Edição Junho 2013

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Inadmissibilidade de Presunções na Cobrança de Diferença de Alíquota de ICMS nas Operações Mercantis Interestaduais Paulo Henrique dos Santos Lucon – p. 1 O Conceito de Sentença e o Projeto do Novo CPC – José Henrique Mouta Araújo – p. 24 De “Pessoa da Família” a “Diarista”. Domésticas: a Luta Continua! – Jorge Luiz Souto Maior – p. 30 A Importância dos Instrumentos de Política Urbana para o Descomissionamento de Atividades Mineradoras – Marcus Vinícius Coutinho Gomes – p. 40 A Eficácia na Teoria Pura do Direito e o Meio Ambiente Prisional Brasileiro – Rafael Carrard – p. 53 Sistema de Registro de Preços e “Carona”: Passado, Presente e Futuro – À Luz de Decisões Antigas e Recentes do TCU – Jair Santana – p. 64 Superior Tribunal de Justiça – p. 68

Pesquisa Temática – Defesa do Consumidor – p. 71 Jurisprudência Comentada – A Participação em Movimento de Greve e a Causa Justa Ensejadora da Resilição Contratual – Guilherme Alves de Mello Franco – p. 76 Medidas Provisórias – p. 79 Normas Legais – p. 83 Indicadores – p. 85

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Doutrina

Inadmissibilidade de Presunções na Cobrança de Diferença de Alíquota de ICMS nas Operações Mercantis Interestaduais

pelo contribuinte. Inaplicabilidade da regra presuntiva no caso. Ônus da prova do fato gerador ou de suposta simulação recai sobre o Fisco. Ausência de postos fiscais de fronteira torna a prova diabólica. Inadmissibilidade de presunções absolutas ou ficções. Ilegalidade do auto de infração. PALAVRAS-CHAVE: Processo administrativo tributário; Tribunal de impostos e taxas; ICMS; cláusula “FOB”; presunção; responsabilidade objetiva; princípio da não cumulatividade do ICMS; ônus da prova; presunção absoluta; ilegalidade; auto de infração.

1 DELIMITAÇÃO DO PROBLEMA PAULO HENRIQUE DOS SANTOS LUCON

Professor Doutor do Departamento de Direito Processual da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Advogado, Diretor do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP, Membro do Instituto Ibero-americano de Direito Processual e da Associação Internacional de Direito Processual. Especializou-se em Direito Processual na Faculdade de Direito da Universidade Estatal de Milão.

EMENTA: Processo administrativo tributário. Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo. ICMS sobre operações mercantis realizadas com cláusula “FOB”. Destinatário situado em outro Estado. Recolhimento com base na alíquota interestadual. Auto de infração fundado em presunção de que as operações realizadas foram internas (art. 36, § 4º, RICMS/2000 do Estado de São Paulo). Ilegalidade da imposição de responsabilidade à empresa vendedora pelo desvio das mercadorias supostamente efetuado por terceiros. Ilegitimidade da responsabilização objetiva da vendedora por infrações cometidas por terceiros. Ofensa ao princípio da não cumulatividade do ICMS. Responsabilidade solidária do comprador e do transportador. Contraprova idônea apresentada

Importante discussão repetidamente ocorre perante o Tribunal de Impostos e Taxas (doravante TIT) envolvendo a cobrança de ICMS supostamente devido ao Estado de São Paulo. Em linhas gerais, gira ela em torno de autos de infração e imposição de multa (AIIM) que têm por objeto operações mercantis realizadas por pessoa jurídica sediada no Estado de São Paulo, que vende mercadorias a empresas destinatárias situadas em outros Estados, recolhendo, portanto, ICMS com base na alíquota interestadual prevista para a hipótese. As vendas são efetuadas por meio de contratos com cláusulas FOB (free on board), ou seja, com a determinação de que as mercadorias sejam retiradas pela destinatária ou por transportador por ela contratado no estabelecimento da pessoa jurídica sediada no Estado de São Paulo. A responsabilidade pelo transporte é da compradora, que assume os riscos inerentes à operação a partir de então. Usualmente o aludido AIIM (auto de infração e imposição de multa) aduz, em síntese, que, não obstante ser a destinatária contribuinte sediada em outro Estado, a operação mercantil deve ser consi-


Disso resulta obrigação tributária consubstanciada pela ausência de pagamento integral de ICMS por parte da pessoa jurídica sediada no Estado de São Paulo, tanto na condição de contribuinte (saldo decorrente da diferença de alíquotas próprias) quanto na posição de responsável (substituição tributária “para frente”), acrescida de multa e juros. Impugnados tais tipos de lançamento e apresentadas provas contrárias à presunção fiscal pela pessoa jurídica sediada no Estado de São Paulo, o que tem ocorrido, no entanto, é a manutenção do auto de infração pelo TIT. Diante dos casos estudados, surgem as seguintes indagações: i) pode imputar-se responsabilidade à pessoa jurídica sediada no Estado de São Paulo pela diferença de alíquotas decorrente de suposto desvio das mercadorias vendidas com cláusula FOB a empresa destinatária situada em outro Estado? ii) em caso de resposta negativa à pergunta anterior, a quem deve ser imputada a responsabilidade pela diferença de alíquotas decorrente de suposto desvio das mercadorias vendidas com cláusula FOB a empresa destinatária situada em outro Estado?

iii) à luz dos elementos de prova usualmente constantes nos autos, é possível julgamento fundado na aplicação da presunção prevista no art. 36, § 4º, do RICMS?

2 ESCLARECIMENTOS INICIAIS A indagação central consiste em saber se a pessoa jurídica sediada no Estado de São Paulo, vendedora das mercadorias, contratando sob cláusula FOB com empresa regularmente inscrita em outro Estado, emitindo as respectivas notas fiscais e realizando de boa-fé operação interestadual, pode ser responsabilizada, a qualquer título, pela diferença de alíquota devida em razão de eventual “desvio” dos bens, que são assim “internados”. O Superior Tribunal de Justiça não é firme quanto à matéria. Há decisões divergentes entre as Turmas e nenhum julgamento tomado por Seção ou Corte Especial de modo a pacificar o entendimento. De um lado, já foi decidido não se poder responsabilizar o “vendedor que realizou a transação de boa-fé, emitindo nota fiscal de produtor para fazer acompanhar a mercadoria”1. Em outras oportunidades, foi novamente afastada a responsabilidade do contribuinte que agiu de boa-fé por irregularidades praticadas pela outra parte do negócio tributado2. De outro lado, 1 STJ, REsp 90153/SP, 1ª T., Rel. Min. José Delgado, J. em 26.11.1996, DJ 16.12.1996, p. 50759. 2 “TRIBUTÁRIO – ICMS – CRÉDITOS RESULTANTES DE NOTA FISCAL – INIDONEIDADE DA EMPRESA EMITENTE – ENTRADA FÍSICA DA MERCADORIA – NECESSIDADE – VENDEDOR DE BOA-FÉ – INEXISTÊNCIA DE DOLO OU CULPA – PRECEDENTES – O vendedor ou comerciante que realizou a operação de boa-fé, acreditando na aparência da nota fiscal, e demonstrou a veracidade das transações (compra e venda), não pode ser responsabilizado por irregularidade constatada posteriormente, referente à empresa já que desconhecia a inidoneidade da mesma. Recurso conhecido e provido.” (STJ, REsp 112313/SP, 2ª T., Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, J. em 16.11.1999, DJ 17.12.1999, p. 343)

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derada interna (isto é, como se realizada no interior do próprio Estado de São Paulo) e, portanto, sem o regime diferenciado de alíquota previsto para as operações interestaduais (nos termos do art. 155, § 2º, IV, da CF e respectiva legislação). O motivo seria a falta de comprovação da saída física da mercadoria do território estadual. Para tanto, o agente fiscal considera a empresa destinatária inidônea e fundamenta a autuação no art. 36, § 4º, do RICMS 2000 (que repete a redação do art. 23, § 3º, da Lei nº 6.374/1989), que prescreve: “Presume-se interna a operação caso o contribuinte não comprove a saída da mercadoria do território paulista com destino a outro Estado ou a sua efetiva exportação”.

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contudo, há também julgado em sentido contrário, tomado, por maioria, em sede de recurso especial interposto pela Fazenda no qual se alegava violação aos arts. 123 e 136 do CTN3. Segundo o último precedente citado, a vendedora seria responsável solidariamente pela diferença da alíquota devida em razão de não se ter comprovado a entrada efetiva da mercadoria em outro Estado pelos seguintes motivos: i) nos termos do art. 123 do CTN, a cláusula FOB não é oponível ao Fisco, não se prestando a afastar a sujeição passiva tributária da vendedora; ii) o que define a natureza interestadual da operação não é a nota fiscal, mas a transferência física da mercadoria de um Estado para outro; iii) há interesse comum na situação que constitui o fato gerador, a impor responsabilidade solidária entre vendedor e comprador, nos termos do art. 124, I, do CTN. Implicitamente, foi também reconhecido que (iv) pode haver responsabilidade por infrações de terceiros (art. 136 do CTN) independentemente de culpa ou de omissão no cumprimento de dever de vigilância/ diligência.

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Tais fundamentos, adotados como razão de decidir, não podem ser aceitos. O presente estudo visa justamente a demonstrar que o vendedor, em tais casos, não pode ser responsabilizado pela infração (i.e., pelo desvio das mercadorias) cometida pelo adquirente da mercadoria ou pelo transportador por este

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3 “TRIBUTÁRIO – ICMS – OPERAÇÃO INTERESTADUAL – DESCARACTERIZAÇÃO – CLÁUSULA FOB – A cláusula FOB opera entre as partes, exonerando o vendedor da responsabilidade pela entrega da mercadoria ao destinatário, nada valendo perante o Fisco (CTN, art. 123), que só homologa o pagamento do ICMS pela alíquota interestadual se a mercadoria for entregue no estabelecimento do destinatário em outra unidade da operação; não é a nota fiscal que define uma operação como interestadual, mas a transferência física da mercadoria de um Estado para outro. Recurso especial conhecido e provido.” (STJ, REsp 37033/SP, 2ª T., Rel. Min. Peçanha Martins, Rel. p/o Ac. Min. Ari Pargendler, J. em 06.08.1998, DJ 31.08.1998, p. 53)

contratado e pela diferença de imposto que possa daí resultar. Deve ser assim porquanto: i) embora a cláusula FOB não seja uma convenção particular relativa à responsabilidade pelo pagamento de tributos (como de fato não poderia ser), ela é uma indicação precisa do momento em que se deve considerar ocorrido o fato gerador da operação interestadual, o que, por consequência lógica, exime a vendedora de qualquer responsabilidade por fatos ulteriores e excepcionais, estranhos ao seu agir, tal como o desvio das mercadorias; ii) não se pode responsabilizar alguém por infrações cometidas por terceiros sem que se comprove a sua culpa (art. 136 do CTN). A responsabilidade pelo “desvio” das mercadorias, por isso, é da empresa compradora, juntamente com o transportador por ela escolhido; iii) diante do caráter não cumulativo do tributo em questão – um imposto sobre operação relativa à circulação de mercadorias –, ofende o regime jurídico-constitucional do ICMS atribuir ao vendedor o ônus econômico relativo à obrigação tributária a que não deu causa sem que aquele tenha oportunidade de repassá-lo ao adquirente; iv) também em razão do caráter não cumulativo do ICMS, que não apenas permite, mas impõe a repercussão econômica do imposto sobre o adquirente, não há qualquer interesse da vendedora em lançar mão da alíquota reduzida, o que afasta o fundamento legal para a sua responsabilização solidária; v) o Fisco paulista, ao lançar mão indistintamente da presunção do art. 36, § 4º, do RICMS/2000, transfere ao contribuinte uma prova impossível (probatio diabolica), até porque não mantém postos fiscais de fronteira que permitam a verificação da saída das mercadorias, ofendendo, a um só tempo, os princípios da legalidade e tipicidade, a repartição de competências e o devido processo legal; vi) a prevalecerem os lançamentos questionados e a insegurança jurídica deles decorrente, estará contrariada a própria razão de ser da sistemática de alíquotas interestaduais, desestimulando a realização de operações com regiões menos desenvolvidas.


O fato gerador do ICMS, enquanto imposto sobre a circulação de mercadorias, é um negócio jurídico oneroso translativo da propriedade, realizado por produtor, industrial ou comerciante4. Seu aspecto temporal – ou seja, o momento tomado pela legislação para definir a ocorrência do fato gerador e o nascimento da respectiva obrigação tributária – é a saída da mercadoria do estabelecimento do alienante (art. 12, I, da LC 87/1996)5. A cláusula FOB (free on board) – por meio da qual fica ajustado entre as partes contraentes a transferência da propriedade sobre a coisa no momento em que a compradora retira, com suas próprias forças ou por meio de terceiros por ela indicados (i.e, empresas transportadoras), o bem do estabelecimento da vendedora – confirma, em tais casos, o aspecto temporal do ICMS (i.e, a saída física), que coincide com a tradição da coisa objeto de contratação. Assim, com a saída da mercadoria do estabelecimento da vendedora, o fato gerador do imposto está perfeito e acabado, tendo-se realizado, em sua inteireza, a operação de circulação tributada. Na venda com cláusula FOB (free on board) – ao contrário da cláusula CIF (cost, insurance, freight) –, é certo que há mudança da titularidade e, pois, circulação da mercadoria no momento em que ela é retirada do estabele4 MELLO, José Eduardo Soares de. ICMS – Teoria e prática. 9. ed. São Paulo: Dialética, 2006, cap. I, n. 1.4, p. 20-23; BECHO, Renato Lopes. Sujeição passiva e responsabilidade tributária. São Paulo: Dialética, 2000, n. 5.2.3, p. 98. 5 MELLO, José Eduardo Soares de. Op. cit.

cimento da vendedora pela compradora ou por transportador por esta contratado. A saída da mercadoria representa, assim, o fato gerador da operação interestadual. Isso significa que, nas operações com cláusula FOB, a vendedora, após a saída dos bens de seu estabelecimento, não tem qualquer ingerência ou controle sobre o destino que venha a ser dado ulteriormente às mercadorias6. A partir do momento em que o fato gerador se reputa perfeito e acabado, com a transferência da propriedade e, mais do que isso, da própria posse sobre os bens, a vendedora não tem mais qualquer relação, direta ou indireta, com a operação e com o destino que venha a ser dado às mercadorias. Por isso, no momento em que os bens são por ela disponibilizados e retirados pela compradora situada em outro Estado (ou por seu transportador), a vendedora recolhe o ICMS devido – de acordo com a alíquota interestadual prevista –, repassando esse ônus econômico no preço da venda (princípio da não cumulatividade) e emitindo as notas fiscais à luz da documentação apresentada pela outra parte. Cabe-lhe apenas verificar a idoneidade de tais informações, nos termos do RICMS/2000, que impõe ao contribuinte o dever de exigir do destinatário que comprove sua regularidade perante o Fisco; mais precisamente, perante a repartição fiscal competente (arts. 31 e 59, § 1º, “4”). A partir daí, cessa toda e 6 Mais do que isso, reconhece a doutrina estender-se o alcance da cláusula FOB ao direito tributário, por força do art. 110 do CTN, de modo que, “uma vez retiradas as mercadorias, no estabelecimento da consulente, [...] a ela não cabe – nem pode caber – nenhuma responsabilidade de comprovar [...] o destino porventura dado, pelos adquirentes, a tais bens”; “praticando operações FOB, a responsabilidade tributária da consulente cessou com a entrega das mercadorias, pelo que não pode ser validamente chamada a responder por atos subsequentes, da exclusiva responsabilidade de seus clientes” (CARRAZZA, Roque. ICMS – Substituição tributária “para frente” em operações interestaduais – Peculiar situação do Estado de Goiás. Revista Dialética de Direito Tributário, vol. 101, n. 7, p. 112, 2004).

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3 AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DA VENDEDORA POR FATOS JURÍDICOS ULTERIORES AUTÔNOMOS E EXCEPCIONAIS EM RELAÇÃO AO FATO GERADOR DA OPERAÇÃO INTERESTADUAL

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qualquer participação sua na relação, e eventuais obrigações tributárias referentes à diferença de alíquotas pressupõem, como conditio sine qua non, a ocorrência de fatos jurídicos autônomos, supervenientes e excepcionais praticados por terceiros, ou, em outras palavras, novas operações ou fatos geradores, estranhos à vendedora originária.

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É importante repetir e fixar o ponto, dada a sua relevância: realizada a venda com cláusula FOB, a retirada das mercadorias do estabelecimento da vendedora marca a ocorrência definitiva do fato gerador do ICMS por ela devido; a partir de então, eventuais obrigações tributárias referentes à diferença de alíquotas em razão da alteração do destino dos bens não dizem respeito àquele fato gerador, mas a fatos jurídicos autônomos e supervenientes que só podem ser atribuídos ao comprador e/ou seu transportador. Todavia, diante desses, a vendedora não guarda então qualquer relação direta ou indireta, não se podendo considerá-la, assim, contribuinte ou mesmo substituta tributária7.

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Não se trata de sustentar que a cláusula FOB opera como uma convenção particular cujo efeito é transferir a responsabilidade por tributos (algo que ela não pode ser e efetivamente não é). O art. 123 do CTN, por isso, é absolutamente irrelevante para o exame da questão. Trata-se, isso sim, de reconhecer algo inevitável8: com a entrega da mercadoria ao transportador, realiza-se o fato gerador de uma operação interestadual. Por isso, eventual diferença de alíquotas que venha a ser exigida ulteriormente por 7 Até porque, para que se possa falar em substituição tributária, é necessário assegurar ao substituto a possibilidade de reaver imediatamente aquilo que pagou, repassando o custo, não podendo suportar o ônus econômico da tributação (COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, n. 12.15, p. 598). 8 Inclusive por ser vedado ao legislador tributário “alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado” (art. 110 do CTN).

considerar-se “interna” a operação somente pode relacionar-se com uma nova operação, superveniente, distinta e autônoma em relação àquela de que participou a vendedora originária. Na eventualidade de ser devida qualquer diferença a este título, a nova relação jurídica forma-se entre o Fisco, de um lado, e o comprador e seu transportador, de outro. Isso tudo significa que a vendedora paulista é contribuinte de ICMS em relação a um fato gerador que se conclui no momento em que as mercadorias deixam o seu estabelecimento. Eventual pretensão fiscal à diferença de alíquotas, em razão de suposta “internação” de mercadorias originalmente destinadas a outro Estado, dependeria, por isso, de uma infração que possa ser imputada à vendedora. Portanto, estando a mercadoria vendida em plena posse direta ou indireta e propriedade da empresa compradora, existente de fato e juridicamente no mercado, qualquer alteração que resolver dar ao seu destino será de sua total e plena responsabilidade jurídica, nada podendo transbordar para a empresa vendedora, por sua total escusabilidade com relação aos fatos praticados pelo adquirente.9

Sem a prova de conluio ou fraude por parte da vendedora – ou, quando ausente o dolo, de sua atuação negligente (em desatenção ao dever de exigir do destinatário que comprove sua regularidade perante a repartição fiscal competente – arts. 31 e 59, § 1º, “4”, do RICMS/2000) –, semelhante imputação inexiste e repugna aos princípios mais elementares da responsabilidade tributária, como será visto adiante. 9 SEIXAS FILHO, Aurélio Pitanga. ICMS – Responsabilidade fiscal e criminal. Revista Tributária e de Finanças Públicas, a. 11, v. 53, p. 81, nov./dez. 2003.


4 IMPOSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZARSE OBJETIVAMENTE A VENDEDORA POR INFRAÇÕES PRATICADAS POR TERCEIROS

que decorre a inviabilidade de imputação de responsabilidade objetiva, solidária ou por fato de outrem)11 e individualização das sanções aplicadas.

Como se viu, a pretensão fiscal de imputar à pessoa jurídica sediada no Estado de São Paulo a obrigação fiscal – surgida em razão de suposto desvio no destino das mercadorias que só pode ser levado a cabo pela compradora e/ou pelo transportador – tem como pressuposto a sua responsabilidade objetiva pelas infrações cometidas por terceiros.

No caso, não se pode sancionar sem culpa. Embora alguns autores vislumbrem no art. 136 do CTN uma espécie de responsabilidade objetiva, esta é uma leitura evidentemente equivocada do dispositivo, que nele vê o que não foi de modo algum dito. O enunciado em questão é o seguinte: “Salvo disposição de lei em contrário, a responsabilidade por infrações da legislação tributária independe da intenção do agente ou do responsável”.

Semelhante entendimento, todavia, contraria os mais elementares princípios jurídicos10. A responsabilidade por infrações representa, é quase desnecessário dizer, a aplicação de uma sanção. Trata-se de um capítulo do direito administrativo sancionador, recebendo deste o regime jurídico básico. Devem ser observados, assim, as seguintes normas estruturantes na aplicação das sanções de natureza administrativa: tipicidade da conduta punível, presunção de inocência ou regra in dubio pro reo (art. 112 do CTN), culpabilidade e pessoalidade da sanção (do

Como se percebe, o art. 136 do CTN não consagra, na seara do direito tributário sancionador, uma responsabilidade objetiva, em que se prescinde totalmente do elemento subjetivo do agente. O dispositivo limita-se a desprezar a intenção do agente para que se lhe aplique uma penalidade. Intenção, como é mesmo elementar, corresponde ao dolo, nada tendo a ver com a culpa, que, por definição, não se refere à vontade consciente do agente, mas sim à inobservância de um dever de diligência12.

11 Cf. OSÓRIO, Fábio Medina. Direito administrativo sancionador. 3. ed. São Paulo: RT, 2009, n. 5.3, p. 371-372. 12 Por todos, AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, cap. XV, n. 5, p. 444-446. 13 Ver, pelo seu caráter didático, o seguinte precedente do Superior Tribunal de Justiça, da lavra do Ministro Luiz Fux: “Outrossim, a responsabilidade objetiva e gravosa, preconizada pelo recorrente, não encontra respaldo na justa aplicação do direito tributário, nem na doutrina sobre o tema, que leciona: ‘Culpa. ‘[...] o que o art. 136, em combinação com o item III do art. 112, deixa claro é que para a matéria da autoria, imputabilidade ou punibilidade, somente é exigida a intenção ou dolo para os casos

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10 O mesmo raciocínio é aplicável à eventual alegação de que ocorre substituição tributária. A um, porque o substituto pode repassar o ônus econômico ao substituído. A dois, porque vai sempre pressuposta uma relação do substituto com a situação tributanda, de modo que ele possa assegurar o cumprimento das obrigações tributárias. Não por acaso, para Paulo de Barros Carvalho, a natureza da relação instaurada entre sujeito passivo indireto e o Fisco é sancionatória (Curso de direito tributário. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, cap. X, n. 10, p. 327). Nesse sentido, a própria legislação do ICMS paulista indica que os remetentes das mercadorias podem ser considerados substitutos tributários em relação às operações praticadas pelos adquirentes apenas “quando estes, a critério do Fisco, estejam dispensados de inscrição na repartição fiscal” (art. 8º, II, da Lei Est. nº 6.374/1989), dispensa que não ocorre seja em face do adquirente situado em outro Estado seja em face do transportador.

Em favor da responsabilidade subjetiva do acusado, também têm decidido nossos Tribunais13. Ademais, é sabido que mes-

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mo aqueles autores que defendem uma “objetividade do ilícito fiscal” sujeitam tal interpretação a temperamentos, diante dos

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das infrações fiscais mais graves e para as quais o texto da lei tenha exigido esse requisito. Para as demais, isto é, não dolosas, é necessário e suficiente um dos três graus de culpa. De tudo isso decorre o princípio fundamental e universal, segundo o qual se não houver dolo nem culpa. não existe infração da legislação tributária’ (Ruy Barbosa Nogueira, Curso de direito tributário, 14. ed. Saraiva, 1995, p. 106/107); ‘[...] independe da intenção do executor material ou do representado (do mandatário ou do administrado, gerido, mandante). [...] o dispositivo não diz que a responsabilidade por infrações independa da culpa. Ele diz que independe da ‘intenção’. Ora, intenção, aqui, significa vontade: eu quero lesar o Fisco. Eu quero ludibriar a arrecadação do tributo. Isto é vontade. Isto é intenção. [...] O Código não está aqui dizendo que todos podem ser punidos independentemente de culpa’ (Luciano da Silva Amaro, Infrações tributárias, Revista de Direito Tributário 67, Malheiros, p. 32133) [...] ‘Se ficar evidenciado que o indivíduo não quis descumprir a lei, e o eventual descumprimento se deveu a razões que escaparam a seu controle, a infração ficará descaracterizada, não cabendo, pois, falar-se em responsabilidade’ (AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 2. ed. Saraiva, 1998. p. 418)’” (STJ, REsp 743839/RS, 1ª T., Rel. Min. Luiz Fux, J. em 14.11.2006, DJ 30.11.2006, p. 154). No mesmo sentido: “Tratando-se de infração tributária, a sujeição à sanção correspondente impõe, em muitos casos, o questionamento acerca do elemento subjetivo, em virtude das normas contidas no art. 137 do CTN, e da própria ressalva prevista no art. 136. Assim, ao contrário do que sustenta a Fazenda Nacional, ‘não se tem consagrada de nenhum modo em nosso Direito positivo a responsabilidade objetiva enquanto sujeição à sanção-penalidade’ (MACHADO, Hugo de Brito. Comentários ao Código Tributário Nacional. São Paulo: Atlas, v. II, 2004. p. 620)” (STJ, EAREsp 653263/PR, 1ª T., Relª Min. Denise Arruda, J. em 14.08.2007, DJ de 13.09.2007, p. 155). Ver, ainda, “não se pode imputar-se a responsabilidade pelo ato ilícito a terceiro, penalizando-o com a apreensão de veículo, sem a necessária averiguação do elemento subjetivo no cometimento da infração” (TRF 1ª R., AMS 1998.01.00.002046-1/DF, 4ª T., Rel. Des. Federal Hilton Queiroz, J. em 15.08.2000, DJ 27.10.2000, p. 286); “não é necessário dolo ou intenção do agente ou responsável para caracterizar a infração da legislação, bastando, tão somente, a existência de culpa. Aplicação subsidiária do art. 136 do CTN” (TRF 4ª R., AC 2001.04.01.066047-5/PR, 2ª T., Rel. Des. Federal Alcides Vettorazzi, J. em 30.04.2002, DJ 23.05.2002, p. 462).

preceitos dos arts. 107, § 2º (equidade na aplicação da lei), e 112 (in dubio pro contribuinte) do CTN14. Tudo sopesado, fica clara a ilegitimidade da pretensão de imposição de responsabilidade tributária à empresa vendedora em razão de suposto desvio das mercadorias praticado depois que estas foram retiradas pelo comprador/transportador do seu pátio (cláusula FOB). Cumprindo aquela com a exigência legal que lhe é imposta, isto é, com o dever de exigir do destinatário que comprove sua regularidade perante a repartição fiscal competente (arts. 31 e 59, § 1º, “4”, do RICMS/2000), nenhuma culpa pode ser-lhe atribuída. Sobre o assunto, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que “o vendedor não tem a obrigação de fiscalizar os atos e comportamento do comprador”15. Mais do que isso, não há sequer nexo causal entre o agir da pessoa jurídica sediada no Estado de São Paulo e o resultado em questão. Nesse ponto, seria mesmo “impensável a ideia de sujeito passivo responsável como alguém que não tem relação pessoal e direta com a infração, mas é eleito [...] para pagar a penalidade pecuniária cominada para uma infração que não tenha sido praticada por ele”16. Da própria noção de sanção e da constatação banal de que o seu emprego visa também a intimidar potenciais infratores, exercendo uma função exemplar e indutora sobre o comportamento dos administrados, decorre a regra de sua intransmissibilidade. Posição contrária ofenderia a própria noção de equidade (art. 108, IV, do CTN). Tratando justamente do tema das sanções, 14 V.g., COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Op. cit,, n. 12.38, p. 639, e n. 12.42, p. 644-645; TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 13. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, cap. XIV, n. 18.6, p. 268. 15 STJ, REsp 183644/SP, 1ª T., Rel. Min. Milton Luiz Pereira, J. 26.06.2001, DJ 11.03.2002, p. 175. 16 AMARO, Luciano. Op. cit., cap. X, n. 5, p. 306.


É evidente que ao alienante que vende com cláusula FOB, exigindo no ato comprovação de regular inscrição do adquirente em outro Estado e emitindo a respectiva nota fiscal, é impossível tanto controlar o destino da mercadoria quanto obrigar ou constranger a outra parte a cumprir a legislação tributária. Dessa maneira, sem a sua participação para o ato ilícito, não há como lhe imputar responsabilidade alguma18. Responsabilizá-lo em tais casos seria um ato irracional, para não dizer o mais, nas palavras do citado Bandeira de Mello. Se é certo que a “sanção deve ser estabelecida para estimular o cumprimento da obrigação tributária”, então nenhuma justificativa existe para apenar o alienante das mercadorias em operação interestadual com a obrigação decorrente da eventual prova de “internação” das mesmas por parte do adquirente. Daí concluir Aurélio Pitanga Seixas Filho que, para responsabilizar a vendedora, necessário seria comprovar ter ela atuado com dolo ou culpa. Nesse sentido, “somente poderia ser invocada uma culpa in eligendo contra a empresa vendedora, se a autoridade fiscal provasse a inexistência da empresa compradora, ou sua condição de ‘laranja’”. E complementando essa noção, 17 Sanções administrativas transmissíveis e sanções intransmissíveis. In: Grandes temas de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2009, n. 1, p. 364 – grifou-se. 18 Como lembra o já citado Celso Antônio Bandeira de Mello, as sanções pessoais nunca são transmissíveis e, mesmo quanto às sanções reais, a sua transmissibilidade depende de verificar-se “exist[ir], ou não, por parte de alguém diverso do infrator e a ser qualificado como ‘responsável’, a possibilidade de controlar-lhe a conduta ou, quando impossível tal controle, se este terceiro dispõe de meios para constranger o infrator a suportar a sanção pecuniária” (Idem, n. 5, p. 365).

“também não tem qualquer cabimento ser invocada uma culpa in vigilando, pois não possui a empresa vendedora, no regime FOB, algum poder jurídico na movimentação da mercadoria, já de posse e domínio da empresa adquirente”19. Por outro lado, também não se pode sustentar a sua responsabilidade solidária, porquanto não há interesse comum na situação – mas sim interesses contrapostos, isto é, de partes contrárias (vendedor e comprador), hipótese que não se subsume ao art. 124, I, do CTN20 – e inocorre, como já visto, omissão de dever de vigilância ou diligência. Nem se alegue que a vendedora teria interesse na aplicação da alíquota reduzida: semelhante afirmação revela a má compreensão da própria essência do ICMS enquanto tributo não cumulativo sobre o consumo (v., infra, n. 6), ou seja, imposto cujo ônus econômico é repassado pelo alienante ao adquirente das mercadorias. Para a pessoa jurídica sediada no Estado de São Paulo, é indiferente a alíquota aplicável (estadual ou interestadual), já que, de qualquer forma, o custo da incidência tributária será repassado no preço da mercadoria. O diferencial de alíquota só aproveita ao destinatário, já que o vendedor, “em qualquer hipótese, receberia o imposto destacado na nota fiscal e embutido no preço da venda”21. A corroborar o que já foi afirmado, cabe ainda lembrar a imposição de que a legislação tributária seja interpretada da maneira mais favorável ao imputado, de acordo com o art. 112 do CTN, dispositivo reiteradamente invocado pela jurisprudência de nossos Tribunais Superiores como ratio decidendi22. 19 SEIXAS FILHO, Aurélio Pitanga. Op. cit., p. 84-85. 20 Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Sujeição passiva e responsáveis tributários. Revista IOB, v. 11, p. 259, 1996; AMARO, Luciano. Op. cit., cap. X, n. 6, p. 309; FUNARO, Hugo. Sujeição passiva indireta no direito brasileiro. Dissertação de Mestrado pela USP, 2008, n. 3.3.2.1, p. 51 e nota 103. 21 SEIXAS FILHO, Aurélio Pitanga. Op cit., p. 82. 22 “Essa exegese, mercê de conciliar a jurisprudência da Corte, cumpre o postulado do art. 112 do CTN, afinado com a novel concepção de que

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Celso Antônio Bandeira de Mello é contundente: “Sancionar alguém que não violou a regra de conduta pretendida e que também não tem como concorrer para que outrem sinta que não deve violá-la seria um ato irracional, estúpido – o que pode ser percebido por qualquer pessoa”17.

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5 RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO COMPRADOR E DO SEU TRANSPORTADOR Consoante demonstrado nos tópicos anteriores (v., supra, n. 3-4), a cobrança de uma diferença entre a alíquota interestadual (menor) e a alíquota “intraestadual” (maior) depende da verificação de um fato ulterior e autônomo (desvio da mercadoria) em relação ao fato gerador da operação original (saída da mercadoria do estabelecimento da vendedora, consoante a cláusula FOB), fato este que só pode ser atribuído ao agir do comprador das mercadorias e ao transportador por ele eventualmente contratado.

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O que ocorre, em verdade, é uma infração à legislação tributária, já que as mercadorias deixam o estabelecimento da vendedora – por meio do transportador contratado pela compradora – acompanhadas de notas fiscais indicando endereços determinados para a entrega em outro Estado, mas, supostamente, são entregues dentro mesmo de São Paulo. A infração, como é evidente, só pode ser atribuída à compradora e ao transportador por ela contratado. Não cabe, diante do caso, enquadrar a vendedora nem como responsável pelas infrações, nem como substituta tributária23. A doutrina é firme no sentido de que “a

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o contribuinte não é objeto de tributação senão sujeito de direitos, por isso que ‘a lei tributária que define infrações, ou lhe comina penalidades, interpreta-se da maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida quanto: I – à capitulação legal do fato; II – à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ou extensão dos seus efeitos; III – à autoria, imputabilidade, ou punibilidade; IV – à natureza da penalidade aplicável, ou à sua graduação’ (art. 112 do CTN) [...]” (STJ, AGA 802156/SP, 1ª T., Rel. Min. Luiz Fux, J. em 19.04.2007, DJ 17.05.2007, p. 207). A orientação é antiga também no Supremo Tribunal Federal: “‘A lei tributária que define infrações, ou lhes comina penalidade’, dispõe o art. 112 do Código Tributário Nacional, ‘interpreta-se da maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida quanto à capitulação legal do fato e à natureza da penalidade aplicável’” (STF, RE 90143/RJ, 1ª T., Rel. Min. Soares Munoz, J. em 02.03.1979, DJ 16.03.1979, p. 1825). 23 Nesse sentido, a própria legislação do ICMS paulista indica que os reme-

responsabilidade fiscal pela alíquota aplicada nesta operação é da empresa compradora, imposto por dentro, enquanto o dever jurídico da vendedora restringe-se a uma seleção criteriosa da empresa compradora, e de sua inscrição no Fisco estadual”24. A compradora é o sujeito a quem se pode naturalmente atribuir a infração em questão, pois é ela – enquanto proprietária e possuidora dos bens – quem pode dar destino diverso às mercadorias, burlando a incidência da alíquota cheia do ICMS. Consoante já demonstrado, a alíquota menor interessa apenas e tão somente ao adquirente, já que o vendedor, em qualquer caso, repassa o ônus econômico do tributo no preço dos bens. Ademais, é importante lembrar que a escolha do transportador é da compradora, de modo que eventual desvio perpetrado por aquele pode ser atribuído a esta, que responde, então, por culpa in eligendo ou in vigilando, ainda que conserve eventual direito regressivo baseado no contrato de transporte. Mas, além da compradora – nas hipóteses em que não retire ela própria a mercadoria –, está também solidariamente obrigado o transportador por ela contratado, em razão do contrato celebrado. Aqui sim existe o vínculo de solidariedade na obrigação tributária (que inexiste em relação à vendedora, consoante já demonstrado – v., supra, n. 4), na medida em que o transportador concorre materialmente para o desvio das mercadorias, o que autoriza, consoante a lei, a atribuição de responsabilidade a ele (ex art. 5º da LC 87/1996)25. tentes das mercadorias podem ser considerados substitutos tributários em relação às operações praticadas pelos adquirentes apenas “quando estes, a critério do Fisco, estejam dispensados de inscrição na repartição fiscal” (art. 8º, II, da Lei Est. n.º 6.374/1989), dispensa que não ocorre seja em face do adquirente situado em outro Estado seja em face do transportador (v. art. 19, I e § 1º, “2”, do RICMS/2000). 24 SEIXAS FILHO, Aurélio Pitanga. Op. cit., p. 81. 25 “Art. 5º Lei poderá atribuir a terceiros a responsabilidade pelo pagamento do imposto e acréscimos devidos pelo contribuinte ou responsável, quando os atos ou omissões daqueles concorrerem para o não recolhimento


Nesse exato sentido, adverte José Eduardo Soares de Mello que “o transportador é solidário em relação à mercadoria negociada durante o transporte, à mercadoria aceita para despacho ou transporte sem documento, e àquela entregue a destinatário diverso do indicado no documento”26.

6 COBRANÇA DA DIFERENÇA DE ALÍQUOTAS DA VENDEDORA IMPLICA OFENSA AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA NÃO CUMULATIVIDADE DO ICMS O imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias – ICMS é, por expressa disposição constitucional (art. 155, § 2º, I, da CF), um tributo plurifásico (multistage sales tax) e não cumulativo. Trata-se de imposto sobre o consumo, o que significa que, segundo o seu desenho jurídico-constitucional, do tributo.” 26 ICMS – Teoria e prática. 9. ed. São Paulo: Dialética, 2006, cap. II, n. 3.1, p. 170 – grifou-se.

é imprescindível que a repercussão econômica seja suportada pelo consumidor, e não pelo produtor, industrial ou comerciante. Por definição, os tributos indiretos (indirect taxes), por oposição aos tributos diretos (direct taxes), são aqueles em que o sujeito passivo transfere o respectivo ônus (the burden is shifted) ao elemento seguinte da cadeia e assim sucessivamente até o consumidor final. Os tributos sobre circulação de mercadorias representam – e isto é confirmado pelo direito comparado, como atestam amplamente Schenk e Oldman – tributos sobre o consumo27. A doutrina alemã, segundo recente levantamento, inclina-se decisivamente nesse mesmo sentido28. Também é assim no Direito brasileiro, em que o reconhecimento jurídico dos impostos indiretos, a par da regulação constitucional do ICMS e do IPI (na qual se consagram os princípios da não cumulatividade, seletividade, etc.), pode ser verificado no art. 166 do CTN29. Não se trata, portanto, de fenômeno meramente econômico e alheio ao campo do direito tributário. Muito pelo contrário, resultam daí conclusões jurídicas importantes, como, v.g., que a capacidade contributiva a considerar, no campo dos 27 SCHENK, Alan. Oliver Oldman, value added tax – A comparative approach. Cambridge Univ. Press, 2007. p. 5 e ss. 28 Ver, quanto a isso, com extensa indicação de doutrina alemã, recente parecer de Humberto Ávila, ICMS como imposto sobre o consumo. Inocorrência de prestação onerosa de serviço de comunicação no caso de inadimplemento do consumidor. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, v. 186, p. 110-125, mar./2011 (citando a opinião conforme de Klaus Tipke, Wolfram Reiß, Joachim Lang, Holger Stadie, Otto-Gerd Lippross, Peter Walden, Dirk Müller, Schmölders – Günter, Peter Schmidt, Joachim Englisch e Paul Kirchof). 29 “Art. 166. A restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido o referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la.”

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Com efeito, as mercadorias saem do estabelecimento da vendedora acompanhadas de documentação fiscal idônea, indicando endereços determinados para a entrega em outro Estado. As cláusulas contratuais obrigam o transportador a proceder dessa forma. Portanto, se os bens forem negociados durante o transporte ou entregues a destinatários diversos (v.g., outros estabelecimentos da própria compradora, diferentes daquele indicado na nota fiscal), há responsabilidade solidária do transportador. Cabe lembrar, ainda, que este tem obrigatoriamente de inscrever-se no Cadastro de Contribuintes do ICMS (ex art. 19, § 1º, “2”, do RICMS/2000), o que reforça a existência de deveres seus perante o Fisco, cujo descumprimento ocasiona a sua responsabilização.

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impostos indiretos, é a do contribuinte “de fato” (i.e., do consumidor), e não do contribuinte “de direito” (i.e., do produtor)30. Em resumo, a não cumulatividade inerente ao desenho constitucional do ICMS (ex art. 153, § 2º, I, da CF) “pressupõe uma repercussão jurídica do tributo, por meio da qual o imposto não deve ser suportado pelo contribuinte (apenas pelo consumidor)”31. Misabel Derzi chega a afirmar, nesse sentido, ser “justo, se um empresário não conseguir a transferência [do ICMS], por motivo de equidade, que ele seja beneficiado pela isenção do imposto”32.

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É justamente essa exigência constitucional de não cumulatividade que se vê transgredida pela pretensão fiscal de exigir a obrigação tributária relativa ao desvio de destino das mercadorias

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30 AMARO, Luciano. Op. cit., cap. IV, n. 7, p. 141; ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 389 e ss. 31 DERZI, Misabel. Aspectos essenciais do ICMS, como imposto de mercado. In: SCHOUERI; ZILVETI (Coord.). Direito tributário – Estudos em homenagem a Brandão Machado . São Paulo: Dialética, 1998. p. 116, e, amplamente, n. 4, p. 125-126 (também n. 2, p. 122: “onera o consumo e nunca a produção ou o comércio”; n. 3, p. 123: “como, economicamente, o tributo é transferido para o adquirente pelo mecanismo dos preços, acaba sendo suportado, em definitivo, pelo consumidor final”); é ampla a doutrina nesse sentido, v.g., COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Op. cit., n. 7.8, p. 470-471 (destacando que “tais tributos [refere-se ao ICMS e ao IPI] não oneram a força econômica do empresário que compra e vende ou industrializa, porém a força econômica do consumidor, segundo ensina Herting. Com base nisso, de forma quase universal, como vimos, consagra-se o princípio da não cumulatividade, inclusive na Constituição brasileira, onde se permite compensar, com o imposto devido, o imposto cobrado nas operações anteriores”); ÁVILA, Humberto. Op. cit., p. 110125. No mesmo sentido, COSTA, Alcides Jorge. ICM na Constituição e na lei complementar. São Paulo: Resenha Tributária, 1978. p. 8. 32 Aspectos essenciais do ICMS, como imposto de mercado. In: Direito tributário – Estudos em homenagem a Brandão Machado (Coord. Schoueri; Zilveti). São Paulo: Dialética, 1998, n. 4, p. 126.

da empresa vendedora, tornando o repasse do ônus econômico ao adquirente impossível. Como já foi demonstrado, a pessoa jurídica sediada no Estado de São Paulo está obrigada a recolher o ICMS, de acordo com a documentação apresentada pelo adquirente e com a legislação tributária, no momento da saída da mercadoria do seu estabelecimento com destino a outro Estado, átimo em que se considera plenamente realizado o fato gerador da operação interestadual (cláusula FOB). No entanto, pretende o Fisco que ela seja responsabilizada por fato jurídico ulterior de caráter extraordinário, consistente na prática de “desvio” de destino dos bens por parte do comprador e/ou transportador. Isso significa que a exigência, a posteriori, da diferença de alíquotas frente ao vendedor viola a não cumulatividade do ICMS, já que o ônus econômico relativo ao tributo não poderá ser repassado no preço do produto. Em outras palavras, a natureza do ICMS enquanto imposto sobre mercadorias e serviços e o princípio da não cumulatividade são violados na medida em que se impõe ao alienante – de maneira inevitável, porquanto pouco importa a sua conduta diligente – um ônus econômico que não poderá ser repassado ao adquirente e sucessivamente, ao consumidor. A distorção criada é grave: um imposto sobre o consumo acaba onerando um integrante específico da cadeia de produção em razão de infração praticada por terceiro, sobre quem o vendedor não exercia qualquer poder para exigir o cumprimento da legislação tributária e independentemente de ter ele agido com diligência e boa-fé. O resultado, como se vê, é repugnante não somente à não cumulatividade, mas aos olhos da equidade (art. 108, IV, do CTN).


Embora sejam aplicáveis ao processo administrativo as categorias estudadas pela teoria geral do processo, é importante perceber que ele apresenta, também, características próprias, em razão da natureza administrativa da decisão proferida e dos princípios e regras que governam a atuação da Administração tributária. Tais peculiaridades influem, sobretudo, na definição da função exercida pela prova e na maior ou menor importância creditada à busca pela “verdade” no âmbito do processo administrativo fiscal. Tratando desse problema fundamental da teoria processual, já diferenciara Michele Taruffo dois modos ou tendências de encarar as relações entre o direito probatório e a busca pela verdade, a partir de duas perspectivas distintas acerca dos escopos perseguidos pelo processo34. Para uma primeira corrente, o escopo social de pacificação é a finalidade preponderante do fenômeno processual, decorrendo daí que a busca da verdade não é algo tido como indispensável nem mesmo como “um fim autônomo e necessário do processo”, o que se revela, de maneira sintomática, pela adoção da prova legal, de ficções e presunções, bem como de outras tantas limitações probatórias35. 33 As considerações feitas neste item e nos seguintes (n. 7‑10) resultam, em larga medida, de estudo (ainda inédito) escrito em coautoria com Guilherme Recena Costa, versando o tema da prova no processo administrativo tributário. 34 TARUFFO, Michele. Note per una riforma del diritto delle prove. Rivista di Diritto Processuale, p. 239 e ss., 1985. 35 Idem, p. 240-242.

Para uma segunda corrente, o escopo fundamental do processo é a aplicação do direito ao caso concreto (escopo jurídico), o que exige, a fim de que se chegue a uma conclusão acertada do silogismo judicial, o acertamento preciso dos fatos (premissa menor) sobre os quais incide a norma jurídica (premissa maior). A verdade quanto aos fatos torna-se, assim, uma “condição necessária da justiça da decisão”36. Das duas perspectivas apontadas, a segunda– isto é, a de que a instrução probatória deve realizar-se de modo a permitir a busca mais acurada possível da verdade – é a única adequada ao processo administrativo tributário por mais de uma razão. Sem prejuízo de outras37, convém sobretudo sublinhar que o poder de tributar é limitado pelos princípios da legalidade e 36 Idem, p. 245. 37 Além do que será exposto a seguir no texto, deve-se lembrar que a Administração tem o poder-dever de rever seus atos, anulando aqueles marcados por ilegalidades. Trata-se de prerrogativa consistente no controle exercido sobre seus próprios atos (autotutela administrativa), ao qual estão sujeitos, v.g., o lançamento feito em discordância com o fato gerador previsto em lei ou o auto de aplicação de sanções lavrado fora das hipóteses legais estritas. A anulação, em verdade, é um poder-dever, ato vinculado, razão pela qual a Administração deve sempre anular o ato ilegal. Desse modo, o controle de legalidade apresenta-se, de um lado, como garantia do particular e de outro, como privilégio da Administração, que pode rever os seus atos, evitando a judicialização dos conflitos daí resultantes (v. Ramón Parada, Derecho administrativo, Madrid: Marcial Pons, 2000, t. I, p. 678). Tudo somado, verifica-se que o processo administrativo tributário, na esteira dos recursos hierárquicos de Corte europeu-continental, exerce uma função mista, isto é, “serve simultaneamente para a protecção dos direitos e interesses pessoais dos particulares que o utilizam e para a defesa da legalidade e do interesse público que a Administração tem de salvaguardar” (cfr. Diogo Freitas do Amaral, Conceito e natureza do recurso hierárquico, Coimbra: Atlântida, 1981, v. 1, p. 316. O autor reconhece dita função mista, embora conclua pela predominância da função objetiva, isto é, de proteção da ordem jurídica, o que reforça, ainda mais, o quanto foi dito).

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7 FUNÇÃO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO E SEUS REFLEXOS SOBRE O JUÍZO PROBATÓRIO33

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da tipicidade38. Isso quer dizer que a obrigação tributária pode surgir tão somente quando se verificar a ocorrência concreta do fato gerador (fato jurídico tributário, fato imponível, etc.) previsto na regra-matriz de incidência do tributo. Também quer dizer que a lei, em sentido formal e material, deve prever todos os principais aspectos relevantes ao nascimento da obrigação tributária (ditos também “critérios” da regra-matriz de incidência), sendo vedada a delegação dessa tarefa a outros instrumentos normativos. Tanto é assim que eventual confissão ou outro tipo de manifestação de vontade do contribuinte é irrelevante para fins de surgimento da obrigação tributária, que é sempre ex lege39. A tributação fora das estritas hipóteses indicadas pela lei ofende, ademais, as regras de competência tributária ditadas pela Constituição Federal. Fora das materialidades previstas de maneira rígida e exaustiva no sistema constitucional tributário, os entes políticos sequer têm poder para editar leis que pretendam instituir tributos. Por isso, é imprescindível que seja demonstrada inequivocamente a ocorrência do fato gerador previsto na lei (aspecto material da regra-matriz de incidência). Tais premissas, conforme será visto adiante, também restringem sensivelmente o uso de presunções e ficções no âmbito tributário.

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Há, em razão disso, um expressivo incremento dos poderes instrutórios do julgador no processo administrativo fiscal, configu-

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38 CARRAZZA, Roque. Curso de direito constitucional tributário. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, n. VII/4, p. 414 e ss. 39 Cfr. SCHOUERI, Luís Eduardo; SOUZA, Gustavo Emílio Construcci A. de. Verdade material no “processo” administrativo tributário. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Processo administrativo fiscal. São Paulo: Dialética, v. 3, 1998. p. 149; BOTTALLO, Eduardo Domingos. Curso de processo administrativo tributário. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 101; é esse também o entendimento da jurisprudência: “A confissão de débitos, feita como condição do respectivo parcelamento administrativo, não impede sua discussão, porque a obrigação tributária resulta de lei, nada valendo o crédito tributário que dela destoe” (TRF 4ª R., MS 92.04.34784-7/SC, 1ª T., J. em 10.10.1993).

ração que decorre da necessidade, já apontada, de realizar uma reconstrução exata dos fatos, à luz dos princípios da legalidade e tipicidade tributárias40. Nesse sentido, é lugar-comum, tanto na doutrina nacional41 quanto na estrangeira42, a afirmação de que o processo administrativo (tributário) é vocacionado para a busca da verdade material43. Ora, já no processo civil comum (marcado, em regra, pela disponibilidade do seu objeto e por conflitos entre sujeitos em situação de igualdade), a exata reconstrução dos fatos é pressuposto 40 Nessa linha, v. MOLINO, Antonio María López. Régimen jurídico de la prueba en la aplicación de los tributos. Pamplona: Aranzadi, 1998. p. 397. 41 Cfr. XAVIER, Alberto. Princípios do processo administrativo e judicial tributário. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 58; SCHOUERI, Luís Eduardo; SOUZA, Gustavo Emílio Construcci A. de. Op. cit., p. 153; BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 443-447; BONILHA, Paulo Celso B. Da prova no processo administrativo tributário. São Paulo: Dialética, 1997. p. 62; MELO, José Eduardo Soares de. A vinculação da Administração tributária ao julgamento de órgão colegiado como causa impeditiva de modificação por autoridade singular. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Processo administrativo fiscal. São Paulo: Dialética, v. 3, 1998. p. 131; BOTTALLO, Eduardo Domingos. Curso de processo administrativo tributário. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 96; FERRAGUT, Maria Rita. Presunções no direito tributário. São Paulo: Dialética, 2001, n. VII.3, p. 105; ARRUDA, Luiz Henrique Barros de. Processo administrativo fiscal. São Paulo: Resenha Tributária, 1993, n. 4, p. 6-7; FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1994. p. 16. 42 V. BIELSA, Rafael. El recurso jerárquico: su institución y su régimen jurídico. 5. ed. Buenos Aires: Depalma, 1964. p. 146; MOLINO, Antonio María López. Op. cit., p. 401; GORDILLO, Augustín. Tratado de derecho administrativo. 6. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, t. 4, n. VII/1.2, p. 2. 43 A significar a necessidade de “buscar, com o máximo de precisão possível, a ocorrência real dos fatos”, em contraposição aos casos em que tal busca é dispensável (verdade dita “formal”), cfr., a propósito, CARVALHO, Cristiano. Ficções jurídicas no direito tributário. São Paulo: Noeses, 2008, n. 4.2.1, p. 198.


Em razão disso, “o contribuinte não só tem o direito de apresentar, a qualquer tempo, novos elementos que possam vir ao encontro de suas alegações, como não é dado ao julgador recusar a apreciação dessas provas”46.

8 DISTINÇÃO PRÉVIA: PROVA DIRETA E PROVA INDIRETA O objeto litigioso do processo compreende, necessariamente, a alegação da ocorrência de um fato ou conjunto de fatos jurídicos 44 V. GRECO, Leonardo. A verdade no Estado Democrático de Direito. In: Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo, v. 15, p. 341, 2005. 45 Cfr. ARCENEGUI, Isidro E. de. Consideraciones em torno a la carga de la prueba y su proposicion y admision em el proceso contencioso-administrativo. In: La protección jurídica del ciudadano (procedimiento administrativo y garantía jurisdiccional) – Estudios em homenaje al Profesor Jesus Gonzalez Perez. Madrid: Civitas, t. II, 1993. p. 1531. Costuma-se apontar os arts. 24.1 (“Todas las personas tienen derecho a obtener la tutela efectiva de los jueces y tribunales en el ejercicio de sus derechos e intereses legítimos, sin que, en ningún caso, pueda producirse indefensión”) e 24.2 (“Asimismo, todos tienen derecho al Juez ordinario predeterminado por la Ley, a la defensa y a la asistencia de letrado, a ser informados de la acusación formulada contra ellos, a un proceso público sin dilaciones indebidas y con todas las garantías, a utilizar los medios de prueba pertinentes para su defensa, a no declarar contra sí mismos, a no confesarse culpables y a la presunción de inocência”) da Constituição espanhola como fundamentos desse entendimento. 46 BOTTALLO, Eduardo Domingos. Op. cit., p. 96; no mesmo sentido, XAVIER, Alberto. Op. cit., p. 160.

(isto é, fatos previstos no suporte fático ou fattispecie de uma norma), pedindo-se, como consequência desta causa petendi, o reconhecimento de certos efeitos normativos pretendidos pelo demandante. São fatos que, de um lado, constituem e, de outro, extinguem, modificam ou impedem o exercício de direitos, sendo determinantes, por isso, para o desfecho da causa, na medida em que traduzem a própria situação substancial controvertida. Exemplo didático é o fato gerador da obrigação tributária, que ocasiona – quando manifestado in concreto – o surgimento do dever de pagar tributo e, por isso, é fundamento e causa da imposição fiscal. Em regra, o objeto de uma prova será precisamente a demonstração direta do fato jurídico (também dito “fato principal”, “fato com transcendência jurídica”, “fato essencial”, “fato primário”, etc.). É o que ocorre, v.g., quando são aportados aos autos documentos que relatem a realização de determinadas operações jurídicas sujeitas à incidência de ICMS. Há casos, entretanto, em que a verificação da ocorrência ou não de tal fato gerador não será feita de forma direta, mas por meio da demonstração de outros fatos (ditos por isso fatos “acessórios”, “não dotados de transcendência jurídica”, “não essenciais”, “secundários”, etc.) que permitam formar a convicção do órgão julgador sobre a ocorrência daquele fato essencial. Exemplo desse tipo de prova está na presunção de omissão de receita diante de passivo fictício para fins de imposto sobre a renda. São essas possíveis relações funcionais entre o objeto da prova concretamente produzida e o fato principal da causa que permitem traçar com nitidez a conhecida distinção entre prova direta e prova indireta: a prova será direta quando o meio de prova empregado for abstratamente idôneo a demonstrar a ocorrência do próprio fato jurídico relevante ao caso, em si mesmo considerado; será, por sua vez, indireta quando o objeto da prova

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para um processo justo44; a fortiori, no processo administrativo tributário, tal reconstrução é absolutamente indispensável. Daí incumbir aos Tribunais administrativos – como obrigação – a produção da prova para pleno convencimento quanto aos fatos, sob pena de ocorrer aquilo que os espanhóis denominam indefensión, ou seja, afronta à tutela efetiva e à ampla defesa45.

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for fato diverso deste, embora, a partir de sua comprovação, por meio de um raciocínio probabilístico, possa-se considerar existente o fato jurídico probando47. A prova indireta por excelência dá-se justamente por meio de presunções, tema que mais de perto interessa ao presente estudo, na medida em que os autos de infração em questão se baseiam justamente em uma regra presuntiva (art. 36, § 4º, do RICMS).

9 PRESUNÇÕES NO PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO

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A ninguém é dado duvidar que, em razão dos princípios da estrita legalidade, tipicidade e capacidade contributiva tributárias, bem como a partir da análise das regras constitucionais de competência impositiva, o uso de presunções no âmbito fiscal sofre sensíveis restrições, em especial em relação ao acontecimento do fato jurídico tributário (materialidade da regra de competência)48. Não por acaso, consoante já apontado, sistemas marcados pela prova legal, por ficções e por presunções (ou por outras tantas limitações probatórias) revelam uma opção de encarar a busca pela verdade como produto acidental e não como finalidade primordial do processo, em evidente contradição com o princí-

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47 V., por todos, TARUFFO, Michele. La prueba de los hechos. Trad. Jordi Ferrer Beltrán. Madrid: Trotta, 2002, n. VI/2.1, p. 453 e ss. 48 V., nesse sentido: CARVALHO, Paulo de Barros A prova no procedimento administrativo tributário. Revista Dialética de Direito Tributário, v. 34, p. 110-112, 1998; SCHOUERI, Luís Eduardo. Presunções simples e indícios no procedimento administrativo fiscal. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Procedimento administrativo fiscal. São Paulo: Dialética, v. 2, p. 86; CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, n. VII/7.1, p. 449; NABAIS, Casalta. O dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Almedina, 2009 (reimp.), n. 18, p. 498.

pio da verdade material, unanimemente reconhecido na esfera processual-administrativa tributária. Daí a incompatibilidade, em regra, de tais restrições (prova legal, ficções e presunções) com o processo administrativo fiscal. Sabe-se que o raciocínio por meio de presunções permite a inferência de um fato desconhecido (fato probando) a partir de um fato conhecido (indício), calcada na constatação de uma relação de causalidade entre os dois fatos, segundo o que normalmente acontece (id quod plerumque accidit). A prova indiciária (circumstancial evidence), portanto, é aquela em que se parte de um fato provado (indício) para que se chegue, por meio de uma inferência calcada em uma probabilidade indutiva, ao fato probando (factum probandum)49. As presunções são comumente classificadas em legais (estabelecidas previamente pelo legislador) e simples (ou hominis, resultantes do raciocínio do julgador por meio do emprego de regras de experiência comum). As primeiras, por sua vez, podem ser relativas (juris tantum) ou absolutas (juris et de jure), conforme admitam ou não, respectivamente, prova em contrário, ou seja, comprovação de que o fato probando na verdade não ocorreu. Costuma-se aludir, ainda, a presunções mistas ou intermédias, para designar tipos presuntivos em que somente alguns meios de contraprova, especialmente previstos em lei, são admitidos50. É equivocado, contudo, situar esses institutos no mesmo plano: enquanto as presunções relativas inserem-se no âmbito da prova, mais especificamente na determinação do ônus probatório, as presunções absolutas exaurem sua função no plano do direito material. Por meio das presunções absolutas, dispensa-se a 49 V. CATALANO, Elena Maria. Prova indiziaria, probabilistic evidence e modelli matematici di valutazione. Rivista di Diritto Processuale, p. 517, 1996. 50 É a lição clássica de SANTOS, Moacyr Amaral. Prova judiciária no cível e comercial. São Paulo: Max Limonad, v. 5, 1955. p. 426-429.


Disso decorre que tanto as ficções quanto as presunções absolutas são inadmissíveis na esfera tributária, porquanto implicam a possibilidade de tributação fora da respectiva regra de competência e com violação da capacidade contributiva objetiva52. Ofendem, outrossim, o art. 5º, incisos LIV e LV, da Constituição Federal. Pode-se, desde já, concluir, portanto, que quaisquer presunções admitidas na esfera tributária têm de, necessariamente, ser relativas, de modo a permitir ampla oportunidade de produção 51 Cf., com muita clareza, MOREIRA, Barbosa. As presunções e a prova. Temas de direito processual. São Paulo: Saraiva, 1977, n. 5, p. 64 e ss. V., ainda, PONTES DE MIRANDA. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1974. p. 234-236. Na doutrina mais recente, DINAMARCO, Cândido. Instituições de direito processual civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, v. III, n. 824, p. 116-118; FERRAGUT, Maria Rita. Op. cit., São Paulo: Dialética, 2001, n. IV.9, p. 83. 52 V., nesse sentido, ÁVILA, Humberto. Presunções e pautas fiscais frente à eficiência administrativa. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Grandes questões atuais do direito tributário. São Paulo: Dialética, 2005, v. 9, n. 1, p. 281; NABAIS, Casalta. Op. cit., p. 498 e p. 500-501; FERRAGUT, Maria Rita. Op. cit., p. 81-84; COSTA, Regina Helena. Praticabilidade e justiça tributária. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 167. Raciocínio que também é empregado na jurisprudência do STJ: “[...] Revelando-se a pauta fiscal ficta em presunção absoluta, esta não se aplica ao direito tributário ou, pelo menos, à determinação dos elementos definidores das obrigações por ele reguladas, entre os quais, com vimos, está a base de cálculo” (STJ, RMS 13.294/MA, 2ª T., Rel. Min. Paulo Medina, J. em 04.06.2002, DJ 19.12.2002, p. 352 – grifou-se).

de contraprova, sob pena de serem ilegítimas em face das normas constitucionais pertinentes. Daí serem também inadmissíveis – no direito tributário – as referidas presunções mistas ou intermédias53, que restringem o direito da parte de produzir elementos probatórios contrários (a lei, em tais hipóteses, indica meios e formas de prova específicos, de maneira taxativa). Em tais casos, “a vedação ou excessiva limitação dos meios de prova disponíveis ao contribuinte, para oferecer a contraprova, podem implicar, na prática, verdadeira ‘impossibilidade jurídica de provar’ e, portanto, ‘inutilidade da ação judiciária’”, do que resulta a sua ilegitimidade54. O ponto é de grande importância para o tema e merece ser repetido: não somente deve ser oportunizada a contraprova, mas esta deve ser efetivamente possível ao contribuinte, sem que se configure verdadeira probatio diabolica55. Duas outras importantes características relativas à dinâmica das presunções relativas devem ainda ser destacadas. Primeira: é essencial que se comprove a ocorrência do indício para que a presunção entre em cena, na medida em que o racio53 Nesse sentido, v. TOMÉ, Fabiana del Padre. A prova no direito tributário. São Paulo: Noeses, 2005, n. 4.7.3, p. 141. 54 Exata é a afirmação de KNIJNIK, Danilo. A prova nos juízos cível, penal e tributário. Rio de Janeiro: Forense, 2007, n. 4.2.3, p. 140, para quem, ademais, no âmbito tributário, “todos os tipos presuntivos têm por limite o direito à contraprova assegurado pelo art. 5º, incisos LIV e LV, da CF, não podendo assumir características absolutas”. As únicas limitações aceitáveis são aquelas que decorrem da própria Constituição Federal, ínsitas ao princípio do devido processo legal (v.g., inadmissibilidade das provas ilícitas). 55 “Se a prova for impossível ou de difícil produção, não poderá ser imputado ao sujeito a prática do fato descrito de evento presumido, com as consequências a ele pertinentes, já que isso violaria o direito constitucional à ampla defesa.” (FERRAGUT, Maria Rita. Op. cit., n. VI.9, p. 96)

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própria ocorrência do fato presumido, decorrendo a inadmissibilidade de prova em contrário, na verdade, da sua irrelevância jurídica. Há, assim, “uma equiparação de eficácia”, por meio da qual a lei “atribui efeitos iguais a diferentes esquemas de fato”, tal como ocorre nas ficções jurídicas, que têm a mesma função normativa, embora não sejam inspiradas pelo mesmo raciocínio probabilístico51.

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cínio presuntivo parte, necessariamente, de um fato-base. Esse fato-base deve ser comprovado diretamente, na medida em que não se admite a presunção de que o próprio indício ocorreu56, sob pena de ter-se uma dupla inferência, sem qualquer segurança quanto às conclusões alcançadas. Didaticamente, a Ley de Enjuiciamiento Civil espanhola dispõe que as presunções “sólo serán admisibles cuando la certeza del hecho indicio del que parte la presunción haya quedado establecida mediante admisión o prueba” (art. 385.1). Segunda: uma vez comprovado o fato-base (indício), a presunção relativa atua – repita-se o ponto – como mecanismo de inversão probatória, na medida em que cria, para a parte a quem a presunção é desfavorável, o ônus da prova contrário57. Seguindo a linha de raciocínio, tem-se que, para que se refute a presunção, basta a contraprova de que o indício invocado não ocorreu ou, ainda, de que ele não prevalece sobre outros indícios em sentido contrário58.

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Isso ocorre porque as presunções (ancoradas embora em legítimos interesses de praticabilidade e simplicidade) têm de compatibilizar-se com a capacidade contributiva, o que, além de afastar o emprego de presunções absolutas, exige “idoneidade das presunções relativas para traduzirem o correspondente pressuposto econômico do imposto”59.

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Assim, ainda que opere uma presunção a favor do Fisco, uma vez produzida contraprova idônea pelo contribuinte, o julgador deve valorá-la, averiguando se o fato probando realmente ocor56 Idem, n. IV.7, p. 80. 57 Cfr. DINAMARCO, Cândido. Op. cit., p. 119. 58 Cfr. FERRAGUT, Maria Rita. Op. cit., n. IV.6.2, p. 78. 59 NABAIS, Casalta. Op. cit., n. 18, p. 498; reforçando a necessidade de admitir-se prova em contrário, n. 18, p. 500-501.

reu. Costuma-se afirmar, por isso, que a inferência presuntiva deixa de operar diante de prova contrária (presumption disappears when contrary evidence is introduced)60. Aliás, mais do que isso, a doutrina reconhece bastar um “princípio de prova”61 por parte do contribuinte para que surja a obrigação, a cargo do órgão julgador, de exaurir as possibilidades de reconstrução fática do caso. A conclusão inevitável é a seguinte: uma vez ofertada contraprova relevante pelo contribuinte, a presunção não pode servir de fundamento para o juízo fático e o órgão julgador deve julgar com base nas regras usuais de distribuição do ônus da prova. Como é curial, a prova do fato cabe – ordinariamente – ao sujeito a quem a sua verificação aproveita (é o que consagra, entre nós, o art. 333 do CPC, valendo-se dos conceitos de fatos constitutivos, de um lado, e extintivos, modificativos e impeditivos, de outro), de modo que esta será a regra aplicável quando a inferência presuntiva deixar de produzir efeitos. Disso não pode haver dúvida. Não fosse assim, não haveria qualquer razão para a instituição de uma presunção, instituto que atua justamente como mecanismo de inversão do ônus da prova e que confirma, portanto, que o encargo de provar competia originariamente ao sujeito por ela beneficiado. Ora, a prova da ocorrência do fato gerador do tributo cabe ao Fisco, que poderá fazê-lo por meio de prova direta ou indireta 60 V. RICE, Ralph R. Tax, fact and fiction: presumptions in tax cases. South Dakota Law Review, v. 1, p. 69 e ss., 1956. 61 V., sobre a evolução da lei e jurisprudência italianas a esse respeito, SANTANGELI, Fabio. Evoluzione legislative e giurisprudenziali in materia di introduzione, valutazione e onere della prova e del principio di prova nel processo civile e amministrativo di legittimità. In: Il diritto delle prove – Atti Del convegno di Catania, 21-22 novembre 2008, Torino: Giappichelli, 2009, n. 3, p. 25 e ss.


A questão central é que o ato administrativo baseia-se precisamente na presunção de ser “interna a operação caso o contribuinte não comprove a saída da mercadoria do território paulista com destino a outro Estado”. No entanto, usualmente, são apresentadas provas contrárias relevantes pela pessoa jurídica sediada no Estado de São Paulo62, demonstrando ser inverossímil a presunção que embasa o AIIM. Não restaram configurados, assim, nem o pressuposto, nem o fundamento para a aplicação da presunção em questão, que exige necessariamente a falta de comprovação da venda de mercadoria com destino a outro Estado. Isso porque comprovada está a saída das mercadorias de seu estabelecimento (lembrando-se ser este o momento em que se considera ocorrido o fato gerador do ICMS) com destinação a outro Estado, entregando as mercadorias ao comprador de acordo com a estipulação contratual FOB. Repita-se: assim ocorrendo, deixou de existir o pressuposto (fato-base) para a incidência da regra presuntiva, que se traduz justamente na “falta de comprovação da saída da mercadoria com destino a outro Estado”63. 62 A fim de comprovar as operações realizadas, normalmente são juntados aos autos do processo: a) notas fiscais assinadas e faturas referentes às vendas; b) cheques por meio dos quais foram realizados os pagamentos; c) conhecimentos de transporte; d) microfilmes; e) contratos de revenda; f) telas “print” de computador demonstrando os pedidos de compra e as fichas com os dados dos motoristas; g) certidões (judiciais, Serasa, Sintegra, etc.) e alvará municipal da destinatária, etc. 63 E não a sua efetiva ocorrência, tal como o mesmo dispositivo prevê para os casos diversos de exportação.

Mais do que isso, é certo que, mediante a operação contínua de postos fiscais de fronteira, o Fisco paulista poderia assegurar a possibilidade de produzir-se prova idônea de que as mercadorias ingressaram fisicamente em outro Estado. Os postos atuariam, então, como verdadeiros “cartórios fiscais”, certificando a ocorrência de fatos de relevância tributária. No entanto, por omissão estatal, semelhante meio de prova hoje inexiste, de modo que a comprovação dos fatos requeridos para afastar a ilegítima presunção constante do art. 36, § 4º, do RICMS/2000 é realmente impossível. Evidentemente, na medida em que a própria Secretaria da Fazenda não possui condições de atestar a efetiva saída ou ainda entrada de mercadorias em seu território, tal encargo não pode ser atribuído ao contribuinte, sob pena de se lhe imputar nítida probatio diabolica64, até porque os contratos foram realizados com cláusulas FOB, o que impede a efetiva verificação do destino pela parte alienante65. Ainda, o contrato é prova do sujeito passivo, desde que indique partes capazes, objeto lícito e forma estabelecida em lei. 64 O que torna, de toda maneira, ilegítimo o emprego de quaisquer presunções na esfera tributária (v. item 4, supra). 65 Mais do que isso, reconhece a doutrina estender-se o alcance da cláusula FOB ao direito tributário, por força do art. 110 do CTN, de modo que, “uma vez retiradas as mercadorias, no estabelecimento da consulente, [...] a ela não cabe – nem pode caber – nenhuma responsabilidade de comprovar [...] o destino porventura dado, pelos adquirentes, a tais bens”; “praticando operações FOB, a responsabilidade tributária da Consulente cessou com a entrega das mercadorias, pelo que não pode ser validamente chamada a responder por atos subsequentes, da exclusiva responsabilidade de seus clientes” (CARRAZZA, Roque. ICMS – Substituição tributária “para frente” em operações interestaduais – Peculiar situação do Estado de Goiás. Revista Dialética de Direito Tributário, v. 101, n. 7, p. 112, 2004).

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(neste caso, consoante já se viu, desde que por meio da devida comprovação de indícios que sirvam de base para uma presunção relativa que seja verossímil à luz dos demais elementos fáticos).

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10 SEGUE: ESPECIFICAMENTE SOBRE O ÔNUS DA PROVA NO PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO A esta altura, convém prevenir uma objeção previsível. Dir-se-á talvez: a presunção de legitimidade dos atos administrativos faz com que o ônus da prova a respeito da ilegalidade do lançamento/auto de infração repouse integralmente sobre o contribuinte, que deveria, então, provar a inocorrência do fato gerador relatado mesmo que os indícios de que se serviu o agente fiscal fossem desmentidos. Esta orientação, nitidamente autoritária, repousa sobre um equívoco e há muito foi superada, entendendo-se hoje de forma tranquila que a presunção de legitimidade dos atos administrativos não exonera de modo algum a Administração da prova dos fatos jurídicos cujos efeitos lhe interessam66.

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Se tal presunção tem o condão de traduzir a imperatividade de certos atos administrativos (atuando como relevatio ad onere agendi), ela, de modo algum, faculta à Administração prescindir de demonstrar elementos de prova que fundamentem seu agir (não atuando como mecanismo de inversão probatória – relevatio ad onere probandi)67. A tanto está ela obrigada pelo próprio dever de motivação dos atos administrativos, devendo indicar precisamente os fundamentos de fato e de direito invocados para

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66 V., a propósito, ARCENEGUI, Isidro E. de. Op. cit., p. 1526. Referido autor indica que tal entendimento foi referendado pela Sentença de 30 de maio de 1990 (Rep. Ar. 4292) do Tribunal Supremo Administrativo da Espanha. Nesse sentido, na doutrina brasileira: BONILHA, Paulo Celso B. Op. cit., p. 75; CARVALHO, Paulo de Barros. A prova no procedimento administrativo tributário. In: Revista Dialética de Direito Tributário, v. 34, p. 107, 1998. 67 Nesse sentido, a precisa lição de MICHELI, Gian Antonio. La carga de la prueba. Buenos Aires: EJEA, 1961. p. 281-282 (esp. notas 118-119), endossada por GORDILLO, Augustín. Tratado de derecho administrativo. 6. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, t. 4, n. VII/2, p. 3.

restringir direitos fundamentais dos contribuintes (propriedade e liberdade). Aliás, a própria existência de presunções em favor do Fisco comprova essa assertiva: se o ônus da prova já competisse inicialmente ao contribuinte, nenhuma razão haveria para a positivação de presunções, na medida em que estas visam justamente a inverter o encargo de provar, perseguindo, com isso, finalidades de simplificação e praticabilidade da arrecadação. Em consonância com tal premissa, persistindo a dúvida a respeito dos fatos relevantes ao deslinde do julgamento, entra em cena o “axioma in dubio contra fiscum”, pois “não pode haver uma flexibilização em favor da Fazenda Pública, parte indubitavelmente mais forte do que o contribuinte”68. Essa conclusão é particularmente reforçada quando a pretensão fiscal tem por fundamento a alegação de simulação por parte do contribuinte, para fins de desconsideração dos negócios por ele realizados. É o que ocorre nos casos em exame, na medida em que as conclusões sustentadas pelos autos de infração só podem ser atingidas se considerados inoponíveis à Fazenda paulista os contratos de compra e venda com cláusula FOB realizados pelos particulares, na forma do que dispõe o art. 116, parágrafo único, do CTN69. Nesses casos, é unânime a doutrina em reconhecer que o ônus da prova recai sobre a Administração (tanto da ocorrência do 68 CARRAZZA, Roque. Curso de direito constitucional tributário. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, n. VII/7.1, p. 448. 69 Abstraiu-se a óbvia constatação de que a eficácia da norma permissiva da desconsideração – pela autoridade administrativa – de negócios jurídicos praticados pelo contribuinte (art. 116, parágrafo único, do CTN) é seguramente “limitada”, isto é, dependente – por força da própria redação do dispositivo – de edição de lei ulterior, que inexiste no ordenamento brasileiro.


Mais do que isso, é necessário atingir um modelo de constatação (ou seja, um standard de convencimento acerca dos fatos controversos) mais rigoroso quando se busca, por meio de prova indireta, comprovar simulação, o que impõe um maior rigor e exige a certeza, concordância e gravidade dos indícios73 coligados para esse fim. Requer-se, em tais casos, prova acima da dúvida razoável74. Por todas essas razões, é de rigor o julgamento desfavorável ao Fisco quando a pretensão fiscal repousar exclusivamente sobre uma presunção que não se sustenta frente à contraprova produzida pelo contribuinte. 70 Tanto que, nesse sentido, se posicionam autores que, quanto ao mais, defendem posições nitidamente contrárias a respeito da legitimidade dos planejamentos tributários. Ver, sobre isso, os principais defensores, respectivamente, da legitimidade e da ilegitimidade de normas gerais antielisivas: GRECO, Marco Aurélio. Planejamento tributário. 2. ed. São Paulo: Dialética, 2008, n. XIX.6, p. 460-461; e XAVIER, Alberto. Tipicidade da tributação, simulação e norma antielisiva. São Paulo: Dialética, 2002. p. 75-78. 71 Cfr. RICE, Ralph R. Op. cit., p. 61. 72 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, cap. X, n. 10, p. 514-515. 73 Sobre tais requisitos, v. FERRAGUT, Maria Rita. Op. cit., n. IV.6.1.1, p. 77-78. 74 KNIJNIK, Danilo. Op. cit., p. 167.

11 AUSÊNCIA DE POSTOS FISCAIS DE FRONTEIRA TRANSFERE AO CONTRIBUINTE UMA PROBATIO DIABOLICA A corroborar os pontos anteriores quanto à ilegitimidade da autuação fiscal, deve-se somar-se ainda o fato de a Fazenda do Estado de São Paulo ter eliminado os seus postos fiscais nas fronteiras do Estado. É intuitivo que, com a adoção dessa providência (i.e., com a fixação de postos de fronteira), o Fisco paulista poderia segura e facilmente atestar a efetiva saída de mercadorias do seu território, permitindo um controle sobre a regularidade das operações interestaduais realizadas pelos seus contribuintes75. Bastaria exigir, então, os comprovantes da transposição da carga para outro Estado, funcionando os postos como verdadeiros “cartórios fiscais”, aptos a legitimar as operações mercantis ali verificadas. No entanto, com a eliminação dos postos de fronteira de São Paulo, não há como certificar a efetiva saída das mercadorias para outros Estados. Além disso, como já destacado, também as Secretarias da Fazenda dos Estados destinatários não possuem, em regra, mecanismos efetivos de controle sobre os bens que ali ingressam; e, por vezes, quando essa fiscalização é possível, tais mecanismos são desprezados pelo Fisco paulista. Ou seja, não há meio algum de oferecer prova positiva do fato jurídico específico consistente na circulação de mercadorias interestados. Essa situação de incerteza, parece desnecessário dizer, é criada por uma omissão do próprio ente tributante. 75 Se o que pretende o Estado de São Paulo é não ter de arcar com os custos de instalação e manutenção de tais Postos Fiscais de Fronteira, poderia ele, como alternativa, estabelecer a obrigatoriedade de plantão na sede administrativa do Município de fronteira, onde pudessem ser obtidos os respectivos vistos. Poderia, ainda, delegar semelhantes atribuições à Polícia do Estado, encarregada de reter sob carimbo uma via das notas fiscais das cargas.

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fato gerador quanto da pretensa simulação)70. O próprio CTN consagra regra de interpretação em favor do acusado no campo das infrações tributárias (art. 112). Sintomaticamente, no direito estrangeiro, não se admitem, em regra, presunções nos casos de fraude, cabendo o ônus da prova quanto ao fato probando integralmente à Administração tributária71. Entre nós, diz-se que “as presunções não devem ter admissibilidade no que tange às infrações subjetivas”, já que “o dolo e a culpa não se presumem, provam-se”72.

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Diante desse quadro, não se pode alegar que bastaria, para fins de aplicação da presunção do art. 36, § 4º, do RICMS/2000, a falta de carimbos das autoridades fiscais dos Estados vizinhos a São Paulo (i.e., dos Estados destinatários ou de passagem das mercadorias) porque o Fisco paulista não pode delegar ao Fisco de outro Estado-membro um ônus que é seu, até porque aquele não teria como fiscalizar, por exemplo, o Fisco mineiro ou o Fisco baiano quanto ao cumprimento de tais exigências. As Secretarias de Fazenda dos Estados-membros, ressalvados eventuais convênios, têm independência entre si.

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Consequentemente, a ser utilizada uma presunção de que a operação realizada pelo contribuinte paulista é interna, a aplicação da alíquota interestadual prevista pela Constituição ficará condicionada a uma prova negativa de impossível produção pelo contribuinte, i.e., à prova de que as mercadorias não ficaram dentro do Estado de São Paulo.

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Em resumo: de um lado, o Fisco paulista não fiscaliza nem estabelece os meios para atestar as saídas dos produtos vendidos por contribuintes paulistas a clientes situados em outros Estados da Federação; de outro, também os Estados de destino ou de passagem podem ou não atestar a efetiva entrada de mercadorias em seu território, o que é agravado pela sua eventual inefetividade de controle ou pelo seu estreito horário de funcionamento; o contribuinte, por sua vez, é que sai inteiramente prejudicado pela ineficiência administrativa, onerado com uma prova impossível e, por conseguinte, com uma alíquota incompatível com a operação por ele efetivamente realizada. É evidente que, na medida em que a própria Administração Tributária paulista (e também o Fisco do Estado de destino), diante de sua omissão, não possui condições de atestar a efetiva saída/ entrada de mercadorias em seus territórios, tal encargo não pode ser atribuído ao contribuinte, sob pena de se lhe imputar nítida

probatio diabolica76, até porque os contratos foram realizados com cláusulas FOB, fator que impede a efetiva verificação do destino pela parte alienante. A ser imputada semelhante prova diabólica (i.e., de impossível cumprimento) ao contribuinte – em razão da desídia da própria Administração Tributária (que deixou de fixar postos fiscais nas localidades adequadas ou então de estabelecer alternativa para tanto) –, o art. 36, § 4º, do RICMS/2000 converter-se-ia em presunção absoluta ou, mais do que isso, em verdadeira ficção de que as operações realizadas pelos contribuintes paulistas seriam sempre internas. Como já foi destacado, contudo, tanto as presunções absolutas quanto as ficções são inadmissíveis no Direito Tributário (v., supra, n. 9). Resulta daí a manifesta inadmissibilidade da autuação impugnada. Por fim, cabe destacar que semelhante pretensão tributária do Estado viria amparada por uma omissão sua – e somente sua – em desfavor do contribuinte (i.e., pela falta de postos fiscais, impossibilitando a prova da saída efetiva das mercadorias vendidas a outros Estados). A ser mantida, configurar-se-ia, portanto, nítida violação à vedação de locupletamento por sua própria torpeza (nemo propriam turpitudinem allegare potest) pelo Fisco.

12 ENCERRAMENTO Do que foi exposto nos itens anteriores, podem ser extraídas as seguintes conclusões: i) O fato gerador da operação interestadual de ICMS realiza-se, em sua inteireza, no momento em que as mercadorias são retiradas pela compradora do estabelecimento da vendedora (cláusula FOB). A partir de então, esta não tem qualquer inge76 O que torna, de toda maneira, ilegítimo o emprego de quaisquer presunções na esfera tributária (v., supra, n. 9).


ii) Não se pode imputar responsabilidade objetiva por infração de terceiros (art. 136 do CTN). Semelhante orientação ofenderia princípios basilares do direito administrativo sancionador, já que as sanções visam a estimular o cumprimento da legislação, sendo irracional a sua imposição a quem não tem qualquer ingerência sobre a situação tutelada. Em relação à vendedora das mercadorias, cabe apenas e tão somente o dever de exigir do destinatário que comprove sua regularidade perante o Fisco (arts. 31 e 59, § 1º, “4”, do RICMS/2000). Verificada a sua atuação diligente, afastada está a sua responsabilidade. Eventual obrigação tributária recai, então, sobre a compradora e o seu transportador, unidos por laço de solidariedade; iii) A atribuição de responsabilidade à vendedora – em razão de fato alheio que ela não pode evitar – ofende, ainda, o princípio da não cumulatividade e a natureza de imposto sobre o consumo do ICMS, que pressupõe, segundo a sua regulação constitucional, o repasse do ônus econômico ao adquirente; iv) O emprego de presunções, no direito tributário, está condicionado à ampla possibilidade de produção de contraprova pelo contribuinte, já que a tributação somente pode ocorrer dentro da esfera de poder outorgada pelas regras constitucionais de competência tributária, obedecidos, ainda, os princípios da capacidade contributiva objetiva, da legalidade e da tipicidade. Assim, dentro das categorias usualmente propostas pela doutrina, somente são admitidas as presunções relativas, sendo ilegítimas, desde esta perspectiva, as presunções mistas (que restringem a prova em contrário) e, a fortiori, as presunções absolutas;

v) A dinâmica das presunções apresenta duas características essenciais. Primeira: para que entre em cena a presunção, é necessária a comprovação do fato-base (indício) a partir do qual se infere o fato probando. Segunda: produzida contraprova relevante (admitindo-se até mesmo um “princípio de prova” contrária), a presunção deixa de operar, cabendo ao órgão julgador esclarecer o material fático e permanecendo em dúvida, julgar com base nas regras usuais sobre ônus da prova; vi) O ônus da prova do fato gerador de tributo compete ao Fisco. De modo algum cabe sustentar que a presunção de legitimidade dos atos administrativos conduz à inversão do ônus da prova em desfavor do contribuinte, bastando um princípio de prova, por parte deste, para que a Administração esteja obrigada a comprovar devidamente os fundamentos do seu agir, algo que resulta do seu próprio dever de motivação. Ademais, é pacífico em doutrina que, para a desconsideração de negócios jurídicos praticados pelo contribuinte, compete sempre ao Fisco o ônus da prova da suposta simulação. À luz das considerações anteriores, tais premissas conduzem necessariamente ao entendimento de que: vii) Não se pode imputar responsabilidade ao alienante pela diferença de alíquotas devida em razão do suposto desvio das mercadorias vendidas com cláusula FOB à empresa destinatária situada em outro Estado, já que a obrigação em questão resulta de fato ulterior e autônomo em relação ao fato gerador da operação interestadual. Não se verifica culpa (omissão de dever de diligência) a embasar a responsabilidade por infrações ou interesse comum a justificar solidariedade. Ademais, semelhante pretensão fere a natureza do ICMS de imposto sobre o consumo e o princípio da não cumulatividade, obrigando o alienante a suportar o encargo econômico do tributo em razão de infrações praticadas por terceiros;

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rência sobre o destino das mercadorias, de modo que obrigação tributária resultante de diferença de alíquotas em razão do desvio das mercadorias depende, necessariamente, de fatos ulteriores e autônomos, alheios à vendedora, consistentes em infrações da legislação tributária praticadas pela compradora e/ou pelo transportador;

viii) Não há como exigir do contribuinte a prova direta de que as mercadorias efetivamente ingressaram no Estado destinatário,

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algo que sequer as Secretarias da Fazenda podem constatar e que configura, portanto, probatio diabólica a invalidar o emprego de quaisquer presunções, por tornar a contraprova impossível, tal como ocorre nas presunções absolutas e ficções, inadmissíveis no direito tributário. Ademais, pretensão tributária que daí resultasse afrontaria a regra de que ninguém poderá beneficiar-se de sua própria torpeza, já que a situação de incerteza jurídica criada é causada inteiramente pela ineficiência administrativa do ente tributante;

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ix) Ao apresentar prova que razoavelmente se lhe poderia exigir, demonstrando pelos meios possíveis a efetividade da venda a outro Estado, o contribuinte desincumbe-se do seu ônus de contraprova em relação à presunção (art. 36, § 4º, do RICMS) invocada pelo Fisco, que não pode servir de fundamento, portanto, para o julgamento. A um, por faltar o seu próprio pressuposto legal (ausência de comprovação da saída das mercadorias com destino a outro Estado); a dois, porque exigir a prova direta da saída das mercadorias pelo contribuinte, especialmente diante da omissão do Fisco paulista em estabelecer postos de fronteira, configuraria probatio diabolica. O mecanismo utilizado para fundamentar a pretensão tributária, portanto, é inteiramente inadmissível no ordenamento jurídico brasileiro. Solução contrária implicaria ofensa aos princípios da legalidade, tipicidade, capacidade contributiva, repartição de competências, ampla defesa e verdade material;

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x) Afastada a presunção, cabe ao Fisco o ônus da prova do fato gerador do tributo lançado, consistente na suposta simulação ou fraude praticada em relação ao destino das mercadorias, sob pena de anulação do auto de infração por ausência de motivação; xi) Eventual alegação de desvio das mercadorias, uma vez identificado o transportador contratado, torna necessária a inclusão deste como sujeito passivo no lançamento, na qualidade de obrigado solidário com o comprador.


Doutrina

O Conceito de Sentença e o Projeto do Novo CPC JOSÉ HENRIQUE MOUTA ARAÚJO

Pós-Doutor (FDUL), Doutor e Mestre em Direito (UFPA), Professor Titular da Universidade da Amazônia, do Centro Universitário do Estado do Pará e da Faculdade Ideal, Procurador do Estado do Pará, Advogado.

RESUMO: O texto procura enfrentar os conceitos dos pronunciamentos judiciais no atual e no projeto do novo Código de Processo Civil, interpretando a divergência interpretativa ligada à sentença e seu reflexo na teoria geral dos recursos. PALAVRAS-CHAVE: Projeto do novo CPC; conceito de sentença; interlocutória de mérito; divergência interpretativa; futuro dos pronunciamentos judiciais. SUMÁRIO: Introdução; I – O conceito de sentença no atual CPC – Divergência interpretativa; II – Sentença e interlocutória de mérito no NCPC; Referências.

INTRODUÇÃO O tema que será tratado neste ensaio refere-se à análise dos pronunciamentos judiciais, enfrentando a evolução interpretativa sobre o conceito de sentença e as perspectivas ligadas ao projeto do novo CPC (que será mencionado como NCPC).

Já possuo outros textos e livros publicados1 em que enfrento o tema ligado às interlocutórias de mérito e a (in)existência de sentenças parciais, a partir das reformas ocorridas no CPC de 1973. Agora, com o projeto do NCPC, acredito que, de um lado, as discussões conceituais tendem a diminuir ou mesmo encerrar e, de outro, ganharão espaço os aspectos práticos ligados à formação da coisa julgada nas decisões parciais de mérito e os reflexos no sistema de cumprimento, nos recursos e na ação rescisória. Uma coisa é certa: especialmente após as alterações ocorridas nos arts. 162, § 1º, 267, 269 e 273 do atual CPC, parte da doutrina e da jurisprudência passaram a admitir a existência de sentenças parciais (decisões que, mesmo não encerrando a fase de conhecimento, se enquadram nos arts. 267 e 269 da legislação processual), enquanto a outra parte defendeu a permanência conceitual das decisões interlocutórias de mérito. O tema é importante e reflete no projeto do NCPC, que consagra expressamente a possibilidade de interposição do recurso de agravo contra as decisões interlocutórias de mérito2. A redação atribuída ao art. 162, § 1º, do CPC de 1973 (pela Lei nº 11.232/2005) ao conceito de sentença demonstra que esta não encerra obrigatoriamente o processo, da mesma forma que poderá ocorrer decisão parcial de conteúdo meritório capaz de ensejar o 1 Sobre o tema, ver, entre outros, o livro, de minha autoria, intitulado Coisa julgada progressiva & resolução parcial de mérito. Curitiba: Juruá, 2007; e o artigo Tutela antecipada do pedido incontroverso: estamos preparados para a nova sistemática processual? Revista de Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 116, 2004. 2 Aliás, neste texto, quando se falar do projeto do NCPC, irá ser mencionada a redação contida na versão original e na advinda do Projeto do Senado Federal.


seu cumprimento provisório ou definitivo, mesmo com o prosseguimento da relação processual. Aliás, os pontos ora apresentados trazem importantes consequências, uma vez que a coisa julgada não ocorrerá em um só momento3, o que reflete na fluência do prazo decadencial para o ajuizamento da ação rescisória e na possibilidade de execução definitiva em momentos diferenciados.

I – O CONCEITO DE SENTENÇA NO ATUAL CPC – DIVERGÊNCIA INTERPRETATIVA Um dos temas mais discutidos nos últimos anos refere-se ao conceito de sentença. A redação original do § 1º do art. 162 do atual CPC a consagrava como sendo o “ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa”. Prevaleciam, portanto, os efeitos e as consequências do ato final de encerramento do processo.

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Contudo, após as reformas ocorridas na legislação processual, passou esse dispositivo a dispor que sentença “é o ato que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei” (redação oriunda da Lei nº 11.232/2005).

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A partir dessa nova redação, a doutrina e a jurisprudência passaram a divergir quanto à sua interpretação conceitual. Analisando apenas o conteúdo do ato processual, passou-se a discutir se qualquer decisão que se enquadrasse nos arts. 267 e 269 seria sentença e desafiaria o recurso de apelação. 3 Sobre o tema “formação progressiva da coisa julgada” (formazione progressiva del giudicato), vide: CARNELUTTI, Francesco. Diritto e processo. Napoli: Morano, 1958. p. 272 et seq.

Nesse contexto, surgiram as teses das sentenças parciais, recorríveis mediante apelação (por instrumento), e das resoluções interlocutórias de mérito, nos casos de decisões que não encerravam a fase de conhecimento, apesar de enquadradas nos arts. 267 e 269 da legislação processual. Em verdade, a sentença de mérito, em que pese ser um único pronunciamento judicial, pode ser analisada sob o enfoque de vários capítulos decisórios, o que irá ensejar, de um lado, a multiplicidade de interesse recursal – cada um com possível(eis) sucumbente(s) – e, de outro, a imutabilidade de seu conteúdo em momentos diferenciados4. Aliás, é razoável apontar uma crítica em relação ao novo conceito de sentença previsto nos arts. 162, § 1º, e 269 do CPC. Destarte, o primeiro dispositivo a conceitua como qualquer ato que se enquadre nos arts. 267 e 269 do CPC. Por outro lado, mesmo nos casos previstos no art. 267, a rigor, não há extinção do processo, considerando que este prosseguirá para a fase de cumprimento, no que respeita ao pedido acessório (despesas judiciais, honorários, etc.)5. Por outro lado, durante o andamento da relação jurídica processual, é admissível a existência de decisões de conteúdo meritório 4 Sobre os capítulos da sentença e a aplicação no sistema recursal, vide: MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao código de processo civil. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 5, 1999. p. 352-354. 5 Comentando as reformas advindas da Lei nº 11.232/2005, observa Araken de Assis: “O provimento que extingue o processo sem julgamento de mérito, consoante reza o art. 267, caput, deixado incólume pela reforma – o art. 162, § 1º, neste particular, dispõe que sentença é o ato ‘do juiz que implica alguma das situações previstas’ no art. 267 – tampouco o extinguirá realmente: ao menos quanto ao capítulo acessório da sucumbência comportará execução a favor do réu vencedor [...]” (ASSIS, Araken de. Cumprimento da sentença. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 19).


In casu, se for resolvido o mérito da reconvenção, entendo que o pronunciamento é decisão interlocutória de conteúdo definitivo7, uma vez que a reconvenção se processa em simultaneus processus. O mesmo ocorre nos casos em que o réu, devidamente citado, reconhece juridicamente um dos pedidos cumulados (art. 269, II, do CPC), impugnando os demais, hipótese em que haverá a cisão do julgamento do mérito8. Não se deve esquecer, apesar de não acompanhar, que há entendimento que admite a possibilidade de existência de sentença parcial de mérito, capaz de ensejar a interposição de apelação, em que pese o feito ainda ter prosseguimento em 1º grau. 6 Importante destacar que o projeto do NCPC pretende estimular o pedido contraposto e, consequentemente, esvaziar o cabimento da reconvenção (art. 337, da redação original, c/c art. 326, da redação oriunda do Senado). 7 “Reconvenção. Indeferimento liminar. Recurso cabível. Cabe agravo, e não apelação, do provimento judicial que indefere liminarmente a reconvenção, ainda que por equívoco haja sido o pedido reconvencional autuado em apartado. Recurso especial não conhecido.” (STJ, REsp 20313/MS, 4ª T., Rel. Min. Athos Gusmão Carneiro, J. 18.05.1992, DJ 08.06.1992, p. 8623; RT, v. 698, p. 221) 8 Mitidiero assim se manifesta acerca do reconhecimento parcial do pedido e a cisão do julgamento da causa: “O reconhecimento a que alude o Código no art. 269, II, é o reconhecimento total. O reconhecimento parcial não dá ensejo à extinção do processo, embora possa dar lugar à cisão da decisão de mérito da causa, por obra do art. 273, § 6º, do CPC” (MITIDIERO, Daniel Francisco. Comentários ao código de processo civil. São Paulo: Memória Jurídica, t. II, 2005. p. 555).

Aliás, no caso da reconvenção, a recíproca é verdadeira, considerando que o próprio art. 317 do CPC permite que, caso ocorra a extinção “da ação”9, nada obsta o prosseguimento da reconvenção10. A resolução de mérito pode ser produzida não só na sentença, mas também nas interlocutórias de mérito, capazes de formar coisa julgada e provocar o ajuizamento de rescisória. Mesmo com essa constatação, parte da doutrina passou a admitir a possibilidade de multiplicidade de sentenças em um único processo. Jean Carlos Dias assevera, em uma de suas conclusões de seu texto sobre o fim da unidade da sentença: 9 Necessário fazer este destaque tendo em vista que não se extingue a ação, mas apenas o processo. Contudo, no caso em questão, considerando que o processo continuará para apreciação da reconvenção, não é possível utilizar a expressão “extinção do processo”. Pela falta de expressão mais apropriada, utiliza-se “extinção parcial do processo” mediante decisão interlocutória. 10 Logo, prosseguindo o processo para a apreciação da reconvenção, a sentença nela proferida não necessita apreciar novamente as razões pelas quais foi extinta “a ação”. Aliás, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que: “Processual civil. Ação e reconvenção. Julgamento uno. Ofensa à coisa julgada. Não pode o Tribunal afastar-se dos limites da apelação e decidir em função de fundamentos, nela (apelação) não discutidos e de razões que não lhe foram formuladas. A existência de causa que extinga a ação, não obsta o prosseguimento da reconvenção. Se o juiz decretar, em qualquer fase, a extinção da ação principal, nem por isso se extingue o processo, porque perdura a relação processual com o conteúdo da ação do réu contra o autor. Em se omitindo, o Tribunal, no julgamento de questões jurídicas suscitadas no recurso, já na fase dos embargos declaratórios, cabe recurso especial com fundamento em ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil. Recurso provido. Decisão por maioria de votos” (REsp 61378/DF, 1ª T., Rel. Min. Garcia Vieira, Rel. p/o Ac. Min. Demócrito Reinaldo, J. 21.06.1995, DJ 04.09.1995, p. 27806).

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capazes de influir no seu prosseguimento. Por exemplo, se o juiz indefere a inicial de reconvenção por decadência (ou resolve o mérito desta – ex vi do art. 285-A do CPC)6 e, na mesma decisão, também rejeita citação de um litisconsorte passivo requerida pelo réu na contestação da ação, esse pronunciamento é interlocutório definitivo (para a reconvenção) e processual (para a ação).

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Em que pese o reconhecimento da possibilidade da multiplicidade de sentenças, isso depende de estar cada pedido autônomo efetivamente maduro para o julgamento e não importar no exaurimento do grau de jurisdição.11

Contudo, apesar de reconhecer a divergência interpretativa advinda da redação do art. 162 do atual CPC, continuo defendendo a existência das interlocutórias de mérito12, como nos casos envolvendo a resolução da reconvenção, a exclusão de um litisconsorte do processo ou mesmo o reconhecimento parcial do pedido. A rigor, a sentença permanece, na redação reformada do CPC de 1973, sendo o ato final de interligação entre as fases de conhecimento e cumprimento, o que não impede que possam ser proferidas decisões interlocutórias de mérito durante o andamento do processo13.

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Em sede jurisprudencial, o assunto também é polêmico. Este acórdão do TRF da 5ª Região deixou claro que o recurso, em

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11 DIAS, Jean Carlos. A reforma do CPC e o fim da teoria da unicdade da sentença – Lei nº 11.232/2005. Revista Dialética de Direito Processual, São Paulo: Dialética, n. 40, p. 84, jul. 2006. 12 No tema, ver ARAÚJO, José Henrique Mouta. Coisa julgada progressiva e resolução parcial de mérito. Curitiba: Juruá, 2007; ver, também, o ensaio O cumprimento de sentença e a 3ª etapa da reforma processual – Primeiras impressões. Revista de Processo, São Paulo: RT, n. 123, p. 156-158. 13 “Em que pese a alteração legislativa, é preciso continuar compreendendo a sentença como o ato que, analisando ou não o mérito da demanda, encerra uma das etapas (cognitiva ou executiva) do procedimento em primeira instância. O encerramento do procedimento fundar-se-á, como se disse, ora no art. 267, ora no art. 269 do CPC – isso é certo. Mas não há como retirar da noção de sentença – ao menos até que se reestruture o sistema recursal – a ideia de encerramento de instância.” (DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil. 4. ed. Salvador: JusPodivm, v. 2, 2009. p. 282)

caso de decisão parcial, é o agravo de instrumento (apesar de entender que se enquadra no conceito de sentença): Processual civil e tributário. Extinção de CDA. Decisão parcial de mérito. Apelação. Inadequação. Agravo de instrumento. Recurso cabível. 1. Decisão que extingue CDA, não obstante aprecie parcialmente o mérito e, desse modo, enquadre-se no conceito de sentença, não desafia o recurso de apelação, porquanto tal recurso não contempla a subida por instrumento, mas sim dos próprios autos, o que obsta o regular andamento da parte remanescente não atingida pela decisão. 2. Hipótese em que, tendo sido interposta apelação, ao invés do recurso de agravo de instrumento, o não recebimento do apelo impõe-se ante a sua inadequação. 3. Agravo de instrumento improvido. (TRF 5ª R., AG 200705000713037, Des. Fed. Luiz Alberto Gurgel de Faria, DJ 12.03.2008 p. 786, n. 49, Decisão: 19.02.2008)

Por outro lado, entendeu o TJMG: Agravo regimental. Exclusão de um dos litisconsortes do polo passivo. Sentença terminativa. Recurso cabível. Apelação. I – Assente o entendimento de que a decisão que exclui uma das partes do polo passivo, extinguindo em relação a ela o processo, constitui sentença terminativa a desafiar a interposição de recurso de apelação, e não agravo. (Processo nº 1.0024.07.770845-1/002(1), Rel. Des. Fernando Botelho, J. 23.10.2008, DJ 19.11.2008)

Esta divergência, no conceito de sentença e de interlocutória de mérito, será enfrentada no projeto do NCPC, como se passa a demonstrar.

II – SENTENÇA E INTERLOCUTÓRIA DE MÉRITO NO NCPC O projeto da nova legislação processual enfrenta o tema ligado aos conceitos dos pronunciamentos judiciais. No art. 158 da redação original (art. 170 do Projeto do Senado), o NCPC procura classificá-los e, em resumo, passa a indicar que sentença é o


Ora, já foi observado no decorrer deste ensaio que, nos termos da redação do art. 162 do atual CPC, desenvolveram-se duas correntes interpretativas para tentar conceituar as decisões que, no curso do processo, resolvem parcialmente o mérito (decisões interlocutórias de mérito ou sentenças parciais de mérito). Esta bifurcação interpretativa gerou reflexos no sistema recursal, na formação gradual da coisa julgada e no cabimento de rescisória contra resoluções parciais de mérito. Contudo, parece que o projeto do NCPC irá colocar a última pá de cal nesta discussão, tendo em vista que, em várias passagens, menciona a existência de interlocutórias de mérito, como, v.g., nos arts. 929, II (na redação do Senado – art. 969, II), 857, § 1º (na redação do Senado, há indicativo no art. 892, V, mas, ao invés de interlocutória de mérito, prefere mencionar tutela de urgência e de evidência, sendo que esta última é modalidade de interlocutória de mérito). Ademais, o NCPC passará a conceituar sentença como o ato que põe fim à fase cognitiva do procedimento comum ou à execução (art. 158, § 1º, c/c art. 170, § 1º). Portanto, pelo que se pode perceber, procura o projeto conceituar este pronunciamento pelos seus efeitos e pela recorribilidade. Com efeito, a controvérsia que foi travada no CPC de 1973 poderá deixar de existir. O conceito de sentença estará ligado às consequências e ao recurso cabível (apelação), mas o sistema não impedirá a existência de resoluções de mérito que não se

enquadrem no conceito de sentença (nos termos do art. 158, § 2º, c/c art. 170, § 2º, do Projeto do Senado, no qual consta o conceito de decisão interlocutória). Acredita-se, nesse fulgor, que o NCPC deixará clara a possibilidade de, no curso da relação processual, ocorrer decisão com caráter definitivo parcial (como no caso da tutela do incontroverso, da exclusão de um litisconsorte ou a resolução de um dos pedidos cumulados), sendo enquadrada como interlocutória de mérito, e não sentença parcial. E quais seriam os reflexos dessa previsão legal? Penso que será admitida, sem maiores questionamentos, a formação progressiva da coisa julgada e a possibilidade de execução definitiva de partes do mérito resolvidas em momentos diferenciados. Além disso, o recurso contra essas decisões parciais de mérito será, expressamente, o agravo de instrumento, e não apelação. Nota-se, com isso, que, considerando a existência de uma única relação jurídica processual, é possível fazer as seguintes observações: a) a resolução de mérito nem sempre é obtida mediante sentença; b) mesmo havendo uma só decisão meritória, ela pode ser analisada em seus múltiplos capítulos, refletindo no interesse recursal e no processo de formação da coisa julgada.

Logo, essas decisões interlocutórias de mérito, se não forem recorridas por meio de agravo de instrumento, irão provocar a formação da coisa julgada, o início da fluência do prazo para a rescisória e a possibilidade de cumprimento definitivo.

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pronunciamento por meio do qual o juiz encerra a fase cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução. Por outro lado, decisão interlocutória é qualquer procedimento judicial decisório que não se enquadre na descrição de sentença.

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Enfim, o conceito de sentença, que vem servindo a muitas discussões nos últimos anos, tende a encontrar seu correto enquadramento, pelo menos é o que se pode observar pela redação contida no projeto do NCPC.

REFERÊNCIAS ARAÚJO, José Henrique Mouta. Coisa julgada progressiva & resolução parcial de mérito. Curitiba: Juruá, 2007.

DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil. 4. ed. Salvador: JusPodivm, v. 2, 2009.

______. Tutela antecipada do pedido incontroverso: estamos preparados para a nova sistemática processual? Revista de Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 116, 2004.

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CARNELUTTI, Francesco. Diritto e processo. Napoli: Morano, 1958. DIAS, Jean Carlos. A reforma do CPC e o fim da teoria da unicdade da sentença – Lei nº 11.232/2005. Revista Dialética de Direito Processual, São Paulo: Dialética, n. 40, jul. 2006.

______. O cumprimento de sentença e a 3ª etapa da reforma processual – Primeiras impressões. Revista de Processo, São Paulo: RT, n. 123.

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ASSIS, Araken de. Cumprimento da sentença. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

MITIDIERO, Daniel Francisco. Comentários ao código de processo civil. São Paulo: Memória Jurídica, t. II, 2005. MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao código de processo civil. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 5, 1999.


Doutrina

De “Pessoa da Família” a “Diarista”. Domésticas: a Luta Continua! JORGE LUIZ SOUTO MAIOR Juiz do Trabalho, Titular da 3ª Vara do Trabalho de Jundiaí, Professor Livre-Docente da Faculdade de Direito da USP.

Doméstica! Ela era Doméstica! Sem carteira assinada Só caía em cilada Era empregada Doméstica! [...] Doméstica! Era a americana, de doméstica A nêga deu uma gargalhada Disse: “Agora tô vingada Tu vai ser minha Doméstica!” (Doméstica, Eduardo Dusek) “Veja bem meu patrão como pode ser bom Você trabalharia no sol E eu tomando banho de mar” (Caxangá, Milton Nascimento) É a volta do cipó de arueira No lombo de quem mandou dar (Arueira, Geraldo Vandré)

Noticia o site do Senado Federal: “Aprovada a Lei Áurea do Século 21”. Seriam exagerados os termos da chamada? Abstraindo o possível interesse eleitoral envolvido na notícia, que é, por sinal, bastante legítimo, dado o relevante fato a que faz alusão, e atendidas as devidas proporções, acredito que a frase tem o mérito de chamar a atenção para a necessidade de relacionarmos as duas situações histórias, para, primeiro, apreendermos a enorme importância que efetivamente possui a PEC 66/2012 e, segundo, para não cometermos os mesmos erros verificados por ocasião da abolição dos escravos, erros esses, aliás, que repercutem ainda hoje, pois conforme advertência feita por Emília Viotti, a partir das observações de Florestan Fernandes, “o movimento abolicionista extinguiu-se com a abolição [...]. Alcançado o ato emancipador, abandonou-se a população de ex-escravos à sua própria sorte”1. Lembre-se, a propósito, que um dos exemplos do resquício da lógica escravagista entre nós é, exatamente, a forma como o trabalho doméstico tem sido tratado, cultural e juridicamente, isso sem falar dos argumentos, pautados pela retórica apocalíptica, que desde o término da escravidão são apresentados de forma recorrente para se contraporem aos direitos dos trabalhadores em geral. Com efeito, por ocasião da lei de férias, em 1925, foi dito que as férias destruiriam a moral dos trabalhadores brasileiros; em 1943, 1 COSTA, Emília Viotti da. Da senzala à colônia. São Paulo: UNESP, 1998. p. 511.


que a CLT arruinaria as indústrias; em 1963, que o estatuto do trabalhador rural imporia a bancarrota no campo... Como de resto sempre se faz com relação às proteções específicas do trabalho do adolescente e da mulher, afirmando que essas normas de

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proteção dificultariam a sua inserção no mercado de trabalho.

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Não se trata, aliás, de mero resquício, pois, no Brasil, o trabalho escravo ainda se mantém sob as mais variadas formas, tanto que a luta contra o trabalho escravo é um tema relativamente recente, tendo iniciado, de modo mais preciso, em 1993, quando a OIT, por intermédio de um relatório, apresentou dados relativos a 8.986 denúncias de trabalho escravo no Brasil. Como reação, em 1995, foi criado o Grupo Especial de Fiscalização Móvel, do Ministério do Trabalho, para atuação específica no meio rural e investigação de denúncias de trabalho escravo; em 1998, foi aprovada a Lei nº 9.777, que alterou os arts. 132, 203 e 207 do Código Penal (considerando crime: exposição da vida ou a saúde das pessoas a perigo direto e iminente; frustrar direito assegurado pela legislação trabalhista mediante fraude ou violência; aliciar trabalhadores e conduzi-los de uma para outra localidade do território nacional mediante fraude); em 12 de setembro de 2002, foi instituída a Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo – Conaete, no âmbito do Ministério Público do Trabalho; em 2002, a Lei nº 10.608/2002 assegurou o pagamento de seguro-desemprego ao trabalhador resgatado da condição análoga à de escravo; em 2003, a Lei nº 10.803 alterou o art. 149 do Código Penal, buscando uma tipificação mais precisa das condutas que caracterizam o crime de reduzir alguém à condição análoga à de escravo, equiparando à situação de trabalho em condições degradantes; em 2003, foi anunciado o Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo, do Ministério do Trabalho e Emprego; em 2008, tal Plano foi atualizado; e, presentemente, discute-se no Senado Federal a denominada PEC contra o trabalho escravo, que prevê o con-

fisco de propriedades em que trabalho escravo for encontrado, destinando-as à reforma agrária e ao uso social urbano. No Estado de São Paulo, no Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, 28 de janeiro, no ano de 2013, foi sancionada uma lei que cancela a inscrição no cadastro estadual de contribuintes, ICMS, de empresas nas quais se constate a exploração do trabalho em condições análogas à de escravo, proibindo-as de atuar por 10 (dez) anos. A situação que gira em torno da aprovação da PEC do trabalho doméstico e da sua repercussão social representa, pois, uma chance a mais para que a sociedade brasileira dê o sobressalto necessário para abandonar, enfim, a lógica escravagista, que insiste em nos rodear. Do ponto vista cultural, é essencial produzir uma racionalidade que possa servir à formulação teórica do sentido da condição humana, integrado a uma lógica sempre evolutiva. O que está em jogo não é simplesmente a possibilidade econômica dos patrões (ou patroas, como se diz) de suportarem os novos direitos das domésticas, e sim a nossa capacidade de concebermos raciocínios que forneçam bases à consolidação de uma sociedade efetivamente justa, na qual o respeito à dignidade humana possa ser uma realidade para todos os cidadãos. Nesse contexto, o mais relevante é, portanto, afastar todo (todo mesmo) tipo de argumento que, por qualquer motivação, interesse ou deficiência intelectiva, tenda a desconsiderar a dimensão humanista da PEC, que, ademais, antes de se constituir uma evolução, representa, isto sim, a correção de uma injustiça histórica. Fazendo o necessário paralelo com o período da abolição, é possível, ademais, perceber o quanto os argumentos contrários à PEC se assemelham ao que fora dito pelos senhores de escravos diante da iminência do fim da escravidão.


Quando os primeiros passos nessa direção começaram a ser

vestir, a alimentação não lhes faltava e os senhores ‘por senti-

dados no Brasil com o projeto da Lei do Ventre Livre, os oposi-

mento inato e habito comum’ eram verdadeiros pais de seus

tores à mudança diziam, abertamente, que o escravo era uma

escravos, e estes poderiam ser considerados verdadeiramente

“propriedade tão legítima como outra qualquer” e que, portanto,

emancipados”3.

não poderia ser violada (Alencar Araripe). Esse mesmo “pensador” dizia: “Não nos devemos levar só pelos sentimentos de filantropia em favor dos escravos quando arruinamos as nossas próprias famílias e prejudicamos o Estado [...]. Que prurido de liberdade é esse, pois temos vivido com a escravidão por mais

Tentou-se, por fim, formar o convencimento de que a abolição representaria a falência da economia nacional e percebendo que o argumento não era sustentável, tendo à vista a grande inserção do trabalho imigrante nas lavouras, passou-se a defender

de três séculos e não podemos suportá-la mais alguns anos?”2.

a necessidade do recebimento de uma indenização pela perda

Esses argumentos se assemelham, e muito, aos que agora se

dizia Rui Barbosa, quem deveria ser indenizado eram os escra-

expressam contra os direitos das empregadas domésticas,

vos, em razão dos longos anos de trabalho sem o recebimento

chegando-se a afirmar que as “famílias”, porque não vislumbram

de salário e em função das condições a que foram submetidos.

da “propriedade”, qual seja, os escravos. Mas, a partir do que

uma exploração econômica na atividade da doméstica, não têm como suportar os custos consequentes desses novos direitos. Houve mesmo quem dissesse, à época da Lei do Ventre Livre, que a extinção da escravatura além de ser um roubo, um esbulho de “inspiração comunista” (Almeida Pereira), significando a ruína da propriedade, ainda não considerava a realidade extremamen-

de indenizações conduziu Rui Barbosa, na qualidade de Ministro da Fazenda, a promover, no dia 13 de maio de 1891, quando se comemoravam os dois anos da abolição da escravidão no Brasil, acompanhado por vários líderes abolicionistas, em ato simbólico, uma grande fogueira no centro do Rio de Janeiro, que

assegurava ao escravo situação invejável, superior à do jorna-

Quando, presentemente, a Constituição equipara os direitos das

leiro europeu, do proletário dos grandes centros industriais. [...].

domésticas aos dos demais trabalhadores, as mesmas gritas

Repetia-se que o tratamento do negro era bom, tinham do que

ressurgem no que tange à desgraça em que a classe média vai

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te favorável em que viviam os escravos. Conforme relata Viotti,

A insistência dos ex-senhores de escravos para o recebimento

2 Idem, p. 419.

3 Idem, p. 420.

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“mencionava-se a benignidade dos senhores, a suavidade das relações domésticas e dizia-se novamente que a escravidão

foi alimentada por escrituras públicas em que se registravam escravos como propriedades de alguém.


cair, chegando-se mesmo a difundir a ideia de que a lei causará

rar ao trabalhador, em qualquer atividade, a eficácia de valores

um grande mal às próprias trabalhadoras, vez que estas serão

essenciais à preservação de sua condição humana.

conduzidas à sua própria sorte, porque os empregadores (ou patroas, como se diz), “irritados” com os custos consequentes dos novos direitos, além de não votarem nos políticos que encabeçaram a alteração, ainda promoverão o desemprego em massa das domésticas, substituindo-as por “diaristas”, que não possuem os mesmos direitos. Não é nada além, no entanto, da explicitação da mesma lógica escravagista, que alguns insistem em preservar nas relações de trabalho no Brasil e, sobretudo, no trabalho doméstico, sendo obrigados, nesse último aspecto, a retirar o disfarce, na medida em que deixa de ser sustentável o argumento de que as domésticas não possuem os mesmos direitos que os demais empregados porque são como “membros da família”. Esse argumento era válido para justificar as diferenças de direitos e agora, como há a igualdade, não fica bem falar que um “membro da família” possa receber um tratamento que desconsidere os seus

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direitos. Assim, joga-se fora o “membro da família” e passa-se a tratar a doméstica como uma coisa, que, por sinal, gera um custo muito alto... Culturalmente, precisamos assumir, de uma vez, que não se justifica direcionar à empregada doméstica direitos inferiores aos que se conferem aos demais empregados, sendo certo que os direitos trabalhistas, na sua dimensão básica, isto é, no patamar mínimo, não foram concebidos em função do tipo de

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empregador (indústria, comércio ou outros), mas para assegu-

De fato, a única forma eficaz de um empregador homenagear a sua empregada doméstica é a de respeitar os seus direitos, até porque o trabalho é elemento da dignidade e esta é um atributo de toda pessoa humana, sem qualquer distinção, não se concebendo que um trabalho prestado por alguém, diante da necessidade de sobrevivência, a outra pessoa, seja fator de supressão da dignidade. De todo modo, ainda que não se queira, culturalmente, chegar a essa proposição, haver-se-á de respeitar, querendo ou não, os efeitos jurídicos aplicáveis ao fato, que transcendem o processo do convencimento moral. Nesse aspecto, existe uma enorme diferença entre o que se passou em 1888 e o que deve ocorrer agora, em 2013. Naquela época, a abolição se fez dentro do projeto da construção da ordem jurídica de cunho estritamente liberal, tendo sido integrada ao contexto político e ideológico da justificação da superioridade meritória do trabalho não manual, possibilitando o estabelecimento de uma hierarquização a partir das capacidades individuais4. Por isso, o escravo liberto foi conduzido à própria sorte. Dizer que o ex-escravo foi conduzido à própria sorte é, aliás, uma força de expressão que não reflete a realidade por ele vivida. De fato, o ex-escravo não tinha condições materiais de sobrevivência e não tinha como concorrer no mercado de trabalho livre que se procurava instaurar. 4 Cf. SAES, Décio. A formação do Estado burguês no Brasil (1888-1891). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. p. 296.


Vale recordar que para a ordem liberal, consagrada na Declaração de 1789, oriunda da Revolução Francesa, a consagração de que os homens “são livres e iguais em direitos” estava integrada ao objetivo de estimular as desigualdades meritórias, pois a igualdade referida foi fixada dentro de um direito que vislumbrava a igualdade como mero pressuposto para a formulação livre de negócios jurídicos privados, não se importando se os efeitos desses negócios, que não tomavam como parâmetro as desigualdades econômicas, viessem a reforçar as desigualdades e a aniquilar a liberdade. Agora, em 2013, a situação da “libertação” das trabalhadoras domésticas se insere em contexto bastante diverso, qual seja, o de uma ordem jurídica de índole social, que não se satisfaz com a mera declaração formal da liberdade e da igualdade. Quando se fala de igualdade na ordem jurídica do direito social, que é o marco teórico das Constituições do século XX, entre elas a do Brasil, vislumbra-se a integração do cidadão a um projeto da construção da igualdade material, considerada essencial para que a liberdade seja concretamente exercida. O Direito, desse modo, instrumentaliza a realidade, induzindo comportamentos na direção concreta da justiça social. Isso quer dizer que ninguém, ninguém mesmo (sobretudo os mais debilitados por uma condição pessoal ou econômica, tais

como as crianças, as pessoas com deficiência, os enfermos, os hipossuficientes econômicos e desprovidos dos meios de produção e os integrados a grupos minoritários), dentro do Estado Democrático de Direito Social, está conduzido à sua própria sorte, ou à sua má-sorte na vida, vez que os membros da sociedade, todos, estão interligados por um vínculo jurídico básico, a solidariedade, que adquire feição obrigacional nas esferas vertical e horizontal, gerando responsabilidades do Estado para com os cidadãos e destes entre si. Concretamente, o que se passou com os ex-escravos no período pós-abolição não deve, portanto, ocorrer com as empregadas domésticas com o advento da lei que veio para lhes conferir direitos, corrigindo uma injustiça histórica. Assim, os argumentos, que se apresentam de forma retórica para negarem a viabilidade e a eficácia dos direitos trabalhistas das empregadas domésticas, não possuem respaldo jurídico, sendo suficientes unicamente para revelar, como visto, a feição escravista que pende sobre o tema. Juridicamente falando, a PEC 66/12, embora não tenha adotado a técnica da revogação do parágrafo único do art. 7º da CF, como fazia a PEC 478/10 (que tramitou na Câmara dos Deputados), estabeleceu, expressamente, uma “igualdade de direitos trabalhistas entre os trabalhadores domésticos e os demais trabalhadores urbanos e rurais”, e ainda que com relação a alguns direitos (incisos I – proteção contra a dispensa arbitrária; II – seguro-desemprego; III – FGTS; IX – adicional noturno; XII – salário-família; XXV – auxílio-creche; e XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, do art. 7º), tenha vinculado a eficácia ao atendimento de algumas peculiaridades da relação de trabalho, a serem especificadas em lei, não o fez, obviamente, no sentido de negar aplicabilidade a tais direitos e de diminuir-lhes o potencial de efetividade.

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Assim, as dificuldades experimentadas pelo ex-escravo se inseriram no contexto da nova ordem, apresentando-se como o fundamento da implementação da lógica meritória justificadora das diferenças sociais no modelo liberal em formação, com uma legitimidade conferida pelo próprio Direito. Em outras palavras, a abolição foi essencial para a formação da ordem liberal (política e jurídica) e para cumprir esse papel não poderia ir além do que efetivamente foi.

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Destaque-se, a propósito, o reconhecimento expresso, exposto na justificação da PEC 478/10, de que “o sistema hoje em vigor, que permite a existência de trabalhadores de segunda categoria, é uma verdadeira nódoa na Constituição democrática de 1988 e deve ser extinto, pois não há justificativa ética para que possamos conviver por mais tempo com essa iniquidade. A limitação dos direitos dos empregados domésticos, permitida pelo já citado parágrafo único do art. 7º, é uma excrescência e deve ser extirpada”. Não há de se imaginar, portanto, que o Direito ao reconhecer essa injustiça histórica e estando pautado pela lógica da racionalidade social e da eficácia dos Direitos Humanos possa conduzir, na sequência, as empregadas domésticas à sua própria sorte, deixando que o advento dos direitos criados para a correção da injustiça histórica seja utilizado como fundamento para a produção de uma injustiça ainda maior.

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Relevante ressaltar isso porque após a aprovação da PEC um dos sensos que se pretendeu tornar dominante, por incentivo de

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alguns veículos de comunicação, foi o de que muitas “famílias”, diante dos custos gerados pelos novos direitos, dispensariam suas empregadas, gerando desemprego em massa e estimulando o desenvolvimento do mercado das diaristas. Mas, como dito, o direito social, ao projetar a retirada das empregadas domésticas da injustiça social histórica, não as deixaria à mercê dos caprichos e da avareza do “mercado”, afinal a alteração constitucional não se deu para conferir prevalência à vontade daqueles que ainda visualizam o emprego doméstico como uma forma de supremacia humana, integrado a uma esfera periférica à da autoridade dos Direitos Humanos. A igualdade de direitos institucionalizada, ademais, não se limita aos direitos inscritos na CLT. Trata-se de uma igualdade de direitos que abrange toda a ordem jurídica, começando pelos tratados e declarações internacionais, passando pela Constituição e demais leis, até atingir a integralidade da doutrina e da jurisprudência trabalhista aplicáveis aos empregados em geral, notadamente no que se refere à proibição da dispensa arbitrária ou discriminatória e da condenação da prática da marchandage, isto é, a intermediação de mão de obra. Desse modo, qualquer dispensa imotivada de empregadas domésticas, efetuada como represália ou intentada com a objetividade de obstaculizar a efetividade dos novos direitos sociais das trabalhadoras domésticas, não tendo, portanto, uma razão específica suficiente, será tida como uma dispensa discriminatória, que é vedada pelo ordenamento jurídico (Lei nº 9.029/1995), dando ensejo à reintegração da empregada ou ao pagamento de uma indenização compensatória, sem prejuízo das indenizações pelos danos pessoal e social, visto constituir a dispensa, ao mesmo tempo, uma agressão àquela pessoa a


Cumpre não olvidar que diante dos preceitos jurídicos extraídos do princípio da não discriminação, a discriminação não exige prova para ser identificada, ou seja, é presumida a partir de indícios razoáveis, sobretudo quando se esteja diante de uma situação em que se possa extrair a suspeita de uma prática diferenciadora. No caso em questão, ademais, a presunção da discriminação de dispensas de empregadas domésticas após o advento da PEC não decorreria de mera suspeita, mas do próprio sentimento que foi manifestado publicamente. Seguindo a linha da investigação proposta, o outro equívoco jurídico que se tem cometido no tema em questão, e que é ainda mais grave, é o de considerar que se possa substituir a empregada doméstica, a quem a PEC garantiu integralidade de direitos trabalhistas, por uma diarista, que não teria os mesmos direitos, admitindo-se, inclusive, chegar à ofensiva situação de a diarista, na mesma residência, ser exatamente a pessoa que antes ostentava a condição de empregada doméstica, a quem a patroa, inclusive, estaria fazendo um grande favor, vez que a alteração teria sido culpa desses novos, “inoportunos e excessivos” direitos, tudo isso acompanhado de um processo de convencimento da própria empregada doméstica/diarista, patrocinado fortemente por parte da grande mídia, pois a grande revolução que se quer evitar é a de que as trabalhadoras domésticas tomem consciência de sua posição igualitária em

direitos e cidadania, garantida pela Constituição, principalmente para que se preserve a lógica da gratidão a partir do sentimento das domésticas de que deram sorte na vida ao se depararem com uma patroa boa de coração, disposta a lhes conceder benesses e favores. Mas o que a PEC pretendeu foi eliminar a existência de trabalhadores de segunda categoria, partindo do reconhecimento de que a ausência de plenos direitos no ambiente do trabalho doméstico representava uma agressão aos preceitos éticos. Não se pode considerar, portanto, que a mesma norma constitucional serviria para embasar, juridicamente, a persistência do trabalho da denominada “diarista” sem a proteção jurídica trabalhista, ou seja, preservando o modelo que houvera condenando, explicitamente. Conferir direitos à empregada doméstica e manter a diarista sem direitos, abrindo espaço à generalização da hipótese, significaria refundar a indignidade do trabalho doméstico, tornando-o ainda mais perverso. Pior seria tomar como justificativa jurídica para tanto o mesmo documento (a Constituição), que foi alterado, precisamente, para eliminar a injustiça ainda que tardiamente reconhecida. Sem a imposição de uma racionalidade jurídica que vise a garantir a eficácia do projeto institucionalizado pela PEC, a diarista se constituirá na trabalhadora de segunda categoria, gerando o efeito esdrúxulo da preservação da mesma nódoa que fora identificada na Constituição, a tal iniquidade para a qual precisaríamos, então, encontrar uma justificativa ética para com ela conviver. É inconcebível, pois, dada a incoerência racionalmente insuperável e moralmente insuportável, que se mantenha a fórmula jurídica, que já havia sido uma construção bastante artificial, vale

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quem, até poucos dias atrás, se considerava um “membro da família” e que foi descartada porque adquiriu direitos trabalhistas e humanos; e uma agressão ao projeto político-jurídico do nivelamento básico da condição social e econômica das domésticas com relação aos trabalhadores em geral, atingindo, reflexamente, a eficácia do Direito do Trabalho como um todo e a própria autoridade da Constituição.

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frisar, em torno da figura da diarista. No ambiente jurídico inaugurado pela PEC não é mais possível falar, portanto, em diarista, ou seja, em uma trabalhadora doméstica a quem não se garanta a integralidade dos direitos trabalhistas, ainda mais sabendo-se, como se sabe, que a diarista representa a precarização do trabalho doméstico, ou seja, a perversão da perversidade.

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A preocupação da alteração constitucional foi a de levar ao trabalho doméstico a eficácia dos direitos trabalhistas, visualizados no contexto das racionalidades do Direito Social e dos Direitos Humanos, sobressaindo a relevância em torno dos direitos à limitação da jornada de trabalho e aos períodos de descanso, e se considerarmos juridicamente válida a substituição da empregada doméstica pela diarista sem direitos, o efeito será o de ampliar a ineficácia desses mesmos direitos no ambiente doméstico, até porque, para obter a mesma quantidade de serviços, em menos dias, o contratante acabará exigindo da diarista uma jornada de trabalho sem qualquer limite e esta, a diarista, premida pela necessidade de ganho, não só aceitará essa condição como se verá forçada a se integrar a uma multiplicidade de vínculos, todos eles sem o respeito aos direitos em questão, e ainda terá de se integrar à lógica liberal da concorrência pelos postos de trabalho oferecidos, que, como se sabe, avilta os ganhos do trabalhador.

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Fato é que tendo havido alteração Constitucional sobre o tema, que impôs uma igualdade jurídica entre trabalhadores domésticos e demais trabalhadores urbanos e rurais, não se há mais de falar em regulação específica para o emprego doméstico que atente contra o preceito da igualdade, tendo se produzido, assim, por consequência lógica e de forma automática, com a edição da PEC, o fenômeno da não recepção do art. 7º, letra a, da CLT e da Lei nº 5.859/1972, essa última nos aspectos que

reduzam a proteção jurídica das empregadas domésticas com relação aos demais empregados. Por conseguinte, a própria configuração da relação de emprego doméstico deve se dar pelo padrão dos arts. 2º e 3ª da CLT, fazendo com que a figura da “diarista”, também por este outro argumento positivista, não encontre morada jurídica no sentido de se constituir uma categoria diferenciada de trabalhador. Em palavras mais claras, havendo o trabalho prestado de forma subordinada, onerosa e não eventual, isto é, com habitualidade, forma-se o vínculo de emprego, independentemente do número de dias trabalhados na semana, pois essa é a tradição jurídica que se aplica aos trabalhadores em geral, aos quais os trabalhadores domésticos foram equiparados, destacando-se, ainda, a impossibilidade da intermediação de mão de obra em atividade-fim do empregador. Aliás, como resultado da igualdade constitucional conferida à empregada doméstica, é conveniente rechaçar a visão midiática que se vem difundindo no sentido de que pela incidência da totalidade da legislação trabalhista ao emprego doméstico os empregadores poderão fazer exigências maiores do que aquelas que, eventualmente, antes faziam, como, por exemplo, promover descontos nos salários que não eram feitos e exigir o cumprimento de uma jornada 44 horas semanais, com o consequente trabalho no sábado, nas situações em que o costume era o não trabalho neste dia em função do exercício do trabalho em uma jornada reduzida. Ora, no Direito do Trabalho impera o princípio da condição mais benéfica, o que implica dizer que as alterações nas condições de trabalho determinadas por ajuste contratual ou incidência de lei nova só se consumam em benefício do empregado. Assim,


No aspecto jurídico, impõe ressaltar que se está falando de uma alteração constitucional, e se antes qualquer iniciativa de conferir direitos às empregadas domésticas, por meio de uma interpretação ampliativa com base principiológica, era rejeitada pelo argumento formal da literalidade dos termos do parágrafo único do art. 7º da Constituição, agora o que se passa é exatamente o inverso e a coerência histórica exige, no mínimo, que qualquer iniciativa legal ou interpretativa no sentido de negar a igualdade de direitos à empregada doméstica seja rechaçada pelo respeito à literalidade da Constituição, ora determinada pela emenda constitucional aprovada. No plano da objeção econômica é que a grita contra a PEC mostra-se ainda mais insustentável, revelando, com maior evidência, o traço escravista da nossa tradição sobre o trabalho alheio. Ora, os novos direitos acrescem muito pouco no orçamento familiar se considerados os direitos que já eram para ser aplicados. Concretamente, o custo adicional para o empregador doméstico será, após definição legal, referente ao FGTS (8% so-

bre a remuneração) e à contribuição adicional do seguro social contra acidentes do trabalho (1%). O salário-família (fixado para os trabalhadores em geral nos valores de R$ 33,16, por filho de até 14 anos incompletos ou inválido, para o trabalhador que recebe até R$ 646,55 e R$ 23,36, nas mesmas condições, para o salário que se situe entre R$ 646,56 a R$ 971,78), embora pago pelo empregador é descontado do valor devido à Previdência Social. E os direitos à limitação da jornada de trabalho e aos períodos de descanso só gerarão custo se não forem respeitados os limites legais, que possuem, ademais, a relevância de direitos fundamentais. A respeito, vale destacar que a eficácia dos direitos trabalhistas às empregadas domésticas não pode estar vinculada sequer à concessão de benefícios especiais de natureza tributária aos empregadores domésticos, vez que tal iniciativa interfere negativamente na formação da consciência em torno da consagração do efetivo direito à igualdade, sendo que os direitos trabalhistas consequentes estão integrados à noção de eficácia horizontal dos direitos fundamentais, não se podendo concebê-los, portanto, como favores, em nenhuma dimensão. Eis, portanto, o conjunto mínimo de fundamentos jurídicos a incidir na situação gerada pela emenda constitucional, que garantiu igualdade de direitos trabalhistas entre os trabalhadores domésticos e os demais trabalhadores urbanos e rurais, como forma de evitar que a aprovação da emenda provoque um mal aos próprios destinatários dos novos direitos e de impedir que o projeto em torno da construção de uma sociedade mais justa seja obstaculizado pelos argumentos terroristas e alarmantes contrários aos direitos trabalhistas que têm sido insistentemente apresentados durante todo nosso percurso histórico e que possuem como objetivos preservar as desigualdades e revigorar

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o empregador não poderá efetuar descontos que antes não efetuava e não poderá exigir uma jornada de trabalho superior à que antes era cumprida, preservadas as condições mínimas legais, especialmente no que se refere ao salário mínimo, que não pode ser inferior ao valor fixado em lei, mesmo sob o falso argumento do cumprimento de uma jornada reduzida. O salário-mínimo, conforme se extrai da Constituição, não é fixado em função da jornada de trabalho. É a contraprestação mínima de uma relação de emprego que, voltada à melhoria da condição social do trabalhador, deve ser apta a conferir ao trabalhador um ganho que seja suficiente para, ao menos, “atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família” (inciso IV do art. 7º da CF).

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a racionalidade escravagista que assombra os trabalhadores brasileiros. Verdade que alguns preconizam o fim do trabalho doméstico, sob o argumento de que, no futuro, o trabalho no ambiente doméstico deve ser exercido pelos próprios familiares, baseando-se, inclusive, na consideração da indignidade do trabalho doméstico.

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Não creio que o trabalho doméstico seja indigno, muito pelo contrário. O trabalho doméstico, com respeito aos direitos do trabalhador, é tão digno quanto qualquer outro e bastante relevante dentro do contexto de uma sociedade capitalista por ser uma forma efetiva de distribuição da renda produzida e constituir uma fonte de sobrevivência que pode ser, em muitos aspectos, menos alienante do que aquela verificada no ambiente fabril.

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Não me cabe, de todo modo, tentar adivinhar como será o futuro do trabalho doméstico. Pode ser que o trabalho doméstico, incluindo o da diarista, venha a deixar de existir e que isso até represente uma melhora na condição de vida das pessoas que exercem, atualmente, essa profissão. Claro que, considerando a realidade atual brasileira, em que 6,7 milhões de mulheres exercem a profissão de empregada doméstica, fica muito difícil imaginar como seria a reinserção de todas essas pessoas no mercado de trabalho, mas enfim... O fato concreto é que se a extinção do trabalho doméstico vier a ocorrer sem o paralelo de um projeto concreto de inclusão social ou se este trabalho continuar existindo sem o padrão da igualdade de direitos instituído pela PEC 66/12, ter-se-á, unicamente, persistido na edificação da mesma obra defeituosa que tem condenado, ao longo dos tempos, grande parcela da população brasileira à miséria, à exclusão e à discriminação. A

sociedade brasileira, na sua feição burguesa, com a produção de tal resultado, teria que carregar consigo esse grande mal provocado às empregadas domésticas apenas pelo capricho (ou crueldade) de não terem concordado com uma majoração de custo na ordem de 9% e por não quererem garantir às domésticas os direitos à limitação da jornada de trabalho e aos períodos de descanso, sob os frágeis e fugidios argumentos da dificuldade econômica e de não suportarem as dificuldades geradas pelos trâmites burocráticos para cumprimento desses direitos, e isto depois de terem obtido, por décadas, vantagens econômicas desumanas na exploração desse mesmo trabalho. No entanto, apesar da grande profusão de argumentos terroristas contra os direitos das empregadas domésticas, não creio, sinceramente, que a sociedade brasileira, na sua concepção burguesa (as classes média e alta), em sua grande maioria, esteja identificada com esses argumentos, acreditando, sinceramente, que toda essa alarmante crise institucional no ambiente do trabalho doméstico não se produzirá, como, de resto, não se verificou, mesmo com as fortes resistências, nos diversos momentos em que ocorreram avanços na legislação trabalhista no Brasil. De todo modo, resta a esses poucos empregadores domésticos que se mantenham firmes na consideração de que os direitos concedidos às trabalhadoras domésticas são excessivos ou de difícil cumprimento em razão das exigências burocráticas, a possibilidade de se integrarem a uma realidade em que os papéis se invertam, conforme enunciado nas músicas em epígrafe, pois, concretamente, a eficácia da ordem jurídica constitucional, com a alteração ora inaugurada, não está condicionada ao convencimento subjetivo.


Doutrina

A Importância dos Instrumentos de Política Urbana para o Descomissionamento de Atividades Mineradoras MARCUS VINÍCIUS COUTINHO GOMES

Mestre em Relações Privadas e Constituição pela Faculdade de Direito de Campos/RJ, Pós-Graduado em Direito Ambiental com ênfase em Petróleo pela Universidade Candido Mendes, Professor de Direito Ambiental na Faculdade de Direito de Cachoeiro de Itapemirim/ES, Advogado.

RESUMO: A atividade mineradora é instrumento de fomento econômico importante inserido na economia de muitas cidades. Porém, é iniciativa empresarial fortemente marcada por seu indelével impacto sobre o patrimônio ambiental, seja natural, seja artificial. O presente artigo busca lançar lume sobre os efeitos advindos da retirada das atividades minerárias para os meios urbanos circundantes, dado tratar-se de recurso não renovável, bem como analisa a atuação dos instrumentos previstos pela Lei nº 10.257/2001 na minoração de tais impactos. PALAVRAS-CHAVE: Mineração; área urbana; recurso não renovável; Lei nº 10.257/2001. ABSTRACT: The mining activity is an important economic development tool, and sometimes essential in the economy of many cities. However, entrepreneurship is strongly marked by its indelible impact on the

environmental heritage, whether natural, or artificial. This article intends to shed light on the effects arising for the surrounding urban areas through the removal of mining activities, since it is non-renewable resource, and analyzes the performance of the instruments provided by Law nº 10.257/2001 in mitigation of such impacts. KEYWORDS: Mining; urban area; non-renewable resource; Law nº 10.257/2001. SUMÁRIO: Introdução; 1 Estatuto da Cidade: noções preliminares; 2 Considerações acerca dos instrumentos da Lei nº 10.257/2001 e sua atuação no descomissionamento de minas exauridas situadas em áreas urbanas; 2.1 Parcelamento, edificações ou utilização compulsórias; 2.2 Do IPTU progressivo no tempo; 2.3 Da desapropriação com pagamento em títulos; 2.4 Usucapião especial em imóvel urbano; 2.5 Do direito de superfície; 2.6 Do direito de preempção; 2.7 Das operações urbanas consorciadas; 2.8 Da transferência do direito de construir; 2.9 Do estudo de impacto de vizinhança; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO A diversificação das iniciativas econômicas que fomentaram a migração de mão de obra para os centros urbanos já amadurecidos reclamou regramentos que viabilizassem cenário de crescimento que não fosse desacompanhado de acréscimos de qualidade social, a fim de evitar problemas óbvios que são fruto do adensamento. Ocorre que, não são raras as situações em que a atividade econômica que impulsiona o crescimento pecuniário e populacional é, em si, fruto de mazelas que acometem o espaço das cidades alterando não só a biota circundante, mas, antes e principalmente, os meios antrópicos avizinhados.


Exemplo indelével disso expressa-se no contexto das atividades mineradoras. A iniciativa de lavra mineral é atividade empresarial que mobiliza grande aporte de mão de obra e que, principalmente durante sua execução, modifica todo o entorno, onde os funcionários passam a instalar suas residências, aumentando a circulação de pessoas, de veículos, a instalação de equipamentos públicos, majorando o comércio e promovendo o crescimento, a modificação e até o nascimento de bairros. Questão de relevo que surge neste contexto é sobre como se comportarão tais espaços, dependentes da atividade econômica mineral, após o exaurimento do recurso ali explorado. Como minorar os efeitos sobre o meio ambiente urbano após a inevitável exaustão da mina?

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Como forma de mediar estes e outros processos urbanos, emerge a Lei nº 10.257/2001, o chamado Estatuto da Cidade, que tem por escopo maior promover alternativas e soluções, preferencialmente de caráter preventivo, à questões dos crescentes espaços urbanos, bem como propiciar o atingimento efetivo da cidadania delineada pela Carta Republicana.

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Porém, dada a complexidade temática da questão, o diploma legal urbanístico apontado tem se deparado com dificuldades, por vezes intransponíveis, para dirimir as questões que se originam da retirada da atividade econômica mineradora de determinada localidade. Por esta razão, o presente trabalho se debruça sobre a análise da eficácia das ferramentas disponibilizadas pela Lei nº 10.257/2001, a fim de verificar possíveis formas corretivas de externalidades negativas já perpetradas e a viável incidência do princípio da prevenção ambiental nos espaços urbanos.

1 ESTATUTO DA CIDADE: NOÇÕES PRELIMINARES O homem é um ser naturalmente gregário. Tal característica imanente é que proporcionou o advento do fenômeno chamado cidade, principalmente a partir do momento em que ocorreu a percepção de que o círculo familiar não era bastante para suprir as necessidades existentes. Assim, desde a matriz romana (primeira formação delineadora da cidade e utilizada ainda hoje), passando pela encastelada forma medieval, até os conglomerados conhecidos hoje – cidade como mercado de consumo –, sempre houve a busca pela vida comunal. O que se nota, no entanto, é a evolução dos objetivos gregários, que passaram de meras intenções de solidariedade frente a perigos estranhos àquela comunidade ao individualismo da obtenção de melhores condições de vida e possibilidades de acréscimos pessoais de patrimônio. É indispensável, neste contexto, que regras permeiem o espaço compartilhado como forma de promover regulação e respeito a parâmetros inerentes à condição de humanidade. O fenômeno de maior e inequívoca influência nesse êxodo gregário é a globalização, em que os postos de trabalho nas unidades de produção são transferidos de países dotados de empresas com forte concentração de capitais para países em desenvolvimento. Por sua vez, estes países – onde a maturidade econômica ainda não atingiu seu ápice – também experimentam movimento de migração, mas da mão de obra, que passa a ser habitante dos centros urbanos onde encontram maior absorção da força de trabalho. Isso é reflexo da procura de trabalhadores de baixo custo, que abundam nos países periféricos, bem como da busca por


O Brasil, ainda hoje, não conta com regras ambientais claras para tutela dos efeitos nocivos que são frutificados da cessação das atividades de determinada empresa extrativista sobre sua circunvizinhança, nada obstante o conhecimento claro de que os recursos minerais são finitos e que aquela atividade seguirá causando impactos ambientais mesmo após o exaurimento das possibilidades de lavra. É na cruel realidade de abandono dos espaços urbanos por atividades econômicas que deixaram de ser interessantes para aqueles que as exploravam que surgem problemas como a depreciação do valor dos imóveis, decréscimo contundente de circulação de pessoas, aumento de criminalidade, depauperação do comércio satélite, incidência de processos de favelização, impacto visual, entre tantos outros. Isso é claramente atentatório ao que preceitua a Constituição da República em seu art. 1º, que assume como base fundante para o Município democrático a cidadania, a dignidade do homem e os valores sociais do trabalho, havendo, portanto, a necessidade de se buscarem instrumentos que efetivem tais 1 BARRETO, Wanderlei de Paula. O estatuto jurídico da cidade. Revista Brasileira de Direito Comparado, Rio de Janeiro: Instituto de Direito Comparado Luso-Brasileiro, p. 278, 2002.

valores e busquem curas para as patologias2 que crescem nos meios urbanos. Para isso, surgirá o urbanismo, como ciência que visa, além do devido planejamento das cidades, a sanar também os problemas advindos do crescimento urbano acelerado e desordenado. Percebe-se que seu conceito não ficou adstrito aos parâmetros técnicos, mas evoluiu para oferecer enfoque social3. São vários os preceitos contidos na Constituição da República sobre urbanismo, entretanto, o cerne das bases constitucionais para o tema estará nos arts. 182 e 183, que lançam os alicerces para os princípios ordenadores da política de desenvolvimento urbano4. Para regulamentar o citado texto legal é que surgiu, em 10 de junho de 2001, a Lei nº 10.257, o chamado Estatuto da Cidade, que é o grande marco do direito urbanístico brasileiro e uma das mais importantes e inovadoras leis que entraram em vigor no nosso País. O grande foco norteador deste instrumento legal é o objetivo de propiciar ao cidadão a “cidade plena”5. Assim, se é o cidadão o objeto último da referida lei, nada mais lógico que conclamá-lo a participar de forma efetiva das decisões que devem ser tomadas e que afetarão, de forma direta ou indireta, a sua vida. Essa nova modalidade de gestão estará explicitada na lei como uma das suas diretrizes gerais contidas em seu art. 2º, que pre2 MENEZES JÚNIOR, Zamir. O estatuto da cidade como instrumento de política urbana. Revista Jurídica da Faculdade de Direito de Anápolis, Anápolis, a. V, n. 7/8, p. 135, jan./dez. 2003. 3 Idem, p. 136. 4 BARRETO, Wanderlei de Paula. Op. cit., p. 280. 5 MENEZES JÚNIOR, Zamir. Op. cit., p. 139.

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novos mercados consumidores. Essa é a tendência que segue o capitalismo global, concentrando-se em lugares onde há notória flexibilidade nas regras empregatícias e, até mesmo, uma corrente prática de informalidade, que prolifera em países com abundância de trabalho sub-remunerado1. Também contribui para este fenômeno a negligência na tutela do patrimônio ambiental em todas as suas dimensões, sejam as do meio ambiente, natural, urbano e mesmo do trabalho.

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ceitua a participação da população na gestão pública municipal. Essa nova configuração será denominada gestão participativa6. Respeita-se, a partir de então, a volitividade daqueles que são os principais interessados nas questões urbanas. Chamar o povo para participar nos processos de decisões que digam respeito ao Município onde habitam e proporcionar a transparência necessária ao agir do poder público é permitir um exercício da cidadania e respeitar a lei e os princípios fundamentais constitucionais. Tal princípio de participação popular estará também insculpido no art. 1º da Constituição, que define em parágrafo único que o poder será exercido pelo povo, por intermédio de representantes ou mesmo diretamente.

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Para tanto, será necessário mitigação da ideia de gestão burocratizada, afastada dos cidadãos e de suas necessidades, descentralizando de forma a permitir que as decisões sejam tomadas a partir de ponto de aproximação maior do gestor com os problemas que devem inspirar suas escolhas. Aqui reside a importância do aspecto municipal da gestão.

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O constituinte foi atento a tal importância e atribuiu ao Município, no art. 29 da Magna Carta, várias prerrogativas que até então não possuía, como, por exemplo, o importante status de ente federativo que reger-se-á por lei orgânica própria7. O Estatuto da Cidade veio ratificar essa nova postura em que desaparece o paradigma do Estado central, estabelecendo que os Municípios deverão implementar uma política urbana voltada 6 SANTIM, Janaína Rigo. O estatuto da cidade e a gestão democrática municipal. Interesse Público, Porto Alegre: Notadez, a. 5, n. 21, p. 220, set./out. 2003. 7 Idem, p. 222.

ao pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana. Será, portanto, o suporte jurídico das cidades que se propõem a enfrentar seus problemas e a garantir o bem-estar da população que nela habita8. Mas deve ficar claro que tal esforço legislativo restará inócuo se não houver movimento de conscientização popular. Os meios legítimos e normativos para a participação existem e devem ser operacionalizados pela população9. A falta de eficácia das normas é consequência direta da falta de comprometimento do poder público, mas também da falta de interesse da sociedade. Isso ocorre por motivos diversos, como ressalta Dallari, que considera que um primeiro grupo de pessoas só se interessa pelos próprios problemas; o segundo grupo são pessoas que se movem por um sentimento de que os assuntos públicos são de encargo do poder público exclusivamente; um terceiro grupo é fomentado por pessoas que pensam não possuírem qualquer influência para fazerem a diferença10. Esse é um mal que deve ser contornado, pois o processo de gestão democrática só será possível por meio da articulação entre o poder público e os cidadãos, por meio de mecanismos que devem ser implantados gradativamente e de forma organizada. Nesse processo de gestão democrática municipalizada, um instrumento de enorme importância para evitar os problemas das empresas minerárias instaladas em áreas urbanas e tantos outros será o plano diretor, que deve ser elaborado pelos Municípios, 8 SOUZA, Demétrius Coelho. O meio ambiente das cidades. São Paulo: Atlas, 2010. p. 64. 9 Caramuru Afonso Francisco apud BARRETO, Wanderlei de Paula. Op. cit., p. 286. 10 Dalmo de Abreu Dallari apud SANTIM, Janaína Rigo. Op. cit., p. 226.


Aos Municípios que já continham parques industriais minerários no momento de sua elaboração legislativa impende que tenham sido pontuados por considerações acerca da necessidade de harmonização com os interesses populares, os anseios de crescimento econômico e deve ter trazido também para seu corpo textual as considerações sobre as necessidades de harmonização com outros planos igualmente importantes e que vão orientar as ações governamentais municipais11. Para esse instrumento, será dado um prazo de validade de 10 anos, que superará o período de uma gestão administrativa. Isso se justifica, pois, assim, o novo prefeito estará vinculado ao plano diretor em vigor, o que é positivo, pois, na formatação de exploração minerária posta, uma vez concedido o instrumento da portaria de lavra, haverá a autorização da exploração do recurso mineral da União em caráter definitivo. Torna-se, assim, importante que o Estatuto da Cidade conte com estabilidade temporal para amadurecer na área explorada seus objetivos independentemente das oscilações políticas frutificadas de novos mandatos eletivos.

2 CONSIDERAÇÕES ACERCA DOS INSTRUMENTOS DA LEI Nº 10.257/2001 E SUA ATUAÇÃO NO DESCOMISSIONAMENTO DE MINAS EXAURIDAS SITUADAS EM ÁREAS URBANAS Primeiramente, há crítica possível a se desdobrar sobre o termo “instrumentos” utilizado pela lei, vez que terá sentido muito amplo e não poderá trazer em seu bojo elementos tão diversificados e dificilmente comparáveis entre si13. Além disso, são criticáveis também os enunciados dos incisos do art. 4º da Lei nº 10.257/2001, pois, enquanto alguns trazem os nomes dos próprios instrumentos, outros trarão classes de instrumentos14. Contudo, não é possível questionar o enorme valor do que é preceituado por essa lei e seu grande impacto pragmático, principalmente na pretensão do enfrentamento do problema ora em tela. O Capítulo II da lei em análise principia tratando dos instrumentos da política urbana em geral, enumerando institutos tributários e financeiros, jurídicos, políticos e de planejamento urbanístico15.

Os instrumentos da política urbana para o planejamento do plano diretor estarão contidos no Estatuto da Cidade. Tais instrumentos carregarão a concretização do desejo de desenvolvimento urbano contido na Constituição e sua executoriedade12.

Importante ressaltar que os citados instrumentos, invariavelmente, afetarão o direito de propriedade em maior ou em menor grau. Isso ocorre para respeitar o novo conceito de função social16.

11 BARRETO, Wanderlei de Paula. Op. cit., p. 287. 12 MEDAUAR, Odete; ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de. Estatuto da cidade. Lei nº 10.257, de 10.07.2001. Comentários. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 29.

13 Idem, p. 30. 14 Idem, ibidem. 15 Idem, p. 140. 16 MENEZES JÚNIOR, Zamir. Op. cit., p. 140.

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definindo o conteúdo do direito de propriedade de acordo com a função social exigida pela Constituição Federal.

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Vão também ter contundente atuação nas atividades de descomissionamento mineiro, que é a atividade a produzir a parada definitiva das operações mineiras e o preparo para desmonte das suas unidades17.

2.1 Parcelamento, edificação ou utilização compulsórios Trata de concretização de uma exigência do art. 182, que, em seu § 4º, preceitua: § 4º É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessiva de: I – parcelamento ou edificação compulsórios; II – imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; III – desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida públicade emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas,

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assegurados o valor real da indenização e os juros legais18.

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Em suma, essas sanções incidirão caso a propriedade urbana não seja aproveitada do modo exigido pelo plano diretor. Isso porque a adequação do aproveitamento não pode ser auferida de modo subjetivo, mas deve ser apurada objetivamente com 17 OLIVEIRA JÚNIOR, J. B. Desativação de empreendimentos mineiros: estratégia para diminuir o passivo ambiental. Tese de Doutorado em Engenharia Mineral pela Universidade de São Paulo, Escola Politécnica. São Paulo, 2001. p. 179. 18 Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988, p. 120.

os pressupostos ditados pela lei. Daí que tais sanções incidirão sempre que a propriedade não alcançar a sua função social19. Neste sentido, fundamental que os planos diretores de Municípios que contem com atividades mineradoras alberguem em seu corpo tais medidas voltadas, inclusive, para o período quando da jazida já não é possível a extração de proveitos econômicos. Neste sentido, impende ressaltar que seria de bom alvitre que tais sancionamentos não se desdobrem apenas sobre o proprietário do solo. Melhor explicando. Nem sempre o proprietário da área é o titular do direito minerário. Para este último, que é quem efetivamente desenvolve a atividade extrativista em sítio alheio, deveria haver, de forma expressa, nos estatutos citadinos responsabilização direta ou, ao menos, solidária, pela não utilização funcionalizada da área pós-exaurimento mineral. Os instrumentos sancionatórios atuarão de forma sequencial, na medida de sua utilidade, de modo que o não uso da propriedade provocará o IPTU progressivo, que, ao final, pode culminar na desapropriação punitiva em não sendo cumprida a ordem de edificação compulsória inicial. Assim, os três instrumentos estarão articulados20. Porém, como se vê, tais sancionamentos desdobram-se apenas sobre o proprietário do imóvel, deixando indene aquele que, mesmo sem o título de dono, foi quem explorou econômicamente a mina e promoveu o decréscimo da qualidade ambiental da área após o fim da atividade. O parcelamento ou edificação compulsórios será o poder de exigir que seja dada finalidade para aquela área incluída no plano diretor. Atingirá somente os proprietários de solo não edi19 MEDAUAR, Odete; ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de. Op. cit., p. 43. 20 MENEZES JÚNIOR, Zamir. Op. cit., p. 141.


A notificação ao proprietário, nesses casos, será averbada no registro imobiliário. Deverá ser feita pessoalmente ou por edital em caso de frustrada a primeira hipótese22. A definição sobre quais são os índices para que uma propriedade seja considerada sub-utilizada não estarão na Constituição, que restringe-se a dizer que há necessidade de obediência ao princípio da função social. É muito mais lógico que isso fique sob responsabilidade do plano diretor, que conhece as idiossincrasias locais e poderá determinar tais índices de forma mais adequada23. O plano diretor é que traçará os parâmetros para determinar se o imóvel está cumprindo com a sua função social. Determinará os coeficientes máximos e mínimos de utilização consoante o que parecer razoável naquele local. Será sub-utilizado aquele imóvel que não respeitar os parâmetros mínimos de utilização previstos no plano diretor. As propriedades não edificadas são aquelas onde a terra resta nua. Não utilizado é o imóvel abandonado, incluídas aqui as construções paralisadas e destruídas24. Isso se coaduna, inclusive, com o previsto pelo Código de Mineração (Decreto-Lei nº 227/1967), que, em seu art. 49, dispõe que, uma vez iniciados os trabalhos de lavra, não poderão ser interrompidos por mais de seis meses. 21 MUKAI, Toshio. O estatuto da cidade: anotações à Lei nº 10.257, de 10.07.2001. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 10. 22 Idem, ibidem. 23 MENEZES JÚNIOR, Zamir. Op. cit., p. 141. 24 Idem, ibidem.

2.2 Do IPTU progressivo no tempo Em não sendo cumpridos os prazos do instrumento anterior, o Município procederá à aplicação do IPTU progressivo no tempo, com a majoração da alíquota por cinco anos. Assim, o proprietário estará sendo afetado em seu orçamento pelo peso do descumprimento da função social da propriedade25. Este, assim como o instrumento anterior, deixa novamente o empresário minerador, que não seja proprietário do imóvel, indene de sancionamentos, vez que o IPTU acomete somente ao proprietário do imóvel. Neste sentido, solução viável é incluir, nos contratos de alienação temporária do direito de uso da área celebrados entre o proprietário do imóvel e o titular do direito minerário a ser explorado, cláusula que determine a corresponsabilidade caso haja a incidência dos institutos ora estudados. Cabe esclarescer sobre o IPTU progressivo que o valor cobrado anualmente será considerando alíquota fixada em lei e não poderá ser maior que o dobro do valor referente ao ano anterior, observando-se o limite máximo de quinze por cento26. Se no prazo de cinco anos a obrigação ainda não tiver sido cumprida, o município deverá manter a cobrança pela alíquota máxima até que se cumpra a referida obrigação, sem prejuízo da eventual superveniente desapropriação27. Percebe-se que a ausência da correta desinstalação a ser promovida pelo empresário minerador pode ensejar para o proprietário do imóvel a perda dos direitos de sobre a área. 25 Idem, ibidem. 26 BARRETO, Wanderlei de Paula. Op. cit., p. 293. 27 MUKAI, Toshio. Op. cit., p. 11.

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ficado, sub-utilizado ou não utilizado21, cenário comum após o esgotamento das potencialidades minerárias da jazida.

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Se constatado a qualquer momento o cumprimento da obrigação, a alíquota do exercício seguinte deverá voltar ao valor normal28.

de cinco anos consecutivos, como dita o art. 7º. Se continuar omisso em tomar providências para a adequação do solo urbano, verá seu imóvel ser desapropriado com o devido pagamento em títulos da dívida pública, consoante preceitua o art. 8º.

2.3 Da desapropriação com pagamento em títulos

Porém, como visto no caso específico da atividade mineradora, aquele que promove a sub-utilização do imóvel nem sempre é o proprietário, que alienou o direito de uso do imóvel por meio de instrumento de contrato. Ao empresário minerador, que efetivamente ocasionou o descumprimento das finalidades sociais da área, salvo se existir previsão expressa no pacto contratual, não incidirão tais institutos.

Esta é uma modalidade de expropriação de caráter penalizante29. Só poderá ser aplicada após a incidência por 5 anos, da sanção anterior, qual seja, o IPTU progressivo30. Essa sanção será uma decisão do Município. Poderá, no entanto, sofrer limitação pelo Senado Federal no que concerne aos títulos da dívida pública31.

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O valor para a indenização deverá refletir o valor utilizado como base de cálculo para o IPTU, descontado o montante incorporado em função de obras realizadas pelo poder público32.

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2.4 Usucapião especial de imóvel urbano

Toshio Mukai entende ser inconstitucional esse desconto, pois contradiz a “justa indenização” preceituada na Constituição da República em seu art. 5º, XXIV.

As condições constitucionais para a existência do usucapião especial são que o possuidor deverá ter área urbana de até 250 metros quadrados, durante cinco anos ininterruptos, sem oposição e que deverá utilizá-la para sua moradia ou de sua família. Além disso, não poderá ser proprietário de outro imóvel, urbano ou rural.

A partir da incorporação ao patrimônio público, o Município contará com prazo de cinco anos para dar destinação ao imóvel de acordo com a função social que este deve atender33.

Assim, a usucapião será uma forma de aquisição de direito real, exercido pela posse do bem por determinado lapso temporal, com ânimo de dono e sem oposição.

Assim, em suma, o proprietário que, uma vez notificado para realizar o parcelamento ou edificação compulsória de sua propriedade nos termos do art. 5º, se manteve inerte sofrerá a imposição do IPTU progressivo no tempo pelo prazo máximo

O art. 9º do Estatuto da Cidade é quase uma cópia do que dita a Constituição da República. Esse instituto ressalta ainda a possibilidade de continuação da posse do sucessor, desde que este já residisse no imóvel usucapido e somente para estes34.

28 MENEZES JÚNIOR, Zamir. Op. cit., p. 142. 29 Idem, p. 143. 30 MEDAUAR, Odete; ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de. Op. cit., p. 69. 31 Idem, ibidem. 32 MUKAI, Toshio. Op. cit., p. 12. 33 Idem, ibidem.

A inovação contida no Estatuto da Cidade no que toca ao usucapião é na possibilidade de ser feito de forma coletiva. É instituto autônomo previsto no art. 10 e que em nada depende dos preceitos do artigo anterior35. 34 MENEZES JÚNIOR, Zamir. Op. cit., p. 144. 35 MEDAUAR, Odete; ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de. Op. cit., p. 97.


O instituto visa a atacar o problema dos aglomerados de baixa renda, tão comuns, inclusive, em áreas onde preteritamente eram instaladas atividades extrativistas de grande impacto econômico. A paralisação definitiva de uma jazida enseja a diminuição do tráfego de pessoas, automóveis, a minoração das atividades comerciais satélites, o aumento da criminalidade e o decréscimo do valor dos imóveis em área que sofreu forte impacto visual com a atividade extrativista. Não são raros os movimentos de favelização nestes sítios, de forma que este é importante instrumento para viabilizar a regularização dos imóveis com o oferecimento do título de posse para esses moradores eventualmente irregulares.

mero oferecimento do título de domínio somente regularizará a posse, não resolvendo as questões de péssimas condições de vida nestes locais.

Aspecto importante que deve ser considerado sobre o instrumento é no que tange a sua contagem de prazo. Aqui também serão cinco anos a contar da entrada em vigor do diploma normativo que criou a usucapião especial coletiva de imóvel urbano. Dessa forma, os períodos anteriores a 9 de outubro de 2001 não puderam ser aproveitados ainda que superiores a cinco anos36.

Aqui reside, como visto, a razão de grande parte dos problemas no que concerne às jazidas incorretamente desisntaladas pós-exploração. Ao proprietário do terreno é dado o direito de permitir a outrem o direito de usufruir dos bens minerais inseridos em seu imóvel. Esse direito abrangerá a possibilidade de uso do solo, do subsolo e do espaço aéreo relativo ao terreno39. Desta forma, parte das faculdades originalmente atribuídas ao proprietário são transferidas a terceiros40.

Cabe registrar ainda que o juiz, ao declarar em sentença a usucapião, fará a divisão das frações ideais que caberá a cada morador, independentemente das áreas que efetivamente ocupem. Haverá exceção a isso quando os moradores firmarem acordo escrito formando condomínio especial indivisível37. Certo é que essa política imediatista e paleativa não solucionará o problema das favelas em áreas de minas abandonadas. O 36 Idem, p. 98. 37 Idem, ibidem.

Esse instituto apresentará uma subversão ao princípio romano que determina que todas as construções colacionam-se ao solo. Aqui afasta-se a acessão, permitindo a separação entre o dono do terreno e aquele que será o dono dos bens minerais ali inseridos e das construções perpetradas para a exploração econômica da mina38.

A Constituição, em seu art. 20, IX, é clara em dizer que os recursos minerais, inclusive os de subsolo, são da União. Desta forma, gera-se situação onde poderá ser concedido pela União o direito de exploração minerária dos bens a ela pertencentes a terceiro, que não seja proprietário do imóvel. Neste cenário, caberá àquele que recebeu a outorga do título minerário celebrar avença com o proprietário do imóvel para instalação das servidões necessárias a prover a prospecção dos minérios. 38 MENEZES JÚNIOR, Zamir. Op. cit., p. 144. 39 MUKAI, Toshio. Op. cit., p. 15. 40 MEDAUAR, Odete; ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de. Op. cit., p. 113.

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A atividade mineradora brasileira viu seu início por volta da década de 50 do século passado, e, na formatação dada à usucapião coletiva, os assentamentos urbanos instalados em áreas onde existiam atividades mineradoras anteriores ao ano de 2001 restaram sem solução adequada.

2.5 Do direito de superfície

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Trata-se de importante instrumento a viabilizar a exploração dos recursos mineiros e para o atendimento da função social da propriedade. Por meio da separação do direito de propriedade, do direito de superfície (bem como daqueles recursos encravados no terreno) vai-se permitir que o proprietário, que não quer se desfazer do imóvel, mas não tem condições de lhe dar o devido aproveitamento, não esteja exposto às sanções previstas nos arts. 5º ao 8º. A parceria firmada por meio do direito de superfície favorecerá inequivocamente o desenvolvimento urbano41. Porém, quando se trata de período onde já haja a exaustão do recurso mineral, este instrumento presta contundente desserviço. Afirma-se, assim, que as empresas extrativistas, por não serem efetivas proprietárias do imóvel onde se deu a exploração, veem-se livres da possibilidade de incidência dos institutos sancionatórios previstos pela Lei nº 10.257/2001.

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2.6 Do direito de preempção

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O Estatuto da Cidade cria uma nova modalidade de preempção em favor do poder público, com claras finalidades urbanísticas, pois será destinado para execução de programas e projetos habitacionais de interesse social, para constituição de reservas fundiárias, ao ordenamento da expansão urbana, à implantação de equipamentos públicos, à criação de áreas de conservação ou proteção de outras áreas sobre as quais recai por algum motivo o interesse público42.

em área urbana delimitada por lei municipal baseada no plano diretor não poderá ser alienado onerosamente sem antes ser oferecido ao Município44. Dos espaços onde existe o desenvolvimento de atividade extrativista mineral restam áreas sensíveis, dotadas de grave depauperação de qualidade biótica e social e que, em razão disso, devem ser objeto de programas públicos que invistam em acréscimos de qualidade ambiental, ou que imponham aos particulares o efetivo cumprimento dos planos de recuperação de área degradada que, de regra, redundam em mero formalismo para obtenção dos intrumentos autorizativos hábeis a permitir a exploração. Tais áreas podem ser objeto de programas de habitação, urbanização e lazer, entre outros com potencial de beneficiar todo o espaço urbano considerado. Os aspectos condicionantes para o exercício do direito em tela pelo Município serão, primeiro, que exista lei municipal baseada no plano diretor que delimite as áreas sobre as quais poderá recair o direito de preferência municipal, já albergando estas áreas dotadas de sensibilidade ambiental. Também deverá fixar prazo de vigência, que não poderá ser superior a cinco anos45. Esse direito atuará como a desapropriação só que de maneira mais leve, pois não interfere no direito do particular, já que este abre mão de sua propriedade por vontade própria46.

Por haver o claro interesse público em imóveis determinados é que o Município terá preferência na sua aquisição43. Será, portanto, uma imposição ao proprietário de que o imóvel situado

Ao proprietário caberá a obrigação de notificar ao Município sua intenção de alienar o imóvel, anexando, inclusive, proposta de compra assinada por terceiro. A partir daí, o Município contará

41 MENEZES JÚNIOR, Zamir. Op. cit., p. 145. 42 MEDAUAR, Odete; ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de. Op. cit., p. 132. 43 MUKAI, Toshio. Op. cit., p. 21.

44 MENEZES JÚNIOR, Zamir. Op. cit., p. 146. 45 MUKAI, Toshio. Op. cit., p. 21. 46 MENEZES JÚNIOR, Zamir. Op. cit., p. 147.


2.7 Das operações urbanas consorciadas O Plano Diretor Municipal e legislação municipal específica poderão, já verificando as áreas urbanas onde exista o desenvolvimento de atividades extrativistas finitas, definir a ocorrência de operações urbanas consorciadas que serão coordenadas pelo poder público e terão a participação dos moradores e proprietários para alcançar naquela área melhorias estruturais, sociais e ambientais para a fase pós-exploratória49. Esta operação visa a recuperar tais áreas degradadas, seja na infraestrutura, no sistema viário, no saneamento ou em espaços públicos de forma em geral50. Seria processo importante para adequar as cidades às transformações sociais que estarão atuando sobre ela com o fim da possibilidade econômica de determinada mina situada em área urbanizada. Neste instrumento, serão previstas medidas como a modificação de índices e características de parcelamento, uso e ocupação do solo e subsolo, bem como alterações das normas edilícias, considerando o impacto ambiental delas decorrentes; a regularização de construções, reformas ou ampliações executadas em desacordo com a legislação51. 47 MUKAI, Toshio. Op. cit., p. 22. 48 MEDAUAR, Odete; ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de. Op. cit., p. 133. 49 MUKAI, Toshio. Op. cit., p. 27. 50 MENEZES JÚNIOR, Zamir. Op. cit., p. 149. 51 MUKAI, Toshio. Op. cit., p. 28.

Terá como pressuposto proposta que demonstre o interesse público e a anuência expressa de um número considerável de proprietários. Os interessados deverão comprometer-se a financiar a infraestrutura necessária à viabilização do empreendimento52. Além disso, o art. 33 determina qual será o conteúdo mínimo da lei municipal que aprovar a operação consorciada. Já o art. 34 diz que essa mesma lei pode prever a emissão de certificados de potencial construtivo adicional, que serão alienados em leilão ou mesmo utilizados no pagamento dos custos da operação. Tais certificados conferem o direito de construir na área objeto da operação53.

2.8 Da transferência do direito de construir Este é instrumento de profunda relevância na implementação do novo modelo socioeconômico de justiça social, almejado pela Carta Magna e pelo Estatuto da Cidade. Vai prever a transferência do direito de construir implicando a alteração do direito de propriedade, já que neste estará contido aquele. Assim, segundo tal concepção, há o esvaziamento do direito assegurado pelo estatuto político em termos de valor patrimonial54. Isso ocorrerá sempre que o imóvel urbano for necessário para implantação de equipamentos urbanos, para preservação pelo interesse social que recai sobre ele ou para servir de programas de regularização fundiária. Isso é o que preceitua o art. 35 do Estatuto da Cidade. 52 BARRETO, Wanderlei de Paula. Op. cit., p. 299. 53 Idem, ibidem. 54 MENEZES JÚNIOR, Zamir. Op. cit., p. 147.

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com trinta dias de prazo para se manifestar47. No caso de ser realizada a venda sem a pretérita notificação, essa será havida por nula de pleno direito48.

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Por motivos claros, este instrumento será de profícua aplicação no que concerne aos objetivos de adequação das áreas sub-utilizadas pós-exaurimento dos potenciais mineradores. Tais áreas poderão ser objeto de instalação de equipamentos públicos que fomentem os escopos sociais funcionalizadores do espaço urbano. É importante ressalvar que haverá limites na transferência, pois se esta fosse feita de forma total, a propriedade restaria inútil. Tal delimitação será dada pelo plano diretor e lei específica55.

2.9 Do estudo de impacto de vizinhança

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As semelhanças com o Estudo de Impacto Ambiental são bem marcadas. Será um instrumento posto à disposição do poder público municipal de poder exigir estudo prévio sobre o impacto que o projeto daquele proprietário terá na região, analisando suas consequências benéficas ou deletérias56. Aqui é importante notar que a lei diz que o Município deverá lançar mão desse instrumento, afastando a ideia de ser este uma faculdade. Assim, a lei municipal deverá contemplar um mínimo de empreendimentos que passarão por esse estudo prévio57.

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Neste sentido, seria fundamental que eventuais planos de recuperação da área abarcassem as consequências para as circuvizinhanças, não adstrindo-se a considerar apenas os aspectos de meio ambiente natural. O descomissionamento mineral, como atividade que afetará o meio antrópico onde se insere, demanda ser definido em lei municipal no rol das atividades que demandam estudo dos impactos sobre o corte social confrontante. 55 MENEZES JÚNIOR, Zamir. Op. cit., p. 150. 56 GRANZIEIRA, Maria Luíza Machado. Direito ambiental. São Paulo: Atlas, 2011. p. 623. 57 MENEZES JÚNIOR, Zamir. Op. cit., p. 151.

Essa é uma das principais diferenças para o Estudo de Impacto Ambiental, pois este será exigível nos casos em que haja, potencialmente, significativa degradação ao meio ambiente e o Estudo de Impacto de Vizinhança deverá ocorrer nos casos previstos em lei58. Vale ressaltar que a simples existência da lei a prever o estudo prévio pode não significar nada se não houver o efetivo comprometimento da comunidade de cada Município nas discussões e resoluções sobre a matéria59. Ambos os estudos devem coexistir, principalmente por terem escopos diferentes, vez que, enquanto o Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança é mais restrito à área urbana circuvizinha ao empreendimento, o Estudo de Impacto Ambiental é muito mais abrangente60. O art. 37 da Lei nº 10.257/2001 dispõe que esse estudo deverá ser realizado de forma que contemple tanto os prejuízos quanto as benesses advindas do empreendimento61 e, no caso em tela, do fechamento dele. Para garantir o caráter democrático e a transparência do processo, prevê o Estatuto da Cidade a obrigatoriedade de ampla publicidade aos documentos integrantes do Estudo, que deverão permanecer em disponibilidade para consulta, no órgão competente62. Resta claro, portanto, que a legislação minerária é insuficiente no tratamento da matéria, razão pela qual os instrumentos de 58 MUKAI, Toshio. Op. cit., p. 32. 59 MEDAUAR, Odete; ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de. Op. cit., p. 155. 60 SOUZA, Demétrius Coelho. Op. cit., p. 120. 61 MUKAI, Toshio. Op. cit., p. 32. 62 BARRETO, Wanderlei de Paula. Op. cit., p. 302.


CONCLUSÃO O homem, por possuir características gregárias, sempre buscou aglutinar-se de forma tanto a gozar da companhia de seus iguais quanto dos benefícios resultantes de tal aglomeração. É essa a razão de ser das cidades, que começam a formar-se quando o ser humano percebe as vantagens de estar em grupo. O Estatuto da Cidade surge como indispensável instrumento jurídico regulador desse fenômeno que imprime aos habitantes da cidade, condicionamentos que visam a produzir a necessária harmonização entre seus objetivos individuais e o bem coletivo e social. É para fomentar o valor do desenvolvimento sustentável que a Lei nº 10.257/2001 pretende franquear ao morador da cidade a cidadania que lhe é devida e instrumentalizar a “cidade plena”. Isso será feito, entre outras formas, com a efetiva utilização dos instrumentos de política urbana que a lei elenca. Assim, não haveria possibilidade de imaginar que tão importante marco legislativo não incidiria seus instrumentos na adequada ordenação dos problemas frutificados da exaustão das atividades minerárias em área urbana. Por se tratar de exploração econômica de recursos finitos, passa a haver a necessidade de que estejam contemplados em sede legislativa os instrumentos adequados a minorar as mazelas advindas da retirada da atividade. Uma vez que a legislação minerária própria se demonstra gravemente insuficiente no tratamento da matéria, caberá à legislação

urbanística tentar, por meio dos instrumentos previstos no Estatuto da Cidade, conceder respostas, alternativas, compensações para os muitos problemas sociais e urbanos para a exaustão da mineração e suas implicações.

REFERÊNCIAS BARRETO, Wanderlei de Paula. O estatuto jurídico da cidade. Revista Brasileira de Direito Comparado, Rio de Janeiro: Instituto de Direito Comparado Luso-Brasileiro, 2002. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. São Paulo: Saraiva, 2004. GRANZIEIRA, Maria Luíza Machado. Direito ambiental. São Paulo: Atlas,2011. OLIVEIRA JÚNIOR, J. B. Desativação de empreendimentos mineiros: estratégia para diminuir o passivo ambiental. Tese de Doutorado em Engenharia Mineral pela Universidade de São Paulo, Escola Politécnica. São Paulo, 2001. p. 179. MEDAUAR, Odete; ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de. Estatuto da cidade. Lei nº 10.257, de 10.07.2001. Comentários. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. MENEZES JÚNIOR, Zamir. O estatuto da cidade como instrumento de política urbana. Revista Jurídica da Faculdade de Direito de Anápolis, Anápolis, a. V, n. 7/8, jan./dez. 2003.

SOUZA, Demétrius Coelho. O meio ambiente das cidades. São Paulo: Atlas. 2010.

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política urbana se demonstram fundamentais a produzir o ordenamento urbano e minorar os efeitos nocivos que advêm da desisntalação da iniciativa de mineração, uma vez que esta se demonstre desinteressante sob o aspecto técnico ou econômico.

TAVEIRA, Ana Lúcia. Provisão de recursos financeiros para o fechamento de empreendimentos mineiros. São Paulo, 2003.

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MUKAI, Toshio. O estatuto da cidade: anotações à Lei nº 10.257, de 10.07.2001. São Paulo: Saraiva, 2001. SANTIM, Janaína Rigo. O estatuto da cidade e a gestão democrática municipal. Interesse Público, Porto Alegre: Notadez, a. 5, n. 21, set./out. 2003.


Doutrina

A Eficácia na Teoria Pura do Direito e o Meio Ambiente Prisional Brasileiro RAFAEL CARRARD Defensor Público do Estado do Rio Grande do Sul, Mestrando em Direito na Universidade de Caxias do Sul.

RESUMO: As doutrinas positivistas pautam-se pelo apego à forma. Buscam, a princípio, o afastamento das noções de justiça e de eficácia do conceito de Direito, figuras, por outro lado, que sempre permearam as discussões sobre o sistema prisional brasileiro. No entanto, um olhar mais atento à Teoria Pura do Direito denota que há, sim, ponto de interesse comum entre dois universos que inicialmente parecem tão distantes: a teoria positivista de Hans Kelsen e a (in)eficiência do sistema prisional nacional. Como se verá, o que os liga é exatamente a necessidade de se garantir a eficácia como condição da validade da norma que rege o sistema prisional do Brasil.

do meio ambiente prisional brasileiro alcançam a Lei de Execuções Penais, na sua plenitude, status de norma verdadeiramente válida. Para tanto, o trabalho será organizado em três tópicos: no primeiro, serão esclarecidas as linhas gerais da Teoria Pura do Direito, de sorte que o leitor, por meio de breves referências, conte com uma noção global da doutrina analisada, especialmente no que diz respeito à eficácia do direito como seu fator conceitual; no segundo, será feita uma análise da realidade prisional brasileira; o terceiro, por sua vez, servirá para que se verifique se a Lei de Execuções Penais pode ser considerada direito segundo a teoria estudada, o que será avaliado diante do grau de eficácia do referido diploma legal.

BREVES NOTAS SOBRE O POSITIVISMO JURÍDICO Um dos assuntos mais pulsantes na seara jurídica diz respeito ao próprio conceito de Direito. Por mais paradoxal que pareça, até hoje não há consenso a respeito da noção mais precisa sobre o termo.

PALAVRAS-CHAVE: Sistema prisional; teoria pura do Direito; eficácia; validade.

Boa parte da celeuma referida pode ser verificada no constante estado de tensão entre as doutrinas jusnaturalistas e positivistas.

O presente estudo visa a analisar a eficácia do Direito como condição da sua validade, um dos institutos mais controvertidos da ciência jurídica, tudo sob a ótica da Teoria Pura do Direito, idealizada no século XVIII por Hans Kelsen. Mais do que isso, as breves ponderações aqui lançadas pretendem verificar se as reais condições

Essa contraposição entre aquilo que é por natureza e aquilo que é por convenção não é de hoje. A distinção conceitual entre direito natural e direito positivo já era tratada por Platão e Aristóteles.


Da justiça civil uma parte é de origem natural, outra se funda na lei. Natural é aquela justiça que mantém em toda a parte o mesmo efeito e não depende do fato de que pareça boa a alguém ou não; fundada na lei é aquela, ao contrário, de que não importa se suas origens são estas ou aquelas, mas sim como é, uma vez sancionada.1

Diante do longo caminho trilhado na formação da doutrina positivista, é evidente que esta enfrentou variações espaciais e temporais. Inúmeros pensadores, em distintos períodos e Estados, ocuparam-se do tema. O presente estudo, porém, foca-se, primordialmente, no positivismo jurídico contemporâneo, cujo maior idealizador foi o austríaco Hans Kelsen (1881-1973). Para melhor compreensão do tema, oportuna rápida digressão histórica para que se identifique o contexto em que surgido o positivismo com os contornos jurídicos mais recentes. O Estado moderno, inaugurado com o fim da sociedade feudal, deu lugar a dois sistemas: o Estado absolutista e o Estado liberal. O primeiro instaurou a possibilidade de se padronizar objetivamente as soluções de conflito, em vista do pluralismo que imperava na época. A lei derivava do comando do soberano e era identificada pela origem, não pelo conteúdo. Iniciou-se o império da norma, que antes cedia lugar para as ponderações divinas. O Estado absolutista, no entanto, tornou-se obsoleto e perigoso, pois o poder ilimitado do soberano passou a ser um 1 Tradução de A. Plebe, Ed. Laterza, p. 144-145. Há outra tradução de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim a partir daquela inglesa de W. D. Rosé e publicada na coleção Os Pensadores, v. 4, Abril S/A Cultural e Industrial, que refere: “Da justiça política, uma parte é natural e outra parte legal: natural aquela que tem a mesma força onde quer que seja e não existe em razão de pensarem os homens deste ou daquele modo; legal, a que de início é indiferente, mas deixa de sê-lo depois que foi estabelecida [...]” (p. 331).

risco para a sociedade de mercado, a classe burguesa. Cumprido seu papel de garantidor da acumulação da propriedade em um contexto conflitivo, o absolutismo cedeu espaço para o Estado liberal. A burguesia, insegura diante de um poder (soberano) que poderia impor limites à acumulação da propriedade, passou a questionar o soberano. No Estado absolutista, oferecia-se segurança contra a ação dos outros indivíduos; no liberal, garantia-se a segurança do indivíduo contra o Estado. A ideia central que permeou os dois movimentos foi a da segurança jurídica, sentimento que sempre serviu de elemento identificador do positivismo jurídico. No Estado liberal, houve tentativa de se condicionar o poder estatal ao direito, de maneira que se tornasse ele previsível. Passou-se a um sistema que prestigiava a obediência às normas, não às pessoas. A segurança jurídica foi elevada ao grau máximo, o que garantiu certa segurança à burguesia. Luis Fernando Barzotto2, após discorrer sobre os aspectos históricos anteriormente referidos, identifica as diferenças básicas da noção de direito entre distintas concepções jurídicas: o jusnaturalismo e o realismo. Para o jusnaturalismo, a nota definitória do jurídico, ou critério de juridicidade, é a justiça: “Não se considera lei o que não for justo” (Sto. Tomás de Aquino). Para o realismo, o que define o direito é sua eficácia, isto é, o comportamento efetivo presente em uma dada comunidade. Podemos dizer que o jusnaturalismo propõe um conceito ético ou valorativo do direito, ao passo que o realismo propõe um conceito sociológico de direito: a eficácia é a nota característica do direito, segundo a visão sociológica da jurisprudência. 2 BARZOTTO, Luis Fernando. O positivismo jurídico contemporâneo – Uma introdução a Kelsen, Ross e Hart. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 19.

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O último, aliás, assim inicia o Capítulo VII do Livro V da obra Ética a nicômaco:

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Norberto Bobbio3 esclarece a natureza avalorativa do positivismo jurídico: O positivismo jurídico nasce do esforço de transformar o estudo do direito numa verdadeira e adequada ciência que tivesse as mesmas características das ciências físico-matemáticas, naturais e sociais. Ora, a característica fundamental da ciência consiste em sua avaloratividade, isto é, na distinção entre juízos de fato e juízos de valor e na rigorosa exclusão destes últimos do campo científico: a ciência consiste somente em juízos de fato.

O positivo, portanto, a princípio não se ocupa do justo e do eficaz, mas labora com o conceito de “validade”. Norma jurídica não é justa ou eficaz, mas aquela válida, ideia, por sua vez, que se vincula com a origem: “Considera-se válida a norma produzida em conformidade com o ordenamento”4. Kelsen, na sua teoria, isola o direito da moral (justiça, valores) e da política (eficácia, poder). A fonte do direito só pode ser uma: o próprio direito.

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A correta compreensão da doutrina positivista exige mais, todavia.

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Por mais que se tente desvincular o direito das forças políticas, é indiscutível que toda criação humana tem como mola propulsora um ato de poder. Kelsen, então, diante da aparente contradição, envereda pelo seguinte caminho: identifica ele duas dimensões de poder: uma fática e outra jurídica. O poder fático não tem origem em normas jurídicas, motivo pelo qual não tem relevância na seara normativa. O poder jurídico, por outro lado, é aquele realizado com as normas válidas.

3 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico – Lições de filosofia do direito. São Paulo: Ícone, 2006. p. 135. 4 BARZOTTO, Luis Fernando. Op. cit., p. 20.

Nessa lógica autoprodutiva do Direito, é necessário que alguma norma ocupe o topo do ordenamento jurídico, de maneira que dela derivem todas as outras normas, funcionando como fundamento de validade de todo o sistema. Kelsen, então, lança mão da norma fundamental, assim definida pelo doutrinador5: Mas a indagação do fundamento de validade de uma norma não pode, tal como a investigação da causa de um determinado efeito, perder-se no interminável. Tem de terminar numa norma mais elevada, ela tem de ser pressuposta, visto que não pode ser posta por uma autoridade, cuja competência teria de se fundar em uma norma ainda mais elevada. A sua validade já não pode ser derivada de uma norma mais elevada, o fundamento da sua validade já não pode ser posto em questão. Uma tal norma, pressuposta como a mais elevada, será aqui designada como norma fundamental (Grundnorm).

Continua ele mais adiante6: “A norma fundamental é a fonte comum da validade de todas as normas pertencentes a uma e mesma ordem normativa, o seu fundamento de validade”. Kelsen, em 1953, escreveu um artigo que levou o título “Théorie du droit international publc”7 (1953), no qual afirma que a definição do direito depende “do conceito de base em relação ao qual acreditamos poder reconduzir os fenômenos designados sob o nome do direito”. Esse conceito, para ele, é o conceito de norma. Para Kelsen, não é possível se definir Direito como uma conduta humana específica ou como uma relação pessoal, pois não haveria como distinguir uma conduta ou uma relação social de caráter jurídico de uma sem tal natureza. Não duvida Kelsen de 5 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad. João Baptista Machado. Porto Alegre: Martins Fontes, 2009. p. 217. 6 Idem, ibidem. 7 “Théorie du droit internacional public”. Récueil dês cours. Académie de Droit Internacional, v. 84, 1953. p. 9.


uma dimensão natural do Direito, mas há outra mais relevante: a do significado do fato. Não se pode, exclusivamente pelos sentidos, distinguir-se uma execução legal de um assassinato. O exemplo é utilizado pelo próprio doutrinador8: A questão do fundamento de validade de uma norma jurídica que pertence a uma determinada ordem jurídica estadual pode pôr-se – como já notamos num outro ponto – a propósito de um ato de coerção, v. g., quando um indivíduo tira a outro compulsoriamente a vida, provocando a sua própria morte por enforcamento, e então se pergunta por que é que este ato é um ato jurídico, a execução de uma pena, e não um homicídio, quando é estatuído por uma norma jurídica, a saber, uma norma jurídica individual, ou seja, quando é posto como devido (devendo-ser) por uma norma que se apresenta sob a forma de sentença judicial.

No caso citado, o que objetiva um ato meramente subjetivo é a existência de uma norma jurídica que preveja esse fato e lhe atribua efeitos jurídicos.

É evidente, por tudo que se consignou, que não existe norma isolada. Muito embora para Kelsen a expressão norma inválida seja uma contradição em termos, pois uma norma contrária à outra norma não existiria, o universo dos fatos é mais rico e dinâmico do que a ciência jurídica. Kelsen, ao introduzir a discussão sobre a eficácia das normas, discorre, em sua obra, sobre casos pontuais, entre os quais hipóteses de sentenças ilegais e leis inconstitucionais. No tópico, Kelsen explica que quem autoriza o juiz a prolatar normas individuais contrárias às normas gerais, ou eventualmente o que legitima uma norma inconstitucional, é uma norma geral preexistente. Leciona o autor9:

Para o presente estudo, a compreensão mais relevante, e que serve de base para a conclusão final, passa pelo conceito de validade da norma, noção que, como já referido, tem como premissa uma primeira norma, da qual derivam todas as outras: a norma fundamental.

O que significa, porém, o fato de a ordem jurídica conferir força de caso julgado à decisão de Última Instância? Significa que, mesmo que esteja em vigor uma norma geral que deve ser aplicada pelo Tribunal e que predetermina o conteúdo da norma individual a produzir pela decisão judicial, pode entrar em vigor uma norma individual criada pelo Tribunal de Última Instância cujo conteúdo não corresponda a esta norma geral. O fato de a ordem jurídica conferir força de caso julgado a uma decisão judicial de Última Instância significa que está em vigor não só uma norma geral que predetermina o conteúdo da decisão judicial, mas também uma norma geral segundo a qual o Tribunal pode, ele próprio, determinar o conteúdo da norma individual que há de produzir. Estas duas normas formam uma unidade.

A solução idealizada pela Teoria Pura do Direito para impor segurança e contornos de sistema ao ordenamento jurídico, entretanto, acaba por originar contradições que exigem novas

Ou seja, o ordenamento jurídico sempre faculta duas alternativas ao órgão aplicador: se conformar ou não à norma geral que deveria aplicar. Assim, nos exemplos citados (sentenças ilegais

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Destaca-se, no ponto, a indispensável divisão entre as figuras do “dever ser” (Sollen) e do “ser” (Sein). Nem todo ato de vontade tem como sentido uma norma. Deve haver coincidência entre o sentido subjetivo com o objetivo, aí estamos diante de uma norma.

ponderações quando a doutrina é posta à prova na dimensão dos fatos.

8 KELSEN, Hans. Op. cit., p. 222.

9 Idem, p. 297.

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e leis inconstitucionais), não se poderia falar em desrespeito à norma superior, pois a norma superior que deve ser levada em conta não é a norma geral a ser aplicada, mas sim a que faculta ao órgão aplicador se conformar ou não com a norma.

Assim, um homem, para viver, tem de nascer; mas, para permanecer com vida, outras condições têm ainda de ser preenchidas, v. g., tem de receber alimento. Se esta condição não é satisfeita, perde a vida. A vida, porém, não se identifica nem como fato de nascer nem como fato de receber alimento.

O que se constata, porém, é que Kelsen, para sanar um conflito de normas, acaba por enveredar para o plano dos fatos, ou seja, para a eficácia, pois acaba se conformando com a validade da norma quando essa produz efeitos práticos, ainda que aparentemente em sentido contrário da Constituição ou da norma geral.

Kelsen denominou a falta de eficácia de “desuetudo”, que pode ser traduzido como costume negativo, figura que pode privar a norma de validade.

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É necessária, no entanto, para se tentar manter a proposição inicial do positivismo de Kelsen, uma explicação que mantenha íntegra a base do raciocínio kelsiano, que afasta a eficácia como fundamento de validade da norma. O doutrinador, então, cria uma terceira via entre o realismo, que labora com a ideia de pura eficácia, e o idealismo, que sustenta a independência total entre validade e eficácia. Sustenta que10: “Uma teoria jurídica positivista é posta perante a tarefa de encontrar entre os dois extremos, ambos insustentáveis, o meio-termo correto”.

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Kelsen leciona a existência de distinção conceitual entre fundamento de validade e condição de validade, um dos pontos mais relevantes do seu estudo. Diz ele que só há um fundamento de validade da norma, identificado exatamente na norma fundamental. Por outro lado, a eficácia funcionaria como condição de validade da norma. Uma norma, então, pode nascer válida se guardar relação de coerência com a norma superior, mas pode deixar de ser válida se não for eficaz. A metáfora utilizada por Kelsen é esclarecedora e merece reprodução: 10 Idem, p. 235.

O direito consuetudinário é aceito pela doutrina positivista quando previsto na Constituição. Para hipótese diversa, qual seja a imprevisão do costume como fonte de direito, a doutrina kelsiana propugna alternativa que novamente socorre-se da norma fundamental. Esclarece Kelsen que, mesmo diante da inexistência de previsão normativa, o costume pode ser fonte do direito caso apresente-se com eficácia no mundo dos fatos, pois haveria uma autorização da norma fundamental para tanto. Sustenta o autor: Como já anteriormente acentuamos, o Direito consuetudinário apenas pode ser aplicado pelos órgãos aplicadores do Direito quando estes órgãos sejam considerados competentes para tal. Se esta competência não é atribuída pela Constituição no sentido jurídico-positivo, quer dizer: se o costume qualificado não é instituído como fator produtor de Direito em sentido jurídico-positivo, então, para que a aplicação de um Direito consuetudinário, e especialmente de um Direito consuetudinário que derrogue o Direito legislado, seja considerada como juridicamente lícita, tem de se pressupor que a instituição do costume como fator produtor de Direito já se operou na norma fundamental como Constituição em sentido lógico-jurídico. Quer dizer: tem de pressupor-se uma norma fundamental que institua como fato produtor de Direito não só o fato legislado como também o fato do costume qualificado.

A contribuição mais relevante para o tema proposto passa pela conclusão de que ordenamentos jurídicos nascem válidos se guardarem relação de lógica com suas normas antecedentes; porém mantêm-se válidos somente se contarem com eficácia.


O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO A Lei nº 7.210, de 11.07.1984, organiza o sistema prisional brasileiro. Prevê regras gerais de organização, distribui responsabilidades e elenca direitos e obrigações de uma série de figuras atuantes na execução penal. Quanto à regularidade formal da norma, ou seja, no que diz respeito ao processo legislativo que a originou, nenhuma irregularidade se verifica, visto que restaram observadas as diretrizes legais que vigoravam à época do surgimento do regramento. Contudo, cabe ser analisado se o grau de eficácia da lei lhe garante a manutenção do status de direito segundo a doutrina positivista. A lei, que centraliza a normatização do sistema de execução das penas no País, estabeleceu que, no prazo de seis meses após a sua publicação, deveriam as unidades federativas, em convênio com o Ministério da Justiça, “projetar a adaptação, construção e equipamento de estabelecimentos e serviços penais previstos nesta lei” (art. 203, § 1º). Desde a publicação do aludido diploma, todavia, a sociedade brasileira vê-se diante de um caos cada vez maior no âmbito prisional, posto que as políticas públicas (ou a ausência destas) relegaram o assunto, por décadas, a um dos últimos postos nas listas de prioridades nacionais. Esse cenário deve-se basicamente a dois fatores, possivelmente um decorrente do outro. Primeiro, é incontestável que o assunto sempre se mostrou indigesto à sociedade brasileira, que, por sua histórica dificuldade de entender o complexo papel do Estado na organização social, nunca se mostrou sensível ao tema.

Bem pelo contrário, a percepção de que a existência do Estado pressupõe o enfrentamento dos mais variados temas, dos mais benéficos e simpáticos aos mais árduos e indispensáveis, nunca foi uma virtude nacional. Segundo, a notória inoperância das autoridades públicas no sistema prisional sempre foi a tônica das parcas políticas destinadas ao assunto. Esse contexto segue a triste lógica brasileira: a ausência de interesse popular (leia-se, em última análise, de interesse político dos representantes do povo) sobre o tema redunda em acomodação do Estado no enfrentamento do problema, sem contar, evidentemente, que a grande massa carcerária é privada do voto durante o cumprimento da pena, o que torna ainda mais frágil o poder de persuasão daqueles que frequentam o cárcere. O resultado dos anos e anos de omissão estatal todos conhecem. As condições de alguns presídios brasileiros rivalizam com estabelecimentos destinados à manutenção de animais. Tomemos como exemplo o presídio estadual existente na Comarca de Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha, região, diga-se de passagem, com desenvolvimento social bem acima da média brasileira. Lá, existe uma cela destinada aos apenados que sofrem alguma sanção disciplinar. Tal cela (nº 5) tem as seguintes dimensões: 2,05 m x 2,50 m, em um total de 5 m² e 12 cm. Sua largura equivale ao tamanho de uma cama, ao passo que sua profundidade conta praticamente com a mesma metragem. Há nela um local para que os apenados façam suas necessidades fisiológicas, sem qualquer divisória. Portanto, um apenado que queira defecar, por exemplo, deve fazê-lo da companhia dos colegas de cela em local absolutamente diminuto. Praticamente não há ventilação. Existem, no local, três camas, na forma de beliche de concreto, o que evidentemente redunda na diminuição do espaço em que as pessoas podem permanecer de pé. O local já foi habitado por doze pessoas ao mesmo tempo, muito embora a Administração da casa prisional admita oficialmente a

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Essa relação de dependência é que será analisada a seguir a partir da realidade do ambiente prisional nacional.

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existência, no máximo, de dez pessoas no local simultaneamente. Os apenados podem lá permanecer por trinta dias, conforme previsão do art. 16, parágrafo único, do Decreto nº 46.534/2009.

cos da unidade celular: a) salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana; b) área mínima de 6,00 m2 (seis metros quadrados).

O cálculo, então, é simples: dividindo-se o tamanho total do ambiente pelo número máximo de pessoas que já habitaram a cela, mesmo hipoteticamente, desconsiderando-se a existência de camas, chega-se à conclusão de que há espaço de 42 cm² por pessoa na hipótese de haver doze indivíduos recolhidos. Se todos resolvessem permanecer de pé, teríamos aproximadamente 21 cm² por apenado.

No seu art. 85, refere a lei que “o estabelecimento penal deverá ter lotação compatível com a sua estrutura e finalidade”.

O Estado tem indissociável vínculo com a legislação, que em pouquíssimos aspectos é observada na seara da execução penal. Deve, ou deveria, zelar pela integridade física e psíquica dos apenados sob sua responsabilidade.

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O que se vê hoje, todavia, é a imposição de uma restrição à liberdade associada a um tratamento cruel, degradante e desumano. Exige-se do apenado o cumprimento total da sua obrigação legal (a perda de liberdade), ao mesmo tempo em que o Estado não cumpre minimamente sua parte.

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Na República Federativa do Brasil, não há penas cruéis e de morte (art. 5º, inciso XLVII, alíneas a e e, da Constituição Federal), o que não se tem observado na prática. Dispõe a Carta Magna em seu art. 5º: “XLIX – é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”. Estabelece a Lei nº 7.210/1984: “Art. 40. Impõe-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios”. Determina a Lei de Execução Penal, ainda, em seu art. 88 e parágrafo único: Art. 88. O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório. Parágrafo único. São requisitos bási-

Relatórios Estatísticos do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias – InfoPen11 catalogados em dezembro de 2011, coletados pelo Departamento Penitenciário Nacional, dão conta da população carcerária brasileira, que se mostra bem superior, na média, ao efetivo carcerário de uma série de outros países. No quadro a seguir, tem-se uma noção da população prisional por 100.000 habitantes. População Carcerária:

Número de Habitantes:

População Carcerária por 100.000 habitantes:

514.582

190.732.694

269,79

Indicadores

Automáticos Categoria: Quantidade de Presos/Internados

Masculino Feminino

Total

Indicador: Quantidade de Presos (Polícia e Segurança Pública)

38.617

4.711

43.328

Item: Polícia Judiciária do Estado (Polícia Civil/SSP)

38.617

4.711

43.328

11 Disponível em: <http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJD574E9CEITEMIDC37B2AE94C6840068B1624D28407509CPTBRIE.htm>. Acesso em: 15 ago. 2012.


Masculino Feminino

Total

Indicador: Quantidade de Presos Custodiados no Sistema Penitenciário Item: Sistema Penitenciário – Presos Provisórios

163.718

10.100

173.818

Item: Sistema Penitenciário – Regime Fechado

190.501

12.945

203.446

Item: Sistema Penitenciário – Regime Semiaberto

66.796

4.607

71.403

Item: Sistema Penitenciário – Regime Aberto

17.448

1.201

18.649

Item: Sistema Penitenciário – Medida de Segurança – Internação

2.981

266

3.247

Item: Sistema Penitenciário – Medida de Segurança – Trat. ambulatorial

463

228

691

O mesmo estudo consigna a existência, no ano de referência, de 306.497 vagas no sistema penitenciário nacional (note-se que nesse número estão consideradas, inclusive, vagas nas carceragens da Polícia Civil), o que significa um déficit de 208.085 vagas. O contexto delineado atesta, com sobras, que a estrutura do sistema não dá conta da demanda existente. O alto custo do sistema prisional serve de mote para a manutenção do estado de congelamento das ações públicas.

financeiro do encarceramento. Informa o professor de sociologia da Universidade da Califórnia, Berkeley, e pesquisador do Centro de Sociologia Europeia, sediado em Paris, que, no Estado da Califórnia, são utilizadas quatro técnicas para se reduzir o custo do sistema americano, o que acaba piorando ainda mais as condições de sobrevivência dos apenados. A primeira técnica consiste em se diminuir o nível de vida e de serviços no interior do cárcere, limitando-se o ensino, o esporte, o entretenimento e as atividades voltadas para a reinserção social; a segunda vincula-se ao aumento da inovação tecnológica para melhorar a produtividade da vigilância; a terceira técnica visa a transferir uma parte dos custos da carceragem para os presos e suas famílias, o que é feito por meio da cobrança de gastos com documentação, refeições pagas, pedágio para se ter acesso ao serviço de enfermaria, assim como diversos adicionais para se usufruir de serviços existentes nos estabelecimentos prisionais (lavanderia, oficina, eletricidade). Há casos, inclusive, em que os estabelecimentos acabam por acionar na justiça os ex-apenados para sejam eles compelidos a pagar suas antigas dívidas. Por fim, a quarta técnica caracteriza-se pela imposição de um trabalho desqualificado em massa nas casas prisionais, utilizado em grande escala por empresas conhecidas, como Microsoft, TWA, Boeing e Konika, que, por vezes, recorrem a tais serviços por intermédio de subcontratos, o que é feito como forma de se evitar a publicidade negativa13.

Loïc Wacquant12, ao identificar o aumento da massa carcerária na Europa e nos Estados Unidos como uma “luta contra a pobreza”, diz que tal fenômeno ocasiona um aumento no peso

Tal contexto guarda relação de simetria com o sistema brasileiro, no qual há pouco investimento na reinserção social, com repasse de inúmeros custos de manutenção aos próprios apenados, que não raras vezes precisam lançar mão de recursos próprios para diminuir a escassez material existente no cárcere.

12 WACQUANT, Loïc. As prisões da miséria. Trad. André Telles. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2011. p. 97.

13 NYPD, Inc. The Economist, 7925, p. 50, 20 jul. 1995 e The CEO cop. New Yorker Magazine, 70, p. 45-54, 6 fev. 1995.

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Categoria: Quantidade de Presos/Internados

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Essa desconsideração com a massa humana recolhida ao sistema prisional é potencializada pela crendice popular de que a prisão é a única forma de se enfrentar os problemas sociais vinculados à ilegalidade, em qualquer escala que se apresentem. Nesse contexto, conquista espaço o discurso popular, que, baseado por vezes em premissas falsas, acaba por moldar o sistema jurídico do Estado. Marta Rodrigues de Assis Machado14, ao analisar o processo de juridicização da opinião pública a partir da ideia de risco, sustenta que o fenômeno se desdobra em dois momentos. No primeiro, identifica-se a utopia da segurança e da prevenção e a movimentação social em sua busca, o que ocorre de diversas formas, em especial pelo caminho normativo. No segundo, verifica-se uma realidade que tem por base o primeiro, mas que é ligada especialmente ao sistema penal: a participação ativa do público como componente desse sistema.

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Ao defender que todas as pessoas, inclusive aquelas submetidas às sanções penais, devem ter condições mínimas de dignidade, Salo de Carvalho15 constata que a prática contraria tal lógica. Refere ele:

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Entretanto, sabemos que os hodiernos modelos repressivo-defensivistas prescrevem ao penal/carcerário uma função de “desterritorialização” e “descartabilização” do homem, retirando-lhe os principais vínculos com a cidadania. É que tais modelos entendem o Direito Penal desde uma lógica belicista na qual o desviante/delinquente passa a ser considerado inimigo, e como tal deve ser eliminado ou neutralizado. Trata-se, efetivamente, da enunciação do penal e da pena como garantia de todos 14 MACHADO, Marta Rodriguez de Assis. Sociedade de risco e direito penal: uma avaliação de novas tendências político-criminais. São Paulo: IBCCrim, 2005. p. 84. 15 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias: uma leitura do garantismo de Luigi Ferrajoli no Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. p. 99.

contra o desviante, cujo efeito é legitimar, assim como no momento pré-civilizatório, a lei do mais forte. A diferença é que a vingança deixa de ser individual para se tornar coletiva, mas os resultados são idênticos, quiçá potencializados: a utilização vindicativa e desproporcional da violência (institucional) contra os infelizes (bodes expiatórios) que caíram nas malhas do sistema.

Relatório elaborado ainda em 1997 pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, órgão vinculado à Organização dos Estados Americanos, identificou uma série de desrespeitos aos direitos básicos dos apenados no Brasil. Foram analisadas as condições materiais dos presídios brasileiros e a eficiência do sistema. A conclusão do estudo foi esclarecedora16: Da analise que fizemos da realidade carcerária no Brasil, conclui-se que em muitas prisões os detentos se encontram em condições sub-humanas, o que constitui violação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e outros instrumentos internacionais de direitos humanos. Na prática, os presos no Brasil são, em sua maioria, maltratados e desamparados, o que minimiza a possibilidade de sua reforma e readaptação, dadas as condições físicas e humanas das prisões e do pessoal responsável pelo sistema penitenciário.

Essa distorção social contraria expressamente a ordem constitucional. A Constituição Federal, ao consagrar a dignidade humana como princípio fundamental da República, não excluiu qualquer pessoa, ainda que submetida à medida restritiva da liberdade ou de direitos. O preso também desfruta de tal valor, e a ele deve ser reconhecida a intangibilidade de sua integridade física e moral. A preocupação com a integridade física e psíquica dos presos é de tal ordem que o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, órgão ligado ao Ministério da Justiça, editou a Resolução nº 14, de 11 de novembro de 1994, que fixou as Re16 Disponível em: <http://www.cidh.oas.org/countryrep/brazil-port/Cap%20 4%20.htm>. Acesso em: 30 jul. 2012.


Andrei Zenkner Schimidt, em artigo intitulado “Direitos, deveres e disciplina na execução penal”17, trata da necessidade de alcançar aos apenados condições de sobrevivência digna: [...] a satisfação de direitos sociais na execução da pena atravessa uma crise bem mais acentuada em relação ao desrespeito dos direitos individuais nessa mesma matéria. Ocorre que, em relação aos direitos individuais, a sociedade não desviada acaba, ainda que de um modo geral, sendo garantida contra o não fazer-lesivo do Estado, embora o mesmo não se possa afirmar em relação à sociedade-desviada, objeto da execução penal... E, à vista do descaso político-social em que vivemos, acaba-se originando um discurso jurídico no sentido de se impedir a satisfação de direitos sociais dos presos (sociedade ruim) antes que a satisfação boa tenha esses mesmos interesses inteiramente adimplidos. Isso não pode ser tolerado, por diversas razões. A primeira delas, sem dúvida, é a de que o preso, de um modo geral, está numa situação social e jurídica bem mais grave do que qualquer pessoa que viva em liberdade. Com efeito, a restrição da liberdade impede-lhe de satisfazer, pelas próprias possibilidades, as suas necessidades vitais, como a proteção de sua saúde, de sua segurança, etc. Pense-se, por exemplo, que o ambiente mais dessocializado possível é o próprio cárcere (isso, por si só, já colocaria em dúvida a possibilidade de ressocializar alguém que, além de jamais ter sido socializado, teria de atingir essa meta no pior ambiente social; boa parte das casas prisionais brasileiras não possui condições mínimas de salubridade); o índice de doenças como, por exemplo, a AIDS, é elevadíssimo, chegando, em alguns locais, a atingir a assustadora porcentagem de quase 20% dos apenados; a superlotação é evidente.

A evidente carência de estrutura física para o correto cumprimento da pena vai além. 17 Crítica à execução penal. 2. ed. Lumen Juris, 2007. p. 233.

O art. 36 do Código Penal estabelece as regras do regime aberto, evidenciando, logo no seu caput, que “o regime aberto baseia-se na autodisciplina e senso de responsabilidade do condenado”. Refere, ainda, que “o condenado deverá, fora do estabelecimento e sem vigilância, trabalhar, frequentar curso ou exercer outra atividade autorizada, permanecendo recolhido durante o período noturno e nos dias de folga” (§ 1º). Como se sabe, são raríssimas as casas de albergado existentes no País, do que se conclui que os apenados do regime mais brando previsto na legislação acabam por cumprir pena na companhia dos reeducandos dos regimes semiaberto e fechado, combinação que acarreta dois efeitos indesejados: além de haver escancarado desrespeito ao direito subjetivo do apenado de cumprir sua pena nos limites fixados pela decisão condenatória, a coabitação entre presos com diferentes graus de periculosidade acaba por acarretar, em alguns casos, progressão criminosa daquele recém-iniciado na atividade delituosa. Por outro lado, a mesma Lei de Execuções Penais que se mostra inócua para garantir direitos mínimos aos apenados é brandada aos quatro cantos quando se trata de restringir direitos dos reeducandos. Não é raro se observar legalistas de um via só utilizando-se da lei para restringir ou suprimir direitos dos apenados, tudo sob o discurso da simpática legalidade, ao mesmo tempo em que fazem vistas grossas para a omissão estatal no que toca aos direitos vinculados à dignidade humana.

A EFICÁCIA DA LEI DE EXECUÇÕES PENAIS Diante do exposto, resta perquirir se o grau de eficácia da legislação analisada é bastante para mantê-la como válida no ordenamento jurídico pátrio sob o prisma do positivismo kelsiano.

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gras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil. Entre outras regras, a normatização prevê: “Art. 3º É assegurado ao preso o respeito a sua individualidade, integridade física e dignidade pessoal”.

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Kelsen explica que uma norma não atinge um grau absoluto de eficácia. Não se exige uma equivalência plena entre o que a norma preceitua e a ação dos destinatários, pois isso suporia que ela prescreve algo que deve ocorrer sempre e necessariamente. Nesse caso, não estaríamos diante de norma jurídica, mas de lei natural. Portanto, se a norma alcançar eficácia em grau máximo, de modo a excluir a possibilidade de violação, ela deixa de ser válida. A eficácia parcial não desvirtua a validade. Quanto à Lei de Execuções Penais, fosse ela analisada apenas sob a ótica do respeito à dignidade dos apenados, certamente estaríamos diante de norma invalidada pelo costume negativo, ou seja, pela falta de eficácia.

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Tal realidade representa uma afronta ao sistema preceituado pela Constituição Federal, que tem por premissa básica um Estado Democrático de Direito, no qual regras devem ser respeitadas pelos entes públicos, notadamente quando destinadas a garantir a dignidade dos indivíduos, mesmo enquanto recolhidos ao cárcere.

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No entanto, o que mantém referido diploma válido é muito mais seu viés opressor do que suas virtudes garantistas. De qualquer forma, as notórias deficiências no atendimento a direitos básicos dos apenados colocam à prova, cada vez mais, a validade da Lei de Execuções Penais. É evidente, portanto, que mesmo para doutrinas positivistas, nas quais há grande apego ao caráter formal da norma, a eficácia do ordenamento jurídico é fator indispensável para se verificar se o regramento deve, ou não, ser efetivamente considerado direito. E, nesse aspecto, a Lei de Execuções Penais trilha caminho perigoso, pois sua inocuidade no que tange aos direitos básicos dos apenados expõe a norma a constante julgamento.


Doutrina

Sistema de Registro de Preços e “Carona”: Passado, Presente e Futuro – À Luz de Decisões Antigas e Recentes do TCU JAIR SANTANA1 Jurista, Consultor. Autor do livro Pregão Presencial e Eletrônico – Sistema de Registro de Preços, entre outros.

Incompreensível que qualquer visão caracterizada pela opacidade venha a ser o fundamento de debates travados sobre o tema em questão. É que hoje, mais do que nunca, as aquisições governamentais somente podem ser analisadas debaixo de um olhar caleidoscópico; nunca linear, obtuso e, porque não dizer, legalista e formal. Ou seja, “compras públicas não se resumem a procedimentos formais que objetivam buscar no mercado os objetos de que necessita a Administração Pública”2. 1 Site: www.jairsantana.com.br. 2 Recomenda-se leitura, no particular, do seguinte trabalho de nossa autoria: Pensamentos linear-cartesiano, sistêmico e complexo aplicados à governança pública: as aquisições governamentais (Coluna Jurídica JML e www.jairsantana.com.br).

Considerando todo o ciclo das aquisições governamentais, as políticas e diretrizes públicas que as envolvem, bem como o marco legal respectivo, procedimentos operativos e resultados pretendidos, é intuitivo que a necessidade de desburocratização se revela patente e metaterminal. Embalado por relativa estabilidade monetária e regras operacionais (ou regras de negócio) até certo modo simplificadas, o Sistema de Registro de Preços (SRP) ganhou muita força na última década. Como produto de tal expediente, aquilo que se denominou de carona3 se transformou em um dos protagonistas principais do cenário que se mostra ávido por eficiência, celeridade e inovações. Evidente que os ingredientes destacados conduziriam mesmo ao extremado nível de polêmicas hoje existentes no setor. As principais polêmicas relativas ao carona surgem a partir de 2007 e se estendem até os dias atuais. E – ousamos dizer – continuarão por largo tempo a desafiar a inteligência de todos aqueles que se envolvem com a matéria. Sem prejuízo de sabermos que a questão federativa4 impacta sobremodo no tema, aqui vamos destacar os principais acórdãos que impactaram a matéria no âmbito do Tribunal de Contas da União: 3 Segundo o art. 8º do Decreto nº 3.931/2001, o não participante pode se valer da ata de registro de preços de outrem e realizar contratações a partir dela utilizando-se dos procedimentos já realizados. 4 Como decorrência do modelo federativo brasileiro, possuímos entidades de controle externo (Cortes de Contas) nas esferas da União, dos Estados e dos Municípios; de sorte que pode haver, e há, divergências inúmeras de interpretação para um mesmo tema.


– Acórdão nº 1487/2007, de 01.08.2007 – Acórdão nº 1233/2012, de 23.05.2012 – Acórdão nº 1737/2012, de 04.07.2012 – Acórdão nº 1717/2012, de 04.04.2012 – Acórdão nº 2311/2012, de 29.08.2012 – Acórdão nº 2692/2012, de 03.10.2012 Tais acórdãos analisaram ao logo desses anos a figura do carona e seus impactos no âmbito do controle difuso5.

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Entretanto, nos Acórdãos nºs 1487/2007 e 1233/2012 – apesar de comandos não tão claros – o TCU tentou traçar uma diretriz para todas as contratações da Administração Pública.

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No Acórdão nº 1487/2007 já se alertava sobre os aspectos maléficos da adesão irrestrita, ou seja, o número elevado de “caronas” em uma mesma Ata de Registro de Preços, fato que chamava a atenção para: a) economia de escala na relação “preço x quantidade”; e b) quebra ao princípio da isonomia entre os participantes6. No Acórdão nº 1233/2012, o TCU tenta mostrar que a consequência das Atas de RP mal planejadas ou destinadas à utilização 5 Em casos concretos e com efeitos “entre partes”. 6 Desde então já nos manifestávamos sobre isso. Consulte em: www.jairsantana.com.br <artigos><direito administrativo<TCU dá xeque mate ao carona>.

indevida trazem incalculáveis prejuízos ao Erário Público. Assim, a auditoria volta a criticar a adesão ilimitada, propondo que o aderente limite-se ao saldo remanescente da ata. Vejamos os excertos de maior interesse (os destaques não constam do original): 23. Nota-se, claramente, que a adesão ilimitada à Ata de Registro de Preços representa um desvirtuamento do SRP, que tem como pressuposto principal o planejamento das aquisições pela Administração Pública, na medida em que propicia a contratação de muito mais itens do que a quantidade efetivamente licitada. 24. Por esses motivos, entendo que a possibilidade de adesão à Ata de Registro de Preços deve limitar-se à quantidade remanescente no registro. [...] 31. Verifica-se, portanto, que os elementos colhidos na presente auditoria comprovam os problemas que decorrem da adesão ilimitada à Ata de Registro de Preços, causados, basicamente, pela marcante ausência de planejamento dos órgãos e entidades da Administração Pública. 32. Registre-se, mais uma vez, que o instituto do SRP apresenta um grande potencial de proporcionar racionalização administrativa e economia para os cofres públicos. 33. Não obstante, a prática disseminada em todos os entes da federação da adesão ilimitada às Atas de Registro de Preços desvirtua o SRP de sua finalidade principal, fundada no planejamento dos órgãos e entidades da Administração Pública, além de afrontar a Constituição Federal e a Lei nº 8.666/1993, trazendo, em seu bojo, uma ampla liberalidade que favorece a prática da fraude, do conluio e da corrupção.

Nesse contexto, foram dadas as seguintes determinações: Acordão TCU nº 1233/2012-Plenário:


9.1. recomendar, com fundamento no art. 43, inciso I, da Lei nº 8.443/1992, c/c o art. 250, inciso III, do Regimento Interno do TCU, à Câmara de Políticas de Gestão, Desempenho e Competitividade (CGDC) do Conselho de Governo que: [...] 9.3. determinar, com fundamento na Lei nº 8.443/1992, art. 43, inciso I, c/c o RITCU, art. 250, inciso II, à Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação (SLTI/MP) que: [...] 9.7.3. em atenção ao disposto no Decreto nº 7.063/2010, art. 6º, inciso XII, oriente as entidades sob sua jurisdição para que (subitem III.1): 9.7.3.1. ao realizarem licitação com finalidade de criar ata de registro de preços atentem que: 9.7.3.1.1. devem fundamentar formalmente a criação de ata de registro de preços, e.g., por um dos incisos do art. 2º do Decreto nº 3.931/2001 (Acórdão nº 2.401/2006-TCU-Plenário); 9.7.3.1.2. devem praticar todos os atos descritos no Decreto nº 3.931/2001, art. 3º, § 2º, em especial o previsto no seu inciso I, que consiste em convidar mediante correspondência eletrônica ou outro meio eficaz, os órgãos e entidades para participarem do registro de preços; 9.7.3.1.3. o planejamento da contratação é obrigatório, sendo obrigatória a realização dos devidos estudos técnicos preliminares (Lei nº 8.666/1993, art. 6º, inciso IX); 9.7.3.1.4. a fixação, no termo de convocação, de quantitativos (máximos) a serem contratados por meio dos contratos derivados da ata de

registro de preços, previstos no Decreto nº 3.931/2001, art. 9º, inciso II, é obrigação e não faculdade do gestor (Acórdão nº 991/2009-TCU-Plenário, Acórdão nº 1.100/2007-TCU- P l e n á r i o e A c ó rd ã o n º 4.411/2010-TCU-2ª Câmara); 9.7.3.1.5. em atenção ao princípio da vinculação ao instrumento convocatório (Lei nº 8.666/1993, art. 3º, caput), devem gerenciar a ata de forma que a soma dos quantitativos contratados em todos os contratos derivados da ata não supere o quantitativo máximo previsto no edital; 9.7.3.2. quando realizarem adesão à ata de registro de preços atentem que: 9.7.3.2.1. o planejamento da contratação é obrigatório, sendo obrigatória a realização dos devidos estudos técnicos preliminares (Lei nº 8.666/1993, art. 6º, inciso IX); 9.7.3.2.2. devem demonstrar formalmente a vantajosidade da adesão, nos termos do Decreto nº 3.931/2001, art. 8º; 9.7.3.2.3. as regras e condições estabelecidas no certame que originou a ata de registro de preços devem ser conformes as necessidades e condições determinadas na etapa de planejamento da contratação (Lei nº 8.666/1993, art. 6º, inciso IX, alínea d, c/c o art. 3º, § 1º, inciso I, e Lei nº 10.520/2002, art. 3º, inciso II); [...].

Em resumo, por meio desse último Acórdão – 1233/2012 – o TCU exarou decisão na qual sugere que se oriente à Administração Pública que não se deve exceder o quantitativo originalmente licitado.

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Acordam os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão Plenária, ante as razões expostas pelo Relator, em: [...]

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Não obstante, a redação do disposto nos itens 9.7.3.1.4 e 9.7.3.1.5 ainda deixam margens a dúvidas. É plausível que o gerenciador não exceda nas suas contratações os quantitativos que – obrigatoriamente – devem estar bem estimados. Mas e no tocante às relações que se formarão como decorrência da utilização da ata existente? Estas são computadas nos quantitativos do órgão gerenciador? O Acórdão nº 2311/2012, quando da análise de embargos de declaração, agitou novamente as questões relativas aos limites do carona.

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Entretanto, quando do julgamento do Acórdão nº 2692, o Tribunal de Contas de União entendeu não ser de sua competência “alterar” as regras do SRP eis que se tratava de competência privativa do Presidente da República, tornando insubsistente os itens do Acórdão nº 1487/2007 que versavam sobre limitação do carona.

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Todavia, a eg. Corte de Contas manteve os termos dos Acórdãos nºs 1233/2012 e 2311/2012, determinando a SLTI (Secretaria de Logística do Ministério do Planejamento da União) que limite a soma dos quantitativos contratados em todos os contratos derivados da ata, e não permita que esse supere o quantitativo máximo previsto no edital, modificando tão somente o prazo de eficácia desses, que eram imediatos e passaram para o final do ano (31.12.2012). Contudo, há que se atentar que, mesmo após esse desfecho (postergação da vigência da decisão tomada para o ano vindouro), o macrocenário a que nos referimos antes não irá se modificar, a despeito de algumas dúvidas interpretativas que podem existir em torno das últimas decisões. É dizer que a

medida tomada em nada beneficiará aqueles fatores que se encontram no entorno das demandas governamentais relativamente ao item “Suprimentos”. Imaginamos que o correto seja conduzir o tema para que receba a roupagem de matéria legislada, “positivada em norma” e não apenas objeto de “decisão” de “natureza administrativa”, por órgão de controle. Recordemos também que o Acórdão nº 1.233 surge focalizado na área de TI (Tecnologia da Informação), mas a conclusão está sendo estendida para toda e qualquer área de contratação pública com registro de preços. Destaquemos que – a par dessas iniciativas ocorridas no âmbito da União – a questão federativa é demasiadamente importante porque o Sistema de Registro de Preços demanda regulamentação por todos os entes que integram o respectivo pacto. É dizer, as unidades compradoras que não da União não se assujeitam ao mesmo regime, podendo ter (como tem de fato) regras próprias. Enfim, diante da síntese dos últimos acontecimentos do carona, posso arriscar a dizer que as polêmicas aqui levantandas estão longe de acabar por uma única razão: não estamos atentos como deveríamos às reais proporções do abismo existente entre o “ôntico” (“ser” e realidade) e o “deôntico” (“dever-ser” e respectivas regras). Olhar para a problemática das compras públicas com binóculos utilizados “ao contrário” só nos distancia cada vez mais das soluções que são necessárias de uma só vez tanto para o Governo e o mercado quanto para – em especial – a sociedade.


Acórdão na Íntegra

Supremo Tribunal Federal DJe 18.12.2012 04.12.2012 Primeira Turma Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo nº 665.187/ São Paulo Relator: Min. Luiz Fux Agte.: Helton Antônio Rodrigues Adv.(a/s): Claudismar Zupiroli e outro(a/s) Agdo.: Estado de São Paulo Proc.: Procurador-Geral do Estado de São Paulo

EMENTA AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO – DIREITO ADMINISTRATIVO – ACUMULAÇÃO REMUNERADA DE CARGOS PÚBLICOS – PROFESSOR E SECRETÁRIO MUNICIPAL – DISCUSSÃO QUANTO À NATUREZA DO CARGO DE SECRETÁRIO MUNICIPAL – REEXAME DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO INVIÁVEL – INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 279 DO STF – AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO 1. A repercussão geral pressupõe recurso admissível sob o crivo dos demais requisitos constitucionais e processuais de admissibilidade (art. 323 do RISTF). Consectariamente, se o recurso é inadmissível por outro motivo, não há como se pretender seja reconhecida a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso (art. 102, III, § 3º, da Constituição Federal).

4. In casu, o acórdão originariamente recorrido assentou: “MANDADO DE SEGURANÇA – acumulação de cargos públicos – professor e Secretário Municipal – impossibilidadde de considerar esse último cargo como técnico ou científico – segurança denegada – recurso improvido.” 5. Agravo regimental desprovido.

ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Senhor Ministro Dias Toffoli, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Relator. Brasília, 4 de dezembro de 2012. Luiz Fux – Relator Documento assinado digitalmente

RELATÓRIO O Senhor Ministro Luiz Fux (Relator):

2. A Súmula nº 279 o STF dispõe: “Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário”.

Trata-se de agravo regimental interposto em face de decisão por mim proferida, em que neguei seguimento ao agravo, consoante a seguinte ementa:

3. É que o recurso extraordinário não se presta ao exame de questões que demandam o revolvimento do contexto fático-probatório dos autos, adstringindo-se à análise da violação direta da ordem constitucional.

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO – ADMINISTRATIVO – ACUMULAÇÃO REMUNERADA DE CARGOS PÚBLICOS – PROFESSOR E SECRETÁRIO MUNICIPAL – DISCUSSÃO QUANTO À NATUREZA DO CARGO


DE SECRETÁRIO MUNICIPAL – REEXAME DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO INVIÁVEL – INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 279 DO STF 1. A repercussão geral pressupõe recurso admissível sob o crivo dos demais requisitos constitucionais e processuais de admissibilidade (art. 323 do RISTF). Consectariamente, se inexiste questão constitucional, não há como se pretender seja reconhecida a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso (art. 102, III, § 3º, da Constituição Federal). 2. A Súmula nº 279 do STF dispõe: Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário. 3. É que o recurso extraordinário não se presta ao exame de questões que demandam o revolvimento do contexto fáticoprobatório dos autos, adstringindo-se à análise da violação direta da ordem constitucional. 4. In casu, o acórdão recorrido assentou: Mandado de Segurança acumulação de cargos públicos professor e Secretário Municipal impossibilidade de considerar esse último cargo como técnico ou científico segurança denegada recurso improvido.

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5. Agravo a que se nega seguimento.”

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Nas razões de agravo regimental, o agravante afirma que a controvérsia dispensa reexame do contexto fático-probatório e requer tão somente nova qualificação da prova produzida. É o relatório.

VOTO O Senhor Ministro Luiz Fux (Relator): A irresignação não merece prosperar.

Isso porque não se revela cognoscível, em sede de recurso extraordinário, a insurgência que tem como escopo o incursionamento no contexto fático-probatório engendrado nos autos, porquanto referida pretensão não se amolda à estreita via do apelo extremo, cujo conteúdo restringe-se a fundamentação vinculada de discussão eminentemente de direito e, portanto, não servil ao exame de questões que demandam o revolvimento dos fatos e provas, em face do óbice erigido pela Súmula nº 279 do STF, de seguinte teor: “Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário”. Sob esse enfoque, ressoa inequívoca a vocação para o insucesso do apelo extremo, por força do óbice intransponível do verbete sumular supra, que veda a esta Suprema Corte, em sede de recurso extraordinário, sindicar matéria fática. Por oportuno, vale destacar preciosa lição de Roberto Rosas acerca da Súmula nº 279 do STF: Chiovenda nos dá os limites da distinção entre questão de fato e questão de direito. A questão de fato consiste em verificar se existem as circunstâncias com base nas quais deve o juiz, de acordo com a lei, considerar existentes determinados fatos concretos. A questão de direito consiste na focalização, primeiro, se a norma, a que o autor se refere, existe, como norma abstrata (Instituições de Direito Processual, 2. ed., v. I/175).

Não é estranha a qualificação jurídica dos fatos dados como provados (RT 275/884 e 226/583). Já se refere a matéria de fato quando a decisão assenta no processo de livre convencimento do julgador (RE 64.051, Rel. Min. Djaci Falcão, RTJ 47/276); não cabe o recurso extraordinário quando o acórdão recorrido deu determinada qualificação jurídica a fatos delituosos e se pretende atribuir aos mesmos fatos outra configuração, quando essa pretensão exige reexame de provas (ERE 58.714, Relator para o acórdão o Min. Amaral Santos, RTJ 46/821). No processo


A Súmula nº 279 é peremptória: Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário. Não se vislumbraria a existência da questão federal motivadora do recurso extraordinário. O juiz dá a valoração mais conveniente aos elementos probatórios, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes. Não se confunda com o critério legal da valorização da prova (RTJ 37/480, 56/65) (Pestana de Aguiar, Comentários ao Código de Processo Civil, 2. ed., v. VI/40, Ed. RT; Castro Nunes, Teoria e Prática do Poder Judiciário, 1943, p. 383). V. Súmula nº 7 do STJ (In Direito Sumular, 14. ed. São Paulo, Malheiros). A propósito, menciono os seguintes precedentes: “AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO – CONSTITUCIONAL – ADMINISTRATIVO – ACUMULAÇÃO REMUNERADA DE CARGOS PÚBLICOS – REEXAME DA NATUREZA DOS CARGOS ACUMULADOS – IMPOSSIBILIDADE – SÚMULA Nº 279 I – Inviável o recurso extraordinário, fundado em alegada violação ao art. 37, XVI, da Constituição, quando sua análise demanda o reexame da natureza dos cargos acumulados conforme assentada pelo Tribunal de origem. Incide, no caso, a Súmula nº 279 do STF. II – Agravo regimental desprovido.” (RE 581.871-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, DJe de 23.09.2010) “EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO – ACUMULAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOS – CARÁTER TÉCNICO – SÚMULA Nº 279 – ART. 37, XVI, B, CB/1988 – OMISSÃO – CONTRADIÇÃO – OBSCURIDADE – INEXISTÊNCIA – 1. A conclusão sobre o caráter técnico do cargo que se pretende acumular com o de professor – CB/1988, art. 37, XVI, b – exige o exame dos fatos e provas da causa e a apreciação da legislação infraconstitucional pertinente. Súmula nº

279/STF. 2. Não se encontram configuradas no acórdão embargado a obscuridade, a contradição ou a omissão que autorizariam a integração do julgado com fundamento nos incisos I e II do art. 535 do Código de Processo Civil. Embargos de declaração rejeitados.” (RE 379.060-ED, Rel. Min. Eros Grau, 2ª Turma, DJe de 27.11.2008)

Ex positis, nego provimento ao agravo regimental. É como voto.

PRIMEIRA TURMA EXTRATO DE ATA Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo nº 665.187 Proced.: São Paulo Relator: Min. Luiz Fux Agte.: Helton Antônio Rodrigues Adv.(a/s): Claudismar Zupiroli e outro(a/s) Agdo.: Estado de São Paulo Proc.: Procurador-Geral do Estado de São Paulo Decisão: A Turma negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Relator. Unânime. Presidência do Senhor Ministro Dias Toffoli. 1ª Turma, 04.12.2012. Presidência do Senhor Ministro Dias Toffoli. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Marco Aurélio, Luiz Fux e Rosa Weber. Subprocuradora-Geral da República, Dra. Cláudia Sampaio Marques. Carmen Lilian Oliveira de Souza Secretária da Primeira Turma

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penal, a verificação entre a qualificação de motivo fútil ou estado de embriaguez para a apenação importa matéria de fato, insuscetível de reexame no recurso extraordinário (RE 63.226, Rel. Min. Eloy da Rocha, RTJ 46/666).

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Pesquisa Temática

Defesa do Consumidor Defesa do consumidor – ação de liquidação de sentença – ação civil pública – direitos individuais homogêneos “Processo civil. Direito do consumidor. Recurso especial. Ação de liquidação de sentença prolatada em ação civil pública. Direitos individuais homogêneos. Precedência da legitimidade das vítimas ou sucessores. Subsidiariedade da legitimidade dos entes indicados no art. 82 do CDC. 1. A legitimidade para intentar ação coletiva versando a defesa de direitos individuais homogêneos é concorrente e disjuntiva, podendo os legitimados indicados no art. 82 do CDC agir em juízo independentemente uns dos outros, sem prevalência alguma entre si, haja vista que o objeto da tutela refere-se à coletividade, ou seja, os direitos são tratados de forma indivisível. 2. Todavia, para o cumprimento de sentença, o escopo é o ressarcimento do dano individualmente experimentado, de modo que a indivisibilidade do objeto cede lugar à sua individualização. 3. Não obstante ser ampla a legitimação para impulsionar a liquidação e a execução da sentença coletiva, admitindo-se que a promovam o próprio titular do direito material, seus sucessores, ou um dos legitimados do art. 82 do CDC, o art. 97 impõe uma gradação de preferência que permite a legitimidade coletiva subsidiariamente, uma vez que, nessa fase, o ponto central é o dano pessoal sofrido por cada uma das vítimas. 4. Assim, no ressarcimento individual (arts. 97 e 98 do CDC), a liquidação e a execução serão obrigatoriamente personalizadas e divisíveis, devendo prioritariamente ser promovidas pelas vítimas ou seus sucessores de forma singular, uma vez que o próprio lesado tem melhores condições de demonstrar a existência do seu dano pessoal, o nexo etiológico com o dano globalmente reconhecido, bem como o montante equivalente à sua parcela. 5. O art. 98 do CDC preconiza que a execução ‘coletiva’ terá lugar quando já houver sido fixado o valor da indenização devida em sentença de liquidação, a qual deve ser – em sede de direitos individuais homogêneos – promovida pelos próprios titulares ou sucessores. 6. A legitimidade do Ministério Público para instaurar a execução exsurgirá – se for o caso – após o escoamento do prazo de um ano do trânsito em julgado se não houver a habilitação de interessados em número compatível com a gravidade do dano, nos termos do art. 100 do CDC. É que a hipótese versada nesse dispositivo encerra situação em que, por alguma razão, os consumidores lesados desinteressam-se quanto ao cumprimento individual da sentença, retornando a legitimação dos entes públicos indicados no art. 82 do CDC para requerer ao juízo a apuração dos danos globalmente causados e a reversão dos valores apurados para o Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (art. 13 da LACP), com vistas a que a sentença não se torne inócua, liberando o fornecedor que atuou ilicitamente de arcar com a reparação dos danos causados. 7. No caso sob análise, não se tem notícia acerca da publicação de editais cientificando os interessados acerca da sentença exequenda, o que constitui óbice à sua habilitação na liquidação, sendo certo que o prazo decadencial nem sequer iniciou o seu curso, não obstante já se tenham escoado quase treze anos do trânsito em julgado. 8. No momento em que se encontra o feito, o Ministério Público, a exemplo dos demais entes públicos indicados no art. 82 do CDC, carece de legitimidade para a liquidação da sentença genérica, haja vista a própria conformação constitucional desse órgão e o escopo precípuo dessa forma de execução, qual seja, a satisfação de interesses individuais personalizados que, apesar de se encontrarem circunstancialmente agrupados, não perdem sua natureza disponível. 9. Recurso especial provido.” (STJ – REsp 869.583 – (2006/0093884-3) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 05.09.2012)

Defesa do consumidor – clínica médica – alegação de defeito na prestação de serviços – responsabilidade objetiva “Recurso especial. Agravo de instrumento. Ação de indenização movida contra clínica médica. Alegação de defeito na prestação de serviços. Responsabilidade objetiva. Inteligência do art. 14 do CDC. 1. Demanda indenizatória proposta pelo marido de paciente morta em clínica médica, alegando defeito na prestação dos serviços médicos. 2. A regra geral do art. 14, caput, do CDC, é a responsabilidade objetiva dos fornecedores pelos danos causados aos consumidores. 3. A exceção prevista no § 4º do art. 14 do CDC, imputando-lhes responsabilidade subjetiva, é restrita aos profissionais liberais. 4. Impossibilidade de interpretação extensiva de regra de exceção. 5. O ônus da prova da inexistência de defeito na prestação dos serviços médicos é da clínica recorrida por imposição legal (inversão ope legis). Inteligência do art. 14, § 3º, I, do CDC. 6. Precedentes jurisprudenciais desta Corte. 7. Recurso especial provido.” (STJ – REsp 986.648 – (2007/0215972-5) – 3ª T. – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – DJe 02.03.2012)


Defesa do consumidor – compra e venda de produtos pela Internet – cancelamento da aquisição – repetição de indébito em dobro dos valores pagos – impossibilidade “Direito do consumidor. Compra e venda de produtos pela Internet. Cancelamento da aquisição pelo consumidor. Repetição de indébito em dobro dos valores pagos. Impossibilidade. 1. Acórdão elaborado de conformidade com o disposto no art. 46 da Lei nº 9.099/1995 e arts. 12, inciso IX, 98 e 99 do Regimento Interno das Turmas Recursais. Recurso próprio, regular e tempestivo. 2. Sem comprovação de que as despesas do processo comprometem o sustento da parte de sua família não se confere os benefícios da assistência judiciária. 3. O consumidor tem a opção de desistir da aquisição de produtos ou serviços quando o negócio é feito fora do estabelecimento comercial, o que se aplica aos sites da internet, na forma do art. 49 do CDC. Precedentes na 1ª Turma (Acórdão nº 551172, ACJ 20100111753972, Relator Luis Eduardo Yatsuda Arima, 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, Julgado em 11.10.2011, DJ 29.11.2011, p. 191). 4. A formulação do pedido de compra por intermédio da Internet, pelo consumidor, com posterior pedido de cancelamento, não se equipara a cobrança indevida de que trata o art. 42 do CDC, autorizando a restituição do valor na forma simples. 5. O inadimplemento contratual decorrente da cobrança de valores relativos à aquisição de produtos, que posteriormente foi cancelada, por si só, não autoriza o pagamento de reparação por danos morais, se não restou demonstrada a violação de direitos de personalidade. Precedente nesta Turma (Acórdão nº 560866, ACJ 20110111398410, 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, Julgado em 13.01.2012, DJ 25.01.2012, p. 193). 6. Recurso conhecido, mas não provido. Custas processuais e honorários, no valor de R$ 400,00, pelo recorrente, cuja exigibilidade ficará suspensa em razão da concessão dos benefícios da assistência judiciária.” (TJDFT – Proc. 20110710328322 – (611698) – Rel. Juiz Aiston Henrique de Sousa – DJe 23.08.2012)

“Apelação cível. Fornecimento de energia elétrica. Acusação de fraude no medidor de energia elétrica. Cálculo do débito de forma unilateral pela empresa apelante. Corte de energia elétrica. Impossibilidade. Dívida pretérita. Precedentes do STJ e deste egrégio tribunal de justiça. Apelação improvida. 1. A Lei nº 8.987/1995 determina, em seu art. 6º, § 3º, inciso II, que o fornecimento de energia elétrica pode ser suspenso devido a inadimplência do consumidor, mediante prévio aviso. 2. Contudo, entendo que, por ser um serviço essencial a todo e qualquer indivíduo, sobretudo porque trata-se, neste caso, de pequeno comerciante, necessário se faz uma interpretação conjunta do mencionado dispositivo com o que ensina o Código de Defesa do Consumidor em seus arts. 6º, IV, e 42, verbis: ‘Art. 6º São direitos básicos do consumidor: [omissis] IV – a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços’. ‘Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça’. 3. O colendo STJ já firmou entendimento de que o corte de energia elétrica por dívida pretérita, especialmente nestas hipóteses em que se alega fraude no medidor, é inadmissível, de vez que dispõe a concessionária de serviço público das vias ordinárias para pleitear valores porventura devidos, senão vejamos: ‘Processual civil e administrativo. Agravo regimental no agravo de instrumento. Fornecimento de energia elétrica. Não violação ao art. 535 do CPC. Suspensão em razão de débitos pretéritos. Impossibilidade. Acórdão recorrido em consonância com a jurisprudência do STJ. Súmula nº 83/STJ. [omissis]. 2. A questão dos autos refere-se à suspensão do fornecimento de energia elétrica relativamente a débitos pretéritos. Neste particular, o STJ pacificou entendimento de que corte de fornecimento de energia pressupõe inadimplência de conta regular, isto é, a do mês do consumo. Em se tratando de débitos antigos, deve a concessionária utilizar-se dos meios ordinários de cobrança; Caso contrário, há se ter por caracterizada infringência do art. 42 do Código de Defesa do Consumidor. 3. Agravo regimental não provido’ (AgRg-Ag 1.258.939/RS, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 16.08.2010). 4. Assim, tenho por claro que suspender o fornecimento de bem tão essencial ao regular funcionamento das atividades da apelada, baseando-me em débito calculado unilateralmente pela empresa apelante e, ainda, é bom repisar, referente à dívida pretérita por suposta fraude no medidor, seria medida de extremo rigor e injustiça. Precedentes jurisprudenciais: ‘Agravo regimental no agravo de instrumento. Ausência de prequestionamento. Suposta fraude no medidor de energia elétrica. Apuração unilateral da concessionária. Corte no fornecimento. Impossibilidade. Tema não prequestionado não autoriza a admissibilidade do recurso especial. A jurisprudência desta Corte pacificou o entendimento de que é ilegítimo o corte no fornecimento de energia elétrica se o débito decorrer de suposta fraude no medidor de consumo de energia elétrica, apurada unilateralmente pela concessionária de serviço público. Agravo regimental improvido’ (AgRg-AI 1.336.503/RO, 2010/0144408-2, Ministro Cesar Asfor Rocha). 5. Apelação conhecida, mas desprovida.” (TJCE – Ap 28299-09.2004.8.06.0000/0 – Rel. Des. Emanuel Leite Albuquerque – DJe 12.07.2012)

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Defesa do consumidor – fornecimento de energia elétrica – acusação de fraude no medidor – cálculo do débito – dívida pretérita

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Defesa do consumidor – inscrição em cadastros de inadimplentes – notificação – comprovação do recebimento – desnecessidade “Agravo regimental. Agravo de instrumento. Recurso especial. Arts. 458, 515 e 535 do CPC. Ausência de violação. Consumidor. Inscrição em cadastros de inadimplentes. Notificação. Comprovação do recebimento. Desnecessidade. 1. Em conformidade com a jurisprudência do STJ, é obrigatória a notificação do devedor a respeito da negativação de seu nome em cadastro de inadimplentes, não se impondo ao órgão ou entidade que procede à notificação o dever de comprovar o efetivo recebimento. Precedentes. 2. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-AI 1.279.558 – (2010/0031210-9) – 3ª T. – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – DJe 25.04.2012)

Defesa do consumidor – Internet – relação de consumo – gratuidade do serviço – indiferença – provedor de pesquisa – conteúdo público “Civil e consumidor. Internet. Relação de consumo. Incidência do CDC. Gratuidade do serviço. Indiferença. Provedor de pesquisa. Filtragem prévia das buscas. Desnecessidade. Restrição dos resultados. Não cabimento. Conteúdo público. Direito à informação. 1. A exploração comercial da Internet sujeita as relações de consumo daí advindas à Lei nº 8.078/1990. 2. O fato de o serviço prestado pelo provedor de serviço de Internet ser gratuito não desvirtua a relação de consumo, pois o termo ‘mediante remuneração’, contido no art. 3º, § 2º, do CDC, deve ser interpretado de forma ampla, de modo a incluir o ganho indireto do fornecedor. 3. O provedor de pesquisa é uma espécie do gênero provedor de conteúdo, pois não inclui, hospeda, organiza ou de qualquer outra forma gerencia as páginas virtuais indicadas nos resultados disponibilizados, se limitando a indicar links onde podem ser encontrados os termos ou expressões de busca fornecidos pelo próprio usuário. 4. A filtragem do conteúdo das pesquisas feitas por cada usuário não constitui atividade intrínseca ao serviço prestado pelos provedores de pesquisa, de modo que não se pode reputar defeituoso, nos termos do art. 14 do CDC, o site que não exerce esse controle sobre os resultados das buscas. 5. Os provedores de pesquisa realizam suas buscas dentro de um universo virtual, cujo acesso é público e irrestrito, ou seja, seu papel se restringe à identificação de páginas na web onde determinado dado ou informação, ainda que ilícito, estão sendo livremente veiculados. Dessa forma, ainda que seus mecanismos de busca facilitem o acesso e a consequente divulgação de páginas cujo conteúdo seja potencialmente ilegal, fato é que essas páginas são públicas e compõem a rede mundial de computadores e, por isso, aparecem no resultado dos sites de pesquisa. 6. Os provedores de pesquisa não podem ser obrigados a eliminar do seu sistema os resultados derivados da busca de determinado termo ou expressão, tampouco os resultados que apontem para uma foto ou texto específico, independentemente da indicação do URL da página onde este estiver inserido. 7. Não se pode, sob o pretexto de dificultar a propagação de conteúdo ilícito ou ofensivo na Web, reprimir o direito da coletividade à informação. Sopesados os direitos envolvidos e o risco potencial de violação de cada um deles, o fiel da balança deve pender para a garantia da liberdade de informação assegurada pelo art. 220, § 1º, da CF/1988, sobretudo considerando que a Internet representa, hoje, importante veículo de comunicação social de massa. 8. Preenchidos os requisitos indispensáveis à exclusão, da Web, de uma determinada página virtual, sob a alegação de veicular conteúdo ilícito ou ofensivo – notadamente a identificação do URL dessa página – a vítima carecerá de interesse de agir contra o provedor de pesquisa, por absoluta falta de utilidade da jurisdição. Se a vítima identificou, via URL, o autor do ato ilícito, não tem motivo para demandar contra aquele que apenas facilita o acesso a esse ato que, até então, se encontra publicamente disponível na rede para divulgação. 9. Recurso especial provido.” (STJ – REsp 1.316.921 – (2011/0307909-6) – 3ª T. – Relª Min. Nancy Andrighi – DJe 29.06.2012)

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Defesa do consumidor – Internet – relação de consumo – gratuidade do serviço – indiferença – provedor de pesquisa – conteúdo público

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“Civil e consumidor. Internet. Relação de consumo. Incidência do CDC. Gratuidade do serviço. Indiferença. Provedor de pesquisa. Filtragem prévia das buscas. Desnecessidade. Restrição dos resultados. Não cabimento. Conteúdo público. Direito à informação. 1. A exploração comercial da Internet sujeita as relações de consumo daí advindas à Lei nº 8.078/1990. 2. O fato de o serviço prestado pelo provedor de serviço de Internet ser gratuito não desvirtua a relação de consumo, pois o termo ‘mediante remuneração’, contido no art. 3º, § 2º, do CDC, deve ser interpretado de forma ampla, de modo a incluir o ganho indireto do fornecedor. 3. O provedor de pesquisa é uma espécie do gênero provedor de conteúdo, pois não inclui, hospeda, organiza ou de qualquer outra forma gerencia as páginas virtuais indicadas nos resultados disponibilizados, se limitando a indicar links onde podem ser encontrados os termos ou expressões de busca fornecidos pelo próprio usuário. 4. A filtragem do conteúdo das pesquisas feitas por cada usuário não constitui atividade intrínseca ao serviço prestado pelos provedores de pesquisa, de modo que não se pode reputar defeituoso, nos termos do art. 14 do CDC, o site que não exerce esse controle sobre os resultados das buscas. 5. Os provedores de pesquisa realizam suas buscas dentro de um universo virtual, cujo acesso é público e irrestrito, ou seja, seu papel se restringe à identificação de páginas na web onde determinado dado ou informação, ainda que ilícito, estão sendo livremente veiculados. Dessa forma, ainda que seus mecanismos de busca facilitem o acesso e a consequente divulgação de páginas cujo conteúdo seja potencialmente ilegal, fato é que essas páginas são públicas e compõem a rede mundial de computadores e, por isso, aparecem no resultado dos sites de pesquisa. 6. Os provedores de pesquisa não podem ser obrigados a eliminar do seu


sistema os resultados derivados da busca de determinado termo ou expressão, tampouco os resultados que apontem para uma foto ou texto específico, independentemente da indicação do URL da página onde este estiver inserido. 7. Não se pode, sob o pretexto de dificultar a propagação de conteúdo ilícito ou ofensivo na Web, reprimir o direito da coletividade à informação. Sopesados os direitos envolvidos e o risco potencial de violação de cada um deles, o fiel da balança deve pender para a garantia da liberdade de informação assegurada pelo art. 220, § 1º, da CF/1988, sobretudo considerando que a Internet representa, hoje, importante veículo de comunicação social de massa. 8. Preenchidos os requisitos indispensáveis à exclusão, da Web, de uma determinada página virtual, sob a alegação de veicular conteúdo ilícito ou ofensivo – notadamente a identificação do URL dessa página – a vítima carecerá de interesse de agir contra o provedor de pesquisa, por absoluta falta de utilidade da jurisdição. Se a vítima identificou, via URL, o autor do ato ilícito, não tem motivo para demandar contra aquele que apenas facilita o acesso a esse ato que, até então, se encontra publicamente disponível na rede para divulgação. 9. Recurso especial provido.” (STJ – REsp 1.316.921 – (2011/0307909-6) – 3ª T. – Relª Min. Nancy Andrighi – DJe 29.06.2012)

Defesa do consumidor – negativação indevida de nome nos cadastros restritivos de crédito – dívida inexistente – dano moral – caracterização “CDC. Negativação indevida de nome nos cadastros restritivos de crédito. Dívida inexistente. Dano moral caracterizado. Impossibilidade de redução do quantum indenizatório. Proporcionalidade e razoabilidade na indenização fixada em R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Recurso conhecido e improvido. Sentença mantida. 1. Restando evidenciado nos autos que a dívida era inexistente, eis que a tese defensiva não veio acompanhada de qualquer lastro probatório, permanecendo no terreno da mera alegação ou especulação, impõe-se a reparação a título de danos morais em decorrência da negativação indevida de seu nome nos cadastros restritivos de crédito na modalidade damnum in re ipsa, pois suplanta liame de mero dissabor, irritação ou mágoa para ingressar e interferir de forma intensa na dignidade da pessoa humana. A responsabilidade do recorrente é objetiva, na forma do art. 14 do CDC. 2. Os critérios considerados pelo MM. juiz ao quantificar o valor da indenização por danos morais no patamar de R$ 5.000,00 estão de acordo com a orientação da doutrina e a jurisprudência, razão pela qual não merece reforma. 3. Recurso conhecido e improvido. Sentença mantida por seus próprios fundamentos. O recorrente deverá arcar com o pagamento das custas e honorários advocatícios que fixo em 10% do valor da condenação.” (TJDFT – Proc. 20110112236753 – (611999) – Rel. Juiz José Guilherme de Souza – DJe 24.08.2012)

“Direito civil e do consumidor. Ação de indenização por danos materiais. Pacote turístico. Má prestação de serviço. Responsabilidade objetiva da operadora. Art. 14 do CDC. Contrato de seguro saúde para viagem. Contratação casada. Negativa indevida de cobertura no exterior. Cadeia de consumo. Solidariedade legal entre a operadora e a seguradora. Art. 7º do CDC. Ressarcimento das despesas com transporte em UTI aérea para o Brasil e demais despesas médicas. Cabimento. 1. O Tribunal de origem, analisando os fatos concluiu tratar-se de má prestação de um serviço, sendo a operadora de turismo, portanto, prestadora de serviço, como tal responde, independentemente de culpa pela reparação dos danos causados aos consumidores, nos termos do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor. 2. Acresce que o parágrafo único do art. 7º do Código Consumerista adotou o princípio da solidariedade legal para a responsabilidade pela reparação dos danos causados ao consumidor, podendo, pois, ele escolher quem acionará. E, por tratar-se de solidariedade, caberá ao responsável solidário acionado, depois de reparar o dano, caso queira, voltar-se contra os demais responsáveis solidários para se ressarcir ou repartir os gastos, com base na relação de consumo existente entre eles. 3. Desse modo, a distinção que pretende a recorrente fazer entre a sua atuação como operadora dissociada da empresa que contratou o seguro de viagem não tem relevância para a solução do caso e não afastaria jamais a sua responsabilidade. 4. Recurso especial improvido.” (STJ – REsp 1.102.849 – (2008/0274700-3) – 3ª T. – Rel. Min. Sidnei Beneti – DJe 26.04.2012)

Defesa do consumidor – provedor – mensagem de conteúdo ofensivo – registro de número do IP – não retirada em tempo razoável – dano moral “Agravo regimental em recurso especial. Direito do consumidor. Provedor. Mensagem de conteúdo ofensivo. Registro de número do IP. Dano moral. Não retirada em tempo razoável. 1. Na linha dos precedentes desta Corte, o provedor de conteúdo de Internet não responde objetivamente pelo conteúdo inserido pelo usuário em sítio eletrônico, por não se tratar de risco inerente à sua atividade. Está obrigado, no entanto, a retirar imediatamente o conteúdo moralmente ofensivo, sob pena de responder solidariamente com o autor direto do dano. Precedentes. 2. No caso dos autos o Tribunal de origem entendeu que não houve a imediata exclusão do perfil fraudulento, porque a recorrida, por mais de uma vez, denunciou a ilegalidade perpetrada mediante os meios eletrônicos disponibilizados para esse fim pelo próprio provedor, sem obter qualquer resultado. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-REsp 1.309.891 – (2012/0035031-2) – 3ª T. – Rel. Min. Sidnei Beneti – DJe 29.06.2012)

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Defesa do consumidor – pacote turístico – má prestação de serviço – responsabilidade objetiva

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Defesa do consumidor – provedor – mensagem de conteúdo ofensivo – retirada – registro de número do IP – dano moral – ausência “Agravo regimental. agravo em recurso especial. direito do consumidor. provedor. mensagem de conteúdo ofensivo. retirada. registro de número do IP. dano moral. ausência. provimento. 1. Na linha dos precedentes desta Corte, o provedor não responde objetivamente pelo conteúdo inserido pelo usuário em sítio eletrônico, por não se tratar de risco inerente à sua atividade. Está obrigado, no entanto, a retirar imediatamente o conteúdo moralmente ofensivo, sob pena de responder solidariamente com o autor direto do dano. 2. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 191.673 – (2012/0125087-7) – 3ª T. – Rel. Min. Sidnei Beneti – DJe 05.11.2012)

Defesa do consumidor – tarifa de energia elétrica – restituição – ocorrência de engano justificável “Direito do consumidor. Tarifa de energia elétrica. Ausência de prequestionamento. Súmula nº 282/STF. Restituição. Ocorrência de engano justificável. Art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor. Pagamento simples. Abrangência da restituição. Súmula nº 284/STF. 1. A infração aos arts. 186, 927, 932, III, e 933 do Código Civil não foi examinada pelo Tribunal de origem, que se limitou a analisar a questão sob a ótica do CDC. 2. Não se conhece de recurso especial quanto à matéria não especificamente enfrentada pelo Tribunal de origem, dada a ausência de prequestionamento (Súmula nº 282/STF). 3. O entendimento da Segunda Turma sobre a incidência do art. 42, parágrafo único, do CDC é pacífico no sentido de que a devolução em dobro não está condicionada à existência de dolo ou má-fé. Entretanto, é possível a devolução simples por engano justificável, cuja prova cabal incumbe ao fornecedor. 4. Na hipótese dos autos, consignou-se não ter havido erro imputável à parte recorrida (Enersul), de modo que, para acompanhar as razões recursais, no ponto, seria preciso verificar o conjunto fático-probatório, o que é vedado pela Súmula nº 7/STJ. 5. A pretensão de que a condenação seja ampliada para o período de 2003 a 2007 não está associada a nenhuma violação de dispositivo legal, sendo deficiente a fundamentação recursal nesse ponto. Aplica-se, por analogia, a Súmula nº 284/STF. 6. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-REsp 1.287.844 – (2011/0247204-0) – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 23.04.2012)

Defesa do consumidor – transporte aéreo – cancelamento de voo por mau tempo – fato não demonstrado “Direito do consumidor. Transporte aéreo. Cancelamento de voo por mau tempo. Fato não demonstrado. 1. Acórdão elaborado de conformidade com o disposto no art. 46 da Lei nº 9.099/1995, arts. 12, inciso XI, 98 e 99 do Regimento Interno das Turmas Recursais. Recurso próprio, regular e tempestivo. 2. Revelia. Não obstante a afirmação de que a ré é revel, os efeitos desta situação jurídica não foram aplicados, razão pela qual não há nulidade a ser declarada. 3. Cancelamento de voo. Mau tempo não demonstrado. O relatório elaborado pela própria companhia indica o atraso em razão de ‘falta de tripulação técnica;’ (fl. 60) item componente dos serviços prestados, que confirma a alegação de defeito na prestação do serviço contratado (art. 14 do CDC). 4. No contrato de transporte a responsabilidade do transportador estende-se até o fim do trajeto, não tendo lugar o fracionamento do itinerário para fins de solução pelo cumprimento parcial. 5. Sentença que se confirma pelos seus próprios fundamentos.” (TJDFT – Proc. 20100111834642 – (611553) – Rel. p/o Ac. Juiz Aiston Henrique de Sousa – DJe 23.08.2012)

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Defesa do consumidor – vício – solidariedade entre fornecedor de bens de consumo e agente financeiro – ilegitimidade passiva afastada

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“Consumidor. Solidariedade entre fornecedor de bens de consumo e agente financeiro, quando atuam em consórcio para fornecer bens de consumo financiados em ato único ao consumidor. Ilegitimidade passiva afastada. Comprovado o vício, cabível a rescisão do contrato com a devolução das quantias pagas. A sentença deve limitar-se ao pedido, sendo ultra petita aquela que determina a restituição integral de todas as parcelas do mútuo. Recurso conhecido e parcialmente provido para limitar a restituição às quantias efetivamente pagas. 1. Consorciando-se um fornecedor de bens de consumo e uma instituição financeira para oferecer em conjunto, num mesmo estabelecimento e em operação unificada, financiamento para a aquisição de bens, integram-se em comum como fornecedores de um produto único, formado pela associação do bem de consumo e os recursos financeiros para a sua aquisição. 2. Fica assim estabelecida a solidariedade entre os fornecedores integrantes da cadeia de fornecimento, a teor do art. 18 do CDC. 3. É parte legítima para figurar no feito em que se pleiteia a rescisão do contrato de compra e venda o agente financeiro, eis que o contrato de mútuo integra o produto adquirido, e deve ser rescindido em conjunto, pois são operações interdependentes. 4. Demonstrado o vício do produto, correta a decisão que declara a rescisão do contrato e determina a devolução das quantias pagas. 5. É ultra petita a decisão que determina a devolução do valor integral do mútuo, ao passo que impõe ao consumidor o dever de continuar a pagar o financiamento declarado rescindido. 6. Recurso que se conhece e se provê parcialmente, para determinar a restituição das quantias comprovadamente pagas, corrigidas a partir do desembolso e acrescidas de juros legais, contados a partir da citação. 7. Sem custas e honorários.” (TJDFT – AC 20120310183645 – 2ª T. – Rel. Flávio Augusto Martins Leite – DJe 03.10.2012)


Jurisprudência Comentada

A Participação em Movimento de Greve e a Causa Justa Ensejadora da Resilição Contratual GUILHERME ALVES DE MELLO FRANCO

Advogado Trabalhista, Especialista em Direito do Trabalho e Direito Previdenciário pela UNESA – Universidade Estácio de Sá.

AGRAVO DE INSTRUMENTO – JUSTA CAUSA – PARTICIPAÇÃO EM MOVIMENTO PAREDISTA – O Tribunal Regional, com base na Súmula nº 316 do STF, considerou que a simples adesão à greve não constitui falta grave. E isto porque concluiu não estar caracterizada a ocorrência de indisciplina motivadora de justa causa, já que o movimento paredista, embora sem a participação sindical, ocorreu de forma pacífica e contou com a adesão de todos os empregados da empresa. Nesse sentido é a jurisprudência dessa Corte, a qual entende que a participação pacífica em greve, ainda que ilegal, não constitui motivo para a dispensa por justa causa. Desse modo, não se configuram as violações legais apontadas. Agravo de instrumento não provido. (TST, AIRR 493/2007, 247-01-40.1, 1ª R., 2ª T., Rel. Min. José Simpliciano Fontes de F. Fernandes, DJU 19.12.2008)

COMENTÁRIOS A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu art. 9º, determina que é direito dos trabalhadores a participação em

movimento de greve, sendo deles a escolha da oportunidade e dos interesses a serem defendidos na ocasião. Em momento algum vincula a situação paredista a qualquer Texto de Lei que fosse criado para o seu regulamento, ao contrário do que deferiu aos funcionários públicos em seu art. 37, VII. Quanto aos militares, a manifestação é vedada pelo art. 142, § 3º, IV, da Lex Fundamentalis. Em assim sendo, a Lei nº 7.783, de 28 de junho de 1989, somente se torna legitimada para estabelecer quantas e quais seriam as atividades de cunho essencial à vida da sociedade e o seu atendimento durante a paralisação, quedando-se, pois, inconstitucional quanto aos demais temas nela abordados. Destarte, qualquer manifestação grevista, se implementada de forma pacífica, ainda que parcial, possui legitimidade constitucional para manter-se, desde que não arrepie as normas legais e não fira direitos alheios correlatos. Nesse sentido, não há falar em ilegalidade do movimento, se esse se mantém em consonância com as regras sociais da boa e pacífica convivência. Assim sendo, o recurso patronal, que pretende a declaração da ilegalidade do movimento de greve a ela imposto por seus empregados, sem a interferência da entidade de classe que lhes representaria, cai por terra ante a impossibilidade de exigência dessa ação sindical, eis que não prevista na Lei de Fundamento.


Por outro lado, não se deve falar em descumprimento legal ante a não-ingerência sindical no movimento pelas razões acima expendidas, já que o Texto Legal de piso não é, data maxima venia, exigível nesse caso, por não se tratar de greve em serviço público essencial. Insta analisar, ainda, que a paralisação concertasse cerca de quatro mil trabalhadores, não se podendo afirmar, com segurança, que o reclamante tenha sido o comandante do movimento paredista. Vencidas todas essas etapas, passemos a analisar o acórdão propriamente dito, em suas diferentes facetas.

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O primeiro ponto a ser disseccionado pelo Tribunal Superior do Trabalho, em sua sétima composição turmária, foi a possibilidade jurídica do pedido à luz dos aspectos formais inerentes à formação e ao processamento do agravo de instrumento.

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A competência para julgar o recurso de agravo de instrumento é do mesmo Tribunal que deveria julgar o recurso cuja interposição tenha sido denegada – no caso, seria um recurso de revista, que deve ser julgado por uma das Turmas do Tribunal Superior do Trabalho, consoante o art. 896 celetista –, e deve conter, obrigatoriamente, cópias da decisão agravada, da certidão da respectiva intimação, das procurações outorgadas aos advogados do agravante e do agravado, da petição inicial, da contestação, da decisão originária, da comprovação do depósito recursal e do recolhimento das custas, além de outras peças que o agravante e o agravado julgarem necessárias (art. 897, § 5º, I e II, da Compilação das Leis Operárias). Nesse sentido, todas as condições acima expendidas foram cumpridas pelas partes, sendo, assim, aceito o recurso.

O art. 893, IV, da Consolidação das Leis do Trabalho insere o agravo de instrumento como sendo um dos recursos atinentes ao procedimento judiciário do trabalho.

O segundo tema reside na discussão limitada pelo fato de ser ou não a participação em movimento paredista, na condição de líder dos empregados, justa causa para ensejar a resilição do tratado de emprego, já que a legalidade ou não do movimento restou prejudicada pelos argumentos que usamos na primeira parte deste estudo.

Portanto, ao contrário do que se verifica na esfera judicial civilista, em que esse figura, apenas e tão somente, como um incidente a ser destinado às decisões interlocutórias em geral, na trabalhista, se reveste de recurso propriamente dito.

O art. 482 da Consolidação das Leis do Trabalho apresenta o catálogo das ações do trabalhador permissivas do rompimento motivado do liame de emprego, entre elas não constando a participação em movimento paredista.

Dentro dessa vertente, somente cabe agravo de instrumento no processo judiciário do trabalho, no prazo de oito dias, dos despachos que denegarem a interposição de recursos (art. 897, consolidado).

O Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o tema, expendeu sua Súmula nº 316, que anuncia: “316. Greve. Simples adesão. Falta grave. A simples adesão à greve não constitui falta grave” (DJU 16.12.1963).

Outrossim, não se pode interpor em outras ocasiões, sendo certo que a modalidade de agravo retido nos autos não existe na esfera trabalhista.

Dessa forma, não há falar em justa causa operária pelo simples fato de ter aderido, ou mesmo comandado, ao movimento paredista o trabalhador reclamante.


A terceira temática tem residência na aceitação ou não dos arestos colacionados pela recorrente para comprovar a instabilidade jurisprudencial sobre as motivações de seu recurso, em atendimento ao art. 896, a usque c, da Consolidação das Leis do Trabalho. Neste caminho, os escólios trazidos aos autos desfiavam entendimentos em casos concretos diferentes dos que tratavam os autos em comento e, portanto, encontravam-se inservíveis para comprovar a divergência jurisprudencial pretendida, sendo, pois, desprezados. É o que o Enunciado nº 296 do Tribunal Superior do Trabalho preleciona: 296. Divergência jurisprudencial. Requisitos.

II – Não ofende o art. 896 da CLT decisão de Turma que, examinando premissas concretas de especificidade da divergência colacionada no apelo revisional, conclui pelo conhecimento ou desconhecimento do recurso (ex-OJ SDI-137) (Res. TST 129/1995, DJ 20.04.2005).

Sendo, então, perfeita a decisão turmária, no sentido de não prover ao apelo revisional empresário. Por todo o arrazoado expendido em transatas linhas, perfeitas as teses abraçadas pela Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho, no julgamento do processado em dissecção.

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I – a divergência jurisprudencial ensejadora da admissibilidade, do prosseguimento e do conhecimento do recurso há de ser específica, revelando a existência de teses diversas na interpretação de um mesmo dispositivo legal, embora idênticos os fatos que as ensejaram (ex-Súmula nº 296) (Res. TST 129/95, DJ 20.04.2005).

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Medidas Provisórias

Medida Provisória nº 617, de 31.05.2013 Reduz a zero as alíquotas da Contribuição para o PIS/Pasep e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – Cofins incidentes sobre a receita decorrente da prestação de serviços de transporte coletivo de passageiros nas modalidades que menciona. (DOU – Ed. Extra de 31.05.2013)

Medida Provisória nº 616, de 31.05.2013 Abre crédito extraordinário, em favor de Operações Oficiais de Crédito, no valor de R$ 2.932.125.346,00, para o fim que especifica. (DOU – Ed. Extra de 31.05.2013)

Medida Provisória nº 615, de 17.05.2013 Autoriza o pagamento de subvenção econômica aos produtores da safra 2011/2012 de cana-de-açúcar e de etanol da região Nordeste e o financiamento da renovação e implantação de canaviais com equalização da taxa de juros; dispõe sobre os arranjos de pagamento e as inst tuições de pagamento integrantes do Sistema de Pagamentos Brasileiro – SPB; altera a Lei nº 12.783, de 11 de janeiro de 2013, para autorizar a União a emitir, sob a forma de colocação direta, em favor da Conta de Desenvolvimento Energético – CDE, títulos da dívida pública mobiliária federal; e dá outras providências. (DOU de 20.05.2013 – Ret. DOU de 21.05.2013)

Medida Provisória nº 614, de 14.05.2013 Altera a Lei nº 12.772, de 28 de dezembro de 2012, que dispõe sobre a estruturação do Plano de Carreiras e Cargos de Magistério Federal; altera a Lei nº 11.526, de 4 de outubro de 2007; e dá outras providências. (DOU de 15.05.2013)

Medida Provisória nº 613, de 07.05.2013 Institui crédito presumido da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins na venda de álcool, inclusive para fins carburantes; altera a Lei nº 10.865, de 30 de abril de 2004, e a Lei nº 11.196, de 21 de novembro de 2005, para dispor sobre incidência das referidas contribuições na importação e sobre a receita decorrente da venda no mercado interno de insumos da indústria química nacional que especifica, e dá outras providências. (DOU de 08.05.2013 – Ret. DOU de 16.05.2013)


2.186-16, DE 23.08.2001

Patrimônio Genético. Diversidade Biológica Previdência Social. Alteração na Legislação

2 .156-5, DE 24.08.2001

Agência de Desenvolvimento do Nordeste – Adene

2.187-13, DE 24.08.2001

2.157-5, DE 24.08.2001

Agência de Desenvolvimento da Amazônia – ADA

2.189-49, DE 23.08.2001

IR. Alteração na Legislação

2.158-35, DE 24.08.2001

Cofins, PIS/Pasep e IR. Alteração na Legislação

2.190-34, DE 23.08.2001

Vigilância Sanitária. Alteração da Lei nº 9.782/1999

2.159-70, DE 24.08.2001

IR. Alteração na Legislação

2.192-70, DE 24.08.2001

Proes. Bancos Estaduais

2.161-35, DE 23.08.2001

Programa Nacional de Desestatização. Alteração da Lei nº 9.491/1997

2.196-3, DE 24.08.2001

Instituições Financeiras Federais. Recuperação. Empresa Gestora de Ativos – Emgea

2.162-72, DE 23.08.2001

Notas do Tesouro Nacional – NTN

2.197-43, DE 24.08.2001

SFH. Disposições

2.163-41, DE 23.08.2001

Meio Ambiente. Alteração da Lei nº 9.605/1998

2.198-5, DE 24.08.2001

Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica

2.164-41, DE 24.08.2001

Alteração da CLT. Trabalho a Tempo Parcial e PAT

2.199-14, DE 24.08.2001

IR. Incentivos Fiscais

2.165-36, DE 23.08.2001

Servidor Público e Militar. Auxílio-Transporte

2.200-2, DE 24.08.2001

Infraestrutura de Chaves Públicas. ICP-Brasil

2.166-67, DE 24.08.2001

Código Florestal. Alteração da Lei nº 4.771/1965

2.206-1, DE 06.09.2001

Programa Nacional de Renda Mínima

2.167-53, DE 23.08.2001

Recebimento de Valores Mobiliários pela União

2.208, DE 17.08.2001

Estudante Menor de 18 Anos. Comprovação

2.168-40, DE 24.08.2001

Cooperativas. Recoop. Sescoop

2.209, DE 29.08.2001

Comercializadora Brasileira de Energia Elétrica  – CBEE

2.169-43, DE 24.08.2001

Servidor Público. Vantagem de 28,86%

2.210, DE 29.08.2001

Orçamento. Crédito Extraordinário

2.170-36, DE 23.08.2001

Tesouro Nacional. Administração de Recursos

2.211, DE 29.08.2001

Orçamento 2001 e 2002. Diretrizes

2.172-32, DE 23.08.2001

Usura. Agiotagem

2.213-1, DE 30.08.2001

Programa Bolsa-Renda. Estiagem

2.173-24, DE 23.08.2001

Anuidades Escolares

2.214, DE 31.08.2001

Administração Pública Federal. Recursos

2.174-28, DE 24.08.2001

União. Programa de Desligamento Voluntário – PDV

2.215-10, DE 31.08.2001

Militares das Forças Armadas. Reestruturação da Remuneração

2.177-44, DE 24.08.2001

Planos de Saúde. Alteração da Lei nº 9.656/1998

2.220, DE 04.09.2001

Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano – CNDU

2.178-36, DE 24.08.2001

Programa Nacional de Alimentação Escolar. Dinheiro Direto na Escola

2.224, DE 04.09.2001

Capitais Brasileiros no Exterior

2.225-45, DE 04.09.2001

Servidor Público. Tráfico de Entorpecentes. Alteração das Leis nºs 6.368/1976 e 8.112/1990

2.179-36, DE 24.08.2001

União e Banco Central. Relações Financeiras

2.180-35, DE 24.08.2001

Advocacia-Geral da União. Alteração na Legislação

2.226, DE 04.09.2001

Alteração da CLT

2.181-45, DE 24.08.2001

Operações Financeiras do Tesouro Nacional

2.227, DE 04.09.2001

Plano Real. Correção Monetária. Exceção

2.183-56, DE 24.08.2001

Reforma Agrária. Alteração na Legislação

2.228-1, DE 06.09.2001

2.184-23, DE 24.08.2001

Carreira Policial. Gratificação

Cultura. Política Nacional do Cinema – Ancine. Prodecine. Funcines

2.185-35, DE 24.08.2001

Dívida Pública Mobiliária. Consolidação. Assunção. Refinanciamento

2.229-43, DE 06.09.2001

Policiais Civis da União e DF. Alteração na legislação

Normas do Juris SÍNTESE atingidas pelas Medidas Provisórias em vigor (até 31.03.2013) Nota: Prezado assinante, todas as normas selecionadas, inclusive as medidas provisórias, podem ser consultadas em nosso endereço eletrônico www.sintese.com. MP

DOU

ART

NORMA LEGAL

ALTERAÇÃO

MP

DOU

ART

NORMA LEGAL

ALTERAÇÃO

597

26.12.2012

1

Lei nº 10.101/00

600

28.12.2012

8

Lei nº 12.096/09

600

28.12.2012

1

Lei nº 12.409/11

600

28.12.2012

9

Lei nº 12.663/12

55

600

28.12.2012

2

MP 581/12

12

600

28.12.2012

11

MP 2.170-36 de 2001 5º-A

600

28.12.2012

4

Lei nº 12.462/11

63

600

28.12.2012

12

Lei nº 11.314/06

19

600

28.12.2012

5

Lei nº 12.462/11

63-A

606

19.02.2013

1

Lei nº 12.096/09

600

28.12.2012

6

Lei nº 8.399/92

606

19.02.2013

2

Lei nº 6.704/79

Junho/2013 – Ed. 195

Nota: Prezado assinante, todas as normas selecionadas, inclusive medidas provisórias, podem ser consultadas em nosso endereço eletrônico www.sintese.com.

80


Junho/2013 – Ed. 195

81

MP

DOU

ART

NORMA LEGAL

ALTERAÇÃO

MP

DOU

ART

NORMA LEGAL

ALTERAÇÃO

606

19.02.2013

3

Lei nº 12.513/11

20-B

2.156-5

27.08.2001

32

DL 1.376/74

1º e 11

606

19.02.2013

4

Lei nº 11.494/07

2.156-5

27.08.2001

32

DL 2.397/87

12

607

20.02.2013

1

Lei nº 10.836/04

2º-A

2.156-5

27.08.2001

32

Lei nº 8.034/90

608

01.03.2013

10

Lei nº 12.249/10

37, 38, 40 e 41

2.156-5

27.08.2001

32

Lei nº 9.532/97

609

08.03.2013-extra

1

Lei nº 10.925/04

2.157-5

27.08.2001

32

DL 1.376/74

609

08.03.2013-extra

3

Lei nº 10.147/00

2.158-35

27.08.2001

2º e 93

Lei nº 9.718/98

3º e 8º

609

08.03.2013-extra

4

Lei nº 10.865/04

2.158-35

27.08.2001

3º e 93

Lei nº 9.701/98

609

08.03.2013-extra

5

Lei nº 12.058/09

32, 33 e 34

2.158-35

27.08.2001

10 e 93

Lei nº 9.779/99

14 e 17

609

08.03.2013-extra

6

Lei nº 12.350/10

56

2.158-35

27.08.2001

19 e 93

Lei nº 9.715/98

2º e 4º

609

08.03.2013-extra

7

Lei nº 12.599/12

2.158-35

27.08.2001

34 e 75

Lei nº 9.532/97

1º e 64-A

609

08.03.2013-extra

10

Lei nº 10.925/04

2.158-35

27.08.2001

64

D nº 70.235/72

1º, 25 e 64-A

609

08.03.2013-extra

10

2.158-35

27.08.2001

69

DL 1.455/76

1º, 9º, 10, 16, 18, 19 e 64-A

609

08.03.2013-extra

10

2.158-35

27.08.2001

70

Lei nº 9.430/96

63

2.158-35

27.08.2001

72

Lei nº 8.218/91

11 e 12

609

08.03.2013-extra

10

610

04.04.2013 – extra 8

Lei nº 12.058/09

32

Lei nº 12.350/10

54

Lei nº 12.599/12

4º e 6º

Lei nº 12.249/10

70-A e 73

2.158-35

27.08.2001

73

Lei nº 9.317/96

1º e 64-A

27.08.2001

73 e 93

Lei nº 9.317/96

9º e 15

610

04.04.2013 – extra 9

Lei nº 12.716/12

2.158-35

610

04.04.2013 – extra 11

Lei nº 12.716/12

2.158-35

27.08.2001

75

Lei nº 9.532/97

1º, 15 e 64-A

27.08.2001

82

Lei nº 8.981/95

29

612

04.04.2013 – extra 18

Lei nº 10.865/04

2.158-35

612

04.04.2013 – extra 19

DL 1.455/76

22

2.158-35

27.08.2001

93

Lei nº 9.432/97

11

27.08.2001

93

LC 70/91

6º e 7º

612

04.04.2013 – extra 20

Lei nº 12.350/10

36

2.158-35

612

04.04.2013 – extra 21

Lei nº 12.783/13

8º e 15

2.158-35

27.08.2001

93

LC 85/96

Revogada

27.08.2001

93

Lei nº 7.714/88

612

04.04.2013 – extra 22

Lei nº 12.783/13

26-A

2.158-35

612

04.04.2013 – extra 23

Lei nº 12.715/12

4º, 40, 42 e 43

2.158-35

27.08.2001

93

Lei nº 9.004/95

Revogada

27.08.2001

93

Lei nº 9.493/97

612

04.04.2013 – extra 24

Lei nº 12.546/11

2.158-35

612

04.04.2013 – extra 25

Lei nº 12.546/11

7º, 8º e 9º

2.161-35

24.08.2001

1º e 6º

Lei nº 9.491/97

2º, 4º, 5º, 6º e 30

24.08.2001

Lei nº 9.094/95

612

04.04.2013 – extra 26

Lei nº 12.546/11

Anexo I

2.162-72

612

04.04.2013 – extra 27

Lei nº 9.718/98

13 e 14

2.163-41

24.08.2001

Lei nº 9.605/98

79-A

2.164-41

27.08.2001

7º e 8º

Lei nº 7.998/90

2º, 2º-A, 2º-B, 3º-A, 7º-A, 8º-A, 8º-B e 8º-C

2.164-41

27.08.2001

1º e 2º

CLT

58-A, 59, 130-A, 143, 476-A, 627-A, 643 e 652

612

04.04.2013 – extra 29

Lei nº 9.074/95

613

08.05.2013

Lei nº 9.718/98

613

08.05.2013

Lei nº10.865/04

613

08.05.2013

Lei nº 11.196/05

56, 57, 57-A e 57-B

2.164-41

27.08.2001

Lei nº 4.923/65

614

15.05.2013

Lei nº 12.772/12

1º, 4º, 8º, 9º, 11, 12, 13, 15, 21, 30 e 35

2.164-41

27.08.2001

Lei nº 5.889/73

18

614

15.05.2013

Lei nº 12.772/12

Anexos I, II, III e IV

2.164-41

27.08.2001

Lei nº 6.321/76

614

15.05.2013

Lei nº 11.526/07

2.164-41

27.08.2001

Lei nº 6.494/77

615

20.05.2013

Lei nº 12.666/12

2.164-41

27.08.2001

Lei nº 8.036/90

19-A, 20, 29-C e 29-D


DOU

ART

NORMA LEGAL

ALTERAÇÃO

MP

DOU

ART

NORMA LEGAL

ALTERAÇÃO

27.08.2001

10

Lei nº 9.601/98

2.187-13

27.08.2001

Lei nº 9.639/98

1º, 2º e 5º

2.165-36

24.08.2001

13

Lei nº 7.418/85

2.187-13

27.08.2001

16

Lei nº 9.711/98

7º, 8º, 9º, 12, 13, 14, 15, 16 e 17

2.165-36

24.08.2001

13

Lei nº 8.627/93

2.189-49

24.08.2001

10

Lei nº 9.532/97

6º, II, 34 e 82, II, f

24.08.2001

11

Lei nº 9.250/95

10 e 25

2.166-67

25.08.2001-extra

Lei nº 4.771/65

1º, 3º-A, 4º, 14, 16, 37-A, 44, 44-A, 44-B e 44-C

2.189-49 2.189-49

24.08.2001

13

Lei nº 9.430/96

79

2.166-67

25.08.2001

Lei nº 9.393/96

10

2.189-49

24.08.2001

14

Lei nº 9.317/96

2.167-53

24.08.2001

2º e 3º

Lei nº 9.619/98

1º e 4º-A

2.190-34

24.08.2001

7º e 8º

Lei nº 9.294/96

2º, 3º e 7º

2.168-40

27.08.2001

13

Lei nº 5.764/71

88

2.192-70

25.08.2001-extra

23

Lei nº 9.496/97

1º, 3º, 6º, 7º-A e 7º-B

2.168-40

27.08.2001

14

Lei nº 9.138/95

2.196-3

25.08.2001

12

Lei nº 8.036/90

2.168-40

27.08.2001

18

Lei nº 10.186/01

2.196-3

25.08.2001

14

Lei nº 7.827/89

9º-A

2.170-36

24.08.2001

Lei nº 8.212/91

60

2.197-43

27.08.2001

3º e 8º

Lei nº 8.692/93

23 e 25

2.172-32

24.08.2001

Lei nº 1.521/51

4º, § 3º

2.197-43

27.08.2001

4º e 8º

Lei nº 4.380/64

9º, 14 e 18

2.173-24

24.08.2001

1º e 2º

Lei nº 9.870/99

1º e 6º

2.197-43

27.08.2001

Lei nº 8.036/90

9º, 20, 23, 29-A e 29-B

2.177-44

27.08.2001

1º e 8º

Lei nº 9.656/98

1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 24-A, 24-B, 24-C, 24-D, 25, 26, 27, 28, 29, 29-A, 30, 31, 32, 34, 35, 35-A, 35-B, 35-C, 35-D, 35-E, 35-F, 35-G, 35-H e 35-I

2.199-14

27.08.2001

18

Lei nº 9.532/97

2.211

30.08.2001

Lei nº 9.995/00

35 e 70

2.211

30.08.2001

Lei nº 10.266/01

18, 34, 38 e 51

2.214

01.09.2001-extra

Lei nº 10.261/01

2.178-36

25.08.2001-extra

16

Lei nº 9.533/97

2.215-10

01.09.2001

41

Lei nº 8.448/92

2.178-36

25.08.2001-extra

32

Lei nº 8.913/97

Revogada

2.215-10

01.09.2001

41

Lei nº 8.460/92

2.180-35

27.08.2001

Lei nº 8.437/92

1º e 4º

2º, 20, 25, 26 e 27, 5º, 7º-A, 13, 14, 14-A, 23, 24, 27, 28, 30, 32, 34-A, 38, 44, 51-A e 61-A

2.180-35

27.08.2001

Lei nº 9.494/97

1º-A, 1º-B (CPC e CLT), 1º-C, 1º-D, 1ºE, 1º-F, 2º-A e 2º-B

2.217-3

05.09.2001

Lei nº 10.233/01

74, 77, 78-A, 78-B, 78-C, 78-D, 78-E, 78-F, 78-G, 78-H, 78-I 78-J, 82, 83, 84, 85-A, 85-B, 85-C, 85-D, 86, 88, 89, 100, 102-A, 103-A, 103-B, 103-C, 103-D, 113-A, 114-A, 15, 116-A, 118 e 119

2.180-35

27.08.2001

Lei nº 7.347/85

1º e 2º

2.180-35

27.08.2001

Lei nº 8.429/92

17

2.180-35

27.08.2001

Lei nº 9.704/98

2.220

05.09.2001-extra

15

Lei nº 6.015/73

167, I

2.180-35

27.08.2001

10

CPC

741

2.224

05.09.2001

Lei nº 4.131/62

2.180-35

27.08.2001

14

Lei nº 4.348/64

2.225-45

05.09.2001

Lei nº 6.368/76

2.180-35

27.08.2001

21

Lei nº 10.257/01

53

2.225-45

05.09.2001

2º, 3º e 15 Lei nº 8.112/90

2.181-45

27.08.2001

45

Lei nº 8.177/91

18

25, 26, 46, 47, 61, 62-A, 67, 91, 117 e 119

2.181-45

27.08.2001

46

Lei nº 9.365/96

2.225-45

05.09.2001

Lei nº 8.429/92

17

2.181-45

27.08.2001

52

Lei nº 10.150/00

2.225-45

05.09.2001

Lei nº 9.525/97

2.183-56

27.08.2001

DL 3.365/41

10, 15-A, 15-B e 27

2.226

05.09.2001

CLT

896-A

2.183-56

27.08.2001

Lei nº 8.177/91

2.226

05.09.2001

Lei nº 9.469/97

2.183-56

27.08.2001

Lei nº 8.629/93

2º, 2º-A, 5º, 6º, 7º, 11, 12, 17, 18 e 26-A

2.228-1

05.09.2001

51

Lei nº 8.685/93

2.187-13

27.08.2001

Lei nº 6.015/73

80

2.228-1

05.09.2001

52 e 53

Lei nº 8.313/91

3º, II, a (a partir de 01.01.2007), e 18, § 3º

2.187-13

27.08.2001

3º e 16

Lei nº 8.212/91

38, 55, 56, 68, 101 e 102

2.229-43

10.09.2001

72

Lei nº 9.986/00

22

2.187-13

27.08.2001

4º e 16

Lei nº 8.213/91

41, 95, 96, 134, 144, 145, 146 e 147

2.229-43

10.09.2001

74

Lei nº 8.745/93

Junho/2013 – Ed. 195

MP 2.164-41

82


Normas Legais

Maio/2013 Lei nº 12.814, de 16.05.2013

Altera a Lei nº 12.096, de 24 de novembro de 2009, quanto à autorização para concessão de subvenção econômica em operações de financiamento destinadas a aquisição e produção de bens de capital e a inovação tecnológica e em projetos de infraestrutura logística direcionados a obras de rodovias e ferrovias objeto de concessão pelo Governo federal; altera a Lei nº 11.529, de 22 de outubro de 2007, quanto à concessão de subvenção econômica em operações destinadas a financiamentos a diferentes setores da economia; altera a Lei nº 12.409, de 25 de maio de 2011, quanto à concessão de subvenção econômica em financiamentos destinados a beneficiários localizados em Municípios atingidos por desastres naturais; altera as Leis nºs 12.487, de 15 de setembro de 2011, 9.718, de 27 de novembro de 1998, e 11.491, de 20 de julho de 2007; prorroga os prazos previstos nas Leis nºs 12.249, de 11 de junho de 2010, e 11.941, de 27 de maio de 2009. (DOU de 17.05.2013)

Lei nº 12.813, de 16.05.2013

Dispõe sobre o conflito de interesses no exercício de cargo ou emprego do Poder Executivo federal e impedimentos posteriores ao exercício do cargo ou emprego; e revoga dispositivos da Lei nº 9.986, de 18 de julho de 2000, e das Medidas Provisórias nºs 2.216-37, de 31 de agosto de 2001, e 2.225-45, de 4 de setembro de 2001. (DOU de 17.05.2013)

Lei nº 12.812, de 16.05.2013

Acrescenta o art. 391-A à Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, para dispor sobre a estabilidade provisória da gestante, prevista na alínea b do inciso II do art. 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. (DOU de 17.05.2013)

Lei nº 12.811, de 16.05.2013

Acrescenta 2 (dois) cargos em comissão no Quadro de Pessoal da Secretaria do Tribunal de Contas da União para provimento em Gabinete de Auditor do Tribunal de Contas da União, e dá outras providências. (DOU de 17.05.2013)

Lei nº 12.810, de 15.05.2013

Dispõe sobre o parcelamento de débitos com a Fazenda Nacional relativos às contribuições previdenciárias de responsabilidade dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; altera as Leis nºs 8.212, de 24 de julho de 1991, 9.715, de 25 de novembro de 1998, 11.828, de 20 de novembro de 2008, 10.522, de 19 de julho de 2002, 10.222, de 9 de maio de 2001, 12.249, de 11 de junho de 2010, 11.110, de 25 de abril de 2005, 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, 6.404, de 15 de dezembro de 1976, 6.385, de 7 de dezembro de 1976, 6.015, de 31 de dezembro de 1973, e 9.514, de 20 de novembro de 1997; e revoga dispositivo da Lei nº 12.703, de 7 de agosto de 2012. (DOU de 16.05.2013)

Lei nº 12.809, de 15.05.2013

Autoriza a prorrogação de contratos por tempo determinado no âmbito do Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia – CENSIPAM e do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE; altera as Leis nºs 12.337, de 12 de novembro de 2010, e 10.480, de 2 de julho de 2002; revoga dispositivo da Lei nº 12.469, de 26 de agosto de 2011; e dá outras providências. (DOU de 16.05.2013)


Dispõe sobre a remuneração das Carreiras de Auditoria da Receita Federal do Brasil e Auditoria-Fiscal do Trabalho, de que trata a Lei nº 10.910, de 15 de julho de 2004; das Carreiras do Banco Central do Brasil, de que trata a Lei nº 9.650, de 27 de maio de 1998; do Plano de Carreiras e Cargos da Susep e do Plano de Carreiras e Cargos da CVM, de que trata a Lei nº 11.890, de 24 de dezembro de 2008; da Carreira de Analista de Infraestrutura e do cargo isolado de Especialista em Infraestrutura Sênior, de que trata a Lei nº 11.539, de 8 de novembro de 2007; do Plano de Carreira dos Cargos de Reforma e Desenvolvimento Agrário do Instituto Nacional da Colonização e Reforma Agrária – Incra, de que trata a Lei nº 11.090, de 7 de janeiro de 2005; dos Bombeiros e Policiais Militares dos Ex-Territórios Federais, dos militares inativos e respectivos pensionistas integrantes da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar do antigo Distrito Federal, de que tratam as Leis nºs 10.486, de 4 de julho de 2002, 11.356, de 19 de outubro de 2006, e 11.907, de 2 de fevereiro de 2009; da Carreira Policial Civil dos Extintos Territórios Federais do Acre, Amapá, Rondônia e Roraima, de que trata a Lei nº 11.358, de 19 de outubro de 2006; dos cargos de Médico do Plano de Carreira dos Cargos de Reforma e Desenvolvimento Agrário, de que trata a Lei nº 12.702, de 7 de agosto de 2012; altera as Leis referidas; e dá outras providências. (DOU de 09.05.2013)

Lei nº 12.807, de 08.05.2013

Dispõe sobre a criação de cargos de Controlador de Tráfego Aéreo do Grupo-Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo. (DOU de 09.05.2013)

Lei nº 12.806, de 07.05.2013

Autoriza para a safra 2011/2012 o pagamento de valor adicional ao Benefício Garantia-Safra, de que trata a Lei nº 10.420, de 10 de abril de 2002; amplia para o ano de 2012 o Auxílio Emergencial Financeiro, de que trata a Lei nº 10.954, de 29 de setembro de 2004; e dá outras providências. (DOU de 08.05.2013)

Junho/2013 – Ed. 195

Lei nº 12.808, de 08.05.2013

84


Indicadores I  – Índices de Atualização dos Débitos Trabalhistas Juros de mora (incidentes a partir da propositura da ação e aplicados sobre o principal corrigido):

Juros Capitalizados Mensalmente

• Até 28.02.1987 – Juros simples – 0,5% ao mês; • De 01.03.1987 até 31.01.1991 – Juros capitalizados mensalmente – 1% ao mês; • De 01.02.1991 em diante – Juros simples – 1% ao mês.

Fórmula para cálculo da taxa efetiva (T) dos juros capitalizados: T = (1,01)n – 1, onde “n” é igual ao número de dias decorridos desde a data da propositura da ação, contidos no período compreendido entre 01.03.1987 e 31.01.1991, dividido por 30.

Nº Meses

% Efetivo

Nº Meses

% Efetivo

Nº Meses

% Efetivo

01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15 16

1,0000 2,0100 3,0301 4,0604 5,1010 6,1520 7,2135 8,2856 9,3685 10,4622 11,5668 12,6825 13,8093 14,9474 16,0968 17,2578

17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32

18,4304 19,6147 20,8108 22,0190 23,2391 24,4715 25,7163 26,9734 28,2431 29,5256 30,8208 32,1290 33,4503 34,7848 36,1327 37,4940

33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 –

38,8690 40,257+6 41,6602 43,0768 44,5076 45,9527 47,4122 48,8863 50,3752 51,8789 53,3977 54,9317 56,4810 58,0458 59,6263 –

II – Evolução do Salário-Mínimo desde 1989

Vigência

Moeda

Valor

Norma Legal

DOU

Vigência

Moeda

Valor

Norma Legal

DOU

01.09.1990

Cr$

6.056,31

Port. 3.588/90

03.09.1990

01.10.1989

NCz$

381,73

Decreto nº 98.211/89

02.10.1989

01.11.1989

NCz$

557,33

Decreto nº 98.346/89

31.10.1989

01.10.1990

Cr$

6.425,14

Port. 3.628/90

01.10.1990

NCz$

788,18

Decreto nº 98.456/89

01.12.1989

01.11.1990

Cr$

8.329,55

Port. 3.719/90

01.11.1990

01.12.1990

Cr$

8.836,82

Port. 3.787/90

03.12.1990

Port. 3.828/90

31.12.1990

01.12.1989

01.01.1990

NCz$

1.283,95

Decreto nº 98.783/89

29.12.1989

01.02.1990

NCz$

2.004,37

Decreto nº 98.900/90

01.02.1990

01.01.1991

Cr$

12.325,50

01.03.1990

NCz$

3.674,06

Decreto nº 98.985/90

01.03.1990

01.02.1991

Cr$

15.895,46

MP 295/91

01.02.1991

01.03.1991

Cr$

17.000,00

Lei nº 8.178/91

04.03.1991

42.000,00

Lei nº 8.222/91

06.09.1991

01.04.1990

Cr$

3.674,06

Port. 3.143/90

24.04.1990

01.05.1990

Cr$

3.674,06

Port. 3.352/90

23.05.1990

01.09.1991

Cr$

01.06.1990

Cr$

3.857,76

Port. 3.387/90

04.06.1990

01.01.1992

Cr$

96.037,33

Port. 42/92

21.01.1992

01.05.1992

Cr$

230.000,00

Lei nº 8.419/92

08.05.1992

01.09.1992

Cr$

522.186,94

Port. 601/92

31.08.1992

01.07.1990

Cr$

4.904,76

Port. 3.501/90

16.07.1990

01.08.1990

Cr$

5.203,46

Port. 429/90

01.08.1990


Vigência

Moeda

Valor

Norma Legal

DOU

Vigência

Moeda

Valor

Norma Legal

DOU

01.01.1993

Cr$

1.250.700,00

Lei nº 8.542/92

24.12.1992

01.05.1999

R$

136,00

Lei nº 9.971/00

19.05.2000

01.03.1993

Cr$

1.709.400,00

Port. Interm. 4/93

01.03.1993

03.04.2000

R$

151,00

Lei nº 9.971/00

19.05.2000

01.05.1993

Cr$

3.303.300,00

Port. Interm. 7/93

04.05.1993

01.04.2001

R$

180,00

MP 2.142/01 (atual 2.194-6)

30.03.2001

01.07.1993

Cr$

4.639.800,00

Port. Interm. 11/93

01.08.1993

01.04.2002

R$

200,00

Lei nº 10.525/02

28.03.2002

01.08.1993

CR$

5.534,00

Port. Interm. 12/93

03.08.1993

01.04.2003

R$

240,00

Lei nº 10.699/03

10.07.2003

01.09.1993

CR$

9.606,00

Port. Interm. 14/93

02.09.1993

01.05.2004

R$

260,00

Lei nº 10.888/04

25.06.2004

01.10.1993

CR$

12.024,00

Port. Interm. 15/93

04.10.1993

01.05.2005

R$

300,00

Lei nº 11.164/05

19.08.2005

01.11.1993

CR$

15.021,00

Port. Interm. 17/93

03.11.1993

01.04.2006

R$

350,00

MP 288/06

31.03.2006

01.12.1993

CR$

18.760,00

Port. Interm. 19/93

02.12.1993

01.04.2006

R$

350,00

Lei nº 11.321/06

10.07.2006

01.01.1994

CR$

32.882,00

Port. Interm. 20/93

31.12.1993

01.04.2007

R$

380,00

MP 362/07

30.03.2007-extra

01.02.1994

CR$

42.829,00

Port. Interm. 02/94

02.02.1994

01.04.2007

R$

380,00

Lei nº 11.498/07

29.06.2007

01.03.1994

URV

64,79

Port. Interm. 04/94

03.03.1994

01.03.2008

R$

415,00

MP 421/08

29.02.2008-extra

01.07.1994

R$

64,79

Lei nº 9.069/95

30.06.1994/30.06.1995

01.02.2009

R$

465,00

MP 456/09

30.01.2009-extra

01.09.1994

R$

70,00

Lei nº 9.063/95

01.09.1994/20.06.1995

01.01.2010

R$

510,00

MP 474/09

24.12.2009

01.05.1995

R$

100,00

Lei nº 9.032/95

29.04.1995

01.01.2011

R$

540,00

MP 516/10

31.12.2010

01.05.1996

R$

112,00

Lei nº 9.971/00

19.05.2000

01.03.2011

R$

545,00

Lei nº 12.382/11

28.02.2011

01.05.1997

R$

120,00

Lei nº 9.971/00

19.05.2000

01.01.2012

RS

622,00

Decreto nº 7.655/11

26.12.2011

01.05.1998

R$

130,00

Lei nº 9.971/00

19.05.2000

01.01.2013

R$

678.00

Decreto nº 7.872/11

26.12.2012

1 – Salário-de-benefício mínimo: R$ 678,00 (seiscentos e setenta e oito reais) 2 – Salário-de-benefício máximo: R$ 3.916,20 (três mil, novecentos e dezesseis reais e vinte centavos) 3 – Renda mensal vitalícia: R$ 678,00 (seiscentos e setenta e oito reais) 4 – Auxílio-funeral* 5 – Auxílio-natalidade* 6 – Salário-família:

– R$ 31,22 (trinta e um reais e vinte e dois centavos) para o segurado com remuneração mensal não superior R$ 608,80 (seiscentos e oito reais e oitenta e centavos); – R$ 22,00 (vinte e dois reais) para o segurado com remuneração mensal superior a R$ 608,80 (seiscentos e oito reais e oitenta e centavos) e igual ou inferior a R$ 915,05 (nocentos e quinze reais e cinco centavos). 7 – Benefícios a idosos e portadores de deficiência: Valor de um salário-mínimo (Decreto nº 1.744/1995). * Benefícios extintos a partir de jan. 1996 (Lei nº 8.742/1993, art. 40).

Junho/2013 – Ed. 195

III – Previdência Social – Valores de Benefícios (Dezembro/2012)

86


8 – Tabela de contribuição (empregado, empregado doméstico e trabalhador avulso) para pagamento de remuneração

Salário-de-contribuição (R$)

Alíquota para fins de recolhimento ao INSS (%)

Até R$ 1.247,70

8,00*

De R$ 1.247,71 até R$ 2.079,50

9,00*

De R$ 2.079,51 até R$ 4.159,00

11,00*

9 – Escala de salários-base para os segurados contribuinte individual e facultativo Nota: Escala extinta, conforme o art. 9º da Lei nº 10.666, de 08.05.2003, DOU 09.05.2003, e o art. 39 da Instrução Normativa DC/INSS nº 89, de 11.06.2003, DOU 13.06.2003.

* Alíquota reduzida para salários e remunerações até três salários-mínimos, em razão do disposto no inciso II do art. 17 da Lei nº 9.311, de 24.10.1996, que instituiu a Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e de Direitos de Natureza Financeira – CPMF.

IV – Imposto de Renda na Fonte TABELA PROGRESSIVA MENSAL

Base de cálculo em R$

Alíquota %

Parcela a deduzir do imposto em R$

-

-

De 1.710,79 até 2.563,91

7,5

128,31

De 2.563,92 até 3.418,59

15,0

320,60

De 3.418,60 até 4.271,59

22,5

577,00

27,5

790,58

Junho/2013 – Ed. 195

Até 1.710,78

Acima de 4.271,59

TABELA PROGRESSIVA ANUAL O imposto de renda anual devido, incidente sobre os rendimentos de pessoas físicas, será calculado de acordo com a tabela progressiva anual correspondente à soma das tabelas progressivas mensais vigentes nos meses de cada ano-calendário.

V – Depósitos Recursais na Justiça do Trabalho Novos valores para Depósitos Recursais na Justiça do Trabalho (Ato nº 491/2012 do TST, DJe de 20.07.2012, vigência a partir de 01.08.2012) Recurso Ordinário

R$ 6.598,21

Recurso de Revista, Embargos, Recurso Extraordinário e Recurso em Ação Rescisória

R$ 13.196,42

Ação Rescisória – Depósito prévio de 20% do valor da causa, salvo prova de miserabilidade, nos termos do art. 836 da CLT, alterado pela Lei nº 11.495/2007, cujos efeitos começam a fluir a partir do dia 24.09.2007.

87


VI – Indexadores Indexador

Dezembro

Janeiro

Fevereiro

Março

Abril

Maio

INPC IGPM UFIR SELIC

0,74 0,55

0,92 0,34

0,52 0,29

0,60 0,21

0,59 0,15

0,35 0,00

0,61

0,60

Extinta, a partir de outubro de 2000, pela MP 1.973-67, atual Lei nº 10.522, de 19.07.2002, DOU 22.07.2002, art. 29, § 3º.

0,68

0,60

0,49

0,55

Valor de Referência Base Maio/1992 – Cruzeiros 79.297,75 Emissão anterior a Jan./1989 79.297,75

TDA

Valores nominais reajustados – Reais 91,87 Emissão anterior a Jan./1989 157,23

(*) Referente ao primeiro dia de cada mês.

VII  – Índices de Atualização dos Débitos Judiciais Mês/Ano JAN FEV MAR ABR MAIO JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ

1990

1991

1992

1993

102,527306 1942,726347 11230,659840 140277,063840 160,055377 2329,523162 14141,646870 180634,775106 276,543680 2838,989877 17603,522023 225414,135854 509,725310 3173,706783 21409,403484 287583,354522 738,082248 3332,709492 25871,123170 369170,752199 796,169320 3555,334486 32209,548346 468034,679637 872,203490 3940,377210 38925,239176 610176,811842 984,892180 4418,739003 47519,931986 799,392641 1103,374709 5108,946035 58154,892764 1065,910147 1244,165321 5906,963405 72100,436048 1445,693932 1420,836796 7152,151290 90897,019725 1938,964701 1642,203168 9046,040951 111703,347540 2636,991993

1994

1995

3631,929071 5132,642163 7214,955088 10323,157739 14747,663145 21049,339606 11,346741 12,036622 12,693821 12,885497 13,125167 13,554359

13,851199 14,082514 14,221930 14,422459 14,699370 15,077143 15,351547 15,729195 15,889632 16,075540 16,300597 16,546736

Mês/Ano 1996 1997 JAN 16,819757 18,353215 FEV 17,065325 18,501876 MAR 17,186488 18,585134 ABR 17,236328 18,711512 MAIO 17,396625 18,823781 JUN 17,619301 18,844487 JUL 17,853637 18,910442 AGO 18,067880 18,944480 SET 18,158219 18,938796 OUT 18,161850 18,957734 NOV 18,230865 19,012711 DEZ 18,292849 19,041230

1998 19,149765 19,312538 19,416825 19,511967 19,599770 19,740888 19,770499 19,715141 19,618536 19,557718 19,579231 19,543988

1999 19,626072 19,753641 20,008462 20,264570 20,359813 20,369992 20,384250 20,535093 20,648036 20,728563 20,927557 21,124276

2000 21,280595 21,410406 21,421111 21,448958 21,468262 21,457527 21,521899 21,821053 22,085087 22,180052 22,215540 22,279965

2001 22,402504 22,575003 22,685620 22,794510 22,985983 23,117003 23,255705 23,513843 23,699602 23,803880 24,027636 24,337592

Junho/2013 – Ed. 195

Tabela editada em face da Jurisprudência ora predominante.

88


Mês/Ano 2002 2003 JAN 24,517690 28,131595 FEV 24,780029 28,826445 MAR 24,856847 29,247311 ABR 25,010959 29,647999 MAIO 25,181033 30,057141 JUN 25,203695 30,354706 JUL 25,357437 30,336493 AGO 25,649047 30,348627 SET 25,869628 30,403254 OUT 26,084345 30,652560 NOV 26,493869 30,772104 DEZ 27,392011 30,885960

2004 31,052744 31,310481 31,432591 31,611756 31,741364 31,868329 32,027670 32,261471 32,422778 32,477896 32,533108 32,676253

2005 32,957268 33,145124 33,290962 33,533986 33,839145 34,076019 34,038535 34,048746 34,048746 34,099819 34,297597 34,482804

2006 34,620735 34,752293 34,832223 34,926270 34,968181 35,013639 34,989129 35,027617 35,020611 35,076643 35,227472 35,375427

2007 35,594754 35,769168 35,919398 36,077443 36,171244 36,265289 36,377711 36,494119 36,709434 36,801207 36,911610 37,070329

Mês/Ano 2008 2009 JAN 37,429911 39,855905 FEV 37,688177 40,110982 MAR 37,869080 40,235326 ABR 38,062212 40,315796 MAIO 38,305810 40,537532 JUN 38,673545 40,780757 JUL 39,025474 40,952036 AGO 39,251821 41,046225 SET 39,334249 41,079061 OUT 39,393250 41,144787 NOV 39,590216 41,243534 DEZ 39,740658 41,396135

2010 41,495485 41,860645 42,153669 42,452960 42,762866 42,946746 42,899504 42,869474 42,839465 43,070798 43,467049 43,914759

2011 44,178247 44,593522 44,834327 45,130233 45,455170 45,714264 45,814835 45,814835 46,007257 46,214289 46,362174 46,626438

2012 46,864232 47,103239 47,286941 47,372057 47,675238 47,937451 48,062088 48,268754 48,485963 48,791424 49,137843 49,403187

2013 49,768770 50,226642 50,487820 50,790746 51,090411 51,269227

Observação I – Dividir o valor a atualizar (observar o padrão monetário vigente à época) pelo fator do mês do termo inicial e multiplicar pelo fator do mês do termo final, obtendo-se o resultado na moeda vigente na data do termo final, não sendo necessário efetuar qualquer conversão. Esclarecendo que, nesta tabela, não estão incluídos os juros moratórios, apenas a correção monetária.

Padrões monetários a considerar: Cr$ (cruzeiro): de out./1964 a jan./1967

NCz$ (cruzado novo): de jan./1989 a fev./1990

NCr$ (cruzeiro novo): de fev./1967 a maio/1970

Cr$ (cruzeiro): de mar./1990 a jul./1993

Cr$ (cruzeiro): de jun./1970 a fev./1986

CR$ (cruzeiro real): de ago./1993 a jun./1994

Cz$ (cruzado): de mar./1986 a dez./1988

R$ (real): de jul./1994 em diante

Exemplo: Atualização até junho de 2013, do valor de Cz$ 1.000,00, fixado em janeiro 1988. Cz$ 1.000,00 : 596,94 (jan./1988) x 51,269227 (junho/2013) = R$ R$ 85,88

Junho/2013 – Ed. 195

Observação II – Os fatores de atualização monetária foram compostos pela aplicação dos seguintes índices:

89

Out./1964 a fev./1986: ORTN Mar./1986 e mar./1987 a jan./1989: OTN Abr./1986 a fev./1987: OTN pro rata Fev./1989: 42,72% (conforme STJ, índice de jan./1989

Abr./1989 a mar./1991: IPC do IBGE (de mar./1989 a fev./1991) Abr./1991 a jul./1994: INPC do IBGE (de mar./1991 a jun./1994) Ago./1994 a jul./1995: IPC-r do IBGE (de jul./1994 a jun./1995) Mar./1989: 10,14% (conforme STJ, índice de fev./1989)

Ago./1995 em diante: INPC do IBGE (de jul./1995 em diante), sendo que, com relação à aplicação da deflação, a matéria ficará sub judice)

Observação III – Aplicação do índice de 10,14%, relativo ao mês de fevereiro de 1989, ao invés de 23,60%, em cumprimento ao decidido no Processo nº G-36.676/2002. Fonte: DJe, TJSP, Administrativo, 10.06.2013, p. 3. * Aplicável aos cálculos judiciais, exceto para aqueles com normas específicas estabelecidas por lei ou com decisão transitada em julgado, que estabelece critérios e índices diferentes.


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