Política Não Criminal e Processo Penal: a Intersecção a Partir das Falsas Memórias da Testemunha e Seu Possível Impacto Carcerário – Gustavo Noronha de Ávila – p. 1
O Cadastro Ambiental Rural e a Dispensa de Averbação Cartorária da Reserva Legal Florestal – Marcus Vinícius Coutinho Gomes – p. 14 O “Rolezinho” da Fifa no País de Pedrinhas em Estado de Exceção Permanente – Jorge Luiz Souto Maior – p. 21 Momento para Apresentação da Garantia de Execução em Contratos Administrativos – Adriano Biancolini – p. 37 Da Não Incidência de Contribuição Previdenciária sobre as Férias e Terço Constitucional de Férias Pagas aos Trabalhadores Portuários Avulsos – Maxweel Sulívan Durigon Meneghini – p. 46 A Empresa Individual de Responsabilidade Limitada: Críticas à Lei nº 12.441, de 11 de julho de 2011– Luís Rodolfo Cruz e Creuz – p. 67 Acórdão na Íntegra – Supremo Tribunal Federal – p. 76 Pesquisa Temática – Acordo Coletivo de Trabalho – p. 90
Jornal Jurídico
Jurisprudência Comentada – O Reajustamento Automático de Tarifas em Concessões de Serviços Públicos – Rafael Wallbach Schwind – p. 93 Medida Provisória – p. 101 Normas Legais – p. 101
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Indicadores – p. 102
Doutrina
Política Não Criminal e Processo Penal: a Intersecção a Partir das Falsas Memórias da Testemunha e Seu Possível Impacto Carcerário
RESUMO: A prova testemunhal é uma das mais utilizadas em âmbito processual. Por outro lado, as entrevistas à testemunha podem formar um quadro sugestionável, que pode redundar em falsas memórias. O artigo pretende discutir as vinculações desta situação processual penal com as políticas criminais contemporâneas. Para tanto, lançaremos mão de um referencial teórico crítico para pensarmos em formas efetivas de reduzir a possibilidade de falsas memórias. É necessário discutirmos o próprio catálogo de tipos penais disponíveis, talvez a principal forma de afastarmos possíveis contaminações a redundarem em privações de liberdade.
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PALAVRAS-CHAVE: Falsas memórias; prova testemunhal; política criminal; sugestionabilidade.
GUSTAVO NORONHA DE ÁVILA Doutor em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Mestre em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Professor de Direito Processual Penal do Centro Universitário Ritter dos Reis (UniRitter)/Laureate International Universities, Professor de Criminologia da Especialização de Direito Penal e Direito Processual Penal do UniRitter/IBCCrim, Professor de Criminologia da Especialização em Ciências Penais da Universidade Estadual de Maringá (UEM), Advogado.
1 O presente trabalho constitui atualização, articulada com a política criminal brasileira contemporânea, das seguintes publicações que convido à leitura: ÁVILA, Gustavo Noronha de. Falsas memórias e sistema penal: a prova testemunhal em xeque. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013; DORNELLES, Guilherme Augusto; ÁVILA, Gustavo Noronha de. Processo penal, falsas memórias e entrevista cognitiva: da redução de danos à redução de dor: In: ÁVILA, Gustavo Noronha de (Org.). Fraturas do sistema penal. Porto Alegre: Sulina, 2013. p. 285-314; ÁVILA, Gustavo Noronha de; GAUER, Gabriel José Chittó; PIRES FILHO, Luiz Alberto Brasil Simões. Falsas memórias e processo penal: (re)discutindo o papel da testemunha. Revista do Instituto do Direito Brasileiro da Faculdade de Direito de Lisboa, v. 12, p. 7180-7181, 2012; ÁVILA, Gustavo Noronha de; GAUER, Gabriel José Chittó. Presunção da inocência, mídia, velocidade e memória – Breve reflexão transdisciplinar. Revista de Estudos Criminais, v. VII, p. 105-113, 2007.
SUMÁRIO: Introdução; 1 As falsas memórias como problema do processo penal; 2 Política criminal brasileira: rumo a um milhão de presos?; 3 Possibilidades de pensar uma política não criminal: Por onde?; Considerações finais; Referências.
INTRODUÇÃO As sugestionabilidades e suas possíveis resultantes, as falsas memórias, constituem um dos grandes problemas do processo de criminalização brasileiro. Tal situação encontra seu ponto nevrálgico na prova testemunhal. Comumente, tem-se trabalhado com propostas de redução de danos para atenuar possíveis efeitos negativos na liberdade do réu. Nestas breves linhas, discutiremos as possibilidades de pensarmos para além das medidas reformistas processuais penais, vinculando a questão também às políticas criminais. Até qual ponto uma sociedade punitiva influencia na propulsão de sugestionabilidades?
Existe possibilidade de pensarmos em políticas não criminais? Quais seriam os efeitos destas para as sugestionabilidades?
recordação de informações falsas, sejam elas de origem interna ou externa, que o indivíduo lembra como sendo verdadeiras3.
São algumas das questões que, longe da pretensão arrogante de esgotarmos, pretendemos abordar e problematizar com o nosso leitor.
Para ilustrar tal situação interessante, cita-se o experimento realizado por Walter Lippmann, em 1922, no Congresso de Psicologia em Gottingen, feito, portanto, sob o olhar de pessoas treinadas e acostumadas à observação:
Nos processos que tentam a (re)construção do fato criminoso pretérito, podem existir artimanhas do cérebro, informações armazenadas como verdadeiras, ou induções dos entrevistadores, de outras pessoas e/ou da mídia que, no entanto, não condizem com a realidade. Estas são as chamadas falsas memórias, processo que pode ser agravado quando da utilização de técnicas por repetição, exemplificadamente as empregadas de forma notória no âmbito criminal. Estas consistem em recordações de situações que, na verdade, nunca ocorreram. A interpretação errada de um acontecimento pode ocasionar a formação de falsas memórias. Embora não apresentem uma experiência direta, as falsas memórias representam a verdade como os indivíduos as lembram2. Podem surgir de duas formas: espontaneamente ou através de uma sugestão externa. Alfred Binet conduziu os primeiros estudos específicos sobre falsas memórias. Eles versavam sobre as características de sugestionabilidade da memória, a saber, a incorporação e a
2 BARBOSA, Cláudia. Estudo experimental sobre emoção e falsas memórias. Dissertação de Mestrado em Psicologia pela Faculdade de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: PUCRS, 2002. p. 26.
De um lugar próximo da sala em que acontecia o congresso, havia uma festa, um baile de máscaras. Repentinamente, uma porta da sala do congresso abre-se abruptamente e um palhaço entra correndo perseguido, loucamente, por um afrodescendente com um revólver na mão. Eles param no meio da sala brigando. O palhaço cai. O afrodescendente pula sobre ele e dispara a arma. Ambos saem rapidamente da sala. Todo o incidente dura cerca de 20 segundos. O presidente do congresso pede aos presentes que façam um depoimento sobre o fato, uma vez que aquilo certamente seria alvo de inquérito judicial e testemunhos seriam necessários. Quarenta depoimentos lhe chegam às mãos. Apenas um tinha menos de 20% de erros em relação aos fatos ocorridos. Quatorze tinham de 20 a 40 por cento de erros, doze tinham de 40 a 50 por cento de erros e treze tinham mais de 50 por cento de erros. Em 24 dos reports, 10% dos fatos relatados eram pura invenção. Cerca de ¼ dos testemunhos eram falsos. Não é necessário dizer que toda cena fora arranjada à guisa de experimento. Toda ela foi fotografa. Dos falsos reports, 10 poderiam ser classificados como lendas ou contos, 24 poderiam ser considerados como meio lendários e apenas 6 tinham um valor aproximado a provas.4
Necessário atentar ao fato de o experimento ter contado com participantes treinados à observação, que, quando colocados 3 BINET, A. La suggestibilitie. Paris: Scheicher, 1900. Apud NEUFELD, Carmem Beatriz; BRUST, Priscila Goergen; STEIN, Lilian Milnitsky. Compreendendo o fenômeno das falsas memórias. In: STEIN, Lilian Milnitsky. Falsas memórias. Porto Alegre: Artes Médicas, 2010. 4 LIPPMANN, Walter. Public opinion. 50. ed. New Jersey: MacMillan, 1991. p. 82.
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1 AS FALSAS MEMÓRIAS COMO PROBLEMA DO PROCESSO PENAL
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em situação de relatar um evento violento, tendem a trazer informações diversas/equivocadas em relação ao acontecimento.
ao que poderia ser trazido ao processo e mais a sua vivência e como esta pode influenciar a sua forma de interpretar o mundo.
Chamamos de processo “tudo o que se refere à prova”5 e, etimologicamente, esta palavra evoca um exame ou uma seleção de algo. Os processos são “máquinas retrospectivas”, logo, baseados em várias hipóteses históricas, propostas pelas partes. É preciso, então, verificá-las. As provas são a maneira pela qual realizaremos essa tarefa6. Para Taruffo7, a noção de prova reside na fundamentação deste juízo.
A possibilidade de ocorrência das falsas memórias também pode atuar de forma precaucional, impedindo ao magistrado que imponha condenações, como corolário dos princípios do in dubio pro reo e estado de inocência.
A dificuldade de se avaliar a prova e a sua vontade de verdade8, especialmente através da testemunha, já eram preocupações de Carnelutti. Diz ele que “as provas são, pois, os objetos mediante os quais o juiz obtém as experiências que lhe servem para julgar”9.
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Para além da concepção narrativa, já se percebia a preocupação de que o testemunho constituísse muito mais do que descrever: constituía, sim, uma verdadeira maneira de transmitir uma experiência10. Como forma de transcender a sua objetificação, seria necessário também entender menos o conteúdo em comparação
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5 CORDERO, Franco. Procedimiento penal. Bogotá: Themis, t. II, 2000. p. 4. 6 Em um sentido ultrajurídico, “seria tudo aquilo que nos convence da existência de algum fato, alguma coisa ou algum ser, seja do presente, seja do passado” (TOVO, Paulo Cláudio. Estudos de direito processual penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, v. 2, 1999. p. 202). 7 TARUFFO, Michele. La prueba de los hechos. 3. ed. Madrid: Trotta, 2009. p. 327-328. 8 FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurídicas. Rio de Janeiro: Nau Editora, 2003. p. 142. 9 CARNELUTTI, Francesco. Lições sobre o processo penal. Campinas: Bookseller, v. 1, 2004. p. 275. 10 Idem, p. 289.
A qualidade da prova pode estar comprometida também quando da decorrência de lapso temporal exacerbado entre a coleta dos depoimentos policiais e os testemunhos judiciais, favorecendo a produção de memórias falsificadas. Foi o que reconheceu o Desembargador do Tribunal de Justiça gaúcho, Gaspar Marques Batista: “Parte da prova oral colhida em juízo, cinco anos depois, certamente foi prejudicada pela ação do tempo, que opera o esquecimento dos fatos e até a inclusão de falsas memórias”11. Sobre a testemunha e a sua memória do evento, os efeitos do tempo são nefastos. O intervalo entre o depoimento em inquérito e a oitiva, como testemunha no processo, pode demorar anos. Assim, “a correspondência entre o que a testemunha viu, a imagem que registrou na consciência e o que vão relatar ao juiz sofrem forte influência do tempo”12. Enxergar através dos olhos da testemunha: eis um dos desafios comuns ao juiz durante o processo penal. Apesar desta dificuldade e de todas as possíveis “impurezas”, advindas deste tipo de
11 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Criminal nº 70020430146/RS. Julgamento em: 29.11.2008. Diário de Justiça do Rio Grande do Sul, em 08.11.2007. Acesso em: 15 nov. 2008. Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br/site_php/consulta/exibe_documento<. php?ano=2007&codigo=1382594>. Acesso em: 3 fev. 2014. 12 THUMS, Gilberto. Sistemas processuais penais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 51.
Mas como o juiz poderia utilizar-se desta experiência da testemunha? A resposta, inicialmente, parece-nos bastante complexa. A mera relação causal, base do cartesianismo, será absolutamente insuficiente para contornar a questão. O Direito é herdeiro direto da tradição racionalista, que reduz o conhecimento ao mundo binário da validade/invalidade. Desta forma, a ação será procedente/improcedente, uma medida legal/ ilegal (constitucional/inconstitucional). Com base na naturalizada igualdade, o Direito pretensamente tenta forjar um mundo para além das impurezas, muito além da verdade, já que o falso só serve de modo a confirmá-la. Quanto à utopia do “mundo perfeito”, afirma Gauer que “a modernidade disciplinou não apenas os homens, mas também, todas as coisas que pudessem estar fora do lugar”14. Todas as impurezas deveriam ser higienizadas, e a razão era a forma de filtrar, binariamente, os conhecimentos válidos e inválidos. Sendo assim, “o mundo perfeito, utopia dos iluministas, seria totalmente limpo e idêntico a si mesmo, transparente e livre de contaminações”15. Ao presenciar o fato, certamente a testemunha o interpreta, de acordo com sua própria vivência, que, na maior parte das ve13 CARNELUTTI, Francesco. Lições sobre o processo penal. Campinas: Bookseller, v. 1, 2004. p. 292. 14 GAUER, Ruth Maria Chittó. Da diferença perigosa ao perigo da igualdade: reflexões em torno do paradoxo moderno. Civitas, v. 5, n. 2, p. 399-413, 2005. p. 401. 15 Idem, p. 401.
zes, não é a mesma do juiz. Alexandre Morais da Rosa nos traz uma possibilidade interessante: “A melhor maneira de julgarmos um processo crime é imaginar o enredo sem o ato violento ou criminalizado”16. É necessário, portanto, um certo afastamento para consegui-lo17. Aqui deixamos bastante evidente que não se trata apenas de avaliarmos as atuações do órgão acusatório e da magistratura, mas, necessariamente, de todos eles que terão participação ativa na (re)construção do fato passado. Portanto, processos que gerem falsas memórias não dependerão apenas de quem tem a função de acusar e a quem julga, mas também daqueles defensores que, em contraditório, lançarão mão das melhores estratégias para evitar distorções. O sistema de oitiva de testemunhas, adotado na legislação brasileira, a partir da reforma processual de 2008, é semelhante ao cross examination (ou exame direto e cruzado18) norte-americano, já que, em ambos, a acusação e a defesa realizam os seus questionamentos diretamente às testemunhas. Neste formato, as partes ficam sujeitas ao contrainterrogatório de seu oponente. Porém, existe importante diferença: o processo penal brasileiro não limitou a atuação do juiz, no sentido de somente presidir o
16 MORAIS DA ROSA, Alexandre. Quando se fala de juiz no novo CPP de que juiz se fala? In: COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda; CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de. O novo processo penal à luz da constituição (análise crítica do Projeto de Lei nº 156/2009 do Senado Federal). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 128. 17 Idem, p. 128. 18 GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Provas. In: MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis (Coord.). As reformas no processo penal: as novas leis de 2008 e os projetos de reforma. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 284.
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prova, não é possível prescindir de sua existência13. Isto porque existem crimes, especialmente os materiais, que dificilmente poderão ser analisados de outra forma que não pela testemunha. O homicídio é um claro exemplo desta situação.
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ato, mas também permitiu a ele a faculdade de complementar a inquirição acerca dos pontos não esclarecidos19. O art. 212 do CPP traz algumas limitações às perguntas realizadas. Estas não poderão induzir resposta, nem ter relação com a causa e importar em repetição, sendo o magistrado responsável por fiscalizar a inquirição20. Neste ponto, constatamos importante dificuldade de nosso regramento legal: inexistem definições do que seriam perguntas que induzem à resposta. Como possível forma de atenuação do problema se apontam medidas de redução diante da impossibilidade de outra solução21. Para tanto, são trazidas as seguintes sugestões: a) a colheita dos depoimentos em um prazo razoável, objetivando a diminuição da influência do tempo (esquecimento) na memória;
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b) a adoção de técnicas de interrogatório e da entrevista cognitivas, com o intuito de obter informações quantitativas e qualitativamente superiores as das entrevistas tradicionais, altamente sugestivas;
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d) a realização das perguntas pelas partes após o relato livre do entrevistado (vítima ou testemunha), complementando, o magistrado, ulteriormente, os questionamentos; e) a inutilizabilidade dos relatos (depoimentos) contaminados direta e indiretamente; f) a formação multidisciplinar dos profissionais encarregados da realização das inquirições, com atualizações constantes; g) a exploração de outras hipóteses, diversas da acusatória, por parte do entrevistador, fazendo-se uma abordagem de outros aspectos ofertados pela vítima ou pelas testemunhas, por ocasião dos depoimentos.22 Primeiramente, trabalhar com a ideia do que seria prazo razoável parece bastante movediça. O conteúdo dependerá sempre de um referencial, dificultando de forma determinante a aplicação dos postulados universalizantes do Direito.
c) a gravação das entrevistas, permitindo ao julgador de segunda instância o conhecimento do modo como os questionamentos foram elaborados, bem como as reações dos entrevistados;
Quanto ao conteúdo das entrevistas, são necessárias algumas observações. As dez falhas mais comuns dos entrevistadores forenses foram listadas a seguir: 1) não explicar o propósito da entrevista; 2) não explicar as regras básicas da sistemática da entrevista; 3) não estabelecer rapport (a empatia com o entrevistado); 4) não solicitar o relato livre; 5) basear-se em perguntas fechadas e não fazer perguntas abertas23; 6) fazer
19 DI GESU, Cristina Carla. Prova penal e falsas memórias. Dissertação de Mestrado em Ciências Criminais pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: 2008. p. 102. 20 GIACOMOLLI, Nereu José. Reformas (?) do processo penal – Considerações críticas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 57. 21 GIACOMOLLI, Nereu José; DI GESU, Cristina Carla. Fatores de contaminação da prova testemunhal. In: GIACOMOLLI, Nereu José; MAYA, André Machado (Org.). Processo penal contemporâneo. Porto Alegre: Núria Fabris, 2010. p. 23.
22 Idem, p. 38-39. 23 Perguntas abertas permitem que a pessoa que está respondendo dê mais informações (e.g., “o que você viu quando entrou na loja?”. As fechadas, geralmente, somente trazem duas alternativas possíveis de resposta: “sim” ou “não” (e.g., “era manhã, tarde ou noite quando o crime aconteceu?”) (FEIX, Leandro da Fonte; PERGHER, Giovanni Kuckartz. Memória em julgamento: técnicas de entrevista para minimizar as falsas memórias. In: STEIN, Lilian Milnitsky (Org.). Falsas memórias. Porto Alegre: Artes Médicas, 2010. p. 220).
O objetivo principal da entrevista cognitiva é obter melhores depoimentos, ou seja, ricos em detalhes e com maior quantidade e precisão de informações. Baseia-se nos conhecimentos científicos de duas grandes áreas da psicologia: psicologia social e psicologia cognitiva. No que concerne à psicologia social, integram os conhecimentos das relações humanas, particularmente o modo de se comunicar efetivamente com uma testemunha e, no campo da psicologia cognitiva, somam-se os saberes que os psicólogos adquiriram sobre a maneira como nos lembramos das coisas, ou seja, como a nossa memória funciona25. Apesar de as técnicas cognitivas serem importantes aliados em países onde as pesquisas sobre testemunho possuem maior tempo de desenvolvimento, inexiste possibilidade de afirmar o afastamento dos protagonistas/entrevistadores de concepções punitivistas do sistema e que influenciam também a forma de obtenção dessas informações. Esta observação também serve para o caráter multidisciplinar da formação dos atores: de nada adiantará caso inexista comprometimento com garantias fundamentais dentro do processo penal. Também não se pode ignorar a existência de uma cultura autoritária no tocante às polícias e à dificuldade de implementação das estratégias de inquirição. Prova disso são os resultados tímidos da incorporação de valores constitucionais, em que pesem mais de 25 anos de vigência de nossa Constituição Federal.
24 Idem, p. 211. 25 Idem, p. 210.
A gravação das entrevistas nos parece mecanismo bastante interessante, de forma a ampliar o debate em segunda instância. Problema fundamental, no entanto, é identificar a insuficiência do método para as instâncias superiores em função da vigência do paradigma de relação jurídica de ação penal. Aqui, distinguimos fato e direito, como se fosse possível o julgamento relativo a apenas uma dessas circunstâncias. Logo, a eficácia da estratégia também seria limitada. O relato livre de vítima e testemunhas é fundamental. No entanto, a complementação dos questionamentos por parte do magistrado revela flagrante ofensa ao princípio acusatório. Não só: é bastante temerária a hipótese, admitindo-se a possibilidade de perguntas de cunho confirmatório por parte de alguém (ou que deveria ser) visto pelo inquirido como um terceiro imparcial. Por outro lado, é necessário que nos perguntemos se uma concepção de política criminal conservadora (como a do Direito Penal do inimigo) não pode permitir um sistema mais propício à sugestionabilidade ao longo da oitiva de pessoas (em fase policial e judicial) e que pode se materializar em falsas memórias? Importante indicativo podemos ter, a partir das pesquisas de Azevedo em relação à atuação dos promotores públicos no Rio Grande do Sul e dos membros do Ministério Público Federal. Quanto aos primeiros, 54% consideraram que possuíam mais afinidade com a política criminal da “Tolerância Zero” como forma de responder às altas taxas de criminalidade. A concepção garantista apareceu com apenas 8% de adeptos26.
26 AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de. Ministério Público gaúcho: quem são e o que pensam os promotores e procuradores de justiça sobre os desafios da política criminal. Porto Alegre: Ministério Público do Rio Grande do Sul, 2005.
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perguntas sugestivas/confirmatórias; 7) não acompanhar o que a testemunha recém disse; 8) não permitir pausas; 9) interromper a testemunha quando ela está falando; e 10) não fazer o fechamento da entrevista24.
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No tocante à pesquisa realizada com os membros do Ministério Público Federal27, 67,6% dos entrevistados consideram a legislação penal e processual penal brasileira branda ou excessivamente branda. Ainda: em relação às concepções de política criminal, 34,7% dos membros estão de acordo com os ditames da “defesa social” e 12,6%, com a “tolerância zero”. Contudo, 13,2% consideram-se adeptos ao garantismo penal e 0,6%, ao abolicionismo penal.
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Por certo, estes dados são de grande relevância; todavia, revelam apenas o atuar penal de uma das partes envolvidas no sistema penal. Provisoriamente, seria possível pensar que pesquisas neste sentido podem ser importantes não somente para os titulares da ação penal (por excelência), como também para os juízes, advogados (que igualmente podem justificar a sua atuação com base em concepções político-criminais conservadoras) e delegados.
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As falsas memórias existem, possuem repercussão crucial (inclusive judicial, como visto) e são de difícil identificação, pois quem relata crê verdadeiramente em sua versão. Apesar de existirem métodos/técnicas para tentar atenuar seus efeitos, temos que a grande questão deve ser enfrentada não apenas com a promoção de garantias processuais penais, mas principalmente por um debate político criminal sobre a necessidade de existência do processo de criminalização em si. Apenas desta forma talvez poderemos efetivamente impedir erros judiciais traduzidos em insuportáveis privações de liberdade.
27 AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de. Perfil socioprofissional e concepções de política criminal do Ministério Público Federal. Brasília: Ministério Público Federal, 2009. Disponível em: <http://escola.mpu.mp.br/linha-editorial/ outras-publicacoes/Perfil_ebook.pdf>. Acesso em: 14 jan. 2014.
2 POLÍTICA CRIMINAL BRASILEIRA: RUMO A UM MILHÃO DE PRESOS? Se os processos de criminalização são os responsáveis primeiros pela exposição a uma falsa memória, cabe discutir o papel da política criminal brasileira neste contexto. Para Delmas-Marty, política criminal significa “o conjunto dos procedimentos pelos quais o corpo social organiza as respostas ao fenômeno criminal”28. No Brasil, inexiste atualmente estatística de qual seria o número de presos por prova contaminada com falsas memórias. Apesar da dificuldade de comprovar a distorção, poderíamos pensar na utilização da prova técnica (DNA) para desmentir a construção processual passada. Esta comparação tem sido feita nos Estados Unidos da América, através de uma ação denominada Innocence Project. Através de uma ação chamada de “exoneração”, é feita a comparação entre o material encontrado na cena do crime (para aqueles ocorridos quando não havia tecnologia disponível) e a da pessoa condenada, não raro a morte. Atualmente, há 258 casos de exoneração29 nos Estados Unidos, baseados no DNA. Em média, a pessoa exonerada passa treze anos na prisão antes de ser liberada. Em 70% dos casos, a pessoa exonerada era um membro de um grupo de minoria racial. Os erros de identificação das testemunhas oculares contribuem em mais de 75% para os casos de prisão indevida nos Estados Unidos30. 28 DELMAS-MARTY, Mireille. Os grandes sistemas de política criminal. São Paulo: Manole, 2004. p. 16. 29 Ação semelhante a nossa revisão criminal, ou seja, forma de tentar alterar o resultado de um julgamento já transitado em julgado. 30 INNOCENCE PROJECT. Eyewitness identification reform. Disponível em:
Novos bens jurídicos, aparecimento de novos riscos, institucionalização e sensação social de insegurança, descrédito das instâncias de proteção, gestores atípicos da mortal (ecologistas, feministas, consumidores, vizinhos, etc.) e a chamada esquerda punitiva são frequentemente trazidos31 como uma das causas para políticas criminais repressivas. A seleção do que proteger nem sempre é clara ou segue critérios minimamente científicos32. Exemplo disto é a ausência do homicídio da redação original da legislação de crimes hediondos33. Editada em 1990, foi uma das grandes responsáveis pelo extraordinário incremento carcerário que tivemos, juntamente à legislação de drogas (11.343/2006). O processo de encarcerização ainda demonstra outras finalidades. Ocultas. Nos dizeres de Bauman: [...] o aumento da prisionização nas sociedades contemporâneas se relaciona à incapacidade dos excluídos de participarem do jogo do mercado, aqueles cujos meios não estão à altura dos desejos e aqueles que
<http://www.innocenceproject.org/Content/Eyewitness_Identification_Reform.php>. Acesso em: 12 jul. 2013. 31 SILVA-SÁNCHEZ, Jesús María. A expansão do direito penal. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 18. 32 SÁNCHEZ-OSTIZ, Pablo. Fundamentos de política criminal. Madrid: Marcial Pons, 2012. p. 24-48. 33 BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. 11. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2007. p. 21; PINTO, Nalayne Mendonça. Recrudescimento penal no Brasil: simbolismo e punitivismo. In: MISSE, Michel (Org.). Acusados e acusadores: estudos sobre ofensas, acusações e incriminações. Rio de Janeiro: Revan, 2008. p. 250.
recusaram a oportunidade de vencer enquanto participavam do jogo de acordo com as regras oficiais. Bauman salienta que o sistema hoje se resume a separar de modo estrito o “refugo humano” do restante da sociedade, excluí-los e neutralizá-los. Pois o refugo humano precisa ser lacrado em contêineres fechados com rigor, e o sistema penal fornece esses contêineres. As prisões que teoricamente funcionavam como mecanismos de correção e ressocialização hoje são concebidas como um mecanismo de exclusão e controle. “O principal e talvez o único propósito das prisões não é ser apenas um depósito de lixo qualquer, mas o depósito final, definitivo. Uma vez rejeitado, sempre rejeitado”.34
Vivemos a chamada era do Grande Encarceramento35, época paradoxal por natureza. Se, por um lado, temos presídios invariavelmente lotados e em condições intoleráveis; por outro, existe um sentimento social generalizado relativamente às demandas punitivas: penas mais duras e construção de novos estabelecimentos prisionais. A estes movimentos, inspirados por teorias identificadas com ideias de defesa social (notadamente o “direito penal do inimigo” e a law and order), tem se dado o nome de populismo punitivo36. Mesmo que seja considerada superada teoricamente, esta concepção político-criminal ainda encontra espaço no senso comum. Portanto, por mais que existam resistências, a permeabilidade da política criminal legislativa acaba fazendo com que tenhamos o movimento como de um pêndulo37. Este quadro é fomentado pela transição de um chamado “estado de bem-estar social” para um “estado policial”, ou seja: “A passagem do modelo de comunidade includente do ‘Estado
34 BAUMAN, Zygmuth. Vidas desperdiçadas. Rio de Janeiro: Zahar, 2005. p. 107. 35 Neste sentido: BATISTA, Vera Malaguti. Introdução crítica à criminologia brasileira. Rio de Janeiro: Revan, 2011. p. 27. 36 LARRAURI, Elena. Populismo punitivo... y como resistirlo. Revista de Estudos Criminais, Sapucaia do Sul: Notadez, n. 25, abr./jun. 2007. 37 CHRISTIE, Nils. Los limites del dolor. Trad. Mariluz Caso. Ciudad del México: Fondo de Cultura Económica, 1988. p. 71 e 95.
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É possível notar a tendência de uma política criminal expansionista no Brasil. Por mais que o fracasso histórico das prisões tenha sido exaustivamente denunciado pelos mais diversos setores da doutrina penal, a vontade de segregação continua.
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Social’ para um Estado excludente, ‘penal’, voltado para a ‘justiça criminal’ ou o ‘controle do crime’”38. Dentro do paradigma atual, o sistema penal torna-se “o território sagrado da nova ordem socioeconômica”39. Isto se agrava em países como o Brasil, nos quais a desigualdade ainda constitui gravíssimo problema estrutural. Desta forma, as prisões acabam por se constituir em grandes depósitos, onde os excluídos40 socialmente são abrigados. Produto e ao mesmo tempo combustível da lógica punitivista será a cultura do medo41. Existe um sentimento generalizado de vitimização, reproduzido a partir de um maniqueísmo social, segundo o qual,
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os bons se transformam em vítimas indefesas dos maus, incluído, nesta última categoria os supostos responsáveis pela segurança de todos. Daí as expressões: impunidade, ineficácia das normas e do judiciário. A sociedade sente-se vítima do bandido e do Estado incompetente ou pouco opressor.42
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38 BAUMAN, Zygmuth. Vidas desperdiçadas. Rio de Janeiro: Zahar, 2005. p. 86. 39 BATISTA, Vera Malaguti. Introdução crítica à criminologia brasileira. Rio de Janeiro: Revan, 2011. p. 100. 40 PASTANA, Débora Regina. Estado punitivo e encarceramento em massa: retratos do Brasil atual. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 77, p. 316-317, mar./abr. 2009. 41 Utilizamos aqui o medo nos termos trabalhados por Débora Pastana: “Entendemos o medo, neste estudo, como uma forma de exteriorização cultural, principalmente se levarmos em conta as transformações que ele desencadeia. Como vimos no capítulo anterior, há uma mudança no comportamento do indivíduo em casa e na rua, um cuidado maior com os bens (consumo de apólices de seguro, por exemplo), a produção e o consumo dos mais variados produtos de segurança privada (alarmes, vidro blindado e aulas de defesa pessoal, por exemplo), uma desconfiança generalizada entre os indivíduos” (PASTANA, Débora Regina. Cultura do medo: reflexões sobre violência criminal, controle social e cidadania no Brasil. São Paulo: IBCCrim, 2003. p. 92). Ver também: Bauman, op. cit., p. 65-66. 42 PASTANA, Débora Regina. Cultura do medo: reflexões sobre violência
Suspeitas se projetam em privações, especialmente da liberdade. Sintoma deste contexto é a população prisional brasileira. Hoje, estima-se que tenhamos mais de 550.000,00 (quinhentos e cinquenta mil) presos43. E este número apenas cresce. Ainda que existam medidas político-criminais com fins declaradamente desencarcerizadores, as consequências práticas de sua aplicação são bastante tímidas. Isto porque o subjetivismo44, em certas categorias-chave (como o requisito da “ordem pública” em sede de prisão cautelar), torna facilmente reversíveis os objetivos originais. O Brasil é o quarto país do mundo em população carcerária. Está atrás de EUA, Rússia e China. Dados trazidos pelo Instituto Avante Brasil45 apontaram o aumento de 508% na população prisional brasileira entre 1990 e 2012, enquanto a população nacional cresceu 31%. Christie considera o número de presos a cada 100.000 habitantes como um importante dado para medir o nível de punição de determinado país46. No nosso, em 2012, a taxa de presos foi 283 para cada 100.000 habitantes, levando-
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criminal, controle social e cidadania no Brasil. São Paulo: IBCCrim, 2003. p. 108-109. Veja-se: KAWAGUTI, Luis. Brasil tem 4ª maior população carcerária do mundo e déficit de 200 mil vagas. Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/ portuguese/noticias/2012/05/120529_presos_onu_lk.shtml>. Acesso em: 6 jun. 2012. No mundo, estima-se que tenhamos mais de 10 milhões de pessoas presas: INTERNATIONAL CENTRE FOR PRISION STUDIES. World Prison Population List. Disponível em: <http://www.prisonstudies.org/info/ downloads.php?searchtitle=&type=3&month=1&year=2009&lang=0&au thor=&search=Search>. Acesso em: 12 jun. 2012. Ver especialmente LOPES JÚNIOR, Aury. O novo regime jurídico da prisão processual, liberdade provisória e medidas cautelas diversas: Lei nº 12.403/2011. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. INSTITUTO AVANTE BRASIL. Levantamento do sistema penitenciário em 2012. Disponível em: <http://institutoavantebrasil.com.br/levantamento-do-sistema-penitenciario-brasileiro-em-2012/>. Acesso em: 1º fev. 2014. Christie, Indústria do controle, p. 40.
Apesar da expansão estonteante do número de encarcerados, isto não significa maior sensação de segurança. Pelo contrário. O primeiro milhão de presos não está distante. Neste sentido, nunca é demais lembrar Christie: “Nas sociedades modernas, o maior perigo do delito não é o delito em si, mas que a luta contra ele conduza as sociedades ao totalitarismo”48.
3 POSSIBILIDADE DE PENSAR UMA POLÍTICA NÃO CRIMINAL: POR ONDE? Talvez a única forma efetiva de diminuição de falsas memórias, durante os processos de criminalização, seja justamente atingir o catálogo de crimes disponíveis. Daí a necessidade de uma política não criminal. Abordaremos, neste ponto, propostas existentes para (re)valorização da liberdade ainda considerando os resquícios importantes de uma sociedade ainda disciplinar49.
47 INSTITUTO AVANTE BRASIL. Levantamento do sistema penitenciário em 2012. Disponível em: <http://institutoavantebrasil.com.br/levantamento-do-sistema-penitenciario-brasileiro-em-2012/>. Acesso em: 1º fev. 2014. 48 CHRISTIE, Nils. La Industria del Control del Delito – La Nueva Forma del Holocausto? Buenos Aires: Editores del Puero, 1993. p. 24. 49 Não se ignora sobre os novos controles planetários, de menor repercussão no sistema penal, porém de grande importância para entender a transmutação da biopolítica em ecopolítica. Neste sentido, imprescindível as seguintes leituras: PASSETTI, Edson. Ecopolítica: procedências e emergência. In: BRANCO, Guilherme Castelo; VEIGA-NETO, Alfredo (Org.). Foucault, filosofia & política. 1. ed. Belo Horizonte: Autêntica, v. 1, 2011. p. 127-141, FOUCAULT, Michel. O nascimento da biopolítica. São Paulo: Martins Fontes, 2008; DELEUZE, Gilles. Conversações. São Paulo: Editora 21, 2004.
As escolhas de política criminal são culturais50, revelam uma área inundada de questões morais profundas, que não podem se resumir a especialistas e mensageiros da verdade. Ainda com Christie: “Deve haver um coro de vozes que introduzam inúmeras preocupações de difícil solução e sobre as quais inexiste unanimidade. Quanto mais se vê o campo como cultural, menos espaço sobra para soluções simplificadas”51. Existe certo consenso sobre as (im)possibilidades do cárcere. Nos dizeres de Ferrajoli: Muito mais relevante é saber como castigar, ou seja, o tema da desprisionalização. Cremos que os tempos tenham amadurecido o suficiente para colocar como centro da discussão a questão do cárcere. Este, sabemos, foi uma invenção moderna, considerada como grande conquista dos ideais humanitários da ilustração enquanto alternativa à pena de morte, aos suplícios, penais corporais, à tortura em praça pública e outros horrores do direito penal pré-moderno. Com a prisão, a pena se voltou aos ideais de igualdade, legalidade pré-determinada, sempre suscetíveis à medição e cálculo: privação de um tempo de liberdade, quantificável e graduável a partir da legislação e por juiz, de acordo com a gravidade – em abstrato e concreto – dos crimes a serem castigados. No entanto, o grau de civilização de um país, advertia Montesquieu, se mede de acordo com a forma como se aplicam as penas. É possível, hoje, darmos um novo salto de civilização: retirar a pena de reclusão do seu papel central e, se não a abolirmos, ao menos reduzir drasticamente sua duração e transformá-la em sanção excepcional, limitada a ofensas mais graves contra direitos fundamentais (como a vida, a integridade pessoal e similares), as únicas que justificariam a privação da liberdade pessoal, que também é um direito fundamental garantido. É necessário reconhecer, por outro lado, que o cárcere tem sido sempre, em desacordo com seu modelo teórico e normativo, muito mais do que a privação de um tempo abstrato de liberdade. Inevitavelmente, este
50 CHRISTIE, Nils. Uma quantidade razoável de crime. Rio de Janeiro: Revan, 2012. p. 50. 51 Idem, p. 130.
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-se em consideração a população de 193.946.886 habitantes estimada pelo IBGE para 2012. Enquanto a população cresceu 1/3, a população carcerária mais que sextuplicou47.
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modelo conservou múltiplos elementos de sofrimento corporal, manifestada nas formas de vida e tratamento e diferenciadas das penas corporais antigas somente quando não se considera o tempo, mas que duram durante todo seu cumprimento.52
Como alternativa concreta, Ferrajoli defende a redução do limite máximo da pena privativa de liberdade, que deveria ser de 10 anos53. Malaguti defende as seguintes propostas: mudança radical na política criminal de drogas, produzindo políticas coletivas de controle pela legalidade; despenalização de crimes patrimoniais sem violência contra a pessoa, como furto; abrir os muros das prisões para sua comunicação com o mundo, seus amores, suas famílias, seus amigos, seus cronistas; impedir que os familiares de presos sejam punidos além da estigmatização que já sofrem; transformar a ideologia do combate em grandes instaurações de mediações horizontais no sentido do desarmamento;
Fazer o possível é tão sedutor quanto o populismo punitivo. É a saída. A via de mão única que justifica a ausência de liberdade do outro com a manutenção da própria liberdade. Paradoxo do próprio sistema penal: a dor sofrida, a dor imposta.
ampliação e fortalecimento da Defensoria Pública; fim da exposição dos “suspeitos” para a mídia e restrições ao noticiário emocionalizado de casos criminais, que aniquila o direito a um julgamento por juízes isentos.54
Precisamos refletir sobre a real utopia: descriminalização de condutas ou o autofágico e suicida55 sistema penal (oni)presente?
52 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón. 9. ed. Madrid: Trotta, 2009. p. 203-204. 53 FERRAJOLI, Luigi. Democracia y Garantismo. 2. ed. Trad. Perfecto Andrés Ibáñez. Madrid: Trotta, 2010. p. 416-418. 54 BATISTA, Vera Malaguti. Introdução crítica à criminologia brasileira. Rio de Janeiro: Revan, 2011. p. 115.
55 No sentido de Zaffaroni: “Se a intervenção do sistema penal é, efetivamente, violenta, e sua intervenção pouco apresenta de racional e resulta ainda mais violenta, o sistema penal nada mais faria que acrescentar violência àquela que, perigosamente, já produz o injusto jushumanista a que continuamente somos submetidos. Por conseguinte, o sistema penal estaria mais acentuando os efeitos gravíssimos que a agressão produz mediante o injusto jushumanista, o que resulta num suicídio” (ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasi-
legalização do segundo emprego de policiais e bombeiros;
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É necessária atenção para algumas alterações legislativas. Muitas vezes reformar significa manter como está. Alterar a superfície, sem que o fundo seja tocado. Transcender à crise presente, já articulando a próxima. Sujeita ao controle. Preferencialmente penal.
Necessário pensar sobre a possibilidade de alterações estruturais, manifestadas em uma desejável política não criminal. Esta seria realizável a partir da leitura das categorias do sistema penal desde a redução de dor. Como? Apenas através de um amplo debate, somente possível após a conscientização dos atores político-criminais dos efeitos da cultura punitiva em nosso meio.
diminuir em grande proporção o número de policiais, desarmando-os e transformando-o em agentes coletivos de defesa civil, invertendo o sentido da segurança pública da guerra contra os pobres para o amparo aos efeitos das ruínas da natureza sob o jugo do capital;
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São políticas concretas e que tem como fim último o cárcere. Talvez possamos transcender à Ferrajoli e pensarmos não apenas no “como?”, outrossim no “por quê?”. Esquecemos nosso número vergonhoso de presos, as cifras ocultas exorbitantes para crimes de homicídio, os estonteantes níveis de reincidência e o simbolismo (apenas para os clientes não habituais) do sistema penal.
Ainda que estejamos ainda sobre os efeitos de recessão econômica, globalmente falando, causados pela crise do mercado imobiliário, especialmente desde 2007, a indústria do controle do crime segue em franca expansão. Não só: apresenta-se como lucrativíssimo negócio. A segurança é a mercadoria da vez. Impulsionada por nossos medos e nossa falta de criatividade em respondermos ao desafio de Gustav Radbruch. Esperamos tempo demais. Vidas foram ceifadas, famílias (de vítimas e ofensores) aniquiladas e o sistema penal segue sua marcha de expansão em ritmo vertiginosamente acelerado. Apesar das fraturas do sistema penal, entre elas a fragilidade dos testemunhos em função das sugestionabilidades nas entrevistas policiais e forenses, permanece em pé. Seus joelhos não possuem condições de sustentar o resto do corpo, no entanto a metafísica (na qual se encontra ancorada grande parte das justificações da pena) faz com que siga espalhando dor e sofrimento. Até quando?
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Doutrina
O Cadastro Ambiental Rural e a Dispensa de Averbação Cartorária da Reserva Legal Florestal MARCUS VINÍCIUS COUTINHO GOMES
Mestre em Relações Privadas e Constituição pela Faculdade de Direito de Campos/RJ, Pós-Graduado em Direito Ambiental com ênfase em Petróleo pela Universidade Candido Mendes, Professor de Direito Ambiental e Teoria Geral do Processo na Faculdade de Direito de Cachoeiro de Itapemirim/ES, Advogado.
RESUMO: A promulgação da Lei nº 12.651, em 28 de março de 2012, procura atender necessidade de reformulação do tratamento legislativo dispensado ao patrimônio florestal nacional e tem a missão de equacionar interesses econômicos que em muito conflitam com os anseios preservacionistas. O novo instrumento normativo andou muito bem em diversos pontos, apresentando contundente evolução ante a vetusta ótica até então adotada, mas merece passar por reflexão no que concerne à inovação que dispensa a averbação da Reserva Legal Florestal na matrícula do imóvel, substituindo-a por inscrição no Cadastro Ambiental Rural, sendo este o principal objeto de ponderação deste trabalho. PALAVRAS-CHAVE: Código Florestal; desenvolvimento sustentável; função socioambiental; Lei nº 12.651/2012; averbação; cadastro ambiental rural. ABSTRACT: The enactment of Law 12.651 on March 28, 2012 seeks to meet the need for legislative reform of the treatment of the national forest estate and has the task of balancing economic interests that conflict with much longing
preservationists. The new normative instrument went very well on many points, showing striking changes compared to the venerable optical hitherto adopted, but it deserves to go through reflection with regard to innovation that eliminates the annotation of the Legal Reserve Forest in the registration of the property by replacing it with the application Rural Environmental Registry, which is the main object of consideration of this work. KEYWORDS: Forest Code; sustainable development; socioambiental function; environmental role; Law 12.651/2012; annotation; rural environmental registry. SUMÁRIO: 1 Reserva florestal legal e a Lei nº 12.651/2012; 2 Regime jurídico das reservas florestais legais; 3 Da desnecessidade de averbação da reserva florestal legal; Conclusão; Referências.
1 RESERVA FLORESTAL LEGAL E A LEI Nº 12.651/2012 Ultrapassadas os inúmeros e acalorados debates acerca do modelo final a ser adotado pelo texto definitivo do Código Florestal, eis que é promulgada, em 28 de maio de 2012, a Lei nº 12.651, com a missão de tornar contemporâneo o instrumento que regulamenta o tratamento ao patrimônio florestal nacional. O novo aparelho de tecnologia jurídica é resposta tardia ao tão cansado Código Florestal de 1965, documento já ineficaz em oferecer regência aos anseios ora esposados na Lei Fundamental que dita, em seu art. 170, sobre a necessária articulação apta a harmonizar os anseios de desenvolvimento econômico frutificado por meio da exploração de commodities agrícolas – que demandam derrubada de vegetação – e o fomento da qualidade ambiental nacional.
Por certo que, independente do conteúdo final do texto legislado e de quão inovador seja o instrumento, traria na esteira de sua promulgação indelével rastro de insatisfação. E não havia como ser diferente. Sobre a Lei nº 12.651/2012 repousavam expectativas tão distantes quanto inconciliáveis. E coube à chefe do governo federal, no arremate da norma, promover tentativa de encontrar o melhor ponto intermédio para o dilema de conjugação dos interesses preservacionistas em oposição à voracidade dos empresários rurais. Entre as novidades constantes do texto final, algumas são tocantes ao importante instrumento que condiciona a propriedade florestal, qual seja, a Reserva Florestal Legal. Consoante conceito expresso no art. 3º, III, Lei nº 12.651/2012: Reserva legal: área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, delimitada nos termos do art. 12, com a função de assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e promover a conservação da biodiversidade, bem como o abrigo e a proteção de fauna silvestre e da flora nativa;
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É cindido por tais paradigmas que os debates acerca da Lei nº 12.651/2012 foram conduzidos. Sobre o assunto, determina Milaré: O mero crescimento econômico, mito generalizado, vem sendo repensado com a busca de fórmulas alternativas, como o ecodesenvolvimento ou desenvolvimento sustentável, cuja característica principal consiste na possível e desejável conciliação entre o desenvolvimento integral, a preservação do meio ambiente e a melhoria da qualidade de vida – três metas indispensáveis.1
Vê-se, neste contexto, Estado com postura intervencionista, onde a atenção do legislador e do Poder Executivo se desloca para a função socioambiental que os institutos privados devem atingir2. Neste diapasão, consoante Paulo de Bessa Antunes, deve-se entender por atendimento aos primados de desenvolvimento sustentável e respeito à função socioambiental da propriedade por meio da utilização sustentável de recursos naturais, como o uso que assegura a reprodução continuada dos atributos ecológicos de área explorada, tanto em seus aspectos de flora como de fauna. É sustentável o uso que não subtraia das gerações futuras o desfrute da flora e da fauna, em níveis compatíveis com a utilização presente.3
Como se vê, manteve-se a condicionante necessária ao uso de forma sustentável dos recursos florestais, que comunga estreitamente com o ditame constitucional para que o crescimento econômico não venha esvaziado de qualidade socioambiental.
Vê-se que no novo Código Florestal quem exerce a propriedade deve fazê-lo consoante os preceitos de função socioambiental com fito de atender, com os seus direitos, ao interesse plural da sociedade. “Ao mesmo tempo em que a propriedade e o
Outrossim, o direito de ser proprietário permanece submetido aos preceitos já sedimentados na ordem social e ambiental, novamente incorporados ao ordenamento jurídico vigente. Desta forma, além de respeitar o princípio do desenvolvimento sustentável, ora ratifica-se movimento no sentido da funcionalização social e ambiental das posses e propriedades rurais, protegidos em caráter extraindividual.
1 MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco: doutrina, jurisprudência, glossário. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 71. 2 TEPEDINO, Gustavo. As relações de consumo e a nova teoria contratual. Temas de direito civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 219. 3 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 14. ed. São Paulo: Atlas 2012. p. 626.
E é justamente o interesse coletivo que se desdobra sobre a propriedade particular e seus usos a razão para que todo imóvel rural tenha que manter área com reservatório de vegetação nativa, a título de reserva legal, observados percentuais mínimos, de acordo com sua localização.
2 REGIME JURÍDICO DAS RESERVAS FLORESTAIS LEGAIS Em razão de sua finalidade de promoção do desenvolvimento não exauriente de recursos e funcionalização da propriedade é que há imposição de restrições ao uso livre da área rural, sem que, com isso, incidam eventuais indenizações, em consonância ao que é disposto nos arts. 186, II, da CF e 1.228, § 1º, do Código Civil5. A ausência de contraprestação pecuniária por parte do Poder Público ao proprietário obrigado a observar a imposição de respeito à reserva legal se dá em razão de que este não tem de se alijada a propriedade. Sequer tem impedida a utilização da mesma, que pode ser objeto de geração de bens para comércio desde que a produção se dê submetida ao regime de manejo florestal sustentável6. 4 GIORDANI, José Acir Lessa. Propriedade imóvel: seu conceito, sua garantia e sua função social na nova ordem econômica constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 669, 1991. p. 56. 5 GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito ambiental. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas. 2011. p. 475. 6 Brasil. Lei nº 12.651, de 28 de março de 2012, art. 17, § 1º, e art. 22. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8245>. Acesso em: 12 jun. 2012.
Nestas áreas, o que resta cindido de proibição é a supressão vegetal, em percentuais variáveis segundo a região geográfica do país e do bioma onde está inserida a propriedade florestal em questão7, nos percentuais definidos pelo art. 12 da Lei nº 12.651/2012. Portanto, percebe-se que se trata de obrigação legal propter rem, que deverá ser suportada pelo proprietário do imóvel rural. Neste sentido, caberá a ele apresentar proposta de localização e delimitação da reserva legal, a ser apreciada por órgão ambiental componente do Sistema Nacional de Meio Ambiente – Sisnama. A decisão acerca da aprovação da localização pauta-se em critérios técnicos, legalmente fixados e que consideram o cumprimento da função socioambiental da propriedade, bem como a otimização das virtudes bióticas da área, priorizando localizações em contiguidade com outros espaços protegidos, com vistas a garantir a transferência de genes entre populações da mesma espécie8. No que concerne ao anseio de avizinhamento com áreas de proteção com fins a fomentar o fluxo gênico, inovou a Lei nº 12.651, vez que passou a permitir, para o cômputo dos percentuais de reserva legal, o somatório com as Áreas de Preservação Permanentes definidas pelos arts. 4º e 6º da Código Florestal em vigor. Há aqui clara discordância com o que era disposto anteriormente, porém lê-se inequívoca intenção de achar ponto intermédio já mencionado como norte na manufatura do instrumento legal, viabilizando que a localização se dê não só de forma continuada, mas mesmo inserida em APPs.
7 ANTUNES, Paulo de Bessa. Op. cit., p. 625. 8 GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Op. cit., p. 476.
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contrato são regulamentados como direitos individuais fundamentais, revela-se o interesse público de sua utilização e de seu aproveitamento ligado aos anseios sociais”4.
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3 DA DESNECESSIDADE DE AVERBAÇÃO DA RESERVA FLORESTAL LEGAL Outro ponto no qual inovou o Código Florestal ora vigente é no que concerne ao cadastro das áreas em escrutínio. Por ocasião da promulgação da Lei nº 7.803/1989 houve a previsão legal expressa acerca da obrigatoriedade de averbar, à margem da inscrição de matrícula do imóvel constante no Cartório de Registro de Imóveis, a área destinada à composição da reserva legal, vide: Art. 16. [...] [...] § 2º A reserva legal, assim entendida a área de, no mínimo, 20% (vinte por cento) de cada propriedade, onde não é permitido o corte raso, deverá ser averbada à margem da inscrição de matrícula do imóvel, no registro de imóveis competente, sendo vedada, a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título, ou de desmembramento da área.9
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Tal disposição foi incorporada ao Código Florestal de 1965 e vigorou até o advento da Lei nº 12.651/2012.
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Neste sentido é que o proprietário que detivesse o interesse de explorar a sua propriedade rural de forma eficaz e legítima era submetido a estabelecer no registro imobiliário a demarcação das áreas objeto de proteção, dando-lhes classificação de áreas de reserva legal. Nestas, só seria permitido o uso por manejo sustentável nos limites da lei.
junto à matricula do imóvel restava demarcada área a ser preservada, observava-se o princípio da publicidade do ato – já que o Brasil se filia ao sistema da publicidade plena para o registro de imóveis10 –, tornando-se, assim, uma parte indissolúvel da propriedade, estando os futuros adquirentes vinculados à sua observância, pois que estes saberiam que a propriedade rural estava averbada com a Reserva Legal Florestal, e assim deveria prosseguir com as limitações e demarcações registradas. A averbação foi o método registral utilizado para dar perenidade às reservas florestais por se o ato por meio do qual se faz constar do assento existente fatos que repercutam no direito, modificando-o de alguma forma11. Esta é a razão pela qual havia a exigência exposta: por meio da averbação criava-se proibição de que os proprietários, nos casos de desmembramento ou delimitação da área do imóvel, alterassem a destinação da Reserva Florestal demarcada e averbada, mesmo em casos de transmissão, qualquer que fosse o título de alienação12. Vale ressaltar, ainda, o posicionamento de Paulo Afonso de Leme Machado, ao abordar a legislação federal sobre o tema, verbis: A Reserva Legal Florestal “deverá ser averbada à margem da inscrição de matrícula do imóvel, no Registro de Imóveis Competente”. A averbação pode ser provocada “por qualquer pessoa”, segundo permite a Lei de Registros Públicos. Levando-se em conta que as florestas são “bens de interesse comum a todos os habitantes do País e que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225, caput, da CF), qualquer pessoa pode dirigir-se diretamente ao Cartório de Registro de Imóveis para informar-se sobre a existência da averbação da Reserva Legal Florestal. Independentemente de ser ou não proprietário da propriedade rural, qualquer pessoa e, portanto, o
Desta feita, averbar a reserva legal significava materialização da mesma no respectivo registro do imóvel. Além disso, quando 9 Brasil. Lei nº 7.803, de 18 de junho de 1989, art. 16 [...] § 2º. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7803.htm>. Acesso em: 12 jun. 2012.
10 CENEVIVA, Walter. Lei dos registros públicos comentada. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p 369. 11 CENEVIVA, Walter. Op. cit., p. 227. 12 ANTUNES, Paulo de Bessa. Op. cit., p. 625.
Para a efetividade da averbação, seria oportuno criar-se expressamente o dever legal do proprietário de informar ao órgão ambiental competente, enviando-lhe copia do ato do Cartório do Registro de Imóveis. A não-informação deveria ser criminalizada, apoiando-se, assim o cumprimento da medida.13
Foi nesta configuração que a averbação se estabeleceu como importante instrumento para promoção da preservação florestal e tábua axiológica, face o exercício do direito de propriedade, considerando-se a supremacia do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado transcendente a direitos individualizados. No entanto, o que se observa com o advento da nova Lei nº 12.651/2012 é que a reserva legal passa a contar com novo molde de assentamento. A partir de agora o reservatório de floresta no interior de propriedade rural deve ser registrado no órgão ambiental competente, por meio da inscrição no Cadastro Ambiental Rural – CAR, desobrigando a averbação no Registro de Imóveis, como consta no texto do art. 18, § 4º: Art. 18. A área de Reserva Legal deverá ser registrada no órgão ambiental competente por meio de inscrição no CAR de que trata o art. 29, sendo vedada a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título, ou de desmembramento, com as exceções previstas nesta lei.
A intenção é que este cadastro, agora obrigatório, passe a integrar o Sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente – Sinima, sendo instrumento a reunir todas as informações ambientais das propriedades e posses rurais, com acesso público pela Internet, formando base de dados para o controle, o monitoramento, o planejamento ambiental e econômico e a ferramenta de combate a condutas atentatórias da qualidade ambiental. Consiste de tal modo no levantamento de informações georreferenciadas dos imóveis, com delimitação das Áreas de Proteção Permanente, remanescentes de vegetação nativa e da própria Reserva Legal Florestal em si, com o objetivo de traçar mapa digital a partir do qual passarão a ser calculados os valores da área para diagnóstico ambiental14. E, como se depreende do art. 18, § 4º, supraexposto, uma vez que seja concretizado o estabelecimento do CAR, a averbação no Registro de Imóveis passa a ser facultativa. Tal dispositivo oferece novo modelo que acresce grave inconsistência à segurança jurídica que se teria caso não fosse subtraída a obrigatoriedade de averbação da Reserva Legal Florestal, bem como atenta contra o princípio da concentração registral. Este princípio versa sobre a convergência de todas as relevantes informações sobre o imóvel em um único lugar15, neste caso a matrícula, o que promove a facilitação contundente das consultas a informações registrais, vez que teriam em única certidão o conhecimento preciso da situação jurídica da propriedade.
[...] § 4º O registro da Reserva Legal no CAR desobriga a averbação no Cartório de Registro de Imóveis.
13 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 847.
14 BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Brasília/DF: Ministério do Meio Ambiente 2012. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/desenvolvimento-rural/mais-ambiente/cadastro-ambiental-rural>. Acesso em: 24 jul. 2012. 15 REZENDE, Francisco. Revista do SFI – Sistema de Financiamento Imobiliário, a. 15, n. 33. Disponível em: <http://www.youblisher.com/p/269823-Revista-do-SFI-n-35/?htmllinktocopy=http%3A%2F%2Fwww.youblisher. com%2Fp%2F269823-Revista-do-SFI-n-33%2F>. Acesso em: 12 jul. 2012.
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Ministério Público e as associações poderão promover “o registro e a averbação, incumbindo-lhes as despesas respectivas”, e desde que ofereçamelementos fáticos e documentais.
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São os registros públicos imbuídos do encargo de prover a publicidade de informações datadas de fé pública, sendo, portanto, imprescindível a concentração na matrícula das informações concernentes à propriedade, tornando-as acessíveis e cindidas de segurança jurídica. Então, qual seria o proveito que se subtrai da inovação normativa que desobriga os proprietários a procederem à averbação? Ao que parece, a principal sequela da alteração que desobriga a averbação da Reserva Legal no Registro de Imóveis é eximir o proprietário de imóvel rural das sanções impostas no Decreto Federal nº 6.514, de 22 de julho de 2008. Melhor explicando. Dispõe o art. 55 do referido decreto que deixar de averbar a reserva legal sujeita o infrator a multa de R$ 500,00 (quinhentos reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais), e segue dizendo em seu § 1º que no ato da lavratura do auto de infração caberá ao o agente autuante assinalar prazo para que haja o protocolo da solicitação da averbação da reserva legal junto ao órgão ambiental competente, sob pena de multa diária de R$ 50,00 (cinquenta reais) a R$ 500,00 (quinhentos reais) por hectare ou fração da área da reserva16.
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Ora, uma vez que não existe mais a obrigatoriedade de averbação da reserva legal, parece que o art. 55 do Decreto nº 6.514/2008 restou revogado, não havendo mais a possibilidade de incidência das multas administrativas nele elencadas.
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analogia in malam partem, tornam inviável a ilação ampliativa da aplicação da infração administrativa tipificada no Decreto nº 6.514/200817. Desta forma é que, muito embora exista a obrigatoriedade registral do depósito florestal, salvo juízo diverso, não há nenhum prejuízo em não fazê-lo. A única medida expressa no Código Florestal vigente a fomentar o cadastro é a disposta no art. 78-A, que dita que, ultrapassados cinco anos da data da publicação da lei, as instituições financeiras só poderão conceder créditos agrícolas aos proprietários de imóveis rurais que estejam inscritos no Cadastro Ambiental Rural18. Como se vê, não se trata exatamente de instrumento sancionatório, mas antes de mero estímulo que se desdobra apenas sobre parcela de proprietários rurais que eventualmente venha a se utilizar de créditos bancários. Pelo exposto, como ora foi legalmente dispensado o imperativo de averbação da área destinada como reserva legal florestal, não existe motivo para que prospere na ordem jurídica a disposição do art. 55 do Decreto nº 6.514/2008, eis que surge perigosa lacuna representada pela inexistência de instrumento jurídico hábil a promover cogência registral das áreas com percentuais destinados à manutenção de vegetação florestal.
Não é possível sequer aventar de que sobre o art. 55 seria possível incidência de metodologia de interpretação extensiva a albergar também a inação em promover o registro no CAR. Os princípios da tipicidade e legalidade, bem como da vedação da 16 Brasil. Decreto Federal nº 6.514, de 22 de julho de 2008, art. 55, § 1°. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/ decreto/D6514.htm>. Acesso em: 12 jun. 2012.
17 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Parte geral. 12. ed. São Paulo: Saraiva, v. I, 2008. p. 37. 18 Brasil. Lei nº 12.651, de 28 de março de 2012, art. 78-A. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/decreto/D6514. htm>. Acesso em: 12 jun. 2012.
Enfim, impende asseverar que o texto promulgado da Lei nº 12.651/2012 obteve sucesso em promover o escorreito atendimento dos objetivos constitucionais de desenvolvimento econômico sobre bases sustentáveis e fomento ao atendimento da função socioambiental da propriedade rural por meio de releitura coeva dos institutos de tutela do patrimônio ambiental. Porém, o mérito do novo Código Florestal esmaece no que tange à opção do legislador em dispensar a obrigatoriedade da averbação da reserva legal na matrícula do imóvel, passando a utilizar-se do instrumento do Cadastro Ambiental Rural – indo ao revés da eficiência e da segurança jurídica inerentes àquela inscrição cartorária, vez que viola o princípio da concentração no registro público. Tal é em muito agravado pela inaplicabilidade de possibilidades sancionatórias que é sugerida da leitura articulada do novo instrumento legal em face do Decreto nº 6.514/2008. Uma vez que a averbação não é mais mandamento legal, não existem motivos para a aplicação sancionatória disposta no art. 55 da norma regulamentadora da Lei nº 9.615/1998. Na ausência de mecanismos que funcionem a constranger o empreendedor proprietário de áreas rurais a promover a constrição de parcela de seus imóveis com fito a atender os objetivos gerais esposados na Constituição Federal e em todo o arcabouço normativo ambiental brasileiro, ao que parece, avizinha-se grave risco de restar vazio de efetividade os intentos do novo Código no que respeita a Reserva Legal Florestal.
REFERÊNCIAS ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 14. ed. São Paulo: Atlas 2012. BRASIL. Lei nº 12.651, de 28 de março de 2012, art. 78-A. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/decreto/D6514. htm>. Acesso em: 12 jun. 2012. ______. Lei nº 7.803, de 18 de junho de 1989, art. 16 [...] § 2º. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7803.htm>. Acesso em: 12 de junho de 2012. ______. Decreto Federal nº 6.514 de 22 de julho de 2008, art. 55, §1°. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/ decreto/D6514.htm>. Acesso em: 12 jun. 2012. CADASTRO Ambiental Rural. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/ desenvolvimento-rural/mais-ambiente/cadastro-ambiental-rural>. Acesso em: 24 jul. 2012. CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Parte geral. 12. ed. São Paulo: Saraiva, v. I, 2008. CENEVIVA, Walter. Lei dos registros públicos comentada. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. GIORDANI, José Acir Lessa. Propriedade imóvel: seu conceito, sua garantia e sua função social na nova ordem econômica constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 669, 1991. GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito ambiental. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas. 2011. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco: doutrina, jurisprudência, glossário. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. REZENDE, Francisco. Revista do SFI – Sistema de Financiamento Imobiliário, a. 15, n. 33. Disponível em: <http://www.youblisher.com/p/269823-Revista-do-SFI-n-35/?htmllinktocopy=http%3A%2F%2Fwww.youblisher. com%2Fp%2F269823-Revista-do-SFI-n-33%2F>. Acesso em: 12 jul. 2012. TEPEDINO, Gustavo. As relações de consumo e a nova teoria contratual. Temas de direito civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
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CONCLUSÃO
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Doutrina
O “Rolezinho” da Fifa no País de Pedrinhas em Estado de Exceção Permanente JORGE LUIZ SOUTO MAIOR
Professor Livre-Docente da Faculdade de Direito da USP.
Fenômenos aparentemente muito diversos, a Copa de 2014 no Brasil, a prática do “rolezinho” em shoppings e a tragédia do presídio de Pedrinhas no Maranhão, que possuem, por certo, peculiaridades próprias e que exigem várias análises específicas, interligam-se ao menos em um ponto, que trato no presente texto: o estado de exceção. A sociedade inaugurada pelo modelo de produção capitalista, que se consolidou após longo período de acumulação de capital e formação do denominado exército de mão de obra, tem como características principais a criação do dinheiro como equivalente universal de troca e a fixação do valor das coisas por intermédio da formação da noção de mercado, que se rege pela lei da oferta e da procura e pelo fetiche da mercadoria, sendo que as coisas, os bens de consumo, necessários, ou não, se produzem por intermédio da compra do trabalho humano, que também é coisificado e integrado ao mercado sob a mesma lógica, para efeito de favorecer a reprodução do capital. Do ponto de vista das concepções teórico-filosóficas, favoreceram ao advento do capitalismo as importantes ideias forjadas, desde o
início do século XV, para a superação do feudalismo, notabilizando-se as noções de igualdade, liberdade, individualismo, empreendedorismo... Para se consolidar, requereu, como decorrência de exigências lógicas, a construção de instituições voltadas, principalmente, à preservação do mercado de consumo e da estabilização das relações sociais, favorecendo a racionalidade baseada na previsibilidade de condutas, na organização hierárquica produtiva e no planejamento. Constituíram-se, assim, o Estado moderno e o Direito. O Estado moderno e o Direito, notadamente o direito constitucional, além disso, servem à institucionalização de um poder central, que, do ponto de vista da teoria liberal, é consentido pelos indivíduos, que adquirem a qualidade política e jurídica de cidadãos para a preservação da ordem. A vida em sociedade é regulada pela Constituição, tornada coercitiva pelo poder do Estado, o qual também se rege pela mesma estrutura jurídica, como forma de garantir que o poder entregue ao governo se exerça em nome do povo e para o povo, falando-se, assim, de soberania popular. O problema é que, ao tempo em que as ideias filosóficas produzidas no século XVIII fornecem a base teórica para a formação das instituições, que estariam a serviço da retirada da humanidade do obscurantismo medieval, implementava-se uma nova forma de divisão do trabalho, que, como dito, fundamenta o capitalismo. Essa forma de divisão do trabalho, no entanto, só se concretiza por intermédio de uma sociedade em que se evidenciam a classe capitalista, os que detêm os meios de produção, que é restrita e cada vez mais limitada, porque se rege pela regra autofágica da
livre concorrência, e a classe operária, formada por todos aqueles que não têm outra alternativa para sobreviver que não a da venda “da força de trabalho” em um mercado regulado pela lei da oferta e da procura.
A desigualdade real, assim, não desafia a ordem estabelecida, ao mesmo tempo em que a própria ordem jurídica acaba legitimando a desigualdade, sobretudo a partir de dois institutos: o direito de propriedade e o contrato.
Em outras palavras, a sociedade capitalista desenvolve-se necessariamente por meio da desigualdade econômica, que favorece, por sua vez, ao advento de uma desigualdade cultural, que dialeticamente retroalimenta a primeira. Esta é a grande contradição de um sistema que se consolida pela reivindicação de igualdade, superando as dimensões consanguíneas do feudalismo, mas que não pode sobreviver sem a formação de outras desigualdades.
O direito de propriedade é estabelecido a partir de um dado momento histórico, não importando, pois, a origem da aquisição e muito menos o fato de que apenas alguns poucos seres humanos atingem o patamar de possuírem esse direito ainda que seja integrado à órbita dos denominados direitos fundamentais.
O ponto central de sustentação do sistema é não revelar a contradição, fazendo com que a igualdade formal, prescrita normativamente, tenha valor e legitimidade em si mesma, tratando a desigualdade real como questão que foge ao papel do Direito e do próprio Estado. O preceito fundamental da ordem filosófica liberal, a igualdade, é transformado em preceito jurídico formal. Fala-se, então, restritamente, em igualdade de direitos, cabendo a cada um, no exercício da sua liberdade individual, com inventividade e esforço, atingir a independência econômica, mascarando-se o fato de que essa posição não tem como ser atingida, concretamente, para todos, ao menos na perspectiva da organização produtiva capitalista.
Assim, um sistema que preconiza a igualdade institui mecanismos que legitimam, consolidam e produzem desigualdades. O contrato se fundamenta na igualdade das partes e, para o direito liberal, isso é o que basta, para que desse instituto se preservem e se produzam desigualdades no plano real entre as partes que se vinculam juridicamente por intermédio de um contrato. O Estado, então, é chamado para utilizar o poder que lhe fora conferido para manter essa ordem jurídica e, assim, garantir a efetivação dos interesses políticos e econômicos que permitem a continuação da produção capitalista, fazendo prevalecer, por consequência, os valores da classe dominante. Sob o argumento de preservar a ordem e de fazer valer a lei, o Estado tende a reprimir toda ação humana que ponha em risco o projeto capitalista, mesmo que isso signifique desprestigiar, em concreto, os próprios fundamentos teórico-filosóficos que embasaram aquele modelo de sociedade de cunho liberal e que, inclusive, foram integrados à própria ordem jurídica.
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As instituições, que regulam e organizam esse modelo de sociedade, carregam a mesma contradição, pois as prescrições normativas não podem abandonar a lógica filosófica da igualdade formal, do bem comum, da soberania popular, etc., mas não têm como deixar de instrumentalizar a desigualdade real para favorecer o desenvolvimento do modo de produção capitalista.
O contrato justifica as diferenças obrigacionais que se estabelecem entre as partes, sobretudo no que diz respeito à exploração do trabalho, porque juridicamente apenas importa garantir que as pessoas sejam livres para firmar seus negócios jurídicos.
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Foi assim, por exemplo, que os países do capitalismo central, que preconizavam a liberdade, conviveram abertamente com a escravidão praticada em outros países e até mesmo se valeram da escravidão como forma primária de produção de riqueza, envolvendo-se com o tráfico internacional e valendo-se do barateamento provocado por essa forma de exploração do trabalho, como modo de obtenção da matéria-prima necessária ao processo de industrialização. Essa, ademais, é a realidade que se verifica ainda hoje, com as formas de exploração baseadas na precarização das relações de trabalho que se produzem nos países periféricos, nos quais as condições de trabalho atingem níveis de degradação humana típicos do escravismo.
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Foi assim, também, que o Estado e o Direito foram chamados a agir de forma repressiva com relação aos movimentos operários do século XIX que buscavam superar as desigualdades econômicas e culturais identificadas na realidade social. Ou seja, a liberdade não poderia ser usada para se contrapor à divisão capitalista do trabalho e a igualdade não poderia ser atingida, concretamente.
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Essas contradições, no entanto, não são desafiadas porque o próprio Direito as integra de ponto de vista de uma racionalidade que tende a ser atomizada. As relações desiguais e injustas tendem a ser vistas de forma localizada e episódica, sendo que não raro entende-se a própria vítima como culpada pela situação. No extremo, ou seja, quando a situação social gera o risco de total desarranjo, implicando guerra civil interna, a própria ordem constitucional organiza o modo como o governante, a quem, então, se conferem poderes amplos, atuará sem a completude dos limites da ordem jurídica, tudo em nome da recomposição da situação pretérita.
Há, portanto, na formação do estado de exceção, previsto na própria ordem vigente, uma lógica de continuísmo, que faz da exceção um apêndice da própria regra. Enquanto a ordem jurídica reflete quase que exclusivamente os interesses burgueses, o estado de exceção se vislumbra apenas nos momentos de crise institucional, permitindo-se até identificar e justificar a exceção, que tem nome: estado de sítio. Na Constituição brasileira, o mecanismo de exceção está previsto nos arts. 137 a 139. No entanto, o percurso dialético da história gerou a inserção de diversos valores contrapostos na ordem jurídica capitalista, sistema que, ademais, tem demonstrado uma enorme aptidão para se adaptar a novas reivindicações, que são reinterpretadas e integradas à lógica de consumo. Esse conjunto de noções nos conduz à compreensão de que o estado de exceção, para o desenvolvimento do modelo de sociedade capitalista, é, na verdade, uma constante, variando apenas na intensidade, sobretudo quando visualizamos a realidade do ponto de vista da classe operária. Como dito por Walter Benjamin, “a tradição dos oprimidos nos ensina que o estado de exceção em que vivemos é na verdade a regra geral”1, ou, como expressa Gilberto Bercovici, assiste-se, historicamente, a um “Estado de exceção permanente”2. A exceção se situa, ademais, na própria lógica do Direito, que precisa se valer da interpretação para atingir a realidade. Como explica Giorgio Agamben:
1 BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Tradução de Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1994. p. 226. 2 BERCOVICI, Gilberto. Constituição e estado de exceção permanente. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2004.
O estado de exceção é, nesse sentido, a abertura de um espaço em que aplicação e norma mostram sua separação e em que uma pura força-de-lei (lei impressa com um x sobrescrito) realiza (isto é, aplica desaplicando) uma norma cuja aplicação foi suspensa. Desse modo, a união impossível entre a norma e a realidade, e a consequente constituição no âmbito da norma, é operada sob a forma de exceção, isto é, pelo pressuposto de sua relação. Isso significa que, para aplicar uma norma, é necessário, em última análise, suspender sua aplicação, produzir uma exceção. Em todos os casos, o estado de exceção marca um patamar onde lógica e práxis se indeterminam e onde uma pura violência sem logos pretende realizar um enunciado sem nenhuma referência real.3
No Estado de exceção permanente, a ordem jurídica vale, episódica e seletivamente, na conveniência da preservação da ordem estabelecida, que, no capitalismo, coincide com os interesses da classe dominante, que detém os meios de produção ou que a ela se integra pela transferência de parcela relevantes da riqueza produzida para a formação de novas relações de exploração do trabalho, criando um teia de interesses que geram maior estabilidade reacionária ao sistema. Juridicamente, os direitos que potencializam custos, favorecendo o trabalho, que podem, sob um ponto de vista, ser entendidos como antissistêmicos, são desprovidos de eficácia pela via do estado de exceção de um modo que não permita revelar a contradição. Os direitos dos trabalhadores, por exemplo, estão consagrados em leis como vários outros direitos. São direitos também, portanto. No entanto, se a ordem jurídica garante o direito à associação e à livre manifestação, com relação aos trabalhado3 AGAMBEN, Giorgio. Tradução de Iraci D. Poleti. São Paulo: Boitempo, 2004. p. 63.
res, a organização em sindicato deve ser limitada pelo Direito de modo a permitir uma fiscalização pelo Estado, para que a manifestação seja feita dentro de limites que não ponham em risco a organização produtiva. É assim, por exemplo, que se diz que os trabalhadores não podem fazer greve política e que o Judiciário pode conter, juridicamente, as reivindicações sindicais, declarando-as legais ou ilegais (quando “abusivas”). Ainda examinando a questão do ponto de vista dos direitos dos trabalhadores, é dentro do contexto da lógica de exceção permanente que se nega, sem qualquer constrangimento, eficácia aos dispositivos legais de proteção do trabalho, sob o mero argumento, que sequer precisa ser demonstrado, de que se vivencia um momento de crise econômica. E, assim, direitos históricos, extraídos da luta de classes, são transformados em preceitos burocráticos, cujo descumprimento não implica agressão jurídica. O argumento de que não se pode pagar, que justifica, por si, o desrespeito à lei, apresenta-se como situação excepcional, mas é, de fato, a própria regra da violência juridicamente institucionalizada para a preservação da desigualdade e o favorecimento dos interesses da classe dominante. Por sua vez, quando se trata do direito de propriedade e de preservação do patrimônio, a eficácia do Direito não é abalada, e o poder do Estado funciona imediatamente. A própria noção de crise no capitalismo é desviada da realidade. Historicamente falando, os momentos em que o capitalismo não esteve em crise são raros, vez que a crise está integrada à sua própria essência. Mas, obscurecendo-se esse dado, ou seja, pervertendo a realidade, o argumento da crise aparece como uma exceção. Esse mascaramento da realidade, de todo modo, precisa de um convencimento que se produz por intermédio da utilização de meios de comunicação votados à propagação de uma cultura massificada.
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Como entre a linguagem e o mundo, também entre a norma e sua aplicação não há nenhuma relação interna que permita fazer decorrer logicamente uma da outra.
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É assim que aqueles a quem os direitos trabalhistas são direcionados e que veem esses direitos serem abertamente desrespeitados são convencidos de que tudo se passa não por uma vontade do agente e sim como decorrência da crise, apresentada como uma situação episódica, na qual a restrição de direitos se faz necessária para que se atinjam, no futuro, tempos melhores4, isto quando o convencimento não se produz por intermédio do argumento terrorista da ameaça do medo de que poderia ser pior, apoiado, ainda, na premonição de que o risco da bancarrota é iminente.
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O convencimento em torno da legitimidade da exceção vale-se de um misto de esperança e de medo, restando sempre, é claro, a alternativa mais contundente e menos explicativa da repressão pela força estatal.
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O fato concreto é que, em uma realidade marcada pela desigualdade, que, ademais, se vale dessa desigualdade como requisito de sobrevivência, o convívio com uma ordem jurídica que preconiza a igualdade e abarca direitos humanos e sociais não pode se dar senão dentro da lógica da exceção permanente, pela qual se consegue recusar eficácia de tidas normas sem abalar a noção de um Estado de Direito, que é o fundamento a ensejar o próprio uso da força institucionalizada para a preservação da ordem social, sem revelar a intenção em torno do continuísmo e da defesa restrita de interesses de uma classe específica de pessoas que ocupam uma posição privilegiada na sociedade. A exceção permanente apoia-se, também, em argumentos da ineficácia “natural” de algumas normas constitucionais, apontadas ou como normas de caráter programático, normas-programas, que não geram direitos e sim expectativas de direitos que poderão satisfazer certos interesses caso as condições 4 O Brasil, por exemplo, como há muito se diz, “é o País do futuro”. Futuro que nunca chega porque a crise está de mãos dadas com o presente.
materiais, econômicas, o permitam. Ou seja, seriam normas que se submetem à reserva do possível. Contrariamente, a eficácia das normas ligadas aos interesses econômicos dominantes não sofre abalos, cumprindo ao Estado o uso da força para levá-las adiante de forma imediata. Uma comparação entre as situações concretas vivenciadas pelos trabalhadores e os empregadores na sua relação com as normas jurídicas permite uma visualização fácil dessa desproporcionalidade de eficácia. Se o empregado descumpre uma obrigação fixada no contrato ou na lei, o empregador, fazendo a avaliação da conduta do empregado de maneira unilateralmente, aplica, sem intermediários, a norma que entende aplicável ao caso, produzindo na realidade o efeito pretendido. A transposição da prescrição normativa à realidade é feita de forma unilateral, direta e imediata. O Direito confere ao empregador a autotutela do seu interesse que, por ventura, na sua avaliação, tenha sido resistido por ato do empregado. Ao contrário, se é o empregador quem descumpre a norma, cumpre ao empregado buscar a tutela do Estado, por intermédio do processo, para fazer valer o seu interesse, o que somente será concluído muito tempo depois, vez que, no direito processual, também no interesse da classe dominante, como forma de manter sob controle o poder outorgado ao Estado, devem ser respeitadas as garantias da ampla defesa, do contraditório, do duplo grau de jurisdição e da execução pelo modo menos oneroso. O processo, aplicado na perspectiva da lógica da exceção permanente, acaba se constituindo mais um instrumento de violência contra aquele que por ação individualizada ousou desafiar a regra da exceção, para fazer valer seu direito, mas
É nesse contexto da exceção permanente, ademais, que bem se entende a resistência do Judiciário em acatar a ações coletivas para a satisfação de direitos sociais ou a recusa em admitir a produção de efeitos coletivos em ações individuais, como se tem verificado na experiência recente de parte da jurisprudência trabalhista brasileira no que tange às condenações por dano social (“dumping social”), repercutindo nos julgados que envolvem relações de consumo.
salários, que é um bem necessário à sobrevivência, não desafia a ação policial, tendo os trabalhadores que buscar o seu direito, se quiserem, pela via do processo, na forma já declinada. O importante, para a preservação dessa ordem de exceção permanente, é que as contradições não sejam reveladas e a fórmula básica para o desenvolvimento de uma racionalidade reacionária é a de tratar os fenômenos sociais de forma pontual e descontextualizados da história, destacando apenas os aspectos que possam justificar o resultado que se pretenda para preservação do status quo. Na direção inversa, ou seja, quando se pretenda revelar as contradições de um sistema baseado na regra da exceção permanente, que serve ao continuísmo, o que se deve fazer é exatamente integrar os fatos no contexto atual e histórico.
Como forma de evidenciar ainda mais o estado de exceção na vivência prática das relações de trabalho, lembre-se do que se tem verificado nas greves. Se os trabalhadores em greve, ao promoverem um piquete, atingem o direito de ir e vir de alguém ou enfrentam, de alguma forma, o direito de propriedade, a polícia, por intermédio de ação judicial, é chamada a agir e, comparecendo ao local, o que fazem de forma imediata, tratam de dispersar a mobilização, fazendo valer em concreto os direitos contrapostos aos direitos perseguidos pelos trabalhadores, mesmo que dentre eles se insiram direitos liberais clássicos como a liberdade de expressão, o direito de manifestação e o direito à integridade física, dado que muitas vezes a dispersão, como se diz, se dá pelo uso da força.
Falando dos temas mais tratados nos últimos dias, a Copa, o “rolezinho” e a tragédia do Presídio de Pedrinhas, parece fácil identificar a lógica do estado de exceção em todos eles, que foi utilizada, precisamente, para manter inabalada a ordem do sistema de produção capitalista. Não que a Copa, ou, mais precisamente, os questionamentos que se façam sobre o advento da Copa, o presídio do Maranhão e o “rolezinho” tenham potencial para superar a ordem capitalista. Longe disso. De todo modo, o método de análise, que preserva a lógica de exceção, buscando uma visualização atomizada, sem contextualização histórica e de modo parcial, dos eventos em questão, dada a repercussão midiática atingida, apresentou-se essencial para não permitir a revelação das contradições do sistema e atrair um questionamento estrutural.
Os trabalhadores se veem impedidos de exercer o direito de greve na forma eleita, mesmo que esta seja uma garantia constitucional, enquanto que o descumprimento da lei pelo empregador, que pode ser, em caso hipotético, o não pagamento de
O “rolezinho” é um exemplo típico tanto da forma de análise pontual e desvirtuada quanto da utilização do direito na perspectiva do estado de exceção, ambos pensados como estratégia de preservação da coerência sistêmica.
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mesmo assim se submete ao estado de exceção caracterizado pela forma, intermediada e ponderada, como o direito social é aplicado. O Estado ainda tenta não cumprir o direito trabalhista, incentivando a conciliação, e na aplicação das normas parte de uma análise individualizada do conflito, o denominado caso concreto. O direito, construído por um silogismo episódico e pontual, não é capaz de provocar efeitos que promovam tensões estruturais.
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O “rolezinho”, que é uma forma de diversão utilizada por jovens da periferia, a partir de 5 de dezembro de 2013, após comunicação em rede social, foi direcionado para um shopping. Seria mais um entre tantos “rolês”, mas, diante da repressão policial havida e da repercussão midiática atingida, se proliferou, rapidamente. Vários outros “rolezinhos” foram marcados e coincidiram com a época do Natal, gerando bastante incômodo aos centros de comercialização. A visão que inicialmente se teve a respeito está bem traduzida em duas passagens publicadas na grande mídia: “Mais um shopping em São Paulo foi alvo do ‘rolezinho’ – evento combinado por meio de redes sociais em que jovens correm e tumultuam centros de compras”5; “Tem de proibir esse tipo de maloqueiro de entrar num lugar como este” (frase ecoada por uma frequentadora do shopping em meio a um “rolezinho”, segundo informação constante da reportagem de Laura Capriglione publicada no Jornal Folha de S. Paulo, em 16.12.2013)6.
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Na sequência, a ordem jurídica foi chamada para manter a estabilidade do sistema. A par de reconhecer o direito à livre manifestação e o direito de ir e vir, várias decisões judiciais deferiram o pedido dos shoppings para proibir o “rolezinho”, culminando multa de R$ 10.000,00 por “manifestante”, como forma de garantir o direito de propriedade e de impedir possível desordem.
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Interessante notar que, enquanto os shoppings conseguem, sem muito esforço, liminares que impõem multas de até R$ 50.000,00 por pessoa, pela prática de um ato que, ao ver dessas decisões, seria agressivo ao direito de propriedade, mesmo sem qualquer intenção furtiva, ao mesmo tempo é difícil para os trabalhadores, 5 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2013/12/1389158-rolezinho-causa-tumulto-em-shopping-na-zona-sul-de-sp.shtml>. 6 Disponível em: <http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2013/12/16/ rolezinho-os-shoppings-centers-oferecem-aos-paulistanos-realidade-virtual/>.
na verdade, quase impossível, conseguir uma liminar que fixe pena pecuniária pelo descumprimento da legislação trabalhista, o que muitas empresas chegam a praticar de forma reiterada, atingindo, inclusive, parcelas de natureza alimentar como as verbas rescisórias e o próprio salário, e agredindo também interesses de ordem pública, como os depósitos do FGTS e os recolhimentos tributários e previdenciários. De todo modo, juristas destacaram o caráter discriminatório contido em tais decisões, pois reconhecidamente os participantes do “rolezinho” eram jovens da periferia, e as críticas advieram, sobretudo, contra a postura de alguns shoppings de fecharem as portas ou de proibirem a entrada de menores de 18 (dezoito) anos desacompanhados dos pais ou responsáveis. Como efeito dessa compreensão e após se perceber também que a estratégia repressiva somente fazia crescer o “rolezinho”, sendo que este acabou permitindo a visualização da injustiça social, do preconceito, da discriminação e da incoerência de uma ordem jurídica que garante de forma imediata a eficácia de alguns direitos seletivos, mantendo sob ineficácia tantos outros, chegou-se ao ponto da tentativa de dominação cultural do fenômeno. Lembre-se que o mesmo ocorreu por ocasião das manifestações de junho/2013. Nas manifestações de junho, aflorou um questionamento acerca da ineficácia dos direitos sociais consagrados na Constituição, pondo em risco a estabilidade institucional do modelo socialmente injusto em que nos inserimos. Superada a fase repressiva, que igualmente fez crescer a insatisfação, atingindo-se o nível da revolta, que impulsionou, inclusive, uma quase infindável lista de reivindicações, passou-se ao processo de dominação e esvaziamento do conteúdo crítico do movimento, vinculando-o com intenção limitadora ao embate eleitoral entre PT e PSDB e visualizando-o ou como efeito de uma classe média que ascendera e que pretendia, então, experimentar
Agora com o “rolezinho”, a tentativa está sendo a de transformá-lo em evento que na essência pertence a jovens da periferia que possuem uma mentalidade capitalista e que querem unicamente frequentar os shoppings porque estes representam um símbolo de sucesso, sendo que este se mede pelo poder de adquirir uma roupa de “marca”. Fora disso não se teria um autêntico “rolezinho”, mas ações de vândalos ou marginais, da mesma forma como se deu com as manifestações de junho, que foram admitidas apenas dentro dos padrões de uma racionalidade reacionária e não questionadora. Assim, mais do que um questionamento, o “rolezinho” representaria um triunfo do sistema, que estaria, inclusive, em franca evolução. Não dá para negar que o sonho de consumo esteja em muitos desses jovens – e é plenamente legítimo que assim seja – e que muitos se sintam bem indo aos shoppings, mesmo que para mero “rolê”, mas o fato tem, certamente, uma representação bem maior que essa. No mínimo, serve para chamar a atenção para a mentalidade discriminatória e preconceituosa que rapidamente we proliferou em parte da sociedade e para destacar a forma atomizada como a ordem jurídica enxerga os problemas sociais. O “rolezinho”, como fenômeno cultural, auxilia na percepção de que existem jovens na periferia e que esses jovens estão tentando dizer algo e querendo ser vistos, sendo que na via de uma visualização de mão dupla não é possível deixar de pôr em questão a forma como as instituições públicas e essa mesma sociedade têm tratado historicamente esses jovens, sobretudo no que diz respeito à qualidade da educação pública que lhes é direcionada e às oportunidades que se lhes apresentam além do funk e do rolê (que são, vale repetir, expressões culturais plenamente legítimas).
Mais que isso, o vento possibilita lembrar que a periferia existe e que nela não há apenas os “funkeiros” e os, digamos assim, “rolezeiros”. Na periferia, há muitos trabalhadores que sofrem cotidianamente com o transporte público, que não tiveram oportunidade de estudar, que cumprem jornadas excessivas de trabalho, que recebem baixos salários e que muitas vezes não veem seus direitos trabalhistas e demais direitos sociais serem respeitados, inclusive pelo próprio Estado, no que tange, por exemplo, aos benefícios previdenciários. Nesse aspecto, inclusive, vale perceber que a periferia há muito tempo já está nos shoppings, por intermédio de vendedores de lojas, de garçons, cozinheiros e atendentes de restaurantes, de trabalhadores da limpeza e da vigilância, etc., e a grande questão que se coloca é quanto o sistema jurídico confere a essas pessoas a eficácia concreta para se envolverem em ações políticas para efetivamente melhorarem sua condição social, sobretudo no que se refere ao direito de sindicalização e à estabilidade no emprego, cumprindo verificar que processo histórico de efetiva emancipação tem se permitido à classe trabalhadora no Brasil. O fato é que não será apenas com a permissão de que participantes dos “rolezinhos”, vindos da periferia, entrem nos shoppings, mesmo que, por força de uma certa evolução econômica, tenham poder de consumo, que se estará produzindo uma racionalidade inclusiva ou emancipatória ou implementando uma política voltada à produção de uma efetiva igualdade social. Mais do que entrar nos shoppings, e, eventualmente, adquirir uma roupa de marca, é preciso que o projeto social esteja embasado na formação cultural, que permita a construção de uma consciência exatamente no sentido de que a aquisição de bens não é o que determina a essência da condição humana, sendo esta identificada pela capacidade de se colocar na posição do outro, de expressar os sentimentos de alteridade e de solidariedade, que implicam não ver o outro como um adversário
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maiores benesses de consumo, ou como estratégia de uma ala da ultradireita, que tinha tudo arranjado para o implemento de um golpe militar...
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a ser batido na corrida pelos escassos postos de trabalho, ou como um trampolim sobre o qual se pisa para subir. A formação cultural necessária, portanto, vai contra um pretenso anseio de visualizar o “rolê” em um shopping como um objetivo de vida ou de afirmação de sucesso pessoal. Alguns jovens podem, legitimamente, pretender se envolver em um “rolezinho” como modo de diversão. O que não é possível é querer integrar essa prática a um contexto que tenha significação de triunfo do capitalismo, no sentido de que o mero acolhimento jurídico e econômico do “rolezinho” seja uma forma que, por si, garanta uma ascensão social desses jovens.
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No contexto de uma formação cultural consciente, o participante do “rolezinho” precisa se ver muito mais como um trabalhador, aquele que está prestes a ingressar no mercado de trabalho, se é que já não entrou, buscando seus direitos dentro da compreensão da classe a que pertence, do que como um consumidor, que será sempre circunstancialmente importante para o sistema.
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O “rolezeiro” consciente, divertindo-se, mas vendo-se a partir do locus social em que está efetivamente integrado, entrará no shopping e verá, além dos produtos, os trabalhadores. Preocupar-se-á com a efetividade dos direitos dessas pessoas e até mesmo daquelas que bem longe dali, muitas vezes em outros países, fabricam bens em condições análogas a de escravo, o que se tem verificado, sobretudo, nos tais produtos de marca7. Conseguirá ver, então, que as coisas não são tão bonitas quanto
7 Vide, a propósito, matéria de Eleonora de Lucena, “Livro discute exploração de trabalhadores por empresas”, publicada na Folha de S. Paulo, em 18.01.2014, tratando das condições de trabalho em grandes corporações pelo mundo afora (http://www1.folha.uol.com. br/mercado/2014/01/1399391-livro-discute-exploracao-de-trabalhadores-por-empresas.shtml), sendo que, evidentemente, no caso do Brasil, não se precisa ir muito longe.
parecem e que sua participação na construção de uma sociedade mais justa, solidária e humana vai exigir, um dia, bem mais que um lugar refrigerado para dar uns beijinhos. O fato é que sem o esvaziamento de conteúdo, pelo qual se pretenda favorecer uma inclusão retórica, o “rolezinho” pode fornecer elementos para análises críticas reveladoras, sobretudo no que tange à possibilidade concreta de o modelo de produção capitalista abarcar ao sonho de consumo, com igualdade plena, todas as pessoas. Claro que ainda há poucos elementos para dizer se esse movimento vai avançar e em qual sentido, e não se pode, igualmente, transformá-lo, retoricamente, em um movimento social de cunho revolucionário, que não me parece ser, ao menos até agora, mas não é possível tratá-lo como mera brincadeira de criança. Essa percepção nos conduz ao tema da Copa de 2014: seria a vinda da Fifa ao Brasil em 2014 um mero “rolezinho”? Uma simples brincadeira, sem maiores implicações? A exemplo de muitos integrantes do “rolezinho”, talvez a Fifa assim o considere, ou seja, que vai apenas dar uma passeadinha no Brasil, fazer “rolar” uns joguinhos e dar umas festinhas, com a diferença, no que se refere aos participantes do “rolezinho”, de que ainda pode ir embora com algum dinheirinho... Mas, igualmente ao que se passa com o fenômeno anteriormente examinado, a Copa é bem mais do que isso e serve também para revelar como o poder constituído é capaz de estabelecer situações de excepcionalidade, mesmo no nível constitucional, para manter a mesma lógica do favorecimento de interesses econômicos específicos. A Lei Geral da Copa (LGC), nº 12.663/2012, primeiro, foi, assumidamente, fruto de um ajuste firmado entre o Governo brasileiro e a Fifa, entidade privada, visando a atender aos denominados
Destaquem-se duas dessas agressões à ordem constitucional, que se interligam aos direitos dos trabalhadores. O art. 11 da referida lei dispõe que: Art. 11. A União colaborará com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios que sediarão os Eventos e com as demais autoridades competentes para assegurar à Fifa e às pessoas por ela indicadas a autorização para, com exclusividade, divulgar suas marcas, distribuir, vender, dar publicidade ou realizar propaganda de produtos e serviços, bem como outras atividades promocionais ou de comércio de rua, nos Locais Oficiais de Competição, nas suas imediações e principais vias de acesso. § 1º Os limites das áreas de exclusividade relacionadas aos Locais Oficiais de Competição serão tempestivamente estabelecidos pela autoridade competente, considerados os requerimentos da Fifa ou de terceiros por ela indicados, atendidos os requisitos desta Lei e observado o perímetro máximo de 2km (dois quilômetros) ao redor dos referidos Locais Oficiais de Competição. § 2º A delimitação das áreas de exclusividade relacionadas aos Locais Oficiais de Competição não prejudicará as atividades dos estabelecimentos regularmente em funcionamento, desde que sem qualquer forma de associação aos Eventos e observado o disposto no art. 170 da Constituição Federal.
O artigo em questão cria uma forma de rua exclusiva para a Fifa e seus parceiros, excluindo, inclusive, a possibilidade do funcionamento de estabelecimentos existentes no tal “local oficial de competição”, que abrange o perímetro de 2km em volta do estádio, caso seu comércio se relacione de alguma forma ao evento.
Ou seja, quando se diz que uma das justificativas para o advento da Copa é impulsionar o comércio, que beneficiaria, inclusive, os trabalhadores, este se vê, por lei, restrito aos parceiros da Fifa. Além disso, pela lei em questão, a União obrigou-se a indenizar a Fifa por qualquer lesão sofrida pela entidade inclusive quanto à transgressão do comércio exclusivo no “local oficial”, anteriormente referido (art. 21), sendo esta responsabilidade objetiva, na forma do § 6º do art. 37 da Constituição Federal (art. 22), sendo oportuno lembrar que não tem sido essa a postura desse mesmo governo no que se refere aos danos causados aos trabalhadores que lhe prestam serviços por intermédio do processo (inconstitucional, diga-se de passagem) da terceirização e muito menos a mesma eficácia jurídica se conferiu aos interesses dos trabalhadores que estão executando as obras da Copa, muitos deles submetidos a excessivas jornadas de trabalho para que se consigam concluir os serviços, sob suspeita de não recebimento das horas extras ou recebendo-se por meio de pagamento “por fora”, outros, ainda, trabalhando com atrasos no pagamento de salários, isto sem falar nos trágicos acidentes que geraram mortes, não se tendo qualquer notícia que o governo tenha intervindo para buscar a eficácia plena dos direitos desrespeitados e para garantir às vítimas uma imediata indenização. O segundo destaque está, aliás, diretamente ligado a este aspecto da garantia da eficácia da legislação trabalhista. Fato é que, de forma acintosa, o Governo brasileiro resolveu fazer letra morta das normas constitucionais, inseridas na órbita dos direitos fundamentais, de proteção ao trabalhador, institucionalizando o trabalho em condições análogas à de escravo, vez que desprezados os direitos trabalhistas, apoiando-se na retórica falaciosa do trabalho voluntário, que não possui qualquer respaldo jurídico, ao menos em nível constitucional, contrariando, inclusive, o compromisso público assumido junto
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padrões Fifa de organização de eventos, para possibilitar a realização da Copa das Confederações, em 2013, e a Copa do Mundo, em 2014; segundo, traz várias agressões à ordem constitucional.
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com a Fifa, constante expressamente no art. 29 na própria Lei Geral da Copa: Art. 29. O poder público poderá adotar providências visando à celebração de acordos com a Fifa, com vistas à: I – divulgação, nos Eventos: [...] b) de campanha pelo trabalho decente;
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[...]. (grifo nosso)
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12) O que eu vou receber por trabalhar na Copa do Mundo da Fifa e nos seus eventos auxiliares? O trabalho voluntário é por natureza um trabalho sem remuneração. Por conta disso, não haverá pagamento de nenhum tipo de salário ou ajuda de custo para hospedagem. Porém, visando a não gerar ônus, o COL e a Fifa irão fornecer os uniformes, um auxílio para o deslocamento até o local de trabalho (dentro da sede) e alimentação durante o período em que estiver atuando como voluntário. (grifou-se) 13) Qual a duração do turno diário de trabalho voluntário?
Ora, o trabalho decente é um conceito difundido pela Organização Internacional do Trabalho exatamente para impedir a execução de trabalho sem as garantias trabalhistas. Verdade que a legislação nacional (Lei nº 9.608/1998), de discutível constitucionalidade, permite o trabalho voluntário, sem a garantia dos direitos trabalhistas, mas este serviço, que pode ser prestado “a entidade pública de qualquer natureza, ou a instituição privada de fins não lucrativos”, deve possuir objetivos “cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência social, inclusive mutualidade”.
O turno diário de trabalho voluntário durará até 10 horas. (grifou-se)
A Fifa está longe de ser uma entidade sem fins lucrativos, e o serviço na Copa do Mundo, voltado a uma lógica sabidamente econômica, que é, ademais, o que justificou, na visão do próprio governo, a realização do evento no Brasil, está longe de possuir algum dos objetivos anteriormente destacados.
Os especialistas atendem a áreas como imprensa, departamento médico, serviços de idioma, etc.;
E assim o Governo brasileiro permitiu que a Fifa viesse aqui dar um “rolezinho”, explorando o trabalho de brasileiros e estrangeiros. E a Fifa pode, então, divulgar o “rolê” em seu site, da seguinte forma8: 8 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2014/01/1399391-livro-discute-exploracao-de-trabalhadores-por-empresas.shtml>.
14) Por quanto tempo preciso estar disponível para o evento? É necessário ter disponibilidade de pelo menos 20 dias corridos na época dos eventos. 15) Existe alguma diferença entre os tipos de voluntários? Existem algumas funções que possuem requisitos muito específicos e, por isso, necessitam de conhecimentos e habilidades específicas. Isso leva à criação de uma organização baseada em Especialistas e Generalistas:
Os generalistas atendem a todas as outras áreas de trabalho e têm foco no atendimento ao público em geral. 16) Eu não moro em nenhuma das sedes da Copa do Mundo da Fifa. Vou poder participar? A inscrição on-line pode ser feita de qualquer local, mas é importante que as pessoas saibam que terão de estar disponíveis para o trabalho no período determinado e na cidade na qual forem alocados/escolherem, sabendo que o COL não proverá nenhum tipo de auxílio para a hospedagem. (grifou-se) [...]
18) Os voluntários poderão assistir aos jogos?
Com pedrinhas
Não serão disponibilizados assentos para os voluntários. Alguns poderão estar trabalhando nas arquibancadas ou em áreas com visibilidade para o campo, mas é importante lembrar que estarão trabalhando e, por isso, não deverão ter tempo para assistir aos jogos. Nos intervalos do seu horário de trabalho, no entanto, poderão ir ao Centro de Voluntários, onde poderão assistir por alguns momentos a alguma partida que esteja sendo transmitida.
Com pedrinhas de brilhante
As concessões do Governo brasileiro à Fifa vão além, muito além, do poder que lhe fora concedido, principalmente quando pensamos a Constituição do ponto de vista da realidade teórica que lhe confere sustentação como instrumento de garantia do Estado Democrático de Direito a serviço do poder popular. Nem se a presença da Fifa no Brasil, para a Copa de 2014, fosse mera brincadeira de criança o Governo brasileiro poderia chegar ao ponto em que chegou, pois até na brincadeira se preserva a noção de legitimidade, como se verifica na seguinte cantiga da roda: Se essa rua Se essa rua fosse minha Eu mandava Eu mandava ladrilhar
Para o meu amor passar
A rua não é do governo e ele não pode ladrilhá-la com pedrinhas de brilhante para a Fifa passar e explorar. Ademais, embora o Brasil, que já teve muitas pedrinhas de brilhante, não possa sequer imaginar em oferecer esse luxo ao seu visitante “ilustre” porque se vê obrigado a revelar ao mundo, e a si mesmo, a realidade trágica do Presídio de Pedrinhas, no Maranhão, onde, no final do ano passado, ao tempo do início do “rolezinho”, ocorreram 62 mortes. Esse fato, igualmente, não pode ser visto de forma atomizada e episódica e muito menos minimizado, vez que demonstra, de forma escancarada, as mazelas de uma sociedade profundamente desigual e que despreza ao máximo a situação dos que, pela exclusão social, econômica e cultural, foram conduzidos à marginalidade, ainda que alguns insistam em apontar o presidiário como uma espécie de delinquente pela própria natureza, não se desconhecendo, por óbvio, que entre estes alguns possam ter, efetivamente, praticado graves crimes contra a vida, que nenhuma teoria social pode justificar. De todo modo, números oficiais revelam, segundo informação de Gerivaldo Neiva9, que 9 Juiz de Direito (BA), membro da Coordenação Estadual da Associação Juízes para a Democracia (AJD), membro da Comissão de Direitos Humanos da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e Porta-Voz no Brasil do Movimento Law Enforcement Against Prohibition – Agentes da Lei Contra a Proibição (Leap-Brasil).
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Claro que a medida auxilia também o interesse econômico do próprio Governo brasileiro. Este planeja valer-se da previsão normativa de excepcionalidade em questão para angariar o trabalho de até 18 mil voluntários, sendo que a previsão de voluntários da Fifa é de 15 mil. Ou seja, um dos legados concretos da Copa será o histórico de que, durante a sua ocorrência, evidenciou-se o estado de exceção, de modo a atingir, diretamente, a ordem constitucional pertinente aos direitos fundamentais de natureza trabalhista, renegando a condição de cidadania a pelo menos 33 mil pessoas.
Para o meu
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44,23% dos presos cometeram crimes contra o patrimônio (furtaram ou roubaram) e 20,13% cometeram crimes de tráfico, ou seja, mais de 64% dos presos são delinquentes comuns que roubaram, furtaram ou se envolveram com o tráfico. De outro lado, apenas 14,5% cometeram 10
crimes contra a vida...
Pedrinhas é no Maranhão, mas o Maranhão é aqui. E se em Pedrinhas havia 400 detentos a mais do número máximo de 1.770 previsto, várias penitenciárias brasileiras seguem o mesmo padrão, sendo que, em muitos casos, os detentos estão indevidamente presos, em razão de uma eficácia parcial da ordem jurídica, pois entraves processuais impedem a libertação de detentos após o cumprimento da pena ou mantêm presos em regime fechado condenados cuja pena deveria ser cumprida em regime aberto ou semiaberto.
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Especificamente, o sistema penitenciário do Estado do Maranhão abriga mais da metade de presos (55,08%) ainda à espera de julgamento.
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Não há vontade política para inverter concretamente e por completo o processo histórico da exclusão, apesar dos notórios avanços da política governamental adotada nos últimos 10 (dez) anos. Por isso, a prisão de mais de meio milhão de pessoas em todo o País acaba sendo tanto um efeito quanto uma política frente aos problemas sociais, ao mesmo tempo em que se presta a um nicho para uma atividade econômica lucrativa. Conforme ressalta Nota do Centro Acadêmico XI de Agosto da Faculdade de Direito da USP, não por mera conveniência que a privatização do cárcere surge como solução atrativa para a construção e prestação dos serviços nas unidades. Não à toa o Estado do Maranhão, chefiado por Roseana Sarney, 10 Disponível em: <http://www.gerivaldoneiva.com/2014/01/quem-sao-os-presos-do-maranhao-por-que.html>.
destinou R$ 74 milhões de reais à terceirização ilícita de mão de obra nos presídios do Estado em 2012.
A distância entre Pedrinhas e o “rolezinho” nos shoppings paulistanos pode ser bem menor do que se supõe, o que explica, de certo modo, sem justificar, por certo, a aversão inicial que se apresentou ao evento. Como destacado na mesma Nota do XI de Agosto, negros compõem 60% da população carcerária brasileira, da qual 58% são jovens entre 18 e 29 anos e 77% não passaram do Ensino Fundamental, o que mostra o presídio como verdadeiro mecanismo de detenção e criminalização da população pobre, jovem e negra. Nesse sentido, cabe ressaltar a dificuldade dos mais pobres em ter acesso à assistência jurídica, quadro que também concorre para a ocorrência de rebeliões internas com vistas a exigir melhores condições para o cumprimento das penas.
Ainda segundo Gerivaldo Neiva, em dezembro de 2012, a população carcerária do Estado do Maranhão era composta de 83,35% de detentos com escolaridade até o ensino fundamental, ou seja, sem qualificação profissional alguma. Apenas 0,18% eram portadores de curso superior. Fato é que, para boa parte da sociedade brasileira, que constitui, certamente, a maior parte, a ordem jurídica só tem sido aplicada em lógica de estado de exceção, valendo parcialmente na medida da conveniência da preservação da desigualdade, que favorece muitos interesses, inclusive de natureza política eleitoral, sem falar, é claro, dos econômicos. Essa não é uma característica do tempo presente, vez que acompanha a história da sociedade brasileira. Lembre-se, por exemplo, que o escravo só era visto como sujeito de direito quando praticava um crime, sendo que, na perspectiva das relações civis, o escravo, juridicamente falando, era um objeto do Direito. No dizer de Jacob Gorender: “O primeiro ato humano
Ao longo da história do Brasil, a consagração de direitos trabalhistas foi sempre acompanhada de intensa resistência por parte da classe empresarial, que buscava lógicas de convencimento inclusive do mal que a legislação trabalhista poderia causar à moral dos trabalhadores. Por meio de texto intitulado A indústria em face das leis do trabalho, tentou-se criar o convencimento de que a lei de férias, por exemplo, que foi de fato a primeira lei com direito trabalhista de âmbito nacional, era “perigosa”, não apenas pelos aspectos sempre comuns da linha da argumentação econômica, no sentido de que geraria custos adicionais para produção, impondo uma interferência indevida no mercado produtivo, mas também porque “abriria para o trabalhador a perspectiva de reivindicações sociais crescentes”, entendidas estas não as de natureza econômica, mas de natureza revolucionária. Como esclarecido em passagem do documento em questão: Esta classe (operária) jamais se congregou em torno de ideais avançados e nunca teve veleidades de esposar a grande cópia [sic] de reivindicações que por vezes chegam a inquietar a sociedade dos velhos países industriais do estrangeiro. A única finalidade do proletariado é o trabalho bem remunerado e sua alma simples ainda não foi perturbada por doutrinas dissolventes que correm mundo e que, sem cessar, vêm provocando dissídios irremediáveis entre duas forças que, bem orientadas, não se repelem, antes de completam em íntima entrosagem: o capital e o trabalho.12
Resta clara em tal documento a argumentação de que: 11 Apud TOLEDO, Roberto Pompeu de. À sombra da escravidão. Revista Veja, edição de 15 de maio de 1996, p. 54. 12 NOGUEIRA, O. Pupo. A indústria em face das leis do trabalho. São Paulo: Escolas Profissionaes Salesianas, 1935. p. 67 e 70.
Os lazeres, os ócios, representam um perigo iminente para o homem habituado ao trabalho, e nos lazeres ele encontra seduções extremamente perigosas, se não tiver suficiente elevação moral para dominar os instintos subalternos que dormem em todo ser humano.
E acrescenta: Que fará um trabalhador braçal durante quinze dias de ócio? Ele não tem o culto do lar, como ocorre nos países de climas inóspitos e padrão de vida elevado. Para o nosso proletário, para o geral do nosso povo, o lar é um acampamento – sem conforto e sem doçura. O lar não pode prendê-lo e ele procurará matar as suas longas horas de inação nas ruas. A rua provoca com frequência o desabrochar de vícios latentes e não vamos insistir nos perigos que ela representa para o trabalhador inactivo, inculto, presa fácil dos instinctos subalternos que sempre dormem na alma humana, mas que o trabalho jamais desperta. Não nos alongaremos sobre a influência da rua na alma das crenças que mourejam nas indústrias e nos cifraremos a dizer que as férias operárias virão quebrar o equilíbrio de toda uma classe social da nação, mercê de uma floração de vícios, e, talvez, de crimes que esta mesma classe não conhece no presente.13
No aspecto econômico, dizia-se que a lei de férias gerava duas consequências desastrosas: aumento dos custos e desorganização do trabalho. Segundo informação de Werneck Vianna, a FIESP chegou a elaborar cálculos, em indústria específica, sobre o aumento dos custos que seriam gerados pela concessão de férias, dada a diminuição da produção, que não poderia ser suprida pela contratação de trabalhador para o período respectivo, sobretudo em razão do alto salário que seria cobrado pelo trabalhador que viesse a ocupar por apenas 15 dias o lugar do trabalhador em férias14. Por ocasião da regulamentação do trabalho do “menor”, que tem início com a edição do Decreto nº 5.083, de 1º de dezembro de 13 Idem, p.67 e 70. 14 VIANNA, Luiz Werneck. Liberalismo e sindicato no Brasil. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999. p. 116.
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do escravo é o crime”11. Pelo ato criminoso o escravo se tornava gente, de pleno direito.
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1926, que proibia o emprego de menores de 14 anos, limitava em 6 horas a jornada para os menores de 18 anos, com a concessão de uma hora de intervalo, e vedava o trabalho destes no horário noturno, novamente os industriais apresentaram forte oposição. Conforme relata Werneck Vianna, para os representantes de associações patronais de São Paulo, segundo expresso em um documento que enviaram ao presidente da Câmara dos Deputados, “a implementação da lei seria inviável por questões de ritmo e da ordenação do trabalho industrial”15.
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Sustentavam, em tal documento, que, partindo do argumento técnico de que “tudo está calculado do simples para o complexo. Uma secção vai servindo à outra, de modo que a matéria-prima bruta vai aos poucos sofrendo transformações sucessivas até que se ultimam todas as operações. Qualquer parada em um secção repercute na secção que se lhe segue ou na que a precede, tornando assim o organismo fabril um todo único”, não poderia haver divergência entre a jornada dos adultos e a dos “menores”, pois isso prejudicaria o andamento técnico da produção.
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Fato interessante relatado por Werncek, que serve a diversas análises, foi o da multa aplicada a uma indústria têxtil na Cidade de São Paulo, por ter se utilizado de menores de 14 anos durante a vigência do decreto mencionado. Na defesa que apresentou à justiça, a empresa trouxe como testemunhas quatro dos maiores industriais da época: José Erminio de Moraes, Fábio de Silva Prado, Nicolau Schiesser e Carlos Whately, os quais, de forma uníssona, insistiram no argumento de que: Nas fábricas de São Paulo não é possível observar-se o disposto no Código de Menores com relação ao tempo do trabalho diário dos menores. Nessas fábricas, o trabalho é distribuído por secções de modo 15 Idem, p. 117.
que o trabalho dos maiores fica dependendo do trabalho dos menores, de tal modo que um não pode prescindir do outro...16
Essas falas não eram apenas retóricas, pois, apesar de vigentes, as leis não foram aplicadas por resistência direta e expressa dos industriais, que se viam, então, no “direito” de não respeitarem as leis, sem que o Estado tivesse força e vontade concreta de lhes impor a autoridade da lei. Essa, ademais, é a conjuntura que envolva as leis trabalhistas no Brasil até hoje. Oportuno observar que a força de trabalho dos “menores” na indústria têxtil representava, à época, 60% do total da mão de obra empregada. Muitos podem imaginar ser um exagero o que está dizendo, mas basta que vislumbrem o quanto se torna difícil levar adiante uma reivindicação de direito em face de um conglomerado econômico, na condição de consumidor, por exemplo, ou em face do próprio Estado. De todo modo, o mais importante é compreender que os fenômenos sociais devem ser visualizados no seu contexto mais amplo, interligados com outros fatos presentes e históricos, pois as compreensões pontuais e datadas facilitam a adoção de medidas jurídicas que favorecem o estado de exceção permanente que impede uma emancipação popular, considerando, sobretudo, a posição dos que se situam em posição inferiorizada na sociedade, ou seja, contribuindo para a preservação da desigualdade que alimenta o modelo de sociedade que se baseia na exploração do trabalho alheio. O que se passou em Pedrinhas é demonstração evidente do processo de exclusão e da falta de perspectiva inclusiva. O que se verificou nos “rolezinhos” foi, primeiramente, o incômodo de parte 16 Idem, p. 116.
O grande desafio que se apresenta é o de superar o estado de exceção permanente, impulsionada pelas análises atomizadas.
O que se exige, portanto, são avaliações contextualizadas, para a produção de uma racionalidade integral, estrutural, de emancipação e de produção da efetiva igualdade. Um passo importante pode ser o de dar continuidade às reivindicações de junho, que pautam a necessidade de conferir efetividade plena, para todos, aos direitos sociais, notadamente: saúde, educação, transporte, trabalho digno e Previdência Social. Não que sejam, em si, o fim a que se pode chegar no projeto de uma sociedade igualitária, mas porque bem instrumentalizam a revelação das contradições do sistema e da utilização permanente do estado de exceção. Restará, de todo modo, o dilema proposto por Bercovici, extraído das observações de Walter Benjamin: Ou escolhemos a verdade do estado de exceção permanente a que estamos submetidos, que muitos fingem que não enxergam, ignorando a realidade. Ou escolhemos a outra verdade, a do outro estado de exceção, a da exceção à exceção, a do estado de exceção a ser ainda instaurado, a do poder constituinte do povo em busca de sua efetiva e plena emancipação.
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da sociedade com a presença mais ostensiva das diferenças, denunciando nosso déficit democrático. Serviu para evidenciar, na sequência, que a periferia existe e quer se mostrar. A solução que se apresentou, superada a estratégia repressiva, de acolher parte desses jovens, alimentando seus sonhos de consumo, não é capaz de constituir um projeto político de inclusão, até porque obter capacidade econômica para adquirir coisas não faz parte de um processo de emancipação humana, vez que, quanto mais necessidade o ser humano apresenta de adquirir para se sentir gente, menos humano tende a ser. A Copa de 2014 se insere neste contexto como o evento que, sem qualquer perspectiva inclusiva, procura conferir mais um modo de diversão, que possa acomodar o espírito. Não seria isso negativo em si não fosse o evento acompanhado da mesma lógica, visualizada nos outros dois fenômenos, de reforço da produção de uma racionalidade fugidia da realidade, contribuindo para a reprodução do estado de exceção permanente, voltado ao favorecimento de interesses econômicos determinados, que se valem da desigualdade social para se perpetuarem como força dominante.
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Doutrina
Momento para Apresentação da Garantia de Execução em Contratos Administrativos* ADRIANO BIANCOLINI
Advogado em Curitiba (PR), com experiência em atuação consultiva em licitações e contratos administrativos e funcionalismo público, Graduado pela Faculdade de Direito de Curitiba.
O presente trabalho surge da constatação de que muitos licitantes, em se sagrando vencedores do procedimento competitivo, não conseguem apresentar determinadas garantias prévia ou concomitantemente à assinatura do contrato administrativo, como muitas vezes se exige no instrumento convocatório produzido pela Administração Pública. Mais precisamente, as garantias a serem analisadas são a fiança bancária e o seguro-garantia, previstas no art. 56, § 1º, II, III, da Lei nº 8.666/1993. Isso ocorre porque as instituições financeiras e seguradoras exigem, para fins de concessão das referidas, justamente, a apresentação do contrato assinado que será objeto da fiança ou seguro. Mas, antes de adentrar ao cerne da questão, cabe inicialmente fazer uma breve análise acerca do instituto da garantia nos contratos administrativos. *
http://lattes.cnpq.br/9785013616177384.
A Lei de Licitações prevê três espécies de garantias, todas a serem prestadas pelos licitantes ou contratados perante a Administração contratante. A primeira modalidade de garantia é prevista no inciso III do art. 31 da Lei de Licitações, conhecida como garantia da proposta, exigida para fins de habilitação[1]. A segunda, prevista no art. 48, § 2º, é a garantia adicional, a qual se destina a caucionar a proposta, oferecida por licitante, que teve sua exequibilidade questionada em razão de intrincada conta matemática que representa verdadeiro “presente de grego” do legislador aos gestores públicos[2]. Essa garantia, segundo se depreende dos ensinamentos de Maria Sylvia Zanella Di Pietro[3], se destina àqueles licitantes que, ainda que tenham oferecido propostas consideradas exequíveis, estas estão muito próximas do limite para a inexequibilidade, constatado por meio da matemática determinada no dispositivo em voga, necessitando, portanto, oferecer uma segurança de que suas propostas são realmente idôneas. Por fim, a terceira espécie, objeto do presente trabalho, é a garantia de execução contratual ou garantia contratual básica, prevista no art. 56 da Lei de Licitações. Ensina Dora Maria de Oliveira Ramos: A exigência de prestação de garantia objetiva assegurar que o contratado efetivamente cumpra as obrigações contratuais assumidas, tornando possível à Administração a rápida reposição de eventuais prejuízos que possa vir a sofrer em caso de inadimplemento.[4]
Segundo o art. 56 da Lei de Licitações, “a critério da autoridade competente, em cada caso, e desde que prevista no instrumento
Do dispositivo, fácil perceber que a exigência de garantia recai sobre a decisão discricionária do administrador, sendo que, em se optando pela sua utilização, deverá ser prevista no instrumento convocatório, isso em razão do princípio da vinculação ao instrumento convocatório[5]. A opção do legislador em deixar a cargo do administrador, diante da análise de conveniência e oportunidade, decidir caso a caso quando exigir a prestação da garantia justifica-se no fato de que nem sempre essa medida representará um benefício para a Administração. Ao mesmo tempo em que a garantia representa segurança, no que se refere à boa execução do contrato, de outro lado, resulta, como regra, no encarecimento da contratação. Sobre o tema, Joel de Menezes Niebuhr afirma: A exigência de garantia contratual básica produz benesses e malefícios ao interesse público, e, por isso, deve-se analisar caso a caso, de acordo com as suas especificidades. Em linha de síntese, se, de um lado, por meio da garantia contratual básica, a Administração Pública assegura as obrigações assumidas por terceiros, noutro, onera as propostas apresentadas e restringe a competição.[6]
Observe que a exigência de garantia representa onerosidade aos licitantes, a qual pode, inclusive, limitar o universo de interessados, além de, sabidamente, representar um acréscimo dos valores da contratação em razão do repasse dos custos decorrentes da garantia à própria Administração. Portanto, o administrador, quando pretender exigir garantia contratual básica, deverá avaliar a questão sob dois aspectos. O primeiro é referente à complexidade e à vultuosidade do contrato. Se, em vista desses elementos, há, em torno da con-
tratação, risco referente ao cumprimento das obrigações e se o prejuízo decorrente da má execução for considerável, deve o administrador cogitar exigir a garantia. O segundo aspecto se refere à onerosidade em torno da própria exigência de garantia. Como regra, o oferecimento de garantia representa um valor que será agregado às propostas dos licitantes, o que equivale dizer que os custos dessa exigência serão repassados à própria Administração contratante. Portanto, essa exigência vai de encontro à economicidade da contratação. Ademais, cabe lembrar que a exigência da garantia, por conta desses fatores, pode representar diminuição do universo de interessados. Até por isso Joel de Menezes Niebuhr afirma “que a discricionariedade do agente administrativo em exigir a garantia contratual básica é limitada e moldada pelos princípios da economicidade e da competitividade”[7]. Já Dora Maria de Oliveira Ramos conclui que, “em função dessa onerosidade veiculada pela caução [entenda-se como garantia], justifica-se a atuação discricionária do administrador, avaliando a necessidade de sua exigência”[8]. Em suma, “antes de estabelecer no edital exigência de garantia, deve a Administração, diante da complexidade do objeto, avaliar se realmente é necessária ou se servirá apenas para encarecer o objeto”[9]. Constatada a conveniência em se exigir garantia dos licitantes, caberá à Administração prever tal medida no instrumento convocatório, sendo que a Lei de Licitações, nos incisos do § 1º do art. 56, oferece três modalidades a serem prestadas: (I) caução em dinheiro ou em títulos da dívida pública, devendo estes ter sido emitidos sob a forma escritural,
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convocatório, poderá ser exigida a prestação de garantia nas contratações” (grifo nosso).
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mediante registro em sistema centralizado de liquidação e de custódia autorizado pelo Banco Central do Brasil e avaliados pelos seus valores econômicos, conforme definido pelo Ministério da Fazenda; (II) seguro-garantia; e (III) fiança bancária. Necessário destacar que é a Administração Pública que decide quanto à necessidade de garantia em determinado contrato, todavia, segundo o § 1º do art. 56 da Lei nº 8.666/1993, caberá ao contratado optar por uma das modalidades anteriormente referidas. Resta, então, vedada a iniciativa do administrador tendente a exigir determinada garantia em detrimento das outras. Deverá aceitar quaisquer das garantias dispostas na Lei de Licitações, sob pena de cometer ato eivado de ilegalidade.
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Nesse sentido, Carlos Pinto Coelho Motta explica que “o edital, sob pena de vício insanável, não poderá eleger a modalidade de garantia.”[10]
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A finalidade da lei é a de que os licitantes possam escolher, entre as garantias nela previstas, aquela que lhe aprouver, que represente “melhor negócio” para a sua realidade empresarial. A escolha por parte da Administração apenas traria uma indesejável restrição da competitividade. Sobre o tema, elucida Jessé Torres Pereira Junior: A solução vencedora parece superior [se refere à opção da lei em permitir aos licitantes optar pela modalidade de garantia], já que, em tese, todas as modalidades previstas na lei se equivalem em sua aptidão para garantir a execução do contrato, devendo caber ao contratado a responsabilidade de indicar a modalidade que, sem vulnerar a garantia,
melhor atenda às peculiaridades da estrutura econômico-financeira da empresa. Em verdade, a garantia será mais eficaz na medida em que efetivamente corresponda à capacidade conjuntural e estrutural da empresa contratada para fazer face aos encargos do contrato.[11]
Feitas as devidas considerações acerca da garantia contratual básica, é possível passar ao ponto de questionamento do trabalho. Qual seria o momento adequado para a apresentação da garantia pelo futuro contratado? Veja-se que a Lei de Licitações é omissa quanto a isso. Em razão da finalidade da garantia de proporcionar segurança à Administração no que se refere ao cumprimento das obrigações contratuais, é possível defender que o futuro contratado deverá prestar a garantia antes da assinatura do contrato, sendo, inclusive, tal obrigação indispensável para a celebração da avença. Nesse sentido, formou-se o entendimento emanado pelo Tribunal de Contas da União no Acórdão nº 401/2008-Plenário, na ocasião determinando ao seu jurisdicionado para que “exija a comprovação da prestação da garantia contratual antes da celebração do respectivo termo, em cumprimento ao art. 56 da Lei nº 8.666/1993”[12]. Essa tese, a nosso ver, é completamente defensável, e está alinhada ao resguardo do interesse público espelhado no aumento da segurança do contrato. No entanto, esse entendimento se formou sem levar em conta uma prática usual de mercado, na qual as instituições financeiras e empresas seguradoras apenas operacionalizam fianças bancárias e seguros-garantias, respectivamente, mediante a apresentação do contrato assinado que se pretende “caucionar”.
Inicialmente, antes de se apresentarem como institutos de direito administrativo, as garantias pertencem ao universo do direito privado e, como regra, se identificam como um contrato acessório intrinsecamente ligado a um contrato principal[13]. Especificamente sobre a fiança bancária[14], Fran Martins ensina que se trata de “um contrato acessório, tendo a sua formação subordinada à existência de um contrato principal”[15]. Seguindo essa mesma teoria, a Circular Susep nº 232, de junho de 2003, que trata das apólices do seguro-garantia, define essa modalidade de garantia como o “seguro que garante o fiel cumprimento das obrigações assumidas pelo tomador no contrato principal, conforme os termos da apólice” (destacamos). Ciente dessas características, a Lei de Licitações, ao prever a garantia contratual básica, o fez no capítulo referente aos contratos, sendo que, em seu art. 55, VI, a elege, quando exigida em edital, como cláusula necessária dos contratos. Diante desses argumentos, o que se pretende demonstrar é que o seguro-garantia e a fiança bancária se apresentam na forma de um contrato acessório, cujo objeto é a segurança do contrato principal, no caso o contrato administrativo. Assim, a existência de tais contratos acessórios depende estritamente do contrato administrativo, só gerando efeitos no caso do descumprimento deste[16]. Logo, a formalização – diga-se, a existência jurídica – do contrato administrativo é pressuposto para a celebração dos contratos de garantia.
Em face disso, parece pertinente e lógico admitir a apresentação dessas modalidades de garantia após a assinatura do contrato administrativo que se pretende assegurar. Em atenção à comentada realidade de mercado, o próprio TCU flexibilizou a tendência em exigir a prestação das garantias, em especial fiança bancária e seguro-garantia, antes da assinatura do ajuste. Na oportunidade a Corte de Contas, no Acórdão nº 361/2007-Plenário, acatou as justificativas referentes à prestação de garantia pelo contratado posteriormente à assinatura do contrato com a Administração. Segue trechos da decisão: [RELATÓRIO] b.4) as garantias exigidas na assinatura dos Contratos nºs 01.0528.2004 e 21.0118.2004 somente foram prestadas pela [...] e pela [...] em 29.09.2004 e em meados de novembro de 2004, em desacordo com as cláusulas décima terceira e décima segunda, respectivamente. 19.1 Razões de justificativas do Sr. [...] 19.1.1 À exceção da alínea “b.4)”, os argumentos expendidos por esse responsável são os mesmos dos responsáveis do item anterior. 19.1.2 Em relação à alínea “b.4)”, apresenta o responsável as seguintes justificativas:
II) os contratos atuais já contemplam tal sistemática;
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Em razão dessa realidade, o presente trabalho apresentará argumentos com a intenção de flexibilizar tal raciocínio, possibilitando a apresentação de garantias, em especial a fiança bancária e seguro-garantia, após a assinatura do contrato.
III) não houve utilização de tais garantias ante a perfeita execução dos contratos.
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I) tendo em vista não existir, na Lei nº 8.666/1993, previsão de quando deverá ser apresentada a garantia contratual, e considerando a prática bancária de só conceder fiança ou seguro à vista do contrato assinado, foi permitido às empresas apresentarem suas garantias até o primeiro pagamento, condicionando quaisquer pagamentos a tal apresentação;
[...] 19.2.2 Quanto ao alegado em relação à alínea “b.4)”, sou da opinião que há razoabilidade nas ponderações oferecidas no sentido de oferecer prazo para o contratado apresentar as garantias contratuais exigidas. 19.2.3 Apesar de existir cláusula determinando que a prestação das garantias fosse concomitante à celebração da avença, entendo que a liberalidade adotada pela Dataprev de conceder reduzido prazo para tal prestação não prejudicou a finalidade dessas garantias nem se constituiu em vantagem indevida para as contratadas em detrimento de terceiros, até mesmo porque a contratação foi realizada com dispensa de licitação. 19.2.4 Assim sendo, cumpre acatar as razões de justificativas apresentadas pelo responsável relativamente à alínea “b.4)”. [...] [Voto do Ministro Relator] 2. Quanto ao mérito, manifesto-me de acordo com a análise promovida pela Unidade Técnica no sentido de considerar parcialmente procedente a presente representação, tendo em vista que restou comprovada parte dos fatos denunciados pela representante. Assim acolho a proposta formulada pela Secex/RJ no sentido de: a) considerar revel o Sr. José Jairo Ferreira Cabral;
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b) acolher as razões de justificativa apresentadas pelos responsáveis a seguir identificados, vez que lograram descaracterizar as irregularidades inicialmente apontadas:
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[...] b.5) [...] e as garantias exigidas na assinatura dos Contratos nºs 01.0528.2004 e 21.0118.2004, somente foram prestadas pela GLS e pela Conbrás em 29.09.2004 e em meados de novembro de 2004, em desacordo com as cláusulas décima terceira e décima segunda, respectivamente); c) reverter em proveito do Sr. José Jairo Ferreira Cabral as razões de justificativa apresentadas pelo Sr. José Roberto Borges da Rocha Leão para as ocorrências destacadas no subitem acima. (destacamos)
Após, o Tribunal de Contas da União assentou o entendimento por meio do seu Manual de Licitações e Contratos: Segundo visto anteriormente (no título “Garantia de participação”), garantia de contrato geralmente só é feita por instituições financeiras após assinatura do termo. Assim, é muito importante que conste do edital e do contrato prazo suficiente para que o futuro contratado possa apresentar o documento de garantia exigido.[17]
Observe, ainda, que o TCU, a despeito de permitir a apresentação das garantias após a assinatura do contrato, recomenda que a Administração estabeleça prazo razoável para que isso seja feito pelo contratado, evitando que tal obrigação fique ao alvitre do particular prolongando o seu cumprimento por tempo indeterminado, causando, aí sim, insegurança ao contrato. Deve-se lembrar, ademais, que a exigência de garantia é decisão de mérito discricionário e, como já comentado, o Administrador deve optar dentro dos limites legais por aquela opção que melhor atenda ao interesse público. Sobre discricionariedade, Celso Antonio Bandeira de Mello: Discricionariedade, portanto, é a margem de liberdade que remanesça ao administrador para eleger, segundo critérios consistentes de razoabilidade, um dentre pelo menos dois comportamentos cabíveis, perante cada caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a solução mais adequada à satisfação da finalidade legal, quando por força da fluidez das expressões da lei ou da liberdade conferida no mandamento, dela não se possa extrair objetivamente, uma solução unívoca para a situação vertente.[18]
A nosso ver, a discricionariedade, no que se refere às garantias, não se limita à decisão de fazer ou não tal exigência, também recaindo sobre a decisão acerca do momento que deverá o particular prestar tal garantia, se antes ou após a assinatura da avença, já que a lei não o faz.
Importante frisar que, se a Administração desconsidera tal realidade, está causando a restrição do direito dos licitantes em optar por qualquer das formas de garantia previstos na Lei de Licitações, em evidente contrariedade ao interesse público. A interpretação atribuída à norma deve ser aquela que compatibilize a persecução do interesse público, representado no aumento do número de licitantes e, consequentemente, no aumento da competitividade (art. 3º, § 1º, I, da Lei nº 8.666/1993), com o resguardo do direito dos licitantes em optar pela apresentação da garantia que melhor lhes aprouver, sem que, ao final disso, se verifique prejuízo à segurança da execução do contrato. Diante desse panorama, com o fim de garantir a efetividade da lei no que se refere à escolha da modalidade de garantia pelo particular, é possível sugerir à Administração que estabeleça no próprio instrumento convocatório prazo razoável para a apresentação da garantia, após a assinatura do contrato e antes do início de sua execução. Oportunizando ao contratado a apresentação da “caução” em prazo razoável, após a assinatura do contrato, cabe indagar qual seria o reflexo do não cumprimento de tal obrigação. Lembrando, mais uma vez, que a garantia contratual básica, na Lei de Licitações, está prevista no capítulo referente aos contratos e não se confunde com as garantias para fins de habilitação econômico-financeira (art. 31, § 2º) ou com a garantia adicional
(art. 48, § 2º), e a não apresentação em momento oportuno gera uma inexecução contratual. Diante disso, resta saber qual a consequência dessa inexecução. Observe que, como visto, a garantia, quando prevista em edital, segundo a Lei de Licitação, em seu art. 55, é erigida à condição de cláusula necessária do contrato. Assim, a nosso ver, sendo uma cláusula necessária, o cumprimento da determinação ali contida é condição inafastável para a manutenção do ajuste. Portanto, se o contratado da Administração não apresentar a garantia no momento correto, configurar-se-á inexecução contratual passível de rescisão unilateral pela Administração, nos moldes dos arts. 58, II, 77, 78, I, e 79, I, da Lei nº 8.666/1993, transcritos a seguir: Art. 58. O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de: [...] II – rescindi-los, unilateralmente, nos casos especificados no inciso I do art. 79 desta Lei; [...] Art. 77. A inexecução total ou parcial do contrato enseja a sua rescisão, com as consequências contratuais e as previstas em lei ou regulamento. Art. 78. Constituem motivo para rescisão do contrato: I – o não cumprimento de cláusulas contratuais, especificações, projetos ou prazos; [...] Art. 79. A rescisão do contrato poderá ser: I – determinada por ato unilateral e escrito da Administração, nos casos enumerados nos incisos I a XII e XVII do artigo anterior; [...].
Sobre a rescisão dos contratos pela Administração, válida a lição de Marçal Justen Filho:
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Destaca-se, com isso, que a exigência de garantia deve ser feita com vistas a minimizar seus efeitos quanto à restrição do número de interessados na contratação. Por conta disso, a Administração, tendo conhecimento das práticas de mercado, no que se refere à concessão de fiança bancária e seguro-garantia mediante apresentação do contrato assinado, deve buscar compatibilizar tal realidade com a forma que se dará a exigência das garantias.
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A interpretação do art. 78, como não poderia deixar de ser, tem de ser norteada pelo princípio da indisponibilidade dos interesses fundamentais. [...] Sempre que a Administração pretender a rescisão do contrato por inadimplemento do particular, deverá evidenciar não apenas a concretização de uma das hipóteses do art. 78. É fundamental apontar o vínculo entre essa conduta e a lesão aos interesses fundamentais. [...] O inciso I alude, portanto, à hipótese de inadimplemento absoluto. Indica a situação em que o sujeito pratica condutas que tornam inviável a execução do contrato.[19]
Dessa feita, ao não prestar a garantia em momento oportuno, o particular descumpriu cláusula do contrato ensejando por parte da Administração dever em rescindir o contrato. Rescisão, segundo Hely Lopes Meirelles,
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é o desfazimento do contrato durante sua execução por inadimplência de uma das partes, pela superveniência de eventos que impeçam ou tornem inconveniente o prosseguimento do ajuste ou pela ocorrência de fatos que acarretem seu rompimento de pleno direito.[20]
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Observe, então, que a manutenção do contrato sem o seu “caucionamento” torna-se inconveniente em razão dos riscos para a Administração. Logo, brota o dever do gestor de rescindir unilateralmente o contrato com o fim de resguardar o interesse público. No entanto, sem prejuízo desse raciocínio, a Administração poderá dar solução ao caso por meio de previsão editalícia, atribuindo de forma expressa consequências decorrentes da conduta do particular em não apresentar a garantia dentro do prazo estipulado. Tratando a apresentação da garantia como obrigação essencial do contrato administrativo, possível traçar paralelo com o art. 81
da Lei de Licitações, pelo qual se caracteriza como descumprimento total de obrigação a “recusa injustificada do adjudicatário em assinar o contrato, aceitar ou retirar o instrumento equivalente, dentro do prazo estabelecido pela Administração”. Dessa forma, a consolidação do contrato administrativo fica atrelada à apresentação da garantia no prazo estabelecido pela Administração. Em não se cumprindo tal obrigação, resta caracterizada a inexecução total do ajuste. Com isso, o que se sugere é que a Administração traga no edital previsão no sentido de que a não apresentação da garantia dentro do prazo estabelecido gera a rescisão unilateral da avença. Em síntese, poderá a Administração estipular em edital prazo para a apresentação da garantia em momento posterior à assinatura do contrato e antes da emissão da ordem de serviço, marco de início da execução do contrato, sob pena de rescisão unilateral em caso de descumprimento de tal obrigação. Feitas essas considerações, poder-se-ia questionar tal procedimento quando se tratar da contratação de serviços de natureza contínua, prevista no art. 57, II, da Lei nº 8.666/1993[21]. Nessa hipótese, parece-nos que a solução não se afasta da lógica até o momento defendida. Veja que o art. 56, § 2º, dispõe que a garantia terá seus valores atualizados nas mesmas condições do contrato principal. Ou seja, no caso de qualquer alteração do valor contratual, como no caso da atualização para fins de prorrogação, a garantia seguirá a mesma sorte. Dessa feita, ao se prorrogar a duração da vigência dos contratos de natureza continuada, a garantia deverá ser renovada pela contratada.
Então, ao final deste trabalho, a conclusão é de que, em atenção às práticas de mercado realizadas pelas instituições financeiras e seguradoras, deve a Administração permitir a apresentação das garantias, em especial fiança bancária e seguro-garantia após a assinatura do contrato administrativo. Isso se justifica ao se analisar a natureza da garantia como sendo a de um contrato acessório, cuja existência depende do contrato administrativo. Além disso, a apresentação da garantia é uma obrigação contratual e não do procedimento licitatório, logo deverá ser exigida após a assinatura do termo entre Administração e particular. É importante que a Administração estabeleça prazo razoável para a apresentação da garantia pelo particular, contado da data da assinatura do contrato, suficiente para viabilizar as garantias junto às instituições financeiras ou seguradoras, porém não estendido o suficiente a ponto de causar a insegurança da execução do contrato. A sugestão é que a apresentação da garantia deva ocorrer antes da emissão da ordem de serviço pela Administração Pública. Por fim, tratando-se de uma obrigação contratual e de suma importância, cujo descumprimento torna inconveniente o prosseguimento do ajuste, vindo o particular a inadimplir tal obrigação, a Administração deverá rescindir unilateralmente o contrato administrativo.
Tal consequência também pode ser abarcada por previsão editalícia, prevendo-se que o não cumprimento dessa obrigação gera inexecução total do contrato passível de rescisão unilateral.
NOTAS [1] Diversos autores criticam, nesse aspecto, a Lei nº 8.666/1993, que trouxe novamente ao ordenamento jurídico a possibilidade de se exigir garantia da proposta, que havia sido abolida pelo Decreto-Lei nº 2.300/1986. Ocorre que, segundo parte da doutrina, essa exigência afronta diretamente o inciso XXI do art. 37 da Constituição da República, o qual prega que somente se admitem as exigências mínimas necessárias a garantir a execução do contrato. Nesse sentido: JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 14. ed. São Paulo: Dialética, 2010. p. 479. [2] Para melhores esclarecimentos sobre o art. 48, §§ 1º e 2º, da Lei nº 8.666/1993, vide MENDES, Renato Geraldo. O regime jurídico da contratação pública. Curitiba: Zênite, 2008. [3] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Temas polêmicos sobre licitações e contratos. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 235. [4] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella; RAMOS, Dora M. de O.; SANTOS, Marcia W. B.; D’AVILA, Vera L. M. Temas polêmicos sobre licitações e contratos. 5. ed. rev. e ampl. São Paulo: PC Editorial Ltda., 2001. p. 286. [5] Nesse sentido, Joel de Menezes Nieburh: “Ou seja, é a autoridade competente quem decide, de modo discricionário, sobre a conveniência ou inconveniência em exigir garantia contratual básica. A propósito, se ela quiser fazê-lo, é necessário prever a prestação da garantia no próprio instrumento convocatório e no contrato, tudo por obediência ao princípio da vinculação ao instrumento convocatório.” (NIEBUHR, Op. cit., p. 421) [6] Idem. [7] Idem. [8] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Op. cit., p. 288. [9] Brasil. Tribunal de Contas da União. Licitações e contratos: orientações e jurisprudência do TCU/Tribunal de Contas da União. 4. ed. rev., atual. e ampl. Brasília: TCU, Secretaria-Geral da Presidência, Senado Federal, Secretaria Especial de Editoração e Publicações, 2010. p. 738.
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Sendo a prorrogação formalizada por termo aditivo, segue-se a mesma sistemática anteriormente apresentada, devendo a Administração conceder prazo para que a contratada renove sua fiança bancária ou seguro-garantia junto às instituições financeiras ou seguradoras, mediante a apresentação do termo aditivo assinado. A apresentação da garantia deverá ocorrer anteriormente à emissão de nova ordem de serviço pela Administração, sob pena de não prorrogação do contrato.
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[10] MOTTA, Carlos Pinto Coelho. Eficácia nas licitações & contratos: estrutura da contratação, concessões e permissões, responsabilidade fiscal, pregão – Parecerias público privadas. 10. ed. rev. e atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. p. 460. [11] PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres. Comentários à lei de licitações e contratações da administração pública. 6. ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 579. [12] Ainda, segue no mesmo sentido Edmir Netto de Araújo, afirmando que a prestação da garantia deverá ocorrer antes da assinatura do contrato (ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de direito administrativo. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 654). [13] Assevera Lúcia Valle Figueiredo que, “deveras, constitui a garantia um contrato acessório” (FUIGUEIREDO, Lucia Valle. Extinção dos contratos administrativos. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 27).
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[14] Referida por Marcos Juruena Villella Souto como caução fidejussória, explica que “no Direito brasileiro, assume forma de verdadeira estipulação em favor de terceiro; em outras palavras, a fiança é um contrato acessório firmado entre o contratado/afiançado com seu fiador, cuja beneficiária é a Administração/contratante, que assume, com isso, legitimidade para figurar no polo ativo, para executar a garantia, e no polo passivo, em eventual ação do fiador, para, nos termos do art. 1.500 do Código Civil [o autor se referiu ao Código Civil de 1916], exonerar-se da fiança”
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(SOUTO, Marcos Juruena Villela. Licitações & contratos administrativos. 3. ed., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Ed. Esplanada, 1998. p. 297). [15] MARTINS, Fran. Contratos e obrigações comerciais. 14. ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 322. [16] FIGUEIREDO, Lucia Valle. Op. cit. [17] Brasil. Tribunal de Contas da União. Licitações e contratos: orientações e jurisprudência do TCU/Tribunal de Contas da União. 4. ed. rev., atual. e ampl. Brasília: TCU, Secretaria-Geral da Presidência, Senado Federal, Secretaria Especial de Editoração e Publicações, 2010. p. 739. [18] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Discricionariedade e controle jurisdicional. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 48. [19] JUSTEN FILHO, Marçal. Op. cit., p. 833/835. [20] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 228. [21] “Art. 57. A duração dos contratos regidos por esta Lei ficará adstrita à vigência dos respectivos créditos orçamentários, exceto quanto aos relativos: [...] II – à prestação de serviços a serem executados de forma contínua, que poderão ter a sua duração prorrogada por iguais e sucessivos períodos com vistas à obtenção de preços e condições mais vantajosas para a administração, limitada a sessenta meses; [...].”
Doutrina
Da Não Incidência de Contribuição Previdenciária sobre as Férias e Terço Constitucional de Férias Pagas aos Trabalhadores Portuários Avulsos MAXWEEL SULÍVAN DURIGON MENEGHINI
Advogado, Graduado em Direito na Universidade Federal do Rio Grande, Pós-Graduado em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas.
RESUMO: Há algum tempo discute-se, no meio jurídico de nosso País, seja na doutrina ou na jurisprudência, a respeito da não incidência de contribuição previdenciária, seja ela patronal ou do empregado, sobre verbas de natureza indenizatória pagas aos trabalhadores pelos empregadores ou pelas entidades equiparadas. O trabalhador portuário avulso regido pela Lei nº 12.815/2013, que revogou a Lei nº 8.630/1993 e a Lei nº 9.719/1998, mantém registro/cadastro junto ao Órgão de Gestão de Mão de Obra, o qual, através de um sistema rodiziário de escalação, fornece a mão de obra avulsa aos operadores portuários. Findo o turno trabalhado, o OGMO arrecada dos tomadores de serviços os valores devidos aos avulsos pelo trabalho prestado, bem como recolhe os impostos e as contribuições incidentes sobre a remuneração paga aos trabalhadores portuários avulsos. O objetivo do presente estudo é demonstrar que os valores pagos proporcionalmente aos trabalhadores portuários avulsos a cada trabalho prestado aos tomadores de serviço, a título de férias e terço
de férias, não se tratam de verbas de natureza remuneratória, mas de verbas de caráter indenizatório. Demonstrada a natureza indenizatória das férias pagas aos portuários avulsos, descabe a incidência da contribuição previdenciária “quota patronal”, recolhida pelo OGMO, assim como a porcentagem do trabalhador que é retirada e recolhida pelo OGMO aos cofres públicos. PALAVRAS-CHAVE: Trabalhador; portuário; avulso; contribuição; previdenciária; não incidência; férias; indenização; órgão gestor. ABSTRACT: For some time it is discussed in the legal environment of our country, either in doctrine or jurisprudence regarding non social security contribution either employer or employee, on amounts of indemnities paid to workers by employers or entities. The temporary port workers governed by Law 12.815/2013, which repealed Law 8.630/1993, and Law 9.719/1998, keeps track/registration with the Board of Management of Labor, which through a system release escalation, provides the manpower to spare Port Operators. After the shift worked, the OGMO collects from borrowers services amounts owed to loose for work done, as well as collects the taxes levied on the compensation paid to temporary workers. The aim of this study is to demonstrate that the amounts paid in proportion to temporary workers each work provided to borrowers to service title and third vacation homes, these are not remunerative nature of money, but of indemnities. Demonstrated the compensatory nature of paid leave to port workers, descabe incidence employer share of social security contributions collected by the OGMO, as well as the percentage of the worker who is withdrawn and collected by OGMO public coffers. KEYWORDS: Worker; port; loose; contributions; pension; no impact; vacation; compensation; management agency. SUMÁRIO: Introdução; 1 Contribuições; 1.1 Conceitos gerais; 1.2 Contribuições de Seguridade Social; 1.3 Contribuições de Seguridade Social previdenciária do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada; 1.4 Contribuição do segurado empregado e do trabalho avulso; 2 Do trabalho portuário avulso; 2.1 Do trabalhador portuário avulso e suas atividades; 2.2 Do Órgão de Gestão de Mão de Obra –
OGMO; 3 Da não incidência de contribuições previdenciárias sobre as férias e terço de constitucional de férias pagas aos trabalhadores portuários avulsos; 3.1 Da natureza indenizatória das férias pagas aos trabalhadores portuários avulsos; 3.2 Da não incidência das contribuições previdenciárias sobre as férias e terço de férias pagas aos trabalhadores portuários avulsos – Quota patronal; 3.3 Da não incidência das contribuições previdenciárias sobre as férias e terço de férias pagas aos trabalhadores portuários avulsos – Quota empregado; Conclusão; Referências.
INTRODUÇÃO Tradicionalmente, o art. 195, I, a, da CRFB é bastante claro quando determina que a Seguridade Social será financiada por toda a sociedade, além das contribuições incidentes sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho.
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Apenas pela leitura de tal dispositivo constitucional já se percebe que as férias indenizadas e o terço de férias indenizadas pagas aos trabalhadores não podem ser incluídos na base de cálculo da contribuição para o custeio da Seguridade Social pelo simples motivo de que tais verbas não possuem natureza jurídica de rendimento ou salarial.
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Seguindo a orientação constitucional, foi editado o art. 22, I, da Lei nº 8.212/1991 que determina expressamente qual é à base de cálculo da contribuição que fica a cargo da empresa, apenas se referindo às remunerações pagas. O art. 28 da referida lei exclui expressamente da base de cálculo da contribuição para custeio da Seguridade Social as férias indenizadas e o terço de férias indenizadas adimplidas pelos empregadores aos seus funcionários. O trabalhador portuário avulso não possui vínculo empregatício, quer com o Órgão Gestor de Mão de Obra, quer com as empresas para as quais presta serviços (operadores portuários)
quando requisitados ao OGMO. A relação de trabalho intermediada pelo OGMO entre o avulso e os tomadores de serviço não constitui vínculo empregatício (art. 34 da Lei nº 12.815/2013)1. Com isso, o TPA pode realizar os serviços nos dias e horários que escolher ou preferir, desde que seja escalado dentro do rodízio que é efetuado pelo OGMO. Em caso de falta à escalação ou de recusar a escala oferecida, o trabalhador portuário avulso não sofre nenhuma punição. Deste modo, cumpre observar que a Constituição Federal equiparou os direitos do trabalhador avulso e do trabalhador com vínculo empregatício, no que couber, consoante art. 7º, XXXIV, desse diploma legal. Por isso, a Lei nº 5.085/1966, recepcionada pela CF/1988, entretanto, em que pese a natureza do trabalho do TPA, estabelece a ele o direito de férias anuais remuneradas, conforme se verifica do conteúdo do seu art. 1º. Já o seu art. 2º prevê que, não sendo possível o gozo das férias, cabe ao empregador adimplir ao TPA a indenização correspondente. Como visto, a própria lei que estabelece o direito a férias anuais remuneradas aos TPAs (arts. 1º e 2º) determina que os “empregadores” (no caso que será estudado o próprio OGMO), que mantêm o registro e o cadastro de TPAs, deverá adicionar à remuneração a importância destinada à indenização destas férias, justamente por reconhecer a inviabilidade do TPA de gozá-las da mesma forma que um trabalhador comum, regido na forma prevista na Consolidação das Leis do Trabalho, face à natureza diferenciada do trabalho avulso. Contudo, cabe investigar se o entendimento firmado recentemente na jurisprudência pátria, qual seja, o de desonerar tra1 A referida disposição legal estava prevista na Lei nº 8.630/1993, em seu art. 20, e que foi recentemente revogada pela Lei nº 12.815/2013.
Para chegar ao referido entendimento, primeiramente será feito um rápido estudo sobre as contribuições previdenciárias, seguido de breve comentário sobre o trabalho portuário avulso e as suas peculiaridades. Feitas as referidas considerações, será exposto a respeito da não incidência das contribuições previdenciárias quotas patronal e do trabalhador sobre as férias e o terço de férias pagas ao trabalhador portuário avulso, dada a sua natureza indenizatória. Por fim, cumpre aduzir, preambularmente, que o OGMO de Rio Grande e trabalhadores portuários avulsos registrados ou cadastrados no mesmo obtiveram provimento judicial, no sentido de não recolherem as contribuições previdenciárias sobre as férias e o terço de férias pagas aos avulsos, uma vez que conseguiram demonstrar que as referidas rubricas possuem caráter indenizatório.
1 CONTRIBUIÇÕES 1.1 Conceitos gerais Primeiramente, faz-se necessária uma análise sucinta a respeito de contribuições, a fim de que se tenha uma melhor abordagem do tema em estudo.
Segundo o art. 149 da Constituição Federal de 1988, compete à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, motivo pelo qual Geraldo Ataliba ensina que: “Contribuição é um tributo vinculado cuja hipótese de incidência consiste numa atuação estatal indireta e mediatamente referida ao obrigado”2. O referido entendimento também se encontra na doutrina de Luciano da Silva Amaro (2006, p. 84), ao explicar que a característica da contribuição “está na destinação a determinada atividade estatal, exercitável por entidade estatal ou paraestatal, ou por entidade não estatal reconhecida pelo Estado como necessária ou útil à realização de uma função de interesse público”. Diante disso, adotamos, no presente artigo, o conceito de contribuições elaborado por Hugo de Brito Machado (2010, p. 433), qual seja, o de que a “contribuição social é espécie de tributo, com finalidade constitucionalmente definida, a saber, intervenção no domínio econômico, interesse das categorias profissionais ou econômicas e Seguridade Social”. É induvidoso que a função das contribuições é a de dar aporte financeiro aos cofres do Tesouro Nacional, considerando as suas funções parafiscal e extrafiscal, dependo da classe ou do setor em que incidem. A Constituição vigente possui previsão de diversas contribuições sociais, sendo que podemos subdividi-las em: a) contribuições de intervenção no domínio econômico; b) contribuições de interesse das categorias profissionais ou econômicas; e c) contribuições de Seguridade Social. 2 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6. ed. 11. tir. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 152.
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balhadores e empregadores do recolhimento das contribuições previdenciárias incidentes sobre as férias indenizadas e o terço de férias indenizadas, se aplica também ao trabalhador portuário avulso, dadas as peculiaridades do regime de trabalho desta categoria de obreiro. Conforme afirmado supra, o TPA não goza suas férias, posto que somente trabalha quando responde à escala de trabalho, bem como recebe o pagamento das férias de forma proporcional sobre a remuneração devida por cada trabalho prestado, possuindo o respectivo recebimento da natureza indenizatória.
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No presente estudo nos interessa analisar apenas as contribuições de Seguridade Social incidentes sobre as férias e o terço constitucional de férias pagas aos trabalhadores portuários avulsos, tanto do empregador quanto do trabalhador.
1.2 Contribuições de Seguridade Social A Seguridade Social compreende as ações do Poder Público destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, previdência e assistência social, conforme se depreende da redação do art. 194 da CF/1988.
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A matriz constitucional das contribuições destinadas à Seguridade Social encontra-se nos arts. 149 e 195 da Carta Magna, posteriormente alterados pelas Emendas Constitucionais nºs 20/1998 e 42/2003.
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O art. 195 estabelece que a Seguridade Social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e mediante a arrecadação das contribuições sociais que são divididas entre: a) aquelas devidas pelas empresas; b) as devidas pelos trabalhadores; c) as decorrentes das receitas de concursos de prognósticos; e d) as devidas pelos importadores de bens ou serviços ou de quem a lei a eles equiparar. Ao estudo em liça interessa analisar as contribuições sociais devidas pelas empresas, assim entendido o empregador ou a quem a lei a ele equiparar, e as devidas pelos trabalhadores, sejam eles vinculados, autônomos ou avulsos. Interessante citar a doutrina de Hugo de Brito Machado a respeito do modo através do qual o legislador deve instituir uma contribuição sob pena de incorrer em inconstitucionalidade:
As contribuições, com as quais os empregadores, os trabalhadores e os administradores de concursos de prognósticos financiam diretamente a Seguridade Social, não podem constituir receita do Tesouro Nacional precisamente porque devem ingressar diretamente no orçamento da Seguridade Social. Por isto mesmo, lei que institua contribuição social com fundamento no art. 195 da Constituição Federal indicando como sujeito ativo pessoa diversa da que administra a Seguridade Social viola a Constituição.3
Os magistrados Leandro Paulsen e Andrei Pitten Velloso (2011, p. 118) ressaltam que até o advento da Lei nº 11.457/2007, tinham elas o INSS como sujeito ativo, forte no art. 33 da Lei nº 8.212/1991, com a redação da Lei nº 10.256/2001. Com o advento da Lei nº 11.457/2007, contudo, a posição de sujeito ativo passou à própria União, que administra tais contribuições através da Secretaria da Receita Federal do Brasil.
Feitas as breves considerações supra acerca das contribuições da Seguridade Social, convém, a seguir e antes de adentrarmos na discussão central do presente, analisar as contribuições previdenciárias do empregador e dos trabalhadores.
1.3 Contribuições de Seguridade Social previdenciárias do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada As empresas e entidades a elas equiparadas devem contribuir para o financiamento da Seguridade Social através de contribuições incidentes sobre a folha de salários e os demais pagamentos realizados a pessoas físicas, a receita ou o faturamento e o lucro. 3 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 31. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 438.
Art. 15 Considera-se: I – empresa – a firma individual ou sociedade que assume o risco da atividade econômica urbana ou rural, com fins lucrativos ou não, bem como os órgãos e entidades da administração pública direta, indireta ou fundacional; II – empregador doméstico – a pessoa ou família que admite a seu serviço, sem finalidade lucrativa, empregado doméstico. Parágrafo único. Equipara-se a empresa, para os efeitos desta Lei, o contribuinte individual em relação a segurado que lhe presta serviço, bem como a cooperativa, a associação ou entidade de qualquer natureza ou finalidade, a missão diplomática e a repartição consular de carreira estrangeiras.
Segundo Paulsen e Velloso (2011, p. 110), “atualmente, com a redação atribuída ao art. 195, I, pela EC 20/1998, é expressa a possibilidade de tributação não apenas dos empregadores, mas de quaisquer empresas e, inclusive, de entidades que venham a ser equiparadas a empregadores”. Já o art. 2º da Consolidação das Leis do Trabalho define empregador e equiparados a empregador da seguinte forma: Art. 2º Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço. § 1º Equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relação de emprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados.
Por sua vez, o art. 3º da CLT considera empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.
A incidência da contribuição previdenciária se dá sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício (art. 195, I, a, da CF/1988). Leandro Pausen e Andrei Pitten Veloso, em uma das suas obras a respeito de contribuições, chamam a atenção para os limites que devem ser observados, decorrentes da amplitude do art. 195, I, a, da CF: A referência, na norma de competência, a “rendimentos do trabalhador”, afasta a possibilidade de o legislador fazer incidir a contribuição sobre verbas indenizatórias. Assim, os valores pagos à título de auxílio-creche, de auxílio-transporte e as ajudas de custo em geral, desde que compensem despesa real, não podem integrar a base de cálculo da contribuição previdenciária. Ademais, a base econômica que pode ser objeto de tributação restringe-se à remuneração “paga ou creditada”, conforme se vê da redação do art. 195, I, a, da Constituição. Do mesmo modo, importa considerar que a base econômica abrange a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à “pessoa física” que preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício.4
Portanto, basta identificar se o pagamento foi recebido por pessoa física ou não, bem como qual a natureza do pagamento feito ao trabalhador, se é verba destinada à compensação e com caráter indenizatório, ou salarial paga com habitualidade e que some para fins previdenciários. De acordo com o art. 22 da Lei nº 8.212/1991, as alíquotas a cargo do empregador ou a entidade que a ele é equiparado são as seguintes: Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, é de: 4 PAULSEN, Leandro; VELLOSO, Andrei Pittem. Contribuições: teoria geral, contribuições em espécie. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 112.
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O art. 15 da Lei nº 8.212/1991 não apenas conceitua empresa, como arrola as pessoas que devem ser consideradas equiparadas a empresas para efeito de recolhimento de contribuições de seguridade:
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I – vinte por cento sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, durante o mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos que lhe prestem serviços, destinadas a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços, nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa. II – para o financiamento do benefício previsto nos arts. 57 e 58 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, e daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, no decorrer do mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos: a) 1% (um por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante o risco de acidentes do trabalho seja considerado leve; b) 2% (dois por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado médio; c) 3% (três por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado grave.
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III – vinte por cento sobre o total das remunerações pagas ou creditadas a qualquer título, no decorrer do mês, aos segurados contribuintes individuais que lhe prestem serviços;
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IV – quinze por cento sobre o valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços, relativamente a serviços que lhe são prestados por cooperados por intermédio de cooperativas de trabalho.
Desta feita, dependendo do segmento de atuação de mercado da empresa, a mesma é obrigada a recolher mensalmente 20% sobre a folha de salários, acrescida de 1% a 3% do SAT, terceiros, sistema S e a própria contribuição retida dos empregados de 8% a 11%, variando o total de recolhimentos mensais de 28% a 40% sobre a folha, podendo em casos muito específicos, que não convém discutir, extrapolar esse patamar (Paulsen, 2010, p. 121).
O art. 22, § 2º, da Lei nº 8.212/1991, determina que não integram a remuneração as parcelas de que trata o § 9º do art. 28 da mesma lei, conforme segue: a) os benefícios da previdência social, nos termos e limites legais, salvo o salário-maternidade; b) as ajudas de custo e o adicional mensal recebidos pelo aeronauta nos termos da Lei nº 5.929, de 30 de outubro de 1973; c) a parcela in natura recebida de acordo com os programas de alimentação aprovados pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social, nos termos da Lei nº 6.321, de 14 de abril de 1976; d) as importâncias recebidas a título de férias indenizadas e respectivo adicional constitucional, inclusive o valor correspondente a dobra da remuneração de férias de que trata o art. 137 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 10.12.1997); e) as importâncias: 1. previstas no inciso I do art. 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias; 2. relativas à indenização por tempo de serviço, anterior a 5 de outubro de 1988, do empregado não optante pelo Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS; 3. recebidas a título da indenização de que trata o art. 479 da CLT; 4. recebidas a título da indenização de que trata o art. 14 da Lei nº 5.889, de 8 de junho de 1973; 5. recebidas a título de incentivo à demissão; 6. recebidas a título de abono de férias na forma dos arts. 143 e 144 da CLT; 7. recebidas a título de ganhos eventuais e os abonos expressamente desvinculados do salário; 8. recebidas a título de licença-prêmio indenizada; 9. recebidas a título da indenização de que trata o art. 9º da Lei nº 7.238, de 29 de outubro de 1984; f) a parcela recebida a título de vale-transporte, na forma da legislação própria; g) a ajuda de custo, em parcela única, recebida exclusivamente em decorrência de mudança de local de trabalho do empregado, na forma do art. 470 da CLT; h) as diárias para viagens, desde que não excedam a 50% (cinquenta por cento) da remuneração mensal; i) a importância recebida a título de bolsa de complementação educacional de estagiário, quando paga nos termos da Lei nº 6.494, de 7 de dezembro de 1977; j) a participação nos lucros ou resultados
em substituição de parcela salarial; e 2. o valor mensal do plano educacional ou bolsa de estudo, considerado individualmente, não ultrapasse 5% (cinco por cento) da remuneração do segurado a que se destina ou o valor correspondente a uma vez e meia o valor do limite mínimo mensal do salário-de-contribuição, o que for maior; u) a importância recebida a título de bolsa de aprendizagem garantida ao adolescente até quatorze anos de idade, de acordo com o disposto no art. 64 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990; v) os valores recebidos em decorrência da cessão de direitos autorais; x) o valor da multa prevista no § 8º do art. 477 da CLT; y) o valor correspondente ao vale-cultura. Ainda por força de entendimento do Superior Tribunal de Justiça, não incide contribuição previdenciária sobre o montante pago pela empresa ao empregado nos primeiros quinze dias de afastamento por motivo de auxílio-doença (REsp 836.531/ SC). A alimentação fornecida in natura no estabelecimento da empresa, ainda que não seja cadastrada no PAT (programa de alimentação do trabalhador) (REsp 1051294/PR). Já o STF recentemente decidiu que sobre o vale-transporte pago em dinheiro não incide contribuição previdenciária, ante o seu nítido caráter indenizatório (RE 478.410/SP). Portanto, cabe ao empregador apurar e recolher a contribuição, a seu cargo, sobre as remunerações dos empregados e avulsos até o dia 20 do mês seguinte ao de competência, que nada mais é do que o mês trabalhado, tudo isso forte no art. 30 da Lei nº 8.212/1991. Por fim, convém observar que se a empresa por força de lei for considerada substituta tributária, terá a obrigação de apurar, reter e recolher as contribuições devidas, como no caso das empresas intermediadoras ou de cessão de mão de obra (art. 31 da Lei nº 8.212/1991), como é o caso do OGMO, que, por
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da empresa, quando paga ou creditada de acordo com lei específica; l) o abono do Programa de Integração Social – PIS e do Programa de Assistência ao Servidor Público – Pasep; m) os valores correspondentes a transporte, alimentação e habitação fornecidos pela empresa ao empregado contratado para trabalhar em localidade distante da de sua residência, em canteiro de obras ou local que, por força da atividade, exija deslocamento e estada, observadas as normas de proteção estabelecidas pelo Ministério do Trabalho; n) a importância paga ao empregado a título de complementação ao valor do auxílio-doença, desde que este direito seja extensivo à totalidade dos empregados da empresa; o) as parcelas destinadas à assistência ao trabalhador da agroindústria canavieira, de que trata o art. 36 da Lei nº 4.870, de 1º de dezembro de 1965; p) o valor das contribuições efetivamente pago pela pessoa jurídica relativo a programa de previdência complementar, aberto ou fechado, desde que disponível à totalidade de seus empregados e dirigentes, observados, no que couber, os arts. 9º e 468 da CLT; q) o valor relativo à assistência prestada por serviço médico ou odontológico, próprio da empresa ou por ela conveniado, inclusive o reembolso de despesas com medicamentos, óculos, aparelhos ortopédicos, despesas médico-hospitalares e outras similares, desde que a cobertura abranja a totalidade dos empregados e dirigentes da empresa; r) o valor correspondente a vestuários, equipamentos e outros acessórios fornecidos ao empregado e utilizados no local do trabalho para prestação dos respectivos serviços; s) o ressarcimento de despesas pelo uso de veículo do empregado e o reembolso-creche pago em conformidade com a legislação trabalhista, observado o limite máximo de seis anos de idade, quando devidamente comprovadas as despesas realizadas; t) o valor relativo a plano educacional, ou bolsa de estudo, que vise à educação básica de empregados e seus dependentes, e desde que vinculada às atividades desenvolvidas pela empresa, à educação profissional e tecnológica de empregados, nos termos da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e: 1. não seja utilizado
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força das Leis nºs 12.815/2013 (arts. 32 e 33)5 e 9.719/1998 (art. 2º, § 4º), é responsável pela arrecadação da remuneração e dos valores dos encargos sociais, fiscais e previdenciários incidentes que devem ser pagos aos trabalhadores portuários avulsos cuja mão de obra foi cedida aos operadores portuários.
1.4 Contribuição do segurado empregado e do trabalhador avulso Após analisarmos as contribuições devidas pelo empregador ou pela entidade a ele equiparada, cabe esclarecer que os empregados com vínculo empregatício, os domésticos e os avulsos também possuem obrigação legal de recolherem mensalmente contribuição previdenciária sobre o seu salário mensal ou sobre a remuneração que auferem.
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Interessa para o presente artigo, expor sobre a contribuição dos trabalhadores avulsos, que é retida pelo empregador ou pela entidade intermediadora de mão de obra e recolhida mensalmente aos cofres do Erário.
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De acordo com o inciso VI do art. 12 da Lei nº 8.212/1991, o trabalhador avulso é segurado obrigatório: “VI – como trabalhador avulso: quem presta, a diversas empresas, sem vínculo empregatício, serviços de natureza urbana ou rural definidos no regulamento”.
A supracitada legislação conceitua salário-de-contribuição para o avulso, em seu art. 28, inciso I, como sendo a remuneração auferida em uma ou mais empresas, assim entendida a totalidade dos rendimentos pagos, devidos ou creditados a qualquer título, durante o mês, destinados a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços, nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa. A incidência mínima para o salário-de-contribuição, por força dos §§ 3º e 4º do art. 28 da Lei nº 8.212/1991, é sobre o salário-mínimo ou o salário-base da categoria a qual pertença o trabalhador. O valor máximo, por sua vez, encontra-se estabelecido em lei com reajustamento periódico, conforme dispõe o § 5º do mesmo artigo de lei. As alíquotas que incidem sobre o salário-de-contribuição dos trabalhadores, sejam eles vinculados, domésticos, avulsos e demais trabalhadores, estão previstas no art. 20 da Lei nº 8.212/1991. As alíquotas variam entre 8% e 11%, dependendo da faixa de contribuição em que se enquadram os ganhos do trabalhador.
A contribuição do empregado, inclusive o doméstico, e a do trabalhador avulso é calculada mediante a aplicação da correspondente alíquota sobre o seu salário-de-contribuição mensal, de forma não cumulativa, conforme dispõe o art. 20 da Lei nº 8.212/1991.
Por força do disposto no art. 30 da Lei nº 8.212/1991, as empresas ou entidades a ela equiparadas possuem a obrigação de reter e recolher a contribuição previdenciária devida pelo trabalhador, sempre até o dia 20 do mês subsequente ao da competência em que o trabalhador recebeu o seu salário ou a sua remuneração:
5 A Lei nº 8.630/1993, que foi revogada, também previa as mesmas obrigações nos arts. 18 e 19.
Art. 30. A arrecadação e o recolhimento das contribuições ou de outras importâncias devidas à Seguridade Social obedecem às seguintes normas:
a) arrecadar as contribuições dos segurados empregados e trabalhadores avulsos a seu serviço, descontando-as da respectiva remuneração; b) recolher os valores arrecadados na forma da alínea a deste inciso, a contribuição a que se refere o inciso IV do art. 22 desta Lei, assim como as contribuições a seu cargo incidentes sobre as remunerações pagas, devidas ou creditadas, a qualquer título, aos segurados empregados, trabalhadores avulsos e contribuintes individuais a seu serviço até o dia 20 (vinte) do mês subsequente ao da competência; [...].
Feitas as referidas considerações sobre a contribuição previdenciária devida pelos trabalhadores vinculados, domésticos, avulso e outros tipos de empregados, passamos a discorrer sobre o trabalho portuário avulso, para posteriormente analisarmos a questão proposta no presente, qual seja, a não incidência de contribuição previdenciária sobre a quota patronal, e do empregado sobre as férias e o terço de férias pagas aos trabalhadores portuários avulsos, uma vez que se trata de verba de natureza indenizatória e não sujeita a tributação.
2 DO TRABALHO PORTUÁRIO AVULSO Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o cenário portuário nacional sofreu diversas mudanças em sua sistemática, entre elas a igualdade de direitos entre os trabalhadores com vínculo empregatício a prazo indeterminado e os trabalhadores avulsos. A referida equiparação de direitos se encontra prevista no art. 7º, inciso XXXIV, da Constituição Federal. Contudo, a amplitude do inciso XXXIV do art. 7º da CF/1988 não pode ser relativizada, consubstanciando-se apenas em igualdade jurídica e não em igualdade formal, já que o trabalho avulso não se compara materialmente ao trabalho a prazo indeterminado. O referido dispositivo deve ser aplicado com parcimônia e apenas no que efetivamente couber.
Neste sentido, defendendo a aplicação relativa da isonomia ao trabalhador avulso, o saudoso Arnaldo Süssekind ensinava que o art. 7º, XXXIV, da CF não tinha o condão de equiparar de maneira absoluta avulsos e vinculados, mas deveria ser interpretada com cautela, naquilo que caiba, observadas as peculiaridades destas relações de trabalho: A Lei Maior, no inciso XXXIV do art. 7º, preceitua a igualdade de direitos entre o trabalhador avulso e o empregado. Trata-se de mera fantasia, pois a norma jurídica não tem o condão de solucionar o impossível. Essa pretendida isonomia há de ser respeitada – no que couber. Como, por exemplo, assegurar ao trabalhador avulso a indenização por despedida, se não sendo ele empregado, jamais poderia ser despedido. Como garantir-lhes participação nos lucros, nos resultados ou na gestão de empresas tomadoras de serviços, se entre estas e os trabalhadores escalados estabelece-se relação jurídica efêmera?6
Para que efetivamente fossem alçados direitos iguais aos trabalhadores portuários avulsos em relação àqueles dos trabalhadores com vínculo empregatício, foi editada a Lei de Modernização dos Portos (Lei nº 8.6030/1993), legislação que acarretou uma grande reestruturação no sistema portuário brasileiro. A referida lei foi recentemente revogada pela Lei nº 12.815/2013, todavia as suas disposições foram mantidas quase que integralmente no que se refere ao trabalho portuário avulso. As alterações referem-se ao sistema de concessão, arrendamento ou até mesmo de privatização dos portos públicos brasileiros, visando a aumentar a competitividade do Brasil neste segmento. A Lei nº 8.630/1993 incentivou a negociação coletiva na área portuária, por meio de contratos, acordos e convenções coletivas de trabalho, fortalecendo a presença das entidades sindicais. Todavia, acabou com a intermediação da mão de obra avulsa 6 SÜSSEKIND, Arnaldo. Curso de direito do trabalho. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p.103.
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I – a empresa é obrigada a:
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exercida por estas, criando a figura do Órgão Gestor de Mão de Obra (OGMO), visando a estabelecer a igualdade de oportunidades de trabalho aos trabalhadores avulsos. Dadas as particularidades e peculiaridades que norteiam o trabalho portuário avulso e as operações portuárias, a referida lei privilegiou a negociação coletiva entre os sindicatos patronal e obreiro, visando à manutenção das oportunidades de trabalho dos avulsos junto aos operadores portuários e a melhor competitividade dos portos brasileiros junto ao cenário internacional.
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O OGMO passou a realizar o gerenciamento da mão de obra portuária avulsa, promovendo a habilitação e o treinamento dos trabalhadores, aplicando penalidades, efetuando a remuneração, recolhendo encargos fiscais e zelando pelo cumprimento das normas de saúde e segurança no trabalho. A atuação do OGMO está estritamente atrelada ao conteúdo das normas coletivas de trabalho. Na vacância destas, deve observar o disposto na legislação especial aplicável ao avulso e na lacuna desta, aquilo constante na CLT.
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Desta feita, o OGMO é responsável por recolher dos tomadores de serviços os valores para pagamento da remuneração devida aos trabalhadores avulsos que prestaram serviços àqueles, assim como deve recolher e adimplir os encargos fiscais, previdenciários e trabalhistas que incidem sobre a referida remuneração, conforme será mais bem explicado adiante.
2.1 Do trabalhador portuário avulso e suas atividades São considerados trabalhos portuários avulsos as atividades de capatazia, estiva, conferência, conserto, vigilância e bloco. E podem ser realizados tanto a bordo das embarcações quanto em terra nos cais públicos ou em terminais públicos ou privados.
Como rezava o art. 57, § 3º, da Lei nº 8.630/1993, cujas disposições foram mantidas pela Lei nº 12.815/2013 em seu art. 40, § 1º, as atividades antes referidas são definidas da seguinte forma: § 1º Considera-se: I – Capatazia: a atividade de movimentação de mercadorias nas instalações de uso público, compreendendo o recebimento, conferência, transporte interno, abertura de volumes para a conferência aduaneira, manipulação, arrumação e entrega, bem como o carregamento e descarga de embarcações, quando efetuados por aparelhamento portuário; II – Estiva: a atividade de movimentação de mercadorias nos conveses ou nos porões das embarcações principais ou auxiliares, incluindo o transbordo, arrumação, peação e despeação, bem como o carregamento e a descarga das mesmas, quando realizados com equipamentos de bordo; III – Conferência de carga: a contagem de volumes, anotação de suas características, procedência ou destino, verificação do estado das mercadorias, assistência à pesagem, conferência do manifesto, e demais serviços correlatos, nas operações de carregamento e descarga de embarcações; IV – Conserto de carga: o reparo e restauração das embalagens de mercadorias, nas operações de carregamento e descarga de embarcações, reembalagem, marcação, remarcação, carimbagem, etiquetagem, abertura de volumes para vistoria e posterior recomposição; V – Vigilância de embarcações: a atividade de fiscalização da entrada e saída de pessoas a bordo das embarcações atracadas ou fundeadas ao largo, bem como da movimentação de mercadorias nos portalós, rampas, porões, conveses, plataformas e em outros locais da embarcação; VI – Bloco: a atividade de limpeza e conservação de embarcações mercantes e de seus tanques, incluindo batimento de ferrugem, pintura, reparos de pequena monta e serviços correlatos.
O trabalhador portuário avulso é uma categoria de trabalhador específica, tendo características bem peculiares como, por exemplo, a intermediação do Órgão Gestor de Mão de Obra, ausência de subordinação, impessoalidade e liberdade de escolha quanto ao trabalho ofertado.
VI – como trabalhador avulso – aquele que, sindicalizado ou não, presta serviço de natureza urbana ou rural, a diversas empresas, sem vínculo empregatício, com a intermediação obrigatória do órgão gestor de mão-de-obra, nos termos da Lei nº 8.630, de 25 de fevereiro de 1993, ou do sindicato da categoria, assim considerados: a) o trabalhador que exerce atividade portuária de capatazia, estiva, conferência e conserto de carga, vigilância de embarcação e bloco; b) o trabalhador de estiva de mercadorias de qualquer natureza, inclusive carvão e minério; c) o trabalhador em alvarenga (embarcação para carga e descarga de navios); d) o amarrador de embarcação; e) o ensacador de café, cacau, sal e similares; f) o trabalhador na indústria de extração de sal; g) o carregador de bagagem em porto; h) o prático de barra em porto; i) o guindasteiro; e j) o classificador, o movimentador e o empacotador de mercadorias em portos; [...].
Na visão de Arnaldo Bastos Santos Neto e Paulo Sérgio Xavier Ventilari: As características marcantes do trabalho avulso são a prestação de serviços de forma descontínua a diversos tomadores de serviços e a intermediação através de sindicato, ou, como nos portos, através do OGMO – Órgão Gestor de Mão-de-obra Portuária. Sendo a desconti-
nuidade uma das suas características, o trabalho avulso é, sem dúvida, um trabalhador de natureza eventual, sem vínculo empregatício.7
Entretanto, para Osvaldo Agripimo de Castro Jr. e Cesar Luiz Pasold (2010, p. 139), não há como confundir trabalhador avulso com o trabalhador eventual, pois o trabalhador eventual presta serviços ao tomador, de forma subordinada e onerosamente e, em regra, com pessoalidade, e o trabalhador avulso é pessoa física, não subordinada, que presta serviço sem vínculo empregatício a diversos tomadores, com intermediação obrigatória do órgão gestor de mão de obra.
Desta forma, temos o trabalhador avulso como sendo aquele que presta serviços, sem vínculo empregatício, para diversas empresas (tomadoras de serviço), tendo o OGMO como intermediador desta relação. A Lei de Modernização dos Portos (8.630/1993), em seu art. 20, mencionava claramente que o trabalhador avulso não possui vínculo empregatício com o Órgão Gestor de Mão de Obra. A referida disposição foi mantida pela nova lei em seu art. 34. Além disso, a intermediação por parte do OGMO é um dos principais elementos caracterizadores da categoria dos trabalhadores portuários avulsos. Outro fato diferenciador é a prestação de serviços para diversos operadores portuários ou tomadores de serviço. O trabalhador avulso, de acordo com a Lei nº 12.815/2013, deverá ser inscrito no OGMO, podendo ser registrado ou cadastrado, conforme dispõem os seus arts. 41 e 42 (antigos arts. 27 e 28 da Lei nº 8.630/1993). 7 SANTOS NETO, Arnaldo Bastos; VENTILARI, Paulo Sérgio Xavier. O trabalho portuário e a modernização dos portos. Curitiba, Juruá, 2009. p. 50.
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O Regulamento da Previdência Social (RPS), instituído pelo Decreto nº 3.048/1999, em seu art. 9º, inciso VI, dispõe:
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A diferença entre as duas formas de inscrição no OGMO é que o trabalhador registrado tem prioridade na distribuição do serviço (escala rodiziaria), enquanto os cadastrados servem de força supletiva e são escalados somente quando o número de registrados não é suficiente para atender a demanda solicitada pelos operadores portuários. Após a prestação dos serviços, o operador portuário repassa ao OGMO os valores relativos à operação portuária, para que este proceda ao pagamento da remuneração devida aos trabalhadores portuários avulsos envolvidos nas atividades, além de encargos sociais, previdenciários e fiscais. Feitas as referidas considerações, interessante para o trabalho em estudo analisar a gestão de mão de obra do trabalho portuário avulso, na figura do órgão gestor, e as relações que a envolvem.
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2.2 Do Órgão Gestor de Mão de Obra – OGMO
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O Órgão Gestor de Mão de Obra (OGMO) é uma das principais inovações trazidas pela Lei nº 8.630/1993 (revogada pela Lei nº 12.815/2013), devendo ser constituído e mantido pelos operadores portuários em cada porto organizado de nosso País, e sendo responsável por gerenciar a mão de obra avulsa e intermediar a relação de trabalho entre os operadores portuários e os trabalhadores portuários avulsos. Segundo Cristiano Paixão e Ronaldo Curado Fleury: É um órgão de finalidade pública, sem fins lucrativos (consoante o art. 25 da Lei nº 8.630/1993), que tem como objetivo primordial centralizar e administrar a prestação de serviços nos portos organizados do Brasil.
O OGMO é um órgão gestor que concentra a administração do trabalho portuário.8
Entre as finalidades do órgão gestor está a fiscalização relativa aos trabalhadores portuários avulsos, como manutenção do cadastro e registro dos trabalhadores, recebimento das requisições de serviço, realização da escalação dos trabalhadores, treinamento e habilitação profissional e fornecimento de identificação individual. Além disso, também possui poder disciplinar, podendo aplicar penalidades através da instituição de Comissão Paritária, quando necessário, previstas em lei, convenção ou acordo coletivo de trabalho. Suas atribuições e competências estavam previstas nos arts. 18 e 19 da Lei nº 8.630/1993, sendo importante citar o disposto no art. 32, VII, da Lei nº 12.815/2013, que é no mesmo sentido: “Arrecadar e repassar, aos respectivos beneficiários, os valores devidos pelos operadores portuários, relativos à remuneração do trabalhador portuário avulso e aos correspondentes encargos fiscais, sociais e previdenciários”. Da mesma forma é o disposto no § 4º do art. 2º da Lei nº 9.719/1998. Com relação à estrutura, o OGMO é composto, obrigatoriamente, por um Conselho de Supervisão e uma Diretoria Executiva. Além disso, deve ser constituída no âmbito de cada órgão gestor uma Comissão Paritária, a qual tem como função solucionar os conflitos decorrentes da relação de trabalho. O Conselho de Supervisão é formado por três membros titulares e seus respectivos suplentes, dos operadores portuários, dos trabalhadores avulsos e dos usuários de serviços portuários. A Diretoria Executiva pode ter um ou mais diretores, escolhidos 8 PAIXÃO, Cristiano; FLEURY, Ronaldo Curado. Trabalho portuário a modernização dos portos e as relações de trabalho no Brasil. 2. ed. São Paulo: Método, 2008. p. 26.
De acordo com a previsão legal, apesar de não fazer parte das negociações coletivas de trabalho, o OGMO possui como dever precípuo observar e aplicar o que for pactuado nos contratos, nas convenções ou nos acordos coletivos de trabalho realizados entre os sindicatos patronais, os operadores portuários e os sindicatos dos avulsos. Ademais, por força do art. 6º da Lei nº 9.719/1998, tem a função de fiscalizar a atividade portuária, verificando junto ao operador portuário se os trabalhadores requisitados, e devidamente escalados para determinada operação, compareceram ao local de serviço, uma vez que só fará jus a remuneração quem tiver em efetivo serviço. Outro dado importante é que o OGMO deverá fornecer informações referentes às escalações diárias dos trabalhadores avulsos, sempre que solicitado, para a fiscalização do Ministério do Trabalho e do INSS (art. 7º da Lei nº 9.719/1998). Apesar de fazer a intermediação entre o avulso e o operador portuário, o órgão gestor não é responsabilizado por prejuízos causados pelos trabalhadores. Possui, sim, responsabilidade solidária com relação aos operadores no que diz respeito à remuneração dos TPAs e os encargos fiscais decorrentes, além de indenização relativa a acidente de trabalho, conforme redação da nova Lei dos Portos. Desta forma, pode exigir dos operadores uma prévia garantia dos pagamentos devidos aos trabalhadores pelos serviços prestados, assim como dos encargos fiscais, sociais e previdenciários incidentes sobre os valores devidos aos avulsos.
Outrossim, o art. 2º da Lei nº 9.719/1998 estipula o prazo de 24 horas, após a realização do serviço, para o operador portuário passar os valores referentes ao serviço para o OGMO, sendo dado a este o prazo de 48 horas para repassar o pagamento aos trabalhadores. É claro que estes prazos podem sofrer alterações por força de convenção ou acordo coletivo de trabalho, visando a adequar ou a facilitar o adimplemento da remuneração devida aos TPAs. No que se refere à relação entre o OGMO e os trabalhadores, inexiste vínculo trabalhista conforme se observa do art. 34 da Lei nº 12.815/2013 (art. 20 da Lei nº 8.630/1993), uma vez que aquele está somente exercendo o exercício de suas atribuições que estão previstas em lei. Portanto, feitas as devidas considerações a respeito do trabalho portuário avulso, a sua sistemática de trabalho e forma de pagamento, convém analisar o ponto central do trabalho em liça, qual seja, a não incidência de contribuições previdenciárias sobre as férias e o terço de férias pagas aos portuários avulsos, dado o seu caráter indenizatório.
3 DA NÃO INCIDÊNCIA DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS SOBRE AS FÉRIAS E TERÇO CONSTITUCIONAL DE FÉRIAS PAGAS AOS TRABALHADORES PORTUÁRIOS AVULSOS 3.1 Da natureza indenizatória das férias pagas aos trabalhadores portuários avulsos O art. 195, I, a, da CRFB é bastante claro quando determina que a Seguridade Social será financiada por toda a sociedade, além das contribuições incidentes sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho.
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e destituídos a qualquer tempo pelo bloco dos operadores portuários, cujo prazo de gestão não pode ser superior a três anos, sendo permitida a redesignação. E a Comissão Paritária é constituída por representantes dos trabalhadores e dos operadores portuários, conforme se infere do disposto nos arts. 23 e 24 da Lei nº 8.630/1993 (arts. 38 e 39 da Lei nº 12.815/2013).
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Apenas pela leitura de tal dispositivo constitucional já se percebe que as férias indenizadas e o terço de férias indenizadas não podem ser incluídos na base de cálculo da contribuição para o custeio da Seguridade Social, pelo simples motivo de que tais verbas não possuem natureza jurídica de rendimento ou salarial. Seguindo a orientação constitucional, foi editado o art. 22, I, da Lei nº 8.212/1991, que determina expressamente qual é à base de cálculo da contribuição que fica a cargo da empresa, apenas se referindo às remunerações pagas. No mesmo diapasão, o art. 28 da referida lei novamente exclui expressamente da base de cálculo da contribuição para custeio da Seguridade Social as férias indenizadas e o terço de férias indenizadas.
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Deste modo, cumpre observar que a Constituição Federal equiparou direitos do trabalhador avulso e empregados com vínculo empregatício, no que couber, consoante art. 7º, XXXIV.
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O trabalhador portuário avulso não possui vínculo empregatício, quer com o OGMO quer com as empresas para as quais presta serviços (operadores portuários) quando requisitados ao OGMO. Não havendo, portanto, vínculo empregatício e relação de subordinação entre o trabalhador, o OGMO e os tomadores de serviços.
Art. 1º É reconhecido aos trabalhadores avulsos, inclusive aos estivadores, conferentes e consertadores de carga e descarga, vigias portuários, arrumadores e ensacadores de café e de cacau, o direito a férias anuais remuneradas, aplicando-se aos mesmos, no que couber, as disposições constantes das Seções I a V, do Capítulo IV, do Título II, arts. 130 a 147, da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 01.05.1943. Art. 2º As férias serão pagas pelos empregadores que adicionarão, ao salário normal do trabalhador avulso, uma importância destinada a esse fim.
Como visto, a própria lei que estabelece o direito a férias anuais remuneradas aos TPAs (arts. 1º e 2º) determina que os “empregadores”, no caso em tela o OGMO, já que mantêm o registro e o cadastro de TPAs, deverão adicionar ao salário a importância destinada à indenização destas férias, justamente por reconhecer a inviabilidade do TPA de gozá-las da mesma forma que um trabalhador comum, regido pela CLT, face à natureza diferenciada do trabalho avulso. A jurisprudência dos Tribunais de nosso País vem afastando o caráter remuneratório das férias indenizadas (não gozadas), raciocínio que não se estende aos valores recebidos quando há efetivo gozo do período de férias, conforme se depreende do seguinte precedente:
Com isso, o TPA pode realizar os serviços nos dias e horários que escolher ou preferir, desde que seja escalado, dentro do rodízio que é efetuado pelo OGMO. Em caso de falta à escalação ou de recusar a escala oferecida, não sofre nenhuma punição.
TRIBUTÁRIO – PRESCRIÇÃO – CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA – INCIDÊNCIA – HORAS EXTRAS – ADICIONAL CONSTITUCIONAL DE 1/3 DE FÉRIAS – COMPENSAÇÃO 1. [...]. 3. Em relação às férias e ao adicional de 1/3, não cabe contribuição previdenciária somente quando tiverem natureza indenizatória. Havendo períodos, não alcançados pela prescrição, em que houve pagamento de adicional sobre férias indenizadas, é indevida a contribuição (apenas nestes períodos).9
A Lei nº 5.085/1966, entretanto, em que pese a natureza do trabalho do TPA, estabelece a ele o direito de férias anuais remuneradas, nos seguintes termos:
9 TRF 4ª R., AC 0000302-08.2009.404.7100, 2ª Turma, Relatora Vânia Hack de Almeida, DE 14.04.2010. Disponível em: www.trf4.jus.br. Acesso em: 20 mar. 2013.
A jurisprudência debruçou-se a analisar o caráter da verba correspondente às férias indenizadas do trabalhador avulso e do terço constitucional para efeito de incidência do imposto de renda, sendo hoje assente no seguinte sentido: TRIBUTÁRIO – PESSOA FÍSICA – TRABALHADOR AVULSO – IMPOSTO DE RENDA – FÉRIAS INDENIZADAS – TERÇO DE FÉRIAS – NÃO-INCIDÊNCIA 1. O trabalhador avulso, não obstante a ausência de vínculo empregatício, tem direito a férias e ao terço constitucional. Não gozadas essas, os valores percebidos são revestidos de natureza indenizatória, não integrando, por isso, a base de cálculo do Imposto de Renda. 2. Demonstrado o indevido recolhimento pelo Fisco, há direito à repetição.10
Digno de transcrição, o voto do supracitado acórdão traz ponderação a respeito do tema, podendo ser aplicado ao caso concreto, muito embora diga respeito a tributo diverso. Vejamos: O cerne da controvérsia é limitado à incidência – ou não – do Imposto de Renda sobre parcelas recebidas pelo trabalhador portuário avulso (TPA) a título de férias indenizadas, e o respectivo terço.
Gestor de Mão-de-Obra – OGMO. Ao lado disso, acaso falte ao serviço ou recuse cumprir a escala, não recebe punição. Consequentemente, também não será remunerado. Independentemente dessa peculiar realidade, a Lei nº 5.085/1966 reconhece a esse trabalhador o direito a férias anuais remuneradas. Essa equiparação do trabalhador avulso e do empregado, em verdade, apenas reflete cumprimento da igualdade de direitos estabelecida no art. 7º, inciso XXXIV, da Constituição. Acerca do tema, vale reproduzir breve excerto dos fundamentos concernentes ao trabalhador avulso, constantes na sentença que apreciou os aclaratórios opostos pela União: referido trabalhador, como informou o Órgão Gestor de Mão-de-Obra – OGMO, não possui vínculo empregatício, quer com o próprio OGMO, quer com as empresas para as quais presta serviços, no setor portuário. Não há, portanto, vínculo empregatício e relação de subordinação entre o trabalhador e o empregador. Com isso, o trabalhador portuário avulso pode realizar os serviços nos dias e horários que escolher, desde que seja escalado, dentro do rodízio que é efetuado pelo OGMO. Em caso de falta ao serviço ou de recusar a escalação, não sofre nenhuma punição. [...] Dessa maneira, não merece acolhida o argumento da Fazenda Nacional de que o TPA pode escolher os dias em que não irá trabalhar, podendo, até mesmo gozar de períodos sem trabalho superiores aos trabalhadores comuns. Isto porque, em que pese não receba nenhuma punição por faltar ao serviço ou recusar a escala, a verdade é que o TPA também não recebe remuneração pelos dias parados, ao contrário do trabalhador comum, que nos dias de folga (domingos, feriados e nas próprias férias) tem sua remuneração normal garantida.
Cumpre mencionar que a categoria laboral a qual pertence o autor não é qualificada pela existência de vínculo empregatício e relação de subordinação entre o trabalhador e o empregador. O trabalhador portuário realiza o seu serviço nos dias e horários escolhidos, participando de escala e rodízio, consoante informação prestada pelo Órgão
Assim, o fato de que o TPA não possui vínculo empregatício ou relação de subordinação com o OGMO ou com as empresas para as quais presta serviço não retira a natureza indenizatória das parcelas recebidas a título de férias indenizadas, uma vez que o direito a férias anuais remuneradas advém de lei, assim como a previsão de seu recebimento em pecúnia por impossibilidade de fruição normal.
10 TRF 4ª R., Ap-Reex 2008.71.01.000063-2/RS, 2ª Turma, Relator Eloy Bernst Justo, DE 07.01.2009. Disponível em: www.trf4.jus.br. Acesso em: 12 mar. 2013.
Vale anotar, sobre o tema, ser pacífico na jurisprudência deste Tribunal e do STJ que as férias não gozadas por necessidade de serviço e que são convertidas em pecúnia, não importam em acréscimo patrimonial ao trabalhador. Essa cifra apenas recompõe esse patrimônio pela
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Destarte, não há mais como se questionar a natureza indenizatória da verba, descabendo a incidência de contribuição previdenciária, seja ela do empregador ou do trabalhador. Contudo, cabe investigar se o mesmo entendimento se aplica ao trabalhador portuário avulso, dadas as peculiaridades do regime de trabalho da categoria.
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impossibilidade do exercício de um direito à época própria, de forma que, configurando recomposição de dano emergente, não há falar em acréscimo patrimonial e, consequentemente, em incidência do Imposto de Renda, cuja hipótese de incidência – art. 43 do CTN – não resta concretizada.
a cada trabalho prestado, como forma de indenização. Isso se deve pelo fato de a Lei nº 12.815/2013 autorizar a pactuação das regras e condições de trabalho, estando incluídos neste rol a remuneração e as verbas compensatórias.
Diante do quadro supraexposto e baseado no entendimento jurisprudencial, fica afastada a incidência de contribuição previdenciária sobre as férias indenizadas e sobre o terço constitucional que são recolhidos pelo OGMO, ante a nítida natureza indenizatória das férias e do terço de férias pagos aos trabalhadores portuários avulsos.
Assim sendo, resta reconhecida a natureza indenizatória das férias e do terço constitucional de férias que são pagas aos trabalhadores portuários avulsos mantidos pelo OGMO em seu registro/cadastro, tendo como consequência a não incidência das contribuições previdenciárias patronais (20% – terceiros – RAT e outros) sobre o pagamento das férias indenizadas e 1/3 de férias indenizadas.
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Desta feita, cumpre colacionar recente julgado proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, pelo qual reconhece a natureza indenizatória das férias e do terço de férias adimplidos aos TPAs, afastando, consequentemente, a incidência de contribuição previdenciária patronal:
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EMENTA: TRIBUTÁRIO – CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA – PRESCRIÇÃO QUINQUENAL – TRABALHADOR PORTUÁRIO AVULSO – FÉRIAS NÃO GOZADAS – NÃO INCIDÊNCIA – COMPENSAÇÃO DO INDÉBITO – 1. Aplicabilidade dos arts. 3º e 4º da Lei Complementar nº 118/2005, relativamente às ações ajuizadas a partir de 09.06.2005. Extinção do direito de pleitear as parcelas recolhidas anteriormente aos cinco anos que antecedem a propositura da ação. 2. O fato de que o TPA (trabalhador portuário avulso) não possui vínculo empregatício ou relação de subordinação com o OGMO (órgão gestor da mão-de-obra) ou com as empresas para as quais presta serviço não retira a natureza indenizatória das parcelas recebidas a título de férias indenizadas.11
E não é somente a jurisprudência que reconhece o caráter indenizatório da férias pagas aos portuários avulsos, mas as normas coletivas de trabalho das diversas atividades geralmente estipulam o pagamento da referida rubrica de forma proporcional, 11 TRF 4ª R., Ap-Reex 5002676-39.2010.404.7208, 2ª Turma, Relatora p/o Acórdão Luciane Amaral Corrêa Münch, DE 21.06.2011. Disponível em: www.trf4.jus.br. Acesso em: 25 mar. 2013.
Por derradeiro, cumpre salientar que caso algum dos trabalhadores portuários avulsos registrados/cadastrados junto ao OGMO requerer administrativamente ou judicialmente afastamento da escala de trabalho para o gozo das férias sobre os valores pagos ao mesmo, o OGMO possui a obrigação legal de recolher as contribuições previdenciárias devidas, evitando-se, deste modo, qualquer prejuízo ao Fisco, bem como o OGMO estará cumprindo a sua obrigação prevista na Lei dos Portos e na Lei nº 9.719/1998.
3.2 Da não incidência das contribuições previdenciárias sobre as férias e terço de férias pagas aos trabalhadores portuários avulsos – Quota patronal Demonstrado supra que as férias e o terço de férias pagas aos avulsos possuem natureza indenizatória, cumpre observar que o OGMO possui legitimidade para pleitear a declaração de inexistência de relação jurídica que o obrigue a pagar contribuições previdenciárias patronais (20% – terceiros – RAT) sobre as férias indenizadas e 1/3 das férias que são adimplidas aos trabalhadores portuários avulsos, pois, na qualidade de órgão de
Art. 2º Para os fins previstos no art. 1º desta Lei: I – cabe ao operador portuário recolher ao órgão gestor de mão-de-obra os valores devidos pelos serviços executados, referentes à remuneração por navio, acrescidos dos percentuais relativos a décimo terceiro salário, férias, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, encargos fiscais e previdenciários, no prazo de vinte e quatro horas da realização do serviço, para viabilizar o pagamento ao trabalhador portuário avulso; II – cabe ao órgão gestor de mão-de-obra efetuar o pagamento da remuneração pelos serviços executados e das parcelas referentes a décimo terceiro salário e férias, diretamente ao trabalhador portuário avulso. [...] § 4º O operador portuário e o órgão gestor de mão-de-obra são solidariamente responsáveis pelo pagamento dos encargos trabalhistas, das contribuições previdenciárias e demais obrigações, inclusive acessórias, devidas à Seguridade Social, arrecadadas pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, vedada a invocação do benefício de ordem.
Outrossim, dispõe o Decreto nº 3.048/1999, em seu art. 223: Art. 223. O operador portuário e o órgão gestor de mão-de-obra são solidariamente responsáveis pelo pagamento das contribuições previdenciárias e demais obrigações, inclusive acessórias, devidas à Seguridade Social, arrecadadas pelo Instituto Nacional do Seguro Social, relativamente à requisição de mão-de-obra de trabalhador avulso, vedada a invocação do benefício de ordem.
Ademais, como já foi citado anteriormente, por força do art. 15 da Lei nº 8.212/1991, para fins de recolhimento das contribuições previdenciárias sobre a remuneração creditada aos avulsos, o OGMO se equipara à figura do empregador, possuindo a obrigação de recolher as contribuições previdenciárias que lhe cabem, assim como reter e repassar ao Fisco a quota dos trabalhadores portuários avulsos.
Sustentando a tese ventilada anteriormente, o OGMO de Rio Grande ingressou com mandado de segurança junto à Justiça Federal de Pelotas em face do Delegado da Receita Federal de Pelotas, Processo nº 50033825420124047110, buscando a declaração da não incidência da contribuição previdenciária calculada sobre as férias e o terço constitucional de férias pagas aos trabalhadores portuários avulsos. Cumpre observar que, atualmente, o OGMO de Rio Grande administra, entre registrados e cadastrados, 957 (novecentos e cinquenta e sete) trabalhadores portuários avulsos, que atuam nas atividades de Conferente de Cargas, Estivadores, Arrumadores, Portuários, Vigilantes de Embarcações, Consertadores e Bloco, sendo que estes trabalhadores não mantêm qualquer vínculo empregatício com o OGMO e nem com os operadores portuários, já que são trabalhadores da modalidade avulsos. Esses trabalhadores, conforme explicado no tópico anterior, respondem a uma escala de trabalho, em sistema rodiziário, pelo qual os operadores portuários requisitam ao OGMO o número necessário de trabalhadores para atuar em determinada operação portuária, tendo o avulso a liberdade de aceitar ou não o trabalho oferecido. Nesta condição, o OGMO é responsável por arrecadar dos operadores portuários os valores devidos a título de remuneração, férias e décimo terceiro salário proporcional, além do FGTS, das contribuições previdenciárias e das demais obrigações, que são adimplidas aos trabalhadores portuários avulsos e aos órgãos públicos competentes, referentes a cada trabalhador que se habilitou na escala e prestou a sua força de trabalho ao tomador de serviço. Neste sentido, por se tratar de trabalhadores portuários avulsos, os TPAs não gozam férias, já que possuem a liberdade de trabalhar quando julgarem necessário, motivo pelo qual, com
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gestão de mão-de-obra, o mesmo é sujeito passivo da exação, nos termos do art. 2º, II e § 4º, da Lei nº 9.719/1998:
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base na isonomia constitucional, recebem o pagamento das férias proporcionalmente a cada trabalho prestado, além do terço constitucional.
destas férias, restando reconhecida a inviabilidade do TPA gozar suas férias da mesma forma que um trabalhador comum, regido pela CLT, frente à natureza distinta do trabalho portuário.
Deste modo, sobre o valor pago referente às férias acrescidas do terço constitucional são recolhidas pelo OGMO as contribuições previdenciárias pertinentes. Contudo, em que pese recolher sobreditos tributos, o OGMO, por entender que as férias adimplidas aos trabalhadores portuários avulsos possuem natureza indenizatória, já que os mesmos não as gozam, ingressou com o referido remédio constitucional.
Nessa direção, não merece acolhida o argumento do impetrado no sentido de que o TPA pode escolher os dias em que não irá trabalhar, podendo, inclusive, gozar de períodos sem trabalho superiores aos trabalhadores comuns. Ainda que o TPA não receba qualquer punição por faltar ao serviço ou recusar a escala, a realidade é que, nessas condições, o TPA também não recebe remuneração pelos dias parados, diversamente do que ocorre com o trabalhador comum, que nos dias de folga (domingos, feriados e nas próprias férias) tem sua remuneração normal garantida.
O OGMO de Rio Grande buscou a concessão da segurança no sentido de não serem devidas contribuições previdenciárias patronais (20% – terceiros – RAT) sobre as férias e sobre 1/3 de férias que são adimplidas aos trabalhadores portuários avulsos, por se tratar de verba de natureza indenizatória e não remuneratória, não havendo base legal para a exigência da exação por parte da Secretaria da Receita Federal do Brasil. A ação foi julgada procedente, tendo sido concedida a segurança pleiteada, conforme se observa da fundamentação da sentença que segue a seguir colacionada: Férias do Trabalhador Portuário Avulso (TPA)
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[...]
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O TAP, como sustentou o Órgão Gestor de Mão-de-Obra – OGMO, não possui vínculo de emprego com o OGMO e, sequer, com as empresas tomadoras de serviço. Nesse sentido, o TAP pode realizar os serviços nos dias e horários que escolher, mediante escala, dentro do rodízio que é efetuado pelo OGMO. Na hipótese de recusa à escalação não sofre qualquer punição. [...] Portanto, o dispositivo normativo estabelece o direito a férias anuais remuneradas aos TPAs (arts. 1º e 2º) e determina que os empregadores deverão adicionar ao salário a importância destinada à indenização
[...] Portanto, o fato de o TPA não possuir vínculo empregatício ou com o OGMO ou com as empresas tomadoras do serviço não retira a natureza indenizatória das parcelas recebidas a título de férias indenizadas (não gozadas pelo TPA), visto que o direito a férias anuais remuneradas advém de lei, bem como a previsão de seu recebimento em pecúnia (adicionado ao salário normal), por impossibilidade real e concreta de fruição comum. Em conclusão, frente à natureza distinta do labor, não há necessidade de comprovação de que se trata de férias não gozadas. [...] Portanto, no que concerne às verbas que possuem natureza indenizatória – valor adicionado ao salário normal, relativo às férias não gozadas do TPA, e o terço constitucional de férias – não incide a contribuição previdenciária a cargo da empresa (prevista no art. 22, I, da Lei nº 8.212/1991), restando inexigível tal tributação. Nesses termos, deve ser concedida a segurança.12 12 Disponível em: <https://eproc.jfrs.jus.br/eprocV2/controlador. php?acao=acessar_documento&doc=7113581668460323011400000 00001&evento=711358166846032301140000000001&key=ab09af338 d35635ea354fdc2e7827c696d97bb935cb14b27a513080e74920f34>. Acesso em: 15 mar. 2013.
3.3 Da não incidência das contribuições previdenciárias sobre as férias e terço de férias pagas aos trabalhadores portuários avulsos – Quota empregado A Lei nº 5.085/1966, em seu art. 1º, supracolacionado, garantiu ao trabalhador portuário avulso o direito de férias anuais remuneradas, motivo pelo qual o Fisco exige do trabalhador o recolhimento de seu quatro da contribuição previdenciária, a qual é retira e recolhida pelo órgão gestor da mão de obra avulso, também referido anteriormente. O regime de prestação de serviços nos portos afasta-se da tradicional relação de emprego, não existe a bilateralidade empregador x empregado na relação de trabalho que é constituída entre o trabalhador portuário avulso com os operadores portuários em curto espaço de tempo. O trabalho portuário, em vista da transitoriedade das atividades, prevê a intermediação por parte do Órgão Gestor de Mão de Obra (OGMO), a quem incumbe, entre outras funções, manter o registro do trabalhador portuário e administrar o fornecimento da sua mão de obra aos operadores portuários em sistema de rodízio, conforme determina a legislação aplicável neste tipo de relação de trabalho. Ademais, durante um turno de trabalho e outro, é respeitado um intervalo obrigatório de 11 horas de descanso (art. 8º da Lei nº 9.719/1998). Sendo a escala de trabalho rodiziaria, enquanto os avulsos que trabalharam no turno A descansam, outros tra-
balham no B e, assim, ocorre sucessivamente nos turnos C e D de trabalho. Veja-se que a verificação da compatibilidade perante a Consolidação das Leis do Trabalho permite concluir que o art. 136 da CLT, que faculta ao empregador determinar a época de concessão das férias dos seus empregados, não se coaduna com as especificidades e particularidades do trabalho avulso portuário, pois cabe ao próprio trabalhador avulso avaliar a oportunidade e conveniência de exercer o benefício, diante da ausência de um tomador de serviços fixo, uma vez que não mantém vínculo empregatício (art. 20 da Lei nº 8.630/1993 – atual art. 34 da Lei nº 12.815/2013). Por conseguinte, também se mostra inaplicável a penalidade prevista no art. 137 da CLT, qual seja, do pagamento em dobro da remuneração das férias não concedidas ao empregado nos 12 meses subsequentes à data de aquisição do direito ao gozo das férias. Deste modo, é incontroverso que as férias pagas proporcionalmente a cada prestação de serviço aos trabalhadores portuários avulsos reveste-se de caráter indenizatório. Assim sendo, o mesmo entendimento deve ser aplicado ao trabalhador portuário avulso, ou seja, não possuindo o órgão gestor a obrigação de pagar as contribuições previdenciárias patronais incidentes sobre as férias e o terço de férias adimplidas aos referidos trabalhadores (reconhecido em decisão judicial), por decorrência lógica, a quota do empregado que é retida pelo empregador, também não incide sobre as férias e o terço de férias, dado o seu caráter indenizatório. O Superior Tribunal de Justiça já decidiu neste sentido:
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Desta feita, verifica-se da sentença supracolacionada que o OGMO de Rio Grande conseguiu comprovar que as férias e 1/3 de férias pagas aos avulsos que mantém em seu registro e cadastro possuem natureza indenizatória, não incidindo, deste modo, as contribuições previdenciárias, motivo pelo qual foi desonerado do seu recolhimento.
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TRIBUTÁRIO – CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA – PRESCRIÇÃO QUINQUENAL – NÃO INCIDÊNCIA SOBRE FÉRIAS INDENIZADAS – TRABALHADOR AVULSO E PORTUÁRIO [...] 2. Está consolidado na jurisprudência que as férias indenizadas constituem verbas isentas de contribuição previdenciária. 3. Não há dúvidas de que a profissão está regulamentada, bem como que pela própria natureza especialíssima do trabalho realizado, justamente por não haver empregador contínuo, do qual se possa exigir observância às regras da CLT, não há como se assegurar ao avulso/ portuário o direito de gozo e fruição de férias regulares. Também por esse motivo, se estende às férias dessa peculiar categoria profissional a presunção de que estão continuamente sendo indenizadas, ainda que pagas parceladas e antecipadamente. 4. O caráter eventual da prestação laboral do trabalhador avulso não lhe retira direitos próprios conferidos aos demais trabalhadores regidos pela CLT, tanto que a Constituição Federal determinou sua equiparação com os demais trabalhadores figurantes do art. 7º, caput e inciso XVII. (STJ, AgRg-REsp 1154951/RS, 1ª T., Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe 03.05.2010)13
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Do mesmo modo, já foi reconhecido em diversas decisões do TRF da 4ª Região, colacionando-se uma delas como exemplo, para se evitar demasiada colação de jurisprudência, que, dado o caráter indenizatório das férias pagas aos avulsos, não incide também o imposto de renda:
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TRIBUTÁRIO – PESSOA FÍSICA – TRABALHADOR AVULSO – IMPOSTO DE RENDA – FÉRIAS INDENIZADAS – TERÇO DE FÉRIAS – NÃO-INCIDÊNCIA – 1. O trabalhador avulso, não obstante a ausência de vínculo empregatício, tem direito a férias e ao terço constitucional. Não 13 TRF 1ª R., AC 12127/BA, (2009.33.00.012127-9), 8ª Turma, Relator Desembargador Federal Leomar Barros Amorim de Sousa, J. 29.06.2012, e-DJF1 p. 861 de 20.07.2012. Disponível em: www.trf1.jus.br. Acesso em: 22 mar. 2013.
gozadas essas, os valores percebidos são revestidos de natureza indenizatória, não integrando, por isso, a base de cálculo do Imposto de Renda. [...].14
Portanto, por qualquer ângulo que se observe a matéria em discussão, fica claro que as férias pagas aos trabalhadores portuários avulsos possuem natureza indenizatória, sendo indevida, desta forma, a contribuição previdenciária sobre a quota do empregado. Cumpre, por fim, observar que se o trabalhador portuário avulso optar por se afastar da escala de trabalho para gozar o período de férias, com comunicação ao OGMO e ao seu sindicato representante, os valores adimplidos ao mesmo sob esta rubrica assumirão caráter remuneratório, motivo pelo qual é coerente que o OGMO pague as contribuições patronais, retenha o valor do trabalhador e proceda aos devidos recolhimentos, evitando-se prejuízos aos cofres públicos.
CONCLUSÃO No decorrer do presente estudo verificou-se que, por força dos arts. 149 e 195, I, da CF, assim como com base no previsto na Lei nº 8.212/1991, as empresas ou quem a elas se equiparar possuem a obrigação legal de recolher aos cofres públicos as contribuições previdenciárias incidentes sobre a folha de salários pagas aos seus empregados, sejam eles contratados a prazo indeterminado, autônomo, avulso ou até mesmo doméstico. Além disso, registrou-se o conceito de contribuições, quais as suas espécies e subespécies, interessando para o presente estudo as contribuições da Seguridade Social a cargo das empresas e dos empregados, incidentes sobre a folha salarial paga por aquelas a estes. 14 TRF 4ª R., Ap-Reex nº 2008.71.01.000063-2/RS, 2ª Turma., Relator Eloy Bernst Justo, DE 07.01.2009. Disponível em: www.trf4.jus.br. Acesso em: 22 mar. 2013.
Estes trabalhadores portuários, por ostentarem a particularidade de serem avulsos, trabalham em sistema de rodízio e possuem a liberdade de aceitar o trabalho ofertado ou não pelos operadores portuários. Deste modo, por força do princípio da isonomia constitucional, os avulso recebem férias proporcionais e 1/3 de férias a cada trabalho prestado, todavia não as usufruem como fazem os trabalhadores regidos pelo regime celetista. Deste modo, verificou-se o caráter indenizatório das férias pagas aos avulsos, sendo ilegal a exigência por parte do Fisco das contribuições previdenciária ao encargo do OGMO (figura equiparada à do empregador diante da obrigação tributária) e do trabalhador avulso. A Justiça Federal acolheu a tese do OGMO de Rio Grande em mandado de segurança, desonerando o mesmo do pagamento do INSS sobre as férias pagas aos avulsos e, no caso dos avulsos, em diversas demandas reconheceu a não incidência do INSS e do IR. Portanto, as férias e o terço de férias pagos aos trabalhadores portuários avulsos possuem natureza indenizatória, não incidindo as contribuições previdenciárias, seja ela patronal ou do trabalhador.
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Ainda, para facilitar o entendimento da tese defendida pelo OGMO de Rio Grande nos autos do Processo nº 50033825420124047110, foi feito um estudo rápido a respeito do trabalho portuário avulso, as suas características e particularidades. Estudou-se a função do OGMO e as suas atribuições, assim como a figura dos operadores portuários, que, através do OGMO, tomam o serviço dos trabalhadores portuários avulsos.
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Doutrina
A Empresa Individual de Responsabilidade Limitada: Críticas à Lei nº 12.441, de 11 de julho de 2011 LUÍS RODOLFO CRUZ E CREUZ
Advogado e Consultor em São Paulo, Sócio de Creuz e Villarreal Advogados, Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP, Pós-Graduado em Direito Societário, no curso LLM – Master of Laws, do Insper (ex-IBMEC São Paulo), Mestre em Relações Internacionais pelo Programa Santiago Dantas, do convênio das Universidades Unesp/Unicamp/ PUCSP, Mestre em Direito e Integração da América Latina pelo Prolam – Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina da Universidade de São Paulo – USP. Autor da monografia Commercial and Economic Law – Brasil, da International Encyclopedia of Laws, editada por Dr. Jules Stuyck (Holanda, 2010). Autor do livro Acordo de quotistas – Análise do instituto do acordo de acionistas previsto na Lei nº 6.404/1976 e sua aplicabilidade nas sociedades limitadas à luz do novo código civil brasileiro, com contribuições da teoria dos jogos (São Paulo: IOB-Thomson, 2007). Coautor do livro Organizações internacionais e questões da atualidade, organizada por Jahyr-Philippe Bichara (Natal/RN, 2011), sendo autor do capítulo “Organizações internacionais e a integração econômica: revisões de uma teoria geral” (p. 67 à 101). Autor do livro Commercial and economic law in brazil (Holanda, 2012).
RESUMO: O objetivo deste artigo é realizar uma revisão crítica da recente Lei nº 12.441, de 11 de julho de 2011, que altera o Código Civil brasileiro vigente, instituindo um novo tipo societário no rol das modalidades já fixadas no Livro de Empresa (arts. 966 e seguintes). A nova lei autoriza a criação das Empresas Individuais de Responsabilidade Limitada (Eireli),
atendendo a antigos reclamos tanto da doutrina nacional quanto dos operadores do direito. Mas somos inclinados, após analisar as normas recém inseridas no Código Civil, traçar determinadas críticas visando colaborar com a aplicação do instituto e apontar possíveis entraves e pontos que podem causar, até mesmo, a não utilização deste modelo societário. PALAVRAS-CHAVE: Direito societário; Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (Eireli); Lei nº 12.441/2011. ABSTRACT: The purpose of this paper is to provide a critical review of Law nº 12.441 of July 11th, 2011, which changes the current Brazilian Civil Code, which initiates a new Corporate type on the list of modalities inserted to the book of Companies (articles 966 and on). The new law authorizes the creation of Individual Companies of Limited Responsibility (Eireli), in the view of ancient claims from ( the National doctrine as from law operators. But we tend to trace, after analyzing norms recently inserted to Civil Code, certain critics, in order to collaborate with the institute and point possible barriers and also cause the non utilization of this corporate model. KEYWORDS: Corporate Law; Individual Companies of Limited Responsibility (Eireli); Law nº 12.441/2011.
SUMÁRIO: Introdução; Comentários e críticas aos artigos da Lei nº
12.441/2011; Considerações finais.
INTRODUÇÃO Foi publicada recentemente a Lei nº 12.441, de 11 de julho de 20111, que altera o Código Civil brasileiro (CC) vigente, instituindo um novo tipo societário no rol das modalidades já fixadas no Livro 1 Lei nº 12.441, de 11 de julho de 2011. Disponível em: <http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12441.htm#art3>.
Não obstante a novel norma atender a antigos reclamos tanto da doutrina nacional quanto dos operadores do direito, somos inclinados, após analisar as normas recém inseridas no Código Civil, traçar determinadas críticas visando colaborar com a aplicação do instituto e apontar possíveis entraves e pontos que podem causar, até mesmo, a não utilização deste modelo societário. É o que nos propomos a fazer.
COMENTÁRIOS E CRÍTICAS AOS ARTIGOS DA LEI Nº 12.441/2011 A alteração do CC se deu pela inclusão de um novo artigo, o art. 980-A2, no corpo do Livro de Empresa, acompanhado de seis
2 Lei nº 12.441, de 11 de julho de 2011: “Título I-A – Da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada. Art. 980-A. A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País. § 1º O nome empresarial deverá ser formado pela inclusão da expressão ‘Eireli’ após a firma ou a denominação social da empresa individual de responsabilidade limitada. § 2º A pessoa natural que constituir empresa individual de responsabilidade limitada somente poderá figurar em uma única empresa dessa modalidade. § 3º A empresa individual de responsabilidade limitada também poderá resultar da concentração das quotas de outra modalidade societária num único sócio, independentemente das razões que motivaram tal concentração. § 4º (VETADO). § 5º Poderá ser atribuída à empresa individual de responsabilidade limitada constituída para a prestação de serviços de qualquer natureza a remuneração
parágrafos que lhe completam, tendo sido o § 4º vetado pela Presidenta da República por conta de uma expressão julgada extremamente abrangente. O parágrafo vetado continha a seguinte redação: “§ 4º Somente o patrimônio social da empresa responderá pelas dívidas da empresa individual de responsabilidade limitada, não se confundindo em qualquer situação com o patrimônio da pessoa natural que a constitui, conforme descrito em sua declaração anual de bens entregue ao órgão competente”. Segundo as razões de veto3, a expressão “em qualquer decorrente da cessão de direitos patrimoniais de autor ou de imagem, nome, marca ou voz de que seja detentor o titular da pessoa jurídica, vinculados à atividade profissional. § 6º Aplicam-se à empresa individual de responsabilidade limitada, no que couber, as regras previstas para as sociedades limitadas” (Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12441.htm#art3>). 3 Lei nº 12.441, de 11 de julho de 2011: “Mensagem nº 259, de 11 de julho de 2011. Senhor Presidente do Senado Federal, Comunico a Vossa Excelência que, nos termos do § 1º do art. 66 da Constituição, decidi vetar parcialmente, por contrariedade ao interesse público, o Projeto de Lei nº 18, de 2011 (nº 4.605/09 na Câmara dos Deputados), que ‘altera a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), para permitir a constituição de empresa individual de responsabilidade limitada’. Ouvido, o Ministério do Trabalho e Emprego manifestou-se pelo veto ao seguinte dispositivo: § 4º do art. 980-A da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, inserido pelo art. 2º do projeto de lei: ‘[...] § 4º Somente o patrimônio social da empresa responderá pelas dívidas da empresa individual de responsabilidade limitada, não se confundindo em qualquer situação com o patrimônio da pessoa natural que a constitui, conforme descrito em sua declaração anual de bens entregue ao órgão competente’. Razões do veto: ‘Não obstante o mérito da proposta, o dispositivo traz a expressão ‘em qualquer situação’, que pode gerar divergências quanto à aplicação das hipóteses gerais de desconsideração da personalidade jurídica, previstas no art. 50 do Código Civil. Assim, e por força do § 6º do projeto de lei, aplicar-se-á à Eireli as regras da sociedade limitada, inclusive quanto à separação do patrimônio’. Essas, Senhor Presidente, as razões que me levaram a vetar o dispositivo acima mencionado do projeto em causa, a qual ora submeto à elevada apreciação dos Senhores Membros do Congresso Nacional” (Disponível em: <http://www.planalto.
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de Empresa (arts. 966 e seguintes). A nova lei autoriza a criação das Empresas Individuais de Responsabilidade Limitada (Eireli), elevando esse modelo ao status de pessoas jurídicas de direito privado, juntamente com as associações, as sociedades, as fundações, as organizações religiosas e os partidos políticos (art. 44 do CC).
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situação” poderia gerar divergências quanto à aplicação das hipóteses gerais de desconsideração da personalidade jurídica, previstas no art. 50 do Código Civil4.
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A Lei nº 12.441/2011 alterou estruturalmente o Livro II – Do Direito de Empresa, incluindo a regulação das Eirelis como Título I-A – Da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, exatamente entre o Título I – Do Empresário e o Título II – Da Sociedade. Sob esse aspecto, entendemos ser efetivamente conveniente o ponto desta inserção, pois a Eireli não é uma sociedade, e sim uma pessoa jurídica de direito privado, e também não pode ser enquadrada como empresário. Assim, o livro de Direito de Empresa tem sua estrutura conservada de forma coerente.
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A constituição de uma Eireli, segundo a regulação instituída, envolve 03 (três) básicos requisitos, que devem ser obrigatoriamente observados pelos empresários que pretendam se valer desse modelo societário, a saber: (i) deve ser constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não pode ser inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País (caput do art. 980-A); (ii) é obrigatória a utilização da expressão “Eireli” após a firma ou a denominação social da empresa individual de responsabilidade limitada (§ 1º do art. 980-A); e (iii) não pode uma Eireli ser constituída por uma pessoa natural que já tenha participação no capital social de uma outra empresa dessa modalidade. gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Msg/VEP-259.htm>). 4 Código Civil brasileiro: “Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica” (Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>).
A iniciativa, por um lado merece os devidos aplausos, por permitir ao empresário constituir uma pessoa jurídica sem a participação de outro sócio, dando uma efetiva solução para a conhecida figura do “laranja” ou “sócio minoritário por afinidade”, que é aquele sócio que possui pequena participação societária apenas para viabilizar a constituição de uma pessoa jurídica. Contudo, por outro lado, entendemos que a Eireli nasce com alguns problemas estruturais importantes, que podem comprometer a sua regular e corriqueira utilização. É o que passamos a comentar. Primeiro ponto, e talvez o mais importante está no próprio caput do art. 980-A5. Segundo o texto da norma, a empresa individual de responsabilidade limitada deve ser constituída com um capital social, devidamente integralizado, não inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País. Aqui, o problema subdivide-se em duas partes. Primeiro entrave seria a exigência, pelo texto da norma, de que o capital social no ato da constituição seja devidamente integralizado. A norma é clara e não vemos alternativa para tal rigidez, pois não é facultado ao titular do capital social a possibilidade de subscrição do total do capital e integralização em momento futuro, como muitas vezes ocorre. Será necessário, portanto, que o titular comprove o depósito da integralização, nos moldes do art. 80, incisos II e III, da Lei nº 6.404/19766 (Lei das S/As), 5 Lei nº 12.441, de 11 de julho de 2011: “Art. 980-A. A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País” (Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/ Lei/L12441.htm#art3>). 6 Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976: “Capítulo VII – Constituição da Companhia. Seção I – Requisitos Preliminares. Art. 80. A constituição da companhia depende do cumprimento dos seguintes requisitos preliminares: I – subscrição, pelo menos por 2 (duas) pessoas, de todas as ações em que se divide o capital social fixado no estatuto; II – realização, como
Somado a essa questão, temos um segundo entrave. O montante mínimo exigido de capital social que não pode ser inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País. Talvez o legislador tenha imaginado que a liberdade de capital mínimo ficaria reservada ao registro de empresário, e a sociedade limitada ficaria com capitais maiores, restando à Eireli uma posição intermediária. Mas o raciocínio é falho pelo fato de que a sociedade limitada não tem capital mínimo exigido, muito menos exigência de comprovação de depósito mínimo do capital social para sua constituição, como é o caso das S/As, e parece-nos, da Eireli, o que certamente poderá representar um forte obstáculo para a utilizada do novo modelo societário. Adiciona-se a esse problema a escolha do efetivo montante mínimo, pois segundo a Lei nº 12.382, de 25 de fevereiro de 20117, o entrada, de 10% (dez por cento), no mínimo, do preço de emissão das ações subscritas em dinheiro; III – depósito, no Banco do Brasil S/A, ou em outro estabelecimento bancário autorizado pela Comissão de Valores Mobiliários, da parte do capital realizado em dinheiro. Parágrafo único. O disposto no número II não se aplica às companhias para as quais a lei exige realização inicial de parte maior do capital social” (Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6404compilada.htm>). 7 Lei nº 12.382, de 25 de fevereiro de 2011. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12382.htm>.
salário-mínimo passa a corresponder ao valor de R$ 545,00 (quinhentos e quarenta e cinco reais). Mas este é o salário-mínimo federal, existindo outros, como no caso do Estado de São Paulo, até em valores superiores. Qual exatamente deveria ser tomado por base? A Lei nº 12.441/2011 teria sido mais feliz se houvesse indicado como base o salário-mínimo federal vigente no País. Segundo entrave, e ainda sobre o problema do efetivo montante mínimo, verificamos que o caput do art. 980-A determina que não será o capital social da Eireli inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País. Conforme dado anteriormente colado, o atual capital mínimo, se tomada a lei federal, deveria ser da ordem de R$ 54.500,00 (cinquenta e quatro mil e quinhentos reais). Exigir de um empresário um depósito mínimo obrigatório deste montante, a ser imediatamente integralizado, para que a constituição da Eireli seja possível, não nos parece ter sido uma alternativa feliz ou prática. Essa exigência vai de encontro ao atual estado de liberdade de constituição de empresas no Direito brasileiro, bem como não se enquadra na realidade societária, pois efetivamente um grande e considerável número de sociedades é criado com um capital social reduzido, ajustando-o às necessidades e ao crescimento de suas atividades. Se o objetivo da Eireli é fornecer uma alternativa ao pequeno e médio empresário (pois aos grandes é facultada a Sociedade Anônima e as grandes Sociedades Limitadas), o capital social mínimo da ordem de R$ 54.500,00 (cinquenta e quatro mil e quinhentos reais) certamente representará um grande entrave para o desenvolvimento deste tipo societário. Parece-nos que a alternativa será a continuidade de utilização das famigeradas empresas constituídas sob a forma de Sociedades Limitadas, que por necessidade acabam tendo um sócio que possui pequena participação societária apenas para viabilizar a constituição de uma pessoa jurídica. Ao se deparar com a necessidade de criação de uma empresa, o empresário certamente irá considerar essas duas alternativas, pesando contra a Eireli a exigência de
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que exige o depósito de 10% (dez por cento), no mínimo, do preço de emissão das ações subscritas em dinheiro, no Banco do Brasil S/A ou em outro estabelecimento bancário autorizado pela Comissão de Valores Mobiliários, da parte do capital realizado em dinheiro? Seria exigido do subscritor do capital de uma Eireli tal comprovação? A lei é omissa e nada determina. E pior: a norma é clara ao indicar que o capital deve ser devidamente integralizado, o que poderia indicar que se necessária a comprovação, esta deveria ser de um depósito de 100% (cem por cento) do capital social inicial da Eireli.
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capital social mínimo, enquanto as Sociedades Limitadas podem ser constituídas livremente. Temos, ainda, outras questões importantes relacionadas ao novo modelo societário criado pela Lei nº 12.441/2011. O art. 980-A deveria ter tratado dos atos e momentos constitutivos da Eireli. A norma não indica o local no qual deve ser feito o registro, muito menos perante qual órgão público. Uma alternativa simples poderia ser remeter expressamente ao art. 985 do CC8, que estabelece que a sociedade adquire personalidade jurídica com a inscrição, no registro próprio e na forma da lei dos seus atos constitutivos. Melhor seria, para não enquadrar a Eireli como se sociedade fosse (o que expressamente não é), se houvesse um parágrafo no art. 980-A indicando expressamente que “a Eireli adquire personalidade jurídica com a inscrição, no registro próprio e na forma da lei dos seus atos constitutivos”.
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Entendemos que fica em aberto, pois não regulado expressamente, qual deve ser o órgão público competente para o registro do novo tipo societário, que poderia ser perante o Registro Público de Empresas Mercantis ou perante o Registro Público Civil de Pessoas Jurídicas. Uma “pista” podemos retirar da alteração do parágrafo único do art. 1.033, feita também pela Lei nº 12.441/20119. Esse artigo determina que a sociedade dissolve-se
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8 Código Civil brasileiro: “Art. 985. A sociedade adquire personalidade jurídica com a inscrição, no registro próprio e na forma da lei, dos seus atos constitutivos (arts. 45 e 1.150)” (Disponível em: <http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>). 9 Lei nº 12.441, de 11 de julho de 2011: “Art. 1.033. […] Parágrafo único. Não se aplica o disposto no inciso IV caso o sócio remanescente, inclusive na hipótese de concentração de todas as cotas da sociedade sob sua titularidade, requeira, no Registro Público de Empresas Mercantis, a transformação do registro da sociedade para empresário individual ou para empresa individual de responsabilidade limitada, observado, no que couber, o disposto nos arts. 1.113 a 1.115 deste Código. (NR)” (Dispo-
quando ocorrer, entre outras hipóteses, a falta de pluralidade de sócios, não reconstituída no prazo de cento e oitenta dias. E a modificação retira dessa hipótese, expressamente, a empresa individual de responsabilidade limitada (vemos que essa modificação não é correta e/ou necessária, pois a Eireli não é uma sociedade), ao estabelecer que não se aplica o inciso IV10, caso o sócio remanescente “requeira, no Registro Público de Empresas Mercantis, a transformação do registro da sociedade para empresário individual ou para empresa individual de responsabilidade limitada”11. Logo, poder-se-ia afirmar que o órgão nível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/ L12441.htm#art3>). 10 Código Civil brasileiro, art. 1.033 vigente: “Dissolve-se a sociedade quando ocorrer: I – o vencimento do prazo de duração, salvo se, vencido este e sem oposição de sócio, não entrar a sociedade em liquidação, caso em que se prorrogará por tempo indeterminado; II – o consenso unânime dos sócios; III – a deliberação dos sócios, por maioria absoluta, na sociedade de prazo indeterminado; IV – a falta de pluralidade de sócios, não reconstituída no prazo de cento e oitenta dias; V – a extinção, na forma da lei, de autorização para funcionar. Parágrafo único. Não se aplica o disposto no inciso IV caso o sócio remanescente, inclusive na hipótese de concentração de todas as cotas da sociedade sob sua titularidade, requeira no Registro Público de Empresas Mercantis a transformação do registro da sociedade para empresário individual, observado, no que couber, o disposto nos arts. 1.113 a 1.115 deste código” (grifo nosso) (Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>). 11 Código Civil Brasileiro, novo art. 1.033: “Dissolve-se a sociedade quando ocorrer: I – o vencimento do prazo de duração, salvo se, vencido este e sem oposição de sócio, não entrar a sociedade em liquidação, caso em que se prorrogará por tempo indeterminado; II – o consenso unânime dos sócios; III – a deliberação dos sócios, por maioria absoluta, na sociedade de prazo indeterminado; IV – a falta de pluralidade de sócios, não reconstituída no prazo de cento e oitenta dias; V – a extinção, na forma da lei, de autorização para funcionar. Parágrafo único. Não se aplica o disposto no inciso IV caso o sócio remanescente, inclusive na hipótese de concentração de todas as cotas da sociedade sob sua titularidade, requeira, no Registro Público de Empresas Mercantis, a transformação do registro da sociedade para empresário individual ou para empresa
Ainda com relação ao parágrafo único do art. 1.033, julgamos que perdeu o legislador uma boa oportunidade para solucionar uma lacuna existente. O inciso IV do artigo determina que a sociedade dissolve-se quando ocorrer, entre outras hipóteses, a falta de pluralidade de sócios, não reconstituída no prazo de cento e oitenta dias. Mas não existe uma regulação ou método de acompanhamento expresso para as Sociedades que não são dissolvidas, e, na prática, o Registro Público não consegue acompanhar ou “compulsoriamente” dissolver tais sociedades. Assim, em função do disposto no § 3º do art. 980-A, que permite que a empresa individual de responsabilidade limitada resulte da concentração das quotas de outra modalidade societária em um único sócio, independentemente das razões que motivaram tal concentração, poderia o legislador ter alterado o inciso IV do art. 1.033, e não seu parágrafo único, para determinar que o Registro Público proceda à transformação da sociedade em Eireli, quando não reconstituída a pluralidade dos sócios no prazo de cento e oitenta dias. Naturalmente, essa solução não resolve o problema de acompanhamento por parte do Registro Público, mas ao menos teria uma regra clara para a questão, outorgando, assim, maior segurança jurídica àqueles que se relacionam eventualmente com uma Sociedade que não tenha recomposto a pluralidade dos sócios no prazo legal de 180 (cento e oitenta) dias. Questão relevante está relacionada à natureza do sócio. Isso porque ainda que possa ser deduzida alguma interpretação restrita, o caput do art. 980-A não é claro, para não dizer que individual de responsabilidade limitada, observado, no que couber, o disposto nos arts. 1.113 a 1.115 deste código” (grifo nosso) (Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>).
nada determina, com relação ao tipo de pessoa que pode ser titular de uma Eireli. Isso porque a norma fixa que a empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social, sem determinar sua natureza jurídica, ou seja, sem expressamente nomear que a mesma deva ser uma pessoa natural, o que deixaria a possibilidade de que possa ser constituída por uma única pessoa jurídica, titular da totalidade do capital social. Há quem possa dizer que a vedação estaria no § 2º do artigo12, que estabelece que a pessoa natural que constituir empresa individual de responsabilidade limitada somente poderá figurar em uma única empresa dessa modalidade. Igualmente não julgamos que a alternativa esteja totalmente vedada, pois esse parágrafo apenas veda à pessoa natural que tenha constituído uma Eireli a participação em outra da mesma modalidade. Mas não veda duas hipóteses, a saber: (i) a participação de pessoa jurídica como titular da totalidade do capital social; e (ii) caso admitida essa possibilidade, que esta pessoa jurídica participe de diversas Eirelis, pois a vedação seria aplicada apenas às pessoas naturais. A Lei nº 12.441/2011 poderia ter enfrentado outra questão. Referimo-nos ao enquadramento da Eireli como uma empresa individual de natureza empresária ou não, segundo os preceitos do art. 966 do CC13. Isso porque, segundo referido artigo, é con12 Lei nº 12.441, de 11 de julho de 2011: “Art. 980-A. [...] § 2º A pessoa natural que constituir empresa individual de responsabilidade limitada somente poderá figurar em uma única empresa dessa modalidade. [...]” (Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/ L12441.htm#art3>). 13 Código Civil brasileiro: “Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo
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responsável pelo registro seria o Registro Público de Empresas Mercantis. Mas melhor seria se o legislador houvesse expressamente assim definido.
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siderado empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços, sendo que o parágrafo único do mesmo artigo determina que não é considerado empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.
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Ora, não obstante outras possíveis vantagens que podem advir do enquadramento da Eireli como tipo empresário ou tipo simples, podemos indicar a possibilidade de estabelecimento de efetiva sintonia no ordenamento jurídico com outras normas destinadas às empresas, destacadamente a aplicação da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 200514, a conhecida nova Lei de Falências, que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Segundo o art. 1º da lei, a mesma disciplina a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, e, neste ponto, poderia o legislador ter disciplinado a questão, facultando à Eireli o enquadramento como um tipo empresário, para todos os fins do art. 966 do CC, ou como tipo simples, nos termos do parágrafo único do mesmo artigo. Frisamos que não se pode confundir a denominação do tipo “empresa” como sua natureza e classificação como tipo empresário, para os fins definidos no art. 966 do CC.
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A estipulação do § 5º do art. 980-A15 parece causar mais estranheza do que oferece soluções. Isso porque o dispositivo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa” (Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>). 14 Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm>. 15 Lei nº 12.441, de 11 de julho de 2011: “Art. 980-A. [...] § 5º Poderá ser atribuída à empresa individual de responsabilidade limitada constituída para a prestação de serviços de qualquer natureza a remuneração decor-
autoriza a Eireli, quando seu objeto for a prestação de serviços, a receber remuneração decorrente da cessão de direitos patrimoniais de autor ou de imagem, nome, marca ou voz de que seja detentor o titular da pessoa jurídica, vinculados à atividade profissional. Ou seja, pode a empresa ser gestora de direitos patrimoniais de autor ou de imagem, nome, marca ou voz de seu titular, mas a norma não deixa claro se este recebimento pode ser feito por mera cessão do crédito, sem que o titular seja obrigado a ceder efetivamente tais direitos à Eireli. Essa questão pode causar problemas e muitos entendimentos diversos nos órgãos públicos competentes que deverão lidar com tais situações, especificamente, a Receita Federal do Brasil (pois pagamentos serão feitos por terceiros a uma pessoa jurídica distinta da titular de tais direitos), o Instituto Nacional da Propriedade Industrial – Inpi (que é o órgão responsável por grande parte dos referidos registros de direitos, e que pode ter entendimento diverso, exigindo a efetiva cessão do registro para tornar oponível a terceiros), o Escritório de Direitos Autorais (EDA) da Fundação Biblioteca Nacional (FBN) (responsável pelo registro de obras literárias, desenhos e músicas), a Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (responsável pelo registro de obras de artes visuais) e a Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro (encarregada do registro de obras musicais). Isto, naturalmente, sem prejuízo de outros órgãos e entidades possivelmente relacionadas ou que tenham relação com a fiscalização, regulação ou atuação sobre tais direitos. Como regência supletiva, a Lei nº 12.441/2011 fixou no § 6º do art. 980-A16 que são aplicadas à Empresa Individual de Responrente da cessão de direitos patrimoniais de autor ou de imagem, nome, marca ou voz de que seja detentor o titular da pessoa jurídica, vinculados à atividade profissional” (Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12441.htm#art3>). 16 Lei nº 12.441, de 11 de julho de 2011: “Art. 980-A. [...] § 6º Aplicam-se à empresa individual de responsabilidade limitada, no que couber, as regras
Dispõe, ainda, o art. 3º da lei que seus efeitos e consequentemente o instituto da Eireli entra em vigor 180 (cento e oitenta) dias após a data de sua publicação, ou seja, após 12 de janeiro de 2012 (DOU de 12.07.2011).
CONSIDERAÇÕES FINAIS Em vista de todo o exposto, considerando os pontos que destacamos da Lei nº 12.441, de 11 de julho de 2011, ora em comento, e sem prejuízo dos demais comentários feitos, podemos apresentar as seguintes conclusões: (i) julgamos que a estipulação de que a Eireli seja constituída com capital social, devidamente integralizado, não inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País, deve ser revisitada, pois não nos parecer respeitar uma boa dinâmica comercial e empresarial a exigência de que um empresário faça um depósito mínimo obrigatório do total do capital social para a constituição da Eireli. Essa exigência vai de encontro ao atual estado de liberdade de constituição de empresas no Direito brasileiro, bem como não se enquadra na realidade societária, pois efetivamente um grande e considerável número de sociedades é criado com um capital social reduzido, ajustando-o às necessidades e ao crescimento de suas atividades. Ademais, se o objetivo da instituição da Eireli previstas para as sociedades limitadas” (Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12441.htm#art3>).
seria fornecer uma alternativa ao pequeno e médio empresário (pois aos grandes é facultada a Sociedade Anônima e as grandes Sociedades Limitadas), o capital social mínimo da ordem de R$ 54.500,00 (cinquenta e quatro mil e quinhentos reais) certamente representará um grande entrave para o desenvolvimento desse tipo societário; (ii) caso o tópico anterior não seja repensado, parece-nos que a alternativa será a continuidade de utilização das famigeradas empresas constituídas sob a forma de Sociedades Limitadas, que, por necessidade, acabam tendo um sócio que possui pequena participação societária, apenas para viabilizar a constituição de uma pessoa jurídica; (iii) outro ponto que pode ser revisto no modelo relaciona-se ao fato de que não pode uma Eireli ser constituída por uma pessoa natural que já tenha participação no capital social de uma outra empresa dessa modalidade. A dinâmica empresarial muitas vezes exige que o empresário participe de negócios e de operações, que podem ser em localidades distintas, mas podem igualmente ser em atividades e ramos distintos. Certamente a vedação poderá causar mais transtornos do que trazer benefícios, sem contar os entraves que cria para o indicado dinamismo do mundo empresarial; (iv) um importante quesito que deveria ter sido tratado pela Lei nº 12.441/2011 refere-se ao enquadramento da Eireli como uma empresa individual de natureza empresária ou não, segundo os preceitos do art. 966 do CC17. Não obstante outras 17 Código Civil brasileiro: “Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa” (Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>).
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sabilidade Limitada – Eireli, no que couber, as regras previstas para as sociedades limitadas. Na prática, verificamos que poucas regras seriam aplicadas supletivamente. Especificamente àquela entendemos que seriam aplicadas aquelas regras que regulam a relação da Sociedade Limitada com terceiros e com relação à administração, pois outras, que regulam a relação entre os sócios, efetivamente não teriam qualquer cabimento para a Eireli.
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possíveis vantagens que podem advir do enquadramento da Eireli como tipo empresário ou tipo simples, verificamos em nossos comentários a possibilidade de estabelecimento de efetiva sintonia no ordenamento jurídico com outras normas destinadas às empresas, destacadamente a aplicação da Lei de Falências (Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005). O legislador poderia ter disciplinado a questão, facultando à Eireli o enquadramento como um tipo empresário, para todos os fins do art. 966 do CC, ou como tipo simples, nos termos do parágrafo único do mesmo artigo; (v) frisamos que não se pode confundir a denominação do tipo “empresa” da Eireli com a natureza e classificação do tipo “empresário”, para os fins definidos no art. 966 do CC;
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(vi) de toda forma, reforçamos que a inciativa merece os devidos elogios por permitir ao empresário constituir uma
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pessoa jurídica sem a participação de outro sócio, dando uma efetiva solução para a conhecida figura do “laranja” ou “sócio minoritário por afinidade”, que é aquele sócio que possui pequena participação societária apenas para viabilidade a constituição de uma pessoa jurídica. Contudo, para que essa situação seja verificada na prática e tenhamos uma efetiva e ampla utilização da figura da Eireli, entendemos que os problemas indicados nesses nossos comentários devem ser solucionados e/ou minimizados (se não no todo, em parte). Esses eram nossos comentários sobre a figura da Eireli, recentemente incluída no corpo de nosso direito societário. Somos inclinados a indicar que a nova figura jurídica, apesar de atender a antigo anseio acadêmico e dos empresários brasileiros, parece não refletir a real necessidade do mundo dos negócios, assim como pode acabar, pelos pontos anteriormente indicados, sendo pouco utilizada ou não atingir os seus efetivos propósitos.
Acórdão na Íntegra
Supremo Tribunal Federal Recurso Extraordinário nº 607.056/RJ Plenário Recorrente: Estado do Rio de Janeiro Procurador: Procurador-Geral do Estado do Rio de Janeiro Recorrido: Condomínio do Edifício Paula Adv.: Lígia Costa Tavares Intimado: Associação das Empresas de Saneamento Básico Estaduais – Aesbe Adv.: Elizabeth Costa de Oliveira Góes Relator: Ministro Dias Toffoli DJe nº 91, div. 15.05.2013, pub. 16.05.2013 EMENTA TRIBUTÁRIO – ICMS – FORNECIMENTO DE ÁGUA TRATADA POR CONCESSIONÁRIAS DE SERVIÇO PÚBLICO – NÃO INCIDÊNCIA – AUSÊNCIA DE FATO GERADOR 1. O fornecimento de água potável por empresas concessionárias desse serviço público não é tributável por meio do ICMS. 2. As águas em estado natural são bens públicos e só podem ser exploradas por particulares mediante concessão, permissão ou autorização. 3. O fornecimento de água tratada à população por empresas concessionárias, permissionárias ou autorizadas não caracteriza uma operação de circulação de mercadoria. 4. Precedentes da Corte. Tema já analisado na liminar concedida na ADI 567, de relatoria do Ministro Ilmar Galvão, e na ADI 2.224-5-DF, Relator o Ministro Néri da Silveira. 5. Recurso extraordinário a que se nega provimento.
ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária, sob a presidência do Senhor Ministro Joaquim Barbosa, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, em negar provimento ao recurso extraordinário, nos termos do voto do Relator. Brasília, 10 de abril de 2013. Ministro Dias Toffoli Relator
RELATÓRIO O Senhor Ministro Dias Toffoli (Relator): Trata-se de recurso extraordinário interposto pelo Estado do Rio de Janeiro contra acórdão do Tribunal de Justiça daquele Estado, assim ementado: “Tributário. ICMS incidente sobre água canalizada. Ação de rito ordinário objetivando a exoneração da cobrança e a restituição dos valores pagos a título de ICMS indevidamente incluídos pela Cedae nas faturas referentes ao fornecimento de água encanada. Sentença que julgou improcedente o pedido inicial. Apelação do Autor. Água que não constitui mercadoria, mas sim serviço público essencial e específico. Inexistência da relação jurídico-tributária impugnada. Entendimento predominante neste Tribunal de Justiça. Incidente de Uniformização de Jurisprudência nº 2006.018.00005. Precedentes do STJ. Contribuinte que faz jus à restituição dos valores pagos indevidamente, corrigidos desde o desembolso e acrescido de juros de mora a contar do trânsito em julgado da decisão, observada a prescrição quinquenal. Súmula nº 188 do STJ. Reforma do julgado que enseja a imposição ao Réu dos ônus sucumbenciais. Provimento parcial da apelação” (fl. 152).
No extraordinário, interposto com fundamento na alínea a do permissivo constitucional, o Estado do Rio de Janeiro sustenta que o acórdão recorrido – motivado, basicamente, no enunciado da Súmula nº 130 do próprio TJRJ, o qual dispõe que o fornecimento de água limpa e potável é serviço essencial, sendo ilegal a cobrança do ICMS por parte das empresas concessionárias – violaria o art. 155, II, da Constituição Federal, já que toda a discussão travada no julgado giraria em torno de saber se a água encanada constitui mercadoria, justificando-se, assim, a incidência do ICMS, à luz do citado dispositivo constitucional. Aduz, ainda, que, “[p]or detrás dessa questão, jazem outras. Se, como reiteradamente orienta o STF, o fornecimento de água canalizada é remunerável somente por tarifas, em tudo por tudo idênticas às tarifas cobradas pelas concessionárias dos serviços de comunicação, de energia elétrica, de gás canalizado, etc., por que esses outros serviços sofrem a incidência do ICMS e o fornecimento de água não pode sofrê-la? Onde ficam os princípios da capacidade contributiva e da isonomia tributária nisto tudo?” (fl. 162)
A matéria teve sua repercussão geral reconhecida pelo Plenário Virtual, em 21.10.2010.
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O Ministério Público Federal opinou pelo não provimento do recurso (fls. 254/256).
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É o relatório.
VOTO O Senhor Ministro Dias Toffoli (Relator): As discussões relacionadas à inconstitucionalidade da incidência do Imposto Sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Serviços de Transporte Interestadual e In-
termunicipal e de Comunicação (ICMS) sobre a operação de fornecimento de água encanada não são novas. O tema já foi objeto de análise, com decisão unânime desta Suprema Corte, nos autos da ADI 567, na qual o Ministro Relator, Ilmar Galvão, votou pela suspensão liminar do ICMS sobre o fornecimento de água no Estado de Minas Gerais, conforme a ementa a seguir: “Cautelar. Ação Direta de inconstitucionalidade. Arts. 546, 547 e 548 do Decreto nº 32.535, de 18 de fevereiro de 1991, do Estado de Minas Gerais. Alegada infringência aos arts. 150, I e VI e § 2º, e 155, 1, b, da Constituição Federal. Relevância do direito, caracterizada pela circunstância de haver-se definido por decreto, fato gerador e base cálculo de tributo; e, ainda, por ter-se pretendido modificar, pela mesma via, a natureza jurídica do fornecimento de água potável, encanada, às populações urbanas, transmudando-a de serviço público essencial em circulação de mercadoria. Periculum in mora, igualmente configurado, em face da extrema dificuldade de recuperação dos valores correspondentes ao tributo que vier a ser pago. Cautelar deferida.”
Na ADI 2.224-5-DF, o Ministro Néri da Silveira, no voto proferido, considerou relevante, para votar pela concessão da liminar, o mesmo fundamento invocado pelo Ministro Ilmar Galvão na ADI 567. Embora não se tenha conhecido dessa ação direta de inconstitucionalidade por questões processuais, na discussão do mérito, contudo, acenou-se com a tese da não tributação, via ICMS, da água fornecida como serviço público. O objeto da referida ADI 2.224-5/DF consistia em declarar a inconstitucionalidade do Convênio nº 77/1995 – que autorizava os Estados do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul a revogar a isenção do ICMS para a água canalizada – e da Resolução nº 2.679/1996 da Secretaria do Estado de Fazenda do Estado
Na ocasião, não se conheceu da ação, sob o fundamento de que o afastamento do mundo jurídico das normas impugnadas importaria em deixar remanescer a regra geral que “isenta um absurdo”, no dizer do Ministro Maurício Corrêa. Sem que se tenha atacado a norma que criou a isenção, o Tribunal entendeu que não seria o caso de se conhecer de ação que “visa cancelar a isenção setorizada no Estado do Rio Grande do Sul”. No caso sob exame, são impugnados tanto o Convênio nº 98/1989, que concedeu a isenção, como o Convênio Confaz nº 77/1995, ratificado pelo Governador do Estado por meio do Decreto nº 21.845/1995, além das Resoluções nº 2.679/1996 e nº 3.525/1999 da Secretaria Estadual de Fazenda, que determinavam a incidência do ICMS sobre os serviços de fornecimento de água canalizada no Estado do Rio de Janeiro. Na esteira dos precedentes da Corte, entendo que a incidência do ICMS sobre água potável para o consumo da população – prevista na legislação do Rio de Janeiro – gera uma situação eivada de inconstitucionalidade, destoando da materialidade desse tributo, inserta no art. 155, inciso II, da Constituição Federal. Com efeito, a Constituição Federal define o âmbito do ICMS no referido art. 155, inciso II, o qual estabelece a sua incidência sobre “operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior”. Observe-se que, embora o fato gerador do ICMS seja descrito na lei que o institui, como ocorre com todos os demais tributos, sujeita-se o legislador infraconstitucional aos limites da hipótese
de incidência estabelecida na Carta Magna. A lei que veicular sua hipótese de incidência só será válida se descrever uma operação relativa à circulação de mercadorias ou à prestação dos serviços taxativamente previstos no dispositivo constitucional. Assim, analisar a extensão da hipótese de incidência prevista no art. 155, inciso II, da Constituição Federal é indispensável para a identificação do que constitui ou não fato gerador do ICMS. Geraldo Ataliba define “operações” como “atos jurídicos; atos regulados pelo Direito como produtores de determinada eficácia jurídica; são atos juridicamente relevantes; circulação e mercadorias são, nesse sentido, adjetivos que restringem o conceito substantivo de operações”. “Circular”, no dizer de Ataliba e Cleber Giardino, citados por José Eduardo Soares de Melo (ICMS: teoria e prática. 10. ed. Dialética, p. 14), “significa, para o Direito, mudar de titular. Se um bem ou uma mercadoria mudam de titular, circula para efeitos jurídicos. Convenciona-se designar por titularidade de uma mercadoria à circunstância de alguém deter poderes jurídicos de disposição sobre a mesma, sendo ou não seu proprietário (disponibilidade jurídica).”
No que se refere à noção de mercadoria, para fins de tributação do ICMS, consolidou-se, ao longo do tempo, o entendimento de que consiste em bem móvel sujeito à mercancia ou, se preferirmos, no objeto da atividade mercantil. Dessa forma, não é qualquer bem móvel que é mercadoria, mas tão somente aquele que se submete à mercancia, ou seja, que é passível de apropriação pelo promotor da operação que o destina ao processo econômico circulatório. O bem móvel é o gênero, do qual mercadoria é a espécie. A fundamentação que vem ensejando a classificação da distribuição de água potável como atividade mercantil – para fins de imposição tributária pelos estados-membros e pelo Distrito
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do Rio de Janeiro – “que leva a efeito o mencionado convênio dispondo sobre as operações internas com água natural”.
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Federal – é construída a partir de uma concepção segundo a qual a água canalizada é um bem dotado de valor econômico, diferente daquela encontrada em seu estado natural (água bruta), já que sofre tratamento químico necessário para o consumo. Em resumo, o fornecimento de água potável caracterizaria uma operação de circulação de mercadoria.
Esse entendimento é corroborado pelo art. 18 da Lei nº 9.433/1997, que “institui a Política Nacional de Recursos Hídricos”, ao deixar claro que a concessão do serviço público de distribuição de água canalizada constitui mera outorga dos direitos de uso, não implicando a alienação das águas, uma vez que se trata de bem de uso comum do povo, inalienável.
Todavia, as águas públicas derivadas de rios ou mananciais são qualificadas juridicamente como bem de uso comum do povo, conforme os arts. 20, III, e 26, I, da Constituição Federal, não podendo ser equiparadas a uma espécie de mercadoria, sobre a qual incidiria o ICMS. O tratamento químico necessário ao consumo não tem o condão de descaracterizar a água como um bem público de uso comum de todos.
“Art. 18. A outorga não implica a alienação parcial das águas, que são inalienáveis, mas o simples direito de seu uso.”
De longa data, Geraldo Ataliba questiona a incidência do imposto estadual sobre bens que não tenham a natureza jurídica de “mercadorias”, argumentando que:
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“não é qualquer bem que pode ser juridicamente qualificado como mercadoria. Essa qualificação depende de dois fatores, a saber (1) a natureza do promotor da operação que a tem por objeto e (2) a destinação comercial que a ela dá o seu titular.”
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Evidencia-se, assim, que os conceitos de “operação”, “circulação” e “mercadoria” permanecem umbilicalmente ligados, devendo o intérprete das leis e os aplicadores do ICMS tomá-los em suas concepções jurídicas para efeito da caracterização de sua incidência. No caso, estão ausentes os elementos que adjetivam o aspecto material da hipótese de incidência do ICMS, quais sejam: “circulação” e “mercadoria”, na medida em que as concessionárias – promotoras da operação de fornecimento de água – não detêm poderes jurídicos de disposição sobre ela, tampouco podem dar destinação comercial à água, dada a sua natureza de bem público.
No mesmo sentido, o Código de Águas (Decreto nº 24.643/1934): “Art. 46. concessão não importa, nunca, a alienação parcial das águas públicas, que são inalienáveis, mas no simples direito ao uso destas águas.”
Observa-se, assim, que, ao se tributar o fornecimento de água potável, está-se conferindo interpretação inadequada ao conceito de mercadoria, o que conduz, erroneamente, à classificação de água canalizada como bem passível de comercialização. E mais. Está-se pretendendo tributar, via ICMS, serviço de saneamento básico não taxativamente previsto no art. 155, II, da Magna Carta. A água natural canalizada, ao contrário do que acontece com a água envasada, não é objeto de comercialização, e sim de prestação de serviço público. Inexiste, portanto, uma operação relativa à circulação de água, como se essa fosse mercadoria. Em verdade, os concessionários que detêm o direito ao uso dessas águas prestam serviços públicos essenciais de competência do Estado, mediante a captação, o tratamento e o abastecimento de água de forma adequada ao consumidor final – os quais compreendem um conjunto de serviços que visam assegurar a universalidade e a qualidade do consumo de água pela população, promovendo, desse modo, a saúde pública.
“na medida em que as águas são incontendivelmente bens públicos, segue-se que não são mercadorias, não podendo, só por isso, ensejar tributação por meio de ICMS. Ademais, neste estado natural, a água é insusceptível de avaliação econômica, circunstância que, de per si, afasta a incidência do ICMS. Por outro lado, o serviço domiciliar de água (água encanada e tratada), porque serviço público específico e divisível, possibilita apenas um tipo de tributação: a tributação por meio de taxa de serviço (art. 145, II, segunda parte da CF). Não de imposto; muito menos de ICMS, cujas regras matrizes estão perfeitamente delineadas no Texto Magno e não podem ter seu traçado alterado pelo legislador ou pelo agente fiscal.”
Complementa o Professor José Eduardo Soares de Melo (ICMS – teoria e prática. 10. ed. Dialética, 2008. p. 20): “[...] [N]ão se tributa (ICMS) a água em estado bruto (bem público não destinado a comércio); a água utilizada no preparo de alimentos, higiene, etc., e a água encanada e tratada (sujeita à taxa); embora o Convênio ICMS nº 98, de 24.10.1989, tenha disposto sobre a isenção no fornecimento de água natural canalizada, evidenciando que poderia (à falta de convênio) ser objeto de tributação.”
Por fim, registro a jurisprudência já há muito consolidada nesta Corte de que o serviço de fornecimento de água é submetido ao regime de preço público, e não ao de taxa, como manifesto nos embargos no RE 54.491/PE e nos RE 85.268/PR e 77/162/SP. Registro, ademais, que essa discussão – sobre a remuneração do serviço público –, ao contrário do que faz parecer o recorrente, não tem qualquer relevância para o deslinde do caso concreto, pois incontroverso que se trata de um serviço público essencial posto à disposição da população, o qual, independentemente
do regime jurídico de sua remuneração, não está sujeito à tributação pela via do imposto em questão. Não bastassem todos os fundamentos já delineados, considero que a incidência do ICMS sobre o serviço de água tratada não atende ao interesse público; ao contrário, a tributação pode, inclusive, prejudicar políticas públicas de universalização do acesso a esse serviço. Diante do exposto, voto pelo não provimento do recurso extraordinário, ratificando a jurisprudência da Corte no sentido da não incidência do ICMS sobre o serviço de fornecimento de água tratada.
VISTA O Senhor Ministro Luiz Fux – Senhor Presidente, temos aqui algumas questões bastante complexas. Em primeiro lugar, no meu modo de ver, o fato de ser serviço essencial não inibe a incidência de exação. Transporte coletivo é serviço essencial e há incidência de tributos; a água, no meu modo de ver, pode ser avaliável economicamente. Por força de tantas outras questões que esta causa suscita, peço vênia ao Colegiado para pedir vista, para trazer um voto mais aprofundado.
VOTO-VISTA RECURSO EXTRAORDINÁRIO – REPERCUSSÃO GERAL – CONSTITUCIONAL – TRIBUTÁRIO – IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES RELATIVAS À CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS (ICMS) – Fornecimento de água canalizada. Serviço público essencial. Precedentes no sentido de rejeitar a tributação (ADIn 567/MG, Rel. Min. Ilmar Galvão, e ADIn 2.224/DF,
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A doutrina abalizada não destoa desse entendimento, a exemplo do magistério do Professor Antônio Roque Carraza (ICMS. 10. ed. Malheiros, p. 131):
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Red. p/Acórdão Min. Nelson Jobim). Água, em estado bruto in natura, que configura bem público estadual ou da União (CRFB/1988, art. 20, III e VI, e art. 26, I). Outorga do direito de uso da água que não implica alienação parcial, nos termos do art. 18 da lei que disciplina a política nacional de recursos hídricos (Lei nº 9.433/1997). Interpretação gramatical. Momento de captação da água, posteriormente à outorga. Impossibilidade de apropriação da água pelo agente econômico. A presença de finalidade econômica na captação da água, revelada pela meta pública de “reconhecer a água como bem econômico e dar ao usuário uma indicação de seu real valor” (Lei nº 9.433/1997, art. 19, I), bem como pela cobrança de valores pelo uso de recursos hídricos conforme o volume de água captado pelo outorgado (Lei nº 9.433/1997, art. 21, I), não justifica a incidência da tributação. Ausência de típica operação de circulação de mercadorias. Ausência de previsão expressa no texto constitucional (CRFB/1988, art. 155, II e § 3º) não se amoldando ao fato gerador principal do ICMS (CRFB/1988, art. 155, II, Primeira Parte). Recurso extraordinário desprovido.
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O Senhor Ministro Luiz Fux: A controvérsia dos autos gira em torno da possibilidade de tributação, por ICMS, da atividade de fornecimento de água canalizada, prestada pela Cedae/RJ aos usuários através do pagamento de tarifa. Para equacioná-la, as duas teses principais, sustentadas pelo recorrente (Estado do Rio de Janeiro) e pelo recorrido (Condomínio do Edifício Paula), partem, respectivamente, das premissas de que o fornecimento de água canalizada configuraria (i) mercadoria ou (ii) serviço público essencial: na primeira hipótese, diversamente da segunda, haveria subsunção à matriz constitucional do ICMS, prevista no art. 155, II, da CRFB/1988 (Art. 155. Compete aos Estados e V ao Distrito Federal instituir impostos sobre: [...] II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior), o que validaria sua incidência. O acórdão recorrido, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, afastou a tributação sobre a água encanada, considerando se tratar de serviço público essencial, e não fornecimento
de mercadoria, de modo que se admitiria a cobrança apenas de tarifa frente ao cidadão. Fundou-se, para tanto, no art. 23, II e IX (Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: [...] II – cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência; [...] IX – promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico), e no art. 175 da CRFB/1988. Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Parágrafo único. A lei disporá sobre: I – o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão; II – os direitos dos usuários; III – política tarifária; IV – a obrigação de manter serviço adequado), que disciplinam o regime constitucional do serviço público de fornecimento de água, sendo que o art. 10, I, da Lei de Greve confirmaria a classificação como serviço público essencial (Lei nº 7.783/1989, Art. 10. São considerados serviços ou atividades essenciais: I – tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis; [...]). O eminente Ministro Relator Dias Toffoli, ao trazer o feito a julgamento na sessão plenária de 1º de setembro de 2011, proferiu voto no sentido de negar provimento ao recurso extraordinário. Após aludir a precedentes deste Supremo Tribunal Federal sobre o tema, afirmou que a incidência do ICMS sobre o fornecimento de água canalizada encerraria “uma situação eivada de inconstitucionalidade, destoando da materialidade desse tributo inserta no art. 155, II, da Constituição Federal”. Asseverou que somente os bens móveis submetidos à mercancia configurariam mercadoria para fins de tributação pelo ICMS, razão pela qual as águas públicas, “qualificadas juridicamente
Deste modo, e com amparo na lição de Roque Antonio Carrazza, afirmou o Ministro Relator que o fornecimento de água ensejaria, em tese, “apenas um tipo de tributação: a tributação por meio de taxa de serviço (CRFB/1988, art. 145, II)”, muito embora logo a seguir tenha ressaltado que a jurisprudência desta Suprema Corte se firmou no sentido de que o fornecimento de água se submete ao regime de preço público, e não de taxa. E, por fim, asseverou que a tributação do fornecimento de água por ICMS não atenderia ao interesse público, já que “poderia inclusive prejudicar políticas públicas de universalização do acesso a esse serviço”. Feito o relato do ocorrido até o momento, passo a votar. Após refletir com a devida profundidade sobre todos os aspectos constitucionais que envolvem o tema, e levando em conta principalmente que o presente recurso extraordinário está submetido a julgamento segundo a sistemática da repercussão geral, de modo que assim se firmará um precedente a ser aplicado de maneira uniforme por todo o país (CPC, art. 543-B, §§ 3 e 4º), alinho-me à tese que rejeita a tributação do fornecimento de água canalizada pelo ICMS, e encampada pelo il. Relator Ministro Dias Toffoli. Trago apenas algumas breves reflexões acerca da temática.
De início, assento que, do ponto de vista conceitual, inexiste qualquer incompatibilidade lógica entre a classificação de determinada atividade como serviço público, no âmbito do direito administrativo, e a configuração, nesta mesma atividade, sob o ângulo material, de um fornecimento de mercadorias a ensejar a incidência do ICMS. Com efeito, a função da classificação de atividades como serviços públicos, como se sabe, é conduzir à atração de um peculiar regime jurídico de direito público, diante do especial significado de determinadas utilidades econômicas para a interdependência social, de modo que “o Estado reputa que não convém relegá-las simplesmente à livre iniciativa; ou seja, que não é socialmente desejável fiquem tão só as sujeitadas à fiscalização e controles que exerce sobre a generalidade das atividades privadas” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 641). E esse especial significado social pode se mostrar presente tanto na realização de um fazer quanto na de um dar, nesta última hipótese em típica operação de circulação econômica de mercadoria: há serviço público a revelar um fazer, por exemplo, nas atividades de telecomunicações e de limpeza urbana, e há também serviço público na atividade de distribuição de gás canalizado, que configura um dar a ensejar a tributação por ICMS. Em suma, serviço público, para o direito administrativo, é conceito absolutamente distinto de serviço público para o direito tributário, em cujo núcleo reside a configuração de um facere, isto é, uma obrigação de fazer (TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário – Os tributos na Constituição. Rio de Janeiro: Renovar, v. IV, 2007, p. 368).
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como bem de uso comum do povo”, não poderiam ser equiparadas à espécie daquelas, e isso ainda que após o tratamento químico necessário ao consumo. Nessa linha, aludiu ao art. 18 da Lei nº 9.433/1997 e ao art. 46 do Código de Águas (Decreto nº 24.643/1934), que impediriam a alienação parcial das águas públicas por força de outorgas do direito de uso. Assim, ao contrário da água envasada, a água natural canalizada, insuscetível de avaliação econômica, não seria objeto de comercialização, e sim de “prestação de serviço público” de natureza essencial e de competência do Estado.
Nada obstante isso, a rejeição da tributação do fornecimento de água canalizada, por ICMS, se justifica por outros fundamentos.
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O primeiro deles reside no caráter essencial subjacente ao fornecimento de água canalizada para a coletividade em geral que, por tal razão, afasta in casu a incidência tributária. As águas, em seu estado bruto in natura, foram ineludivelmente alçadas pelo constituinte à condição de bens públicos, insuscetíveis, portanto, de avaliação econômica. Podem ser estaduais, conforme disposto no art. 26, I, da CRFB/1988 (CRFB/1988, Art. 26. Incluem-se entre os bens dos Estados: I – as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União; [...]), ou federais, nas hipóteses previstas no art. 20, III e VI, da Constituição (CRFB/1988, art. 20. São bens da União: [...] III – os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais; [...] e VI – o mar territorial). Nota-se, portanto, que o Constituinte entendeu por excluir o Município da titularidade das águas, conforme assinala BARROSO, Luís Roberto. Água: a próxima crise, In Temas de direito constitucional, Tomo II, Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 310.
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Tal circunstância permanece inalterada mesmo quando haja o fornecimento através da canalização ao consumidor final. É dizer, a condição jurídica da água não muda radicalmente de figura com a mera distribuição domiciliar de água potável por concessionárias ou permissionárias aos cidadãos, razão por que não se revela possível qualificá-las juridicamente como mercadorias para fins de incidência de tributação por ICMS. De fato, como prega a Lei que disciplina a Política Nacional de Recursos Hídricos, está sujeita à outorga do Poder Público a “derivação ou captação de parcela da água existente em um corpo de água para consumo final, inclusive abastecimento público, ou insumo de processo produtivo” (Lei nº 9.433/1997, art. 12, I). Nessa hipótese, portanto, há outorga do direito de uso
dos recursos hídricos públicos, sendo que a própria Lei afirma que “a outorga não implica a alienação parcial das águas, que são inalienáveis, mas o simples direito de seu uso” (art. 18). A leitura dessa última disposição tem de ser feita em seus devidos termos. Isso significa que, em uma primeira guinada de visão, que a só outorga do direito de uso acarrete a transferência da propriedade sobre a água encontrada no domínio dos Estados ou da União. Mais que isso, tampouco se pode cogitar, partindo da própria literalidade do preceito legal, de que, uma vez promovida a intervenção do agente econômico através da captação da água, a partir de tal momento a água captada passa a ser, naturalmente, da propriedade do agente econômico, para que assim seja possível o respectivo fornecimento aos usuários finais através da rede de distribuição. Em outras palavras, o art. 18 da Lei nº 9.433/1997 (Lei de Recursos Hídricos) impede que seja adquirida a propriedade sobre a água no mero momento da outorga do direito de uso, outrossim obstaculiza que haja a apropriação sobre as águas já captadas através do exercício concreto de tal direito de uso. Nesse diapasão, não consubstancia premissa inexorável do outorgado direito de uso sobre as águas públicas que o concessionário possa, após captá-las, apropriar-se da água para conduzir o fornecimento aos usuários. Demais, a natureza de bem público não se altera ante o reconhecimento da finalidade econômica dado pela mesma Lei nº 9.433/1997, que disciplina a Política Nacional de Recursos Hídricos. A rigor, o referido diploma fixa apenas e tão somente parâmetros objetivos para a cobrança pelo uso da água, com vistas a racionalizar a sua utilização pelos usuários, em nada alterando o seu caráter de bem público. Isso pode ser corroborado pelos arts. 19 e 21, I, da Lei nº 9.433/1997 (Art. 19. A cobrança pelo uso de recursos hídricos objetiva: I – reconhecer a água como bem econômico e dar ao usuário uma indicação de seu real valor; II – incentivar a racionalização do uso da água; III – obter recursos financeiros
Assim, assiste razão ao acórdão recorrido quando afirma, para negara tributabilidade da água canalizada, que “a água, recurso natural e essencial à vida, ao desenvolvimento econômico e ao bem-estar social, constitui bem público inalienável, e o fornecimento de água potável, disponibilizada à população como serviço público, de obrigação do Estado, não enseja a perda de sua natureza, mesmo sendo delegado mediante concessão”. Neste cenário, o fornecimento de água canalizada, por não se tratar de operação de circulação de mercadorias, queda-se fora da incidência do ICMS de acordo com a primeira parte do art. 155, II, da CRFB/1988 (Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: [...] II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior). Outrossim, os serviços públicos de água canalizada não receberam previsão expressa na hipótese de incidência do ICMS, contidas na parte final do citado inciso II do art. 155 da CF e no corpo do §3º do mesmo dispositivo (CRFB/1988, Art. 155. § 3º À exceção dos impostos de que tratam o inciso II do caput deste artigo e o art. 153, I e II, nenhum outro imposto poderá incidir sobre operações relativas a energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do País), razão por que não revela legítima a sua cobrança por Estados e pelo DF. Por fim, a natureza jurídica de serviço também foi reconhecida pela Lei Complementar nº 116/2003, que revogou o regramento
do ISS à época vigente (Decreto-Lei nº 406/1968). Esta norma geral do ISS, por disposição expressa do art. 156, III, da CF/1988, veio a definir em seu texto os serviços passíveis de tributação por este imposto, com exceção daqueles já tributados pelo ICMS, verbis: Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: [...] III – serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art.155, II, definidos em lei complementar.
Na lista anexa à aludida Lei Complementar, foram inseridas as atividades típicas das companhias de saneamento, notadamente, para o que interessa ao deslinde da questão, os itens 7.14 e 7.15, os quais foram objeto de veto presidencial, cujas razões ora transcrevemos por subsidiarem o decisum, verbis: 7.14 Saneamento ambiental, inclusive purificação, tratamento, esgotamento sanitário e congêneres. 7.15 Tratamento e purificação de água. A incidência do imposto sobre serviços de saneamento ambiental, inclusive purificação, tratamento, esgotamento sanitários e congêneres, bem como sobre serviços de tratamento e purificação da água, não atende ao interesse público. A tributação poderia comprometer o objetivo do Governo em universalizar o acesso a tais serviços básicos. O desincentivo que a tributação acarretaria ao setor teria como consequência de longo prazo aumento nas despesas no atendimento da população atingida pela falta de acesso a saneamento básico e água tratada. Ademais, o Projeto de Lei nº 161 – Complementar revogou expressamente o art. 11 do Decreto-Lei nº 406, de 31 de dezembro de 1968, com redação dada pela Lei Complementar nº 22, de 9 de dezembro de 1974. Dessa forma, as obras hidráulicas e de construção civil contratadas pela União, Estados, Distrito Federal, Municípios e autarquias e concessionárias, antes isentas do tributo, passariam a ser taxadas, com reflexos nos gastos com investimentos do Poder Público. Dessa forma, a incidência do imposto sobre os referidos serviços não atende o interesse público, recomendando-se o veto aos itens 7.14 e 7.15, constantes da Lista de
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para o financiamento dos programas e intervenções contemplados nos planos de recursos hídricos; Art. 21. Na fixação dos valores a serem cobrados pelo uso dos recursos hídricos devem ser observados, dentre outros: I – nas derivações, captações e extrações de água, o volume retirado e seu regime de variação).
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Serviços do presente Projeto de Lei Complementar. Em decorrência, por razões de técnica legislativa, também deverão ser vetados os incisos X e XI do art. 3º do Projeto de Lei.
Adite-se a isso que, ontologicamente, não subsiste a distinção feita pelo Recorrente no sentido de que o fornecimento de água canalizada se apresentaria como serviços públicos essenciais, e não como serviços públicos obrigatórios (i.e., aqueles cuja prestação é de tal forma tocada pelo interesse público que cabe ao Estado exercê-la mesmo que o usuário, por ato voluntário, pretenda ilidi-la), razão por que atrairia a incidência da tributação por ICMS. Em essência, inexiste justificativa que dê suporte a tal distinção.
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O fato de haver serviços em que mesmo diante do inadimplemento do usuário, por não ter recolhido a taxa pertinente, ocorrerá a prestação (e.g., esgoto sanitário e com a coleta de lixo) não retiram a sua pecha de essencial. Por outro lado, é inobjetável que o fornecimento de água canalizada, bem considerado vital à vida humana, reveste-se de obrigatoriedade, não podendo a sua distribuição ficar ao alvedrio do Poder Público ou dos particulares prestadores deste serviço (concessionários ou permissionários).
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Amparar tal distinção na circunstância de que é possível que o particular opte por poços artesianos ou carros-pipas, sem que tenha de pagar, assim, qualquer remuneração pelo serviço de fornecimento de água não utilizado, como pretende o recorrente, seria irreal e pouco pragmático sob o ponto de vista da racionalidade. Na verdade, essa opção se revela fictícia e desconsidera as diferenças socioeconômicas existentes na sociedade brasileira. Alguns dados ilustram bem o pano de fundo da discussão. De acordo com levantamento feito pelo IBGE, em 2011, o número de domicílios atendidos por rede geral de abastecimento de água no Brasil era de 51,8 milhões, correspondendo a 84,6% do total de unidades. Nas regiões Norte e Nordeste, que possuem os
piores índices, esse percentual é de 55,9% e 79,9%, respectivamente (Fonte: IBGE. Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento. PNAD 2009/2011). Ou seja, a tão almejada universalização do serviço público de abastecimento de água canalizada no Brasil ainda é um sonho distante de boa parte da população. Se isso é verdade, como os dados fazem crer que sejam, cai por terra essa pseudoliberdade de escolha dos cidadãos entre, de um lado, o fornecimento de água canalizada e, de outro, a construção de poços artesianos ou a contratação de carros-pipa. A rigor, ao sugerir tais opções, o Recorrente, a um só tempo, desconsidera as condições materiais de cada cidadão brasileiro (no caso da contratação de carros-pipa), bem como promove o estabelecimento de cidadãos de primeira (para os quais se disponibilizaria água canalizada) e de segunda classe (para os quais restariam os poços artesianos). Demarco, por fim, que a tese pela rejeição da tributação do fornecimento de água canalizada é tradicional neste Supremo Tribunal Federal, notadamente a partir dos precedentes firmados na ADIn 567/MG, Rel. Min. Ilmar Galvão, e na ADIn 2.224/DF, Red. p/ o Acórdão Min. Nelson Jobim, nos quais se parte da premissa de que a água encanada não configura mercadoria a ensejar a incidência do ICMS. Eis a ementa destes e de outros julgados que a eles se seguiram, verbis: CAUTELAR – AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – ARTS. 546, 547 E 548 DO DECRETO Nº 32.535, DE 18 DE FEVEREIRO DE 1991, DO ESTADO DE MINAS GERAIS – ALEGADA INFRINGÊNCIA AOS ARTS. 150, I E VI, § 2º, E 155, I, B, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – Relevância do direito, caracterizada pela circunstancia de haver-se definido, por decreto, fato gerador e base de calculo de tributo; e, ainda, por ter-se pretendido modificar, pela mesma via, a natureza jurídica do fornecimento de água potável, encanada, as populações urbanas, transmudando-a de serviço público essencial em circulação de mercadoria. Periculum in mora igualmente configurado, em face da extrema dificuldade de recuperação dos valores correspondentes ao tributo que vier a ser pago. Cautelar deferida. (ADI 567 MC, Relator(a):
CONSTITUCIONAL – TRIBUTÁRIO – RESOLUÇÃO Nº 98/1989 QUE APROVOU CONVÊNIO NA FORMA DA LC 24/1975, EM QUE AUTORIZA ESTADOS E O DISTRITO FEDERAL A CONCEDERAM ‘A ISENÇÃO DO ICMS EM OPERAÇÕES COM ÁGUA NATURAL CANALIZADA, NAS HIPÓTESES PREVISTAS NA LEGISLAÇÃO ESTADUAL’ – EDIÇÃO DO CONVÊNIO Nº 77/1995, DO MINISTÉRIO DA FAZENDA, QUE AUTORIZA RIO DE JANEIRO E RIO GRANDE DO SUL A REVOGAREM A ISENÇÃO DO ICMS PARA A ÁGUA CANALIZADA – RESOLUÇÃO Nº 2.679/1996, QUE LEVA A EFEITO O CONVÊNIO Nº 77/1995 – Requerida declaração de inconstitucionalidade dos dois últimos atos normativos, sob a alegação de: 1) errônea classificação de água canalizada como mercadoria; 2) Legitimidade dos estados e distrito federal para firmar convênios que tratem de isenção de ICMS, na falta de lei complementar. Necessária a compreensão da extensão da hipótese de incidência do ICMS. Art. 155, II, da CF, para identificar o que constitui ou não fato gerador do ICMS. Jurisprudência deste tribunal que entende não ser a água canalizada mercadoria sujeita à tributação pelo ICMS, por tratar-se de serviço público. Em ação direta de inconstitucionalidade, se a suspensão da norma impugnada fizer ressurgir norma anterior também inconstitucional, estas deverão ser impugnadas na inicial – o que não sucedeu – se decidir este tribunal pela inconstitucionalidade do Convênio nº 77/1995, haverá a repristinação do Convênio anterior – nº 98/1989 – ação não conhecida. (ADI 2224, Relator(a): Min. Néri da Silveira, Relator(a) p/ Acórdão: Min. Nelson Jobim, Tribunal Pleno, Julgado em 30.05.2001, DJ 13.06.2003, p. 00008, Ement. vol. 02114-02, p. 00252) TRIBUTÁRIO – ICMS – FORNECIMENTO DE ÁGUA CANALIZADA – SERVIÇO PÚBLICO ESSENCIAL – INCIDÊNCIA – IMPOSSIBILIDADE – AGRAVO IMPROVIDO – I – A decisão agravada está em conformidade com a jurisprudência desta Corte, que possui entendimento no sentido de que não incide o ICMS sobre o fornecimento de água canalizada, uma vez que se trata de serviço público essencial e não de mercadoria. Precedentes. II – Agravo regimental improvido. (RE 552948 AgR, Relator(a): Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, Julgado em 01.06.2010, DJe-145 Divulg. 05.08.2010, Public. 06.08.2010, Ement. vol. 02409-07, p. 01558) PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL – TRIBUTÁRIO – IMPOSTO SOBRE OPERAÇÃO DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO E DE TRANSPORTE
INTERMUNICIPAL E INTERESTADUAL – ICMS – FORNECIMENTO DE ÁGUA POR EMPRESA DE SANEAMENTO PÚBLICO – CARACTERIZAÇÃO DA OPERAÇÃO COMO SERVIÇO OU ATIVIDADE COMERCIAL – NATUREZA INFRACONSTITUCIONAL DO ARGUMENTO – IMPOSSIBILIDADE DE A LEGISLAÇÃO INFRALEGAL ALTERAR O CONCEITO DE SERVIÇOS DE FORNECIMENTO DE ÁGUA PARA ENCAIXÁ-LO NO FATO GERADOR DO TRIBUTO – 1. A discussão acerca da caracterização do fornecimento de água como serviço ou operação de circulação de mercadoria depende do exame da legislação infraconstitucional que define o regime de acesso e distribuição do mineral, de modo a não desafiar a interposição de recurso extraordinário. Precedente: RE 450.496-AgR, Rel. Min. Carlos Britto, Primeira Turma, DJ de 16.12.2005. 2. Esta Corte afastou, em cautelar de controle direto de constitucionalidade, legislação infralegal tendente à modificação dos conceitos legais dos serviços de fornecimento de água para encaixá-los na hipótese de incidência do ICMS (ADI 567-MC, Rel. Min. Ilmar Galvão, Pleno, DJ de 04.10.1991). Agravo regimental ao qual se nega provimento. (AI 297277 AgR, Relator(a): Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, Julgado em 06.04.2010, DJe 081 Divulg. 06.05.2010, Public. 07.05.2010, Ement. vol. 02400-04, p. 00869) AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO – TRIBUTÁRIO – COBRANÇA DE ICMS INCIDENTE SOBRE O FORNECIMENTO DE ÁGUA ENCANADA – IMPOSSIBILIDADE – O Supremo Tribunal Federal fixou entendimento no sentido da ilegitimidade da cobrança de ICMS sobre água encanada, uma vez que se trata de serviço público essencial e não mercadoria. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento. (AI 682565 AgR, Relator(a): Min. Eros Grau, Segunda Turma, Julgado em 23.06.2009, DJe-148 Divulg. 06.08.2009, Public. 07.08.2009, Ement. vol. 02368-17, p. 03640)
Mesmo enquanto atuava no Superior Tribunal de Justiça, ademais, já tive a oportunidade de perfilhar a orientação firmada por esta Suprema Corte, entendendo, à época, pela rejeição da incidência de ICMS sobre o fornecimento de água encanada, como exemplifica a ementa do seguinte acórdão por mim relatado: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL – PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – ICMS – ÁGUA TRATADA – NÃO INCIDÊNCIA 1. O fornecimento de água potável não constitui hipótese de tributação, visto que o serviço prestado se reveste de caráter público e essen-
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Min. Ilmar Galvão, Tribunal Pleno, Julgado em 12.09.1991, DJ 04.10.1991 p. 13779, Ement. vol. 01636-01, p. 00038, RTJ vol. 00138-01, p. 00060)
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cial. Precedentes: AgRg no REsp 1080699/RJ, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, DJe 15.03.2010 AgRg no REsp 1056579/RJ, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe de 05.10.2009; AgRg no REsp 1014113/RJ, Rel. Min. José Delgado, Primeira Turma, DJ de 23.06.2008; AgRg no Ag 814.335/RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJ de 19.12.2007; AgRg no REsp 1081573/RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 08.03.2010. 2. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp1034735/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, Julgado em 23.11.2010, DJe 06.12.2010)
Ex positis, voto no sentido negar provimento ao recurso extraordinário, assentando a inconstitucionalidade da tributação, pelo ICMS, do fornecimento de água encanada. É como voto. O Senhor Ministro Marco Aurélio – Presidente, há um sistema que vem funcionando em todo o território nacional, ligado ao fornecimento desse bem indispensável ao homem, que é a água.
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Não me consta que até aqui tenha surgido conflito no âmbito da competência tributária ativa, considerados Estado e município: o município pretendendo a incidência do imposto sobre serviços, e o Estado à incidência do ICMS, tributo cuja própria sigla já revela a possibilidade de existir situação concreta em que envolvidos serviços, como está no inciso II do art. 155 da Constituição Federal:
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Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: [...] II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, [...];
Quando se tem, junto com o fornecimento da mercadoria – e, para mim, água é mercadoria –, a prestação de serviços, adota-
-se a teoria do preponderante. Reconheço que as empresas de água que se dedicam, em linhas gerais, ao saneamento – e a Cedae, no caso, é uma empresa de água – prestam serviços. Recebo em minha residência um medidor, que vai conferir o hidrômetro, o relógio que marca a chegada dessa mercadoria canalizada – e o fato de a mercadoria ser canalizada não implica a sua descaracterização. Indago: ainda que coloquemos a água como indispensável, como a englobar esse gênero – não espécie – serviço essencial, porque vejo nele também apanhadas certas mercadorias, esse fato descaracteriza o que fornecido como mercadoria? A meu ver, não, Presidente. Repito que, até aqui, pelo que me consta – teria que fazer pesquisa um pouco mais aprofundada –, o ICMS vem sendo cobrado em todas as contas apresentadas, não sendo, no caso do fornecimento de água, primazia do Estado do Rio de Janeiro. A persistir o quadro decisório, teremos como assegurado a esse contribuinte, ao condomínio do Edifício Paula, a repetição do indébito, presente o período em que o tributo foi cobrado, com a incidência de juros e correção monetária, observado, claro, o quinquênio alusivo ao prazo prescricional. Vejo que, nos precedentes levantados pelo Gabinete, existem vários formalizados em procedimentos de apreciação sumária. Refiro-me ao problema, muito embora às vezes não pareça, da cautelar no processo objetivo, ao do agravo regimental no agravo de instrumento para a subida do extraordinário e ao do regimental, também, no recurso extraordinário. Peço vênia, Presidente, aos colegas para concluir que, no caso, tem-se a observância pelo Estado do Rio de Janeiro, como também por outros estados, do disposto na Constituição Federal.
Por isso, Presidente, assentando que não houve extravasamento dos limites constitucionais, do figurino constitucional referente ao tributo, peço vênia ao relator e àqueles que o acompanharam, para prover o extraordinário.
VOTO O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski – Senhor Presidente, eu ouvi atentamente a explicação e o voto do eminente Ministro Marco Aurélio. E essa questão é uma questão extremamente palpitante, e eu votei, confesso que votei, não só pelo brilho dos argumentos do eminente Relator, mas também por um precedente que eu subscrevi no mesmo sentido. Mas agora, refletindo sobre as ponderações do Ministro Marco Aurélio, imaginando que não se trata de água in natura, e não se trata de um simples transporte de algo que vem de fontes
naturais, mas é uma água tratada, a qual, não raro, é adicionado flúor, algicidas e outros produtos químicos... O Senhor Ministro Marco Aurélio – É um produto aperfeiçoado. O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski – Pois é, é algo que se adiciona à natureza. E tendo em conta, também, Senhor Presidente, que a água não só em nosso país, mas em escala mundial, vem se transformando num bem cada vez mais escasso, eu gostaria de exteriorizar um pensamento em voz alta, no sentido de que, talvez, a tributação sobre esse bem escasso seja uma forma de se, pedagogicamente, indicar um uso mais adequado desse importante bem... O Senhor Ministro Marco Aurélio – Vossa Excelência me permite? Um doutrinador, Fábio Giusto Moroli, ressalta justamente esse aspecto apontado por Vossa Excelência, ou seja, que, no caso da água, há o acréscimo, inclusive de outros produtos, e a comercialização sob o ângulo econômico. O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski – Pois não. O Senhor Ministro Luiz Fux – A premissa da nossa jurisprudência já leva isso em conta, tanto que nós nos referimos – ainda que sinteticamente, porque houve um pedido para que fôssemos concisos –, ela se refere exatamente ao pagamento desse preço público, mercê de um bem ser essencial à vida humana, exatamente para atingir esse escopo de racionalização. Ficaria completamente contraditória a jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal se entendêssemos como mercadoria. O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski – Eu entendo. Os argumentos de lado a lado são muito instigantes, mas, para que eu possa refletir mais uma vez – e até homenageando o brilho do voto do Ministro Marco Aurélio, a preocupação que Sua Excelência sempre traz em aprofundar o debate –, vou reformular o meu voto, Senhor Presidente, pedindo vênia ao eminente Ministro-
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Hugo de Brito Machado, em regime tributário da venda de água – mercadoria, repito, e não é um simples serviço –, entende ser legítima essa mesma incidência e sustenta que se tem realmente um serviço público em sentido estrito. No caso de fornecimento de água pelo Estado, diretamente ou por intermédio de concessionárias, a questão está em saber – diz ele – se tal atividade deve ser considerada serviço público, em sentido estrito – e aí, ter-se-ia a incidência apenas do imposto sobre serviço –, ou uma atividade propriamente estatal. Relevante observar que a água é bem comum. Tece considerações apontando que o Estado exerce atividade econômica de fornecimento de água, que bem poderia ser realizada por particulares, porque tal atividade é de relevante interesse coletivo. Conclui que é razoável entender-se que, no fornecimento de água, o que se dá é o transporte feito mediante a tubulação, mas de algo que ressoa como mercadoria, uma mercadoria peculiar.
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-Relator para acompanhar o voto do Ministro Marco Aurélio e dar provimento ao recurso.
Ausente, neste julgamento, o Ministro Celso de Mello. Plená-
EXTRATO DE ATA
Presidência do Senhor Ministro Joaquim Barbosa. Presentes à
Decisão: Após o voto do Senhor Ministro Dias Toffoli (Relator), negando provimento ao recurso extraordinário, pediu vista dos autos o Senhor Ministro Luiz Fux. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Joaquim Barbosa. Falaram, pelo recorrente, a Dra. Christina Aires Corrêa Lima, Procuradora do Estado e, pela interessada, a Dra. Elizabeth Costa de Oliveira Góes. Presidência do Senhor Ministro Cezar Peluso. Plenário, 01.09.2011.
sessão os Senhores Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio,
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Decisão: Prosseguindo no julgamento, o Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, negou provimento ao recurso extraordinário, vencidos os Ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski. Votou o Presidente, Ministro Joaquim Barbosa.
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rio,10.04.2013.
Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Luiz Fux, Rosa Weber e Teori Zavascki. Procurador-Geral da República, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos. p/ Luiz Tomimatsu Assessor-Chefe do Plenário
Pesquisa Temática
Acordo Coletivo de Trabalho Acordo Coletivo de Trabalho – aumento da jornada sem aumento do salário – irregularidade “Acordo coletivo de trabalho. Aumento da jornada sem o correspondente aumento do salário. Invalidade da cláusula. Apesar de a ampliação da jornada ter decorrido do Acordo Coletivo de Trabalho celebrado, a cláusula não pode ser observada, pois a Constituição permite, por negociação coletiva, apenas a alteração da jornada que implique em alteração salarial na mesma proporção (art. 7º, XIII), de modo que o valor do salário-hora seja preservado. É defeso ao sindicato de classe negociar o aumento da carga horária sem o correspondente aumento no salário, por imiscuir-se em direito irrenunciável, qual seja, a irredutibilidade do salário. O disposto em acordos ou convenções coletivas não pode retirar o direito à regra mínima de proteção, portanto, não pode dispor aquém do que já está assegurado por lei. A irregularidade da cláusula afasta a aplicação da teoria do conglobamento.” (TRT 12ª R. – RO 0001329-92.2011.5.12.0037 – 6ª C. – Rel. Des. Gracio Ricardo Barboza Petrone – DJe 27.04.2012)
Acordo Coletivo de Trabalho – base territorial da empregadora – limitação – efeitos “I – Aplicação da norma coletiva. Base territorial da empregadora. O fato de as viagens que o reclamante realizava ocorrerem mais em território paraense não afasta a aplicação das normas coletivas firmadas pela entidade profissional da categoria do recorrente em Manaus, não havendo qualquer ofensa ao art. 611 da CLT, pois as normas coletivas do Estado do Amazonas não são extensivas à filial ou agência da reclamada situada no Pará. II – Grupo econômico. Responsabilidade solidária. Inexistência legal. É parte legítima para compor o pólo passivo da demanda e responder pelos créditos trabalhistas do empregado as empresas participantes de consórcio fático, constituindo-se grupo econômico familiar, devendo-se manter as reclamadas no pólo passivo da demanda, caracterizando, assim, grupo econômico, ex vi do art. 2º, § 2º, da CLT. III – Unicidade contratual. Se o contrato a termo da categoria corresponde a uma viagem redonda e se o término do contrato para viagens redondas e o início do contrato dito de experiência passaram-se somente 20 dias e não os 30 disposto no normativo da categoria, não há que se dar valia ao contrato de experiência, mormente se o empregado por mais de uma vez fora contratado pela mesma empregadora, a qual já avaliara seu desempenho, bem como suas aptidões profissionais. Inteligência do art. 9º da CLT.” (TRT 8ª R. – RO 0000587-89.2011.5.08.0001 – Rel. Des. Fed. Georgenor de Sousa Franco Filho – DJe 14.06.2012 – p. 6)
Acordo Coletivo de Trabalho – cláusula de continuidade – invalidade “Norma coletiva. Cláusula de continuidade. Invalidade. Detectado que parte da norma prevista em cláusula de instrumento coletivo padece de vício insanável, a consequente declaração de invalidade abrange toda a cláusula convencional, sendo, pois, inaplicável por inteiro o seu conteúdo. Assim, faz-se devida a indenização de 40% sobre o FGTS. 2. Recurso ordinário conhecido e parcialmente provido.” (TRT 10ª R. – RO 0001293-91.2011.5.10.0009 – Rel. Des. Brasilino Santos Ramos – DJe 27.07.2012)
Acordo Coletivo de Trabalho – concessão de referência salarial – possibilidade “1. Concessão de referência salarial prevista em norma coletiva. Condições. Em se tratando de ação de cumprimento, onde o sindicato autor busca a concessão de referência prevista em norma coletiva, correta a sentença que deferiu o pedido aos substituídos que comprovem satisfazer os requisitos exigidos para a concessão da benesse. 2. Recurso conhecido e desprovido.” (TRT 10ª R. – RO 2129-88.2011.5.10.0001 – Rel. Des. Brasilino Santos Ramos – DJe 05.10.2012 – p. 199)
Acordo Coletivo de Trabalho – conflitos de cláusulas – princípio da norma mais favorável e teoria do conglobamento – observação “Conflito aparente de normas coletivas. Princípio da norma mais favorável e teoria do conglobamento. O conflito aparente de normas coletivas deve ser solucionado segundo o princípio da norma mais favorável ao trabalhador. No entanto, a verificação da regra mais benéfica deve ser feita de acordo com a teoria do conglobamento, ou seja, a partir da análise de cada norma como um todo, e não das cláusulas isoladamente.” (TRT 1ª R. – RTOrd 0105600-41.2009.5.01.0034 – 10ª T. – Rel. Des. Marcos Cavalcante – DJe 24.01.2012)
Acordo Coletivo de Trabalho e convenção coletiva – conflito de normas – prevalência “Conflito aparente de normas. Acordo e convenção coletiva. Princípio da especialidade. Como a convenção coletiva expressamente exclui do seu âmbito de incidência as categorias que firmarem acordos coletivos, a prevalência das normas constantes do acordo não viola o art. 620 da CLT. Aplicação do art. 2º, § 2º, da LICC.” (TRT 4ª R. – RO 0000480-81.2011.5.04.0122 – 3ª T. – Rel. Des. Cláudio Antônio Cassou Barbosa – DJe 01.06.2012)
Acordo Coletivo de Trabalho – elastecimento de 5 minutos que antecedem e sucedem a jornada de trabalho – ilicitude – nulidade “Minutos residuais. Elastecimento do limite legal por norma coletiva. Invalidade da cláusula. Não se olvida que as cláusulas dos acordos e convenções coletivas de trabalho consistem na expressão da vontade das partes, por meio das quais os seus representantes firmam compromissos recíprocos, a serem observados pelos seus representados, no período considerado. No entanto, relativamente aos minutos residuais, o col. TST, através da OJ 372 da SDI-I, pacificou o entendimento no sentido de que, a partir da vigência da Lei nº 10.243, de 27.06.2001, que acrescentou o § 1º ao art. 58 da CLT, não mais prevalece cláusula prevista em convenção ou acordo coletivo que elastece o limite de 5 minutos que antecedem e sucedem a jornada de trabalho para fins de apuração das horas extras. Assim sendo, a cláusula normativa que estabelece que não serão computadas como jornada extraordinária as variações no cartão de ponto, superiores a 5 minutos antes e após o horário efetivo de trabalho, não pode ser considerada válida.” (TRT 3ª R. – RO 967-75.2011.5.03.0026 – Rel. Des. Márcio Ribeiro do Valle – DJe 13.07.2012)
Acordo Coletivo de Trabalho – empregado da fundação zoobotânica – ausência de participação da empresa na negociação – adicional ambiental – benefício indevido “Adicional ambiental. Empregado da fundação zoobotânica do Rio Grande do Sul. Nos termos do art. 611, § 1º, da CLT, os acordos coletivos de trabalho constituem normas coletivas ajustadas entre sindicatos representativos de determinada categoria profissional e empresas da respectiva categoria econômica, possuindo, portanto, aplicação exclusiva no âmbito das relações de trabalho da empresa signatária do pacto. Hipótese em que o reclamante não tem direito à parcela prevista em cláusula decorrente de negociação coletiva da qual não participou a sua empregadora. Recurso ordinário desprovido.” (TRT 4ª R. – RO 0000309-45.2011.5.04.0019 – 11ª T. – Relª Desª Flávia Lorena Pacheco – DJe 16.03.2012)
Acordo Coletivo de Trabalho – incorporação das cláusulas – período de vigência – observação
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“Cláusulas de instrumento coletivo de trabalho. Não aderência aos contratos de trabalho dos substituídos processuais observância pela empregadora de cláusulas de Acordo Coletivo de Trabalho com período de vigência expirado. Liberalidade. Poder do empregador de organização e gestão. Conforme Súmula nº 277, I, do TST, as condições estabelecidas em instrumentos coletivos de trabalho não aderem de forma definitiva aos contratos de trabalho. As condições estabelecidas no ACT de 2008/2009 não podem ser impostas via decisão judicial, contra a vontade da empregadora, aos contratos de trabalho dos substituídos processuais. O fato de a reclamada, após o término do período de vigência da Convenção Coletiva de Trabalho de 2008/2009, ter continuado, voluntariamente, a assegurar aos seus empregados as mesmas condições previstas no citado instrumento coletivo até julho de 2010 não é importante para o deslinde da causa. Com efeito, esta situação demonstra mera liberalidade da empregadora, como forma de proceder à organização de suas atividades e à gestão de seu pessoal.” (TRT 3ª R. – RO 1896/2010-058-03-00.5 – Rel. Juiz Conv. Rodrigo Ribeiro Bueno – DJe 24.08.2012 – p. 118)
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Acordo Coletivo de Trabalho – McDonald’s – fornecimento de lanche – descumprimento da norma – indenização – cabimento; indenização adicional – dispensa no trintídio da data-base – cabimento; jornada de trabalho variável – ilegalidade “1. Empresa de fast food. Lanche não equivale a refeição. Norma coletiva descumprida. Ticket-refeição devido. O fornecimento de lanche por empresa do ramo de fast food a seus empregados não se confunde com a refeição expressamente estipulada na norma coletiva, mormente em vista do elevado teor calórico e questionável valor nutritivo dos produtos por ela comercializados, a par da notória impropriedade do seu consumo diário. 2. Dispensa no trintídio que antecede a data-base da categoria. Direito à indenização adicional. A prática empresarial de romper o contrato de trabalho sem justa causa, no trintídio que antecede a data-base da categoria, gera para o empregado o direito à indenização adicional. 3. McDonald’s. Jornada móvel variável. Ilegal. A engenhosa ‘jornada móvel e variável’ não pode ser convalidada porque sujeita ao inteiro alvedrio de uma das partes – in casu, o empregador – a estipulação arbitrária da quantidade de horas de labor, reduzindo substancialmente o ganho do empregado, inviabilizando a organização de sua vida particular, negando-lhe o convívio familiar regular, a possibilidade de estudar, etc. Pelo portal do art. 8º, parágrafo único, da CLT, incide à espécie o art. 122 do Código Civil: ‘São lícitas, em geral, todas as condições que a lei não vedar expressamente. Entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o ato, ou o sujeitarem ao arbítrio de uma das partes’. O cerebrino contrato não pode ser tido como válido, também, porque ainda que móvel, os registros de ponto indicam que o sistema nada tem de ‘variável’ (vide docs. fls. 189/195), e tampouco se traduz em vantagem para o empregado. Com efeito, não pode haver benefício para o trabalhador
que vê sua vida transformada num autêntico caos, sem saber quanto tempo de trabalho lhe será exigido, mantendo-se à disposição e, quiçá, aos caprichos do empregador. Tampouco prospera a tentativa de encaminhar a discussão para o âmbito das disposições da CLT e da Constituição que tratam da limitação de jornada, já que, conforme se verifica, o debate não está mesmo centrado na duração do trabalho, mas sim na pactuação de condição leonina que deixa a jornada e, portanto e principalmente, a remuneração do trabalhador, exclusivamente ao arbítrio do empregador, transferindo para o empregado os custos de um sistema que só interessa ao contratante, ao arrepio do art. 2º da CLT, e bem assim, dos arts. 9º e 468 do mesmo diploma consolidado. Sentença mantida, no particular.” (TRT 2ª R. – RO 00016822820105020464 – 4ª T. – Relª Desª Ivani Contini Bramante – DJe 04.05.2012)
Acordo Coletivo de Trabalho – plano de saúde – supressão dos contratos de trabalho suspensos – invalidade “Validade de norma coletiva supressora de direitos. Teoria do conglobamento mitigado. Conforme entendimento contido na teoria do conglobamento mitigado, a supressão do plano de saúde do trabalhador com o contrato de trabalho suspenso, por meio de Acordo Coletivo de Trabalho, somente teria validade se a referida norma instituísse uma vantagem em relação à saúde do trabalhador. Ausente qualquer benefício em prol do empregado nesse sentido, a hipótese se traduz em flagrante despojamento de preceito assegurado em norma imperativa, irrenunciável, não se situando na permissividade constante dos incisos VI, XII e XIV do art. 7º da CR/1988, o que impõe invalidar aludida cláusula.” (TRT 3ª R. – RO 1417-91.2011.5.03.0034 – Relª Juíza Conv. Taísa Maria Macena de Lima – DJe 13.07.2012)
Acordo Coletivo de Trabalho – trabalhador marítimo – horas extras pré-fixadas – possibilidade
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“Trabalhador marítimo. Atividade peculiar e diferenciada. Existência de acordo coletivo de trabalho. Montante de horas extras pré-fixado. Possibilidade. Ante as peculiaridades da função exercida pelo laborista, a qual exigia a sua permanência em tempo duradouro a bordo de embarcação marítima, é razoável e adequada a existência de norma autônoma visando a regular a forma de pagamento de suas verbas trabalhistas, em função da inviabilidade da sistemática comum nesses casos, de modo a prestigiar a saúde e a segurança do trabalhador. Assim, não há como se afastar a validade da norma coletiva que fixa um montante a ser pago a título de labor extraordinário. Trabalhador marítimo. Adicional noturno. Labor no horário da noite Não comprovação. Súmula nº 96 do TST. No caso de trabalhador marítimo, o fato de o empregado estar na embarcação 24 horas por dia não implica, necessariamente, estar à disposição do empregador. Diante da natureza peculiar da atividade que exercia, ao empregado competia comprovar a existência de jornada noturna, a teor do que reza a Súmula nº 96 do TST.” (TRT 13ª R. – RO 57800-97.2011.5.13.0006 – Rel. Des. Ubiratan Moreira Delgado – DJe 28.05.2012)
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Jurisprudência Comentada
O Reajustamento Automático de Tarifas em Concessões de Serviços Públicos RAFAEL WALLBACH SCHWIND
Mestrando em Direito do Estado na USP, Advogado de Justen, Pereira, Oliveira e Talamini.
EMENTA ADMINISTRATIVO – CONTRATO DE CONCESSÃO – REAJUSTE ANUAL DAS TARIFAS DE PEDÁGIO – AÇÃO ORDINÁRIA – PROCEDÊNCIA Legitimidade passiva ad causam de todas as entidades apelantes. Descumprimento, pela Administração Estadual, de obrigação clausulada no contrato de concessão porque, em vez de apresentar à concessionária novos cálculos, apontando de forma clara quais as incorreções verificadas, informou que os cálculos estavam de acordo com a “fórmula paramétrica do contrato” indeferindo, porém, sua homologação. (TRF 4ª R. – AC 2006.70.00.030113-2 – 4ª T. – Rel. Des. Fed. Valdemar Capeletti – DJe 07.10.2008)
COMENTÁRIO SUMÁRIO: Introdução; 1 Breve relato da questão; 2 A distinção entre reajuste e revisão; 3 Os procedimentos de reajuste e revisão;
4 Limites à apreciação do reajuste; 5 A aplicação automática de reajuste; 6 O acolhimento da solução pela Lei nº 11.079/2004; 7 Encerramento.
INTRODUÇÃO No dia 7 de outubro deste ano, foi publicado acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que merece destaque no que se refere ao estudo da remuneração dos concessionários de serviço público. O acórdão, proferido na Apelação Cível nº 2006.70.00.030113-2, entendeu pela viabilidade da aplicação do reajuste periódico da tarifa, afastando as razões expostas pela Administração Pública quando da rejeição do cálculo apresentado pelo concessionário. Trata-se de decisão extremamente importante, que aplicou com precisão as previsões contratuais, afastando alegações impertinentes e conferindo maior segurança jurídica ao caso concreto e a questões semelhantes.
1 BREVE RELATO DA QUESTÃO No caso analisado pelo acórdão, o concessionário do serviço público de manutenção de rodovias apresentou, no momento devido, o cálculo do reajuste que deveria passar a vigorar na data estabelecida contratualmente. De acordo com o contrato, a administração tinha o prazo máximo de cinco dias úteis para verificar o cálculo e, entendendo pela sua correção, homologá-lo. Caso a administração não se manifestasse no prazo referido, o concessionário poderia
Conforme afirma o acórdão, a administração não seguiu esse procedimento. Ao mesmo tempo em que reconheceu que os cálculos apresentados estavam matematicamente corretos, a administração se negou a homologá-los. Fundamentou essa negativa na alegação de que estariam em trâmite diversas ações judiciais que buscavam a redução das tarifas, sendo que o reajuste as tornaria mais onerosas para os usuários e para a economia local. Diante dessa situação de incerteza, o concessionário propôs ação judicial em que buscava o reconhecimento do direito à aplicação do reajuste. Inicialmente, foi concedida antecipação de tutela, autorizando o concessionário a aplicar o reajuste, tal como calculado. Após a regular tramitação do feito, foi proferida sentença que julgou procedente a pretensão, a qual foi posteriormente confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região em sede de apelação.
2 A DISTINÇÃO ENTRE REAJUSTE E REVISÃO O equilíbrio econômico-financeiro está na essência dos contratos administrativos, tal como concebidos no Direito brasileiro. Esse equilíbrio leva em conta todos os aspectos da relação contratual (prazos, objeto, condições e local de execução, etc.), traduzindo-se em uma equivalência razoável entre o conjunto de encargos assumidos pelo particular e as retribuições que ele irá auferir. A manutenção de tal equivalência deve ocorrer durante toda a execução do contrato, conforme impõem a Constituição (art. 37,
inciso XXI) e as leis que disciplinam os contratos administrativos (Lei nº 8.666/1993, arts. 57, § 1º, 58, §§ 1º e 2º, 65, inciso II, alínea d; e Lei nº 8.987, art. 9º, §§ 3º e 4º). Os próprios contratos, ainda que sem necessidade, em geral costumam conter cláusulas que impõem expressamente o respeito ao equilíbrio econômico-financeiro. Em obediência ao postulado do equilíbrio econômico-financeiro, há procedimentos de alteração da remuneração devida. Tais procedimentos consistem basicamente no reajuste e na revisão. O reajuste representa a atualização periódica de preços mediante critérios previstos de antemão pelo edital e aceitos pelos licitantes. Trata-se de um mecanismo de proteção contra variações inflacionárias. Para que não haja o desequilíbrio econômico do contrato, as tarifas previstas são reajustadas periodicamente, mediante a aplicação de índices ou fórmulas preestabelecidas. Já a revisão contratual consiste na revisão ampla e minuciosa da situação do particular, que ocorre quando há uma variação nos custos de execução do contrato que decorre de algum evento imprevisível. Reajuste e revisão, portanto, não se confundem. Ambos têm o mesmo objetivo, que é a observância do equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Entretanto, o reajuste apenas atualiza periodicamente a tarifa, de modo a manter o seu valor real – sem a necessidade de qualquer alteração contratual –; enquanto que a revisão consiste em um procedimento mais complexo, dependente de fatos supervenientes inesperados e de sua influência efetiva sobre a equação econômico-financeira.
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aplicar o reajuste automaticamente (considerando-se esse fato como homologação tácita). Além disso, o contrato ainda previa que a discordância por parte da administração deveria ser exteriorizada por meio de novos cálculos, apontando-se de forma clara as incorreções verificadas.
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3 OS PROCEDIMENTOS DE REAJUSTE E REVISÃO Por conta das diferenças que guardam entre si, o reajuste e a revisão contratuais apresentam procedimentos bastante diversos de implementação. O reajuste geralmente é previsto de modo a se permitir a sua aplicação periódica e automática dentro de um determinado lapso temporal. Os contratos administrativos se utilizam ou de um índice (ou combinação de índices) de reajuste predeterminado ou de uma fórmula especialmente definida para a avença, na qual se inserem os valores das variáveis e se obtém o índice de reajuste que deve ser aplicado. Trata-se, assim, de um procedimento bastante simplificado, que independe de juízos de conveniência ou da produção de dados pelas partes. Simplesmente se aplica uma solução matemática previamente estabelecida para se chegar ao valor reajustado da tarifa.
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A revisão contratual, de modo diverso, ocorre no âmbito de um processo administrativo especialmente instaurado para esse fim. Deve-se assegurar a produção de provas necessárias a se demonstrar que circunstâncias incontroláveis e inesperadas afetaram a equação econômico-financeira do contrato.
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Portanto, enquanto que o procedimento de reajuste é bastante simplificado, o procedimento de revisão é mais complexo e demorado.
4 LIMITES À APRECIAÇÃO DO REAJUSTE Por se tratarem de institutos distintos, operacionalizados mediante procedimentos inconfundíveis, as razões de que a administração pode se valer para a apreciação dos pleitos de reajuste e de revisão em nada se confundem.
Não é possível, por exemplo, que o poder concedente se valha de argumentos relativos à revisão contratual para rejeitar a homologação de um reajuste. O exame do cálculo apresentado pelo concessionário deve se ater aos limites do reajuste. Em linhas gerais, o poder concedente deve verificar se o cálculo está correto e se o momento corresponde àquele previsto no contrato para a aplicação do reajuste. Não se pode argumentar, por exemplo, que as tarifas já seriam muito elevadas, ou que poderiam ser reduzidas no âmbito de outros procedimentos em curso. Essa é a lição de Marçal Justen Filho. Segundo o doutrinador: “São freqüentes os casos em que o poder concedente, diante da ausência de argumento para indeferir o pleito de reajuste, vale-se de expediente entranhado de desvio de finalidade, consistente em produzir as provas mais disparatadas e formular diligências intermináveis, sobre questões impertinentes. Tudo isso se destina a evitar o procedimento de decisão, caracterizando a frustração de direito garantido ao concessionário” (Teoria geral das concessões de serviço público. São Paulo: Dialética, 2003. p. 447). Portanto, ao apreciar o cálculo de reajuste, o poder concedente deve se ater aos requisitos específicos do reajuste. Não pode se valer de alegações que seriam cabíveis apenas em um procedimento de revisão contratual. Esse entendimento foi aplicado com perfeição pelo acórdão em comento. No caso, rejeitou-se a alegação deduzida pela administração para a recusa de homologação do reajuste justamente porque os motivos expostos pela administração eram impertinentes ao reajuste. A decisão concluiu que “a administração não teve justa motivação para denegar o pedido de homologação do cálculo de reajuste da tarifa básica”. Daí se conclui que a aplicação de um reajuste contratual só pode ser rejeitada pelo poder concedente mediante motivos
O acórdão em questão, portanto, adotou entendimento irreparável, que é fundamental para a segurança jurídica do concessionário.
5 A APLICAÇÃO AUTOMÁTICA DE REAJUSTE Outro ponto que também merece destaque diz respeito à viabilidade de cláusulas contratuais que preveem a aplicação automática dos reajustes nos casos em que o poder concedente não se pronuncia sobre o cálculo apresentado pelo concessionário. No caso analisado pelo acórdão, havia cláusula que permitia a aplicação do reajuste caso a administração não tivesse se manifestado sobre o cálculo no prazo de cinco dias úteis. A previsão contratual nesse sentido é plenamente válida. Afinal, a administração só pode recusar o cálculo do reajuste se demonstrar que ele não está em conformidade com os critérios estabelecidos contratualmente. Essa verificação é instantânea. Depende da mera conferência do cálculo apresentado pelo concessionário, sem qualquer critério discricionário. Assim, a ausência de manifestação pelo poder concedente configura hipótese em que o silêncio da administração possui um efeito prático quanto à execução do contrato de concessão. Note-se que a questão não apresenta propriamente nenhuma novidade. Há diversos casos em que o direito prevê uma consequência ao silêncio da administração. Celso Antônio Bandeira de Mello sustenta que se pode atribuir ao silêncio da administração o efeito concessivo ou denegatório do direito do particular (Curso de direito administrativo. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 396).
No caso analisado pelo acórdão, o contrato de concessão previu expressamente que o silêncio da administração apresenta o efeito concessivo do reajuste tal como calculado pelo concessionário. Assim, mesmo se a administração não tivesse se manifestado sobre o cálculo, o reajuste poderia ter sido aplicado pelo concessionário. Marçal Justen Filho destaca o fato de que a aplicação de reajuste consiste em um procedimento automático. Segundo o doutrinador, “o poder concedente não dispõe de alternativa para conceder ou negar, livremente, reajuste ou revisão de tarifas. Presentes os pressupostos legais e contratuais, o Estado deverá alterar as tarifas (elevando-as ou reduzindo-as). Não se admite sequer a omissão do Estado como instrumento de evitar a decisão” (op. cit., p. 447). E prossegue: “Uma vez preenchidos os pressupostos (temporais, por exemplo) do reajuste, o poder concedente sequer necessitará aguardar provocação do interessado. Deverá, de ofício, implementar a homologação das novas tarifas” (op. cit., p. 447). Portanto, é plenamente aplicável o reajuste automático das tarifas, mesmo diante do silêncio da administração.
6 O ACOLHIMENTO DA SOLUÇÃO PELA LEI Nº 11.079/2004 A solução de aplicação automática do reajuste, conferindo-se efeitos jurídicos à omissão do poder concedente, foi expressamente acolhida pela Lei nº 11.079/2004, que instituiu normas gerais sobre parcerias público-privadas. O art. 5º, § 1º, da referida lei estabelece que “as cláusulas contratuais de atualização automática de valores baseadas em índices e fórmulas matemáticas, quando houver, serão aplicadas
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pertinentes. A impertinência das razões expostas pode ser reconhecida pelo Poder Judiciário, que, neste caso, determina o afastamento das razões e a aplicação do reajuste.
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sem necessidade de homologação pela Administração Pública, exceto se esta publicar, na imprensa oficial, onde houver, até o prazo de 15 (quinze) dias após apresentação da fatura, razões fundamentadas nesta lei ou no contrato para a rejeição da atualização”. Como destacam Mauricio Portugal Ribeiro e Lucas Navarro Prado, essa previsão decorre da constatação de que “o silêncio da administração tem sido utilizado por atores políticos como recurso para atrasar a aplicação da lei e o exercício de direitos do parceiro privado. Dessa perspectiva, visa-se a coibir abusos, dispensando a manifestação da Administração em situação em que ela é desnecessária e eliminando, assim, o espaço para a utilização indevida do silêncio administrativo como instrumento postergatório do exercício de direitos” (Comentários à lei de PPP – Parcerias Público-Privadas. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 156).
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Assim, nos casos em que as variáveis para o cálculo do reajuste puderem ser definidas de modo objetivo e vinculado, o concessionário deverá aplicá-lo caso o parceiro público não tenha se manifestado sobre o cálculo.
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Isso se aplica não só às tarifas (caso haja sua cobrança), por tudo o que foi exposto nos tópicos anteriores, como também à contraprestação devida pelo concedente ao concessionário. O dispositivo faz referência expressa à “fatura”, o que indica que pode haver o reajuste automático da contraprestação do concedente se não houver sua manifestação no prazo de quinze dias contado a partir da “apresentação da fatura”.
7 ENCERRAMENTO O acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região consolida ainda mais o entendimento jurisprudencial de que existe a necessidade de aplicação do reajuste nos contratos de concessão, ainda que a administração tenha se recusado a observar tal direito. O decisum fixou o entendimento de que alegações impertinentes não podem afastar o direito à aplicação do reajuste, como também reforçou a necessidade de segurança jurídica na aplicação dos reajustes. Do contrário, o concessionário estaria submetido ao uso político do reajuste tarifário. Isso o deixaria em uma situação de incerteza e de flagrante desvio de finalidade, com sérias repercussões à equação econômico-financeira.
2.186-16, DE 23.08.2001
Patrimônio Genético. Diversidade Biológica Previdência Social. Alteração na Legislação
2 .156-5, DE 24.08.2001
Agência de Desenvolvimento do Nordeste – Adene
2.187-13, DE 24.08.2001
2.157-5, DE 24.08.2001
Agência de Desenvolvimento da Amazônia – ADA
2.189-49, DE 23.08.2001
IR. Alteração na Legislação
2.158-35, DE 24.08.2001
Cofins, PIS/Pasep e IR. Alteração na Legislação
2.190-34, DE 23.08.2001
Vigilância Sanitária. Alteração da Lei nº 9.782/1999
2.159-70, DE 24.08.2001
IR. Alteração na Legislação
2.192-70, DE 24.08.2001
Proes. Bancos Estaduais
2.161-35, DE 23.08.2001
Programa Nacional de Desestatização. Alteração da Lei nº 9.491/1997
2.196-3, DE 24.08.2001
Instituições Financeiras Federais. Recuperação. Empresa Gestora de Ativos – Emgea
2.162-72, DE 23.08.2001
Notas do Tesouro Nacional – NTN
2.197-43, DE 24.08.2001
SFH. Disposições
2.163-41, DE 23.08.2001
Meio Ambiente. Alteração da Lei nº 9.605/1998
2.198-5, DE 24.08.2001
Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica
2.164-41, DE 24.08.2001
Alteração da CLT. Trabalho a Tempo Parcial e PAT
2.199-14, DE 24.08.2001
IR. Incentivos Fiscais
2.165-36, DE 23.08.2001
Servidor Público e Militar. Auxílio-Transporte
2.200-2, DE 24.08.2001
Infraestrutura de Chaves Públicas. ICP-Brasil
2.166-67, DE 24.08.2001
Código Florestal. Alteração da Lei nº 4.771/1965
2.206-1, DE 06.09.2001
Programa Nacional de Renda Mínima
2.167-53, DE 23.08.2001
Recebimento de Valores Mobiliários pela União
2.208, DE 17.08.2001
Estudante Menor de 18 Anos. Comprovação
2.168-40, DE 24.08.2001
Cooperativas. Recoop. Sescoop
2.209, DE 29.08.2001
Comercializadora Brasileira de Energia Elétrica – CBEE
2.169-43, DE 24.08.2001
Servidor Público. Vantagem de 28,86%
2.210, DE 29.08.2001
Orçamento. Crédito Extraordinário
2.170-36, DE 23.08.2001
Tesouro Nacional. Administração de Recursos
2.211, DE 29.08.2001
Orçamento 2001 e 2002. Diretrizes
2.172-32, DE 23.08.2001
Usura. Agiotagem
2.213-1, DE 30.08.2001
Programa Bolsa-Renda. Estiagem
2.173-24, DE 23.08.2001
Anuidades Escolares
2.214, DE 31.08.2001
Administração Pública Federal. Recursos
2.174-28, DE 24.08.2001
União. Programa de Desligamento Voluntário – PDV
2.215-10, DE 31.08.2001
Militares das Forças Armadas. Reestruturação da Remuneração
2.177-44, DE 24.08.2001
Planos de Saúde. Alteração da Lei nº 9.656/1998
2.220, DE 04.09.2001
Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano – CNDU
2.178-36, DE 24.08.2001
Programa Nacional de Alimentação Escolar. Dinheiro Direto na Escola
2.224, DE 04.09.2001
Capitais Brasileiros no Exterior
2.179-36, DE 24.08.2001
União e Banco Central. Relações Financeiras
2.225-45, DE 04.09.2001
Servidor Público. Tráfico de Entorpecentes. Alteração das Leis nºs 6.368/1976 e 8.112/1990 Alteração da CLT
2.180-35, DE 24.08.2001
Advocacia-Geral da União. Alteração na Legislação
2.226, DE 04.09.2001
2.181-45, DE 24.08.2001
Operações Financeiras do Tesouro Nacional
2.227, DE 04.09.2001
Plano Real. Correção Monetária. Exceção
2.183-56, DE 24.08.2001
Reforma Agrária. Alteração na Legislação
2.228-1, DE 06.09.2001
2.184-23, DE 24.08.2001
Carreira Policial. Gratificação
Cultura. Política Nacional do Cinema – Ancine. Prodecine. Funcines
2.185-35, DE 24.08.2001
Dívida Pública Mobiliária. Consolidação. Assunção. Refinanciamento
2.229-43, DE 06.09.2001
Policiais Civis da União e DF. Alteração na legislação
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NORMA LEGAL
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5º
DL 880 de 1969
DL 880 de 1969
632
26.12.2013
1º
Lei nº 10.871 de 2004 15-A, 15-B, 15-C
ALTERAÇÃO
630
26.12.2013
1º
Lei nº 12.462 de 2011 1º, 4º, 9º
632
26.12.2013
2º
Lei nº 10.768/03
8º-B
630
26.12.2013
2º
Lei nº 12.462 de 2011 9º
632
26.12.2013
3º
Lei nº 10.871/04
Anexos IV, V, VI e VII
631
26.12.2013
1º
Lei nº 12.340 de 2010 Ementa
632
26.12.2013
4º
Lei nº 10.768/03
Anexos I e I-A
631
26.12.2013
2º
Lei nº 12.340 de 2010 1º-A, 4º, 5º-A, 7º, 8º, 9º, 10 e 15-A
632
26.12.2013
5º
Lei nº 11.357/06
Anexos XIV, XIV-C e XIV-D
631
26.12.2013
3º
Lei nº 12.340 de 2010 11, 12, 13 e 14
632
26.12.2013
6º
Lei nº 10.882/04
Anexo III
Maio/2014 – Ed. 206
Nota: Prezado assinante, todas as normas selecionadas, inclusive medidas provisórias, podem ser consultadas em nosso endereço eletrônico www.sintese.com.
98
Maio/2014 – Ed. 206
99
MP
DOU
ART
NORMA LEGAL
ALTERAÇÃO
MP
DOU
ART
NORMA LEGAL
ALTERAÇÃO
632
26.12.2013
8º
Lei nº 11.539/07
7º, 8º, 9º, 12, 13, 13-B, 16,
2.158-35
27.08.2001
34 e 75
Lei nº 9.532/97
1º e 64-A
632
26.12.2013
9º
Lei nº 12.094/09
14 e 23
2.158-35
27.08.2001
64
D nº 70.235/72
1º, 25 e 64-A
632
26.12.2013
10
Lei nº 12.800/13
14, 15 e 16
2.158-35
27.08.2001
69
DL 1.455/76
1º, 9º, 10, 16, 18, 19 e 64-A
632
26.12.2013
11
Lei nº 11.171/05
Anexo VII
2.158-35
27.08.2001
70
Lei nº 9.430/96
63
632
26.12.2013
12
Lei nº 12.702/12
Anexo XLV
2.158-35
27.08.2001
72
Lei nº 8.218/91
11 e 12
632
26.12.2013
13
Lei nº 10.550/02
Anexo III
2.158-35
27.08.2001
73
Lei nº 9.317/96
1º e 64-A
632
26.12.2013
14
Lei nº 11.046/04
Anexos II, V, VI-A, VI-B, VI-C e VI-D
2.158-35
27.08.2001
73 e 93
Lei nº 9.317/96
9º e 15
632
26.12.2013
15
Lei nº 11.784/08
Anexos LXII e LXV
2.158-35
27.08.2001
75
Lei nº 9.532/97
1º, 15 e 64-A
632
26.12.2013
16
Lei nº 11.907/09
Anexo LXXXIII
2.158-35
27.08.2001
82
Lei nº 8.981/95
29
632
26.12.2013
17
Lei nº 11.907/09
310
2.158-35
27.08.2001
93
Lei nº 9.432/97
11
632
26.12.2013
18
Lei nº 8.112/90
53, 97 e 206-A
2.158-35
27.08.2001
93
LC 70/91
6º e 7º
632
26.12.2013
19
Lei nº 8.745/93
4º e 7º
2.158-35
27.08.2001
93
LC 85/96
Revogada
632
26.12.2013
24
Lei nº 11.356/06
Art 15
2.158-35
27.08.2001
93
Lei nº 7.714/88
5º
632
26.12.2013
25
Lei nº 12.528/11
11
2.158-35
27.08.2001
93
Lei nº 9.004/95
Revogada
632
26.12.2013
27
DL 2.179/84
DL 2.179 de 1984
2.158-35
27.08.2001
93
Lei nº 9.493/97
7º
632
26.12.2013
27
MP 2.174-28/01
8º, 9º, 10, 11, 18, 19 e 20
2.161-35
24.08.2001
1º e 6º
Lei nº 9.491/97
2º, 4º, 5º, 6º e 30
632
26.12.2013
27
Lei nº 11.539/07
13
2.162-72
24.08.2001
6º
Lei nº 9.094/95
2º
632
26.12.2013
27
Lei nº 10.871/04
15 e 22
2.163-41
24.08.2001
1º
Lei nº 9.605/98
79-A
632
26.12.2013
27
Lei nº 10.768/03
8-A
2.164-41
27.08.2001
7º e 8º
Lei nº 7.998/90
632
26.12.2013
27
Lei nº 8.112/90
60-C
2º, 2º-A, 2º-B, 3º-A, 7º-A, 8º-A, 8º-B e 8º-C
633
26.12.2013 – Ed. Extra
1º
Lei nº 12.096/09
1º
2.164-41
27.08.2001
1º e 2º
CLT
58-A, 59, 130-A, 143, 476-A, 627-A, 643 e 652
633
26.12.2013 – Ed. Extra
2º
Lei nº 12.409/11
1º-A
2.164-41
27.08.2001
3º
Lei nº 4.923/65
1º
2.164-41
27.08.2001
4º
Lei nº 5.889/73
18
634
27.12.2013
1º
Lei nº 8.167/91
2º
2.164-41
27.08.2001
5º
Lei nº 6.321/76
2º
634
27.12.2013
3º
Lei nº 10.865/04
8º
2.164-41
27.08.2001
6º
Lei nº 6.494/77
1º
634
27.12.2013
4º
Lei nº 12.350/10
36
2.164-41
27.08.2001
9º
Lei nº 8.036/90
19-A, 20, 29-C e 29-D
634
27.12.2013
5º
Lei nº 12.546/11
9º
2.164-41
27.08.2001
10
Lei nº 9.601/98
2º
634
27.12.2013
6º
Lei nº 12.859/13
1º
2.165-36
24.08.2001
13
Lei nº 7.418/85
1º
635
27.12.2013
6º
Lei nº 10.954/04
2º
2.165-36
24.08.2001
13
Lei nº 8.627/93
6º
636
27.12.2013
10
Lei nº 8.629/93
17, 18, 24
2.166-67
25.08.2001-extra
1º
Lei nº 4.771/65
636
27.12.2013
13
Lei nº 10.696/03
9
1º, 3º-A, 4º, 14, 16, 37-A, 44, 44-A, 44-B e 44-C
638
20.01.2014
1º
Lei nº 12.715/12
40, 41-A, 42 e 43
2.166-67
25.08.2001
3º
Lei nº 9.393/96
10
24.08.2001
2º e 3º
Lei nº 9.619/98
1º e 4º-A
641
24.03.2014
1º
Lei nº 10.848/04
2º
2.167-53
643
25.04.2014
1º
Lei nº 9.648/98
14
2.168-40
27.08.2001
13
Lei nº 5.764/71
88
2.156-5
27.08.2001
32
DL 1.376/74
1º e 11
2.168-40
27.08.2001
14
Lei nº 9.138/95
2º
2.156-5
27.08.2001
32
DL 2.397/87
12
2.168-40
27.08.2001
18
Lei nº 10.186/01
7º
2.156-5
27.08.2001
32
Lei nº 8.034/90
1º
2.170-36
24.08.2001
8º
Lei nº 8.212/91
60
2º
2.172-32
24.08.2001
7º
Lei nº 1.521/51
4º, § 3º
24.08.2001
1º e 2º
Lei nº 9.870/99
1º e 6º
27.08.2001
1º e 8º
Lei nº 9.656/98
1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 24-A, 24-B, 24-C, 24-D, 25, 26, 27, 28, 29, 29-A, 30, 31, 32, 34, 35, 35-A, 35-B, 35-C, 35-D, 35-E, 35-F, 35-G, 35-H e 35-I
2.156-5
27.08.2001
32
Lei nº 9.532/97
2.157-5
27.08.2001
32
DL 1.376/74
1º
2.173-24
2.158-35
27.08.2001
2º e 93
Lei nº 9.718/98
3º e 8º
2.177-44
2.158-35
27.08.2001
3º e 93
Lei nº 9.701/98
1º
2.158-35
27.08.2001
10 e 93
Lei nº 9.779/99
14 e 17
2.158-35
27.08.2001
19 e 93
Lei nº 9.715/98
2º e 4º
DOU
ART
NORMA LEGAL
ALTERAÇÃO
MP
DOU
ART
NORMA LEGAL
ALTERAÇÃO
2.178-36
25.08.2001-extra
16
Lei nº 9.533/97
4º
2.196-3
25.08.2001
14
Lei nº 7.827/89
9º-A
2.178-36
25.08.2001-extra
32
Lei nº 8.913/97
Revogada
2.197-43
27.08.2001
3º e 8º
Lei nº 8.692/93
23 e 25
2.180-35
27.08.2001
1º
Lei nº 8.437/92
1º e 4º
2.197-43
27.08.2001
4º e 8º
Lei nº 4.380/64
9º, 14 e 18
2.180-35
27.08.2001
4º
Lei nº 9.494/97
1º-A, 1º-B (CPC e CLT), 1º-C, 1º-D, 1ºE, 1º-F, 2º-A e 2º-B
2.197-43
27.08.2001
5º
Lei nº 8.036/90
9º, 20, 23, 29-A e 29-B
2.199-14
27.08.2001
18
Lei nº 9.532/97
4º
2.180-35
27.08.2001
6º
Lei nº 7.347/85
1º e 2º
2.211
30.08.2001
1º
Lei nº 9.995/00
35 e 70
2.180-35
27.08.2001
7º
Lei nº 8.429/92
17
2.211
30.08.2001
2º
Lei nº 10.266/01
18, 34, 38 e 51
2.180-35
27.08.2001
8º
Lei nº 9.704/98
1º
2.214
01.09.2001-extra
1º
Lei nº 10.261/01
1º
2.180-35
27.08.2001
10
CPC
741
2.215-10
01.09.2001
41
Lei nº 8.448/92
6º
2.180-35
27.08.2001
14
Lei nº 4.348/64
4º
2.215-10
01.09.2001
41
Lei nº 8.460/92
2.180-35
27.08.2001
21
Lei nº 10.257/01
53
2.181-45
27.08.2001
45
Lei nº 8.177/91
18
2º, 20, 25, 26 e 27, 5º, 7º-A, 13, 14, 14-A, 23, 24, 27, 28, 30, 32, 34-A, 38, 44, 51-A e 61-A
2.181-45
27.08.2001
46
Lei nº 9.365/96
6º
2.217-3
05.09.2001
1º
Lei nº 10.233/01
2.181-45
27.08.2001
52
Lei nº 10.150/00
1º
2.183-56
27.08.2001
1º
DL 3.365/41
10, 15-A, 15-B e 27
2.183-56
27.08.2001
3º
Lei nº 8.177/91
5º
74, 77, 78-A, 78-B, 78-C, 78-D, 78-E, 78-F, 78-G, 78-H, 78-I 78-J, 82, 83, 84, 85-A, 85-B, 85-C, 85-D, 86, 88, 89, 100, 102-A, 103-A, 103-B, 103-C, 103-D, 113-A, 114-A, 15, 116-A, 118 e 119
2.183-56
27.08.2001
4º
Lei nº 8.629/93
2º, 2º-A, 5º, 6º, 7º, 11, 12, 17, 18 e 26-A
2.220
05.09.2001-extra
15
Lei nº 6.015/73
167, I
2.187-13
27.08.2001
2º
Lei nº 6.015/73
80
2.224
05.09.2001
4º
Lei nº 4.131/62
6º
2.187-13
27.08.2001
3º e 16
Lei nº 8.212/91
38, 55, 56, 68, 101 e 102
2.225-45
05.09.2001
1º
Lei nº 6.368/76
3º
2.187-13
27.08.2001
4º e 16
Lei nº 8.213/91
41, 95, 96, 134, 144, 145, 146 e 147
2.225-45
05.09.2001
2º, 3º e 15 Lei nº 8.112/90
2.187-13
27.08.2001
7º
Lei nº 9.639/98
1º, 2º e 5º
25, 26, 46, 47, 61, 62-A, 67, 91, 117 e 119
2.187-13
27.08.2001
16
Lei nº 9.711/98
7º, 8º, 9º, 12, 13, 14, 15, 16 e 17
2.225-45
05.09.2001
4º
Lei nº 8.429/92
17
2.189-49
24.08.2001
10
Lei nº 9.532/97
6º, II, 34 e 82, II, f
2.225-45
05.09.2001
5º
Lei nº 9.525/97
2º
2.189-49
24.08.2001
11
Lei nº 9.250/95
10 e 25
2.226
05.09.2001
1º
CLT
896-A
2.189-49
24.08.2001
13
Lei nº 9.430/96
79
2.226
05.09.2001
3º
Lei nº 9.469/97
6º
2.189-49
24.08.2001
14
Lei nº 9.317/96
9º
2.228-1
05.09.2001
51
Lei nº 8.685/93
5º
2.190-34
24.08.2001
7º e 8º
Lei nº 9.294/96
2º, 3º e 7º
2.228-1
05.09.2001
52 e 53
Lei nº 8.313/91
3º, II, a (a partir de 01.01.2007), e 18, § 3º
2.192-70
25.08.2001-extra
23
Lei nº 9.496/97
1º, 3º, 6º, 7º-A e 7º-B
2.229-43
10.09.2001
72
Lei nº 9.986/00
22
2.196-3
25.08.2001
12
Lei nº 8.036/90
9º
2.229-43
10.09.2001
74
Lei nº 8.745/93
4º
Maio/2014 – Ed. 206
MP
100
Normas Legais Abril/2014 Lei nº 12.966, de 24.04.2014
Altera a Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985 (Lei da Ação Civil Pública), para incluir a proteção à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos. (DOU 25.04.2014)
Lei nº 12.965, de 23.04.2014
Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. (DOU 24.04.2014)
Lei nº 12.964, de 08.04.2014
Altera a Lei nº 5.859, de 11 de dezembro de 1972, para dispor sobre multa por infração à legislação do trabalho doméstico, e dá outras providências. Mensagem de veto (DOU 09.04.2014)
Lei nº 12.963, de 08.04.2014
Dispõe sobre a criação de cargos de provimento efetivo no Quadro de Pessoal da Secretaria do Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região. (DOU 09.04.2014)
Lei nº 12.962, de 08.04.2014
Altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente, para assegurar a convivência da criança e do adolescente com os pais privados de liberdade. (DOU 09.04.2014)
Lei nº 12.961, de 04.04.2014
Altera a Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, para dispor sobre a destruição de drogas apreendidas. (DOU 07.04.2014)
Medidas Provisórias
Medida Provisória nº 643, de 24.04.2014 Altera a Lei nº 9.648, de 27 de maio de 1998, para dispor sobre o mandato de Diretor-Geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico – ONS. (DOU 25.04.2014)
Medida Provisória nº 642, de 17.04.2014 Abre crédito extraordinário, em favor do Ministério da Defesa e de Operações Oficiais de Crédito, no valor de R$ 5.100.000.000,00, para os fins que especifica. (DOU 22.04.2014)
Indicadores I – Índices de Atualização dos Débitos Trabalhistas (Vigência: Maio/2014 Junho/2011––Atualização: Atualização:Maio/2014) Maio/2011)
1 – Índice Índice de de Atualização AtualizaçãoMonetária Monetáriaaté até31 31de demaio maiode de2011 2014– –Decreto-Lei Decreto-Leinºnº 2.322/1987 2.322/1987 combinado combinado com com a Lei a Lei nº nº 7.738/1989 7.738/1989 (incluindo (incluindo a Lei a Lei nº 8.177/1991 nº 8.177/1991 – TR – – a –partir TR a partir de fev. de fev. 1991) 1991) – TR – TR prefiprefi xada xada de 1º demaio/2011 1º maio/2014 a 1ºajunho/2011 1º junho/2014 (Banco (Banco Central) Central) = 0,1570% = 0,06040% 1991
1992
1993
1994
1995
1996
2003
2004
2005
2006
2007
2008
JAN
Mês/Ano
0,014952010
0,002855879
0,000227338
0,008829572
2,310044148
1,755050807
JAN
1,192278932
1,139316279
1,118968747
1,088136127
1,066405629
1,051212342
FEV
0,012437847
0,002275964
0,000179346
0,006242628
2,262502189
1,733339002
FEV
1,186491228
1,137859818
1,116869033
1,085610995
1,064076365
1,050151688
MAR
0,011624156
0,001811929
0,000141887
0,004463483
2,221338564
1,716814661
MAR
1,181627648
1,137338917
1,115795638
1,084824498
1,063309719
1,049896564
ABR
0,010713508
0,001458058
0,000112779
0,003146622
2,171400691
1,702954316
ABR
1,177175570
1,135320317
1,112863243
1,082580309
1,061318685
1,049467331
MAIO
0,009835223
0,001204210
0,000087957
0,002155663
2,098646899
1,691793554
MAIO
1,172270789
1,134328914
1,110638634
1,081655493
1,059970403
1,048466046
JUN
0,009023968
0,001005100
0,000068354
0,001472046
2,032644887
1,681890582
JUN
1,166844960
1,132577948
1,107839125
1,079617176
1,058183132
1,047694943
JUL
0,008248599
0,000830318
0,000052547
2,756163706
1,975622495
1,671694915
JUL
1,162004051
1,130586985
1,104533257
1,077530000
1,057174587
1,046495659
AGO
0,007495320
0,000671290
0,040306347
2,624264199
1,918257019
1,661970724
AGO
1,155688215
1,128384379
1,101696388
1,075646543
1,055623876
1,044496493
SET
0,006695239
0,000544789
0,030228249
2,569502952
1,869564219
1,651606891
SET
1,151040314
1,126126495
1,097891098
1,073032636
1,054078596
1,042855039
OUT
0,005733207
0,000434511
0,022454501
2,508322459
1,833997505
1,640745158
OUT
1,147181197
1,124183905
1,095003573
1,071403032
1,053707691
1,040804654
NOV
0,004786847
0,000347414
0,016446569
2,445829080
1,804156752
1,628662114
NOV
1,143507109
1,122939688
1,092708885
1,069397911
1,052505730
1,038202917
DEZ
0,003667520
0,000281786
0,012078855
2,376414026
1,778568488
1,615502233
DEZ
1,141479840
1,121654272
1,090605108
1,068028698
1,051885118
1,036525818
Mês/Ano
Mês/Ano
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2009
2010
2011
2012
2013
2014
JAN
1,601541595
1,458798343
1,353322322
1,279984753
1,253703251
1,225693031
JAN
1,034303101
1,027021458
1,019996217
1,007822650
1,004911329
1,002995377
FEV
1,589714122
1,442271356
1,346371008
1,277239965
1,251989278
1,222525468
FEV
1,032403478
1,027021458
1,019267440
1,006952643
1,004911329
1,001867274
MAR
1,579265667
1,435865958
1,335290765
1,274273456
1,251528715
1,221095565
MAR
1,031938074
1,027021458
1,018733624
1,006952643
1,004911329
1,001329560
ABR
1,569353662
1,423065484
1,319960741
1,271422926
1,249374793
1,218952646
ABR
1,030456278
1,026208701
1,017500414
1,005878365
1,004911329
1,001063277
MAIO
1,559666573
1,416380169
1,311968231
1,269770954
1,247446241
1,216086330
MAIO
1,029988663
1,026208701
1,017125094
1,005650083
1,004911329
1,000604000
JUN
1,549819023
1,409974654
1,304453276
1,266614550
1,245171313
1,213535479
JUN
1,029526406
1,025685601
1,015530711
1,005179658
1,004911329
1,000000000
JUL
1,539756713
1,403081316
1,300411596
1,263909783
1,243358497
1,211618698
JUL
1,028851480
1,025081828
1,014400669
1,005179658
1,004911329
AGO
1,529691344
1,395402416
1,296608643
1,261957535
1,240330849
1,208409163
AGO
1,027771292
1,023903316
1,013155501
1,005034933
1,004701347
SET
1,520159941
1,390190592
1,292801343
1,259407236
1,236083665
1,205418520
SET
1,027568861
1,022973433
1,011056547
1,004911329
1,004701347
OUT
1,510381730
1,383946226
1,289300891
1,258101326
1,234075824
1,203066525
OUT
1,027568861
1,022255809
1,010043474
1,004911329
1,004621982
NOV
1,500548634
1,371748638
1,286387224
1,256447841
1,230491403
1,199745629
NOV
1,027568861
1,021773532
1,009417635
1,004911329
1,003698579
DEZ
1,477886719
1,363382920
1,283822148
1,254945671
1,228123580
1,196581867
DEZ
1,027568861
1,021430331
1,008766980
1,004911329
1,003490856
Mês/Ano
OBS.: Foram consideradas as divisões por 1.000 ocorridas em março/1986, janeiro/1989, agosto/1993, e por 2.750 ocorridas em julho/1994.
* NOTA DO TRT DA 2ª REGIÃO SOBRE O ÍNDICE DE ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA A atualização de débitos trabalhistas é definida no art. 39 da Lei nº 8.177/1991, que não sofreu alteração com a Lei nº 12.703/2012: tal lei modificou os parâmetros para cálculo dos rendimentos da caderneta de poupança, mas não alterou a TR, índice-base para atualização monetária. A TR tem sido calculada com valor “zero” desde setembro de 2012, o que não é nenhuma discrepância, dados os valores mais baixos da Taxa Selic. Observamos que, nas poupanças “novas” (abertas após a Lei nº 12.703/2012), o rendimento tem sido inferior a 0,5%, o que significaria, matematicamente, TR negativa (por isso a TR fica “zerada” nas tabelas de atualização). Lembramos, ainda, que a TR vem apresentando valor mensal muito baixo há muitos anos: o que, efetivamente, garante a preservação do valor dos débitos trabalhistas é a taxa de juros, que, ultimamente, tem sido superior à Selic – daí a TR “negativa” das poupanças novas. A alteração da TR como índice de atualização oficial das tabelas só poderá ser efetuada se houver mudança da legislação, já que a tabela é unificada nacionalmente. Até o fechamento desta edição, a tabela não foi divulgada pelo Tribunal.
2 – Juros de mora (incidentes a partir da propositura da ação e aplicados sobre o principal corrigido): • Até 28.02.1987 – Juros simples – 0,5% ao mês; • De 01.03.1987 até 31.01.1991 – Juros capitalizados mensalmente – 1% ao mês; • De 01.02.1991 em diante – Juros simples – 1% ao mês.
Fórmula para cálculo da taxa efetiva (T) dos juros capitalizados: T = (1,01)n – 1, onde “n” é igual ao número de dias decorridos desde a data da propositura da ação, contidos no período compreendido entre 01.03.1987 e 31.01.1991, dividido por 30.
Juros Capitalizados Mensalmente Nº Meses 01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15 16
% Efetivo 1,0000 2,0100 3,0301 4,0604 5,1010 6,1520 7,2135 8,2856 9,3685 10,4622 11,5668 12,6825 13,8093 14,9474 16,0968 17,2578
Nº Meses 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32
% Efetivo 18,4304 19,6147 20,8108 22,0190 23,2391 24,4715 25,7163 26,9734 28,2431 29,5256 30,8208 32,1290 33,4503 34,7848 36,1327 37,4940
Nº Meses 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 –
% Efetivo 38,8690 40,257+6 41,6602 43,0768 44,5076 45,9527 47,4122 48,8863 50,3752 51,8789 53,3977 54,9317 56,4810 58,0458 59,6263 –
II – Evolução do Salário-Mínimo desde 1989 Maio/2014 – Ed. 206
Vigência
103
Moeda
Valor
Norma Legal
DOU
Moeda
Valor
Norma Legal
DOU
01.10.1989
NCz$
381,73
Decreto nº 98.211/89
02.10.1989
Vigência 01.09.1990
Cr$
6.056,31
Port. 3.588/90
03.09.1990
01.11.1989
NCz$
557,33
Decreto nº 98.346/89
31.10.1989
01.10.1990
Cr$
6.425,14
Port. 3.628/90
01.10.1990
01.12.1989
NCz$
788,18
Decreto nº 98.456/89
01.12.1989
01.11.1990
Cr$
8.329,55
Port. 3.719/90
01.11.1990
01.01.1990
NCz$
1.283,95
Decreto nº 98.783/89
29.12.1989
01.12.1990
Cr$
8.836,82
Port. 3.787/90
03.12.1990
Cr$
12.325,50
Port. 3.828/90
31.12.1990
01.02.1990
NCz$
2.004,37
Decreto nº 98.900/90
01.02.1990
01.01.1991
01.03.1990
NCz$
3.674,06
Decreto nº 98.985/90
01.03.1990
01.02.1991
Cr$
15.895,46
MP 295/91
01.02.1991
01.04.1990
Cr$
3.674,06
Port. 3.143/90
24.04.1990
01.03.1991
Cr$
17.000,00
Lei nº 8.178/91
04.03.1991
Cr$
42.000,00
Lei nº 8.222/91
06.09.1991
01.05.1990
Cr$
3.674,06
Port. 3.352/90
23.05.1990
01.09.1991
01.06.1990
Cr$
3.857,76
Port. 3.387/90
04.06.1990
01.01.1992
Cr$
96.037,33
Port. 42/92
21.01.1992
01.07.1990
Cr$
4.904,76
Port. 3.501/90
16.07.1990
01.05.1992
Cr$
230.000,00
Lei nº 8.419/92
08.05.1992
01.08.1990
Cr$
5.203,46
Port. 429/90
01.08.1990
01.09.1992
Cr$
522.186,94
Port. 601/92
31.08.1992
Vigência
Moeda
Valor
Norma Legal
DOU
Moeda
Valor
Norma Legal
DOU
01.01.1993
Cr$
1.250.700,00
Lei nº 8.542/92
24.12.1992
Vigência 03.04.2000
R$
151,00
Lei nº 9.971/00
19.05.2000
01.03.1993
Cr$
1.709.400,00
Port. Interm. 4/93
01.03.1993
01.04.2001
R$
180,00
MP 2.142/01 (atual 2.194-6)
30.03.2001
01.05.1993
Cr$
3.303.300,00
Port. Interm. 7/93
04.05.1993
01.04.2002
R$
200,00
Lei nº 10.525/02
28.03.2002
01.07.1993
Cr$
4.639.800,00
Port. Interm. 11/93
01.08.1993
01.04.2003
R$
240,00
Lei nº 10.699/03
10.07.2003
01.08.1993
CR$
5.534,00
Port. Interm. 12/93
03.08.1993
01.05.2004
R$
260,00
Lei nº 10.888/04
25.06.2004
01.09.1993
CR$
9.606,00
Port. Interm. 14/93
02.09.1993
01.05.2005
R$
300,00
Lei nº 11.164/05
19.08.2005
01.10.1993
CR$
12.024,00
Port. Interm. 15/93
04.10.1993
01.04.2006
R$
350,00
MP 288/06
31.03.2006
01.11.1993
CR$
15.021,00
Port. Interm. 17/93
03.11.1993
01.04.2006
R$
350,00
Lei nº 11.321/06
10.07.2006
01.12.1993
CR$
18.760,00
Port. Interm. 19/93
02.12.1993
01.04.2007
R$
380,00
MP 362/07
30.03.2007-extra
01.01.1994
CR$
32.882,00
Port. Interm. 20/93
31.12.1993
01.04.2007
R$
380,00
Lei nº 11.498/07
29.06.2007
01.02.1994
CR$
42.829,00
Port. Interm. 02/94
02.02.1994
01.03.2008
R$
415,00
MP 421/08
29.02.2008-extra
01.03.1994
URV
64,79
Port. Interm. 04/94
03.03.1994
01.02.2009
R$
465,00
MP 456/09
30.01.2009-extra
01.07.1994
R$
64,79
Lei nº 9.069/95
30.06.1994/30.06.1995
01.01.2010
R$
510,00
MP 474/09
24.12.2009
01.09.1994
R$
70,00
Lei nº 9.063/95
01.09.1994/20.06.1995
01.01.2011
R$
540,00
MP 516/10
31.12.2010
01.05.1995
R$
100,00
Lei nº 9.032/95
29.04.1995
01.03.2011
R$
545,00
Lei nº 12.382/11
28.02.2011
01.05.1996
R$
112,00
Lei nº 9.971/00
19.05.2000
01.01.2012
RS
622,00
Decreto nº 7.655/11
26.12.2011
01.05.1997
R$
120,00
Lei nº 9.971/00
19.05.2000
01.01.2013
R$
678.00
Decreto nº 7.872/11
26.12.2012
01.05.1998
R$
130,00
Lei nº 9.971/00
19.05.2000
01.01.2014
R$
724,00
Decreto nº 8.166/2013
24.12.2013
01.05.1999
R$
136,00
Lei nº 9.971/00
19.05.2000
1 – Salário-de-benefício mínimo: R$ 678,00 (seiscentos e setenta e oito reais) 2 – Salário-de-benefício máximo: R$ 3.916,20 (três mil, novecentos e dezesseis reais e vinte centavos) 3 – Renda mensal vitalícia: R$ 678,00 (seiscentos e setenta e oito reais) 4 – Auxílio-funeral*
– R$ 31,22 (trinta e um reais e vinte e dois centavos) para o segurado com remuneração mensal não superior R$ 608,80 (seiscentos e oito reais e oitenta e centavos); – R$ 22,00 (vinte e dois reais) para o segurado com remuneração mensal superior a R$ 608,80 (seiscentos e oito reais e oitenta e centavos) e igual ou inferior a R$ 915,05 (nocentos e quinze reais e cinco centavos).
5 – Auxílio-natalidade*
7 – Benefícios a idosos e portadores de deficiência: Valor de um salário-mínimo (Decreto nº 1.744/1995).
6 – Salário-família:
* Benefícios extintos a partir de jan. 1996 (Lei nº 8.742/1993, art. 40).
Maio/2014 – Ed. 206
III – Previdência Social – Valores de Benefícios (Março/2014)
104
8 – Tabela de contribuição (empregado, empregado doméstico e trabalhador avulso) para pagamento de remuneração Salário-de-contribuição (R$)
Alíquota para fins de recolhimento ao INSS (%)
Até R$ 1.317.07
8,00*
De R$ 1.317,08 até 2.195,12
9,00*
De R$ 2.195,13 até 4.390,24
11,00*
9 – Escala de salários-base para os segurados contribuinte individual e facultativo Nota: Escala extinta, conforme o art. 9º da Lei nº 10.666, de 08.05.2003, DOU 09.05.2003, e o art. 39 da Instrução Normativa DC/INSS nº 89, de 11.06.2003, DOU 13.06.2003.
* Alíquota reduzida para salários e remunerações até três salários-mínimos, em razão do disposto no inciso II do art. 17 da Lei nº 9.311, de 24.10.1996, que instituiu a Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e de Direitos de Natureza Financeira – CPMF.
IV – Imposto de Renda na Fonte TABELA PROGRESSIVA MENSAL Base de cálculo em R$
Alíquota %
Parcela a deduzir do imposto em R$
-
-
De 1.787,78 até 2.679,29
7,5
134,08
De 2.679,30 até 3.572,43
15,0
335,03
De 3.572,44 até 4.463,81
22,5
602,96
Acima de 4.463,81
27,5
826,15
Maio/2014 – Ed. 206
Até 1.787,77
TABELA PROGRESSIVA ANUAL O imposto de renda anual devido, incidente sobre os rendimentos de pessoas físicas, será calculado de acordo com a tabela progressiva anual correspondente à soma das tabelas progressivas mensais vigentes nos meses de cada ano-calendário.
V – Depósitos Recursais na Justiça do Trabalho Novos valores para Depósitos Recursais na Justiça do Trabalho (Ato nº 506/2013 do TST, DJe de 17.07.2013, vigência a partir de 01.08.2013) Recurso Ordinário
R$ 7.058,11
Recurso de Revista, Embargos, Recurso Extraordinário e Recurso em Ação Rescisória
R$ 14.116,21
Ação Rescisória – Depósito prévio de 20% do valor da causa, salvo prova de miserabilidade, nos termos do art. 836 da CLT, alterado pela Lei nº 11.495/2007, cujos efeitos começam a fluir a partir do dia 24.09.2007.
105
VI – Indexadores Indexador
Novembro
Dezembro
Janeiro
Fevereiro
Março
Abril
INPC IGPM UFIR SELIC
0,54 0,29
0,72 0,60
0,63 0,85
0,64 0,38
0,82 1,67
0,78 0,82
0,77
0,72
Extinta, a partir de outubro de 2000, pela MP 1.973-67, atual Lei nº 10.522, de 19.07.2002, DOU 22.07.2002, art. 29, § 3º.
0,72
0,79
0,48
0,79
Valor de Referência Base Maio/1992 – Cruzeiros 79.297,75 Emissão anterior a Jan./1989 79.297,75
TDA
Valores nominais reajustados – Reais 91,87 Emissão anterior a Jan./1989 157,23
(*) Referente ao primeiro dia de cada mês.
VII – Índices de Atualização dos Débitos Judiciais Tabela editada em face da Jurisprudência ora predominante.
Mês/Ano JAN FEV MAR ABR MAIO JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1.942,73 2.329,52 2.838,99 3.173,71 3.332,71 3.555,33 3.940,38 4.418,74 5.108,95 5.906,96 7.152,15 9.046,04
11.230,66 14.141,65 17.603,52 21.409,40 25.871,12 32.209,55 38.925,24 47.519,93 58.154,89 72.100,44 90.897,02 111.703,35
140.277,06 180.634,78 225.414,14 287.583,35 369.170,75 468.034,68 610.176,81 799,392641 1.065,91 1.445,69 1.938,96 2.636,99
3.631,93 5.132,64 7.214,96 10.323,16 14.747,66 21.049,34 11,346741 12,036622 12,693821 12,885497 13,125167 13,554359
13,851199 14,082514 14,22193 14,422459 14,69937 15,077143 15,351547 15,729195 15,889632 16,07554 16,300597 16,546736
16,819757 17,065325 17,186488 17,236328 17,396625 17,619301 17,853637 18,06788 18,158219 18,16185 18,230865 18,292849
Mês/Ano JAN FEV MAR ABR MAIO JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ
1997
1998
1999
2000
2001
2002
18,353215 18,501876 18,585134 18,711512 18,823781 18,844487 18,910442 18,94448 18,938796 18,957734 19,012711 19,04123
19,149765 19,312538 19,416825 19,511967 19,59977 19,740888 19,770499 19,715141 19,618536 19,557718 19,579231 19,543988
19,626072 19,753641 20,008462 20,26457 20,359813 20,369992 20,38425 20,535093 20,648036 20,728563 20,927557 21,124276
21,280595 21,410406 21,421111 21,448958 21,468262 21,457527 21,521899 21,821053 22,085087 22,180052 22,21554 22,279965
22,402504 22,575003 22,68562 22,79451 22,985983 23,117003 23,255705 23,513843 23,699602 23,80388 24,027636 24,337592
24,51769 24,780029 24,856847 25,010959 25,181033 25,203695 25,357437 25,649047 25,869628 26,084345 26,493869 27,392011
106
Mês/Ano JAN FEV MAR ABR MAIO JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ
2003
2004
2005
2006
2007
2008
28,131595 28,826445 29,247311 29,647999 30,057141 30,354706 30,336493 30,348627 30,403254 30,65256 30,772104 30,88596
31,052744 31,310481 31,432591 31,611756 31,741364 31,868329 32,02767 32,261471 32,422778 32,477896 32,533108 32,676253
32,957268 33,145124 33,290962 33,533986 33,839145 34,076019 34,038535 34,048746 34,048746 34,099819 34,297597 34,482804
34,620735 34,752293 34,832223 34,92627 34,968181 35,013639 34,989129 35,027617 35,020611 35,076643 35,227472 35,375427
35,594754 35,769168 35,919398 36,077443 36,171244 36,265289 36,377711 36,494119 36,709434 36,801207 36,91161 37,070329
37,429911 37,688177 37,86908 38,062212 38,30581 38,673545 39,025474 39,251821 39,334249 39,39325 39,590216 39,740658
Mês/Ano JAN FEV MAR ABR MAIO JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ
2009
2010
2011
2012
2013
2014
39,855905 40,110982 40,235326 40,315796 40,537532 40,780757 40,952036 41,046225 41,079061 41,144787 41,243534 41,396135
41,495485 41,860645 42,153669 42,45296 42,762866 42,946746 42,899504 42,869474 42,839465 43,070798 43,467049 43,914759
44,178247 44,593522 44,834327 45,130233 45,45517 45,714264 45,814835 45,814835 46,007257 46,214289 46,362174 46,626438
46,864232 47,103239 47,286941 47,372057 47,675238 47,937451 48,062088 48,268754 48,485963 48,791424 49,137843 49,403187
49,76877 50,226642 50,48782 50,790746 51,090411 51,269227 51,41278 51,345943 51,428096 51,566951 51,881509 52,161669
52,537233 52,868217 53,206573 53,642866 54,061280
Observação I – Dividir o valor a atualizar (observar o padrão monetário vigente à época) pelo fator do mês do termo inicial e multiplicar pelo fator do mês do termo final, obtendo-se o resultado na moeda vigente na data do termo final, não sendo necessário efetuar qualquer conversão. Esclarecendo que, nesta tabela, não estão incluídos os juros moratórios, apenas a correção monetária.
Padrões monetários a considerar: Cr$ (cruzeiro): de out./1964 a jan./1967
NCz$ (cruzado novo): de jan./1989 a fev./1990
NCr$ (cruzeiro novo): de fev./1967 a maio/1970
Cr$ (cruzeiro): de mar./1990 a jul./1993
Cr$ (cruzeiro): de jun./1970 a fev./1986
CR$ (cruzeiro real): de ago./1993 a jun./1994
Cz$ (cruzado): de mar./1986 a dez./1988
R$ (real): de jul./1994 em diante
Exemplo: Atualização até maio de 2014 do valor de Cz$ 1.000,00, fixado em janeiro 1988. Cz$ 1.000,00 : 596,94 (jan./1988) x 54,061280 (maio/2014) = R$ R$ 90,56
Maio/2014 – Ed. 206
Observação II – Os fatores de atualização monetária foram compostos pela aplicação dos seguintes índices:
107
Out./1964 a fev./1986: ORTN Mar./1986 e mar./1987 a jan./1989: OTN Abr./1986 a fev./1987: OTN pro rata Fev./1989: 42,72% (conforme STJ, índice de jan./1989
Abr./1989 a mar./1991: IPC do IBGE (de mar./1989 a fev./1991) Abr./1991 a jul./1994: INPC do IBGE (de mar./1991 a jun./1994) Ago./1994 a jul./1995: IPC-r do IBGE (de jul./1994 a jun./1995) Mar./1989: 10,14% (conforme STJ, índice de fev./1989)
Ago./1995 em diante: INPC do IBGE (de jul./1995 em diante), sendo que, com relação à aplicação da deflação, a matéria ficará sub judice) Observação III – Aplicação do índice de 10,14%, relativo ao mês de fevereiro de 1989, ao invés de 23,60%, em cumprimento ao decidido no Processo nº G-36.676/2002. Fonte: Site do Tribunal de Justiça de São Paulo * Aplicável aos cálculos judiciais, exceto para aqueles com normas específicas estabelecidas por lei ou com decisão transitada em julgado, que estabelece critérios e índices diferentes.
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Jornal Jurídico Maio/2014 – Edição 206