O Fenômeno Jurídico da Terceirização: Aspectos Atuais e Relevantes no Brasil – Luiz Eduardo Gunther – p. 1 Orçamento Público, Ajuste Fiscal e Administração Consensual – Jessé Torres Pereira Junior e Thaís Boia Marçal – p. 15 A Tutela Ambiental e Seus Princípios no Direito Ambiental Brasileiro – Iasmine Caron Alves, Lisiana Carraro e Ana Lúcia Jaques Ramos – p. 33 Tributação Ambiental à Luz do Sistema Tributário Nacional – Cláudio Vieira França – p. 41 Obrigação Alimentar nas Relações Homoafetivas – Conrado Paulino da Rosa – p. 52 A Extraterritorialidade Penal e o (Esquecido) “Caso Corinthians” na Bolívia – Leonardo Alves de Oliveira – p. 72 Acórdão na Íntegra – Tribunal Regional Federal da 5ª Região – p. 79 Pesquisa Temática – Políticas Públicas – p. 82 Jurisprudência Comentada – Nulidade de Sentença Arbitral – Impossibilidade de Apreciação do Mérito da Sentença Arbitral pelo Judiciário – Rafael Francisco Alves – p. 85 Medidas Provisórias – p. 92 Normas Legais – p. 95 Indicadores – p. 96
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Doutrina
O Fenômeno Jurídico da Terceirização: Aspectos Atuais e Relevantes no Brasil LUIZ EDUARDO GUNTHER
Desembargador do Trabalho no TRT da 9ª Região-PR, Professor do Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA, Doutor em Direito do Estado pela UFPR, Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, da Academia Paranaense de Direito do Trabalho, do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná, do Centro de Letras do Paraná e da Associação Latino-Americana de Juízes do Trabalho, Coordenador do Grupo de Pesquisa.
SUMÁRIO: Introdução; 1 O significado jurídico do vocábulo terceirização; 2 Setores e/ou atividades que admitem a terceirização – dificuldades para a regulamentação; 3 A terceirização no serviço público; 4 A garantia da responsabilidade solidária; 5 O papel do TST, do STF e do Congresso nacional na compreensão do problema e as possíveis soluções; Referências. RESUMO: Procura-se compreender, no estudo, o fenômeno da terceirização, sua natureza jurídica e suas características. Descreve-se esse sistema como pactuação com terceiros visando à realização de serviços não essenciais da empresa. Analisa-se, quando essas atividades são regulares, quais
setores a admitem e questiona-se a dificuldade para estabelecer regras a respeito. Presentemente a matéria encontra-se em funda polêmica, que pode ser resumida em três frentes de entendimento: (a) setores da doutrina e do Judiciário Trabalhista afirmam a necessidade de manter incólume a redação da Súmula nº 331 do TST; (b) demandas tramitando no STF que podem modificar a atual compreensão do problema; (c) tramitação de projeto de lei desde 2004 no Congresso Nacional, cujo objeto é estender a terceirização a todas as atividades (menos às domésticas). Com larga ocorrência no Brasil, a prática da terceirização (que atinge mais de 8 milhões de trabalhadores), merece normas claras, que tragam aos empresários e trabalhadores segurança jurídica na contratação e que permitam a construção de um Brasil menos conflitivo e que respeite o trabalho decente.
PALAVRAS-CHAVE: Terceirização; regulamentação; papel do STF e do Congresso Nacional.
ABSTRACT: The text approaches the phenomenon of outsourcing, its legal status and features. This system is described as an arrangement with third parties to perform companie’s non-essential services. It analyses its regularization, which sectors admit it and the difficulty to establish its rules. At present the matter is in deep controversy, which can be summarized in three points: (a) sectors of doctrine and Labor Courts affirm the need to maintain the wording of Precedent 331 of TST unscathed; (b) claims being processed by the Supreme Court may change the current understanding of the problem; (c) a draft law since 2004 in Congress aims to extend outsourcing to every labor activity (except for domestic labor). The practice of outsourcing reaches more than 8 million workers in Brazil and has to have clear rules to bring to employers and workers legal certainty and to allow the construction of a less conflictive country that respects the decent labour.
KEYWORDS: Outsourcing; regulation; Congress and Supreme Court roles.
Quando se pensa no significado da terceirização, logo surge a pergunta: qual o papel do Direito para compreender a realidade da vida? E depois: há autonomia no Direito? Sem a resposta a essas perguntas, fica-se em dúvida a respeito do papel da terceirização, como pode ela ser efetivamente compreendida, dimensionada, e, mais importante, aceita (ainda que parcialmente) ou rejeitada (totalmente). Nesse sentido, A. Castanheira Neves apresenta a seguinte indagação: “O Direito hoje e com que sentido?”, refletindo sobre o problema atual da autonomia do Direito1. Absolutamente imprescindível é a análise do sentido do Direito, no mundo contemporâneo, para tentar desvendar o fenômeno jurídico existente no complexo vocábulo que se passou a conhecer como “terceirização”. Como se poderia esclarecer esse fenômeno, tão atual e debatido? Segundo Indalécio Gomes Neto, “a terceirização de serviços, obras, tarefas e atividades é uma tendência econômica de reorganização da produção capitalista”2. Observem-se os vocábulos que o autor empregou: “tendência econômica” e “reorganização da produção capitalista”. Trata-se, portanto, de fenômeno de inegável conteúdo econômico. O mesmo autor esclarece que “a terceirização hoje é tomada como uma ferramenta de gestão empresarial, que consiste na contratação de serviços especializados”. E diz mais: que essa 1 NEVES, A. Castanheira. O direito hoje e com que sentido? O problema atual da autonomia do direito. 3. ed. Lisboa: Instituto Piaget, 2012. 2 GOMES NETO, Indalécio; BRITO, Rider Nogueira de. A terceirização no Brasil. Curitiba: Íthala, 2012. p. 42.
contratação de serviços especializados permite “à empresa contratante concentrar energia em sua principal vocação”3. Têm-se, assim, as expressões “contratação de serviços especializados” e “empresa contratante”. Entra-se no mundo dos contratos, da empresa, do Direito. Mas Direito em qual sentido? Há autonomia no Direito? Pode-se esclarecer, compreender e aplicar o vocábulo terceirização em sentido jurídico? Para que se possa conferir à palavra Direito o sentido de Direito e, ao mesmo tempo, garantir a sua autonomia, torna-se indispensável revelar sua dimensão ética. Seriam três, segundo A. Castanheira Neves, as condições constitutivas e de emergência do Direito enquanto tal: (a) uma condição mundano-social; (b) uma condição humano-existencial; e (c) uma condição ética4. A primeira condição (mundano-social) manifesta-se pela pluralidade humana na unicidade do mundo, que partilhamos por meio de um certo tipo situacional-comunicativo, como, por exemplo, as relações sociais. A segunda condição (humano-existencial) revela-se pelo problema institucional de integração ou de ordem, possibilitando a existência humana. A terceira e última condição (ética) reconhece a cada homem a dignidade de sujeito ético, a dignidade de pessoa e assim “simultaneamente com um valor indisponível para o poder e a prepotência dos outros e comunitariamente responsabilizado para com os outros”5. Juridicamente falando, então, como se pode dizer o que o fenômeno em estudo significa? Como é possível enunciá-lo, estabelecer seus caracteres, sua natureza jurídica? 3 Idem. 4 NEVES, A. Castanheira. Op. cit., p. 70-71. 5 Idem, p. 71-72.
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INTRODUÇÃO
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1 O SIGNIFICADO JURÍDICO DO VOCÁBULO TERCEIRIZAÇÃO O primeiro passo para entender o significado jurídico da terceirização é buscar sua origem. O vocábulo terceirização foi adotado no Brasil, inicialmente, no âmbito da administração de empresas, e depois os Tribunais do Trabalho também passaram a utilizá-lo, como revela Sergio Pinto Martins6. Nesse sentido, o fenômeno pode ser descrito como “a contratação de terceiros visando à realização de atividades que não constituam o objeto principal da empresa”7.
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A terceirização poderia ser uma solução para todos os problemas empresariais? Alice Monteiro de Barros acredita que não, e menciona a necessidade de cautela “do ponto de vista econômico, pois implica planejamento de produtividade, qualidade e custos”. Além do mais, enfatiza a necessidade de cuidados redobrados do ponto de vista jurídico, pois o uso de mão de obra terceirizada pode implicar “reconhecimento direto de vínculo empregatício com a tomadora de serviços, na hipótese de fraude”, ou “responsabilidade subsidiária dessa última, quando inadimplente a prestadora de serviços”8.
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Pode-se dizer que existem duas formas básicas de terceirização: a terceirização externa e a terceirização interna. A primeira forma (externa) surgiu no “setor automotivo e hoje invade a indústria em geral”. Nesse caso, “uma empresa fabrica o produto, ou parte dele, e o vende à outra, que o completa e/ou monta”. A fábrica, na verdade, externaliza etapas de seu ciclo produtivo, “ao invés de produzir por si mesma”, organizando-se em rede. 6 MARTINS, Sergio Pinto. A terceirização e o direito do trabalho. 13. ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 2014. p. 8. 7 Idem. 8 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: LTr, 2012. p. 358.
Na segunda forma (interna), “exemplo mais visível é o das empresas de asseio e conservação, mas que envolve também os call centers”, o que equivale dizer: “uma empresa negocia os próprios trabalhadores, alugando-os à outra”. Segundo Márcio Túlio Viana, que nos dá todas essas explicações, essa última situação configura “o que sempre se chamou de marchandage”9. Como saber sobre a regularidade da terceirização? Existem limitações a serem observadas? Onde se apoiar para saber o que se pode ou não fazer quando se trata desse fenômeno? Pode-se dizer que a terceirização compõe medidas com a finalidade de adequar “as relações de emprego às transformações que emergem no sistema de produção”. Coloca-se, desse modo, a terceirização ao lado de outras modificações na utilização da força de trabalho, “como trabalho em tempo parcial, trabalho temporário, jobsharing e banco de horas”10. Essa realidade, da contratação da mão de obra por empresa interposta, venceu as resistências e “somente se consolidará depois que o Poder Legislativo disciplinar a relações de trabalho no âmbito desse setor”. Devem, pois, ser fixadas as hipóteses, “os limites, as obrigações, os direitos e as garantias dos respectivos atores”. Incluem-se nesse rol as empresas prestadoras, as tomadoras de serviços e os respectivos empregados11. 9 VIANA, Márcio Túlio. Audiência pública sobre terceirização: um depoimento sintético. In: VIANA, Márcio Túlio: RENAULT, Luiz Otávio Linhares; FATTINI, Fernanda Carolina; FABIANO, Isabela Márcia de Alcântara; BENEVIDES, Sara Costa (Coord.). O que há de novo em direito do trabalho: homenagem a Alice Monteiro de Barros e Antônio Álvares da Silva. 2. ed. São Paulo: LTr, 2012, p. 680. 10 CHAHAD, José Paulo Z.; ZOCKUN, Maria Helena. A terceirização do trabalho no Brasil: um estudo de caso. In: ______; CACCIAMALI, Maria Cristina (Org.). Mercado de trabalho no Brasil: novas práticas trabalhistas, negociações coletivas e direitos fundamentais no trabalho. São Paulo: LTr, 2003. p. 106. 11 PEREIRA, João Batista Brito. A terceirização, a lei e a Súmula nº 331 do
2 SETORES E/OU ATIVIDADES QUE ADMITEM A TERCEIRIZAÇÃO – DIFICULDADES PARA A REGULAMENTAÇÃO Quais os setores e atividades que admitem a terceirização? Quais as dificuldades para estabelecer regras a esse respeito? Estudos voltam-se a compreender (e limitar) a terceirização apenas aos “serviços especializados”. Nessa linha, a especialização do serviço teria sido “um dos elementos principais na construção da doutrina da terceirização”. A justificativa apresenta-se na dinâmica das empresas de repassarem a terceiros a execução de atividades periféricas, “concentrando seus esforços no objeto principal da instituição (atividade-fim)”12. A Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho – Anamatra, na I Jornada de Direito do Trabalho, com o apoio do TST, em novembro de 2007, aprovou o Enunciado nº 10, no qual se vê a defesa dessa especialização: Terceirização. Limites. Responsabilidade solidária. A terceirização somente será admitida na prestação de serviços especializados, de caráter transitório, desvinculados das necessidades permanentes da empresa, mantendo-se, de todo modo, a responsabilidade solidária entre as empresas.13 TST. In: MARTINS FILHO, Ives Gandra; DELGADO, Mauricio Godinho; PRADO, Ney; ARAÚJO, Carlos (Coord.). A efetividade do direito e do processo do trabalho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. p. 75. 12 OLIVEIRA NETO, Alberto Emiliano de. Terceirização na construção civil. In: RAMOS FILHO, Wilson; WANDELLI, Leonardo Vieira; ALLAN, Nasser Ahmad (Coord.). Trabalho e regulação no estado constitucional. Curitiba: Juruá, v. IV, 2013. p. 27. 13 Idem, p. 27-28.
Esclarece Alberto Emiliano de Oliveira Neto que, no segmento econômico da construção civil, pode se apurar a existência de serviços especializados, tais como: “instalações elétricas, instalações hidráulicas, gesso e pintura”. Considera, entretanto, que tais serviços jamais poderiam ser terceirizados, pois representam a atividade principal de qualquer construtora aqueles de: “fundação, alvenaria, reboco e carpintaria”14. Quanto aos setores da energia elétrica e da telecomunicação, pode ou não haver terceirização? Segundo Georgenor de Sousa Franco Filho, a Lei nº 8.987, de 13.02.1995, em um primeiro momento, e a Lei nº 9.472/1997, em seguida, são claras: “não somente aquelas atividades essencialmente consideradas meio, mas também aquelas inerentes à atividade dessas empresas podem ser terceirizadas”15. Aprofundando seu entendimento, esse autor afirma a possibilidade de terceirização em praticamente todas as atividades dos setores de energia elétrica e das telecomunicações, “exceção àquelas que são nítida, exclusiva e irremediavelmente só da empresa: transmissão, emissão ou recepção”16. No mesmo diapasão desse posicionamento doutrinário inclina-se aresto do colendo Tribunal Superior do Trabalho, esclarecendo: A Lei Geral de Telecomunicações (LGT; Lei nº 9.472/1997) ampliou as hipóteses de terceirização de serviços. Assim, a previsão contida no art. 94, inciso II, no sentido de que é possível a contratação de empre14 Idem, p. 27. 15 FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. A terceirização nos serviços públicos de energia elétrica e de telecomunicações. Revista da Academia Nacional de Direito do Trabalho, Edição especial, a. XVIII, n. 18, 2010, Homenagem ao Professor Emérito Amauri Mascaro Nascimento. São Paulo: LTr, 2010. p. 64. 16 Ibidem, p. 65.
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Pela explicação dada, vê-se a multiplicidade de sentidos (e dificuldades) contidos no vocábulo terceirização.
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sa interposta para a prestação de atividades inerentes ao serviço de telecomunicações, autoriza a terceirização das atividades preceituadas no § 1º do art. 60 da LGT.17
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Nesse mesmo julgado resta esclarecido tornar-se irrelevante discutir se a função desempenhada pela reclamante “enquadra-se como atividade-fim ou meio, ante a licitude da terceirização, uma vez respaldada em expressa previsão legal”18.
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A empresa Petrobras, em 2000, tinha 38 mil empregados próprios e 49 mil terceirizados. Em 2006 esses números saltaram para 62 mil e 176 mil, respectivamente. Dois anos depois a diferença ficou bem maior: 74 mil efetivos contra 260 mil prestadores de serviços. Esses terceirizados assumem tarefas que, em tese, só poderiam ser exercidas por funcionários próprios, como “fiscalizar plataformas em alto mar”. Além disso, normalmente eles são chefiados diretamente pelos concursados, quando, na verdade, “deveriam ser orientados pelas empresas terceirizadas”. O Ministério Público do Trabalho combateu essas irregularidades e, no ano de 2006, firmou acordo com o Governo Federal “para substituir os terceirizados em contratos irregulares até 2010”. A previsão era reduzir o processo, mas isso não aconteceu. A empresa mudou, em 2010, a forma de contabilizar os empregados, “excluindo os terceirizados que atuam fora das suas unidades”. Desse modo, mesmo sem demitir ninguém, “da noite para o dia, a empresa fez desaparecer quase 20 mil prestadores de serviços dos seus relatórios”. Os números foram calibrados em 2011, com nova maquiagem, alterando a nomenclatura “empregados terceirizados” para “empregados de empresas prestadoras de serviço”. A empresa encerrou o ano de 2012 “com 85 mil efetivos e o impressionante saldo de 360 mil terceirizados”. 17 BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. TST-RR 3540-87.2009.5.03.0016 – Ac. 8ª T. 18.810, Relª Min. Dora Maria da Costa. LTR, n. 75/04, p. 488-492. 18 Idem.
Trata-se de número superior ao dobro, comparado com os seis anos anteriores19. A admissibilidade da terceirização em atividade-fim é reconhecida em algumas situações por parte da doutrina trabalhista. Alice Monteiro de Barros recorda autores que, de forma exemplificativa, com amparo no art. 170 da Constituição, consideram regular a delegação, pela indústria automobilística, “de determinados serviços vinculados à atividade-fim das empresas, decorrentes das novas técnicas de produção ou de novas tecnologias”. Também menciona “os serviços ligados à perfuração de poços de petróleo em empresas que o exploram, entre outras”20. Quando se estuda a terceirização, os contratos de franquia surgem quase sempre como um possível exemplo. A Lei nº 8.955, de 1994, em seu art. 2º, conceitua a franquia empresarial: Franquia empresarial é o sistema pelo qual um franqueador cede ao franqueado o direito de uso de marca ou patente, associado ao direito de distribuição exclusiva ou semiexclusiva de produtos ou serviços e, eventualmente, também ao direito de uso de tecnologia de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvidos ou detidos pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no entanto, fique caracterizado vínculo empregatício.21
Segundo Alice Monteiro de Barros, a jurisprudência do col. TST posiciona-se no sentido de “afastar a responsabilidade subsidiária do franqueador, nos casos de franquia típica”. Isso ocorre, naturalmente, porque as partes do contrato de franquia “man19 FARHAT, Rodrigo. Estatal descumpre Constituição e terceiriza sem limite. Labor – Revista do Ministério Público do Trabalho, a. I, n. 2, 2013. p. 18-22. 20 BARROS, Alice Monteiro de. Op. cit., p. 358. 21 BRASIL. Lei nº 8.955, de 15 de dezembro de 1994. Dispõe sobre o contrato de franquia empresarial (franchising) e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8955.htm>. Acesso em: 14 jan. 2015.
Embora não se possa afirmar que a terceirização está sempre levando à ilicitude, pode-se dizer, com toda a certeza, que não existem critérios claros e estáveis para saber onde, quando e como a empresa pode terceirizar seus serviços.
3 A TERCEIRIZAÇÃO NO SERVIÇO PÚBLICO Os serviços da Administração Pública são os com maior frequência terceirizados. Quando são regulares ou irregulares essas terceirizações? A terceirização no setor público é um dos aspectos relevantes do fenômeno que se estuda neste artigo. O § 1º do art. 71 da Lei nº 8.666/1993 estabelece que: “a inadimplência do contratado, com referência aos encargos estabelecidos neste artigo (comerciais, trabalhistas e fiscais), não transfere à Administração Pública a responsabilidade de pagamento”23. 22 BARROS, Alice Monteiro de. Op. cit., p. 363. 23 BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8666cons.htm>. Acesso em: 12 jan. 2015.
O maior problema, no setor público, relaciona-se “à inadimplência das terceirizadas com os trabalhadores ao fim do contrato”. Quase sempre, a exigência da licitação pelo menor preço “leva à contratação de empresas frágeis financeiramente”24. Normalmente os estudiosos do Direito Administrativo, quanto a esse aspecto, interpretam a terceirização por dois caminhos: o da licitude e o da ilicitude. Sendo lícita a terceirização, consideram que se aplica a norma citada em sua literalidade, isto é, “o Poder Público se exime de responsabilidade, mesmo porque o contrato se faz entre pessoas jurídicas autônomas, ambas capazes de responder por seus atos”. Entretanto, sendo ilícita a terceirização, “o extremo oposto acontece, pois não só a Administração responde solidariamente, como o administrador paga por improbidade administrativa”25. O Supremo Tribunal Federal, por intermédio da Ação Direta de Constitucionalidade nº 16, reconheceu a constitucionalidade da Lei nº 8.666/1993. Em razão disso, o Tribunal Superior do Trabalho alterou a redação da Súmula nº 331. A partir dessa mudança, os entes integrantes da Administração Direta e Indireta passaram a responder subsidiariamente “apenas” quando evidenciada a sua conduta culposa no que toca ao cumprimento dos deveres que lhe são impostos pela Lei de Licitações, “principalmente a fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora”. Isso significa, também, que, “comprovada a inexistência de culpa da Adminis24 MAIA, Samantha. Direitos ameaçados. Terceirização. Decisão do STF afetará o sistema trabalhista criado há 70 anos. Revista Carta Capital, 17 set. 2014. p. 42. 25 VIANA, Márcio Túlio. A terceirização revisitada: algumas críticas e sugestões para um novo tratamento da matéria. In: ALVARENGA, Rúbia Zanotelli; TEIXEIRA, Érica Fernandes (Org.). Novidades em direito do trabalho e processo do trabalho: estudos em homenagem aos 70 anos da CLT. São Paulo: LTr, 2013. p. 221.
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têm total autonomia na condução de seus negócios, inexistindo subordinação entre elas”. Essa orientação, contudo, não pode prevalecer se constatado o desvirtuamento do contrato de franquia, por exemplo, com a inserção de cláusulas que atribuem ao franqueado a obrigação de prestar serviço ao franqueador, “revelando que a intenção deste último era transferir ao primeiro a execução de uma parcela da sua atividade empresarial”. Nessa situação seria possível concluir, inegavelmente, pela existência de uma forma de terceirização, “de molde a impor ao franqueador responsabilidade subsidiária pelo pagamento do crédito trabalhista deferido aos empregados do franqueado”22.
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tração Pública, o trabalhador ficará sem receber o pagamento das verbas às quais possui direito”26. Constatada, e comprovada, em determinada ação judicial movida por trabalhador terceirizado contra seu empregador, e contra o ente público, que contratou este último, o inadimplemento das obrigações (trabalhistas) decorrentes daquele contrato administrativo pelo contratado, caberá à Administração Pública, com exclusividade, para evitar que sua conduta seja considerada omissa e ilícita, nos termos e para os efeitos dos arts. 186 e 927, caput, do Código Civil, alegar e comprovar, cabalmente, no curso da instrução processual, que: a) praticou todos esses atos administrativos detalhadamente estabelecidos nos apontados preceitos da Lei nº 8.666/1993 e na Instrução Normativa nº 06/2013, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG); b) fiscalizou, no curso e no encerramento daquele contrato administrativo, a plena observância dos direitos trabalhistas do correspondente reclamante;
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c) uma vez constatado seu inadimplemento, tomou todas as medidas e as providências legalmente previstas para prevenir ou ressarcir o trabalhador terceirizado vítima daqueles atos ilícitos27.
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26 GONÇALVES, Antônio Fabrício de Matos; FONTES, Camila de Abreu. Responsabilidade da Administração Pública à luz da nova redação da Súmula nº 331 do TST. In: REIS, Daniela Muradas; MELLO, Roberta Dantas de; COURA, Solange Barbosa de Castro (Coord.). Trabalho e justiça social: um tributo a Mauricio Godinho Delgado. São Paulo: LTr, 2013. p. 191-202. p. 201. 27 PIMENTA, José Roberto Freire. A responsabilidade da Administração Pública nas terceirizações, a decisão do Supremo Tribunal Federal na ADC 16-DF e a nova redação dos itens IV e V da Súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho. Revista Eletrônica do TRT9. Disponível em: <http://
Segundo Carlos Henrique Bezerra Leite, “ao substituir a tradicional solidariedade passiva entre o tomador e o intermediário da locação ilegal de serviços”, parece evidente que a Súmula nº 331, item IV, do TST pretendeu, de forma inequívoca, “amenizar a posição jurídica do tomador dos serviços”, que, desse modo, só responde (subsidiariamente) pela dívida quando esgotado o patrimônio ou a solvabilidade do terceiro-intermediário”. Adverte esse doutrinador, no entanto, responder “tanto o tomador privado quanto o ente público”. Para ele, as razões que determinam tal responsabilidade, de ordem social e jurídica, “não autorizam haja semelhante diferenciação de tratamento”. Não seria menor, nem diferente, a culpa in vigilando, que se encontra na base de tal responsabilidade, “quando se trata de contratante público”28. Pelo que se verifica dessas incursões doutrinárias, a matéria merece, sim, reflexão adequada e, talvez, para não subsistir dúvida, equacionamento legal.
4 A GARANTIA DA RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA Um dos aspectos mais relevantes da terceirização gira em torno da questão de como responsabilizar as empresas que praticam essa atividade irregularmente ou não cumprem as condições contratuais, deixando os trabalhadores “a ver navios”. Segundo estudo do Sindicato das Empresas de Prestação de Serviços a Terceiros de São Paulo, há hoje cerca de 8,2 milhões de trabalhadores que “precisam de uma resposta do Estado consistente e efetiva” quanto à terceirização. Parece, realmente, não haver mais capacidade de tolerância para a “omissão do www.mflip.com.br/pub/escolajudicial/?numero=10>. Acesso em: 16 jan. 2015. p. 41. 28 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito do trabalho. 4. ed. rev. ampl. e atual. Curitiba: Juruá, 2013. p. 286.
A responsabilidade por ato de terceiro é objetiva, porque o fato gerador é o risco inerente à atividade (Código Civil, arts. 933 e 942 e CLT, art. 2º), o que pode e deve, sem qualquer problema, ser aplicado ao tomador de serviços, “incluindo todos aqueles que participam da cadeia produtiva e que auferem benefícios da atividade desenvolvida”30. Invocando o Estatuto dos Trabalhadores da Espanha (art. 42), há quem considere conveniente a edição de lei atribuindo ao tomador dos serviços “a responsabilidade solidária de todas as empresas integrantes da cadeia produtiva, para assegurar ao obreiro maior garantia”31. Tendo em vista, no processo de terceirização, um descompasso com a higidez, saúde e segurança no meio ambiente laboral, considera-se possível a responsabilização solidária do tomador do serviço a partir das normas de saúde e segurança no trabalho. Segundo Francisco Milton Araújo Júnior, “entrelaçando as atividades produtivas e as respectivas responsabilidades”, verifica-se que a leitura do art. 942, parágrafo único, do Código Civil, estabelece que “são solidariamente responsáveis com 29 MELO, Luis Antônio Camargo de. Terceirização. In: REIS, Daniela Muradas; MELLO, Roberta Dantas de; COURA, Solange Barbosa de Castro (Coord.). Trabalho e justiça social: um tributo a Mauricio Godinho Delgado. São Paulo: LTr, 2013. p. 167. 30 CAIXETA, Sebastião Vieira. Apontamentos sobre a normatização do instituto da terceirização no Brasil: por uma legislação que evite a barbárie e o aniquilamento do direito do trabalho. In: REIS, Daniela Muradas; MELLO, Roberta Dantas de; COURA, Solange Barbosa de Castro (Coord.). Trabalho e justiça social: um tributo a Mauricio Godinho Delgado. São Paulo: LTr, 2013. p. 187. 31 BARROS, Alice Monteiro de. Op. cit., p. 361.
os autores os coautores”. Desse modo, é possível estabelecer claramente que o sistema produtivo, “ao adotar o processo de terceirização, e, por conseguinte, ao conectar as empresas tomadoras e prestadoras de serviço”, fixa que o conjunto produtivo “assume e divide a lucratividade e o ônus das atividades”. Neste último se insere a responsabilidade solidária das empresas (tomadoras/terceirizadas) no caso de acidente de trabalho32. Os critérios da Súmula nº 331 do TST, segundo Márcio Túlio Viana, embora possam prevalecer, como regra geral, podem ser aperfeiçoados, especialmente no que diz respeito à responsabilização, de modo a: a) substituir o critério da responsabilidade subsidiária pelo da responsabilidade solidária; b) aplicar o critério da solidariedade entre contratante e contratada não só no caso da terceirização lícita, mas na hipótese de terceirização ilícita, independentemente do reconhecimento do vínculo de emprego com o tomador; c) no caso de uma cadeia de tomadores e fornecedores, aplicar o critério de solidariedade entre todos33. O cerne de toda a controvérsia em torno da terceirização da mão de obra, segundo Guilherme Augusto Caputo Bastos, “está na responsabilização pelo adimplemento dos créditos trabalhistas”. 32 ARAÚJO JÚNIOR, Francisco Milton. A terceirização e o descompasso com a higidez, saúde e segurança no meio ambiente laboral – Responsabilidade solidária do tomador do serviço a partir das normas de saúde e segurança no trabalho. Revista Trabalhista Direito e Processo, a. 13, n. 49, São Paulo: LTr, p. 49-50, nov. 2014. 33 VIANA, Márcio Túlio. Audiência pública sobre terceirização: um depoimento sintético. In: VIANA, Márcio Túlio: RENAULT, Luiz Otávio Linhares; FATTINI, Fernanda Carolina; FABIANO, Isabela Márcia de Alcântara; BENEVIDES, Sara Costa (Coord.). Op. cit., p. 681.
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direito positivo”. A delimitação do objeto da terceirização, bem como a definição da responsabilidade solidária das empresas, “configura meio hábil de impedir o uso abusivo do instituto”29.
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Tomando por base “o princípio da segurança jurídica”, depende-se, na terceirização, de uma definição clara sobre qual empresa, tomadora ou prestadora dos serviços, “será demandada no polo passivo da demanda, o que é essencial ao trabalhador”. Recorda esse autor que, no Direito Comparado, existe uma tendência para que a responsabilização pelo adimplemento dos débitos trabalhistas, nos casos de terceirização, “se dê de forma solidária e não subsidiária entre tomador e prestador de serviços, ao contrário, portanto, do previsto na Súmula nº 331, IV”. Cita, nesse sentido, os ordenamentos jurídicos da Argentina, Chile, Colômbia, Venezuela, México e Espanha. Quanto à Espanha, faz referência ao art. 42 do Estatuto dos Trabalhadores, enfatizando que esse país atribui “responsabilidade solidária a todas as empresas integrantes da cadeia produtiva e estende aos trabalhadores das terceirizadas os mesmos direitos dos trabalhadores inseridos na empresa tomadora”. Considera imprescindível, assim, “a adoção da responsabilização solidária pelo adimplemento dos débitos trabalhistas”. Trata-se de medida importante, “a imprimir maior proteção ao trabalhador terceirizado”, que, desse modo, “poderá acionar, indistintamente, a empresa com a qual se forma o vínculo empregatício, bem como a empresa tomadora dos serviços”34.
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Outras razões, subjacentes ao próprio contrato triangular de terceirização, recomendam a responsabilidade solidária, no dizer de Sebastião Vieira Caixeta: a) necessidade de satisfação imediata do crédito alimentar; b) possibilidade de ajustar garantias no contrato de terceirização; 34 BASTOS, Guilherme Augusto Caputo. Terceirização – aspectos polêmicos. In MARTINS FILHO, Ives Gandra; DELGADO, Mauricio Godinho; PRADO, Ney; ARAÚJO, Carlos (Coord.). A efetividade do direito e do processo do trabalho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. p. 100.
c) possibilidade de controle, pelo tomador, das obrigações trabalhistas e previdenciárias, evitando o inadimplemento; d) possibilidade de retenção de repasses das faturas devidas para ressarcimento de pagamentos feitos; e) condição mais favorável do tomador para fazer a cobrança regressiva35. Parece claro que um dos aspectos essenciais é a responsabilização solidária na atividade terceirizada, cujos critérios devem ser estabelecidos de forma objetiva.
5 O PAPEL DO TST, DO STF E DO CONGRESSO NACIONAL NA COMPREENSÃO DO PROBLEMA E AS POSSÍVEIS SOLUÇÕES Quando se perquire sobre a terceirização, avulta o ativismo judicial do TST, e agora, possivelmente, do STF. É o papel do Congresso Nacional? Não deveria este último poder constituído assumir efetivamente o seu papel nessa questão? Indaga-se a quem está lendo este texto se já ouviu falar no vocábulo crowdsourcing? Significa, ao pé da letra, segundo Hélio Zyllberstajn, “terceirização em massa”. Na verdade, significa contratar trabalhos realizados em pequenas tarefas na Internet, quase na forma de pesquisa. Os interessados (dezenas, centenas, milhares, por isso a palavra crowd) enviam suas respostas ou sugestões que, se aproveitadas, são pagas pelos contratantes. Para evitar problemas com o Fisco, no Brasil, segundo esse autor, os pagamentos são pequenos, “situando-se abaixo da faixa da isenção tributária”. Embora esse exemplo de contratação de trabalhadores seja, evidentemente, um caso extremo, ilustra muito bem “o controle existente entre a velocidade e a diversidade das 35 CAIXETA, Sebastião Vieira. Op. cit., p. 187.
Seria mesmo necessário regulamentar via marco legal a terceirização? Ou seria suficiente o entendimento jurisprudencial reiterado do Tribunal Superior do Trabalho sobre o tema? Guilherme Augusto Caputo Bastos assevera, de forma contundente, que a demora no estabelecimento de um marco regulatório para o trabalho terceirizado “contribui para a existência de fraude aos direitos dos trabalhadores, que muitas vezes acabam se submetendo a empregadores aproveitadores e oportunistas”. Considera, pois, urgente que o Poder Legislativo equacione a polêmica em torno da “questão referente à terceirização da mão de obra”. Registra esse estudioso do tema que, se de um lado, não se pode admitir o “aviltamento das conquistas trabalhistas”, de outro não se pode fechar os olhos “para a nova realidade do mercado mundial, e exigir novas fórmulas para o seu enfrentamento”37. Conforme notícia veiculada pelo site do STF no mês de junho de 2014, o Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral da matéria discutida no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) nº 791.932, “que trata da possibilidade de terceirização de callcenter de empresas de telefonia”. A manifestação do relator da ARE, Ministro Teori Zavascki, foi no sentido de que “a matéria transcende os limites subjetivos da 36 ZYLLBERSTAIN, Hélio. Visões econômicas da flexibilização dos direitos trabalhistas. In: MANNRICH, Nelson; VOGEL NETO, Gustavo Adolpho; FLORINDO, Valdir; FREDIANI, Yone (Coord.). Novos temas e desafios no mundo do trabalho. Anais da Academia Nacional de Direito do Trabalho, 2012. São Paulo: LTr, 2013. p. 205. 37 BASTOS, Guilherme Augusto Caputo. Op. cit., p. 100.
causa, pois a questão está reproduzida em inúmeras demandas, muitas delas já em fase de recurso no STF”. No entendimento do TST, “não é legítima a terceirização dos serviços de callcenter pelas empresas de telecomunicações por se tratar de atividade-fim”. O recurso empresarial ao STF afirma que o TST deixou de aplicar o art. 94, inciso II, da Lei nº 9.272/1997 (Lei Geral das Telecomunicações), que permite a terceirização de “atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço”, sem declarar, em Plenário, sua inconstitucionalidade. Para o Ministro Teori Zavascki, relator da matéria no STF, “a questão possui repercussão geral do ponto de vista jurídico, já que envolve a declaração ou não de inconstitucionalidade do art. 94, inciso II, da Lei nº 9.472/1997”38. Notícia do site do c. TST de outubro de 2014 dá conta de que o sobrestamento de todos os processos que discutam a validade de terceirização da atividade de callcenter, nas concessionárias de telecomunicações, foi determinado pelo Ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal, relator do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) nº 791.932, com repercussão geral reconhecida. Enquanto o mérito desse recurso não for julgado, “a tramitação de todas as causas sobre a matéria estão suspensas, em todas as instâncias da Justiça do Trabalho”. Duas exceções, apenas, foram consideradas: (a) os processos ainda em fase de instrução (sem sentença de mérito); e (b) as execuções em andamento (decisões transitadas em julgado). 38 STF analisará terceirização de callcenter em empresas de telefonia. Notícias STF, 27 de junho de 2014. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/ portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=270044>. Acesso em: 15 jan. 2015.
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mudanças no mercado de trabalho” e “a lentidão na percepção e na evolução do Direito do Trabalho e mais genericamente das políticas de regulamentação do mercado de trabalho”36.
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No reconhecimento do pedido, o Ministro afirmou que a decisão a ser proferida pelo STF no caso repercutirá decisivamente sobre a qualificação jurídica da relação de trabalho estabelecida entre as operadoras de serviços de callcenter e seus contratados, “afetando de modo categórico o destino das inúmeras reclamações ajuizadas por trabalhadores enquadrados nesse ramo de atividade perante a Justiça do Trabalho”39. Na dicção de Bruno Milano Centa e Marco Antônio César Villatore, é importante regulamentar o tema da terceirização, o que tem sido reconhecido por inúmeros Países, inclusive pela OIT. Essa organização internacional, por meio da Convenção nº 181 (embora sem grande número de adesões), reconheceu a existência e a importância “das agências privadas de intermediação e se preocupa em assegurar garantias aos trabalhadores que nelas se inserem”. Para esses articulistas, é essencial regulamentar essas situações de fato, que representam uma realidade no mundo contemporâneo, pois “negar a existência dessas agências só traz prejuízo aos trabalhadores que encontram nelas o seu meio de subsistência”40.
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Para os autores citados (Centa e Villatore), é imprescindível a adoção de um novo marco regulatório, pois impera no Brasil a insegurança jurídica. A jurisprudência, como a maior fonte de Direito a balizar as condutas dos empregadores, nesse particu-
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39 MINISTRO determina sobrestamento de processos sobre terceirização de callcenter em empresas de telefonia. Notícias do TST, 2 de outubro de 2014. Disponível em: <http://www.tst.jus.br/noticias/-/asset_publisher/89Dk/ content/stf-determina-sobrestamento-de-processos-sobre-terceirizacao-de-call-center-em-empresas-de-telefonia>. Acesso em: 15 jan. 2015. 40 CENTA, Bruno Milano; VILLATORE, Marco Antônio César. Terceirização na Organização Internacional do Trabalho e nos Estados-partes do Mercosul – consequências sociais e econômicas. In: CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa; VILLATORE, Marco Antônio César (Coord.). Direito Internacional e a Organização Internacional do Trabalho: um debate atual. São Paulo: Atlas, 2015. p. 139.
lar, é “suscetível à mudança constante de entendimento”. Essa situação se agrava quando as decisões judiciais fundam-se em conceitos “também sujeitos à interpretação e delimitação complexa, tais quais são a atividade-meio e a atividade-fim”41. Interessante e denso trabalho sobre o tema, analisando a autorização constitucional para a prática excepcional da terceirização em atividade-meio (CF, arts. 37, XXI, e 173, § 1º, III), conclui que “a terceirização em atividade-fim das empresas estatais viola a Constituição em dupla dimensão”: a) na afronta ao regime de emprego socialmente protegido (art. 7º); b) no desrespeito à regra do concurso público, como exigência de impessoalidade (art. 37)42. Reconheceu o Plenário Virtual do STF (no ARE 713.211/MG) a repercussão geral contida no exame dos parâmetros a serem observados “para a identificação de que tarefas podem ser terceirizadas por empregadores”. Como exposto pelo Relator Ministro Luiz Fux, reconheceu-se “a ausência de balizas legais para o tema, objeto de milhares de ações nos Tribunais Trabalhistas do país”. A empresa alega que “não existe definição jurídica sobre o que sejam exatamente “atividade-meio” e “atividade-fim”, sustentando, ainda, que tal distinção é incompatível “com o processo de produção moderno”43. Segundo o site do STF, a Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG) ajuizou a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 324. A pretensão da entidade é que o 41 Idem, p. 140. 42 DELGADO, Gabriela Neves; AMORIM, Helder Santos. Os limites constitucionais da terceirização. São Paulo: LTr, 2014. p. 159. 43 STF definirá limites para terceirização. Migalhas, terça-feira, 20.05.2014. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI201171,101048-STF+definira+limites+para+terceirizacao>. Acesso em: 16 jan. 2015.
O relator da ADPF é o Ministro Luís Roberto Barroso. Em manifestação recente, o Presidente do TST defendeu súmula contra terceirização de atividade-fim. Conforme o Ministro Barros Levenhagen, diante da falta de leis e roupagem jurídica sobre essa forma de contratação, formulou-se uma “fonte subsidiária de Direito” e não “regra de hermenêutica”. Para ele, o objetivo foi preservar princípios constitucionais como “o valor social do trabalho e o da isonomia salarial”45. Sobre essa intensa discussão doutrinária e jurisprudencial, a Revista Eletrônica do TRT9 (Paraná), que, em sua história iniciada em 2011, já conta com mais de um milhão de acessos, publicou duas edições sobre a terceirização, a nº 10 (agosto de 2012) e a nº 35 (novembro e dezembro de 2014). Podem ser acessadas pelo site <http://www.mflip.com.br/pub/escolajudicial/>. Espera-se, assim, um comportamento ativo do Congresso Nacional, que tem em suas mãos, desde o ano de 2004, o PL 4.330/2004, cujo objeto é a extensão de todas as atividades (excetuando apenas o trabalho doméstico) à possibilidade de terceirização. 44 ASSOCIAÇÃO questiona entendimento da Justiça do Trabalho sobre terceirização. Notícias do STF de 29.08.2014. Disponível em: <http://www. stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=273986>. Acesso em: 16 jan. 2015. 45 PRESIDENTE do TST defende súmula contra terceirização de atividade-fim. Consultor Jurídico. 02.01.2015. Disponível em: <http://www.conjur.com. br/2015-jan-02/presidente-tst-defende-sumula-atividade-fim-terceirizada>. Acesso em: 16 jan. 2015.
Esse Projeto prevê que todas as funções de uma empresa podem ser exercidas por terceirizados, inclusive a atividade-fim. A responsabilidade pelo vínculo empregatício cabe somente à empresa prestadora de serviços. Regulamenta-se a responsabilidade da empresa contratante em fiscalizar o uso dos equipamentos de segurança e procedimentos contra acidente de trabalho46. Pelo que se constata, esse Projeto ainda não obteve consenso, e existem outros em tramitação (e que podem tramitar de forma aglutinativa). O que importa, sem dúvida, é que exista uma definição legal, que possa evitar a imensa quantidade de demandas a respeito desse tema. Existe, assim, a promessa da implementação de normas claras sobre a terceirização, que podem trazer não só aos jurisdicionados, mas especialmente a empresários e trabalhadores um caminho mais adequado sobre o qual podem seguir seus passos diariamente na construção de um Brasil menos conflitivo e mais direcionado ao trabalho decente dentro da Justiça Social.
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STF reconheça a inconstitucionalidade da interpretação adotada “em reiteradas decisões da Justiça do Trabalho” relativas à terceirização, tomadas, no seu entendimento, “em clara violação aos preceitos constitucionais fundamentais da legalidade, da livre iniciativa e da valorização do trabalho”44.
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Doutrina
Orçamento Público, Ajuste Fiscal e Administração Consensual Public Budget, Fiscal Adjustment and Public Administration Consensus JESSÉ TORRES PEREIRA JUNIOR
Desembargador do TJRJ, Professor Coordenador dos Cursos de Pós-Graduação em Direito Administrativo da Escola da Magistratura e da Escola de Administração Judiciária do Estado do Rio de Janeiro, Professor Visitante da Escola de Direito-Rio, da Fundação Getúlio Vargas.
da sociedade, de sorte a conduzir a escolhas que serão tanto mais eficientes quanto pautadas na consensualidade. PALAVRAS-CHAVE: Orçamento público; ajuste fiscal; administração pública dialógica; Lei de Responsabilidade Fiscal.
ABSTRACT: The postmodern state is guided to achieve fundamental rights, including the right for a good public administration. In such purpose, and to enable respect for fiscal responsibility law, it is imperative to carry out fiscal adjustments that allow the adequacy of budget laws to contemporaneous not stable socioeconomic contexts. These adjustments ought to be based on dialogue among institutions, in order to improve efficient choices grounded on consensualism.
KEYWORDS: Public budget; fiscal adjustment; dialogic public administration; Fiscal Responsibility Law.
THAÍS BOIA MARÇAL
Advogada, Especialista em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes, Pós-Graduada pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, Bacharela em Direito pela UERJ.
RESUMO: O Estado pós-moderno compromete-se a efetivar os direitos fundamentais que a Constituição assegura aos cidadãos, sem exclusão, entre eles o direito à boa administração pública. É instrumento de conformação desta, no Direito Público contemporâneo brasileiro, a Lei de Responsabilidade Fiscal, cuja edição completa 15 anos e em face da qual se promovem ajustes conciliadores das leis orçamentárias com a realidade socioeconômica em permanente mutação. Ajustes que devem resultar do diálogo entre as instituições representativas
SUMÁRIO: Introdução; 1 Orçamento público; 1.1 Conceito; 2 Lei de Responsabilidade Fiscal; 2.1 Concretização do direito fundamental à boa gestão pública; 2.2 Ajuste fiscal como forma de planejamento e de respeito à gestão consequente; 3 Administração Pública dialógica; 3.1 Conceito; 3.2 O compromisso intergeracional do ajuste fiscal; 4 Síntese conclusiva; Referências.
INTRODUÇÃO Exsurge, nos últimos trinta anos, o Estado pós-moderno, gerencial, mediador e garantidor. Estado jungido ao respeito pela dignidade
da pessoa humana1, tangido pela efetivação dos direitos fundamentais2, entre os quais o direito à boa administração pública3.
No cenário da pós-modernidade, cumprem nodal importância a discussão, a elaboração e o cumprimento das leis orçamentárias, na qualidade de instrumento destinado a viabilizar o desempenho das funções estatais.
1 Dignidade da pessoa humana, segundo Ingo Wolfgang Sarlet, é a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano, que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que protejam a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável (Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 62). Ana Paula de Barcellos ressalta, ainda, que “o efeito pretendido pela dignidade da pessoa humana consiste, em termos gerais, em que as pessoas tenham uma vida digna. Como é corriqueiro acontecer com os princípios, embora este efeito seja indeterminado a partir de um ponto (variando em função de opiniões políticas, filosóficas, religiosas etc.), há também um conteúdo básico, sem o qual se poderá afirmar que o princípio foi violado e que assume caráter de regra e não mais de princípio. Esse núcleo, no tocante aos elementos materiais da dignidade, é composto pelo mínimo existencial, que consiste em um conjunto de prestações materiais mínimas, sem as quais se poderá afirmar que o indivíduo encontra-se em situação de indignidade” (Cf. BARCELLOS, Ana Paula de. A Eficácia jurídica dos princípios constitucionais – o princípio da dignidade da pessoa humana. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2011. p. 368). 2 A expressão “direitos fundamentais” é desenvolvida na cultura jus política alemã, que demonstra a intenção de conferir a tal categoria de direitos fundamentação transcendente. A doutrina francesa denomina tais direitos como liberdades públicas, na busca de enaltecer o caráter limitador da potestade estatal. A doutrina anglo-saxônica prefere direitos civis (civil rights), com o fim de reforçar a sua vinculação com a temática da cidadania e de seu reconhecimento no âmbito da esfera pública (civitas) (Cf.: GOUVÊA, Marcos Maseli. O direito ao fornecimento estatal de medicamentos. In: GARCIA, Emerson (Coord.). A efetividade dos direitos sociais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 220). 3 PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres. Presença da Administração Consensual no Direito Positivo Brasileiro. In: FREITAS, Daniela Bandeira de; VALLE, Vanice Regina Lírio do (Coord.). Direito Administrativo e Democracia Econômica. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 293.
Sobrevindo retração econômica, reclama-se da gestão estatal a promoção de ajustes fiscais, com o fim de viabilizar o manejo do orçamento de molde a atender à conjuntura, sem extrapolação dos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000). O desafio desses ajustes estará em identificar escolhas que satisfaçam a lógica da boa governança, o que demanda diálogo institucional entre os Poderes Executivo e Legislativo em busca de soluções pautadas pela consensualidade, cuja origem estará, porém, na sociedade, e não apenas na interpretação que dela fazem os agentes políticos, segundo suas próprias conveniências.
1 ORÇAMENTO PÚBLICO
Nos estágios do Estado liberal (gendarme) e do Estado do bem-estar (welfare), o orçamento público relacionava receitas4 e despesas, ou seja, estimativa das primeiras e fixação das segundas5, a cada ano, constituindo o marco delimitador da 4 Para Eduardo Mendonça, “soa razoável que o Estado, em princípio, só arrecade coativamente aquilo que for necessário” (Alguns pressupostos para um orçamento público conforme a Constituição. In: BARROSO, Luís Roberto (Org.). A reconstrução democrática do direito público no Brasil. Livro Comemorativo dos 25 anos de magistério do professor Luís Roberto Barroso. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 644). 5 GONÇALVES, Hermes Laranja. Uma visão crítica do orçamento participativo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 40.
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1.1 Conceito
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atividade financeira do Estado no período de sua respectiva vigência6. A concepção persiste como conceito básico, mas deve ser coadunada com a noção de que se trata de instrumento utilizado pelo governo para atingir metas traçadas em plano de gestão7, inferido como instrumento de controle político das atividades governamentais8. Com o crescimento do Welfare State, no pós-guerra do século XX, a preocupação estrita com o equilíbrio contábil anual das contas públicas dá lugar a considerações mais amplas9 a respeito da função social do orçamento público. Nasce o chamado “orçamento-programa”, por meio do qual se expressa, aprova-se, executa-se e avalia-se o nível de cumprimento do programa de governo para cada período orçamentário, levando-se em conta as perspectivas de médio e longo prazos, a constituir um instrumento de planejamento10.
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Élida Graziane Pinto11 dá um passo adiante e pondera que “falar em controle das contas públicas é tratar – pela interface da previsão orçamentária e da efetiva alocação de recursos financeiros – do custeio de políticas públicas... cumpre não perder de vista
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6 NASCIMENTO, Carlos Valder do. O orçamento público na ótica de responsabilidade fiscal: autorizativo ou impositivo. Revista Ibero-americana de Direito Público, v. 2, n. 6, p. 16, 2001. 7 Gonçalves, op. cit., p. 34. 8 Idem, p. 41. 9 CORREIA NETO, Celso de Barros. Orçamento Público: uma visão analítica. p. 12. Disponível em: <http://www.esaf.fazenda.gov.br/esafsite/premios/ sof/sof_2010/monografias/tema_2_3%C2%BA_monografia_celso_de_barros.pdf>. Acesso em: 28 set. 2011. 10 GIACOMONI, James. Orçamento Público. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 33. 11 PINTO, Élida Graziane. Financiamento de Direitos Fundamentais. Belo Horizonte: O Lutador, 2010. p. 83-84.
que o orçamento é, além de instrumento de controle, uma peça imprescindível de planejamento e definição das prioridades do Estado. As políticas públicas integram o núcleo normativo definidor das atividades-fim do Estado. São, em última instância, a representação – organizada em diretrizes gerais e dentro de projetos e atividades – das funções constitucionalmente atribuídas à Administração Pública. Exemplo disso são os deveres de segurança pública, de saúde, de educação, de proteção ao meio ambiente, de tutela à criança e ao adolescente, de garantia da estabilidade da moeda e das relações econômicas etc. Certo é que o Estado se desincumbe de tais deveres por meio de estruturados planos de ação governamental, aos quais podemos individualmente chamar, grosso modo, de política pública. Em se considerando que o regime de orçamentação adotado no Brasil é o de orçamento-programa (de acordo com o art. 22, IV, da Lei nº 4.320/1964), tem-se que o conceito de política pública envolve o desempenho de programas de trabalho nas mais diversas funções sob incumbência do Estado (como são a função de acesso à justiça, a legislativa, a de educação, a de saúde etc.). Os programas de trabalho, por seu turno, pressupõem a interação dinâmica de meios de que o Estado dispõe (no que se incluem pessoal, bens, verbas, prerrogativas e processos) para o cumprimento de determinadas finalidades públicas. Não se trata apenas de planejar a ação estatal, mas de assegurar a sua consecução, dentro das metas físicas e financeiras inscritas na lei de orçamento. O orçamento-programa, como instrumento de planejamento12, permite identificar o rol de projetos e atividades que o governo 12 O planejamento deve ser compreendido como uma aglomeração de múltiplas atividades, incluindo análises socioeconômicas, definição de metas, apresentação de premissas, estudos, seleção e escolha final de cursos de ação, orçamento, programação de trabalhos, instituição de normas e métodos, medidas dos resultados, em quantidade e qualidade e revisão contínua dos planos. Cf. NASCIMENTO, João Alcides do. O papel do or-
Programa é o instrumento de organização da ação governamental, daí o orçamento público passar a instrumento de programação da ação governamental16 ao articular um conjunto de ações para cumprir objetivos predeterminados, mensurados por indicadores estabelecidos em plano plurianual comprometido com o atendimento a necessidades ou demandas da sociedade. Assim, o desafio atual das nações soberanas é o da persecução mais eficaz de domar os gastos públicos, redirecionando-os à execução das políticas públicas legitimadas no texto das Constituições e de leis a elas complementares17. çamento público no processo de planejamento da ação política. Energia, entropia e informação, fatores a considerar. Revista da Escola Superior de Guerra, v. IX, n. 25, a. 1993. p. 24. 13 NASCIMENTO, Carlos Valder do. Op. cit., p. 12. 14 Ao incorporar o sistema de planejamento, o orçamento deve definir a política econômica, e não o contrário (Cf. SABBAG, César. Orçamento e Desenvolvimento – Recurso público e dignidade humana: o desafio das políticas desenvolvimentistas. São Paulo: Millennium, 2006. p. 264. 15 Gonçalves, op. cit., p. 41. 16 SILVA, Guilherme Amorim Campos da; TAVARES, André Ramos. Extensão da ação popular enquanto direito político de berço constitucional elencado no título dos direitos e garantias fundamentais dentro de um sistema de democracia participativa. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política. Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, n. 3, 1995. p. 119-120. 17 Adota-se o conceito de políticas públicas proposto por Maria Paula Dallari Bucci, de modo a entendê-las como “programas de ação governamental que visam a coordenar os meios à disposição do Estado e às atividades privadas, para realização de objetivos socialmente e politicamente relevantes” (Cf. BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito administrativo e políticas
1.2 Despesa pública: implementação de direitos fundamentais A despesa pública é o mecanismo pelo qual o Estado, além de sustentar sua própria estrutura de funcionamento, cumpre finalidades e atinge objetivos. Do ponto de vista formal, as despesas públicas deverão estar previstas no orçamento, nos termos constitucionais e legais, devendo o seu conteúdo vincular-se, juridicamente, às prioridades eleitas pelo constituinte originário18. A cidadania fiscal abrange, em seu sentido amplo, além da problemática da receita, os aspectos mais largos da cidadania financeira, que, vertente da despesa pública, envolve as prestações positivas de proteção aos direitos fundamentais e aos direitos sociais, segundo as escolhas orçamentárias19. A efetivação dos direitos fundamentais sociais pressupõe a definição, pelos Poderes Executivo e Legislativo, dos instrumentos de deliberação sobre verbas necessárias e suficientes para a consecução das políticas públicas20. A escassez de recursos em face de necessidades complexas e de grande porte reclama eficiência na avaliação da tormentosa conciliação entre resultados a alcançar e recursos finitos, relação instigante das chamadas “escolhas trágicas” com que se defrontam os poderes públicos, inclusive o Judiciário, quando chamados a estabelecer prioridades, definir deveres jurídicos, configurar inadimplementos e ordenar investimentos. públicas. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 241). 18 Mendonça, op. cit., p. 647. 19 Idem, p. 646. 20 MACHADO, Clara Cardoso. Direitos fundamentais sociais, custos e escolhas orçamentárias: em busca de parâmetros constitucionais. Disponível em: <http://www.oab.org.br/ena/pdf/ClaraCardosoMachado_DireitosFundamentaisSociais.pdf>. Acesso em: 25 maio 2015.
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pretende realizar e, em alguns casos, identificar os objetos, as metas e os resultados esperados13, gerando influência direta na economia do País na medida em que traduz a execução de planos e projetos voltados para o desenvolvimento14 da comunidade15.
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Em outras palavras, trata-se de representar as realizações em índices e indicadores, para possibilitar comparação com parâmetros técnicos de desempenho e com padrões já alcançados anteriormente21. Com a avaliação da eficiência do ato aperfeiçoado ou da política pública implementada, procura-se analisar o grau com que os objetivos e as finalidades do governo (e de suas unidades) foram alcançados. Trata-se, então, de medir o progresso alcançado, se é que o foi, dentro da programação governamental22. Tal eficiência deve ser entendida de forma ampla23, a orientar toda e qualquer atuação da pública administração, não se limitando à sua função administrativa.
2 LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL
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O art. 165, § 9º, da Constituição remete à lei complementar a matéria versada nos incisos I e II: “dispor sobre o exercício financeiro, a vigência, os prazos, a elaboração e a organização do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e da lei orçamentária anual” e “estabelecer normas de gestão financeira e patrimonial da administração direta e indireta, bem como condições para a instituição e o funcionamento de fundos”.
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Eis a raiz da Lei Complementar nº 101. Houve demora dos Poderes Legislativo e Executivo na elaboração do projeto que cumpriria o que a Constituição de 1988 prometia, ainda que abre21 GIACOMONI, James. Op. cit., p. 309. 22 Idem, p. 310. 23 CALIENDO, Paulo. Reserva do possível, direitos fundamentais e tributação. In: SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direitos fundamentais: orçamento e “reserva do possível”. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 179.
viado por força, como notório, de pressão internacional para que Estados em dificuldades no equilíbrio entre receita e despesa de seus orçamentos nacionais se ajustassem à responsabilidade fiscal, proposta que circulava no cenário financeiro internacional desde o início da década de 1990, tanto que a Nova Zelândia inaugurou o ciclo ao aprovar a sua lei de responsabilidade fiscal em 199424. O modelo neozelandês foi instituído por incentivo da OCDE e importado pelo Brasil em suas linhas gerais25. Segundo José Maurício Conti26, a Lei de Responsabilidade Fiscal foi um marco para o Direito Financeiro, pois regulamentou o art. 163 da CR/1988, que exige lei complementar para estabelecer normas gerais de finanças públicas. É “divisor de águas” entre o período que a antecedeu, marcado por forte inflação e descontrole de contas públicas, e o que a sucedeu, quando esses problemas foram submetidos a controle. Para Ives Gandra Martins, a Lei Complementar nº 101/2000 representa o mais avançado instrumento legislativo da história brasileira para controle dos orçamentos27. 24 PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres. Aspectos constitucionais da Lei de Responsabilidade Fiscal. Revista da EMERJ, v. 4, n. 15, p. 63, 2001. 25 TORRES, Ricardo Lobo. Alguns problemas econômicos e políticos da Lei de Responsabilidade Fiscal. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Aspectos relevantes da Lei de Responsabilidade Fiscal. São Paulo: Dialética, 2001, p. 281-283. 26 CONTI, José Maurício. Irresponsabilidade fiscal ainda persiste, 15 anos após a publicação da lei. Revista Consultor Jurídico, 7 de abril de 2015. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-abr-07/contas-vista-irresponsabilidade-fiscal-persiste-15-anos-publicacao-lei>. Acesso em: 10 jun. 2015. 27 MARTINS, Ives Gandra. Os fundamentos constitucionais da Lei de Responsabilidade Fiscal nº 101/2000. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Aspectos relevantes da Lei de Responsabilidade Fiscal. São Paulo: Dialética, 2001, p. 165.
A gestão pública transforma-se ao longo dos últimos anos. Deve passar a pautar-se pelo efetivo atendimento às demandas da sociedade, em perfeita consonância com as premissas da Constituição da República28. Daí a exigência de paradigmas mais gerenciais e transparentes29. Surge a proposta de governança pública, na qual a sociedade possa ter conhecimento e cobrar as definições das despesas governamentais, assegurando-se de que a entrega do serviço ou do bem público desejado se faz segundo parâmetros aferíveis, eficientes e eficazes30. A adoção de práticas de governança corporativa pela Administração Pública se recomenda como ferramenta capaz de aproximar o cidadão do Estado, democratizando a sua participação nas questões que o afetam31. Ou seja, a gestão financeira do Estado deve conciliar eficiência econômica e exercício da democracia32. Outro ângulo sob o qual se deve entender o planejamento “determinante para o setor público” (CR/1988, art. 174) é o de 28 CAMARGO, Guilherme Bueno de. Governança republicana e orçamento: as finanças públicas a serviço da sociedade. In: CONTI, José Maurício; SCAFF, Fernando Facury (Coord.). Orçamentos públicos e direito financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 783. 29 SLOMSKI, Valmor; PERES, Úrsula Dias. As despesas públicas no orçamento: gasto público eficiente e a modernização da gestão pública. In: CONTI, José Maurício; SCAFF, Fernando Facury (Coord.). Orçamentos Públicos e Direito Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 930. 30 Idem, ibidem. 31 CAMARGO, Guilherme Bueno de. Governança republicana e orçamento: as finanças públicas a serviço da sociedade. In: CONTI, José Maurício; SCAFF, Fernando Facury. (Coord.). Op. cit., p. 769. 32 Idem, p. 770.
sua utilidade para o manejo da administração responsiva e de resultados, no Estado Democrático de Direito. Traduzindo este, como traduz, a contemporânea versão do estado servidor e regulador, é de exigir-se que todos os seus poderes, órgãos e agentes estejam persuadidos de que devem respostas e satisfações à sociedade civil. Ou seja, esta é a titular do poder político de decidir sobre os seus próprios destinos, incumbindo àqueles realizá-los na conformidade das opções da sociedade, na medida em que harmonizadas com a ordem jurídica constitucional e os direitos fundamentais que prescreve. Em outras palavras, os planos de ação governamental não são concebidos, como outrora, para atender aos desígnios das autoridades estatais. Estas devem colher os reclamos legítimos da sociedade e atendê-los. Daí a visceral importância de elos permanentes e hábeis de comunicação entre a sociedade e o Estado, de sorte a que este absorva os comandos daquela e os implemente no que consensuais. O Estado Democrático de Direito é o garante da efetivação dos direitos consagrados na Constituição, sejam os individuais, os econômicos, os políticos ou os sociais. Ser-lhe fiel é o dever jurídico indeclinável do Estado. Essa fidelidade há de estar presente em todos os níveis do planejamento. Cada plano de ação governamental deve ser uma resposta à efetivação dos direitos fundamentais e do respeito à dignidade humana que os inspira. Se assim não for, não haverá Estado Democrático de Direito, nem a administração responsiva e de resultados que lhe deve corresponder. Nada obstante, há uma condição cultural, em seu sentido sociológico, para que assim ocorra: a sociedade brasileira há de emancipar-se da polarizada relação entre tutores e tutelados, que caracteriza nossa cultura desde o seu berço colonial, entendendo-se por tutor todo aquele que ocupe posição de prestígio e poder na hierarquia social − seja qual for a natureza
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2.1 Concretização do direito fundamental à boa gestão pública
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dessa hierarquia – e por tutelado todo aquele que se sirva do tutor para obter vantagem ou proteção de qualquer sorte.
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Não seria necessária maior digressão para perceber-se como essa relação compromete a emancipação da sociedade brasileira; basta lembrar os critérios segundo os quais grande número de candidatos se elege, por prometer vantagens e ganhos pessoais a seus eleitores (material de construção, empréstimos, empregos, cargos, apadrinhamentos, atendimentos pelos serviços públicos etc.). O socialmente patológico dessa relação está em que o tutor compraz-se em ser tutor e o tutelado anseia por encontrar o seu tutor e permanecer como tutelado. Em outras palavras: não há espaço para o mérito nessa relação, só para o interesse egoístico. Logo, tampouco há real preocupação em controlar e avaliar resultados, com o fim de dar-se início a novo ciclo virtuoso de gestão mediante a correção de erros acaso cometidos no planejamento da ação anterior, na medida em que esses erros refletem aqueles interesses personalistas e partidários, além de transferir ou elidir responsabilidades.
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De modo a atender ao planejamento e à execução orçamentária, a LRF estabeleceu para o administrador público e para o cidadão um novo marco de governança republicana, exigindo transparência e ampla divulgação das informações e relatórios, inclusive em meio eletrônico de acesso público, incentivo à participação popular e a adoção de sistema integrado de administração financeira e controle33.
2.2 Ajuste fiscal como forma de planejamento e de respeito à gestão consequente A ação do poder público vincula-se ao conjunto de instrumentos que norteia o planejamento governamental, delineada em normas jurídicas estruturadas em sintonia com o texto constitucional. São eles o plano 33 Idem, p. 773.
plurianual, a lei de diretrizes orçamentárias e a lei orçamentária anual. Nesta estão compreendidos o orçamento fiscal, o da seguridade social e o de investimentos. Com isso, o estado ordena suas atividades, bem como estabelece prioridades na persecução de seus objetivos primordiais.34
Na sistemática da LRF, ressalta Moacir Marques da Silva35, o planejamento governamental compreende o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e o orçamento anual, como forma, respectivamente, de planejamento estratégico36, tático37 e operacional38. Os desequilíbrios da gestão estatal – prioridades indefinidas ou mal definidas, decisões açodadas, desconsideração dos riscos inerentes à atividade, comprometimentos de recursos para finalidades pouco ou nada estruturadas, ensejando desvios e malversações −, lesivos àquela consecução dos planos 34 NASCIMENTO, Carlos Valder do. Arts. 1º a 17, da Lei Complementar nº 101. In: MARTINS, Ives Gandra; NASCIMENTO, Carlos Valder do. Comentários à lei de responsabilidade fiscal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 51. 35 SILVA, Moacir Marques da. A lógica do planejamento público à luz da Lei de Responsabilidade Fiscal. In: CONTI, José Maurício; SCAFF, Fernando Facury (Coord.). Orçamentos Públicos e Direito Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 764. 36 Nas palavras de Osvaldo Maldonado Sanches, planejamento estratégico significa “aquilo que é relativo à estratégia, ou seja, à criação de condições favoráveis para realização dos grandes objetivos da instituição” (Cf. SANCHES, Oswaldo Maldonado. Dicionário de orçamento, planejamento e áreas afins. Brasília: Prisma, 1997. p. 190). 37 Significa o “processo de detalhamento das ações e dos meios necessários para a implementação das ações que levem ao atingimento das metas atribuídas às unidades funcionais de um órgão ou instituição, dentro de um prazo determinado” (idem, ibidem). 38 Traduz-se na “modalidade de planejamento voltada para assegurar a viabilização dos objetivos e metas dos planos a longo prazo e para a otimização do emprego de recursos num período determinado de tempo” (idem, ibidem, p. 190).
Nesse panorama, surge a chamada crise fiscal, definível como o desequilíbrio administrativo-orçamentário causado pela desproporção entre os valores recolhidos pelos cofres públicos e os desembolsados40. A crise fiscal mantém íntima relação com a dimensão do Estado em si41 e de suas atividades42. O desequilíbrio fiscal experimentado pelos entes da Federação brasileira radica nas deficiências do planejamento governamental e prossegue pela via das más práticas orçamentárias, quadro que não é desconhecido da experiência europeia, na qual, em 39 Tal realidade não pode ser imputada tão somente ao Brasil, constituindo tendência internacional, conforme se pode depreender da leitura do seguinte pensamento de Zygmunt Bauman: “Vivemos a crédito: nenhuma geração passada foi tão endividada quanto a nossa – individual e coletivamente (a tarefa dos orçamentos públicos era o equilíbrio entre receita e despesa; hoje em dia, os ‘bons orçamentos’ são os que mantêm o excesso de despesas em relação a receitas no nível do ano anterior” (Cf. BAUMAN, Zygmunt. Medo líquido. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. p. 16). 40 Não se desconhece a incidência de outros fatores, tais como crises internacionais, juros dos empréstimos internacionais, corrupção, desvios, entre outros. 41 Faz-se menção ao item deste estudo dedicado ao aumento das funções estatais. 42 MOREIRA, Egon Bockmann. O princípio da transparência e a responsabilidade fiscal. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Aspectos relevantes da Lei de Responsabilidade Fiscal. São Paulo: Dialética, 2001. p. 137.
certa medida, o quadro da qualidade das finanças públicas apresenta, conforme ressaltado por João Ricardo Catarino43, os seguintes pontos nodais: (i) composição e eficiência das despesas públicas; (ii) estrutura e eficiência do sistema de receitas; (iii) gestão orçamental; (iv) dimensão das administrações públicas; (v) políticas públicas financeiras que influenciam o funcionamento dos mercados; (vi) ambiente empresarial global. Reconhece-se que, mesmo em casos de orçamentos bem elaborados, o surgimento de despesas imprevistas provoca desequilíbrios nas contas públicas, prejudicando a consistência fiscal. É nesse contexto que a LRF obriga a elaboração de anexos de riscos fiscais, nos quais devem ser avaliados e quantificados os passivos contingentes e outros riscos capazes de afetar as contas públicas. Daí a relevância de providências a serem adotadas, em caso de materialização desses riscos44. Orçamento realista e efetivo será, antes de tudo, um instrumento de concretização e harmonização das escolhas políticas, além de constituir fórum privilegiado para a fiscalização social do Estado45. O planejamento deve abrir e racionalizar a rota de realização das políticas públicas, na medida em que estas visualizam objetivos, preveem comportamentos e definem metas46, o que se conjuga 43 CATARINO, João Ricardo. Processo orçamental e sustentabilidade das finanças públicas: o caso europeu. In: CONTI, José Maurício; SCAFF, Fernando Facury (Coord.). Orçamentos Públicos e Direito Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 787. 44 FIGUERÊDO, Carlos Maurício C. Lei de Responsabilidade Fiscal – o resgate do planejamento governamental. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Aspectos relevantes da Lei de Responsabilidade Fiscal. São Paulo: Dialética, 2001. p. 40. 45 Mendonça, op. cit., p. 640-641. 46 Timm, op. cit., p. 59.
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orçados, são o autorretrato da sociedade brasileira39, que, ao encaminhar cidadãos a cargos e funções públicos, deles não exige preparo para bem planejar antes de decidir, nem para identificar as causas antes de contentar-se em atacar os efeitos. Produzem respostas paliativas e inconsistentes, que se esmaecem no curto ou médio prazo, tornando crônicos os problemas e insuficientes ou desbaratados os meios orçamentários disponíveis ou mobilizáveis.
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com o principal objetivo do planejamento, que é a concretização máxima dos objetivos constitucionais. A efetividade financeira da cidadania e dos direitos sociais cumpre processo gradual e contínuo de planejamento, alocação e gestão de recursos para o financiamento de políticas públicas. Estas, desde a agenda de seus temas até a sua avaliação, circulam pelo espaço público democrático, no qual a autonomia privada e os deveres públicos podem e devem ser compatibilizados mediante ações e decisões coletivas em busca da “sociedade bem ordenada”. Esta se mostra compatível com os objetivos republicanos, em especial a solidariedade, nos termos do art. 3º, I, da CR/1988, que prevê a construção de uma sociedade livre, justa e solidária47. O planejamento foi introduzido na legislação brasileira, inicialmente, com a Lei nº 4.320/1964, que instrumentalizou os denominados orçamentos-programa48 da administração49.
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Na presente quadra, diante do cenário admitido pelo Governo brasileiro, mostra-se imperiosa a necessidade de um ajuste fiscal. Contudo, há que se destacar, nas palavras de José Marcos Domingues50, que a necessidade de adequação de prioridades consoante os valores constitucionais deve indu-
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47 MACEDO, Marco Antônio Ferreira. A reconstrução republicana do orçamento: uma análise crítico-deliberativa das instituições democráticas no processo orçamentário. Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, como requisito parcial para obtenção do título de Doutor em Direito Público. Rio de Janeiro, 2007. p. 56-57. 48 Acerca do tema “orçamento-programa”, confira-se o item 1.1 deste estudo. 49 DIAS, Francisco Mauro. Visão global da lei de responsabilidade fiscal. Revista da EMERJ, v. 5, a. 17, 2002, p. 112. 50 DOMINGUES, José Marcos. Ajuste fiscal deve se adequar às prioridades previstas na Constituição. Revista Consultor Jurídico, 20 de maio de 2015.
zir, também, o planejamento de investimentos indutores do desenvolvimento socioeconômico da população, a ensejar: mais geração e recirculação de bens e serviços; otimização da estrutura e custeio da Administração Pública para servir; eficiente gestão do gasto público, que deve ser equitativo para ser profícuo; consequente redução e redistribuição da carga tributária, que não pode beirar o confisco e se realimentar da regressividade fiscal. O planejamento deve apresentar-se como o primeiro passo do ciclo da gestão, em sua acepção técnico-administrativa de gerir meios para a consecução de resultados do interesse da organização, seja esta uma sociedade empresarial privada (movida pelo lucro que a mantenha) ou uma entidade pública (impulsionada pelo interesse público que lhe cumpre atender). Lançando olhar prospectivo sobre o conceito, Peter Drucker51 descortinava que: o centro de uma sociedade, economia e comunidade modernas não é a tecnologia, nem a informação, tampouco a produtividade. É a instituição gerenciada como órgão da sociedade para produzir resultados. E a gerência é a ferramenta específica, a função específica, o instrumento específico para tornar as instituições capazes de produzir resultados. Isto, porém, requer um novo paradigma gerencial final: a preocupação da gerência e sua responsabilidade é tudo o que afeta o desempenho da instituição e seus resultados, dentro ou fora, sob o controle da instituição ou totalmente além dele.
No caso brasileiro, é preciso aperfeiçoar o planejamento da ação governamental, a fim de que os recursos necessários ao êxito na execução dos objetivos do Estado sejam despendidos em plena atenção à accountability. Em outras palavras, significa 51 DRUCKER, Peter. Desafios gerenciais para o Século XXI. Trad. Nivaldo Montingelli Jr. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2001. p. 41.
a necessidade de gastar da melhor forma possível52 e prestar contas de forma ampla e aberta, a induzir a redução de fraudes e corrupção de agentes públicos e privados53.
e XX como dogma central do exercício republicano do poder político, pela busca do consensualismo diante do pluralismo de ideias e interesses que se devem igualmente respeitar no Estado Democrático de Direito56.
3 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIALÓGICA
A democracia implica, além da atribuição do poder decisório às maiorias, a instauração de um contexto de diálogo, de respeito pela posição do outro e de garantia dos direitos fundamentais57, sem exclusão.
A relação entre a Administração Pública e o cidadão ganha peculiares contornos no Estado Democrático de Direito, para além do modelo de reforma administrativa gerencial54. O Estado-dirigente, comprometido com a gestão de resultados balizada por Constituições que traçam políticas públicas vinculantes, substitui a imperatividade55 da clássica teoria da tripartição de poderes, que se desenvolveu entre os séculos XVII 52 A este respeito vale menção a teoria da moralidade incompleta, que destaca a eficiência estatal quando se trata de arrecadação tributária, sem a necessária parcimônia na realização das despesas públicas (Cf. FIGUERÊDO, Carlos Maurício C. Lei de Responsabilidade Fiscal – o resgate do planejamento governamental. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Op. cit., p. 27). 53 ALMEIDA, Carlos Otávio Ferreira de. O planejamento financeiro responsável: boa governança e desenvolvimento no estado contemporâneo. In: CONTI, José Maurício; SCAFF, Fernando Facury (Coord.). Orçamentos públicos e direito financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 597. 54 DIAS, Maria Tereza Fonseca. Reforma administrativa brasileira sobre o impacto da globalização: uma (re)construção da distinção entre o público e o privado no âmbito da reforma administrativa gerencial In: TELLES, Vera da Silva; HENRY, Etienne (Org.). Serviços urbanos, cidade e cidadania. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 282. 55 Por imperatividade entende-se “que os atos administrativos são cogentes, obrigando a todos quantos se encontrem em seu círculo de incidência” (Cf. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 20. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 116).
Por isto que a Administração Pública dialógica contrasta com a Administração Pública monológica, refratária à instituição e ao desenvolvimento de procedimentos comunicacionais com a sociedade. É possível identificar nos modelos dialógicos o princípio da separação de poderes com o sistema de freios e contrapesos, que, “embora seja relativamente recente na Europa Continental, não é propriamente novo nos Estados Unidos”. Atualmente, vem se verificando a globalização do modelo concebido pelos founding fathers, em que nenhum dos “poderes” assume a função de exclusivo produtor de normas jurídicas e de políticas públicas − police-maker; antes os “poderes” constituem fóruns políticos superpostos e diversamente representativos, cuja interação e disputa pela escolha da norma que regulará determinada situação tende a produzir um processo deliberativo mais qualificado 56 PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres; DOTTI, Marinês Restelatto. Convênios e outros instrumentos de “Administração Consensual” na gestão pública do século XXI: restrições em ano eleitoral. 3. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2014. p. 259. Nesse sentido, confira-se ainda: PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres. Presença da Administração Consensual no Direito Positivo Brasileiro. In: FREITAS, Daniela Bandeira de; VALLE, Vanice Regina Lírio do (Coord.). Op. cit., p. 293-317. 57 SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Teoria Constitucional e Democracia Deliberativa: um estudo sobre o papel do direito na garantia das condições para cooperação na deliberação democrática. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 302-303.
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3.1 Conceito
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do que a mítica associação de um departamento estatal à vontade constituinte do povo58. No universo doutrinário anglo-saxão, há grande número de estudos salientando as vantagens dos modelos teóricos que valorizam diálogos entre órgãos e as instituições, como se pode depreender das pesquisas de Laurence G. Sager59, Christine Bateup60, Mark Tushnet61, Mark C. Miller e Jeb Barnes62. Tal tendência é acompanhada pela doutrina canadense (Peter W. Hogg e Allison A. Bushell63).
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Janet Hiebert64 sugere uma compreensão da teoria dialógica segundo a qual deve ocorrer interação horizontal entre as instituições. Assim também Carol Harlow e Richard Rawling65, ao ressaltarem o desenvolvimento de um processo administrativo por eles definido como “um curso de ação, ou passos na imple-
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58 BRANDÃO, Rodrigo. Supremacia Judicial versus Diálogos Constitucionais – a quem cabe a última palavra sobre o sentido da Constituição? Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012. p. 221. 59 SAGER, Laurence G. Justice in Plainclothes: a theory of american constitucional practice. New Haven: Yale University Press, 2004. 60 BATEUP, Christine. The Dialogical Promise: assessing normative potential of theories of constitutional dialogue. Brooklyn Law Review, v. 71, 2006. 61 TUSHNET, Mark. Weak Courts, strong rights: judicial review and social welfare right in comparative constitutional law. Princeton: University Press, 2008 62 MILLER, Mark C.; BARNES, Jeb (Eds.). Making police, making law: an interbranch perspective. Washington D.C: Georgetown University Press, 2004. 63 HOGG, Peter W.; BUSHELL, Allison A. The charter dialogue between Courts and legislatures (Or Perhaps The Charter Of Rights Isn’t Such A Bad Thing After All). Osgoode Hall law journal, v. 35, n. 1, 1997, p.105. 64 HIEBERT, Janet. New Constitutional Ideas. But can new parliamentary models resist judicial dominance when interpreting rights? Texas: Law Review, v. 82:7, 2004, p. 1963-1987. 65 HARLOW, Carol; RAWLINGS, Richard. Process and procedure in Eu Administration. London: Hart Publishing, 2014.
mentação de uma política”, de modo a permitir a concretização da governação em rede66, instrumento permanente da dialética em busca dos melhores resultados nas escolhas administrativas. Diogo de Figueiredo Moreira Neto alerta que essas posturas indicam a busca incessante das soluções negociadas, nas quais a consensualidade aplaina as dificuldades, maximiza os benefícios e minimiza as inconveniências para todas as partes, pois a aceitação de ideias e de propostas livremente discutidas é o melhor reforço que pode existir para um cumprimento espontâneo e frutuoso das decisões tomadas. O Estado que substituir paulatinamente a imperatividade pela consensualidade na condução da sociedade será, indubitavelmente, o que garantirá a plena eficiência de sua governança pública e, como consequência, da governança privada de todos os seus setores.67
Dessa releitura do papel do Estado, ainda nas palavras de Moreira Neto, resultam “características distintas das que habitualmente lhe são conotadas e tudo indica que terá como marcas a instrumentalidade, a abertura democrática substantiva, o diálogo, a argumentação, a consensualidade e a motivação”68. Ou, como pondera Egon Bockmann Moreira69, a participação ou a influência que o cidadão possa verdadeiramente ter na formação da decisão administrativa tende a gerar decisão quase consensual, provida, por isto mesmo, de maiores chances de ser espontaneamente cumprida; o dever de obediência 66 Governação em rede é o conceito que permite concentrar a atenção sobre a pluralidade de temas, distintos, mas independentes, que participam interativamente na administração europeia. 67 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Poder, Direito e Estado: o Direito Administrativo em tempos de globalização. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 142-143. 68 Idem, p. 141. 69 MOREIRA, Egon Bockmann. Processo administrativo: princípios constitucionais e a Lei 9.784/1999. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 73.
3.2 O compromisso intergeracional do ajuste fiscal Há sinais de que o Governo Federal brasileiro propõe-se a dialogar sobre o processo de ajuste fiscal em curso70, mas importa que as partes dialogantes reconheçam ser o diálogo inerente ao Estado Democrático de Direito, e não um disfarce para o prevalecimento de posições ou para correções unilaterais de erros pretéritos que não se podem admitir abertamente. Nem, muito menos, que desse diálogo participem apenas agentes dos poderes constituídos, resultando excluídas instâncias representativas da sociedade civil. Os Poderes Legislativo e Executivo possuem capacidades institucionais71 que lhe são próprias. A simbiose entre seus integrantes beneficia o processo democrático pautado nas razões públicas72, que cumpre papel fundamental em um modelo presidencialista de coalizão73. 70 AQUINO, Yara. Governo quer diálogo com Congresso para aprovar ajuste fiscal. Disponível em: <http://www.ebc.com.br/noticias/politica/2015/05/ governo-quer-dialogo-com-congresso-para-aprovar-ajuste-fiscal>. Acesso em: 14 jun. 2015. 71 Acerca do tema capacidades institucionais, confira-se: SARMENTO, Daniel. Interpretação constitucional, pré-compreensão e capacidades do intérprete. In: SARMENTO, Daniel. Por um constitucionalismo inclusivo: história constitucional brasileira, teoria da constituição e direitos fundamentais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 217-232. 72 SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Deliberação pública, constitucionalismo e cooperação democrática. In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Constitucionalismo Democrático e Governo das Razões. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 3-32. 73 Sobre presidencialismo de coalizão merecem destaque os estudos desenvolvidos por Paulo Ricardo Schier, principalmente: SCHIER, Paulo
O sistema orçamentário decorrente da Constituição de 1988 pressupõe coparticipação equilibrada de Legislativo e Executivo, bem como a existência de um sistema de planejamento econômico a orientar a criação e a execução das normas orçamentárias, a cada ano74. Tal dialeticidade pode ser extraída das correlações estabelecidas no Texto Fundamental entre plano plurianual, lei de diretrizes orçamentárias e orçamento anual (art. 166 da CF/1988), constitutivas de mecanismos de planejamento, aplicação e controle sobre os recursos públicos, de sorte a que Executivo e Legislativo interajam na efetivação das políticas públicas75. A flexibilidade é inerente à execução orçamentária, mas isto não significa que possa descumprir o estabelecido na legislação orçamentária, o que também vincula os ajustes fiscais que se venham a mostrar imprescindíveis para adaptar o orçamento às imprevisibilidades surgidas ou aos desvios embutidos no decorrer do exercício financeiro76. O equilíbrio das contas públicas nada mais é, ou deve ser, do que o cumprimento de metas e resultados entre receitas e despesas, bem como a observância de certos limites e condições impostas pela Constituição Federal e pela Lei de Responsabilidade Fiscal77. Ricardo. Vice-presidente da República no contexto do presidencialismo de coalizão. In: CLÈVE, Clèmerson Merlin (Org.). Direito constitucional brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 2, 2014, p. 519-522. 74 ROCHA, Francisco Sérgio Silva. Orçamento e planejamento: a relação de necessidade entre as normas do sistema orçamentário. In: CONTI, José Maurício; SCAFF, Fernando Facury (Coord.). Orçamentos Públicos e Direito Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 741. 75 Idem, p. 730. 76 CONTI, José Maurício. Aprovação do orçamento impositivo não dá credibilidade à lei orçamentária. Revista Consultor Jurídico, 10 de março de 2015. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-mar-10/paradoxo-corte-aprovacao-orcamento-impositivo-nao-credibilidade-lei-orcamentaria>. Acesso em: 10 jun. 2015. 77 SILVA, Francis Waleska Esteves da. A Lei de Responsabilidade Fiscal e
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transmuda-se em espontânea aceitação devido à uniformidade de opiniões (ou ao menos devido à participação e ao convencimento recíproco).
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Assim visto e praticado, o planejamento se torna referencial seguro e politicamente consensual78, sobretudo quando se está a tratar de finanças públicas, ao mesmo tempo em que se revela instrumento essencial para o desenvolvimento da atividade administrativa estatal de fomento público79. Segue-se que o planejamento fiscal é um dos subsistemas mais importantes da Lei de Responsabilidade Fiscal, nos termos de seu art. 4º, § 1º80. A LRF quer que os resultados buscados sejam claros, devendo haver a prefixação transparente de metas fiscais, tomando a feição de compromissos públicos exigíveis, por isto que juridicizáveis; basta frisar que os seus arts. 15 e 16 cominam a sanção de nulidade para os atos de ação governamental que, implicando despesas de capital não previstas no orçamento (investimentos em equipamentos e imóveis que se acrescerão ao patrimônio público), desatendam aos requisitos ali estatuídos. O Estado deve definir suas finalidades fiscais, tornando-as transparentes, e envidar esforços para o seu atendimento e controle, este demandando, como preliminar prejudicial de sua efetivação, a prévia definição do escopo visado em cada ação política administrativa, sem o que não se viabiliza o controle por falta de parâmetros81.
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Subjaz na edição da LRF o seu caráter intergeracional, do qual se extrai o cuidado de evitar que se transfira à geração futura peso financeiro excessivo, formado por despesas (especialmen-
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os seus princípios informadores. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 45. 78 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Considerações sobre a Lei de Responsabilidade Fiscal. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 105. 79 SOUTO, Marco Juruena Villela. Aspectos jurídicos do planejamento econômico. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, passim. 80 OLIVEIRA, Weder de. Curso de Responsabilidade Fiscal – Direito, Orçamento e Finanças Públicas. Belo Horizonte: Fórum, v. 1, 2013. p. 55. 81 MOREIRA, Egon Bockmann. O princípio da transparência e a responsabilidade fiscal. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Op. cit., p. 142.
te correntes) iniciadas hoje e de dívidas contraídas no presente, que repercutirão negativamente no por vir82. O orçamento é instrumento do planejamento, mas não é o planejamento em si83. Daí a necessidade da instituição de mecanismos institucionais viabilizadores de uma nova forma de atuação da Administração Pública financeira. Exemplifique-se com o performance budget (em livre tradução, orçamento de desempenho), que significa redefinir o modelo de Administração Pública, substituindo o modelo burocrático (vertical) por mecanismos de tomada de decisão horizontal, com maior envolvimento de funcionários e dirigentes, além de maior responsabilização de todos os atores, indispensável à maturação de uma cultura de accountability84, cultura essa que conduzirá à entronização, nas práticas orçamentárias, da avaliação permanente de programas de governo com vistas à eficiência dos gastos públicos85. Em outras palavras, o modelo deve ser integrativo dos fundos providos pelo setor público e os respectivos resultados (outputs e outcomes) alcançados, considerando as informações sobre o desempenho dos programas de governo e a utilização dessas informações pelos tomadores de decisão, gerentes, políticos e 82 SANTOS, Ricart César Coelho dos. Debutante, Lei de Responsabilidade Fiscal tem novos desafios. Revista Consultor Jurídico, 24 de maio de 2015. 83 ROCHA, Francisco Sérgio Silva. Orçamento e planejamento: a relação de necessidade entre as normas do sistema orçamentário. In: CONTI, José Maurício; SCAFF, Fernando Facury (Coord.). Op. cit., 2011, p. 742. 84 CABRAL, Nazaré. Orçamentação pública e programação: tendências internacionais e implicações sobre o caso português. In: CONTI, José Maurício; SCAFF, Fernando Facury. (Coord.). Orçamentos Públicos e Direito Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 653. 85 NÓBREGA, Marcos. Orçamento, eficiência e performance budget. In: CONTI, José Maurício; SCAFF, Fernando Facury (Coord.). Orçamentos Públicos e Direito Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 717.
A preocupação com a melhoria na qualidade do processo orçamentário retrata a experiência europeia, ao que sublinha João Ricardo Catarino87, verbis: Os Estados europeus têm ainda vindo, em paralelo, a alterar substancialmente os respectivos processos orçamentais, tendo em vista melhorar a disciplina orçamental e a eficiência e a eficácia da despesa pública. A OCDE tem salientado que os Estados europeus ainda se apegam a uma concepção do processo orçamental predominantemente centrada no respeito pelos limites legais e em modelos de controle detalhado da despesa pública e menos orientados para um controle mais flexível, mais focado na execução orçamental. Alguns Estados, sobretudo os de matriz anglo-saxônica ou do norte da Europa, estão, tradicionalmente, mais habituados a este segundo modelo e possuem hoje, em resultado disso, processos orçamentais mais em linha com as modernas necessidades de controle, mais inclinados para as questões da eficiência do que as de estrita e rígida observância da lei. Ainda assim, sendo a evolução do processo orçamental uma questão transversal na Europa, têm-se verificado sucessivas reformas do processo orçamental e em especial no que respeita ao modo como se processa a prestação de contas, envolvendo ou não a criação de novos órgãos de controle ou o robustecimento dos poderes dos órgãos existentes. A União Europeia tem defendido uma abordagem global em matéria de política orçamental tendo em vista o aumento da qualidade das finanças públicas e a promoção do crescimento econômico a longo prazo. E reconhece que o processo requer uma ação política concentrada que favoreça o crescimento e promova a competitividade com recurso a medidas que permitam aumentar a eficiência dos regimes de despesas e de receitas.
Seja no desenho de novos modelos orçamentários ou no cenário de adequação das alocações orçamentárias, imperioso se 86 Idem, p. 719. 87 CATARINO, op. cit., p. 789.
apresenta o diálogo entre os Poderes na busca da solução mais eficiente diante das conjunturas econômicas e sociais, a que se deve acrescentar a perspectiva da sustentabilidade (não apenas ambiental, mas também social, econômica e gerencial). Ajustes serão sempre necessários em face da constante mudança das realidades socioeconômicas. A mudança é inerente a essas realidades e o Poder Público deve estar preparado para com ela lidar de forma eficiente e eficaz, criando e mantendo espaços de debate de ideias, qualificado pelo norte do interesse público.
4 SÍNTESE CONCLUSIVA 1. Nos Estados modernos dos séculos XIX e XX, o orçamento público se limitava a relacionar as receitas com as despesas, ou seja, um ato de estimativa das receitas e de fixação das despesas, sendo este o repositório da essência da atividade financeira do Estado a cada período de vigência orçamentária. 2. A partir de meados do século XX, a preocupação estrita com o equilíbrio contábil anual das contas públicas cede lugar a considerações mais amplas a respeito da função social do orçamento público, o que faz surgir o “orçamento-programa”, definível como um processo por meio do qual se expressa, aprova-se, executa-se e avalia-se o nível de cumprimento do programa de governo para cada período orçamentário, levando em conta as perspectivas de médio e longo prazo, uma vez que, ao refletir os recursos financeiros a serem aplicados no exercício, haveria de constituir um instrumento de planejamento. 3. A Lei Complementar nº 101/2000, a chamada de Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) − em curso, destarte, o seu 15º aniversário −, representa o mais avançado instrumento legislativo da história da Administração Pública brasileira para o controle dos orçamentos, na pós-modernidade do Estado Democrático de Direito. Mercê dela, a gestão da despesa pública no Brasil
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sociedade. O principal objetivo é o de aprimorar a alocação e a eficiência dos recursos públicos86.
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passa a pautar-se por critérios mais gerenciais e transparentes, seguindo-se uma proposta de governança pública na qual a sociedade possa acompanhar criticamente as despesas governamentais, com o fim de assegurar que a entrega do serviço ou do bem público desejado ocorrerá segundo parâmetros aferíveis, eficientes e eficazes. 4. Entre outros fatores, o desequilíbrio fiscal experimentado pelos entes da Federação brasileira tem origem nas deficiências do planejamento governamental, associadas a más práticas orçamentárias. 5. Ajustes fiscais devem resultar de diálogo entre os poderes constituídos e a sociedade que os constituiu, de modo a adequar as finanças públicas à realidade socioeconômica, sempre mutante, e balizadas pela qualidade de vida e o mínimo existencial que se deve garantir a toda a população, sem exclusão e sem retóricas fantasiosas.
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A Tutela Ambiental e Seus Princípios no Direito Ambiental Brasileiro IASMINE CARON ALVES
Advogada, Geógrafa Licenciada e Mestre em Planejamento Urbano e Regional pelo Propur/UFRGS, Professora do Curso de Direito e da Pós-Graduação em Direito da Universidade Luterana do Brasil – Campus Gravataí.
LISIANA CARRARO
Advogada, Mestre em Direitos Fundamentais, Professora do Curso de Direito da Universidade Luterana do Brasil – Campus Gravataí.
ANA LÚCIA JAQUES RAMOS
Socióloga, Especialista em Direito Político, Mestre em Saúde Coletiva, Professora do Curso de Direito e da Pós-Graduação em Direito da Universidade Luterana do Brasil – Campus Gravataí.
SUMÁRIO: Introdução; 1 A questão ambiental e a legislação brasileira; 2 Os princípios da tutela ambiental; 2.1 Princípio da prevenção; 2.2 Princípio do poluidor-pagador; Considerações finais; Referências.
INTRODUÇÃO A discussão em torno do meio ambiente não é uma novidade em nossa sociedade. Contudo, observa-se que, com o advento da Constituição Federal de 1988, essa questão tem tido cada vez mais
significativo espaço na mídia e em vários encontros realizados tanto na esfera nacional quanto na internacional. A abordagem do meio ambiente diz respeito a um direito fundamental de terceira dimensão – direito esse de extrema importância para proteção e preservação da vida no nosso planeta. Por isso, o referido artigo, mesmo que de forma singela, busca mostrar os princípios norteadores dessa questão, bem como a tutela, realizada por meio do direito pátrio.
1 A QUESTÃO AMBIENTAL E A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA A crescente preocupação jurídica com a natureza não reflete tão somente a relevância econômica dela, mas também um repensar o Direito, em especial quanto ao seu objeto e ao seu destinatário. Nesse viés, cada vez mais nos deparamos com princípios e normas protetivas ao meio ambiente, à ecologia. Entre os variados enfoques jurídicos que podemos abordar o meio ambiente, ex vi, biodiversidade, biopirataria, proteção às águas, à flora e à fauna em geral, especial atenção encontra-se voltada para as alterações climáticas advindas da interferência antrópica na atmosfera. Desde muito antes do início da revolução industrial, a natureza tem propiciado ao ser humano os meios necessários para sua sobrevivência e desenvolvimento. Com a revolução industrial e tecnológica, chegamos ao desenvolvimento de um “mundo humano” (cujo
Por certo, a clássica composição da atmosfera não é mais a mesma. Além da composição integrada pelo nitrogênio, oxigênio, xenônio, neônio, vapor d’água, rodônio – entre outros gases –, há uma acentuada e crescente parcela de dióxido de carbono. Esse gás tornou-se o mais recente “vilão”, seja na sua forma natural, seja como produto da queima de combustíveis fósseis, do processo industrial, das queimadas. Todavia, as alterações na atmosfera não se restringem à sua composição; refletem-se, também, na estrutura de suas camadas, em especial na estratosfera, na qual se concentra a camada de ozônio – que, há muito, vem recebendo a atenção dos cientistas e a proteção jurídica (normas restritivas e proibitivas do uso de CFC) para sua manutenção/conservação. A proteção jurídica à qualidade do ar está alicerçada na concepção de que a atmosfera é patrimônio público de uso comum de todos, bem este insuscetível de ser incluído no circuito mercantil quando da sua composição integral. Todavia, tal composição ganha forma e valor de mercado quando trabalhada individualmente. Diante disso, as alterações da atmosfera vêm recebendo especial atenção após a segunda metade do século XX, quando
os estudos científicos acerca do tema formataram as primeiras normas de proteção ao ambiente atmosférico. Já, em 19671, foi definido o primeiro conceito legal acerca da poluição atmosférica. Tal norma refere que a presença de uma substância estranha ou uma variação importante na proporção dos gases constituintes da atmosfera que fosse capaz de causar em efeito prejudicial ou criar uma moléstia considerar-se-ia como poluição da atmosfera e, em face disso, apurar-se a responsabilidade para buscar a reparação do meio ambiente. Nesse contexto, a tutela ao meio ambiente tem significativa relevância jurídica. O meio ambiente está sendo considerado, discutido e zelado, seja por meio da educação ambiental, seja pela crescente preocupação da sociedade em geral com a utilização de agentes com menor potencial poluidor ou produtos ecológicos. Parte do mérito de tamanha preocupação e discussão se dá pelos apelos das organizações internacionais, em especial aos países de maior concentração de riquezas naturais, como o Brasil. A conscientização quanto à necessidade de regulação do uso do meio ambiente teve como mola propulsora, no início dos anos 70, a Conferência Internacional da ONU, realizada em Estocolmo (1972), na qual foi reconhecido o meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental do homem. Corrobora com a importância deste evento trecho do artigo de Vasconcelos que ilustra: Nesta conferência, as vozes dos países em desenvolvimento, entre eles o Brasil, manifestaram-se contra as diretrizes internacionais para o controle da poluição, sob a forte premissa, elaborada pela Primeira Ministra da 1 Informe do Conselho da Europa, de 14 de setembro de 1967.
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crescimento demográfico beira ao caos; em um mundo repleto de desigualdades sociais, geográficas e econômicas). Todavia, tal patamar de desenvolvimento se deu por meio do exaurimento do meio ambiente. A exemplo disso, temos a crescente preocupação advinda das alterações da atmosfera e a não menos necessária normatização do problema a fim de encontrarmos uma solução, sem, contudo, abrirmos mão da tecnologia e do crescimento. À medida que o problema da poluição atmosférica afeta indistintamente as nações, necessitamos regular as sanções aplicáveis àqueles que possibilitem o incremento dessa poluição e, por conseguinte, as alterações tão fustigadas.
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Índia Indira Gandhi, de que “o pior tipo de poluição é a pobreza”, o que justificaria o alavancamento do desenvolvimento econômico a qualquer preço. Foi essa ideia que ditou a maioria das leis ambientais sancionadas neste período no Brasil, quando o país se ocupava prioritariamente com o crescimento econômico, o que, na visão do legislador (observando-se que o país vivia sob regime de exceção), legitimava as agressões à natureza, refletindo o enfoque desenvolvimentista da época. Nos anos que se seguiram, os Estados mais desenvolvidos da Federação editaram leis e instituíram órgãos para o controle de poluição, provocando o fechamento de fábricas importantes, com grandes consequências econômicas. Tais fatos levaram o Governo Federal a editar um decreto-lei que proibia a interdição de indústrias, reservando este ato ao Presidente da República.2
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A partir desta conferência sobre o meio ambiente, os Estados-membros signatários da referida declaração iniciam a sua incorporação aos seus ordenamentos jurídicos. Nesse contexto, surgem legisladores preocupados em regular o uso do meio ambiente, buscando, por meio da conscientização, o resguardo para a sociedade atual, bem como para as gerações futuras.
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Em nosso país, reflexo desta conferência internacional foi a proteção criada pela política nacional do meio ambiente por meio da Lei nº 6.938/1981 – visando à proteção à dignidade humana, consagrando-se como a primeira normatização a sistematizar, de forma genérica, a tutela ambiental no Brasil. Ademais, mesmo com o advento da Constituição Federal de 1988, a qual dedicou um artigo-capítulo à proteção constitucional do meio ambiente, tal lei da política nacional do meio ambiente não deixou de viger. Sinalamos que os princípios constitucionais e ambientais foram explicitados com maior excelência na Constituição Federal de 1988, trazendo no seu art. 225 tal referência. 2 VASCONCELOS, Pedro de. Estudo acerca da legislação ambiental, com ênfase na tutela jurídica da flora brasileira. Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 792, 3 set. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto. asp?id=7225>. Acesso em: 7 abr. 2007.
A Constituição Federal de 1988, no seu art. 225, que trata a respeito do meio ambiente, traz expressos os princípios norteadores do direito ambiental brasileiro. O referido artigo é claro ao informar que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”3. De acordo com Celso Fiorillo4, a Carta Constitucional de 1988 recepcionou a Lei nº 6.938/1981 em praticamente todos os seus dispositivos, pois estabeleceu a criação de competências legislativas concorrentes (inclusive na esfera municipal, por meio das competências complementares e suplementares que estão previstas no art. 30, I e II, da CF/1988). Sendo assim, para o referido autor5, a Política Nacional de Defesa Ambiental, expressa na Lei nº 6.938/1981, recebe significativo destaque no texto constitucional de 1988 ao utilizar a expressão ecologicamente equilibrado, acentuando a necessidade de existência harmônica entre todos os elementos que compõem o meio ambiente. Ao se abordar sobre o meio ambiente ecologicamente equilibrado, é importante mencionar as colocações de José Afonso da Silva, que, ao se referir a respeito deste assunto, diz que: O objeto do direito de todos não é o meio ambiente em si, não é qualquer meio ambiente. O que é objeto do direito é o meio ambiente qualificado. O direito que todos temos é à qualidade satisfatória, ao equilíbrio ecológico do meio ambiente. Essa qualidade é que se converteu em 3 Brasil. Constituição Federal de 1988. 40. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. 4 FIORILLO, Celso A. Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. 5 Fiorillo, op. cit.
Para garantir a proteção a esse meio ambiente qualificado, que é fundamental para a existência de todas as espécies, inclusive a humana, é necessário que existam determinados fundamentos, princípios orientadores que sirvam como alicerce dos sistemas jurídicos dos diferentes Estados. Assim, Celso Fiorillo7, ao fazer referência aos princípios do direito ambiental, defende a ideia de que: Princípios constituem pedras basilares dos sistemas políticos jurídicos dos Estados civilizados, sendo adotados internacionalmente como fruto da necessidade de uma ecologia equilibrada e indicativos do caminho adequado para a proteção ambiental, em conformidade com a realidade social e os valores culturais de cada Estado.
Diante disso, observa-se que os princípios da Política Global do Meio Ambiente, que surgiram inicialmente na Conferência de Estocolmo de 1972 e que posteriormente foram ampliados pela ECO-92, são fundamentos genéricos que serviram de base para a Política Nacional do Meio Ambiente brasileiro e, como referido anteriormente, estão contidos no texto constitucional pátrio de 1988. São eles: a) princípio do desenvolvimento sustentável; b) princípio do poluidor-pagador; c) princípio da prevenção; d) princípio da participação; e e) princípio da ubiquidade. No presente artigo, pretende-se abordar especificamente o princípio da prevenção, o princípio do poluidor-pagador e o princípio da responsabilidade. 6 SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 4. ed. São Paulo: Melhoramentos, 2002. p. 83 e 84. 7 Fiorillo, op. cit., p. 24.
2 OS PRINCÍPIOS DA TUTELA AMBIENTAL 2.1 Princípio da prevenção Alguns doutrinadores afirmam que esse princípio é um dos mais importantes do direito ambiental por considerarem a prevenção como um preceito fundamental, pois, em muitos casos, os danos cometidos contra o meio ambiente podem ser irreversíveis e irreparáveis. Para ilustrar, poder-se-ia mencionar a constante destruição do ambiente provocada pelo homem ao longo da sua existência na tentativa constante de buscar adequar o meio às suas “necessidades de sobrevivência” que nem sempre seriam realmente necessidades, mas muito mais uma busca de satisfazer o seu ego consumista. Vide a destruição das calotas polares, das florestas, dos rios, entre tantos outros acontecimentos que diariamente estão estampados nos noticiários dos diferentes meios de comunicação globalizados. Celso Fiorillo e Marcelo Rodrigues8 afirmam que, diante da incapacidade do sistema jurídico de restituir, “em igualdade de condições, uma floresta milenar que fora devastada e abrigava milhares de ecossistemas diferentes, cada um com o seu essencial papel na natureza”, faz se necessária a adoção do princípio da prevenção do dano como “sustentáculo do direito ambiental, consubstanciando-se como seu objetivo fundamental”9. Destarte, a Constituição Federal de 1988 adotou o princípio da prevenção, ao enfocar, no caput do art. 225, o dever do Poder Público e da coletividade de proteger e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações. 8 FIORILLO, Celso A. Pacheco; RODRIGUES, Marcelo A. Manual de direito ambiental. 9 Fiorillo, op. cit., p. 37.
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um bem jurídico. A isso é que a Constituição define como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida.6
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Na visão de Paulo Antunes10, este princípio diz respeito aos estudos de impacto ambiental, bem como do licenciamento ambiental que devem ser realizados a respeito de uma determinada intervenção no ambiente, ou seja, a utilização do licenciamento ambiental torna-se o instrumento principal de prevenção de danos provocados a ele. Assim, busca-se prevenir os possíveis danos que uma determinada atividade poderia provocar ao ambiente, se não fosse submetida ao licenciamento ambiental. Para Celso Fiorillo, este princípio também diz respeito ao desenvolvimento social de uma consciência ecológica por meio de uma política de educação ambiental com o intuito de fortalecer a ideia da prevenção e da preservação, propiciando um efetivo combate preventivo aos danos ambientais. No entanto, observa-se que, para isso, seria necessário que esta política de educação ambiental perpassasse efetivamente por todos os níveis educacionais do nosso país, principalmente no nível de educação fundamental, a fim de buscar concretamente esta chamada consciência ecológica.
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2.2 Princípio do poluidor-pagador
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Este princípio diz respeito à reparação dos danos que a pessoa física ou jurídica tenha causado ao meio ambiente. É importante mencionar que não significa que se possa “pagar para poluir” ou mesmo “poluir mediante pagamento”.
respeito ao fato de que, depois de ocorrido o dano, busca-se a sua reparação (expressa o caráter repressivo)11. Sendo assim, fica claro que, num primeiro momento, impõe-se ao poluidor o dever de assumir os custos da prevenção pelos danos que sua atividade poderá causar ao meio ambiente. Logo, este assume o ônus de encontrar instrumentos capazes de prevenir os danos. Num segundo momento, se ocorrer dano ao meio ambiente em função da atividade por ele desenvolvida, este fica responsável pela reparação dele. O presente princípio foi definido primeiramente pela Comunidade Econômica Europeia, afirmando que as pessoas naturais ou jurídicas, sejam regidas pelo direito público ou pelo direito privado, devem pagar os custos das medidas que sejam necessárias para eliminar a contaminação ou para reduzi-la ao limite fixado pelos padrões ou medidas equivalentes que assegurem a qualidade de vida, inclusive os fixados pelo Poder Público competente.12
Na Carta Constitucional de 1988, encontramos este princípio no art. 225, § 3º: As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
O princípio poluidor-pagador traz, em seu bojo, dois aspectos fundamentais: o primeiro visa evitar a ocorrência de danos ambientais (expressa o seu caráter preventivo) e o segundo diz
No aspecto repressivo do princípio do poluidor-pagador, observa-se a presença da noção de responsabilidade civil, demonstrando assim, nas palavras de Celso Fiorillo, que “o próprio pagamento resultante da poluição não possui caráter de pena, nem de sujeição à infração administrativa, o que, por evidente,
10 ANTUNES, Paulo de B. Direito ambiental. 6 ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.
11 Fiorillo, op. cit. 12 Fiorillo, op. cit., p. 28.
Assim, é possível afirmar que o princípio do poluidor-pagador sofre a aplicação de alguns aspectos do regime jurídico da responsabilidade civil aos danos ambientais, que são: 1) o da responsabilidade civil objetiva; 2) a prioridade da reparação específica do dano ambiental; e 3) a solidariedade para suportar os danos causados ao meio ambiente13.
2.3 Princípio da responsabilidade O princípio da responsabilidade está contemplado no texto constitucional brasileiro de 1988, que, no § 3º do art. 225, prevê a responsabilidade objetiva pelos danos causados ao meio ambiente, trazendo, em seu bojo, as responsabilidades civis, penais e administrativas da pessoa física ou jurídica. O intuito deste princípio é o de evitar que a sociedade seja responsabilizada por meio de ônus financeiro e ambiental por um ato lesivo ao meio ambiente causado por um poluidor perfeitamente identificado. Neste caso, o princípio em questão invoca a responsabilidade do poluidor frente aos atos lesivos praticados ao meio ambiente, ou seja, o poluidor deve responder por suas ações e omissões provocadas ao meio ambiente da forma mais ampla possível. A aplicação da penalização, além de ter efeitos pedagógicos, busca impedir que a sociedade venha a arcar com os custos da violação sofrida pelo meio ambiente. Carbonnier, ao se referir à responsabilidade objetiva do poluidor, afirma que esta “não importa em nenhum julgamento de valor 13 Fiorillo, op. cit.
sobre os atos do responsável. Basta que o dano se relacione materialmente com estes atos, porque aquele que exerce uma atividade deve assumir os riscos”14. Destarte, a reparação do dano ambiental na situação aqui abordada pode ser feita de duas maneiras: a primeira ocorre por meio do que se denomina reparação natural ou específica, na qual há o ressarcimento natural; a segunda ocorre por indenização em dinheiro. Entretanto, é importante mencionar que, primeiramente, busca-se retornar ao estado inicial, ou seja, ao status quo ante por meio da específica reparação, e somente depois de se constatar a impossibilidade deste feito é que deve incidir a condenação sobre um quantum pecuniário15. Contudo, busca-se, sempre que possível, a reparação natural restaurando efetivamente o ambiente lesado, até em função do fato de que, muitas vezes, torna-se difícil estabelecer um quantum a ser pago pelo causador do dano provocado. Outro marco relevante para o ordenamento jurídico foi a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente, realizada no Rio de Janeiro, em junho de 1992, que consolidou a ideia de que o ser humano é o ponto central das preocupações ambientais em face do desenvolvimento sustentável, resultando na Declaração da RIO/92 e no seu bojo elencados os 26 princípios gerais para tal tutela. A tutela ambiental se tornou preocupação contínua, como se denota nesse interregno – ainda a criação da Lei nº 9.605/1998, mais conhecida como Lei dos Crimes Ambientais, descrevendo condutas potencialmente lesivas ao meio ambiente para as quais prevê sanções, tanto em âmbito administrativo quanto penal. 14 CARBONI apud PEREIRA, Caio M. da Silva. Responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1990. 15 Fiorillo, op. cit.
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não exclui a cumulatividade destas, como prevê a constituição Federal no § 3º do art. 225”.
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O legislador brasileiro se preocupa em resguardar o meio ambiente observando sempre os princípios constitucionais para alcançar ao ser humano efetividade de todas as garantias constitucionais a eles previstas, criando tutelas jurisdicionais eficazes utilizando-se de institutos processuais. Como bem refere Generoso em texto sobre a matéria: A tutela judicial ambiental não se ocupa apenas da reparação do dano ambiental, mas, sobretudo, calca-se na necessidade de se obstar o próprio ilícito ambiental, visto aqui de forma divorciada do dano, embora muitas vezes constitua sua origem. É que o dano, aliado ao ilícito, reflete apenas um pressuposto da indenização, nada impedindo (aliás, impondo-se) que o ilícito seja combatido independentemente da ocorrência do dano, porquanto é possível que tal ilícito sequer venha a gerar prejuízo.16
Assim, a tutela ambiental vem obstar a prática do dano ambiental ou buscar a reparação de prejuízo ambiental ocasionado. A preocupação é relevante e se justifica ainda que nada tenha concorrido para causar algum dano ao meio ambiente, e sim se pode provocar a jurisdição para evitá-lo, como Generoso bem explica:
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É essa a ideia que norteia a tutela ambiental. Não se espera a ocorrência do dano, possibilitando-se, em ambos os casos, a tutela específica com a determinação do dever negativo ou positivo correspondentes à remoção ou inibição do ilícito antes mesmo que o dano aconteça, o que ocorre mesmo sem a certeza da ocorrência do prejuízo, consagrando-se a ideia de potencialidade (prevenção e precaução).17
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Como bem refere Mattei, mesmo ante as exigências impostas pelos mecanismos legais e judiciais de proteção ao meio ambiente, não se pode olvidar que, ao fim e ao 16 GENEROSO, Francisco Chaves. Tutela judicial ambiental: enfoque na tutela específica de urgência. Jus Navigandi, Teresina, a. 10, n. 1127, 2 ago. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8712>. Acesso em: 8 abr. 2007. 17 Idem.
cabo, o que se busca é o desenvolvimento econômico e social, sem que isto resulte em perda de qualidade ambiental. Sob este prisma, a adoção de todo e qualquer mecanismo de prevenção de danos deve ser estimulada e preferida a mecanismos de reparação.18
Desta forma, mesmo que busquemos uma sociedade fomentadora de melhores condições de vida, inserida em um espaço internacional, à base de desenvolvimento sustentável na economia, não há como se descuidar do meio ambiente à medida que, mesmo que o entendimento majoritário ainda seja de que esse ambiente está “a serviço” do ser humano, na clássica visão antropocêntrica e jusnaturalista dos operadores do Direito, necessitamos definir a tutela ambiental para a sociedade global, uma vez que o “problema” ambiental não respeita as fronteiras físicas e/ou políticas – pelas quais tanto prezamos para deixar de normatizar a proteção ambiental em prol de angariarmos mais “fábricas”, agentes econômicos, em detrimento da qualidade do espaço ambiental.
CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante das atualíssimas preocupações geradas pelas alterações climáticas em virtude das mais variadas formas de poluição, em especial aquela provocada e produzida pela ação antrópica, faz-se necessária uma reflexão acerca da tutela ambiental que pretendemos a fim de garantir não somente o disposto em nossa Constituição Federal, mas também aquilo que nos comprometemos a incluir como diretrizes socioambientais enquanto signatários de tratados internacionais protetivos ao meio ambiente. Por tais razões, muito embora o Protocolo de Kyoto não tenha atingido seus objetivos primordialmente traçados, necessitamos 18 MATTEI, Juliana Flávia. A perícia ambiental e a tutela jurídica do meio ambiente. Jus Navigandi, Teresina, a. 10, n. 1075, 11 jun. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8494>. Acesso em: 8 abr. 2007.
cada vez mais da normatização da proteção ao meio ambiente, bem como da efetiva atividade fiscalizadora para o cumprimento de tais normas.
REFERÊNCIAS ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. MORAES, Luís Carlos da Silva de. Curso de direito ambiental. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2004. SEGUIN, Élida. O direito ambiental: nossa casa planetária. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 1994. SILVA, Olmiro Ferreira da. Direito ambiental e ecologia: aspectos filosóficos contemporâneos. Barueri: Manole, 2003. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 29. ed. atual. ampl. São Paulo: Saraiva, 2007. ______. Resolução Conama nº 001, de 23 de janeiro de 1986. Cria a obrigatoriedade de realização de EIA/Rima para o licenciamento de atividades poluidoras.
GENEROSO, Francisco Chaves. Tutela judicial ambiental: enfoque na tutela específica de urgência. Jus Navigandi, Teresina, a. 10, n. 1127, 2 ago. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8712>. Acesso em: 8 abr. 2007. MATTEI, Juliana Flávia. A perícia ambiental e a tutela jurídica do meio ambiente. Jus Navigandi, Teresina, a. 10, n. 1075, 11 jun. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8494>. Acesso em: 8 abr. 2007. VASCONCELOS, Pedro de. Estudo acerca da legislação ambiental, com ênfase na tutela jurídica da flora brasileira. Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 792, 3 set. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto. asp?id=7225>. Acesso em: 7 abr. 2007.
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______. Resolução Conama nº 236, de 19 de dezembro de 1997. Altera a composição e os objetivos da Câmara Técnica Temporária de Cerrado e Caatinga criada pela Resolução Conama nº 008, de 10 de outubro de 1995.
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Doutrina
Tributação Ambiental à Luz do Sistema Tributário Nacional CLÁUDIO VIEIRA FRANÇA
Advogado, Especialista em Direito Tributário pela Univali e Agronegócio pela UFPR.
SUMÁRIO: Introdução; 1 Aplicação frente às contribuições sociais; 2 Aplicação frente às taxas; 3 Aplicação frente aos impostos; Considerações finais; Referências. RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo abordar o tema tributação ambiental sob a égide do ordenamento jurídico brasileiro, dando um enfoque para contribuições sociais, taxas e impostos. Inicialmente se aborda a contribuição social, delineando no sentido de que nesta em alguns momentos aparece tendo como finalidade contraprestacional o meio ambiente, mas não se presta a regular condutas ambientais. Em um segundo momento, aborda-se a questão sob o prisma das taxas ambientais, pois se entende que há uma cobrança muitas vezes simbólica frente às atividades com alto grau de utilização de recursos ambientais, não se prestando as taxas, como estão sendo cobradas hoje, como mecanismo eficiente para coibir qualquer tipo de conduta potencialmente poluidora. Em terceiro plano, discorre-se sobre os impostos, pois se verifica em nosso ordenamento que não existem impostos ambientais, sendo que essa espécie de tributo frente à questão ambiental se presta a regular condutas, tendo em vista o caráter extrafiscal. Mais adiante, enfoca-se a questão central, tendo como proposta não a criação de um novo tributo voltado ao meio ambiente, e sim o uso do caráter extrafiscal dos impostos como forma de estimular atividades que não agridam o meio ambiente e coíbam atividades nocivas. Por fim, conclui-se que o direito comparado pode ser utilizado como uma fonte rica de construção acerca do tema direito ambiental tributário, entretanto há que se pautar que o ordenamento jurídico nacional não necessita de rearranjos no sentido de criar um novo
tributo para tutelar a questão ambiental, mas sim uma revisão focada no que já existe, utilizando o caráter extrafiscal dos impostos.
PALAVRAS-CHAVE: Tributação ambiental; extrafiscal; isenção.
INTRODUÇÃO Discorrer sobre um tema atual e considerado novo no Brasil, como tributação ambiental, dá ao escritor a opção de duas vias paralelas em sentidos opostos, ou seja, ou se assume o papel de um semeador de novas construções doutrinárias fora da realidade sistêmica do nosso ordenamento pátrio, construindo pensamentos a partir do direito comparado de um mundo entendido como ideal, ou se opta pela via real, aquela inserida dentro do ordenamento jurídico pátrio que muitas vezes é definido como reformável.
O tema posto se fundamentará no mundo real-imperfeito, contudo factível, palpável, passível de ser praticisado e reformado. Não quer dizer com isso que haja adversidade às opiniões elucubracianas, que, apesar de não serem factíveis, muito têm fundamentado e norteado as construções doutrinárias acerca do tema ora tratado. Isso não quer dizer também que se entende que são ideias ruins, apenas vislumbra-se mais simpatia pela corrente que defende uma forma mais objetiva de transformação, talvez até para uns considerada como muito simplista, mas, com a proposição de fundamentar com base nos grandes estudiosos do tema, talvez haja possibilidade de uma construção acertada. Tôrres2, ao discorrer sobre a relação entre competências constitucionais tributárias e ambientais, elenca que: Em matéria de direito tributário ambiental, há trabalhos estrangeiros sobremodo relevantes, escritos pelos mais eminentes autores, mas nenhum destes pensados sob a égide de uma constituição que, em matéria tributária, tenha sido tão analítica quanto a nossa, com prévia identificação das espécies de tributos e respectivas materialidades determinantes do exercício de competências e que se vê, ainda sujeita à observância de normas gerais e objetivas, tudo no plano constitucional. Esse é um paradigma difícil de alcançar e certamente um óbice ao aproveitamento da experiência externa, o que nos impõe a uma construção sobremodo original no trato dessas questões. 1 Tôrres, 2005, p. 102-103. 2 Idem, p. 97.
Pois bem, a Carta Magna define competências para instituir tributos nas esferas federal, estadual, distrital e municipal, listando taxativamente as espécies conforme rol do art. 145; e, mais adiante, os arts. 153, 155 e 156 elencam os impostos a que a cada ente federado compete instituir. Nesse caso, é de fácil acerto que não há como se falar em impostos ambientais dentro do ordenamento constitucional até a presente data, pois não há previsão legal para isso. Logo, falar sobre tributação ambiental diretamente aplicável no Brasil se restringe no âmbito das taxas, contribuição de melhoria e contribuições sociais, esta exclusivamente no âmbito federal e as demais em todas as esferas da Administração Pública. Parece óbvio, mas é salutar delimitar dessa forma, porque muitos autores, ao alçar voo nessa seara, na ânsia desenfreada de tutelar o meio ambiente, acabam incorporando muito o direito comparado e deixam de se balizar pelos ditames constitucionais. Adverte Tôrres3 da importância de delimitar a matéria tributária ambiental, para com isso evitar que em nome da preservação ambiental não se tenha mais a criação de um novo tributo, com finalidade meramente arrecadatória, como assim há muitos na Europa.
1 APLICAÇÃO FRENTE ÀS CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS As contribuições sociais, no dizer de Machado4, “caracterizam-se pela correspondente finalidade”. Conforme reza o art. 149 da Constituição Federal: “Compete à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas”. 3 Idem, p. 99. 4 Machado, 2009, p. 413.
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Apesar da grande importância do direito comparado, vimos de ver que essas teorias encontram um espaço muito reduzido no Direito brasileiro, porquanto nossa Constituição, do tipo das rígidas e sobremodo analítica em matéria tributária, fez identificar não apenas as espécies de tributos possíveis como também qualificou todas as materialidades passíveis de incidência tributária, restando para a União competência residual apenas em matéria de impostos e contribuições, mas desde que sejam não cumulativos e não tenham fato jurídico tributário ou base de cálculo idênticos aos dos já existentes (art. 154, I).1
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Daí, conforme preleciona o referido doutrinador, as contribuições sociais não são caracterizadas pela destinação do produto da respectiva arrecadação, mas sim pela finalidade de sua instituição5. Logo, o espectro de atuação das contribuições sociais frente à questão ambiental fica muito restrito ao âmbito das categorias profissionais, não menos valorosa, mas com um raio de ação muito limitado, como é o caso da nova vertente chamada de direito ambiental do trabalho, por exemplo. Dentro desse raciocínio, ousa-se divergir de Paulo Henrique do Amaral, que destaca a possibilidade de uma Cide de caráter ambiental. Assevera o autor que:
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A combinação dos arts. 149 e 170, VI, da CF/1988 faz nascer a Cide de caráter ambiental, que assumirá natureza de tributo vinculado por destinar sua arrecadação, diretamente, ao desenvolvimento de política de proteção ambiental no setor econômico que motivou sua instituição. De certa forma, essa contribuição interventiva de natureza ambiental converte o contribuinte em destinatário dos recursos desse tributo, pois a receita tributária é revertida para financiar projetos de proteção ambiental vinculados ao setor econômico que gerou danos ambientais.6
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Entende-se que privilegiar uma determinada atividade econômica, com a cobrança de uma contribuição como a Cide sobre os combustíveis, que, por previsão constitucional, tem os frutos da sua arrecadação destinados ao financiamento de projetos ambientais relacionados com a indústria do petróleo e do gás (art. 170, § 4º, alínea a, inciso II) é melhor do que nada, mas está longe de ser o modelo interventivo tributário ambiental com eficácia, pois no fundo essa cobrança não é sentida pela indústria do petróleo, pois quem paga essa conta é o consumidor final pela via do repasse do preço do produto. Não se quer dizer com isso que é errado o consumidor pagar, visto que “o princípio do consumidor-pagador aponta no sentido 5 Idem, ibidem. 6 Amaral, 2007, p. 185-186.
de que aquele que usufrui os bens de uso comum do povo deve pagar por eles”7, mas o mecanismo ainda é imperfeito, pois como é incidente sobre combustíveis, e isso é extensivo ao álcool, o consumidor que abastece o seu carro com álcool (etanol) por exemplo, que é menos poluente, tem o mesmo tratamento tributário do que aquele que abastece com gasolina, mais poluente. Apesar de o etanol ser um combustível menos agressivo ao meio ambiente se comparado à gasolina e ao diesel, em muitas regiões do País alguns consumidores preferem abastecer com gasolina, porque a relação entre consumo e preço compensa em comparação com o álcool. Logo, dentro desse entendimento, as contribuições não serviriam como regulador de conduta ambientalmente correta, pois dão o mesmo tratamento tributário para produtos com potencial poluidor diferente entre si. O fato de as contribuições sociais reverterem em projetos ambientais é de suma importância, mas contempla apenas um segmento de atividade e não é extensivo a outros projetos que também têm relevância ambiental.
2 APLICAÇÃO FRENTE ÀS TAXAS As taxas ambientais já estão inseridas em nosso ordenamento jurídico, como é o caso da Taxa de Controle e Fiscalização Federal (TCFA)8, instituída pela Lei nº 10.165/2000, “cujo fato gerador é o exercício regular do poder de polícia conferido ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais 7 Torres, 2005, p. 28. 8 “É o Ibama autorizado a celebrar convênios com os Estados, os Municípios e o Distrito Federal para desempenharem atividades de fiscalização ambiental, podendo repassar-lhes parcela da receita obtida com a TCFA.”
Renováveis – Ibama para controle e fiscalização das atividades potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursos naturais”. Referida taxa, por meio de convênio, pode ser repassada aos Estados, conforme art. 17-Q.
quer dizer com isso que necessariamente deva ser majorada, mas é premente que seja revista com urgência.
Como exemplos de taxas já instituídas no âmbito dos Estados da Federação, temos a TFAMG em Minas Gerais9, a TCFARJ no Rio de Janeiro10 e a TFASC em Santa Catarina11, e se estas não cumprem com eficácia o fim a que se destinam, é por ausência de sintonia entre os legisladores e os gestores ambientais. O que está faltando é rever o espectro de atuação dessas taxas, para ver se, como estão dispostas, cumprem o efetivo papel auxiliador na tutela do meio ambiente. Pode-se ilustrar que hoje uma empresa classificada como de grande porte exercendo uma atividade com alto grau de utilização de recursos ambientais pagará uma TCFA trimestral de R$ 2.250,00 (dois mil duzentos e cinquenta reais) ou R$ 9.000,00 (nove mil reais) por ano.
[...] a majoração de taxas de poder de polícia, como as que são cobradas em licenciamentos periódicos, de acordo com o índice de atendimento ou não dos deveres concernentes aos domínios ambientais de atividade, também poderia ser uma solução de natureza tributária sobremodo oportuna e plenamente autorizada pela Constituição, para os casos de descumprimento de normas ambientais. Quer dizer, a majoração de taxas de poder de polícia, nessas hipóteses, estaria vinculada à espécie não como sanções ao ilícito cometido, mas exclusivamente como condição para a continuidade da exploração, nas condições presentes, sem prejuízo da aplicação de multas e outros instrumentos pertinentes à apuração dos danos causados.
9 A Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental de Minas Gerais (TFAMG) é devida pelos contribuintes que se dedicam às atividades potencialmente poluidoras ou utilizadoras de recursos ambientais, inclusive atividades que envolvam produtos e subprodutos da fauna e flora. Foi instituída pela Lei nº 14.940/2003 e o produto de sua arrecadação é destinado à Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam) e ao Instituto Estadual de Florestas (IEF) para custeio das atividades de controle e fiscalização. 10 Leis de nº 5.438/2009 e nº 5.629/2009 editadas no Estado do Rio de Janeiro. 11 No Estado de Santa Catarina, a Lei nº 14.601/2008, institui o Cadastro Técnico Estadual de Atividades Potencialmente Poluidoras ou Utilizadoras de Recursos Ambientais e a Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental do Estado de Santa Catarina (TFASC).
Discorda-se inteiramente desse posicionamento pelo simples fato de já estarem inseridos em nosso ordenamento legal mecanismos suficientes para coibir o desvio das condutas ambientais. Entrar por esse viés por meio da cobrança de taxas é criar mais um mecanismo arrecadatório sem finalidade objetiva. Dentro desse raciocínio é evidente que aquele que exerce uma atividade potencialmente poluidora deve pagar pelas taxas ambientais com a finalidade precípua de elas reverterem de alguma forma em favor do meio ambiente, seja pelo efetivo exercício do poder de polícia, seja pela prestação de um serviço público. Sob esse prisma, é com bastante entusiasmo que se vê a criação de taxas contraprestacionais, como, por exemplo, estudo de impacto ambiental de instalação de uma atividade potencialmente poluidora elaborado por equipe técnica multidisciplinar, seja lotada na própria administração, seja terceirizada. Nesse caso, o ente administrativo entregaria ao empreendedor todo o estudo de impacto ambiental da atividade, podendo conduzir e fiscalizar o processo de forma mais eficiente. Inviável, dirão
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Nota-se que, considerando hipoteticamente uma movimentação financeira expressiva de uma empresa classificada como de grande porte, o valor cobrado representa uma fração irrisória. Destaca-se que rever esse valor cobrado em decorrência do efetivo exercício do poder de polícia seria um bom começo. Não
Segundo Tôrres12:
12 Tôrres, 2005, p. 110.
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alguns, justificando dentro do princípio de “enxugamento da máquina administrativa”. Viável, entende-se, partindo do princípio que alguns setores devem ser geridos exclusivamente pelo Estado, como é o caso do meio ambiente.
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Ainda sobre as taxas e também extensivo aos ditos tributos ambientais, existem alguns entendimentos que se fundamentam na premissa implacável de “pagar para poluir” ou “quem polui deve pagar” – princípio do poluidor pagador – que consiste, segundo Derani13, naquele que o causador da poluição arca com os custos necessários a sua diminuição, eliminação ou neutralização do dano. Esse princípio carrega uma pecha de zona de conforto para o poluidor, pois a simplicidade dessa formulação, que de simples não tem nada, leva a pensar que isso poderia legitimar práticas poluidoras ou danosas ao meio ambiente de grandes proporções, na medida em que poderia servir como estímulo à degradação ambiental, pela simples assunção das obrigações patrimoniais pertinentes14. A posição que é defendida pelos ditos tributaristas ambientais e economistas ecologicamente corretos não se funda na discussão no sentido de que a atividade potencialmente poluidora deve ser desestimulada com a cobrança de taxas mais elevadas. Entende-se que a taxa deve ser cobrada dentro da proporcionalidade dos danos efetivos que a atividade pode causar, ou seja, o custo do exercício do poder de polícia e da prestação de serviço público deve ser dimensionado dentro dos limites daquilo que foi ofertado. Carvalho15 conceitua taxa como sendo: Tributos que se caracterizam por apresentarem, na hipótese da norma, a descrição de um fato revelador de uma atividade estatal, direta e especificadamente dirigida ao contribuinte. Nisso diferem dos impostos, e a 13 Derani, 2008, p. 143. 14 Tôrres, 2005, p. 105. 15 Carvalho, 2009, p. 38-39.
análise de suas bases de cálculo deverá exibir forçosamente a medida da intensidade da participação do Estado.
Anota-se que o investidor ou o empresário não deixará de instalar um parque fabril pela cobrança excessiva de taxas, pois automaticamente repassará os custos da sua produção aos consumidores e continuará obtendo lucro, não que se entenda que isso é pecado, como adiante será abordado, mas, como assevera Rehbinder16: [...] este procedimento de repasse do preço se revela como uma sobrecarga no mercado – de tipo semelhante àquela percebida em modelos de oligopólios e de demandas inelásticas – sendo prejudicial à justa distribuição de riquezas, visto que, em última análise, o consumidor é quem arca com custo da utilização de produtos que não prejudiquem o ambiente.
Comunga-se em parte com esse entendimento na medida em que há o repasse, mas não se vê como prejudicial à justa distribuição da riqueza, pois excetuando produtos que compõem necessidades básicas, entende-se que o consumidor deve sim pagar a conta, como adiante será explanado. Mesmo assim, vislumbra-se que a taxa não é a melhor espécie tributária para regular as atividades potencialmente poluidoras pelo critério da majoração. As taxas devem ser cobradas pela prestação de um serviço estatal com intuito fiscalizatório, nunca como regulador de conduta. No dizer escorreito de outrora, Becker17, ao posicionar-se acerca da instrumentalidade do tributo, elenca que: A principal finalidade de muitos tributos (que continuarão a surgir em volume e variedade sempre maiores pela progressiva transfiguração dos tributos de finalismo clássico ou tradicional) não será a de um 16 Rehbinder, 1973 apud Derani, 2008, p. 143. 17 Becker, 2007, p. 623-624.
Entende-se que mesmo o legislador querendo empreender um caráter extrafiscal no âmbito das taxas, que por definição “configura uma obrigação legal cuja hipótese de incidência encontra-se vinculada a uma atividade estatal imediata e diretamente vinculada ao contribuinte”18, há de respeitar, como já anteriormente aduzido, os limites do exercício regular do poder de polícia e a prestação ofertada pelo Estado, o que de certo modo enfraquece a tese de sobretaxá-los para que se evitem condutas nocivas ao meio ambiente. Existe um rol de atividades, conforme Anexo I da Lei nº 13.361/2007, que indica o Potencial de Poluição (PP) ou Grau de Utilização de Recursos Ambientais (GU). Esse rol necessita ser revisto e, a partir daí, trabalhar as taxas incidentes sobre essas atividades de forma unificada em todo o território nacional. Nesse caso, a competência para a instituição dessa taxa única deve ser revista perante as esferas administrativas (União, DF, Estado e Municípios) e estender a sua instituição/repartição ao Município, que é o agente que tem em tese a capacidade de exercer melhor o poder de polícia; e conforme sua política de ocupação do solo, pode devolver ao meio ambiente a devida contraprestação pelo pagamento dessas taxas. Atualmente a repartição dessa taxa fica apenas entre União e Estados. Diante dessa assertiva, tende-se em adentrar na seara fiscalizatória ambiental, mas a proposta é pontuar a questão pelo prisma tributário em benefício do meio ambiente, por isso se deixa essa questão para os gestores da atividade fiscalizatória. 18 Tavares, 2009, p. 79.
Dentro dessa premissa, anota-se que as taxas a serem cobradas pela utilização de determinado recurso natural só terão cabimento quando se tratarem de recursos renováveis com plano de recuperação bem sedimentado, do contrário, não há possibilidade de instituí-las. O que não pode ocorrer é a cobrança de taxas simbólicas em todas as esferas administrativas, como é feito hoje, sem, contudo, reverter essa cobrança ao meio ambiente de forma positiva, seja em projetos de recuperação, seja na regulação da conduta daquele empresário ou investidor que quer desenvolver atividades que agridam o meio ambiente. Aqui cabe destacar, conforme o magistério de Schoueri19: [...] ao mesmo tempo, não se pode deixar de mencionar problemas específicos a serem enfrentados no caso de emprego de normas tributárias na intervenção na área ambiental, como: (a) a existência de irreversibilidade, ou seja, toda situação gerada por uma atividade humana que não se pode anular é ilimitada e não se pode voltar atrás (exemplo: o desaparecimento de uma espécie da flora ou da fauna); (b) seu caráter global, mundial e dinâmico; (c) dificuldades para a valoração dos custos e benefícios futuros de uma medida ambiental (problema da distribuição intergerações dos recursos).
Por isso que se frisou anteriormente a importância de sintonia entre gestão política e gestão técnica-ambiental, pois mesmo aplicando em tese um modelo tributário ambiental ideal, não há como contemplar todas as vertentes, sendo que jamais o desembolso do poluidor-pagador pode servir de moeda de troca para poluir. Apesar de se vislumbrar que aplicar o princípio do poluidor-pagador não encerra a questão, esse princípio, conforme acentua Derani, “arca o causador da poluição com os custos necessários à diminuição, eliminação ou neutralização deste dano”20. Continua Derani: 19 Schoueri, 2005, p. 239. 20 Derani, 2008, p. 143.
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instrumento de arrecadação de recursos para o custeio das despesas públicas, mas a de um instrumento de intervenção estatal no meio social e na economia privada. Na construção de cada tributo não mais será ignorado o finalismo extrafiscal, nem será esquecido o fiscal. Ambos coexistirão, agora de um modo consciente e desejado; apenas haverá maior ou menor prevalência deste ou daquele finalismo.
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[...] a objetivação deste princípio pelo Direito ocorre ao dispor ele de normas definidoras do que se pode e do que não se deve fazer, bem como regras flexíveis tratando de compensações, dispondo inclusive sobre taxas a serem pagas para a utilização de determinado recurso natural. De fato, o princípio do poluidor-pagador concretiza-se por meio da obrigação do poluidor de diminuir, evitar e reparar danos ambientais, com os instrumentos clássicos do direito, bem como por intermédio de novas normas de produção e consumo. (2008, p. 143)
Alexandra de Souza Aragão (1997 apud Torres, 2005, p. 27) responde a seguinte pergunta: Quem deve ser considerado poluidor-pagador? “É aquele que tem poder de controle sobre as condições que levam à ocorrência da poluição, podendo portanto preveni-las ou tomar precauções para evitar que ocorram”. Dessarte, mais detidamente no tocante às taxas, deve-se evitar que o contribuinte seja visto como alguém que não gera danos porque “paga a conta” e, por isso (especialmente), é legitimado a usar ou consumir bens de natureza ambiental21.
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3 APLICAÇÃO FRENTE AOS IMPOSTOS Então, por que não apelar para os impostos para explorar o seu caráter extrafiscal, no sentido de coibir condutas nocivas ao meio ambiente dentro da premissa de poluidor pagador? Compreende-se que parece possível, entretanto há de se pontuar que nenhum imposto instituído no ordenamento jurídico brasileiro tem como fato gerador atividades potencialmente poluidoras. Tampouco há como vinculá-los a uma contraprestação específica do Estado, pois, conforme preceitua o art. 16 do CTN, “imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte”, logo, não há de se falar dentro dessa modalidade tributária em captar recursos para financiar projetos ambientais.
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21 Schoueri, 2005, p. 239.
Nesse caso, cabe ao executivo definir políticas ambientais para direcionar os recursos dentro do orçamento, o que independe da criação ou majoração de impostos. Evidentemente que não se pode negar que, aumentando a arrecadação, “a vida do Estado fica facilitada” e via de consequência podem sobrar mais recursos e eventualmente serem revertidos ao meio ambiente, entretanto não há garantias de que isso possa ocorrer com o simples aumento da arrecadação. Por isso se visualiza que não é necessário criar um imposto com fato gerador voltado ao meio ambiente ou qualquer outro imposto que tenha o cunho para aumentar a arrecadação do Estado. Primeiro, porque os impostos já instituídos em nosso ordenamento pátrio podem ser utilizados com a finalidade extrafiscal, seja para majorá-los ou minorá-los, podendo assim o Estado exercer a função reguladora ambiental. Segundo, porque a criação de mais impostos, como anteriormente anotado, não garante a eficácia do Estado frente à tutela do meio ambiente saudável se não há políticas públicas voltadas nesse sentido. Anota-se que a tutela do meio ambiente está constitucionalmente bem alinhada no art. 225 e em legislação específica, logo não necessita a prima facie da intervenção tributária para sua aplicação. O que falta é vontade política e desmistificar o radicalismo ambiental infundado. De outro vértice, não há como negar que de alguma forma o direito tributário pode intervir para ser um grande determinador de condutas ecologicamente corretas, mas se repita, não pelo caráter fiscal – arrecadador, mas sim essencialmente no seu caráter extrafiscal aplicado aos impostos, como um regulador de condutas.
Nesse mesmo sentido, Moiche22, ao definir tributo ambiental, evidencia perfeitamente seu caráter extrafiscal, pontuando que:
tirada de taxa sobre atividades ou modos de gestão julgados favoráveis ao meio ambiente”.
[...] os tributos ambientais serão as prestações pecuniárias exigidas por um ente público com a finalidade principal de produzir efeitos de conservação, reparação, melhoria e, em geral, proteção do meio ambiente. Essa é sua finalidade principal, entretanto, não há que se esquecer que nunca estará ausente sua finalidade arrecadadora.
Amaral enfatiza que tanto na via puramente arrecadatória – fiscal, como na via extrafiscal – regulatória, os resultados não são garantidos e certo número de precauções de base deve ser tomado24. Essas precauções de base consistem no que já foi referido anteriormente no sentido de que o Estado deve adotar políticas ambientais para garantir resultados eficientes, em que o citado autor destaca a aplicação dos princípios da precaução e prevenção, os quais são princípios puros do direito ambiental, não dependendo do direito tributário para serem seguidos.
As diversas teorias sobre taxas ora sublinham a existência de um benefício ou vantagem para o contribuinte, dando a elas um caráter contraprestacional, ora as veem como reembolso do custo da atuação estatal, ora as caracterizam meramente como tributo ligado à atuação específica do Estado, abstraídas eventuais vantagens que possam ser fruídas pelo contribuinte. (2009, p. 31)
Na contramão, Beltrame23 “aponta que a tributação ambiental pode agir pela penalização sobretaxando atividades ou modos de gestão danosa ao meio ambiente, ou pela incitação na re22 Moiche, 2000 apud Amaral, 2007, p. 66. 23 Beltrame, 1997 apud Amaral, 2007, p. 67.
Apesar da advertência do renomado Amaral sobre referidos princípios, os quais em um contexto macrojurídico devem ser sopesados, adota-se como linha de raciocínio a questão sob o prisma puramente tributário ambiental e se toma a liberdade de seguir o caminho posto por Beltrame (extrafiscalidade), pois, dentro dessa premissa, pode-se trabalhar com taxas, contribuições sociais e impostos já existentes em nosso ordenamento, assim como estão dispostos, deixando para o Executivo moldar as políticas protetivas e preventivas já existentes no nosso sistema tributário. Entretanto, apesar dessa flexibilidade extrafiscal que pode incidir sobre tributos, anota-se como mais acertado trabalhar dentro desse prisma somente com impostos. As duas hipóteses que se vislumbram para trabalhar com impostos dentro desse caráter extrafiscal seriam os casos de isenção aplicados aos produtos ecologicamente corretos e majoração das alíquotas daqueles que são nocivos ao meio ambiente, seja no processo de fabricação, seja no de descarte. A hipótese de isenção deve ser trabalhada naqueles produtos que chamamos de ecologicamente corretos, que possam ser
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Nesse passo, conforme assevera Moiche (2000 apud Amaral, 2007, p. 67), até se admite que não esteja ausente a função arrecadadora, mas não se vê um link perfeito do direito tributário exercendo esse papel de forma eficaz para reverter benefícios ao meio ambiente por meio de impostos. A citada autora, abordando o caráter fiscal e os efeitos compensatórios da tributação ambiental, explica que o tributo é apropriado para devolver, por meio de um tributo ambiental, os gastos e danos causados ao meio ambiente e, portanto, para reprivatizar a carga suportada pelo Estado (Moiche, 2000 apud Amaral, 2007, p. 67). Nota-se, conforme salientado anteriormente, que esse tributo não seria imposto, e sim taxa, pois pressupõe uma contraprestação específica do Estado consistente nos gastos e danos causados para a reparação do meio ambiente. No magistério de Amaro:
24 Amaral, 2007, p. 67.
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substituídos para uso e consumo com aqueles elaborados com matéria-prima potencialmente poluidora. O produto ecologicamente correto deveria receber um tratamento tributário especial via isenção desde a aquisição da matéria-prima até o consumidor final. O que ocorre hoje é justamente o inverso, vez que tais produtos possuem uma matéria-prima refinada e custam mais caro ao consumidor final, se comparado ao similar que agride o meio ambiente. Isenção, segundo Tavares “é uma dispensa legal do pagamento do tributo”25. Logo, nesse caso, a hipótese legal de dispensa do pagamento do tributo deve pairar sobre: produtos biodegradáveis industrializados que tenham como similares produtos industrializados com matéria-prima potencialmente poluidora.
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Ressalta-se da importância do produto a ser isentado não ser somente biodegradável/não poluente/sustentável, tem que ter um similar que agride o meio ambiente. Como exemplos podemos citar copos, pratos, talheres e outros.
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O Centro de Estudos em Sustentabilidade da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (GVces) lançou em 2008, na Internet, o Catálogo Sustentável, com o objetivo de disponibilizar informações sobre ‘as características técnicas, os aspectos de sustentabilidade, as certificações e os fornecedores dos produtos e serviços selecionados’. São aproximadamente 1.000 itens que foram considerados sustentáveis pela equipe de técnicos da FGV.26
Vislumbra-se que essa lista seria um bom começo para análise dos produtos passíveis de serem isentados. 25 Tavares, 2009, p. 170. 26 Trigueiro, 2010, p. 65.
Ainda nesse prisma, entende-se que os benefícios ao meio ambiente seguem dois nortes: um no sentido de estimular atividades ecologicamente corretas, entregando produtos já existentes no mercado de forma ambientalmente correta. Outro consistente na possibilidade de o consumidor final, tendo a opção entre o produto “A” (nocivo ao meio ambiente) e o produto “B” (ecologicamente correto), este mais acessível no preço, optar logicamente pelo mais barato. Depois disso, ele – consumidor – começaria a refletir sobre as vantagens de consumir um produto não nocivo ao meio ambiente, e certamente esse consumo aumentaria. No mesmo raciocínio, o empresário do ramo que fabrica o produto nocivo, consequentemente, tenderá a fabricar mais produtos ecologicamente corretos para não perder a fatia de mercado e atender à demanda. Já a outra hipótese seria no sentido de majorar as alíquotas dos impostos sobre o consumo dos produtos que podem ter um similar ecologicamente correto. Veja-se que, isentando os impostos sobre o produto ecologicamente correto e aumentando as alíquotas sobre o consumo dos impostos de produtos nocivos que possuem similar que não agridam o meio ambiente, o legislador tributário estará interferindo consideravelmente na opção do consumidor, logo, contribuirá para uma regulação de um consumo ordenado, com vistas ao bem ambiental. A propósito, a ex-ministra do meio ambiente, Senadora Marina Silva, definiu com precisão a relação entre as novas gerações de consumidores e a situação do planeta: O triste é que as crianças estão substituindo o brincar pelo consumir. Com graves consequências para elas e para o meio ambiente. Paradoxalmente, são as crianças, adolescentes e jovens os que mais têm mostrado sensíveis à preocupação com a proteção da natureza. Mas, hiperelstimulados ao consumo, desde a mais tenra idade, não conseguem fazer a ligação entre seus sinceros ideais de preservação dos recursos naturais – sem os quais serão prejudicados no futuro – e o
Longe de se fazer alguma referência política, não se pode deixar de refletir dentro dessa base consumista que nossa sociedade formatou, logo, não há como se falar em consumir produtos ecologicamente corretos enquanto a parte mais sensível do consumidor que é o bolso não for afetada. Trigueiro27 salienta que: Novas gerações de consumidores crescem sem perceber a relação que existe entre consumo e meio ambiente e, o que é mais preocupante, repetindo clichês do movimento ambientalista como “cuide do planeta hoje para que nossos filhos e netos tenham direito a um futuro”, “protejam as baleias”, ou ainda “salvem a Amazônia”. Ignora-se a dimensão política presente no ato de consumo. Quando escolhemos de forma consciente o que nos convém consumir, evitando excessos e adotando marcas comprometidas com a sustentabilidade, estamos assumindo o papel que se espera de um consumidor do século XXI.
Concorda-se com o referido jornalista quanto a se ter que consumir com consciência, mas, lamentavelmente, essa escolha do consumidor em um primeiro momento deve ser seletiva pelo preço do produto, no qual majorar as alíquotas dos impostos sobre o consumo dos produtos que não são sustentáveis funcionaria como um bom aconselhador no momento de opção entre o produto “A” (nocivo) e o produto “B” (sustentável). Entende-se que, aos poucos, após a “degustação” desses produtos sustentáveis, o consumidor estará preparado para transformar a sua ideia com relação a esses produtos. Ele pode até concluir que o produto sustentável não é tão bom quanto o outro similar, mas criará o bom hábito de consumi-lo. 27 Trigueiro, 2010, p. 64.
CONSIDERAÇÕES FINAIS Veja-se que, pela breve incursão dentro da tributação ambiental à luz do sistema tributário, observa-se que, apesar de algumas lacunas de gestão política e técnica a serem preenchidas, traçam-se algumas linhas que se verificam apropriadas a serem seguidas, sem, entretanto, necessitar alterar drasticamente nosso sistema tributário, tampouco criar mais tributos, sem com isso deixar de alcançar a eficácia nas questões atinentes ao meio ambiente pela via tributária. Vislumbra-se que as contribuições sociais são limitadas a se prestar como auxiliadoras nas questões reguladoras de conduta ambiental, pois, embora possam ser instituídas pela intervenção no domínio econômico ou no interesse de categorias profissionais, não possuem um caráter seletivo por produtos. No que tange às taxas, apreende-se pelo exposto que se prestam a auxiliar nas questões ambientais, desde que redimensionadas, obedecendo à verdadeira contraprestação do serviço que o Estado presta ou deveria prestar para a instalação de atividades potencialmente poluidoras. O que se tem hoje são taxas simbólicas cobradas sem o real gerenciamento da atividade poluidora que será instalada. Ressalta-se, ainda, quanto às taxas, que parte da sua arrecadação para a instalação de parques fabris deve ser destinada ao Município. Acrescenta-se, também, a participação ativa deste no planejamento da atividade. A taxa deve contemplar também a prestação do serviço de estudo do impacto ambiental que poderá ser efetuado por empresa terceirizada contratada ou pelo próprio ente público municipal, caso haja pessoal capacitado.
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desenfreado consumo que ironicamente vai, aos poucos, os transformando em “exterminador do futuro” mais precisamente do que o da ficção cinematográfica. (Trigueiro, 2010, p. 63/64)
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Quanto aos impostos, os quais se entende serem os mais indicados para a regulação de condutas nocivas ao meio ambiente, tem-se como pedra fundamental a ser trabalhada a questão do consumo. É a regulação do consumo de produtos formados com matéria-prima ambientalmente adequada, ou seja, é o bom hábito de consumo que será o grande alavancador da produção desses produtos. Dentro desse prisma, não há como regular o apetite voraz do consumismo se não for por meio do aumento das alíquotas dos impostos sobre os preços dos produtos formados com matéria-prima poluidora e isentar a incidência dos tributos sobre os produtos ditos ecologicamente corretos.
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Diante do exposto, tem-se que, dentro do ordenamento tributário atual, não há a necessidade de se criar um novo tributo que agasalhe a questão ambiental, bastando para tanto que se ataque em três frentes: a) cobrança de taxas redimensionadas para atividade potencialmente poluidora instalada, também com a participação do Município no rateio da cobrança e da fiscalização; b) isenção sobre os impostos que incidam sobre o consumo para atividades sustentáveis; c) majoração das alíquotas dos produtos nocivos ao meio ambiente.
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______. Constituição Federal. Disponível em: <www.planalto.gov.br/.../ constituicao/constituiçao.htm>. Acesso em: 15 maio 2011. ______. Lei nº 14.610, de dezembro de 2008. Institui o cadastro técnico estadual de atividades potencialmente poluidoras ou utilizadoras de recursos naturais, integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente – Sisnama, a taxa de fiscalização ambiental e estabelece outras providências. Disponível em: <http://200.19.215.13/legtrib_internet/html/Leis/2008/Lei_08_14601. htm>. Acesso em: 10 mar. 2011. ______. Lei nº 14.940, de 29 de dezembro de 2003. Institui o cadastro técnico estadual de atividades potencialmente poluidoras ou utilizadoras de recursos ambientais e a Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental do Estado de Minas Gerais TFAMG e dá outras providências. Disponível em: <http://www.fazenda.mg.gov.br/empresas/legislacao_tributaria/leis/ l14940_2003.htm>. Acesso em: 15 jun. 2011. ______. Lei nº 5.438, de 17 de abril de 2009. Institui o cadastro técnico estadual de atividades potencialmente poluidoras ou utilizadoras de recursos ambientais e a taxa de controle e fiscalização ambiental no Estado do Rio de Janeiro e dá outras providências. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com. br/legislacao/230959/lei-5438-09-rio-de-janeiro-rj>. Acesso em: 9 jul. 2011. ______. Lei nº 5.629, de 29 de dezembro de 2009. Altera a Lei nº 5.438, de 17 de abril de 2009, que institui o cadastro técnico estadual de atividades potencialmente poluidoras ou utilizadadoras de recursos ambientais e a taxa de controle e fiscalização ambiental no Estado do Rio de Janeiro. Disponível em: <http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/contlei.nsf/f25571cac4a61011032564fe0052c89c/a03202b24fcc61db832576a1005fd50f? OpenDocument>. Acesso em: 5 maio 2011. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
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Doutrina
Obrigação Alimentar nas Relações Homoafetivas CONRADO PAULINO DA ROSA
Advogado Especializado em Famílias, Sucessões, Homoafetividade e Transexualidade, Mediador Familiar, Mestre em Direito pela Unisc, com a defesa realizada perante a Università Degli Studi di Napoli Federico II, em Napoles – Itália, Professor do Centro Universitário Ritter dos Reis – Uniritter, em Porto Alegre e Canoas, Professor de Direito de Família e Sucessões da Esade, Coordenador da Pós-Graduação em Direito de Família Contemporâneo e Mediação da Esade, em Porto Alegre, Vice-Presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM/ Seção RS (gestão 2012/2013).
SUMÁRIO: Introdução; 1 Reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar; 1.1 A evolução do conceito de família; 1.2 União entre pessoas do mesmo sexo; 1.2.1 Princípios norteadores; 1.2.1.1 Dignidade da pessoa humana; 1.2.1.2 Igualdade; 1.2.2 Igualdade e reconhecimento por meio da jurisprudência; 2 Fixação da obrigação alimentar nas relações homoafetivas; 2.1 Da obrigação alimentar; 2.2 Cabimento da fixação da verba alimentar nas uniões homoafetivas; 2.2.1 Entre os companheiros; 2.2.2 Decorrentes de filiação homoafetiva; Conclusão; Referências.
“Importante é o amor, o sexo é só um acidente: pode ser igual, ou diferente.” (Fernando Pessoa)
INTRODUÇÃO Caracterizado como uma das áreas mais dinâmicas do Direito, o Direito de Família passou por inúmeras mudanças nas últimas décadas.
Após o advento da Constituição Federal, o conceito de família, até então extremamente taxativo, reconhecendo tão somente o casamento como entidade familiar, passou a apresentar um conceito plural. Passando a dignidade da pessoa humana a ser o centro do ordenamento jurídico, sendo elencado o afeto como valor jurídico e existindo um novo conceito de família, resta-nos a indagação se estariam as uniões existentes entre pessoas do mesmo sexo albergadas como entidades familiares. Tal temática, apesar da falta de previsão na legislação, vem alcançando significativas vitórias por meio da jurisprudência. Assim, imperioso se mostra não apenas a discussão a respeito de seu reconhecimento ou não como entidade familiar, mas também o alcance de outros direitos a essas uniões que ultrapassam seu singelo reconhecimento. Dessarte, com o presente artigo, propõe-se a discussão do reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar e, especificamente, o cabimento da obrigação alimentar nessas uniões.
1 RECONHECIMENTO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO ENTIDADE FAMILIAR 1.1 A evolução do conceito de família Com o advento da Constituição Federal de 1988, a família deixou de ser apenas advinda do casamento. O conceito de família, então extremamente taxativo, passou a apresentar um conceito plural. As mudanças foram tão paradigmáticas que, tal como um divisor de águas, podemos dividir o Direito de Família entre antes e depois do advento da Constituição Federal.
Tantas foram as transformações ocorridas que a doutrina chega a utilizar a expressão “Direito das famílias”, em razão de melhor atender à necessidade de passar-se, cada vez mais, a enlaçar, no âmbito de proteção às famílias, todas as famílias, sem discriminação, sem preconceitos1. Em seu art. 226, a Constituição elencou a família como base da sociedade, merecendo assim especial atenção do Estado2. A própria Constituição veio romper com o preconceito legal, instalando, no texto jurídico, uma nova concepção de família3, pois além de inaugurar a igualdade entre o homem e a mulher, ampliou o conceito de família, reconhecendo a união estável e as famílias monoparentais. Consagrou a igualdade dos filhos, havidos ou não do casamento, ou por adoção, garantindo-lhes os mesmos direitos.
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A família deixou de ser compreendida como um núcleo econômico e reprodutivo, avançando para uma compreensão socioafetiva (como expressão de uma unidade de afeto e entreajuda). Abandonou-se o casamento como ponto de referencial necessário para buscar a proteção e o desenvolvimento da
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1 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 3. ed. São Paulo: RT, 2006. p. 26. 2 Perfeito é o posicionamento de Paulo Lôbo: no caput do art. 226, operou-se a mais radical transformação no tocante ao âmbito de vigência da tutela constitucional à família. Não há qualquer referência a determinado tipo de família, como ocorreu com as constituições brasileiras anteriores. Ao suprimir a locução “constituída pelo casamento” (art. 175 da Constituição de 1967-1969), sem substituí-la por qualquer outra, pôs sob a tutela constitucional “a família”, ou seja, qualquer família. A cláusula de exclusão desapareceu (LÔBO, Paulo Luiz Netto. Entidades familiares constitucionalizadas: para além do numerus clausus. Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre, n. 12, p. 44, jan./fev. 2002). 3 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e união estável de acordo com o novo código civil. 6. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p. 77.
personalidade do homem. É a busca da dignidade humana, sobrepujando valores meramente patrimoniais4. Agora, o afeto é um princípio norteador da família, sendo a partir da existência deste o marco inicial da existência da entidade familiar. Parece acertado dizer que hoje a família pode ser sintetizada como um berço de afeto, solidariedade e mútua constituição de uma história em comum5. Além de ser uma estrutura psíquica e que possibilita ao ser humano estabelecer-se como sujeito e desenvolver relações6, família, segundo Giselle Câmara Groeninga, é um caleidoscópio de relações, que muda no tempo de sua constituição e consolidação a cada geração, que se transforma com a evolução da cultura, de geração para geração7. 4 FARIAS, Cristiano Chaves de. Escritos de direito de família. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 132. 5 FACHIN, Luiz Edson. Elementos críticos do direito de família. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 97. 6 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de família: uma abordagem psicanalítica. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1999. p. 35. 7 GROENINGA, Giselle Câmara. Direito e psicanálise – Um novo horizonte
Mudam os costumes, mudam os homens, muda a história; só parece não mudar esta verdade, vale dizer, a atávica necessidade que cada um de nós sente de saber que, em algum lugar, encontra-se o seu porto e o seu refúgio, isto é, o seio de sua família9. A família de hoje tende a ser “mais sincera, digamos assim, no sentido de que as hipocrisias e as simulações de antes já não encontram mais lugar em cena, estando este espaço muito mais disponibilizado para os tratos francos e rupturas consentidas e bem analisadas”10. Apesar de alargar o conceito de família, a Carta Constitucional de 1988 não abarcou todos os conceitos de família, até porque família encontra-se em permanente estado de evolução. Virgílio de Sá Pereira já sinalizava essa nova ótica da família, ainda na década de 1950, mencionando que epistemológico. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Anais do IV Congresso Brasileiro de Direito de Família. Afeto, ética e família e o novo código civil brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 258. 8 SOUZA, Ivone Maria Candido Coelho de; DIAS, Maria Berenice. Famílias modernas: (inter)secções do afeto e da lei. Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre, n. 8, p. 64, jan./mar. 2001. 9 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Família e casamento em evolução. Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre, n. 1, p. 9, abr./jun. 1999. 10 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. A incessante travessia dos tempos e a renovação dos paradigmas. In: SOUZA, Ivone Maria Candido Coelho de (Coord.). Direito de família, diversidade e multidisciplinariedade. Porto Alegre: IBDFAM, 2007. p. 21.
a família é um fato natural. Não a cria o homem, mas a natureza. [...] O legislador não cria a família, como o jardineiro não cria a primavera. Fenômeno natural, ela antecede necessariamente o casamento, que é um fenômeno legal; também por ser um fenômeno natural, é que ela excede a moldura em que o legislador a enquadra.11
Paulo Lôbo, ao manifestar-se sobre a matéria, diz que a interpretação do art. 226 da Constituição, no sentido de tutelar apenas os três tipos de entidades familiares explicitamente previstos, configurando numerus clausus, teria deixado de fora os demais tipos reais, gerando soluções jurídicas inadequadas ou de total desconsideração deles. Defende que o caput do citado artigo é cláusula geral de inclusão, uma vez que as entidades familiares elencadas no Texto Constitucional possuem cunho meramente exemplificativo, não sendo admissível excluir qualquer entidade que preencha os requisitos de afetividade, estabilidade e ostensibilidade. “A regra do § 4º do art. 226 integra-se à cláusula geral de inclusão, sendo esse o sentido do termo ‘também’ nela contido. “Também” tem o significado de igualmente, da mesma forma, outrossim, de inclusão de fato sem exclusão de outros”12. Dessa plêiade, verificamos que passamos de uma verdadeira “estatização do afeto”13, caracterizada por um intervencionismo nas relações familiares para evoluirmos a uma célula de afeto e carinho que independe de caracterização e regramento estatal para sua existência. A felicidade, antes uma benesse da Igreja somente atingível no céu, transformou-se em um bem secular que podia ser almejado aqui mesmo na Terra14. 11 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Família e casamento em evolução. Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre, n. 1, p. 13, abr./jun. 1999. Apud PEREIRA, Virgílio de Sá. Lições de direito de família. 2. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1959. p. 89. 12 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Op. cit., p. 45. 13 DIAS, Maria Berenice. Op. cit., p. 27. 14 COSTA, Gley P. O amor e seus labirintos. Porto Alegre: Artmed, 2007. p. 47.
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Ancorada na segurança constitucional, a família tornou-se igualitária, democrática e plural. As famílias modernas ou contemporâneas constituem-se em um núcleo evoluído a partir do desgastado modelo clássico, matrimonializado, patriarcal, hierarquizado, patrimonializado e heterossexual, centralizador de prole numerosa que conferia status ao casal8.
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Após a contextualização desse novo conceito de família, é que podemos continuar o presente estudo.
1.2 União entre pessoas do mesmo sexo As relações entre pessoas do mesmo sexo são nominadas, na moderna doutrina, de “homoafetividade”15, “homoerotismo”16 ou “homossência”17. Utilizaremos o neologismo homoafetividade, cunhado por Maria Berenice Dias, por entendermos ser o mais adequado para descrever a união afetiva de pares do mesmo sexo, além de tal nomenclatura já ter sido adotada pela maioria dos doutrinadores na área, sendo utilizada inclusive em julgamentos no Supremo Tribunal Federal, conforme demonstraremos a seguir.
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Apesar de naturais e existentes desde os primórdios das civilizações e estar presente em todas as espécies de mamíferos, notória é a discriminação sofrida diuturnamente pelos homossexuais. Conforme destaca Humberto Rodrigues, “o sexo é tão inerente ao ser humano como respirar, amar ou sofrer. Pena que alguns teimem em transformá-lo em tabu”18. Colin Spencer fala que “o que os homossexuais têm suportado, ao longo dos séculos, é de uma monstruosidade e injustiça tais que se torna difícil aceitar que uma mera preferência sexual e emocional possa excitar uma oposição tão cruel”19.
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15 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito e a justiça. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 21. 16 COSTA, Jurandir Freire. A questão psicanalítica da identidade sexual. In: GRAÑA, Roberto B. (Org.). Homossexualidade. Formulações psicanalíticas atuais. Porto Alegre: Artmed, 1998. p. 19. 17 SILVA JÚNIOR, Enézio de Deus. A possibilidade jurídica de adoção por casais homossexuais. Curitiba: Juruá, 2005. p. 51. 18 RODRIGUES, Humberto. O amor entre iguais. São Paulo: Mythos, 2004. p. 103. 19 SPENCER, Colin. Homossexualidade: uma história. Trad. Rubem Mauro
1.2.1 Princípios norteadores Seguindo os preceitos elencados na Declaração Universal de Direitos do Homem e do Cidadão, a Carta Constitucional de 1988 não apenas pluralizou o conceito de entidade familiar como também elencou uma série de princípios de caráter individual. Segundo Delma Ibias, “princípio significa ‘verdades primeiras’ e, no sentido jurídico, é regra fundamental, contendo verdade universal sobre questão de direito”20. Eles consagram valores universais e servem para balizar todas as regras, as quais não podem afrontar as diretrizes contidas nos princípios21. O Constituinte de 1988, além de ter consagrado expressamente uma gama variada de direitos fundamentais sociais, considerou todos os direitos fundamentais como normas de aplicabilidade imediata22. Assim, conforme Gilmar Mendes, “os juízes podem e devem aplicar diretamente as normas constitucionais para resolver os casos sob a sua apreciação. Não é necessário que o legislador venha, antes, repetir ou esclarecer os termos da norma constitucional, para que ela seja aplicada”23. A Constituição fixa os princípios fundamentais, disciplina a organização e o procedimento em virtude dos quais deve se formar a unidade política a ser exercida a atuação estatal. Isso Machado. 2. ed. Rio de Janeiro: Record, 1999. p. 386. 20 IBIAS, Delma Silveira. Aspectos jurídicos acerca da homossexualidade. In: Instituto Interdisciplinar de Direito de Família – IDEF. Homossexualidade. Discussões jurídicas e psicológicas. Curitiba: Juruá, 2001. p. 78. 21 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias, p. 48. 22 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, p. 255. 23 MENDES, Gilmar Ferreira et al. Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2000. p. 134.
não significa, contudo, que ela seja um “código” exaustivo da vida política24.
que lhe conferem individualidade e imprimem sua dinâmica pessoal27.
As uniões homoafetivas são constituídas das mesmas características das uniões heterossexuais, contudo sem apresentar diversidade de sexo. O primordial e o instrumento integralizador é, e sempre será, o afeto25. A partir de agora, passaremos a abordar os princípios constitucionais que entendemos serem aplicáveis à presente temática.
Defende Gustavo Tepedino:
O princípio da dignidade da pessoa humana está previsto no art. 1º, inciso III, da Carta Constitucional, elencado com um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito. É um macroprincípio sob o qual irradiam e estão contidos outros princípios e valores essenciais, como a liberdade, autonomia privada, cidadania, igualdade, alteridade e solidariedade26.
Conforme José Carlos Teixeira Giorgis: É algo que pertence necessariamente a cada um e não pode ser perdido e alienado. A dignidade da pessoa humana reclama que o Estado guie suas ações tanto no sentido de preservar a dignidade existente, quanto objetivando a promoção desta, especialmente criando condições que possibilitem o pleno exercício e fruição da dignidade.29
Esse princípio possui como núcleo essencial a ideia de que a pessoa humana é um fim em si mesma, não podendo ser instrumentalizada ou descartada em função das características
Sob a ótica do melhor interesse da pessoa, não podem ser protegidas algumas entidades familiares e desprotegidas outras, pois a exclusão refletiria nas pessoas que as integram por opção ou por circunstâncias da vida, comprometendo a realização do princípio da dignidade humana30. Assim, o princípio da digni-
24 DINIZ, Márcio Augusto de Vasconcelos. Constituição e hermenêutica constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003. p. 190. 25 Leciona Ivone Maria Candido Coelho de Souza que “nas questões da sexualidade humana, sejam as consideradas normais ou as declaradas proscritas, em sociedades antigas e modernas, o traço especial de complexidade conferido pelo afeto, seja qual for a sua natureza, estará onipresente” (SOUZA, Ivone Maria Candido Coelho de. Homossexualismo, uma instituição reconhecida em duas grandes civilizações. In: Instituto Interdisciplinar de Direito de Família – IDEF. Homossexualidade. Discussões jurídicas e psicológicas. Curitiba: Juruá, 2001. p. 78). 26 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores para o direito de família. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. p. 94.
27 RIOS, Roger Raupp. O princípio da igualdade e a discriminação por orientação sexual. A homossexualidade no direito brasileiro e americano. São Paulo: RT, 2002. p. 89. 28 TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 33. 29 GIORGIS, José Carlos Teixeira. A relação homoerótica e a partilha de bens. In: Instituto Interdisciplinar de Direito de Família – IDEF. Homossexualidade: discussões jurídicas e psicológicas. Curitiba: Juruá, 2001. p. 132. 30 Segue o autor: “Consulta a dignidade da pessoa humana a liberdade de escolher e constituir a entidade familiar que melhor corresponda à sua realização existencial. Não pode o legislador definir qual a melhor e mais
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1.2.1.1 Dignidade da pessoa humana
A escolha da dignidade da pessoa humana como fundamento da República, associada ao objetivo fundamental de erradicação da pobreza e da marginalização, e de redução das desigualdades sociais, justamente com a previsão do § 2º do art. 5º, no sentido de não exclusão de quaisquer direitos e garantias, mesmo que não expressos, desde que decorrentes dos princípios adotados pelo Texto Maior, configuram uma verdadeira ‘cláusula geral de tutela da pessoa humana’, tomada como valor máximo pelo ordenamento.28
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dade humana significa, em última análise, igual dignidade para todas as entidades familiares31. Sob esse matiz de promoção e efetivação das capacidades e atributos humanos, a norma constitucional se propõe a viabilizar a plena realização das mais diversas necessidades do ser humano32. Assim, os integrantes das uniões homoafetivas são titulares de respeito de sua dignidade na integralidade, sendo descabida “toda e qualquer forma de violação da dignidade do homem”33. Uma das principais aplicações do princípio da dignidade está no direito à livre orientação sexual, constituindo direito personalíssimo, atributo inerente à pessoa humana. Afinal, ninguém pode realizar-se como ser humano se não tiver assegurado o respeito ao exercício da sexualidade, conceito que compreende tanto a liberdade sexual como a liberdade à livre orientação sexual34. Nas palavras de Gley Costa, podemos dizer que “o homossexual, da mesma forma que o heterossexual, não escolhe sua orientação sexual, ele não tem opção, é algo que acontece”35.
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O direito a tratamento igualitário independe da tendência afetiva. Todo ser humano tem o direito de exigir respeito ao livre exercício da sexualidade.
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adequada” (LÔBO, Paulo Luiz Netto. Entidades familiares constitucionalizadas: para além do numerus clausus. Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre, n. 12, p. 46, jan./fev. 2002). 31 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias, p. 176. 32 GIRARDI, Viviane. Famílias contemporâneas, filiação e afeto: a possibilidade jurídica da adoção por homossexuais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 50. 33 FARIAS, Cristiano Chaves de. Op. cit., p. 135. 34 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias, p. 176. 35 COSTA, Gley P. Op. cit., p. 97.
Conforme José Afonso da Silva, tentou-se introduzir, na Constituição, uma norma que vedasse claramente as discriminações aos homossexuais, mas não se encontrou uma expressão nítida e devidamente definida que não gerasse extrapolações inconvenientes. Segundo o autor, optou-se “por vedar distinções de qualquer natureza e qualquer forma de discriminação, que são suficientemente abrangentes para recolher também aqueles fatores, que têm servido de base para desequiparações e preconceitos”36. Como a orientação sexual é traço constitutivo fundamental da individualidade humana, integrando, inclusive, sua estrutura biológica, inquestionável que qualquer discriminação concernente a tal característica viola a privacidade do indivíduo, o que é rechaçado pelo princípio constitucional da dignidade da pessoa humana37. A ausência de expressa previsão do critério orientação sexual não é obstáculo para seu reconhecimento, não bastasse a explícita abertura constitucional para hipóteses não arroladas explicitamente no texto normativo, previstas no final do art. 3º, IV, quaisquer outras formas de discriminação38. Todos têm o direito de optar. E a opção pela orientação sexual é demonstrada pela escolha de um companheiro de vida, seja heterossexual ou homossexual. Pode a pessoa abster-se sexualmente ou satisfazer seu desejo escolhendo pessoas do mesmo sexo ou de sexo diverso. Não importa o sexo da pessoa eleita, 36 SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 223. 37 FIGUEIRAS, Fernanda Louro. Aspectos constitucionais da união de pessoas do mesmo sexo. In: PORTO, Sergio Gilberto; USTÁRROZ, Daniel. Tendências constitucionais no direito de família. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 110. 38 RIOS, Roger Raupp. Op. cit., p. 71-72.
pessoas42. Notável é a conclusão de Celso Antônio Bandeira de Mello: “Ao se cumprir uma lei, todos os abrangidos por ela hão de receber tratamento parificado, sendo certo, ainda, que ao próprio ditame legal é interdito deferir disciplinas diversas para situações equivalentes”43.
Ventilar-se a possibilidade de desrespeito ou prejuízo a um ser humano, em função da orientação sexual, significa dispensar tratamento indigno a um ser humano40, o que se mostra totalmente desarrazoado e descabido.
O discurso da igualdade está intrinsecamente vinculado à cidadania, outra categoria da contemporaneidade que pressupõe também o respeito às diferenças. Se todos são iguais perante a lei, todos estão incluídos no laço social, segundo Rodrigo da Cunha Pereira. Em seguida, defende que “a construção da verdadeira cidadania só é possível na diversidade. Em outras palavras, a formação e construção da identidade se fazem a partir da existência de um outro, de um diferente. Se fôssemos todos iguais, não seria necessário falar de igualdade”44.
1.2.1.2 Igualdade A Constituição prevê que “todos são iguais perante a lei”. Dessa forma, o princípio da igualdade não se presta a tão somente nivelar os cidadãos diante da norma legal, mas sim que a edição da lei não possa ser fonte de desigualdade. O princípio da igualdade, em sua dimensão formal, objetiva a superação das desigualdades entre as pessoas, por intermédio da aplicação da mesma lei para todos, vale dizer, mediante a universalização das normas jurídicas em face de todos os sujeitos de direito41. O princípio da igualdade formal no Estado de Direito decorre e realiza-se na perspectiva de ser vedado às autoridades estatais negar o direito vigente em favor ou às custas de algumas 39 FUGIE, Érika Harumi. A união homossexual e a constituição federal. Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre, n. 15, p. 144, out./dez. 2002. 40 GIORGIS, José Carlos Teixeira. A relação homoerótica e a partilha de bens. Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre, n. 9, p. 140, abr./jun. 2001. 41 RIOS, Roger Raupp. A homossexualidade no direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado e Esmafe, 2001. p. 70.
Assim, não há como fugir da analogia com as demais relações que têm o afeto por causa e, assim, reconhecer a existência de uma entidade familiar à semelhança do casamento e da união estável. O óbice constitucional, estabelecendo a distinção de sexos ao definir a união estável, não impede o uso dessa forma integrativa de um fato existente e não regulamentado ao sistema jurídico. A identidade sexual não serve de justificativa para buscar-se qualquer outro ramo do Direito que não o direito das famílias. Ao fazer uso dos princípios gerais do Direito, o aplicador deve abeberar-se dos princípios introduzidos pela Constituição como norteadores do Estado Democrático de Direito45.
42 GIRARDI, Viviane. Op. cit., p. 74. 43 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 10. 44 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores para o direito de família, p. 140-141. 45 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias, p. 179.
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se idêntico ou diferente daquele que escolhe. Se aos olhos sociais o indivíduo nada sofre ao se unir a uma pessoa do sexo oposto, mas recebe rechaça por direcionar seu desejo a alguém do mesmo sexo, há notório tratamento discriminatório em razão de sua orientação sexual39.
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A verdadeira liberdade e ideal de justiça estão naqueles ordenamentos jurídicos que asseguram um Direito de Família que compreenda a essência da vida: dar e receber amor46.
1.2.2 I gualdade e reconhecimento por meio da jurisprudência Embora se declare um país laico, notável é a influência da religiosidade em nosso processo legislativo. Prova disso é que, apesar de vários anos em tramitação no Congresso Nacional, os projetos que buscam o reconhecimento de direitos aos homossexuais nunca foram votados. Merecem destaque o Projeto de Lei nº 1.151, apresentado pela então Deputada Marta Suplicy no ano de 1995 e o substitutivo do projeto apresentado pelo Deputado Roberto Jefferson no ano seguinte. Em geral, tanto o legislador como o Magistrado têm a tendência de assumir o papel de guardiões da moral e dos bons costumes, punindo com a pena de invisibilidade quem ousa se afastar do que é aceito como normal e correto47.
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Apesar do silêncio legislativo, as uniões homoafetivas têm apresentado avanços significativos no reconhecimento de seus direitos, graças ao seu reconhecimento por meio da jurisprudência.
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De modo pioneiro, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul fixou a competência da Vara de Família para julgar ação decorrente de relacionamento homossexual. A partir de então, as ações de dissolução das uniões de pessoas do mesmo sexo deixaram de ser tratadas como dissolução de sociedades de 46 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Família, direitos humanos, psicanálise e inclusão social. Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre, n. 16, p. 11, jan./mar. 2003. 47 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito e a justiça, p. 101.
fato (que possuem caráter eminentemente obrigacional) para tramitar nas Varas de Família48. Em 2001, sob relatoria do Desembargador José Carlos Teixeira Giorgis, a Vara de Família conferiu direitos sucessórios a uma relação homoafetiva49. No acórdão, os julgadores utilizando-se da analogia aplicaram à união homoafetiva os regramentos sucessórias pertinentes a união estável, partilhando assim a metade dos bens adquiridos na constância da convivência. Nos anos seguintes, uma série de julgamentos utilizando a aplicação de tal entendimento seguiram colocando o TJRS como referência no País no reconhecimento dos direitos da sexualidade.
48 “RELAÇÕES HOMOSSEXUAIS – COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO DE SEPARAÇÃO DE SOCIEDADE DE FATO DOS CASAIS FORMADOS POR PESSOAS DO MESMO SEXO – Em se tratando de situações que envolvem relações de afeto, mostra-se competente para o julgamento da causa uma das Varas de Família, à semelhança das separações ocorridas entre casais heterossexuais. Agravo provido.” (TJRS, Agravo de instrumento nº 599075496, 8ª Câmara Cível, Rel. Des. Breno Moreira Mussi, Julgado em 17.06.1999) 49 “UNIÃO HOMOSSEXUAL – RECONHECIMENTO – PARTILHA DO PATRIMÔNIO – MEAÇÃO – PARADIGMA – Não se permite mais o farisaísmo de desconhecer a existência de uniões entre pessoas do mesmo sexo e a produção de efeitos jurídicos derivados dessas relações homoafetivas. Embora permeadas de preconceitos, são realidades que o Judiciário não pode ignorar, mesmo em sua natural atividade retardatária. Nelas remanescem conseqüências semelhantes às que vigoram nas relações de afeto, buscando-se sempre a aplicação da analogia e dos princípios gerais do direito, relevados sempre os princípios constitucionais da dignidade humana e da igualdade. Desta forma, o patrimônio havido na constância do relacionamento deve ser partilhado como na união estável, paradigma supletivo onde se debruça a melhor hermenêutica. Apelação provida, em parte, por maioria, para assegurar a divisão do acervo entre os parceiros.” (TJRS, Apelação Cível nº 70001388982, 7ª Câmara Cível, Rel. Des. José Carlos Teixeira Giorgis, Julgado em 01.03.2000)
A Corte referência constitucional à dualidade básica homem/ mulher, no § 3º do seu art. 226, deve-se ao centrado intuito de não se perder a menor oportunidade para favorecer relações jurídicas horizontais ou sem hierarquia no âmbito das sociedades domésticas. Reforço normativo a um mais eficiente combate à renitência patriarcal dos costumes brasileiros. Ante a possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso ou discriminatório do art. 1.723 do Código Civil, não resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a utilização da técnica de “interpretação conforme à Constituição”. Isso para excluir do dispositivo em causa qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva. 50 ADIn 4277, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ayres Britto, Julgado em 05.05.2011, DJe-198, Divulg. 13.10.2011, Public. 14.10.2011. 51 ADPF 132, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ayres Britto, Julgado em 05.05.2011, DJe-198 Divulg. 13.10.2011, Public. 14.10.2011.
Em seguida, o Tribunal, ainda por votação unânime, julgou procedentes as ações, com eficácia erga omnes e efeito vinculante, autorizados os Ministros a decidirem monocraticamente sobre a mesma questão. A partir das paradigmáticas decisões, outras tão importantes vitórias foram obtidas. Em julho de 2011, a Advogada gaúcha Denise Franke, acompanhada dos colegas Claudio Tessari e Roger Caetano obtiveram no Superior Tribunal de Justiça a aplicação da analogia da união estável heterossexual em relação à união homoafetiva52. Às vésperas do dia 28 de junho de 2011 – conhecido internacionalmente como Dia do Orgulho LGBT –, chega a notícia de que no interior de São Paulo houve, pela primeira vez na história, a conversão de uma união estável homoafetiva em casamento53. Depois dessa decisão, outros pedidos também foram deferidos judicialmente, inclusive casos de casamento direto, sem prévia união estável54. 52 STJ, REsp 827.962/RS (2006/0057725-5), Rel. Min. João Otávio de Noronha, J. 21.06.2011. 53 “Pedido de conversão de união estável homoafetiva em casamento.” (TJSP, Comarca de Jacareí, nº 1209/2011, Juiz de Direito Fernando Henrique Pinto, J. 27.06.2011) 54 Brasília/DF (Proc. 101695-7/2011, Juíza de Direito Sub. Junia de Souza Antunes, J. 28.06.2011; 5ª Vara de Família, Proc. 2011.01.1.145424-4, Juiz de Direito Subst. Josmar Gomes de Oliveira, J. 30.08.2011), Cajamar/SP (1ª Vara, Autos nº 343/2011, Juíza de Direito Adriana Nolasco da Silva, J. 20.07.2011), Recife/PE (1ª Vara de Família e Registro Civil, Juiz de Direito Clicério Bezerra e Silva, J. 02.08.2011), Dracena/SP (Protocolo nº 363/2011, Juiz de Direito Bruno Machado Miano, J. 04.08.2011), Jardinópolis/SP (Protocolo nº 230/2011, Juíza de Direito Débora Cristina Fernandes Ananias, J. 09.08.2011), Franco da Rocha/SP (SP, Proc. nº indisponível, Juiz de Direito Fernando Dominguez Guiguet Leal, J. 19.08.2011) e Soledade/RS (RS, Proc. 1.11.0002825-0, Juiz de Direito José Pedro Guimarães, J. 13.09.2011).
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O ano de 2011 marcou, na história dos direitos fundamentais no Brasil, um verdadeiro divisor de águas. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4277, proposta pela Procuradoria-Geral da República com o objetivo do reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar e a extensão dos direitos e deveres dos companheiros nas uniões estáveis às uniões homoafetivas50 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 132 proposta pelo Governador do Rio de Janeiro em face da omissão da legislação que regula o serviço público em relação às uniões homoafetivas, buscando a equiparação da união homoafetiva à união estável51, reconheceu à unanimidade, a possibilidade do reconhecimento dos direitos aos casais formados por pessoas do mesmo sexo.
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O acontecimento é consequência lógica do histórico julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal, que equiparou a proteção jurídica estatal concedida às uniões convivenciais entre heterossexuais às uniões homoafetivas. Isso porque o art. 226, § 3º, da Constituição Federal, que dispõe sobre a união estável, prevê que “a lei deve facilitar sua conversão em casamento.” Contudo, o legislador não atendeu a incumbência de simplificar o procedimento, uma vez que, conforme o art. 1.726 do Código Civil, para que seja possível tal conversão, é necessária a autorização judicial e, posteriormente, o assento no Registro Civil. Enquanto isso, os Poderes Judiciário e Executivo, atendendo a clamor social de justiça e equilíbrio, apesar das resistências e preconceitos, começam a dar efetividade às normas e aos princípios constitucionais e a dispensar tratamento especial ao tema, objetivando não mais excluí-lo, pois a orientação de cada ser humano, especialmente no campo sexual, deve ser respeitada. A livre opção sexual é direito de todos e não pode ser motivo para desqualificar um cidadão.
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A possibilidade de conversão da união estável entre pessoas de sexo idêntico em casamento é imposta pela presença de todos os elementos que caracterizam as uniões estáveis e as entidades familiares: convivência duradoura e contínua, assistência mútua e, especialmente, laços afetivos.
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O certo é que, a partir de agora – mesmo ainda necessitando de intervenção judicial – o Brasil passa a figurar no rol de países que possibilitam e aceitam juridicamente o casamento gay, ainda que na forma da conversão, em uma patente demonstração de acatamento das diferenças, sem hipocrisias, possibilitando, acima de tudo, a felicidade de seus cidadãos.55 55 FRANKE, Denise; ROSA, Conrado Paulino da. Casamento gay e o dia mundial do orgulho LGBT. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/_img/ artigos/Casamento%20Gay%2030_06_2011%20corrigido.pdf>. Acesso
Em se tratando de habilitação para o casamento, outra vitória foi conquistada no Superior Tribunal de Justiça, sob a relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, no final de outubro de 2011. O caso, originário do Rio Grande do Sul, objetivava o pedido de habilitação para o casamento de duas mulheres que já se relacionam de maneira estável três anos antes da postulação. Como o pedido foi negado por dois Cartórios de Registros Civis de Porto Alegre/RS, o casal ingressou com a ação. As uniões homoafetivas em nada diferem das demais entidades familiares existentes, e a falta de regulamentação não travará a existência das uniões já formadas. Do mesmo modo, a previsão em legislação também não fará aumentar o número de pessoas adeptas da prática homossexual. Não sendo a união homoafetiva reconhecida tal qual uma união estável, o princípio da justiça não estará sendo aplicado, porquanto inatendidos os princípios da igualdade, do direito à opção sexual, da privacidade, da sociedade justa, solidária, fraterna, do reconhecimento do afeto como valor jurídico e do pluralismo jurídico56. É preciso uma comunhão de vida e interesses, sobretudo o ânimo recíproco de constituir uma entidade familiar, afinal, não há um só modelo de família que todos sejam obrigados a seguir57. À guisa de conclusão, impende destacar que, na verdade, “o ser humano deveria ser estimulado a dar uma importância maior ao fato de se sentir mais ou menos feliz em seus relacionamenem: 30 jun. 2011. 56 WELTER, Belmiro Pedro. Alimentos no código civil. Porto Alegre: Síntese, 2003. p. 220. 57 FERNANDES, Taísa Ribeiro. Uniões homossexuais e seus efeitos jurídicos. São Paulo: Método, 2004. p. 80.
2 FIXAÇÃO DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR NAS RELAÇÕES HOMOAFETIVAS 2.1 Da obrigação alimentar O dever de prestar alimentos é obrigação imposta àqueles a quem a lei determina que prestem o necessário para a manutenção de outro, conforme elenca Fabiana Marion Spengler, “seja por imposição legal, contratual ou em função de algum delito cometido”59. Em síntese, tudo aquilo que é necessário à conservação do ser humano com vida60, tendo como ciclo inicial a concepção, estendendo-se até o final da vida61, assegurando a sobrevivência dos integrantes do núcleo familiar. Alimentos naturais são os indispensáveis para garantir a subsistência, como alimentação, vestuário, saúde, habitação, educação, também chamados de necessarium vitae. Alimentos civis são os destinados a manter a qualidade de vida do credor, de modo a preservar o padrão de vida e o status social, também chamados necessarium personae62. 58 COSTA, Gley P. Op. cit., p. 107. 59 SPENGLER, Fabiana Marion. Alimentos: da ação à execução. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. p. 33. 60 CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 11. 61 Nesse sentido Vera Mikevis Sobreira (SOBREIRA, Vera Mikevis. Alimentos decorrentes da união estável e do concubinato. In: CAHALI, Francisco José; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Alimentos no código civil. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 80). 62 RODRIGUES, Silvio. Direito civil. 28. ed. São Paulo: Saraiva, v. 6, 2004. p. 382.
Rodrigo da Cunha Pereira defende que a obrigação alimentar é decorrente também do Princípio da Solidariedade, objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, consoante o art. 3º, I e III, da Constituição Federal: A solidariedade, inerente à família – principalmente a nuclear e a binuclear, nas quais as pessoas são valorizadas por ser a atual da família núcleo do companheirismo –, é elemento propulsor da jurisdicização do amparo recíproco entre os membros da família. [...] Em face do Princípio da Solidariedade, a fundamentação do cabimento dos alimentos, ou seja, a fonte da obrigação alimentar, são os laços de parentalidade que ligam as pessoas que constituem uma família, independente de seu tipo, ou seja, casamento, união estável, famílias monoparentais, homoafetivas, parentalidade socioafetiva, entre outras63.
A obrigação alimentícia sempre pressupõe a existência de um vínculo jurídico64, decorrendo assim, no âmbito do Direito de Família, do poder familiar, do parentesco, da dissolução do casamento ou da união estável. Além dos vínculos decorrentes do Direito de Família, a obrigação pode ter início com ato ilícito (com finalidade indenizatória), decorrente de vontade das partes contratualmente ou até mesmo de liberalidade como, por exemplo, o caso do alimentorum legatum, no qual o testador determina que seu herdeiro assuma o encargo de alimentar o legatário65. 63 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Teoria geral dos alimentos. In: CAHALI, Francisco José; ______ (Coord.). Alimentos no código civil. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 2. 64 FARIAS, Cristiano Chaves de. Alimentos decorrentes do parentesco. In: CAHALI, Francisco José; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Alimentos no código civil. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 28. 65 PORTO, Sérgio Gilberto. Doutrina e prática dos alimentos. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 35.
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tos afetivos, independente de sua conotação homossexual ou heterossexual”58.
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Para sua quantificação, forte no art. 1.694, a obrigação alimentar deve, como regra, permitir a manutenção do mesmo padrão de vida que desfrutava o alimentando antes da imposição do encargo. Tal fixação, conforme prevê o parágrafo primeiro do supracitado artigo, obedecerá à proporcionalidade entre as necessidades de quem pede e as possibilidades de quem alcançará a verba alimentar. Em relação à sociedade conjugal, até seu reconhecimento como entidade familiar pela Constituição Federal de 1988, a união estável (denominada concubinato) era relegada ao direito obrigacional, sendo reconhecido apenas direito à indenização por serviços prestados66. Dessa forma, a Constituição acabou por reconhecer juridicidade ao afeto, ao elevar as uniões constituídas pelo vínculo de afetividade à categoria de entidade familiar67.
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Atualmente, tal qual ocorre no casamento, a obrigação alimentar entre os conviventes é decorrente do dever de mútua assistência, previsto no art. 1.724 da codificação civil.
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A obrigação se estende durante todo o período de convivência. Sua falta, por omissão desleixo ou proposital conduta, caracteriza grave infração contratual, de modo a justificar a dissolução da união estável. Ocorrida a rescisão, persiste a obrigação alimentar de assistência ao companheiro necessitado, tal como se dá na esfera conjugal desfeita por separação68. 66 SOBREIRA, Vera Mikevis. Alimentos decorrentes da união estável e do concubinato. In: CAHALI, Francisco José; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Alimentos no código civil. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 80. 67 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias, p. 146. 68 OLIVEIRA, Euclides de. União estável: do concubinato ao casamento. Antes e depois do novo código civil. 6. ed. São Paulo: Método, 2003. p. 167.
Impende destacar que a obrigação alimentar relaciona-se não apenas ao direito à vida e à integridade física da pessoa, mas, principalmente, à realização da Dignidade Humana, proporcionando ao necessitado condições materiais de manter sua existência69.
2.2 Cabimento da fixação da verba alimentar nas uniões homoafetivas Inserida a homoafetividade no conceito de entidade familiar, o silêncio da lei enseja a aplicação das normas que regulamentam as uniões estáveis70 dada “a identidade das situações, ou seja, estão presentes, tanto em uma quanto em outra, os requisitos de uma vida comum, como respeito, afeto, solidariedade, assistência mútua e tantos outros”71. Até o surgimento da Lei nº 8.971, em 1994, não havia previsão, no ordenamento jurídico brasileiro, de fixação de verba alimentar para integrantes de relações estranhas ao casamento. Com o regramento, a obrigação alimentar foi disposta no art. 1º da citada lei: A companheira comprovada de homem solteiro, separado judicialmente, divorciado, ou viúvo, que com ele viva há mais de cinco anos, ou dele tenha prole, poderá valer-se do disposto na Lei nº 5.478/1968, enquanto não constituir nova união e desde que prove a necessidade.
Em 1996, foi promulgada a Lei nº 9.278, regulamentando o § 3º do art. 226 da Constituição Federal, elencando, entre outros, como direitos e deveres iguais dos conviventes, a assistência moral e 69 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Teoria geral dos alimentos. In: CAHALI, Francisco José; ______ (Coord.). Alimentos no código civil, p. 2. 70 DIAS, Maria Berenice. Homoafetividade: o que diz a justiça! Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 93. 71 FERNANDES, Taísa Ribeiro. Op. cit., p. 69.
No momento da fixação da obrigação alimentar, deverá ser considerada a relação de dependência econômica e a impossibilidade, momentânea ou não, de a pessoa prover sua própria subsistência. Na base do pedido, assim como no casamento, em sua mais moderna concepção, deverá estar demonstrada a necessidade em razão de uma relação de dependência econômica entre os parceiros e a dificuldade ou impossibilidade de sua subsistência72. As uniões homoafetivas, embora não positivadas em nosso ordenamento jurídico, vem sendo reconhecidas, com o que acreditamos ser possível que os alimentos daí decorrentes encontrem o devido respaldo na doutrina e na jurisprudência de vanguarda do Tribunal de Justiça gaúcho73. Conforme leciona Cristiano Chaves de Farias: Os alimentos são devidos nas uniões homoafetivas, eis que decorrem, logicamente, de princípios constitucionais, especialmente do dever de solidariedade social (art. 3º da CF) e da afirmação da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF), que, repita-se à exaustão, não pode ser vislumbrado como valor abstrato, desprovido de concretude, reclamando aplicação específica, viva, pulsante.74
algo mais que o sentimento de afeto recíproco entre os companheiros e menos que o vínculo conjugal na relação matrimonial. Consiste na vontade específica de firmar uma relação íntima e estável de união, compartilhando as vidas e os bens. Pressupõe uma espontânea solidariedade dos companheiros em partilhar as responsabilidades que naturalmente derivam da vida em comum75. A obrigação alimentar entre os integrantes das uniões homoafetivas decorre do dever de mútua assistência, portanto, pode ser deferida aos parceiros uma vez constatado o binômio necessidade-possibilidade76. Merecem ser trazidos à baila os argumentos de Taísa Ribeiro Fernandes: Se, em nossa opinião, as uniões de fato entre duas pessoas homossexuais se equivalem às uniões estáveis e, tanto quanto estas, constituem uma entidade familiar; com base, ainda, em todos os preceitos constitucionais [...] especialmente os da igualdade e dignidade da pessoa humana, não podemos deixar de concluir que existe, sim, obrigação alimentar entre companheiros homossexuais e, enquanto deles não for regulada em lei específica, aplicam-se os dispositivos do Código Civil que tratam dos alimentos entre cônjuges e companheiros.77
Nesse sentido, defende Fabiana Marion Spengler:
A convivência consensual estabelecida fisicamente entre duas pessoas consiste na chamada affectio maritalis. A affectio supõe
O Código Civil atual evidencia a obrigação de prestar alimentos entre os companheiros, não fazendo qualquer ressalva quanto à orientação
72 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e união estável de acordo com o novo código civil, p. 85. 73 SPAGNOLO, Juliano. Uma visão dos alimentos através do prisma fundamental da dignidade da pessoa humana. In: PORTO, Sergio Gilberto; USTÁRROZ, Daniel. Tendências constitucionais no direito de família. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 150. 74 FARIAS, Cristiano Chaves de. Escritos de direito de família,. p. 143.
75 FUGIE, Érika Harumi. A união homossexual e a constituição federal. Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre, n. 15, p. 135, out./dez. 2002. 76 CUNHA, Graciela Leães Álvares da; MOREIRA, José Alberto Marques. Os efeitos jurídicos da união homossexual. Porto Alegre: Data Certa, 1999. p. 162. 77 FERNANDES, Taísa Ribeiro. Op. cit., p. 92-93.
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material recíproca (art. 2º, II) e também que, na dissolução da união estável, a assistência material será prestada por meio da obrigação alimentar ao convivente que dela necessitar (art. 7º).
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sexual da união, deixando de determinar a prestação de verba alimentar como obrigação apenas nos casos de uniões heterossexuais.78
Não pode a justiça possibilitar situações de desigualdades e injustiças. Como mostramos no capítulo anterior, muitos foram os avanços que a homoafetividade obteve graças à jurisprudência. Assim, é vital que se consagre também o direito à prestação alimentícia durante e ao término dos relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo, bem como à prole decorrente da filiação homoafetiva do casal. As uniões homoafetivas não são uma novidade, mas sua visibilidade sim, o que, na prática, transmuta-as em fatos novos. E como tudo o que é novo, sofre resistências79.
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Dessarte, já firmado nosso entendimento de que as uniões homoafetivas se enquadram em nosso ordenamento jurídico como entidades familiares, nada impede a fixação da verba alimentar entre seus integrantes. Assim, em boa hora a Justiça do Mato Grosso, de maneira inédita, fixou liminarmente alimentos em uma união homoafetiva a ser paga no montante de dois salários-mínimos por uma advogada a sua ex-companheira que durante o relacionamento, que perdurou por mais de sete anos, dedicou-se com exclusividade aos cuidados do lar80.
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78 SPENGLER, Fabiana Marion. União homoafetiva: o fim do preconceito. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2003. p. 126. 79 SAPKO, Vera Lúcia da Silva. Do direito à paternidade e maternidade dos homossexuais: sua viabilização pela adoção e reprodução assistida. Curitiba: Juruá, 2005. p. 62. 80 “[...] É inconteste que o relacionamento homoafetivo é um fato social que se perpetuou através dos séculos, não podendo o Judiciário se olvidar de prestar a tutela jurisdicional a uniões que, enlaçadas pelo amor, assumem a feição de família. A união pelo amor é que caracteriza a entidade familiar e não a diversidade de gêneros.
Há de se considerar que o afeto é a mais pura exteriorização do ser e do viver, de forma que a marginalização das relações mantidas entre pessoas
A seguir, elencaremos as possibilidades e limites da obrigação alimentar nesses relacionamentos.
2.2.1 Entre os companheiros Uma das principais diferenciações existentes, nas uniões heterossexuais, entre o casamento e a união estável é que, no primeiro, existe prova pré-constituída quanto ao início do relacionamento, qual seja a certidão de casamento civil ou religioso; na última, a comprovação da convivência do casal é feita ao decorrer da demanda, já que é necessária instrução probatória para comprovação do lapso de tempo que durou o relacionamento. do mesmo sexo constitui forma de privação do direito à vida, em atitude manifestamente preconceituosa e discriminatória.
É necessário deixarmos de lado as aparências para nos atermos à essência.
[...] Mesmo não estando contemplados no art. 1.694 do novo Código Civil, que prevê sua possibilidade apenas entre parentes, cônjuges ou companheiros – entendo que os alimentos são devidos na união homoafetiva, eis que decorrem, logicamente, de princípios constitucionais, especialmente do dever de solidariedade social e da afirmação da dignidade da pessoa humana, que não pode ser vislumbrado como valor abstrato, desprovido de concretude.
Assim, se a relação homoafetiva, como qualquer outro relacionamento heterossexual, lastreia-se no afeto e na solidariedade, não há motivo para deixar de reconhecer o direito a alimentos em favor daquele que necessita de proteção material.
Considerando que no caso em análise estão demonstrados, em juízo provisório, os requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora, bem como a necessidade da companheira/requerente que sempre exerceu atividades domésticas, e da possibilidade da companheira/requerida que é advogada atuante, entendo cabível a fixação de alimentos provisórios em favor da requerente.” (TJMT, Comarca de Tangará da Serra, Processo nº 1067/2007, 2ª Vara Cível, Relª Dra. Olinda de Quadros Altomare Castrillon, Julgado em 28.11.2007)
Todavia, na dissolução das relações homoafetivas, o preconceito, mais uma vez, serve como entrave aos seus integrantes, gerando maiores injustiças. Salvo no caso de o casal ter firmado um contrato, a questão de prova nas uniões é rarefeita. Muitas vezes, seja para esconder o relacionamento da família, seja por motivos profissionais, um ou ambos os integrantes não demonstram para a sociedade a sua condição homossexual. Assim, nesses casos, como comprovar o vínculo? Eles não terão a vantagem probatória que os integrantes das uniões estáveis heterossexuais possuem: fotos de viagem ou em festas de família e até mesmo depoimentos testemunhais.
Por conseguinte, defende Fabiana Marion Spengler:
Ultrapassadas as questões de prova, temos que a obrigação alimentar, nas relações homoafetivas, é decorrente do dever de mútua assistência existente entre os companheiros e também entre os cônjuges.
2.2.2 Decorrentes de filiação homoafetiva
O dever alimentar entre os parceiros homossexuais parte de uma perspectiva moral, desembocando em um verdadeiro dever de solidariedade, decorrente da própria união82. O dever de assistência material (dever de socorro) é “reflexo da solidariedade e da comunhão de interesses que normalmente existem nessas relações, representando o auxílio econômico recíproco, a repartição dos encargos, dos custos do lar”83. 81 MATOS, Ana Carla Harmatiuk. União entre pessoas do mesmo sexo: aspectos jurídicos e sociais. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 89. 82 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito e a justiça!, p. 98. 83 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. O companheirismo: uma espécie
Extinta a relação entre os companheiros e verificada a necessidade de um dos integrantes, imperiosa é a fixação da verba alimentar85.
A filiação homoafetiva pode ocorrer tanto por métodos artificiais de reprodução humana quanto por prole advinda de outro casamento por parte de um dos companheiros ou também por uma adoção concedida ao casal86. Como quaisquer outros cidadãos, os integrantes dos relacionamentos homoafetivos têm o direito de tornarem-se pais e mães, de realizarem o sonho de ter filhos como qualquer outra pessoa, de família. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 556. 84 SPENGLER, Fabiana Marion. União homoafetiva: o fim do preconceito, p. 126. 85 Ana Carla Harmatiuk Matos muito bem defende que “não há um fundamento que justifique ser imputada apenas para as uniões heterossexuais a decisão de unir afetivamente duas vidas, compartilhando solidariamente os frutos advindos da convivência diária” (MATOS, Ana Carla Harmatiuk. Op. cit., p. 65). 86 Nesse sentido Zeno Veloso: “A utilização de técnicas de reprodução artificial humana, como a adoção, assim, não pressupõe, para a concretização do desejo de ter filhos, da efetivação de um ato sexual: a adoção resulta de um ato jurídico; a procriação artificial, da intervenção de um médico” (VELOSO, Zeno. Direito brasileiro da filiação e paternidade. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 178).
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Como bem diz Ana Carla Harmatiuk Matos, “verifica-se a proximidade existente entre a união estável heterossexual e a parceria entre pessoas do mesmo sexo. Entretanto, tal estreitamento está relacionado aos aspectos próprios da affectio maritalis sem a presença da formalização”81.
A obrigação alimentar existente junto às relações homoafetivas, como em qualquer outra união que tenha por base a afetividade e o esforço na consecução de objetivos comuns, dentre eles a formação de família, tal obrigação possui alguns pressupostos (de configuração, de exigibilidade e de potencialidade financeira de pagamento) que dizem respeito aos sujeitos e à prestação em relação à qual têm direitos e deveres.84
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de exercer, com autonomia e liberdade, o direito de deliberarem sobre seu corpo e sobre seu projeto parental, pois a dignidade da pessoa humana é da pessoa em qualquer dos gêneros87. O direito à descendência permite aos homossexuais a construção afetiva e a vivência do significado emocional que a relação entre pais e filhos traz aos envolvidos88. Impende destacar que, no presente artigo, não se está a discutir o cabimento ou não da filiação homoafetiva, mas como uma situação decorrente da entidade familiar e seus reflexos quanto à obrigação alimentar89.
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Não podemos olvidar que a negativa de reconhecimento à filiação homoparental escancara flagrante inconstitucionalidade, pois é expressa a proibição de quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. Rejeitar homoparentalidade afronta um leque de princípios, direitos e garantias fundamentais. Crianças e adolescentes têm, com absoluta prioridade, direito
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87 SAPKO, Vera Lúcia da Silva. Op. cit., p. 163. 88 GIRARDI, Viviane. Op. cit., p. 97. 89 Esse exemplo é muito bem tratado por Helder Martinez Dal Col: “Imagine-se, ainda, hipótese mais comum, de homossexual do sexo masculino que adota filho e passa a viver em companhia de outro homem ou, ainda, quando uma pessoa (homem ou mulher) que já tem filhos de um casamento heterossexual, dissolvido pela separação, divórcio ou morte do ex-cônjuge e que com eles viva, constituindo uma família, vem a assumir um relacionamento homossexual e integrar o companheiro ou companheira do mesmo sexo ao grupo doméstico. Não estará consolidando mais um membro à família pré-formada e transmudando-a para uma família formada por homossexuais?” Segue o autor, “O certo é que o direito civil está em processo de reconstrução e não poderá ignorar os problemas sociais para sempre. Chegará o momento em que nosso legislador terá que enfrentar essas e outras questões e disciplinar os direitos e deveres daquelas pessoas humanas dignas que necessitam da proteção do Estado, apesar de suas opções diferenciadas e não-tradicionais” (COL, Helder Martinez Dal. União estável e contratos de namoro no NCCB. Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre, n. 23, p. 137, abr./mai. 2004).
à vida, à saúde, à alimentação, à convivência familiar; e negar o vínculo da filiação é vetar o direito à família90. Deve ser assegurada também aos homossexuais a faculdade do exercitarem a paternidade ou a maternidade como um direito subjetivo conferido a toda e qualquer pessoa independentemente da orientação sexual adotada91-92. Consabido na atualidade que o fator determinante da verdadeira filiação não é a descendência genética, e sim os laços de afeto que são constituídos93. O desenvolvimento da criança depende, fundamentalmente, de que os pais cumpram suas respectivas funções, caso contrário é como se eles não existissem, seja qual for a composição do núcleo familiar. O que não podemos admitir é que, com a dissolução do vínculo entre o par, fique o infante sem a devida assistência material por puro preconceito94. Devemos utilizar como base a recente 90 DIAS, Maria Berenice. Conversando sobre homoafetividade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 133. 91 GIRARDI, Viviane. Op. cit., p. 97. 92 Na mesma linha Vera Lúcia da Silva Sapko: “Os homossexuais, como quaisquer outros cidadãos, têm o direito de tornarem-se pais e mães, de realizar o sonho de ter filhos como qualquer outra pessoa, de exercer, com autonomia e liberdade, o direito de deliberarem sobre seu corpo e sobre seu projeto parental, pois a dignidade da pessoa humana é da pessoa em qualquer dos gêneros” (SAPKO, Vera Lúcia da Silva. Op. cit., p. 163). 93 FACHIN, Luiz Edson. Op. cit., p. 219. 94 Nesse sentido Fabiana Marion Spengler: “Tais formas alternativas de formação alimentar, forjadas pela omissão legal e pelo preconceito, invariavelmente trazem mais prejuízos do que benefícios à criança que se vê despida de direitos personalíssimos como aquele que diz respeito à obrigação alimentar (em caso de dissolução da parceria, por parte de um dos pais ou de uma de suas mães), direitos previdenciários e sucessórios (em caso de morte daquele(a) parceiro(a) que não consta como seu pai ou mãe na certidão de nascimento” (SPENGLER, Fabiana Marion. União homoafetiva: o fim do preconceito, p. 152).
CONCLUSÃO A partir do momento em que o afeto passou a merecer reconhecimento jurídico, a consequência não poderia ser outra: não são mais as leis ou a justiça que determinam quais são as entidades merecedoras da proteção do Estado, mas sim o sentimento existente entre duas pessoas, independentemente de sua orientação sexual, raça, religião ou qualquer outra designação. Apesar de nossos legisladores insistirem em não albergar as relações homoafetivas, avanços significativos foram possíveis graças ao pioneirismo de integrantes da Magistratura, principalmente gaúcha, que possibilitaram travar essa verdadeira locomotiva do preconceito. Tendo em vista o direito à livre orientação sexual e, em consequência, aos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade, qualquer desrespeito a um ser humano, em função da orientação sexual, se mostra totalmente desarrazoado e descabido. Afinal, o direito a tratamento igualitário independe da tendência afetiva, já que a orientação sexual é traço constitutivo da individualidade de cada cidadão. Não existe modelo a ser seguido, mas uma felicidade a ser buscada. Aliás, esse direito à felicidade não pode ser negado pelo Estado. Ultrapassado o entrave do reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar, quando – nas palavras de Rodrigo da
Cunha Pereira – “os restos de amor forem levados ao Judiciário”95 é mister lhe conferir os mesmos direitos assegurados às demais células familiares. Assim, imperioso se mostra assegurar o direito aos alimentos nos relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo, até porque diversos direitos vem sendo reconhecidos na união homoafetiva, não havendo por que fixar resistência à obrigação alimentar. Afinal, quem poderá arcar com o bônus decorrente do fim da relação, também deverá participar com o ônus. Entre os conviventes, tal obrigação se originará do dever de mútua assistência e também do dever de solidariedade social. Extinta a relação entre os companheiros e verificada a necessidade de um dos integrantes, é imperiosa a fixação da verba alimentar. Nos casos de filiação homoafetiva, a qual, como visto, pode ser decorrente tanto de métodos artificiais de reprodução humana ou de adoção concedida ao casal quanto de prole advinda de outro casamento por parte de um dos companheiros, não se pode admitir que, por puro preconceito, com a dissolução do vínculo entre o par, fique o infante sem a assistência material que merece. É necessário pensar e repensar o direito acima de conceitos estigmatizantes e moralizantes, que servem de instrumento de expropriação de cidadania, como defende Maria Berenice Dias96. Afinal, a sociedade deve aprender a aceitar as diferenças e conviver com elas. Como bem defende a Magistrada gaúcha: 95 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. A sexualidade vista pelos tribunais. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p. XVI. 96 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito e a justiça. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 155.
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jurisprudência da casa da Justiça gaúcha como exemplo e possibilidade para fixar também a obrigação alimentar à prole advinda de uma filiação homoafetiva.
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Não mais de concebe conviver com a exclusão e com o preconceito. A justiça não é cega nem surda. Precisa ter os olhos atentos para ouvir o clamor dos que dela esperam. Mister que os juízes deixem de fazer suas togas de escudos para não enxergar a realidade, pois os que buscam a Justiça merecem ser julgados, não punidos.97
Queiramos que um dia, em uma sociedade mais justa e menos preconceituosa, as paradas do Orgulho Gay sejam frequentadas como uma festa da diversidade e não como um apelo pelo fim do preconceito e pela luta do reconhecimento dos direitos. Aliás, esse é o principal papel de cada operador do Direito: garantir a concretização da justiça para aqueles a quem toda sociedade relega a segundo plano ou à singela invisibilidade.
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Doutrina
A Extraterritorialidade Penal e o (Esquecido) “Caso Corinthians” na Bolívia
vislumbrar, ao final, a razão que permitiu não aplicação de sanções ao infrator, bem como as repercussões e projeções do caso, que abre precedentes à impunidade por omissão normativa.
LEONARDO ALVES DE OLIVEIRA
ABSTRACT: This scientific work is presented to elucidate information about criminal extraterritoriality provided for the Penal Code, with the paradigm case occurred in 2013 in Bolivia involving Brazilians, where occurred the murder of a foreigner by authoring a Brazilian, seeking also understand the reason that allowed non-application of sanctions to the offender as well as the implications and projections of the case, which opens the rules to impunity by normative omission.
Pós-Graduando em Direito Constitucional e em Direito Administrativo, Servidor Público do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, Assessor de Gabinete da 1º Vara de Família e Sucessões de Rondonópolis/MT.
RESUMO: O presente trabalho científico é apresentado com o fito de elucidar informações acerca da extraterritorialidade penal, prevista no Código Penal, tendo como paradigma o caso ocorrido em 2013 na Bolívia envolvendo brasileiros, onde ocorrera o homicídio de um adolescente estrangeiro por autoria de um menor tupiniquim, buscando, ainda,
PALAVRAS-CHAVE: Extraterritorialidade penal; caso Corinthians; menor infrator; ECA.
KEYWORDS: Criminal extraterritoriality; Corinthians case; juvenile offender; ECA. SUMÁRIO: Introdução; 1 Desenvolvimento; 1.1 Breve escorço histórico (entendendo o caso); 1.2 A extraterritorialidade e a garantia de punição dos crimes ocorridos no estrangeiro; 1.3 A extraterritorialidade e sua não aplicação aos menores infratores; Conclusão; Referências.
INTRODUÇÃO Foram motivo de grande alvoroço na América do Sul os fatos ocorridos envolvendo alguns torcedores do Sport Club Corinthians Paulista e o jovem torcedor do time de futebol San José, da Bolívia, em fevereiro de 2013, no jogo de estreia do time brasileiro em uma competição internacional. É certo que um brasileiro, adolescente, de 17 (dezessete) anos, já em solo brasileiro, assumiu a autoria da conduta delituosa que ceifou a vida do torcedor boliviano, também menor, de 14 (quatorze) anos.
Contudo, pouco se soube acerca de eventuais consequências penais aplicadas ao infrator, caindo o fato em total esquecimento. O trágico episódio que culminou na morte de um menor boliviano e na prisão de 12 brasileiros leva-nos a fazer diversos questionamentos que permanecem turvos e obscuros, mesmo sob as elucidações feitas pela mídia, mormente acerca da aplicação de penalidades no aludido evento catastrófico. Assim, com o fito de trazer a lume esclarecimentos no que se refere ao caso em apreço, sobretudo sob o prisma da visão do direito penal brasileiro e da aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente, é que apresentamos o presente artigo científico, no afã de compreender melhor a legislação pátria, sua aplicação aos fatos ocorridos nos estrangeiro, tendo como norte o caso paradigmático ocorrido em Oruro, na Bolívia.
1 DESENVOLVIMENTO
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1.1 Breve escorço histórico (entendendo o caso)
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Na noite de 20 de fevereiro de 2013, no Estádio Jesús Bermúdez, em Oruro, Bolívia (a 230 km de La Paz, capital do país), ocorrera uma partida de futebol disputada pela fase inicial da competição popularmente chamada de “Copa Libertadores da América”, que envolve times de vários países da América Latina, sendo que o jogo da referida noite foi entre o clube do Brasil, Corinthians, em face do time boliviano, San José. Ocorre que, durante o jogo de futebol, em que naturalmente havia torcedores de ambos os times, inclusive brasileiros que viajaram até a Bolívia para acompanhar sua equipe de preferência, foi disparado do meio de torcedores corintianos um artefato naval, do tipo sinalizador (não cabendo aqui discutir se o foi de modo doloso ou culposo), que teve seu trajeto direcionado a um grupo
boliviano de torcedores, atingindo o rosto de um menor, de 14 (quatorze) anos, que não resistiu aos ferimentos ocasionados e foi a óbito. Diante dos fatos, foram presas 12 (doze) pessoas, todos maiores e torcedores do time brasileiro, que estavam no aglomerado de pessoas na arquibancada de onde partira o disparo do sinalizador náutico, sob acusação de envolvimento da morte do garoto boliviano. O caso gerou repercussão e comoção, inclusive envolvendo tentativas de acordos entre advogados brasileiros, o órgão de acusação competente boliviano e até mesmo de agentes diplomáticos dos dois países. Contudo, por ausência de provas, após 6 (seis) meses de prisão, em junho de 2013, 7 (sete) suspeitos foram liberados para voltar ao Brasil e, em agosto, os demais que ainda estavam detidos tiveram igual destino1. Todavia, antes da liberação dos 12 brasileiros que ficaram detidos, entre o final do mês de abril e início de maio daquele ano, um menor, também brasileiro, já aqui no Brasil, assumiu a autoria culposa (segundo relatou) do disparo que atingiu o menor boliviano em fevereiro e, ainda, prestou depoimento ao promotor boliviano responsável pela persecução penal do caso2. A expectativa era de que a assunção da culpa por parte do menor ajudasse os demais brasileiros que aguardavam presos na Bolívia, o que se concretizou, já que poucos meses depois houve a liberação destes, por ausência de elementos probatórios, e 1 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/esporte/2013/08/1321372-ultimos-corintianos-que-estavam-presos-na-bolivia-chegam-a-sao-paulo. shtml>. Acesso em: 15 ago. 2015. 2 Disponível em: <http://esportes.estadao.com.br/noticias/futebol,menor-assume-culpa-pelo-disparo-do-sinalizador-para-autoridades-bolivianas,1027514>. Acesso em: 16 ago. 2015.
De igual sorte, o menor que confessou ser o autor do disparo de sinalizador naval que atingiu outro menor, boliviano, permaneceu no Brasil sem qualquer sanção. Ora, a impunidade causa estranheza e repudia quando a infração é confessada pelo agente, especialmente quando se refere a um fato deveras gravoso, homicídio, ainda que na modalidade culposa, sendo o ponto nodal que se pretende elucubrar com este trabalho.
1.2 A extraterritorialidade e a garantia de punição dos crimes ocorridos no estrangeiro O tema ora esmiuçado é denominado “lei penal no espaço” (que engloba o estudo da territorialidade e da extraterritorialidade) e tem como objetivo limitar as fronteiras de atuação da lei penal nacional, visando a evitar ou a dirimir um conflito internacional de jurisdição. Para isso, o Diploma Repressivo pátrio norteia a aplicação e a validade da norma penal com base em dois princípios centrais: a territorialidade, que foi adotado como regra pelo ordenamento jurídico penal, insculpido no art. 5º do Código Penal (aplica-se a lei penal brasileira aos crimes ocorridos no território nacional), e a exceção, a extraterritorialidade, também chamada de territorialidade mitigada ou temperada, que, em suma, é a aplicação da lei penal brasileira aos crimes cometidos no exterior, preceito inserto no art. 7º do Digesto Penal. De proêmio, importa-nos colocar em relevo que território é o local em que determinado Estado exerce sua soberania política. Trata-se do espaço geográfico somado ao espaço jurídico (por equiparação ou ficção), ou seja, no caso do Brasil, além do
espaço territorial delimitado pelas fronteiras com outros países, rios, lagos, mares interiores, ilhas e todo o subsolo, também é território nacional o mar territorial que tem uma faixa de 12 milhas marítimas de largura a partir do litoral e seu subsolo, a plataforma continental, medindo 200 milhas marítimas a partir do litoral brasileiro, todo o espaço aéreo acima de seu território, os navios e as aeronaves de natureza pública, onde quer que estejam, assim como os navios e aeronaves particulares em alto-mar ou no espaço aéreo correspondente ao alto-mar, onde não há jurisdição de outra nação3, tudo nos moldes do art. 5º, caput e §§ 1º e 2º do Estatuto Repressor brasileiro. Em todos os locais suprarreferidos aplica-se, em regra, a lei brasileira, o que a doutrina convencionou em chamar de princípio da territorialidade, ou, simplesmente, territorialidade. A jurisdição de um Estado é territorial, na medida em que não pode ser exercida no território de outro País, a não ser em virtude de norma permissiva, oriunda do direito internacional costumeiro ou convencional, tratado ou convenção. Em homenagem ao princípio da soberania, um país não pode impor regras jurisdicionais a outro, isto é, não pode transcender seus limites territoriais e aplicar suas normas penais em solo estrangeiro. Contudo, nada impede um Estado de exercer (aplicar seu direito penal ao infrator) em seu próprio território, sua jurisdição, mesmo na hipótese de crime cometido no estrangeiro. Em regra, o direito internacional concede ampla liberdade aos Estados para julgar, dentro de seus limites territoriais, qualquer crime, não importa onde tenha sido cometido, sempre que entender necessário para salvaguardar a ordem pública4. 3 MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado – Parte geral. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 1, 2013. p. 144/146. 4 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal – Parte geral. 15. ed. São Paulo: Saraiva, v. 1, 2011. p. 112/113.
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eles voltaram ao Brasil sem maiores danos ou penas, além do tempo que permaneceram encarcerados.
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Tecidas tais considerações, passamos o enfoque no que é a exceção (já que o caso paradigmático aqui utilizado se desenrolou fora do território brasileiro), assim chamada de extraterritorialidade, territorialidade temperada ou territorialidade mitigada, prevista também no caput do art. 5º do Código Penal e pormenorizada no art. 7º da aludida lei, em que a norma penal brasileira extrapola os limites territoriais do Brasil para alcançar crimes cometidos exclusivamente no estrangeiro, ou seja, fora do território nacional. A doutrina estuda a extraterritorialidade em três modalidades: a) incondicionada, prevista no art. 7º, § 1º, do Estatuto Repressor, casos em que a lei brasileira não necessita preencher qualquer requisito para sua aplicação aos fatos ocorridos no estrangeiro, sequer importando se o autor foi condenado ou absolvido naquele determinado país5;
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b) condicionada, elencada no art. 7º, § 2º, do Código Penal, denominando-se assim porque a aplicação da norma penal subordina-se à ocorrência de certos requisitos6;
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c) hipercondicionada7, quando o crime é praticado por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil, devendo estar presentes as condições do § 3º do art. 7º do aludido texto normativo, juntamente com os requisitos do § 2º supracitado. Ainda, segundo lição hermenêutica doutrinária, nota-se que a extraterritorialidade subdivide-se em diversos casos de incidência, 5 SANCHES, Rogério. Manual de direito penal – Parte geral. 3. ed. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 122. 6 JESUS, Damásio de. Direito penal – Parte geral. 32. ed. São Paulo: Saraiva, v. 1, 2011. p. 173. 7 SANCHES, Rogério. Op. cit., p. 122/123.
chamados de princípios, quais sejam, princípio da defesa (ou do real), princípio da justiça universal (da cosmopolita, da jurisdição mundial ou da repressão mundial), princípio da nacionalidade (ou personalidade) e princípio da representação (da bandeira, do pavilhão, da substituição ou da subsidiariedade), sendo de mister entendermos suas definições, uma vez que todos dizem respeito à aplicação da extraterritorialidade. O princípio da justiça universal refere-se à relevância do bem jurídico protegido ou à gravidade do crime. Trata-se de uma característica de mutualismo internacional penal, um dever de solidariedade entre as nações para repressão de determinadas infrações que a todos interessa, não importando a nacionalidade do delinquente, tampouco o local do crime, aplicando-se, nessas hipóteses, a legislação penal do país onde for encontrado o agente8. No Brasil, o Código Penal dispõe acerca de tal princípio no art. 7º, I, b, e II, a, do CP. Entende-se como princípio da representação a aplicação da lei penal brasileira aos crimes cometidos a bordo de embarcações ou aeronaves brasileiras, mercantes ou privadas (haja vista que, caso fossem públicas, aplicar-se-ia a territorialidade, já que são extensão do próprio território nacional, onde quer que estejam), quando estiverem em território estrangeiro e ali não forem julgados, previsão constante do inciso II, c, do art. 7º do Codex Penal9. Importa para o princípio do real (ou da defesa) proteger determinando bens jurídicos que o Estado reputa como fundamentais, não importando o local em que o crime foi praticado nem a nacionalidade do autor, aplicando-se a sua lei penal para pro8 MASSON, Cleber. Op. cit., p. 148. 9 STEFAN, André; RIOS GONÇALVES, Victor Eduardo. Direito penal esquematizado – Parte geral. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 242.
O princípio da nacionalidade, por fim, autoriza a aplicação da lei penal brasileira aos crimes praticados no estrangeiro por autor brasileiro (nacionalidade ativa) ou nos casos em que a vítima é brasileira (nacionalidade passiva). Quanto ao crime praticado por brasileiro no estrangeiro, ensina Nucci, em lúcido escólio, que a existência deste princípio é a proibição de extradição de brasileiro, constitucionalmente proibida. Deste forma, se um brasileiro cometer uma infração penal em território estrangeiro e se refugiar no Brasil, outra alternativa não há senão a punição um tribunal brasileiro deste crime cometido em outro país, tudo para evitar que haja a impunidade11. No caso em apreço, ocorrido na Bolívia, parece-nos correto asseverar que este último princípio, da personalidade ou nacionalidade ativa, é o que melhor se encaixaria.
1.3 A extraterritorialidade e sua não aplicação aos menores infratores Tendo como norte essa linha de intelecção, voltando-nos para o caso paradigmático em apreço, ocorrido na fatídica partida de futebol, é certo que os fatos se desenrolaram em solo estrangeiro, boliviano, isto é, no decorrer do jogo, partiu de um grupo de torcedores corintianos (brasileiros) o disparo de um sinalizador naval que fez sua trajetória até outro grupo de torcedores, estes bolivianos, atingindo o rosto de um menor, o que lhe ceifou a vida. 10 BITTENCOURT, Cézar Roberto. Tratado de direito penal – Parte geral. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 480/481. 11 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 14ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 84.
Em princípio, como dito anteriormente, poder-se-ia crer que o autor do disparo seria responsabilizado perante a lei penal brasileira, por força do princípio da nacionalidade ativa insculpido no art. 7º, II, b, do Diploma Penal brasileiro. Ledo engano. Em meio a inúmeras reviravoltas no caso, prisão de 12 (doze) torcedores suspeitos na Bolívia em condições questionáveis (e assim mantidos por longo período), um menor, de 17 (dezessete) anos de idade, que já havia regressado ao Brasil se aprestou às autoridades alegando ser o responsável por disparar o foguete contra a torcida rival. Com espeque no art. 27 da Lei Penal brasileira, em sua interpretação filológica, vê-se que os menores são inimputáveis, o que quer dizer que toda e qualquer pessoa com idade inferior a 18 anos, independentemente de sua perspicácia, inteligência e do desenvolvimento mental, não comete crime, não podendo sofrer nenhuma pena prevista pelo Diploma Incriminador de 194012, uma vez que, em regra, no hodierno ordenamento penal pátrio, vige a doutrina do critério biológico, levando-se em consideração tão somente uma régua cronológica, sendo que tal presunção é absoluta (juris et de jure). Outrossim, não é outra a posição preconizada pela Lei Fundamental, em seu art. 228, acerca da inimputabilidade penal dos menores de 18 (dezoito) anos, fazendo menção à submissão deste ao pergaminho legal competente, qual seja, o Estatuto da Criança e do Adolescente, que define, em seu art. 103, ser ato infracional as condutas praticadas por menores definidas como crimes ou contravenções penais, assim como denomina de medidas socioeducativas as sanções aplicadas aos infratores, conforme inteligência do art. 112 do ECA.
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teger seus interesses além-fronteiras10. Em nosso ordenamento jurídico, tal princípio está prenotado no art. 7º, I, a, b e c, do Digesto Incriminador.
12 MASSON, Cleber. Op. cit., p. 470/471.
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Entretanto, voltando novamente as atenções ao emblemático caso in tela, aqui alcunhado de “caso Corinthians”, trazendo à baila as esmiuçadas ponderações tecidas alhures acerca da extraterritorialidade, questiona-se: deveria o menor infrator ter sido apreendido (após o devido processo legal) aqui no Brasil, pelo ato infracional que assumiu autoria praticado na Bolívia? Deveria ter sido realizada extradição do adolescente ao país onde ocorreram os fatos? Poderia aquele inimputável ser, de fato, responsabilizado? Qual seria a punição? De forma propedêutica, parece-nos claro dizer que, nesse caso, não há se falar em extradição de brasileiro nato, segundo ressai das próprias garantias fundamentais plasmadas no texto constitucional13, seja o brasileiro maior ou menor, imputável ou não.
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Assim, tem-se aí um claro exemplo de lacuna legal, ou seja, previsão normativa para regulamentar o caso in voga. Para o preenchimento de omissões legais, o Direito brasileiro autoriza a utilização de analogia, costumes e princípios gerais do Direito, conforme dicção do art. 4º da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro. Costumes e princípios gerais do Direito claramente não se prestam para o caso sob análise.
Porém, como o autor do fato não se cuida de pessoa adulta, e sim de um menor, com 17 (dezessete) anos, tutelado e guarnecido pelo ECA, a ele não são aplicadas as disposições do Código Penal, mas sim as regras contidas na Constituição Federal, de forma geral, e no referido Estatuto da Criança e do Adolescente.
Entretanto, quando se falar de direito penal, de crimes ou de infrações penais como um todo, só é possível lançar mão da analogia in bonam partem, isto é, para beneficiar a parte, favorecer o eventual réu. Em respeito ao princípio da reserva legal, não é possível o emprego de analogia que venha para prejudicar a parte (in malam partem), em nenhum caso, seja para agravar penas ou criar tipos penais14. Ora, como neste caso a utilização da analogia para preencher a lacuna da lei e possibilitar o punição ao infrator é flagrantemente um caso de má analogia, motivo pelo qual não foi (e não deveria ser) aplicada ao brasileiro menor autor do disparo do rojão/sinalizador que matou outro menor boliviano, nenhuma punição sequer, seja das previstas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, muito menos pelo Código Penal brasileiro.
Após meticuloso compulsar das aludidas normas, não se vislumbrou qualquer referência à aplicação da extraterritorialidade aos menores, haja vista que não há um artigo sequer que faça menção à infração penal cometida no estrangeiro, tampouco à casos de extraterritorialidade penal (ou infracional) envolvendo
Dessarte, pasme-se, por ausência de amparo legal, impossibilidade de aplicação de analogia no caso e não previsão de extraterritorialidade das medidas de socioeducativas do ECA, a morte de um menor de 14 anos ficou impune, sem aplicação de nenhuma sanção ao menor infrator.
13 Art. 5º, LI e LII, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
14 SANCHES, Rogério. Op. cit., p. 64/65.
De outro giro, no que atine à responsabilidade do menor, bem como à possibilidade de sua responsabilização pela infração por ele causada (e assumida), entra em cena o instituto da extraterritorialidade, uma vez que, repise-se à exaustão, se trata de infração cometida em território estrangeiro, e não no Brasil.
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infantes. De forma alguma existe essa ideia no ordenamento brasileiro.
Ressai do exposto que o caso paradigmático relatado (e já “esquecido”, apesar do pouco tempo decorrido) constituiu-se de um evento trágico ocorrido durante um espetáculo de entretenimento, onde pessoas, brasileiros e bolivianos que foram para assistir e torcer pelo seu time de futebol acabaram testemunhando o falecimento de um menor no estádio durante a partida. Contudo, não bastasse a morte de um ser humano, não importando a nacionalidade, viu-se também um infrator, agente responsável pelo disparo do rojão que atingiu outrem e o matou, voltar para seu país de origem e manter-se alheio a qualquer punição, por não existir em nosso ordenamento jurídico nenhuma lei competente que preveja aplicação de sanções quando um ato infracional é praticado por um menor fora do Brasil. Significa então dizer então que qualquer menor brasileiro poderá ir a países estrangeiros e cometer diversos homicídios, roubos, dentre outros crimes, e voltarem para o Brasil e permanecendo impunes, absolutamente imunes a qualquer punição? Se, por outro lado, a mesma infração fosse praticada dentro do território brasileiro, eles sofreriam as consequências. Seria este, então, um verdadeiro salvo-conduto à delinquência da criança e do adolescente brasileiros no exterior? Aos atos infracionais gravosos, como foi o do “caso Corinthians”, deveria ser aplicada uma medida socioeducativa rigorosa, de internação, mormente pelos efeitos retributivo e repressivo da punição para o infrator. O ordenamento jurídico pátrio, o Legislativo e o Brasil como um todo não podem garantir a impunidade aos atos infracionais cometidos no estrangeiro por menor brasileiro, assim como não
os permite em solo brasileiro, aplicando as medidas previstas no ECA aos delinquentes com menos de 18 (dezoito) anos. Conclui-se, portanto, que não há possibilidade de aplicação da extraterritorialidade penal (tampouco de analogia) às infrações perpetradas por um menor brasileiro fora do Brasil. Deveria, em nossa ótica, ser editada lei que propusesse uma alteração no Estatuto da Criança e do Adolescente neste sentido, possibilitando a responsabilização socioeducativa de menores quando da prática de atos análogos a crimes por estes praticados no exterior. Enquanto isso não ocorrer, devem os brasileiros estar preparados para as eventuais críticas internacionais à branda e omissa legislação e, em que pesem os casos caírem em esquecimento, a vergonha e a lesão aos bens jurídicos permanece.
REFERÊNCIAS BITTENCOURT, Cézar Roberto. Tratado de direito penal – Parte geral. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal – Parte geral. 15. ed. São Paulo: Saraiva, v. 1, 2011. JESUS, Damásio de. Direito penal – Parte geral. 32. ed. São Paulo: Saraiva, v. 1, 2011. MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado – Parte geral. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 1, 2013. NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. SANCHES, Rogério. Manual de direito penal – Parte geral. 3. ed. Salvador: JusPodivm, 2015. STEFAN, André; RIOS GONÇALVES, Victor Eduardo. Direito penal esquematizado – Parte geral. São Paulo: Saraiva, 2012.
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CONCLUSÃO
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Acórdão na Íntegra
Tribunal Regional Federal da 5ª Região Poder Judiciário Embargos de Declaração em Apelação/Reexame Necessário nº 29097/CE (0003031-50.2010.4.05.8100/01) Apte.: Cintia M. F. M. Ranos – ME Adv./Proc.: Ricardo Augusto Lima Araujo e outros Apte.: União Apdos.: Os mesmos Apdo.: Ministério Público Federal Apdo.: Ibama – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis Repte.: Procuradoria Regional Federal da 5ª Região Remte.: Juízo da 5ª Vara Federal do Ceará (Fortaleza) Embte.: Cintia M. F. M. Ranos – ME Origem: 5ª Vara Federal do Ceará/CE Relator: Desembargador Federal Ivan Lira de Carvalho (Convocado) EMENTA PROCESSUAL CIVIL – EMBARGOS DECLARATÓRIOS – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – OCUPAÇÃO IRREGULAR – BARRACA CONSTRUÍDA EM ÁREA DE PRAIA – BEM PÚBLICO DE USO COMUM – DESOCUPAÇÃO E REPARAÇÃO DA ÁREA – INEXISTÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA – REABERTURA DE DISCUSSÃO ACERCA DE MATÉRIA JÁ ANALISADA – IMPOSSIBILIDADE – INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE
I – Trata-se de embargos de declaração opostos contra acórdão que negou provimento à apelação da parte ré, mantendo a parte da sentença que julgou procedente o pedido, para reconhecer a nulidade da ocupação e construção da propriedade da empresa promovida, Barraca Taquara, sucessora da Barraca “O Costa”, bem como determinar sua desocupação e remoção na integralidade, e deu parcial provimento à remessa oficial e à apelação da União, para condenar a ré ao pagamento de honorários advocatícios em R$ 2.000,00 (dois mil reais). II – O Código de Processo Civil, em seu art. 535, condiciona o cabimento dos embargos de declaração à existência de omissão, contradição ou obscuridade no acórdão embargado, não se prestando este recurso à repetição de argumentação contra o julgamento de mérito da causa. III – Não há que se falar em omissão no acórdão embargado quanto à alegação de cerceamento de defesa ou em relação à situação do imóvel em questão, tendo sido claro ao fundamentar que “não é nula a sentença prolatada sem a realização de perícia, se o juiz tem, ao seu alcance, elementos suficientes para a formação de seu livre convencimento. O pedido desafiado na presente ação civil pública não depende da realização de perícia, já que as questões necessárias a se obter a aludida prova técnica já se encontram documentalmente provadas nos autos”. IV – Esclareceu o acórdão que “o laudo do Ibama, revestido de presunção de legitimidade, composto inclusive por fotos, não deixa dúvida da condição de praia do bem, consoante o disposto no art. 10, § 3º, da Lei nº 7.761/1988, não havendo como deixar de reconhecer a ilegalidade da ocupação”, e que “como as praias são bens públicos da União, de uso comum do povo, não são legalizáveis as construções e as limitações nelas empreendidas, que individualizem seu uso, nos termos dos arts. 9º e 10, da Lei nº 9.636/1998”. V – Fundamentou também o acórdão que “o Município de Caucaia/CE, no exercício das atribuições que lhe são atribuídas pelo art. 23, VI, da CF/1988, editou a Lei Ambiental Municipal nº 1.367/2001, conferindo status de Área de Preservação Permanente – APP à área de praia daquele Município, vedando, expressamente, em seu art. 138, toda e qualquer construção”. VI – Embargos de declaração improvidos.
ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de embargos de declaração em apelação/reexame necessário, em que são partes as acima mencionadas. Acordam os Desembargadores Federais da Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, à unanimidade, em negar provimento aos embargos de declaração, nos termos do voto do Relator e das notas taquigráficas que estão nos autos e que fazem parte deste julgado.
Argumenta que o acórdão não atentou para o fato de que o local onde está situada a barraca é uma área urbana, embora na região litorânea, estando o imóvel regularizado perante o Município de Caucaia/CE, inclusive no que se refere ao licenciamento ambiental, gerando, ainda, emprego e renda para diversas famílias. É o relatório. Apresento o feito em mesa independente de pauta. VOTO
Desembargador Federal Ivan Lira de Carvalho Relator Convocado RELATÓRIO O Exmo. Desembargador Federal Ivan Lira de Carvalho (Relator Convocado): Trata-se de embargos de declaração opostos contra acórdão que negou provimento à apelação da parte ré, mantendo a parte da sentença que julgou procedente o pedido, para reconhecer a nulidade da ocupação e construção da propriedade da empresa promovida, Barraca Taquara, sucessora da Barraca “O Costa”, bem como determinar sua desocupação e remoção na integralidade, e deu parcial provimento à remessa oficial e à apelação da União, para condenar a ré ao pagamento de honorários advocatícios em R$ 2.000,00 (dois mil reais). Sustenta a embargante, em suma, que o acórdão foi omisso no tocante ao cerceamento de defesa alegado, sendo necessária a realização de prova pericial.
O Exmo. Desembargador Federal Ivan Lira de Carvalho (Relator Convocado): Não há que se falar em omissão no acórdão embargado quanto à alegação de cerceamento de defesa ou em relação à situação do imóvel em questão, tendo sido claro ao fundamentar que: Merece ser afastada a alegação de cerceamento de defesa levantada pelo réu ante a inexistência de perícia e do julgamento antecipado da lide. Realmente, o pedido desafiado na presente ação civil pública não dependia da realização de perícia, já que as questões a que se pretendiam obter com a aludida prova técnica já se encontravam documentalmente provadas nos autos. Ademais, não é nula a sentença prolatada sem a realização de perícia, se o juiz tem, ao seu alcance, elementos suficientes para a formação de seu livre convencimento. No mérito, o MPF afirma que a ocupação gerada pela parte ré, está inserida na praia de Cumbuco, Município de Caucaia, sendo irregular, notadamente em razão da exploração de atividade comercial em área de preservação permanente (praia), sem a devida autorização da Gerência Regional do Patrimônio da União – GRPU, bem como pela realização de construções sem apresentação de Relatoria de Impacto Ambiental – Rima e pela criação de obstáculos que impedem o livre acesso à área de praia.
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Sobre o assunto a Lei nº 7.661/1988 que instituiu o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro assim define a caracterização da área de praia: [...] Há nos autos vasta documentação administrativa comprovando que a construção se encontra em área de praia, a exemplo das fotografias e dos Laudos Técnicos do Ibama. Ademais, consistindo tal localização área de preservação permanente, é vedada a realização de construção que impeça o livre acesso a tal área.
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Às fls. 460/463 consta o Laudo Técnico nº 153/2008 – NLA/Supes/ Ibama/CE, referente à vistoria realizada pelo Ibama na barraca de propriedade do promovido, atendendo à solicitação do Ministério Público Federal, cuja conclusão atesta que “De acordo com o art. 10, § 3º, da Lei Federal nº 7.661, de 16 de maio de 1988, a barraca ‘O Costa’, assim como outras edificações próximas, ocupa área de praia em sua porção Norte, enquanto no lado voltado para o Sul não foi possível determinar que percentual do terreno se situa neste ecossistema, em função da descaracterização provocada no ambiente pela construção de casas, condomínios e ruas, no seu entorno”. Complementado o referido laudo pelo parecer nº 021/2010, emitido por Analistas Ambientais do Ibama/ CE, esclarece que “[...] tanto a estrutura referente à ampliação da barraca, quanto as palhoças fixas, estão localizadas em área de praia, em desacordo com a legislação vigente”, acompanhado de fotografias (fls. 472/475).
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O réu informa que explora a atividade empresarial na barraca em exame, sustentando que a ocupação não é irregular, informando que tem situação regularizada perante o Município de Caucaia, o qual mantém informações regulares sobre tais imóveis, o que possibilitou a mudança do proprietário na materialização da sucessão do imóvel. Aduz, ainda, que o proprietário anterior pleiteou a inscrição de sua ocupação perante a SPU/CE. Acresce que cumpre a sua função social com a disponibilização de 14 (catorze) empregos direitos. Contudo, o laudo do Ibama, revestido de presunção de legitimidade, composto inclusive por fotos, não deixa dúvida da condição de praia do bem, consoante o disposto no art. 10, § 3º, da Lei nº 7.761/1988, não havendo como deixar de reconhecer a ilegalidade da ocupação que explora.
Como as praias são bens públicos da União, de uso comum do povo, não são legalizáveis as construções e as limitações nelas empreendidas, que individualizem seu uso. Acerca da matéria, a Lei nº 9.636/1998, em seus arts. 9º e 10, dispõe que: [...] Ademais, o Município de Caucaia/CE, no exercício das atribuições que lhe são atribuídas pelo art. 23, VI, da CF/1988, editou a Lei Ambiental Municipal nº 1.367/2001, conferindo status de Área de Preservação Permanente – APP à área de praia daquele Município, vedando, expressamente, em seu art. 138, toda e qualquer construção, conforme abaixo transcrito: [...] Assim, não assiste direito algum ao réu, já que a barraca de praia além de estar situada irregularmente em área de praia, bem de uso comum do povo, o município definiu a área como de preservação permanente (APP). A ocupação, no caso, reveste-se de irregularidades, de modo que até a inscrição junto ao Serviço de Patrimônio da União nem poderia ser concedida. Nesse sentido, observe-se que a barraca promovida apenas pleiteou a inscrição, não comprovando que a obteve.
O acórdão embargado foi prolatado com amparo na legislação que rege a espécie e em consonância com a jurisprudência do Tribunal. Na verdade, o que se constata é a pretensão do embargante de reabrir discussão acerca da temática de mérito. Diante do exposto, nego provimento aos presentes embargos de declaração. É como voto.
Pesquisa Temática
Políticas Públicas Políticas públicas – casa popular – sorteio pelo Município – programa habitacional – forma de destinação – previsão legal – ausência “Apelação cível. Administrativo. Sorteio de casa popular pelo Município. Programa habitacional criado expressamente por lei municipal. Destinação de
unidades habitacionais à população de baixa renda. Ausência de previsão legal acerca da forma de destinação. Possibilidade de doação permitida pelo ordenamento jurídico. Aplicação do art. 17, I, b e f, da Lei nº 8.666/1993. Sorteio que atendeu aos princípios da moralidade, impessoalidade e publicidade. Cumprimento dos requisitos legais pela pessoa sorteada. Renda per capita de 1/2 salário-mínimo. Parâmetro razoável reconhecido pelo STF. Programa do Município vinculado expressamente ao programa do FGTS e não ao do Bolsa-Família. Renda da sorteada bem aquém do previsto em norma específica do conselho curador do FGTS. Sentença reformada. Ação julgada procedente. Recurso conhecido e provido.” (TJAL – Ap 0000516-87.2010.8.02.0050 – 1ª C.Cív. – Rel. Des. Tutmés Airan de Albuquerque Melo – DJe 08.01.2014) Políticas públicas – escola pública próxima da residência – disponibilização – necessidade “Constitucional. Administrativo. Obrigação de fazer. Matrícula. Escola pública próxima da residência. Antecipação de tutela indeferida. Ausência dos requisitos. Decisão reformada. 1. O art. 208, inciso IV, da Constituição Federal assegura a educação infantil em creche e pré-escola às crianças até 5 anos de idade. 2. É dever dos entes públicos assegurar e implementar políticas públicas para as crianças e os adolescentes. 3. Não há violação ao princípio da isonomia pelo fato de, em decorrência da omissão governamental, recorrer-se ao Poder Judiciário para que se cumpra a lei. 4. Recurso conhecido e provido.” (TJDFT – AI 20140020018550 – (807471) – Rel. Des. Sebastião Coelho – DJe 31.07.2014)
Políticas públicas – menores toxicômanos – centro de tratamento – construção – Poder Judiciário – determinação – possibilidade “Administrativo, constitucional e processual civil. Apelação cível. Ação civil pública. Construção de centro de tratamento voltado à atenção de menores toxicômanos. Políticas públicas. Mandamento constitucional. Poder Judiciário. Determinação. Constituição Federal. Possibilidade. 1. Compete ao Poder Executivo, em tese, proceder à escolha de quais necessidades pública serão satisfeita pelo serviço estatal. Em outras palavras: a realização de uma despesa pública está diretamente condicionada a critérios do poder político, cumprindo ao Poder Executivo decidir quais são as prioridades a serem atendidas na gestão dos recursos públicos. 2. O Poder Executivo não pode se furtar quanto ao cumprimento dos mandamentos constitucionais, pena de odioso descaso com o diploma legal de maior envergadura de um sistema político-jurídico. 3. Vem sendo crescente o movimento do constitucionalismo moderno no sentido de admitir a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário nas políticas públicas a fim de garantir o denominado mínimo existencial, assim entendida a garantia do respeito mínimo às condições de preservação da dignidade humana, fundamento basilar do Estado Democrático de Direito. 4. Se determinada prestação material revela-se objetivamente assegurada no âmbito da Constituição da República, como ocorre, por exemplo, com o direito à saúde, o seu desrespeito acarreta, em verdade, não apenas uma simples omissão por parte do Poder Público, mas, também, em negativa de efetividade do Texto Constitucional. 5. O serviço público de atenção à saúde física e mental de crianças e adolescentes viciados em entorpecentes não constitui opção estatal, mas, sim, um dever estatal, havendo discricionariedade apenas no que pertine à forma como será plenamente oferecida a respectiva política pública.” (TJES – Ap 0003012-94.2009.8.08.0038 – Rel. Annibal de Rezende Lima – DJe 29.04.2014)
Políticas públicas – Programa Ciência sem Fronteiras – inscrição – indeferimento – nomenclatura do curso – razoabilidade – violação “Administrativo. Agravo de instrumento. Programa Ciência sem Fronteiras. Indeferimento de inscrição sob a justificativa de que o Curso de Comunicação Visual – Design não estaria contemplado pelo programa. Critério baseado exclusivamente na nomenclatura do curso. Violação ao princípio da razoabilidade. Necessidade de análise da grade curricular do curso. Desprovimento do recurso. 1. A controvérsia instaurada nos presentes autos cinge-se em definir se o aluno do Curso de Comunicação Visual – Design, oferecido pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, pode ou não participar do processo seletivo para concessão de bolsas de graduação sanduíche no exterior, no âmbito do Programa Ciência sem Fronteiras. 2. O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPQ indeferiu o pedido de
inscrição da parte agravada no processo seletivo ao fundamento de que ela, aluna do Curso de Comunicação Visual – Design da Universidade Federal do Rio de Janeiro – URFJ, não estaria matriculada em curso de nível superior nas áreas e temas contemplados pelo programa. 3. Há nos autos documento elaborado pelo próprio Departamento de Comunicação Visual da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, com esclarecimentos no sentido de que o Curso de Comunicação Visual – Design, oferecido por aquela instituição de ensino superior, pertence às áreas contempladas pelo Programa Ciência sem Fronteiras, havendo, no entanto, uma celeuma quanto à nomenclatura do referido curso, o que tem contribuído para que candidatos que pretendem a inscrição no programa sejam tratados de forma desigual. Informou-se, ainda, que o Curso de Comunicação Visual – Design originou-se da modificação de nomenclatura do Curso de Desenho Industrial, com ênfase em Programação Visual, voltada para o campo do Design Gráfico, razão pela qual deve ser considerado uma variação do Curso de Desenho Industrial e, portanto, deve ser contemplado pelo programa, que tem como uma de suas prioridades a área de indústria criativa. 4. A metodologia utilizada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPQ, qual seja, considerar a nomenclatura do curso e não a análise da grade curricular, foi adotada tendo como justificativa a alta demanda de análises a serem realizadas e o número reduzido de servidores que compõe a equipe de seleção do programa. 5. Com efeito, não se revela razoável que, em razão de deficiências de ordem administrativa do órgão responsável pela seleção dos candidatos, seja a parte agravada prejudicada, tendo sua candidatura indeferida por conta única e exclusivamente da nomenclatura do curso que frequenta, na medida em que o critério a ser utilizado pela administração pública não pode ser simplesmente a nomenclatura do curso, mas sim seu conteúdo programático. 6. Desta forma, levando em consideração, ainda, o esclarecimento feito pela própria instituição de ensino superior, de que o curso frequentado pela parte agravada encontra-se inserido nas áreas prioritárias do Programa Ciência sem Fronteiras, na modalidade de indústria criativa, deve ser mantida a decisão que antecipou os efeitos da tutela e garantiu o prosseguimento da parte agravada no processo seletivo. 7. Agravo de instrumento desprovido.” (TRF 2ª R. – AI 0000307-34.2015.4.02.0000 – 5ª T.Esp. – Rel. Aluisio Gonçalves de Castro Mendes – DJe 14.05.2015)
Políticas públicas – “Programa Mais Médicos” – documento de habilitação – inexistência “Administrativo. Mandado de segurança. Requisitos de participação no ‘Programa Mais Médicos’ do Governo Federal. Inexistência de documento de habilitação e de demonstração de exercício da medicina em país que apresente relação estatística médico/habitante igual ou superior a 1,8/1000 (um inteiro e oito décimos por mil), conforme estatística mundial de saúde da organização mundial da saúde. 1. A exigência de habilitação para o exercício da Medicina no exterior (art. 13, inc. II da Lei Federal nº 12.871/2013) não ofende o princípio constitucional inserto no art. 5º, inciso XIII, da Constituição Federal de 1988, que prevê que ‘é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão’, uma vez que se trata de norma constitucional de eficácia contida, ou seja, aquela que, apesar de válida e eficaz, pode ser limitada por norma infraconstitucional. 2. Não há ilegalidade ou inconstitucionalidade no art. 19, inciso II, da Portaria Interministerial nº 1.369/2013, que limita a participação no ‘Programa Mais Médicos’ aos intercambistas que possuem registro de exercício profissional em países com proporção de médicos maiores que a do Brasil, ou seja, com pelo menos 1,8 médicos por mil habitantes. Esta exigência atende ao princípio constitucional da cooperação entre os povos, pois o Brasil não pode recrutar profissionais de outros países de forma a ofender o equilíbrio do seu sistema de saúde. 3. Apelação a que se nega provimento. Sentença que denegou a segurança confirmada.” (TRF 1ª R. – AC 0038564-14.2013.4.01.3400 – Rel. Des. Fed. Néviton Guedes – DJe 05.05.2015) Transcrição IOB • Lei nº 12.871/2013: “Art. 13. É instituído, no âmbito do Programa Mais Médicos, o Projeto Mais Médicos para o Brasil, que será oferecido:
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[...]
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II – aos médicos formados em instituições de educação superior estrangeiras, por meio de intercâmbio médico internacional. [...]”
Políticas públicas – Programa “Minha Casa, Minha Vida” – obras – finalização – substituição da construtora – prazo de 30 dias – CEF – responsabilidade – inexistência “Administrativo. Agravo de instrumento. Programa ‘Minha Casa, Minha Vida’. Paralisação das obras. Substituição da construtora. Reinício das obras. Prazo de trinta dias. Multa diária. Decisão reformada. Revogação da tutela antecipada deferida. 1. Insurge-se a Caixa Econômica Federal contra decisão que antecipou os efeitos da tutela, para determinar-lhe o reinício de obras em empreendimento imobiliário e substituir a construtora, no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais). 2. A ação originária foi ajuizada em razão da paralisação das obras do empreendimento ‘Condomínio Residencial Villa Veneto’, no qual o agravado adquiriu uma unidade autônoma através de contrato de compra e venda de terreno e mútuo para a construção de unidade habitacional no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida – PMCMV 11, e no qual figuram a Premax como vendedora, entidade organizadora e interveniente construtora, e a Caixa Econômica Federal como credora. 3. In casu, a Caixa Econômica Federal atua como agente executor de políticas federais para a promoção de moradia para pessoas de baixa ou baixíssima renda, e detém a responsabilidade de fiscalizar e averiguar a construção, com o intuito de liberar a verba remanescente na proporção do andamento das obras (conclusão das etapas), e de notificar eventual paralisação das obras à seguradora. 4. Consta do contrato que a engenharia da Caixa Econômica Federal é a responsável pela medição do andamento da obra e pela verificação da aplicação dos
recursos, para fins de liberação da verba contratada (cláusula terceira), e pela substituição da construtora nos seguintes termos (cláusula décima terceira). 5. A Construtora foi devidamente notificada pela CEF para esclarecer o atraso das obras do Empreendimento Residencial Villa Veneto, sendo certo que a CEF também oficiou a seguradora comunicando o sinistro e solicitando a substituição da construtora. 6. Além da obrigação da CEF se restringir à substituição a construtora, a qual já havia sido devidamente notificada, o prazo de trinta dias é curto para atender todos os trâmites necessários impostos para tal substituição e, consequentemente, o reinício da construção do imóvel. (fls. 87-118). 8. Não demonstrada a negligência da CEF, deve ser reformada a decisão agravada, revogando-se a tutela antecipada deferida. 9. Agravo de instrumento provido.” (TRF 2ª R. – AI 2014.02.01.005955-1 – 5ª T.Esp. – Rel. Des. Aluisio Gonçalves de Castro Mendes – DJe 04.09.2014)
Políticas públicas – Programa “Morar Bem” – cadastramento – requisitos não preenchidos – inscrição – indeferimento “Direito administrativo. Cadastramento no Programa ‘Morar Bem’. Requisitos não observados. Propriedade de imóvel no DF. Indeferimento da inscrição. I – Demonstrado que a autora já havia sido anteriormente contemplada com imóvel residencial, correto o indeferimento de sua nova inscrição no Programa Habitacional ‘Morar Bem’ instituído pelo Distrito Federal. II – Negou-se provimento ao recurso.” (TJDFT – Proc. 20120111908130 – (774266) – Rel. Des. José Divino de Oliveira – DJe 01.04.2014)
Políticas públicas – Programa ‘Morar Bem’ – renda familiar inferior a 12 salários mínimos – exigência “Administrativo. Programa ‘Morar Bem’. Exigência de renda familiar inferior a doze (12) salários mínimos. Renda bruta. Exclusão do recorrente. Critério objetivo. 1. A convocação para habilitação para recebimento de moradia no Programa ‘Morar Bem’ configura mera expectativa de direito e não direito adquirido, haja vista se tratar de uma das fases do procedimento, o qual visa à aquisição do imóvel. 2. A legislação de regência estabelece critérios tanto para habilitação quanto de classificação, que serão analisados pelo ente público, conforme as normas regulamentares do programa. 3. Para participar de programa habitacional de interesse social, o interessado deve comprovar que não tem renda bruta superior a 12 (doze) salários mínimos (Lei Distrital nº 3.877/2006, art. 4º, caput, inc. V). 4. Não satisfeitos os requisitos, não é assegurado ao candidato participar do Programa ‘Morar Bem’. 5. Não cabe ao Poder Judiciário revisar os atos administrativos ou políticas públicas já existentes, exceto diante de ilegalidade, ou abuso, sob pena de ferir o princípio da separação dos poderes, constitucionalmente estabelecido. 6. Recurso conhecido e desprovido.” (TJDFT – PADM 20120110940567 – (909403) – 6ª T.Cív. – Rel. Des. Carlos Rodrigues – DJe 07.12.2015)
“Constitucional, processual civil e administrativo. Saúde pública. Elaboração do plano municipal de controle da tuberculose. Tutela antecipada concedida no início do processo e ratificada em sentença. Apelação que deve ser recebida no efeito devolutivo. Direitos fundamentais sociais. Art. 196 da Constituição Federal. Dever do Poder Público. Políticas públicas. Judicialização do direito à saúde. Separação dos poderes. Concretização do mínimo existencial. Implementação de políticas públicas pelo Poder Judiciário diante de omissão estatal. Possibilidade. Multa cominatória. Incidência na pessoa do Secretário de Saúde. Precedentes. Conhecimento e improvimento do recurso do Município de Natal. Conhecimento e provimento do recurso do Ministério Público. Segundo entendimento do colendo STJ, o art. 520 do CPC deve ser interpretado teleologicamente, a fim de que se considere como hipótese de incidência, não só a confirmação, mas também o deferimento de tutela de urgência na sentença (REsp 1174414/RS, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, Julgado em 12.04.2011). Assim, tanto a sentença que concede tutela antecipada, quanto a sentença que confirma tutela antecipada anteriormente concedida, deve ser recebida apenas no efeito devolutivo, conforme redação do art. 520, VII, do CPC. As hipóteses em que não há efeito suspensivo para a apelação estão taxativamente enumeradas no art. 520 do CPC, de modo que, verificada qualquer delas, deve o juiz, sem qualquer margem de discricionariedade, receber o recurso somente no efeito devolutivo. Não há razão para subverter ou até mesmo mitigar a aplicação do art. 520 do CPC, com vistas a reduzir as hipóteses em que a apelação deva ser recebida apenas no efeito devolutivo, até porque o art. 558, parágrafo único, do CPC autoriza que o Relator, mediante requerimento da parte, confira à apelação, recebida só no efeito devolutivo, também efeito suspensivo, nos casos dos quais possa resultar lesão grave e de difícil reparação, sendo relevante a fundamentação (EREsp 663.570/SP, Relª Min. Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 15.04.2009). De acordo com o art. 196 da Constituição Federal, a saúde é direito de todos e dever do Estado, incumbindo a este viabilizar os tratamentos cabíveis. O Poder Judiciário pode, em situações excepcionais, determinar que a Administração Pública adote medidas assecuratórias de modo a realizar políticas públicas indispensáveis para a garantia de relevantes direitos constitucionais, sem que isso configure violação do princípio da separação de poderes. Consoante posição do Supremo Tribunal Federal, não é possível a aplicação da reserva do possível, quando sua invocação comprometer o núcleo básico que qualifica o mínimo existencial do indivíduo. Entende o STF que cabe ao Poder Judiciário promover a implementação de políticas públicas instituídas pela Constituição e não efetivadas pelo Poder Público (RE 581352-AgRg/AM, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, julgado em 29.10.2013). Na esteira da posição deste Tribunal, é possível a cominação de multa diária em caso de descumprimento de decisão judicial a incidir na pessoa de Secretário Municipal de Saúde e no ente público do qual integra (AC 2013.0108904, Rel. Des. Amaury Moura, julgado em 24.09.2013; AI 2012.010432-9, Rel. Des. Dilermando Mota, julgado em 26.03.2013).” (TJRN – AC 2012.018374-1 – 3ª C.Cív. – Rel. Des. João Rebouças – DJe 08.01.2014)
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Políticas públicas – saúde – plano municipal – controle de tuberculose – omissão estatal – Poder Judiciário – interferência – possibilidade
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Jurisprudência Comentada
Nulidade de Sentença Arbitral – Impossibilidade de Apreciação do Mérito da Sentença Arbitral pelo Judiciário RAFAEL FRANCISCO ALVES
Advogado, Mestrando em Direito Processual Civil pela Universidade de São Paulo, Assessor da Diretoria da Escola de Direito de São Paulo da FGV (Direito GV), Coordenador e Professor do Curso de Educação Continuada “Estratégias Processuais na Advocacia Empresarial” do Programa GVlaw.
SUMÁRIO: I – Julgado; II – Comentário.
I – JULGADO Fórum Central Cível João Mendes Júnior – São Paulo Processo nº 583.00.2007.116858-6 Data do Julgamento: 9 de março de 2007. Racional Engenharia Ltda. v. Rio do Brasil Projetos Ltda. e Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil Canadá/Câmara Comercial Brasil Canadá. Processo nº 2007.116858-6 – Ação declaratória de nulidade de sentença arbitral.
Vistos. Racional Engenharia Ltda. promove ação de nulidade de sentença arbitral cumulada com obrigação de fazer em face de Rio do Brasil Projetos Ltda. e Centro de Arbitragem e Mediação da Câ-
mara de Comércio Brasil-Canadá, objetivando declarar a nulidade de sentença arbitral proferida em 08.12.2006 e que a condenou ao pagamento de multa moratória cumulada com lucros cessantes e danos emergentes, no valor de R$ 9.272.124,96, sob a alegação de ter havido cerceamento de defesa, ante o indeferimento pelos árbitros da produção de prova pericial contábil destinada a demonstrar o desequilíbrio entre as prestações das partes e a necessidade de revisão do contrato. Além disso, afirma que a sentença arbitral seria nula, por ter decidido de forma contrária à prova dos autos e, destarte, sem observância dos requisitos previstos no art. 26 da Lei nº 9.307/1996, em particular a motivação. Houve aditamento à inicial para corrigir o valor atribuído à causa (fls. 776/777). A fls. 780/801, a ré ingressou no feito propugnando pelo indeferimento do pedido. É o relatório. Decido. A inicial deve ser indeferida ab initio, ante a manifesta falta de interesse processual (art. 295, III, do CPC). É que a autora, a pretexto de existir cerceamento de defesa e falta de motivação, pretende questionar perante o Judiciário o próprio mérito da sentença arbitral, o que é inadmissível, como adiante se verá. O árbitro é juiz de fato e de direito (art. 18 da Lei nº 9.307/1996) e a sentença arbitral produz coisa julgada material e forma título executivo judicial (art. 31). Tendo, pois, a sentença arbitral natureza jurisdicional, defeso é às partes a rediscussão da questão de fundo perante o Judiciário. E nem se pode dizer que tal vedação importaria em violação ao princípio constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicional, previsto no art. 5º, XXXV, da CF, pois a arbitragem é um equivalente jurisdicional e, tendo as partes optado por ela, não pode haver retorno da questão ao Judiciário. A propósito, como salienta Piero Pajardi, citado por Cândido Rangel Dinamarco, “a arbitragem é uma coisa muito séria, mas um dos fatores que tendem a reduzir sua seriedade é constituído precisamente pelo comportamento pessoal das partes e de seus defensores.
Feito o compromisso ou aprovada a cláusula, registra-se uma ampla e intensa tendência a fugir da arbitragem, quase como sujeitos arrependidos de ter ousado tanto. E todos os meios são bons, inclusive a tentativa de alargar ilimitadamente as impugnações por invalidade”. E conclui o próprio Cândido Dinamarco: “Essa severíssima advertência deve levar o intérprete e o juiz a acautelar-se contra soluções muito ampliativas e contra a ilusão de que o controle jurisdicional pelo Estado fosse um monopólio capaz de neutralizar as soluções concertadas pelo ajuste de vontades. Alargar tanto o controle estatal implicaria comprometer a própria arbitragem como instituição que a cultura dos povos modernos tende a incrementar. Nem se compreende que, havendo as partes optado pelo processo arbitral em busca das vantagens que ele é apto a oferecer, depois se vejam sistematicamente autorizadas a rebelar-se contra julgamentos desfavoráveis. Lá se vai a celeridade e até se terá perdido tempo indo primeiramente à arbitragem. Lá se vão a privacidade e o sigilo. Lá se vai o aproveitamento
Já se decidiu que sendo o juiz – e aqui também o árbitro – o destinatário da prova, somente a ele cumpre aferir sobre a necessidade ou não de sua realização (RT 305/121). Logo, o indeferimento da prova pericial contábil, na espécie, mormente considerando a produção de outras provas (perícia de engenharia e testemunhal), dada a natureza da lide submetida ao Juízo arbitral, não importa em nenhum vício enquadrável nas hipóteses, diga-se taxativas, do art. 32 da Lei de Arbitragem. O mesmo se diga da alegada falta de motivação, a propósito incompreensível ante a consistente fundamentação desenvolvida na sentença arbitral (fls. 340/362). Como anota Cândido Rangel Dinamarco: “Como é notório, no sistema brasileiro, as decisões arbitrais jamais se sujeitam ao controle jurisdicional estatal no que se refere à substância do julgamento, ou seja, ao meritum causae e possíveis errores in judicando; não comportam censura no tocante ao modo como apreciam fatos e provas, ou quanto à interpretação do direito material ou aos pormenores de sua motivação. A definitividade dos pronunciamentos dos árbitros é efeito do livre exercício da autonomia da vontade pelos litigantes, manifestada quando optam por esse meio alternativo. Essa singela e óbvia constatação vale como reflexão destinada a advertir contra os exageros em provocar o controle judicial das sentenças arbitrais”.
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do conhecimento específico dos árbitros especializados”. Aos árbitros se aplicam os mesmos princípios inerentes à função judicante, notadamente o livre convencimento motivado ou persuasão racional. Assim, se os árbitros se convenceram da desnecessidade da produção da prova pericial contábil, ante a existência de outras provas capa zes, por si só, de formar o seu convencimento e resolver a lide, não há falar-se em cerceamento probatório ou de defesa.
De uma análise acurada dos documentos acostados aos autos, e sem pretender ingressar no mérito da decisão arbitral, denota-
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-se que o inconformismo da autora não tem razão, pois o conflito fora decidido em consonância com o direito vigente e com as provas produzidas nos autos do procedimento arbitral, não se vislumbrando qualquer dos vícios previstos no art. 32 da Lei nº 9.307, de 23.09.1996. O caso é de flagrante falta de interesse processual, por desnecessidade da tutela jurisdicional, ante ausência de demonstração de algum dos vícios passível de anulação da sentença arbitral. Posto isso, e considerando todo o mais que dos autos consta, indefiro a inicial com fundamento no art. 295, III, do Código de Processo Civil e, em conseqüência, julgo extinto o processo sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, I e VI, do mesmo Codex. P.R.I. São Paulo, 9 de março de 2007. Jorge Tosta – Juiz de Direito II – COMENTÁRIO
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Ma le parti che ci vanno a fare in arbitrato se poi tornano sempre da noi?1
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Essa foi a indagação feita por um consigliere da Corte d’Appello de Gênova ao Professor Sergio La China2. A pergunta vem bem a calhar, não apenas por tocar exatamente na questão central que está sendo debatida nas decisões em comento – a nulidade de sentença arbitral – como também por ter sido escolhida 1 “Mas o que as partes vão fazer na arbitragem se depois sempre voltam a nós?” (tradução livre) 2 L’arbitrato – il sistema e l’esperienza. 2. ed. Milano: Giuffrè, 2004. p. XX.
por Cândido Rangel Dinamarco para encerrar um dos poucos artigos de sua autoria a respeito da arbitragem, justamente o artigo que acabou sendo citado algumas vezes na sentença da 2ª Vara Cível ora analisada3. Sempre que se discute a nulidade de sentença arbitral, é preciso ter em mente que esse tema situa-se entre dois extremos bem delimitados: de um lado, a garantia de acesso ao Poder Judiciário, prevista no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal; de outro lado, a própria efetividade da arbitragem como meio de composição de conflitos. Dessa maneira, se é inadmissível fechar as portas do Poder Judiciário para lesões ou ameaças a direitos que tenham ocorrido na arbitragem, também é inadmissível que essa porta esteja aberta de tal forma que quaisquer inconformismos possam, por si sós, pôr a perder todo o trabalho desenvolvido na arbitragem, terminando por comprometer as vantagens que o instituto poderia oferecer às partes que livremente optaram por essa alternativa de composição. Entre o imperativo constitucional de acesso ao Judiciário e a preocupação com a efetividade da arbitragem, o legislador fez a sua opção: indicou taxativamente as hipóteses que poderiam conduzir à nulidade da sentença arbitral no art. 32 da Lei nº 9.307/19964, manejadas nos termos da ação prevista no art. 33 3 Limites da sentença arbitral e de seu controle jurisdicional. In: Nova era do processo civil. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 28-47. Embora algumas passagens desse artigo tenham sido citadas na sentença analisada (como já dito), a pergunta posta na epígrafe não foi mencionada. 4 Defendendo a taxatividade dessas hipóteses, CARMONA, C. A. Arbitragem e processo – um comentário à Lei nº 9.307/1996. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 318 e 338; ROCHA, J. Albuquerque. A lei de arbitragem – uma avaliação crítica. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 135; ARMELIN, Donaldo. Notas sobre a ação rescisória em matéria arbitral. Revista de Arbitragem e Mediação, n. 1, 2004, p. 13.
Não bastam, todavia, a taxatividade das hipóteses indicadas pela lei e a irrenunciabilidade da ação de nulidade para garantir a desejada efetividade da arbitragem como meio de composição. É preciso que a interpretação dos referidos dispositivos seja a mais restritiva possível, de modo a permitir a interferência do Poder Judiciário apenas e tão-somente nos casos que realmente representarem afronta direta ao ideal de um processo justo e eqüitativo. Nunca é demais relembrar: processo justo, e não julgamento justo. Apenas os chamados errores in procedendo são impugnáveis pela via da ação de nulidade da sentença arbitral, estando excluídos dessa apreciação quaisquer errores in judicando, vale dizer, qualquer questão relativa ao mérito da decisão dos árbitros6. Propõe-se aqui, portanto, a interferência mínima do Poder Judiciário na arbitragem, especialmente nessa fase pós-arbitral, quando tudo o que foi conquistado ao longo do processo pode acabar inutilizado. É justamente nessa linha de pensamento em que se inserem as duas decisões ora analisadas. Trata-se de uma ação declaratória de nulidade de sentença arbitral com pedido de antecipação de tutela cumulada com obrigação de fazer. O pedido de nulidade da sentença arbitral apóia-se em dois fundamentos, conforme exposto no relatório transcrito acima. Em primeiro lugar, o art. 32, VIII, da Lei nº 9.307/1996, por terem sido desrespeitados os princípios de que trata o art. 21, § 2º, da mesma lei (igualdade das partes, contraditório, imparcialidade e livre convencimento). A viola5 Neste sentido, CARMONA, C. A. Arbitragem e processo, p. 337-338; ROCHA, J. Albuquerque. A lei de arbitragem – uma avaliação crítica. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 132. 6 Novamente, CARMONA, C. A. Arbitragem e processo, cit., p. 231 e 337.
ção do devido processo legal teria ocorrido porque o tribunal arbitral indeferiu a realização da prova pericial contábil que havia sido requerida pela ora autora durante o curso do processo arbitral. Em segundo lugar, o art. 32, III, da Lei nº 9.307/1996, por terem sido desrespeitados os requisitos do art. 26 da mesma lei, particularmente no que diz respeito aos fundamentos da decisão. A sentença arbitral não estaria devidamente motivada porque os árbitros teriam julgado contrariamente as provas produzidas nos autos (em especial, contrariamente à perícia de engenharia que foi realizada) e seria também intrinsecamente contraditória. Por fim, o pedido relacionado com a obrigação de fazer está fundado na suposta responsabilidade do órgão arbitral institucional (no caso, a Câmara de Comércio Brasil-Canadá) pela nulidade da sentença, o que conduziria à obrigação desse órgão de processar novamente a arbitragem sem custos para a parte prejudicada. Em termos processuais, logo de início, o juiz determinou a emenda da petição inicial para que fosse corrigido o valor dado à causa, de modo a equivaler ao valor em disputa, notadamente o valor da condenação imposta pela sentença arbitral contra parte autora da ação de nulidade. Após a emenda da inicial, a co-ré Rio do Brasil Projetos Ltda. ingressou espontaneamente no processo para atacar o pedido de antecipação dos efeitos da tutela. Após essa manifestação, o juiz prolatou sentença indeferindo a inicial ab initio diante da falta de interesse processual (art. 295, III, do CPC), julgando extinto o processo sem resolução de mérito, nos termos do art. 267, I e VI, do CPC. Inconformada, a autora interpõe apelação solicitando a atribuição de efeito suspensivo e de efeito ativo, tendo sido ambos indeferidos pelo Juiz a quo. Contra essa decisão de indeferimento, foi interposto agravo na forma de instrumento, ao qual foi concedido, inicialmente, efeito ativo, suspendendo a eficácia
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da mesma lei, ação que, por sua vez, não pode ser objeto de renúncia em abstrato, dado o imperativo constitucional5.
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da sentença arbitral. No julgamento final desse agravo, todavia, o recurso foi conhecido e teve negado o seu provimento, revogando-se assim o efeito ativo que havia sido concedido, sob o argumento de que (i) “não se poderia conferir tal efeito ao recurso de apelação sem que se enfrentasse o mérito do referido recurso nesta via recursal diversa, o que não se poderia fazer” e (ii) “ainda que se pudesse analisar a questão atinente à presença, ou não, dos requisitos permissivos de concessão de efeito ativo à apelação, a suspensão da eficácia da sentença arbitral restaria impossível de ser dada diante da norma expressa do art. 585, § 1º, do Código de Processo Civil”. Após esse julgamento, a autora peticionou desistindo do recurso de apelação interposto, o que foi homologado pelo Juiz a quo. Desse modo, a sentença transitou em julgado no dia 20 de junho de 2007.
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O ponto central que está sendo debatido nessas duas decisões diz respeito essencialmente à distinção entre questões de mérito e questões de forma, considerando que apenas as segundas poderiam ensejar a anulação da sentença arbitral proferida, tal como indicado acima. Por um lado, a autora procurou deixar claro, desde o início, que não pretendia discutir questões atinentes ao mérito da decisão dos árbitros. Por outro lado, o juiz também foi claro ao considerar em sua sentença que “a autora, a pretexto de existir cerceamento de defesa e falta de motivação, pretende questionar no Judiciário o próprio mérito da sentença arbitral, o que é inadmissível”. Com efeito, em primeiro lugar, no tocante à suposta falta de motivação da sentença arbitral por terem os árbitros julgado contraditoriamente e contra as provas produzidas nos autos, é preciso esclarecer que (i) o suposto julgamento contrário às provas produzidas não está diretamente relacionado com a exigência de motivação da decisão (decisão imotivada é diferente de decisão equivocada) e (ii) que essa questão envolve necessariamente a análise do mérito da decisão arbitral, o que
se mostra inadmissível no âmbito da ação de nulidade. Nesse caso, não há que se falar, portanto, na hipótese do inciso III do art. 32. Em segundo lugar, no tocante à alegação de cerceamento de defesa pelo indeferimento da prova de perícia contábil, seria possível sustentar que, a princípio, trata-se realmente de questão ligada à garantia do devido processo legal (produção de provas como meio de defesa). De todas as hipóteses de nulidade previstas no art. 32, aquela que parece apresentar contornos mais incertos é exatamente a violação do devido processo legal (o referido inciso VIII), justamente por envolver uma discussão sobre os princípios do processo, sempre de difícil objetivação. Conforme indicado, escolheu o legislador quatro desses princípios para explicitá-los no texto do art. 21, § 2º7, entre os quais o contraditório e a igualdade de partes, diretamente envolvidos na discussão sobre o cerceamento de defesa por indeferimento de provas. Ocorre que esse mesmo dispositivo que protege o contraditório e a igualdade de partes é também o que assegura aos árbitros a garantia do livre convencimento (sempre motivado), no âmbito da valoração das provas. Portanto, compete aos árbitros definir quais provas são pertinentes e quais não são pertinentes para a instrução do processo. Nessa linha de raciocínio, o indeferimento de provas deve ser visto com maior naturalidade no âmbito da arbitragem. Se as partes conferiram poder (jurisdição) para que os árbitros julguem definitivamente o conflito, nessa outorga de poderes inclui-se, mais especificamente, o poder de decidir 7 Diz C. A. Carmona (Arbitragem e processo, cit., p. 251): “Pinçou o legislador dentre os princípios gerais do processo aqueles capazes de prestar às partes razoável garantia de um julgamento justo”. No mesmo sentido, antes da promulgação da lei de arbitragem, LEMES, Selma M. F. Arbitragem. Princípios jurídicos fundamentais. Direito brasileiro e comparado. RT 686/73, 1992, p. 77.
Além do livre convencimento assegurado aos árbitros para a apreciação das provas, deve ser ressaltado também que, na hipótese em discussão, não haveria como tratar da pertinência ou impertinência da prova pericial sem entrar no próprio mérito da sentença arbitral, o que, mais uma vez, mostra-se inadmissível, pelas razões já expostas. Portanto, no caso em tela, o juízo a respeito (i) da produção da prova pericial e (ii) da avaliação das provas produzidas nos autos (os dois argumentos utilizados para fundamentar o pedido de nulidade da sentença arbitral) não apenas envolve necessariamente a análise do mérito da decisão tomada pelos árbitros como
também encontra respaldo no princípio do livre convencimento que é assegurado aos árbitros por força do mesmo art. 21, § 2º, da Lei nº 9.307/1996. Por fim, cabe apenas uma breve consideração final a respeito do pedido relacionado com a condenação em obrigação de fazer contra o órgão institucional que administrou o processo arbitral, a Câmara de Comércio Brasil-Canadá. Parecem impertinentes tanto a sua inclusão no pólo passivo da demanda como a sua responsabilização por eventuais equívocos cometidos pelo tribunal arbitral. Os órgãos institucionais só podem ser responsabilizados por eventuais erros na administração do procedimento (atrasos que possam prejudicar as partes ou perda de documentos, por exemplo); jamais por eventuais erros ligados às decisões do tribunal arbitral. Concluindo, sempre que se discutem as hipóteses de nulidade da sentença arbitral, retomando o que foi dito no início, é preciso buscar o equilíbrio entre dois extremos: de um lado, a decretação de nulidade da sentença arbitral a pretexto de mero inconformismo com o resultado do julgamento, em prejuízo do desenvolvimento do instituto (a intervenção judicial “desmedida”); de outro, a total indiferença com a violação das garantias processuais na arbitragem, além do próprio direito de acesso à Justiça, previsto constitucionalmente – art. 5º, XXXV, da Constituição Federal (a intervenção judicial “acanhada”). No caso em tela, as duas decisões proferidas pela Justiça paulista estão em conformidade com esses dois limites e representam mais um passo importante em direção à consolidação da relação de cooperação que sempre deve existir entre a arbitragem e o Poder Judiciário. Arbitragem é liberdade. Está fundada sobre a autonomia das partes de escolher livremente o meio de composição de seus conflitos. Mas arbitragem é também responsabilidade, pois toda
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sobre a pertinência das provas requeridas pelas partes. Daí não se pode concluir que eventual indeferimento de provas pelos árbitros poderia chegar ao ponto de praticamente inviabilizar a defesa de uma das partes, o que ocorreria se, por exemplo, essa parte não tivesse a oportunidade de provar suas alegações por outras formas. Aí, sim, seria possível falar em verdadeiro cerceamento de defesa que conduziria à nulidade da sentença. O metro a ser utilizado será sempre o prejuízo, já que não há nulidade sem prejuízo (pas de nullitè sans grief). No caso em tela, muito embora a prova pericial tenha sido indeferida pelos árbitros – no exercício do legítimo poder conferido pelas partes, reitere-se –, o fato é que o conjunto probatório constante dos autos continha outros meios de prova, como, por exemplo, documentos e a própria perícia de engenharia. Se os árbitros entenderam que elas seriam suficientes, não cabe à parte vencida discutir a propriedade desse entendimento no Poder Judiciário. Cabe lembrar aqui o disposto no art. 22, caput, da Lei nº 9.307/1996, que confere amplos poderes instrutórios aos árbitros, inclusive o poder de decidir sobre a pertinência das provas a serem produzidas: “Poderá o árbitro ou o tribunal tomar o depoimento das partes, ouvir testemunhas e determinar a realização de perícias ou outras provas que julgar necessárias, mediante requerimento das partes ou de ofício” (grifos nossos).
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liberdade tem seu preço, o preço de sofrer as conseqüências da escolha feita8. Fica aqui, tal como no início, a menção a Sergio La China, em passagem imediatamente anterior ao relato da pergunta indicada na epígrafe: “le parti si sono scelte gli arbitri, il luogo, il procedimento, spesso la legge sostanziale; paghino dunque questi innegabili vantaggi con il sacrificio – parziale, poi – nelle loro possibilità di reazione al lodo che le ha deluse”9.
91
8 Nas palavras de C. A. Carmona (O processo arbitral. Revista de Arbitragem e Mediação, n. 1, 2004, p. 22): “A Lei de Arbitragem está centrada nula pilastra importantíssima que é a autonomia da vontade. Mas autonomia com responsabilidade, o que tem preço”. 9 “As partes escolheram os árbitros, o lugar, o procedimento, freqüentemente a lei substancial; pagam, portanto,essas vantagens inegáveis com o sacrifício – parcial – da possibilidade de reagir ao laudo que as frustrou.”(tradução livre)
Medidas Provisórias Medida Provisória nº 728, de 23.05.2016 Revoga dispositivos da Medida Provisória nº 726, de 12 de maio de 2016, restabelece dispositivos da Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003, e cria as Secretarias Especiais dos Direitos da Pessoa com Deficiência e do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. (DOU – Ed. Extra de 23.05.2016)
Medida Provisória nº 727, de 11.05.2016 Cria o Programa de Parcerias de Investimentos – PPI e da outras providências. (DOU – Ed. Extra de 12.05.2016)
Medida Provisória nº 726, de 12.05.2016 Altera e revoga dispositivos da Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003, que dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios. (DOU – Ed. Extra de 12.05.2016 - Rep. DOU – Ed. Extra de 19.05.2016)
Medida Provisória nº 725, de 11.05.2016 Altera a Lei nº 11.076, de 30 de dezembro de 2004, que dispõe sobre o Certificado de Depósito Agropecuário – CDA, o Warrant Agropecuário – WA, o Certificado de Direitos Creditórios do Agronegócio – CDCA, a Letra de Crédito do Agronegócio – LCA e o Certificado de Recebíveis do Agronegócio – CRA, e dá outras providências. (DOU – Ed. Extra de 11.05.2016)
Medida Provisória nº 724, de 04.05.2016 Altera a Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012, para dispor sobre a extensão dos prazos para inscrição no Cadastro Ambiental Rural e para adesão ao Programa de Regularização Ambiental. (DOU de 05.05.2016)
Medida Provisória nº 723, de 29.04.2016 Prorroga o prazo de dispensa de que trata o caput do art. 16 da Lei nº 12.871, de 22 de outubro de 2013. (DOU de 02.05.2016)
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Patrimônio Genético. Diversidade Biológica
2.187-13, DE 24.08.2001
Previdência Social. Alteração na Legislação
2.189-49, DE 23.08.2001
IR. Alteração na Legislação
2.190-34, DE 23.08.2001
Vigilância Sanitária. Alteração da Lei nº 9.782/1999
2.192-70, DE 24.08.2001
Proes. Bancos Estaduais
2.196-3, DE 24.08.2001
Instituições Financeiras Federais. Recuperação. Empresa Gestora de Ativos – Emgea
2.197-43, DE 24.08.2001
SFH. Disposições
2.198-5, DE 24.08.2001
Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica
2.199-14, DE 24.08.2001
IR. Incentivos Fiscais
2.200-2, DE 24.08.2001
Infraestrutura de Chaves Públicas. ICP-Brasil
2.206-1, DE 06.09.2001
Programa Nacional de Renda Mínima
2.208, DE 17.08.2001
Estudante Menor de 18 Anos. Comprovação
2.209, DE 29.08.2001
Comercializadora Brasileira de Energia Elétrica – CBEE
2.210, DE 29.08.2001
Orçamento. Crédito Extraordinário
2.211, DE 29.08.2001
Orçamento 2001 e 2002. Diretrizes
2.213-1, DE 30.08.2001
Programa Bolsa-Renda. Estiagem
2.214, DE 31.08.2001
Administração Pública Federal. Recursos
Planos de Saúde. Alteração da Lei nº 9.656/1998
2.215-10, DE 31.08.2001
Militares das Forças Armadas. Reestruturação da Remuneração
Programa Nacional de Alimentação Escolar. Dinheiro Direto na Escola
2.220, DE 04.09.2001
Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano – CNDU
2.224, DE 04.09.2001
Capitais Brasileiros no Exterior
2.179-36, DE 24.08.2001
União e Banco Central. Relações Financeiras
2.225-45, DE 04.09.2001
2.180-35, DE 24.08.2001
Advocacia-Geral da União. Alteração na Legislação
Servidor Público. Tráfico de Entorpecentes. Alteração das Leis nºs 6.368/1976 e 8.112/1990
2.181-45, DE 24.08.2001
Operações Financeiras do Tesouro Nacional
2.226, DE 04.09.2001
Alteração da CLT
2.183-56, DE 24.08.2001
Reforma Agrária. Alteração na Legislação
2.227, DE 04.09.2001
Plano Real. Correção Monetária. Exceção
2.184-23, DE 24.08.2001
Carreira Policial. Gratificação
2.228-1, DE 06.09.2001
2.185-35, DE 24.08.2001
Dívida Pública Mobiliária. Consolidação. Assunção. Refinanciamento
Cultura. Política Nacional do Cinema – Ancine. Prodecine. Funcines
2.229-43, DE 06.09.2001
Policiais Civis da União e DF. Alteração na legislação
2 .156-5, DE 24.08.2001
Agência de Desenvolvimento do Nordeste – Adene
2.157-5, DE 24.08.2001
Agência de Desenvolvimento da Amazônia – ADA
2.158-35, DE 24.08.2001
Cofins, PIS/Pasep e IR. Alteração na Legislação
2.159-70, DE 24.08.2001
IR. Alteração na Legislação
2.161-35, DE 23.08.2001
Programa Nacional de Desestatização. Alteração da Lei nº 9.491/1997
2.162-72, DE 23.08.2001
Notas do Tesouro Nacional – NTN
2.163-41, DE 23.08.2001
Meio Ambiente. Alteração da Lei nº 9.605/1998
2.164-41, DE 24.08.2001
Alteração da CLT. Trabalho a Tempo Parcial e PAT
2.165-36, DE 23.08.2001
Servidor Público e Militar. Auxílio-Transporte
2.166-67, DE 24.08.2001
Código Florestal. Alteração da Lei nº 4.771/1965
2.167-53, DE 23.08.2001
Recebimento de Valores Mobiliários pela União
2.168-40, DE 24.08.2001
Cooperativas. Recoop. Sescoop
2.169-43, DE 24.08.2001
Servidor Público. Vantagem de 28,86%
2.170-36, DE 23.08.2001
Tesouro Nacional. Administração de Recursos
2.172-32, DE 23.08.2001
Usura. Agiotagem
2.173-24, DE 23.08.2001
Anuidades Escolares
2.174-28, DE 24.08.2001
União. Programa de Desligamento Voluntário – PDV
2.177-44, DE 24.08.2001 2.178-36, DE 24.08.2001
Normas do Juris SÍNTESE atingidas pelas Medidas Provisórias em vigor (até 30.05.2016)
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Nota: Prezado assinante, todas as normas selecionadas, inclusive as medidas provisórias, podem ser consultadas em nosso endereço eletrônico www.sintese.com. MP 699 705 706 707 707 713 714 714 714 714 714 714 718
DOU 11.11.2015 24.12.2015 28.12.2015 31.12.2015 31.12.2015 02.03.2016 02.03.2016 02.03.2016 02.03.2016 02.03.2016 02.03.2016 02.03.2016 17.03.2016
ART 1º 1º 1º 1º 2º 1º 3º 4º 5º 5º 5º 5º 2º
NORMA LEGAL Lei nº 9.503/1997 Lei nº 12.722/2012 Lei nº 12.783/2013 Lei nº 12.096/2009 Lei nº 12.844/2013 Lei nº 12.249/2010 Lei nº 5.862/1972 Lei nº 7.565/1986 Lei nº 7.565/1986 Lei nº 7.920/1989 Lei nº 8.399/1992 Lei nº 12.462/2011 Lei nº 9.615/1998
93
718 718
17.03.2016 17.03.2016
4º 7º
Lei nº 12.780/2013 Lei nº 10.973/2004
ALTERAÇÃO 253-A, 271-A e 320-A 4º 11 1º-A 8º e 9º 60 2º 181 181 e 182 63 1º, 11, 48-A, 48-B, 48-C, 50, 50-B, 55-A, 55-B e 55-C 5º, 19 e 20 20
MP 718 719 719 719 719 724 725 726 726 726 728 728 2.156-5 2.156-5 2.156-5 2.156-5
DOU 17.03.2016 30.03.2016 30.03.2016 30.03.2016 30.03.2016 05.05.2016 11.05.2016-extra 12.05.2016-extra 12.05.2016-extra 12.05.2016-extra 23.05.2016-extra 23.05.2016-extra 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001
ART 8º 1º 2º 3º 4º 1º 1º e 2º 12º 17º 17º 1º 5º 32 32 32 32
NORMA LEGAL Lei nº 8.010/1990 Lei nº 10.820/2003 Lei nº 12.712/2012 Lei nº 8.374/1991 Lei nº 13.259/2016 Lei nº 12.651/12 Lei nº 11.076/04 Lei nº 10.683/03 Lei nº 10.683/03 MP 717/16 Lei nº 10.683/03 MP 726/16 DL 1.376/74 DL 2.397/87 Lei nº 8.034/90 Lei nº 9.532/97
ALTERAÇÃO 1º 1º 38 10 e 14 4º 82-A 23, 24, 25 e 37 1º, 2º, 3º, 6º, 11-A, 16, 18, 25, 27 e 29 1º, 2º, 3º, 18, 24, 28, 27 e 29 25, 27 e 29 1º, 2º, 4º, 5º, 6º, 7º e 8º 1º e 11 12 1º 2º
DOU 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 27.08.2001
ART 32 2º e 93 3º e 93 10 e 93 19 e 93 34 e 75 64 69 70 72 73 73 e 93 75 82 93 93 93 93 93 93 1º e 6º 6º 1º 7º e 8º
NORMA LEGAL DL 1.376/74 Lei nº 9.718/98 Lei nº 9.701/98 Lei nº 9.779/99 Lei nº 9.715/98 Lei nº 9.532/97 D nº 70.235/72 DL 1.455/76 Lei nº 9.430/96 Lei nº 8.218/91 Lei nº 9.317/96 Lei nº 9.317/96 Lei nº 9.532/97 Lei nº 8.981/95 Lei nº 9.432/97 LC 70/91 LC 85/96 Lei nº 7.714/88 Lei nº 9.004/95 Lei nº 9.493/97 Lei nº 9.491/97 Lei nº 9.094/95 Lei nº 9.605/98 Lei nº 7.998/90
2.164-41
27.08.2001
1º e 2º
CLT
2.164-41 2.164-41 2.164-41 2.164-41 2.164-41 2.164-41 2.165-36 2.165-36 2.166-67
27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 25.08.2001-extra
3º 4º 5º 6º 9º 10 13 13 1º
Lei nº 4.923/65 Lei nº 5.889/73 Lei nº 6.321/76 Lei nº 6.494/77 Lei nº 8.036/90 Lei nº 9.601/98 Lei nº 7.418/85 Lei nº 8.627/93 Lei nº 4.771/65
2.166-67 2.167-53 2.168-40 2.168-40 2.168-40 2.170-36 2.172-32 2.173-24 2.177-44
25.08.2001 24.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 27.08.2001
3º 2º e 3º 13 14 18 8º 7º 1º e 2º 1º e 8º
Lei nº 9.393/96 Lei nº 9.619/98 Lei nº 5.764/71 Lei nº 9.138/95 Lei nº 10.186/01 Lei nº 8.212/91 Lei nº 1.521/51 Lei nº 9.870/99 Lei nº 9.656/98
2.178-36 2.178-36 2.180-35 2.180-35
25.08.2001-extra 25.08.2001-extra 27.08.2001 27.08.2001
16 32 1º 4º
Lei nº 9.533/97 Lei nº 8.913/97 Lei nº 8.437/92 Lei nº 9.494/97
ALTERAÇÃO 1º 3º e 8º 1º 14 e 17 2º e 4º 1º e 64-A 1º, 25 e 64-A 1º, 9º, 10, 16, 18, 19 e 64-A 63 11 e 12 1º e 64-A 9º e 15 1º, 15 e 64-A 29 11 6º e 7º Revogada 5º Revogada 7º 2º, 4º, 5º, 6º e 30 2º 79-A 2º, 2º-A, 2º-B, 3º-A, 7º-A, 8º-A, 8º-B e 8º-C 58-A, 59, 130-A, 143, 476-A, 627-A, 643 e 652 1º 18 2º 1º 19-A, 20, 29-C e 29-D 2º 1º 6º 1º, 3º-A, 4º, 14, 16, 37-A, 44, 44-A, 44-B e 44-C 10 1º e 4º-A 88 2º 7º 60 4º, § 3º 1º e 6º 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 24-A, 24-B, 24-C, 24-D, 25, 26, 27, 28, 29, 29-A, 30, 31, 32, 34, 35, 35-A, 35-B, 35-C, 35-D, 35-E, 35-F, 35-G, 35-H e 35-I 4º Revogada 1º e 4º 1º-A, 1º-B (CPC e CLT), 1º-C, 1º-D, 1ºE, 1º-F, 2º-A e 2º-B
MP 2.180-35 2.180-35 2.180-35 2.180-35 2.180-35 2.180-35 2.181-45 2.181-45 2.181-45 2.183-56 2.183-56 2.183-56 2.187-13 2.187-13 2.187-13 2.187-13 2.187-13 2.189-49 2.189-49 2.189-49 2.189-49 2.190-34 2.192-70 2.196-3 2.196-3 2.197-43 2.197-43 2.197-43 2.199-14 2.211 2.211 2.214 2.215-10 2.215-10
DOU 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 25.08.2001-extra 25.08.2001 25.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 30.08.2001 30.08.2001 01.09.2001-extra 01.09.2001 01.09.2001
ART 6º 7º 8º 10 14 21 45 46 52 1º 3º 4º 2º 3º e 16 4º e 16 7º 16 10 11 13 14 7º e 8º 23 12 14 3º e 8º 4º e 8º 5º 18 1º 2º 1º 41 41
NORMA LEGAL Lei nº 7.347/85 Lei nº 8.429/92 Lei nº 9.704/98 CPC Lei nº 4.348/64 Lei nº 10.257/01 Lei nº 8.177/91 Lei nº 9.365/96 Lei nº 10.150/00 DL 3.365/41 Lei nº 8.177/91 Lei nº 8.629/93 Lei nº 6.015/73 Lei nº 8.212/91 Lei nº 8.213/91 Lei nº 9.639/98 Lei nº 9.711/98 Lei nº 9.532/97 Lei nº 9.250/95 Lei nº 9.430/96 Lei nº 9.317/96 Lei nº 9.294/96 Lei nº 9.496/97 Lei nº 8.036/90 Lei nº 7.827/89 Lei nº 8.692/93 Lei nº 4.380/64 Lei nº 8.036/90 Lei nº 9.532/97 Lei nº 9.995/00 Lei nº 10.266/01 Lei nº 10.261/01 Lei nº 8.448/92 Lei nº 8.460/92
2.217-3
05.09.2001
1º
Lei nº 10.233/01
2.220 2.224 2.225-45 2.225-45
05.09.2001-extra 05.09.2001 05.09.2001 05.09.2001
Lei nº 6.015/73 Lei nº 4.131/62 Lei nº 6.368/76 Lei nº 8.112/90
2.225-45 2.225-45 2.226 2.226 2.228-1 2.228-1
05.09.2001 05.09.2001 05.09.2001 05.09.2001 05.09.2001 05.09.2001
15 4º 1º 2º, 3º e 15 4º 5º 1º 3º 51 52 e 53
2.229-43 2.229-43
10.09.2001 10.09.2001
72 74
Lei nº 9.986/00 Lei nº 8.745/93
Lei nº 8.429/92 Lei nº 9.525/97 CLT Lei nº 9.469/97 Lei nº 8.685/93 Lei nº 8.313/91
ALTERAÇÃO 1º e 2º 17 1º 741 4º 53 18 6º 1º 10, 15-A, 15-B e 27 5º 2º, 2º-A, 5º, 6º, 7º, 11, 12, 17, 18 e 26-A 80 38, 55, 56, 68, 101 e 102 41, 95, 96, 134, 144, 145, 146 e 147 1º, 2º e 5º 7º, 8º, 9º, 12, 13, 14, 15, 16 e 17 6º, II, 34 e 82, II, f 10 e 25 79 9º 2º, 3º e 7º 1º, 3º, 6º, 7º-A e 7º-B 9º 9º-A 23 e 25 9º, 14 e 18 9º, 20, 23, 29-A e 29-B 4º 35 e 70 18, 34, 38 e 51 1º 6º 2º, 20, 25, 26 e 27, 5º, 7º-A, 13, 14, 14-A, 23, 24, 27, 28, 30, 32, 34-A, 38, 44, 51-A e 61-A 74, 77, 78-A, 78-B, 78-C, 78-D, 78-E, 78-F, 78-G, 78-H, 78-I 78-J, 82, 83, 84, 85-A, 85-B, 85-C, 85-D, 86, 88, 89, 100, 102-A, 103-A, 103-B, 103-C, 103-D, 113-A, 114-A, 15, 116-A, 118 e 119 167, I 6º 3º 25, 26, 46, 47, 61, 62-A, 67, 91, 117 e 119 17 2º 896-A 6º 5º 3º, II, a (a partir de 01.01.2007), e 18, § 3º 22 4º
Junho/2016 – Ed. 231
MP 2.157-5 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.161-35 2.162-72 2.163-41 2.164-41
94
Normas Legais
Lei nº 13.292, de 31.05.2016 Altera a Lei nº 6.704, de 26 de outubro de 1979, para dispor sobre o Seguro de Crédito à Exportação, as Leis nºs 9.818, de 23 de agosto de 1999, e 11.281, de 20 de fevereiro de 2006, para dispor sobre o Fundo de Garantia à Exportação, a Lei nº 12.712, de 30 de agosto de 2012, para dispor sobre a utilização de imóveis da União para integralização de fundo garantidor e sobre a Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e Garantias S.A. (ABGF), o Decreto-Lei nº 857, de 11 de setembro de 1969, para dispor sobre moeda de pagamento de obrigações exequíveis no Brasil, e a Lei nº 13.240, de 30 de dezembro de 2015, para dispor sobre a utilização de imóveis da União para integralização de fundo garantidor; e dispõe sobre a concessão pela União de seguro de investimento no exterior contra riscos políticos e extraordinários. (DOU de 1º.06.2016) Lei nº 13.291, de 25.05.2016 Altera os dispositivos que menciona da Lei nº 13.242, de 30 de dezembro de 2015, que dispõe sobre as diretrizes para a elaboração e execução da Lei Orçamentária de 2016. (DOU de 27.5.2016) Lei nº 13.290, de 23.05.2016 Torna obrigatório o uso, nas rodovias, de farol baixo aceso durante o dia e dá outras providências. (DOU de 24.05.2016) Lei nº 13.289, de 20.05.2016 Dispõe sobre o Selo Empresa Solidária com a Vida e dá outras providências. (DOU de 23.05.2016) Lei nº 13.288, de 16.05.2016 Dispõe sobre os contratos de integração, obrigações e responsabilidades nas relações contratuais entre produtores integrados e integradores, e dá outras providências. (DOU de 17.05.2016) Lei nº 13.287, de 11.05.2016 Acrescenta dispositivo à Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, para proibir o trabalho da gestante ou lactante em atividades, operações ou locais insalubres. (DOU de 11.05.2016 - Edição extra) Lei nº 13.286, de 10.5.2016
Dispõe sobre a responsabilidade civil de notários e registradores, alterando o art. 22 da Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994. (DOU de 11.05.2016)
Lei nº 13.285, de 10.05.2016 Acrescenta o art. 394-A ao Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal. (DOU de 11.05.2016) Lei nº 13.284, de 10.05.2016 Dispõe sobre as medidas relativas aos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016 e aos eventos relacionados, que serão realizados no Brasil; e altera a Lei nº 12.035, de 1º de outubro de 2009, que “institui o Ato Olímpico, no âmbito da administração pública federal”, e a Lei nº 12.780, de 9 de janeiro de 2013, que “dispõe sobre medidas tributárias referentes à realização, no Brasil, dos Jogos Olímpicos de 2016 e dos Jogos Paraolímpicos de 2016”. (DOU de 11.05.2016) Lei nº 13.283, de 04.05.2016 Dispõe sobre a criação de uma vara federal no Estado do Rio Grande do Sul e sobre a criação de cargos efetivos e em comissão e funções comissionadas no Quadro de Pessoal da Justiça Federal e dá outras providências. (DOU de 05.05.2016) Lei nº 13.282, de 04.05.2016 Dispõe sobre a criação de duas varas federais no Estado do Rio Grande do Sul e sobre a criação de cargos de juízes, cargos efetivos e em comissão e funções comissionadas no Quadro de Pessoal da Justiça Federal e dá outras providências. (DOU de 05.05.2016) Lei nº 13.281, de 04.05.2016 Altera a Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997 (Código de Trânsito Brasileiro), e a Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. (DOU de 05.05.2016) Lei nº 13.280, de 03.05.2016 Altera a Lei nº 9.991, de 24 de julho de 2000, para disciplinar a aplicação dos recursos destinados a programas de eficiência energética. (DOU de 04.05.2016) Lei nº 13.279, de 03.05.2016 Institui o dia 3 de março como o Dia Nacional da Igreja O Brasil Para Cristo. (DOU de 04.05.2016) Lei nº 13.278, de 02.05.2016 Altera o § 6º do art. 26 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que fixa as diretrizes e bases da educação nacional, referente ao ensino da arte. (DOU de 03.05.2016)
Indicadores
I – Índices de Atualização dos Débitos Trabalhistas TABELA ÚNICA PARA ATUALIZAÇÃO DE DÉBITOS TRABALHISTAS ATÉ 30 DE JUNHO DE 2016 – PARA 1º DE JULHO DE 2016* *TR prefixada de 1º junho/2016 a 1º julho/2016 (Banco Central) = 0,2043% Mês/Ano 1993 1994 1995 1996 1997 1998 JAN 0,000234890 0,009122876 2,386779809 1,813350552 1,654742030 1,507257095
Mês/Ano 2005 2006 2007 2008 2009 2010 JAN 1,156138949 1,124282122 1,101829775 1,086131793 1,068660857 1,061137331
FEV
0,000185303 0,006449997 2,337658589 1,790917519 1,642521669 1,490181109
FEV
1,153969486 1,121673111 1,099423137 1,085035907 1,066698132 1,061137331
MAR
0,000146601 0,004611752 2,295127580 1,773844268 1,631726134 1,483562935
MAR
1,152860434 1,120860487 1,098631024 1,084772307 1,066217268 1,061137331
ABR
0,000116525 0,003251147 2,243530857 1,759523506 1,621484870 1,470337252
ABR
1,149830631 1,118541750 1,096573852 1,084328817 1,064686249 1,060297575
MAIO
0,000090879 0,002227271 2,168360311 1,747992003 1,611475992 1,463429863
MAIO
1,147532124 1,117586213 1,095180782 1,083294271 1,064203101 1,060297575
JUN
0,000070624 0,001520944 2,100165826 1,737760071 1,601301324 1,456811568
JUN
1,144639620 1,115480187 1,093334141 1,082497552 1,063725488 1,059757099
JUL
0,000054293 2,847718686 2,041249249 1,727225722 1,590904761 1,449689244
JUL
1,141223936 1,113323679 1,092292094 1,081258430 1,063028142 1,059133269
AGO
0,041645254 2,711437706 1,981978191 1,717178510 1,580505038 1,441755265
AGO
1,138292832 1,111377657 1,090689871 1,079192855 1,061912072 1,057915608
SET
0,031232379 2,654857385 1,931667901 1,706470409 1,570657018 1,436370313
SET
1,134361137 1,108676920 1,089093260 1,077496875 1,061702917 1,056954836
OUT
0,023200400 2,591644582 1,894919723 1,695247868 1,560553992 1,429918521
OUT
1,131377694 1,106993183 1,088710034 1,075378380 1,061702917 1,056213375
NOV
0,016992896 2,527075281 1,864087712 1,682763446 1,550394258 1,417315749
NOV
1,129006779 1,104921455 1,087468145 1,072690218 1,061702917 1,055715077
DEZ
0,012480094 2,455354380 1,837649449 1,669166416 1,526979554 1,408672137
DEZ
1,126833118 1,103506760 1,086826917 1,070957409 1,061702917 1,055360476
Mês/Ano 1999 2000 2001 2002 2003 2004 JAN 1,398277343 1,322503628 1,295349099 1,266408428 1,231884371 1,177162390
Mês/Ano 2011 2012 2013 2014 2015 2016 JAN 1,053878723 1,041300771 1,038292741 1,036313144 1,027483794 1,009360758
FEV
1,391095119 1,319667662 1,293578191 1,263135644 1,225904409 1,175657549
FEV
1,053125738 1,040401864 1,038292741 1,035147568 1,026582455 1,008030158
MAR
1,379646810 1,316602611 1,293102329 1,261658242 1,220879270 1,175119344
MAR
1,052574189 1,040401864 1,038292741 1,034591992 1,026410018 1,007066396
ABR
1,363807549 1,313657391 1,290876858 1,259444139 1,216279302 1,173033690
ABR
1,051300013 1,039291900 1,038292741 1,034316864 1,025081513 1,004887799
MAIO
1,355549541 1,311950543 1,288884243 1,256482610 1,211211592 1,172009354
MAIO
1,050912227 1,039056035 1,038292741 1,033842330 1,023981756 1,003579132
JUN
1,347784952 1,308689290 1,286533745 1,253847023 1,205605527 1,170200224
JUN
1,049264881 1,038569984 1,038292741 1,033218266 1,022802465 1,002043000
JUL
1,343609015 1,305894675 1,284660710 1,251866571 1,200603811 1,168143124
JUL
1,048097300 1,038569984 1,038292741 1,032738043 1,020951480 1,000000000
AGO
1,339679734 1,303877577 1,281532489 1,248550421 1,194078174 1,165867351
AGO
1,046810770 1,038420451 1,038075784 1,031650683 1,018603599
SET
1,335745962 1,301242560 1,277144222 1,245460433 1,189275878 1,163534465
SET
1,044642093 1,038292741 1,038075784 1,031030003 1,016705410
OUT
1,332129232 1,299893271 1,275069683 1,243030309 1,185288567 1,161527345
OUT
1,043595367 1,038292741 1,037993782 1,030130699 1,014757076
NOV
1,329118778 1,298184860 1,271366194 1,239599099 1,181492432 1,160241797
NOV
1,042948739 1,038292741 1,037039706 1,029062532 1,012943906
DEZ
1,326468494 1,296632790 1,268919716 1,236330242 1,179397822 1,158913682
DEZ
1,042276470 1,038292741 1,036825083 1,028565735 1,011631820
OBS.: Foram consideradas as divisões por 1.000 ocorridas em março/1986, janeiro/1989, agosto/1993, e por 2.750 ocorridas em julho/1994.
TABELA PARA ATUALIZAÇÃO DIÁRIA DE DÉBITOS TRABALHISTAS
Junho/2016 – Ed. 231
MÊS: JUNHO ANO: 2016
97
DIA 1º 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 1º
MÊS JUNHO JUNHO JUNHO JUNHO JUNHO JUNHO JUNHO JUNHO JUNHO JUNHO JUNHO JUNHO JUNHO JUNHO JUNHO JUNHO JUNHO JUNHO JUNHO JUNHO JUNHO JUNHO JUNHO JUNHO JUNHO JUNHO JUNHO JUNHO JUNHO JUNHO JULHO
TR DIÁRIA 0,009277% 0,009277% 0,009277% 0,009277% 0,009277% 0,009277% 0,009277% 0,009277% 0,009277% 0,009277% 0,009277% 0,009277% 0,009277% 0,009277% 0,009277% 0,009277% 0,009277% 0,009277% 0,009277% 0,009277% 0,009277% 0,009277% -
TR ACUMULADA 0,000000% 0,009277% 0,018556% 0,027835% 0,027835% 0,027835% 0,037114% 0,046395% 0,055677% 0,064959% 0,074243% 0,074243% 0,074243% 0,083527% 0,092812% 0,102098% 0,111385% 0,120672% 0,120672% 0,120672% 0,129961% 0,139250% 0,148540% 0,157832% 0,167124% 0,167124% 0,167124% 0,176416% 0,185710% 0,195005% 0,204300%
INDICE 1,00000000 1,00009277 1,00018556 1,00027835 1,00027835 1,00027835 1,00037114 1,00046395 1,00055677 1,00064959 1,00074243 1,00074243 1,00074243 1,00083527 1,00092812 1,00102098 1,00111385 1,00120672 1,00120672 1,00120672 1,00129961 1,00139250 1,00148540 1,00157832 1,00167124 1,00167124 1,00167124 1,00176416 1,00185710 1,00195005 1,00204300
2 – Juros de mora (incidentes a partir da propositura da ação e aplicados sobre o principal corrigido): • Até 28.02.1987 – Juros simples – 0,5% ao mês; • De 01.03.1987 até 31.01.1991 – Juros capitalizados mensalmente – 1% ao mês; • De 01.02.1991 em diante – Juros simples – 1% ao mês.
Fórmula para cálculo da taxa efetiva (T) dos juros capitalizados: T = (1,01)n – 1, onde “n” é igual ao número de dias decorridos desde a data da propositura da ação, contidos no período compreendido entre 01.03.1987 e 31.01.1991, dividido por 30.
Juros Capitalizados Mensalmente Nº Meses
% Efetivo
Nº Meses
% Efetivo
Nº Meses
% Efetivo
01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15 16
1,0000 2,0100 3,0301 4,0604 5,1010 6,1520 7,2135 8,2856 9,3685 10,4622 11,5668 12,6825 13,8093 14,9474 16,0968 17,2578
17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32
18,4304 19,6147 20,8108 22,0190 23,2391 24,4715 25,7163 26,9734 28,2431 29,5256 30,8208 32,1290 33,4503 34,7848 36,1327 37,4940
33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 –
38,8690 40,257+6 41,6602 43,0768 44,5076 45,9527 47,4122 48,8863 50,3752 51,8789 53,3977 54,9317 56,4810 58,0458 59,6263 –
Vigência
Moeda
Valor
Norma Legal
DOU
Vigência
Moeda
Valor
Norma Legal
DOU
01.10.1989
NCz$
381,73
Decreto nº 98.211/89
02.10.1989
01.09.1990
Cr$
6.056,31
Port. 3.588/90
03.09.1990
01.11.1989
NCz$
557,33
Decreto nº 98.346/89
31.10.1989
01.10.1990
Cr$
6.425,14
Port. 3.628/90
01.10.1990
01.12.1989
NCz$
788,18
Decreto nº 98.456/89
01.12.1989
01.11.1990
Cr$
8.329,55
Port. 3.719/90
01.11.1990
01.01.1990
NCz$
1.283,95
Decreto nº 98.783/89
29.12.1989
01.12.1990
Cr$
8.836,82
Port. 3.787/90
03.12.1990
Cr$
12.325,50
Port. 3.828/90
31.12.1990
01.02.1990
NCz$
2.004,37
Decreto nº 98.900/90
01.02.1990
01.01.1991
01.03.1990
NCz$
3.674,06
Decreto nº 98.985/90
01.03.1990
01.02.1991
Cr$
15.895,46
MP 295/91
01.02.1991
01.04.1990
Cr$
3.674,06
Port. 3.143/90
24.04.1990
01.03.1991
Cr$
17.000,00
Lei nº 8.178/91
04.03.1991
Cr$
42.000,00
Lei nº 8.222/91
06.09.1991
01.05.1990
Cr$
3.674,06
Port. 3.352/90
23.05.1990
01.09.1991
01.06.1990
Cr$
3.857,76
Port. 3.387/90
04.06.1990
01.01.1992
Cr$
96.037,33
Port. 42/92
21.01.1992
01.07.1990
Cr$
4.904,76
Port. 3.501/90
16.07.1990
01.05.1992
Cr$
230.000,00
Lei nº 8.419/92
08.05.1992
01.08.1990
Cr$
5.203,46
Port. 429/90
01.08.1990
01.09.1992
Cr$
522.186,94
Port. 601/92
31.08.1992
Junho/2016 – Ed. 231
II – Evolução do Salário-Mínimo desde 1989
98
Vigência
Moeda
Valor
Norma Legal
DOU
Vigência
Moeda
Valor
Norma Legal
DOU
01.01.1993
Cr$
1.250.700,00
Lei nº 8.542/92
24.12.1992
03.04.2000
R$
151,00
Lei nº 9.971/00
19.05.2000
01.03.1993
Cr$
1.709.400,00
Port. Interm. 4/93
01.03.1993
01.04.2001
R$
180,00
MP 2.142/01 (atual 2.194-6)
30.03.2001
01.05.1993
Cr$
3.303.300,00
Port. Interm. 7/93
04.05.1993
01.04.2002
R$
200,00
Lei nº 10.525/02
28.03.2002
01.07.1993
Cr$
4.639.800,00
Port. Interm. 11/93
01.08.1993
01.04.2003
R$
240,00
Lei nº 10.699/03
10.07.2003
01.08.1993
CR$
5.534,00
Port. Interm. 12/93
03.08.1993
01.05.2004
R$
260,00
Lei nº 10.888/04
25.06.2004
01.09.1993
CR$
9.606,00
Port. Interm. 14/93
02.09.1993
01.05.2005
R$
300,00
Lei nº 11.164/05
19.08.2005
01.10.1993
CR$
12.024,00
Port. Interm. 15/93
04.10.1993
01.04.2006
R$
350,00
MP 288/06
31.03.2006
01.11.1993
CR$
15.021,00
Port. Interm. 17/93
03.11.1993
01.04.2006
R$
350,00
Lei nº 11.321/06
10.07.2006
01.12.1993
CR$
18.760,00
Port. Interm. 19/93
02.12.1993
01.04.2007
R$
380,00
MP 362/07
30.03.2007-extra
01.01.1994
CR$
32.882,00
Port. Interm. 20/93
31.12.1993
01.04.2007
R$
380,00
Lei nº 11.498/07
29.06.2007
01.02.1994
CR$
42.829,00
Port. Interm. 02/94
02.02.1994
01.03.2008
R$
415,00
MP 421/08
29.02.2008-extra
01.03.1994
URV
64,79
Port. Interm. 04/94
03.03.1994
01.02.2009
R$
465,00
MP 456/09
30.01.2009-extra
01.07.1994
R$
64,79
Lei nº 9.069/95
30.06.1994/30.06.1995
01.01.2010
R$
510,00
MP 474/09
24.12.2009
01.09.1994
R$
70,00
Lei nº 9.063/95
01.09.1994/20.06.1995
01.01.2011
R$
540,00
MP 516/10
31.12.2010
01.05.1995
R$
100,00
Lei nº 9.032/95
29.04.1995
01.03.2011
R$
545,00
Lei nº 12.382/11
28.02.2011
01.05.1996
R$
112,00
Lei nº 9.971/00
19.05.2000
01.01.2012
RS
622,00
Decreto nº 7.655/11
26.12.2011
01.05.1997
R$
120,00
Lei nº 9.971/00
19.05.2000
01.01.2013
R$
678.00
Decreto nº 7.872/11
26.12.2012
01.05.1998
R$
130,00
Lei nº 9.971/00
19.05.2000
01.01.2014
R$
724,00
Decreto nº 8.166/13
24.12.2013
01.05.1999
R$
136,00
Lei nº 9.971/00
19.05.2000
01.01.2015
R$
788,00
Decreto nº 8.381/14
29.12.2014
Junho/2016 – Ed. 231
III – Previdência Social – Valores de Benefícios (Abril/2015)
99
Salário-de-benefício mínimo Salário-de-benefício máximo Renda mensal vitalícia Salário-família:
R$ 788,00 R$ 4.663,75 R$ 788,00 I - R$ 37,18 (trinta e sete reais e dezoito centavos) para o segurado com remuneração mensal não superior a R$ 725,02 (setecentos e vinte e cinco reais e dois centavos);
II - R$ 26,20 (vinte e seis reais e vinte centavos) para o segurado com remuneração mensal superior a R$ 725,02 (setecentos e vinte e cinco reais e dois centavos) e igual ou inferior a R$ 1.089,72 (um mil e oitenta e nove reais e setenta e dois centavos). Benefícios a idosos e portadores de deficiência Um salário-mínimo (Decreto nº 1.744/1995)
INSS – JANEIRO 2016 TABELA DE CONTRIBUIÇÃO (EMPREGADO, EMPREGADO DOMÉSTICO E TRABALHADOR AVULSO) PARA PAGAMENTO DE REMUNERAÇÃO A PARTIR DE 1º DE JANEIRO DE 2016 Salário-de-contribuição (R$)
Alíquota para fins de recolhimento ao INSS (%)
até 1.556,94
8%*
de 1.556,95 até 2.594,92
9%*
de 2.594,93 até 5.189,82
11%*
ESCALA DE SALÁRIOS-BASE PARA OS SEGURADOS CONTRIBUINTE INDIVIDUAL E FACULTATIVO
Nota: Escala extinta, conforme o art. 9º da Lei nº 10.666, de 08.05.2003, DOU 09.05.2003, e o art. 39 da Instrução Normativa DC/INSS nº 89, de 11.06.2003, DOU 13.06.2003.
* Alíquota reduzida para salários e remunerações até três salários-mínimos, em razão do disposto no inciso II do art. 17 da Lei nº 9.311, de 24.10.1996, que instituiu a Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e de Direitos de Natureza Financeira – CPMF.
IV – Imposto de Renda na Fonte TABELA PROGRESSIVA MENSAL Alíquota %
Até 1.903,98
-
Parcela a deduzir do imposto em R$ -
De 1.903,99 até 2.826,65
7,5 142,80
De 2.826,66 até 3.751,05
15,0 354,80
De 3.751,06 até 4.664,68
22,5 636,13
Acima de 4.664,68
27,5 869,36
Dedução por dependente
O imposto de renda anual devido, incidente sobre os rendimentos de pessoas físicas, será calculado de acordo com a tabela progressiva anual correspondente à soma das tabelas progressivas mensais vigentes nos meses de cada ano-calendário.
189,59
V – Limites de Depósitos Recursais na Justiça do Trabalho NOVOS VALORES PARA DEPÓSITOS RECURSAIS NA JUSTIÇA DO TRABALHO (Ato nº 397/2015 do TST, DJe de 13.07.2015, vigência a partir de 01.08.2015) Recurso Ordinário
R$ 8.183,06
Recurso de Revista, Embargos, Recurso Extraordinário e Recurso em Ação Rescisória
R$ 16.366,10
Ação Rescisória – Depósito prévio de 20% do valor da causa, salvo prova de miserabilidade, nos termos do art. 836 da CLT, alterado pela Lei nº 11.495/2007, cujos efeitos começam a fluir a partir do dia 24.09.2007.
Junho/2016 – Ed. 231
Base de cálculo em R$
TABELA PROGRESSIVA ANUAL
100
VI – Indexadores Indexador INPC IGPM UFIR SELIC
Dezembro
Janeiro
Fevereiro
Março
Abril
Maio
0,90 1,51 1,00 0,44 0,64 0,49 1,14 1,29 0,51 0,33 Extinta, a partir de outubro de 2000, pela MP 1.973-67, atual Lei nº 10.522, de 19.07.2002, DOU 22.07.2002, art. 29, § 3º. 1,16 1,06 0,95 1,16 1,06 Valor de Referência Base Maio/1992 – Cruzeiros 79.297,75 Emissão anterior a Jan./1989 79.297,75
TDA
0,98 0,82 1,11
Valores nominais reajustados – Reais 91,87 Emissão anterior a Jan./1989 157,23
(*) Referente ao primeiro dia de cada mês.
VII – Índices de Atualização dos Débitos Judiciais
Junho/2016 – Ed. 231
Tabela editada em face da Jurisprudência ora predominante.
101
Mês/Ano 1993 1994 1995 1996 1997 1998
Mês/Ano 1999
JAN 140.277,063840 3631,929071 FEV 180.634,775106 5132,642163 MAR 225.414,135854 7214,955088 ABR 287.583,354522 10323,157739 MAIO 369.170,752199 14747,663145 JUN 468.034,679637 21049,339606 JUL 610.176,811842 11,346741 AGO 799,392641 12,036622 SET 1065,910147 12,693821 OUT 1445,693932 12,885497 NOV 1938,964701 13,125167 DEZ 2636,991993 13,554359
JAN FEV MAR ABR MAIO JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ
13,851199 16,819757 14,082514 17,065325 14,221930 17,186488 14,422459 17,236328 14,699370 17,396625 15,077143 17,619301 15,351547 17,853637 15,729195 18,067880 15,889632 18,158219 16,075540 18,161850 16,300597 18,230865 16,546736 18,292849
18,353215 18,501876 18,585134 18,711512 18,823781 18,844487 18,910442 18,944480 18,938796 18,957734 19,012711 19,041230
19,149765 19,312538 19,416825 19,511967 19,599770 19,740888 19,770499 19,715141 19,618536 19,557718 19,579231 19,543988
2002
2003
19,626072 21,280595 22,402504 24,517690 19,753641 21,410406 22,575003 24,780029 20,008462 21,421111 22,685620 24,856847 20,264570 21,448958 22,794510 25,010959 20,359813 21,468262 22,985983 25,181033 20,369992 21,457527 23,117003 25,203695 20,384250 21,521899 23,255705 25,357437 20,535093 21,821053 23,513843 25,649047 20,648036 22,085087 23,699602 25,869628 20,728563 22,180052 23,803880 26,084345 20,927557 22,215540 24,027636 26,493869 21,124276 22,279965 24,337592 27,392011
2000
2001
28,131595 28,826445 29,247311 29,647999 30,057141 30,354706 30,336493 30,348627 30,403254 30,652560 30,772104 30,885960
2004 31,052744 31,310481 31,432591 31,611756 31,741364 31,868329 32,027670 32,261471 32,422778 32,477896 32,533108 32,676253
Mês/Ano JAN FEV MAR ABR MAIO JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ
2005 2006 2007
2008
32,957268 34,620735 35,594754 37,429911 33,145124 34,752293 35,769168 37,688177 33,290962 34,832223 35,919398 37,869080 33,533986 34,926270 36,077443 38,062212 33,839145 34,968181 36,171244 38,305810 34,076019 35,013639 36,265289 38,673545 34,038535 34,989129 36,377711 39,025474 34,048746 35,027617 36,494119 39,251821 34,048746 35,020611 36,709434 39,334249 34,099819 35,076643 36,801207 39,393250 34,297597 35,227472 36,911610 39,590216 34,482804 35,375427 37,070329 39,740658
2009
2010
39,855905 40,110982 40,235326 40,315796 40,537532 40,780757 40,952036 41,046225 41,079061 41,144787 41,243534 41,396135
41,495485 41,860645 42,153669 42,452960 42,762866 42,946746 42,899504 42,869474 42,839465 43,070798 43,467049 43,914759
Mês/Ano JAN FEV MAR ABR MAIO JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ
2011 2012 2013
44,178247 46,864232 44,593522 47,103239 44,834327 47,286941 45,130233 47,372057 45,455170 47,675238 45,714264 47,937451 45,814835 48,062088 45,814835 48,268754 46,007257 48,485963 46,214289 48,791424 46,362174 49,137843 46,626438 49,403187
2014
2015
2016
49,768770 52,537233 55,809388 62,102540 50,226642 52,868217 56,635366 63,040288 50,487820 53,206573 57,292336 63,639170 50,790746 53,642866 58,157450 63,919182 51,090411 54,061280 58,570367 64,328264 51,269227 54,385647 59,150213 64,958680 51,412780 54,527049 59,605669 51,345943 54,597934 59,951381 51,428096 54,696210 60,101259 51,566951 54,964221 60,407775 51,881509 55,173085 60,872914 52,161669 55,465502 61,548603
Observação I – Dividir o valor a atualizar (observar o padrão monetário vigente à época) pelo fator do mês do termo inicial e multiplicar pelo fator do mês do termo final, obtendo-se o resultado na moeda vigente na data do termo final, não sendo necessário efetuar qualquer conversão. Esclarecendo que, nesta tabela, não estão incluídos os juros moratórios, apenas a correção monetária.
Padrões monetários a considerar: Cr$ (cruzeiro): de out./1964 a jan./1967
NCz$ (cruzado novo): de jan./1989 a fev./1990
NCr$ (cruzeiro novo): de fev./1967 a maio/1970
Cr$ (cruzeiro): de mar./1990 a jul./1993
Cr$ (cruzeiro): de jun./1970 a fev./1986
CR$ (cruzeiro real): de ago./1993 a jun./1994
Cz$ (cruzado): de mar./1986 a dez./1988
R$ (real): de jul./1994 em diante
Exemplo: Atualização, até junho de 2016, do valor de Cz$1.000,00 fixado em janeiro de 1988 Cz$1.000,00 : 596,94 (janeiro/1988) x 64,958680 (junho/2016) = R$ 108,81
Out./1964 a fev./1986: ORTN Mar./1986 e mar./1987 a jan./1989: OTN Abr./1986 a fev./1987: OTN pro rata Fev./1989: 42,72% (conforme STJ, índice de jan./1989
Abr./1989 a mar./1991: IPC do IBGE (de mar./1989 a fev./1991) Abr./1991 a jul./1994: INPC do IBGE (de mar./1991 a jun./1994) Ago./1994 a jul./1995: IPC-r do IBGE (de jul./1994 a jun./1995) Ago./1995 em diante: INPC do IBGE (de jul./1995 em diante), sendo que, com relação à aplicação da deflação, a matéria ficará sub judice)
Mar./1989: 10,14% (conforme STJ, índice de fev./1989) Observação III – Aplicação do índice de 10,14%, relativo ao mês de fevereiro de 1989, ao invés de 23,60%, em cumprimento ao decidido no Processo nº G-36.676/2002. Fonte: Tribunal de Justiça de São Paulo * Aplicável aos cálculos judiciais, exceto para aqueles com normas específicas estabelecidas por lei ou com decisão transitada em julgado, que estabelece critérios e índices diferentes.
Junho/2016 – Ed. 231
Observação II – Os fatores de atualização monetária foram compostos pela aplicação dos seguintes índices:
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