VALIDADE DO CDC NA PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR – Wladimir Novaes Martinez – p. 1
Crime Ambiental Atribuído à Pessoa Jurídica – Luis Carlos Migliavacca e Marcelle Mello Rodrigues – p. 8 Causas Impeditivas de Recursos – Cleiton Carlos de Abreu Coelho Barreto e Rogério Montai de Lima – p. 22 Os Níveis de Dor Intencional e o Holocausto Nosso de Cada Dia: Renúncia aos Discursos de Justificação da Pena e ao Mito da Ressocialização – Salah H. Khaled Jr. – p. 50 A Vitória da Democracia Brasileira: Lei Complementar nº 135/2010 – “Lei da Ficha Limpa” – Breno Ferreira Moraiz – p. 69 A Ilegalidade e Inconstitucionalidade do Adicional de Renovação de Frete da Marinha Mercante – The Illegality and Unconstitutionality of Additional Renewal of Merchant Shipping – Ronaldo Manzo – p. 86 Acórdão na Íntegra – Superior Tribunal de Justiça – p. 91 Pesquisa Temática – Licitação – p. 94
Jornal Jurídico
Jurisprudência Comentada – O Princípio Bagatelar Próprio e Impróprio Conceito, Classificação e Aplicação – Thales Tácito Pontes Luz de Pádua Cerqueira – p. 100 Normas Legais – p. 105 Medida Provisória – p. 109
Ju l h o / 2 0 1 4 – E d i ç ã o 2 0 8
Indicadores – p. 110
Doutrina
Validade do CDC na Previdência Complementar WLADIMIR NOVAES MARTINEZ
Advogado Especialista em Direito Previdenciário.
Após o advento da Súmula STJ nº 321, boa parte da compreensão da essência nuclear da previdência fechada e a sua distinção da previdência aberta restou mais clara, obrigando os estudiosos a se deterem na individualidade organizacional de cada uma delas. Considerar a relação jurídica complementar como um simples contrato de adesão consumista, sem consideração de sua modalidade previdenciária, leva a certa indefinição e intransponíveis obstáculos no entendimento. Exceto quando de ausência norma previdenciária específica (o que é raro), salientamos que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) não tem aplicação na previdência fechada (Validade do CDC na previdência fechada. Revista dos Fundos de Pensão, São Paulo: ABRAPP, p. 39/43, mar. 2010). A legislação da previdência social, básica ou complementar fechada, pública e associativa e até a aberta não conhece um Código de Direito Previdenciário. Aliás, diante da multiplicidade dos regimes públicos e privados, entre estes os lucrativos, esse sistema carece de normas de superdireito universalizantes. Em razão desse quase deserto de sistematização jurídica, as normas que regem os dissídios estão disseminadas em vários instru-
mentos legais, desde os arts. 40, 195 e 201/202 da CF, descendo até as instruções normativas ministeriais. O RGPS dos trabalhadores da iniciativa privada, administrado pelo INSS, já experimentou uma Consolidação das Leis da Previdência Social (Decreto nº 89.312/1984), mas essa experiência cessou em 1984, a despeito da atual recomendação constitucional. Pelo menos dispõe de duas leis básicas, gerais e quase orgânicas, acompanhadas de um número elevado de leis as orbitando, e uma infinidade de decretos regulamentares, portarias, pareceres e outras fontes formais, como as súmulas e os entendimentos administrativos. A previdência social do servidor não dispõe de tantas fontes formais e cada um dos 5.565 Municípios, 26 Estados, o DF e a União, disciplina de modo particular o regime protetivo, servindo-se da Lei nº 9.717/1998 (RPPS) como referência e alguns princípios de Direito Administrativo (Lei nº 10.887/2004). Claro, com regras abundantes, mas não sistematizadas nem organizadas em uma lei federal geral consolidadora. Por seu turno, a previdência privada apresenta duas normas complementares fundamentais, poucas normas ordinárias antigas (Lei nº 6.435/1977) e o Decreto nº 4.942/2003, que regulamenta os aspectos disciplinares procedimentais entre as EFPC e a PREVIC (Lei nº 12.154/2009). No passado, uma infinidade de normas do CGPC e da SPC, particularmente em razão do segmento aberto, quando necessário, obrigando remissão à Lei nº 6.024/1974. Da mesma forma, como sucede com a proteção do servidor, não há uma coordenação geral reclamando por um ordenamento universal e, na melhor das hipóteses, esperando uma codificação. Entretanto, a relação jurídica de previdência complementar tem sido satisfatoriamente disciplinada nessas normas, sendo comum, às
O CNPC e a PREVIC estão devendo uma Norma de Procedimentos Administrativos que regule as relações das entidades fechadas com os órgãos reguladores e fiscalizadores, e com os participantes (o Decreto nº 4.942/2003 não é suficiente).
LEI Nº 8.078/1990 Diante da uma infinidade de conflitos entre os adquirentes e as empresas comerciais e prestadores de serviços, como o seu próprio título assevera, a Lei nº 8.078/1990 (CDC) veio em socorro do consumidor. Era absolutamente imprescindível, porque a legislação esparsa não dispunha tão claramente sobre as obrigações e os direitos das partes envolvidas quando da relação de consumo. Ela ajuíza com o comum dos adquirentes de produtos e serviços (até porque inserida no art. 170, V, da Carta Magna). Obrigada a tratar de questões abrangentes peculiares, assinalou-se por certa generalidade. Dispondo sobre o contrato de adesão, possivelmente foi estimulada pela presença desse tipo de relação na previdência aberta. Daí a tentação natural de ser estendida à previdência fechada. Sem dúvidas, esse CDC é magnífico instrumento de defesa do consumidor que legalmente deseja se amparar para não ser prejudicado quando de suas relações com o comércio, a indústria e a prestação de serviços, mas ela suscita vários questionamentos vernaculares, ainda não resolvidos. Ele pretende consolidar as normas de proteção ao consumidor (art. 10), o que faz pressupor a existência de infrações, ab initio,
convindo lembrar que a LC 109/2001 e o Decreto nº 4.942/2003 já prevêem o descumprimento das regras da previdência complementar e as sanções possíveis. Um ato normativo tão significativo chegou ao ponto de definir contrato de adesão como: “É aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo” (art. 54).
SÚMULA STJ Nº 321 Textualmente, a referida súmula proclama: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável à relação jurídica entre a entidade de previdência privada e seus participantes”. Sabendo-se da existência de quatro tipos de entidades (fechada, associativa, aberta e pública) em razão da importância de que elas se revestem, a súmula não teve o cuidado de precisar de qual delas está falando, comportando interpretação em face da natureza técnica de cada uma dessas modalidades de proteção complementar. A priori, essa condensação de jurisprudência demonstra que dúvida havia no posicionamento dos Tribunais, mas não se encerra porque ela não é vinculante. Quando dessa súmula, o STJ lapidarmente ignorou a história e a individualidade da previdência social; caso contrário, teria submetido também à básica (!) – as razões seriam as mesmas – ou especificaria melhor a quem se destina.
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vezes, quando necessário, ela invocar os princípios de outras áreas previdenciárias, especialmente as securitárias.
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REGULAMENTOS PRÓPRIOS Quando um fundo de pensão indefere uma pretensão dos participantes (indevidamente, na avaliação subjetiva do interessado), dessa decisão cabem recursos administrativos à Diretoria Executiva e ao Conselho Deliberativo ou ações judiciais. No caso de prejuízo real, suscita-se até mesmo ação do dano moral. Quando o administrador pratica uma ilegalidade em face das normas do CNPC e PREVIC ou opera contrariamente ao Regulamento Básico da EFPC, ele se sujeita à LC 109/2001 e ao Decreto nº 4.942/2003. Lembra Francisco Pimentel que “o fato é que todos os princípios declarados no CDC já estão contidos no arcabouço legal que rege a previdência fechada, a começar pela Lei nº 6.435, de 1977, e mais tarde das Leis Complementares nºs 108 e 109, ambas de 2001” (Os Fundos de Pensão e o Código de Defesa do Consumidor. Revista dos Fundos de Pensão, São Paulo: ABRAPP, p. 9/11, jan. 2007).
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A LC 109/2001 é orgânica e sistematizada (por isso, 12 anos depois não careceu de decreto regulamentador), cobre as principais hipóteses.
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segmentos protetivos (EAPC e EFPC comum, pública e associativa), sem se estender à previdência básica (RGPS) e lançando dúvidas sobre a sua aplicação à previdência complementar fechada pública (EC 41/2003). Roberto Eiras Messina apontou equívocos na elaboração da súmula: que ela teria sido precipitada; os pouquíssimos julgados (segundo ele foram somente cinco) em que se baseou não a fundamentam, sendo que apenas o REsp 306.155/MG trataria do tema (Súmula nº 321 do STJ – Uma reforma justa e necessária. Jornal do 6º CBPC, São Paulo: LTr, p. 26/28, 2006). Daisson Portanova levantou essa observação quando da elaboração da Carta de Vinhedo, em 27.03.2010.
ENTIDADES ABRANGIDAS A súmula poderia ter feito a distinção, que se imagina consabida pelo STJ: as duas técnicas complementares não se confundem; não só no que diz respeito a quem institui os planos de benefícios (instituições financeiras ou seguradoras e empregador) serem comerciais (lucrativas e não lucrativas), abertas e fechadas, competência jurisdicional (Justiça Comum e Justiça do Trabalho), destino do superávit e responsabilidade no caso do déficit, considerando o papel especial, que é a participação do empregador instituidor e provedor da entidade fechada.
EXCLUSIVIDADE DA APLICAÇÃO
Estudo da ABRAPP configura três fundamentos: a) distinção entre aberta e fechada; b) universalidade da aberta (é para todos); e c) presença do participante na gestão e eleição do Conselho Diretor (O Judiciário e a Complexidade do novo Direito Previdenciário. Revista dos Fundos de Pensão, São Paulo: ABRAPP, p. 9, abr. 2009).
A Súmula STJ nº 321, que é de 2005, diz que o CDC se aplica às relações entre os participantes e as entidades de previdência privada. Em virtude da indistinção, estaria se referindo aos dois
Roger Franchini considera que os magistrados aplicam o CDC devido à proximidade entre a fechada e a aberta, sem se dar conta de que são bem diferentes em seus fundamentos (Da
O Estatuto Social e o Regulamento Básico das entidades são suficientes para disciplinar administrativamente os conflitos entre os participantes e as entidades gestoras.
A leitura do art. 2º da Lei nº 8.078/1990, quando define consumidor (“toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”), indica que se trata de qualquer pessoa, ou seja, o cidadão consumidor e não uma fração dessa população, a dos participantes de uma EFPC, como observa Luiz Ovídio Fischer (Uma visão atual sobre os fundos de pensão. Revista dos Fundos de Pensão, São Paulo: ABRAPP, p. 49/55, abr. 2008).
QUESTÕES VERNACULARES É paupérrima uma definição que usa a palavra “consumo” para explicar o que seja serviço. Por outro lado, a expressão “securitária” no sentido ali empregado não diz respeito à seguridade social, mas ao seguro privado e, caso se queira, a “ordem trabalhista” incluiria os benefícios previdenciários (Harmonização entre o CDC e a LC 109/2001 – A previdência complementar como relação de consumo. Jornal do 5º CBPC, São Paulo: LTr, p. 5/65, 2005). Karina Emy Fujimoto chama a atenção para o conceito consumerista de consumo: “Qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista” (art. 3º, § 29).
CORRENTES DOUTRINÁRIAS Formaram-se duas correntes doutrinárias: favoráveis e contrárias ao CDC. Julgamos que in medio virtus est e que somente o que excepcionalmente não estiver disciplinado nas normas civis,
comerciais, trabalhistas, securitárias e previdenciárias pode remeter ao CDC. É preciso examinar um a um cada preceito para verificar se, então, tem cabimento a norma consumerista. Em termos de previdência social, lembra-se o emprego da norma mais favorável. Quando de duas soluções, deve-se adotar aquela que mais protege o titular do direito, mas não existe no Direito Previdenciário instituto técnico que mande sistematicamente interpretar de forma mais favorável, o que somente seria aceitável na assistência social ou em um exacerbado pós-constitucionalismo. Flávio Bento, Adriane Kochenberger Menezes Correa e Nailce Oliveira Takeda lembram o art. 47 do CDC quando dizem que “as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor”, ou o art. 51, que prescreve serem “nulas de pleno direito entre outras as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que [...]” (Previdência Complementar e Aplicação da Lei de Defesa do Consumidor. Jornal do 28º CBPS, São Paulo: LTr, p. 32/33, 2009). No dizer de Fabiana de Oliveira Cunha Sech: Deste modo, forçoso concluir que a Súmula nº 321 do STJ contraria até mesmo o disposto no art. 3º da Lei Complementar nº 109/2001, posto que não propicia a harmonização entre as políticas previdenciárias e de desenvolvimento econômico-financeiro, mas sobrepõe os preceitos legais da Ordem Econômica e Financeira (onde se insere o CDC) às regras que regulamentam o regime de previdência complementar. (Vendem-se aposentadorias. EFPC enfrenta novo obstáculo com o CDC. Disponível em: <http:// www.iape.com.br>)
João Paulo Rodrigues da Cunha Lopes aponta dois argumentos contrários à aplicação: a) a distinção topográfica que a Constituição Federal estabelece ao dispor sobre a defesa do consumidor no art. 5º, XXXII e no art. 170, V, e a Previdência Social nos arts.
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inaplicabilidade do CDC entre as entidades fechadas de previdência complementar e seus membros. Disponível em: <http:// jus.uol.com.br>).
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201/202; e b) cada um desses segmentos ter legislação própria ([In]aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor à Entidade Fechada de Previdência Privada. Disponível na internet).
Anselmo Prieto Alvarez defende a aplicação do CDC com base em seu art. 3º, § 2º, que trata do conceito de serviço (A previdência complementar como relação de consumo. Jornal do 30º CBPS, São Paulo: LTr, p. 18/20, 2003).
CUMPRIMENTO DOS CONTRATOS Lembrando que os contratos existem para serem cumpridos (pacta sum servanda), a autora Vanessa C. Vidutto Bernan posiciona-se ao lado do CDC como instrumento de defesa dos participantes. Segundo esse fundamento, o que foi contratado, aderido ou institucionalizado (conforme se queira adotar a natureza jurídica da relação de previdência complementar) não poderia jamais ser modificado. Seria muito bom se assim fosse e caso a realidade do dia a dia não alterasse as condições e não forçasse as mudanças. De pouco adiantará invocar o CDC para, em face do contrato, contrato de adesão ou a instituição, diante de um déficit inequacionável ou a retirada da patrocinadora.
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Respeitado o direito adquirido, certas regras de transição e presentes fundadas razões técnicas para isso, subsiste o direito de mudanças e não será o CDC que vai sofreá-las.
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O que deve ter levado a autora citada a filiar-se à corrente dos que defendem o código consumerista possivelmente é ele possuir várias disposições que repetem o assegurado na legislação previdenciária complementar (de modo atraente, porque codifica as regras). Imagine-se que se trata de cláusulas que terão de viger por cerca de 40 anos sem modificações, quando se sabe que a expectativa de vida brasileira aumenta três meses a cada ano e deixa para trás as tábuas de mortalidade.
CONCEITO DE SERVIÇO Reza o art. 3º, § 2º, do CDC que: “Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”. Diante da multiplicidade de situações e as que pretendia alcançar o elaborador da norma, ele partiu do geral, exemplificou espécies e excluiu situações. De modo geral, são todas as atividades oferecidas ao mercado de consumo e as adquiridas mediante pagamento. Isso é de uma generalidade inútil. Particularizando, inclui as atividades bancárias, financeiras, de crédito e securitárias (estas últimas dizem respeito ao seguro privado, o que as aproxima dos produtos da previdência aberta). Finalmente, excepciona “as decorrentes das relações de caráter trabalhista”. Não podem ser os direitos e os deveres de contrato de trabalho porque estes estão perfeitamente delineados no Direito do Trabalho (CLT); portanto, serão as previdenciárias que estão excluídas (da previdência básica e da previdência fechada). De certa forma, essa exclusão acompanha o preceituado no caput do art. 68 da LC 109/2001, quando assevera que as contribuições e os benefícios “não integram o contrato de trabalho dos participantes”.
INSTITUCIONALIZAÇÃO DA ADESÃO
INTERPRETAÇÃO MAIS FAVORÁVEL
A natureza jurídica da relação entre o participante e a EFPC ainda não foi inteiramente deslindada pela doutrina, mas é praticamente assente que tal vínculo não é um contrato puro. Seria o que Manoel Sebastião Soares Povoas chama de contrato previdenciário uma relação distinta do simples contrato civilista (Previdência privada. 2. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2007. p. 259/415).
Sinteticamente, o art. 47 do CDC diz: “As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor”.
Quando o Estatuto Social permite que os participantes, representados no Conselho Deliberativo da EFPC, decidam sobre as alterações, não se poderia falar simplesmente em uma adesão. Nesse sistema, o ideal é que as alterações respeitem o direito adquirido e ouçam os interessados em assembleias e, se for o caso, mediante votação plebiscitária (art. 62 do Estatuto Social do BANESPREV). O Código Civil tem duas regras básicas sobre esse tipo de contrato. Diz que: “Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente” (CCb, art. 423), sendo nulas as “cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio” (art. 424). Ou seja, em linhas gerais, o in dubio pro misero. O CDC, em seu art. 54, define o contrato de adesão por ele protegido: “Aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo”, que não é muito útil nesta análise.
O preceito não fala que ele se aplica no caso de dúvida, que é um pressuposto lógico de alguma exegese favorável. Como redigida, a mens legis é no sentido de que sempre será favorável ao consumidor, o que é absurdo fora da esfera consumerista. No Direito Previdenciário tem cabimento o in dubio pro misero, como o seu título indica, somente nos casos de incertezas relacionadas com o direito ao benefício. Se a EFPC não tem convicção da incapacidade laboral do participante, deveria lhe deferir o auxílio-doença, mas igual raciocínio não valerá para a dúvida, se ele aportou ou não as contribuições devidas. Como calcular um pecúlio, resgate ou portabilidade, se não se sabe o valor do direito acumulado? Logo, o preceito do CDC teria aplicação em todos os casos.
Confronte-se o prazo decadencial do art. 75 da LC 109/2001 com os exíguos termos do art. 26 do CDC (30 e 90 dias).
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A maior parte dos doutrinadores tem esse liame como sendo um contrato de adesão e, para nós, como ocorre uma aderência ao Regulamento Básico, com ou sem participação do interessado na sua elaboração, a relação jurídica seria um contrato institucional de adesão.
A natureza deste comando, a sua generalidade, bem como a sua deliberada intenção, evidenciam que cuida do consumidor de produtos comerciais (mercadorias), e não do que se poderia chamar de serviços previdenciários. Uma interpretação tão ampla desse tipo não tem assento no Direito Previdenciário, sendo válida na assistência social.
A diferença evidencia a distinção entre uma proteção jurídica e a outra. No CDC, o legislado foi modesto para com o consu-
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PRAZO DECADENCIAL
midor e favoreceu o prestador de serviço. Como a previdência complementar é mais significativa, o prazo da revisão é maior.
CONCLUSÕES FINAIS É perceptível que a aprovação pública generalizada ao advento do CDC, consagrado efetivamente como um belíssimo meio de defesa do cidadão consumidor, turvou a visão dos seus apaixonados defensores, de modo a não perceberem que ele é um recurso a ser invocado apenas e tão somente quando os preceitos legais vigentes da previdência social forem insuficientes, e eles raramente são. Ninguém jamais cogitou de invocar o CDC contra o INSS, mas talvez tenha pensado nesse Código quando foi ludibriado por uma instituição que lhe ofereceu o que não pode propiciar, como sucedeu com alguns fundos de pensão abertos no passado.
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Quem consideraria a hipótese de aplicar a decadência de 90 dias [sic] para reclamar direitos previdenciários (CDC, art. 26, II)? Esse é um prazo bom para consumidores (e nem assim), mas não para beneficiários da proteção social.
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O ordenamento jurídico que disciplina a previdência social básica e fechada é suficiente para a defesa dos direitos assegurados. Quando não for, e a previdência é uma atividade de risco, nem o CDC oferecerá maiores garantias. Juridicamente, nada pode ser feito contra a retirada da patrocinadora quando ela cumpre as regras estabelecidas pelo então CGPC (Circular nº 6/88). Se um plano de benefícios apresenta déficit equacionável, ele tem de ser revisto, às vezes diminuindo-se o montante dos benefícios, sem que nada possa ser feito em favor dos prejudicados.
Doutrina
Crime Ambiental Atribuído à Pessoa Jurídica LUIS CARLOS MIGLIAVACCA Advogados em Cascavel/PR.
MARCELLE MELLO RODRIGUES Advogados em Cascavel/PR.
SUMÁRIO: 1 No âmbito do Direito Ambiental: o que é meio ambiente como bem jurídico; 1.1 O que é crime ambiental atribuído à pessoa jurídica; 1.2 Quem é a pessoa no âmbito do Direito Ambiental que responderá pelo crime ambiental; 2 Por que se comete o crime ambiental; 2.1 Qual o tipo de ressarcimento cabível ao possível crime cometido; 2.2 Qual o fundamento das penas segundo alguns argumentos doutrinários; 3 Possibilidade para a ocorrência de crime ambiental por parte da empresa (sede de lucro – desconhecimento técnico ou descuido administrativo); Referências.
1 NO ÂMBITO DO DIREITO AMBIENTAL: O QUE É MEIO AMBIENTE COMO BEM JURÍDICO
“ambiente como conjunto de elementos e fatores naturais e artificiais ou construídos em que os seres humanos nascem, crescem, vivem, desenvolvem-se, reproduzem-se e morrem”. Para adentrar com mais propriedade no conceito de meio ambiente como bem jurídico, os “pressupostos”, a pena e a sanção devem ser analisados. A orientação político-criminal mais acertada é a de que a intervenção penal na proteção do meio ambiente seja feita de forma limitada e cuidadosa. Não se pode olvidar jamais que se trata de matéria penal, ainda que peculiaríssima, submetida de modo inarredável, portanto, aos ditames rígidos dos princípios constitucionais penais – legalidade dos delitos e das penas, intervenção mínima e fragmentariedade, entre outros pilares que são do Estado de Direito Democrático. A sanção penal é a ultima ratio do ordenamento jurídico, devendo ser utilizada, tão-somente, para hipóteses de atentados graves ao bem jurídico ambiente. (Prado, 1998, p. 17)
Embora possa parecer contraditória a consideração da pena como pressuposto do ambiente como bem jurídico, e comparando com a citação de Prado, que diz: A sanção penal é a ultima ratio do ordenamento jurídico. Não há contradição, pois o que estamos inferindo como pressuposto é a seguridade. A existência da pena como condição de continuidade da permanência do ambiente como bem jurídico. Ou seja, uma vez prescrita a pena, tem-se clara a necessidade da não-praticabilidade do crime.
Meio ambiente, segundo a Lei nº 6.938/1981, é o “conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”.
A doutrina esclarece que este conceito – o de meio ambiente como bem jurídico – sofre restrições em virtude das penas que possuem um caráter de gravidade e excepcionalidade.
Existem vários conceitos de meio ambiente; eu particularmente gosto do conceito dado por Coimbra (2002, p. 24), que conceitua
Ainda assim, há que se considerar o ambiente como um bem jurídico autônomo, de composição múltipla, composto de vários elementos
diversificados (água, ar, fauna, flora, solo, etc.), que Prado define como de natureza difusa, supraindividual ou macrossocial.
Bessa Antunes, em que ele apresenta uma análise crítica sobre o conceito estabelecido pela Constituição Federal de 1988.
Essa mesma dimensão multímoda é acrescida por outros autores, conforme assinalam Costa Jr. e Gregori apud Toshio Mukai:
Segundo ele, a definição normativa da Constituição sobre meio ambiente restringiu-se um tanto quanto ao aspecto biológico em detrimento do humano, o que, no caso, privilegia aspectos também sociais. Isto ocorreu em virtude do que se denota pela larga ampliação que se deu ao ambiente como bem jurídico.
A complexidade e a precariedade da matéria penal ecológica tornam não sempre fácil e exata individuação do bem jurídico tutelado por determinada proposição incriminadora. Na atualidade, em todas as ordenações penais que se mostrem amadurecidos, existe um complexo de normas que, mesmo diferindo em seu objeto específico, referem-se todas elas ao bem jurídico que integra a categoria segurança e conservação do ambiente natural. Tudo isso se reveste de grande importância de um ponto de vista sistemático. (Costa Jr. e Gregori, 1998, p. 76)
Tudo indica que há uma tendência em acentuar, na norma penal, a indicação do fim perseguido em detrimento da descrição precisa do fato vetado. Acrescentam os penalistas: a indeterminação dos tipos de normas demonstra que a decisão legislativa não se deva à incapacidade do moderno legislador de fazer um sistema normativo, mas, tão somente, à ansiedade de proteger a qualquer preço bens que estão sendo destruídos, muitas vezes, de maneira progressiva e irrecuperável.
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O caráter de indeterminação dos tipos normativos pretende, em muitos casos, punir o maior número de condutas criminais ambientais possível.
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Nos casos estritamente ecológicos, salientam os juristas que: [...] por essa questão fundamental, de técnica legislativa em matéria penal vetorializada aos delitos ecológicos [...] a construção da lesão – tipo dos bens jurídicos em questão – aproxima-se muito mais da fronteira do “perigo”, que daquela do “dano”, e que essa regra vem praticamente generalizada em matéria de crimes de poluição atmosférica ou marítima. (Costa Jr. e Gregori, 1998, p. 78)
Sobre a legalidade, no que se refere às discussões referentes ao meio ambiente, são interessantes as considerações feitas por
Diante dessa ampliação, a Constituição incluiu, no conceito de meio ambiente, o conteúdo humano e o social. A pretensão, é claro, é tão ampla quanto o conceito – assegurar a todos o direito de que as condições que permitem, abrigam e regem a vida não sejam alteradas desfavoravelmente, pois estas são essenciais. É necessário, neste momento, evidenciarmos a fala do próprio Antunes (1996, p. 40): A Constituição Federal de 1988 [...] determinou que o meio ambiente se constituiu em direito de todos e bem de uso comum do povo [...] houve uma ampliação do conceito jurídico de meio ambiente. Em razão da alta relevância do bem jurídico tutelado, a lei fundamental estabeleceu a obrigação do Poder Público e da comunidade em preservá-lo para a presente e futuras gerações [...] foram criadas duas situações distintas; [...] de não promover degradação; [...] de promover a recuperação de áreas já degradadas. A concepção adequada de conservação [...] tem que ser dinâmica, pois se não formos capazes de entendê-la desta maneira, pouco poderá ser feito [...] não estamos diante de um bem que possa ser incluído dentre aqueles pertencentes a uma ou outra pessoa jurídica de direito público [...] o meio ambiente é integrado por bens pertencentes a diversas pessoas jurídicas, naturais ou não, públicas ou privadas. O que a Constituição fez foi criar uma categoria jurídica capaz de impor a todos quantos se utilizem dos recursos naturais uma obrigação de zelo para com o meio ambiente.
Sobre a questão do ambiente como bem comum, o autor alerta ainda que o conceito de uso comum de todos rompe com o tradicional enfoque de que os bens de uso comum só podem ser bens públicos. Neste sentido, mesmo no domínio privado,
Szinck (2001, p. 69) chama a atenção quando da sua definição de bem jurídico; trata-se do seguinte: “É a lesão ou ameaça do interesse protegido pela norma. A responsabilidade penal surge quando ambas as formas de injuricidade estão presentes”. Considerando o ambiente como bem jurídico e a empresa como pessoa e patrimônio jurídico, não pode existir contradição da mútua destruição.
1.1 O que é crime ambiental atribuído à pessoa jurídica Para compreender o exato significado do propósito: crime ambiental atribuído à pessoa jurídica, é preciso definir, de antemão, as duas categorias: crime ambiental e pessoa jurídica. Apresentado o conceito de ambiente e, mais especificamente, de ambiente como bem jurídico, que pressupõe a tutela do Estado em sua preservação, prossegue-se desvendando justamente o que seria o contrário desta preservação: a degradação ambiental, o dano, o crime. Segundo Jesus (1998, p. 748), o conceito material de crime é a “violação de um bem penalmente protegido, e, sob o aspecto formal, define-se crime como um fato típico e antijurídico”. Assim, esclarece o autor que, para ocorrência de um fato típico, é necessário que haja uma conduta humana de dolo ou de culpa. Uma resultante que demonstre nexo entre a conduta e o resultado, e o enquadramento do fato a uma norma penal que o incrimine.
Antijurídico, por sua vez, quer dizer da relação contrária entre o fato típico e a ordem jurídica. Já o crime especificamente ambiental é a conduta antijurídica em relação à lei de preservação ambiental. Assim, “crime ambiental é qualquer dano ou prejuízo causado aos elementos que compõem o meio ambiente, protegidos pela legislação” (Santos, 1999/2001). Considerando a empresa como a pessoa jurídica responsável por um dano causado ao meio ambiente, o qual intitulamos crime ambiental, é necessário adentrar em um conceito denominado de capacidade penal, neste caso, das pessoas jurídicas. O caráter pessoal da pena, no Direito Penal comum, está associado ao princípio da responsabilidade pessoal, segundo disposição do art. 5º, XLVI, b, da Constituição Federal. Tal princípio é resultado de longa luta histórica na busca da superação de estágios; de superação de litígios à maneira um tanto quanto incivilizada. Atualmente, porém, a conquista alcançada demonstra que só “delinqüente pode sofrer a pena repressora” (Benjamim, 2002, p. 96). No entanto, no que se refere às relações alcançadas pela sociedade e o aparecimento e o avanço das atividades em favor das pessoas jurídicas, como agentes das relações econômicas e sociais na atualidade, se fazem necessárias à discussão a reflexão a respeito da repressão das infrações penais relativas às pessoas jurídicas e a capacidade penal delas. Embora lenta, essa discussão é benéfica, pois a justiça material é um objetivo do Estado de Direito. É um instrumento de conquista da legalidade.
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podem ser estabelecidas obrigações que os proprietários assegurem a fruição, por todos, dos aspectos ambientais de bens de sua propriedade.
Duas teorias doutrinárias representam essa discussão: a teoria da ficção e a da realidade, também chamada organicista. Na
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primeira, defendida por Savigny apud Lídia Maria Ribas na obra de Benjamim (op. cit., p. 18): [...] a personalidade jurídica é configurada a partir da determinação legal, faltando-lhe os requisitos da consciência e vontade próprias, elementos da imputabilidade, pelo que não poderia a pessoa jurídica cometer crime. Apenas a pessoa física, caracterizadora de consciência e vontade, seria possuidora da faculdade de querer, e por isso tendo capacidade penal.
Embora a pessoa jurídica não seja capacitada por si mesma a praticar ações em que se reconheça a culpa, a legislação brasileira admite a responsabilidade criminal da pessoa jurídica, mais como uma forma de reprimir a criminalidade. A segunda corrente doutrinária, a da realidade, ou organicista, “vê na pessoa jurídica, além das vontades dos sócios ou administradores, uma real vontade pela qual ela pode mobilizar meios e recursos. A pessoa jurídica é um ser real, um verdadeiro organismo”.
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Além da pena, outros elementos que têm sido apresentados, para a impossibilidade de penalização às pessoas jurídicas, referem-se à capacidade da ação e à culpabilidade: O que ocorre é que se confundem muitas vezes os conceitos de culpabilidade e de responsabilidade, que são categorias jurídicas diversas. Diante da clara configuração entre elas, nada impede a responsabilidade social das pessoas jurídicas, já exigidas constitucionalmente e que se defina como responsabilidade pela realização do injusto institucional, em substituição à idéia de culpabilidade. A responsabilidade penal da pessoa jurídica é uma necessidade social, e este princípio já foi consagrado em diversos países como Estados Unidos, Inglaterra, Canadá, Noruega, Escócia, França, Holanda, Portugal, Austrália, Argentina, Venezuela, Colômbia entre outros. Em alguns desses países a responsabilidade é sem culpa, não sendo exigida a mens rea, por razões de política social, nos casos em que o interesse coletivo é prevalente. (Ribas, 2002, p. 97)
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Há, ainda, os países que possuem dificuldades em admitir a responsabilidade penal para as pessoas jurídicas, por causa da
culpabilidade e capacidade criminal. Porém, nos países onde se vêm buscando adotar essa responsabilidade, o fundamento das razões para tal está na necessidade da política criminal e na melhoria dos instrumentos legais da defesa coletiva. Segundo Lídia Maria apud Benjamim (op. cit., p. 18), cada vez mais tem sido admitida a responsabilidade das pessoas jurídicas: “[...] sobretudo no domínio do Direito Penal secundário, em razão das especificidades de determinadas áreas como: Direito Tributário, Econômico, Financeiro, Ambiental entre outras cujas relações jurídicas na maioria das vezes são desenvolvidas por empresas”. Sobre essa controvérsia em admitir ou não a culpabilidade, por conseguinte a responsabilidade penal à pessoa jurídica, Celeste Gomes (2002, p. 98) assinala: Vem-se formando um posicionamento que afirma a possibilidade de considerar penalmente responsáveis, dentro de certos limites, empresas e sociedades. Parte-se da necessidade de punir aquela vantagem auferida da atividade ilícita do empresário ou administrador e que a pena a eles aplicada não consegue suprir.
A polêmica a respeito continua, devido, é claro, à manifestação do legislador constituinte que deixou lacunas no texto. Mas ainda vale ressaltarmos que, no âmbito da teoria objetiva, o Direito Ambiental tem caminhado com mais firmeza e rigor. A reparação dos danos causados ao meio ambiente, por ofenderem interesses difusos da sociedade, teve merecida e especial atenção do legislador no campo da responsabilidade, desta vez civil. A teoria da responsabilidade objetiva, cujo enfoque recai sobre a necessidade de reparação do dano, independe da culpa do agente.
A teoria da responsabilidade objetiva já estava prevista na Lei nº 6.938/1981, e dispunha que, no caso do poluidor, ele estava obrigado ao ressarcimento do dano, independentemente da existência da culpa. Tal orientação foi mantida integralmente pelo legislador constituinte, conforme é possível verificar no art. 225, § 3º, da Constituição Federal. Ele dispõe sobre a responsabilidade do agente, pelas condutas lesivas ao meio ambiente e sujeita-o à reparação do dano causado, sem prejuízo das demais responsabilidades nas esferas criminais e administrativas. As controvérsias e dúvidas geradas nessa temática quiçá venham da falta de menção expressa do texto constitucional – independentemente de culpa – têm levado alguns a conjecturas sobre a real intenção do constituinte. Porém, parece não haver de fato dúvidas a respeito da adoção pela Constituição Federal da teoria da responsabilidade objetiva em matéria de dano ambiental, o constituinte, na verdade, ampliou as garantias da defesa ambiental, promovendo a consolidação das normas especiais e gerais, vigentes ainda antes da Carta Magna. Mas nesta é que de fato tomam a dimensão prática, necessária ao pleno desenrolar das situações, em que estejam envolvidas questões de crimes ambientais. A responsabilidade civil do Poder Público por dano ao meio ambiente encontra base no art. 225 e no § 6º do art. 37, ambos da Constituição Federal. Uma vez que é incumbência das três esferas da Administração Pública o exercício do “Poder de
Polícia” recai sobre atividades potencialmente causadoras de degradação ambiental, em especial quanto às empresas ligadas a índices de alto risco de dano ambiental, como as mineradoras, por exemplo. Cabe ao Poder Público o dever de disciplinar, acompanhar, fiscalizar e, caso necessário, interditar a obra ou atividade que estiver causando dano ambiental. Portanto, criou-se para isto os seguintes órgãos: FATMA, no Estado de Santa Catarina; Sema, IBDF e Conama, DNPM e Ibama, no âmbito federal. Há ainda outros órgãos, como: OEMA, Feema, etc., com estrutura para o controle de atividades referentes ao meio ambiente, com a competência para licenciar, autorizar e fiscalizar estas atividades. Por fim, podemos denotar que o crime ambiental atribuído à pessoa jurídica está estritamente vinculado à capacidade e à responsabilidade penal. Fica evidenciado, ainda, que, diante do movimento frenético do mundo moderno, a posição da lei brasileira em adotar a teoria da responsabilidade objetiva é pertinente, o que torna a empresa sujeita à penalidade.
1.2 Quem é a pessoa no âmbito do Direito Ambiental que responderá pelo crime ambiental Se a empresa, pessoa jurídica, é diferente da pessoa física, mas só existe se constituída por uma ou mais pessoas físicas, então quem é a pessoa jurídica sujeita a responder pelo crime que venha a cometer contra o meio ambiente? Há controvérsias. Penalistas tradicionais não aceitam a responsabilização penal das pessoas jurídicas, por entenderem que estes entes não possuem vontade própria, podendo manifestar-se somente através de seus agentes ou dirigentes – estes são pessoas físicas, não podendo, assim, arcar com culpa, por serem entes inanimados.
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A importância, e isso é crescente, que a proteção ambiental e os demais interesses coletivos adquirem em um mundo chamado moderno impôs ao legislador a adoção da responsabilidade civil fundada no risco integral como forma de tornar eficaz o ressarcimento dos prejuízos, sem o inconveniente de ter o lesado, neste caso, a sociedade, o ônus de provar que o agente agressor agiu culposamente.
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É válido ressaltarmos Aníbal Bruno, apud André Couto (2001, p. 118): Sujeito ativo do crime é o homem que o pratica. Só ao ser um humano se reconhece a capacidade para delinqüir [...] Em verdade, a pessoa moral é uma realidade jurídica, criada pela lei, que transforma em unidade um agrupamento de pessoas reunidas para determinado fim e à qual concede o regime jurídico capacidade de direito e obrigações. No direito privado, às corporações e fundações pode ser assim atribuída à capacidade penal de direito. No direito penal, a situação, porém, é diversa.
Por outro lado, têm-se os doutrinadores considerados modernos, como Paulo Afonso Leme Machado e Toshio Mukai. Afirmam eles que as pessoas jurídicas devem ser responsabilizadas penalmente por serem causadores de grandes danos econômicos e ambientais, sendo eles, portanto, os principais criminosos na atualidade, não devendo ficar no amparo do manto da inimputabilidade penal.
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[...] Ora, as razões de ordem prática, para a adoção da responsabilidade penal das pessoas jurídicas, cada vez mais se faziam presentes, com a proliferação das mesmas e das modalidades de direitos e delitos econômicos por eles praticados. [...] Responsabilizar criminalmente a pessoa jurídica pela Constituição de 1988 foi, na verdade, uma adesão brasileira à tendência mundial. O intuito é evitar práticas delituosas por trás do véu protetor da pessoa jurídica. (Santos, 1999/2001)
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Além de punir repressivamente, é intenção do legislador também a de reeducar. O que leva à possibilidade de graduação da pena, visando ao agravamento ou não, o que só realmente é possível no âmbito do Direito Ambiental. Falou-se até então da pessoa jurídica como um todo, da controvérsia de sua responsabilidade penal. Mas o que se buscou foi identificar onde está a outra pessoa. Sobre isto, Lídia Maria Lopes Rodrigues, comentando a Constituição Federal, em seu art. 173, § 5º, diz:
A lei sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular. Ao estabelecer a responsabilidade da pessoa jurídica nos atos contra a ordem econômica e financeira, o legislador constituinte não discrimina expressamente a que responsabilidade se refere, cabendo então alcançar todas as espécies de responsabilidade; aliás, como tem entendido a doutrina. (Ribas, 2002, p. 99)
Mais uma vez a lei frisa muito bem a pessoa jurídica, mas ainda não se localiza qual o papel, e se há de fato o papel real da pessoa física no âmbito da pessoa jurídica, quanto à responsabilidade. Para tanto, optou-se pela leitura de Szinck (2001, p. 33), que esclarece: “A responsabilidade da pessoa jurídica deriva da ação de funcionário, como dispõe o art. 3º da Lei nº 9.605/1998 nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício de sua entidade”. Isto quer dizer ainda que a responsabilidade da pessoa jurídica não exclui a da pessoa física, pois uma vez que elas compõem a pessoa jurídica, são, por isso mesmo, responsáveis, seja na condição de autoras, seja na de coautoras ou participantes do mesmo fato. Veja o que diz Szink (2001, p. 35): Temos, então, que de um ato danoso responde não só a empresa, mas também os funcionários, quer sejam autores, co-autores ou partícipes. Muitas vezes a pessoa física serve-se da pessoa jurídica “como instrumento” para a ação criminosa, pune-se ambas as pessoas, já que ambas possuem vontade diferente e autônoma da outra, a física dos órgãos representativos da jurídica. Já, consoante o preceito da Constituição, a responsabilidade da pessoa jurídica se dará independentemente da responsabilidade individual de seus dirigentes, responsabilidade esta que é penal.
Szinck foi de grande valia quando, em detalhes, deixou clara a efetiva participação da pessoa física na responsabilidade pelo crime praticado por empresa. Antes de tudo, é a empresa como entidade social quem possui a capacidade, assume a responsabilidade e responde penalmente pelo crime. Mas são seus representantes que farão o trajeto necessário entre a sociedade moralmente constituída através da lei, para que o bem jurídico, no caso o ambiente, seja patrimônio real e vital desta mesma sociedade. E também responderá pelo crime, em hierarquia menor, a empresa. Assim, em que pese a resistência de parte da doutrina ou da jurisprudência, não há qualquer dúvida quanto à responsabilidade da pessoa jurídica por danos ambientais. Dessa forma, é preciso partir da norma maior, no caso a Constituição Federal, para que fique clara e evidente a responsabilidade da pessoa jurídica por danos ambientais. Assim é o que dispõe o art. 225 da CF, ao estabelecer que todos, indistintamente, devem zelar, cuidar do meio ambiente ecologicamente equilibrado. Logo, temos que se “todos” têm direito, qualquer pessoa, quer seja física ou jurídica, que infringir qualquer princípio ou norma pertinente ao meio ambiente por conseguinte estará sujeita às sanções correspondentes. Ninguém, portanto, está isento deste
ônus. Não há como afastar a responsabilidade das pessoas jurídicas que de alguma forma venham a praticar qualquer ato degradante ao meio ambiente. Se isto ocorrer, a pessoa jurídica deverá responder. Se não há prisão para a pessoa jurídica, há outras sanções para coibir tal prática, conforme exposto neste trabalho. A responsabilidade por danos ao meio ambiente é objetiva, quer dizer, dispensa o elemento culpa para o fim da reparação. Basta a ocorrência do dano e a presença do nexo causal em relação à conduta respectiva para haver o dever de responder pelos danos causados. Responde, evidentemente e por lógica, quem for o causador. Logo, se o causador for a pessoa jurídica, deverá ela, inequivocamente, responder pelos danos ambientais causados. Para a empresa (pessoa jurídica) iniciar a sua atividade, indispensável é o cumprimento das normas administrativas ambientais. Quem obtém as licenças é a pessoa jurídica. O Poder Público, por sua vez, ao licenciar o estabelecimento, via de regra, faz constar no licenciamento as exigências de operação/ atividade da empresa. Cabe, assim, às pessoas jurídicas a responsabilidade pelas atividades do empreendimento, a fim de que prestem a sua contribuição social na área ambiental, em cumprimento ao regramento constitucional (CF, art. 225). Em suma, a proteção ao meio ambiente em suas mais variadas formas, inclusive pelas pessoas jurídicas, representa a consagração do Estado Social e Democrático de Direito, conforme preconizado pelo Texto Constitucional, em vários dispositivos, além do art. 225, que tratam de matéria ambiental, conforme o art. 5º, LXXIII; art. 23, VI; art. 216, V; entre outros. Portanto, conclui-se que as pessoas jurídicas respondem pela prática de crimes ambientais, sob pena de fazerem letra morta todas as normas pragmáticas antes citadas.
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É mister salientar ainda que a responsabilidade penal, advinda da prática da infração penal – crime ou contravenção – tem como apoio a responsabilidade penal individual e a responsabilidade penal da empresa. Nisso está presente o elenco que poderá responder pelo crime, isto é, na participação física, autores, coautores e partícipes. Na participação geral: diretor, administrador, membro do conselho e de órgão técnico, auditor, gerente, mandatário da pessoa jurídica (art. 2º da Lei nº 9.605/1998), representante legal ou contratual (se não forem supracitados), ou representante do órgão técnico (art. 3º da Lei nº 9.605/1998). Sobre esses, recai a responsabilidade dos atos praticados.
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2 POR QUE SE COMETE O CRIME AMBIENTAL Quando as penas aplicáveis são amenas, ou seja, acabam superprotegendo os incriminados, supostamente o descuido para incorrer ao crime é bem maior. Corroborando com as bases desta hipótese, o Professor Shecaira (1999, p. 130) afirma:
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As responsabilidades civis e/ou administrativa, são aplicadas nos países em que se nega a responsabilidade da empresa. A Itália e a Espanha são exemplos de países que adotam a responsabilidade civil. A Alemanha adota a responsabilidade administrativa. Em ambos os casos, no entanto, observa-se que tais medidas são débeis para o verdadeiro combate ao crime, sobretudo no que concerne à criminalidade.
Aqui o autor chama a atenção para o fato do posicionamento da lei frente ao dano, ao prejuízo, seja ele reparável ou não. É neste sentido, especificamente ético, que a Lei Maior precisa estar preocupada, pois o caráter penal deve estar atrelado a evitar o dano ou ao seu possível reparo. Não sendo objeto de facilitação do crime. Pois, se civilmente a empresa dispõe de “caixa” suficiente para pagar uma multa “X” por um dano que, de antemão, lhe será lucrativo, sem dúvida ela o fará, pois ela não encontra na pena o limite ético, o seu dever para com a sociedade, que é também o seu próprio espaço de sobrevivência. Utiliza-se o termo ética no mesmo sentido de responsabilidade moral para com outrem. Assim, uma vez que o mandatário, auditor ou gerente da pessoa jurídica saiba de uma conduta como sendo criminosa, e deixa de impedi-la quando poderia fazê-lo, está cometendo infração à lei que os normatiza juridicamente: são obrigados ope legis a impedir o resultado da ação criminosa.
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Nisso vale reafirmar que o impedimento da conduta criminosa deriva, portanto, da própria lei.
Há que se levar em conta, na questão dos cometimentos de crimes ambientais, duas questões: a omissão e a evitação. A omissão no Direito Penal é um non facere (João B. Gonzaga), isto quando atinge um bem jurídico tutelado, no caso o ambiente. Em que consiste a omissão? É um não agir em determinado momento para determinada direção, não por esquecimento, mas sim pela falta de cautela. O esquecimento em si não é ato reprovável, mas esquecimento vinculado a alguma obrigação; a priori, é culpável e cabe punição. Szinck (2001, p. 30-31) cita dois exemplos bastante convincentes: O do médico que pode esquecer um instrumento dentro do paciente após a operação, causando maiores danos àquela pessoa (desatenção), e o de uma pessoa que esquece uma vela acesa dentro de um paiol ou nas proximidades de objetos inflamáveis, vindo a ocasionar posterior incêndio.
Na verdade, omissão é não impedir um resultado que a lei ordena. E nisto se comete o crime. Evitar agir em prol da não consecução de uma conduta danosa e não fazê-lo também é estar compactuando com o crime, pois, no dever de impedir, ele se omite propositalmente, evitando simplesmente, não tomando partido da situação. Neste caso é o non facere quod debetur (não fazer o que se esperava que fizesse). Szinck (2001, p. 31) afirma, em outro exemplo bastante significativo, que é o da planta: “Pode-se matar uma planta fazendo-a secar diretamente, ou até arrancando-a do solo [...] como também não a regando e não dando os cuidados que uma planta precisa”. Além desses aspectos doutrinários evidenciados: a leveza da lei, a omissão, a abstenção, a falta de ética, é notório ainda ressaltar informações dos mais variados meios de comunicação
Estamos em um mundo dito moderno. Em um sistema capitalista, mais capitalista do que nunca. Os produtos de agora já não são o de outrora, são mais refinados, “logo” mais tóxicos. É claro que as empresas querem o progresso (“do país, do mundo... delas”!). Mas o que chama a atenção quanto ao cometimento do crime é que, mesmo ante o “Império” da Lei Ambiental e das conquistas constitucionais, o que se vê nas revistas, nos jornais, na televisão e na rede mundial da Internet são belezas naturais sendo destruídas pela devastação, poluição, desequilíbrio ecológico, etc. Essas comunicações em suas críticas não deixam de mencionar o desejo de consumo desenfreado instigado pela globalização. É uma concepção de mundo e de mercado ditada por países que já degradaram por demais o meio ambiente onde habitam. Nas críticas, os jornalistas referem-se ao FMI e ao Banco Mundial como os grandes cabeças que ditam políticas “que não são exatamente as deles”!
2.1 Qual o tipo de ressarcimento cabível ao possível crime cometido Uma vez cometido o crime, seja por omissão, seja por “ação”, a lei se impõe, ao menos deve se impor. E nisto o patrimônio lesado deverá ser ressarcido dos prejuízos e das consequências. A reparação do dano ao ofendido, no caso a pessoa jurídica, oferece maior grau de garantia, representada pelo patrimônio da empresa.
Quanto aos tipos de penas aplicáveis à pessoa jurídica, verifica-se que, ao lado das de cunho patrimonial de multa, pode haver a previsão de apreensão de bens, interdição de estabelecimentos, prestação de serviços à comunidade e até a própria extinção da pessoa jurídica. O poder da pena intimida até mesmo a resistência e a “apelação”, como o que diz Ribas, apud Cernicchiaro (2002, p. 25): “A interdição de funcionamento, a dissolução da entidade, além da perda de bens [...] superam a resistência com facilidade”. Quanto às definições das penas propriamente ditas, a mais conhecida e utilizada é a multa. Para tanto, prevê a capacidade econômica de o agente causador do crime elevar em três o valor da conta do bem estimado. Por definição, a multa é: a diminuição do patrimônio econômico, estabelecida por lei, como sanção de um delito. A multa, também chamada de pena pecuniária, segundo Szinck, apresenta vantagens sobre as penas alternativas em geral. E possui algumas características inerentes que se faz necessário descrever. Possuem as penas pecuniárias a mesma natureza das demais penas; é aflitiva, uma vez que causa sensações de desagrado a quem é imposta; é coercitiva, pois é uma imposição legal que, uma vez não cumprida, torna o infrator sujeito a prisão; é pessoal, atinge somente o culpado; ressocializante, tem o objetivo de, não tirando o indivíduo de seu meio social, não dificultar a sua reinserção; é punitiva, produto de uma infração, por isso é imposta como castigo; é reparatória, na forma de ressarcimento à vítima ou seu legítimo representante; é remissível, mais rápida à sua proporcionalidade, tendo em vista o delito e a sua reparação; é divisível, por ser imposta em quantum e em dinheiro, propicia enorme divisibilidade, que tem importância no parcelamento da
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de massa, entre eles revistas especializadas que alertam sobre o quanto o planeta (o meio ambiente) tem sofrido degradação. E, dessa maneira, sabe-se que as empresas são as maiores provocadoras desse dano. Por quê?
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pena; é instrutiva, por causa da intimidação que exerce: geral para os demais e em especial para o condenado. Enfim, a multa parece não só possibilitar o cumprimento da pena com maior brevidade, como se estende em inúmeros outros caracteres importantes na penalidade que se torna “educativa”, pois é ostensiva como pena. As penas aplicáveis isoladas, cumulativa ou alternativamente às pessoas jurídicas (art. 21 da Lei nº 9.605/1998), são: multa restritiva de direitos e prestação de serviços à comunidade. Como em todas as infrações penais, há a pena de multa – cumulativa ou alternativa – e é essa a pena a ser imposta. De acordo com o grau e a extensão da degradação ambiental e dos prejuízos que se hajam causado, os infratores receberão, ao lado da pena de multa, a pena como restrição de direitos ou prestação de serviços à comunidade. Szinck (2001, p. 218) revela ainda que:
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Nos crimes ambientais a pena de multa é aplicada em todos os crimes, alternativa ou cumulativa para a pessoa física; para a pessoa jurídica sempre como alternativa mais cumulativa com outras penas alternativas. Em síntese a pena de multa, também para pessoa física, é sempre imposta, cumulativa [...] e alternativa ou cumulativa [...] para a pessoa jurídica isolada.
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Sobre as penas restritivas (art. 22 da Lei nº 9.605/1998), ressaltam-se alguns aspectos de: suspensão parcial ou total das atividades; interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade; proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter auxílio, subvenção ou doações. A pena de prestação de serviço à comunidade é de alta significação, mas deve ser aplicada corretamente, segundo Szinck (2001, p. 229-231), “por aplicação inicial de um Estado da Federação”. Os tipos de penas restritivas:
a) Suspensão das atividades: A suspensão das atividades ocorrerá quando estas não estiverem obedecendo às disposições legais ou regulamentares, relativas à proteção do meio ambiente. b) Interdição: Será aplicada quando o estabelecimento, atividade ou obra estiver funcionando sem a autorização, ou até mesmo em desacordo com a possível autorização concedida, ou ainda com a violação de disposição legal ou regulamentar. c) Proibição de contrato: É uma pena de grande repercussão na execução de suas finalidades. O art. 3º prevê que “a proibição de contratar com o Poder Público e dele obter subsídios, subvenções ou doações não poderá exceder do prazo de dez anos”. Sobre a prestação de serviços, consoante o art. 23 da Lei nº 9.605/1998, esclarece que: a prestação de serviços representa, a nosso ver, ao lado da recomposição de danos causados, a pena de maior abrangência e interesse na punição da pessoa jurídica, não tanto para ela, mas para a coletividade. Ainda sobre a prestação de serviços à comunidade enquanto penalidade, ela consiste em: a) custeio de programas e projetos ambientais; b) execução de obras de recuperação de áreas degradadas; c) manutenção de espaços públicos; d) contribuições a entidades ambientais ou culturais. O objetivo é a execução de atividades pelo condenado, no caso a empresa, de forma “gratuita”, isto é, sem ônus ao beneficiado. Existe ainda a possibilidade de programas e projetos a serem
Quanto à liquidação forçada (art. 24 da Lei nº 9.605/1998) é útil saber: A pessoa jurídica constituída ou utilizada, preponderantemente, com o fim de permitir, facilitar ou ocultar a prática de crime definido nesta lei será decretada sua liquidação forçada, seu patrimônio será considerado instrumento do crime e como tal perdido em favor do Fundo Penitenciário Nacional.
É como se fosse a pena de morte da empresa. É a maior pena que ela pode sofrer, pois é a sua extinção forçada. Ainda sobre os tipos de penas aplicáveis à pessoa jurídica, tem-se a apreensão do produto (art. 25 da Lei nº 9.605/1998). Segundo este artigo: verificada a infração, serão apreendidos seus produtos e instrumentos, lavrando-se os respectivos autos. Um caso típico desse tipo de apreensão é o da rede de pesca, quando obviamente o Ibama ou a Guarda Florestal apanha os pescadores além dos limites permitidos ou em época de desova de peixes, quando não é permitido pescar. Neste caso, as barcas e outros instrumentos são apreendidos. A apreensão é no processo penal brasileiro um meio de prova acautelatória e coercitiva, que consubstancia no apoderamento de elementos instrutórios (in casu) coisas e objetos (instrumentos) ligados ao criminoso ou à infração criminosa. Na realidade, funcionam, evidentemente, como meios de prova. Ainda sobre a apreensão, vale ressaltar o tipo de produto. Quanto aos animais, geralmente serão libertados em seu habitat ou entregue a jardins zoológicos, fundações ou entidades especializadas sob a responsabilidade de técnicos.
Materiais perecíveis ou madeira serão avaliados e doados a instituições científicas, hospitalares, penais e outras finalidades beneficentes. No caso da fauna, o art. 25, § 3º, dispõe: “Os produtos e subprodutos da fauna não perecíveis serão destruídos ou doados a instituições científicas, culturais ou educacionais”.
2.2 Qual o fundamento das penas segundo alguns argumentos doutrinários Mesmo que alguns penalistas, principalmente os mais apegados à tradição, tenham visto na pena um empecilho à punição da pessoa jurídica, em verdade a pena não representa problema maior. Szinck (2001, p. 230), ao discutir a questão, ironiza dizendo: “Quem pensar em pena privativa de liberdade (colocar a empresa na cadeia) mais do que objeção será passível do ridículo. Mesmo porque [...] a pena privativa de liberdade está fadada à extinção: hoje é reservada só às penas mais graves [...]”. As penas que se priorizam na modernidade são as alternativas. Estas possuem um processo de individualização que se subdivide em: aplicação, cominação e execução. No caso da pessoa jurídica, a pena de morte é sua maior pena, e é imposta. É de natureza administrativa, por isso não há base nas afirmações que dizem societas punire non potest. As penas pecuniárias são, sim, segundo o autor (Szinck), as penas mais apropriadas à pessoa jurídica, isto é, a pena de multa penal, e, nos casos mais graves, a interdição e o confisco. Vale saber que boa parte das penas alternativas tem aplicação na pessoa jurídica, como, por exemplo, a prestação de serviços à comunidade, muito usada no caso de crime contra o meio ambiente. Inclusive nos Estados Unidos – community service –
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feitos pela empresa, no intuito de recuperação do dano. Também poderá a empresa fazer contribuições a entidades (uma associação, um ente, uma agremiação). As entidades devem, de preferência, ser ambientais e também públicas.
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organizational probation, para casos de corpore crime. Ainda nos EUA, na Alemanha e na Áustria – public interest director, ou seja, a inclusão de um dirigente tutor é a interferência penal na administração da firma. Estas são medidas que, fora a multa, são consideradas administrativas, como são também as medidas de segurança. As sanções penais impostas às pessoas jurídicas, conforme defende Szinck (2001, p. 231), são idênticas àquelas impostas às pessoas físicas: Nesses crimes ambientais [...] o interesse é que a conduta antijurídica seja, de pronto, paralisada, cessando os efeitos danosos da mesma. A punição da pessoa jurídica decorre de sua atuação antijurídica, de início, condutas omissivas e culposas, hoje como violação que produz prejuízo, dentro da escola finalista da “natureza das coisas”.
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Outra característica interessante para a sanção penal é a da responsabilidade ou culpabilidade da pessoa jurídica, que não se limita a ela, mas é ostensiva à sociedade. Trata-se de uma responsabilidade social, o que se coaduna com a responsabilidade moral. É a teoria do risco, que já incorre em uma culpa, que é a voluntariedade, ou também conhecida como elemento subjetivo da contravenção.
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A responsabilidade penal ambiental daqueles que praticam atos delituosos contra o meio ambiente encontra o seu fundamento na própria Constituição Federal. A Lei Fundamental dispõe, conforme assinala Antunes (1996, p. 312), que “[...] as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentes da obrigação de reparar o dano”. A assegurabilidade da lei penal para quem pratica atos ilícitos ao meio ambiente está prevista tanto no Código Penal como na Lei de Contravenções Penais, bem como em uma vasta legislação denominada por Antunes como extravagante.
Antunes (1996, p. 312) salienta ainda que dos diversos aspectos do Direito Ambiental o que mais se aproxima do Direito Tradicional é o Direito Penal Ambiental. Assim é porque os conceitos básicos do Direito Penal, em grande medida, permanecem válidos e fundamentais para a responsabilização do praticante do ilícito penal ecológico. Os conceitos fundamentais de legalidade, tipicidade e subjetividade existem no Direito Penal Ambiental com força igual àquela que possuem em outros setores do Direito Penal, seja no comum, seja no especial.
Sobre isto, é pertinente ressaltar o fator sociológico, uma vez que a punição depende, entre outros fatores, de uma consciência social que admita a gravidade social da conduta atípica para com o meio ambiente enquanto bem coletivo. Neste sentido, não se pode deixar de mencionar a concepção da culpabilidade enquanto fundamento da pena, não nos moldes tradicionais das diferentes concepções de culpabilidade, ou seja, normativas, psicológicas, finalista ou adequação social; mas, sim, em uma concepção atual. Onde se vincula a culpabilidade do autor ao fato, aspecto esse denominado como imputação subjetiva. A culpabilidade sugere uma singularidade de análise do caso, pois, em se tratando do ser humano, a resultante dessa análise pode ser tão desigual quanto o objeto dela, o próprio homem. Segundo Shecaira (1999, p. 77), a culpabilidade pretende ser um juízo individualizador. “A antijuridicidade, por seu turno, determina qual seja a ação vinculada abstratamente ao indivíduo que a realiza, de tal forma que este se encontre impessoalmente em contraste com a ordem jurídica”. A pena se reveste nos conformes da infração praticada. Se o praticante foi o indivíduo, empregado da empresa, por exemplo, ele o fez de algum modo sob sua tutela, sob seu comando. Esse alguém, pessoa física, ao cometer o crime no âmbito da
Deste modo, pode-se compreender que a responsabilidade é assegurativa ao não voluntarismo, pois ela contém em si uma obrigação de segurança. Ao lado do conceito da culpa subjetiva, há a violação de um dever anterior. Requer-se um ato culpável, ainda que a culpa seja tênue. A responsabilidade social é um tipo de juízo de referência, com uma função própria, de controle normativo-social, pois, havendo ofensas a bens jurídicos da comunidade, distribuem-se as responsabilidades sociais. Por isso, as penas às pessoas físicas ou jurídicas diante da possibilidade ou do ato criminal são plenamente justificáveis, uma vez que há uma coletividade à mercê da entidade que objetivamente opera na condição de empresa. Mas que subjetivamente são seus agentes os sujeitos ou indivíduos a executarem as ações que lhe são imputadas e, ao mesmo tempo, são estes mesmos indivíduos sujeitos que “desaparecem” quando o que impera é o estandarte composto – pessoa jurídica, pois ela (a empresa) se torna quase que um ente com vida própria.
3 POSSIBILIDADE PARA A OCORRÊNCIA DE CRIME AMBIENTAL POR PARTE DA EMPRESA (SEDE DE LUCRO – DESCONHECIMENTO TÉCNICO OU DESCUIDO ADMINISTRATIVO) Para a compreensão da possibilidade da ocorrência de crimes ambientais cometidos pelo homem, desde a sua fase menos organizada até a mais organizada (empresarial), precisa-se ater um breve olhar à história.
Sendo parte da natureza, e dela dependendo para viver, o homem a explora. Para satisfazer as suas necessidades, modifica o ambiente que o cerca, criando situações especiais a seu favor. Além das necessidades biológicas básicas de alimentação e abrigo, o homem tem necessidades sociais e culturais. Por isso, desde os tempos pré-históricos, vem causando mais alterações no ambiente que todos os demais seres vivos. O homem primitivo sai da era neolítica. Cultiva as plantas, cria os animais, resolve o problema da fome “imediata” e, com isso, permite o aumento da população humana. Logo, a humanidade precisa abrir espaço cada vez maior para a construção de cidades e, desse modo, o meio ambiente vai ficando à mercê dos ditames do progresso, o que, às vezes, custa muito caro a esta mesma humanidade. O preço a pagar são os crimes ambientais, que desde a Revolução Industrial têm se tornado cada vez mais frequentes, insistentes e ampliados. Paralelo a ele está a lei a combatê-lo. Mesmo assim, não é pouca a degradação ambiental. O homem, e mais especificamente o homem na organização intitulada empresa, é o maior causador dessa degradação, pois é também o maior explorador de recursos naturais, ou fabricante de matéria-prima. Enfim, em busca do progresso ocorrem desmatamentos, queimadas, efeito estufa, chuva ácida, contaminação radioativa, poluição atmosférica, etc. Do ponto de vista histórico, a possibilidade do crime está atrelada à possibilidade do progresso moderno. O que é quase inevitável. O que existe e tem sido feito são medidas paliativas de remediação, prevenção, educação ambiental, campanhas, etc.
REFERÊNCIAS ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1996.
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pessoa jurídica, o faz porque está estritamente vinculado a ela. “O que faz com que se decida a natureza da reprovação estatal é a qualificação jurídica do interesse violado, não a natureza do sujeito que cometeu a violação”.
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BENJAMIM, Antônio Hermam V. Revista de Direito Ambiental, São Paulo: Revista dos Tribunais, a. 6, n. 24, 2001. ______. Revista de Direito Ambiental, São Paulo: Revista dos Tribunais, a. 7, n. 25. CASTRO, Newton de. A questão ambiental. O que todo empresário precisa saber. Brasília: Sebrae, 1996. COIMBRA, José de Ávila Aguiar. O outro lado do meio ambiente: uma incursão humanista na questão ambiental. Campinas: Millennium, 2002. MUKAI, Toshio. Direito ambiental sistematizado. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. MÜLLER, Mary Stela; CORNELSEN, Julse Mary. Normas e padrões para teses. Dissertações e monografias. 3. ed. Londrina: UEL, 2201. PRADO, Luiz Regis. Crimes contra o ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. SANTOS, Antônio Silveira R. dos. Programa ambiental. A última Arca de Noé. Disponível em: <http://aultimaarcadenoe.com/crimedefine.htm>. Acesso em: 10 jun. 2003. SHECAIRA, Sérgio Salomão. Responsabilidade penal do meio ambiente. São Paulo: Saraiva, 1998. SZINCK, Valdir. Direito penal ambiental. São Paulo: Ícone, 2001.
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VAZ, Paulo Afonso Brum; MENDES, Murilo. Meio ambiente e mineração. Revista Jurídica Consulex, Brasília/DF, a. 4, v. 1, n. 42, p. 46-49, 30 jun. 2000.
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Doutrina
Causas Impeditivas de Recursos CLEITON CARLOS DE ABREU COELHO BARRETO Assistente de Promotoria junto ao Ministério Público do Estado de Rondônia, Bacharel em Direito pela Faculdade Interamericana de Porto Velho – Uniron.
ROGÉRIO MONTAI DE LIMA Juiz de Direito Substituto do Tribunal de Justiça de Rondônia, Mestre e Doutorando em Direito, Professor de Graduação e Programas de Pós-Graduação em Direito.
RESUMO: A morosidade da solução dos conflitos de interesses por parte do Estado vem causando sérios prejuízos à sociedade e ao próprio Poder Judiciário, órgão responsável pela prestação jurisdicional do Estado. Na esperança de proporcionar à população uma justiça célere, porém eficaz, o legislador procurou solucionar o problema, criando mecanismos que encurtassem o tempo de espera pela prestação jurisdicional do Estado. A solução encontrada foi a de se restringir ao máximo a interposição de recursos, o que, consequentemente, força a antecipação do trânsito da demanda, colocando termo ao processo e à prestação jurisdicional do estatal. Esses mecanismos de frenagem dos recursos podem ser chamados de “causas impeditivas de recursos”. A Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004, foi responsável pela inclusão, no direito processual civil, de duas causas impeditivas de recursos, quais sejam, a cláusula de repercussão geral do recurso extraordinário e a polêmica súmula vinculante. Na presente pesquisa, verificar-se-ão as duas citadas causas impeditivas de recurso e os seus reflexos no direito processual civil, com o auxílio da teoria geral dos recursos.
PALAVRAS-CHAVE: Causas impeditivas; recurso extraordinário; súmula vinculante; teoria geral. SUMÁRIO: Introdução; 1 Causas impeditivas de recurso; 1.1 Relevância da questão federal; 1.2 Juizados especiais; 1.2.1 Inclusão dos juizados especiais na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988; 1.3 Unificação da jurisprudência dos tribunais por meio da edição de súmulas persuasivas; 1.4 A Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro 2004, e a reforma do Judiciário; 1.4.1 Inclusão da cláusula de repercussão geral do recurso extraordinário na Constituição da República Federativa do Brasil; 1.4.2 Súmula com efeito vinculante; 1.5 Outras medidas adotadas pelo Poder Judiciário para acelerar a prestação jurisdicional do Estado; 2 Recurso extraordinário e cláusula de repercussão geral; 2.1 Previsão legal do recurso extraordinário e da cláusula de repercussão geral; 2.2 Pressupostos de admissibilidade do recurso extraordinário; 2.3 Processamento do recurso extraordinário; 2.4 Cláusula de repercussão geral e multiplicidade de recursos com fundamentos idênticos (artigo 543-B); 3 Súmula vinculante; 3.1 Conceito de súmula vinculante; 3.2 Objetivos da súmula vinculante; 3.3 Competência para editar, propor, modificar, revisar ou cancelar súmulas vinculantes; 3.4 Súmula vinculante como causa impeditiva de recurso e súmula não vinculante impeditiva de recurso; Considerações finais; Referências.
INTRODUÇÃO O Poder Judiciário vem sendo objeto de sérias críticas da população em virtude da morosidade da solução dos conflitos de interesses levados a seu conhecimento por meio do processo. Em razão desse problema, o legislador resolveu criar mecanismos que viabilizassem a aceleração da prestação jurisdicional do Estado, que aproximasse o Poder Judiciário da população, sem, contudo, prejudicar a eficácia das decisões proferidas nos processos.
A solução mais oportuna encontrada pelo legislador para acabar com a morosidade do trâmite processual nos tribunais brasileiros foi a criação de mecanismos jurídico-processuais capazes de restringir a protelação da jurisdição, para os Tribunais Superiores, por meio dos recursos. Em outras palavras, o legislador criou situações que objetivam impedir a interposição de recursos, visando à celeridade na prestação jurisdicional do Estado. Para explicar as principais causas impeditivas de recurso, a presente pesquisa foi dividida em três capítulos.
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No primeiro capítulo, verificar-se-á a preocupação do Estado, com a problemática da morosidade do Poder Judiciário no exercício da prestação jurisdicional estatal em face dos litígios sob sua tutela. A Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969, incumbiu o Supremo Tribunal Federal de regulamentar o processamento do recurso extraordinário. Naquela oportunidade, os Ministros do Supremo Tribunal Federal já estavam preocupados com o excesso de recursos extraordinários que chegavam àquela Corte Suprema. Com o nítido objetivo de dificultar a interposição daqueles recursos, o Supremo Tribunal Federal resolveu instituir um novo requisito de admissibilidade no recurso extraordinário, chamado de relevância da questão federal.
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superior, evitando-se decisões divergentes e conflitantes. Além disso, como a jurisprudência já estava firmada e pacificada, a análise da demanda por parte dos magistrados dispensava maiores considerações, proporcionando, assim, maior celeridade na resolução dos conflitos apresentados no Poder Judiciário. Posteriormente, surgiram os Juizados Especiais de Pequenas Causas, ou, como popularmente era conhecido, “Juizado de Pequenas Causas”, com o advento da Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984, em que o legislador expressamente deixou clara a preocupação pela solução rápida dos processos no âmbito do Poder Judiciário. Os processos apresentados naquela instituição tramitavam sob a égide dos princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, observando-se, sempre que possível, a solução do litígio por meio da conciliação entre as partes. Com a promulgação da Constituição da República Federativa de 1988, o Juizado Especial de Pequena Causa passou a ter status de norma constitucional, tendo sido destacado no art. 98, que foi regulamentado pela Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995 (Juizados Especiais Estaduais), e pela Lei nº 10.259, de 12 de julho de 2001 (Juizados Especiais Federais).
A partir de então, os litigantes, que, à época, pretendiam recorrer ao Supremo Tribunal Federal por meio do recurso extraordinário, deveriam demonstrar, em sua peça recursal e em preliminar, que a matéria de cunho constitucional supostamente violada transcendia aos interesses das partes litigantes.
Em 2004, é promulgada a Emenda Constitucional nº 45, responsável pela implementação de várias alterações no âmbito do Poder Judiciário brasileiro, incluindo na legislação processual, especificamente na parte recursal, as súmulas com efeito vinculante e a cláusula de repercussão geral como requisito de admissibilidade do recurso extraordinário.
Outra forma de se viabilizar a celeridade da prestação jurisdicional do Estado foi a adoção da unificação da jurisprudência dos tribunais por meio de edição de súmulas persuasivas. Essas súmulas foram criadas para pacificar o entendimento dos tribunais em relação a matérias reiteradas no âmbito do órgão
O segundo capítulo é dedicado à análise exclusiva da cláusula de repercussão geral do recurso extraordinário, verificando-se os posicionamentos doutrinários acerca do requisito de admissibilidade recursal daquele recurso extremo.
1 CAUSAS IMPEDITIVAS DE RECURSO A prestação jurisdicional brasileira, ainda hoje, vem sendo criticada pelos operadores do direito em razão da demora na prestação jurisdicional por parte do Estado. A crítica é pertinente, já que os dados estatísticos extraídos do Relatório Anual do Conselho Nacional de Justiça1 (CNJ), do ano de 2008, informam que, em 2007, foram protocolizados nos Tribunais de Justiça dos Estados aproximadamente 17,5 milhões de demandas. No mesmo ano, o mesmo Conselho apurou que a taxa de congestionamento dos processos no âmbito nacional foi de 74% (setenta e quatro por cento), sendo que o maior congestionamento de processos deu-se nos juízos de primeiro grau de jurisdição, com cerca de aproximadamente 80% (oitenta por cento). José Alfredo de Oliveira Baracho2 relata o excesso de trabalho no Supremo Tribunal Federal, ao dizer que: 1 Relatório Anual de 2008 do Conselho Nacional de Justiça. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/images/conteudo2008/relatorios_anuais/relatorio_anual_cnj_2008.pdf>. Acesso em: 5 nov. 2009. 2 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Direito processual constitucional. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 775.
O relatório elaborado pelo Supremo Tribunal Federal sobre a reforma do Poder Judiciário salienta o excesso de serviço no Supremo Tribunal Federal, onde afluem recursos sem relevância e infundados, em sua maioria [...].
O relatório do Supremo Tribunal Federal, informado por José Baracho, destaca que um dos problemas pelo excesso de trabalho no Supremo Tribunal ainda é a interposição infundada de recursos extraordinários com o intuito de protelar a decisão proferida pelo Estado-juiz, prejudicando assim aqueles que realmente necessitam da prestação jurisdicional do Estado. A solução encontrada pelo legislador para tentar diminuir o tempo de espera pela prestação jurisdicional do Estado, bem como a interposição de recursos meramente protelatórios, foi a adoção de mecanismos jurídicos que viabilizassem a aceleração do trânsito em julgado da demanda e, consequentemente, a efetiva prestação jurisdicional. Surgem então as causas impeditivas de recursos como meio de se inibir a interposição de peças recursais. Assim, deve-se entender que qualquer meio processual que restrinja o direito de recorrer das partes é uma causa impeditiva de recuso. Neste capítulo, estudar-se-á a origem das principais causas impeditivas de recursos.
1.1 Relevância da questão federal A preocupação em impedir o excesso de recursos no Poder Judiciário e a consequente demora na prestação jurisdicional do Estado podem ser observadas através do surgimento da “relevância da questão federal do recurso extraordinário”. A Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969, por meio do parágrafo único do art. 119, incumbiu o Supremo Tribunal Federal de regulamentar o modo de processamento dos
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No terceiro capítulo, analisar-se-ão as súmulas com efeito vinculante e as súmulas impeditivas de recursos propriamente ditas, previstas no § 1º do art. 518 do Código de Processo Civil, bem como o posicionamento doutrinário acerca do tema e os efeitos vinculativos das referidas súmulas, verificando-se, também, se os magistrados são ou não obrigados a aplicar o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal.
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recursos de competência originária, por meio de seu regimento interno, incluindo-se o recurso extraordinário.
regimento interno, ao qual, em seus arts. 161 e 335, regulou toda a matéria dos recursos que eram de sua competência.
O art. 119, caput e parágrafo único, da Emenda Constitucional nº 1, de 1969, assim discorria:
Neste novo regimento interno, o Supremo Tribunal Federal limitou as matérias que poderiam ser combatidas pelo recurso extraordinário. Como bem destaca Marcos Afonso Borges3:
Art. 119. Compete ao Supremo Tribunal Federal: [...] Parágrafo único. As causas e se refere o item III, alíneas a e d, deste artigo, serão indicadas pelo Supremo Tribunal Federal no Regimento Interno, que atenderá à sua natureza, espécie ou valor pecuniário. § 1º As causas a que se fere o item III, alíneas a e d, deste artigo, serão indicadas pelo Supremo Tribunal Federal no regimento interno, que atenderá à sua natureza, espécie, valor pecuniário e relevância da questão federal. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 7, de 1977). § 2º O Supremo Tribunal Federal funcionará em plenário ou dividido em turmas. (Incluída pela Emenda Constitucional nº 7, de 1977) § 3º O regimento interno estabelecerá: (Incluída pela Emenda Constitucional nº 7, de 1977).
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a) a competência do plenário, além dos casos previstos nas alíneas a, b, c, d, i, j, l e o do item I dêste artigo, que lhe são privativos; (Incluída pela Emenda Constitucional nº 7, de 1977)
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b) a composição e a competência das turmas; (Incluída pela Emenda Constitucional nº 7, de 1977). c) o processo e o julgamento dos feitos de sua competência originária ou recursal e da argüição de relevância da questão federal; e (Incluída pela Emenda Constitucional nº 7, de 1977). d) a competência de seu Presidente para conceder o exequatur a cargas rogatórias e para homologar sentenças estrangeiras. (Incluída pela Emenda Constitucional nº 7, de 1977).
Exercendo o poder que lhe foi conferido pela Emenda Constitucional nº 1 e 1969, o Supremo Tribunal Federal editou um novo
No que diz respeito ao recurso extraordinário (arts. 304 a 308), trouxe uma grande inovação, inserta no art. 308, ao disciplinar que: “Art. 308. Salvo nos casos de ofensa à Constituição, ou discrepância manifesta da jurisprudência predominante do Supremo Tribunal Federal, não caberá recurso extraordinário, a que alude o seu art. 119, parágrafo único, das decisões proferidas: I – nos processos por crime ou contravenção a que sejam cominadas penas de multa, prisão simples ou detenção, isoladas, alternadas ou acumuladas, bem como as medidas de segurança com eles relacionados; II – nos litígios decorrentes: a) de acidente de trabalho; b) das relações de trabalho mencionadas no art. 10 da Constituição; III – nos mandados de segurança, quando não julgarem o mérito; IV – nas causas cujo benefício patrimonial, determinado segundo a lei, estimado pelo autor no pedido, ou fixado pelo juiz em caso d impugnação, não exceda, em valor de sessenta vezes os maior salário-mínimo vigente no País, na data de seu ajuizamento, quando uniformes s pronunciamentos das instâncias ordinárias; e de trinta, quando entre elas tenha havido divergência, ou se trate de ação sujeita a instância única”.
Percebe-se, então, que já era interesse dos Ministros do Supremo Tribunal Federal limitar a matéria em torno do recurso extraordinário. Nesse ponto, é possível perceber, claramente, que o Supremo Tribunal Federal, quando da regulamentação do processamento dos recursos de sua competência originária, passou a legislar sobre matéria constitucional, já que a então Constituição de 1969 apenas limitou-se a dizer, e de forma genérica, os casos em que caberiam os recursos extraordinários, deixando ao Supremo Tribunal Federal a tarefa de regulamentar o trâmite daqueles recursos junto àquela Corte. 3 BORGES, Marcos Afonso. O recurso extraordinário e a repercussão geral. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 156, p. 38, fev. 2008.
A relevância da questão federal assemelha-se muito com a cláusula de repercussão geral, prevista no art. 102, § 3º, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que será analisada em capítulo próprio. O termo em questão, criado pelo Supremo Tribunal Federal e regulamentado por seu regimento interno, significava, à época, que aquele que manifestasse interesse em interpor recurso extraordinário deveria, em capítulo próprio, demonstrar aos Ministros do Supremo Tribunal Federal que a matéria constitucional debatida em seu recurso extraordinário era de suma importância do ponto de vista federal. Em outras palavras, deveria demonstrar aos Ministros que a questão federal ali guerreada também interessava à coletividade. Somente os Ministros do Supremo Tribunal Federal detinham a competência para julgamento da “relevância da questão federal”. O processamento dessa “arguição de relevância federal” se dava por instrumento e da seguinte maneira: o recorrente deveria demonstrar “relevância da questão federal”, em capítulo próprio, de forma sucinta, porém devidamente fundamentada e instruída com as cópias da sentença de primeira instância, o acórdão recorrido e a petição do recurso extraordinário. Ao final do capítulo, o recorrente deveria requer ao Presidente do Tribunal recorrido a formação de instrumento. Feito isto, o Presidente do Tribunal recorrido mandaria formar o instrumento.
Depois de formado o instrumento, o Presidente do Tribunal recorrido remetê-lo-ia ao Supremo Tribunal Federal para processamento em duas vias. É importante frisar que somente o instrumento de que tratava a “relevância da questão federal” subia ao Supremo Tribunal Federal, já que a peça do recurso extraordinário só poderia subir ao Supremo, depois de conhecida a “relevância” pelos Ministros da Suprema Corte. Após a chegada do instrumento junto ao Supremo Tribunal Federal, sua nomenclatura alterava-se, passando a chamar-se de “arguição de relevância”, ao qual ficava sob responsabilidade de um Ministro Relator, que providenciava e distribuía cópias da “arguição” para todos os Ministros do Supremo Tribunal Federal, sendo que o original permanecia à disposição de todos os Ministros. Depois de tomado conhecimento da “arguição”, passava-se então para a fase de julgamento. O Ministro Presidente era incumbido de apresentar a “arguição” ao Conselho para apreciação. Essa apreciação não comportava pedido de vista, e o julgamento não precisava ser motivado, não cabendo qualquer recurso contra a decisão proferida. Após a votação, publicava-se a ata da sessão de julgamento, somente com a relação das “arguições” acolhidas e rejeitadas. Se a “arguição” fosse acolhida, comunicar-se-ia ao Presidente o Tribunal recorrido para que este encaminhasse ao Supremo Tribunal Federal o recurso extraordinário, que até então permanecia sob sua guarda, aguardando análise da “arguição de relevância”.
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Em 1975, a Emenda Regimental nº 3 alterou o art. 308 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, criando a chamada relevância da questão federal, com procedimento previsto no § 3º daquele regimento.
A “relevância da questão federal” foi retirada do Texto Constitucional com o advento da Constituição Federal de 1988.
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1.2 Juizados especiais O custo elevado e a morosidade na prestação jurisdicional do Estado fizeram com que a população deixasse de buscar o auxílio da justiça na resolução dos conflitos de interesses de menor complexidade, tais como cobrança e execução de pequenos valores pecuniários, entre outros. Em 7 de novembro de 1984, entrou em vigor a Lei nº 7.244, possibilitando aos Estados, ao Distrito Federal e à União a implantação dos Juizados Especiais de Pequenas Causas. O acesso fácil à justiça e a rápida solução dos conflitos de interesses apresentados nos Juizados de Pequenas Causas eram os principais objetivos a serem alcançados, já que os processos apresentados naquela instituição jurisdicional tramitavam sob a observância dos princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, e, sempre que possível, buscava-se a solução do litígio por meio da conciliação, conforme destacava o art. 2º da Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984, abaixo transcrito:
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Art. 2º O processo, perante o Juizado Especial de Pequenas Causas, orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando sempre que possível a conciliação das partes.
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A adoção dos critérios destacados no artigo citado acima possibilitou o acesso à justiça daqueles que necessitavam do auxílio jurisdicional do Estado, na resolução de conflitos de interesses cujos valores patrimoniais a serem alcançados com a tutela jurisdicional eram de pequena monta. Ademais, o cidadão não precisava arcar com as custas e despesas processuais no primeiro grau, exigindo-se apenas o pagamento de preparo na fase recursal.
1.2.1 Inclusão dos juizados especiais na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 reconheceu a utilidade e a importância dos Juizados Especiais de Pequenas Causas e o inclui em seu texto por meio do art. 98, alterando-lhe, porém, o nome para “Juizados Especiais Cíveis e Criminais”. O referido artigo foi regulamentado pela Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, autorizando os Estados a instituírem os Juizados Especiais. Somente em 12 de julho de 2001 é que foram criados os Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal, através da Lei nº 10.259, de 12 de julho de 2001. Os objetivos a serem alcançados com a criação dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais da Justiça Estadual e da Justiça Federal são os mesmos do extinto Juizado de Pequenas Causas, assim como os princípios que circundam a tramitação dos processos nos Juizados, tais como oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação das partes.
1.3 Unificação da jurisprudência dos tribunais por meio da edição de súmulas persuasivas Outra solução encontrada para acelerar a prestação jurisdicional do Estado foi a unificação da jurisprudência dos tribunais por meio da edição de súmulas. Em tese, essas súmulas visam a proporcionar maior estabilidade à jurisprudência e facilitar o trabalho dos advogados e magistrados, simplificando o julgamento de causas repetitivas e,
consequentemente, diminuindo o tempo de espera da prestação jurisdicional Estatal.
1.4 A Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro 2004, e a reforma do Judiciário
A uniformização da jurisprudência nos Tribunais surgiu no Código de Processo Civil de 1939.
A Emenda Constitucional nº 45, que foi promulgada no dia 8 de dezembro de 2004, foi responsável pela implantação de várias alterações e regulamentações no âmbito do Poder Judiciário, tais como a criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a regulamentação do ingresso na magistratura e do processo de vitaliciamento (incisos I e IV, respectivamente, do art. 93 da Constituição da República Federativa do Brasil), a inclusão da cláusula de repercussão geral no Texto Constitucional como requisito de admissibilidade do recurso extraordinário, a adoção de súmulas com efeito vinculante, além de outras.
Seguindo o exemplo do Supremo Tribunal Federal, outros tribunais passaram a formular suas próprias súmulas jurisprudenciais, sob o pretexto de que elas facilitariam e agilizariam o trabalho dos magistrados no exercício de suas funções. Essas súmulas eram dotadas apenas do efeito persuasivo para os julgadores, não os vinculando ao entendimento firmado pelos Tribunais Superiores por meio de suas súmulas. No mesmo sentido, discorre Pedro Lenza4, que as denomina de “súmulas persuasivas”, conforme destaca:
A referida emenda ficou conhecida, doutrinariamente, como “a reforma do Poder Judiciário”, conforme explica Kildare Carvalho5:
Súmula persuasiva: súmula sem vinculação, indicando simplesmente o entendimento pacificado do tribunal sobre a matéria. Atualmente, todos os tribunais a estabelecem. O impacto, contudo, é meramente processual e indicativo [...].
São três os pilares que informaram a reforma: acesso amplo à Justiça, celeridade na prestação jurisdicional, afastando-se sua morosidade, e independência. (destaque não original).
Embora as referidas súmulas persuasivas não impeçam a interposição dos recursos, elas proporcionam um julgamento sem maiores desafios para a convicção do Magistrado em demandas repetitivas, o que dispensa uma análise mais detalhada da demanda, implicando uma prestação jurisdicional rápida, acelerando a prestação jurisdicional do Estado.
4 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 583.
No dia 8 de dezembro de 2004, após quase treze anos de tramitação, foi promulgada a Emenda Constitucional nº 45/2004, que promoveu a reforma do Judiciário.
A reforma proporcionada pela Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004, teve como objetivo acelerar prestação jurisdicional do Estado e, ao mesmo tempo, aproximar a população da Justiça, como bem destacou Kildare Carvalho na referência citada acima. Além disso, a Emenda Constitucional nº 45 acrescentou ao art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 o inciso LXXVIII, assegurando aos jurisdicionados o direito à du5 CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional. 11. ed. rev., atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. p. 750.
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Em 1964, o Supremo Tribunal Federal editou as primeiras súmulas, porém com efeito meramente persuasivo, como forma de unificar o entendimento firmado por aquela Corte.
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ração razoável do processo na esfera judicial ou administrativa, possibilitando a eles a utilização dos meios necessários para a consecução do objetivo elencado constitucionalmente como direito fundamental. Destaca-se que, apesar de o princípio da celeridade processual ter sido elevado à norma constitucional somente em 2004, ressalta-se que, tempos atrás, o Judiciário já o observava como princípio processual a ser respeitado, por meio da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995. Embora louváveis os esforços do legislador para propiciar aos jurisdicionados maior celeridade no trâmite dos processos, entende-se que a instituição da cláusula de repercussão geral como requisito de admissibilidade do recurso extraordinário e edição de súmulas com efeito vinculante visando, como forma de antecipar o trânsito em julgado das demandas, restringindo a interposição dos recursos, foi precipitada.
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1.4.1 Inclusão da cláusula de repercussão geral do recurso extraordinário na Constituição da República Federativa do Brasil
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Com o advento da Emenda Constitucional nº 45, de 2004, o recurso extraordinário passou a ter um outro requisito de admissibilidade recursal, qual seja, a cláusula de repercussão geral, que está prevista no § 3º do inciso III do art. 102 da Constituição da República Federativa do Brasil. No Código de Processo Civil, a cláusula de repercussão geral do recurso extraordinário está regulada nos arts. 543-A e 543-B, acrescentados pela Lei nº 11.418, de 19 de dezembro de 2006. Note-se que a cláusula de repercussão geral implementada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004, é semelhante à extinta
relevância da questão federal estudada no subitem 1.1 desse capítulo. A lei que acrescentou os arts. 543-A e 543-B ao Código de Processo Civil (Lei nº 11.418, de 19 de dezembro de 2006) também conferiu ao Supremo Tribunal Federal a competência para estabelecer normas de regulamentação sobre a cláusula de repercussão geral. Assim, os litigantes que pretenderem interpor recurso extraordinário devem acrescentar àquela peça recursal uma preliminar destacando a cláusula de repercussão geral. Sobre o assunto, o Professor Elpídio Donizetti6 explica que: [...] destaca-se que a repercussão geral da questão constitucional, novo requisito de admissibilidade do RE (art. 102, § 3º, da CR, e arts. 543-A e 543-B do CPC), exige que o recorrente demonstre, em preliminar do recurso, a existência “de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social, ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa” (art. 543-A, § 1º).
Mesmo ciente de que o objetivo da inclusão da cláusula de repercussão geral como requisito de admissibilidade do recurso extraordinário objetiva a celeridade da prestação jurisdicional do Estado a consequente diminuição de recursos no Supremo Tribunal Federal, entende-se que a restrição ao recurso extraordinário era necessária, visto que, no atual sistema recursal, já existem outros mecanismos responsáveis por barrar recursos, tais como as súmulas impeditivas de recursos (§ 1º do art. 518 do Código de Processo Civil, acrescentado pela Lei nº 11.276, de 07.02.2006) e as súmulas com efeito vinculantes (art. 103-A da Constituição da República Federativa do Brasil, acrescentado pela Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004). 6 DONIZETI, Elpídio. Direito processual civil. 9. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 491.
O art. 103-A da Constituição da República Federativa do Brasil também foi incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004. Esse artigo prevê a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal editar súmulas com efeito vinculante, após verificar reiteradas decisões sobre matéria constitucional. A súmula vinculante, além de obrigar o magistrado a aplicar ao caso concreto o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal por meio do referido instituto processual, também impede a interposição de recursos, conforme se destacará no estudo das súmulas vinculantes em capítulo próprio.
1.5 Outras medidas adotadas pelo Poder Judiciário para acelerar a prestação jurisdicional do Estado O Poder Judiciário não se limitou a esperar os resultados das medidas adotadas pela reforma trazidas pela Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004, no sentido de se minimizar o lapso temporal de espera da prestação jurisdicional do Estado. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão do Poder Judiciário criado pela Emenda Constitucional nº 45 (inciso I-A, art. 92 da Constituição da República Federativa do Brasil), passou a comandar campanhas com o intuito de acelerar a prestação jurisdicional com a resolução de conflitos de interesses em um curto período temporal, porém com responsabilidade e transparência. Nesta linha, destacam-se duas das principais campanhas lideradas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a saber: o Meta
27 e o Movimento pela Conciliação8, que aconteceu entre os dia 14 e 19 de setembro de 2009, tendo sido amplamente divulgado pelos principais canais de comunicação, tais como televisão, rádios, jornais, revistas e, principalmente, a Internet, nos sites dos Tribunais dos Estados da Federação brasileira. A exemplo do Conselho Nacional de Justiça, outros tribunais armaram-se com mecanismos que convergem para a consecução de uma prestação jurisdicional eficiente e célere. O Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia disponibilizou em seu site o chamado processômetro9, em que mostra à sociedade, em nítida transparência, dados como o número de processos distribuídos, os processos julgados, os autos pendentes de julgamento e aqueles que estão acumulados. Embora louvável o esforço e o empenho do Poder Judiciário na busca de soluções para a resolução do problema da morosidade da prestação jurisdicional do Estado, entende-se que, se o Poder Judiciário tivesse adotado medidas como as que estão sendo destacadas amplamente nos tempos atuais, o número de processos acumulados não seria tão exorbitante quanto é hoje. Nos demais capítulos dessa pesquisa, verificar-se-ão a cláusula de repercussão geral do recurso extraordinário, a súmula vinculante e as súmulas impeditivas de recursos, adotadas 7 Campanha do Conselho Nacional de Justiça Meta 2. Disponível em: <http:// www.cnj.jus.br/index.php?option=com_content&view=article&id=7909&I temid=963&Itemid=963>. Acesso em: 8 nov. 2009. 8 Campanha Nacional pela Conciliação do Conselho Nacional de Justiça. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/index.php?option=com_content&v iew=article&id=7932&Itemid=973>. Acesso em: 8 nov. 2009. 9 Disponível em: <http://www.tjro.jus.br/velop/faces/jsp/index.jsp>. Acesso em: 8 nov. 2009.
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1.4.2 Súmula com efeito vinculante
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pelo legislador como medidas legais para proporcionar maior celeridade no trâmite dos processos perante o Poder Judiciário.
2 RECURSO EXTRAORDINÁRIO E CLÁUSULA DE REPERCUSSÃO GERAL No ano de 2004, precisamente no dia 8 de dezembro do ano citado, a Emenda Constitucional nº 45 acrescentou ao art. 5º da Constituição da Republica Federativa do Brasil o inciso LXXVIII, assegurando a todo cidadão o direito fundamental de ter uma duração razoável nos processos judiciais e administrativos, além de todos os meios capazes de garantir a celeridade processual, tão almejada pelos jurisdicionados. A partir de então, iniciava-se um novo capítulo na história do Poder Judiciário brasileiro, qual seja, a busca por uma jurisdição célere e eficaz.
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É de se destacar que o Poder Judiciário é um órgão da Administração Pública responsável pela correta aplicação das leis, que são emanadas pelo Poder Legislativo, ao caso concreto. Portanto, não é de sua competência alterar o sistema de prestação jurisdicional à população, competindo essa função ao legislador.
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O Supremo Tribunal Federal, órgão máximo do Poder Judiciário brasileiro, é quem mais sofre quanto à prestação célere da jurisdição aos litigantes, tendo em vista os inúmeros recursos extraordinários que são interpostos àquela Corte. Com o intuito de agilizar o trânsito em julgado das demandas, bem como de diminuir o fluxo de recursos extraordinários interpostos junto ao Supremo Tribunal Federal, os legisladores, por meio da Emenda Constitucional nº 45, de 08.12.2004, acrescentaram ao art. 102 da Constituição da Republica Federativa do Brasil o § 3º.
O referido parágrafo trata da cláusula de repercussão geral, que nada mais é do que outro requisito de admissibilidade recursal do recurso extraordinário. Essa cláusula obriga os recorrentes a demonstrarem ao Supremo Tribunal Federal que as questões constitucionais supostamente violadas são de interesse coletivo, ou seja, que as questões debatidas no recurso extraordinário não se restringem às partes daquela demanda. Nesse sentido, explica Diogo Ciuffo Carneiro10, em seu artigo sobre “Os requisitos de admissibilidade os recursos especial e extraordinário e sua ilegítima utilização como filtros recursais”: “Ao Supremo Tribunal Federal, portanto, apenas chegarão questões cuja importância transcenda a daquele caso concreto [...]”. Assim, não basta que o recorrente, em seu recurso extraordinário, apenas suscite violação a algum dos dispositivos da Constituição da República Federativa do Brasil para que então o Supremo Tribunal Federal venha a conhecer de seu recurso. Pela presente cláusula de repercussão geral, o recorrente deverá demonstrar ao Supremo Tribunal Federal que, além da violação a dispositivos da Constituição da República Federativa do Brasil, as questões constitucionais tidas como violadas são de interesse coletivo e não se restringem somente àquele caso. Estudar-se-á mais a fundo a cláusula de repercussão geral do recurso extraordinário como requisito de admissibilidade recursal, bem como suas consequências junto ao Supremo Tribunal Federal. 10 CARNEIRO, Diogo Ciuffo. Os requisitos de admissibilidade dos recursos especial e extraordinário e sua legitima utilização como filtros recursais. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 160, p. 218, jun. 2008.
O recurso extraordinário está previsto no art. 102, inciso III, da Constituição da República Federativa do Brasil, cabendo ao Supremo Tribunal Federal a competência para o processamento e o julgamento dele. Sendo recurso excepcional, é cabível contra decisões proferidas em única ou última instância de julgamento, que contrarie qualquer dispositivo da Constituição da República Federativa do Brasil, que declare a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal, que julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face da própria Constituição, ou, ainda, que julgar válida lei local contestada em face de lei federal. Diz-se que é recurso excepcional, pois não é por qualquer motivo que os litigantes poderão interpor o recurso extraordinário. Tal recurso não objetiva a reforma da decisão recorrida, que, aliás, é consequência do provimento daquele recurso, mas sim a manutenção da ordem constitucional, não servindo para ensejar a reanálise do mérito da demanda. O recurso extraordinário é cabível apenas em hipóteses taxativas previstas na Constituição da República Federativa do Brasil, sendo correto afirmar que não serve para a reanálise da matéria em litígio, por parte do Supremo Tribunal Federal. Este apenas se limitará a declarar se a decisão recorrida feriu ou não as normas contidas na Constituição da República Federativa do Brasil, exercendo assim o seu dever primordial, que é o de coadunar as condutas sociais e jurídicas ao Texto Constitucional. Vale destacar que o recurso extraordinário possui apenas efeito devolutivo, o que implica dizer que será possível executar, provisoriamente, a sentença proferida em instâncias inferiores.
A regra geral do sistema recursal são os chamados recursos ordinários (apelação, agravo, embargos, etc.), que são julgados por Tribunais locais. A exceção são os recursos especial e extraordinário, que são objetos de estudo neste capítulo. A ciência jurídica não é tão exata quanto à física ou à matemática, pois as normas, embora sejam somente uma, têm interpretações diversas perante os operadores do direito, e, por isso, dependendo do caso concreto, um artigo da Constituição Federal pode ter diversas interpretações, principalmente quanto ao art. 5º dele. Por isso, o recurso extraordinário é o meio pelo qual o Judiciário, através do Supremo Tribunal Federal, garante a todos os cidadãos brasileiros e estrangeiros a uniformização da interpretação da legislação contida na Constituição Federal. No período que antecedeu a Emenda Constitucional nº 45, havia grandes possibilidades de que um recurso extraordinário fosse conhecido junto aos Tribunais de Justiça e no Supremo Tribunal Federal, já que seus pressupostos de admissibilidade eram genéricos. Bastava o Tribunal negar provimentos aos recursos ordinários interpostos que as partes da relação processual apresentavam recurso extraordinário. No entanto, a Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004, acrescentou ao art. 102, inciso III, da Constituição Federal, e regulamentado pela Lei nº 11.418 de 2006, o § 3º, que trata da cláusula de repercussão geral, que consiste em fazer com que os recorrentes demonstrem, efetivamente, que as questões discutidas em seu recurso são de interesse geral, e não apenas restrito àquele caso concreto. Em outras palavras, além dos pressupostos de admissibilidade exigidos pelas alíneas do inciso III do art. 102, o recorrente terá outra grande dificuldade, pois deverá demonstrar essa cláusula de repercussão geral.
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2.1 Previsão legal do recurso extraordinário e da cláusula de repercussão geral
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A Lei nº 11.418, de 2006, acrescentou ao Código de Processo Civil os arts. 543-A e 543-B; ambos tratam da regulamentação da cláusula de repercussão geral do recurso extraordinário. O primeiro artigo, em seu § 1º, traz a definição do que o Supremo Tribunal Federal considera como cláusula de repercussão geral e diz que, se os fatos narrados no caso em debate versarem sobre questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassarem os limites dos interesses subjetivos das partes da causa, haverá repercussão geral.
Justamente pelo fato de que a definição dada à cláusula de repercussão geral pelo art. 543-A, § 1º, acrescentado pela Lei nº 11.418/2006, ao Código de Processo Civil, ser muito ampla e vaga, é que se deve concordar com o notável mestre. Ademais, a cláusula de repercussão geral limita e restringe o acesso à justiça, ferindo o princípio constitucional da inafastabilidade do Poder Judiciário (art. 5º, XXXV), segundo o qual a lei não poderá excluir do Poder Jurisdicional do Estado qualquer lesão ou ameaça a direito.
Além de regulamentar a cláusula de repercussão geral, os artigos acima estudados também regulam a forma e o procedimento do novíssimo requisito de admissibilidade do recurso extraordinário, no Supremo Tribunal Federal.
Na demonstração de outro ponto de vista, entende-se que qualquer desrespeito a uma das normas elencadas na Constituição da República Federativa do Brasil seria causa de grande repercussão, já que a própria Carta Magna é o centro do ordenamento jurídico brasileiro, principalmente quando se está defendendo os direitos e as garantias fundamentais destacadas pelo legislador e que são cláusulas pétreas do direito constitucional.
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A inovação no sistema de admissibilidade do recurso extraordinário é controvertida, visto que a cláusula de repercussão geral surgiu com o intuito de diminuir o tráfego de processos que chegam até o Supremo Tribunal Federal. No mesmo sentido explica Manoel Lauro V. Castilho11 em seu artigo, ao tratar da “generalidade da repercussão”, conforme destaque abaixo:
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Não se sabe claramente o que constitui repercussão geral mesmo que gral tenha o sentido de amplitude e abrangência. É possível, entretanto, que do ponto de vista jurídico a generalidade se manifeste de modo peculiar a uma categoria de pessoas ou de bens e interesses, alguns eventualmente até de pouca significação para o todo mas de importante repercussão para o segmento ou universo específico. Aliás, a própria noção de repercussão já enseja discussão, pois há decorrências naturais que são repercussões lógicas e previsíveis, parecendo ao contrário que a Constituição quis se referir às repercussões imprevisíveis ou extraordinárias e excepcionais o que leva a discussão do conceito para patamares também imprevisíveis e indefinidos. 11 CASTILHO, Manoel Lauro Volkmer de. O recurso extraordinário, a repercussão geral e a súmula vinculante. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 151, p. 112, set. 2007.
Diferente dos requisitos ordinários de admissibilidade que tratam de pressupostos meramente processuais, a cláusula de repercussão geral, como requisito de admissibilidade, faz destaque à amplitude do caso na vida da sociedade, além de deixar nas mãos dos nobres ministros do órgão supremo a subjetividade de declarar que aquela ou outra demanda possui causa de amplo debate perante a sociedade. Além do mais, o conceito que o art. 543-A, § 1º, do Código de Processo Civil deu à cláusula de repercussão geral é amplo e genérico, o que causa insegurança aos demandantes recorrentes, pois, como já foi falado, o direito é uma ciência não exata, está sempre em mutação, e as interpretações dadas a um dispositivo legal podem não ser as mesmas dadas pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal. Nesta hipótese, caberá à doutrina e às jurisprudências dos Tribunais, que, aliás, estão perdendo força com a edição das súmulas vinculantes, regulamentar e consolidar a utilização deste novo requisito. Gostando ou não, a norma regulamentadora do recurso extraordinário está presente e em pleno vigor; resta
2.2 Pressupostos de admissibilidade do recurso extraordinário Ordinariamente, parte dos requisitos de admissibilidade do recurso extraordinário encontra-se previsto no art. 102, III, alíneas a, b e c, além do polêmico § 3º do mesmo artigo. Deve-se observar que existe conflito entre doutrinadores quanto aos requisitos de admissibilidade do recurso extraordinário, como bem aponta Diogo Ciuffo12 Carneiro, advogado formado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC), em análise aos requisitos de admissibilidade dos recursos especial e extraordinário e sua ilegítima utilização como filtros recursais, in verbis: Necessário observar, ainda, que não há unanimidade em doutrina acerca de quais são, exatamente, os requisitos de admissibilidade específicos dos recursos especiais e extraordinários, dado que muitos deles foram introduzidos por súmulas. De fato, o CPC disciplina parcamente o tema, que, portanto, acabou sendo disciplinado pelos precedentes jurisprudenciais.
Portanto, tem-se que não há consenso entre a doutrina quanto aos pressupostos de admissibilidade recursais do então recurso extraordinário, razão pela qual se pede vênia para destacar o entendimento de Humberto Teodoro Junior13 sobre os pressupostos de admissibilidade deste recurso em análise. 12 CARNEIRO, Diogo Ciuffo. Os requisitos de admissibilidade dos recursos especial e extraordinário e sua legítima utilização como filtros recursais. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 160, p. 212, jun. 2008. 13 THEODORO, Humberto Junior. Curso de direito processual civil. 48. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 723-4.
Segundo o então professor, a admissibilidade do recurso extraordinário depende da existência de três pressupostos, quais sejam, julgamento da causa em última ou única instancia, existência de questão federal constitucional e demonstração da repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso; assim, transcrevem-se suas palavras abaixo: A admissibilidade do recurso extraordinário pressupõe: a) o julgamento da causa em ultima ou única instância; b) a existência de questão federal constitucional, isto é, uma controvérsia em torno da aplicação da Constituição da Republica. A questão apreciável pela via do recurso extraordinário somente pode ser uma questão de direito, isto é, um ponto controvertido que envolva diretamente a interpretação e aplicação da lei. Se o que se debate são os fatos (e sua veracidade), tem-se a questão de fato que é prejudicial à questão de direito e que não pode ser renovada por meio do extraordinário, não exige prévia suscitação pela parte, mas deve já figurar no decisório recorrido; isto é, deve ter sido anteriormente enfrentada pelo Tribunal a quo [...]. c) A demonstração da repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso. (grifos do autor)
No item “b”, parte final, considera-se não plausível a opinião do autor, pois não pode o Tribunal recorrido manifestar-se sobre questão que não foi suscitada pelo recorrente; todavia, quando há casos em que os Tribunais poderão analisar toda a matéria discutida nos autos em razão do efeito devolutivo dos recursos, porém a devolução da matéria fica restrita ao que já foi discutido e, portanto, não pode o Tribunal recorrido enfrentar questões constitucionais que não foram debatidas anteriormente, por expressa violação ao princípio do prequestionamento. Embora se concorda que isso possa ser suprido por meio de embargos declaratórios, ainda que sejam considerados protelatórios.
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aos operadores do direito buscarem adequar-se às inovações editadas.
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Alexandre Câmara14 ensina que, assim como nas condições da ação, existem também as “condições do recurso”, quais sejam, legitimidade para recorrer, interesse em recorrer e a possibilidade jurídica do recurso. Assim, destaca-se seu entendimento, porém de forma mais sucinta. Legitimidade para recorrer – o art. 499 do Código de Processo Civil diz que o recurso pode ser interposto pela parte que foi vencida na demanda, pelo Ministério Público quando participou do litígio como custus legis e também pelo terceiro interessado, que comprovar que seu interesse tem nexo de interdependência na intervenção da relação jurídica em debate. Por esse conceito, entende-se que, numa eventual interposição de recurso extraordinário, somente as partes vencidas podem recorrer a esta peça recursal. Interesse recursal – no recurso extraordinário, não basta que a parte recorrente utilize o meio recursal, com o mero intuito de provocar a extensão da demanda; deve ele comprovar que a decisão recorrida feriu mortalmente seu direito constitucionalmente previsto e que esse fato é relevante para a sociedade. Possibilidade jurídica do recurso – que nada mais é do que a previsão legal do recurso.
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Entende-se por possibilidade jurídica do recurso o cabimento dele, em face da legislação vigente, pois, para que um recurso seja juridicamente possível, é preciso, antes de tudo, ser cabível para impugnar a eventual ilegalidade contida em uma decisão.
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Manoel Lauro Volkmer de Castilho15 acrescenta, ainda, alguns requisitos, além do que já foi destacado pelo nobre Alexandre Câmara, in verbis: 14 CAMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 14. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, v. II, 2008. p. 61. 15 CASTILHO, Manoel Lauro Volkmer de. O recurso extraordinário, a repercussão geral e a súmula vinculante. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 151, p. 110, set. 2007.
É nesse quadro constitucional que a interposição e admissão do recurso extraordinário devem ser compreendidas e interpretadas, observando-se naturalmente os demais pressupostos processuais comuns ao recursos, como a tempestividade, o preparo, a competência, a sucumbência, a legitimidade e o interesse jurídico, acrescido agora pela EC 45/2004 da necessidade da demonstração da repercussão geral da questão constitucional discutida no caso (exigência inserta no § 3º do art. 102, o qual, no entanto, atribuiu à lei dizer o que é e como se apura). (grifo original)
Diante do destaque de Manoel Castilho, faz-se necessário esclarecer os requisitos apresentados por ele: Tempestividade – trata-se de requisito impreterível, pois sua inobservância, prejudicará a interposição do recurso extraordinário. De acordo com o art. 508 do Código de Processo Civil, o prazo para a interposição do recurso extraordinário é de quinze dias, com início de contagem quando da publicação da parte dispositiva da decisão recorrida no órgão oficial. Preparo – trata-se de custas processuais referentes aos recursos. Nos recursos interpostos perante os Tribunais Superiores (Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça), os recorrentes devem arcar com as custas processuais e também com as despesas de porte e remessa, que são cobrados de acordo com a quantidade de folhas do próprio recurso. O próprio Supremo Tribunal Federal, em seu site principal, disponibiliza aos jurisdicionados uma tabela com os valores de porte de remessa e retorno dos autos, regulamentado pela Resolução nº 389 do Supremo Tribunal Federal, de 20 de janeiro de 2009. Competência – a competência para julgamento do recurso extraordinário é do Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 102, III, da CF, bem como a cláusula de repercussão geral prevista no § 3º do mesmo artigo. Sucumbência e legitimidade para recorrer – o art. 499 do Código de Processo Civil diz que o recurso pode ser interposto pela parte que foi vencida na demanda, pelo Ministério Público quando participou do litígio como custus legis e também pelo terceiro interessado que comprovar que seu interesse tem nexo de interdependência na intervenção da relação jurídica em debate. Por esse conceito, entende-se que, numa eventual interposição de recurso extraordinário, somente as partes vencidas podem recorrer a esta peça recursal. Assim, somente as partes que sucumbirem na demanda têm a possibilidade e a legitimidade para/de recorrerem ao Supremo Tribunal Federal mediante o recurso extraordinário.
Tomando por base o destaque doutrinador em análise dos pressupostos de admissibilidade do recurso extraordinário, pede-se licença para acrescentar a sua ideia outros requisitos, tão importantes quanto os elencados por ele, qual seja, ausência de fato impeditivo ou extintivo do direito de recorrer e prequestionamento da matéria constitucional. No primeiro caso, trata-se de fato que impedirá que o recorrente utilize-se do meio recursal, por algum impedimento, como, por exemplo, falta de um dos pressupostos de admissibilidade recursal. Nesse ponto, há que se fazer um breve comentário, quanto à hipótese de multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia, quando da análise da repercussão geral alegada em preliminar nos recursos. Falar-se-á mais sobre o assunto em um momento próprio, porém, no momento, basta que o leitor saiba que, nesses casos, apenas um dos múltiplos recursos terá sua preliminar analisada pelo Supremo Tribunal Federal. Se a digna Corte julgar pela presença de fato de grande relevância social, os demais recursos também terão o mesmo destino; no entanto, se o nobre Tribunal decidir pelo não reconhecimento de causa de repercussão geral, os demais recursos sobrestados no Tribunal a quo estarão prejudicados, o que, consequentemente, serão impedidos de transitar até o Supremo Tribunal Federal, já que suas preliminares, ainda que de forma indireta e até mesmo por presunção, tiveram negado a existência de preliminar exigida como requisito de admissibilidade do recurso extraordinário. Nesse sentido, destaca-se o art. 323 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, ao qual se destacará mais adiante em um estudo mais aprofundado do caso. Quanto aos fatos extintivos, destaque-se a renúncia ao direito de recorrer, que acontece, geralmente, em decisões homologatórias.
A presente pesquisa mostrou que não há consenso na doutrina quanto aos pressupostos de admissibilidade do recurso extraordinário, porém entende-se que, justamente por ser um recurso não ordinário, é que se deve somar aos requisitos do recurso extraordinário todos os pressupostos de admissibilidade dos recursos ordinários. Requisito importantíssimo para a interposição do recurso extraordinário é o prequestionamento da matéria constitucional a ser impugnada. O recorrente deverá lembrar-se de que não basta a simples demonstração dos fatos que o levaram a acreditar que a decisão recorrida fere mortalmente o Texto Constitucional. Para que o recorrente possa utilizar o recurso extraordinário, faz-se necessário que se faça o prequestionamento da matéria a ser atacada no recurso extraordinário, atendendo ao que dispõem as Súmulas nº 281 do Supremo Tribunal Federal e nº 207, no caso do recurso especial. Em outras palavras, o recorrente deve, desde o momento da propositura da ação, ou na primeira oportunidade que lhe restar, como no caso de uma contestação, suscitar matéria constitucional em sua peça, para que, só então, os fatos constitucionais atacados na petição possam ser debatidos pelo órgão prolator da sentença, ou acórdão, no caso de recurso julgado por órgão colegiado. Se por acaso o órgão prolator da sentença ou do acórdão não se manifestar sobre a questão constitucional suscitada pelo recorrente, caberá a ele interpor embargos de declaração, com o intuito de suprir essa omissão, já que, se não houver o combate ou a manifestação dos órgãos competentes quanto à matéria constitucional, arguida em sede recursal, não poderá o recorrente interpor recurso extraordinário por falta de um dos requisitos previstos no art. 102, III, da Constituição Federal, o
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Cláusula de repercussão geral – devem as partes recorrentes demonstrar, em preliminar de recurso, que a questão constitucional em análise é de interesse coletivo, e não apenas restrito àquele caso.
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que, certamente, resultará no não conhecimento do recurso apresentado. No mesmo sentido, ensina Wambier16 que: Os recursos extraordinários e especial têm algumas características em comum. Para que sejam interpostos, é necessário que tenha havido esgotamento dos recursos ordinários (Supremo Tribunal Federal, Súmula nº 281; STJ, Súmula nº 207). Assim, não é possível que a parte pule um recurso, sendo este (ordinário) ainda cabível. Só quando não cabem mais recursos ordinários é que podem ser manejados os extraordinários.
Portanto, se faz necessário o prequestionamento da matéria constitucional nas instâncias inferiores, para que se tenha preenchido um entre os demais requisitos de admissibilidade que norteiam o recurso extraordinário.
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O segundo requisito imprescindível à interposição do recurso extraordinário é o esgotamento de todas as vias recursais ordinárias cabíveis para combater aquela decisão recorrida. Por isso, destaca-se o ensinamento do Professor Wambier na parte final da citação acima destacada. Assim, se ainda houver recurso ordinário cabível contra uma decisão judicial, não poderá o recorrente interpor recurso extraordinário diretamente; se ainda assim o fizer, o recurso interposto não chegará nem a sair do Tribunal a quo, prolator da decisão recorrida, por ausência de pressuposto de admissibilidade recursal.
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2.3 Processamento do recurso extraordinário Após o estudo de alguns dos principais pressupostos de admissibilidade do recurso extraordinário, passa-se ao exame do 16 WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo; ALMEIDA, Flávio Renato Correia. Curso avançado de processo civil. Teoria geral do processo e processo de conhecimento. 10. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 1, 2008. p. 660.
processamento dele, nos Tribunais. O trâmite desse recurso está previsto nos arts. 541 a 546 do Código de Processo Civil, ao qual se examinará. O recurso extraordinário deve ser dirigido, em primeiro lugar, para o presidente ou vice-presidente do Tribunal prolator da decisão recorrida, em duas peças. A primeira é a petição de interposição do recurso, e a segunda são as razões do recurso extraordinário, que deve ser dirigido ao Supremo Tribunal Federal. As petições deverão conter a exposição do fato e de direito, a demonstração do cabimento do recurso interposto e as razões da interposição daquele recurso, de acordo com que preconiza o art. 541 e seus incisos. Quando do recebimento dos recursos pela secretaria do respectivo Tribunal, proceder-se-á à intimação do recorrido para apresentar contrarrazões ao recurso extraordinário, no prazo de quinze dias a contar da respectiva intimação, lembrando-se de que tanto o recurso especial como o extraordinário são recebidos apenas no efeito devolutivo (art. 542, § 2º, do Código de Processo Civil), o que significa dizer que é possível a execução da sentença contida nos autos, nos termos dos art. 497 do mesmo Código. Ao final do prazo para entrega das contrarrazões, os autos serão conclusos ao presidente ou vice-presidente do Tribunal, para que, no prazo de quinze dias, prolate decisão no sentido de admitir ou não o recurso interposto. Se o presidente do Tribunal não admitir o recurso, deverá a parte recorrente interpor, no prazo de dez dias, com fundamentação no art. 544 do Código de Processo Civil, agravo de instrumento para o Supremo Tribunal Federal, já que se trata de recurso extraordinário. Ressalta-se que o presidente do Tribunal prolator da decisão recorrida não irá adentrar no mérito da demanda, mas apenas, e tão somente, restringirá sua análise aos requisitos de admissibilidade recursal do recurso extraordinário, podendo este negar seguimento por ausência dos pressupostos de admissibilidade
Nessa parte, há que se fazer uma observação. Pode o presidente ou vice-presidente do Tribunal recorrido reconhecer a existência de cláusula de repercussão geral? Explica-se. Quando da apresentação do recurso extraordinário, deve o recorrente demonstrar, em preliminar de sua peça recursal, a existência de cláusula de repercussão geral, conforme exige o art. 102, § 3º, da Constituição Federal, surgindo assim a dúvida. No entanto, o próprio art. 543-A, em seu § 2º, resolveu o dilema ao dizer que a apreciação do mérito da cláusula de repercussão geral é exclusiva do Supremo Tribunal Federal. Logo, não pode o presidente ou o vice-presidente do Tribunal recorrido analisar o mérito da cláusula de repercussão geral, limitando-se apenas a verificar a existência da preliminar, que é obrigatória, na peça recursal. Se não houver, poderá admitir tal recurso, por ausência de pressupostos de admissibilidade. Na mesma linha de pensamento destaca-se Arlete Inês Aurelli17, ao dizer que: No sistema atual, a presença da repercussão geral será analisada pelo próprio Supremo Tribunal Federal. Assim, o juízo de admissibilidade é bipartido: haverá o juízo e admissibilidade realizada prévia e provisoriamente pelo Tribunal a quo sobre os requisitos gerais de admissibilidade e demais requisitos específicos, bem como o juízo de admissibilidade diferido a ser realizado pelo Supremo Tribunal Federal sobre a repercussão geral. A apreciação desse requisito é afeta exclusivamente ao Supremo Tribunal Federal, não podendo o Tribunal de origem sobre ela se manifestar. 17 AURELLI, Arlete Inês. Repercussão geral como requisito de admissibilidade do recurso extraordinário. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 151, p. 140, set. 2007.
De toda forma, a repercussão geral será examinada anteriormente ao julgamento de mérito e somente se estiver presente é que este será examinado. Trata-se de verdadeiro requisito de admissibilidade, portanto.
Entende-se a opinião da nobre mestra em Direito Processual Civil da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Todavia, pede-se vênia para discordar parcialmente da opinião da nobre docente. Não se concorda com o fato de que o Tribunal a quo realizará um juízo de admissibilidade provisório sobre a cláusula de repercussão geral. Destaca-se que, na opinião do presente pesquisador, o Tribunal recorrido apenas se limitará a verificar se na peça recursal existe a preliminar exigida pelo art. 102, § 3º, da Constituição Federal pelo art. 543-A, § 2º, do Código de Processo Civil; caso o presidente do Tribunal recorrido verificar que estão presentes todos os requisitos de admissibilidade do recurso extraordinário, remetê-lo-á ao tribunal competente. Assim, desta forma, o Juízo a quo já terá analisado todos os requisitos que admitem tal recurso. Assim, não há que se falar em “juízo de admissibilidade provisório”. Seria provisório o juízo de admissibilidade destacado pela Mestre Aurelli, no caso de multiplicidade de recursos com o mesmo fundamento, tendo em vista que apenas alguns destes, escolhidos pelo presidente do Tribunal recorrido, irão ter a preliminar analisada como requisito de admissibilidade; os demais ficarão sobrestados aguardando julgamento dos recursos que subiram para análise da preliminar. Na hipótese de o recurso extraordinário não preencher os requisitos legais exigidos pela legislação, o Presidente do Tribunal prolator da decisão recorrida não admitirá o recurso.
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ou dar-lhe seguimento, remetendo-o, consequentemente, ao Superior Tribunal de Justiça e, posteriormente, ao Supremo Tribunal Federal, conforme dispõe o art. 543, caput.
Enfim, salienta-se que a cláusula de repercussão geral somente poderá ser recusada por manifestação expressa de 2/3 dos mi-
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nistros do Supremo Tribunal Federal, conforme ensina Vicente Greco Filho18, em sua obra, ao qual se pede vênia para destacar: Isso quer dizer que, por decisão de terços de seus membros, o Supremo Tribunal Federal poderá recusar a admissibilidade do recurso extraordinário se este não demonstrar que o seu caso tenha repercussão geral das questões constitucionais discutidas, ainda que a questão constitucional possa ser importante para o caso concreto. A decisão de submeter, ou não, a questão da inadmissibilidade especial ao Pleno é do relator ou da Turma, suspendendo o andamento do recurso para a decisão do plenário.
Interessante o destaque do autor quanto à inadmissibilidade da cláusula de repercussão geral. O relator do processo ou Turma é que decidirá por submeter ou não a questão trazida em preliminar obrigatória, ao Pleno do Supremo Tribunal Federal. Se, por um acaso, algum dos ministros divergir do entendimento do relator ou da Turma, com relação à admissibilidade da cláusula de repercussão geral, deverá o divergente explicar, em plenário virtual, suas razões.
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2.4 Cláusula de repercussão geral e multiplicidade de recursos com fundamentos idênticos (artigo 543-B)
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Outra questão trazida pela Lei nº 11.418/2006, que acrescentou os arts. 543-A e B, é quanto à cláusula de repercussão geral e multiplicidade de recursos com fundamentos idênticos. Pergunta-se: todos os recursos irão subir até o Supremo Tribunal Federal, para julgamento da preliminar de repercussão geral? Realmente, trata-se de questão plenamente justificável. O art. 543-B do Código de Processo Civil vem tratar do assunto, ao dizer que, nesses casos, o Tribunal de origem deverá selecionar um ou mais recursos, os quais serão remetidos ao Tribunal ad 18 GRECO, Vicente Filho. Direto processual civil brasileiro. 19. ed. atual. até a Lei nº 11.441/2007. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 377.
quem de forma representativa, ou seja, aqueles recursos escolhidos pelo Presidente do Tribunal a quo irão representar os demais, que ficarão sobrestados, até que o Tribunal ad quem julgue o mérito das preliminares que tratam da cláusula de repercussão geral. Neste ponto, abre-se margem para duas hipóteses, quais sejam, a primeira é a possibilidade de a cláusula ser considerada de repercussão geral pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal; a segunda, de não ser acolhida a preliminar. Na hipótese de ser acolhida a preliminar de repercussão geral da causa, os recursos, até então sobrestados no Tribunal a quo, serão apreciados pelos respectivos Tribunais, Turma de Uniformização ou Turmas Recursais, que poderão declará-los prejudicados ou retratar-se (art. 543-B, § 3º, do Código de Processo Civil). Quando for mantida a decisão e admitido o recurso, poderá cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à orientação jurisprudencial firmada naquela Corte (art. 543-B, § 4º, do Código de Processo Civil). Porém, se negada a existência de repercussão geral, os recursos sobrestados no tribunal de origem não serão admitidos automaticamente, nos termos do art. 543-B, § 2º, do Código de Processo Civil.
3 SÚMULA VINCULANTE A Emenda Constitucional nº 45, de dezembro de 2004, conferiu ao Supremo Tribunal Federal a responsabilidade pela edição de súmulas com efeitos vinculantes. A partir de então, as súmulas com efeito vinculante, editadas pelo Supremo Tribunal Federal, passaram a interferir diretamente no julgamento dos conflitos de interesses levados à apreciação do Poder Judiciário, pois o Magistrado responsável pela solução da
A referida emenda constitucional também possibilitou a aplicação do efeito vinculativo das súmulas editadas pelo Supremo Tribunal Federal, no âmbito da Administração Pública direta e indireta dos Municípios, Estados e União. Além da inclusão da súmula vinculante ao direito processual, a Emenda Constitucional nº 45, de dezembro de 2004, também foi responsável por significativas alterações no direito processual civil, especialmente em relação à fase recursal do processo. No capítulo anterior, viu-se que ao recurso extraordinário foi adicionado um novo requisito de admissibilidade recursal. Naquela oportunidade, verificou-se que, no recurso extraordinário, o recorrente deverá demonstrar ao Supremo Tribunal Federal, por meio da “Cláusula de Repercussão Geral do Recuso Extraordinário”, que a matéria constitucional supostamente violada ultrapassa os limites de interesses dos demandantes daquele processo. Outra novidade trazida pela Emenda Constitucional nº 45, de dezembro de 2009, foi a inclusão do “Princípio da Celeridade Processual” ao rol dos direitos fundamentais da Constituição Federal, por meio da inserção do inciso LXXVIII ao art. 5º da Carta Magna. Neste capítulo, analisar-se-á o instituto das súmulas vinculantes, no âmbito do direito processual civil, dando-se ênfase à parte recursal do processo.
3.1 Conceito de súmula vinculante A súmula vinculante surgiu com o intuito de propiciar aos jurisdicionados maior celeridade na prestação jurisdicional do Estado.
Em verdade, consiste na reunião de decisões repetitivas ou reiteradas sobre matéria constitucional, já proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, órgão do Poder Judiciário responsável pela guarda da Constituição da República Federativa do Brasil, conforme explica Kildare Gonçalves Carvalho19: O Texto Constitucional de 1988 conferiu ao Supremo Tribunal Federal a função precípua de guarda da Constituição, retirando-lhe, por conseguinte, as funções que anteriormente lhe eram conferidas de guarda da lei federal e uniformizador da jurisprudência, que foram deslocadas para o Superior Tribunal de Justiça, órgão novo integrante da estrutura do Poder Judiciário.
Em outras palavras, a súmula vinculante nada mais é do que a pacificação da matéria de cunho constitucional pelo órgão máximo do Poder Judiciário, responsável pela guarda da Constituição da República Federativa do Brasil, qual seja, o Supremo Tribunal Federal. Todavia, a adoção da súmula vinculante como uma das formas de se acelerar a prestação jurisdicional do Estado, por meio da vinculação do magistrado ao entendimento jurisprudencial sumulado pelo Supremo Tribunal Federal em demandas com identidades de matéria constitucional, dividiu a doutrina em duas correntes, a saber: a dos que são favoráveis e a dos que são contra a adoção da súmula vinculante. A primeira corrente entende que a adoção da súmula vinculante no direito processual civil garante aos jurisdicionados a segurança jurídica das decisões em demandas com identidade de matéria constitucional, proporciona a igualdade na efetividade da prestação jurisdicional, acelera o trâmite processual, homenageando, assim, o princípio constitucional da celeridade (art. 5º, LXXVII), evitando-se o prolongamento injustificado da demanda. 19 CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional. 11. ed. rev., atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. p. 731.
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“lide” é obrigado a aplicar o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, por meio da súmula vinculante.
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A segunda corrente manifesta-se pelo afastamento da súmula vinculante do direito processual civil, pois o referido instituto viola os princípios da separação dos poderes, da independência jurídica do juiz, além de possibilitar o “engessamento” da jurisprudência dos Tribunais. Muito embora exista entendimento contrário à adoção da súmula vinculante pelo sistema processual civil, faz-se necessário destacar que a unificação da jurisprudência nos tribunais, através da edição de súmulas, há muito já vinha sendo utilizada pelo Poder Judiciário, mesmo antes da inclusão do art. 103-A na Constituição da Republica Federativa do Brasil, que trata da súmula vinculante.
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Essas súmulas não possuíam efeito vinculante, pois, em verdade, serviam apenas como complemento para a convicção do julgador no momento da prolatação da decisão, aplicando-se apenas aos órgãos do Poder Judiciário, no exercício da prestação jurisdicional estatal.
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Todavia, a súmula vinculante implementada pela Emenda Constitucional nº 45, de dezembro de 2004, além de obrigar os Magistrados a observarem o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, ainda possibilitou a repercussão da súmula vinculante no âmbito da Administração Pública direta e indireta, nas esferas estaduais, municipais e federais, conforme determina o caput do art. 103-A da Constituição da República Federativa do Brasil. Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) (Vide Lei nº 11.417, de 2006)
Embora o artigo acima referido tenha explicitado que a súmula com efeito vinculante editada pelo Supremo Tribunal Federal tem aplicabilidade no âmbito da Administração Pública direta e indireta dos Municípios, Estados e União, entende-se que tal determinação não é correta, em virtude da expressa vedação do princípio da separação dos poderes, previsto no art. 2º da Constituição da República Federativa do Brasil. Osmar Mendes Paixão Cortês20, ao tratar da possibilidade da repercussão de a súmula vinculante repercutir no âmbito da Administração Pública, entende que: Interessante notar que o alcance da vinculação da súmula estende-se não só aos órgãos do Poder Judiciário, mas, também, à Administração Pública direta e indireta em todas as esferas. Nesse ponto, o princípio da separação dos poderes, estampado no art. 2º da CF, corre o risco de ser ofendido. Se o Senado Federal pode recusar-se a suspender a eficácia de uma lei declarada inconstitucional incidentalmente pelo STF, pelos mesmos motivos a Administração Pública não poderia ser obrigada a seguir o entendimento consolidado do Poder Judiciário.
A interferência do Poder Judiciário no âmbito administrativo, em regra, deve ocorrer por meio do exercício do controle judicial dos atos administrativos, e desde que provocado. Uma vez que a súmula vinculante afeta diretamente a Administração Pública, tem-se que existe a possibilidade de violação ao art. 2º da Constituição Federal, mormente ao princípio da separação dos poderes, conforme destacou o professor acima destacado. 20 CÔRTES, Osmar Mendes Paixão. Súmula vinculante e segurança jurídica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 193.
A distinção entre atos discricionários e atos vinculados tem importância fundamental no que diz respeito ao controle que o Poder Judiciário sobe eles exerce. Com relação aos atos vinculados, não existe restrição, pois, sendo todos os elementos definidos em lei, caberá ao Judiciário examinar, em todos os seus aspectos, a conformidade do ato com a lei, para decretar a sua nulidade se reconhecer que essa conformidade inexistiu. Com reação aos atos discricionários, o controle judicial é possível, mas terá que respeitar a discricionariedade administrativa nos limites em que ela é assegurada à Administração Pública pela lei.
Pelo que discorre a Professora Di Pietro acima destacada, percebe-se o problema que a súmula vinculante causará ao repercutir no âmbito da Administração Pública e suas esferas. Conforme destacado por Di Pietro, os atos administrativos vinculados à lei podem ser, e devem ser, objeto de análise e controle, não só pelo Poder Judiciário, mas também pelos demais poderes (Legislativo e Executivo). Todavia, em relação aos atos administrativos discricionários, deverá o Supremo Tribunal Federal agir com cautela ao editar súmulas vinculantes cujos efeitos repercutirão no âmbito da Administração Pública, pois vale lembrar que o Poder Judiciário não pode adentrar no mérito da conveniência e oportunidade dos atos administrativos por meio das súmulas vinculantes, sob pena de violar o princípio constitucional da separação dos poderes. 21 DI PIETRO. Direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 217.
Em sentido oposto, Márcia Regina Lusa de Cadore22, ao defender que a edição de súmulas vinculantes pelo Supremo Tribunal Federal não viola o princípio da separação dos poderes, expressa-se nos seguintes termos: Estabelecido que as feições do princípio da separação e independência entre os poderes não são absolutas, mas dependem da conformação constitucional, parece certo afirmar que a adoção da súmula vinculante não descaracteriza o princípio, ainda que se possa reconhecer atribuição de poder com caráter normativo ao Poder Judiciário [...].
O posicionamento de Osmar Mendes Paixão, há pouco destacado, mostra-se mais adequado, pois a Administração Pública só deve se curvar ao que a lei lhe impõe, conforme determina o princípio da legalidade administrativa, previsto no art. 37 da Constituição da República Federativa do Brasil. Em relação à aplicação das súmulas vinculantes no âmbito dos demais órgãos do Poder Judiciário, entende-se que a vinculação das decisões proferidas pelos Magistrados às súmulas vinculantes viola o princípio da independência jurídica dos juízes, já que o referido instituto obriga o julgador a aplicar o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no caso concreto no que tange à matéria constitucional objeto de debates na demanda. José Eduardo Carreira Alvim23 explica que “a independência jurídica significa que o juiz a ninguém se subordina senão à própria lei”, significando dizer que, se o princípio da independência dos juízes refere-se ao julgamento das demandas levadas ao seu crivo, é correto afirmar que não se deve admitir qualquer interferência externa nas decisões tomadas pelos magistrados. Diante disso, tem-se que a súmula vinculante interfere diretamente no 22 CADORE, Márcia Regina Lusa. Súmula vinculante e uniformização de jurisprudência. São Paulo: Atlas, 2007. p. 100. 23 ALVIM, José Euardo Carreira. Teoria geral do processo. 12. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 93.
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Sobre o controle judicial dos atos administrativos, Maria Sylvia Zanella Di Pietro21, ao tratar dos “limites da discricionariedade e controle pelo Poder Judiciário”, destaca que:
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poder de decidir garantido ao Magistrado, já que ele é obrigado a aplicar ao caso concreto o conteúdo das súmulas vinculantes editadas pelo Supremo Tribunal Federal em relação à questão constitucional debatida nos autos, ainda que entenda diferente do posicionamento firmado pelo Excelso Pretório.
[...] O uso indiscriminado da súmula vinculante pode conduzir à estagnação da jurisprudência, que dificilmente acompanhará a evolução social. Por outro lado, a timidez no uso desta medida estimulará a litigância temerária e uso do processo como meio de protelar a satisfação de direito. É, portanto, preciso sabedoria para bem empregar a medida, evitando-se ambos os radicalismos possíveis.
Na contramão do entendimento acima firmado, Márcia Cadore24 sustenta que:
O alerta dos doutrinadores acima destacado é de grande relevância, pois é de notório conhecimento dos operadores do direito o fato de que o direito é o reflexo da realidade vivida pela sociedade contemporânea, significando dizer que o Direito evolui gradativamente, concomitantemente com a sociedade, não se estagnando no tempo.
No que concerne à necessária e imprescindível independência funcional da Magistratura, tem-se que, da mesma forma, não fica maculada com a súmula vinculante. A independência do Magistrado não está ligada à necessidade de inexistir obrigatoriedade de observância de decisões da mais alta Corte do País.
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Discorda-se do entendimento da nobre doutrinadora acima destacada, pois as súmulas vinculantes editadas pelo Supremo Tribunal Federal refletem diretamente nas decisões preferidas pelos Magistrados, pois possuem efeito vinculante, obrigando-os a observá-las.
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Outro ponto a ser considerado em relação à aplicação das súmulas vinculantes é a possibilidade do engessamento da jurisprudência nos Tribunais, na medida em que o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, por meio das súmulas vinculantes, pode não acompanhar a evolução social e jurídica em relação à matéria de direito constitucional sumulada pelo Pretório Excelso, conforme alertam Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart25: 24 CADORE, Márcia Regina Lusa. Súmula vinculante e uniformização de jurisprudência. São Paulo: Atlas, 2007. p. 102-3. 25 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de conhecimento. 6. ed. rev., atual. e ampl. da obra anual do Processo de conhecimento. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 624.
No entanto, concorda-se com a última parte do raciocínio dos doutrinadores citados acima, pois não se deve admitir que súmulas vinculantes venham a ser editadas por mero acaso. Tampouco se deve permitir que a edição de súmulas vinculantes venha a interferir na saudável dialeticidade das interpretações realizadas pelas partes do processo, incluindo-se o magistrado.
3.2 Objetivos da súmula vinculante A Emenda Constitucional nº 45, de dezembro de 2004, trouxe ao sistema processual significativas mudanças, cujo objetivo é a implementação de políticas que possibilitem ao Judiciário prestar a jurisdição de forma célere, porém eficaz. Os objetivos acima são visivelmente notados na referida emenda constitucional, ao incluir o princípio da celeridade ao rol dos direitos fundamentais, elencados no art. 5º, através do inciso LXXVII, em que estabeleceu a duração razoável do tramite processual no âmbito judicial e administrativo. Art. 5º [...] [...]
Os principais objetivos da implementação das súmulas vinculantes no âmbito processual brasileiro foram unificar o entendimento jurisprudencial em relação às matérias constitucionais de cunho repetitivo no Supremo Tribunal Federal, bem como propiciar aos jurisdicionados maior celeridade na prestação jurisdicional do Estado. O art. 103-A da Constituição da República Federativa do Brasil, que trata sobre o Instituto das Súmulas Vinculantes, foi regulamentado pela Lei nº 11.417, de 19 de dezembro de 2006. Tanto o § 1º do art. 103-A da Constituição da República Federativa do Brasil, quanto o § 1º do art. 2º da Lei nº 11.417, de dezembro de 2006, que regulamentou o instituto das súmulas vinculantes, são enfáticos ao expressarem os objetivos a serem alcançados pela implementação das súmulas vinculantes editadas pelo Supremo Tribunal Federal, conforme se verifica abaixo, respectivamente: Art. 103-A. [...] § 1º A súmula terá por objeto a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja, entre órgãos judiciários ou entre estes e a Administração Pública, controvérsia atual que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre idêntica questão.
Pelos dispositivos anteriormente destacados, percebe-se que os objetivos a serem alcançados pelas súmulas vinculantes são a unificação da jurisprudência no âmbito dos órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública direta e indireta, evitando-se a insegurança jurídica de decisões divergentes em situações idênticas, propiciando a realização de julgamentos céleres e eficazes. Uma vez unificada a jurisprudência em relação a demandas com identidades de questões, caberá ao magistrado apenas adequar a súmula ao caso concreto, evitando-se qualquer discussão polêmica acerca do conflito de interesses sub judice, bem como a demora na prestação jurisdicional do Estado. Osmar Mendes Paixão Côrtes26, ao referir-se sobre o 1º do art. 2º da Lei nº 11.417, de 2006, expressa-se no seguinte sentido: A simples leitura do § 1º deixa clara a natural intenção de evitar o acúmulo de processos muitas vezes desnecessários em trâmite perante o STF. E, o fato, se uma questão constitucional foi apreciada e já está consolidada no âmbito da Corte, nada justifica que, ainda que monocraticamente, seja reexaminada inúmeras vezes.
A aplicação das súmulas vinculantes, além de evitar o acúmulo de processos no Supremo Tribunal Federal, também acarretará o chamado efeito cascata, pois os Tribunais também deixaram de acumular processos, em virtude da aplicação do chamado efeito impeditivo de recursos que a súmula vinculante provoca no caso concreto, que, aliás, será objeto de análise em momento oportuno.
Art. 2º [...]
O Professor Odelmir Bilhalva Teixeira27 entende que as súmulas vinculantes foram criadas com três objetivos, a saber:
§ 1º O enunciado da súmula terá por objeto a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja, entre órgãos judiciários ou entre estes e a Administração Pública, controvérsia atual que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre idêntica questão.
26 CÔRTES, Osmar Mendes Paixão. Súmula vinculante e segurança jurídica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 192. 27 TEIXEIRA, Odelmir Bilhalva. Súmula vinculante: perigo ou solução. Campinas: Russel, 2008. p. 131.
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LXXVII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
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O instituto da súmula vinculante foi introduzido, no direito brasileiro, com fundamento em três princípios de direito: o princípio da segurança pública, o princípio da isonomia e o princípio da celeridade processual.
IV – o Procurador-Geral da República;
Dessa forma, a lei dá a entender que a unificação da jurisprudência em demandas que versam sobre a mesma matéria constitucional garantirá aos litigantes a celeridade da prestação jurisdicional do Estado, o respeito ao princípio constitucional da isonomia ou da igualdade, previsto no caput do art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, e a efetividade da segurança jurídica das decisões proferidas pelo Estado-juiz.
VIII – confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional;
A competência para a edição das súmulas vinculantes é exclusiva do Supremo Tribunal Federal, conforme determina o art. 103-A da Constituição da República Federativa do Brasil. Julho/2014 – Ed. 208
III – a Mesa da Câmara dos Deputados;
O princípio da isonomia é o principal fundamento da aplicação das súmulas vinculantes, pois, ao se unificar a jurisprudência em demandas com identidade de matérias constitucionais, em tese, estar-se-á garantido o respeito ao princípio constitucional da isonomia ou da igualdade, previsto no caput do art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil.
3.3 Competência para editar, propor, modificar, revisar ou cancelar súmulas vinculantes
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II – a Mesa do Senado Federal;
Contudo, a Lei nº 11.417, de 19 de dezembro de 2006, que regulamentou o art. 103-A da Constituição Federal, conferiu a determinados órgãos a legitimidade para propor a edição, a revisão ou mesmo o cancelamento de enunciados de súmulas vinculantes, conforme determina o art. 3º dessa lei: Art. 3º São legitimados a propor a edição, a revisão ou o cancelamento de enunciado de súmula vinculante: I – o Presidente da República;
V – o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; VI – o Defensor Público-Geral da União; VII – partido político com representação no Congresso Nacional;
IX – a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; X – o Governador de Estado ou do Distrito Federal; XI – os Tribunais Superiores, os Tribunais de Justiça de Estados ou do Distrito Federal e Territórios, os Tribunais Regionais Federais, os Tribunais Regionais do Trabalho, os Tribunais Regionais Eleitorais e os Tribunais Militares.
Note-se que os legitimados a propor a edição, a revisão e o cancelamento de enunciado de súmulas vinculantes são os mesmos que possuem competência para propor ação direta de inconstitucionalidade, cujo rol está previsto no caput do art. 103 da Constituição da República Federativa do Brasil. A referida lei também conferiu aos Municípios a legitimidade para propor, revisar e até mesmo requerer o cancelamento de súmulas vinculantes já editadas pelo Supremo Tribunal Federal. Todavia, a legitimidade dos Municípios somente poderá ser exercida no curso de processos em que seja parte, e de forma incidental, já que o processo não será suspenso (§ 1º do art. 3º da Lei nº 11.417, de 19 de dezembro de 2006).
3.4 Súmula vinculante como causa impeditiva de recurso e súmula não vinculante impeditiva de recurso Antes da Emenda Constitucional nº 45, de 2006, os Tribunais Superiores já utilizavam o instituto das súmulas como forma de unificação e pacificação jurisprudencial acerca de matérias de direito, que, exaustiva e reiteradamente, já foram analisadas por eles. Contudo, as referidas súmulas não eram revertidas com o efeito vinculativo como são as súmulas vinculantes implementadas ao direito processual, com o advento da Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004, significando dizer que, até aquele marco temporal, as súmulas editadas pelos Tribunais Superiores não obrigavam os Magistrados a aplicarem o entendimento jurisprudencial firmado por meio das súmulas, o que possibilitava que o julgador proferisse sua decisão com base no princípio da livre persuasão racional do juiz, observando as provas e os fundamentos jurídicos que a demanda necessitava e, tampouco, refletiam no âmbito da Administração Pública direta e indireta, Estadual, Municipal e Federal.
As súmulas, em sentido amplo, são resumos, uniformizações de jurisprudência dos tribunais. O objetivo é impedir divergências a respeito de determinado assunto em decisões futuras. [...] No âmbito jurídico, as súmulas são definidas como enunciados jurisprudenciais que refletem entendimentos já sedimentados em determinados tribunais, editados por meio de enumeração sequencial, e servem de instrumento de contribuição para o convencimento do Magistrado nas soluções processuais futuras.
A partir da inclusão do art. 103-A na Constituição da República Federativa do Brasil, o direito processual civil passou a ter dois tipos de súmulas, quais sejam, as não vinculantes e as vinculantes. As súmulas não vinculantes são aquelas editadas pelos Tribunais de instâncias Superiores, como, por exemplo, os Tribunais de Justiça, os Tribunais Regionais Federais, o Superior Tribunal de Justiça e até mesmo o Supremo Tribunal Federal, e objetivam a pacificação e a unificação do entendimento jurisprudencial dos referidos tribunais, acerca de matéria de direito que já foi analisada por eles de forma reiterada, evitando-se, assim, interpretações divergentes. Diz-se que são súmulas não vinculantes, porque, além de objetivarem a unificação e a pacificação jurisprudencial acerca de uma determinada matéria, não obrigam o magistrado a aplicar ao caso concreto o entendimento firmado pelos Tribunais Superiores por meio das súmulas editadas, servindo, meramente, como fonte de direito à disposição do magistrado.
Odelmir Bilhalva Teixeira28, ao discorrer sobre as súmulas em sentido amplo, ensina que:
Sobre as súmulas não vinculantes, Décio Sebastião Daidone29 explica que:
28 TEIXEIRA, Odelmir Bilhalva. Súmula vinculante: perigo ou solução. Campinas: Russel, 2008. p. 70-1.
29 DAIDONE, Décio Sebastião. A súmula vinculante e impeditiva. São Paulo: LTr, 2006. p. 75.
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Em qualquer caso, a Lei nº 11.417, de 19 de dezembro de 2006, determina que o Procurador Geral da República deverá se manifestar antecipadamente sobre a edição, a revisão ou o cancelamento de enunciado de súmula vinculante, conforme destacado no § 2º do art. 2º da referida lei.
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Antes do advento da súmula vinculante e/ou impeditiva, a jurisprudência, ainda que posteriormente sumulada, era entendida como suplemento de interação do Direito, tendo efeito impositivo somente para o Tribunal que a editasse, ou em face do caso concreto, se suscitado o incidente de uniformização (art. 479 do CPC), enquanto que, nos demais casos idênticos, pendentes ou futuros, a súmula tinha efeitos tão somente persuasivos, influenciando na convicção do magistrado em suas decisões, mas não o obrigando a adotar a tese assentada.
As súmulas impeditivas de recurso têm os mesmos objetivos previstos para as súmulas vinculantes (supra), não tolhem o exercício da jurisdição nos juízos inferiores, porque se constituem apenas em impedimento à interposição de quaisquer recursos contra decisão que houver aplicado [...]. Deve-se entender que impedem a interposição de qualquer recurso no âmbito de competência da Justiça Federal e da Justiça do Trabalho, conforme se trate de súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Tribunal Superior do Trabalho [...].
Já as súmulas com efeito vinculante, ou súmulas vinculantes, também servem para pacificar jurisprudência acerca de uma determinada matéria. Porém, a matéria súmula, nesse instituto, é de cunho constitucional e de competência de apenas um órgão do Poder Judiciário, qual seja, o Supremo Tribunal Federal, conforme já explicado no tópico que tratou da competência para a edição das súmulas vinculantes.
Em relação ao caráter impeditivo de recursos de ambas as súmulas, restou muito bem explicado pelo doutrinador acima destacado. Contudo, após analisar-se profundamente as palavras do respeitável jurista, não se concorda que a aplicação da súmula vinculante não tolherá o exercício da jurisdição, pois, conforme já explicado, o Magistrado é obrigado a observar o teor das súmulas vinculantes editadas pelo Supremo Tribunal Federal, limitando-se, assim, o exercício da jurisdição pelo Magistrado.
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Assim, pode-se dizer que a diferença entre as súmulas não vinculantes e as súmulas vinculantes é de fácil assimilação, na medida em a primeira não vincula o magistrado a observar e aplicar ao caso concreto o entendimento jurisprudencial pacificado pelos Tribunais Superiores, enquanto que a segunda vincula o Magistrado ao entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, acerca da matéria constitucional que porventura estiver sendo objeto de debates no conflito de interesses.
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Outro destaque das súmulas vinculantes é que o efeito vinculante delas é estendido à Administração Pública direta e indireta dos Municípios, Estados e da União. Contudo, mesmo diante das diferenças existentes entre as súmulas não vinculantes e as súmulas vinculantes, é correto afirmar que ambas são causas impeditivas de recursos, conforme destaca José Afonso da Silva30: 30 SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional. 32. ed. rev. e atual. até a Emenda Constitucional nº 57, de 18.12.2008. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 566-7.
Ademais, entende-se também que a aplicação das súmulas impeditivas de recursos (súmula não vinculante e súmula vinculante) fere mortalmente o princípio do duplo grau de jurisdição, pois retira dos jurisdicionados o direito de se buscar uma segunda opinião sobre o conflito de interesses analisado pelo Poder Judiciário, a pretexto de se prestar a jurisdição em tempo hábil. Ora, se os legisladores querem acelerar a prestação jurisdicional do Estado, o mais correto seria que eles procurassem adotar um meio de se aumentar o número de servidores, aí já incluídos os magistrados, do Poder Judiciário, para que, assim, a jurisdição seja aplicada em respeito ao princípio constitucional da celeridade processual. O que se entende é que os legisladores estão suprimindo direitos fundamentais consagrados na Constituição da República Federativa do Brasil em nome da celeridade do trâmite processual, o que, em verdade, não solucionará o problema da morosidade na prestação jurisdicional do Estado.
Na presente pesquisa, verificaram-se as principais causas impeditivas de recursos e as atitudes adotadas pelo Poder Judiciário, visando à execução dos objetivos perpetrados pelo legislador, fato este destacado principalmente na promulgação da Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004. Analisou-se, também, que a preocupação do Estado com a morosidade da prestação jurisdicional há muito já vinha sendo discutida pelo Poder Judiciário e pelo Poder Legislativo. Tal fato pode ser observado quando, em 1969, por meio da Emenda Constitucional nº 1 daquele mesmo ano, o Poder Legislativo conferiu ao Supremo Tribunal Federal o poder para regulamentar o processamento dos recursos extraordinários. Naquela oportunidade, o Supremo Tribunal Federal, exercendo o direito que lhe foi conferido, criou outro requisito de admissibilidade para o recurso extraordinário, qual seja, a relevância da questão federal, limitando a interposição daqueles recursos e a consequente remessa ao Supremo Tribunal Federal, sendo assim uma verdadeira causa impeditiva de recurso. Verificou-se, também, que a restrição à interposição de recursos não foi o único meio adotado pelo legislador para solucionar a morosidade da prestação jurisdicional por parte do Poder Judiciário. Em 1984, foram criados os Juizados Especiais de Pequenas Causas, com o nítido objetivo de aproximar o Poder Judiciário daqueles que não tinham condições financeiras de custear os encargos de uma demanda, proporcionando a solução dos litígios por meio da conciliação entre as partes e a utilização de determinados princípios que facilitassem a tramitação dos processos no âmbito dos Juizados Especiais de Pequenas Causas, ou, como era conhecido, Juizado de Pequenas Causas, tornando-os menos burocráticos, contudo sem que se perdesse a eficácia da resolução dos conflitos de interesses, fato este considerado louvável, pois, em vez de limitar a interposição de
recursos, procurou outros meios jurídicos, porém não menos eficazes, para contornar a morosidade da prestação jurisdicional do Estado. A importância dos Juizados Especiais de Pequenas Causas foi tanta, que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 o incluiu no Texto Constitucional no art. 98, possibilitando a regulamentação dos Juizados Especiais Estaduais por meio da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, e, posteriormente, no âmbito da Justiça Federal através da Lei nº 10.259, de 12 de julho de 2001. A instituição de políticas voltadas para a aceleração da prestação jurisdicional do Estado sem impedir a interposição de recursos pelas partes demandantes deve ser incentivada, em respeito ao próprio Estado Democrático de Direito. Em verdade, entende-se que tanto o Poder Judiciário quanto o Poder Legislativo devem propiciar aos jurisdicionados o acesso amplo à prestação jurisdicional do Estado, e não a limitação de seus direitos, com o propósito de um bem maior. Também é necessário que a própria população tenha conhecimento das consequências que um recurso infundado, ou meramente procrastinatório, causa àqueles que realmente necessitam da prestação jurisdicional do Estado, apelando-se na oportunidade para o respeito da dignidade da pessoa humana, inerente a todos. Ressalta-se ainda que não se está criticando a vontade das Instituições Públicas da Federação (Poderes Legislativo, Judiciário e Executivo) em procurar soluções eficazes para acabar com a morosidade na resolução dos conflitos de interesses. Muito pelo contrário, o que se está criticando é a relativização dos direitos básicos dos jurisdicionados na persecução da tutela jurisdicional estatal em face da celeridade do trâmite dos processos no Poder Judiciário.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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A inclusão no ordenamento jurídico das súmulas vinculantes e da cláusula de repercussão, restringido o direito das partes de interporem recursos, reflete a incapacidade do Estado de prestar a jurisdição a todos. Medidas simples poderiam ser adotadas para solucionar a problemática da morosidade na solução de litígios, a exemplo do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, que, periodicamente, vai ao encontro dos jurisdicionados, por meio do programa “Justiça Rápida”, em que se busca a composição dos litígios utilizando-se de métodos simplificados, porém eficazes, solucionando pequenos conflitos de interesses.
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Doutrina
Os Níveis de Dor Intencional e o Holocausto Nosso de Cada Dia: Renúncia aos Discursos de Justificação da Pena e ao Mito da Ressocialização SALAH H. KHALED JR. Professor Adjunto de Direito Penal, Criminologia, Sistemas Processuais Penais e História das Ideias Jurídicas da Universidade Federal do Rio Grande – FURG, Professor Permanente do Mestrado em Direito e Justiça Social da Universidade Federal do Rio Grande – FURG, Doutor e Mestre em Ciências Criminais (PUCRS), Mestre em História (UFRGS), Especialista em História do Brasil (Fapa), Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais (PUCRS), Licenciado em História (Fapa), Líder do Grupo de Pesquisa Hermenêutica e Ciências Criminais (FURG/CNPq). Autor de A Busca da Verdade no Processo Penal: para Além da Ambição Inquisitorial (2013).
RESUMO: O artigo em questão problematiza a pena privativa de liberdade no Brasil a partir do abolicionismo de Nils Christie, das teses sobre a história de Walter Benjamin e da teoria agnóstica da pena de Zaffaroni, indicando a necessidade de rompimento com os discursos de justificação da pena, para que ao menos seja possível ter a esperança de reduzir os danos da catástrofe penitenciária que chamamos de holocausto nosso de cada dia.
PALAVRAS-CHAVE: Criminologia; teoria da pena; ressocialização; abolicionismo; modernidade. SUMÁRIO: Introdução; 1 Segurança e catástrofe: ardis do discurso moderno; 2 O holocausto nosso de cada dia: breve relato de uma tragédia brasileira; 3 Minimizar a dor ou justificar a pena como meio de reintegração social?; 4 A necessária rejeição aos discursos justificantes da pena; Considerações finais; Referências.
INTRODUÇÃO Em 1993 foi lançada a edição argentina de Indústria do Controle do Delito: La Nueva Forma del Holocausto? – uma das obras mais expressivas de Nils Christie –, com direito a prefácio de Zaffaroni. No prefácio, o autor discutiu o argumento central da obra de Christie: a sociedade industrial conduziu ao Holocausto – como seu ponto máximo de realização –, e esse parece ser o rumo do sistema penal dos Estados Unidos, que caminha na mesma direção. Sem discordar completamente de Christie, Zaffaroni afirma que é moderadamente mais otimista e aponta que existem outras interpretações, que consideram que o Holocausto foi produto de circunstâncias específicas da Alemanha – que dificilmente se repetiriam em outro lugar –, não sendo possível estabelecer uma correlação direta entre o sistema punitivo das sociedades industriais e a emergência do Holocausto. Desse modo, mesmo que o modelo estadunidense possa conduzir a tragédias análogas às que foram cometidas na Alemanha, fica em aberto o quanto a sua tecnologia punitivista seria exportável para outros países, já que a situação americana é produto de um contexto muito particular.
Zaffaroni considera que o racismo também é um elemento necessário para a compreensão do Holocausto. Para ele, racismo é um discurso que pretende legitimar o domínio de um grupo humano sobre outro grupo humano, por razões de ordem biológica que explicariam a superioridade de suas pautas e costumes. Ele destaca que o racismo é extremamente suscetível de apropriação e instrumentalização política e aponta que o discurso penal já nasceu racista: a esterilização de anormais se iniciou nos Estados Unidos e se espalhou por toda Europa, ainda que o Holocausto tenha ocorrido especificamente na Alemanha.
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Apesar de concordar em grande medida com Christie, Zaffaroni afirma que não é apenas o desenvolvimento industrial que provoca o Holocausto, mas o desenvolvimento industrial em um país com cultura profundamente racista e que tenha certas minorias a destruir. Nesse sentido, é possível identificar a existência de uma tradição cultural racista na Alemanha (que contribuiu para o Holocausto) e nos Estados Unidos (o que explicaria a massiva criminalização da população negra).
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Com base nesse argumento, ele sustenta que o modelo estadunidense não seria automaticamente exportável e que não teríamos como ter qualquer coisa semelhante à escala da “guerra contra as drogas” estadunidense na América Latina. Zaffaroni contrasta a tese de Christie com a realidade marginal latino-americana e aponta que, no Brasil, as penitenciárias estão lotadas, mas que é impossível cumprir as ordens de prisão (cerca do triplo da população carcerária) por falta de espaço, o que favorece a seletividade policial e, consequentemente, a corrupção. Ele encerra o prefácio insistindo que a parcial dissidência com Christie o leva a crer em um espaço mais amplo para prevenir um novo Holocausto e a sua extensão, como também para diminuir a magnitude dos genocídios que já se encontram em curso1. 1
CHRISTIE, Nils. La industria del control del delito: la nueva forma del holocausto? Buenos Aires: Del Puerto, 1993. p. 11-20.
Mais de vinte anos se passaram desde então. Será que o grande mestre argentino estava certo?
1 SEGURANÇA E CATÁSTROFE: ARDIS DO DISCURSO MODERNO Por ora vamos manter a pergunta em suspenso e refletir um pouco mais sobre a questão. Embora Christie introduza a discussão sobre sociedade industrial e o Holocausto a partir de Bauman, a estratégia de análise aqui proposta tem como ponto de partida as teses sobre a história de Walter Benjamin. Benjamin foi um dos espíritos mais sensíveis de seu tempo. De certa forma, soube perceber que a Europa decididamente caminhava para a maior das catástrofes que o homem já conheceu. Na nona tese sobre a história, Benjamin – em diálogo com P. Klee – evoca a imagem de um anjo que não vê no passado uma mera cadeia de acontecimentos orientados ao progresso, mas uma catástrofe única, que acumula incansavelmente ruína sobre ruína. O anjo gostaria de deter-se para acordar os mortos e juntar os fragmentos, mas uma tempestade sopra do paraíso e o impele com força irresistível para o futuro, de forma que ele não consegue mais fechar suas asas. Enquanto isso, o amontoado de ruínas cresce até o céu. Benjamin chama a tempestade de progresso2. Como Benjamin intuiu, o progresso acabou produzindo a maior das catástrofes: o Holocausto não foi uma mancha na evolução histórica da racionalidade moderna. Foi a expressão mais extrema de uma grande tragédia possibilitada pela ênfase desmedida na técnica e que no final acumulou ruína sobre ruína, com um custo incalculável de vidas humanas ceifadas por um
2
LOWY, Michel. Walter Benjamin: aviso de incendio. Una lectura de las tesis “sobre el concepto de historia”. Buenos Aires: Fondo de Cultura Economica de Argentina, 2002. p. 100-101.
3
Para Christie, “el exterminio no se considera una excepción, sino una prolongación lógica de nuestro principal tipo de organización social. Desde este punto de vista, el Holocausto se convierte en una consecuencia natural de nuestro tipo de sociedad, no una excepción. En lugar de ser una regresión a una etapa anterior de barbarie, el exterminio se convierte en un hijo de la modernidad. Las condiciones que dieron lugar al Holocausto son precisamente las que han ayudado a crear la sociedad industrial: la división del trabajo, la burocracia moderna, el espíritu racional, la eficiencia, la mentalidad científica y, en particular, el hecho de relegar valores de importantes sectores de la sociedad” (CHRISTIE, Nils. La industria del control del delito: la nueva forma del holocausto? Buenos Aires: Del Puerto, 1993. p. 166). 4 Mezger nasceu em 1883 e faleceu em 1962. Foi aluno de Beling, Binding, Frank e Von Lizst. Foi discípulo de Beling. Publicou a primeira edição de seu Tratado de direito penal em 1931. Sucedeu Beling na Universidade de Munique. A partir de 1933 foi o penalista mais destacado do regime que dominou a Alemanha até 1945. Neste mesmo ano publicou sua Política criminal sobre fundamentos criminológicos, propondo adaptar o direito penal ao novo Estado, baseado nas ideias de “povo” e “raça”. Em 1935 foi nomeado chanceler do Reich Adolf Hitler. Quase ao final da Segunda Guerra Mundial, solicitou visitar campos de concentração, como o de Dachau, pedido que foi inclusive atendido. Entre as “contribuições” de Mezger, destacam-se o “delinquente habitual” e seu tratamento (projeto de lei “estranhos à comunidade”); medidas de internamento em custódia de segurança policial; castração para delinquentes habituais perigosos (associais); analogia como fonte de criação do direito penal “conforme o são sentimento do povo”; a finalidade por ele atribuída à pena: “ausmerzung”, a eliminação dos elementos prejudiciais para o povo e a raça; culpabilidade pela condução da vida (aplicada ao erro de proibição) e não somente pelo fato; revelação de atitude de total de desprezo para com o são sentimento do povo alemão (posição que manteve posteriormente sem referir o povo alemão, o que motivou críticas de Welzel) (MUNÕZ
Embora o Holocausto represente o apogeu dessa doentia racionalidade, isso não significa que o moinho racional-instrumental de trituração da vida humana tenha cessado de funcionar: o direito penal continua sendo chamado a desempenhar uma missão de destruição. Não é por acaso que Christie procurou denunciar a aceleração punitivista: o moinho permanece em movimento, legitimado por artifícios discursivos ardilosos que dão a essa barbárie a aparência de uma técnica racional e civilizada, obtida a partir do avanço progressivo da ciência e do saber jurídico. Trata-se exatamente da racionalidade hegemônica que urgentemente é preciso combater, pois a promessa utópica de segurança é deliberadamente empregada como meio de legitimação da guerra empreendida contra o outro pela indústria do controle do delito5. É preciso deixar de lado o apego romântico ao projeto civilizatório moderno e reconhecer que a promessa de realização do ideal de segurança absoluta não pode ser mais do que mera ilusão. Em outras palavras, o elemento violência é constitutivo da própria vida em sociedade: não é um resto bárbaro do passado que será necessariamente extinto pela civilização6. Portanto, CONDE, Francisco. Edmund Mezger e o direito penal de seu tempo: estudos sobre o direito penal no nacional-socialismo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005). 5 Segundo Christie, “en comparación con la mayoría de las industrias, la industria del control del delito se encuentra en una situación más que privilegiada. No hay escasez de materia prima: la oferta de delito parece ser infinita. También son infinitas la demanda de este servicio y la voluntad de pagar por lo que se considera seguridad. Y los planteos habituales sobre la contaminación del medio ambiente no existen. Por lo contrario, se considera que esta industria cumple con tareas de limpieza, al extraer del sistema social elementos no deseados” (CHRISTIE, Nils. La industria del control del delito: la nueva forma del holocausto? Buenos Aires: Del Puerto, 1993. p. 21). 6 GAUER, Ruth M. Chittó. Alguns aspectos da fenomenologia da violência. In: GAUER, Gabriel J. Chitto; GAUER, Ruth M. Chittó (Org.). A fenomeno-
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poder punitivo extremamente seletivo3. E tudo isso em nome da igualdade e da segurança, categorias que por excelência conduziram ao extermínio massivo da diferença, percebida como obstáculo para o progresso. O direito penal esteve envolvido profundamente no ponto culminante dessa barbárie, através de um de seus grandes dogmáticos, o penalista alemão Edmund Mezger4.
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embora a violência possa assumir várias formas, não é possível concebê-la concretamente como aberração a ser erradicada por completo, mesmo que isso possa ser desejável: são padrões de comportamento que não estão à margem da cultura, mas que a compõem, como um de seus elementos nucleares7. Pode ser dito inclusive que o reconhecimento do caráter constitutivo desses fenômenos é um passo importante para a desconstrução dos sistemas discursivos de enfrentamento da violência que acenam com a possibilidade de superá-la e que, em nome dessa promessa, apenas produzem ainda mais violência: ela simplesmente está para além de qualquer possibilidade de controle embasada em utópicas promessas de segurança. O progresso não conduziu ao paraíso projetado pelo homem racional. Produziu o extermínio massivo de populações rotuladas como indesejáveis pelo poder punitivo.
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Nesse sentido, até mesmo a pretensão aqui esboçada de contenção da violência institucional deve operar inevitavelmente a partir de uma perspectiva de redução de danos, reconhecendo que historicamente a intervenção jurídico-penal muitas vezes se mostrou mais apta a maximizar danos do que a contê-los. Afinal, o que representam em termos de custo social os mandamentos e proibições penais? Temos um sistema que para muitos é voltado para o combate ao crime, mas que continuamente amplia a esfera do que é classificado como crime, fazendo com que cada vez mais aspectos da vida humana sejam criminalizados em nome da irrealizável promessa civilizatória. Com isso, a imagem bélica do sistema penal é continuamente fortalecida, o que legitima o poder punitivo por via da absolutização do valor segurança, debilitando os vínculos sociais horizontais e reforçando os verticais8.
7 8
logia da violência. Curitiba: Juruá, 2008. p. 13. Idem, p. 14. ZAFFARONI, Eugenio Raul; BATISTA, Nilo; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR,
Embora não exista uma legislação claramente dirigida ao extermínio massivo no contexto contemporâneo, o sistema acaba operando em torno de uma seletividade brutal quando deslocado da generalização da criminalização primária para a secundária: o programa legislativo “igualitário” é facilmente transformado em prática de persecução ao inimigo, o que certamente diz algo sobre suas condições de possibilidade9. Como observou Zaffaroni, o exercício de poder de todos os sistemas penais é conducente à reprodução de violência, seletividade, corrupção institucionalizada, concentração de poder, verticalização social e destruição das relações horizontais ou comunitárias: não são características conjunturais, mas estruturais10. O sistema acaba sempre tendo como alvos preferenciais os protagonistas das obras toscas da criminalidade, que causam menos problemas por sua incapacidade de acesso positivo ao poder político e econômico ou à comunicação massiva11. Temos que perceber urgentemente que isso é constitutivo e que a esperança consiste na redução da intensidade dos danos que o sistema inevitavelmente provocará aos que ele preferencialmente persegue, por se enquadrarem nos estereótipos criminais12. É preciso abandonar a ilusão de que o saber jurídico-penal deve ser elaborado como se tudo ocorresse naturalmente da forma Alejandro. Direito penal brasileiro – I. Rio de Janeiro: Revan, 2003. p. 59. 9 Segundo Zaffaroni, “a criminalização primária é um programa tão imenso que nunca e em nenhum país se pretendeu levá-la a cabo em toda a sua extensão nem sequer em parcela considerável, porque é inimaginável [...] por conseguinte, considera-se natural que o sistema penal leve a cabo a seleção de criminalização secundária apenas como realização de uma parte ínfima do programa primário” (Idem, p.44). 10 ZAFFARONI, Eugenio Raul. Em busca das penas perdidas. Rio de Janeiro: Revan, 2010. p. 15. 11 ZAFFARONI, Eugenio Raul; BATISTA, Nilo; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Direito penal brasileiro – I. Rio de Janeiro: Revan, 2003. p. 46. 12 Idem, p. 47.
Temos que dar um basta na maximização do controle. Como afirma Christie, vivemos cada vez mais em uma sociedade povoada por mecanismos de controle, motivo pelo qual ele considera que não é nem um pouco absurdo traçar um paralelo entre democracias e estados totalitários16. Precisamos parar de cultuar o progresso e celebrar uma mítica igualdade, como se o esquadrinhamento da realidade em busca da eliminação da diferença garantisse segurança, quando o que garante é a continuidade da catástrofe percebida por Benjamin.
13 Idem, p. 65. 14 ZAFFARONI, Eugenio Raul. Em busca das penas perdidas. Rio de Janeiro: Revan, 2010. p. 16. 15 ZAFFARONI, Eugenio Raul; BATISTA, Nilo; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Direito penal brasileiro – I. Rio de Janeiro: Revan, 2003. p. 49. 16 CHRISTIE, Niels. El control de las drogas como un avance hacia condiciones totalitárias. In: Criminologia critica y control social: El poder punitivo del estado. Rosario: Juris, 1993. p. 152.
2 O HOLOCAUSTO NOSSO DE CADA DIA: BREVE RELATO DE UMA TRAGÉDIA BRASILEIRA Vamos retomar o argumento deixado em aberto na introdução. Mais de vinte anos se passaram desde a publicação da obra de Christie na Argentina. Afinal, estávamos ou não equipados para resistir ao Holocausto que se anunciava nos Estados Unidos, como pensou Zaffaroni? A condição especificamente americana é ou não um requisito para o encarceramento massivo, para a deflagração de uma guerra contra as drogas e para uma atuação punitiva claramente voltada para a neutralização de minorias? Temos que reconhecer que infelizmente o tempo se encarregou de demonstrar que Zaffaroni subestimou o poder de disseminação dos discursos punitivistas estadunidenses. Os discursos law and order e zero tolerance penetraram com toda força, sendo amplamente acolhidos e fazendo do encarceramento seletivo em massa a realidade concreta das práticas punitivas brasileiras. Ainda que as causas desse fenômeno possam ser objeto de especulação, se a finalidade do sistema penal e em particular da pena é a produção de sofrimento e a imposição de dor – como apontou Christie –, poucos discordariam da constatação de que no Brasil chegamos ao estado da arte dos suplícios contemporâneos. A questão penitenciária brasileira retrata um inominável cenário de barbárie que se aprofundou de forma cada vez mais aguda nas últimas décadas. Sem dúvida, se existe algo que se aproxima do título de Holocausto penitenciário, certamente é a estrutura punitiva brasileira. É claro que o sentido da expressão Holocausto no âmbito da pena privativa de liberdade requer delimitação. Christie esclarece que não acredita que as prisões contemporâneas irão se tornar cópias exatas dos campos de concentração: mesmo nas piores condições, nos sistemas carcerários modernos a maioria dos presos não será morta intencionalmente. Alguns condenados
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programada pela criminalização primária, pois dessa forma foi construída uma elaboração discursiva precária a serviço da seletividade, quando ela devia estar voltada para a contenção de seus níveis13. Logo, é equivocado falar em “crise”, considerada como contradição entre o discurso jurídico-penal dominante e a realidade operacional do sistema penal, pois é absolutamente utópico pensar que a realidade possa se aproximar da programação estabelecida por ele. Como indica Zaffaroni, “crise” é o momento em que a falsidade do discurso se torna tão evidente que ele desaba, desconcertando o penalismo14. Sob este aspecto, temos que compreender a “crise” como um momento de oportunidade para que o discurso jurídico-penal seja finalmente confrontado com a realidade, desvelando sua particular aptidão para a persecução de pessoas em situação de vulnerabilidade15.
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serão executados, mas a maioria será libertada ou morrerá por suicídio, violência carcerária ou causas naturais17.
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No entanto, se considerarmos os níveis de mortalidade do sistema penitenciário brasileiro – seja em função de violência carcerária ou por doenças como a tuberculose –, ou que a Polícia Militar do Rio de Janeiro e São Paulo mata mais do que países com pena de morte, fica claro que nossas práticas punitivas estão para muito além dos medos expressados por Christie18. Estamos vivendo o apogeu de um estado de guerra permanente, que orienta toda a atuação do sistema penal em nome de uma imagem bélica que vende a ilusão de segurança, assegurando dessa forma a contínua prosperidade da indústria do controle do delito, que se encontra em permanente expansão.
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17 CHRISTIE, Nils. La industria del control del delito: la nueva forma del holocausto? Buenos Aires: Del Puerto, 1993. p. 170. O emprego da palavra holocausto no contexto das práticas punitivas contemporâneas pode ser motivo de censura para alguns, uma vez que amplia o sentido de uma expressão que se refere a um conjunto de circunstâncias bastante específicas, que, no entanto, não se restringem a população judaica, uma vez que ciganos, homossexuais e comunistas também foram objeto de persecução, assim como todos que podiam ser tidos como estranhos à comunidade. A expressão é utilizada neste artigo no sentido referido por Nils Christie, que na verdade prefere o termo Gulag, que se refere ao sistema de campos de trabalho forçado para condenados, presos políticos e opositores do regime stalinista, na União Soviética. Como se sabe, Stalin conduziu uma política de extermínio em grande escala. Optamos por manter a expressão holocausto (sem o H maiúsculo), utilizada na tradução argentina. O título original da obra é “Crime Control as Industry. Towards GULAGS, Western Style?” 18 DUARTE, Alessandra; BENEVIDES, Carolina. Polícia mata cinco pessoas por dia no Brasil. O Globo, Rio de Janeiro, 3 nov. 2013. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/pais/policia-mata-cinco-pessoas-por-dia-no-brasil-10669947>. Acesso em: 2 fev. 2014; PRADO, Rapahel. PM do Rio e de SP mata mais que países com pena de morte. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 28 mar. 2013. Disponível em: <http://www.jb.com.br/pais/ noticias/2012/03/28/pm-do-rio-e-de-sp-mata-mais-que-paises-com-pena-de-morte/>. Acesso em: 2 fev. 2014.
Por outro lado, se o racismo é um componente que integra um potencial Holocausto no âmbito das práticas punitivas, esse requisito parece mais do que preenchido: assim como nos Estados Unidos e na Alemanha, o racismo também está geneticamente impregnado na formação da identidade brasileira. No Brasil, o discurso da igualdade facilmente degenerou em anseio por igualação do não igual, seja através de assimilação ou, pior ainda, da eliminação do diferente19. Portanto, somos historicamente vocacionados para o Holocausto, o que em alguma medida é confirmado pelo nosso próprio sistema penitenciário: o perfil social e étnico da população carcerária brasileira é amplamente conhecido. Nosso sistema penal contemporâneo conforma uma maquinaria que opera com alto nível de seletividade, movida fundamentalmente para a destruição de certas minorias étnicas e sociais, embora muitos se iludam com a mítica “democracia racial”20. 19 Não temos aqui condições de enfrentar a discussão sobre a questão racial no Brasil, que exige uma pesquisa de fôlego, incompatível com as dimensões do presente artigo. De qualquer forma, assinalamos nossa posição, que é inteiramente incompatível com o mito da democracia racial. O racismo faz parte da cultura brasileira, ainda que com algumas peculiaridades que talvez o tornem distinto de qualquer outro, já que a condição social pesa muito para a aceitação em certos círculos de pessoas que em outras circunstâncias seriam discriminadas. O fato é que se o racismo é um requisito para a produção do holocausto, podemos considerá-lo preenchido para efeito da análise aqui proposta. Sobre a questão da formação da identidade brasileira e o ideal de assimilação, ver KHALED JR., Salah H. Horizontes identitários: a construção da narrativa nacional brasileira pela historiografia do século XIX. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2010. 20 Para Carvalho, “o estado atual dos cárceres diz da forma como a sociedade brasileira resolveu historicamente suas questões sociais, étnicas, culturais, ou seja, pela via da exclusão, da neutralização, da anulação da alteridade. Diz da violência hiperbólica das instituições, criadas no projeto moderno para trazer felicidade às pessoas (discurso oficial), mas que reproduzem – artificialmente, embora com inserção no real – a barbárie que a civilização tentou anular” (CARVALHO, Salo de. Substitutivos penais na era do grande encarceramento. In: GAUER, Ruth Maria Chittó (Org.).
Criminologia e sistemas jurídico-penais contemporâneos II. Porto Alegre: Editora PUCRS, 2010. p. 163). 21 CARVALHO, Salo de. Theories of punishment in the age of mass incarceration: a closer look at the empirical problem silenced by justificationism (the brazilian case). Open Journal of Social Sciences, v. 1, n. 4, september 2013. Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/171925819/Carvalho-Theories-of-Punishment-in-the-Age-of-Mass-Incarceration>. Acesso em: 27 jan. 2014. 22 Carvalho explica que “[...] inúmeros fatores contribuíram para o incremento dos índices de encarceramento: (a) criação de novos tipos penais a partir do novo rol de bens jurídicos expressos na Constituição (campo penal); (b) ampliação da quantidade de pena privativa de liberdade em inúmeros e distintos delitos (campo penal); (c) sumarização do procedimento penal, com o alargamento das hipóteses de prisão cautelar (prisão preventiva e temporária) e diminuição das possibilidades de fiança (campo processual penal); (d) criação de modalidade de execução penal antecipada, prescindindo o trânsito em julgado da sentença condenatória (campo processual e da execução penal); (e) enrijecimento da qualidade do cumprimento da pena, com a ampliação dos prazos para progressão e livramento condicional (campo da execução penal); (f) limitação das possibilidades de extinção da punibilidade com a exasperação dos critérios para indulto, graça, anistia e comutação (campo da execução penal); (g) ampliação dos poderes da administração carcerária para definir o comportamento do apenado, cujos reflexos atingem os incidentes de execução penal (v.g., Lei nº 10.792/2003) (campo penitenciário)” (CARVALHO, Salo de. Substitutivos penais na era do grande encarceramento. In: GAUER, Ruth Maria Chittó (Org.). Criminologia e sistemas jurídico-penais contemporâneos II. Porto Alegre: Editora PUCRS, 2010. p. 153 – grifos do autor).
deflagração de uma guerra contra as drogas, que reproduz os ideais repressivos estadunidenses denunciados por Christie23. Os números são absolutamente assombrosos e comprovam a falácia do discurso sobre a impunidade generalizada no Brasil. Estamos prendendo sim. E muito. Como é possível falar genericamente em impunidade quando, nos últimos vinte anos – o que abrange exatamente o lapso temporal desde a publicação do livro de Christie na Argentina –, a população carcerária brasileira cresceu 350%24? Para efeito de comparação, Christie demonstrou espanto pelo fato de os Estados Unidos terem dobrado a sua população carcerária entre 1979 e 1989, feito comparável somente à China, enquanto a União Soviética reduziu pela metade a população carcerária no mesmo período25. Sem dúvida, isso demonstra a extensão do processo de encarceramento que ocorreu no Brasil. O país tem hoje a quarta maior população carcerária do mundo e marcha triunfalmente em direção ao terceiro posto, que é ocupado pela Rússia. O primeiro e segundo lugares pertencem aos Estados Unidos e à China, respectivamente. No entanto, a taxa de ocupação brasileira é muito superior à americana (106%) e russa (91%), atingindo mais de 184% em 201226. A superlotação provoca flagrante violação aos limites 23 CARVALHO, Salo. Theories of punishment in the age of mass incarceration: a closer look at the empirical problem silenced by justificationism (the brazilian case). Open Journal of Social Sciences, v. 1, n. 4, september 2013. Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/171925819/Carvalho-Theories-of-Punishment-in-the-Age-of-Mass-Incarceration>. Acesso em: 27 jan. 2014. 24 PITTS, Natasha. Pesquisa revela, em números, realidade carcerária do país. Revista Fórum, São Paulo, 13 nov. 2012. Disponível em: <http://revistaforum.com.br/blog/2012/11/pesquisa-revela-em-numeros-realidade-carceraria-do-pais/>. Acesso em: 2 fev. 2014. 25 CHRISTIE, Nils. La industria del control del delito: la nueva forma del holocausto? Buenos Aires: Del Puerto, 1993. p. 40-41. 26 WASSERMAN, Rogério. Número de presos explode no Brasil e gera superlotação de presídios. BBC Brasil, Londres, 28 dez. 2012. Disponível
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Mesmo assim, levando em conta os parâmetros disponíveis vinte anos atrás, não podemos culpar Zaffaroni por não imaginar que a população carcerária poderia explodir de forma tão impressionante: estamos vivendo a era do grande encarceramento, como referiu Salo de Carvalho21. Nos últimos quinze anos o Brasil prendeu sete vezes mais do que a média mundial, sem que tenha havido um esforço correspondente de ampliação de vagas em um sistema penitenciário que já se encontrava superlotado décadas atrás. Como sintetizou Carvalho, o espetacular incremento no número de presos pode ser explicado por várias razões22. Um de seus elementos centrais é exatamente a
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estabelecidos normativamente: por lei cada preso tem direito a 6 metros quadrados de cela, mas na prática acaba tendo apenas 70 centímetros nas prisões mais superlotadas. Apenas Haiti, Filipinas, Venezuela, Quênia, Irã e Paquistão tem uma taxa de ocupação superior à brasileira. Sem falar que, dos 548 mil presos (depositados em 306 mil vagas), 42% (230 mil) estão presos provisoriamente, ou seja, sem condenação definitiva, o que retrata o estado de barbárie do nosso sistema penal27.
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Se as estatísticas já chocam, o que dizer da efetiva condição em que são executadas as penas privativas de liberdade? Confrontando a realidade americana com a brasileira, não é possível estabelecer qualquer parâmetro de comparação entre as condições a que são expostas as respectivas populações carcerárias: os níveis de dor intencional submetidos aos apenados no Brasil são infinitamente mais elevados. Parece difícil escapar de uma conclusão: a indústria de controle do delito assumiu aqui ares de uma indústria de extermínio, o que é facilmente comprovado pela agonia experimentada por quem se encontra abandonado no depósito de gente que é o nosso sistema penitenciário.
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A recente tragédia ocorrida no Complexo Penitenciário de Pedrinhas, em São Luís, no Maranhão, não é de modo algum uma exceção, pois representa exatamente a realização última de uma política criminal irresponsável que chancela o extermínio do outro, como se inimigo declarado fosse28. Embora a crueldade em: <http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/12/121226_presos_brasil_aumento_rw.shtml>. Acesso em: 2 fev. 2014. 27 GOMBATA, Marsílea. Em 15 anos, Brasil prendeu 7 vezes mais que a média. Carta Capital, Rio de Janeiro, 17 jan. 2014. Disponível em: <http:// www.cartacapital.com.br/sociedade/populacao-carceraria-brasileira-cresceu-7-vezes-mais-que-a-media-mundial-nos-ultimos-15-anos-5518. html>. Acesso em: 2 fev. 2014. 28 SCOLESE, Eduardo. Presos filmam decapitados em penitenciária no Maranhão; veja vídeo. Folha de São Paulo, São Paulo, 7 jan. 2014. Disponível
das execuções tenha despertado atenção mundial para o drama penitenciário brasileiro, o episódio ocorrido em Pedrinhas não foi exatamente uma exceção. É um retrato perfeito e cristalizado do Holocausto nosso de cada dia. Qualquer argumentação reducionista que tenha como eixo central a redução dos espaços catastróficos ao Maranhão só pode transitar nas trevas da insanidade. Por todos os recantos do país são cometidas violências e atrocidades inimagináveis para instituições que são administradas pelo Estado, demonstrando que o poder punitivo ainda impera de forma irrestrita, sem que a normatividade voltada para a redução de danos encontre qualquer condição de permeabilidade. Sem aqui ter qualquer intenção de apologia aos ideais justificacionistas, parece indiscutível que o espaço de indeterminação entre direito e realidade encontra na pena privativa de liberdade a sua ferida mais visível, uma vez que tanto a ideologia de ressocialização da lei penal (bem como os modestos limites ao poder punitivo que ela estabelece) quanto os direitos fundamentais são largamente ignorados em instituições que funcionam como verdadeiros matadouros de gente. Os presídios brasileiros ainda não foram colonizados pelo direito, se é que um dia minimamente serão, pois, ao que tudo indica, nem sequer existe essa intenção por parte das agências executivas29. em: <http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/01/1394160-presos-filmam-decapitados-em-penitenciaria-no-maranhao-veja-video.shtml>. Acesso em: 2 fev. 2014. 29 Como refere Carvalho, “a realidade da punição na estrutura jurídica brasileira constitui-se por assumir, sem pudores, a posição de que determinadas pessoas simplesmente não servem, são descartáveis, não merecem qualquer dignidade, são desprezíveis e por isso serão oficialmente abandonadas” (CARVALHO, Salo de. Substitutivos penais na era do grande encarceramento. In: GAUER, Ruth Maria Chittó (Org.). Criminologia e sistemas jurídico-penais contemporâneos II. Porto Alegre: Editora PUCRS, 2010. p. 162-163).
Desse modo, um sistema penal autofágico – que alimenta a si mesmo através da exclusão reiterada de parcela significativa da sociedade – prospera irrestritamente, legitimado pela guerra santa exercida em nome da segurança32. A ilusão alimentada pela crença cega no penalismo acaba provocando o contínuo endurecimento e hipertrofia da legislação penal, com a atribuição de missões que extrapolam qualquer possibilidade de concretização, mas que contribuem para o encarceramento massivo, aplaudido pelos empresários morais da mídia e pelas marionetes das agências de reprodução ideológica33. O controle penal se expande em espiral, instalando uma lógica de monitoramento constante da vivência humana, sem que as pessoas percebam que estão sendo seduzidas pelo que Zaffaroni chamou de criminologia midiática. Tudo isso demonstra que os temores de Christie eram mais do que justificados: a proximidade com o totalitarismo é maior do que se supõe34. Trata-se de uma dinâ-
Sem dúvida, trata-se de um cenário que favorece imensamente a prosperidade da indústria do controle do delito. Como qualquer indústria, a indústria de controle do delito visa permanente à expansão, com uma grande vantagem, já que fornece armas para o que é percebido como guerra permanente contra o crime, o que lhe garante contínuo apoio popular na luta contra os inimigos do corpo social30. Com isso, o direito penal é cada vez mais banalizado, transformando-se em um remédio supostamente apto a curar todos os males, enquanto o Estado se esquiva dos investimentos sociais necessários. Trata-se de um absurdo, pois, como refere Lopes Jr., “não se edifica uma ordem social apenas com base na repressão”31.
32 Lopes Jr. sintetiza a questão: “Primeiro vem a exclusão (econômica, social, etc.), depois o sistema penal seleciona e etiqueta o excluído, fazendo com que ele ingresse no sistema penal. Uma vez cumprida a pena, solta-o, pior do que estava quando entrou. Solto, mas estigmatizado, volta às malhas do sistema, para mantê-lo vivo, pois o sistema penal precisa deste alimento para existir. É um ciclo vicioso, que só aumenta a exclusão social e mantém a impunidade dos não-excluídos (mas não menos delinquentes)” (LOPES JR., Aury. Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da instrumentalidade garantista. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 16). 33 Tais empresários não são recentes e já fazem parte da cultura brasileira pelo menos desde a década de 80. Como observou Nilo Batista, “no Brasil, não temos a pena de morte na legislação, mas ela é aplicada largamente, tolerada e estimulada por discursos que ou desqualificam o acusado (‘ele é bandido’), liberando-o à sanha dos esquadrões da morte a soldo de grupos sociais bem caracterizados, ou exercem diretamente a apologia do extermínio (bandido bom é o morto)” (BATISTA, Nilo. Punidos e mal pagos: violência, justiça, segurança pública e direitos humanos no Brasil de hoje. Rio de Janeiro: Revan, 1990. p. 103). 34 Segundo Zaffaroni, “o que a criminologia midiática oculta cuidadosamente do público é o efeito potencializador do controle e redutor do espaço de liberdade social A necessidade de nos proteger deles justifica todos os
30 CHRISTIE, Nils. La industria del control del delito: la nueva forma del holocausto? Buenos Aires: Del Puerto, 1993. p. 21. 31 LOPES JR., Aury. Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da instrumentalidade garantista. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 29.
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Por outro lado, é importante referir que o espaço potestativo de discricionariedade que existe entre a previsão legal e a realidade concreta permite a prática de inúmeros abusos, muitas vezes festejados e comemorados por uma população que aplaude a barbárie, sem perceber o que realmente está em jogo. Vivemos em um contexto em que o tratamento penal da miséria é cada vez mais aceito como remédio para as mazelas do corpo social, fazendo do sistema penal um mecanismo de gestão da pobreza e de avanço totalitário da indústria de controle do delito. Com isso são possíveis dois efeitos perversos: calabouços brutalmente desumanos são aplaudidos pela população, que simultaneamente se sujeita à ampliação de meios de controle antidemocráticos, acreditando que com isso terá mais segurança. Qualquer medida de intensificação da repressão é comemorada, pois a percepção generalizada é de que o sistema é conivente com a criminalidade.
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mica repressiva inteiramente equivocada em suas premissas básicas, pois não é com autoritarismo que se alcançará a tão desejada segurança: pelo contrário, são maximizados os níveis de insegurança, particularmente para quem está em situação de vulnerabilidade35.
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A expansão da lógica do controle é mundial. Não é um fenômeno brasileiro, ainda que aqui tenha características bastante peculiares. Sua disseminação fez, inclusive, com que a violência se tornasse um produto, que é avidamente consumido por uma população sedada por um discurso que produz sujeição simbólica: faz com que o próprio público, que é alvo preferencial da guerra pela segurança, aplauda o contínuo endurecimento do sistema penal, pedindo e apoiando a implantação de medidas como a pena de morte e a redução da maioridade penal36. É nesse sentido que a exclusão não é apenas uma palavra, mas uma verdadeira categoria inteiramente diversa de exploração, por exemplo. Para os excluídos sequer se prevê exploração, mas gestão da pobreza: é contra eles que o sistema penal pre-
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controles estatais, primitivos e sofisticados, para prover segurança. Em outras palavras: o nós pede ao Estado que vigie mais a eles, mas também o próprio nós, pois necessitamos ser monitorados para sermos protegidos” (ZAFFARONI, Eugenio Raul. A palavra dos mortos: conferências de criminologia cautelar. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 317). 35 Lopes Jr. afirma que, “como consequência desse cenário de risco total, buscamos no Direito Penal a segurança perdida. Queremos segurança em relação a algo que sempre existiu e sempre existirá: violência e insegurança” (LOPES JR., Aury. Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da instrumentalidade garantista. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 54). 36 Nilo Batista descreveu no início da década de 90 um cenário que permanece atual: “Sempre que ocorre uma onda de violência, ou um crime particularmente cruel, aparecem políticos oportunistas pregando a pena de morte. [...] algumas pessoas de boa-fé acabam acreditando que a pena de morte pode ajudá-las, que a pena de morte pode diminuir os assaltos, os estupros, os homicídios, etc.” (BATISTA, Nilo. Punidos e mal pagos: violência, justiça, segurança pública e direitos humanos no Brasil de hoje. Rio de Janeiro: Revan, 1990. p. 18).
ferencialmente atua. O explorado ainda está integrado, ainda que sob o signo da dominação, ao sistema capitalista. O excluído está fora e por isso deve ser isolado e neutralizado. Dessa forma, o problema social deve ser “resolvido” com aparato policial. Não chega a ser uma novidade neste país, pois desde a República Velha já vem sendo dito que “a questão social é um caso de polícia”37. Não é por acaso que Zaffaroni atentou para a formidável estrutura de controle que é propiciada pelo espaço deixado em aberto pela criminalização secundária38. Estamos diante de um encarceramento massivo da miséria, que desafia abertamente todos que lutam contra a catástrofe que se expande por todos os recantos do país e encontra sua face mais aguda no Rio Grande do Sul39. Todas as saídas legais foram tentadas para conter a apoteose do poder punitivo que representa o Presídio Central de Porto Alegre, restando aos que se insurgem contra a barbárie que lá impera o último recurso legal imaginável: representar contra o Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), o que foi feito em janeiro de 2013. O Presídio Central é reconhecidamente o exemplo mais pronunciado da condição de degradação huma37 Frase proferida por Washington Luís, último presidente da República Velha. 38 Para ele, “[...] a criminalização secundária é quase um pretexto para que agências policiais exerçam um controle configurador positivo da vida social, que em nenhum momento passa pelas agências judiciais ou jurídicas [...] este poder configurados positivo é o verdadeiro poder político do sistema penal” (ZAFFARONI, Eugenio Raul; BATISTA, Nilo; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Direito penal brasileiro – I. Rio de Janeiro: Revan, 2003. p. 52 – grifos do autor). 39 Não se trata aqui de relegitimar o sistema penal propondo sua “democratização” com a inclusão massiva de indivíduos em condição social privilegiada, e sim de conter os danos provocados pelo sistema penitenciário a todos os eventualmente criminalizados. Eis aí o grande equívoco de certa esquerda punitivista, que acaba compactuando com discursos inaceitáveis de reversibilidade ideológica dos direitos humanos.
No final de 2013, a CIDH da Organização dos Estados Americanos (OEA) reconheceu a precariedade das condições do Presídio Central e concedeu liminar obrigando o Estado brasileiro a adotar medidas que ao menos amenizem a condição de flagrante violação de direitos humanos que caracteriza a referida instituição40. Entre elas estão: medidas necessárias para salvaguardar a vida e integridade pessoal dos internos; garantia de condições de higiene e de tratamento médico adequado; implementação de medidas para recuperar o controle de segurança em todas as áreas [...] garantindo que os agentes do Estado sejam os encarregados das funções de segurança interna e assegurem que não sejam conferidas funções disciplinares, de controle ou de segurança aos internos; implementação de um plano de contingência e disponibilização de extintores de incêndio e outras ferramentas necessárias e, finalmente, ações 40 No mesmo documento, a CIDH diz que, em 2009, quando já havia pedido informações sobre a unidade prisional de Porto Alegre, a Comissão Parlamentar de Pesquisa sobre o Sistema Carcerário teria recomendado que o Presídio Central fosse “desativado, em virtude da evidente falta de estrutura” e que, “conforme critérios de superlotação, insalubridade, arquitetura inadequada, capacidade de ressocialização, assistência médica e maus-tratos, o presídio seria o pior estabelecimento penitenciário do país” (O GLOBO. OEA notifica Estado brasileiro para reduzir violações no Presídio Central de Porto Alegre. O Globo, Rio de Janeiro, 3 jan. 2014. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/pais/oea-notifica-estado-brasileiro-para-reduzir-violacoes-no-presidio-central-de-porto-alegre-11202528>. Acesso em: 2 fev. 2014).
imediatas para reduzir a lotação41. Obviamente, todas elas medidas rigorosamente necessárias, ainda que tardias. Parece impensável que a instituição possa funcionar nas condições em que efetivamente funciona. No entanto, como tristemente sabemos, não existem mecanismos coercitivos para propriamente impor o cumprimento das obrigações impostas, o que faz com que o déficit de efetividade dessas determinações restrinja quase que completamente o seu alcance. Resta a desmoralização do Brasil diante da comunidade internacional, o que certamente não basta para que as reformas necessárias aconteçam. Não que o Presídio Central possa efetivamente ser recuperado. Deve ser destruído. As medidas indicadas pela CIDH são apenas paliativos para uma estrutura irremediavelmente comprometida em todos os sentidos. Ao que tudo indica a catástrofe continuará a se aprofundar, sem qualquer esperança de reversão ou contenção. Até quando perdurará o Holocausto nosso de cada dia?
3 MINIMIZAR A DOR OU JUSTIFICAR A PENA COMO MEIO DE REINTEGRAÇÃO SOCIAL? Justificar a pena através da prevenção especial positiva soa como piada de mau gosto, considerando que nosso sistema penitenciário flerta abertamente com o holocausto e comemora uma catástrofe contínua, acumulando ruína sobre ruína a cada dia que passa. Mas inevitavelmente ela deve ao menos ser mencionada – ainda que dela só restem escombros –, já que está 41 COSTA, Letícia. Resolução de corte internacional solicita que governo adote medidas para resolver problemas no Presídio Central. Zero Hora, Porto Alegre, 2 jan. 2014. Disponível em: <http://zerohora.clicrbs.com. br/rs/policia/noticia/2014/01/resolucao-de-corte-internacional-solicita-que-governo-adote-medidas-para-resolver-problemas-no-presidio-central-4379603.html>. Acesso em: 2 fev. 2014.
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na a que são expostos os detentos no Brasil: no final de 2013 havia 4,5 mil homens presos na instituição, cuja capacidade é de cerca de 1,6 mil. O termo superlotação parece tímido para descrever a situação dos presos. Por isso a provocação: Holocausto nosso de cada dia, uma tragédia com a qual todos os governos do Rio Grande do Sul foram criminalmente coniventes nas últimas décadas.
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especialmente vinculada ao horizonte normativo brasileiro, uma vez que a LEP estabelece, de forma clara, um ideal ressocializador, no que não se difere de outros países42. A lei espanhola prevê reeducação e reinserção social, a italiana a reintegração social e a lei alemã refere a capacitação do recluso para uma vida sem delitos43.
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O que diferencia o Brasil de outros países é a ausência de referência a qualquer teoria da pena no texto constitucional, que apenas sinaliza com mecanismos de contenção de danos, sem designar qualquer propósito justificante à execução da pena privativa de liberdade, o que representa um grande avanço em relação à LEP. Para Carvalho, a ausência de qualquer discurso legitimante na Constituição impõe critérios limitativos à interpretação, aplicação e execução das penas, negando castigos cruéis e procurando delimitar o “como punir?”. Com isso a discussão é (ou deve ser) deslocada para os meios, deixando de lado a fixação obsessiva com os fins e reconhecendo que o poder punitivo por excelência extravasa os limites da legalidade44.
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42 Como refere Carvalho, a LEP de 1984, “[...] inspirada no programa político-criminal do movimento de nova defesa social, tematiza o projeto punitivo moldando-o a partir da noção de ressocialização (prevenção especial positiva)” (CARVALHO, Salo de. Antimanual de criminologia. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 259). 43 MUNÕZ CONDE, Francisco; HASSEMER, Winfried. Introdução à criminologia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 179. Como observou Baratta, “derecho penal contemporáneo se autodefine como derecho penal del tratamiento. La legislación más reciente atribuye al tratamiento la finalidad de reeducar y reincorporar al delincuente a la sociedad” (BARATTA, Alessandro. Criminologia y sistema penal. Buenos Aires: B de F, 2004. p. 357). Importante referir que Baratta escreveu em outro contexto. De lá para cá algumas coisas mudaram significativamente. O correcionalismo se encontra em franca decadência a partir dos anos oitenta, ainda que habite o imaginário de inúmeras teorias justificadoras da pena e permaneça sedimentado nas legislações penais. 44 CARVALHO, Salo de. Antimanual de criminologia. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 260.
Claro que a ausência de justificação para a pena na Constituição não impede que o penalismo comprometido com a reprodução ideológica da barbárie continue a professar sua fé nos vetores legitimantes, o que não deixa de ser plenamente condizente com nossa cultura de fetiche pela legislação infraconstitucional. Mas apesar de celebrada por grande parte dos penalistas clássicos e contemporâneos como algo essencial à própria existência da pena, a prevenção especial positiva encontra-se em profunda crise na realidade carcerária contemporânea, seja no contexto brasileiro ou internacional45. O processo de decadência do correcionalismo deve ser apreciado de forma cuidadosa, uma vez que seu apogeu perdurou durante boa parte do século XX nos Estados Unidos e na Europa, apesar dos seus pressupostos terem sido colocados em questão desde pelo menos a década de 4046. A decadência do 45 Como observou Bitencourt, “a grande ocorrência de suicídios nas prisões é um bom indicador sobre os graves prejuízos psíquicos que a prisão ocasiona, e autoriza a dúvida fundada sobre a possibilidade de obtenção de algum resultado positivo em termos de efeito ressocializador, especialmente quando se trata de prisão tradicional, cuja característica principal é a segregação total” (BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 197-198). 46 Como observa Carvalho, “as formas de compreensão e de orientação das ações realizadas no sistema penal fomentadas pela gramática do welfarismo penal correcionalista passam, a partir da década de 40, a receber incisivos questionamentos, desde o discurso jurídico-penal que revela a incapacidade de serem preservados direitos na instituição carcerária às perspectivas criminológicas críticas, de viés filosófico e sociológico, que questionam os fundamentos e as reais funções exercidas pelas prisões [...] em perspectiva acadêmica, a densificação da crítica aos fundamentos teóricos que sustentam o correcionalismo corporificado nas instituições totais (cárceres e manicômios) potencializa a criação de projetos alternativos de redução dos danos ocasionados pelas agências do controle social burocratizado” (CARVALHO, Salo de. Substitutivos penais na era do grande encarceramento. In: GAUER, Ruth Maria Chittó (Org.). Criminologia e sistemas jurídico-penais contemporâneos II. Porto Alegre: Editora PUCRS, 2010. p. 147-148).
Claro que no nosso caso nunca sequer houve o apogeu da ideologia correcional que David Garland chamou de previdenciarismo (ou welfarismo) penal, que, por sua vez, guarda relação com o Estado Social, que também não experimentamos. Mas se na Europa já se verifica um processo de endurecimento das políticas penais, cada vez mais voltadas para a defesa social em detrimento da reinserção, o que dizer do Brasil? Estamos experimentando a maximização de níveis de dor que já eram insuportáveis, mesmo para nossa realidade marginal, de modo que o paralelo entre o movimento que a cultura do controle americana experimentou a partir da década de 80 e o que vivenciamos no Brasil atualmente é assustador, pois os efeitos aqui são muito mais profundos50.
Wacquant denuncia que a guerra contra as drogas serviu como pretexto para a perseguição de componentes da população considerados menos úteis e potencialmente mais perigosos, como desempregados, sem-teto, vadios e outros marginais. Para ele, a “[...] superpopulação das prisões tem grande peso no funcionamento dos serviços correcionais e tende a rebaixar a prisão a sua função bruta de ‘depósito’ de indesejáveis”48. Parece óbvio que essa “função bruta” é a função por excelência da prisão hoje em dia no Brasil, que está voltada para a maximização dos níveis de dor intencional. Talvez não possamos sequer falar em retribuição: a inocuização é o procedimento rotineiro do Holocausto nosso de cada dia, que faz da realidade americana e europeia um conto de fadas em comparação49.
Por mais autistas que possam ser os delírios justificacionistas, não é possível crer que alguém em sã consciência ainda ouse dizer que entre o ideal normativo que vincula o sistema penitenciário ao cumprimento de metas de reinserção e a realidade concreta experimentada pelos detentos não existe um abismo incomensurável51. Para Pavarini, “após dois séculos de investigação, todas as pesquisas dizem que não temos provas de que
47 WACQUANT, Loïc. A tentação penal na Europa. Discursos Sediciosos, Rio de Janeiro: Revan, n. 11/02, p. 9, 2002. 48 Idem, p. 10. 49 Carvalho aponta que “inegável, pois, que, se nos países centrais a reinvenção da prisão adquire funções instrumentais na nova lógica do capitalismo contemporâneo pós-Welfare State, o seu revigoramento adquirirá potência em grau superlativo nos países periféricos. Na margem, como é notório, as conquistas do Estado Social foram mero simulacro e, no que tange especificamente à dimensão do penal, os modelos correcionalistas foram implementados apenas formalmente” (CARVALHO, Salo de. Substitutivos penais na era do grande encarceramento. In: GAUER, Ruth Maria Chittó (Org.). Criminologia e sistemas jurídico-penais contemporâneos II. Porto Alegre: Editora PUCRS, 2010. p. 149-150).
50 Garland refere que os novos arranjos do controle do crime envolvem alguns custos sociais: “A intensificação das divisões sociais e raciais; o reforço dos processos criminogênicos; a alienação de muitos grupos sociais; o descrédito da autoridade legal; a redução da tolerância civil; a tendência ao autoritarismo – estes são os resultados suscetíveis de serem produzidos pela confiança em mecanismos penais e na manutenção da ordem” (GARLAND, David. A cultura do controle: crime e ordem social na sociedade contemporânea. Rio de Janeiro: Revan, 2008. p. 429). 51 Como percebeu Baratta, “la cárcel es contraria a todo moderno ideal educativo, porque éste se apoya sobre la individualidad, sobre el respeto del individuo, alimentado por el respeto que el educador tiene de ella” (BARATTA, Alessandro. Criminologia y sistema penal. Buenos Aires: B de F, 2004. p. 368).
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correcionalismo mudou as regras do jogo: passou a predominar uma lógica de completo abandono, cujo teor catastrófico é nitidamente visível quando transposto para o contexto marginal da América Latina, já que aqui sequer tivemos algo como o welfare state. Os estadunidenses foram os precursores desse deslocamento de sentido, que logo começou a se estender também pela Europa. Como observa Wacquant, referindo-se ao contexto europeu, a criminalização da miséria e o enclausuramento dos marginalizados tomou o lugar da política social47.
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a prisão efetivamente seja capaz de reabilitar. Isso acontece em todos os lugares do mundo”52.
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Diante disso, o tão sonhado êxito na ressocialização soa como mero artifício ardiloso de justificação, ou, na melhor das hipóteses, como promessa utópica irrealizável. As histórias de “sucesso” daqueles que emergem do sistema penitenciário são histórias de sobrevivência. Não são demonstrações da capacidade da pena para fazer o bem. A prisão não ressocializa. Ela dessocializa. Ela não integra, mas segrega. Se ela ensina algo, são estratégias de sujeição e sobrevivência na própria prisão53. O que é a prisão efetivamente faz é neutralizar seletivamente quem comete crimes como se inimigo fosse, mesmo que isso coloque em questão o Estado Democrático de Direito, o que é
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52 PAVARINI, Massimo. Punir mais só piora crime e agrava insegurança (entrevista). Folha de São Paulo, São Paulo, 31 ago. 2009. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff3108200916.htm>. Acesso em: 2 fev. 2014. 53 Para Baratta, “las relaciones sociales y de poder de la subcultura carcelaria tienen una serie de características que las distinguen de la sociedad externa, y que dependen de la particular función del universo carcelario, pero que en su estructura más elemental no son más que la ampliación en forma menos mistificada y más ‘pura’, de las características típicas de la sociedad capitalista. Son relaciones sociales basadas en el egoísmo y en la violencia ilegal, em el interior de las cuales los individuos socialmente más débiles son llevados a desempeñar funciones de sumisión y explotación” (BARATTA, Alessandro. Criminologia y sistema penal. Buenos Aires: B de F, 2004. p. 370-371). Como indica Bitencourt, “o recluso adapta-se às formas de vida, uso e costumes impostos pelos próprios internos no estabelecimento penitenciário, porque não tem outra alternativa. Adota, por exemplo, uma nova forma de linguagem, desenvolve hábitos novos no comer, vestir, aceita papel de líder ou papel secundário nos grupos de internos, faz novas amizades etc. Essa aprendizagem de uma nova vida é mais ou menos rápida, dependendo do tempo em que estará sujeito à prisão, do tipo de atividade que nela realiza, sua personalidade, suas relações com o mundo exterior etc.” (BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 187).
comprovado pelos últimos séculos de atividade do poder punitivo54. Não seria exagero dizer que a prevenção especial positiva está rapidamente se tornando prevenção especial negativa na prática, pelo menos no Holocausto nosso de cada dia: está voltada cada vez mais para a simples inocuização dos detentos, no que se aproxima muito da lógica de segregação e incapacitação dos inimigos, típica da Alemanha nazista. A suposta vocação da prisão para transformar o anormal em normal, ou seja, para normalizar é rotineiramente desmentida, sem que sequer seja necessário aprofundar a discussão em torno do que, afinal, é esse ser “normal” que seria tão desejável para o bem-estar social. Afinal, o que é – ou poderia ser – ressocializar? Ou mesmo socializar? De que forma o tempo do condenado deve ser utilizado para atingir um padrão de vida aceitável, curando o indivíduo que padece dessa enfermidade que é a propensão ao crime? Será uma concepção ético-religiosa de expiação apta a concretizar o mito burguês da reeducação e reinserção social do condenado, como provocou Baratta55? Como refere Carvalho, é inegável a (i)legitimidade das técnicas de individualização da pena moldadas a partir da ideia de ressocialização, assim como a inversão ideológica que ocorre com a contrainstrumentalização dos direitos dos condenados56. Como evitar a reincidência se o “tratamento” prescrito visa à pura e simples neutralização? Como impedir que a prisão dessocialize e estigmatize, o que ela inevitavelmente faz, mesmo nos progra54 PAVARINI, Massimo. Punir mais só piora crime e agrava insegurança (entrevista). Folha de São Paulo, São Paulo, 31 ago. 2009. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff3108200916.htm>. Acesso em: 2 fev. 2014. 55 BARATTA, Alessandro. Criminologia y sistema penal. Buenos Aires: B de F, 2004. p. 372-373. 56 CARVALHO, Salo de. Antimanual de criminologia. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 259.
Considerando as condições do sistema penitenciário brasileiro, essas críticas adquirem um significado ainda maior. Precisamos 57 Como aponta Bitencourt, “será possível evitar a produção de danos físicos, e de certos danos psíquicos, com prisões que contem com uma adequada planta física, com melhores condições de higiene e com tratamento mais condizente com a dignidade do recluso. No entanto, sempre se produzirão algumas lesões invisíveis, visto que quando se interrompe o ciclo normal de desenvolvimento de uma pessoa se provoca dano irreparável. O isolamento da pessoa, excluindo-a da vida social normal – mesmo que seja internada em uma ‘jaula de ouro’ –, é um dos efeitos mais grave da pena privativa de liberdade, sendo em muitos casos irreversível. É impossível pretender que a pena privativa de liberdade ressocialize por meio da exclusão e do isolamento” (BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 160). 58 BARATTA, Alessandro. Criminologia y sistema penal. Buenos Aires: B de F, 2004. p. 362. 59 Para Bitencourt, “todos os transtornos psicológicos, também chamados reações carcerárias, ocasionados pela prisão são inevitáveis. Se a prisão produz tais perturbações, é paradoxal falar em reabilitação do delinquente em um meio tão traumático como o cárcere. Essa limitação é um das causas que evidenciam a falência da prisão tradicional” (BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 199).
romper com a ilusão do correcionalismo projetado pela LEP e reconduzir o problema da pena ao universo constitucional, abrindo mão dos horizontes justificacionistas conducentes à celebração da barbárie nas práticas punitivas.
4 A NECESSÁRIA REJEIÇÃO AOS DISCURSOS JUSTIFICANTES DA PENA Diante do Holocausto nosso de cada dia, é inadmissível que o intelectual engajado e enojado com as práticas punitivas no Brasil tenha a ousadia de aderir a qualquer teoria da pena. Como demonstrou Zaffaroni, as teorias da pena servem a um propósito político de justificação do poder punitivo, estranho ao âmbito de um direito penal comprometido com o avanço do Estado Constitucional de Direito. Portanto, como não interessa aos penalistas – ao menos aos que estão comprometidos com a contenção do poder punitivo – legitimar a pena, resta a conclusão de que todas as leituras legitimantes do discurso penológico devem ser rechaçadas60. Todas as teorias que respondem positivamente ao “por que punir?” conformam construções narrativas que – mesmo indiretamente – produzem continuamente catástrofes, visto que suas funções latentes garantem o espaço necessário para a prosperidade irrestrita do poder punitivo e afirmação do totalitarismo. Quem não enxerga isso só pode estar sofrendo de 60 Como percebeu Carvalho, o “[...] discurso jurídico, em particular jurídico-penal, em razão de sua tradição metafísica, acaba neutralizando as formas de enfrentamento da situação, pois, invariavelmente, remete a discussão de problemas reais ao plano dos fundamentos da punição, dos critérios de definição das penas, do grau de lesão da conduta ao bem jurídico entre outros temas extremamente caros aos teóricos da pena e do delito” (CARVALHO, Salo de. Substitutivos penais na era do grande encarceramento. In: GAUER, Ruth Maria Chittó (Org.). Criminologia e sistemas jurídico-penais contemporâneos II. Porto Alegre: Editora PUCRS, 2010. p. 162).
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mas mais renomados e cercados de garantias57? Como educar para a liberdade em condição de não liberdade? São perguntas que as ideologias (re) não conseguem responder, ou que não respondem de forma minimamente satisfatória, ainda mais considerando o quanto o direito penal opera de forma seletiva. Como observou Baratta, o direito penal é o direito desigual por excelência58. Mas, curiosamente, é manejado e vendido como se igualitário fosse. Enfim, são inúmeros os argumentos que demonstram o quanto a prisão é incapaz de promover quaisquer efeitos benéficos para os apenados59. Isso é tão óbvio que nem sequer mereceria qualquer discussão, se não fosse pelo justificacionismo de plantão.
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cegueira normativa, que obstaculiza a percepção dos cadáveres produzidos pelo direito penal61.
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Diante dessas conclusões, fica claro que qualquer discurso verdadeiramente crítico ao arbítrio do poder punitivo no âmbito da aplicação da pena privativa de liberdade deve rechaçar todos os vetores das teorias legitimantes da pena62. Não é através de um lamento pela não realização ou realização parcial de uma dada teoria a que se professa aderência que avançaremos. É urgente o rompimento com o sonambulismo dogmático que nega a agonia experimentada pelos recolhidos aos calabouços medievais que chamamos de presídios. Temos que lutar pela minimização da dor, aceitando que inevitavelmente a pena produzirá sofrimento, algo do qual podemos ter certeza, diferentemente dos devaneios que ocuparam a mente dos penalistas nos últimos séculos. Como observou Zaffaroni, não é aceitável que o discurso jurídico-penal esteja estruturado em torno de falsos dados sociais e que os penalistas permaneçam rechaçando as críticas ao direito penal como sociológicas, preservando o fetiche normativo63. O direito penal precisa urgentemente dialogar com o mundo, abandonando crenças infundadas e comprometendo-se com a única missão que pode cumprir com eficácia empiricamente verificável: a contenção da torren-
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61 ZAFFARONI, Eugenio Raul. A palavra dos mortos: conferências de criminologia cautelar. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 39. 62 O penalista comprometido com a contenção do poder punitivo deve ter como horizonte de ação o combate sem trégua contra toda e qualquer teoria justificante da pena. Essa rejeição deve abarcar necessariamente todas as respostas positivas ao “por que punir?”, o que inclui todas as variantes clássicas e contemporâneas da questão e, logo, vale também para as construções discursivas de autores contemporâneos como Ferrajoli, Faria Costa, Roxin, Hassemer e Jakobs, que não ultrapassam os limites narrativos do justificacionismo. 63 ZAFFARONI, Eugenio Raul; BATISTA, Nilo; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Direito penal brasileiro – I. Rio de Janeiro: Revan, 2003. p. 67.
te do poder punitivo.64 Temos que romper com a síndrome do que Zaffaroni referiu como revelação do penalista: será que o teórico penal recebe a visita de alguma entidade misteriosa ou nos sonhos esta o faz chegar a uma revelação acerca do fim, sentido, objeto ou essência do poder punitivo65? Não é possível que, enquanto a realidade desmente de forma escandalosa todas as funções atribuídas à pena, os penalistas permaneçam fazendo desse tópico objeto de fetiche, continuando a indagar qual a resposta mais apropriada à singela pergunta “por que punir?”, quando o que interessa é limitar os níveis de dor intencional que são impostos aos que são tragados pelo sistema penal66. Diante dos estratosféricos níveis de dor provocados pelas nossas práticas punitivas, novamente temos que enfatizar que não parece exagerado relacionar a condição atual da questão penitenciária brasileira ao Holocausto: os níveis de sofrimento atingiram patamares tão elevados que o que estamos vivendo talvez mereça o nome de técnica industrial de extermínio, diante da flagrante disparidade entre pena prevista e castigo vivido. O que impera é a lógica da guerra, mostrando que Tobias Barreto já havia percebido há mais de um século atrás o sentido 64 Idem, p. 96. 65 ZAFFARONI, Eugenio Raul. A palavra dos mortos: conferências de criminologia cautelar. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 403. 66 Como observou Christie, “despues de la muerte, el encarcelamiento es el ejercicio de poder mas severo que el Estado tiene a su disposicion. Todos nosotros tenemos la libertad limitada de alguna manera: forzados a trabajar para subsistir, obligados a subordinamos a nuestros superiores, encerrados en clases sociales o aulas, prisioneros del nucleo familiar . Pero a excepcion de la pena de muerte y la tortura fisica – medidas de uso limitado en la mayoria de lós paises de los que trata este libro –, nada es tan extremo en cuanto a restricciones, degradacion y despliegue de poder como la carcel” (CHRISTIE, Nils. La industria del control del delito: la nueva forma del holocausto? Buenos Aires: Del Puerto, 1993. p. 33).
São argumentos inteiramente condizentes com os que desenvolvemos até aqui, mas que sem dúvida soam estranhos para quem concebe o direito penal como algo essencialmente normativo. É comum que os penalistas tratem do problema político do pensamento jurídico-penal a partir de uma perspectiva de legitimação, atuando no âmbito de agências de reprodução ideológica do discurso sedimentado. Trata-se de uma estrutura de pensamento putrefata e que deve ser posta abaixo sem misericórdia, o que pode ser feito sem grande dificuldade a partir de uma conexão com a teoria agnóstica da pena, proposta por Zaffaroni. Ele define a pena como um exercício de poder. Confessa desconhecer sua função e, logo, abdica de qualquer resposta justificacionista ao “por que punir?”. Com isso Zaffaroni procura legitimar e ampliar o poder jurídico, visando à contenção do poder punitivo e reconduzindo a questão da pena ao âmbito político69. Segundo Carvalho, “entendida como 67 BARRETO, Tobias. Algumas ideias sobre o chamado fundamento do direito de punir. In: BARRETO, Tobias. Menores e loucos em direito criminal. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2003. p. 143. 68 Idem, p.144. Obviamente não podemos deixar de referir que o processo penal ainda está repleto de categorias religiosas. A epistemologia dominante continua sendo a delineada por Eymerich no manual dos inquisidores. Sobre o tema, ver KHALED JR., Salah H. A busca da verdade no processo penal: para além da ambição inquisitorial. São Paulo: Atlas, 2013. 69 ZAFFARONI, Eugenio Raul; BATISTA, Nilo; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR,
realidade política, a pena não encontra sustentação no direito. Pelo contrário, simboliza a própria negação do jurídico. Pena e guerra se sustentam, portanto, pela distribuição de violência e imposição incontrolada de dor”70. Com a teoria agnóstica da pena temos subsídios para enterrar os malabarismos narrativos do justificacionismo e especialmente um em particular: o mito da ressocialização. Afinal, será possível cogitar em alguma medida a vocação para ressocializar através da pena privativa de liberdade, quando ela é na verdade um exercício de poder voltado para a dor e capacitado para o extermínio? Para Carvalho, “abandonar quaisquer teorias justificacionistas, sobretudo os modelos ressocializadores, é efeito primeiro da adoção da perspectiva agnóstica de redução dos danos penais”71. Portanto, a realidade desmente, de forma flagrante, o delírio alimentado pelo penalismo: a justificação da pena e do suposto direito de punir através de um conjunto de artimanhas discursivas, cujo verdadeiro sentido consiste na legitimação do ilegitimável por definição. Precisamos enterrar esses espantalhos discursivos urgentemente para impedir que o direito penal continue sendo um instrumento a serviço do Holocausto72. Desse modo, Alejandro. Direito penal brasileiro – I. Rio de Janeiro: Revan, 2003. p.108112. 70 CARVALHO, Salo de. Antimanual de criminologia. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 267. 71 Idem, p. 269. 72 Como explica Carvalho, “ao assumir a pena como realidade (fenômeno) da política, a minimização dos poderes arbitrários exsurge como reação igualmente política. O projeto de redução dos danos decorrentes da punitividade atinge todas as fases de sua individualização, no esforço de redefinir critérios de sua cominação, aplicação e execução, a partir da observância dos postulados constitucionais de proporcionalidade, razoabilidade e proibição do excesso” (CARVALHO, Salo de. Antimanual de criminologia. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 269).
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do castigo. O autor enfatizou que o conceito de pena não é um conceito jurídico, mas um conceito político67. Para ele, quem procura o fundamento jurídico da pena deve também procurar, se é que já não encontrou, o fundamento jurídico da guerra: a pena – considerada em si mesma – nada tem a ver com a ideia de direito e isso fica provado pelo fato de que ela é muitas vezes aplicada e executada em nome da religião, ou seja, do que há de mais alheio à vida jurídica68.
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a teoria agnóstica da pena pode contribuir decisivamente para a redução de danos, assumindo que a perspectiva de minimização da dor provocada pelas práticas punitivas deve ser o norteador dos discursos jurídicos. Zaffaroni refere que se o saber jurídico-penal decidisse ignorar a função do poder punitivo, reconhecendo sua irracionalidade e sua existência como mero factum, assumiria diante dele a nobre função de projetar normativamente sua contenção para preservar o estado de direito e prevenir os massacres, e recuperaria a dignidade que, em boa medida, perdeu ao longo da história, ao justificar os mais horrorosos crimes de Estado.73
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Certamente esse é o caminho a seguir, pelo menos para aqueles que estão comprometidos com uma proposta de minimização da dor e redução de danos, que é, afinal, o que podemos atingir em um horizonte pragmático de atuação. Muitos podem sonhar com a extinção do direito penal e a abolição da pena, mas convenhamos que, embora isso possa ser desejável, dificilmente será possível em nosso tempo. Seria inclusive temerário se isso acontecesse agora, pois é bem provável que algo ainda pior tomaria o lugar do sistema penal. O que podemos fazer é abalar as estruturas do pensamento e ver o que remanesce, o que se sustenta, o que pode contribuir para fazer com que a realidade concreta deixe de ser o lugar do insuportável, ou, ao menos, fazer com que esse insuportável deixe de ser percebido como suportável, o que é imprescindível para que qualquer mudança ocorra.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS Mas e quanto aos próximos vinte anos? Será que o totalitarismo avançará ainda mais, com ampliação irrestrita dos níveis de repressão penal? Seria muita ousadia fazer qualquer previsão. Pode ser que daqui a vinte anos o número de presos no Brasil tenha crescido novamente em 350%, sem que exista um aumento 73 ZAFFARONI, Eugenio Raul. A palavra dos mortos: conferências de criminologia cautelar. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 404.
sequer remotamente parecido no número de vagas. O argumento do Holocausto ganhará muito mais força, sem dúvida. Mas considerando a condição catastrófica em que vivemos, talvez esse seja até um palpite modesto, motivo pelo qual é melhor nem arriscar. Não seria inteiramente absurdo cogitar que o Brasil irá perseguir o primeiro lugar no ranking de populações carcerárias. O que sabemos é que o poder efetivamente jurídico dentro do sistema penal é muito restrito. Não faz sentido algum que continuemos legitimando a barbárie e, com isso, paradoxalmente reduzindo ainda mais o poder discursivo dos juristas. Nossa tarefa imediata consiste em deixar de legitimar a catástrofe e minimizar os níveis de dor intencional: rejeitar os discursos justificacionistas, denunciar o Holocausto nosso de cada dia e lutar pela contenção da indústria do controle do delito. São horizontes práticos, imediatos e nada utópicos. Horizontes com os quais os penalistas minimamente comprometidos com o progresso do Estado Constitucional de Direito podem e devem se engajar. Contra o Holocausto nosso de cada dia, um tsunami antipunitivista. Quem sabe assim deixamos de acumular tantas ruínas? Eu sei de que lado estou. E você, de que lado está?
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Doutrina
A Vitória da Democracia Brasileira: Lei Complementar nº 135/2010 – “Lei da Ficha Limpa” *
princípio da igualdade (art. 5º, caput), o princípio da proporcionalidade, o conceito e a natureza jurídica de causas de inelegibilidade. Para buscar alicerce internacional, o direito comparado mostrou vários exemplos sobre a inelegibilidade resultante da prática de crimes. Ao final, conclui-se pela constitucionalidade e pela possibilidade de aplicação da “Lei da Ficha Limpa” às eleições que ocorreram no ano de 2010 e as seguintes. PALAVRAS-CHAVES: Direito constitucional; Lei Complementar nº 135/2010; Lei da Ficha Limpa; inelegibilidades; moralidade e corrupção.
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BRENO FERREIRA MORAIZ
Acadêmico do 8º período da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Amazonas, Estagiário do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, exercendo suas funções no Gabinete do Desembargador João Mauro Bessa.
RESUMO: A Lei Complementar nº 135/2010, conhecida por “Lei da Ficha Limpa”, concebida pelo instituto da iniciativa popular, alterou a Lei de Inelegibilidades – Lei Complementar nº 64/1990, consagrando a moralidade pública e visando combater a corrupção. Entre os aspectos de sua análise neste artigo destacam-se: o instituto da representação popular e a crise da democracia semidireta; o instituto da iniciativa popular; os princípios constitucionais da presunção de inocência ou de não culpabilidade (art. 5º, LVII), o respeito ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito (art. 5º, XXXVI), o princípio da irretroatividade da lei (art. 5º, XL), o princípio da anualidade e vigência de lei que altere o processo eleitoral (art. 16), o 1
Artigo resultante do Projeto de Pesquisa financiado pelo Conselho Nacional de Pesquisa – CNPq (anos de 2011 e 2012), por meio do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica da Universidade Federal do Amazonas (PIBIC), sob a orientação da Professora MSc. Eliana Maria Pereira da Fonseca e da Professora Doutora Silvana Nobre de Lima Cabral, tendo o referido Projeto de Pesquisa sido agraciado com uma Menção Honrosa.
ABSTRACT: The Complementary Law nº 135/2010, known by “Law of the Clean Record” (“Lei da Ficha Limpa”) altered the Law of Ineligibilitys – Complementary Law nº 64/1990, promoting the public morality and it has the purpose to struggle the corruption. There were examined in this article: the institute of the popular representation and the crisis of the semidirect democracy; the institute of the popular initiative; the constitutional principles of the innocence presumption or of no guilt (art. 5º, LVII), the respect to the acquired right and the perfect legal action (art. 5º, XXXVI), the principle of the unbackdated of the law (art. 5º, XL), the principle of the annuity and law validity that alters the electoral process (art. 16), the principle of the equality (art. 5º, caput), the principle of the proportionality, the concept and the legal nature of ineligibilitys causes. To look for international foundation, the comparative law showed several examples about the ineligibilitys resulting from the practice of crimes. At the end, concludes for the constitutionality and for the possibility of application of the “Lei da Ficha Limpa” to the elections that happened the year of 2010 and the following ones. KEYWORDS: Constitutional law; Complementary Law nº 135/2010; “Lei da Ficha Limpa”; ineligibilitys; morality and corruption.
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INTRODUÇÃO A Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar nº 135/2010) é uma lei de iniciativa popular que modificou a Lei Complementar nº 64/1990,
Ao investigar sobre a vida pregressa dos candidatos a cargos políticos e impor, em cada caso, a restrição da inelegibilidade, esse diploma legal impede que candidatos condenados por abuso de poder econômico, corrupção eleitoral, improbidade administrativa, crimes contra a vida, contra o sistema financeiro, entre outros, possam se candidatar, e, assim, protege a coisa pública contra as investidas dos que buscam em cargos públicos sua ascensão financeira contra o interesse coletivo, contra o bem comum. Dessa forma, a Lei da Ficha Limpa, indiscutivelmente, encontra a sua legitimação na Constituição brasileira, precisamente no art. 14, § 9º, protegendo a probidade administrativa e a moralidade para o exercício do mandato. Enquanto fruto da concepção popular, a referida Lei conseguiu mais de um milhão e seiscentas mil assinaturas, e outros quatro milhões de pessoas por meio do correio eletrônico empenhadas para a sua aprovação no Congresso Nacional. Essa mobilização aproximou a democracia brasileira daquilo que é perseguido por todos os Estados Democráticos: o anseio popular consubstanciado em um diploma jurídico. Em outras palavras, consagrou-se que todo o poder de uma República emana diretamente do povo. Prontamente, estabelece-se o maior objetivo da Lei da Ficha Limpa: combater a corrupção. Enquanto vetor de mudança,
esse diploma legal permite mudar o quadro de agentes políticos brasileiros, os administradores da coisa pública. Dessa forma, a Lei iniciou uma reforma política essencial para a moralização da democracia brasileira.
1 O PROJETO DE LEI: CONCEPÇÃO POPULAR E A DEMOCRACIA PARTICIPATIVA A Lei da Ficha Limpa é fruto da organização de entidades civis engajadas no combate à corrupção eleitoral, entre elas o MCCE (Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral), a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e a CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil). Surgiu para regulamentar o art. 14, § 9º, da Constituição brasileira de 1988: § 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta (Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 4, de 1994).
Apesar de existir a Lei Complementar nº 64/1990 (a Lei das Inelegibilidades), o que se percebe é que a própria Constituição, ao ser emendada, no ano de 1994, requereu uma nova complementação sobre o tema, haja vista que a Lei das Inelegibilidades é do ano de 1990. Assim, a Lei da Ficha Limpa somente complementa a Carta Magna, permitindo ampliar sua eficácia, concedendo maior alcance e aplicabilidade às suas normas, ou, parafraseando Konrad Hesse, dando azo a sua força normativa2. 2
HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991.
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esta denominada de Lei das Inelegibilidades. No bojo dessas alterações inovadoras, ela promoveu os seguintes aprimoramentos: a) aumentou o rol de situações que podem impedir o registro de uma candidatura analisando a vida pregressa dos candidatos; b) estendeu os prazos para as inelegibilidades que passam a ter duração de oito anos; c) tornou mais rápidos os processos judiciais que tratam das inelegibilidades. Entretanto, a Lei da Ficha Limpa não é simplesmente mais um composto para o ordenamento jurídico brasileiro, ela tem um substrato maior, porque traz consigo um papel moralizador, propondo-se a ser o início da mudança do processo político-eleitoral brasileiro.
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Despretensiosamente, intenta-se nesse tópico promover uma análise jurídico-filosófica sobre a democracia participativa e a evolução do Estado Democrático de Direito brasileiro, permitindo comemorar o pacto social referido por Rousseau, e consagrando a vontade coletiva. Pois bem, a tese defendida pelo referido autor é a de que o fundamento do poder legítimo encontra-se no corpo de cidadãos, que devem ser considerados como o princípio e o fim do exercício de todo e qualquer poder político. Assim, reflete Rousseau:
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[...] somente a vontade geral pode dirigir as forças do Estado segundo a finalidade de sua instituição que é o bem comum: se a oposição de interesses particulares tornou necessário o estabelecimento das sociedades, é a concordância desses mesmos interesses que o tornou possível.3
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Dessa forma, Rousseau aponta os princípios iniciais daquilo que se entende por democracia (em uma concepção moderna): governo do povo, pelo povo e para o povo, regime político adotado pelo Estado brasileiro. Segundo José Afonso da Silva4, o governo do povo significa que este é fonte e titular do poder; governo pelo povo quer dizer que o governo se fundamenta na vontade popular ou no consentimento popular; e governo para o povo representa a finalidade, sendo aquele que procura liberar o homem de toda a imposição autoritária visando a garantir o bem-estar. Não é outra coisa senão aquilo que preconiza nossa Carta Magna, no art. 1º, parágrafo único: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Dessa maneira, a democracia repousa sobre dois princípios fundamentais5: a 3
ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social. Trad. Paulo Neves. Porto Alegre: L&PM, 2011. p. 42. 4 DA SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 33. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 135. 5 Idem, p. 131.
soberania popular, segundo a qual o povo é a única fonte de poder, e a participação, direta ou indireta, do povo no poder. Segundo a doutrina, há três formas de democracia: a direta, na qual o povo exerce o poder diretamente; a indireta ou representativa, em que o povo, não podendo exercer o poder diretamente, o faz mediante representantes; e a democracia semidireta ou participativa, em que há alguns institutos de participação direta do povo no negócio público. Pensando na democracia direta, na qual a intervenção popular nos negócios públicos se dá sem intermediários e quanto ao mito da representação popular, já em 1762, Rousseau acreditava que a Soberania não pode ser representada pela mesma razão que não pode ser alienada; ela consiste essencialmente na vontade geral, e vontade não se representa: ela é a mesma ou é outra, não há meio-termo. Os deputados do povo, portanto, não são nem podem ser seus representantes, são apenas comissários; nada podem concluir definitivamente. Toda lei que o Povo em pessoa não ratificou é nula, não é uma lei. O povo inglês pensa ser livre; está muito enganado, pois só o é durante a eleição dos membros do parlamento; tão logo estes são eleitos, ele é escravo, é nada. Nos curtos momentos de sua liberdade, o uso que faz dela mostra bem que merece perdê-la.6
Assim, no Estado Democrático de Direito brasileiro, consagrou-se a democracia semidireta: dada a impossibilidade de participação popular direta nos negócios públicos, devido às dimensões geográficas e demográficas do Estado, exerce-se esse poder mediante representação dirigida aos parlamentares, pois a participação direta é inviável com milhões de cidadãos. Mas, mesmo assim, ainda tem-se como intervir diretamente na coisa pública, mediante os institutos consagrados pela Constituição de 1988, no art. 14, incisos I, II e III: plebiscito, referendo e iniciativa 6
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Op. cit., p. 107.
Mas a questão a ser posta é: como se dá a representatividade na democracia semidireta? Apresenta-se tão estável a ponto de ser estanque? É nesse momento que os institutos legitimadores da vontade popular devem ser utilizados: plebiscito, referendo, iniciativa popular, recall e veto popular (esses dois últimos não previstos pela nossa Constituição de 1988). Mas o desuso desses institutos permite repensar o modelo de liberdade e igualdade de governo em que vivemos, porque, se inutilizados, não há que se falar na vontade coletiva. Entretanto, o que se vislumbra, realmente, é uma crise da democracia semidireta, revestida pelo manto da estabilidade inconsequente da democracia indireta. Nesse panorama surgiu o projeto de Lei da Ficha Limpa, nascida dessa mesma vontade coletiva, que não pode ser ignorada, sob pena de resistirmos ao próprio pacto social e ao Estado Democrático de Direito. Logo, não é sem justificativa que, para Montesquieu, o princípio da democracia é a virtude, revestida pelo amor à igualdade e à República que todos os cidadãos devem ter na condução dos negócios públicos e privados. Quanto à retromencionada crise da democracia semidireta, que se reveste em uma democracia estanque representativa, José Afonso da Silva assenta: [...] reflete-se no princípio individualista que considera a participação, no processo do poder, do eleitor individual no momento da votação, o qual não dispõe de mais influência sobre a vida política de seu país do que a momentânea de que goza no dia da eleição, por certo relativizada por disciplina ou automatismo partidário e pela pressão dos meios de informação e desinformação da propaganda.7 7
DA SILVA, José Afonso. Op. cit., p. 140.
Assim, a representação é montada sobre o mito da identidade entre o povo e o representante popular. Não é outra coisa senão o pensamento de Rousseau, já mencionado: “O povo inglês pensa ser livre; está muito enganado, pois só o é durante a eleição dos membros do parlamento; tão logo estes são eleitos, ele é escravo, é nada. Nos curtos momentos de sua liberdade, o uso que faz dela mostra bem que merece perdê-la”. É esse ponto também muito importante, porque será que nossos tribunais e nossos representantes políticos podem olvidar o anseio popular? Será que cerca de 1,6 milhões de assinaturas podem ser desprezadas? Em outras palavras: será que a vontade popular vincula os poderes constituídos pelo próprio povo por meio do dito contrato social? Acredita-se que todos os institutos da democracia existem somente para um fim: o bem comum, e ninguém melhor que o próprio povo para distinguir aquilo que lhe é melhor ou não, já dizia Rousseau: “[...] Seja como for, o povo é sempre senhor de mudar suas leis, mesmo as melhores: se lhe agrada fazer mal a si mesmo, quem terá o direito de impedi-lo?”8. Segundo Hans Kelsen, democracia é a soma de dois valores supremos: liberdade política (que não se confunde com libertinagem) e igualdade, nas quais se devem respeitar os interesses da maioria: A ideia subjacente ao princípio de maioria é a de que a ordem social deve estar em concordância com o maior número possível de sujeitos e em discordância com o menor número possível de sujeitos. Como liberdade política significa acordo entre a vontade individual e a coletiva expressada na ordem social, é o princípio da maioria que assegura o grau mais alto de liberdade política possível dentro da sociedade.9 8 9
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Op. cit., p. 69. KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do estado (General theory of Law and state). Trad. Luís Carlos Borges. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 410.
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popular. E foi assim que a Lei da Ficha Limpa surgiu, mediante iniciativa popular, o que a legitima ainda mais.
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Mas como respeitar os interesses da maioria sem responsabilidades? Para se estabelecer uma verdadeira democracia, em que há uma real relação de representação, não basta, para tanto, que o representante seja nomeado ou eleito pelos representados. Segundo Kelsen,
respeitados, porque neles se encontra a vontade do povo. Corrobora Montesquieu: “Cabe ao legislador acompanhar o espírito nacional, quando não for contrário aos princípios do governo; pois nada fazemos melhor do que o que fazemos livremente e seguindo o nosso gênio natural”12.
é necessário que o representante seja juridicamente obrigado a executar a vontade dos representados, e que o cumprimento dessa obrigação seja juridicamente garantido. A garantia típica é o poder dos representados de cassar o mandato do representante, caso a atividade deste não se conforme aos seus desejos.10
Mas a atualidade tem demonstrado que a teoria da representação é uma ilusão, está falida, justamente pela não consagração da responsabilidade jurídica dos eleitos perante os eleitores e a corrupção individual. Desse modo, constata Montesquieu, já em 1748, refletindo a atualidade: “[...] As leis sempre se adaptam às paixões e aos preconceitos do legislador. Ora passam por eles e os tingem; ora permanecem presas e se incorporam neles”13.
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Destarte, afirmar que um membro do parlamento não é representante dos seus eleitores, mas sim da nação inteira, é uma ficção política para Kelsen, pois, apesar de o povo não poder exercer diretamente o poder político, ele o exerce mediante uma procuração (o que permite concluir que o autor adota uma teoria da representação formalista, ausente no modelo brasileiro segundo a maioria doutrinária). E ele completa: “Mas se não houver nenhuma garantia jurídica de que a vontade dos eleitores será executada pelos eleitos, se os eleitos são juridicamente independentes dos eleitores, não existe nenhuma relação jurídica de procuração ou representação”11.
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Em que pese a existência de responsabilidade política, isto é, quando os eleitores estão insatisfeitos com as atividades dos seus representantes e os condenam por meio das urnas, trata-se aqui da responsabilidade jurídica, esta sim importante para a ciência jurídica. Também essa vinculação reflete a amplitude em que nós concebemos a democracia; se vinculante juridicamente, no sentido de responsabilização, a representação entre eleitor e parlamentar situa-se mais próxima da concepção pura da democracia. E mais próximo estaremos do ideal de democracia quando tivermos os institutos da democracia semidireta 10 Idem, p. 414. 11 Idem, p. 416.
Toda essa discussão rememora as teorias sobre a natureza jurídica do mandato de direito público, que é o instrumento de que se valem os parlamentares enquanto agentes políticos. Segundo José Afonso da Silva14, há três tipos de mandatos: mandato de direito privado, mandato imperativo e mandato representativo15. 12 MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron De. Do espírito das leis. Trad. Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Martin Claret, 2010. p. 314. 13 Idem, p. 606. 14 DA SILVA, José Afonso. Op. cit., p. 138. 15 Quanto à relação entre o mandato de direito público e o mandato de direito privado, conferir MALBERG, R. Garré de. Teoría general del estado. Trad. José Lión Depetre. Facultad de Derecho/Unam. México: Fondo de Cultura Económica, 1998. p. 936: “Desde todos estos puntos de vista, existe una absoluta divergencia entre la representación de derecho público y el sistema del mandato; pues los elementos esenciales del mandato, aquellos que, por su definición misma, son indispensables para la realización de este contrato, faltan todos en la representación de derecho público. Por lo tanto, ¿cómo pretender establecer una semejanza, incluso únicamente una analogía, entre la situación del diputado y la del mandatario? La verdad es que, entre la idea de la representación en el sentido que tiene esta palabra en derecho público y la del mandato, existe una absoluta incompatibilidad, que excluye toda clase de aproximación entre ellas. Se desprende de esto, dice Esmein (Éléments, 7. ed., v. I, p. 317; ver también la memoria de las
Seances et travaux de l’Académie des sciences morales et potinques, v. CXXXI, p. 297 ss.), que la expresión usual de mandato legislativo, en todos respectos es incorrecta e inexacta, es una expresión poco feliz de la que hay que abstenerse. La misma palabra “representación” debe entenderse, en esta materia, con cierta prudencia. De todos modos, si los elegidos son representantes, no representan a sus electores”. 16 Quanto ao caráter geral do mandato, também essa é a posição de GARRÉ DE MALBERG, em Teoría general del estado, p. 936: “En efecto, esta regla no puede significar que cada diputado, además de a sus propios electores, represente a los de todos los demás colegios electorales del país. Semejante interpretación de la regla carecería de sentido jurídico; pues si el diputado representa a electores, sólo puede representar a los que lo han elegido; en cuando a los ciudadanos situados fuera de su circunscripción, no ha entrado en relación con ellos, y no puede, por lo tanto, a ningún título, ser su representante. Luego la regla en cuestión no puede evidentemente tener el sentido de que cada diputado representa a la totalidad de los ciudadanos que componen la totalidad de los colegios electorales”.
perda, conforme previsto na Constituição17. Aqui, faz-se ressalva ao recall, instituto esse que permite destituir representantes eleitos mediante votação popular, mas que, infelizmente, não foi adotado pela Constituição brasileira de 1988. Hodiernamente, o mandato representativo tal como abordado é motivo de muitas críticas, haja vista a natureza principiológica do mandato nessa teoria: estanque. Em outras palavras, há muito de ficção no mandato representativo, porque, simplesmente, não há representação. O que há é simples técnica de formação ou preenchimento dos órgãos governamentais, corroborando a seguinte reafirmação: vivemos em uma crise da democracia. Contudo, a própria evolução do processo político vem procurando estreitar mais os laços que unem representantes e representados18. Os Estados modernos têm se utilizado dos chamados 17 Idem, ibidem. Quanto às características da função de parlamentar: “Se puede ver por estos diversos rasgos cuáles son los caracteres de la función de diputado. El diputado no realiza un mandato que lo encadene, sino que ejerce una función libre. No expresa la voluntad de sus electores, sino que se decide por sí mismo y bajo su propia apreciación. No habla ni vota en nombre y de parte de sus electores, sino que forma su opinión y emite su sufragio según su conciencia y sus opiniones personales. En una palabra, es independiente con respecto a sus electores”. 18 Idem, p. 934. Quanto à relação entre eleitores e eleitos, Garré assim conclui: “¿cómo habrá de caracterizarse finalmente la relación que se establece entre electores y elegidos? Esta relación debe definirse de la manera siguiente: Los diputados se instituyen por el sufragio de los ciudadanos, pero el poder que adquieren mediante la elección no lo reciben de los ciudadanos. Esta fórmula significa que el diputado es elegido, designado y nombrado por los electores: es llamado por ellos al poder y de ellos recibe su investidura; en este sentido, es posible decir, si se quiere, que el cuerpo electoral es autor del poder de sus elegidos. Pero no puede decirse más que en este sentido, pues por lo demás el diputado no es ni mandatario, ni delegado, ni representante de sus electores. Es su elegido, pero no su comisario. La misma idea se ha expresado al decir que lo que el pueblo da a sus elegidos en la elección no es un mandato, sino su confianza. Caracterizar la elección como un acto de confianza
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Pelo mandato de direito privado, o mandatário fica vinculado ao mandante, praticando atos em seu nome mediante procuração, tendo que prestar contas e sendo responsável pelos excessos que cometer no seu exercício. Pelo mandato imperativo, que vigorou antes da Revolução Francesa, o titular ficava vinculado aos seus eleitores, cujas instruções teria que seguir nas assembleias; caso surgisse fato novo, teria que se reportar imediatamente aos eleitores e esses podiam, a qualquer momento, cassar o mandato daquele. Já o mandato representativo (adotado genericamente pela Constituição brasileira), com base na teoria da representação política, é geral, livre, irrevogável em princípio, e não comporta ratificação dos atos do mandatário. É geral porque o eleito não é representante de uma circunscrição, mas de todas as pessoas que habitam o território nacional (diferentemente da visão de Kelsen apontada alhures)16. É livre porque o representante não está vinculado aos seus eleitores, não tendo a obrigação nem de lhes prestar contas, ainda que politicamente o faça. É irrevogável porque o eleito tem o direito de manter o mandato durante o tempo previsto para a sua duração, salvo
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partidos políticos, enquanto formadores e condensadores de opinião, do modo de se conduzir o governo, o que permite consagrar o mandato partidário. Segundo Marcos Ramayana19, nesse mandato o eleito é fiel aos programas estatutários e o eleitor vota nessa fidelidade, objetivando a concretização da melhoria da qualidade social, econômica, cultural e propriamente política. Não é outra a visão do Supremo Tribunal Federal, consagrando essa teoria, ao decidir que a infidelidade partidária pode gerar perda de mandato20. Assim, os votos atribuídos ao candidato não são exclusivamente alinhados dentro de uma relação entre eleitor e eleito, mas principalmente entre eleitor-partido político e eleito.
causa de inelegibilidade condenações de diversas ordens, proferidas por órgãos colegiados, sem trânsito em julgado.
Dessa maneira, percebe-se a conjugação necessária e ideal de uma real representação popular, junto de uma responsabilização jurídica, o que permite dar azo a uma democracia em que os direitos fundamentais são respeitados e a soberania popular é seu alicerce maior.
E mais, o art. 14, § 9º, da CF/1988, não obstante tenha remetido à liberdade de conformação legislativa o estabelecimento de outros casos de inelegibilidade, além daqueles previstos na Lei Maior, enunciou alguns princípios que deveriam ser necessariamente observados, a saber, a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerando, nesse caso, a vida pregressa do candidato, a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.
2 ANÁLISE CRÍTICA DA LEI DA FICHA LIMPA. ESTUDO DOS ASPECTOS JURÍDICOCONSTITUCIONAIS
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A) Princípio da presunção de inocência ou de não culpabilidade
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Suscita-se o conflito entre a Lei da Ficha Limpa e o princípio da presunção de inocência, porque aquela estabeleceu como es señalar también que constituye, por parte de los electores, un acto de abandono más bien que de dominio”. 19 RAMAYANA, Marcos. Direito eleitoral. 11. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2010. p. 8. 20 Mandado de Segurança nº 26603-1, Distrito Federal, da relatoria do Ministro Celso de Mello.
Preconiza o art. 5º, LVII, da CF/1988 que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Uma leitura imediata permite entender que o dispositivo refere-se claramente à condenação penal, de onde se conclui que o princípio da presunção de inocência está ligado ao campo do Direito Penal, e não do Direito Eleitoral, pois aqui interessa mais a proteção à coletividade do que o indivíduo. Interessa mais a proteção da moralidade administrativa.
Dessa forma, exsurge saber se há confronto entre o princípio da presunção de inocência e a consideração da vida pregressa (art. 14, § 9º, da CF/1988). Absolutamente não. E isto é assim porque não há princípio de natureza absoluta na Constituição, como não há hierarquia entre princípios. O princípio da presunção de inocência não é absoluto. A verdade é que o legislador, ao ponderar, preferiu proteger a moralidade administrativa, considerada a vida pregressa do candidato, ao princípio da presunção de inocência. Segundo o Ministro Luiz Fux, “a presunção de inocência, sempre tida como absoluta, pode e deve
O legislador da Lei da Ficha Limpa foi ainda mais sensato, ao permitir, no art. 26-C, que o órgão colegiado do Tribunal ao qual couber a apreciação do recurso contra as decisões colegiadas a que se referem as alíneas d, e, h, j, l e n do inciso I do art. 1º poderá, em caráter cautelar, suspender a inelegibilidade sempre que existir plausibilidade da pretensão recursal e desde que a providência tenha sido expressamente requerida, sob pena de preclusão, por ocasião da interposição do recurso.
Em outros termos, consagra-se a posição de suspensão da inelegibilidade em decisão cautelar por um Tribunal ad quem, que, de certa forma, acaba valorizando a possibilidade de revisão da incidência de inelegibilidade sempre que ela for injusta ou incompatível com a verdade dos fatos.
B) Princípio da irretroatividade da lei Sustenta-se equivocadamente que a Lei da Ficha Limpa seria retroativa. Primeiramente, é preciso reconhecer que a CF/1988 não consagra o princípio da irretroatividade da lei, limitando-se, no art. 5º, inciso XXXVI, a proteger o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. E no inciso XL preconiza que a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu. Quanto a esse último dispositivo, o Supremo Tribunal Federal afirmou, por mais de uma vez, que as hipóteses de inelegibilidade não têm natureza jurídica de pena:
21 Trecho do voto quando do julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade nº 29 e 30 e da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4578.
Inelegibilidade não constitui pena. Destarte, é possível a aplicação da lei de inelegibilidade, Lei Complementar nº 64, de 1990, a fatos ocorridos anteriormente a sua vigência. No acórdão 12.590, RE 9.797-PR, do TSE, o Relator, eminente Ministro Sepúlveda Pertence, deixou expresso que “a inelegibilidade não é pena, sendo-lhe impertinente o princípio da anterioridade da lei penal”.22
E isto é assim porque a referida lei não retroage para punir. Ela não tem caráter de pena. Mas sim de resguardar o interesse público de ser novamente submetido ao comando daquele que demonstrou anteriormente não ter a melhor indicação para o exercício do cargo. O Ministro Joaquim Barbosa, lucidamente, explica a situação no seu voto, quando do julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade nº 29 e 30 e da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4578: Por não serem penas, às hipóteses de inelegibilidade não se aplica o princípio da irretroatividade da lei e, de maneira mais específica, o princípio da presunção de inocência. A configuração de uma hipótese de inelegibilidade não é o resultado de um processo judicial no qual o Estado, titular da persecução penal, procura imputar ao pretenso candidato a prática de um ato ilícito cometido no passado. As hipóteses de inelegibilidade partem de um ato ou fato público, notório, de todos conhecido. Sua configuração é imediata, bastando para tanto a mera previsão legislativa. Não se exige, para que seja considerada constitucional, o respeito a outros princípios manifestamente associados à persecução penal, os quais foram inseridos na Constituição com objetivo de conferir proteção ao mais importante bem da vida, a liberdade individual de ir e vir.
Essa lei não retroage porque ela simplesmente confere efeitos futuros a atos do passado, não desconstituindo relações jurídicas situadas no páreo de lei vigente à época de seus acontecimentos. A LC 135/2010, em quaisquer das situações ali previstas, não valora ou modifica qualquer situação que tenha ocorrido no
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ser relativizada para fins eleitorais ante requisitos qualificados como os exigidos pela Lei Complementar nº 135/2010”21.
22 MS 22.087/DF, Relator Ministro Carlos Velloso, DJ 10.05.1996, p. 15.
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passado. Simplesmente as toma em consideração para lhes conferir efeito futuro, se persistirem por ocasião de sua aplicação.
legis do art. 16, isso porque ela inaugurava um novo sistema de inelegibilidades.
Trata-se de hipótese de retroatividade inautêntica, conforme lição de J. J. Gomes Canotilho: “a retroatividade inautêntica (ou retrospectividade): a norma jurídica atribui efeitos futuros a situações ou relações jurídicas já existentes, tendo-se, como exemplos clássicos, as modificações dos estatutos funcionais ou de regras de previdência dos servidores públicos”23. Estabelece, portanto, uma limitação ao ius honorum com base em fatos já ocorridos. Dessa forma, não há direito adquirido à candidatura, mas tão somente uma expectativa que o candidato enfrenta quando do momento do registro de candidatura.
Para o Ministro Moreira Alves, naquela assentada, o art. 16 visa a apenas impedir o casuísmo de véspera, ou seja, a mudança legislativa destinada a favorecer a própria classe política, e, por isso, a exigência de lei complementar se destinava apenas a proteger as eleições contra o abuso de poder e garantir sua legitimidade e normalidade.
C) Princípio da anterioridade eleitoral ou da anualidade de lei eleitoral
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Preconiza o art. 16 da Carta Magna brasileira: “A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”. É o que a doutrina denomina de princípio da anualidade eleitoral ou da anterioridade de lei eleitoral. Esse princípio simplesmente impõe um tempo específico de vacatio legis às leis que alterem o processo eleitoral, qual seja de um ano.
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Os debates sobre esse princípio não são novos, sendo suscitados quando do julgamento do RE 129392, que tratava da aplicabilidade imediata da então nova Lei de Inelegibilidades, a Lei Complementar nº 64/1990. Por seis votos contra cinco, o Supremo entendeu que a complementação exigida pelo art. 14, § 9º, era o elemento que afastava a incidência da vacatio 23 J. J. GOMES CANOTILHO. Direito constitucional e teoria da constituição. 5. ed. Coimbra: Almedina, 2001. p. 261-262.
Quando da ADIn 3345, sob a relatoria do Ministro Celso de Mello, o Supremo deu interpretação objetiva para aquilo que se entende como sendo processo eleitoral, constante do art. 16 da CF/1988. Ele tem início na fase das convenções partidárias para a escolha das candidaturas (fase pré-eleitoral), atravessa a campanha e as eleições propriamente ditas, concluindo-se com a diplomação dos candidatos eleitos e de seus suplentes (fase pós-eleitoral). O acórdão tem, no ponto, a seguinte ementa: A norma consubstanciada no art. 16 da Constituição da República, que consagra o postulado da anterioridade eleitoral (cujo precípuo destinatário é o Poder Legislativo), vincula-se em seu sentido teleológico, à finalidade ético-jurídica de obstar a deformação do processo eleitoral mediante modificações que, casuisticamente introduzidas pelo Parlamento, culminem por romper a necessária igualdade de participação dos que nele atuam como protagonistas relevantes (partidos políticos e candidatos), vulnerando-lhes, com inovações abruptamente estabelecidas, a garantia básica de igual competitividade que deve sempre prevalecer nas disputas eleitorais. Precedentes. O processo eleitoral, que constitui sucessão ordenada de atos e estágios causalmente vinculados entre si, supõe, em função dos objetivos que lhe são inerentes, a sua integral submissão a uma disciplina jurídica que, ao discriminar os momentos que o compõe, indica as fases em que ele se desenvolve: (a) fase pré-eleitoral, que, iniciando-se com a realização das convenções partidárias e a escolha de candidaturas, estende-se até a propaganda eleitoral respectiva; (b) fase eleitoral propriamente dita, que compreende o início, a realização e o encerramento da votação e (c) fase pós-eleitoral, que principia com a apuração e contagem dos
Para a Ministra Cármen Lúcia, quando do julgamento do RE 630147, o art. 16 da CF/1988 tem finalidades éticas, quais sejam: “(i) garantir a igualdade de participação dos partidos políticos e dos respectivos candidatos no processo eleitoral; (ii) evitar deformação legislativa de modo a proteger a normalidade das eleições; e (iii) evitar alteração legislativa motivada por propósito casuístico”. Segundo o Ministro Lewandowski, no mesmo julgamento, lembrando-se dos preceitos firmados pela ADIn 3741, só se pode cogitar de afronta ao princípio da anterioridade quando ocorrer: i) o rompimento da igualdade de participação dos partidos políticos e dos respectivos candidatos no processo eleitoral; ii) a criação de deformação que afete a normalidade das eleições; iii) a introdução de fator de perturbação do pleito; ou iv) a promoção de alteração motivada por propósito casuístico.
De onde se percebe que a nova lei complementar não pode se ver subsumida no âmbito do art. 16 da CF, visto que não lhe é pertinente, pois não cria deformações ou preferências quanto a sua incidência, atingindo a todos. Também não há que falar em propósito casuístico, pois a nova lei surge para atender à expressa exigência constitucional constante no art. 14, § 9º. Por tudo isso, resta exposto que a Lei Complementar nº 135/2010, promulgada em 07.06.2010, não alterou o processo eleitoral em sentido estrito, ou seja, aquele resguardado de mudanças casuísticas pelo art. 16. E não o fez porque o processo eleitoral não havia nem começado, pois, pela ADIn 3345 supramencionada, ele começa somente com as convenções partidárias, que teriam início de 10 a 30 de junho do ano da promulgação da lei e, portanto, 3 (três) dias depois. Nesse diapasão, também não
há que falar em violação ao princípio da isonomia, pois todos os pretensos candidatos foram para as convenções cientes da nova lei, de caráter linear, atingindo a todos os participantes do processo eleitoral. Entretanto, quando do julgamento do RE 633703, com o voto de desempate do Ministro Luiz Fux, o STF, por maioria, vencidos os Ministros Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Ayres Britto, Ellen Gracie e Cármen Lúcia, entendeu que a Lei Complementar nº 135/2010 alterou o processo eleitoral, e, portanto, não poderia ser aplicada às eleições de 2010. Conforme esclarece o Ministro Luiz Fux, em trecho do seu voto: Firmada a premissa de que o comando do art. 16 da CF se dirige também a normas eleitorais de conteúdo substancial, a única conclusão possível de se alcançar, com a devida vênia dos entendimentos em contrário, é que as novas hipóteses de inelegibilidade previstas na Lei Complementar nº 135/2010 não podem ser aplicadas para as eleições ocorridas no próprio ano em que entrarem em vigor. De fato, se o processo eleitoral, como visto, tem início com o ato da convenção partidária, cuja finalidade é a definição dos candidatos ao pleito, é evidente que as regras que interferem na produção desse ato, com a enunciação das qualidades subjetivas que devem satisfazer os candidatos, integram o processo eleitoral, pois é justamente disso que tratará a convenção partidária. Em outras palavras, os requisitos que a lei estabelece para o ato inicial do processo eleitoral devem estar inequivocamente submetidos à regra da anualidade, conclusão essa que se justifica principalmente à luz da isonomia e do equilíbrio das eleições, que devem presidir a interpretação do art. 16 da CF, porquanto é inquestionável que qualquer restrição à elegibilidade interfere na igualdade de chances de acesso aos cargos públicos.
É bem verdade que, depois, em outra assentada, consagrou-se a constitucionalidade da referida Lei, bem como sua aplicabilidade a partir das eleições de 2012, conquanto não tenha tido vigência nas eleições de 2010.
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votos e termina com a diplomação dos candidatos eleitos, bem assim dos seus respectivos suplentes. Magistério da doutrina (José Afonso da Silva e Antonio Tito Costa).
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D) Direito adquirido e ato jurídico perfeito Preconiza o art. 5º, inciso XXXVI, da CF que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Pergunta-se: teriam os “candidatos a candidatos” direito adquirido a se eleger ou a participar do pleito? Absolutamente não. O art. 6º, § 2º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) dispõe que “consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem”. Em outras palavras, são direitos adquiridos aqueles que se incorporaram ao patrimônio moral e/ou material do seu titular, mesmo que não exercitados. No que tange a esses princípios, é mais fácil identificar sua aplicabilidade quando do exame de um caso concreto, como, por exemplo, o RE 630147. Nele, o recorrente, Joaquim Roriz, alega que a renúncia ao seu mandato de parlamentar, antes da promulgação da Lei Complementar nº 135/2010, seria ato jurídico perfeito, protegido pela Constituição; e, portanto, estaria imune às novas disposições normativas da LC 135/2010.
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Em seu voto, ponderou a Ministra Cármen Lúcia: Não se põe em dúvida a natureza de ato jurídico perfeito de que se reveste a renúncia ao mandato de Senador praticada pelo ora recorrente. Aceita pela Mesa do Senado Federal e tendo sido empossado o suplente imediato, a renúncia se aperfeiçoou em termos jurídicos, ou seja, o recorrente deixou de ser Senador, perdeu suas imunidades parlamentares, perdeu seu foro especial e motivou o arquivamento de representação por quebra de decoro parlamentar contra si encaminhada pela Mesa Diretora do Senado ao Conselho de Ética daquela Casa Parlamentar. Ato jurídico perfeito que é, a renúncia do então Senador Joaquim Roriz não pode mesmo ser modificada por lei ou ato normativo superveniente.
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Mas não é disso que se cuida no caso em exame.
Acontece que o Congresso não pode se ver engessado, a ponto de ser impedido de conferir consequências futuras a esse ato unilateral do mandatário popular, ainda mais quando o faz cumprindo a expresso mandamento constitucional (art. 14, § 9º). Em outras palavras, se é certo que a renúncia do recorrente caracterizou ato jurídico perfeito, o mesmo não se pode dizer de novos efeitos jurídicos que aquele mesmo fato, a renúncia, pode gerar em um novo sistema de inelegibilidades, instituído pela LC 135/2010. Note-se que ela não alterou qualquer dos efeitos quando da renúncia pelo recorrente, apenas considerou mais um efeito, qual seja a inelegibilidade. Portanto, não há direito adquirido à elegibilidade, como também não há direito adquirido à manutenção de regime jurídico. E isso é assim porque, em se tratando de condições de elegibilidade ou causas de inelegibilidade, esses requisitos se perfazem no momento do registro de candidatura24. No RE 129392 (Relator Ministro Sepúlveda Pertence), entendeu-se que a lei a ser considerada é aquela vigente por ocasião do registro, quando serão levados em conta o fato, o ato ou decisão que acarretem eventual inelegibilidade. No mesmo sentido, o STF já assentou não haver direito adquirido à reeleição, pois se aplicam às candidaturas as regras de elegibilidade vigentes no momento do registro “não [o direito] adquirido no passado, mas [o direito] atual” (RE 597994, Rel. Min. Eros Grau). 24 Conforme art. 11, § 10, da Lei nº 9.504/1997, “as condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade devem ser aferidas no momento da formalização do pedido de registro da candidatura, ressalvadas as alterações, fáticas ou jurídicas, supervenientes ao registro que afastem a inelegibilidade”.
Seria abuso do poder de legislar ter-se aumentado, por meio da Lei Complementar nº 135/2010, os prazos de inelegibilidade para 8 anos? Seria esse prazo desproporcional? Entende-se que não. Primeiro, porque ele não é discricionário ou desmotivado. Baseia-se no período de mandato mais longo de um parlamentar brasileiro, o de Senador, que é de oito anos, e também, como admitida está a reeleição, no mandato dos parlamentares do sistema majoritário que pode durar até oito anos. Segundo, porque o Congresso atuou no seu devido e regular exercício de legislar, uma vez que a Constituição de 1988 fora emendada, em 7 de junho de 1994, por meio da Emenda Constitucional de Revisão nº 4, tendo o § 9º do art. 14 sofrido a seguinte modificação/inserção: § 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta (Redação em destaque inserida pela Emenda Constitucional de Revisão nº 4, de 1994).
Destarte, percebe-se que o legislador nada mais fez do que dar concretude à norma constitucional em apreço, protegendo a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato, considerada a vida pregressa do candidato. E, já que a antiga Lei de Inelegibilidades, a Lei Complementar nº 64, era do ano de 1990, somente se conclui que o legislador se viu insatisfeito com ela, e requereu, por meio de nova emenda à Constituição, uma nova norma, qual seja a Lei Complementar nº 135/2010. Note-se que ela já vem atrasada, porque somente depois de 16 anos do pedido constitucional é que ela foi aprovada. Entretanto, nasceu como poucas, pois fora legitimada diretamente pela vontade coletiva, fruto da iniciativa popular, e permeada
do sentimento de mudança dos costumes políticos negativos, que toda a sociedade alimenta. Pois bem, quanto ao triplo teste objetivo de proporcionalidade, conforme preceitua o Ministro Luiz Fux (julgamento das ADCs 29 e 30 e da ADIn 4578), é preciso verificar se a lei atende à adequação, à necessidade e à proporcionalidade em sentido estrito. Quanto à adequação, não é difícil afirmar que as novas hipóteses de inelegibilidade atendem (ou se adéquam) aos fins consagrados pelo art. 14, § 9º, dado o seu caráter moralizador. Quanto à necessidade ou exigibilidade, preconiza que a restrição aos direitos fundamentais deve ser a menos gravosa possível e, portanto, diz respeito a requisitos qualificados de inelegibilidade. Vejamos: exigiu a lei que, para a declaração de inelegibilidade, quando por decisão judicial, ela seja proferida por órgão judicial colegiado, afastando a possibilidade de sentença proferida por juiz singular, já que a colegialidade é capaz de conter o arbítrio individual; também o legislador foi prudente ao selecionar somente os crimes dolosos, como causas para a inelegibilidade, excluindo os culposos (art. 1º, § 4º, da Lei Complementar nº 64/1990, incluído pela Lei Complementar nº 135/2010); nos casos de perda de cargo público de servidores efetivos por decisões administrativas, há a possibilidade de o Poder Judiciário anular ou suspender a demissão, com o que ficam plenamente restabelecidas as elegibilidades; também é o mesmo caso dos indivíduos excluídos do serviço profissional por decisão do órgão competente ou conselho profissional. E relativamente à proporcionalidade em sentido estrito, o Ministro Luiz Fux versa que, com efeito, o sacrifício exigido à liberdade individual de candidatar-se a cargo público eletivo não supera os benefícios socialmente desejados em termos de moralidade e probidade para o exercício de cargos
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E) Princípio da proporcionalidade
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públicos, sobretudo porque ainda são rigorosos os requisitos para que se reconheça a inelegibilidade.
entendido como um moralismo desgarrado da base democrática do regime que se instaure.25
De tudo o exposto, conclui-se que a Lei da Ficha Limpa é proporcional e razoável.
Segundo Marcos Ramayana, “a inelegibilidade é a restrição ou inexistência do direito público político subjetivo passivo ao ius honorum”. “As inelegibilidades são regras que estabelecem padrões ordenadores de um estatuto jurídico político [...]. Nessa linha, prescrevem-se impedimentos ou obstáculos que procuram isolar determinada candidatura do universo do sufrágio”26.
F) Conceito e natureza jurídica de causas de inelegibilidade
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De certa forma, é também um aspecto controverso estabelecer o conceito de causas de inelegibilidade, bem como a sua natureza jurídica (de acordo com o conceito adotado). Em outro ponto, afirmou-se, com base na jurisprudência do STF, que inelegibilidade não é pena, e não se confunde com ela (MS 22.087/ DF, Relator Ministro Carlos Velloso, DJ 10.05.1996, p. 15.132). Elas não são penas, mas restrições definidas constitucional e legalmente para o específico fim de se ajustarem os valores democráticos e republicanos ao dinâmico mundo dos fatos, e que constituem fundamentos para o exercício de funções públicas. Servem, portanto, ao aperfeiçoamento da democracia representativa e ao aprimoramento do exercício da função pública, sobretudo do cargo político eletivo. Mas, então, o que é inelegibilidade? A melhor doutrina tenta explicá-la:
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Para José Afonso da Silva, “inelegibilidade revela impedimento à capacidade eleitoral passiva (direito de ser votado). Obsta, pois, à elegibilidade”. Para ele, as inelegibilidades possuem, assim, um fundamento ético evidente, tornando-se ilegítimas quando estabelecidas com fundamento político ou para assegurarem o domínio do poder por um grupo que o venha detendo, como ocorreu no sistema constitucional revogado. Demais, seu sentido ético correlaciona-se com a democracia, não podendo ser
E, para o clássico eleitoralista Joel J. Cândido, não basta para uma pessoa poder concorrer a qualquer cargo eletivo que possua ela as condições de elegibilidade. É mister, ainda, que não incida ela em qualquer causa de inelegibilidade. Estas, ao contrário daquelas que figuram em lei ordinária, só podem ser fixadas na própria Constituição Federal ou em lei complementar, tão somente. Constituem-se em restrições aos direitos políticos e à cidadania, já que por inelegibilidade se entende a impossibilidade, temporária ou definitiva, de uma pessoa ser eleita para um ou mais cargos eletivos.27
Portanto, as inelegibilidades têm natureza pública, porque decorrem ou da Constituição ou de lei de natureza complementar, conforme exigido pelo art. 14, § 9º, da CF/1988.
3 DIREITO COMPARADO Na tentativa de buscar um alicerce institucional para o novo sistema jurídico de inelegibilidades que se instaurou no ordenamento brasileiro por meio da Lei Complementar nº 135/2010, é irrepreensível tentar fazê-lo pela análise comparativa em relação a ordenamentos jurídicos de outros países. Fez-se ainda mais 25 DA SILVA, José Afonso. Op. cit., p. 388. 26 RAMAYANA, Marcos. Op. cit., p. 269. 27 CÂNDIDO, Joel J. Direito eleitoral brasileiro. 10. ed. São Paulo: Edipro, 2003. p. 119.
Dessa forma, sustenta Marcos Ramayana na defesa da moralidade eleitoral: O Tribunal Superior Eleitoral e todos os órgãos da Justiça Eleitoral contando com a ampla fiscalização dos partidos políticos, Ministério Público, candidatos e eleitores estão incumbidos da defesa do regime democrático e autorizados por normas constitucionais a resguardar este regime contra abusos, fraudes, corrupções e imoralidades públicas e decorrentes de uma vida pregressa maculada de anotações criminais, cuja subjetividade do exame possa causar lesão ao sublime exercício 28
dos mandatos eletivos.
Quanto à análise comparativa de alguns ordenamentos jurídicos, destaca-se: Na Bélgica, o Código Eleitoral, no art. 6º, com a alteração da Lei de 5 de julho de 1976 (art. 3º), assim dispõe: “Ficarão definitivamente privados da capacidade eleitoral, não podendo ser admitidos à votação, os que tenham sido condenados a uma pena criminal”. Veja-se que a lei não especifica se deve haver trânsito em julgado da condenação, e mais, a inelegibilidade aqui é perpétua, dura por todo o resto da vida. Logo, andou bem o legislador da Ficha Limpa ao exigir condenação por órgão judicial colegiado para a restrição à capacidade eleitoral passiva (art. 1º, inciso I e alíneas d, e, h, j, l, n, p), o que, sem dúvida, é mais uma garantia ao candidato, isso sem mencionar o caráter temporário da incidência da inelegibilidade, que é de 8 anos. 28 RAMAYANA, Marcos. Op. cit., p. 55.
A Lei Eleitoral da Dinamarca, de 31 de maio de 1987, no art. 4º, item I, assim expressa: “A elegibilidade para o Parlamento é atribuída a todo o indivíduo que gozar de direito de voto, nos termos dos arts. 1º e 2º, salvo se tiver sido condenado por um acto que, aos olhos da opinião pública, o torne indigno de ser membro do Parlamento”. Aqui, faz-se uma ressalva ao caráter genérico dessa lei, pois não define condições explícitas/objetivas para aquilo que seja um ato, que, aos olhos da opinião pública, o torne indigno de ser membro do Parlamento. Vê-se, que, mais uma vez, o legislador da Lei da Ficha Limpa, ao elencar exaustivamente os casos geradores de inelegibilidade (art. 1º, inciso I e alíneas), os fez atento à segurança jurídica e ao caráter certo e estrito que uma lei deve ter. Em Luxemburgo, segundo a Lei Eleitoral de 31 de julho de 1924, o eleitor perde a capacidade eleitoral ativa e, por via de consequência, a capacidade eleitoral passiva, quando: Art. 4º: 2º os que tiverem sido objeto de condenação penal; 3º os que tiverem sido condenados, bem como seus cúmplices, a pena de prisão por furto, receptação, fraude ou abuso de confiança, contrafacção, emprego de falsificações, falso testemunho, falso juramento, suborno de testemunhas, peritos ou intérpretes [...].
Na Áustria, a Lei Federal de Eleições sustenta que: § 41. São elegíveis todos os homens e mulheres que são cidadãos austríacos e tiverem, pelo menos, 19 anos de idade no primeiro dia de janeiro do ano das eleições e que não foram privados do seu direito de voto. “Direito de voto, registro do eleitorado” 1. Direito de voto § 21. (1) Todos os homens e as mulheres que são os cidadãos austríacos têm o direito de voto, desde que tenham 18 anos de idade ou mais, em 1 de janeiro do ano da eleição e não forem privados de seu direito de voto.
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necessária essa análise para verificar, cronologicamente, quão desenvolvida está nossa recente República. Nesse juízo de valor, também é inegável conceber as inelegibilidades de parelha à moralidade pública. Em outras palavras, quanto mais razoável for o sistema das inelegibilidades, mais moral ele o será.
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(2) Independentemente da idade de votar, a decisão de se aplicarem as condições estabelecidas no § 1º deve ser efetuada na data de qualificação. 2. Motivos para suspensão do direito de voto Devido à condenação jurídica § 22. (1) Não tem direito de voto todas as pessoas que tenham sido condenadas por um crime cometido cuja pena de prisão seja superior a um ano. Neste caso, o direito de voto é restaurado depois de seis meses. O período de tempo em questão começa logo depois que a pena tenha sido cumprida e quaisquer precauções ligadas à prisão forem executadas ou levantadas. Se a sentença tem sido contada com o tempo sob custódia da polícia, o período de tempo começa quando a sentença se tornar eficaz.
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(2) Quando, com base nas outras regulamentações legais que entrarem em vigor, tornarem as consequências jurídicas do crime inválidas ou quando todas as consequências, incluindo a retirada do direito de voto terem sido retiradas, a pessoa em causa não é ser privada do direito de voto. O direito de voto também não é retirado quando uma pena for suspensa por imposição do Tribunal. Quando a suspensão for revogada, a retirada do direito de voto torna-se eficaz no dia em que a respectiva decisão se torne executória.
Analisando a lei em questão, constata-se que não há um rol de crimes que geram a inelegibilidade (diferentemente da Lei da Ficha Limpa, que traz um rol exaustivo especialmente no art. 1º, inciso I, alínea e), preferindo o legislador austríaco enumerá-las de acordo com a quantidade de pena aplicada a cada réu, qual seja toda pena superior a um ano, não importando que tipo de crime tenha sido praticado pelo agente. Outra observação é quanto ao período de tempo da incidência da inelegibilidade, que é de 6 meses, começando a contar depois do cumprimento da pena, diferindo da lei brasileira somente quanto ao período de incidência, que é de 8 anos.
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Como se nota, as aludidas legislações dos países da União Europeia procuram adotar mecanismos impeditivos de candida-
turas revestidas de imoralidade, considerada a vida pregressa do candidato, quando já existente uma condenação, mesmo que não haja o trânsito em julgado. De outro lado, para proteger a moralidade administrativa, a Constituição brasileira não se cansou, consagrando-a no art. 37 como um dos princípios da Administração Pública, em consonância com os princípios da lealdade e da boa-fé; no art. 5º, LXXIII, enquanto direito fundamental do cidadão a propositura de ação popular que vise anular ato lesivo à moralidade administrativa; no art. 85, V, penalizando como crime de responsabilidade do Presidente da República qualquer ato contrário à probidade administrativa, e no próprio art. 14, § 9º, quando expressamente protege a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato. Marcos Ramayana, ao refletir sobre o assunto, pondera: “[...] Todavia, o conceito subjetivo de moralidade é superlativo e toca ao direito natural de convivência social, ensejando uma sinergia de proteção pelas autoridades responsáveis pela defesa do regime democrático brasileiro”29. Outra observação é que o Brasil estava atrasado em relação a esses outros países no que tange à incidência da inelegibilidade em relação a condenações criminais, pois somente em 2010 foi promulgada a Lei Complementar nº 135, enquanto que, em outros países, como os apresentados, esse ethos nasceu já em 1924 (Luxemburgo).
CONSIDERAÇÕES FINAIS [...] Quanto mais o conteúdo de uma Constituição lograr corresponder à natureza singular do presente, tanto mais seguro há de ser o desenvolvimento de sua força normativa. 29 Idem, p. 57.
A Lei da Ficha Limpa foi idealizada pela vontade popular, depois de mais de 16 anos de expresso pedido constitucional e, por isso, negar seu valor normativo é relevar toda a principiologia do Direito Constitucional moderno, que se funda no Estado Democrático de Direito. Considerado o fato de que a Constituição retira sua força do espírito popular, aquela surge para esse, de onde decorre que ela não pode permanecer inerte, deve se atualizar incorporando os anseios harmônicos com seus objetivos e mandamentos, de tal maneira que a Constituição encontra sua força normativa na consciência popular. Em outras palavras, conferir a máxima efetividade às normas constitucionais mantém a força normativa da Constituição. Uma norma, ao ser interpretada, deve levar em conta o estado espiritual do seu tempo, não devendo assentar-se em uma estrutura unilateral. Afinal, vivemos em uma sociedade aberta dos intérpretes da Constituição, em que todos podem contribuir para definir o sentido e o alcance da lei, permitindo subsumir que os princípios constitucionais atinentes à Lei da Ficha Limpa não podem ser sopesados esquecendo o seu ideário formador, qual seja a moralidade pública. Esse princípio maior norteia todo o arcabouço normativo do Direito, porque o Direito não pode ser visto isolado da moral, eles se interligam em um ponto comum; de tal maneira que não pode simplesmente o Direito desconhecer a moral, mas quando dos julgamentos envolvendo a Lei da Ficha Limpa, por vezes ela foi esquecida. A sua aplicabilidade às eleições de 2010 era 30 HESSE, Konrad. Op. cit., p. 20.
algo praticamente certo, porque o Tribunal Superior Eleitoral, quase todos os Tribunais Regionais Eleitorais e outros mais de mil juízes eleitorais entenderam assim, quando então o Supremo Tribunal Federal, privilegiando uma interpretação literal do art. 16 da CF/1988, decidiu pela sua aplicabilidade somente a partir das eleições de 2012. Não se critica o tecnicismo puro, mas entende-se que o princípio da moralidade não pode ser relativizado sob a justificativa da manutenção de uma pretensa segurança jurídica, que pelo espírito da Lei da Ficha Limpa não foi desprestigiada, pelo contrário, foi garantida, pois os atos passados e concluídos sob o páreo de lei vigente à época dos acontecimentos permaneceram inalcançáveis. O que a nova Lei fez foi dar consequências jurídicas novas a esses atos, o que certamente é garantido, caso contrário, o Legislativo estaria engessado, quando, na verdade, ele próprio assim não o quis. Explica-se: o legislador da Lei da Ficha Limpa somente atendeu a expresso pedido constitucional, constante no § 9º do art. 14, protegendo a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato, considerada a vida pregressa do candidato. Dessa forma, entende-se que o Supremo Tribunal Federal errou ao ter decidido pela inaplicabilidade da Lei às eleições de 2010, olvidando o anseio popular e o princípio da moralidade. De tudo o exposto, também resta claro que a Lei da Ficha Limpa é flagrantemente constitucional, isso porque ela atende ao conceito ético constante na Constituição brasileira, qual seja: os cargos políticos devem ser ocupados por pessoas idôneas e com um passado que lhes autorize a exercer um cargo público, o que acaba protegendo a coisa pública dos desmandos do individualismo e da corrupção. E no que tange ao caráter contramajoritário “protetor” que a Corte Constitucional brasileira tem levado em consideração, sobretudo para justificar a inaplicabilidade da Lei da Ficha
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Tal como acentuado, constitui requisito essencial da força normativa da Constituição que ela leve em conta não só os elementos sociais, políticos e econômicos dominantes, mas também que, principalmente, incorpore o estado espiritual de seu tempo. Isso lhe há de assegurar, enquanto ordem adequada e justa, o apoio e a defesa da consciência geral.30
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Limpa às eleições de 2010, é preciso ter cautela. Isso porque a função contramajoritária do Supremo não pode existir de per si, ela deve estar avalizada em outras garantias constitucionais, ou seja, ter fulcro maior. Destarte, evidencia-se que o caráter contramajoritário se justifica quando são tolhidas garantias constitucionais caras, a pretexto do avanço cultural e das pretensões individuais, o que não pode ser vislumbrado no caso em questão, pois o próprio povo consagrou o princípio da moralidade e condenou a corrupção quando consagrou o ideário constante na Lei Complementar nº 135/2010, a Lei da Ficha Limpa.
REFERÊNCIAS BONAVIDES, Paulo. Ciência política. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. DA SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 33. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do estado (General theory of Law and state). Trad. Luís Carlos Borges. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. MALBERG, R. Garré de. Teoría general del estado. Trad. José Lión Depetre. Facultad de Derecho/Unam. México: Fondo de Cultura Económica, 1998. MEZZAROBA, Orides; MONTEIRO, Cláudia. Manual de metodologia da pesquisa no direito. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron De. Do espírito das leis. Trad. Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Martin Claret, 2010.
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RAMAYANA, Marcos. Direito eleitoral. 11. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2010.
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ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social. Trad. Paulo Neves. Porto Alegre: L&PM, 2011. MOVIMENTO de Combate à Corrupção Eleitoral. Disponível em: <www. mcce.org.br>. Acesso em: 03.11.2011.
Doutrina
A Ilegalidade e Inconstitucionalidade do Adicional de Renovação de Frete da Marinha Mercante The Illegality and Unconstitutionality of Additional Renewal of Merchant Shipping RONALDO MANZO
Advogado, atuante na área do Direito Marítimo, Aduaneiro e Tributário, Pós-Graduado e Mestre em Direito, Professor Universitário no Curso de Pós-Graduação da Unimonte em Santos, Instrutor do Grupo NPO e Femar – Fundação de Estudos do Mar.
RESUMO: A necessidade de arrecadar muitas vezes esbarra nas regras limitadoras de legalidade e constitucionalidade; assim, a necessidade premente de se recorrer ao Poder Judiciário se faz uma constante. PALAVRAS-CHAVE: ARFMM; inconstitucionalidade; ilegalidade. ABSTRACT: The need to raise, often faces the limiting rules of legality and constitutionality, and the urgent need to appeal to the judiciary becomes a constant need. SUMÁRIO: 1 Histórico do ARFMM; 2 Natureza jurídica; 3 Inconstitucionalidade; 4 Ilegalidade; Conclusão; Referências.
1 HISTÓRICO DO ARFMM A cobrança do adicional ao frete no Brasil remonta ao Estado intervencionista da década de 40, que se instituiu sobre o frete gerado pelo transporte marítimo, fluvial e lacustre, com regulação, disciplina e coordenação estatais. Em 1941, a Comissão de Marinha Mercante (CMM), órgão encarregado daquelas funções, subsistia por meio de quotas inominadas cobradas sobre tabelas de frete e, logo a seguir, de taxas calculadas sobre o peso das mercadorias importadas e exportadas. Ato contínuo, a Lei nº 3.381, de 24 de abril de 1958, instituiu o Fundo da Marinha Mercante (FMM), reformulando as políticas do setor, e tendo como principal fonte de financiamento a cobrança da taxa de renovação da marinha mercante. A denominação adicional de frete surgiu com o Decreto-Lei nº 1.142, de 30 de dezembro de 1970, e foi mantida nos posteriores Decretos-Leis nº 2.404, de 23 de dezembro de 1987, e nº 2.414, de 12 de fevereiro de 1988, os quais, instituindo e fundamentando a incidência do adicional, permaneceram em vigor com a Constituição promulgada em 1988. Em julho de 2004, foi publicada a Lei nº 10.893/2004, que passou a ser o instrumento legal que dispõe sobre a incidência e arrecadação do adicional ao frete. Desde a década de 60, ainda quando o adicional era cobrado sob o rótulo de taxa, a nova lei mantém livre da incidência o export drive, fazendo a constrição recair apenas sobre o descarregamento de mercadoria nos portos brasileiros, mas não sobre o frete gerado por meio das exportações. A desoneração das exportações, aliás,
é meta especificamente pautada para as contribuições, como se depreende do art. 149, § 2º, I, da CF/1988. A Lei nº 10.893/2004 introduziu uma série de conceitos destinados a orientar sua aplicação, bem como conduz a uma maior efetividade no sistema de arrecadação do adicional, unindo-se ao sistema eletrônico de controle da arrecadação do Ministério dos Transportes, o “Mercante”.
2 NATUREZA JURÍDICA DO ADICIONAL AO FRETE A natureza jurídica dessa exação vem aos poucos encontrando eco no sentido claro e evidente de que se trata de uma Cide – Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico, pois a hermenêutica do art. 149 da CF/1988 não permite qualquer outro tipo de entendimento. Essa exação nasce como típica receita de alfândega, passa a ser confundida com taxa e, posteriormente, firma-se como adicional – o que induziria os mais desavisados tratar-se de preço público, porém compulsório, levando, por fim, à sua compreensão como autêntico tributo.
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Consolidado, pois, como tributo, restaria perguntar de que espécie se trata. Vingou por algum tempo a ideia tanto de que poderia ser taxa – de resto afastada pela própria legislação que extirpou a nomenclatura ou de que poderia ser imposto – cogitação a seguir também afastada. Com a Constituição de 1988, superou-se a discussão, no sentido de ser o adicional ao frete, realmente, contribuição destinada à intervenção da União no domínio econômico, buscando seu perfil constitucional no art. 149, caput, da Carta Federal. Tal foi o teor de julgado do Supremo Tribunal Federal – STF, no ano de 1995, ainda hoje tomado como precedente:
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Constitucional. Tributário. Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante – AFRMM: contribuição parafiscal ou especial de intervenção no domínio econômico. CF, art. 149, art. 155, § 2º, IX. ADCT, art. 36.
I – Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante – AFRMM é uma contribuição parafiscal ou especial, contribuição de intervenção no domínio econômico, terceiro gênero tributário, distinta do imposto e da taxa (CF, art. 149). II – O AFRMM não é incompatível com a norma do art. 155, § 2º, IX, da Constituição. Irrelevância, sob o aspecto tributário, da alegação no sentido de que o Fundo da Marinha Mercante teria sido extinto, na forma do disposto no art. 36 do ADCT. III – Recurso extraordinário não conhecido.
A Lei nº 10.893/2004 encontra a assertiva jurisprudencial, ao destacar, no art. 3º, que o AFRMM “[...] destina-se a atender aos encargos da intervenção da União no apoio ao desenvolvimento da marinha mercante e da indústria de construção e reparação naval brasileiras”. A intervenção poderá, então, consubstanciar-se na própria exigência da Cide ou em alguma atividade material a ser realizada pela União Federal com emprego dos recursos arrecadados. O AFRMM enquadra-se nessa segunda modalidade de intervenção (alguma atividade material a ser realizada pela União Federal com emprego dos recursos arrecadados), tanto que a parte final do supramencionado art. 3º da Lei nº 10.893/2004 dispõe que o adicional constitui “fonte básica” do FMM – Fundo da Marinha Mercante.
3 INCONSTITUCIONALIDADE Extirpada definitivamente toda e qualquer bruma no tocante à natureza jurídica dessa exigência tributária, pois sua definição resta clara e evidente, passemos a analisar o quadro ou mesmo as condições de exigibilidades tributárias retratados, ou melhor, determinados pela regra maior em nosso País, regra que deve ser respeitada e seguida sob pena de fraturarmos o Estado de Direito, a Democracia e a ordem jurídica. A razão de existir deste pequeno arrazoado tem lastro em incongruentes decisões espalhadas pelos Tribunais de nosso País – decisões estas deveras obnubiladas por questões estranhas à simples e escorreita interpretação do texto constitucional.
Superada a definição e a natureza jurídica do ARFMM, vemos que sua formatação encontra perfeita incidência na definição expressa no art. 149 da Constituição Federal de 1988: Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.
No mesmo texto há mais regras que imperiosamente necessitam ser respeitadas, sob pena de se criar algo estranho a esse ordenamento e assim antagônica à constitucionalidade. Vemos que a União tem poder exclusivo para criar a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico; todavia, não está ela livre para fazê-lo como melhor lhe convir; deve, sim, ter completa e total obediência à sequência do texto e curvar-se ao disposto no art. 146: Cabe à lei complementar: [...] III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;
Simples conclusão tiramos dessa necessidade, pois somente com esse quórum especializado poderemos tentar nos assegurar de que nenhum abuso ou exagero possa contaminar uma lei tributária, onerando ainda mais a já demasiada onerosa carga tributária brasileira. Os Tribunais Superiores já decidiram em diversas demandas sob esse foco, afastando a inconstitucionalidade, muitas vezes com arrazoados sem qualquer suporte jurídico que sequer beire o aceitável, levando-se em conta a hermenêutica clara e evidente da regra constitucional. Não nos olvidemos que todas as decisões sempre são passíveis de revisão, pois são exaradas por julgadores preocupados com a aplicação correta da legislação, no exercício do poder jurisdicional; todavia, por vezes ou mesmo por razões que aqui não cabem, destoam do que o bom-senso entende como razoável dentro da interpretação do texto legal.
4 DA ILEGALIDADE
A regra contida na Lei nº 10.893/2004 foge completamente aos preceitos e regramentos contidos no texto constitucional, portanto carrega, desde a sua publicação, a inexorável inconstitucionalidade; todavia, muitos são os que divergem desse entendimento e dão guarida ao flagrante erro por parte da União quando modus procedendi para criação dessa regra.
Aos operadores do direito cabe, precipuamente, pautar sua atuação profissional sempre na fiscalização dos atos administrativos sejam eles quais forem, mas, e principalmente, no respeito por parte do legislador às regras postas para a criação de leis e de normativos direcionados a todos os cidadãos.
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tributação, suas espécies, bem como base de cálculo, fatos geradores e contribuintes. A necessidade de ser lei complementar faz qualquer criação de uma nova exação por parte do Governo Federal ser aprovada por maioria absoluta e não maioria simples, consoante regra posta no art. 69 da CF/1988.
Na qualidade de lei ordinária, a regra em comento é totalmente estranha à Constituição Federal para balizar assuntos afetos à
Nesse diapasão, sempre que uma lei é publicada e passa a ter vigência, mister se faz analisar se esta regra positivada cumpre
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os requisitos constitucionais e infraconstitucionais que a permitam existir e assim gerar os efeitos para o qual foi construída. No tocante à Lei nº 10.893/2004, melhor sorte não assistiu ao legislador quanto à sua constitucionalidade diante das razões já expostas; some-se a isso a divergência com relação a uma lei complementar específica que visa a balizar excessos por parte do legislador quando cria uma lei tributária. Trata-se da Lei nº 5.172/1966 – Código Tributário Nacional. O CTN, na qualidade de lei complementar que regulamenta a criação de regras tributárias, carrega em seu bojo a proibição expressa de inalterabilidade de definições, conteúdos e alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado. Clara foi a intenção do legislador quando o escreveu, pois, se a lei tributária pudesse inovar em conceitos civis, estaríamos sujeitos aos mais escabrosos e impublicáveis abusos.
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A Lei nº 10.983/2004 descoloriu os arts. 109 e 110 do CTN quando, em seu art. 5º, § 1º, trouxe novo conceito ao que sabemos ser um frete, seja ele por qual modal for. A definição civil de frete é o claro e transparente conceito contido no art. 730 da Lei nº 10.406/2002, o Código Civil brasileiro. Diz ele: “Pelo contrato de transporte alguém se obriga, mediante retribuição a transportar, de um lugar para outro, pessoas ou coisas”.
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Assim, frete é a remuneração devida pelo afretador ou expedidor de mercadorias em consequência do transporte por navio, carro ou qualquer outro veículo. Fazer (um) frete, desempenhar uma incumbência ou fazer entrega de alguma coisa. Fixado esse conceito civil, vejamos o que diz a Lei nº 10.983/2004: Art. 5º O AFRMM incide sobre o frete, que é a remuneração do transporte aquaviário da carga de qualquer natureza descarregada em porto brasileiro.
§ 1º Para os fins desta lei, entende-se por remuneração do transporte aquaviário a remuneração para o transporte da carga porto a porto, incluídas todas as despesas portuárias com a manipulação de carga, constantes do conhecimento de embarque [...].
Quando o legislador escreveu “entenda-se por frete”, além de contradizer a própria lei, em seu caput – onde definiu que frete é a remuneração do transporte aquaviário –, ele inovou no conceito de frete, colidindo frontalmente com o disposto na lei civil – art. 730 do Código Civil – e assim ignorou por completo a determinação do CTN com relação aos conceitos tributários. Não podemos nos calar, ou quedarmos inertes quando verdadeiras aberrações jurídicas nos são postas e nos criam obrigações pecuniárias em total descompasso com o que deveria ser respeitado, principalmente no tocante ao texto constitucional e às regras já vigentes para a criação de exações tributárias, pois essas regras e contrapesos servem exatamente para frear a volúpia arrecadatória.
CONCLUSÃO Vimos, por meio dos argumentos expostos em epígrafe, que o Governo Federal, entenda-se também Congresso Nacional, não se valem da devida cautela quando da criação de novas fontes de arrecadação, seja para qual destino for, construindo, muitas vezes, figuras jurídicas totalmente estranhas à forma constitucional e tributária que devem ser emolduradas, sob pena do cometimento de excessos. Por vezes, o Poder Judiciário é suscitado a se manifestar sobre as “aberrações” criadas pelo Executivo/Legislativo, por meio do controle de constitucionalidade e sem qualquer explicação ou fundamentação pauta suas decisões sem um mínimo de razoabilidade jurídica, estendendo seu manto de proteção a algo que deveria ser extirpado do ordenamento jurídico.
Somente com a insistência dos contribuintes, ou seja, dos destinatários da regra posta é que haverá possibilidade de se corrigir distorções, fazendo a estrada legislativa seguir as placas da regra maior vigente e não buscar desvios ou atalhos sempre prejudiciais aos contribuintes.
REFERÊNCIAS CONSTITUIÇÃO da República Federativa do Brasil de 1988.
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LEI nº 5.172/1966 – Código Tributário Nacional.
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Acórdão na Íntegra
Superior Tribunal de Justiça AgRg no Recurso Especial nº 1.269.478/SP (2011/0122075-7) Relator: Ministro Sérgio Kukina Agravante: Companhia Paulista de Força e Luz CPFL Advogados: Reinaldo Luis Tadeu Rondina Mandaliti e outro(s) Agravado: Corfal Industrial Peças e Equipamentos Ltda. Advogados: Marcelo Ruli e outro(s) EMENTA PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – PETIÇÃO ELETRÔNICA INCOMPLETA – NÃO CONHECIMENTO 1. Segundo a jurisprudência desta Corte, é ônus do recorrente, ao utilizar o meio eletrônico para a apresentação de seu recurso, diligenciar pela correta transmissão do documento, sob pena de não conhecimento do apelo. 2. No caso, conforme certidão de fl. 430, o agravo regimental foi interposto por meio eletrônico, mas a petição está incompleta. 3. Agravo regimental não conhecido.
Brasília/DF, 22 de abril de 2014 (data do Julgamento). Ministro Sérgio Kukina Relator
RELATÓRIO O Senhor Ministro Sérgio Kukina: Trata-se de agravo regimental desafiando decisão que negou seguimento ao recurso especial, sob os seguintes fundamentos: (I) em recurso especial não cabe invocar ofensa à norma constitucional; (II) incidência da Súmula nº 282/STF quanto à alegação de que a Autora não teria comprovado o pagamento a maior das tarifas de energia elétrica; e (III) os consumidores industriais fazem jus à repetição do indébito decorrente da majoração indevida da tarifa de energia elétrica promovida pelas Portarias nºs 38 e 45/86 do DNAEE. A parte agravante, em suas razões, reitera que as tarifas de energia elétrica não se sujeitaram ao regime de congelamento de preços, razão pela qual foi lícita a majoração promovida pelas Portarias nºs 38 e 45/86 do DNAEE. É o relatório.
ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Ari Pargendler, Arnaldo Esteves Lima, Napoleão Nunes Maia Filho (Presidente) e Benedito Gonçalves votaram com o Sr. Ministro Relator.
VOTO O Senhor Ministro Sérgio Kukina (Relator): De acordo com a jurisprudência desta Corte, é ônus da parte que fizer uso do meio eletrônico a responsabilidade pela transmissão
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL – VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE – INOCORRÊNCIA – PETIÇÃO ELETRÔNICA – RAZÕES RECURSAIS INCOMPLETAS – COMPREENSÃO DA CONTROVÉRSIA PREJUDICADA 1. Não há falar em violação do princípio da colegialidade se a decisão monocrática foi proferida com fundamento no caput do art. 557 do Código de Processo Civil, que franqueia ao relator a possibilidade de negar seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior. 2. O recorrente é responsável pela correta transmissão dos documentos ao fazer uso do sistema de peticionamento eletrônico. In casu, a petição do recurso especial encontra-se incompleta, faltando-lhe várias páginas, dentre elas a do pedido final, impedindo, desse modo, a exata compreensão da controvérsia. 3. Agravo regimental improvido. (AgRg-REsp 1.347.816/SC, 6ª T., Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura, J. 26.11.2013, DJe 12.12.2013) AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL – PROCESSO CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL – PETIÇÃO ELETRÔNICA – PROTOCOLO – PEÇA INCOMPLETA – TRANSMISSÃO – RESPONSABILIDADE DA PARTE – AGRAVO REGIMENTAL NÃO CONHECIDO. (AgRg-REsp 1.332.624/RS, 3ª T., Relª Min. Paulo de Tarso Sanseverino, J. 28.05.2013, DJe 10.06.2013) PREVIDENCIÁRIO – AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL – PETIÇÃO ELETRÔNICA – RAZÕES RECURSAIS INCOMPLETAS – COMPREENSÃO DA CONTROVÉRSIA PREJUDICADA – REAPRESENTAÇÃO DO RECURSO, POR INTEIRO – PRECLUSÃO CONSUMATIVA 1. Ao fazer uso do sistema de peticionamento eletrônico, a parte se responsabiliza pela correta transmissão dos documentos, devendo,
por isso, arcar com as consequências do envio incompleto de suas razões recursais. 2. Verificado que o recurso não foi transmitido por inteiro, com evidente prejuízo da compreensão da controvérsia, a iniciativa do recorrente de protocolizar nova petição, contendo a integralidade das razões recursais, esbarra na preclusão consumativa. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg-EDcl-EREsp 1268885/PR, Agravo Regimental nos Embargos de Declaração nos Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 2013/0005717-3, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, (1150), Órgão Julgador S3, 3ª S., Data do Julgamento: 13.03.2013, Data da Publicação/ Fonte: DJe 19.03.2013)
Na espécie, conforme atesta a certidão de fl. 430, a petição eletrônica de agravo regimental foi recebida com apenas 13 (treze) páginas, não sendo possível a compreensão exata das razões recursais, faltando, inclusive, o pedido eventualmente formulado no recurso. Por oportuno, é imperioso narrar que, no mesmo dia, o recorrente tentou mais uma vez transmitir o recurso pelo meio eletrônico, mas a segunda tentativa apresentou o mesmo defeito da anterior, conforme certidão de fl. 445. Cumpre ressaltar que não é possível, na via especial, a concessão de oportunidade para que seja sanada a irregularidade. A propósito: PROCESSUAL PENAL – AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL – AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DO DECISUM AGRAVADO – SÚMULA Nº 182/STJ – PETIÇÃO ELETRÔNICA INCOMPLETA – RESPONSABILIDADE DA PARTE – AGRAVO NÃO CONHECIDO 1. [...] 2. É firme o entendimento desta Corte Superior de Justiça no sentido de se considerar inexistente o recurso interposto, via processamento eletrônico, de forma incompleta, impossibilitando sua exata compreen-
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correta do documento, cabendo-lhe fiscalizar o seu regular envio, sob pena de não conhecimento, por impossibilidade de compreensão da controvérsia. Nesse sentido:
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são, sendo de inteira responsabilidade da parte sua correta transmissão para o protocolo.
Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Antônio Carlos Fonseca da Silva
3. “O agravo regimental foi interposto por meio eletrônico, mas a petição está incompleta. Esta Corte possui entendimento de que é ônus do usuário do sistema de processamento eletrônico diligenciar pela correta transmissão do documento enviado, arcando com eventual protocolização incompleta do seu recurso” (AgRg-REsp 1.097.067/SE, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 27.06.2013).
Secretária: Belª Bárbara Amorim Sousa Camuña
4. Por outro vértice, descabida a realização de diligência para regularização de eventual vício, uma vez que inaplicável nas instâncias extraordinárias a norma inserta no art. 13 do CPC.
Recorrente: Companhia Paulista de Força e Luz CPFL
5. Mutatis mutandis: “Recurso apócrifo dirigido ao Superior Tribunal de Justiça é considerado inexistente, não sendo passível de regularização, já que o disposto no art. 13 do CPC não é aplicável nas instâncias extraordinárias, consoante pacífica orientação há muito tempo consolidada nesta Corte” (AgRg-ERESp 1.261.187/ES, Corte Especial, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 01.07.2013) 6. Agravo regimental não conhecido.
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(AgRg-AREsp 294.910/RO, 5ª T., Rel. Min. Jorge Mussi, J. 27.08.2013, DJe 09.09.2013)
Advogados: Reinaldo Luis Tadeu Rondina Mandaliti e outro(s) Recorrido: Corfal Indústrial Peças e Equipamentos Ltda. Advogados: Marcelo Ruli e outro(s) Assunto: Direito do consumidor – Contratos de consumo – Fornecimento de energia elétrica
AGRAVO REGIMENTAL Agravante: Companhia Paulista de Força e Luz CPFL
Ante o exposto, não conheço do agravo regimental.
Advogados: Reinaldo Luis Tadeu Rondina Mandaliti e outro(s)
É como voto.
Agravado: Corfal Indústrial Peças e Equipamentos Ltda. Advogados: Marcelo Ruli e outro(s)
CERTIDÃO DE JULGAMENTO PRIMEIRA TURMA Número Registro: 2011/0122075-7 Processo Eletrônico AgRg-REsp 1.269.478/SP Número Origem: 106304000 Em Mesa Julgado: 22.04.2014 Relator: Exmo. Sr. Ministro Sérgio Kukina
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AUTUAÇÃO
Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho
CERTIDÃO Certifico que a egrégia Primeira Turma, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: A Turma, por unanimidade, não conheceu do agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Ari Pargendler, Arnaldo Esteves Lima, Napoleão Nunes Maia Filho (Presidente) e Benedito Gonçalves votaram com o Sr. Ministro Relator.
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Licitação Licitação – adjudicação – anulação – empresa vencedora – citação – ausência – nulidade “Administrativo. Mandado de segurança. Licitação. Anulação da adjudicação. Ausência de citação da empresa vencedora. Litisconsórcio passivo necessário. Nulidade absoluta. Sentença anulada. Remessa necessária e recurso de apelação prejudicados. 1. O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento no sentido de que a sentença, quando interfere diretamente na esfera jurídica alheia, enseja a formação de litisconsórcio passivo necessário, nos termos do art. 47 do CPC, sendo nulo o processo se ausente a citação do litisconsorte. 2. No caso dos autos, resta evidente que a concessão da segurança para cancelar a adjudicação/homologação da proposta da empresa vencedora do certame, interfere diretamente em sua esfera jurídica, razão pela qual deveria ter sido instada a participar da demanda, na qualidade de litisconsorte passiva necessária. 3. Nos termos do art. 47, caput e parágrafo único, do CPC, do art. 24 da Lei nº 12.016/2009 e do Enunciado da Súmula nº 631 do Supremo Tribunal Federal, deve a sentença ser anulada e os autos retornarem à primeira instância para que a impetrante seja intimada a promover a citação da litisconsorte passiva necessária, – no caso, a empresa vencedora do certame – em prestígio aos princípios do contraditório, ampla defesa e devido processo legal. 4. Remessa necessária e recurso de apelação prejudicados.” (TRF 2ª R. – Ap-RN 2010.51.02.004514-4 – 5ª T.Esp. – Rel. Des. Fed. Aluisio Gonçalves de Castro Mendes – DJe 11.10.2013)
Licitação – anulação – danos – inexistência – indenização indevida “Administrativo. Licitação e contrato administrativo (Lei nº 8.666/1993). União (Ministério da Justiça/Departamento de Polícia Federal). Ação reparatória por danos materiais por anulação de certame licitatório. Inexistência de danos. Anulação pertinente de licitação. Aplicação legítima, pela União, do princípio da autotutela. Substituição ilícita de contrato por nota de empenho de despesa. Inaplicabilidade do art. 62, § 4º da lei licitatória. Agravo retido não provido. Apelação não provida. 1. A prova pericial, justificadamente indeferida pelo juízo de 1º grau, não teria qualquer utilidade para o deslinde da causa. De rigor, o que se busca neste tipo de prova é a demonstração da ocorrência do dano, bem como sua extensão. Como bem apontou a decisão agravada, as discussões acerca dos ganhos auferíveis com o reconhecimento do dano devem ser discutidas em fase posterior à prolação da sentença, na hipótese de reconhecimento do pedido. Ademais – e, certamente, nisto pensou a julgadora de 1º grau -, não haveria qualquer utilidade desta prova que, pelo relato autoral, associa-se a suposto dano que, como se verá, não ficou demonstrado em sua existência ou, caso existisse, não se viu revelado qualquer liame causal com alguma ação ou omissão estatal. Agravo retido não provido. 2. Apelação contra anulação tida como ilegal e indevida de certame licitatório, sem indenização ao particular já alcançado por contrato formalizado. 3. A autorização para a dispensa do instrumento formal de contrato administrativo, descrita no § 4º do art. 62 da Lei nº 8.666/1993, dirige-se, como indica a redação da norma, para compras com entrega imediata e integral dos bens, dos quais não resultem obrigações futuras, inclusive assistência técnica. Está expressamente descrito no Anexo I do edital – que, por óbvio, é de ciência da recorrente – que a entrega dos lotes de mobiliário dar-se-ia no prazo de 30 (trinta) dias, o que descaracteriza a entrega imediata. 4. Todas as regras sobre procedimento, montagem, transporte, fiscalização e, especialmente, a garantia e assistência técnica (estabelecida em 5 anos) indicam, sem qualquer dúvida, a obrigatoriedade da celebração do contrato administrativo, como impõe o caput do art. 62 da Lei Licitatória. Jamais uma mera nota de empenho, seja por imposição normativa, seja pela elevada complexidade do ajuste contratual, serviria para lastrear relações jurídicas entre a recorrente licitante e a União. Dar continuidade ao certame seria indicação manifesta de má gestão do Erário. 5. A alegada fabricação do mobiliário pela recorrente, se ocorrida, deu-se por sua conta e risco. Tal procedimento juridicamente temerário consistiu em livre escolha da apelante, cujas consequências só podem ser suportadas por ela. Sustentar que a autora recorrente, ingenuamente, tenha adjudicado o objeto da licitação pela absurda emissão da nota de empenho (que ela, apelante, diz acreditar ser contrato) e, a partir daí, iniciar o fabrico do mobiliário seria admitir a torpeza negocial para obrigar a União a um inexplicado ressarcimento. 6. Agravo retido e apelação desprovidos.” (TRF 1ª R. – AC 2001.34.00.015132-2/DF – 2ª T. Suplementar – Rel. Juiz Federal Marcelo Dolzany da Costa – J. 13.08.2013)
Licitação – bem – aquisição – empresa licitante – desclassificação – ilegalidade – ausência “Mandado de segurança. Administrativo e constitucional. Licitação. Aquisição de bem. Empresa licitante. Desclassificação. Ausência de ilegalidade. Denegação da ordem. Demonstrado o descompasso entre o objeto requerido no edital de licitação, com aquele oferecido pela empresa participante da licitação, não há que se falar em ilegalidade ou abusividade do ato de desclassificação dessa empresa do processo licitatório.” (TJRO – MS 0009822-10.2012.8.22.0000 – C.Esp.Reun. – Rel. Des. Renato Mimessi – DJe 18.02.2013)
Licitação – certidão de acervo técnico – qualificação técnica comprovada – inabilitação – ilegalidade “Administrativo. Mandado de segurança. Licitação. Certidão de Acervo Técnico – CAT. Inabilitação. Ausência de apresentação de atestado de capacidade técnico-operacional. Qualificação técnica comprovada. Ilegalidade. I – Em sendo a Certidão de Acervo Técnico – CAT documento hábil a comprovar a qualificação técnica do licitante, não se afigura legítima, na espécie, a inabilitação da impetrante, em razão da ausência de apresentação de atestado de capacidade técnico-operacional, na espécie. II – Apelação e remessa oficial desprovidas. Sentença confirmada.” (TRF 1ª R. – Ap-RN-MS 2009.42.00.000217-6/RR – Rel. Des. Fed. Souza Prudente – DJe 30.08.2013)
Licitação – concorrência – câmaras frigoríficas para armazenagem de medicamentos – subcontratação – previsão editalícia – ilegalidade “Administrativo. Mandado de segurança. Licitação. Concorrência. Locação de câmaras frigoríficas para armazenagem de medicamentos. Subcontratação do objeto licitado. Contrariedade à resolução RDC/Anvisa nº 25/2007. Ilegalidade da previsão editalícia. I – A Resolução da Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – RDC 25/2007, dispondo sobre a terceirização de etapas de produção, de análises de controle de qualidade e de armazenamento de medicamentos, estabelece, em seu art. 9º, que ‘a contratada não poderá subcontratar, no todo ou em parte, o objeto do contrato’. II – Em sendo assim, consistindo o objeto de procedimento licitatório, sob a modalidade concorrência, na locação de câmaras frigoríficas destinadas ao armazenamento de medicamentos adquiridos pelo Ministério da Saúde, afigura-se ilegal a previsão editalícia que autoriza ao vencedor do certame a subcontratação do serviço, em manifesta contrariedade à referida resolução, como no caso. III – Remessa oficial desprovida. Sentença confirmada.” (TRF 1ª R. – RN-MS 2008.34.00.005692-4/DF – Rel. Des. Fed. Souza Prudente – DJe 12.08.2013)
Licitação – contratação – licitante vencedor – suspensão “Administrativo. Mandado de segurança. Licitação. Suspensão da contratação do licitante vencedor. Habilitação de licitante excluído do certame em razão de liminar em mandado de segurança. Licitude da conduta da administração. 1. Não há qualquer ilegalidade na conduta da Administração Pública que, em decorrência de liminar em mandado de segurança que determinou a habilitação de licitante excluído do certame, suspende a contratação do licitante declarado vencedor até a decisão definitiva no processo referido. Além disso, a adjudicação do objeto ao vencedor gera mera expectativa de direito à contratação, sendo lícito à administração deixar de contratar ou até mesmo revogar o procedimento quando, por razões de conveniência e oportunidade, isso se faça necessário. 2. Ordem denegada.” (TJDFT – PADM 20120020164443 – (656553) – Rel. Des. Arnoldo Camanho de Assis – DJe 27.02.2013)
Licitação – contratação de mão de obra – cooperativa – participação – restrição – licitude “Administrativo. Mandado de segurança coletivo originário. Licitação. Pregão. Participação de cooperativa contratação de mão de obra. Agravo regimental. Revogação de liminar por reconsideração. Existência de subordinação jurídica. Denegação da segurança. É lícito restringir a participação de cooperativas em licitações da Administração Pública quando a necessidade da contratação demandar de mão de obra em caráter de subordinação jurídica. Segurança denegada.” (TJAC – MS-Col 0001636-80.2012.8.01.0000 – (6.877) – TP – Relª Desª Denise Castelo Bonfim – DJe 30.01.2013)
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Licitação – contrato – licitação – prorrogação não justificada – art. 65 da Lei nº 8.666/1993 – violação
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“Agravo de instrumento. Administrativo. Licitação Inexecução do contrato. Prorrogação não justificada violação do art. 65 da Lei nº 8.666/1993. Intervenção do Judiciário. Possibilidade. Respeito ao princípio da separação dos Poderes. Recurso improvido. 1. Não se observa a perda do interesse na prestação jurisdicional quando a obra, objeto de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público, ainda não foi terminada nos exatos termos do pedido formulado. 2. Nos termos do art. 65 da Lei nº 8.666/1993, é necessário expressa justificativa por parte da administração a alteração do contrato firmado para execução do seu objeto. 3. Não há violação do art. 2º da CRF quando o Judiciário, mediante devida provocação, intervêm no contrato firmado sob a égide da Lei nº 8.666/1993, visando atender ao princípio da legalidade conforme determinado pelo art. 37 da Magna Carta. 4. Recurso conhecido e improvido.” (TJES – AI 0017113-33.2012.8.08.0006 – Rel. Roberto da Fonseca Araújo – DJe 22.01.2013)
Licitação – convite – preterição ilegal – ausência “Direito processual civil e administrativo. Mandado de segurança. Licitação na modalidade convite. Ausência do impetrante da lista de convidados. Preterição ilegal não demonstrada. Ausência da relevância dos fundamentos (fumus boni iuris). Liminar indeferida. I – A concessão de liminar em sede de mandado de segurança pressupõe a relevância dos fundamentos da impetração (fumus boni iuris) e o risco de ineficácia da medida (periculum in mora). II – A existência de contrato de prestação de serviços com a entidade
licitante não outorga ao contratado direito líquido e certo de participar da licitação aberta na modalidade convite. III – Em licitação dessa natureza há um espaço discricionário mais amplo, de forma a permitir a convocação de interessados previamente selecionados. IV – A necessidade de dilação probatória para descortinar a compatibilidade entre o perfil técnico da licitação e a qualificação da impetrante torna inadequada a opção pela via mandamental. V – Não se concede liminar em mandado de segurança na hipótese em que a pretensão do impetrante não encontra ressonância plena no quadro probatório dos autos. VI – Recurso conhecido e desprovido.” (TJDFT – Proc. 20130020156639 – (708867) – Rel. Des. James Eduardo Oliveira – DJe 12.09.2013)
Licitação – fornecimento de veículos – Sistema Único de Saúde – edital – regras imprevisíveis – suspensão “Administrativo. Licitação. Fornecimento de veículos para o Sistema Único de Saúde – SUS. Edital licitatório com regras imprevisíveis. Suspensão da licitação. Possibilidade. I – Na espécie dos autos, constatada a falta de objetividade e clareza do edital licitatório que visa o fornecimento de veículo para atendimento do Sistema Único de Saúde através da Rede de Urgência e Emergência – Samu, a suspensão do procedimento licitatório é medida que se impõe, sob pena de se abrir lacuna a subjetivismos, o que não condiz com o princípio do julgamento objetivo (Lei nº 8.666/1993, art. 3º). II – Agravo de instrumento provido.” (TRF 1ª R. – AI 0016344-37.2013.4.01.0000 – Rel. Juiz Fed. Conv. Carlos Eduardo Castro Martins – DJe 23.07.2013)
Licitação – hospital da aeronáutica – UTI – reforma – subcontratação – execução do contrato – defeitos “Administrativo. Licitação. Hospital da aeronáutica. Reforma da unidade de terapia intensiva. Fornecimento e instalação de equipamentos de climatização. Subcontratação. Defeitos na execução do contrato. Responsabilidade. Arts. 70 e 71 da Lei nº 8.666/1993. Incidência. I – A questão posta em lide reporta-se à amplitude da responsabilidade da empresa contratada para execução dos serviços de reforma da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital da Aeronáutica, em Recife, diante da subcontratação realizada por ela para execução dos serviços de climatização. II – O objeto contratado, em regra, deve ser executado diretamente pela empresa contratada, admitindo-se a subcontratação excepcionalmente, desde que expressamente autorizado pela Administração no edital e no instrumento contratual. No entanto, embora o contrato administrativo seja realizado intuitu personae – ou seja, sempre com a pessoa do contratado, este não é personalíssimo, admitindo-se que o contratado confie partes da obra, ou de certos serviços técnicos, a artífices e empresas especializadas. III – No entanto, ainda quando a empresa contratada transfere o encargo de realizar o serviço para terceiro, continua legalmente responsável perante a Administração pela execução deste, respondendo por todos os vícios e defeitos que porventura que vier a apresentar. A subcontratação não libera o contratado de suas responsabilidades contratuais e legais. IV – Como o contratado não nega a existência dos defeitos na prestação do serviço alegados pela Administração, apenas aduzindo em sua defesa a culpa exclusiva da subcontratada, é de se reconhecer a responsabilidade da construtora pelos danos causados, nos exatos termos dos arts. 70 e 71 da Lei nº 8.666/1993. V – É com o vencedor do certame que a Administração mantém o vínculo jurídico, não se justificando, assim, a presença no polo passivo da lide do subcontratado. Com efeito, não há vínculo jurídico entre o terceiro subcontratado e a Administração, mas apenas entre este e o licitante, que poderá, caso queira, exercer o direito de regresso. VI – Apelações improvidas.” (TRF 5ª R. – AC 0004629-50.2012.4.05.8300 – (565030/PE) – 4ª T. – Relª Desª Fed. Margarida Cantarelli – DJe 28.11.2013)
“Apelação cível. Administrativo. Licitação. Serviços de manutenção de higienização de carpetes. Cumprimento integral do contrato. Multa inaplicável. 1. Havendo o cumprimento integral do objeto contratado com a Administração Pública, incabível o pedido de condenação da empresa ao pagamento da multa em razão do seu descumprimento. 2. Negou-se provimento ao apelo da autora.” (TJDFT – AC 20120110603148 – (680298) – Rel. Des. Sérgio Rocha – DJe 31.05.2013)
Licitação – pregão presencial – Infraero – espaço restrito em aeroporto – exploração comercial – suspensão “Administrativo. Processo civil. Licitação a cargo da Infraero, na modalidade de pregão presencial, para exploração comercial de espaço restrito em aeroporto. Suspensão do procedimento determinada por meio de liminar deferida em agravo de instrumento. Decisão judicial, suficientemente, fundamentada, mas impugnada por meio de mandado de segurança. Inadmissibilidade. Inexistência de ilegalidade, abuso de poder ou teratologia. Segurança denegada. a) Ação originária. Mandado de segurança para impugnação de ato judicial. b) Decisão impugnada. Suspensão do Pregão Presencial nº 072/ADCE-3/SRCE/2011, determinada nos autos do Agravo de Instrumento nº 0035744-08.2011.4.01.0000/ BA. 1. O ilustre prolator da decisão objeto da impetração decidiu que ‘descabe levar-se a cabo a exploração de tais áreas com a visão tipicamente de fazer comércio com o bem público, de modo a auferir receitas elevadas em detrimento do interesse social, de ordem pública, portanto. Assim é que, no caso, deve a administração rever as cláusulas do edital, com vistas a impedir que sejam repassados os excessivos valores a serem pagos pela outorga da concessão de uso das ditas áreas, o que dará ensejo a se prestigiar o interesse do consumidor lato sensu e, em consequência, o relevante interesse social em causa, os quais estão contrapostos ao mero interesse comercial da Infraero. Ante o exposto, defiro o pedido de antecipação da tutela recursal, para suspender o pregão presencial de que tratam os autos’ (AG(d) 0035744-08.2011.4.01.0000/BA, fls. 101/103
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Licitação – manutenção e higienização de carpetes – contrato – cumprimento integral – multa – inaplicabilidade
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de 121). 2. O Mandado de segurança, consoante reiterados pronunciamentos dos tribunais, não se presta à impugnação de ato ou decisão de natureza jurisdicional, sendo admissível, tão somente, quando a decisão impugnada for, manifestamente, ilegal, abusiva ou teratológica, hipótese não verificada nestes autos. 3. No caso, embora a decisão seja considerada irrecorrível, isso não significa que ela deva ser revertida, necessariamente, por meio de concessão da segurança por ser, também incabível, impetração para afastar o efeito suspensivo atribuído, com espeque em norma legal válida, a recurso, cabendo à impetrante que, certamente, já fora intimada para apresentar resposta ao agravo, aguardar o pronunciamento da turma responsável pelo julgamento. 4. Ainda não julgado, definitivamente, o Agravo de Instrumento nº 003574408.2011.4.01.0000/BA, havendo, portanto, possibilidade de ser reformada pelo órgão colegiado a decisão altercada (Código de Processo Civil, art. 527, parágrafo único), e não tendo sido comprovada a interposição, sequer, de pedido de reconsideração, não se me afigurando ilegal, abusiva ou teratológica a decisão do Relator, que deferira, com espeque em norma legal válida (Código de Processo Civil, art. 527, III), antecipação dos efeitos da tutela, determinando suspensão do Pregão Presencial nº 072/ADCE-3/SRCE/2011, a segurança deve ser denegada. 5. Segurança denegada.” (TRF 1ª R. – MS 0054376-82.2011.4.01.0000 – Rel. p/o Ac. Des. Catão Alves – DJe 27.02.2013)
Licitação – reajuste contratual – insumos e mão de obra – custo – alteração significativa – equilíbrio econômico-financeiro – quebra – quantias – bloqueio “Administrativo e processual civil. Agravo de instrumento em ação ordinária de obrigação de fazer com pedido de antecipação de tutela. Reajuste contratual. Alteração significativa no custo dos insumos e da mão de obra contratada, a evidenciar a quebra do equilíbrio econômico-financeiro. Garantia prevista constitucionalmente (art. 37, XXI). Bloqueio imediato de quantia à guisa de retroativos. Possibilidade. Recurso conhecido e provido. Decisão reformada. Vencido o Desembargador Fábio José Bittencourt Araújo tão somente no que toca ao aludido bloqueio.” (TJAL – AI 0006539-34.2012.8.02.0000 – Rel. Des. Washington Luiz D. Freitas – DJe 16.10.2013)
Licitação – reajuste contratual – insumos e mão de obra – custo – alteração significativa – equilíbrio econômico-financeiro – quebra – quantias – bloqueio “Administrativo e processual civil. Agravo de instrumento em ação ordinária de obrigação de fazer com pedido de antecipação de tutela. Reajuste contratual. Alteração significativa no custo dos insumos e da mão de obra contratada, a evidenciar a quebra do equilíbrio econômico-financeiro. Garantia prevista constitucionalmente (art. 37, XXI). Bloqueio imediato de quantia à guisa de retroativos. Possibilidade. Recurso conhecido e provido. Decisão reformada. Vencido o Desembargador Fábio José Bittencourt Araújo tão somente no que toca ao aludido bloqueio.” (TJAL – AI 0006539-34.2012.8.02.0000 – Rel. Des. Washington Luiz D. Freitas – DJe 16.10.2013)
Licitação – registro de preços – direito de contratar com a Administração Pública – suspensão “Administrativo. Licitação. Registro de preços. Aplicação de multa. Suspensão do direito de contratar com a Administração Pública. Manutenção da decisão. 1. Empresa que, em processo administrativo regular, teve suspenso o seu direito de contratar com o Poder Público, em processo em que lhe foi assegurada ampla defesa. 2. Legalidade do ato administrativo sancionador que observou o devido processo legal, o contraditório e o princípio da proporcionalidade, com respaldo na Constituição Federal, nas Leis nºs 8.666/1993 e 9.784/1999 e no Edital de Licitação. 3. Recurso desprovido.” (TREAC – PADM 20-38.2012.6.01.0000 – (3.033/2013) – Rel. Des. Roberto Barros – DJe 22.01.2013)
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Licitação – revogação – ordem judicial – contraditório e ampla defesa – possibilidade “1. Direito administrativo. Revogação de processo licitatório suspenso por ordem judicial, mas antecedida a revogação de contraditório e ampla defesa. Possibilidade. Conveniência e oportunidade. Autotutela. a) A Lei nº 8.666/1993 permite que o Poder Público, a qualquer tempo, desfaça seus atos administrativos, ainda mais quando ocorrida circunstância nova ou inexistente na época de abertura e publicidade do edital: ‘Art. 49. A autoridade competente para a aprovação do procedimento somente poderá revogar a licitação por razões de interesse público decorrente de fato superveniente devidamente comprovado, pertinente e suficiente para justificar tal conduta, devendo anulá-la por ilegalidade, de ofício ou por provocação de terceiros, mediante parecer escrito e devidamente fundamentado. b) A Administração Pública possui a prerrogativa de anular seus próprios atos, seja provocada, seja de ofício, segundo juízo de conveniência e oportunidade, e, ainda, diante da necessidade de adequação do ato à satisfação do interesse público. Essa atuação decorre do princípio da autotutela. b) In casu, o interesse público restou claramente evidenciado pelo caráter emergencial na contratação de mão de obra qualificada para o funcionamento da própria empresa licitante. 2. Agravo de instrumento a se que nega provimento.” (TJPR – AI 1064832-7 – 5ª C.Cív. – Rel. Des. Leonel Cunha – DJe 23.09.2013 – p. 134)
Licitação – serviços de radiodifusão de sons e imagens – concorrência – habilitação – anulação – decadência administrativa – configuração
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“Administrativo. Mandado de segurança. Licitação. Concessão de serviços de radiodifusão de sons e imagens. Anulação do ato de habilitação da concorrência. Decadência administrativa configurada. 1. Mandado de segurança contra ato do Ministro das Comunicações, consubstanciado na anulação do ato de habilitação da Concorrência nº
033/2001 em relação à impetrante. 2. Esta Corte Superior já se manifestou no sentido de que a Administração Pública não pode rever a decisão que habilitou licitante em processo licitatório após o prazo decadencial de 5 (cinco) anos assinalado pelo art. 54 da Lei nº 9.784/1999. Precedentes: MS 18.961/DF, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Seção, DJe 04.09.2013; MS 15.160/DF, Primeira Seção, Rel. Min. Humberto Martins, DJ 16.06.2010; e MS 14.722/DF, Rel. Min. Eliana Calmon, Primeira Seção, DJe 18.03.2010. 3. No caso dos autos, considerando que a habilitação da impetrante no certame se deu em 13.09.2001 e o ato coator em 05.04.2012, a configuração da decadência administrativa resta evidenciada, já que o ato atacado foi praticado mais de 10 (dez) anos após a prática do ato que se pretendia anular. 4. O fato da Administração Pública ter se manifestado nesse interregno pela anulação da habilitação da empresa não tem o condão de afastar o instituto da decadência, tendo em vista que isto se deu em 21.09.2006, ou seja, quando o quinquênio decadencial já havia transcorrido (13.09.2006). Tanto é assim que a própria Administração reconheceu, à época, o transcurso de tal prazo, o que deu ensejo ao prosseguimento do feito, com a homologação da adjudicação em favor da impetrante. 5. Segurança concedida, para manter a habilitação da impetrante no certame.” (STJ – MS 18.525 – (2012/0101499-2) – 1ª S. – Rel. Min. Benedito Gonçalves – DJe 25.11.2013)
Licitação – serviços de radiofusão sonora – contratação – certidão de regularidade fiscal – exigência legítima “Administrativo. Licitação. Mandado de segurança. Ministro de Estado. Contratação de serviços de radiodifusão sonora. Anulação do ato que declarou a habilitação do licitante. Fase posterior ao julgamento das propostas. possibilidade. Certidão de regularidade fiscal. Exigência legítima. Vinculação ao edital. Não sujeição ao Fisco Estadual. Necessidade de comprovação no momento adequado. Segurança denegada. 1. Discute-se no mandamus a legalidade do ato do Ministro de Estado das Comunicações que, após o julgamento das propostas, reconheceu a irregularidade fiscal da licitante vencedora, anulando o ato da Comissão de Licitação que a declarou habilitada para o certame, determinando a adjudicação do objeto licitado à concorrente seguinte na ordem de classificação. 2. O prazo para a revisão dos atos praticados pela Comissão Licitante inicia-se após o encerramento dos trabalhos por ela conduzidos, não se computando o período de tramitação dos recursos administrativos eventualmente interpostos. Precedente: MS 18.615/DF, Rel. Min. Humberto Martins, 1ª Seção, DJe 19.10.2012. 3. Na espécie, o julgamento das propostas foi publicado no Diário Oficial da União em 27.05.2005, tendo o ato que anulou a habilitação da impetrante sido divulgado em 22.12.2008, isto é, dentro do prazo de cinco anos a que alude o art. 54 da Lei nº 9.784/1999. 4. É legítima a exigência administrativa de que seja apresentada a comprovação de regularidade fiscal por meio de certidões emitidas pelos órgãos competentes e dentro do prazo de validade. 5. A simples referência à imunidade das sociedades prestadoras do serviço de radiodifusão sonora de recepção livre e gratuita ao ICMS, por si só, não altera a obrigatoriedade de apresentação da CND estadual, quando não é comprovado, na fase de habilitação, que o licitante não se sujeita a qualquer tributação realizada pelo Estado. 6. A norma contida no art. 43, § 5º, da Lei nº 8.666/1993 – que impede a desclassificação do licitante após a fase de habilitação – deve ser interpretada em consonância com o disposto no art. 49 do mesmo normativo, cedendo ao princípio da autotutela da Administração Pública. É dever da autoridade administrativa zelar pela lisura da licitação, anulando os atos que estiverem em desacordo com a lei. 7. Segurança denegada.” (STJ – MS 14.899 – (2009/0244681-9) – 1ª S. – Rel. Min. Castro Meira – DJe 01.02.2013)
“Administrativo. Licitação. Pregão. Sucessão de empresas. Serviços limpeza e conservação. Fraude. Inexistência. 1. Demonstrado que a empresa vencedora havia adquirido inúmeros materiais usados de escritório de outra empresa concorrente em data anterior ao pregão, dentre os quais estava o aparelho de fax utilizado para a transmissão da proposta de preço, resta afastada a fraude por este motivo. 2. Conforme Convenção Coletiva de Trabalho celebrada entre o sindicato dos empregados em empresas de asseio, conservação, trabalho temporário, prestação de serviços e serviços terceirizáveis, as empresas que sucederem outras na prestação de serviços em razão de nova licitação pública ficam obrigadas a contratar todos os empregados da empresa anterior. Portanto verossímil a alegação da empresa vencedora no sentido de que é prática da empresa sucessora do novo serviço objeto adquirir os equipamentos da empresa anterior.” (TRF 4ª R. – AC 2008.72.00.006664-8/SC – 4ª T. – Rel. Des. Fed. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle – DJe 10.07.2013)
Licitação – superfaturamento constatado – prejuízo ao Erário – ocorrência “Ação civil pública licitação (carta-convite). Empresa vencedora beneficiada por manobra devidamente comprovada nos autos, com fraude evidente das propostas ofertadas. Conluio também comprovado entre a empresa vencedora e as vencidas, cujas sócias são filha e companheira do sócio da empresa vencedora. Prova pericial altamente conclusiva, e que apontou com clareza o valor do prejuízo ao Erário. Superfaturamento constatado. Aplicação da teoria da cegueira deliberada. Ato de improbidade administrativa devidamente comprovado, ante a constatada cavilosidade dos corréus. Infringência do art. 10, VIII, da Lei nº 8.249/1992. Procedência parcial da ação mantida. Apelações dos réus não providas.” (TJSP – Ap 0003527-67.2005.8.26.0136 – 9ª CDPúb. – Rel. Rebouças de Carvalho – DJe 26.11.2013)
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Licitação – sucessão de empresas – serviços limpeza e conservação – fraude – inexistência
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Licitação – tomada de preços – escola pública – construção – inabilitação
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“Administrativo. Licitação. Tomada de preços. Construção de escola pública municipal. Inabilitação. Recurso administrativo indeferido. Não violação ao art. 109 da Lei nº 8.666/1993. Efeito suspensivo deferido. Perigo de dano irreparável. Supremacia do interesse público sobre o privado. Agravo de instrumento provido. Decisão unânime. 1. Trata-se de agravo de instrumento interposto pela Empresa Maxicon Construções e Serviços Ltda., contra a decisão (fls. 62/67) proferida pelo MM. Juiz da Vara única da Comarca de São José do Belmonte/PE que, nos autos do Mandado de Segurança nº 0000701-51.2010.8.17.1330, deferiu o pedido liminar e na forma do art. 7º, inciso II, da Lei nº 12.016/2009, determinou ao Sr. Presidente da Comissão Permanente de Licitação da Prefeitura de São José do Belmonte/PE, a suspensão da decisão da comissão que negou provimento ao recurso administrativo interposto pela impetrante e determinou o prosseguimento do certame com abertura da proposta da empresa habilitada, bem como a tramitação do Processo Licitatório nº 041/2010. 2. A Maxicon Construções e Serviços Ltda., ora agravada, participou do Processo Licitatório nº 041-2010. Tomada de Preços nº 04/2010. Do tipo menor preço global dos serviços, que tem por objeto a contratação de uma empresa para executar serviços de construção da Escola Manuela Fernandes de Araújo Leão, no Distrito do Bom Nome, Município de São José do Belmonte/PE. 3. A Comissão Permanente de Licitação reuniu-se no dia 17 de setembro de 2010, para analisar a documentação apresentada pelos licitantes, ocasião em que, inabilitou a ora agravada, sob o argumento de falta de apresentação da documentação solicitada pelo edital. A referida decisão foi publicada no Diário Oficial do Estado de Pernambuco no dia 21.09.2010, tendo a parte agravada, oferecido recurso administrativo, no escopo de reformar o aludido decisium. Ocorre que, na concepção da parte agravada, o referido recurso não foi julgado pela autoridade superior, no caso o Prefeito Municipal, como também não foi publicada a decisão. Todavia, examinando detidamente os presentes autos, constato que não houve violação ao art. 109, § 4º, da Lei de Licitações porquanto o recurso foi apresentado a autoridade superior, ao Presidente da Comissão Permanente de Licitação (fl. 19), a qual não reconsiderou sua decisão, e encaminhou o recurso ao Prefeito de São José do Belmonte/PE, que em decisão de fl. 20, manteve a decisão da Comissão. 4. Não houve qualquer prejuízo à parte recorrida, já que a decisão a ser publicada mantinha a decisão anterior de inabilitação do licitante. Anular o ato da Comissão Permanente de Licitação que, repito, não causou prejuízos à parte agravada, consistiria em impor um prejuízo à própria Administração Pública, a qual caberia reabrir o Procedimento Licitatório nº 041/2010, já finalizado, haja vista os termos de homologação e adjudicação e o contrato de prestação de serviços celebrado entre a municipalidade e o licitante vencedor. 5. No caso dos autos, o interesse público da Administração deve prevalecer sobre o interesse privado da parte agravada. Razão pela qual, deu-se prosseguimento ao Processo Licitatório nº 041/2010, que declarando a Empresa Construcaj Construção Ltda. como vencedora da licitação para construção da escola no Município de São José do Belmonte. 6. Recurso de agravo provido. 7. Decisão unânime.” (TJPE – AI 0023634-31.2010.8.17.0000 – 1ª CDPúb. – Rel. Des. Erik de Sousa Dantas Simões – DJe 22.05.2013)
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Jurisprudência Comentada
O Princípio Bagatelar Próprio e Impróprio Conceito, Classificação e Aplicação THALES TÁCITO PONTES LUZ DE PÁDUA CERQUEIRA Promotor de Justiça/Promotor Eleitoral/MG, Professor de Direito Processual Penal, Professor de Direito Eleitoral, Professor de Pós-Graduação (Direito Eleitoral) da Fundação Escola Superior do Ministério Público/Belo Horizonte, Professor/Conferencista do Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional do Ministério Público/Belo Horizonte, Professor de Direito Eleitoral, Prática Forense, Estatuto da Criança e do Adolescente e Processo Penal do Curso Satelitário do Instituto de Ensino Luiz Flávio Gomes (IELF).
EMENTA EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO – REJEITADOS A alegação dos representantes do MP que o Colegiado foi omisso nos fundamentos jurídicos que possibilitaram a aplicação do princípio da insignificância não tem procedência. O acórdão, citando doutrina e jurisprudência, está motivado. Afinal, sabe-se, ou deveriam sabê-lo, que a idéia de afastar o direito penal destes fatos irrelevantes é uma criação da doutrina que vem sendo acolhida pelos Tribunais. Não existem dispositivos legais a respeito. Embargos rejeitados. Unânime. (TJRS – EDcl 70007545148 – 8ª C.Crim. – Rel. Des. Sylvio Baptista – J. 19.11.2003)
COMENTÁRIO Uma discussão acadêmica foi travada no notável e culto Estado do Rio Grande do Sul envolvendo o conceito do princípio da bagatela. O MP, inconformado com o acórdão do TJRS, que reconheceu o princípio da insignificância penal, interpôs embargos declaratórios (70007545148, Comarca de Rosário do Sul/RS) para fixar o conceito e previsão legal do mencionado princípio do jurista alemão Claus Roxin. Infelizmente, o culto Relator Desembargador foi, data venia, deselegante com o MP, talvez em um dia infeliz, já que o mesmo é conhecido por sua cultura e educação. Na verdade, o princípio da bagatela, ainda hoje, desperta uma série de dúvidas, inclusive seu conceito, sua classificação e um limite quantitativo (leia-se: um teto), para sua efetiva aplicação, o que justifica, por si só, os embargos declaratórios dos colegas do Parquet gaúcho, por força do art. 5º, XXXV, da CF/1988 (princípio da inafastabilidade da jurisdição). Particularmente, tão logo ingressei na carreira do MP, entendia que o princípio da bagatela ou insignificância penal estava acampado pela Lei nº 9.099/1995. Porém, percebendo que havia um campo cinzento da Lei dos Juizados, no qual não seria aplicável referido princípio a uma camada miserável e abandonada; percebendo que leis casuísticas eram criadas para dar “tratamento vitalício” a uma elite que comete crimes (Lei nº 10.628/2003), e considerando que na prática processual existe uma forte desigualdade jurídica entre réus, ditada pelo poder econômico, me convenci da aplicação do princípio da
insignificância, independentemente das benesses criadas pela Lei nº 9.099/1995 c/c a Lei nº 10.259/2001. Penso assim até que o Direito Penal seja, um dia, verdadeiramente eficaz, funcional e não um instrumento da elite (classe dominante, inclusive presente no processo legislativo) contra a classe dominada, desamparada juridicamente, com fome, miserável na cultura e acesso à educação e que, a cada dia, se agiganta no seio social. Tenho certeza de que muitos de meus colegas de Parquet, ao lerem esse artigo, lançarão as severas críticas dos puros de pecados, taxando de Direito Penal mínimo a sustentação da tese, de aderir ao ilegal e assim por diante. Mas, apesar disso, não peço a concordância jurídica, e sim, tão somente, a leitura e reflexão do tema. Atualmente, sou adepto do Direito Penal moderado; assim, posso definir aquele que, conforme Aristóteles afirmara, utiliza-se do meio: “O ideal é o meio, não o laxismo exagerado que corrompe a moral da sociedade e nem o rigorismo exacerbado, que limita arbitrariamente os direitos individuais”.
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Assim, defino o Direito Penal moderado como uma escola penal do meio-termo entre o Direito Penal máximo e mínimo, utilizando alguns de seus melhores institutos.
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Assim, defendo que, conforme Mateus sustentava, “é preciso separar o joio do trigo”, ou seja, em crimes graves, é necessário um rigor maior (proibição de progressão de regime em crimes hediondos; proibição do art. 44 no tráfico; punição mais severa para organizações criminosas, etc.), enquanto que, nos crimes menores ou de “menor potencial ofensivo”, é preciso ampliar ao máximo as benesses (institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/1995; imputação objetiva; tipicidade conglobante; bagatela ou insignificância; coculpabilidade, etc.).
Somente por meio de um Direito Penal e Processual Penal funcional teremos a verdadeira justiça, pois, do contrário, teremos o Judiciário lento, moroso e cheio de processos fomentados pela própria desordem jurídica (e desigualdade fomentada por leis, como a Lei nº 10.628/2002) e causas sociais cujo reflexo político é a inércia de sempre (reforma agrária, educação, saúde, habitação, etc.). Neste contexto, podemos definir e classificar, no Brasil, o princípio da insignificância ou bagatela da seguinte ordem:
1 PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA, DA BAGATELA OU BAGATELAR PRÓPRIO Aplica-se quando não houver uma efetiva ofensa à objetividade jurídica do crime, assim considerado quando ausentes um dos requisitos alhures:
1.1 Relevância da ação (imputação objetiva da conduta) Leia-se: a) O sujeito somente responde penalmente se ele criou ou incrementou um risco proibido relevante; b) Não há imputação objetiva quando o risco criado é permitido (exemplo: teoria da confiança); c) O sujeito somente responde nos limites do risco criado; d) Não há imputação objetiva quando o risco é tolerado (ou aceito amplamente pela comunidade); e) Não há imputação objetiva quando o risco proibido criado é insignificante (a conduta em si é insignificante).
a) O resultado deve ser relevante; b) O resultado deve ser transcendental (afetar terceiras pessoas); c) O resultado jurídico não deve ser fomentado ou tolerado ou autorizado ou determinado pelo ordenamento jurídico. Neste aspecto do conceito (resultado jurídico penalmente relevante), aplica-se o princípio da proporcionalidade ou razoabilidade, ou seja, necessário analisar cada caso concreto e a repercussão econômica para cada vítima, porém, com um teto máximo: R$ 5.000,00 (interpretação doutrinária e jurisprudencial nos crimes previdenciários, tido como bagatelares até esse valor). Como relembra Osmar Veronese e Emanuel Lutz Pinto, em “Princípio da insignificância dos delitos de contrabando e descaminho”, publicada no Juris Síntese nº 35, maio/jun. 2002: O TRF da 4ª Região (RS, SC e PR), bem outros TRFs, vem decidindo sobre a inexistência do crime de descaminho em casos em que a internação de mercadorias, sem o regular recolhimento dos tributos (IPI e II), não cause uma ilusão de impostos superior a determinado montante. Na avaliação dessa quantia, os Juízes nacionais têm-se amparado em normas extrapenais, tais como a Lei nº 9.469/1997, que estabelece o valor mínimo da propositura de execução fiscal em R$ 1.000,00 (mil reais), na MP 1.973/63, que expõe o valor que a Fazenda Nacional desconsidera para inscrever os débitos em dívida ativa em valores até R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), e na Portaria nº 4.910 do Ministério da Previdência, que prevê o não-ajuizamento das suas execuções quando o valor da dívida não ultrapassar R$ 5.000,00 (cinco mil reais). No entendimento dos Juízes e Desembargadores Federais, no caso do descaminho, não haverá interesse ou significância na seara penal se, na área civil, não houver interesse na cobrança dos impostos iludidos.
Assim, podemos limitar o princípio da bagatela com o seguinte exemplo: se a vítima subtrai uma bicicleta no valor de R$ 200,00
de uma vítima assalariada, responde por crime; ao passo que, se subtrair uma bicicleta de R$ 3.000,00 de um empresário, nesse caso, aplica-se o princípio da bagatela, retirando a tipicidade material axiológica do delito, deixando, para seara cível, as medidas legais pertinentes à espécie como restituição, reparação de danos, indenização. Porém, se o valor subtraído, ainda que de um empresário, for superior a R$ 5.000,00, nesse caso não se aplica o princípio da bagatela, em face de superar o teto máximo admitido para um crime mais grave (delito previdenciário). Se não se pode aplicar o princípio da bagatela para o crime mais grave (crime previdenciário), não se pode aplicar para o menos grave (furto), quando supera um limite razoável ou proporcional.
1.3 Relevância do resultado (imputação objetiva do resultado) Leia-se: o nexo causal entre a conduta e o resultado (leia-se: o sujeito somente responde pelos riscos criados ou incrementados). Em relação ao princípio bagatelar próprio, no famoso acórdão do TJRS (anexo a este artigo), o MP sustenta que o critério é a efetiva ofensa objetividade jurídica, levando em conta a situação econômica da vítima. Já o TJRS veementemente discordou, sustentando que o princípio da bagatela ou insignificância somente se aplica quando amparado em um tripé:
b) a irrelevância da ação do agente;
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1.2 Resultado jurídico penalmente relevante
c) a ausência de ambição de sua parte em atacar algo mais valioso ou que aparenta ser (leia-se: o desvalor da intenção).
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a) o valor irrisório da coisa, ou coisas, atingida(s);
Em relação aos dois primeiros fundamentos (irrelevância da conduta e do resultado), concordamos. Porém, discordamos do critério do “desvalor da intenção” como elemento integrante do princípio bagatelar próprio. Em síntese, sustenta o acórdão: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO – REJEITADOS – A alegação dos representantes do MP que o Colegiado foi omisso nos fundamentos jurídicos que possibilitaram a aplicação do princípio da insignificância não tem procedência. O acórdão, citando doutrina e jurisprudência, está motivado. Afinal, sabe-se, ou deveriam sabê-lo, que a idéia de afastar o direito penal destes fatos irrelevantes é uma criação da doutrina que vem sendo acolhida pelos Tribunais. Não existem dispositivos legais a respeito. Embargos rejeitados. Unânime. (TJRS, EDcl 70007545148, 8ª C.Crim., Rel. Des. Sylvio Baptista)
ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos, acordam os Desembargadores da 8ª Câmara Criminal do TJE, à unanimidade, em rejeitar os embargos, conforme os votos que seguem. Custas, na forma da lei. Participaram do julgamento, além do signatário, o Desembargador Roque Miguel Fank, Presidente, e o Desembargador Marco Antônio Ribeiro de Oliveira.
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Porto Alegre, 19 de novembro de 2003.
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Des. Sylvio Baptista – Relator RELATÓRIO Des. Sylvio Baptista (Relator): Os Procuradores de Justiça apresentaram embargos de declaração ao acórdão deste Colegiado, dado na ACr 70006845879, alegando, em resumo, que “devem constar os fundamentos
jurídicos que possibilitaram a aplicação do princípio da insignificância ante a condição econômica da vítima”.
VOTO Des. Sylvio Baptista (Relator): [...] 3. No caso em exame (e somos obrigados a discutir a subtração de poucas abóboras, meus Deus), o acórdão, como se verá infra, analisou os fundamentos jurídicos aplicáveis à insignificância e concluiu por sua aplicação. Não houve nenhuma omissão, a não ser que os autores da petição de embargos, “porque não tem nada a fazer e o ócio cansa”, querem o impossível: dispositivos legais a respeito. Afinal, eles sabem, ou deveriam sabê-lo, que a idéia de afastar o direito penal destes fatos irrelevantes é uma criação da doutrina que vem sendo acolhida pelos Tribunais. Não existem normas legais a respeito. Por outro lado, dizer, como está na petição, que ‘a fim de chegar-se à constatação acerca da existência ou não de tal ofensa, torna-se necessário observar as condições econômicas da vítima, as quais permitirão chegar à conclusão se o valor do objeto material em questão chegou a ofender o bem jurídico já citado’, estão falando uma arrematada besteira. E se o ladrão furtar cem mil reais de um grande banco, teremos um crime insignificante? De acordo com a opinião, sim. Em conclusão, a perda daquele valor mal arranhou o patrimônio da vítima. Ora, o que distingue uma ação considerada de bagatela ou insignificante, de outra penalmente relevante e que merece a persecução criminal, é a soma de três fatores: o valor irrisório da coisa, ou coisas, atingidas; a irrelevância da ação do agente; a ausência de ambição de sua parte em atacar algo mais valioso ou que aparenta ser. Na hipótese, e por isso considerado fato de bagatela, o apelante e o não-apelante furtaram 21 abóboras, avaliadas em quinze reais, porque só queriam subtrair as frutas que, inclusive, foram recuperadas pela vítima.
Como sustenta o Professor Luiz Flávio Gomes na obra Direito penal (São Paulo: RT, v. 2, 2004, no prelo): Não se pode incluir na conceituação, desvalor da intenção. Nesse ponto, o Julgado nº 70007545148, TJRS, 8ª C.Crim., Rel. Des. Sylvio Baptista não nos parece sustentável.
O sujeito acaba sendo punido pelo que ele queria, não pelo que ele fez. Sem base legal autorizativa isso não é possível. Nesse ponto houve equívoco do julgado, segundo nosso juízo.
Realmente, o desvalor da intenção pune pelo que o agente queria e não pelo que fez, o que até vai de desencontro com a imputação objetiva, cujo Direito Penal, em uma evolução do funcionalismo, deve ser voltado ao indivíduo, ao caso concreto, e não meras projeções ou intenções.
2 PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA, DA BAGATELA OU BAGATELAR IMPRÓPRIO (OU “IRRELEVÂNCIA PENAL DO FATO”) Trata-se de modalidade penal nova, introduzida no Brasil pelo Jurista Luiz Flávio Gomes, na obra Direito penal (São Paulo: RT, v. 2, 2004, no prelo), em avant-première neste artigo. Referido princípio se aplica quando, apesar de haver ofensa real a bem jurídico tutelado, o que impede a aplicação do princípio da insignificância próprio, o fato passa a ser um irrelevante penal, em virtude do princípio da necessidade da pena (previsto no art. 59 do CP, já que o mencionado artigo estabelece que o juiz aplicará a pena quando suficiente). Exemplo: tentativa de roubo sem relevância, vislumbre-se: réu primário, jovem, sem uso de arma, apenas de ameaça, na qual o agente ficou 6 meses preso provisoriamente, confessou e se arrependeu. O art. 59 do CP resolve pelo princípio da necessidade da pena: haveria necessidade, proporcionalidade ou razoabilidade em
condenar um jovem primário de 4 a 10 anos de reclusão, sendo que confessou, se arrependeu, ficou preso provisoriamente por 6 meses e, apesar da ofensa real à objetividade jurídica, não há mais relevância penal do fato? Ressalva-se que desejam incluir na Constituição italiana tal princípio. Esse princípio serve exatamente para limitar a injusta intervenção do Estado na dignidade da pessoa humana, única forma viável de, no processo de conhecimento, prevenir o crime, impedindo que um jovem recuperável se transforme em um meliante escolado e perigoso para a própria sociedade que o quer condenado. Mas certamente essa novidade trará muito inconformismo, pois o novo e a prevenção, por vezes, são confundidos com impunidade ou intolerância. Essas, em suma, são as novas linhas mestras penais que surpreenderão os incrédulos, os céticos, os conservadores e os desprotegidos por um sistema legal desigual. Basta saber se um dia, ao menos, todos farão uma enorme reflexão a respeito, já que o conjunto destes fatores compõe a própria sobrevivência da sociedade. Como diria Carnelutti, na obra As misérias do processo penal: Não me iludo a respeito da eficácia de minhas palavras. Porém, de acordo com o ensinamento do filósofo sensacional, que todos deveriam reconhecer no Cristo, ainda que o considerando apenas um homem, sei que as palavras são sementes. E assim, sem presunção, mas por devoção, sigo semeando. Não espero que a colheita me remunere com cem, sessenta ou mesmo com trinta por um. Ainda que um único grão germine, não haverei semeado em vão.
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Afastar a tipicidade de uma conduta insignificante em razão do desvalor da intenção é recuperar para dentro do Direito Penal toda teoria subjetivista de Zielinsky, Kaufmann etc. Isso nos parece exagerado.
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Patrimônio Genético. Diversidade Biológica Previdência Social. Alteração na Legislação
2 .156-5, DE 24.08.2001
Agência de Desenvolvimento do Nordeste – Adene
2.187-13, DE 24.08.2001
2.157-5, DE 24.08.2001
Agência de Desenvolvimento da Amazônia – ADA
2.189-49, DE 23.08.2001
IR. Alteração na Legislação
2.158-35, DE 24.08.2001
Cofins, PIS/Pasep e IR. Alteração na Legislação
2.190-34, DE 23.08.2001
Vigilância Sanitária. Alteração da Lei nº 9.782/1999
2.159-70, DE 24.08.2001
IR. Alteração na Legislação
2.192-70, DE 24.08.2001
Proes. Bancos Estaduais
2.161-35, DE 23.08.2001
Programa Nacional de Desestatização. Alteração da Lei nº 9.491/1997
2.196-3, DE 24.08.2001
Instituições Financeiras Federais. Recuperação. Empresa Gestora de Ativos – Emgea
2.162-72, DE 23.08.2001
Notas do Tesouro Nacional – NTN
2.197-43, DE 24.08.2001
SFH. Disposições
2.163-41, DE 23.08.2001
Meio Ambiente. Alteração da Lei nº 9.605/1998
2.198-5, DE 24.08.2001
Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica
2.164-41, DE 24.08.2001
Alteração da CLT. Trabalho a Tempo Parcial e PAT
2.199-14, DE 24.08.2001
IR. Incentivos Fiscais
2.165-36, DE 23.08.2001
Servidor Público e Militar. Auxílio-Transporte
2.200-2, DE 24.08.2001
Infraestrutura de Chaves Públicas. ICP-Brasil
2.166-67, DE 24.08.2001
Código Florestal. Alteração da Lei nº 4.771/1965
2.206-1, DE 06.09.2001
Programa Nacional de Renda Mínima
2.167-53, DE 23.08.2001
Recebimento de Valores Mobiliários pela União
2.208, DE 17.08.2001
Estudante Menor de 18 Anos. Comprovação
2.168-40, DE 24.08.2001
Cooperativas. Recoop. Sescoop
2.209, DE 29.08.2001
Comercializadora Brasileira de Energia Elétrica – CBEE
2.169-43, DE 24.08.2001
Servidor Público. Vantagem de 28,86%
2.210, DE 29.08.2001
Orçamento. Crédito Extraordinário
2.170-36, DE 23.08.2001
Tesouro Nacional. Administração de Recursos
2.211, DE 29.08.2001
Orçamento 2001 e 2002. Diretrizes
2.172-32, DE 23.08.2001
Usura. Agiotagem
2.213-1, DE 30.08.2001
Programa Bolsa-Renda. Estiagem
2.173-24, DE 23.08.2001
Anuidades Escolares
2.214, DE 31.08.2001
Administração Pública Federal. Recursos
2.174-28, DE 24.08.2001
União. Programa de Desligamento Voluntário – PDV
2.215-10, DE 31.08.2001
Militares das Forças Armadas. Reestruturação da Remuneração
2.177-44, DE 24.08.2001
Planos de Saúde. Alteração da Lei nº 9.656/1998
2.220, DE 04.09.2001
Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano – CNDU
2.178-36, DE 24.08.2001
Programa Nacional de Alimentação Escolar. Dinheiro Direto na Escola
2.224, DE 04.09.2001
Capitais Brasileiros no Exterior
2.179-36, DE 24.08.2001
União e Banco Central. Relações Financeiras
2.225-45, DE 04.09.2001
Servidor Público. Tráfico de Entorpecentes. Alteração das Leis nºs 6.368/1976 e 8.112/1990 Alteração da CLT
2.180-35, DE 24.08.2001
Advocacia-Geral da União. Alteração na Legislação
2.226, DE 04.09.2001
2.181-45, DE 24.08.2001
Operações Financeiras do Tesouro Nacional
2.227, DE 04.09.2001
Plano Real. Correção Monetária. Exceção
2.183-56, DE 24.08.2001
Reforma Agrária. Alteração na Legislação
2.228-1, DE 06.09.2001
2.184-23, DE 24.08.2001
Carreira Policial. Gratificação
Cultura. Política Nacional do Cinema – Ancine. Prodecine. Funcines
2.185-35, DE 24.08.2001
Dívida Pública Mobiliária. Consolidação. Assunção. Refinanciamento
2.229-43, DE 06.09.2001
Policiais Civis da União e DF. Alteração na legislação
Normas do Juris SÍNTESE atingidas pelas Medidas Provisórias em vigor (até 31.06.2014) Nota: Prezado assinante, todas as normas selecionadas, inclusive as medidas provisórias, podem ser consultadas em nosso endereço eletrônico www.sintese.com.
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MP 641
DOU 24.03.2014
ART 1º
NORMA LEGAL Lei nº 10.848/04
ALTERAÇÃO 2º
MP 647
DOU 29.05.2014
ART 4º
NORMA LEGAL Lei nº 9.478/97
ALTERAÇÃO 2º
643
25.04.2014
1º
Lei nº 9.648/98
14
647
29.05.2014
6º
Lei nº 11.097/05
2º
644
02.05.2014
2º
Lei nº 7.713/88
6º
648
04.06.2014
2º
Lei nº 4.117 de 1962
38
644
02.05.2014
3º
Lei nº 9.250/95
4º, 8º e 10
648
04.06.2014
4º
Lei nº 4.117 de 1962
38
644
02.05.2014
4º
Lei nº 11.482/07
1º
649
06.06.2014
1º
Lei nº 12.741 de 2012 5º
646
27.05.2014
1º
Lei nº 9.503/97
115 e 144
2.156-5
27.08.2001
32
DL 1.376/74
1º e 11
DOU 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001
ART 32 32 32 32
NORMA LEGAL DL 2.397/87 Lei nº 8.034/90 Lei nº 9.532/97 DL 1.376/74
ALTERAÇÃO 12 1º 2º 1º
2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.161-35 2.162-72 2.163-41 2.164-41
27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 27.08.2001
2º e 93 3º e 93 10 e 93 19 e 93 34 e 75 64 69 70 72 73 73 e 93 75 82 93 93 93 93 93 93 1º e 6º 6º 1º 7º e 8º
Lei nº 9.718/98 Lei nº 9.701/98 Lei nº 9.779/99 Lei nº 9.715/98 Lei nº 9.532/97 D nº 70.235/72 DL 1.455/76 Lei nº 9.430/96 Lei nº 8.218/91 Lei nº 9.317/96 Lei nº 9.317/96 Lei nº 9.532/97 Lei nº 8.981/95 Lei nº 9.432/97 LC 70/91 LC 85/96 Lei nº 7.714/88 Lei nº 9.004/95 Lei nº 9.493/97 Lei nº 9.491/97 Lei nº 9.094/95 Lei nº 9.605/98 Lei nº 7.998/90
2.164-41
27.08.2001
1º e 2º
CLT
2.164-41 2.164-41 2.164-41 2.164-41 2.164-41 2.164-41 2.165-36 2.165-36 2.166-67
27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 25.08.2001-extra
3º 4º 5º 6º 9º 10 13 13 1º
Lei nº 4.923/65 Lei nº 5.889/73 Lei nº 6.321/76 Lei nº 6.494/77 Lei nº 8.036/90 Lei nº 9.601/98 Lei nº 7.418/85 Lei nº 8.627/93 Lei nº 4.771/65
2.166-67 2.167-53 2.168-40 2.168-40 2.168-40 2.170-36 2.172-32 2.173-24 2.177-44
25.08.2001 24.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 27.08.2001
3º 2º e 3º 13 14 18 8º 7º 1º e 2º 1º e 8º
Lei nº 9.393/96 Lei nº 9.619/98 Lei nº 5.764/71 Lei nº 9.138/95 Lei nº 10.186/01 Lei nº 8.212/91 Lei nº 1.521/51 Lei nº 9.870/99 Lei nº 9.656/98
2.178-36 2.178-36 2.180-35
25.08.2001-extra 25.08.2001-extra 27.08.2001
16 32 1º
Lei nº 9.533/97 Lei nº 8.913/97 Lei nº 8.437/92
3º e 8º 1º 14 e 17 2º e 4º 1º e 64-A 1º, 25 e 64-A 1º, 9º, 10, 16, 18, 19 e 64-A 63 11 e 12 1º e 64-A 9º e 15 1º, 15 e 64-A 29 11 6º e 7º Revogada 5º Revogada 7º 2º, 4º, 5º, 6º e 30 2º 79-A 2º, 2º-A, 2º-B, 3º-A, 7º-A, 8º-A, 8º-B e 8º-C 58-A, 59, 130-A, 143, 476-A, 627-A, 643 e 652 1º 18 2º 1º 19-A, 20, 29-C e 29-D 2º 1º 6º 1º, 3º-A, 4º, 14, 16, 37-A, 44, 44-A, 44-B e 44-C 10 1º e 4º-A 88 2º 7º 60 4º, § 3º 1º e 6º 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 24-A, 24-B, 24-C, 24-D, 25, 26, 27, 28, 29, 29-A, 30, 31, 32, 34, 35, 35-A, 35-B, 35-C, 35-D, 35-E, 35-F, 35-G, 35-H e 35-I 4º Revogada 1º e 4º
MP 2.180-35
DOU 27.08.2001
ART 4º
NORMA LEGAL Lei nº 9.494/97
2.180-35 2.180-35 2.180-35 2.180-35 2.180-35 2.180-35 2.181-45 2.181-45 2.181-45 2.183-56 2.183-56 2.183-56 2.187-13 2.187-13 2.187-13 2.187-13 2.187-13 2.189-49 2.189-49 2.189-49 2.189-49 2.190-34 2.192-70 2.196-3 2.196-3 2.197-43 2.197-43 2.197-43 2.199-14 2.211 2.211 2.214 2.215-10 2.215-10
27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 25.08.2001-extra 25.08.2001 25.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 30.08.2001 30.08.2001 01.09.2001-extra 01.09.2001 01.09.2001
6º 7º 8º 10 14 21 45 46 52 1º 3º 4º 2º 3º e 16 4º e 16 7º 16 10 11 13 14 7º e 8º 23 12 14 3º e 8º 4º e 8º 5º 18 1º 2º 1º 41 41
Lei nº 7.347/85 Lei nº 8.429/92 Lei nº 9.704/98 CPC Lei nº 4.348/64 Lei nº 10.257/01 Lei nº 8.177/91 Lei nº 9.365/96 Lei nº 10.150/00 DL 3.365/41 Lei nº 8.177/91 Lei nº 8.629/93 Lei nº 6.015/73 Lei nº 8.212/91 Lei nº 8.213/91 Lei nº 9.639/98 Lei nº 9.711/98 Lei nº 9.532/97 Lei nº 9.250/95 Lei nº 9.430/96 Lei nº 9.317/96 Lei nº 9.294/96 Lei nº 9.496/97 Lei nº 8.036/90 Lei nº 7.827/89 Lei nº 8.692/93 Lei nº 4.380/64 Lei nº 8.036/90 Lei nº 9.532/97 Lei nº 9.995/00 Lei nº 10.266/01 Lei nº 10.261/01 Lei nº 8.448/92 Lei nº 8.460/92
2.217-3
05.09.2001
1º
Lei nº 10.233/01
2.220 2.224 2.225-45 2.225-45
05.09.2001-extra 05.09.2001 05.09.2001 05.09.2001
15 Lei nº 6.015/73 4º Lei nº 4.131/62 1º Lei nº 6.368/76 2º, 3º e 15 Lei nº 8.112/90
2.225-45 2.225-45 2.226 2.226 2.228-1 2.228-1
05.09.2001 05.09.2001 05.09.2001 05.09.2001 05.09.2001 05.09.2001
4º 5º 1º 3º 51 52 e 53
Lei nº 8.429/92 Lei nº 9.525/97 CLT Lei nº 9.469/97 Lei nº 8.685/93 Lei nº 8.313/91
2.229-43 2.229-43
10.09.2001 10.09.2001
72 74
Lei nº 9.986/00 Lei nº 8.745/93
ALTERAÇÃO 1º-A, 1º-B (CPC e CLT), 1º-C, 1º-D, 1ºE, 1º-F, 2º-A e 2º-B 1º e 2º 17 1º 741 4º 53 18 6º 1º 10, 15-A, 15-B e 27 5º 2º, 2º-A, 5º, 6º, 7º, 11, 12, 17, 18 e 26-A 80 38, 55, 56, 68, 101 e 102 41, 95, 96, 134, 144, 145, 146 e 147 1º, 2º e 5º 7º, 8º, 9º, 12, 13, 14, 15, 16 e 17 6º, II, 34 e 82, II, f 10 e 25 79 9º 2º, 3º e 7º 1º, 3º, 6º, 7º-A e 7º-B 9º 9º-A 23 e 25 9º, 14 e 18 9º, 20, 23, 29-A e 29-B 4º 35 e 70 18, 34, 38 e 51 1º 6º 2º, 20, 25, 26 e 27, 5º, 7º-A, 13, 14, 14-A, 23, 24, 27, 28, 30, 32, 34-A, 38, 44, 51-A e 61-A 74, 77, 78-A, 78-B, 78-C, 78-D, 78-E, 78-F, 78-G, 78-H, 78-I 78-J, 82, 83, 84, 85-A, 85-B, 85-C, 85-D, 86, 88, 89, 100, 102-A, 103-A, 103-B, 103-C, 103-D, 113-A, 114-A, 15, 116-A, 118 e 119 167, I 6º 3º 25, 26, 46, 47, 61, 62-A, 67, 91, 117 e 119 17 2º 896-A 6º 5º 3º, II, a (a partir de 01.01.2007), e 18, § 3º 22 4º
Julho/2014 – Ed. 208
MP 2.156-5 2.156-5 2.156-5 2.157-5
106
Normas Legais Lei nº 13.010, de 26.06.2014
Altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), para estabelecer o direito da criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigos físicos ou de tratamento cruel ou degradante, e altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Mensagem de veto (DOU 27.06.2014)
Lei nº 13.009, de 26.06.2014
Dispõe sobre a criação de cargos de provimento efetivo no Quadro de Pessoal da Secretaria do Tribunal Regional do Trabalho da 16ª Região. (DOU 27.06.2014)
Lei nº 13.008, de 26.06.2014
Dá nova redação ao art. 334 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal e acrescenta-lhe o art. 334-A. (DOU 27.06.2014)
Lei nº 13.007, de 26.06.2014
Autoriza a Fundação Universidade Federal da Grande Dourados - UFGD a alienar, por meio de doação, imóvel à Fundação Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul - UEMS. (DOU 27.06.2014)
Lei nº 13.006, de 26.06.2014
Acrescenta § 8º ao art. 26 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para obrigar a exibição de filmes de produção nacional nas escolas de educação básica. (DOU 27.06.2014)
Lei nº 13.005, de 25.06.2014
Aprova o Plano Nacional de Educação - PNE e dá outras providências. (DOU 26.06.2014 - Edição extra)
Lei nº 13.004, de 24.06.2014
Altera os arts. 1º, 4º e 5º da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, para incluir, entre as finalidades da ação civil pública, a proteção do patrimônio público e social. (DOU 25.06.2014)
Lei nº 13.003, de 24.06.2014
Altera a Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde, com a redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 24 de agosto de 2001, para tornar obrigatória a existência de contratos escritos entre as operadoras e seus prestadores de serviços. (DOU 25.06.2014)
Lei nº 13.002, de 20.06.2014
Obriga a realização do Protocolo de Avaliação do Frênulo da Língua em Bebês. (DOU 23.06.2014 - Edição extra)
Lei nº 13.001, de 20.06.2014
Dispõe sobre a liquidação de créditos concedidos aos assentados da reforma agrária; concede remissão nos casos em que especifica; altera as Leis nºs 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, 11.775, de 17 de setembro de 2008, 12.844, de 19 de julho de 2013, 9.782, de 26 de janeiro de 1999, 12.806, de 7 de maio de 2013, 12.429, de 20 de junho de 2011, 5.868, de 12 de dezembro de 1972, 8.918, de 14 de julho de 1994, 10.696, de 2 de julho de 2003; e dá outras providências. Mensagem de veto (DOU 23.06.2014 - Edição extra)
Lei nº 13.000, de 18.06.2014
Altera as Leis nºs 12.096, de 24 de novembro de 2009, que autoriza a concessão de subvenção econômica sob a modalidade de equalização de taxas de juros pela União, e 12.409, de 25 de maio de 2011, que autoriza o Fundo de Compensação de Variações Salariais - FCVS a assumir direitos e obrigações do Seguro Habitacional do Sistema Financeiro da Habitação - SH/SFH; autoriza a União a conceder empréstimo ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES; autoriza a União a conceder subvenção econômica às unidades produtoras de etanol na região Nordeste; e dá outras providências. Mensagem de veto (DOU 20.06.2014)
Lei nº 12.999, de 18.06.2014
Dispõe sobre a ampliação do valor do Benefício Garantia-Safra para a safra de 2012/2013 e sobre a ampliação do Auxílio Emergencial Financeiro relativo aos desastres ocorridos em 2012; autoriza o pagamento de subvenção econômica aos produtores da safra 2012/2013 de cana-de-açúcar da região Nordeste; altera a Lei nº 10.954, de 29 de setembro de 2004; e dá outras providências. Mensagem de veto (DOU 20.06.2014)
Lei nº 12.998, de 18.06.2014
Dispõe sobre remuneração das Carreiras e dos Planos Especiais de Cargos das Agências Reguladoras, das Carreiras e do Plano Especial de Cargos do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes - DNIT, das Carreiras e do Plano Especial de Cargos do Departamento Nacional de Produção Mineral - DNPM, da Carreira de Perito Federal Agrário, das Carreiras do Hospital das Forças Armadas, da Fundação Nacional do Índio - FUNAI, dos empregados de que trata a Lei nº 8.878, de 11 de maio de 1994; autoriza a prorrogação de contratos por tempo determinado; cria cargos em comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores - DAS; altera as Leis nos 10.871, de 20 de maio de 2004, 10.768, de 19 de novembro de 2003, 11.357, de 19 de outubro de 2006, 10.882, de 9 de junho de 2004, 11.539, de 8 de novembro de 2007, 12.094, de 19 de novembro de 2009, 12.800, de 23 de abril de 2013, 11.171, de 2 de setembro de 2005, 12.702, de 7 de agosto de 2012, 10.550, de 13 de novembro de 2002, 11.046, de 27 de dezembro de 2004, 11.784, de 22 de setembro de 2008, 11.907, de 2 de fevereiro de 2009, 8.112, de 11 de dezembro de 1990, 8.745, de 9 de dezembro de 1993, 11.356, de 19 de outubro de 2006, 12.528, de 18 de novembro de 2011, 9.503, de 23 de setembro de 1997, 11.090, de 7 de janeiro de 2005, e 12.158, de 28 de dezembro de 2009; revoga o DecretoLei nº 2.179, de 4 de dezembro de 1984, e dispositivos da Medida Provisória no 2.174-28, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências. Mensagem de veto (DOU 20.06.2014)
Acrescenta § 4º ao art. 193 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, para considerar perigosas as atividades de trabalhador em motocicleta. (DOU 20.06.2014)
Lei nº 12.996, de 18.06.2014
Altera as Leis nºs 12.715, de 17 de setembro de 2012, que institui o Programa de Incentivo à Inovação Tecnológica e Adensamento da Cadeia Produtiva de Veículos Automotores - INOVAR-AUTO, 12.873, de 24 de outubro de 2013, e 10.233, de 5 de junho de 2001; e dá outras providências. Mensagem de veto (DOU 20.06.2014)
Lei nº 12.995, de 18.06.2014
Prorroga o prazo para a destinação de recursos aos Fundos Fiscais de Investimentos, altera a legislação tributária federal; altera as Leis nºs 8.167, de 16 de janeiro de 1991, 10.865, de 30 de abril de 2004, 12.350, de 20 de dezembro de 2010, 12.546, de 14 de dezembro de 2011, 12.859, de 10 de setembro de 2013, 9.818, de 23 de agosto de 1999, 11.281, de 20 de fevereiro de 2006, 12.649, de 17 de maio de 2012, 12.402, de 2 de maio de 2011, 11.442, de 5 de janeiro de 2007, 9.718, de 27 de novembro de 1998, 12.865, de 9 de outubro de 2013, 12.599, de 23 de março de 2012, 11.941, de 27 de maio de 2009, e 12.249, de 11 de junho de 2010; altera as Medidas Provisórias nos 2.158-35, de 24 de agosto de 2001, e 2.19914, de 24 de agosto de 2001; revoga dispositivos do Decreto-Lei nº 1.437, de 17 de dezembro de 1975, e das Leis nos 11.196, de 21 de novembro de 2005, 4.502, de 30 de novembro de 1964, 11.488, de 15 de junho de 2007, e 10.833, de 29 de dezembro de 2003; e dá outras providências. Mensagem de veto (DOU 20.06.2014)
Lei nº 12.994, de 17.06.2014
Altera a Lei nº 11.350, de 5 de outubro de 2006, para instituir piso salarial profissional nacional e diretrizes para o plano de carreira dos Agentes Comunitários de Saúde e dos Agentes de Combate às Endemias. (DOU 18.06.2014)
Lei nº 12.993, de 17.06.2014
Altera a Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, para conceder porte de arma funcional. (DOU 18.06.2014)
Lei nº 12.992, de 17.06.2014
Cria cargos em comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores - DAS no âmbito do Poder Executivo federal, destinados ao Ministério da Cultura (DOU 18.06.2014)
Lei nº 12.991, de 17.06.2014
Dispõe sobre a criação de cargos de provimento efetivo e em comissão e de funções comissionadas destinados ao Quadro de Pessoal do Superior Tribunal de Justiça e dá outras providências (DOU 18.06.2014)
Lei nº 12.990, de 09.06.2014
Reserva aos negros 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União. (DOU 10.06.2014)
Lei nº 12.989, de 06.06.2014
Reabre o prazo para requerimento da moratória e do parcelamento previstos no Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento das Instituições de Ensino Superior (Proies) e altera as Leis nos 12.688, de 18 de julho de 2012, e 5.537, de 21 de novembro de 1968. (DOU 10.06.2014)
Lei nº 12.988, de 02.06.2014
Inscreve o nome de Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo no Livro dos Heróis da Pátria. (DOU 03.06.2014)
Lei nº 12.987, de 02.06.2014
Dispõe sobre a criação do Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra. (DOU 03.06.2014)
Lei nº 12.986, de 02.06.2014
Transforma o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana em Conselho Nacional dos Direitos Humanos - CNDH; revoga as Leis nºs 4.319, de 16 de março de 1964, e 5.763, de 15 de dezembro de 1971; e dá outras providências. Mensagem de veto (DOU 03.06.2014)
Lei nº 12.985, de 02.06.2014
Denomina “Viaduto Deputado José Fernandes de Lima” o viaduto localizado na BR-101, entroncamento com a rodovia estadual PB-041, na entrada principal da cidade de Mamanguape, Estado da Paraíba. (DOU 03.06.2014)
Lei nº 12.984, de 02.06.2014
Define o crime de discriminação dos portadores do vírus da imunodeficiência humana (HIV) e doentes de aids. (DOU 03.06.2014)
Lei nº 12.983, de 02.06.2014
Altera a Lei nº 12.340, de 1º de dezembro de 2010, para dispor sobre as transferências de recursos da União aos órgãos e entidades dos Estados, Distrito Federal e Municípios para a execução de ações de prevenção em áreas de risco e de resposta e recuperação em áreas atingidas por desastres e sobre o Fundo Nacional para Calamidades Públicas, Proteção e Defesa Civil, e as Leis nºs 10.257, de 10 de julho de 2001, e 12.409, de 25 de maio de 2011, e revoga dispositivos da Lei nº 12.340, de 1º de dezembro de 2010. Mensagem de veto (DOU 03.06.2014)
Julho/2014 – Ed. 208
Lei nº 12.997, de 18.06.2014
108
Medidas Provisórias Medida Provisória nº 649, de 05.06.2014 Altera a Lei nº 12.741, de 8 de dezembro de 2012, que dispõe sobre as medidas de esclarecimento ao consumidor quanto à carga tributária incidente sobre mercadorias e serviços. (DOU 06.06.2014)
Medida Provisória nº 648, de 03.06.2014 Altera a Lei nº 4.117, de 27 de agosto de 1962, e dispõe sobre a flexibilização do horário de transmissão do programa oficial de informações dos Poderes da República, durante a Copa do Mundo FIFA 2014. (DOU 04.06.2014)
Indicadores I – Índices de Atualização dos Débitos Trabalhistas (Vigência: Julho/2014 Junho/2011––Atualização: Atualização:Junho/2014) Maio/2011)
1 – Índice de de Atualização Atualização Monetária Monetáriaaté até31 30de demaio junhodede2011 2014 – Decreto-Lei – Decreto-Lei nºnº 2.322/1987 2.322/1987 combinado combinado com com a Lei a Lei nº 7.738/1989 nº 7.738/1989 (incluindo (incluindo a Lei a Lei nº 8.177/1991 nº 8.177/1991 – TR – – a –partir TR a partir de fev. de fev. 1991) 1991) – TR – TR prefiprefi xada xada de 1º demaio/2011 1º jjunho/2014 a 1º junho/2011 a 1º julho/2014 (Banco (Banco Central) Central) = 0,1570% = 0,10540% 1991
1992
1993
1994
1995
1996
2003
2004
2005
2006
2007
2008
JAN
Mês/Ano
0,014974729
0,002860219
0,000227684
0,008842989
2,313554237
1,757717589
JAN
1,194090588
1,141047459
1,120669009
1,089789539
1,068026021
1,052809648
FEV
0,012456746
0,002279422
0,000179618
0,006252113
2,265940039
1,735972794
FEV
1,188294089
1,139588785
1,118566105
1,087260571
1,065693219
1,051747384
MAR
0,011641819
0,001814682
0,000142103
0,004470265
2,224713866
1,719423344
MAR
1,183423120
1,139067092
1,117491078
1,086472878
1,064925408
1,051491871
ABR
0,010729787
0,001460273
0,000112950
0,003151403
2,174700113
1,705541938
ABR
1,178964277
1,137045425
1,114554228
1,084225279
1,062931349
1,051061987
MAIO
0,009850167
0,001206040
0,000088091
0,002158939
2,101835772
1,694364218
MAIO
1,174052043
1,136052516
1,112326239
1,083299058
1,061581017
1,050059180
JUN
0,009037680
0,001006627
0,000068458
0,001474282
2,035733471
1,684446198
JUN
1,168617970
1,134298889
1,109522475
1,081257644
1,059791030
1,049286905
JUL
0,008261133
0,000831580
0,000052627
2,760351670
1,978624434
1,674235039
JUL
1,163769705
1,132304901
1,106211584
1,079167297
1,058780953
1,048085799
AGO
0,007506709
0,000672310
0,040367592
2,628251742
1,921171791
1,664496072
AGO
1,157444272
1,130098947
1,103370405
1,077280978
1,057227886
1,046083595
SET
0,006705412
0,000545617
0,030274181
2,573407286
1,872405003
1,654116491
SET
1,152789309
1,127837633
1,099559333
1,074663098
1,055680258
1,044439647
OUT
0,005741918
0,000435171
0,022488620
2,512133830
1,836784246
1,643238254
OUT
1,148924327
1,125892091
1,096667421
1,073031018
1,055308790
1,042386146
NOV
0,004794121
0,000347942
0,016471560
2,449545493
1,806898151
1,631136850
NOV
1,145244656
1,124645984
1,094369245
1,071022850
1,054105002
1,039780456
DEZ
0,003673093
0,000282214
0,012097209
2,380024964
1,781271005
1,617956972
DEZ
1,143214308
1,123358615
1,092262271
1,069651557
1,053483447
1,038100809
Mês/Ano
Mês/Ano
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2009
2010
2011
2012
2013
2014
JAN
1,603975121
1,461014973
1,355378682
1,281929678
1,255608241
1,227555459
JAN
1,035874714
1,028582007
1,021546091
1,009354027
1,006438282
1,004519418
FEV
1,592129677
1,444462873
1,348416806
1,279180718
1,253891663
1,224383083
FEV
1,033972205
1,028582007
1,020816207
1,008482698
1,006438282
1,003389601
MAR
1,581665346
1,438047742
1,337319727
1,276209702
1,253430401
1,222951007
MAR
1,033506094
1,028582007
1,020281580
1,008482698
1,006438282
1,002851070
ABR
1,571738279
1,425227817
1,321966409
1,273354840
1,251273206
1,220804832
ABR
1,032022046
1,027768015
1,019046495
1,007406787
1,006438282
1,002584383
MAIO
1,562036471
1,418532345
1,313961754
1,271700358
1,249341723
1,217934162
MAIO
1,031553721
1,027768015
1,018670606
1,007178158
1,006438282
1,002124408
JUN
1,552173958
1,412117097
1,306435380
1,268539159
1,247063339
1,215379434
JUN
1,031090761
1,027244121
1,017073800
1,006707019
1,006438282
1,001519490
JUL
1,542096358
1,405213284
1,302387559
1,265830282
1,245247767
1,213459741
JUL
1,030414809
1,026639430
1,015942041
1,006707019
1,006438282
1,001054000
AGO
1,532015695
1,397522716
1,298578827
1,263875067
1,242215519
1,210245329
AGO
1,029332980
1,025459126
1,014694980
1,006562074
1,006227981
1,000000000
SET
1,522469809
1,392302973
1,294765742
1,261320892
1,237961882
1,207250142
SET
1,029130242
1,024527831
1,012592838
1,006438282
1,006227981
OUT
1,512676740
1,386049119
1,291259971
1,260012999
1,235950990
1,204894573
OUT
1,029130242
1,023809117
1,011578225
1,006438282
1,006148495
NOV
1,502828703
1,373832996
1,288341877
1,258357001
1,232361122
1,201568631
NOV
1,029130242
1,023326107
1,010951435
1,006438282
1,005223689
DEZ
1,480132354
1,365454567
1,285772903
1,256852549
1,229989702
1,198400061
DEZ
1,029130242
1,022982385
1,010299792
1,006438282
1,005015651
Mês/Ano
OBS.: Foram consideradas as divisões por 1.000 ocorridas em março/1986, janeiro/1989, agosto/1993, e por 2.750 ocorridas em julho/1994.
* NOTA DO TRT DA 2ª REGIÃO SOBRE O ÍNDICE DE ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA A atualização de débitos trabalhistas é definida no art. 39 da Lei nº 8.177/1991, que não sofreu alteração com a Lei nº 12.703/2012: tal lei modificou os parâmetros para cálculo dos rendimentos da caderneta de poupança, mas não alterou a TR, índice-base para atualização monetária. A TR tem sido calculada com valor “zero” desde setembro de 2012, o que não é nenhuma discrepância, dados os valores mais baixos da Taxa Selic. Observamos que, nas poupanças “novas” (abertas após a Lei nº 12.703/2012), o rendimento tem sido inferior a 0,5%, o que significaria, matematicamente, TR negativa (por isso a TR fica “zerada” nas tabelas de atualização). Lembramos, ainda, que a TR vem apresentando valor mensal muito baixo há muitos anos: o que, efetivamente, garante a preservação do valor dos débitos trabalhistas é a taxa de juros, que, ultimamente, tem sido superior à Selic – daí a TR “negativa” das poupanças novas. A alteração da TR como índice de atualização oficial das tabelas só poderá ser efetuada se houver mudança da legislação, já que a tabela é unificada nacionalmente. Até o fechamento desta edição, a tabela não foi divulgada pelo Tribunal.
2 – Juros de mora (incidentes a partir da propositura da ação e aplicados sobre o principal corrigido): • Até 28.02.1987 – Juros simples – 0,5% ao mês; • De 01.03.1987 até 31.01.1991 – Juros capitalizados mensalmente – 1% ao mês; • De 01.02.1991 em diante – Juros simples – 1% ao mês.
Fórmula para cálculo da taxa efetiva (T) dos juros capitalizados: T = (1,01)n – 1, onde “n” é igual ao número de dias decorridos desde a data da propositura da ação, contidos no período compreendido entre 01.03.1987 e 31.01.1991, dividido por 30.
Juros Capitalizados Mensalmente Nº Meses 01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15 16
% Efetivo 1,0000 2,0100 3,0301 4,0604 5,1010 6,1520 7,2135 8,2856 9,3685 10,4622 11,5668 12,6825 13,8093 14,9474 16,0968 17,2578
Nº Meses 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32
% Efetivo 18,4304 19,6147 20,8108 22,0190 23,2391 24,4715 25,7163 26,9734 28,2431 29,5256 30,8208 32,1290 33,4503 34,7848 36,1327 37,4940
Nº Meses 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 –
% Efetivo 38,8690 40,257+6 41,6602 43,0768 44,5076 45,9527 47,4122 48,8863 50,3752 51,8789 53,3977 54,9317 56,4810 58,0458 59,6263 –
Julho/2014 – Ed. 208
II – Evolução do Salário-Mínimo desde 1989
111
Vigência
Moeda
Valor
Norma Legal
DOU
Vigência
Moeda
Valor
Norma Legal
DOU
01.10.1989
NCz$
381,73
Decreto nº 98.211/89
02.10.1989
01.09.1990
Cr$
6.056,31
Port. 3.588/90
03.09.1990
01.11.1989
NCz$
557,33
Decreto nº 98.346/89
31.10.1989
01.10.1990
Cr$
6.425,14
Port. 3.628/90
01.10.1990
01.12.1989
NCz$
788,18
Decreto nº 98.456/89
01.12.1989
01.11.1990
Cr$
8.329,55
Port. 3.719/90
01.11.1990
01.01.1990
NCz$
1.283,95
Decreto nº 98.783/89
29.12.1989
01.12.1990
Cr$
8.836,82
Port. 3.787/90
03.12.1990
Cr$
12.325,50
Port. 3.828/90
31.12.1990
01.02.1990
NCz$
2.004,37
Decreto nº 98.900/90
01.02.1990
01.01.1991
01.03.1990
NCz$
3.674,06
Decreto nº 98.985/90
01.03.1990
01.02.1991
Cr$
15.895,46
MP 295/91
01.02.1991
01.04.1990
Cr$
3.674,06
Port. 3.143/90
24.04.1990
01.03.1991
Cr$
17.000,00
Lei nº 8.178/91
04.03.1991
Cr$
42.000,00
Lei nº 8.222/91
06.09.1991
01.05.1990
Cr$
3.674,06
Port. 3.352/90
23.05.1990
01.09.1991
01.06.1990
Cr$
3.857,76
Port. 3.387/90
04.06.1990
01.01.1992
Cr$
96.037,33
Port. 42/92
21.01.1992
01.07.1990
Cr$
4.904,76
Port. 3.501/90
16.07.1990
01.05.1992
Cr$
230.000,00
Lei nº 8.419/92
08.05.1992
01.08.1990
Cr$
5.203,46
Port. 429/90
01.08.1990
01.09.1992
Cr$
522.186,94
Port. 601/92
31.08.1992
Vigência
Moeda
Valor
Norma Legal
DOU
Vigência
Moeda
Valor
Norma Legal
DOU
01.01.1993
Cr$
1.250.700,00
Lei nº 8.542/92
24.12.1992
03.04.2000
R$
151,00
Lei nº 9.971/00
19.05.2000
01.03.1993
Cr$
1.709.400,00
Port. Interm. 4/93
01.03.1993
01.04.2001
R$
180,00
MP 2.142/01 (atual 2.194-6)
30.03.2001
01.05.1993
Cr$
3.303.300,00
Port. Interm. 7/93
04.05.1993
01.04.2002
R$
200,00
Lei nº 10.525/02
28.03.2002
01.07.1993
Cr$
4.639.800,00
Port. Interm. 11/93
01.08.1993
01.04.2003
R$
240,00
Lei nº 10.699/03
10.07.2003
01.08.1993
CR$
5.534,00
Port. Interm. 12/93
03.08.1993
01.05.2004
R$
260,00
Lei nº 10.888/04
25.06.2004
01.09.1993
CR$
9.606,00
Port. Interm. 14/93
02.09.1993
01.05.2005
R$
300,00
Lei nº 11.164/05
19.08.2005
01.10.1993
CR$
12.024,00
Port. Interm. 15/93
04.10.1993
01.04.2006
R$
350,00
MP 288/06
31.03.2006
01.11.1993
CR$
15.021,00
Port. Interm. 17/93
03.11.1993
01.04.2006
R$
350,00
Lei nº 11.321/06
10.07.2006
01.12.1993
CR$
18.760,00
Port. Interm. 19/93
02.12.1993
01.04.2007
R$
380,00
MP 362/07
30.03.2007-extra
01.01.1994
CR$
32.882,00
Port. Interm. 20/93
31.12.1993
01.04.2007
R$
380,00
Lei nº 11.498/07
29.06.2007
01.02.1994
CR$
42.829,00
Port. Interm. 02/94
02.02.1994
01.03.2008
R$
415,00
MP 421/08
29.02.2008-extra
01.03.1994
URV
64,79
Port. Interm. 04/94
03.03.1994
01.02.2009
R$
465,00
MP 456/09
30.01.2009-extra
01.07.1994
R$
64,79
Lei nº 9.069/95
30.06.1994/30.06.1995
01.01.2010
R$
510,00
MP 474/09
24.12.2009
01.09.1994
R$
70,00
Lei nº 9.063/95
01.09.1994/20.06.1995
01.01.2011
R$
540,00
MP 516/10
31.12.2010
01.05.1995
R$
100,00
Lei nº 9.032/95
29.04.1995
01.03.2011
R$
545,00
Lei nº 12.382/11
28.02.2011
01.05.1996
R$
112,00
Lei nº 9.971/00
19.05.2000
01.01.2012
RS
622,00
Decreto nº 7.655/11
26.12.2011
01.05.1997
R$
120,00
Lei nº 9.971/00
19.05.2000
01.01.2013
R$
678.00
Decreto nº 7.872/11
26.12.2012
01.05.1998
R$
130,00
Lei nº 9.971/00
19.05.2000
01.01.2014
R$
724,00
Decreto nº 8.166/2013
24.12.2013
01.05.1999
R$
136,00
Lei nº 9.971/00
19.05.2000
1 – Salário-de-benefício mínimo: R$ 678,00 (seiscentos e setenta e oito reais) 2 – Salário-de-benefício máximo: R$ 3.916,20 (três mil, novecentos e dezesseis reais e vinte centavos) 3 – Renda mensal vitalícia: R$ 678,00 (seiscentos e setenta e oito reais) 4 – Auxílio-funeral*
– R$ 31,22 (trinta e um reais e vinte e dois centavos) para o segurado com remuneração mensal não superior R$ 608,80 (seiscentos e oito reais e oitenta e centavos); – R$ 22,00 (vinte e dois reais) para o segurado com remuneração mensal superior a R$ 608,80 (seiscentos e oito reais e oitenta e centavos) e igual ou inferior a R$ 915,05 (nocentos e quinze reais e cinco centavos).
5 – Auxílio-natalidade*
7 – Benefícios a idosos e portadores de deficiência: Valor de um salário-mínimo (Decreto nº 1.744/1995).
6 – Salário-família:
* Benefícios extintos a partir de jan. 1996 (Lei nº 8.742/1993, art. 40).
Julho/2014 – Ed. 208
III – Previdência Social – Valores de Benefícios (Junho/2014)
112
8 – Tabela de contribuição (empregado, empregado doméstico e trabalhador avulso) para pagamento de remuneração Salário-de-contribuição (R$)
Alíquota para fins de recolhimento ao INSS (%)
Até R$ 1.317.07
8,00*
De R$ 1.317,08 até 2.195,12
9,00*
De R$ 2.195,13 até 4.390,24
11,00*
9 – Escala de salários-base para os segurados contribuinte individual e facultativo Nota: Escala extinta, conforme o art. 9º da Lei nº 10.666, de 08.05.2003, DOU 09.05.2003, e o art. 39 da Instrução Normativa DC/INSS nº 89, de 11.06.2003, DOU 13.06.2003.
* Alíquota reduzida para salários e remunerações até três salários-mínimos, em razão do disposto no inciso II do art. 17 da Lei nº 9.311, de 24.10.1996, que instituiu a Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e de Direitos de Natureza Financeira – CPMF.
IV – Imposto de Renda na Fonte TABELA PROGRESSIVA MENSAL
Julho/2014 – Ed. 208
Base de cálculo em R$
Alíquota %
Parcela a deduzir do imposto em R$
Até 1.787,77
-
-
De 1.787,78 até 2.679,29
7,5
134,08
De 2.679,30 até 3.572,43
15,0
335,03
De 3.572,44 até 4.463,81
22,5
602,96
Acima de 4.463,81
27,5
826,15
TABELA PROGRESSIVA ANUAL O imposto de renda anual devido, incidente sobre os rendimentos de pessoas físicas, será calculado de acordo com a tabela progressiva anual correspondente à soma das tabelas progressivas mensais vigentes nos meses de cada ano-calendário.
V – Depósitos Recursais na Justiça do Trabalho Novos valores para Depósitos Recursais na Justiça do Trabalho (Ato nº 506/2013 do TST, DJe de 17.07.2013, vigência a partir de 01.08.2013) Recurso Ordinário
R$ 7.058,11
Recurso de Revista, Embargos, Recurso Extraordinário e Recurso em Ação Rescisória
R$ 14.116,21
Ação Rescisória – Depósito prévio de 20% do valor da causa, salvo prova de miserabilidade, nos termos do art. 836 da CLT, alterado pela Lei nº 11.495/2007, cujos efeitos começam a fluir a partir do dia 24.09.2007.
113
VI – Indexadores Indexador
Janeiro
Fevereiro
Março
Abril
Maio
INPC IGPM UFIR SELIC
0,63 0,85
0,64 0,38
0,82 1,67
0,78 0,82
0,60 (-)0,13
Extinta, a partir de outubro de 2000, pela MP 1.973-67, atual Lei nº 10.522, de 19.07.2002, DOU 22.07.2002, art. 29, § 3º.
0,48
0,79
0,77
0,72
Valor de Referência Base Maio/1992 – Cruzeiros 79.297,75 Emissão anterior a Jan./1989 79.297,75
TDA
0,87 Valores nominais reajustados – Reais 91,87 Emissão anterior a Jan./1989 157,23
(*) Referente ao primeiro dia de cada mês.
VII – Índices de Atualização dos Débitos Judiciais Tabela editada em face da Jurisprudência ora predominante.
Mês/Ano
1990
1991
1992
1993
1994
1995
Mês/Ano
1997
1998
1999
2000
2001
2002
JAN FEV MAR ABR MAIO JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ
1.942,73 2.329,52 2.838,99 3.173,71 3.332,71 3.555,33 3.940,38 4.418,74 5.108,95 5.906,96 7.152,15 9.046,04
11.230,66 14.141,65 17.603,52 21.409,40 25.871,12 32.209,55 38.925,24 47.519,93 58.154,89 72.100,44 90.897,02 111.703,35
140.277,06 180.634,78 225.414,14 287.583,35 369.170,75 468.034,68 610.176,81 799,392641 1.065,91 1.445,69 1.938,96 2.636,99
3.631,93 5.132,64 7.214,96 10.323,16 14.747,66 21.049,34 11,346741 12,036622 12,693821 12,885497 13,125167 13,554359
13,851199 14,082514 14,22193 14,422459 14,69937 15,077143 15,351547 15,729195 15,889632 16,07554 16,300597 16,546736
16,819757 17,065325 17,186488 17,236328 17,396625 17,619301 17,853637 18,06788 18,158219 18,16185 18,230865 18,292849
JAN FEV MAR ABR MAIO JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ
18,353215 18,501876 18,585134 18,711512 18,823781 18,844487 18,910442 18,94448 18,938796 18,957734 19,012711 19,04123
19,149765 19,312538 19,416825 19,511967 19,59977 19,740888 19,770499 19,715141 19,618536 19,557718 19,579231 19,543988
19,626072 19,753641 20,008462 20,26457 20,359813 20,369992 20,38425 20,535093 20,648036 20,728563 20,927557 21,124276
21,280595 21,410406 21,421111 21,448958 21,468262 21,457527 21,521899 21,821053 22,085087 22,180052 22,21554 22,279965
22,402504 22,575003 22,68562 22,79451 22,985983 23,117003 23,255705 23,513843 23,699602 23,80388 24,027636 24,337592
24,51769 24,780029 24,856847 25,010959 25,181033 25,203695 25,357437 25,649047 25,869628 26,084345 26,493869 27,392011
114
Mês/Ano
2003
2004
2005
2006
2007
2008
Mês/Ano
2009
2010
2011
2012
2013
2014
JAN FEV MAR ABR MAIO JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ
28,131595 28,826445 29,247311 29,647999 30,057141 30,354706 30,336493 30,348627 30,403254 30,65256 30,772104 30,88596
31,052744 31,310481 31,432591 31,611756 31,741364 31,868329 32,02767 32,261471 32,422778 32,477896 32,533108 32,676253
32,957268 33,145124 33,290962 33,533986 33,839145 34,076019 34,038535 34,048746 34,048746 34,099819 34,297597 34,482804
34,620735 34,752293 34,832223 34,92627 34,968181 35,013639 34,989129 35,027617 35,020611 35,076643 35,227472 35,375427
35,594754 35,769168 35,919398 36,077443 36,171244 36,265289 36,377711 36,494119 36,709434 36,801207 36,91161 37,070329
37,429911 37,688177 37,86908 38,062212 38,30581 38,673545 39,025474 39,251821 39,334249 39,39325 39,590216 39,740658
JAN FEV MAR ABR MAIO JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ
39,855905 40,110982 40,235326 40,315796 40,537532 40,780757 40,952036 41,046225 41,079061 41,144787 41,243534 41,396135
41,495485 41,860645 42,153669 42,45296 42,762866 42,946746 42,899504 42,869474 42,839465 43,070798 43,467049 43,914759
44,178247 44,593522 44,834327 45,130233 45,45517 45,714264 45,814835 45,814835 46,007257 46,214289 46,362174 46,626438
46,864232 47,103239 47,286941 47,372057 47,675238 47,937451 48,062088 48,268754 48,485963 48,791424 49,137843 49,403187
49,76877 50,226642 50,48782 50,790746 51,090411 51,269227 51,41278 51,345943 51,428096 51,566951 51,881509 52,161669
52,537233 52,868217 53,206573 53,642866 54,061280 54,385647 54,527049
Observação I – Dividir o valor a atualizar (observar o padrão monetário vigente à época) pelo fator do mês do termo inicial e multiplicar pelo fator do mês do termo final, obtendo-se o resultado na moeda vigente na data do termo final, não sendo necessário efetuar qualquer conversão. Esclarecendo que, nesta tabela, não estão incluídos os juros moratórios, apenas a correção monetária.
Padrões monetários a considerar: Cr$ (cruzeiro): de out./1964 a jan./1967
NCz$ (cruzado novo): de jan./1989 a fev./1990
NCr$ (cruzeiro novo): de fev./1967 a maio/1970
Cr$ (cruzeiro): de mar./1990 a jul./1993
Cr$ (cruzeiro): de jun./1970 a fev./1986
CR$ (cruzeiro real): de ago./1993 a jun./1994
Cz$ (cruzado): de mar./1986 a dez./1988
R$ (real): de jul./1994 em diante
Exemplo: Atualização até junho de 2014 do valor de Cz$ 1.000,00, fixado em janeiro 1988. Cz$ 1.000,00 : 596,94 (jan./1988) x 54,527049 (julho/2014) = R$ R$ 91,34
Julho/2014 – Ed. 208
Observação II – Os fatores de atualização monetária foram compostos pela aplicação dos seguintes índices:
115
Out./1964 a fev./1986: ORTN Mar./1986 e mar./1987 a jan./1989: OTN Abr./1986 a fev./1987: OTN pro rata Fev./1989: 42,72% (conforme STJ, índice de jan./1989
Abr./1989 a mar./1991: IPC do IBGE (de mar./1989 a fev./1991) Abr./1991 a jul./1994: INPC do IBGE (de mar./1991 a jun./1994) Ago./1994 a jul./1995: IPC-r do IBGE (de jul./1994 a jun./1995) Mar./1989: 10,14% (conforme STJ, índice de fev./1989)
Ago./1995 em diante: INPC do IBGE (de jul./1995 em diante), sendo que, com relação à aplicação da deflação, a matéria ficará sub judice) Observação III – Aplicação do índice de 10,14%, relativo ao mês de fevereiro de 1989, ao invés de 23,60%, em cumprimento ao decidido no Processo nº G-36.676/2002. Fonte: DJe, TJSP, Administrativo, 11/7/2014, p. 1 * Aplicável aos cálculos judiciais, exceto para aqueles com normas específicas estabelecidas por lei ou com decisão transitada em julgado, que estabelece critérios e índices diferentes.
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