesas; o comprador, invocando contra o alienante os arts. 1633, 1634 e 1635, exigirá a garantia, a ser paga pelo
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Embora não haja muita margem para que se discorde dessa conclusão, a incidência das normas dos arts. 1.219 a 1.222 do Código Civil somente se dá na relação jurídica entre evictor e evicto, e não naquela entre evicto e alienante, tendo, pois, neste aspecto, razão Pontes de Miranda. Disso decorre que não há sentido em se indagar acerca da boa ou má-fé do evicto para que ele possa reaver do alienante o valor das benfeitorias úteis que eventualmente realizara no bem, sendo certo que, do evictor, somente as poderá exigir se estava de boa-fé.
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responsabilidade do alienante à existência de mais valia entre o preço de custo e o valor da benfeitoria ao tempo em que se evence. Esta é a interpretação que decorre da literalidade do Code, mas não se justifica, seja à luz do Código Civil de 1916, seja à luz do Código Civil vigente.
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Portanto, observadas as hipóteses em que não haverá pretensão ao ressarcimento em face do reivindicante, a premissa de que devemos partir é a seguinte: o evicto é dono das benfeitorias, seja porque as adquiriu ao adquirir a coisa principal (caso em que foram realizadas pelo alienante), seja porque, ao fazê-las, incorporou-as ao que era seu. Disso decorre que sempre caberá ao evictor a responsabilidade principal de indenizá-las13, afinal estará recebendo a coisa melhorada, isto é, estará recebendo mais do que tinha direito de receber. Porém, se por alguma razão o evictor não as indenizar e desde que não se configure quaisquer das hipóteses que impedem o evicto de exercer a
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alienante, pelo maior valor daquilo que lhe é devido. Desta sorte, se a mais-valia é inferior às despesas e o terceiro somente pagou aquela, o adquirente exigirá do alienante de boa-fé a totalidade das despesas necessárias e úteis, e, do vendedor de má-fé, a totalidade das despesas necessárias, úteis e voluptuárias” (PLANIOL, Marcel; RIPERT, Georges; HAMEL, Joseph; PERREAU, Bernard. Traité pratique de droit civil français: contrats civils. Paris: Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence, t. X, 1932. p. 116-117 – tradução livre do original. (Sem destaque no original)). 13 Nesse sentido, implícita ou explicitamente, mas sempre sem muita justificação: PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rev. e atual. por Regis Fichtner. Rio de Janeiro: Forense, v. III, 2006. p. 141; MONTEIRO, Washington de Barros; MALUF, Carlos Alberto Dabus; SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Curso de direito civil. 36. ed. São Paulo: Saraiva, v. 5, 2009. p. 64; SERPA LOPES, Miguel Maria de. Curso de direito civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, v. III, 1996. p. 198; RODRIGUES, Silvio. Direito civil. 28. ed. São Paulo: Saraiva, v. III, 2002. p. 119; MELO, Marco Aurélio Bezerra de. Novo código civil anotado: contratos. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, v. III, t. I, 2004. p. 69; UBALDINO MIRANDA, Custódio da Piedade. Comentários ao código civil. Dos contratos em geral. Coord. Antônio Junqueira de Azevedo. Saraiva, 2013.
pretensão ao ressarcimento em face do alienante, caberá a este, subsidiariamente, pois, a obrigação de indenizá-las. A justificativa para essa conclusão é a seguinte: se o evicto as realizou, o alienante, sendo responsável pela higidez do direito que transferiu14, responde pela confiança do evicto que agiu crendo que beneficiava o que era seu. Ademais, ainda que o outorgado não tenha realizado os melhoramentos, mesmo assim o alienante responderá, afinal o evicto perdeu o que era seu na medida em que adquiriu a coisa já beneficiada. Quanto a esta última situação, caso as benfeitorias tenham sido abonadas pelo reivindicante, temos de interpretar, também à luz da vedação do enriquecimento injustificado, o disposto no art.
14 O Código Comercial dizia-o claramente: “Art. 214. O vendedor he obrigado a fazer boa ao comprador a cousa vendida, ainda que no contracto se estipule que não fica sujeito a responsabilidade alguma; salvo se o comprador, conhecendo o perigo ao tempo da compra, declarar expressamente no instrumento do contracto, que toma sobre si o risco; devendo entender-se que esta clausula não comprehende o risco da cousa vendida, que, por algum titulo, possa pertencer a terceiro. Art. 215. Se o comprador for inquietado sobre a posse ou domínio da cousa comprada, o vendedor he obrigado á evicção em Juízo, defendendo á sua custa a validade da venda; e se for vencido, não só restituirá o preço com os juros e custas do processo, mas poderá ser condemnado á composição das perdas e damnos conseqüentes, e até ás penas criminaes, quae quaes no caso couberem. A restituição do preço tem lugar, posto que a cousa vendida se ache depreciada na quantidade ou na qualidade ao tempo da evicção por culpa do comprador ou força maior. Se, porém, o comprador auferir proveito da depreciação por elle causada, o vendedor tem direito para reter a parte do preço que for estimada por arbitradores. Art. 216. O comprador que tiver feito bemfeitorias na cousa vendida, que augmentem o seu valor ao tempo da evicção, se esta se vencer, tem direito a reter a posse da mesma cousa até ser pago do valor, das bemfeitorias por quem pertencer.”
454. Ora, se no momento da alienação as benfeitorias já existiam, compuseram o preço, razão pela qual o outorgante, ao restituir integralmente o preço (art. 450, caput), as estará indenizando (daí a necessidade de ainda existirem ao tempo da evicção), sendo certo que a não compensação acarretará enriquecimento sem causa ao evicto, pois receberá duas vezes o mesmo valor (o preço composto pelo valor das benfeitorias mais o valor das benfeitorias)15.
BEVILÁQUA, Clóvis. Código civil dos estados unidos do Brasil comentado. 11. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, v. IV.
CONCLUSÃO
OLAVO CUNHA, Paulo. Venda de bem alheio. Revista da Ordem dos Advogados, Portugal, a. 47, v. II, 1987.
REFERÊNCIAS ALVES MOREIRA, Guilherme. Instituições do direito civil português: das obrigações. Coimbra: França Amado, v. II, 1911. ASSIS, Araken de; ANDRADE, Ronaldo Alves de; ALVES; Francisco Glauber Pessoa. Comentários ao código civil brasileiro: do direito das obrigações. Coord. Arruda Alvim e Thereza Alvim. Rio de Janeiro: Forense, v. V, 2007. 15 Nesse sentido, a lição de Guilherme Alves Moreira: “Quando o evictor seja obrigado a abonar ao evicto as bemfeitorias, e estas se tenham realizado antes da alienação, como as bemfeitorias entraram no preço da venda, justo era que fossem encontradas nas quantias que o alheador tem de pagar” (ALVES MOREIRA, Guilherme. Instituições do direito civil português: das obrigações. Coimbra: França Amado, v. II, 1911. p. 638).
MENEZES LEITÃO, Luis Manuel Teles de. Direito das obrigações: contratos em especial. 7. ed. Coimbra: Almedina, v. III, 2010. _____. O enriquecimento sem causa no direito civil. Coimbra: Almedina, 2005. MONTEIRO, Washington de Barros; MALUF, Carlos Alberto Dabus; SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Curso de direito civil. 36. ed. São Paulo: Saraiva, v. 5, 2009.
UBALDINO MIRANDA, Custódio da Piedade. Comentários ao código civil. Dos contratos em geral. Coord. Antônio Junqueira de Azevedo. Saraiva, 2013. PACIFICI-MAZZONI, Emidio. Istituzioni di diritto civile italiano. 4. ed. Firenze: Fratelli Cammelli, v. V, 1913. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rev. e atual. por Regis Fichtner. Rio de Janeiro: Forense, v. III, 2006. PLANIOL, Marcel; RIPERT, Georges; HAMEL, Joseph; PERREAU, Bernard. Traité pratique de droit civil français: contrats civils. Paris: Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence, t. X, 1932. PONTES DE MIRANDA, F. C. Tratado de direito privado. Rio de Janeiro: Borsói, t. XXXVIII, 1972. RODRIGUES, Silvio. Direito civil. 28. ed. São Paulo: Saraiva, v. III, 2002. SERPA LOPES, Miguel Maria de. Curso de direito civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, v. III, 1996. TEIXEIRA DE FREITAS, A. Esboço do código civil. Brasília: Ministério da Justiça, Fundação Universidade de Brasília, v. II, 1983. TROPLONG. Le droit civil expliqué suivant l’ordre des articles du Code: de la vente. Paris: Charles Hingray, t. 1er, 1856. VARELA, Antunes; LIMA, Pires de. Código civil anotado. 4. ed. rev. e atual. Coimbra: Coimbra, v. II, 2011. VENOSA, Silvio de Salvo. Código civil comentado. São Paulo: Atlas, v. XII, 2003. WAYAR, Ernesto C. Evicción y vicios redhibitorios. Buenos Aires: Astrea, v. II, 1992
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A responsabilidade por evicção é muitíssimo mais abrangente do que a responsabilidade que buscamos analisar neste estudo. Pensamos, contudo, que as perspectivas de que nos valemos aqui, designadamente a constatação – trivial – de que os arts. 447 a 457 do Código Civil supõem duas relações jurídicas, nas quais o termo fixo é o evicto, bem como a conjectura de que é o princípio da proibição do enriquecimento injustificado que deve animar a exegese dos dispositivos legais referidos, podem ser bastante úteis na solução dos casos concretos que venham a surgir.
MELO, Marco Aurélio Bezerra de. Novo código civil anotado: contratos. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, v. III, t. I, 2004.
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Doutrina
Ressocialização: o Desafio da Desestigmação do Egresso na Contemporaneidade
RESUMO: Este trabalho tem como objetivo tratar da ressocialização como finalidade não alcançada pela pena, dentro do contexto da sociedade contemporânea voltada para o consumo e estabelecida sobre patamares de desigualdade. A crise retratada no trabalho atinge não só Brasil, como também outros países no mundo e tem como principal indicador o número crescente da população carcerária.
ISABELA SANTANA DOS SANTOS
Bacharela em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, Especialista em Direito Processual Civil pela UniJorge/Juspodivm, Mestranda em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia, Analista Judiciária do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (lotada na Seção Judiciária da Bahia).
ABSTRACT: This paper aims discusses about the resocialization like the purpose not reached for the sentence, in the context of the contemporary society, toward for the consumption and building with inequality. The crisis in analysis happens in Brazil and other countries in the world and the principal indicator is the increase of the jail population.
SELMA PEREIRA DE SANTANA1
KEYWORDS: Resocialization; society; sentence; crisis; jail.
Doutora em Ciências Jurídico-Criminais pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (2006), Mestre em Ciências Jurídico-Criminais por esta última Faculdade (2002), Bacharela em Direito pela Universidade Federal da Bahia (1984), Especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal pela Fundação Escola Superior do Ministério Público da Bahia – FESMIP, Especialista em Direito Administrativo pela Fundação Faculdade de Direito – FFD, Especialização em Processo pela Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia – UFBA, Possui Curso de Aperfeiçoamento em Ciências Criminais e Dogmática Penal alemã pela Georg-August Universität Göttingen – GAUG (Alemanha). Promotora do Ministério Público Militar da União, Professora Adjunta de Direito Penal da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (Graduação e Pós-Graduação), Coordenadora do Grupo de Pesquisas Justiça Restaurativa (cadastrado pelo CNPq), Parecerista Técnico do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito – Conpedi, Membro do Conselho Científico do Boletim da Escola Superior do Ministério Público da União, Membro do Conselho Editorial da Revista do Ministério Público Militar, Membro do Conselho Editorial da Revista do CEPEJ, Membro do Colegiado do Programa da Pós-Graduação em Direito PPGD/UFBA, Parecerista do Corpo de Especialistas da Editora da Universidade Federal da Bahia (EDUFBA), Integrante do Cadastro Nacional e Internacional de Avaliadores do Conpedi (Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito), Parecerista da Revista Brasileira de Direito, Parecerista da Revista de Estudos Empíricos em Direito. Possui experiência na área de Direito Público, com ênfase em Direito Penal e Direito Penal Militar.
1 Endereço eletrônico: selmadesantana@gmail.com.
PALAVRAS CHAVE: Ressocialização; sociedade; pena; crise; cárcere.
SUMÁRIO: Introdução; 1 O conceito de ressocialização; 1.1 A
INTRODUÇÃO Neste trabalho propõe-se uma análise sobre a ressocialização, visando a identificar qual o seu real significado e alcance, bem como acerca da sua possibilidade de concretização em relação ao egresso do cárcere, identificando as variações terminológicas e outras variantes que repercutem na tentativa de alinhar um conceito de ressocialização. A sociedade contemporânea tem características que determinam o modo como o encarcerado é visto antes e depois da experiência da segregação, de forma que a estruturação dos valores, e até mesmo a perda deles, repercute na maneira de tratamento do egresso da prisão, implicando a dificuldade de sua reinserção no seio da comunidade, sobretudo porque se torna paradoxal pretender trazer de volta aquilo que nunca esteve ou sequer teve oportunidade de tentar estar, por ter sido mantido à margem da sociedade desde o primeiro momento e lá ter permanecido por todo o resto. As propostas até então lançadas não foram suficientes para salvar a proposta que compreende que a pena tem por finalidade ressocializar o preso e esta crise é reconhecida na doutrina não só do Brasil como em outros países, sendo acompanhada por um número cada vez mais significativo da população carcerária. Trata-se de uma problemática que atinge uma grande parte dos países do mundo, cujas consequências exigem uma reflexão séria e atenta.
Sem a pretensão de esgotar o tema, mas de fazer uma reflexão sobre as dificuldades que circundam a ressocialização do preso, toma-se parte do debate, sem, com isso, deixar de verificar as teorias sobre os fins da pena em cotejo com as ideias desenvolvidas tanto no campo da criminologia crítica como da sociologia. A compreensão sobre o tema exige ainda um breve olhar sobre os dados estatísticos apurados em torno da problemática do crescimento da população carcerária, como índice indicativo da crise do sistema penal punitivo, pautado na aplicação da pena como retribuição ao mal causado pelo criminoso.
1 O CONCEITO DE RESSOCIALIZAÇÃO O olhar lançado sobre o egresso do cárcere revela muitos desafios e o primeiro deles está justamente na definição do termo ressocialização, sobretudo por ser um termo que carrega uma série de outras acepções que também são desafiantes e que geram uma sensação de não estar se dizendo tudo aquilo que, de fato, gostaria de se dizer e, ao mesmo tempo, causa estranheza pelo fato de, em certas situações, fazer parecer estar se dizendo bem mais do que aquela expressão poderia significar. Se observarmos apenas o aspecto semântico, pode-se afirmar que a ressocialização significa reintegrar ou reinserir na sociedade aquele que esteve distanciado dela. Ao examinar-se a etimologia da palavra, tem-se que a ressocialização vem do termo socializar, sendo a este acrescido do prefixo “re” de origem latina, que pode indicar repetição, reforço ou retrocesso. Já socializar traduz o ato de reunir-se em grupo social, manter relações interpessoais no seio da sociedade, que vão do núcleo familiar ao convívio com amigos e colegas de trabalho. O conceito puramente semântico ora apresentado, contudo, é superficial e insuficiente para significar a ressocialização no âmbito do direito penal. O reconhecimento desta insuficiência
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ressocialização vista como um direito do preso e um dever do Estado; 1.2 A ressocialização como finalidade da pena; 1.3 A ressocialização como adoção de políticas públicas e ações sociais; 2 Brevíssimo escorço histórico: por onde andamos para chegar onde estamos; 2.1 Teorias legitimadoras: absolutas e relativas; 2.2 Teorias deslegitimadoras; 3 A ressocialização na contemporaneidade; 3.1 Exame com pretensão sociológica da ressocialização; 3.2 Exame dos elementos empíricos; Conclusão; Referências.
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não é retórica humilde, mas sim constatação inarredável de que, ao se tratar da ressocialização do egresso, não estamos simplesmente tratando do reingresso do preso na sociedade, mas de uma série complexa de fenômenos que envolvem a saída do cárcere e o enfrentamento do principal direito e mais opressor de todos, que é a liberdade. A ressocialização pode ser vista como um direito do preso e dever do Estado, pode ser encarada como uma finalidade da pena, ou, ainda, como um feixe de políticas públicas e ações sociais. Pode inclusive ser até muito mais do que isto, como também, em algumas situações, sequer reflita qualquer um destes aspectos suscitados. Isto porque seria absolutamente ilógico afirmar o reingresso daquele que sempre esteve à margem da sociedade, de modo que qualquer tentativa de inseri-lo seria, em verdade, uma apresentação, um début do novo integrante do seio social.
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1.1 A ressocialização vista como um direito do preso e um dever do Estado De acordo com o art. 10 da Lei de Execuções Penais, o Estado tem o dever de prestar assistência ao preso e ao internado, com o escopo de prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade. A partir da leitura do referido dispositivo, infere-se que a lei imputou ao Estado o dever de promover e orientar a ressocialização do preso, possibilitando a este assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa. Por outro lado, coube ao art. 41 da Lei de Execuções Penais arrolar os direitos dos presos, enunciando nos seguintes termos: Art. 41. Constituem direitos do preso: I – alimentação suficiente e vestuário;
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II – atribuição de trabalho e sua remuneração;
III – Previdência Social; IV – constituição de pecúlio; V – proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação; VI – exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena; VII – assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa; VIII – proteção contra qualquer forma de sensacionalismo; IX – entrevista pessoal e reservada com o advogado; X – visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados; XI – chamamento nominal; XII – igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena; XIII – audiência especial com o diretor do estabelecimento; XIV – representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito; XV – contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes; XVI – atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena da responsabilidade da autoridade judiciária competente. (Incluído pela Lei nº 10.713, de 2003)2
Conquanto não esteja expressamente previsto neste dispositivo legal, é consequência lógica da imposição do dever ao Estado, no art. 10 alhures referido, reconhecer que para a lei a ressocialização é um direito do preso. Neste diapasão, é importante 2 BRASIL. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/CCIVIL_03/leis/L7210.htm>. Acesso em: 29 jun. 2015.
Um breve olhar sobre a doutrina e jurisprudência pátrias demonstra que este aspecto não levantou qualquer discussão. A responsabilidade do Estado apenas tem sido concitada nos casos em que ocorre algum ilícito no interior das instituições prisionais3 ou, ainda, em caso de fuga4 ou de ineficiência de seus
3 Válido conferir: “CIVIL E PROCESSO CIVIL – APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS C/C PENSÃO – PRESO ASSASSINADO DENTRO DA PRISÃO – INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS CONCEDIDA – RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO EM FACE DO DEVER DE CUSTÓDIA DO PRESO – SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA EM FACE DA IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO DE PENSÃO – Em se tratando de responsabilidade objetiva basta a demonstração de que o de cujus estava sob custódia do Estado e teve ceifada sua vida na permanência da dita custódia. O dano moral sofrido pela genitora da vítima, não carece de maiores digressões, perder um filho, vítima de assassinato na prisão, é insuportável. Retira-se o indivíduo do convívio em sociedade, para proteger essa mesma sociedade, em razão de atos ilícitos praticados pelo indivíduo. Sua segregação é feita visando a prevenção de outros crimes e a reparação do ato praticado, busca-se a ressocialização e ninguém, absolutamente ninguém, protege a vida desse indivíduo. É indubitável, portanto, que uma vez impertinente a condenação do Estado no pagamento de pensão, fixando-se indenização apenas pelos danos morais, o pleito foi parcialmente procedente e as partes vencidas mutuamente, havendo, pois sucumbência recíproca, os honorários advocatícios devem, por isso, ser compensados (art. 21 do CPC). Recurso conhecido e parcialmente provido” (TJMA, Apelação nº 0383312013/MA, 001552350.2010.8.10.0001, 3ª Câmara Cível, Rel. Jamil de Miranda Gedeon Neto, J. 03.10.2013, Data de Publicação: 08.10.2013. Disponível em: <http://tj-ma.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/179572047/apelacao-apl-383312013-ma-0015523-5020108100001>. Acesso em: 28 jun. 2015). 4 Veja-se: “APELAÇÃO CÍVEL – RESPONSABILIDADE CIVIL – OMISSÃO DO ESTADO – ROUBO E LESÕES CORPORAIS COMETIDAS POR EVADIDOS
agentes públicos5, em que também ocorra a prática de conduta DO SISTEMA PRISIONAL NO MESMO DIA DE SUA FUGA E NO CURSO DA PERSEGUIÇÃO POLICIAL – CONFIGURADA A OMISSÃO E O NEXO CAUSAL – DEVER DE INDENIZAR OCORRENTE – Configurado o nexo de causalidade entre o evento danoso, roubo de sua moto e disparo de arma de fogo contra o autor, com eventual omissão do Estado, pois os autores se evadiram do sistema prisional poucas horas antes de praticar o novo crime contra o autor. Hipótese em que os apenados cumpriam pena no sistema fechado e, no mesmo dia de sua evasão, efetuaram o roubo e dois disparos de arma de fogo contra o demandante. DANOS MORAIS E MATERIAIS – A indenização deve obedecer aos critérios de razoabilidade, atingindo sua função reparatória e punitiva. Quantum a título de danos morais arbitrado em R$ 10.000,00 e a título de danos materiais no valor do menor orçamento apresentado, R$ 1.662,25, valores que se mostram adequados, guardando proporcionalidade com os danos causados. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA – Os juros de mora desde o evento danoso (Súmula nº 54 do STJ), já a correção monetária pelo IGP-M incide, na indenização por danos morais a partir da data deste julgamento (Súmula nº 362 do STJ) e na indenização por danos materiais desde o evento danoso (Súmula nº 43 do STJ). Sucumbência redimensionada. Sentença reformada. Apelação provida em parte” (TJRS, Apelação Cível nº 70060226479, 9ª Câmara Cível, Rel. André Luiz Planella Villarinho, J. 27.04.2015, DJ 04.05.2015. Disponível em: <http://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/185409442/apelacao-civel-ac-70060226479-rs>. Acesso em: 28 jun. 2015). 5 Neste sentido, confira-se: “ADMINISTRATIVO – RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO – INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – PRISÃO ILEGAL – AUSÊNCIA DE RECOLHIMENTO DE MANDADO SEM OBJETO – RESPONSABILIDADE CIVIL CONFIGURADA – As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros. Dicção do art. 37, § 6º, da CF/1988. Cabia ao Estado de Minas Gerais, por meio de seus agentes, promover o cancelamento do mandado de prisão após a apresentação espontânea do condenado para o cumprimento da pena. O cumprimento do mandado de prisão, quando o autor já havia cumprido quase que integralmente a pena e usufruía do benefício da liberdade condicional, ocasiona ofensa à honra, integridade e dignidade do cidadão, especialmente nas situações em que já tiver sido alcançada a sua ressocialização. Para a fixação dos danos morais devem-se levar em conta as condições das partes, as circunstâncias
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refletir ainda se o não cumprimento deste dever pelo Estado, que, por sua vez, constitui uma violação a um direito do preso, pode implicar em responsabilização estatal. É dizer, caso o egresso não seja ressocializado, pode o Estado ser responsabilizado por não ter cumprido o seu dever.
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ilícita pelo preso foragido. Além destas situações, nada se vê em relação à inoperância estatal no tocante à ressocialização e as razões disto ultrapassam as barreiras do direito penal e vão além, também, das opções de política criminal. O primeiro interessado na ressocialização deveria ser o próprio preso e, por via transversa e secundária, a sociedade, aqui compreendida de forma geral, englobando inclusive aqueles que vivem ao redor do preso, da sua comunidade, da sua família e daqueles meros interessados na pacificação social. No entanto, quando não há interesse do preso, muito menor ainda será o interesse da sociedade, mesmo porque ela sequer se reconhece naquele indivíduo e não guarda em relação a ele qualquer sentimento de empatia ou de misericórdia. Daí porque a repulsa social pela figura do preso faz com que a ressocialização como direito deste e dever do Estado seja reduzida a palavras soltas em folha de papel. Com efeito, este enfoque não tem merecido muita atenção e, por conseguinte, a ressocialização como direito do preso e dever do Estado torna-se uma concepção sem qualquer aplicabilidade prática, ficando adstrita ao plano teórico.
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1.2 A ressocialização como finalidade da pena
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Ao contrário do que acontece com o enfoque tratado no subtópico anterior, a ressocialização como finalidade da pena é o aspecto mais conhecido e afirmado em toda doutrina. Isto não em que ocorreu o fato, o grau de culpa do ofensor, a intensidade do sofrimento, devendo-se ainda considerar o caráter repressivo-pedagógico da reparação, para propiciar à vítima uma satisfação sem caracterizar enriquecimento ilícito. Apelação principal não provida e provido o apelo adesivo” (TJMG, AC 10024100897610001/MG, 4ª Câmara Cível, Relª Heloisa Combat, J. 19.09.2013, Data de Publicação: 24.09.2013. Disponível em: <http://tj-mg.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/117352373/apelacao-civel-ac-10024100897610001-mg>. Acesso em: 28 jun. 2015).
acontece por um acaso do destino, mas sim em razão da tão propalada falência das outras finalidades da sanção penal: retributiva e preventiva (geral e especial). A finalidade retributiva da pena relaciona-se com a ideia de impingir um mal a quem fez o mal. Analisando esta finalidade, Juarez Cirino dos Santos apresenta as razões encontradas na doutrina para a finalidade retribucionista: A literatura penal possui várias explicações para a sobrevivência da função retributiva da pena criminal. Primeiro, a psicologia popular, evidentemente regida pelo talião, poderia ser a base antropológica da pena retributiva: a retaliação expressa no olho por olho, dente por dente constitui mecanismo comum dos seres zoológicos e, por isso, atitude generalizada do homem, esse zoonpolitikon. Segundo, a tradição religiosa judaico-cristã ocidental apresenta uma imagem retributivo-vingativa da justiça divina, que talvez constitua a influência cultural mais poderosa sobre a disposição psíquica retributiva da psicologia popular – portanto, de origem mais social do que biológica. Terceiro, a filosofia idealista ocidental retributiva. [...] Quarto, o discurso retributivo baseia-se na lei penal, que consagra o princípio da retribuição: o legislador determina ao juiz aplicar a pena conforme o necessário e suficiente para a reprovação do crime (art. 59, CP) – por essa via, o discurso retributivo alcança a jurisprudência criminal, para a qual a pena criminal é a retribuição através da imposição de um mal.6
Embora haja razões segundo a doutrina penal para a finalidade retributiva da pena, como destacado supra por Juarez Cirino dos Santos, e esta concepção seja a mais impregnada na sociedade desde muitos anos, como se verá mais adiante, ela constitui justamente o maior mal do sistema penal: a ideia de retribuir o mal feito com outro mal forma um círculo vicioso que transforma o egresso em uma figura ainda mais repudiada depois que deixa o cárcere, mesmo porque também ele se sente autorizado a retribuir à sociedade o mal que lhe foi causado. Assim, em alguns 6 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal: parte geral. 4. ed. Florianópolis: Conceito Editorial, 2010. p. 421-423.
A ressocialização não é a única finalidade da aplicação da sanção penal como se vê; no entanto, vem sendo apontada pela doutrina mais moderna como o objetivo principal da aplicação da pena carcerária7. A questão é saber se esta missão8 é cumprida ou não e como programar e perfectibilizar este (re)ingresso do ex-detento na sociedade.
1.3 A ressocialização como adoção de políticas públicas e ações sociais A dificuldade de conceituar e até mesmo de compreender quais os limites que delineiam a ressocialização faz levar a compreendê-la por meio de exemplos que materializam a adoção de políticas públicas e ações sociais, adotadas não só pelo Estado como também por entidades paraestatais, como ocorre com as Igrejas e instituições de ensino, que nada mais são do que formas de se implementar a missão conferida à pena criminal. Não raro, quando se buscam dados a respeito da ressocialização, deparamo-nos com informações acerca destas políticas 7 Nesse sentido, confira-se: DIAS, Fábio Coelho. O sistema penal e o processo de ressocialização brasileiro. Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIII, n. 82, nov. 2010. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/ index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8456>. Acesso em: jul. 2015. 8 Luiz Flávio Gomes e Antonio Garcia-Pablos de Molina, citando Hassemer e Muñoz Conde, lembram: “Parece ser correto distinguir ‘função’ (de um lado) e missão ou fim (de outro) como propõem Muñoz Conde e Hassemer. Missão é o que se pretende alcançar; função é o que efetivamente ocorre” (GOMES, Luiz Flávio; MOLINA, Antonio Garcia-Pablos de. Direito penal: parte geral. 2. ed. Coord. Luiz Flávio Gomes e Rogério Sanches Cunha. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 2, 2009. p. 458-459).
públicas. No Brasil, atualmente, o Conselho Nacional de Justiça tem relacionado entre as suas ações o projeto denominado “Começar de novo”, destinado à “sensibilização de órgãos públicos e da sociedade civil para que forneçam postos de trabalho e cursos de capacitação profissional para presos e egressos do sistema carcerário. O objetivo do programa é promover a cidadania e consequentemente reduzir a reincidência de crimes”9. O projeto é responsável por campanhas na mídia para o fomento da ressocialização sob o prisma antes referido, por abrir um portal de oportunidades para o egresso do cárcere, bem assim por conceder às empresas que disponibilizam vagas para estes egressos o selo “Começar de novo”, cujos requisitos para a outorga estão previstos na Portaria nº 49, de 30 de março de 2010, do Conselho Nacional de Justiça. Até o momento participam do projeto os Estados do Maranhão, do Ceará, de São Paulo, da Bahia, do Espírito Santo, de Mato Grosso, de Minas Gerais e do Distrito Federal. As linhas até aqui expendidas não são suficientes para traduzir tudo que pode ser compreendido como sendo ressocialização, tampouco foram capazes de apresentar um conceito único, preciso e unívoco desta e nem poderia, dada a complexidade da sua significação. Alessandro Baratta justifica a sua preferência pelo emprego do termo reintegração social em vez de ressocialização, afirmando: Ressaltamos a necessidade da opção pela abertura da prisão à sociedade e, reciprocamente, da sociedade à prisão. Um dos elementos mais negativos das instituições carcerária, de fato, é o isolamento do microcosmo prisional do macrocosmo social, simbolizado pelos muros e grades. Até que não sejam derrubados, pelo menos simbolicamente, as chances de “ressocialização” do sentenciado continuarão diminutas. Não se pode segregar pessoas e, ao mesmo tempo, pretender a sua 9 Confira-se informações acerca do Projeto Começar de novo no sítio do Conselho Nacional de Justiça (Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/ sistema-carcerario-e-execucao-penal/pj-comecar-de-novo>)
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casos, é bom que se frise, longe de atingir qualquer finalidade, transforma-se a realidade em algo ainda mais cruel e retira do agente que delinquiu toda e qualquer perspectiva de futuro.
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reintegração. Todavia, a questão é mais ampla e se relaciona com a concepção de “reintegração social”, conceito que decididamente preferimos aos de “ressocialização” e “tratamento”. “Tratamento” e “ressocialização” pressupõem uma postura passiva do detento e ativa das instituições: são heranças anacrônicas da velha criminologia positivista que tinha o condenado como um indivíduo anormal e inferior que precisava ser (re) adaptado à sociedade, considerando acriticamente esta como “boa” e aquele como “mau”. Já o entendimento da reintegração social requer a abertura de um processo de comunicação e interação entre a prisão e a sociedade, no qual os cidadãos reclusos se reconheçam na sociedade e esta, por sua vez, se reconheça na prisão.10
A adoção, seja do termo ressocialização, seja da expressão reintegração social, leva ao mesmo caminho: o cumprimento da função da pena relacionado com a figura do egresso da prisão e as consequências deste aprisionamento, tanto para o sistema penal como para o agente delituoso e a sociedade. Nesta linha, Molina e Gomes destacam:
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Mas o conceito de ressocialização e seus afins (reabilitação, reinserção social, reeducação, etc.) tem sido objeto de reiteradas críticas, não só lógicas e ideológicas (escasso rigor conceitual dessas categorias, ausência de um elementar consenso científico sobre o conteúdo das mesmas, no primeiro caso; falta de legitimidade de alguns programas de ressocialização, no segundo), senão, também e, sobretudo, metodológicas e técnicas.11
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Eis aí a necessidade de analisar os antecedentes históricos, bem como os aspectos lógicos, ideológicos, metodológicos e técnicos que circundam o tema. 10 BARATTA, Alessandro. Ressocialização ou controle social: uma abordagem crítica da “reintegração social” do sentenciado. Disponível em: <http:// www.ceuma.br/portal/wp-content/uploads/2014/06/BIBLIOGRAFIA.pdf>. Acesso em: 3 jul. 2015. 11 GOMES, Luiz Flávio; MOLINA, Antonio Garcia-Pablos de. Direito penal: parte geral. 2. ed. Coord. Luiz Flávio Gomes e Rogério Sanches Cunha. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 2, 2009. p. 489.
2 BREVÍSSIMO ESCORÇO HISTÓRICO: POR ONDE ANDAMOS PARA CHEGAR ONDE ESTAMOS Breves linhas sobre a evolução da teoria da pena são indispensáveis para tratar de ressocialização na contemporaneidade, mesmo porque não se compreende o momento atual sem lançar um olhar para trás, sem, com isso, significar qualquer visão de retrocesso, mas sim para que se tenha uma visão, ao menos panorâmica e dimensional, que possibilite olhar para trás, para o lado, para dentro12 e para além, para utilizar um pouco da expressão de Cláudia Cruz Santos. A pena e a prisão são criações do homem, resultado da necessidade de pacificar os conflitos existentes na sociedade, optando-se por ceder uma parcela da liberdade em prol de todos para que, assim, o Estado segregue e apene aquele que não cumpriu o pacto social. Mas esta atuação nem sempre foi estatal, sendo inicialmente privada e conduzida pelos próprios componentes dos grupos humanos. Nos primórdios, na chamada fase protojurídica13, como denomina Guilherme Costa Câmara, em que se fazia a vingança privada, a responsabilidade era flutuante, podendo recair sobre qualquer dos integrantes do grupo. Uma ofensa contra um encadeava uma retaliação e a sobrevivência era determinada pela lei do mais forte. Guilherme Costa Câmara esclarece como ocorreu a transição da fase da vingança de sangue para a aplicação de medidas reparadoras: 12 SANTOS, Cláudia Cruz. A justiça restaurativa. Um modelo de reacção ao crime diferente da Justiça Penal. Porquê, para quê e como? Coimbra: Coimbra, 2014. p. 129. 13 CÂMARA, Guilherme Costa. Programa de política criminal. Orientado para a vítima do crime. São Paulo: Revista dos Tribunais; Coimbra: Coimbra, 2008. p. 25.
tória para as vítimas.14
O instante que se seguiu a vingança privada ilimitada teve como marco a Lei do Talião, que introduziu uma ideia de proporcionalidade na reação ao crime, cuja resposta deveria ser na mesma medida: olho por olho, dente por dente. No entanto, ainda aqui se tem a atuação direta e do próprio particular, visando à retribuição do mal sofrido. Guilherme Costa Câmara salienta que esta fase não pode ser vista como um retrocesso15, mas sim como um avanço para a observância da proporcionalidade:
Outro importante marco histórico que também representou um avanço tal como a Lei do Talião é a obra de Cesare Beccaria17. Em Dos delitos e das penas, Beccaria demonstra a preocupação com a origem das penas e do próprio direito de punir. Impregnado pelas ideias do Iluminismo, Beccaria apresenta críticas às penas cruéis e infamantes até então aplicadas e, de certo modo, apregoa pela humanização das penas. Segundo Beccaria, a necessidade constrange o homem a ceder uma parte de sua liberdade e este conjunto formado de pequenas porções de liberdade cedidas é que constitui o direito de punir. Afirma ainda que “todo exercício de poder que se afastar desta base é abuso e não justiça; é um poder de fato e não de direito; é uma usurpação e não mais um poder legítimo”18. Já apregoava também que o mais importante é prevenir a prática delituosa do que buscar a sua reparação, afirmando: É melhor prevenir os crimes do que ter de puni-los; e todo legislador sábio deve procurar antes impedir o mal do que repará-lo, pois uma boa legislação não é senão a arte de proporcionar aos homens o maior bem-estar possível e preserva-los de todos os sofrimentos que se lhes possam causar, segundo o calculo dos bens e dos males desta vida.19
Compete gizar que não mais que olho por olho, dente por dente e vida por vida, longe de consistir um retrocesso e barbárie como poderia transparecer em face de qualquer açodada transladação imediata de nossos valores atuais, isto é, de uma mera colagem do arcabouço axiológico hoje em voga àquela realidade, significou – sem nos desperdirmos do vero tempo histórico ora em projeção – em um significativo avanço.16
Válido ainda, para concluir estes prolegômenos às teorias da pena, ressaltar o estudo de Michel Foucault acerca das prisões, que contribuiu sobremaneira para o estudo da criminologia
14 Idem, p. 27. 15 Este também é o pensamento de Gamil Föppel, citado por Yuri Carneiro Coelho: “Com efeito, Kant adotou as ideias da Lei do Talião, em que a reprimenda seria tal qual a conduta. Verdadeiramente, é um método desumano de resolução de conflitos, valendo-se ordinariamente, da violência, mas é certo que representou um avanço em comparação com a incerteza da duração e da medida das penas que anteriormente reinava” (COELHO, Yuri Carneiro. Curso de direito penal didático. São Paulo: Atlas, volume único, 2014. p. 279). 16 CÂMARA, Guilherme Costa. Ob. cit., p. 29.
17 Sobre a importância de Beccaria para a ciência do Direito, Gérson Pereira dos Santos pontua: “[...] O nome de Beccaria é uma referência indispensável, mas a paternidade da ciência do direito penal há de caber, por justiça, a Feuerbach, que é, por sem dúvida, um outro admirável Aufklärer, e não distoa [sic], assim, do pensamento ético, plítico e jurídico de seu tempo” (SANTOS, Gerson Pereira dos. Do passado ao futuro em direito penal. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1991. p. 27). 18 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. 2. ed. Trad. Paulo M. Oliveira. São Paulo: Edipro, 2015. p. 24-25. 19 Idem, p. 104.
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Mas, a partir do momento em que a ampliação dos meios de subsistência tornou possível a realização de uma composição pacífica entre vítima e agressor, paulatinamente, deu-se uma passagem do modelo de vingança privada ilimitada, para um modelo baseado na proporcionalidade da vingança em relação a ofensa produzida (vingança limitada). Essa transição ocorre quase modo espontâneo e natural integrando-se ao processo de sedentarização das populações. De forma que quando as tribos tornaram-se comunidades mais estáveis, a compensação veio a mitigar a vingança de sangue, oferecendo uma alternativa compensa-
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crítica. Percebe-se, na visão de Foucault em Vigiar e punir, uma preocupação com a temporalidade das penas, de modo a demonstrar um criminoso que percebe a desvantagem do cometimento de um crime, culminando na transformação do culpado e não desaparecimento dos efeitos do crime. Encontrar para um crime o castigo que convém é encontrar a desvantagem cuja idéia seja tal que torne definitivamente sem atração a idéia de um delito. É uma arte das energias que se combatem, arte das imagens que se associam, fabricação de ligações estáveis que desafiem o tempo. Importa constituir pares de representação de valores opostos, instaurar diferenças quantitativas entre as forças em questão, estabelecer um jogo de sinais-obstáculos que possam submeter o movimento das forças a uma relação de poder.20
Para melhor sistematização da evolução histórica, após estas breves pinceladas, enfrentaremos a construção das teorias legitimadoras e deslegitimadoras da pena, como forma de melhor compreender o momento em que estamos no contexto das funções da pena.
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2.1 Teorias legitimadoras: absolutas e relativas
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As teorias legitimadoras absolutas encontram substrato teórico em Hegel e Kant e concebem a pena como um fim em si mesmo, cujo objetivo é retribuir o mal causado com outro mal. Segundo Yuri Carneiro Coelho, estas teorias “fundamentam a existência da pena unicamente no delito praticado (puniturquiapecatur est), seja por realização da justiça, ou como forma de expiação de um mal, ou por razões de outra índole qualquer impondo-se, desta sorte, a punição, categoricamente, ao autor do delito”21. 20 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 28. ed. Trad. Raquel Ramalhete. Petrópolis: Vozes, 2004. p. 87. 21 COELHO, Yuri Carneiro. Ob. cit., p. 278.
Em síntese, enquanto que para Kant a pena é um imperativo categórico, para Hegel a pena é uma necessidade dialética de afirmação do Direito. Tais concepções florescem no terreno fértil regado e arado pelo excesso utilitarista do Iluminismo e vão encontrar apoio no princípio da responsabilidade ética individual e nas noções de teológicas de culpa, como a do cristianismo22. Molina e Gomes ainda destacam a contribuição de Binding na formação das teorias absolutas da pena. Segundo os autores, “embora com perspectiva diversa, a postura de Binding conduzirá também a uma fundamentação absoluta da pena, pois ela não perseguiria outra coisa que mostrar ao delinquente sua importância diante da lei, para submetê-lo a ‘força vitoriosa do Direito’”23. No tocante às teorias relativas, também denominadas utilitárias, a pena seria um meio útil e necessário para reprimir a prática delituosa, evitando que novos crimes sejam cometidos. Daí a denominação de utilitarista e também a subdivisão em teorias da prevenção geral e especial. A teoria da prevenção geral direciona o seu espectro preventivo para a toda a sociedade, ao passo que a teoria da prevenção especial aponta especificamente para o agente delituoso individualmente considerado. Importante a ponderação de Cláudia Cruz Santos, que, analisando as teorias relativas acerca da finalidade da pena, aponta para a ocorrência de uma sobreposição da prevenção geral em relação à prevenção especial: As teorias relativas, nem sempre com as mesmas formulações, tem competido pela preponderância na modelação do sistema punitivo, não sendo porventura totalmente errôneo afirmar-se que a expansão de 22 GOMES, Luiz Flávio; MOLINA, Antonio Garcia-Pablos de. Direito penal: parte geral. 2. ed. Coord. Luiz Flávio Gomes e Rogério Sanches Cunha. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 2, 2009. p. 465. 23 Idem, p. 466.
De fato, a prevenção geral termina por ter mais espaço e aparente relevo justamente por demandar menos do sistema e dos agentes envolvidos no controle estatal, na medida em que se dirige de forma generalizada e indistinta ao cidadão, sempre afirmando a utilidade de se reprimir a conduta criminosa, na esperança de que este tipo de comportamento será prevenido, reprimido e reduzido em função da pena a ser aplicada, ao passo que, para a prevenção especial, seria necessário conhecer o sujeito delituoso e conceber os meios pelos quais este intuito preventivo poderia desmotiva-lo a não mais delinquir. Cláudia Cruz Santos refere-se ainda às chamadas teorias mistas e unificadoras, que versam sobre os fins da pena, “que procuram combinar o pensamento retributivo com o pensamento preventivo, ou então, em outros casos, apenas unificam numa única construção teórica diferentes perspectivas das ideias preventivas”25. Entre as teorias unificadoras, é digna de nota a chamada teoria dialética unificadora de Claus Roxin. De acordo com Yuri Carneiro Coelho, Roxin “com sua teoria da pena, entende que esta serve aos fins da prevenção geral e especial e se limita, em sua magnitude, pela medida da culpabilidade do agente”26. Contrapõem-se ao estabelecimento das teorias unificadoras Eugênio Raul Zaffaroni e Nilo Batista. Para estes, as teorias 24 SANTOS, Cláudia Cruz. A justiça restaurativa. Um modelo de reacção ao crime diferente da Justiça Penal. Porquê, para quê e como? Coimbra: Coimbra, 2014. p. 326-327. 25 Idem, p. 328. 26 COELHO, Yuri Carneiro. Ob. cit., p. 286.
combinatórias que conjugam as finalidades da prevenção e da retribuição repercutem de forma equivocada e são incoerentes teoricamente, porquanto “são muito mais autoritárias do que qualquer uma das teorias puras, pois somam as objeções de todas as que pretendem combinar e permitem escolher a pior decisão em cada caso”27, entendendo tratar-se de funções diversas e incompatíveis, cuja junção deixaria o direito penal entregue ao arbítrio, relegando, assim, uma das suas principais funções. Afirmam os autores: [...] O juiz brasileiro deve graduar a pena “conforme seja necessário e suficiente para a reprovação do crime” (art. 59 do CP), ainda que os incidentes da execução penal devam se orientar no sentido da “harmônica integração social do condenado” (art. 1º da LEP). São tentativas de impor, por decisão das agencias políticas, um encerramento de debate para os interpretes do direito penal ante a dissolução do respectivo discurso. Além da incoerência teórica, a gravidade está nas consequências práticas destas tentativas combinatórias.28
Segundo Molina e Gomes, as teorias mistas são hoje “absolutamente dominantes”, contando com partidários na Alemanha, na Espanha e também em território nacional, mas advertem que entre estas teorias há diversas configurações, sendo possível distinguir entre teorias ecléticas em sentido amplo e em sentido estrito, salientando, inclusive, que há aquelas que nem poderiam ser consideradas como tais29. 27 ZAFFARONI, E. Raul; BATISTA, Nilo; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Direito penal brasileiro. 3. ed. Rio de Janeiro: Revan, 1º v., 2006. p. 141. 28 Idem, p. 140. 29 GOMES, Luiz Flávio; MOLINA, Antonio Garcia-Pablos de. Direito penal: parte geral. 2. ed. Coord. Luiz Flávio Gomes e Rogério Sanches Cunha. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 2, 2009. p. 492-493.
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cada uma delas se produz, com frequência, à custa de um decaimento ou das fragilidades da outra. Assim, por exemplo, tem-se afirmado o fortalecimento das concepções de prevenção geral “à custa da morte de sua opositora”, a prevenção especial, orientada para o “tratamento” do delinquente.24
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2.2 Teorias deslegitimadoras Ao lado das teorias que legitimam e justificam a aplicação da pena, erguem-se as denominadas teorias deslegitimadoras, ditas deste modo porque partem da premissa de que o direito penal não tem legitimidade para interferir na esfera da liberdade do cidadão. Propugnam pela redução desta intervenção ou mesmo pelo total afastamento desta intervenção: minimalismo penal e abolicionismo. Milton Gomes ressalta ainda a teoria agnóstica da pena:
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A teoria negativa ou agnóstica da pena se pauta em se contrapor ao avanço do Estado de polícia, inserto nas estruturas do Estado democrático de direito, comprovado no fracasso das teorias positivas das penas. Portanto, pretendesse, com a negação de tais teorias, fixar horizontes ao direito penal por meio de agências judiciais que sirvam de redução do poder punitivo estatal.30
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Examinando a teoria agnóstica da pena, Juarez Cirino dos Santos distingue-a tanto do ponto de vista científico como do ponto de vista político-criminal. Sob o primeiro enfoque, a teoria agnóstica “é, antes e acima de tudo, uma teoria negativa das funções declaradas ou manifestas da pena criminal, expressas no discurso oficial de retribuição ou prevenção geral e especial”31. Já, sob o segundo enfoque, “tem por objetivo ampliar a segurança jurídica de todos os habitantes mediante a redução do poder punitivo do estado de polícia e correspondente ampliação do estado de direito, pelo reforço do poder de decisão das agências jurídicas”. 30 GOMES, Milton Jordão de Freitas Pinheiro. Prisão e ressocialização: um estudo sobre o sistema penitenciário da Bahia. 163f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Católica do Salvador – UCSal: Programa de Pós-Graduação em Ciências da Família. Mestrado em Políticas Sociais e Cidadania. Salvador, 2009. p. 53. 31 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal: parte geral. 4. ed. Florianópolis: Conceito Editorial, 2010. p. 432.
Outra crítica ao modelo legitimador é aquela realizada pela teoria crítica materialista/dialética da pena criminal. De base marxista e adotando os conceitos de relações de produção, a teoria tem como expoente Pasukanis e é assim sintetizada por Juarez Cirino dos Santos: [...] a teoria criminológica materialista/dialética introduz uma explicação política da emergência histórica do conceito jurídico-econômico da retribuição equivalente, como fenômeno sócioestrutural específico das sociedades capitalistas: a função de retribuição equivalente de pena criminal corresponde aos fundamentos materiais e ideológicos das sociedades fundadas na relação capital/trabalho assalariado porque existe como forma de equivalência jurídica fundada nas relações de produção das sociedades contemporâneas.
As teorias deslegitimadoras constituem um bloco de crítica ao modelo punitivo pautado na pena como retribuição, mas não ressoam nos ordenamentos jurídicos. As vozes que reverberam ecoam dentro do campo dogmático sem grandes repercussões práticas; no entanto, com o tempo tem se agigantado em discussões doutrinárias que ganham cada vez mais espaço, diante da reiteração do discurso da falência do sistema punitivo, claramente demonstrada pelo não cumprimento de nenhuma das finalidades da pena. Neste passo, as pontas se unem e não se forma um laço, mas sim um nó. Do mesmo modo que se tem consciência de que a ressocialização possui um conceito variável e complexo e, mesmo sem compreendê-lo em sua amplitude, entregamos à pena a responsabilidade de ressocializar o preso, paradoxalmente reconhece-se que esta atribuição não é cumprida por ela. Paradoxalmente, mantemos no emprego o funcionário antigo que não tem eficiência e não atinge as metas. Resta saber se por falta de coragem para mudar ou por falta de competência dos novos modelos propostos.
Não é necessário maiores digressões para afirmar a falência da pena de prisão e isto não é um privilégio do sistema penal brasileiro. Longe disso, o problema é identificado em outros países, levantando os mesmos questionamentos e as mesmas preocupações que atormentam os operadores do Direito em solo nacional. Neste sentido, Gladys Álvarez ressalta em sua pesquisa: “Los sistemas judiciales atraviesan una profunda crisis. Así lo han evidenciado encuestas realizadas en varios países latinoamericanos durante la última década, para medir la opinión de la cidadanía. Sus resultados han sido alarmantes y elocúentes”32. Segundo a pesquisa desenvolvida por Gladys Álvarez, a grande maioria dos países latino-americanos atravessa por crise no sistema judicial e esta constatação pode ser feita por meio de pesquisa de opinião, em que se ouviu a posição dos cidadãos. Na Argentina, a maioria dos cidadãos tem uma visão negativa do sistema judicial, avaliando vários aspectos que vão da lentidão à corrupção. No Chile, o índice de insatisfação também seria alto, assim como na Costa Rica33. Insta ponderar que é impossível entender a ressocialização dissociada da análise dos elementos e dos valores preconizados por determinada sociedade, bem assim do contexto social e histórico que circundam o fenômeno criminoso, pois necessariamente a compreensão irá variar de acordo com estes componentes. Releva-se, portanto, curial o exame de fatores sociológicos e alguns até mesmo subjetivos. De outra parte, é sobremaneira importante conhecer dados estatísticos e empíricos acerca deste 32 STELLA ÁLVAREZ, Gladys. La Mediación y el acceso a Justicia. Santa Fé: Rubinzal-Culzoni Editores, 2003. p. 15. 33 Idem, p. 16.
mesmo fenômeno, analisando a população carcerária no Brasil, para melhor compreender o conflito com a sociedade.
3.1 Exame com pretensão sociológica da ressocialização Relevantes os questionamentos apontados por Molina e Gomes: A chamada filosofia da ressocialização suscita várias questões que ainda não foram respondidas. No momento de se ressocializar o condenado, qual o modelo de sociedade que será tomado como referência ou objetivo final? Que resultado ou resultados são perseguidos, como meta última, com os programas ressocializadores? Com que meios ou instrumentos e de que forma (“tratamento”) se tentará a ressocialização?
Definir qual o modelo de sociedade é um convite para olhar para dentro de si e fazer autoanálise e ao mesmo tempo examinar toda a realidade que nos circunda. E a sociedade não é algo estanque, está em constante movimento, implicando em mudanças comportamentais, substituição de valores, ressignificação de condutas, em um vai e vem dialético, que não pode deixar de ser considerado ao tratar da ressocialização, mesmo porque como ressocializar um indivíduo em uma esfera da qual esteve alijado: um contrassenso. Zigmunt Bauman destaca na sociedade contemporânea a liquidez dos sentimentos, a volatilidade das relações e o crescimento da sociedade de consumo, tudo isto refletindo na construção do perfil do sujeito e, por via de consequência, na própria criminalidade: O que se tem registrado, em anos recentes, como criminalidade cada vez maior (um processo, observemos, paralelo ao decréscimo da associação ao partido comunista ou a outros partidos radicais da “ordem alternativa”) não é um produto de mau funcionamento ou negligência – muito menos de fatores externos à própria sociedade (embora assim seja descrito cada vez mais freqüentemente –, quando, de forma típica, a correlação entre criminalidade e imigração, afluxo de pessoas estranhas,
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3 A RESSOCIALIZAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE
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de raças ou culturas estrangeiras, se especula ou se declara). É, em vez disso, o próprio produto da sociedade de consumidores, logicamente (se não legalmente) legítimo; e, além disso – também um produto inevitável. Quanto mais elevada a “procura do consumidor” (isto é, quanto mais eficaz a sedução do mercado), mais a sociedade de consumidores é segura e próspera. Todavia, simultaneamente, mais amplo e mais profundo é o hiato entre os que desejam e os que podem satisfazer os seus desejos, ou entre os que foram seduzidos e passam a agir do modo como essa condição os leva a agir e os que foram seduzidos mas se mostram impossibilitados de agir do modo como se espera agirem os seduzidos. A sedução do mercado é, simultaneamente, a grande igualadora e a grande divisora. Os impulsos sedutores, para serem eficazes, devem ser transmitidos em todas as direções e dirigidos indiscriminadamente a todos aqueles que os ouvirão. No entanto, existem mais daqueles que podem ouvi-los do que daqueles que podem reagir do modo como a mensagem sedutora tinha em mira fazer aparecer. Os que não podem agir em conformidade com os desejos induzidos dessa forma são diariamente regalados com o deslumbrante espetáculo dos que podem fazê-lo. O consumo abundante, é-lhes dito e mostrado, é a marca do sucesso e a estrada que conduz diretamente ao aplauso público e à fama. Eles também aprendem que possuir e consumir determinados objetos, e adotar certos estilos de vida, é a condição necessária para a felicidade, talvez até para a dignidade humana.34
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Outro elemento potencializador existente de forma marcante no contexto da sociedade contemporânea com repercussão sobre o fenômeno criminógeno destacado por Bauman é a desigualdade social:
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Esse quadro de desigualdade rapidamente crescente, numa escala global, reproduz-se dentro de praticamente toda “sociedade nacional”. A distância entre os ricos e os pobres, quer medida na escala de mercados globais, quer numa escala muito menor do que quer que se considere como “economias nacionais” (mas que é, progressivamente, pouco mais do que unidades administrativamente circunscritas de cômputo), está aumentando desenfreadamente, e a opinião predominante é de que os ricos provavelmente se tornarão ainda mais ricos, mas os pobres muito certamente se tornarão mais pobres. É provável que essa opinião seja 34 BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Trad. Mauro Gama e Cláudia Martinelli Gama. Rio de Janeiro: Zahar, 1998. p. 55.
novamente forjada, na extremidade receptora, dentro da experiência de se haver cometido um erro, de iniqüidade e injustiça. Não resulta, porém, que isso necessariamente detone um desejo de defesa coletiva contra os erros. A difícil situação compartilhada bem se pode interpretar como um conjunto de infortúnios individuais, provocados pela indolência ou inadequação pessoal, pode alimentar esforços não cumulativos de saída pessoal da miséria, ou sonhos de boa sorte individual.35
Uma sociedade desigual e que prima pelo consumo deixa poucos espaços ou mesmo nenhum para reinserir o egresso, afinal de contas este criminoso no mais das vezes não teve oportunidade nem de consumir tampouco de se sentir igual. Dificilmente onde se renega direitos haverá espaço para se exigir deveres; logo, a quebra do contrato social é mais que esperado neste tipo de contexto. Milton Gomes não passou ao largo da discussão do perfil da sociedade brasileira em face da necessidade (pretensão) de ressocialização: Toda estrutura social moderna é dividida em classes econômicas. O sistema de produção capitalista vigente termina por criar lacunas cada vez maiores entre elas, implicando em uma grande diferença socioeconômica e cultural. Devido a estes choques de interesses entre as classes, há evidente proscrição de condutas comuns a certos grupos sociais (independendo de serem de classes dominantes ou dominadas, contudo, as diferenças revelam-se mais entre as segundas). Tais condutas passam a ser repudiadas (punidas) pelo grupo social mais forte, por serem contrárias ao seu padrão e interesses; portanto, nasce a “conduta desviante” (Dias e Andrade, 1997, p. 48-52; Cuñaro, 1992, p. 27-30).36 35 Idem, p. 76-77. 36 GOMES, Milton Jordão de Freitas Pinheiro. Prisão e ressocialização: um estudo sobre o sistema penitenciário da Bahia. 163f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Católica do Salvador – UCSal: Programa de Pós-Graduação em Ciências da Família. Mestrado em Políticas Sociais e Cidadania. Salvador, 2009. p. 57.
A homogeneidade do sistema escolar e do sistema penal corresponde ao fato de que realizam, essencialmente, a mesma função de reprodução das relações sociais e de manutenção da estrutura vertical da sociedade, criando, em particular, eficazes contra-estímulos à integração dos setores mais baixos e marginalizados do proletariado, ou colocando diretamente em ação processos marginalizadores. Por isso, encontramos no sistema penal, em face dos indivíduos provenientes dos estados sociais mais fracos, os mesmos mecanismos de discriminação presentes no sistema escolar.37
Impende ainda acrescentar neste cenário que o aumento da criminalidade está dessensibilizando a sociedade, encrudescendo os seus os sentimentos em relação ao outro, o que Guilherme Costa Câmara chama de dessolidarização social: Ao mesmo tempo em que a enorme quantidade de violência na mídia reforça artificialmente a aura do crime, também pode nos dessensibilizar para seus efeitos. Ou seja, há sinais bem evidentes de que além de distorcer a percepção da criminalidade real e de provocar uma exacerbação do medo do crime, a hiperdramatização projetada pela mídia, de forma aparentemente paradoxal, tende a gerar sentimentos de insensibilização social deflagrada pela banalização da violência.38
As dificuldades ficam ainda mais evidentes a partir desta primeira análise, que tenta minimamente retratar o perfil da sociedade contemporânea. Isto porque os programas e as ações voltados à ressocialização, em sua maioria, vislumbram a consecução deste fim por meio do trabalho e da educação. Em uma socie37 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal. 6. ed. 2. reimp. Trad. Juarez Cirino dos Santos. Rio de Janeiro: Revan, Instituto Carioca de Criminologia, out. 2011, ago. 2014. p. 175. 38 CÂMARA, Guilherme Costa. Programa de política criminal. Orientado para a vítima do crime. São Paulo: Revista dos Tribunais; Coimbra: Coimbra, 2008. p. 240.
dade altamente competitiva, com altos índices de desemprego, com a necessidade constante de qualificação, beira a utopia crer que o indivíduo, ao deixar o cárcere, seguirá adiante como se o encarceramento fosse apenas uma pausa criada por um ponto de continuação, e não um ponto final.
3.2 Exame dos elementos empíricos Não há um registro público numérico de quantos indivíduos que deixaram o cárcere não voltaram a delinquir e se reinseriram no contexto social, a salvo da pecha da marginalidade, mesmo porque quem passou pela experiência do encarceramento e conseguiu uma nova colocação na sociedade não tem qualquer interesse em ver a sua passagem pelo cárcere relembrada, sob pena de ser novamente execrado pelo escárnio público do seu próprio núcleo comunitário. Por outro lado, há sim dados estatísticos que demonstram a população carcerária no Brasil e no mundo. Segundo os dados apresentados pelo Conselho Nacional de Justiça em junho de 2014, o Brasil possui cerca de 711.463 pessoas presas no sistema penal39, o que lhe garante o 3º lugar no ranking dos países com maior população carcerária, ficando atrás apenas da China e dos Estados Unidos da América. A situação é ainda mais alarmante quando se constata que está havendo um incremento ao longo dos anos nesta população carcerária nacional. No cenário do Estado da Bahia, segundo os dados fornecidos pela Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização – SEAP, até 28 de junho de 2015, havia 12.817 pessoas recolhidas ao cárcere, entre presos provisórios e condenados 39 Confiram-se os dados compilados no arquivo “Novo diagnóstico de pessoas presas no Brasil”, carregado no sítio do CNJ. Disponível em: <http:// www.cnj.jus.br/images/imprensa/pessoas_presas_no_brasil_final.pdf>. Acesso em: 4 jul. 2015.
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Este enfoque marxista é o tom da crítica de Alessandro Baratta, que considera o sistema escolar o primeiro segmento a distinguir e marginalizar dentro da estrutura da sociedade. Afirma:
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definitivos, homens e mulheres40. Estes presos estão acomodados em custódias de delegacias e unidades prisionais da Capital, além das 14 unidades localizadas no interior do Estado. Com efeito, não há novidade na superpopulação dos presídios tanto em âmbito nacional quanto no Estado da Bahia. Por outro lado, também não gera qualquer surpresa o fato de que estes números apenas são lembrados ou questionados pela sociedade em liberdade quando se aventa o custo que representa cada um dos presos no sistema, afora isto, o esquecimento lhes cai bem.
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Existe cerca de 20 empresas parceiras que apoiam os projetos de ressocialização por meio do trabalho no Estado da Bahia, de acordo com o Ministério Público do Estado da Bahia41. O número é inexpressivo diante da grande população que dormita no cárcere. Cabe ainda ressaltar, como já afirmado alhures, que o incentivo que estas empresas têm ao oportunizar o trabalho para esta mão de obra diferenciada é o recebimento de um selo pelo Tribunal de Justiça, conforme a Portaria nº 49 do Conselho Nacional de Justiça.
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Os números ora apresentados indicam que o prognóstico para o futuro se se insistir no mesmo modelo anacrônico e ineficiente da retribuição, sem obtemperar a necessidade de uma nova sistemática onde sejam considerados os novos paradigmas sociais, é ruim. O sistema é fadado ao insucesso e o maior prejudicado com isso é a própria sociedade, que gera um ônus para si. Os presos, ainda que segregados, são parte da sociedade, e, se não sabemos lidar com eles, também não saberemos lidar com 40 Confira-se a planilha estatística da população carcerária no Estado da Bahia. Disponível em: <http://www.seap.ba.gov.br/index.php/populacao-carceraria>. Acesso em: 7 jul. 2015. 41 Dados do Ministério Público do Estado da Bahia. Disponível em: <http:// www.mpba.mp.br/atuacao/cidadania/programas/estadual/direitos/cidadaos.asp>.
o produto das relações que eles estabelecerão. O aumento da violência é apenas a ponta do iceberg de uma sociedade que não se reconhece no outro e não reafirma os valores e direitos que historicamente buscou haver. Sobre o futuro, Gérson Pereira dos Santos já sinalizava: Na ouverture de mais um século (a coincidir com a aurora de um novo milênio), o programa institucional da ciência do direito penal continua sendo elaborado. Não há como ocultar déficits teóricos nas construções dogmáticas. Estas prosseguem entre formulações antigas e critérios novos. Apesar do longo afuroar, perdura uma atmosfera de chiaroscuro [...].
Diante de tantas incertas, uma coisa pode-se esperar: continuar a atribuir à pena a responsabilidade com a reinserção social do preso é andar sobre a prancha.
CONCLUSÃO Beccaria já afirmava: “A prisão não deveria deixar nota alguma de infâmia sobre o acusado cuja inocência foi juridicamente reconhecida”42. Malgrado a preocupação de Beccaria, a prisão nos dias atuais representa uma marca da qual dificilmente o acusado irá se desfazer, mesmo que cumprida na sua integralidade e tenha prestado contas à sociedade. A ressocialização é indefinida e impregnada de imprecisões que dificultam a sua aplicabilidade. É desafiante ressocializar quando não se sabe o quê, para quê e como fazer. Somado a isto, parece no mínimo utópico crer que o sujeito que foi submetido ao cárcere terá ao deixá-lo emprego e educação, como oportunidade para fazer um novo caminho, quando não se oportunizou isto a ele antes do ingresso ao cárcere. Mais ainda, quando não se 42 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. 2. ed. Trad. Paulo M. Oliveira. São Paulo: Edipro, 2015. p. 31.
Certo é que se apresenta uma solução antiga e ultrapassada a um problema ainda mais antigo e conhecido. É inegável a falência do cárcere, mas isto também não significa que não tenha nenhuma utilidade, abraçando o abolicionismo sem medir maiores consequências. Como afirma Alessandro Baratta, “a melhor prisão é aquela que não existe”43, mas a nossa sociedade não está preparada para lidar com o maior direito pelo qual tanto lutou para conquistar: a liberdade. Ter liberdade impõe saber lidar com ela e com os poderes que lhe são inerentes, de modo que se não estamos preparados para agir com a liberdade, as consequências da perda desta não terão as mesmas proporções esperadas pela imposição da segregação. É cediço que a prisão estigmatiza, segmenta, fragiliza e violenta, mas não reintegra. Mesmo com a consciência do problema, andamos em círculos e pecamos na busca de uma solução, talvez porque permanecemos presos no dilema entre a liberdade e o cárcere, sonhando, um dia, quem sabe, compreender e efetivar esta tal de ressocialização.
BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Trad. Mauro Gama e Cláudia Martinelli Gama. Rio de Janeiro: Zahar, 1998. BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. 2. ed. Trad. Paulo M. Oliveira. São Paulo: Edipro, 2015. BRASIL. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/CCIVIL_03/leis/L7210.htm>. Acesso em: 29 jun. 2015. CÂMARA, Guilherme Costa. Programa de política criminal. Orientado para a vítima do crime. São Paulo: Revista dos Tribunais, Coimbra: Coimbra, 2008. COELHO, Yuri Carneiro. Curso de direito penal didático. São Paulo: Atlas, volume único, 2014. DIAS, Fábio Coelho. O sistema penal e o processo de ressocialização brasileiro. Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIII, n. 82, nov. 2010. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8456>. Acesso em: jul. 2015. FOCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 28. ed. Trad. Raquel Ramalhete. Petrópolis: Vozes, 2004. GOMES, Luiz Flávio; MOLINA, Antonio Garcia-Pablos de. Direito penal: parte geral. 2. ed. Coord. Luiz Flávio Gomes e Rogério Sanches Cunha. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 2, 2009.
REFERÊNCIAS
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SANTOS, Gerson Pereira dos. Do passado ao futuro em direito penal. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1991.
43 BARATTA, Alessandro. Ressocialização ou controle social: uma abordagem crítica da “reintegração social” do sentenciado. Disponível em: <http:// www.ceuma.br/portal/wp-content/uploads/2014/06/BIBLIOGRAFIA.pdf>. Acesso em: 3 jul. 2015.
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garantem tais oportunidades a quem nem mesmo nunca passou por esta experiência nefasta.
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Acórdão na Íntegra
Supremo Tribunal Federal 12.04.2016 – Primeira Turma Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo nº 707.866 – Minas Gerais Relator: Ministro Luiz Fux Agte.: MGS – Minas Gerais Siderurgia Ltda. Advs.: Márcio Souza Pires e outro(a/s) Agdo.: Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais – IEF/MG Advs.: Dílson Rodrigues de Souza Junior e outro(a/s) EMENTA AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO – ADMINISTRATIVO – TRANSPORTE DE CARVÃO VEGETAL DE ORIGEM NATIVA – INFRAÇÃO AMBIENTAL – APLICAÇÃO DE MULTA ADMINISTRATIVA – AGRAVO REGIMENTAL QUE NÃO ATACA OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA – SÚMULA Nº 283 DO STF – INCIDÊNCIA – INOVAÇÃO RECURSAL – IMPOSSIBILIDADE – MULTA DO ART. 557, § 2º, DO CPC – APLICABILIDADE – AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Senhor Ministro Marco Aurélio, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade, em negar provimento ao agravo regimental, com imposição de multa, e determinar o trânsito em julgado do acórdão proferido neste julgamento, com baixa imediata dos autos, nos termos do voto do Relator. Brasília, 12 de abril de 2016. Ministro Luiz Fux – Relator Documento assinado digitalmente
RELATÓRIO O Senhor Ministro Luiz Fux (Relator): Trata-se de agravo regimental interposto pela MGS – Minas Gerais Siderurgia Ltda. contra decisão de minha relatoria, assim ementada: “RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO – ADMINISTRATIVO – TRANSPORTE DE CARVÃO VEGETAL DE ORIGEM NATIVA – INFRAÇÃO AMBIENTAL – APLICAÇÃO DE MULTA ADMINISTRATIVA – ANULAÇÃO – MATÉRIA DE ÍNDOLE INFRACONSTITUCIONAL – OFENSA INDIRETA À CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA – SÚMULA Nº 280 DO STF – NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS – IMPOSSIBILIDADE – SÚMULA Nº 279 DO STF – ALEGAÇÃO DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE – SÚMULA Nº 636 DO STF – REPERCUSSÃO GERAL NÃO EXAMINADA EM FACE DE OUTROS FUNDAMENTOS QUE OBSTAM A ADMISSÃO DO APELO EXTREMO – AGRAVO DESPROVIDO.”
Inconformada com a decisão supra, a agravante interpõe o presente recurso, alegando, em síntese: “Nessa esteira, querer atribuir competência ao Decreto nº 44.309/2006, que, ao regulamentar a Lei nº 14.309/2002, criou indevidamente as infrações administrativas, é utopia, e mesmo um disparate ao princípio da legalidade e da reserva legal, visto que não poderia o Decreto enumerar, nem individualizar as condutas e práticas sujeitas às sanções administrativas, uma vez que a própria lei por ele regulamentada não o fez quando devia. Desta forma, claro está que a imposição de sanções ou quaisquer outras restrições aos particulares só podem prevalecer se previstas em lei, em sentido formal, e não em simples decreto. Tal assertiva é inequívoca à luz do princípio da reserva legal contido no art. 5º, II, XLVI e XXXIX, da Constituição Federal, razão pela qual deve ser provido o presente Extraordinário, reconhecendo-se que o Decreto nº 44.309/2006 extrapolou o seu limite regulamentar, violando também o art. 84, IV da Carta Constitucional. O Decreto nº 44.309/2006 que deu suporte ao auto de infração acrescentou exigência em superposição ao previsto em lei federal (Lei nº 4.771/1965), e
É o relatório. VOTO O Senhor Ministro Luiz Fux (Relator): A presente irresignação não merece prosperar. Em que pesem os argumentos expendidos no agravo, resta evidenciado das razões recursais que a agravante não trouxe nenhum argumento capaz de infirmar a decisão hostilizada, razão pela qual deve ela ser mantida, por seus próprios fundamentos. De início, pontuo que é inviável a apreciação da questão atinente à suposta violação ao disposto nos arts. 5º, XXXV e XXXIX, 84, IV, e 93, IX, da Constituição Federal, porquanto a tese constitui inovação, tendo em vista que não foi aduzida em sede de recurso extraordinário. Esta Corte já firmou entendimento no sentido de que é incabível a inovação de argumentos nesta fase processual, mesmo em se tratando de matéria de ordem pública. Nesse sentido, AI 518.051-AgR, Relª Min. Ellen Gracie, 2ª T., DJ de 17.02.2006, com a seguinte ementa: “O prequestionamento é requisito de admissibilidade recursal na via extraordinária, ainda que a questão debatida seja de ordem pública. 2. Além de ser de índole infraconstitucional, constitui inovação à discussão da lide controvérsia relativa à prescrição, não impugnada no apelo extremo. 3. Agravo regimental improvido.”
Demais disso, a decisão agravada consignou que para se chegar a conclusão contrária à adotada pelo acórdão recorrido quanto a legitimidade da multa administrativa decorrente de infração ambiental, seria necessário o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, bem como a análise da legislação infraconstitucional local pertinente, o que atrai a incidência das Súmulas nºs 279 e 280 do STF. Assentou, ainda, que o princípio constitucional da legalidade, quando debatido sob a ótica infraconstitucional, como no caso dos autos, revela violação reflexa e oblíqua da Constituição da República, decorrente da necessidade de análise de malferimento de dispositivo infraconstitucional, o que torna inadmissível o recurso extraordinário, a teor da Súmula nº 636 do STF. Contudo, da análise do presente recurso, verifica-se que a parte recorrente não apresentou quaisquer argumentos destinados a infirmar os fundamentos da decisão impugnada e, ao assim proceder, deixou de atacar razões que, por si só, são suficientes para a manutenção da decisão vergastada. Incide, mutatis mutandis, o enunciado da Súmula nº 283 do STF: “é inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles”. Por oportuno, vale destacar preciosa lição de Roberto Rosas acerca da Súmula nº 283 do STF: “Pontes de Miranda sustentava opinião favorável à admissão do recurso extraordinário com fulcro num dos fundamentos quando a decisão assenta em vários (Comentários ao Código de Processo Civil, 2. ed., t. XII/278). Opiniões contrárias são sustentadas por Lopes da Costa (Direito Processual Civil Brasileiro, 2. ed., v. III/418) e José Afonso da Silva (Do Recurso Extraordinário, p. 201), que inadmitem o recurso nessas condições. A Súmula nº 283 expressa que é inadmissível o recurso extraordinário quando a decisão recorrida tem mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles (RE 65.072, Rel. Min. Amaral Santos,
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até mesmo na lei por ele regulamentada, uma vez que, ao dispor sobre infrações administrativas não previstas nas normas gerais da União, afrontou os princípios constitucionais da concorrência legislativa e da hierarquia das normas, porque a competência para aplicação de multa por infração da Lei (Federal) nº 4.771/1965 – art. 26, é privativa do Juiz Criminal, por se tratar, no caso, de matéria de natureza penal.” (fl. 10 do doc. 8)
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RTJ 53/371; RE 66.768, Rel. Min. Djaci Falcão, RTJ 52/606; RE 60.854, Rel. Min. Barros Monteiro, RTJ 45/855; RE 63.174, Rel. Min. Evandro Lins, RTJ 45/419; RE 79.083, Rel. Min. Rodrigues de Alckmin, RTJ 75/844; RE 79.623, RTJ 75/849; RE 84.077, RTJ 80/906). Aplicável o disposto nesta Súmula (decisão assentada em mais de um fundamento) às decisões do STJ (REsp 16.076; REsp 21.064; REsp 23.026; REsp 29.682). V. Luiz Guilherme Marinoni, Manual do Processo de Conhecimento, Ed. RT, 2001, p. 561.” (Direito sumular. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 140)
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Destaca-se, nesse sentido:
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gamento e a baixa imediata dos autos, independentemente de publicação. É como voto. PRIMEIRA TURMA EXTRATO DE ATA Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo nº 707.866 Proced.: Minas Gerais Relator: Ministro Luiz Fux
“AGRAVO REGIMENTAL – AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA DE TODOS OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA – INVIABILIDADE DO AGRAVO – SÚMULA Nº 283 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Agte.: MGS – Minas Gerais Siderurgia Ltda.
1. Inviável o agravo de instrumento que não ataca todos os fundamentos autônomos da decisão recorrida (Súmula nº 283 do Supremo Tribunal Federal). Agravo não provido.” (AI 489.247-AgR, Relª Min. Cármen Lúcia, 1ª T., DJ de 16.02.2007)
Advs.: Dílson Rodrigues de Souza Junior (58946/MG) e outro(a/s)
Por fim, impende consignar que o agravo regimental revela-se manifestamente incabível, notadamente em função da reiterada rejeição dos argumentos repetidamente expendidos pela parte nas sedes recursais anteriores. Destarte, impõe-se a aplicação da multa prevista no § 2º do art. 557 do Código de Processo Civil, a qual fixo em 1% (um por cento) do valor corrigido da causa (precedentes: AI 552.492-AgR, Rel. Min. Marco Aurélio, 1ª T., DJe de 07.03.2016; ARE 827.024-AgR, Rel. Min. Marco Aurélio, 1ª T., DJe de 25.02.2016; ARE 878.103-AgR, Rel. Min. Marco Aurélio, 1ª T., DJe de 25.02.2016). Ex positis, desprovejo o agravo regimental, aplico à agravante a multa de 1% (um por cento) sobre o valor da causa (art. 557, § 2º, do CPC) e, mercê do intuito protelatório da parte, decreto o imediato trânsito em julgado do acórdão proferido neste jul-
Advs.: Márcio Souza Pires (31069/MG) e outro(a/s) Agdo.: Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais – IEF/MG
Decisão: A Turma negou provimento ao agravo regimental, com imposição de multa, e determinou o trânsito em julgado do acórdão proferido neste julgamento, com a baixa imediata dos autos, nos termos do voto do Relator. Unânime. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Luís Roberto Barroso. Presidência do Senhor Ministro Marco Aurélio. 1ª Turma, 12.04.2016. Presidência do Senhor Ministro Marco Aurélio. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Luiz Fux, Rosa Weber e Edson Fachin. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Luís Roberto Barroso. Subprocurador-Geral da República, Dr. Edson Oliveira de Almeida. Carmen Lilian Oliveira de Souza Secretária da Primeira Turma
Pesquisa Temática
Desapropriação Desapropriação – distrito industrial – construção – utilidade pública – declaração – legalidade “Administrativo. Recurso ordinário em mandado de segurança. Desapropriação. Construção do Distrito Industrial de São João da Barra. Porto do Açu. Legitimidade ativa ad causam. Competência para edição do decreto expropriatório. Direito líquido e certo não demonstrado. 1. Quem possui direito sobre terrenos a serem desapropriados tem legitimidade ativa para impetrar mandado de segurança contra decreto declaratório de utilidade pública para fins de desapropriação. 2. O Governador de Estado tem competência para proceder à desapropriação de bens imóveis do domínio municipal, desde que haja prévia declaração de utilidade pública, devidamente motivada, e o respectivo ato seja precedido de autorização legislativa (Decreto-Lei nº 3.365/1941, arts. 2º, caput e § 2º, e 6º). 3. A prévia aprovação do projeto de implantação do distrito industrial, condição prevista no § 2º do art. 5º do Decreto-Lei nº 3.365/1941, não é necessária à declaração de utilidade pública nem à criação jurídica do distrito industrial, mas, sim, à efetivação da desapropriação, que é o meio pelo qual, efetivamente, o ente expropriante procura transferir o bem imóvel para o seu domínio, conforme esclarece o art. 10 do Decreto-Lei nº 3.365/1941. 4. No caso, não há ilegalidade no Decreto Estadual nº 41.584/2008, o qual declarou de utilidade pública diversos terrenos localizados no Município de São João da Barra com a finalidade de implementação de distrito industrial, por sua vez, criado, juridicamente, pelo Decreto Estadual nº 41.535/2008. 5. Recurso ordinário não provido.” (STJ – RMS 32.092 – (2010/0080981-9) – 1ª T. – Rel. Min. Benedito Gonçalves – DJe 26.10.2015)
Desapropriação – imóvel hipotecado – credor – parcela mínima expropriada – garantia da dívida – recebimento de crédito – impossibilidade “Administrativo. Processual civil. Desapropriação. Imóvel hipotecado. Parcela mínima expropriada. Garantia subsistente. Reexame de provas. Impossibilidade. Súmula nº 7/STJ. 1. O cerne da controvérsia posta a esta Corte reside em definir se o credor hipotecário faz jus ao recebimento de crédito decorrente de desapropriação de parte do imóvel hipotecado. 2. Da leitura dos excertos do acórdão recorrido verifica-se que Tribunal de origem negou provimento ao apelo do ora recorrente com fundamento na premissa de que a desapropriação comprometeu parcela mínima do imóvel hipotecado (5%), o que não afetou a garantia da dívida, porquanto não houve a perda total do imóvel, tampouco de montante que tornasse insuficiente o ônus hipotecário incidente sobre o bem. 3. Assim, para infirmar as conclusões a que chegou o Tribunal de origem, necessário seria o reexame do acervo fático-probatório, o que encontra óbice na Súmula nº 7/STJ. Agravo regimental improvido.” (STJ – AgRg-REsp 1.505.117 – (2014/0327963-4) – 2ª T. – Rel. Min. Humberto Martins – DJe 01.09.2015)
Desapropriação indireta – implantação de rodovia estadual – proprietários após o desapossamento – ilegitimidade ativa “Desapropriação indireta. Implantação de rodovia estadual. SCT-283. Deinfra. Ilegitimidade ativa dos autores. Proprietários que adquiriram o imóvel após o desapossamento. Precedentes. Extinção do feito sem resolução de mérito. Art. 267 do Código de Processo Civil. Proibição do enriquecimento ilícito. Recurso desprovido. Esta 3ª Câmara de Direito Público tem entendimento firmado no sentido de que, adquirido o imóvel pelo autor após o apossamento administrativo, falta-lhe a necessária legitimidade para ajuizar a ação de desapropriação indireta (Apelação Cível nº 2013.069004-3, de Ipumirim, Rel. Des. Stanley da Silva Braga).” (TJSC – AC 2014.082278-4 – Rel. Des. Pedro Manoel Abreu – DJe 06.08.2015)
Desapropriação indireta – loteamento aprovado pelo município – desapossamento – inexistência – indenização indevida “Apelação cível. Administrativo. Pleito de indenização por desapropriação indireta. Loteamento aprovado pelo município. Lote situado em terreno alagadiço e em área de proteção especial. Manancial do Lajeado São José. Notificação emitida pelo município vedando edificação ou ampliação de imóvel já edificado. Autores que permanecem residindo nele. Inexistência
de desapossamento ou esvaziamento completo da utilização econômica do bem. Limitação administrativa. Indenização indevida. Recurso dos autores conhecido e desprovido. Apelo do município e remessa oficial, conhecidos e acolhidos. ‘O simples condicionamento do direito de propriedade, normalmente chamado de limitação administrativa, não gera direito à indenização, pois configura mera restrição de uso, que não implica desapossamento’ (TJSC, AC 2004.014802-0, de Criciúma, Rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, Julgada em 14.12.2004).” (TJSC – AC 2011.075235-4 – Rel. Des. Subst. Júlio César Knoll – DJe 15.10.2015)
Desapropriação – interesse social – criação de reserva extrativista – floresta – exploração comercial – não comprovação – indenização – descabimento “Administrativo. Desapropriação por interesse social. Criação de reserva extrativista. Necessidade de integração do julgado. Exploração comercial da floresta nos lotes expropriados. Inexistência de comprovação. Indenização da cobertura florestal. Descabimento. Ausente a comprovação de exploração comercial da madeira proveniente da cobertura florestal das áreas 1 e 3 do imóvel desapropriado, descabida a indenização da cobertura vegetal dessas áreas.” (TRF 4ª R. – Ap-RN 2001.04.01.065944-8/SC – 4ª T. – Rel. Des. Fed. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle – DJe 12.03.2015)
Desapropriação – laudo oficial e perícia do assistente técnico – divergência – imprestabilidade – novo laudo – produção “Administrativo. Parque Nacional do Jurema. Desapropriação indireta. Divergência entre o laudo oficial e a perícia do assistente técnico do Icmbio. Valores discrepantes. Imprestabilidade de ambos. Nulidade da sentença. Produção de novo laudo. 1. Hipótese em os laudos apresentados não se prestam à definição de valor que atenda ao parâmetro constitucionalmente exigido, fazendo-se necessário que a matéria seja submetida a nova análise técnica por parte de profissional apto a avaliar as disparidades encontradas e produzir novo laudo pericial conclusivo. 2. O perito do juízo, mesmo adotando metodologia compatível com a norma em vigor, falhou na caracterização da propriedade e na escolha das amostras – As quais não guardam as mesmas características de localização e exploração econômica do imóvel em questão – Resultando em apuração que não representa o preço de mercado. 3. Sentença anulada de ofício. Retorno dos autos ao Juízo de origem para realização de nova prova técnica. 4. Remessa oficial e apelações prejudicadas.” (TRF 1ª R. – Ap-RN 0005579-09.2006.4.01.3603 – Rel. Des. Fed. Ney Bello – DJe 09.01.2015)
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Desapropriação – reforma agrária – requisitos – ausência – produtividade – reconhecimento
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“Administrativo. Reforma agrária. Desapropriação. Decreto expropriatório anulado. Ausência dos requisitos para a desapropriação. Reconhecida a produtividade. 1. Propôs o Incra a ação para fins de desapropriar o imóvel ‘Fazenda Independência’ e imitir-se liminarmente na posse do mesmo, com base no Decreto Expropriatório de 31.03.2004, publicado no Diário Oficial de 01.04.2004, onde fora declarado pelo Excelentíssimo Senhor Presidente da República, o interesse social para fins de reforma agrária sobre o referido imóvel rural. A Magistrada a quo, por força da prova pericial produzida nas ações anulatórias em apenso, concluiu que o imóvel caracteriza-se como grande propriedade rural produtiva, de forma que é insuscetível de ser desapropriada para fins de reforma agrária, razão pela qual declarou a nulidade do decreto expropriatória nas demandas em apenso e julgou improcedente o pedido de desapropriação formulado pela Autarquia nesta demanda. O Incra se insurge quanto à metodologia para a determinação do tamanho da propriedade e pretende que seja desconsiderado o contrato de parceria que elevou os índices de produtividade do imóvel. 2. Pretende o Incra rediscutir, através deste recurso, matéria própria das ações anulatórias em apenso, cujas sentenças anularam o decreto expropriatório e foram confirmadas, nesta mesma pauta de julgamento. A regularidade do laudo produzido pelo Incra, que embasou o procedimento de expropriação, foi examinada nos autos das ações anulatórias em apenso, em detalhe, onde foram revistos todos os argumentos que ora se reapresentam. 3. Da simples leitura dos fundamentos da sentença, verifica-se que as razões do Incra em relação à base de cálculo usada para determinar o tamanho da propriedade, sequer deveriam ser conhecidas, eis que neste ponto, a sentença acolheu os argumentos da Autarquia, concluindo que é a integralidade da área que deve ser considerada para esse fim. A decisão encontra-se em consonância com a jurisprudência do STF e do STJ: RE 603862-AgR, Relator(a): Min. Luiz Fux, 1ª T., Julgado em 27.11.2012, Processo Eletrônico DJe-242, Divulg. 10.12.2012, Public. 11.12.2012, RB v. 25, n. 590, 2013, p. 62-64; REsp 1161517/ GO, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª T., Julgado em 18.09.2012, DJe 24.09.2012. 4. O Incra deixou de incluir nos cálculos da produtividade o contrato de parceria pecuária, ao entendimento de que as pastagens eram incompatíveis com o número de animais e que inexistiam outros documentos indicando a sua execução. O perito Judicial deixou evidente a boa qualidade das pastagens e a ausência de prova concreta quanto à inexecução do contrato de parceria. Deixou claro, ainda, que ao tempo em que realizada a perícia, o número de animais era ainda maior, a indicar que o contrato se mantinha em execução e deveria ser considerado. 5. O laudo pericial produzido na ação anulatória em apenso evidencia que o índice GEE da Fazenda à época do laudo do Incra era de 111% e o GUT de 117%, ambos superiores aos previstos em lei, não havendo que se falar em improdutividade. Ausente, portanto, um dos requisitos legais que respaldam a desapropriação. 6. O direito à propriedade está consagrado na Constituição Federal em seu art. 5º, XXII e a desapropriação por interesse social configura-se como exceção e para ser confirmada, é necessário que esteja inequivocamente comprovada a existência dos requisitos legais. Anulado o decreto expropriatório, nas ações em apenso, não há que se falar em desapropriação. 7. Recurso e remessa necessária desprovidos.” (TRF 2ª R. – Ap-RN 2004.50.02.001223-9 – 5ª T.Esp. – Rel. Des. Fed. Marcus Abraham – DJe 24.04.2015)
Desapropriação – utilidade pública – aeroporto – ampliação de área – termo de cooperação – União – imissão na posse – determinação “Processual civil. Administrativo. Desapropriação. Utilidade pública. Aeroporto de Viracopos. Termo de cooperação. Adjudicação. Imissão na posse. União. 1. O Município de Campinas e a Infraero celebraram termos de cooperação para ampliação da área destinada à ampliação do Aeroporto Internacional de Viracopos. Ao final do procedimento ou da ação judicial, restou previsto que todas as áreas seriam incorporadas ao patrimônio da União. 2. O MM. Juízo a quo homologou o acordo celebrado entre as partes em ação de desapropriação e determinou a incorporação do bem ao patrimônio da União, bem como sua imissão na posse do imóvel. 3. A sentença não merece reforma. O imóvel desapropriado deve ser incorporado ao patrimônio da União, por se tratar de bem público federal. Eventual transmissão da posse à Infraero deve ocorrer em âmbito administrativo, nos termos do Decreto-Lei nº 9.760/1946 e da Lei nº 9.636/1998 (TRF 3ª R., AC 00054804020094036105, Rel. Des. Fed. Cotrim Guimarães, J. 12.08.2014; AC 00059559320094036105, Rel. Des. Fed. José Lunardelli, J. 27.11.2012). 4. Apelação não provida.” (TRF 3ª R. – AC 0005670-03.2009.4.03.6105/SP – 5ª T. – Rel. Des. Fed. André Nekatschalow – DJe 04.05.2015)
Desapropriação – utilidade pública – avaliação judicial – indenização “Administrativo. Agravo regimental no agravo em recurso especial. Desapropriação por utilidade pública. Valor da indenização contemporâneo à data da avaliação. Jurisprudência pacífica. Súmula nº 83/STJ. Justa indenização. Súmula nº 7/STJ. Alegado longo lapso temporal entre a imissão na posse e a elaboração do laudo pericial. Tese não prequestionada. Súmula nº 211 do STJ. Agravo regimental improvido. I – É firme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que ‘a inteligência do art. 26 do Decreto-Lei nº 3.365/1941 estabelece regra segundo a qual o valor da indenização por desapropriação deve ser contemporâneo à avaliação judicial, independentemente da data do decreto expropriatório, da imissão na posse pelo ente expropriante ou da sua vistoria’ (STJ, AgRg-REsp 1.405.295/RN, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., DJe de 11.02.2014). No mesmo sentido: STJ, AgRg-AREsp 172.450/PE, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª T., DJe de 27.05.2014; STJ, AgRg-REsp 1.452.039/CE, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., DJe de 16.09.2014. STJ, AgRg-AREsp 444.748/CE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., DJe de 25.02.2014. II – Ademais, infirmar os fundamentos do acórdão recorrido, no sentido de que o valor encontrado pelo perito judicial é o que melhor reflete o princípio da justa indenização, pela expropriação do imóvel de propriedade do ora agravado, demandaria o reexame de matéria fática, o que é vedado, em Recurso Especial, nos termos da Súmula nº 7/STJ. III – No que tange à tese defendida pelo agravante – no sentido de que o lapso temporal entre o início da expropriação e a elaboração do laudo pericial poderia, excepcionalmente, mitigar a regra geral de que o valor da indenização deve ser contemporâneo à avaliação judicial -, não foi apreciada, no voto condutor do acórdão recorrido, sequer de modo implícito, o que atrai o óbice da Súmula nº 211/STJ. IV – Agravo Regimental improvido.” (STJ – AgRg-REsp 1.410.877 – (2013/0346672-0) – 2ª T. – Relª Min. Assusete Magalhães – DJe 25.03.2015)
“Processual civil e administrativo. Ação de desapropriação por utilidade pública. Divergência entre a área registrada e a planimetrada do imóvel. Levantamento da indenização. 1. Cuida-se de Ação de Desapropriação proposta pela Companhia do Metropolitano de São Paulo – Metrô contra Mario Kukuhara, visando a desapropriar imóvel urbano situado à Avenida Professor Francisco Morato, no Município de São Paulo/SP. Conforme o levantamento topográfico, o imóvel desapropriado possui área real de 422,52m²; porém, o expropriado possui a titularidade de apenas 410,00m². 2. Havendo divergência entre a área registrada e a medida, o expropriado somente poderá levantar o valor da indenização correspondente à registrada. O depósito indenizatório relativo ao espaço remanescente ficará retido em juízo até que o expropriado promova a retificação do registro ou seja decidida, em ação própria, a titularidade do domínio (art. 34 do DL 3.365/1941). Precedentes do STJ: REsp 1.286.886/MT, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., DJe 22.05.2014; REsp 1.321.842/PE, Relª Min. Eliana Calmon, 2ª T., DJe 24.10.2013; REsp 596.300/SP, Rel. Min. Castro Meira, 2ª T., DJe 22.04.2008; REsp 841.001/BA, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª T., DJ 12.12.2007. 3. Agravo Regimental não provido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 382.569 – (2013/0257860-0) – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 11.02.2015)
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Desapropriação – utilidade pública – imóvel – área registrada e área planimetrada – divergência – indenização – espaço remanescente – retenção – necessidade
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Jurisprudência Comentada
A Independência Funcional dos Membros do Ministério Público RÔMULO DE ANDRADE MOREIRA Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia, Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador – Unifacs, na Graduação e na Pós-Graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público), Pós-Graduado, Lato Sensu, pela Universidade de Salamanca/ Espanha (Direito Processual Penal), Especialista em Processo pela Universidade
Salvador – Unifacs (Curso então coordenado pelo Jurista J. J. Calmon de Passos), Membro da Association Internationale de Droit Penal, da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais, do Instituto Brasileiro de Direito Processual e Membro-Fundador do Instituto Baiano de Direito Processual Penal (atualmente exercendo a função de Secretário), Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Integrante, por quatro vezes, de bancas examinadoras de concurso público para ingresso na carreira do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor convidado dos Cursos de Pós-Graduação dos Cursos JusPodivm (BA), FUFBa e Faculdade Baiana. Autor das obras Curso Temático de Direito Processual Penal e Comentários à Lei Maria da Penha (em coautoria com Issac Guimarães), (2010, Curitiba); A Prisão Processual, a Fiança, a Liberdade Provisória e as demais Medidas Cautelares (2011), Juizados Especiais Criminais – O Procedimento Sumaríssimo (2013) e A Nova Lei de Organização Criminosa (Porto Alegre), além de coordenador do livro Leituras Complementares de Direito Processual Penal (2008). Participante em várias obras coletivas. Palestrante em diversos eventos realizados no Brasil.
Só, na verdade, quem pensa certo, mesmo que, às vezes, pense errado, é quem pode ensinar a pensar certo. E uma das condições necessárias a pensar certo é não estarmos demasiado certos de nossas certezas. Por isso é que o pensar certo, ao lado sempre da pureza e necessariamente distante do puritanismo, rigorosamente ético e gerador de boniteza, me parece inconciliável com a desvergonha da arrogância de quem se acha cheia ou cheio de si mesmo.1
Foi suspenso na 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal o julgamento do Inquérito nº 3275, no qual um Deputado Federal é acusado da prática dos crimes de contrabando de combustíveis e de exposição a perigo de explosão. Depois do voto do Relator, Ministro Marco Aurélio, pelo recebimento da denúncia, pediu vista o Ministro Luiz Fux. O Procurador-Geral da República manifestou-se pela rejeição da denúncia por inépcia, atipicidade e ausência de demonstração de relação entre o acusado e os fatos. Ao votar pelo recebimento da denúncia, o Relator também 1 FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. 35. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2007. p. 28.
Ora, nada mais natural, caros Ministros, ou nunca leram o art. 127 da Constituição Federal? Já não era sem tempo, caras-pálidas? Para começar, lembremos que mesmo o vetusto art. 28 do Código de Processo Penal (que remonta ao Estado Novo, ao Codice Rocco, a Mussolini, a Vincenzo Manzini, a Francisco Campos, etc.) respeitou, por incrível que pareça, a autonomia funcional do membro do Ministério Público, ao estabelecer: “Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento de inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender” (grifo nosso). Assim, enviada a peça de informação ao Procurador-Geral e este, discordando do pedido de arquivamento formulado pelo
representante do Ministério Público, não oferecer ele próprio a denúncia, deverá remeter os autos ao 1º substituto do Promotor de Justiça (ou Procurador da República) que requereu o arquivamento. Neste caso, pergunta-se: este segundo órgão do Parquet está obrigado a denunciar diante da conclusão do chefe do Parquet? Ou seja, é possível que ele se recuse ou deva fazê-lo obrigatoriamente, agindo por delegação? Entendemos que a recusa é legítima e justificamos nosso posicionamento à luz de dois princípios basilares da Instituição: a independência e a autonomia funcionais, ambos consagrados no art. 127, §§ 1º e 2º da Constituição Federal, advertindo-se, desde logo, que a “autonomia funcional atinge o Ministério Público enquanto instituição, e a cada um dos seus membros, enquanto agentes políticos”2. A propósito, vejamos a lição de Bento de Faria: O Ministério Público, como fiel fiscal da lei, não poderia ficar constrangido a abdicar das suas convicções, quando devidamente justificadas. Do contrário seria um instrumento servil da vontade alheia.3 2 MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime jurídico do ministério público. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 94. A propósito, vejamos este pensamento do ilustre Promotor de Justiça e jurista, Cândido Furtado Maia Neto: “O Promotor de Justiça é por excelência o advogado da sociedade, não mais o algoz do Tribunal da Inquisição ou aquele acusador cego de outrora, bitolado e intransigente, pois hoje atua em base ao princípio da racionalidade, vez que detêm independência e amplos poderes para ex officio impetrar habeas corpus em favor do ius libertatis, solicitar absolvição e deliberar pelo arquivamento das causas injustas, tudo em nome do Estado Democrático para a prevalência das garantias fundamentais indisponíveis, indeclináveis, inalienáveis, inderrogáveis e naturais da cidadania, com a atribuição funcional de exigir a correta aplicação da lei ante as cláusulas vigentes dos deveres humanos em base as responsabilidades sociais e a tutela dos direitos humanos” (encaminhado via e-mail no dia 27 de abril de 2009). 3 Código de processo penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Record, v. I, 1960. p. 120.
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apontou a existência de contradição na atuação do Ministério Público, que apresentou a denúncia por prática de crimes e mais tarde seguinte manifestou-se pela sua rejeição. “Eis um descompasso indesejável, a contrariar a impessoalidade e indivisibilidade próprias ao Ministério Público Federal”, afirmou o Ministro Marco Aurélio. O Relator sustentou que a denúncia atende aos requisitos legais e possui evidências de que a conduta pode ser atribuída ao acusado, e se enquadra nos tipos penais apontados. Em seu pedido de vista, o Ministro Luiz Fux destacou seu interesse em se pronunciar a respeito da possibilidade de o Ministério Público alterar sua posição quanto ao inquérito. “Isso talvez seja importante que se aprofunde, porque não é a primeira vez que há dissonância entre manifestações de representantes do Ministério Público.”
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Este nosso entendimento procura conciliar os interesses da Instituição, que induvidosamente é hierarquizada, com os princípios constitucionais garantidos aos seus membros, lembrando-nos da lição de Paulo Cláudio Tovo, segundo a qual “a independência do Ministério Público deve ser preservada como algo precioso à segurança de todos”4, inclusive, acrescentamos nós, a independência de cada um de seus integrantes.
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Não se diga que adotando este ponto de vista poderíamos chegar a um impasse, caso o 2º e 3º substitutos (e a incumbência deve recair sempre nos respectivos substitutos, preservando-se o princípio do Promotor Natural) também não aceitassem o entendimento do Procurador-Geral; neste caso, o próprio Procurador-Geral ofereceria a denúncia, iniciando-se a ação penal e tornando-a, inclusive, indisponível, na forma do art. 42 do Código de Processo Penal.
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Também não se argumente que, mutatis mutandis, quando o Tribunal de Justiça decide um conflito negativo de competência, o Juiz de Direito não pode se negar a exercer a sua jurisdição, ainda que, a princípio, deu-se por incompetente. Neste caso, recorre-se ao princípio da indeclinabilidade da jurisdição, segundo o qual não pode o Magistrado, de regra, furtar-se ao exercício do seu munus jurisdicional. A jurisdição, já dizia Frederico Marques, é indeclinável, pois: Nenhum juiz pode ser retirado do processo e julgamento de uma causa, nem mesmo por seus superiores hierárquicos. E tampouco lhe cabe declinar do exercício da função jurisdicional em determinado feito, como é óbvio, salvo em casos especiais, de afastamento do cargo, para gozo 4 Apontamentos e guia prático sobre a denúncia no processo penal brasileiro. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1986. p. 26.
de férias ou para entrar em licença, ou então quando está legalmente impedido, ou tiver de jurar suspeição.5
Assim pensando, procuramos consagrar a independência funcional do respectivo membro do Ministério Público sem haver afronta à figura do chefe da instituição. Roberto Lyra já afirmava que “nem o Procurador-Geral, investido de ascendência hierárquica, tem o direito de violentar, por qualquer forma, a consciência do Promotor Público, impondo os seus pontos de vista e as suas opiniões, além do terreno técnico ou administrativo”. Para este autor (que dedicou toda a sua vida ao estudo do Direito Criminal e ao Ministério Público, a ponto de ser chamado por Evandro Lins e Silva de o “Príncipe dos Promotores Públicos brasileiros”) “quanto ao elemento intrínseco, subjetivo, dos atos oficiais, na complexidade, na sutileza, na variedade de seus desdobramentos, como a apreciação da prova, para a denúncia, a pronúncia, o pedido de condenação, a apelação, a liberdade provisória ou a prisão preventiva, é na sua consciência livre e esclarecida, elevada a um plano inacessível a quaisquer injunções ou tendências, que o Promotor Público encontra inspiração”, concluindo “que a disciplina do Ministério Público está afeta ao Procurador-Geral. No entanto, esse não intervem na consciência do subordinado”6. Desde há muito, Esmeraldino Bandeira já escrevia que o Promotor de Justiça na “sua palavra é absolutamente livre e independente, e em suas requisições não atende senão à sua consciência”7. 5 Instituições de direito processual civil. Campinas: Millenium, v. I, 2000. p. 278. 6 Teoria e prática da promotoria pública. 2. ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1989. p. 158. 7 Idem, p. 160.
Ainda a propósito, certa vez um antigo Promotor de Justiça do Distrito Federal, Dr. Murillo Fontainha, ao recusar determinação do Procurador-Geral de oferecer denúncia em um caso, escreveu:
Dentro da esfera das suas atribuições, cada membro do Ministério Público tem independência de movimentos para requerer diligência, para denunciar ou pedir arquivamento inicial de processos, para opinar, a favor ou contra o réu, para recorrer ou não, para expor certos argumentos, de preferência a outros.9
Diante do exposto, é óbvio que dois membros do Ministério Público podem (e devem, se for o caso) pensar diferente, sem que se ofenda a indivisibilidade da Instituição. Mesmo porque, como diria Joãozinho, “indivisibilidade no olho dos outros é refresco”. Encerremos, então, com mais esta lição de Lyra: Decairia de sua própria independência moral o Promotor Público se ficasse sujeito, em matéria opinativa, às injunções, quer dos juizes, quer dos chefes, esses funcionários da confiança do Governo. Ocorreria ainda o perigo de, indiretamente, submeter-se o Promotor Público ao arbítrio oficial no desempenho de uma tarefa de sutilíssima subjetividade. (p. 176)
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No exercício das suas elevadas funções, o Ministério Público “só recebe instruções da sua consciência e da lei” (Sentença do saudoso Magistrado Raul Martins, D. Oficial de 10 de outubro de 1914, p. 10.844) e “as ordens que o Chefe do Ministério Público tem o direito de impor aos seus inferiores são ordens que não afetem à consciência dos mesmos. E o Promotor, que fugindo aos impulsos da sua convicção, deixar-se sugestionar pelas imposições extrínsecas, é um que homem ultraja à sua consciência e um Magistrado que prostitui a lei. Vê, pois, V. Exª., que nas funções em que entra a convicção do Promotor, como elemento principal, a ordem do Chefe do Ministério Público não pode ter o caráter de preceito imperativo obrigatório” (Auto Fontes, Questões Criminais, p. 75-6). [...] Todas essas explanações evidenciam que nas hipóteses em que o Ministério Público tem que opinar da sua conduta no caso que lhe for concluso, quer de oportunidade ou cabimento de recurso legal a interpor, quer de apreciação sobre elementos para denúncias ou arquivamento de processos, só deve receber instruções da sua íntima convicção, de sua consciência. Nessa esfera, as instruções do Chefe do Ministério Público não podem penetrar, porque é a própria lei em vigor que o diz quando terminantemente dispõe que incumbe aos Promotores Públicos oferecer denúncia quando se convençam da existência de crimes de sua competência.8
Jorge Americano, por sua vez, pontuava:
8 Idem, p. 164.
9 Idem, p. 166.
82
Medidas Provisórias
Medida Provisória nº 752, de 24.11.2016 Dispõe sobre diretrizes gerais para a prorrogação e a relicitação dos contratos de parceria que especifica e dá outras providências. (DOU de 25.11.2016)
Medida Provisória nº 751, de 09.11.2016 Cria o Programa Cartão Reforma e dá outras providências. (DOU de 10.11.2016)
Medida Provisória nº 750, de 01.11.2016 Abre crédito extraordinário, em favor da Câmara dos Deputados, do Superior Tribunal de Justiça, da Justiça Federal, da Justiça Militar da União, da Justiça do Trabalho e da Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, no valor de R$ 82.562.979,00, para os fins que especifica. (DOU de 03.11.2016)
Nota: Prezado assinante, todas as normas selecionadas, inclusive medidas provisórias, podem ser consultadas em nosso endereço eletrônico www.sintese.com. 2.186-16, DE 23.08.2001
Patrimônio Genético. Diversidade Biológica
2.187-13, DE 24.08.2001
Previdência Social. Alteração na Legislação
2.189-49, DE 23.08.2001
IR. Alteração na Legislação
2.190-34, DE 23.08.2001
Vigilância Sanitária. Alteração da Lei nº 9.782/1999
2.192-70, DE 24.08.2001
Proes. Bancos Estaduais
2.196-3, DE 24.08.2001
Instituições Financeiras Federais. Recuperação. Empresa Gestora de Ativos – Emgea
2.197-43, DE 24.08.2001
SFH. Disposições
2.198-5, DE 24.08.2001
Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica
2.199-14, DE 24.08.2001
IR. Incentivos Fiscais
2.200-2, DE 24.08.2001
Infraestrutura de Chaves Públicas. ICP-Brasil
2.206-1, DE 06.09.2001
Programa Nacional de Renda Mínima
2.208, DE 17.08.2001
Estudante Menor de 18 Anos. Comprovação
2.209, DE 29.08.2001
Comercializadora Brasileira de Energia Elétrica – CBEE
2.210, DE 29.08.2001
Orçamento. Crédito Extraordinário
2.211, DE 29.08.2001
Orçamento 2001 e 2002. Diretrizes
2.213-1, DE 30.08.2001
Programa Bolsa-Renda. Estiagem
2.214, DE 31.08.2001
Administração Pública Federal. Recursos
Planos de Saúde. Alteração da Lei nº 9.656/1998
2.215-10, DE 31.08.2001
Militares das Forças Armadas. Reestruturação da Remuneração
Programa Nacional de Alimentação Escolar. Dinheiro Direto na Escola
2.220, DE 04.09.2001
Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano – CNDU
2.224, DE 04.09.2001
Capitais Brasileiros no Exterior
2.179-36, DE 24.08.2001
União e Banco Central. Relações Financeiras
2.225-45, DE 04.09.2001
2.180-35, DE 24.08.2001
Advocacia-Geral da União. Alteração na Legislação
Servidor Público. Tráfico de Entorpecentes. Alteração das Leis nºs 6.368/1976 e 8.112/1990
2.181-45, DE 24.08.2001
Operações Financeiras do Tesouro Nacional
2.226, DE 04.09.2001
Alteração da CLT
2.183-56, DE 24.08.2001
Reforma Agrária. Alteração na Legislação
2.227, DE 04.09.2001
Plano Real. Correção Monetária. Exceção
2.184-23, DE 24.08.2001
Carreira Policial. Gratificação
2.228-1, DE 06.09.2001
2.185-35, DE 24.08.2001
Dívida Pública Mobiliária. Consolidação. Assunção. Refinanciamento
Cultura. Política Nacional do Cinema – Ancine. Prodecine. Funcines
2.229-43, DE 06.09.2001
Policiais Civis da União e DF. Alteração na legislação
2 .156-5, DE 24.08.2001
Agência de Desenvolvimento do Nordeste – Adene
2.157-5, DE 24.08.2001
Agência de Desenvolvimento da Amazônia – ADA
2.158-35, DE 24.08.2001
Cofins, PIS/Pasep e IR. Alteração na Legislação
2.159-70, DE 24.08.2001
IR. Alteração na Legislação
2.161-35, DE 23.08.2001
Programa Nacional de Desestatização. Alteração da Lei nº 9.491/1997
2.162-72, DE 23.08.2001
Notas do Tesouro Nacional – NTN
2.163-41, DE 23.08.2001
Meio Ambiente. Alteração da Lei nº 9.605/1998
2.164-41, DE 24.08.2001
Alteração da CLT. Trabalho a Tempo Parcial e PAT
2.165-36, DE 23.08.2001
Servidor Público e Militar. Auxílio-Transporte
2.166-67, DE 24.08.2001
Código Florestal. Alteração da Lei nº 4.771/1965
2.167-53, DE 23.08.2001
Recebimento de Valores Mobiliários pela União
2.168-40, DE 24.08.2001
Cooperativas. Recoop. Sescoop
2.169-43, DE 24.08.2001
Servidor Público. Vantagem de 28,86%
2.170-36, DE 23.08.2001
Tesouro Nacional. Administração de Recursos
2.172-32, DE 23.08.2001
Usura. Agiotagem
2.173-24, DE 23.08.2001
Anuidades Escolares
2.174-28, DE 24.08.2001
União. Programa de Desligamento Voluntário – PDV
2.177-44, DE 24.08.2001 2.178-36, DE 24.08.2001
Nota: Prezado assinante, todas as normas selecionadas, inclusive as medidas provisórias, podem ser consultadas em nosso endereço eletrônico www.sintese.com. MP 744 744 746 746 746 747 748 751 2.156-5 2.156-5 2.156-5 2.156-5
DOU 02.09.2016 02.09.2016 23.09.2016-extra 23.09.2016-extra 23.09.2016-extra 03.10.2016 13.10.2016 25.11.2016 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001
ART 1º 2º 1º 2º 14 1º 1º 20 32 32 32 32
NORMA LEGAL Lei nº 11.652/2008 Lei nº 11.652/2008 Lei nº 9.394/1996 Lei nº 11.494/2007 Lei nº 11.494/2007 Lei nº 5785/1972 Lei nº 12.587/2012 Lei nº 10.233/2001 DL 1.376/74 DL 2.397/87 Lei nº 8.034/90 Lei nº 9.532/97
ALTERAÇÃO 12, 13, 18, 19 e 20 8º, 15, 16 e 17 24, 26, 36, 44, 61 e 62 10 4º 24 34-A 1º e 11 12 1º 2º
MP 2.157-5 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35
DOU 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001
ART 32 2º e 93 3º e 93 10 e 93 19 e 93 34 e 75 64 69 70 72 73 73 e 93
NORMA LEGAL DL 1.376/74 Lei nº 9.718/98 Lei nº 9.701/98 Lei nº 9.779/99 Lei nº 9.715/98 Lei nº 9.532/97 D nº 70.235/72 DL 1.455/76 Lei nº 9.430/96 Lei nº 8.218/91 Lei nº 9.317/96 Lei nº 9.317/96
ALTERAÇÃO 1º 3º e 8º 1º 14 e 17 2º e 4º 1º e 64-A 1º, 25 e 64-A 1º, 9º, 10, 16, 18, 19 e 64-A 63 11 e 12 1º e 64-A 9º e 15
Dezembro/2016 – Ed. 237
Normas do Juris SÍNTESE atingidas pelas Medidas Provisórias em vigor (até 30.09.2016)
84
MP 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.161-35 2.162-72 2.163-41 2.164-41
Dezembro/2016 – Ed. 237
ART 75 82 93 93 93 93 93 93 1º e 6º 6º 1º 7º e 8º
NORMA LEGAL Lei nº 9.532/97 Lei nº 8.981/95 Lei nº 9.432/97 LC 70/91 LC 85/96 Lei nº 7.714/88 Lei nº 9.004/95 Lei nº 9.493/97 Lei nº 9.491/97 Lei nº 9.094/95 Lei nº 9.605/98 Lei nº 7.998/90
2.164-41
27.08.2001
1º e 2º
CLT
2.164-41 2.164-41 2.164-41 2.164-41 2.164-41 2.164-41 2.165-36 2.165-36 2.166-67
27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 25.08.2001-extra
3º 4º 5º 6º 9º 10 13 13 1º
Lei nº 4.923/65 Lei nº 5.889/73 Lei nº 6.321/76 Lei nº 6.494/77 Lei nº 8.036/90 Lei nº 9.601/98 Lei nº 7.418/85 Lei nº 8.627/93 Lei nº 4.771/65
2.166-67 2.167-53 2.168-40 2.168-40 2.168-40 2.170-36 2.172-32 2.173-24 2.177-44
85
DOU 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 27.08.2001
2.178-36 2.178-36 2.180-35 2.180-35 2.180-35 2.180-35 2.180-35 2.180-35 2.180-35 2.180-35
25.08.2001 24.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 27.08.2001
25.08.2001-extra 25.08.2001-extra 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001
3º 2º e 3º 13 14 18 8º 7º 1º e 2º 1º e 8º
16 32 1º 4º 6º 7º 8º 10 14 21
Lei nº 9.393/96 Lei nº 9.619/98 Lei nº 5.764/71 Lei nº 9.138/95 Lei nº 10.186/01 Lei nº 8.212/91 Lei nº 1.521/51 Lei nº 9.870/99 Lei nº 9.656/98
Lei nº 9.533/97 Lei nº 8.913/97 Lei nº 8.437/92 Lei nº 9.494/97 Lei nº 7.347/85 Lei nº 8.429/92 Lei nº 9.704/98 CPC Lei nº 4.348/64 Lei nº 10.257/01
ALTERAÇÃO 1º, 15 e 64-A 29 11 6º e 7º Revogada 5º Revogada 7º 2º, 4º, 5º, 6º e 30 2º 79-A 2º, 2º-A, 2º-B, 3º-A, 7º-A, 8º-A, 8º-B e 8º-C 58-A, 59, 130-A, 143, 476-A, 627-A, 643 e 652 1º 18 2º 1º 19-A, 20, 29-C e 29-D 2º 1º 6º 1º, 3º-A, 4º, 14, 16, 37-A, 44, 44-A, 44-B e 44-C 10 1º e 4º-A 88 2º 7º 60 4º, § 3º 1º e 6º 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 24-A, 24-B, 24-C, 24-D, 25, 26, 27, 28, 29, 29-A, 30, 31, 32, 34, 35, 35-A, 35-B, 35-C, 35-D, 35-E, 35-F, 35-G, 35-H e 35-I 4º Revogada 1º e 4º 1º-A, 1º-B (CPC e CLT), 1º-C, 1º-D, 1ºE, 1º-F, 2º-A e 2º-B 1º e 2º 17 1º 741 4º 53
MP
DOU
ART
NORMA LEGAL
ALTERAÇÃO
2.181-45
27.08.2001
45
Lei nº 8.177/91
18
2.181-45
27.08.2001
46
Lei nº 9.365/96
6º
2.181-45
27.08.2001
52
Lei nº 10.150/00
1º
2.183-56
27.08.2001
1º
DL 3.365/41
10, 15-A, 15-B e 27
2.183-56
27.08.2001
3º
Lei nº 8.177/91
5º
2.183-56
27.08.2001
4º
Lei nº 8.629/93
2º, 2º-A, 5º, 6º, 7º, 11, 12, 17, 18 e 26-A
2.187-13
27.08.2001
2º
Lei nº 6.015/73
80
2.187-13
27.08.2001
3º e 16
Lei nº 8.212/91
38, 55, 56, 68, 101 e 102
2.187-13
27.08.2001
4º e 16
Lei nº 8.213/91
41, 95, 96, 134, 144, 145, 146 e 147
2.187-13
27.08.2001
7º
Lei nº 9.639/98
1º, 2º e 5º
2.187-13
27.08.2001
16
Lei nº 9.711/98
7º, 8º, 9º, 12, 13, 14, 15, 16 e 17
2.189-49
24.08.2001
10
Lei nº 9.532/97
6º, II, 34 e 82, II, f
2.189-49
24.08.2001
11
Lei nº 9.250/95
10 e 25
2.189-49
24.08.2001
13
Lei nº 9.430/96
79
2.189-49
24.08.2001
14
Lei nº 9.317/96
9º
2.190-34
24.08.2001
7º e 8º
Lei nº 9.294/96
2º, 3º e 7º
2.192-70
25.08.2001-extra
23
Lei nº 9.496/97
1º, 3º, 6º, 7º-A e 7º-B
2.196-3
25.08.2001
12
Lei nº 8.036/90
9º
2.196-3
25.08.2001
14
Lei nº 7.827/89
9º-A
2.197-43
27.08.2001
3º e 8º
Lei nº 8.692/93
23 e 25
2.197-43
27.08.2001
4º e 8º
Lei nº 4.380/64
9º, 14 e 18
2.197-43
27.08.2001
5º
Lei nº 8.036/90
9º, 20, 23, 29-A e 29-B
2.199-14
27.08.2001
18
Lei nº 9.532/97
4º
2.211
30.08.2001
1º
Lei nº 9.995/00
35 e 70
2.211
30.08.2001
2º
Lei nº 10.266/01
18, 34, 38 e 51
2.214
01.09.2001-extra
1º
Lei nº 10.261/01
1º
2.215-10
01.09.2001
41
Lei nº 8.448/92
6º
2.215-10
01.09.2001
41
Lei nº 8.460/92
2º, 20, 25, 26 e 27, 5º, 7º-A, 13, 14, 14-A, 23, 24, 27, 28, 30, 32, 34-A, 38, 44, 51-A e 61-A
2.217-3
05.09.2001
1º
Lei nº 10.233/01
74, 77, 78-A, 78-B, 78-C, 78-D, 78-E, 78-F, 78-G, 78-H, 78-I 78-J, 82, 83, 84, 85-A, 85-B, 85-C, 85-D, 86, 88, 89, 100, 102-A, 103-A, 103-B, 103-C, 103-D, 113-A, 114-A, 15, 116-A, 118 e 119
2.220
05.09.2001-extra
15
Lei nº 6.015/73
167, I
2.224
05.09.2001
4º
Lei nº 4.131/62
6º
2.225-45
05.09.2001
1º
Lei nº 6.368/76
3º
2.225-45
05.09.2001
2º, 3º e 15
Lei nº 8.112/90
25, 26, 46, 47, 61, 62-A, 67, 91, 117 e 119
2.225-45
05.09.2001
4º
Lei nº 8.429/92
17
2.225-45
05.09.2001
5º
Lei nº 9.525/97
2º
2.226
05.09.2001
1º
CLT
896-A
2.226
05.09.2001
3º
Lei nº 9.469/97
6º
2.228-1
05.09.2001
51
Lei nº 8.685/93
5º
2.228-1
05.09.2001
52 e 53
Lei nº 8.313/91
3º, II, a (a partir de 01.01.2007), e 18, § 3º
2.229-43
10.09.2001
72
Lei nº 9.986/00
22
2.229-43
10.09.2001
74
Lei nº 8.745/93
4º
Normas Legais
Lei nº 13.341, de 29.09.2016 Altera as Leis nºs 10.683, de 28 de maio de 2003, que dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios, e 11.890, de 24 de dezembro de 2008, e revoga a Medida Provisória nº 717, de 16 de março de 2016. (DOU de 30.09.2016) Lei nº 13.340, de 28.09.2016 Autoriza a liquidação e a renegociação de dívidas de crédito rural; altera a Lei nº 10.177, de 12 de janeiro de 2001; e dá outras providências. (DOU de 29.09.2016) Lei nº 13.339, de 20.09.2016 Abre crédito extraordinário, em favor da Justiça Eleitoral, no valor de R$ 150.000.000,00, para o fim que especifica. (DOU de 21.09.2016) Lei nº 13.338, de 19.09.2016 Abre ao Orçamento Fiscal da União, em favor de Encargos Financeiros da União e do Ministério do Desenvolvimento Agrário, crédito suplementar no valor de R$ 2.457.162.512,00, para reforço das dotações constantes da Lei Orçamentária vigente. (DOU de 20.09.2016) Lei nº 13.337, de 14.09.2016 Abre aos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União, em favor de diversos órgãos do Poder Executivo, crédito especial no valor de R$ 10.560.436,00, para os fins que especifica. (DOU de 15.09.2016) Lei nº 13.336, de 14.09.2016 Abre aos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União, em favor da Justiça do Trabalho e de diversos órgãos do Poder Executivo, crédito suplementar no valor de R$ 28.069.799,00, para reforço de dotações constantes da Lei Orçamentária vigente. (DOU de 15.09.2016) Lei nº 13.335, de 14.09.2016 Altera a Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012, para dispor sobre a extensão dos prazos de inscrição no Cadastro Ambiental Rural e adesão ao Programa de Regularização Ambiental. (DOU de 15.09.2016) Lei nº 13.334, de 13.09.2016 Cria o Programa de Parcerias de Investimentos – PPI; altera a Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003, e dá outras providências. (DOU de 13.09.2016 – Edição extra) Lei nº 13.333, de 12.09.2016 Prorroga o prazo de dispensa de que trata o art. 16 da Lei nº 12.871, de 22 de outubro de 2013. (DOU de 13.09.2016) Lei nº 13.332, de 01.09.2016 Altera a Lei nº 13.255, de 14 de janeiro de 2016, que estima a receita e fixa a despesa da União para o exercício financeiro de 2016. (DOU de 02.09.2016) Lei nº 13.331, de 01.09.2016 Altera a Lei nº 11.076, de 30 de dezembro de 2004, que dispõe sobre o Certificado de Depósito Agropecuário – CDA, o Warrant Agropecuário – WA, o Certificado de Direitos Creditórios do Agronegócio – CDCA, a Letra de Crédito do Agronegócio – LCA e o Certificado de Recebíveis do Agronegócio – CRA, e dá outras providências. (DOU de 02.09.2016)
Indicadores
I – Índices de Atualização dos Débitos Trabalhistas TABELA ÚNICA PARA ATUALIZAÇÃO DE DÉBITOS TRABALHISTAS ATÉ 31 DE DEZEMBRO DE 2016 – PARA 1º DE JANEIRO DE 2017* * TR prefixada de 1º dezembro/2016 a 1º janeiro/2017 (Banco Central) = 0,1849% Mês/Ano 1994 1995 1996 1997 1998 1999 JAN 0,009220177 2,412236455 1,832691180 1,672390990 1,523333027 1,413190931
Mês/Ano 2006 2007 2008 2009 2010 2011 JAN 1,136273363 1,113581546 1,097716134 1,080058858 1,072455089 1,065119063
FEV
0,006518791 2,362591323 1,810018884 1,660040290 1,506074914 1,405932103
FEV
1,133636524 1,111149240 1,096608560 1,078075200 1,072455089 1,064358047
MAR
0,004660940 2,319606692 1,792763535 1,649129614 1,499386153 1,394361690
MAR
1,132815233 1,110348679 1,096342149 1,077589207 1,072455089 1,063800615
ABR
0,003285823 2,267459655 1,778290032 1,638779119 1,486019408 1,378353493
ABR
1,130471765 1,108269565 1,095893928 1,076041859 1,071606377 1,062512850
MAIO
0,002251026 2,191487362 1,766635538 1,628663490 1,479038347 1,370007408
MAIO
1,129506038 1,106861637 1,094848348 1,075553558 1,071606377 1,062120927
JUN
0,001537166 2,122565537 1,756294476 1,618380302 1,472349463 1,362160004
JUN
1,127377549 1,104995300 1,094043132 1,075070851 1,071060136 1,060456011
JUL
2,878091561 2,063020574 1,745647770 1,607872853 1,465151176 1,357939528
JUL
1,125198040 1,103942139 1,092790794 1,074366067 1,070429653 1,059275978
AGO
2,740357050 2,003117349 1,735493398 1,597362209 1,457132575 1,353968339
AGO
1,123231262 1,102322827 1,090703188 1,073238094 1,069199005 1,057975725
SET
2,683173262 1,952270465 1,726124449 1,587409154 1,451690189 1,349992610
SET
1,120501720 1,100709187 1,088989119 1,073026707 1,068227986 1,055783918
OUT
2,619286251 1,915130342 1,714772654 1,577198372 1,445169583 1,346337305
OUT
1,118800025 1,100321874 1,086848028 1,073026707 1,067478616 1,054726028
NOV
2,554028274 1,883969487 1,700711273 1,566930278 1,432432395 1,343294742
NOV
1,116706201 1,099066740 1,084131196 1,073026707 1,066975003 1,054072503
DEZ
2,481542420 1,857249242 1,686969222 1,543265839 1,423696592 1,340616191
DEZ
1,115276417 1,098418673 1,082379905 1,073026707 1,066616620 1,053393064
Mês/Ano 2000 2001 2002 2003 2004 2005 JAN 1,336609037 1,309164887 1,279915544 1,245023264 1,189717635 1,168469965
Mês/Ano 2012 2013 2014 2015 2016 2017 JAN 1,052406959 1,049366846 1,047366135 1,038442615 1,020126284 1,000000000
FEV
1,333742824 1,307375091 1,276607853 1,238979521 1,188196744 1,166277363
FEV
1,051498464 1,049366846 1,046188127 1,037531662 1,018781492
MAR
1,330645082 1,306894153 1,275114694 1,233900786 1,187652799 1,165156483
MAR
1,051498464 1,049366846 1,045626626 1,037357386 1,017807450
ABR
1,327668449 1,304644946 1,272876976 1,229251756 1,185544900 1,162094364
ABR
1,050376662 1,049366846 1,045348563 1,036014711 1,015605617
MAIO
1,325943397 1,302631078 1,269883860 1,224129996 1,184509638 1,159771342
MAIO
1,050138281 1,049366846 1,044868968 1,034903225 1,014282992
JUN
1,322647360 1,300255511 1,267220163 1,218464138 1,182681213 1,156847987
JUN
1,049647046 1,049366846 1,044238248 1,033711355 1,012730477
JUL
1,319822939 1,298362499 1,265218587 1,213409075 1,180602173 1,153395873
JUL
1,049647046 1,049366846 1,043752903 1,031840628 1,010665687
AGO
1,317784326 1,295200913 1,261867068 1,206813838 1,178302127 1,150433507
AGO
1,049495919 1,049147575 1,042653946 1,029467705 1,009030049
SET
1,315121206 1,290765842 1,258744124 1,201960322 1,175944359 1,146459877
SET
1,049366846 1,049147575 1,042026646 1,027549271 1,006468586
OUT
1,313757525 1,288669177 1,256288081 1,197930484 1,173915832 1,143444614
OUT
1,049366846 1,049064698 1,041117750 1,025580157 1,004885891
NOV
1,312030893 1,284926187 1,252820274 1,194093860 1,172616573 1,141048412
NOV
1,049366846 1,048100446 1,040038191 1,023747649 1,003279640
DEZ
1,310462269 1,282453616 1,249516552 1,191976909 1,171274292 1,138851567
DEZ
1,049366846 1,047883534 1,039536095 1,022421568 1,001849000
OBS.: Foram consideradas as divisões por 1.000 ocorridas em março/1986, janeiro/1989, agosto/1993, e por 2.750 ocorridas em julho/1994.
TABELA DE ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA DOS SALÁRIOS-DE -CONTRIBUIÇÃO PARA APURAÇÃO DO SALÁRIO-DE-BENEFÍCIO MÊS jul/94 ago/94 set/94 out/94 nov/94 dez/94 jan/95 fev/95 mar/95 abr/95 mai/95 jun/95 jul/95 ago/95 set/95 out/95 nov/95 dez/95 jan/96 fev/96 mar/96 abr/96 mai/96 jun/96 jul/96 ago/96 set/96 out/96 nov/96 dez/96
FATOR SIMPLIFICADO (MULTIPLICAR) 7,534488 7,102647 6,734921 6,634736 6,513584 6,307334 6,172163 6,070781 6,011270 5,927689 5,816022 5,670295 5,568940 5,435234 5,380354 5,318132 5,244706 5,166689 5,082822 5,009681 4,974363 4,959979 4,925501 4,844119 4,785734 4,734132 4,733942 4,727796 4,717418 4,704246
MÊS jan/97 fev/97 mar/97 abr/97 mai/97 jun/97 jul/97 ago/97 set/97 out/97 nov/97 dez/97 jan/98 fev/98 mar/98 abr/98 mai/98 jun/98 jul/98 ago/98 set/98 out/98 nov/98 dez/98 jan/99 fev/99 mar/99 abr/99 mai/99 jun/99
FATOR SIMPLIFICADO (MULTIPLICAR) 4,663210 4,590677 4,571477 4,519056 4,492550 4,479112 4,447976 4,443977 4,443977 4,417911 4,402941 4,366698 4,336774 4,298943 4,298084 4,288221 4,288221 4,278380 4,266434 4,266434 4,266434 4,266434 4,266434 4,266434 4,225029 4,176994 3,999419 3,921768 3,920592 3,920592
MÊS jul/99 ago/99 set/99 out/99 nov/99 dez/99 jan/00 fev/00 mar/00 abr/00 mai/00 jun/00 jul/00 ago/00 set/00 out/00 nov/00 dez/00 jan/01 fev/01 mar/01 abr/01 mai/01 jun/01 jul/01 ago/01 set/01 out/01 nov/01 dez/01
FATOR SIMPLIFICADO (MULTIPLICAR) 3,881006 3,820264 3,765662 3,711108 3,642269 3,552394 3,509230 3,473798 3,467210 3,460980 3,456487 3,433482 3,401845 3,326663 3,267200 3,244810 3,232849 3,220290 3,196000 3,180416 3,169639 3,144483 3,109348 3,095727 3,051179 3,002538 2,975757 2,964491 2,922121 2,900080
MÊS jan/02 fev/02 mar/02 abr/02 mai/02 jun/02 jul/02 ago/02 set/02 out/02 nov/02 dez/02 jan/03 fev/03 mar/03 abr/03 mai/03 jun/03 jul/03 ago/03 set/03 out/03 nov/03 dez/03 jan/04 fev/04 mar/04 abr/04 mai/04 jun/04
FATOR SIMPLIFICADO (MULTIPLICAR) 2,894869 2,889379 2,884188 2,881019 2,860992 2,829584 2,781191 2,725322 2,662487 2,594005 2,489210 2,351861 2,290030 2,241392 2,206312 2,170285 2,161423 2,176002 2,191342 2,195733 2,182203 2,159528 2,150068 2,139797 2,127035 2,110154 2,101956 2,090043 2,081508 2,073216
Dezembro/2016 – Ed. 237
(Art.33, Decreto Nº 3.048/99) NOVEMBRO/2016 (Portaria MF/GM Nº 427, de 16.11.2016)
88
Dezembro/2016 – Ed. 237
MÊS
89
jul/04 ago/04 set/04 out/04 nov/04 dez/04 jan/05 fev/05 mar/05 abr/05 mai/05 jun/05 jul/05 ago/05 set/05 out/05 nov/05 dez/05 jan/06 fev/06 mar/06 abr/06 mai/06 jun/06 jul/06 ago/06 set/06 out/06 nov/06 dez/06 jan/07 fev/07 mar/07 abr/07 mai/07 jun/07 jul/07
FATOR SIMPLIFICADO (MULTIPLICAR) 2,062901 2,047951 2,037762 2,034304 2,030851 2,021955 2,004714 1,993352 1,984620 1,970237 1,952470 1,938897 1,941033 1,940450 1,940450 1,937544 1,926371 1,916025 1,908391 1,901167 1,896804 1,891696 1,889429 1,886976 1,888298 1,886223 1,886600 1,883587 1,875522 1,867678 1,856169 1,847118 1,839393 1,831335 1,826586 1,821849 1,816219
MÊS ago/07 set/07 out/07 nov/07 dez/07 jan/08 fev/08 mar/08 abr/08 mai/08 jun/08 jul/08 ago/08 set/08 out/08 nov/08 dez/08 jan/09 fev/09 mar/09 abr/09 mai/09 jun/09 jul/09 ago/09 set/09 out/09 nov/09 dez/09 jan/10 fev/10 mar/10 abr/10 mai/10 jun/10 jul/10 ago/10
FATOR SIMPLIFICADO (MULTIPLICAR) 1,810426 1,799807 1,795318 1,789949 1,782285 1,765163 1,753066 1,744171 1,735321 1,724286 1,707890 1,692488 1,682728 1,679202 1,676687 1,668345 1,662030 1,657224 1,646685 1,641596 1,638319 1,629358 1,619640 1,612866 1,609165 1,607879 1,605310 1,601467 1,595563 1,591743 1,577858 1,566889 1,555843 1,544568 1,537954 1,539648 1,540727
MÊS set/10 out/10 nov/10 dez/10 jan/11 fev/11 mar/11 abr/11 mai/11 jun/11 jul/11 ago/11 set/11 out/11 nov/11 dez/11 jan/12 fev/12 mar/12 abr/12 mai/12 jun/12 jul/12 ago/12 set/12 out/12 nov/12 dez/12 jan/13 fev/13 mar/13 abr/13 mai/13 jun/13 jul/13 ago/13 set/13
FATOR SIMPLIFICADO (MULTIPLICAR) 1,541806 1,533525 1,519545 1,504053 1,495083 1,481160 1,473204 1,463545 1,453083 1,444847 1,441676 1,441676 1,435646 1,429214 1,424656 1,416581 1,409393 1,402242 1,396794 1,394284 1,385418 1,377840 1,374267 1,368383 1,362252 1,353724 1,344180 1,336961 1,327140 1,315041 1,308239 1,300436 1,292808 1,288299 1,284702 1,286374 1,284320
MÊS out/13 nov/13 dez/13 jan/14 fev/14 mar/14 abr/14 mai/14 jun/14 jul/14 ago/14 set/14 out/14 nov/14 dez/14 jan/15 fev/15 mar/15 abr/15 mai/15 jun/15 jul/15 ago/15 set/15 out/15 nov/15 dez/15 jan/16 fev/16 mar/16 abr/16 mai/16 jun/16 jul/16 ago/16 set/16 out/16
FATOR SIMPLIFICADO (MULTIPLICAR) 1,280861 1,273095 1,266258 1,257206 1,249335 1,241390 1,231293 1,221764 1,214477 1,211327 1,209755 1,207581 1,201693 1,197144 1,190832 1,183494 1,166234 1,152861 1,135712 1,127705 1,116650 1,108118 1,101728 1,098980 1,093404 1,085049 1,073137 1,063565 1,047744 1,037884 1,033338 1,026766 1,016802 1,012045 1,005609 1,002501 1,001700
ÍNDICE DE ATUALIZAÇÃO – TR – DIÁRIA (PRO RATA DIE) DIA 1º 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31
MÊS DEZEMBRO DEZEMBRO DEZEMBRO DEZEMBRO DEZEMBRO DEZEMBRO DEZEMBRO DEZEMBRO DEZEMBRO DEZEMBRO DEZEMBRO DEZEMBRO DEZEMBRO DEZEMBRO DEZEMBRO DEZEMBRO DEZEMBRO DEZEMBRO DEZEMBRO DEZEMBRO DEZEMBRO DEZEMBRO DEZEMBRO DEZEMBRO DEZEMBRO DEZEMBRO DEZEMBRO DEZEMBRO DEZEMBRO DEZEMBRO DEZEMBRO
TR DIÁRIA 0,008397% 0,008397% 0,008397% 0,008397% 0,008397% 0,008397% 0,008397% 0,008397% 0,008397% 0,008397% 0,008397% 0,008397% 0,008397% 0,008397% 0,008397% 0,008397% 0,008397% 0,008397% 0,008397% 0,008397% 0,008397% 0,008397% -
TR ACUMULADA 0,000000% 0,008397% 0,016795% 0,016795% 0,016795% 0,025194% 0,033593% 0,041993% 0,050393% 0,058795% 0,058795% 0,058795% 0,067197% 0,075600% 0,084003% 0,092407% 0,100812% 0,100812% 0,100812% 0,109218% 0,117624% 0,126031% 0,134439% 0,142847% 0,142847% 0,142847% 0,151256% 0,159666% 0,168077% 0,176488% 0,184900%
INDICE 1,00000000 1,00008397 1,00016795 1,00016795 1,00016795 1,00025194 1,00033593 1,00041993 1,00050393 1,00058795 1,00058795 1,00058795 1,00067197 1,00075600 1,00084003 1,00092407 1,00100812 1,00100812 1,00100812 1,00109218 1,00117624 1,00126031 1,00134439 1,00142847 1,00142847 1,00142847 1,00151256 1,00159666 1,00168077 1,00176488 1,00184900
1º
JANEIRO
-
0,184900%
1,00184900
Dezembro/2016 – Ed. 237
MÊS: DEZEMBRO ANO: 2016
90
2 – Juros de mora (incidentes a partir da propositura da ação e aplicados sobre o principal corrigido): • Até 28.02.1987 – Juros simples – 0,5% ao mês; • De 01.03.1987 até 31.01.1991 – Juros capitalizados mensalmente – 1% ao mês; • De 01.02.1991 em diante – Juros simples – 1% ao mês.
Fórmula para cálculo da taxa efetiva (T) dos juros capitalizados: T = (1,01)n – 1, onde “n” é igual ao número de dias decorridos desde a data da propositura da ação, contidos no período compreendido entre 01.03.1987 e 31.01.1991, dividido por 30.
Juros Capitalizados Mensalmente Nº Meses
% Efetivo
Nº Meses
% Efetivo
Nº Meses
% Efetivo
01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15 16
1,0000 2,0100 3,0301 4,0604 5,1010 6,1520 7,2135 8,2856 9,3685 10,4622 11,5668 12,6825 13,8093 14,9474 16,0968 17,2578
17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32
18,4304 19,6147 20,8108 22,0190 23,2391 24,4715 25,7163 26,9734 28,2431 29,5256 30,8208 32,1290 33,4503 34,7848 36,1327 37,4940
33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 –
38,8690 40,257+6 41,6602 43,0768 44,5076 45,9527 47,4122 48,8863 50,3752 51,8789 53,3977 54,9317 56,4810 58,0458 59,6263 –
Dezembro/2016 – Ed. 237
II – Evolução do Salário-Mínimo desde 1989
91
Vigência
Moeda
Valor
Norma Legal
DOU
Vigência
Moeda
Valor
Norma Legal
DOU
01.10.1989
NCz$
381,73
Decreto nº 98.211/89
02.10.1989
01.09.1990
Cr$
6.056,31
Port. 3.588/90
03.09.1990
01.11.1989
NCz$
557,33
Decreto nº 98.346/89
31.10.1989
01.10.1990
Cr$
6.425,14
Port. 3.628/90
01.10.1990
01.12.1989
NCz$
788,18
Decreto nº 98.456/89
01.12.1989
01.11.1990
Cr$
8.329,55
Port. 3.719/90
01.11.1990
01.01.1990
NCz$
1.283,95
Decreto nº 98.783/89
29.12.1989
01.12.1990
Cr$
8.836,82
Port. 3.787/90
03.12.1990
Cr$
12.325,50
Port. 3.828/90
31.12.1990
01.02.1990
NCz$
2.004,37
Decreto nº 98.900/90
01.02.1990
01.01.1991
01.03.1990
NCz$
3.674,06
Decreto nº 98.985/90
01.03.1990
01.02.1991
Cr$
15.895,46
MP 295/91
01.02.1991
01.04.1990
Cr$
3.674,06
Port. 3.143/90
24.04.1990
01.03.1991
Cr$
17.000,00
Lei nº 8.178/91
04.03.1991
Cr$
42.000,00
Lei nº 8.222/91
06.09.1991
01.05.1990
Cr$
3.674,06
Port. 3.352/90
23.05.1990
01.09.1991
01.06.1990
Cr$
3.857,76
Port. 3.387/90
04.06.1990
01.01.1992
Cr$
96.037,33
Port. 42/92
21.01.1992
01.07.1990
Cr$
4.904,76
Port. 3.501/90
16.07.1990
01.05.1992
Cr$
230.000,00
Lei nº 8.419/92
08.05.1992
01.08.1990
Cr$
5.203,46
Port. 429/90
01.08.1990
01.09.1992
Cr$
522.186,94
Port. 601/92
31.08.1992
Vigência
Moeda
Valor
Norma Legal
DOU
Vigência
Moeda
Valor
Norma Legal
DOU
01.01.1993
Cr$
1.250.700,00
Lei nº 8.542/92
24.12.1992
03.04.2000
R$
151,00
Lei nº 9.971/00
19.05.2000
01.03.1993
Cr$
1.709.400,00
Port. Interm. 4/93
01.03.1993
01.04.2001
R$
180,00
MP 2.142/01 (atual 2.194-6)
30.03.2001
01.05.1993
Cr$
3.303.300,00
Port. Interm. 7/93
04.05.1993
01.04.2002
R$
200,00
Lei nº 10.525/02
28.03.2002
01.07.1993
Cr$
4.639.800,00
Port. Interm. 11/93
01.08.1993
01.04.2003
R$
240,00
Lei nº 10.699/03
10.07.2003
01.08.1993
CR$
5.534,00
Port. Interm. 12/93
03.08.1993
01.05.2004
R$
260,00
Lei nº 10.888/04
25.06.2004
01.09.1993
CR$
9.606,00
Port. Interm. 14/93
02.09.1993
01.05.2005
R$
300,00
Lei nº 11.164/05
19.08.2005
01.10.1993
CR$
12.024,00
Port. Interm. 15/93
04.10.1993
01.04.2006
R$
350,00
MP 288/06
31.03.2006
01.11.1993
CR$
15.021,00
Port. Interm. 17/93
03.11.1993
01.04.2006
R$
350,00
Lei nº 11.321/06
10.07.2006
01.12.1993
CR$
18.760,00
Port. Interm. 19/93
02.12.1993
01.04.2007
R$
380,00
MP 362/07
30.03.2007-extra
01.01.1994
CR$
32.882,00
Port. Interm. 20/93
31.12.1993
01.04.2007
R$
380,00
Lei nº 11.498/07
29.06.2007
01.02.1994
CR$
42.829,00
Port. Interm. 02/94
02.02.1994
01.03.2008
R$
415,00
MP 421/08
29.02.2008-extra
01.03.1994
URV
64,79
Port. Interm. 04/94
03.03.1994
01.02.2009
R$
465,00
MP 456/09
30.01.2009-extra
01.07.1994
R$
64,79
Lei nº 9.069/95
30.06.1994/30.06.1995
01.01.2010
R$
510,00
MP 474/09
24.12.2009
01.09.1994
R$
70,00
Lei nº 9.063/95
01.09.1994/20.06.1995
01.01.2011
R$
540,00
MP 516/10
31.12.2010
01.05.1995
R$
100,00
Lei nº 9.032/95
29.04.1995
01.03.2011
R$
545,00
Lei nº 12.382/11
28.02.2011
01.05.1996
R$
112,00
Lei nº 9.971/00
19.05.2000
01.01.2012
RS
622,00
Decreto nº 7.655/11
26.12.2011
01.05.1997
R$
120,00
Lei nº 9.971/00
19.05.2000
01.01.2013
R$
678.00
Decreto nº 7.872/11
26.12.2012
01.05.1998
R$
130,00
Lei nº 9.971/00
19.05.2000
01.01.2014
R$
724,00
Decreto nº 8.166/13
24.12.2013
01.05.1999
R$
136,00
Lei nº 9.971/00
19.05.2000
01.01.2015
R$
788,00
Decreto nº 8.381/14
29.12.2014
Salário-de-benefício mínimo Salário-de-benefício máximo Renda mensal vitalícia Salário-família:
R$ 788,00 R$ 4.663,75 R$ 788,00 I - R$ 37,18 (trinta e sete reais e dezoito centavos) para o segurado com remuneração mensal não superior a R$ 725,02 (setecentos e vinte e cinco reais e dois centavos);
II - R$ 26,20 (vinte e seis reais e vinte centavos) para o segurado com remuneração mensal superior a R$ 725,02 (setecentos e vinte e cinco reais e dois centavos) e igual ou inferior a R$ 1.089,72 (um mil e oitenta e nove reais e setenta e dois centavos). Benefícios a idosos e portadores de deficiência Um salário-mínimo (Decreto nº 1.744/1995)
Dezembro/2016 – Ed. 237
III – Previdência Social – Valores de Benefícios (Abril/2015)
92
INSS – JANEIRO 2016 TABELA DE CONTRIBUIÇÃO (EMPREGADO, EMPREGADO DOMÉSTICO E TRABALHADOR AVULSO) PARA PAGAMENTO DE REMUNERAÇÃO A PARTIR DE 1º DE JANEIRO DE 2016 Salário-de-contribuição (R$)
Alíquota para fins de recolhimento ao INSS (%)
Até 1.556,94
8%*
De 1.556,95 até 2.594,92
9%*
De 2.594,93 até 5.189,82
11%*
ESCALA DE SALÁRIOS-BASE PARA OS SEGURADOS CONTRIBUINTE INDIVIDUAL E FACULTATIVO
Nota: Escala extinta, conforme o art. 9º da Lei nº 10.666, de 08.05.2003, DOU 09.05.2003, e o art. 39 da Instrução Normativa DC/INSS nº 89, de 11.06.2003, DOU 13.06.2003.
* Alíquota reduzida para salários e remunerações até três salários-mínimos, em razão do disposto no inciso II do art. 17 da Lei nº 9.311, de 24.10.1996, que instituiu a Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e de Direitos de Natureza Financeira – CPMF.
IV – Imposto de Renda na Fonte TABELA PROGRESSIVA MENSAL Base de cálculo em R$
Alíquota %
Até 1.903,98
-
Dezembro/2016 – Ed. 237
O imposto de renda anual devido, incidente sobre os rendimentos de pessoas físicas, será calculado de acordo com a tabela progressiva anual correspondente à soma das tabelas progressivas mensais vigentes nos meses de cada ano-calendário.
-
De 1.903,99 até 2.826,65
7,5 142,80
De 2.826,66 até 3.751,05
15,0 354,80
De 3.751,06 até 4.664,68
22,5 636,13
Acima de 4.664,68
27,5 869,36
Dedução por dependente
93
Parcela a deduzir do imposto em R$
TABELA PROGRESSIVA ANUAL
189,59
V – Limites de Depósitos Recursais na Justiça do Trabalho NOVOS VALORES PARA DEPÓSITOS RECURSAIS NA JUSTIÇA DO TRABALHO (Ato nº 326/2016 do TST, DJe de 18.07.2015, vigência a partir de 01.08.2016) Recurso Ordinário
R$ 8.959,63
Recurso de Revista, Embargos, Recurso Extraordinário e Recurso em Ação Rescisória
R$ 17.919,26
Ação Rescisória – Depósito prévio de 20% do valor da causa, salvo prova de miserabilidade, nos termos do art. 836 da CLT, alterado pela Lei nº 11.495/2007, cujos efeitos começam a fluir a partir do dia 24.09.2007.
VI – Indexadores Indexador INPC IGPM UFIR SELIC TDA
Junho Julho Agosto Setembro Outubro Novembro 0,47 0,64 0,31 0,08 0,08 0,07% 1,69 0,18 0,15 0,20 0,16 - 0,03% Extinta, a partir de outubro de 2000, pela MP 1.973-67, atual Lei nº 10.522, de 19.07.2002, DOU 22.07.2002, art. 29, § 3º. 1,16 1,11 1,22 1,11 1,05 1,04% Valor de Referência Base Maio/1992 – Cruzeiros Valores nominais reajustados – Reais 79.297,75 91,87 Emissão anterior a Jan./1989 Emissão anterior a Jan./1989 79.297,75 157,23
(*) Referente ao primeiro dia de cada mês.
VII – Índices de Atualização dos Débitos Judiciais Tabela editada em face da Jurisprudência ora predominante.
Mês/Ano 1999
JAN 140.277,063840 3631,929071 FEV 180.634,775106 5132,642163 MAR 225.414,135854 7214,955088 ABR 287.583,354522 10323,157739 MAIO 369.170,752199 14747,663145 JUN 468.034,679637 21049,339606 JUL 610.176,811842 11,346741 AGO 799,392641 12,036622 SET 1065,910147 12,693821 OUT 1445,693932 12,885497 NOV 1938,964701 13,125167 DEZ 2636,991993 13,554359
JAN FEV MAR ABR MAIO JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ
13,851199 16,819757 14,082514 17,065325 14,221930 17,186488 14,422459 17,236328 14,699370 17,396625 15,077143 17,619301 15,351547 17,853637 15,729195 18,067880 15,889632 18,158219 16,075540 18,161850 16,300597 18,230865 16,546736 18,292849
18,353215 18,501876 18,585134 18,711512 18,823781 18,844487 18,910442 18,944480 18,938796 18,957734 19,012711 19,041230
19,149765 19,312538 19,416825 19,511967 19,599770 19,740888 19,770499 19,715141 19,618536 19,557718 19,579231 19,543988
2002
2003
19,626072 21,280595 22,402504 24,517690 19,753641 21,410406 22,575003 24,780029 20,008462 21,421111 22,685620 24,856847 20,264570 21,448958 22,794510 25,010959 20,359813 21,468262 22,985983 25,181033 20,369992 21,457527 23,117003 25,203695 20,384250 21,521899 23,255705 25,357437 20,535093 21,821053 23,513843 25,649047 20,648036 22,085087 23,699602 25,869628 20,728563 22,180052 23,803880 26,084345 20,927557 22,215540 24,027636 26,493869 21,124276 22,279965 24,337592 27,392011
2000
2001
28,131595 28,826445 29,247311 29,647999 30,057141 30,354706 30,336493 30,348627 30,403254 30,652560 30,772104 30,885960
2004 31,052744 31,310481 31,432591 31,611756 31,741364 31,868329 32,027670 32,261471 32,422778 32,477896 32,533108 32,676253
Dezembro/2016 – Ed. 237
Mês/Ano 1993 1994 1995 1996 1997 1998
94
Mês/Ano JAN FEV MAR ABR MAIO JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ
2005 2006 2007
2008
32,957268 34,620735 35,594754 37,429911 33,145124 34,752293 35,769168 37,688177 33,290962 34,832223 35,919398 37,869080 33,533986 34,926270 36,077443 38,062212 33,839145 34,968181 36,171244 38,305810 34,076019 35,013639 36,265289 38,673545 34,038535 34,989129 36,377711 39,025474 34,048746 35,027617 36,494119 39,251821 34,048746 35,020611 36,709434 39,334249 34,099819 35,076643 36,801207 39,393250 34,297597 35,227472 36,911610 39,590216 34,482804 35,375427 37,070329 39,740658
2009
2010
39,855905 40,110982 40,235326 40,315796 40,537532 40,780757 40,952036 41,046225 41,079061 41,144787 41,243534 41,396135
41,495485 41,860645 42,153669 42,452960 42,762866 42,946746 42,899504 42,869474 42,839465 43,070798 43,467049 43,914759
Mês/Ano JAN FEV MAR ABR MAIO JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ
2011 2012 2013
44,178247 46,864232 44,593522 47,103239 44,834327 47,286941 45,130233 47,372057 45,455170 47,675238 45,714264 47,937451 45,814835 48,062088 45,814835 48,268754 46,007257 48,485963 46,214289 48,791424 46,362174 49,137843 46,626438 49,403187
2014
2015
2016
49,768770 52,537233 55,809388 62,102540 50,226642 52,868217 56,635366 63,040288 50,487820 53,206573 57,292336 63,639170 50,790746 53,642866 58,157450 63,919182 51,090411 54,061280 58,570367 64,328264 51,269227 54,385647 59,150213 64,958680 51,412780 54,527049 59,605669 65,263985 51,345943 54,597934 59,951381 65,681674 51,428096 54,696210 60,101259 65,885287 51,566951 54,964221 60,407775 65,937995 51,881509 55,173085 60,872914 66,050089 52,161669 55,465502 61,548603 66,096324
Observação I – Dividir o valor a atualizar (observar o padrão monetário vigente à época) pelo fator do mês do termo inicial e multiplicar pelo fator do mês do termo final, obtendo-se o resultado na moeda vigente na data do termo final, não sendo necessário efetuar qualquer conversão. Esclarecendo que, nesta tabela, não estão incluídos os juros moratórios, apenas a correção monetária.
Padrões monetários a considerar: Cr$ (cruzeiro): de out./1964 a jan./1967
NCz$ (cruzado novo): de jan./1989 a fev./1990
NCr$ (cruzeiro novo): de fev./1967 a maio/1970
Cr$ (cruzeiro): de mar./1990 a jul./1993
Cr$ (cruzeiro): de jun./1970 a fev./1986
CR$ (cruzeiro real): de ago./1993 a jun./1994
Cz$ (cruzado): de mar./1986 a dez./1988
R$ (real): de jul./1994 em diante
Dezembro/2016 – Ed. 237
Exemplo: Atualização, até novembro de 2016, do valor de Cz$1.000,00 fixado em janeiro de 1988 Cz$1.000,00 : 596,94 (janeiro/1988) x 65,937995 (novembro/2016) = R$110,64. Observação II – Os fatores de atualização monetária foram compostos pela aplicação dos seguintes índices:
Out./1964 a fev./1986: ORTN Mar./1986 e mar./1987 a jan./1989: OTN Abr./1986 a fev./1987: OTN pro rata Fev./1989: 42,72% (conforme STJ, índice de jan./1989
Abr./1989 a mar./1991: IPC do IBGE (de mar./1989 a fev./1991) Abr./1991 a jul./1994: INPC do IBGE (de mar./1991 a jun./1994) Ago./1994 a jul./1995: IPC-r do IBGE (de jul./1994 a jun./1995) Ago./1995 em diante: INPC do IBGE (de jul./1995 em diante), sendo que, com relação à aplicação da deflação, a matéria ficará sub judice)
Mar./1989: 10,14% (conforme STJ, índice de fev./1989) Observação III – Aplicação do índice de 10,14%, relativo ao mês de fevereiro de 1989, ao invés de 23,60%, em cumprimento ao decidido no Processo nº G-36.676/2002. Fonte: Site do TJSP
95
* Aplicável aos cálculos judiciais, exceto para aqueles com normas específicas estabelecidas por lei ou com decisão transitada em julgado, que estabelece critérios e índices diferentes.
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