A Constituição e o Meio Ambiente – Limites à Utilização de Normas Tributárias Como Instrumento de Intervenção sobre o Meio Ambiente – Cláudia Maria Borges Costa Pinto – p. 1
Uso de Bens Públicos − Matéria de Interesse Local − Autonomia Local para Disciplinar – Ivan Barbosa Rigolin – p. 16 A Terceirização e a Função Social do Contrato – Maria do Perpetuo Socorro Wanderley de Castro – p. 22 Lei do Inquilinato Atualizada: Reflexos Procedimentais da Lei nº 12.112/2009 – Gustavo Lomeu – p. 35 Interpretação Judicial Criativa em Direito Penal: da Teoria à Prática – Chiavelli Facenda Falavigno – p. 52 Alternativas Legais para a Problemática do Saldo Credor Acumulado de ICMS – Ivo Ricardo Lozekam – p. 60 Acórdão na Íntegra – Superior Tribunal de Justiça – p. 72 Pesquisa Temática – Certidão de Dívida Ativa – p. 75 Jurisprudência Comentada – Internação – Substituição por Tratamento Ambulatorial – Admissibilidade – José Francisco Fischinger Moura de Souza – p. 81
Jornal Jurídico
Medida Provisória – p. 84 Normas Legais – p. 87 Indicadores – p. 88
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Doutrina
A Constituição e o Meio Ambiente – Limites à Utilização de Normas Tributárias Como Instrumento de Intervenção sobre o Meio Ambiente CLÁUDIA MARIA BORGES COSTA PINTO Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba, Especialista em Direito Tributário pela Faculdade de Direito de Curitiba, MBA em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas, Mestre em Direito Econômico e Social pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Advogada.
RESUMO: Este artigo apresenta reflexões sobre os limites à utilização de normas tributárias como instrumento de intervenção sobre o meio ambiente. Embora seja um tema de grande importância, existem poucos trabalhos doutrinários e rara jurisprudência sobre o tema, o que dificulta o trabalho de pesquisa e, por conseguinte, a exata compreensão do assunto, o que justifica, outrossim, o interesse e a relevância em aprofundar o seu estudo. PALAVRAS-CHAVE: Constituição brasileira; sistema tributário brasileiro; princípios constitucionais; tributação ambiental.
ABSTRACT: This article presents reflections about the limits to the use of tax law as intervention instrument on the environment. Although it is a subject very important, there are few doctrinal works and rare jurisprudence about the subject, what it makes it difficult the research work and, therefore, the accurate understanding of the subject, what, justify the interest and the relevance in deepening the its study. KEYWORDS: Brazilian constitution; system brazilian tributary; principles constitutional; ambient taxation. SUMÁRIO: Introdução; 1 O meio ambiente na Constituição; 2 Valores e princípios constitucionais. Princípios vinculados a valores; 3 Relações entre as competências tributária e ambiental. Parâmetros constitucionais para o uso de normas tributárias como instrumento de intervenção sobre o meio ambiente; Conclusões; Referências.
INTRODUÇÃO A preservação do meio ambiente passou a se inserir na pauta das preocupações da sociedade moderna. No entanto, a vertiginosa rapidez da evolução econômica e social não é acompanhada pelo direito positivo, o qual, com certa frequência, tarda a disciplinar estes setores. Todavia, ao nos debruçarmos sobre nossa Carta Magna, verificamos que tal não sucede com as interações entre o direito tributário e ambiental, pois, embora seja forçoso reconhecer que os problemas que atualmente se põem aos juristas se situem em um contexto diferente ao vivenciado quando do advento da Constituição de 1988, há, no direito constitucional positivo, instrumental jurídico suficiente para estruturar um corpus teórico apto a disciplinar as mudanças
1 Neste sentido também opinam Maria de Fátima Ribeiro e Jussara S. A. N. Ferreira, no artigo “O papel do Estado no desenvolvimento econômico sustentável: reflexões sobre a tributação ambiental como instrumento de políticas públicas” (RIBEIRO, Maria de Fátima; FERREIRA, Jussara de Assis Borges Nasser. O papel do Estado no desenvolvimento econômico sustentável: reflexões sobre a tributação ambiental como instrumento de políticas públicas. In: TORRES, Heleno Taveira (Org.). Direito tributário ambiental. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 671; SCAFF, Fernando Facuty; TUPIASSU, Lise Vieira da Costa. Tributação e políticas públicas: o ICMS ecológico. Revista de Direito Ambiental, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 38, p. 118, abr./jun. 2005). 2 Embora se reporte a uma palestra proferida em 1997, não perde atualidade a afirmação de Regina Helena Costa de que a expressão “tributação ambiental” é recente no Direito brasileiro. Esta ideia é expressa no artigo “Tributação ambiental” (COSTA, Regina Helena. Tributação ambiental. In: FREITAS, Vladimir Passos de Freitas (Org.). Direito ambiental em evolução. 2. ed. Curitiba: Juruá, n. 1, 2002.), publicado em 2001, e, também, recentemente, no artigo “Apontamentos sobre a tributação ambiental no Brasil”, obra esta publicada em 2005, no qual a tributação ambiental é considerada o “[...] o emprego de instrumentos tributários para orientar o comportamento dos contribuintes à protesto do meio ambiente, bem como para gerar os recursos necessários à prestação de serviços públicos de natureza ambiental” (Idem, p. 303) e também “Apontamentos sobre a tributação ambiental no Brasil” (COSTA, Regina Helena. Apontamentos sobre a tributação ambiental no Brasil. In: TORRES, Heleno Taveira (Org.). Direito tributário ambiental. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 312). 3 Com grande frequência verifica-se na doutrina e jurisprudência o uso da expressão “tributação ambiental”. No entanto, há certa confusão terminológica em outros setores do conhecimento humano. Neste sentido lecionam Marli Teresinha Deon Sette e Jorge Madeira Nogueira: “Os economistas costumam se referir, de maneira genérica, às mais variadas espécies tributárias aplicadas na gestão ambiental, com a designação de taxas ambientais, ecotaxação, taxas verdes ou taxas pigouvianas (environmental taxes, ecotaxation, green taxes ou pugouvian taxes). Essa última denominação homenageia o economista inglês Arthur C. Pigou (1877-1959), pioneiro na defesa da adoção de tributos como elemento corretivo das
Outrossim, buscando lançar luzes no verdadeiro “encontro das águas” entre o direito tributário e ambiental4, visa o presente trabalho, a partir de uma leitura do Texto Constitucional, estabelecer os parâmetros fixados pela Constituição para a possível utilização de normas tributárias como meio de intervenção sobre o meio ambiente.
1 O MEIO AMBIENTE NA CONSTITUIÇÃO Segundo Edson Luiz Peters, a legislação ambiental brasileira é uma “colcha de retalhos”, pois “nunca existiu e não existe um corpo legislativo único, isto é, um Código Ambiental brasileiro”, pois as “normas foram sendo editadas gradativamente na história político-jurídica brasileira”, estando “dispersas em inúmeros textos legais”5. Nas conclusões do seu artigo “Municípios e meio ambiente: a necessidade de uma gestão urbano-ambiental”, Vanêsca
externalidades, como corretamente destaca Ricardo Carneiro” (SETTE, Marli Teresinha Deon; NOGUEIRA, Jorge Madeira. Aplicabilidade da tributação ambiental. Juris Síntese, n. 47, maio/jun. 2004. Extraída do CD-Rom Juris Síntese IOB, nov./dez. 2005). Preferimos, ao lado de Roberto Ferraz, o uso da expressão “tributação ambientalmente orientada”, que o mesmo a utiliza, inclusive, no título do seu artigo “Tributação ambientalmente orientada e as espécies tributárias no Brasil” e explica que são “tributos ecologicamente orientados [...] aqueles que influenciam na decisão econômica, de modo a tornar mais interessante a opção ecologicamente mais adequada” (FERRAZ, Roberto. Tributação ambientalmente orientada e as espécies tributárias no Brasil. In: TORRES, Heleno Taveira (Org.). Direito tributário ambiental. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 341). 4 Utilizamos a expressão em sentido figurado, pois partilhamos do posicionamento de Alfredo Augusto Becker, para quem “falsa é autonomia de qualquer outro ramo do direito positivo” (BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 3. ed. São Paulo: Lejus, 2002. p. 29). 5 PETERS, Edson Luiz; PIRES, Paulo Tarso de Lara. Manual de direito ambiental. Curitiba: Juruá, 2001. p. 30/31.
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e transformações havidas nesses ramos do Direito1, e cuja harmonização dá lugar a uma possível “tributação ambiental”2, ou, em outros termos, “tributação ambientalmente orientada”3.
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Buzelato Prestes analisa criticamente a evolução histórica da legislação ambiental brasileira, afirmando que, “historicamente, a legislação ambiental tratou da questão ambiental de forma esparsa e diluída, versando sobre itens ambientais na ‘exata medida para atender sua exploração pelo homem’” (PRESTES, Vanêsca Buzelato. Municípios e meio ambiente: a necessidade de uma gestão urbano-ambiental. Revista Interesse Público, Porto Alegre: Notadez, a. 8, n. 36, p. 336, mar./abr. 2006). Não estando compreendida no escopo deste trabalho a sistematização da legislação ambiental, impõe-se um corte metodológico que limite o estudo dentro da própria Constituição Federal.
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Neste âmbito, Paulo Affonso Leme Machado ensina que a “[...] Constituição de 1988 pela primeira vez no Brasil insere o tema ‘meio ambiente’ em sua concepção unitária”, lecionando que a mesma “[...] garante o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida”6.
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Segundo José Afonso da Silva, há referências explícitas e implícitas ao meio ambiente na Constituição. Entre as referências expressas, cita o art. 5º, inciso LXXIII; o art. 20, inciso II; art. 23; art. 24, incisos VI, VII e VIII; art. 91, § 1º, inciso III; art. 129, inciso III; art. 170, inciso VI; art. 174, § 3º; art. 186, II, c/c o art. 184; art. 200, inciso VIII; art. 216, inciso V; art. 220, § 3º, inciso II; art. 231, § 1º7, figurando o núcleo da questão ambiental no Capítulo VI do Título VIII (Ordem Social – art. 225). Às referências implícitas, por seu turno, inserem-se os dispositivos insertos no 6 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 9. ed. rev., ampl. e atual. de acordo com as Leis nºs 9.966, 9.974, 9.984 e 9.985 de 2000. 2. tir. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 81. 7 SILVA, José Afonso. Direito ambiental constitucional. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 47/50.
art. 21, incisos XIX, XX; XXIII, XXIV, XXV; art. 22, incisos IV, XII e XXVI; art. 23, incisos II, III e IV; art. 24, inciso VII; arts. 215 e 216; art. 20, incisos III, V, VI, VIII, IX e X; art. 26, inciso I; art. 30, inciso VIII, c/c o art. 183; art. 30 inciso IX; arts. 196 a 200. Para os efeitos deste estudo, no entanto, importa esclarecer que a Constituição Federal consagra um sistema jurídico ambiental, que, na repartição de competências, adotou a regra geral para as entidades federativas, as quais possuem, em matéria de meio ambiente, competência material comum (art. 23) e competência legislativa concorrente (art. 24), cabendo à União – a qual ocupa uma posição de supremacia no que tange à proteção ambiental8 – editar “normas gerais”9, de cunho nacional, vinculante para Estados e Municípios. O objeto da tutela – meio ambiente –, aqui compreendido como a “interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas”, na lição de José Afonso da Silva10, se dá a partir da instituição de um plexo de competências atribuídas 8 Segundo José Afonso da Silva, tal posição decorre não só porque à União incumbe a política geral do meio ambiente, mas também porque lhe cabe “executar planos nacionais e regionais de proteção ambiental [...], lhe é reconhecida a competência exclusiva para instituir o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos [...] e competência privativa para legislar sobre águas e energia [...]” (Idem, p. 76). 9 Para Paulo Affonso Leme Machado, a “[...] Constituição brasileira não conceitua norma geral. Resta à doutrina e à jurisprudência essa tarefa. A norma geral visa à aplicação da mesma regra em um determinado espaço territorial. A norma geral federal ambiental, ou em matéria de competência concorrente, não precisa necessariamente abranger todo o território brasileiro [...]. A União está obrigada a inserir na norma geral o conteúdo dos acordos, tratados ou convenções internacionais já ratificados, depositados e promulgados pelo Brasil, como, evidentemente, guardar fidelidade à Constituição em vigor” (MACHADO, Paulo Affonso Leme. Op. cit., p. 82). 10 SILVA, José Afonso. Op. cit., p. 20.
Apresentada a questão sobre este prisma, isto é, a tributação ambientalmente orientada como um – entre outros – dos instrumentos disponíveis para a persecução dos fins constitucionalmente previstos – defesa e preservação do meio ambiente –, resta identificar algumas linhas da complexa interação entre o direito tributário e o direito ambiental, revelando e sistematizando alguns contornos teóricos já reconhecidos e estabelecidos pela doutrina.
2 VALORES E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. PRINCÍPIOS VINCULADOS A VALORES Ressalta o Professor Roberto Ferraz que a tributação ambiental é um tema que, frequentemente, é “tratado de forma confusa, equivocada e até enganosa”12. 11 Importa acrescentar, segundo o magistério de Lisandre Borges Fortes da Costa Figueira, que “a proteção ao meio ambiente é uma condicionante à exploração da atividade econômica” (FIGUEIRA, Lisandre Borges Fortes da Costa. O princípio da proporcionalidade e tributação ambiental – A experiência brasileira com a taxa de controle e fiscalização ambiental. Revista de Estudos Tributários, Porto Alegre: Síntese, n. 27, p. 11, set./out. 2002). Em igual sentido é o entendimento de Paulo de Bessa Antunes, para quem a preservação do meio ambiente constitui “princípio diretor da atividade econômica” (ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 5. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. p. 13). 12 FERRAZ, Roberto. Op. cit., p. 327.
Assim, partindo-se da premissa de que é necessário dissipar alguns equívocos nesta seara, a referência aos valores e princípios constitucionais impõe-se como um imperativo lógico preliminar à correta compreensão do tema. Ricardo Lobo Torres é pioneiro na investigação e sistematização das relações havidas entre valores e princípios constitucionais em matéria de tributação ambiental13 e, em lapidar artigo doutrinário14, explica como se operam as relações entre os valores e os princípios de direito tributário ambiental. Esclarece o citado autor que valores “são ideias absolutamente abstratas, supraconstitucionais e insuscetíveis de se traduzirem em linguagem constitucional”, ao passo que os princípios “se situam no espaço compreendido entre os valores e as regras, exibindo em parte a generalidade daqueles e a concretude das regras”. Em consequência, os valores são desprovidos de eficácia imediata (ou seja, só se concretizam, se atualizam e 13 Esclareça-se que vários outros autores, em outros âmbitos da Ciência do Direito, diferenciam “valor” e “princípio”. Segundo Fabio Brun Goldschmidt, “o tema ‘valor’ poderia, sem muito esforço, render um tratado inteiro, tamanha a sua importância. Há tantos estudos sobre o assunto que preferimos restringir o presente [...]” (GOLDSCHMIDT, Fabio Brun. O princípio do não-confisco. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 76). Canotilho, por sua vez, diferencia princípios e regras, afirmando que “os mesmos são espécies de normas, diferenciando-se pelo grau de abstração (que, nos princípios, é mais elevado); grau de determinabilidade (os princípios são vagos e indeterminados, as regras são suscetíveis de aplicação direta); grau de fundamenabilidade no sistema (notadamente aos princípios); proximidade da ideia do direito (os princípios são modelos ‘juridicamente vinculantes radicados nas exigências de justiça’); natureza normogenética (os princípios são fundamentos das regras) [...]” (CANOTILHO, J. J. Direito constitucional. 6. ed. rev. e reimp. Coimbra: Almedina, 1995. p. 166). 14 TORRES, Ricardo Lobo. Valores e princípios no direito tributário ambiental. In: TORRES, Heleno Taveira (Org.). Direito tributário ambiental. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 21.
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pela Constituição aos entes da Federação, donde conclui-se que o legislador ordinário, na esfera de sua competência, poderá adotar as mais distintas e variadas políticas públicas e instrumentos técnicos para cumprir o dever constitucional de defesa e preservação do meio ambiente11, inserindo-se, então, entre tantas medidas, a utilização da tributação ambientalmente orientada.
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se expressam por meio dos princípios), pois “os princípios tem caráter deontológico, enquanto os valores são axiológicos”15. Nos dizeres de Ricardo Lobo Torres, os princípios constitucionais não se confundem com os valores (mas vinculam-se ou decorrem de valores, tais como a liberdade, justiça ou solidariedade), existindo princípios os quais, dada a sua magnitude, podem relacionar-se a diversos valores (v.g., princípios estruturais – Federação, Estado de Direito, etc.) que, simultaneamente, se prestam a garantir a liberdade, justiça e segurança jurídica. Interessa, no entanto, nos ocuparmos dos princípios de direito tributário ambiental vinculado a valores. Para tanto, nos aproveitamos da excelente sistematização de Ricardo Lobo Torres16: Valores Liberdade
Imunidade do mínimo ecológico
Justiça
Poluidor-pagador Usuário-pagador Capacidade contributiva Custo/benefício
Segurança
Prevenção Precaução Legalidade tributária Tipicidade tributária
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Solidariedade
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Princípios
Capacidade contributiva solidária Solidariedade do grupo
Ricardo Lobo Torres, no já citado artigo doutrinário, disserta longamente sobre cada uma das interações entre os supracitados valores constitucionais e os princípios de direito tributário ambiental. 15 Idem, ibidem. 16 Idem, p. 23.
Assim, em apertada síntese, ao se pronunciar sobre as relações entre o valor “liberdade” e o princípio “imunidade do mínimo ecológico”, defende o citado mestre que a imunidade é a forma pela qual, no direito tributário, se dá a proteção aos direitos fundamentais. O art. 225 da CF/1988, ao dispor que todos “têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”, consagra o direito de viver em um ambiente sadio e ver respeitada a natureza que cerca o indivíduo como um dos direitos integrantes do rol dos direitos fundamentais17. Deste modo, continua o raciocínio de Ricardo Lobo Torres, conquanto no âmbito do Direito brasileiro a imunidade do direito ao meio ambiente não seja explícita, decorre do conceito de “bens públicos de uso comum do povo” (diferenciados de bens de uso especial ou dominial) a ideia da intributabilidade de bens de fruição gratuita, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças (embora o Estado – ou seus concessionários – estejam autorizados a cobrar remuneração – preço público – pelo direito de uso, observado o princípio do poluidor-pagador). Nas relações entre o valor “justiça” e os princípios do “poluidor-pagador”, “usuário-pagador”, “capacidade contributiva” e “custo/benefício”, Ricardo Lobo Torres leciona que decorre do princípio do “poluidor-pagador” a ideia de que os potenciais poluidores devem arcar com a responsabilidade pelo paga17 Segundo Maria de Fátima Ribeiro e Jussara de Assis Borges Nasser Ferreira, “[...] o enfoque sobre a questão ambiental como direito fundamental vem destacado na Carta do Direito ao Desenvolvimento da ONU/1986, que teve ser prioridade de todos Estados, ao lado do desenvolvimento sustentável” (RIBEIRO, Maria de Fátima; FERREIRA, Jussara de Assis Borges Nasser. Op. cit., p. 651).
Em igual sentido opinam Anderson Orestes Cavalcante Lobato e Gilson César Borges de Almeida, para os quais o “princípio do poluidor-pagador procura justamente promover a responsabilidade privada pela degradação inevitável ao meio ambiente”19. Luis Eduardo Schoueri, por seu turno, reproduzindo a ideia de Glenn P. Jenkis e Ranjit Lamech, registra que o princípio do “poluidor-pagador se “resume na ideia de que aquele que causa danos ao meio ambiente deva suportar, economicamente, tanto os custos para a recuperação ambiental quanto as perdas sofridas pela coletividade”20. Cristiane Derani afirma que o princípio do poluidor-pagador (Verursacherprinzip) visa à internalização dos custos relativos externos de deterioração ambiental. Tal traria como consequência um maior cuidado em relação ao potencial poluidor da produção, na busca de uma satisfatória qualidade do meio 18 Heron José de Santana, dando outro enfoque ao tema da justiça em matéria de tributação ambientalmente orientada, opina que “um tributo ambiental será considerado injusto sempre que utilize um critério de justiça concreta que não seja aceito; conceba o mesmo critério de forma diferente; represente inadequadamente os fatos ou infrinja o critério de justiça formal, tais como os princípios da legalidade – certeza e previsibilidade –, da igualdade, da equidade ou da proporcionalidade” (SANTANA, Heron José de. Meio ambiente e reforma tributária: justiça fiscal e extrafiscal dos tributos ambientais. Revista de Direito Ambiental, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 33, p. 14, mar. 2004). 19 LOBATO, Anderson Orestes Cavalcante; ALMEIDA, Gilson César Borges de Almeida. Tributação ambiental: uma contribuição ao desenvolvimento sustentável. In: TORRES, Heleno Taveira (Org.). Direito tributário ambiental. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 629. 20 SCHOUERI, Luis Fernando. Normas tributárias indutoras em matéria ambiental. In: TORRES, Heleno Taveira (Org.). Direito tributário ambiental. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 236/237.
ambiente. Pela aplicação deste princípio, impõe-se ao “sujeito econômico” (produtor, consumidor, transportador), que nesta relação pode causar um problema ambiental, arcar com os custos da diminuição ou afastamento do dano.
Na sequência, opina que a determinação de quem seja o poluidor-pagador é uma “decisão política”, pois poluidores são todas aquelas pessoas – integrantes de uma corrente consecutiva de poluidores – que contribuem com a poluição ambiental, pela utilização de materiais danosos ao ambiente como também pela sua produção (inclusive os produtores de energias) ou que utilizam processos poluidores. O endereçamento de medidas a um integrante desta “comunidade de poluidores” não pode ser deduzido automaticamente do princípio do poluidor-pagador, porém precisa (e pode) ser deduzido de pontos de vista políticos (por exemplo, efetividade de objetos, eficiência econômica, gastos administrativos, etc.).21
A Lei nº 6.938/1981 estatui que a Política Nacional do Meio Ambiente visará “à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos” (art. 4º, VII). Será considerado poluidor-pagador aquele que puder controlar as condições que ocasionam a poluição, mediante adoção de medidas que previnam ou evitem a sua ocorrência. Como decorrência do princípio do poluidor-pagador, aponta também Ricardo Lobo Torres o princípio do “usuário pagador”, o qual sinaliza no sentido de que aquele que usufrui bens de uso comum do povo deve pagar por eles (consubstanciando-se, na orbe tributária, especialmente pela cobrança de preços públicos decorrentes da compensação financeira pela exploração de petróleo e gás natural, recursos hídricos para fins de geração 21 DERANI, Cristiane. Aplicação dos princípios do direito ambiental para o desenvolvimento sustentável. In: TORRES, Heleno Taveira (Org.). Direito tributário ambiental. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 648.
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mento de despesas estatais relacionadas com a precaução e a prevenção dos riscos ambientais18.
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de energia elétrica e de outros recursos minerais e também pelas tarifas de uso de recursos hídricos – pagos não só pelo consumidor final, mas também pelas empresas autorizadas a captar e extrair água de mananciais mediante a outorga).
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Quanto ao princípio da capacidade contributiva, Ricardo Lobo Torres não outorga grande importância, pois entende que o mesmo conflita com o princípio do poluidor-pagador, que, por definição, independe da situação econômica do contribuinte (o que já não ocorre com o princípio “custo/benefício”22, aplicável aos tributos contraprestacionais – in casu, no âmbito do direito tributário ambiental se amolda às taxas cobradas em razão do exercício do poder de polícia –, pois o princípio mede os aspectos quantitativos da taxa e, portanto, se compagina inteiramente com o princípio do poluidor-pagador, que define quem deve pagar o tributo ambiental)23.
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22 Roberto Ferraz explica que, “na atividade econômica, as decisões são orientadas pelo binômio custo/benefício e, assim, ainda que não seja critério exclusivo, o custo é critério de extrema relevância nas decisões diárias, não apenas do empresário, mas de todos. Ora, se os custos da degradação ambiental não forem refletidos nos preços, as decisões econômicas nunca serão ecologicamente corretas” (FERRAZ, Roberto. Op. cit., p. 342). 23 Embora Anderson Orestes Cavalcante Lobato e Gilson César Borges de Almeida não atribuam ao “custo/benefício” o status de princípio, explicam a expressão dentro do princípio do poluidor-pagador, nos termos seguintes: “O mercado, tendo como premissa a obtenção do maior lucro com o menor custo, baseada na relação custo/benefício, assume claramente uma tendência para socialização dos custos, em nome de uma forte e permanente competitividade, cuja sobrevivência econômica do empreendimento estaria centrada na capacidade gerencial da diminuição contínua dos custos. Ora, a preocupação com o desenvolvimento sustentável impõe a que o poder público possa controlar pura e simplesmente a transferência dos custos ambientais para a coletividade. Cada empreendimento econômico deve pautar-se pela necessidade de internalização de custos sociais e ambientais, de modo que a diminuição dos custos represente diretamente uma diminuição da degradação da natureza” (LOBATO, An-
Ao dissecar os princípios relacionados ao valor “segurança”, Ricardo Lobo Torres explica a ideia da segurança na “sociedade de risco”24, concluindo que o clima de insegurança atual postula a adoção de novos princípios éticos e jurídicos: a transparência, a responsabilidade, a precaução, a solidariedade social e de grupo, que passam a fundamentar as exações necessárias ao financiamento das garantias de segurança. Assim expõe o princípio da precaução, o qual aponta no sentido de que devem ser tomadas medidas que evitem ofensas futuras ao meio ambiente, não se tratando de prevenir prejuízos iminentes, mas acautelar interesses ecológicos contra riscos futuros. Cristiane Derani explica a íntima relação da política ambiental e as das normatizações de prática econômica, para concluir que a “precaução ambiental é necessariamente modificação do modo de desenvolvimento da atividade econômica”25. O princípio da prevenção, por seu turno, aproxima-se da ideia da precaução, mas caracteriza-se pelo dever de prevenir o risco, quando, pela experiência, seja possível estabelecer uma relação de causalidade. No âmbito do direito tributário ambiental, pode ensejar a cobrança de taxas com base do exercício do poder de polícia26. derson Orestes Cavalcante; ALMEIDA, Gilson César Borges de Almeida. Op. cit., p. 628/629). 24 Sobre a sociedade de risco e a questão ambiental, vide: MENEZES, Paulo Roberto Brasil Teles. O direito do meio ambiente na era de risco: perspectivas de mudança sob a ótica emancipatória. Revista de Direito Ambiental, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 32, p. 123/144, fev. 2004; CASTRO, Raquel Araújo. A hermenêutica constitucional americana na sociedade pós-moderna: uma contribuição para a defesa do meio ambiente. Revista de Direito Ambiental, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 32, p. 145/158, fev. 2004. 25 DERANI, Cristiane. Op. cit., p. 649. 26 Para Anderson Orestes Cavalcante Lobato e Gilson César Borges de Almeida, “[...] os princípios da prevenção e da precaução impõem ao
Na seara da legalidade tributária, Ricardo Lobo Torres sustenta que as taxas apresentam uma “larga faixa de indeterminação”, principalmente aquelas vinculadas ao poder de polícia, o qual, na sociedade contemporânea, é de difícil definição. Entende o citado autor que as taxas de fiscalização ambiental decorrem do poder de polícia ambiental (que se exerce preventivamente, para evitar danos ambientais e não de prestação de serviços)27. poder público a necessidade de intervenção na atividade privada, tendo como objetivo a prevalência do interesse público. Reconhece-se, desse modo, a dimensão pública da proteção ao meio ambiente que se encontra diretamente associada ao controle público da atividade econômica potencialmente poluidora e à capacidade de promoção de políticas públicas capazes de alterar comportamentos e atitudes na relação homem/natureza” (LOBATO, Anderson Orestes Cavalcante; ALMEIDA, Gilson César Borges de Almeida. Op. cit., p. 628). 27 Neste ponto o autor apresenta uma discussão bastante pertinente: “Só agora estão ingressando no quadro do poder de polícia a proteção ao meio ambiente, o combate à poluição e a defesa do patrimônio florestal e paisagístico. O problema consiste, antes de tudo, em definir os próprios limites da intervenção estatal sobre a sociedade civil; de um lado estão aqueles que entendem ser tarefa do Estado Democrático de Direito disciplinar o uso das riquezas coletivas e coibir os abusos e as ofensas praticadas contra o meio ambiente; outros, todavia, optam pelo controle através dos próprios órgãos da comunidade, com receio de que a intervenção estatal prejudique a livre iniciativa das indústrias. O direito tributário teria, forçosamente, que refletir a mesma perplexidade: o que se discute hoje, em todo o mundo, é se o sistema ecológico deve ser protegido pelo poder de polícia e, consequentemente, pelo poder tributário, ou se, ao contrário, o Estado deve adotar a política premial das subvenções e dos incentivos a quem se abstenha de poluir o meio ambiente. A verdade é
Luís Eduardo Schoueri, por seu turno, ao se pronunciar sobre a legalidade, na esteira do seu pensamento da norma tributária indutora28, propugna a inserção de cláusulas gerais e conceitos indeterminados, como uma forma de amenizar o rígido regime imposto pelo citado princípio em matéria tributária e, assim, permitir que “o texto legal se curve às peculiaridades do caso concreto”29, observado que os limites a seu emprego (ou “até que grau são eles admissíveis”) encerra-se no postulado da proporcionalidade e a “partir da ponderação dos princípios e valores constitucionais, onde pesará, de um lado, a segurança jurídica, a requerer maior grau de determinação e, de outro, os que a proteção ecológica tem, na cobrança de taxas, um de seus melhores instrumentos, complementada pela política financeira apoiada também nos preços públicos, nas contribuições econômicas e na extrafiscalidade dos impostos”. A discussão ganha relevo quando se pensa na TFA (Taxa de Fiscalização Ambiental), veiculada pela Lei nº 9.960/2000, declarada inconstitucional pelo STF, que tinha seus potenciais sujeitos passivos indicados no Cadastro Técnico Federal de Atividades Potencialmente Poluidoras ou Utilizadoras de Recursos Ambientais (a lei não definiu diretamente o contribuinte, mas, segundo Ricardo Lobo Torres, seria razoável este critério, pois o princípio que governa a tributação ambiental é a do poluidor-pagador, que diz que paga pelo risco ambiental aquele que exerce atividade potencialmente poluidora). Note que o STF julgou inconstitucional a taxa por entender que as atividades potencialmente poluidoras não estavam definidas em lei e que o fato gerador era a atividade explorada pelo contribuinte e não o serviço prestado pelo ente público (muito embora o tributo tivesse o apelido de “taxa de fiscalização ambiental”). No entender de Ricardo Lobo Torres, o STF censurou a exação fixada no dogma da legalidade estrita e da tipicidade fechada. Após a concessão liminar, sobreveio a Lei nº 10.165/2000, para instituir a TCFA (Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental), que também sofre impugnação no STF (TORRES, Ricardo Lobo. Op. cit., p. 230). 28 A ideia das normas tributárias indutoras foi desenvolvida em tese apresentada pelo autor em concurso para o cargo de Professor Titular na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Cf. nota de rodapé 1 (p. 235). 29 SCHOUERI, Luis Fernando. Op. cit., p. 240.
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Ainda no valor “segurança”, prossegue Ricardo Lobo Torres, para explicar o princípio legalidade tributária e as taxas ambientais sob a perspectiva da sociedade de riscos, afirmando que a legalidade tributária passa a ter outro enfoque, diante do novo relacionamento entre o Estado e a sociedade e a reaproximação entre direito e ética, conduzindo a legalidade no amplo contexto de equilíbrio entre segurança e justiça.
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valores concernentes à proteção do meio ambiente, demandando agilidade e versatilidade”30. Ainda na vinculação ao valor “segurança”, segundo Ricardo Lobo Torres, a tipicidade tributária assume reforçada importância, especialmente no que concerne à “edificação do tipo poluidor-pagador”, que, existindo na realidade, se conceptualiza nos regulamentos referentes às taxas. Neste tópico, Ricardo Lobo Torres utiliza o exemplo do SAT, cujos riscos de acidentes de trabalho são regulamentados por decreto, riscos esses que devem ser cobertos por empresas que expõem os seus empregados a atividades que os provoque. A constitucionalidade deste esquema formal foi posta à prova perante o STF, que declarou constitucional o exercício do poder regulamentar, baseado, in casu, na situação do regulamento delegado, intra legem, condizente com a ordem jurídico-constitucional.
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Por fim, Ricardo Lobo Torres examina os princípios relacionados ao valor “solidariedade”, afirmando, inicialmente, que, da reaproximação da ética com o direito nas últimas décadas, recuperou-se a ideia de solidariedade (valor fundante do Estado de Direito, que já comparecia na trilogia da Revolução Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade).
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Relacionam-se a este valor os princípios da capacidade contributiva solidária (aqui a solidariedade se torna mais importante, pois, como visto alhures, ao se reaproximarem ética e direito, procura-se ancorar a capacidade contributiva nas ideias de solidariedade ou fraternidade). Em outras palavras, a solidariedade entre os cidadãos deve fazer recair a carta tributária sobre os mais ricos, dispensando os que estão abaixo do nível mínimo de sobrevivência31. In casu, a 30 Idem, p. 244. 31 Neste sentido, lapidar lição de Misabel Abreu Machado Derzi: “Parece-
solidariedade amalgamada à capacidade contributiva não tem grandes consequências para o direito tributário ambiental (já que relacionada a impostos, os quais possuem reduzida importância para questões ecológicas) e o princípio da solidariedade do grupo (o qual não se relaciona com a capacidade contributiva, mas se ocupa de criar o sinalagma não apenas entre o Estado e o indivíduo que paga a contribuição, mas também o grupo social ao qual o contribuinte pertence – v.g., grupo de trabalho; situações existenciais – velhice, doença, gravidez, morte, etc.). No âmbito da CF/1988, a solidariedade do grupo é princípio de justiça que fundamenta as contribuições sociais de natureza previdenciária sobre a folha de salários, vinculando a cobrança de contribuições sociais, as quais passam a exibir natureza causal, isto é, se não houver laços de solidariedade entre os que pagam o ingresso e os que recebem o beneficio estatal, a contribuição será inconstitucional.
3 RELAÇÕES ENTRE AS COMPETÊNCIAS TRIBUTÁRIA E AMBIENTAL. PARÂMETROS CONSTITUCIONAIS PARA O USO DE NORMAS TRIBUTÁRIAS COMO INSTRUMENTO DE INTERVENÇÃO SOBRE O MEIO AMBIENTE Como visto anteriormente, em matéria de meio ambiente, a Constituição discrimina aos entes federados competência material comum (art. 23) e competência legislativa concorrente (art. -nos que, no Estado Democrático de Direito, há compromisso inseparável com a liberdade e a igualdade. A verdade é que a Constituição não tolera que se prestigiem as concentrações de riqueza em mãos de poucos, sem chamar tal elite privilegiada à solidariedade tributária” (DERZI, Misabel Abreu Machado. Pós-modernismo e tributos: complexidade, descrença e corporativismo. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo: Dialética, n. 100, p. 71, jan. 2004).
Já a competência tributária, entendida como “uma das parcelas entre as prerrogativas legiferantes de que são portadoras as pessoas políticas, consubstanciada na possibilidade de legislar para a produção de normas jurídicas sobre tributos”32, vem definida no Título VI da Constituição Federal. Não é demasiado lembrar que nossa Constituição foi exaustiva no trato da matéria tributária, sendo, nos dizeres de Roque Carrazza, “a lei tributária fundamental, por conter diretrizes básicas aplicáveis a todos os tributos”33. Luis Eduardo Schoueri opina: Limite do emprego de normas tributárias em matéria ambiental: apenas será possível, em nosso sistema constitucional, uma vez confirmada a confluência da competência tributária (arts. 153 a 156 da Constituição Federal) e da competência material (de regra, concorrente, observadas algumas competências privativas).34
Uma vez verificada tal confluência, forçoso concluir que se aplicarão às normas instituidoras de tributos ambientalmente orientados, tal como em relação aos demais tributos, as limitações constitucionais ao exercício da competência tributária35, sob o influxo, no entanto, dos princípios de direito ambiental. 32 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 218. 33 CARRAZZA, Roque. Curso de direito constitucional tributário. 14. ed. rev., ampl. e atual. até Emenda Constitucional nº 26/2000. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 330. 34 SCHOUERI, Luis Fernando. Op. cit., p. 252. 35 Nas notas de atualização à obra de Aliomar Baleeiro é apresentado amplo rol dos princípios e imunidades dos quais decorrem limitações ao poder de tributar. Entre os mais importantes, sintetizamos: 1) legalidade da tributação; 2) irretroatividade; 3) anterioridade; 4) anualidade; 5) imunidade recíproca das pessoas de Direito Público interno quanto ao patrimônio,
De igual modo sinaliza Silvio Alexandre Fazolli, o qual acrescenta que, além dos princípios tradicionais do direito tributário (legalidade; anterioridade; capacidade contributiva; proibição de confisco; irretroatividade; renda e serviços uns dos outros; 6) imunidade de templos de qualquer culto; 7) imunidade relativa a impostos incidentes sobre o patrimônio, renda e serviços dos partidos políticos; 8) imunidade do livro, jornais e periódicos; 9) princípio da integração nacional de pessoas e bens, livres de barreiras; 10) princípio que veda instituição de impostos federais cumulativos ou que tenham a mesma base de cálculo e fato gerador dos já previstos na Constituição; 11) princípio que veda novas contribuições sociais, de competência da União, cumulativas ou que tenham a mesma base de cálculo e fato gerador dos já previstos na Constituição; 12) princípio da rigidez do sistema, que veda a criação de novos tributos além dos atribuídos aos entes federativos; 13) princípio que veda a cobrança de taxas com base de cálculo própria de impostos; 14) vedação ao empréstimo compulsório aos entes federativos; 15) princípio da unidade político-econômica do território; 16) uniformidade de tributos, vedadas distinções quanto à procedência ou destino; 17) princípio da uniformidade do Imposto de renda sobre créditos oriundos das obrigações da dívida pública estadual ou municipal ou sobre proventos dos agentes dos entes da Federação; 18) uniformidade de regime tributário para empresas públicas e privadas; 19) princípio da rigidez do sistema com a vedação de impostos estranhos à competência da pessoa de Direito Público que o decreta; 21) proibição de instituição de contribuições especiais aos Estados, Distrito Federal e Municípios, exceto para os sistemas de previdência e assistência social dos seus próprios servidores; 22) igualdade; 23) pessoalidade dos impostos; 24) proibição ao confisco; 25) imunidade a pequenas glebas rurais; 26) imunidades de impostos sobre imóveis desapropriados para fins de reforma agrária; 26) imunidade a produtos destinados ao exterior; 27) proibição de alíquotas de ICMS abaixo dos tetos mínimos ou acima dos máximos; 28) imunidade em relação ao ICMS das operações que destinam a outros Estados petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados e energia elétrica; 29) princípio da não cumulatividade; 30) princípio da seletividade; 31) generalidade, uniformidade e progressividade do IR e progressividade do IPTU e ITR; 31) imunidade das entidades beneficentes de assistência social; 32) incidência única de imposto federal sobre o ouro, quando definido como ativo financeiro ou instrumento cambial (BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 7. ed. rev. e compl. à luz da Constituição de 1988 até a Emenda Constitucional nº 10/1996. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 18).
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24), cabendo à União editar “normas gerais” de cunho nacional, vinculante para Estados e Municípios.
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isonomia; uniformidade geográfica; e outros), para o completo atendimento aos interesses ambientais, devem ser conjugados a outras bases teóricas, afetas ao campo da extrafiscalidade e do direito ambiental, entre as quais se pode citar: função socioambiental da propriedade; seletividade e essencialidade; progressividade e princípio do poluidor-pagador.36
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No entanto, mister evitar raciocínios redutores ou fórmulas simplistas, pois, embora a interação dos sistemas ambiental e tributário seja um imperativo para o atendimento ao fim constitucionalmente posto – defesa e preservação do meio ambiente37 –, não se pode negar a complexidade de nosso sistema tributário e, portanto, a preponderância dos limites constitucionais38 que se impõem ao Estado na formulação de leis que possam implicar na criação de tributos (ainda que a título de preservação ambiental), evitando-se que, sob tal rubrica, sejam criados (mais) tributos com mera finalidade arrecadatória.
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36 FAZOLLI, Silvio Alexandre. Princípios ambientais tributários e extrafiscalidade. Revista de Direito Ambiental, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 34, p. 79, abr./jun. 2004. 37 Além da persecução dos fins constitucionais, a tributação ambiental também é um instrumento para se concretizar um desenvolvimento econômico sustentável. Neste sentido lecionam Anderson Orestes Cavalcante Lobato e Gilson César Borges de Almeida, para os quais “a interação havida entre o direito ambiental e o direito tributário encontra na tributação ambiental uma possibilidade de se concretizar um desenvolvimento econômico sustentável, fruto da conscientização da sociedade de que é necessária a participação de todos nesse processo capaz de assegurar a qualidade de vida no presente e no futuro” (LOBATO, Anderson Orestes Cavalcante; ALMEIDA, Gilson César Borges de Almeida. Op. cit., p. 639). 38 Ainda sobre limitações constitucionais ao poder de tributar, complemente-se que, conforme as lições de Yoshiaki Ichihara, as mesmas decorrem: “a) do modelo exaustivo e do perfil da Constituição vigente; b) dos princípios constitucionais e dos direitos e garantias fundamentais; c) das imunidades e das proibições constitucionais; e da restrições decorrentes de regras impostas para o exercício da competência tributária” (ICHIHARA, Yoshiaki. Princípio da legalidade tributária na Constituição de 1988. São Paulo: Atlas, 1994. p. 37).
Neste sentido, impõe-se ter presentes as palavras de Roberto Ferraz, o qual, em matéria de tributação ambientalmente orientada, diagnostica que há quem confunda tributo com punição, quem propugne tributos orientados que esbarrariam em impeditivos constitucionais e, até mesmo, quem apresente tributos, lançados com finalidade puramente arrecadatória e sem qualquer orientação ambiental efetiva, como um grande esforço e exemplo na preservação do meio ambiente.39
Assim, nos dizeres de Heleno Taveira Tôrres: “A competência tributária, como o poder de legislar em matéria tributária, somente pode ser exercida com observância de todos os seus contornos constitucionais, a partir das limitações e princípios ali constantes”40. Em outras palavras, as competências tributárias serão exercidas dentro dos próprios contornos para legislar em matéria ambiental, ou seja, somente é permissível incluir na esfera da chamada “tributação ambientalmente orientada” as normas que sobressaiam da interação de ambas as modalidades de competência, excluída a possibilidade da utilização de tributos como sanção para atividades poluidoras (ou que os mesmos elejam ditas atividades como hipótese de incidência41), dado que “tributo não é pena”, na lição de Roberto Ferraz42. 39 FERRAZ, Roberto. Op. cit., p. 333. 40 TÔRRES, Heleno Taveira. Da relação entre competências constitucionais tributárias e ambiental. Os limites dos chamados “tributos ambientais”. In: TORRES, Heleno Taveira (Org.). Direito tributário ambiental. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 99. 41 Heleno Taveira Tôrres rejeita tal possibilidade, afirmando que “a competência tributária não poderá tomar atividades do homem em relação ao seu meio ambiente como hipótese de incidência de norma tributária, porque isso não apresenta alguma forma de manifestação de capacidade contributiva, para os fins de instituição ou majoração de ‘impostos’” (Idem, p. 101). 42 FERRAZ, Roberto. Op. cit., p. 334.
Heleno Taveira Tôrres identifica no “núcleo ambiental” o elemento que qualifica a espécie tributária, afirmando ser imprescindível a presença do “reflexo do motivo constitucional na estrutura da regra-matriz do tributo”43.
tributária, porque isso não caracteriza manifestação de capacidade contributiva, para os fins de instituição ou majoração de ‘impostos’”45.
Destarte, o referido autor apresenta uma proposta que visa a demarcar o objeto de estudo possível do tributário ambiental, visando a identificar e a separar o objeto de tentativas espúrias de tributação pretensamente ambientais, definindo-o como
CONCLUSÕES
Nos ensinamentos de Heleno Taveira Tôrres, destacamos dois pontos importantes: a) no domínio ambiental há espaço propício para o emprego das contribuições de intervenção no domínio econômico, como garantia da “VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação (art. 170, redação dada pela EC 42/2003)”, pois o “motivo constitucional” que justifica a edição do tributo deve ser mantido na regra-matriz de incidência e com aplicação limitada ao grupo de sujeitos relacionados com os danos causados, mesmo que potenciais, o que se compagina com a espécie tributária em foco; e b) a “a competência tributária não poderá tomar atividades do homem em relação ao seu meio ambiente como hipótese de incidência de norma 43 Na sequência do seu artigo doutrinário, explica Heleno Taveira Tôrres que “motivo constitucional” é “condição de vínculo material entre a ação legislativa e o programa material da norma tributária” (TÔRRES, Heleno Taveira. Op. cit., p. 101 e 126). 44 Idem, p. 102.
Nossa Constituição Federal, pródiga – senão exaustiva – em disciplinar a matéria tributária, encerrou dispositivos constitucionais suficientes para a adequada interação entre os sistemas jurídico tributário e ambiental, devendo o jurista buscar os limites para a almejada tributação ambientalmente orientada no próprio Texto Magno. Em outras palavras, não há necessidade da inserção de novas normas para a instituição de uma tributação ambientalmente orientada, tampouco se extrai da interação entre o direito tributário e ambiental uma nova espécie ou modalidade tributárias, que, por isto, venham a ensejar incremento na arrecadação. No que toca à repartição de competências entre as unidades da Federação, a Constituição adotou a regra geral para as entidades federativas, segundo a qual as mesmas possuem competência material comum e competência legislativa concorrente (competindo à União editar “normas gerais”, de cunho nacional, vinculante para Estados e Municípios). Assim, incumbe ao legislador ordinário, na esfera de suas atribuições,
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o ramo da ciência do direito tributário que tem por objeto o estudo das normas jurídicas tributárias elaboradas em concurso com o exercício de competências ambientais, para determinar o uso de tributo na função instrumental de garantia, promoção ou preservação de bens ambientais.44
A tributação ambientalmente orientada é tema que atualmente ganha relevância na sociedade moderna, inserindo-se como um – entre outros – dos instrumentos disponibilizados pelo legislador constituinte para que o legislador ordinário possa implementar uma política eficaz de defesa e preservação ao meio ambiente, nos termos traçados pela Constituição Federal.
45 Idem, p. 101.
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adotar as políticas públicas e os instrumentos técnicos para cumprir o dever constitucional de defesa e preservação do meio ambiente, entre elas inserida a tributação ambientalmente orientada. O estudo das relações entre valores e princípios constitucionais vinculados a valores ganha utilidade em matéria de tributação ambientalmente orientada na medida em que faz interagir logicamente princípios e valores postos pela própria Constituição, eliminando equívocos frequentes nesta área e fornecendo um arcabouço interpretativo seguro, que permite ao intérprete identificar os valores e extrair os respectivos princípios diretamente da Constituição Federal.
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No que concerne às relações entre as competências tributária e ambiental, importa esclarecer que a análise não deve ser reduzida a esquemas formais que consideram a mera enumeração de competências tributária e ambiental constitucionalmente previstas, pois, em que pese a tributação ambientalmente orientada ter por traço distintivo o “motivo constitucional” (de natureza ambiental) inserido na própria regra-matriz de incidência do tributo, esta é, sobretudo, tributação e, por conseguinte, não escapa às limitações constitucionais impostas a todas e quaisquer espécies tributárias.
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No entanto, enfatize-se, até mesmo para reforçar a intenção constitucional de obstruir o estabelecimento de tributos alcunhados de “ambientais”, mas com fins meramente arrecadatórios, que deve ser excluída a possibilidade da criação de tributos que sancionem as atividades realizadas pelo contribuinte e relativas ao meio ambiente, pois, nos termos do art. 3º do CTN, tributo não é – nem pode ser – pena, na citada lição de Roberto Ferraz, não sendo a tributação o meio adequado para tornar ilícita – indiretamente – a conduta do contribuinte.
Ou seja, na interpretação dos possíveis empregos da tributação para a persecução dos propósitos ambientais, deve ser evitado o erro (bastante comum) de creditar à tributação ambiental um uso punitivo ou proibitivo da conduta ambientalmente incorreta ou indesejada. Outra barreira a ser levantada, também com o fim de bloquear a tributação meramente arrecadatória – disfarçada de ambiental –, é a impossibilidade da eleição de hipóteses de incidência que descrevam a realização de condutas ambientalmente poluidoras, já que as mesmas não são fatos-signos presuntivos de riqueza e não revelam índices de capacidade contributiva, gerando distorção na aplicação do princípio do “poluidor-pagador”. Saliente-se que a confluência entre as competências tributária e ambiental sofre o influxo dos princípios de direito ambiental (daí porque a importância científica no estudo das relações entre valores e princípios constitucionais, como mencionado anteriormente), e, em consequência, particularizam a forma da tributação, tornando as contribuições de intervenção sobre o domínio econômico instrumentos preferenciais (não únicos, saliente-se) na política de tributação ambientalmente orientada. Em conclusão, portanto, a importância da tributação ambiental não cria novas modalidades tributárias, tampouco serve de justificativa para o abandono das regras constitucionais já estabelecidas para a instituição de quaisquer tributos, devendo ser respeitados os limites postos em nosso sistema tributário constitucional, os quais são suficientes para se evitar o uso abusivo, senão distorcido, da tributação “pretensamente” ambiental.
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Doutrina
Uso de Bens Públicos − Matéria de Interesse Local − Autonomia Local para Disciplinar IVAN BARBOSA RIGOLIN Advogado em São Paulo
I − Com a atabalhoada e irrefletida previsão constitucional (art. 175, parágrafo único, inc. I) sobre concessão e permissão de serviço público, que mistura contrato de concessão com termo ou ato de permissão − que nunca se deu por contrato, mas por unilateral outorga da Administração a particular, sem natureza contratual −, esse assunto (“trespasse de serviços públicos a particulares”) ganhou súbita notoriedade nos meios jurídico e administrativo. Nunca a concessão de serviço público foi tão alardeada e festejada como a partir da nova Carta, sobretudo após a edição da chamada “lei das concessões”, a Lei federal nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995. A Constituição naquele momento,
além de indevidamente baralhar concessão e permissão de serviço quando parece submeter ambas a contrato, fez pior, pois, naquela apressada indiferenciação, submeteu tanto a concessão quanto a permissão de serviço à licitação necessária, o que na maioria das vezes contraria a natureza da permissão de serviço, tradicionalmente conferida como era e como sempre foi no Brasil a título precário, por ato administrativo discricionário e unilateral da Administração. Se agora se faz necessário um contrato para deferir permissão de serviço a alguém, então por certo a natureza jurídica desse instituto deve ter se alterado, transmutando-se de ato unilateral que era para acordo de vontades − o que custa a descer goela abaixo dos estudiosos mais sérios e criteriosos, que preferem prestigiar o apuro técnico antes de colaborar com o entusiasmo juvenil e amadorístico que informou a Constituição de 1988, cuja técnica, em seu todo, se era apenas péssima anteriormente à Emenda Constitucional nº 20, após a sua promulgação chafurda abaixo da “fossa das Marianas”. Se esta é a constituição-cidadã, como se alardeou à ocasião de sua promulgação, então, vista a técnica constitucional, resta mais fácil entender por que o cidadão brasileiro é cada vez mais o pobre coitado que é1. II − O que nos importa focar neste momento, no entanto, é um tema correlato à permissão de serviço, e, ao que parece, precisa voltar a ser ventilado na doutrina, porque com aquela inovação constitucional em 1988 passou a ser com frequência confundido e baralhado com a permissão de serviço público − até mesmo em decisão judiciais conhecidas, sobretudo de primeira instância: é a permissão de uso de bens públicos. 1 Isso ao tempo em que se escreveu este artigo, há uma década e meia. Poucos imaginavam o que ainda estava por vir...
Com todo efeito, ao deparar com a palavra “permissão”, é preciso que as pessoas leiam até o fim a referência ao instituto, para certificar-se sobre se se trata de permissão de serviço público ou permissão de uso de bem público, já que esses dois institutos de direito administrativo são tão semelhantes quanto um ônibus e uma gravata verde-abacate. Por tudo que é sagrado, absolutamente nem toda permissão é de serviço, e se uma súbita amnésia das diferenças, tão claras no passado, assomou à consciência dos tratadores do assunto, então neste momento que lhes seja convenientemente refrescada a memória.
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III − O uso de bens públicos é matéria que, afora pelo importantíssimo disciplinamento inicial que era dado pelo anterior Código Civil, arts. 65 a 68, e que atualmente consta do novo Código Civil nos arts. 98 a 103, é matéria de interesse exclusivamente local de cada um dos entes da Federação, ou seja, de cada uma das pessoas jurídicas de direito público interno que integram o pacto federativo brasileiro: a União, os Estados e os Municípios.
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Com todo efeito, é inconcebível imaginar que possa interessar ao Estado ou à União determinar qual será o uso de uma praça municipal, se será aberta ao público para utilização sem qualquer fim específico ou se será fechada para uso especial, como para abrigar um museu, que abrirá suas portas apenas em determinado horário. Nada pode interessar à União se uma área pertencente ao Estado será por ele utilizada para seus serviços, ou se será entregue a particular, por concessão de uso ou por permissão de uso. Em nada diz respeito ao interesse estadual saber se um Município por contrato outorga concessão de uso de boxes de mercado, ou se por ato outorga permissão de uso daqueles boxes,
ou se meramente autoriza o seu uso temporário por particulares, ou ainda se simplesmente os aluga sob a forma civil. Se o assunto é assim local e apenas local, tanto a União quanto o Estado respectivo, como se usa dizer, entram mudos e saem calados, como em briga de casal um amigo comum deve proceder. IV − Se é matéria uso de bens públicos, é de interesse local, então o seu disciplinamento jurídico − por leis, regulamentos, instruções, normações − há de ser também, necessariamente local, por força do que dispõe a Constituição Federal. A Constituição de 1988, no art. 22, dá as competências legislativas privativas da União, e nada ali figura, como jamais figuraria em matérias de direito administrativo, o uso de bens públicos. O art. 30, inc. I, determina a mesma Constituição que compete aos Municípios legislarem sobre assuntos de interesse local. E nada existe de mais local, para cada Município, que o interesse em disciplinar o uso de seus próprios bens públicos. Uso de bens públicos é um tema que por excelência integra o conceito de interesse local, assunto que na Constituição de 1969, art. 15, se intitulava “peculiar interesse”, e assim ocorre exatamente: não pode existir interesse mais peculiar, e com isso mais local ou localizado, que o de cada ente político saber que uso será dado a cada bem público sob sua cura e sua administração. A sua só configuração como local repele, ipso facto e de per si, qualquer ingerência por outras esferas de governo. Reste bem claro: a Constituição não restringiu, de modo algum, a competência local para disciplinar o uso de bens públicos, como o fez quanto aos serviços públicos, cuja concessão ou cuja permissão somente poderá dar-se (1) por contrato e (2) sob licitação.
V − Vejamos a doutrina mais abalizada a este propósito, na exata direção apontada. Transcrevem-se excertos de Jair Eduardo Santana, que menciona Roque Antônio Carrazza; Antônio Augusto Queiroz Telles; Celso Ribeiro Bastos; Hely Lopes Meirelles; Maria Sylvia Zanella Di Pietro; Celso Antônio Bandeira de Mello, Odete Medauar e Walter Gaspar, entre outras autoridades que se poderiam colacionar: 1 Jair Eduardo Santana: Com efeito, “a organização dos pontos de ônibus, dentro do Município, é assunto de interesse local. Por igual modo, o fornecimento domiciliar de água potável, o serviço de coleta de lixo, o calçamento de ruas e avenidas, a arrecadação de tributos locais, a fixação de mãos de direção, no trânsito de veículos. Em suma, os exemplos poderiam ser multiplicados ad infinitum, pois, como vimos em tópico precedente, há um significado central, incontroversível, para a expressão ‘assuntos de interesse local’, a impedir que se difira a aplicação do preceito, até que normas ulteriores lhe dissipem eventuais sombras ou, o que é pior, até que sejam editadas leis nacionais, federais ou estaduais, regulando o assunto”. (CARRAZZA, Roque Antônio. Op. cit., p. 101) Por entendermos ser de considerável utilidade, alinhamos relação das matérias de competência do Município que deve se corporificar pela via legislativa, com a participação do Chefe do Executivo, ou seja, com a sanção do Prefeito. Assim, com fulcro no “interesse local”, o Município, através da Câmara Municipal, legisla: [...] VII. sobre a concessão de direito real de uso dos bens municipais; VIII. sobre a concessão administrativa e a cessão de uso dos bens municipais. (SANTANA, Jair Eduardo. Competências legislativas municipais. Belo Horizonte: Del Rey, 1993. p. 101/3)
2 Antônio Augusto Queiroz Telles:
Permissão de uso revela-se como ato administrativo unilateral, discricionário e precário, segundo o qual permite-se ao particular o uso de bens públicos de qualquer tipo. Sua efetivação independe de autorização legislativa e de procedimento licitatório (ao contrário do que sucede com a permissão para prestação de serviço público). (TELLES, Antônio A. Queiroz. Introdução ao direito administrativo. São Paulo: RT, 1995. p. 165)
3 Celso Ribeiro Bastos: Permissão de uso é o ato administrativo, unilateral, discricionário e precário pelo qual a Administração faculta ao particular a utilização privada de um bem público. A permissão pode recair sobre qualquer categoria de bens públicos − uso comum, especial ou dominical −, desde que a utilização seja também de interesse da coletividade. Assim, por exemplo, a permissão para instalação de uma banca de jornais num logradouro público (bem de uso comum do povo), embora ofereça determinadas vantagens para o permissionário, proporciona, também, um benefício para toda a comunidade. A permissão de uso especial pode ser deferida a título gratuito ou oneroso; por tempo determinado ou indeterminado; independentemente de licitação e autorização legislativa. (BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 312)
4 Hely Lopes Meirelles: O uso especial de bem público por particular é mui freqüente para a instalação de bancas de jornais, vendas de frutas, estacionamentos fechados de automóveis, locais em mercados, exploração de restaurante e hotéis de propriedade pública e tantas outras utilizações privadas do domínio municipal. Nos Municípios do Estado de São Paulo consentia-se até na cessão remunerada de máquinas e operadores da Prefeitura para serviços transitórios de particulares, desde que não houvesse prejuízo para os trabalhos públicos e o interessado se responsabilizasse pela conservação e devolução dos bens recebidos. [...] Atualmente, essa forma de uso especial de bem público depende de previsão expressa nas Constituições municipais. (MEIRELLES, Hely Lopes, Direito municipal brasileiro. 6. São Paulo: Malheiros, 1993. p. 234, com grifo original)
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Nada disso, ou semelhante, existe no Texto Constitucional quanto ao uso de bens públicos. Muito ao contrário, predomina aí, por força dos artigos citados, o interesse disciplinatório e a corolária competência disciplinatória e regulatória, eminentemente local.
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Eis outro excerto de Hely: Permissão de uso é o ato negocial, unilateral, discricionário e precário através do qual a Administração faculta ao particular a utilização individual de determinado bem público. Como ato negocial, pode ser com ou sem condições, gratuito ou remunerado, por tempo certo ou indeterminado, conforme estabelecido no termo próprio, mas sempre modificável e revogável unilateralmente pela Administração, quando o interesse público o exigir, dada sua natureza precária e o poder discricionário do permitente para consentir e retirar o uso especial do bem público. A revogação faz-se, em geral, sem indenização, salvo se em contrário se dispuser, pois a regra é a revogabilidade sem ônus para a Administração. O ato da revogação deve ser idêntico ao do deferimento da permissão e atender às condições nele previstas. (Direito administrativo brasileiro. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 441)
5 Maria Sylvia Zanella Di Pietro: Quanto à licitação, não é, em regra, necessária, a não ser que leis específicas sobre determinadas matérias o exijam, como ocorre no caso da permissão para instalação de bancas nas feiras livres. (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 1990. p. 390)
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6 Celso Antônio Bandeira de Mello:
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Ditos interesses são próprios da entidade “Município”, considerada em si mesma, logo com prescindência das peculiaridades de cada qual delas. É o caso, exempli gratia, da legislação edilícia, da que respeita aos logradouros públicos municipais, da que dispõe sobre o transporte coletivo de passageiros no interior do Município, sobre o recolhimento do lixo, da que regula o trânsito de veículos em sua área etc. Em quaisquer destes casos, as normas expedidas o são sobre matéria especificamente local. Trata-se, então, de uma competência comum de qualquer Município e a qualquer Município. O assunto é dele, e de mais ninguém. É de interesse local. (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Direito administrativo e constitucional − Estudos em homenagem a Geraldo Ataliba. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 277, com grifos originais)
7 Odete Medauar: b) Permissão de uso − é o ato administrativo discricionário e precário pelo qual se atribui ao particular o uso privativo de bem público. Em
geral, a permissão se aplica a usos privativos não conformes à mal destinação do bem, mas compatíveis, por exemplo: bancas de jornais em ruas, mesas e cadeiras em frente a restaurantes e bares. Qualquer tipo de bem público poderá ser objeto de permissão de uso; independe de autorização legislativa; quanto à licitação, embora de regra não se exija, melhor parece efetuar o certame se o caso comportar disputa entre interessados, propiciando-se, desse modo, igualdade de oportunidade e evitando-se favoritismos; o art. 17, I, f, da Lei 8.666/93 dispensa de licitação a permissão de uso de bens imóveis construídos, destinados e efetivamente utilizados para programas habitacionais de interesse social, por órgãos ou entidades da Administração criados para esse fim. Pode ser outorgada com prazo determinado ou indeterminado; tratando-se de permissão com prazo determinado, se for revogada por interesse público, sem motivos oriundos do permissionário, este deverá ser indenizado. (MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 2. ed. São Paulo: RT, 1998. p. 269, com grifo original)
8. Na dicção de Walter Gaspar, citando Henrique de Carvalho Simas, e discorrendo sobre a permissão de uso de bem público, trata-se, como ensina Henrique de Carvalho Simas, de “um ato administrativo discricionário e precário, pelo qual o Estado faculta ao particular a execução dos serviços de interesse coletivo, ou o uso especial de bens públicos, a título gratuito ou remunerado, nas condições fixadas pela Administração. (Curso Elementar de Direito Administrativo, v. 2, p. 86). [...] O Estado pode outorgar permissão para a instalação de bancas para vendas de jornais sobre as vias públicas, ou permitir que uma empresa transporte correspondência. (Resumo de direito administrativo. RJ: Lumen Juris, 1994. p. 63/4)
VI − Quando tantos e tão profícuos autores enfatizam a natureza unilateral e discricionária do ato administrativo de outorga de permissão de uso de bem público, evidenciam que é o ente político específico que irá disciplinar, com regras suas e de mais ente outro algum, como irá outorgar aquela permissão de uso. A regra será a local, e só a local. Se será graciosa ou remunerada a permissão, a regra é local; se haverá prazo ou não, e com isso até que ponto é precária a outorga, a matéria é interna de cada pessoa pública; se haverá licitação, e se ela nesse caso faz ou
não sentido, é cada ente federado que o dirá; se haverá edital para chamamento de interessados ou não, e se, em havendo, as regras serão estas ou aquelas, toda essa matéria quem definirá é cada Município, cada Estado e a União, observada a respectiva titularidade dos bens públicos.
VII − A jurisprudência do próprio Supremo Tribunal Federal cita Hely, como neste voto do Ministro Djaci Falcão, em que o autor não indica a obra citada, desta vez sobre a competência municipal para disciplinar assuntos de interesse local, exatamente como é o caso do uso de bens públicos municipais, lê-se que:
Quando se fala em “interesse local”, entretanto, ressalta desde o início que a alusão é praticamente toda específica aos Municípios, e não à União ou aos Estados, uma vez que local só pode ser tido como o interesse peculiar de cada localidade, aquele próprio de cada situação geográfica ou espacial, de cada parte ou fração específica e particularizada do território nacional, e tais noções apontam direta e imediatamente para o Município, e tão somente para ele.
A competência do Município para estabelecer normas e impor limitações urbanísticas aos loteamentos destinados a fins urbanos, mesmo que situados na zona rural, tem sido proclamada reiteradamente pelos tribunais, por se conter nos assuntos de peculiar interesse local. Nem se compreenderia que, tendo a Municipalidade competência geral para ordenar o traçado urbano e policiar as edificações que se levantem em seu território, não a tivesse para controlar os loteamentos que constituem, em nossos dias, o germe das novas cidades e dos bairros satélites.
Por fim, é sabido que ato discricionário é aquele que pode ser escolhido ou selecionado para ser praticado entre outros possíveis à disposição do agente, segundo seu critério discricionário e seu discernimento político, técnico e administrativo de que será o mais conveniente, o mais adequado à necessidade do momento. Esse ato opõe-se ao ato vinculado, ou seja, aquele que somente pode ser praticado na forma estrita do que manda a lei e por isso vincula a vontade do autor ao exato comando legal.
Outro entendimento, em contraposição a este, no sentido de favorecer apenas o interesse do loteador, conduz, necessariamente, a uma política contrária ao interesse coletivo. (voto do Ministro Djaci Falcão, na Ação Direta de Inconstitucionalidade (MC) nº 611-8-DF, LEXLI 98 − informação digital, do JSTF, v. 173, p. 38)
Para Municípios, o direito se concentra nas suas leis orgânicas, sem prejuízo de existirem outras leis locais a pontualmente dispor sobre este tema; para os Estados, vale a legislação estadual, seja ela como for, e para a União vigora a sua legislação própria, federal tão só, inconfundível com qualquer legislação ou regramento nacional, porque o assunto, em definitivo, não é nacional.
Um ilustre governador paulista por isso corretamente já referiu que ninguém mora na União nem no Estado, mas no Município, que todos percebem e conhecem. Não combina com a noção de Estado-membro, nem menos ainda com a da União federal, a expressão constitucional interesse local, ou, como dantes, peculiar interesse. VIII − O Município se organiza, desde a edição da última Carta federal, por sua lei orgânica, na forma do que dispõe o art. 29 da Constituição Federal.
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Exemplificando: é ato discricionário ao prefeito o de asfaltar ou o de não asfaltar a rua das Cotorritas; se discricionariamente resolver asfaltá-la, então vinculadamente à vontade da lei precisará licitar a obra, já não mais lhe cabendo escolher discricionariamente se licita ou não.
O Município é uma fração conhecida, sensível e flagrante do País, a que corresponde uma administração que todos veem e sentem a todo momento, como não ocorre quanto ao Estado nem, muito menos, quanto à União, de cujos contornos o cidadão tem tanta noção quanto dos limites do planeta.
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Não é sem razão, visto o até aqui exposto, que o tema da permissão de uso de bens públicos, nas leis orgânicas municipais, costuma vir assim exposto, como na LOM da Capital do Estado de São Paulo: Art. 114. O uso de bens municipais por terceiros poderá ser feito mediante concessão, permissão ou autorização, conforme o caso, e o interesse público, devidamente justificado, o exigir. [...] § 4º A permissão, que poderá incidir sobre qualquer bem público, será sempre por tempo indeterminado e a título precário, formalizada através de decreto.
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Assim, o Município e ninguém mais delibera sobre o uso de seus próprios bens; se licita ou se não licita esse trespasse de uso a particular é problema igualmente seu. Se publica edital de chamamento de interessados, e nesse caso qual o critério a ser empregado para eleger os permissionários de uso, ou se utiliza outro meio de publicidade da pretendida outorga, toda essa matéria é exclusivamente de alçada municipal.
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É que, não sendo um contrato a permissão de uso, não incide sobre esse tema da licitabilidade da permissão de uso nenhum dispositivo da Constituição nem de lei alguma que não municipal, inclusive não incidindo a lei federal de normas gerais de licitações, uma vez que não existe “norma geral de uso de bens públicos”, nem pode por isso haver norma geral de licitação de uso de bens públicos. Esse assunto não comporta norma geral alguma, já que é exclusivamente local, peculiar de cada ente político, sem qualquer possível interferência de um sobre o outro, sob o pretexto − naturalmente esfarrapado − que for. Na observância dos princípios constitucionais de autonomia política, administrativa e financeira de cada ente federado é, aliás, que reside o ultimamente tão decantado pacto federativo, um dos mais basilares princípios constitucionais da República,
constante do art. 2º da Carta de 1988, e que não pode ser prejudicado sequer por força de emenda constitucional (v. art. 60, § 4º, inciso I), sendo para tanto necessária uma nova Constituição, originária. IX − Em conclusão, recomenda-se sempre ter presente: a) jamais se pode confundir trespasse de serviço público (concessão de serviço, permissão de serviço) com trespasse de uso de bem público (concessão de uso, permissão de uso, autorização de uso), institutos tão semelhantes entre si quanto uma ervilha e um parafuso; b) a Constituição Federal não se referiu à questão do uso de bens públicos, cujas modalidades permanecem ao alvedrio dos entes federados estabelecer e disciplinar de alfa a ômega; sendo matéria local e só local, fez bem a Carta em sobre ela silenciar, e com isso evidenciar que nada de nacional contém; c) a correta classificação da permissão de uso de bem público continua sendo a de um ato administrativo discricionário e precário, e, assim sendo, d) em matéria de licitação, sendo esse apenas um aspecto a ser disciplinado na regra local (federal para a União, estadual para o Estado, municipal para o Município), a permissão de uso será licitada se a norma local assim o mandar, nas hipóteses que estabelecer (afastando, assim, aquela discricionariedade que tradicionalmente informaria a outorga), e nesse caso sê-lo-á naturalmente com observância das normas gerais, dadas pela lei federal, e não será licitada se assim determinar a regra local, prestigiando a natureza discricionária daquele ato administrativo de outorga.
Doutrina
A Terceirização e a Função Social do Contrato MARIA DO PERPETUO SOCORRO WANDERLEY DE CASTRO
Desembargadora Federal do Trabalho, TRT 21, Mestre em Direito, Processo e Cidadania, na Unicap, Recife/PE, 2012.
RESUMO: Neste artigo, analisa-se o contrato de prestação de serviços em seu uso na terceirização em face do princípio solidarista da Constituição da República. Para tanto, é considerada a evolução do contrato com a enunciação do princípio da função social do contrato, desaguando no princípio da relativização dos efeitos relativos deste contrato e sua eficácia indireta. Por outro lado, atenta-se para o princípio do Direito do Trabalho da primazia da realidade, porquanto o trabalhador, mediante o contrato de trabalho, surge na execução daquele ajuste como terceiro por ele afetado. Daí, formula-se a conclusão de que a interpretação do contrato civil se realiza com atração de regras do Direito do Trabalho.
PALAVRAS-CHAVE: Princípio constitucional da solidariedade; contrato; função social; eficácia indireta; terceirização; Direito do Trabalho. ABSTRACT: In this article, we analyze the contract for services rended applied in outsourcing due to the principle of solidarism inserted into the Republic Constitution. Therefore, it is considered the evolution of the contract with the enunciation of the principle of the social function of the contract, ending up in the principle of relativity of the relative effects of the contract and its indirect effect. On the other hand, attentive to the principle of the primacy of reality on the Labor Law, because the employee by the employment contract, arises in the implementation of that adjustment as a third party affected by it. Then, it is concluded that the interpretation of civil contract takes place with attraction of Labor Law rules. KEYWORDS: Constitutional principle of solidarity; contract; social function; indirect effectiveness; outsourcing; Labor Law. SUMÁRIO: Introdução; 1 O contrato de prestação de serviços e a terceirização; 2 O princípio da solidariedade; 3 A função social do contrato; 4 O princípio da relatividade dos contratos; 5 O fato social e o princípio da primazia da realidade no Direito do Trabalho; Conclusão; Referências.
INTRODUÇÃO A Constituição da República enuncia como objetivo a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, o que constitui um princípio jurídico a ser observado na totalidade das relações sociais, como elemento do sistema e informante de sua interpretação (2). O mercado, cujas relações econômicas têm foco na obtenção de lucros e de maior riqueza com sua crescente concentração em grupos, levou à flexibilização do trabalho, sendo a terceirização proposta como meio de alcançar maior produtividade e o contrato de prestação de serviços a forma contratual utilizada (3). Nesse quadro, cabe atentar para a nova visão do contrato, a partir do princípio solidarista (4), e a superação do conceito personalista e individualista do contrato,
estabelecendo a compreensão do princípio da relatividade dos contratos (5), de modo a reler a posição do terceiro tida tradicionalmente como aquele que, por não integrar a relação contratual, não pode ser afetado pelos efeitos dela decorrentes, e redesenhar o seu papel diante da realidade que o afirma como uma categoria que ingressa no contrato durante sua execução e é atraído para o círculo contratual. A reflexividade do sistema jurídico no Direito do Trabalho em cujo âmbito se processam e repercutem com intensidade as mudanças da sociedade afetando a relação de trabalho exige o exame daquele que, como destinatário da prestação de serviços, sem ser o empregador, interfere sobre ele, colocado então sob o princípio específico da primazia da realidade (6).
1 O CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS E A TERCEIRIZAÇÃO
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O contrato de prestação de serviços tem por objeto a realização onerosa de uma atividade, material ou imaterial. Figura antiga1 que apresentava a distinção entre locatio operarum (locação de serviços) e locatio operis (empreitada), encontra-se no Código Civil atual com feição residual, pois sua normatização confere
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1 Sob a denominação genérica de locação de serviços (locatio operarum), compreende o Código Civil uma grande variedade de prestações do trabalho humano. “É o contracto pelo qual uma pessoa se obriga a prestar certos serviços a uma outra, mediante remuneração. Comprehende várias espécies: o trabalho dos operários urbanos e rurais; dos artistas mecânicos e liberaes; dos empregados do commercio e dos profissionais, como professores, médicos, advogados (abstrahindo do mandato); a recovagem, abarcagem, a albergaria, entre outras. Em todos esses casos, há locação de atividade, de trabalho, de serviço. Na empreitada há, também, locação de serviço; mas de uma forma particular, que o Codigo mantendo a tradição, destacou em seção especial” (BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado. 4. ed. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, v. 4, 1934. p. 411).
expressamente a precedência à forma contratual sujeita ao Direito do Trabalho e às leis especiais. Presencia-se o crescimento dos contratos de prestação de serviços, não apenas sob a constatação de que a atual sociedade de serviços aumentou sua ocorrência no modo de vida, mas porque houve sua adoção na indústria, no comércio e em outros setores, o que configura uma nova realidade a qual torna necessária a reflexão em torno do direito contratual. Roppo2 destaca a transformação do contrato porque, em alguns aspectos, ele está em declínio, enquanto que, em outros, tem expansão e relançamento. Isto significa que o contrato está diferente de como era no passado e deve ser apreendido segundo os fatos, por não ser governado por leis abstratas, mas sujeito a um princípio de relatividade sob o qual ele existe na variedade de suas formas históricas e das suas concretas transformações. Assim ocorre na teoria geral dos contratos e na espécie em causa o contrato de prestação de serviços. A antiga e criticada expressão “locação de serviços” remonta ao Direito romano. Anota Blanco que a locatio operarum era uma convenção pela qual o trabalhador punha à disposição do senhor a própria energia ou força de trabalho, e evoluiu da primitiva concepção da locação do servo à locação do homem livre, para se caracterizar pela relação ou estado de subordinação em que se encontrava o trabalhador frente ao patrão ou empresário e como objeto da prestação a própria pessoa3. Caio Mário Pereira comenta no direito civil brasileiro anterior que o Direito moderno é refratário à locação como categoria abrangente de coisas e de serviços e ainda da empreitada, e 2 ROPPO, Enzo. O contrato. Trad. Ana Coimbra e M. Januário C. Gomes. Coimbra: Almedina, 2009. p. 347-348. 3 BLANCO, Jose Martín. El contrato de trabajo. Estudio sobre sunaturaleza jurídica. Madri: Revista de Derecho Privado, 1957. p. 22-24.
No Código Civil brasileiro de 1916, bem como no atual, o contrato de locação de serviços é um contrato por prazo determinado, tendo-lhe sido prevista a duração pelo prazo de quatro anos, ainda que destinado à execução de certa e determinada obra5. Esse contrato tem como objeto o serviço a ser prestado e não a simples utilização de mão de obra, o que é reforçado com a revisão do nome anterior de “locação de serviços” para o nome atual “prestação de serviços”. É sob essa forma contratual entre as empresas que se realiza a terceirização. Com o incremento da atividade industrial e comercial, de serviços e empreendimentos em geral, as empresas passaram a contratar entre si a realização de serviços destinados às suas atividades com o objetivo anunciado de concentração na atividade principal, despontando a redução de custos. Na atual contratação de prestação de serviços, as empresas contratadas determinam a seus empregados a execução dos serviços para uma empresa que é a contratante civil e está à margem do contrato de trabalho. 4 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 10. ed, Rio de Janeiro: Forense, v. III, 1996. p. 237-243. 5 Código Civil: “Art. 598. A prestação de serviço não se poderá convencionar por mais dequatro anos, embora o contrato tenha por causa o pagamento de dívida de quem o presta, ou se destine à execução de certa e determinada obra. Neste caso, decorridos quatro anos, dar-se-á por fino findo o contrato, ainda que não concluída a obra”.
O fenômeno da terceirização se tornou uma prática no mercado, caracterizando-se por formar uma relação triangular: as empresas contratam entre si e a contratada estabelece relações de emprego em que o empregado executa serviços que têm como destinatária e beneficiária a contratante, que, no entanto, não é sua empregadora. Por não haver legislação, no Brasil, sobre a terceirização, a interpretação das normas legais sobre a espécie contratual adotada para o vínculo entre as empresas foi dada na Súmula nº 256, do Tribunal Superior do Trabalho, editada em 19866; e posteriormente cancelada com a edição da Súmula nº 331. A ementa de ambas tem referência expressa a Contrato de Prestação de Serviços. Legalidade. Na fase inicial, o Tribunal Superior do Trabalho vinculou o contrato de prestação de serviços à existência de lei e previsão específica de sua celebração na atividade, afirmando ilegais os contratos sem tais elementos e a consequente formação do vínculo empregatício direto com o tomador de serviços; reputou regulares apenas as situações correspondentes à contratação de trabalho temporário e serviço de vigilância, objeto, respectivamente, das Leis nºs 6.019, de 1974, e 7.102, de 1983. Após, com a Súmula nº 331, de 1993, o TST afirmou as possibilidades de utilização dos serviços terceirizados na contratação de serviços de vigilância, de conservação e limpeza e de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, e reputou ilegal a contratação de trabalhadores por empresa 6 Súmula nº 256: “CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS – LEGALIDADE – Salvo os casos de trabalho temporário e de serviço de vigilância, previstos nas Leis nºs 6.019, de 03.02.1974, e 7.102, de 20.06.1983, é ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços. Resolução Administrativa nº 4/1986”.
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dissociou a prestação de serviços das outras espécies, sobrevivendo o contrato civil de prestação de serviços enquanto civil no seu objeto e disciplina. Aduz que seu objeto é a prestação da atividade intelectual, material ou física resultante da energia humana aproveitada por outrem, visando à obtenção de uma atividade em função de um resultado decorrente da distinção entre contrato civil e contrato de trabalho do elemento estatutário ou legal4.
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interposta, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974)7. Essa mudança de orientação, explica Abdala8, decorreu da consideração da realidade socioeconômica e da necessidade desse procedimento pelas empresas, uma vez que, se a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho humano, também se funda na livre iniciativa, conforme os arts. 170 e 173 da Constituição da República.
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A terceirização trouxe o contrato de prestação de serviços como a forma de sua implantação. O contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviços que tiveram na locatio operarum uma origem comum, distinguiram-se em sua evolução, e se reencontram nesse fenômeno que constitui um procedimento administrativo de gestão. Vieira de Mello Filho e Queiroz Dutra9 veem nesse procedimento a intensificação da exploração do trabalho, heterogeneização e fragmentação da classe trabalhadora, com
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7 Súmula nº 331: “Contrato de Prestação de Serviços. Legalidade (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) – Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011. I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974). II – [...]. III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta”. 8 ABDALA, Vantuil. Terceirização: atividade-fim e atividade-meio – responsabilidade subsidiária do tomador de serviço. Revista LTr, São Paulo, n. 60-05, p. 587-590, maio 1996. 9 MELLO FILHO, Luiz Philippe Vieira de; DUTRA, Renata Queiroz. Centralidade da pessoa humana na constituição versus centralidade do cidadão trabalhador: o desafio de reler o trabalho a partir da Constituição Federal de 1988. In: SARLET, Ingo Wolfgang; MELLO FILHO, Luiz Philippe Vieira de; FRAZÃO, Ana de Oliveira. (Coord.). Diálogos entre o Direito do trabalho e o Direito constitucional: estudos em homenagem a Rosa Maria Weber. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 572.
a contratação precária de trabalhadores por meio das quais muitas grandes empresas enxugaram seus quadros e trataram como periféricas e descartáveis à execução dos fins empresariais cada vez mais atividades. O trabalho terceirizado, porém, não pode ser tido como uma realidade inexorável, até porque as novas relações sociais, surgidas com a globalização, são caracterizadas pela alteração, mutabilidade e aceleração. Buscando um contraponto a essa contratualidade entre as empresas, os sindicatos passaram a inserir, nos instrumentos coletivos, cláusulas limitativas à terceirização. Roppo, ao analisar a teoria dos contratos, afirma que há uma recuperação da contratualidade nos contratos coletivos, tanto em sua parte normativa, ao dispor sobre salários e condições de trabalho, quanto nas previsões obrigatórias em que surgem obrigações assumidas pelos empresários em relação ao volume dos investimentos a efetuar, a sua colocação territorial, ao aumento dos empregos que se vinculam a conseguir. Considera, assim, que o contrato vê exaltado o seu papel de instrumento de mediação social e assume funções novas10. São essa nova contratualidade e mediação social que, nessa realidade, informam a inserção de cláusulas nos instrumentos coletivos para limitar a terceirização. Nesse contexto, o Tribunal Superior do Trabalho julgou que o Poder Normativo, por lhe ser próprio o objetivo de melhorar as condições de trabalho, pode estabelecer a disciplina da terceirização, e perfilhou a Cláusula obrigacional de que a atividade-fim da empresa não poderá ser objeto de terceirização, ficando, portanto, terminantemente proibida essa modalidade de contratação11. Assim reconduz o contrato de prestação de 10 ROPPO, Enzo. Op. cit., p. 337. 11 Processo: RO 8760-73.2011.5.02.0000, Julg. 08.06.2015, Rel. Min. Mauricio Godinho Delgado, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, DEJT 19.06.2015.
A análise da terceirização, considerada sua realização por meio de dois contratos regidos por normas de diferentes ramos do Direito, o Direito Civil e o Direito do Trabalho, ocorre a partir do princípio da solidariedade enunciado na Constituição da República, desdobrado na função social dos contratos, como matéria da teoria geral dos contratos expressa no Código Civil12.
2 O PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE A vida social deriva de uma dupla fonte: a similitude das consciências e a divisão do trabalho social. Na similitude decorrente do trabalho, o indivíduo tem uma fisionomia que é uma atividade pessoal que o distingue dos outros, mas, ao mesmo tempo, deles depende na mesma medida e por conseguinte da sociedade que resulta de sua união13. A solidariedade é um conceito relevante para a vida social por explicar o fenômeno pelo qual as pessoas se juntam. Na sociedade primitiva, não havia a divisão do trabalho, mas uma hierarquia estatutária configurada pela consciência coletiva e fusão dos costumes e vivência, da qual resulta uma solidariedade mecânica. Depois, com a solidariedade orgânica, a sociedade é substituída pelo grupo e a agregação de indivíduos tendo como objetivo o bem-estar do grupo. A passagem da solidariedade mecânica para a solidariedade orgânica apontada por Durkheim como aquela decorrente do trabalho traz, ainda, segundo o autor, como espécie, a solidariedade contratual. 12 “Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.” 13 DURKHEIM, Emile. Da divisão do trabalho social. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 216.
No Direito Civil, a solidariedade surge como meio de reparação aos inconvenientes da pluralidade de credores (solidariedade ativa) ou de devedores (solidariedade passiva) de uma mesma obrigação. A noção de pluralidade nela está presente, no plano social e no plano jurídico. Destaca Supiot que a solidariedade mudou ao passar do direito civil ao direito social, e deixou de designar apenas uma relação de direito que liga diretamente credores e devedores para se tornar o princípio de organização de instituições de um novo tipo, em que são consideradas as capacidades e as necessidades de cada um. O dever de solidariedade impregna a declaração dos direitos de segunda geração correspondentes aos direitos econômicos e sociais, e o princípio de solidariedade deve fazer evoluir a interpretação dos direitos econômicos e sociais14. Considera o autor que a solidariedade pode servir para conter os efeitos de desestruturação social ligados à globalização, seja pelo reconhecimento àqueles cujas condições de vida e de trabalho são afetadas pelo novo sistema, do direito de se organizar, agir e negociar em um plano internacional, seja como base a regras limitadoras da mercantilização dos homens e das coisas. Vê, então, na solidariedade uma forma de proteger os homens contra os riscos da existência e de lhes dar meios concretos para exercer as liberdades e de lutar contra a fuga às responsabilidades facilitadas pela organização reticular da economia contemporânea. São incisivas as palavras de Supiot: São todos aqueles que se beneficiam de uma operação econômica que devem ser considerados como solidariamente responsáveis pelos danos daí resultantes para o meio ambiente e para os consumidores, independentemente das montagens jurídicas utilizadas pela empresa15. 14 SUPIOT, Alain. Homo Juridicus. Ensaio sobre a função antropológica do Direito. Lisboa: Instituto Piaget, 2006. p. 237. 15 Idem, p. 237/238.
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serviços ao seu espaço residual entre os contratos de atividade, promovendo um diálogo, ainda que tímido, entre as disciplinas do contrato de trabalho e do contrato de prestação de serviços.
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Na Constituição da República, a solidariedade é enunciada como princípio16 e objetivo fundamental do Estado brasileiro. Ao comentar o art. 3º, no qual ela está proclamada, Streck e Bolzan de Morais17 averbam que a Constituição do Brasil tem caráter compromissório expresso em sua opção finalística, a ser vista dentro das especificidades histórico-factuais do Estado brasileiro e diante da globalização excludente e do neoliberalismo, cujas desregulamentações constituem contraponto aos direitos sociais fundamentais e condições negativas ao cumprimento desses objetivos. Consideram que a Constituição determina a realização substantiva dos direitos sociais, de cidadania e aqueles relacionados diretamente à terceira dimensão de direitos, mediante a transformação das estruturas da sociedade. Ora, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária como finalidade e objetivo essencial da República brasileira importa sua realização pelos Poderes Públicos e por todos os destinatários do Texto Constitucional, e impregna a interpretação da totalidade do ordenamento jurídico. O princípio da solidariedade é, no Direito brasileiro, um princípio jurídico inovador, e a ele Bodin de Moraes se refere como base à igualdade substancial e à justiça social, integrante do conjunto de instrumentos voltados para garantir uma existência digna, comum a todos, em uma sociedade que se desenvolva como livre e justa, sem excluídos ou marginalizados18.
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Enquanto a solidariedade fática decorre da necessidade da coexistência humana, a Constituição afirma a solidariedade como
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16 “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I construir uma sociedade livre, justa e solidária; [...].” 17 STRECK, Lenio L.; BOLZAN DE MORAIS, Jorge Luiz. Comentário ao Artigo 3º. In: ______; CANOTILHO, J. J.; MENDES, Gilmar; SARLET, Ingo W. (Coord.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/ Almedina, 2013. p. 146/150. 18 MORAES, Maria Celina Bodin de. O princípio da dignidade humana. In: MORAES, Maria Celina Bodin de (Coord.). Princípios do direito civil contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar. 2006. p. 47/48.
valor na ordem jurídica e social, o que envolve a compreensão dos interesses em comum dentro de uma reciprocidade em que “cada um, seja o que for que possa querer, deve fazê-lo pondo-se de algum modo no lugar de qualquer outro”. É o conceito dialético de “reconhecimento” do outro19, além do sentido individual, para alcançar a solidariedade entre grupos. Cabe atentar a que as empresas às quais o entendimento jurídico atribuiu personalidade e os grupos econômicos por elas formados também são atraídos ao conceito dialético de reconhecimento do outro, isto é, os trabalhadores cujos serviços concorrem para sua atividade. Sob o reconhecimento do outro, a solidariedade atrai a responsabilidade pessoal daqueles que ela liga, o que, para Supiot, significa a responsabilidade social das empresas, referindo-se àquelas que operam em escala internacional e à vinculação das diversas entidades de uma linha ou rede transnacional, de modo a tornar possível imputar responsabilidades nos países em que têm a sua sede, as entidades “em situação de exercer uma grande influência sobre as actividades de outros”, e obrigá-las a responder pelos incumprimentos desses princípios, o que encorajaria as boas práticas de subcontratação e desencorajaria as más20. Essa observação tem pertinência ao mundo em rede e às relações em cadeia que marcam a sociedade atual de modo a que as empresas não sejam circunscritas aos negócios diretamente celebrados, mas estejam vinculadas também pelos efeitos que, por meio deles, deflagram na sociedade. É uma noção de solidariedade social, delineada na identidade de interesses, superando a divisão anômica do trabalho em que a divisão não engendra a solidariedade, mas o antagonismo. Se, na concepção liberal do direito privado, o individualismo é o traço central, a solidariedade propõe sua superação de modo a inserir nas relações entre particulares o objetivo do desenvolvi19 Idem, p. 45/47. 20 SUPIOT, Alain. Op. cit., p. 237/238.
O contrato deixou de ser tido, nos últimos anos, como instrumento necessariamente decorrente ou representativo de interesses antagônicos e passou a ser visto sob a existência de uma affectio − a affectio contractus que se desenvolve como uma parceria, na qual, além de uma função econômica, exerce uma função social por meio da qual são atendidos os interesses superiores da sociedade, que, em determinados casos, podem não coincidir com os do contratante que aderiu ao contrato. Ressalva-se que, ao analisar a função social do contrato na área civil, Wald afirma que ela não significa maior proteção à parte economicamente mais fraca, nem a consideração do interesse de uma das partes em detrimento da outra, como é adotado no Direito do Trabalho e no direito do consumidor, afirmando, todavia, o solidarismo contratual no regime legal dos contratos, mediante os princípios da função social do contrato, aplicação da teoria da imprevisão e a boa-fé objetiva22. O princípio da solidariedade, aplicado no âmbito dos contratos, conforme Negreiros, com base em Antônio Junqueira Azevedo, 21 FACHIN, Luiz Edson; GONÇALVES, Marcos Alberto Rocha. Princípios da dignidade da pessoa humana, da solidariedade e da isonomia substancial. In: TEPEDINO, Gustavo; VIEIRA DE MELLO, Luiz Philippe; FRAZÃO, Ana; DELGADO, Gabriela Neves (Coord.). Diálogos entre o direito do trabalho e o direito civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 26. 22 WALD, Arnold. O novo Código Civil e o solidarismo contratual. In: NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade (Org.). Doutrinas essenciais – Responsabilidade civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. I, 2010. p. 105.
é o fundamento constitucional do princípio da função social; expressa que, numa sociedade que o constituinte quer mais solidária, não deve ser admitido que, sob o pretexto de que o direito de crédito é um direito relativo, possa tal direito ser desrespeitado por terceiros, que argumentam não ter consentido para a sua criação. Esta ótica individualista e voluntarista deve ser superada diante do sentido de solidariedade presente no sistema constitucional.23
A afirmação constitucional da solidariedade como fundamento da sociedade brasileira, em face da teoria dos princípios, cuja normatividade é atualmente reconhecida com sua positividade e concretude, leva a que os institutos jurídicos sejam examinados segundo esse princípio, os quais, como diz Bonavides, fazem a congruência, o equilíbrio e a essencialidade de um sistema jurídico legítimo, e estão no ápice da pirâmide normativa 24. Logo, no direito privado, a promoção da solidariedade também está presente e o princípio impede que as normas regentes das correspondentes relações jurídicas perfilhem as vontades em desconsideração aos interesses que fomentam as relações e todos os que delas decorrem, o que se expressa na atribuição da função social do contrato.
3 A FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO A partir do solidarismo constitucional, o direito civil foi vinculado a observar o interesse comum nas situações e contratações desenvolvidas em seu âmbito, materializado ademais no princípio da função social25. 23 NEGREIROS, Tereza apud CAITLIN, Mulholland. O princípio da relatividade dos efeitos contratuais. In: MORAES, Maria Celina Bodin de (Coord.). Princípios do direito civil contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar. 2006. p. 258, nota 5. 24 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 294. 25 Código Civil: “Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão
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mento dos interesses comuns. Como afirma Fachin, as normas de direito privado não possibilitam, mais, o encastelamento de vontades atomizadas, pois passam a amalgamar interesses que, embora muitas vezes conflitantes, não podem superar nem negar a existência do sujeito presente al otro lado del rio, na poética ilustração de Jorge Drexler21.
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A polissemia do termo “função” foi tida como conveniente para incluir na noção de “funcionalização”, além da necessidade de uma análise funcional e não meramente estrutural, a afirmação de que todos os atos, normas e situações jurídicas somente têm sua existência justificada em função dos valores que orientam o ordenamento, portanto, a dignidade humana e a solidariedade social26.
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Desse modo, o interesse social vincula a liberdade de contratar em observância à ordem constitucional e à previsão do Código Civil de 2002, que assegura seu exercício em razão e nos limites da função social do contrato. Aponta Souza que, após superada a resistência de parte de alguns autores em aceitar a função social como figura autônoma, essa função baseou o reconhecimento do fenômeno designado como a “relativização da relatividade dos pactos” – sendo mitigado o antigo princípio segundo o qual o contrato só produz efeitos inter partes, surgindo a admissão da chamada “tutela externa” do crédito, em face de terceiros que pudessem incentivar o inadimplemento ou prejudicar, de qualquer modo, o curso da relação contratual. Defender a função social do contrato equivaleria a dizer, nessa formulação, que os negócios são socialmente relevantes e devem ser protegidos27.
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A função social do contrato deve ser interpretada mediante o princípio da solidariedade e, como tal, sua aplicação tem aspecto promocional, para que a execução do contrato ocorra para o cumprimento dos direitos e justo equilíbrio de todas as partes que, nele ou em razão dele, estão vinculadas. Indaga Souza: como pressupor que as partes em um contrato devam celebrá-lo perseguindo interesses socialmente relevantes além de seus e nos limites da função social do contrato”. 26 SOUZA, Eduardo Nunes. Função negocial e função social do contrato: subsídios para um estudo comparativo. RDPriv, a. 14, 54, abr./jun. 2013, p. 70. 27 Idem, p. 89-90.
próprios interesses? Como tornar essa diretriz eficaz, na prática, em sede de relações obrigacionais, de modo a reconhecer os legitimados para alegar o descumprimento da promoção de valores como o trabalho, o consumidor, a livre-concorrência etc.?28 Esse aspecto suscita reflexão no âmbito da terceirização, pois ela ocorre à sombra de dois contratos típicos que, tendo por objeto a prestação de atividade humana, eram originariamente um mesmo. Ora, a função social do contrato redimensiona a liberdade de contratar a ser sopesada às circunstâncias em que, por meio dele ou como sua decorrência, um contratante viola ou enseja a violação de interesse socialmente relevante, como são todos os direitos fundamentais, entre os quais os direitos sociais. Como o negócio não pode ser alheio aos valores juridicamente protegidos, o contrato não pode servir à postergação de direitos de uma das partes, de modo que, no contrato triangular, a ausência de liame trabalhista diretamente com uma das partes não torna o objetivo do contrato estranho a ela. Na existência de contrato entre empresas com a terceirização de atividades da contratante e obtenção de serviços destinados ao seu empreendimento por meio da prestação pelos empregados da contratada, os diferentes contratos têm uma finalidade única e, ainda que oriundos de ramos jurídicos distintos, a todos se aplicam o princípio da solidariedade e o seu exame conjunto sob a perspectiva da função social dos contratos. Como afirma Roppo, o contrato adquire relevância cada vez maior com a progressiva afirmação do primado da iniciativa da empresa e em sua evolução, de mecanismo funcional e instrumental da propriedade, ele se tornou mecanismo funcional e instrumental da empresa29. Como a função social do contrato traz consigo a modificação ou reinterpretação do princípio da relatividade dos pactos e do 28 Idem, p. 92-93. 29 ROPPO, Enzo. O contrato. Trad. Ana Coimbra e M. Januário C. Gomes. Coimbra: Almedina, 2009. p. 67.
4 O PRINCÍPIO DA RELATIVIDADE DOS CONTRATOS Pelo princípio da relatividade dos contratos, aquele que não integra a relação contratual não pode ser afetado pelos efeitos dela decorrentes. Esse princípio traduz uma concepção personalista e individualista do contrato que não condiz ao espírito da nova teoria dos contratos. O sentido do efeito relativo do contrato dado nos séculos XVIII e XIX teve alargada a noção de partes e terceiros, e como parte não é entendida uma categoria evolutiva, suscetível de incluir pessoas que venham a integrar posteriormente o círculo contratual”30. O princípio subsiste com a ampliação da definição de terceiro, o que leva, em sua aplicação, a atrair para o âmbito do contrato 30 CAITLIN, Mulholland. O princípio da relatividade dos efeitos contratuais. In: MORAES, Maria Celina Bodin de (Coord.). Op. cit., p. 260 e 262.
pessoas que praticaram atos a ele vinculados ou sobre as quais seus efeitos se projetaram ou levaram a que nele tivessem participação. Como assinala Caitlin, a partir de referência ao entendimento de Jacques Ghestin, Jean-Luc Aubert e Catherine Guelfucci-Thibierge, atualmente se tornou generalizado o entendimento de que um contrato não é fechado de modo a se limitar às partes que o celebram, mas a ele se integram as relações contratuais com terceiros, pois o contrato é o instrumento primordial do comércio jurídico. Com efeito, na sociedade complexa, igual complexidade apresentam os institutos jurídicos e há, nos contratos, as novas situações objetivas de contratação e sua dinâmica, o que interfere na concepção restritiva do princípio da relatividade dos contratos. A previsão, no Código de Defesa do Consumidor, da possiblidade de indenização a pessoas que não fazem parte dos contratos de consumo, como usuários e bystanders, fornece elemento de positividade jurídica para a reconfiguração do princípio na sociedade atual e a produção e circulação de riquezas. Daí, tornar-se relativizado o princípio da relatividade do contrato: em seu sentido originário ele significava que o contrato somente vinculava e produzia efeitos entre as partes contratantes, o que foi relativizado, ao influxo do princípio da solidariedade, desde a norma legal que rege relações na sociedade de consumo até a interpretação do sistema para que os efeitos que decorram dos contratos firmados em paralelo a um contrato matriz ou dele decorrentes retornem à economia contratual e às partes originárias, obrigando-as. Daí Caitlin31, sob as noções de fato jurídico e eficácia indireta ou reflexa do contrato, asseverar as repercussões fora do âmbito contratual e em relação a terceiros como determinantes de tratamento jurídico adequado à noção atual de contrato sob a perspectiva dos princípios solidaristas. As situações criadas ou modificadas pelo contrato não são a
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conceito da relatividade do contrato com a produção de efeitos inter partes, passando a admitir a “tutela externa” do crédito, em face de terceiros, esse conceito deve ser aplicado em todas as situações em que um terceiro atua no contrato. Vai, portanto, além das situações surgidas de incentivo ao inadimplemento, para, sob o mesmo enfoque, tutelar os fatos que prejudicam, de qualquer modo, o curso da relação contratual. Como tal, abrange a situação não prevista nas normas legais em que dois contratos sob regimes jurídicos diversos se desenvolvem paralelamente, mas estão ligados por uma finalidade última que é a atividade exercida por um dos contratantes. Ao orbitarem, tanto o contrato civil de prestação de serviços como o contrato de trabalho da execução subordinada dos serviços ajustados, em torno do interesse do contratante, a função social do contrato em expressão da solidariedade reconduz ao interesse que funda a constelação contratual.
31 Idem, p. 273.
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ele estranhas, pois o pacto incidindo sobre a esfera de terceiros deflagrou efeitos jurídicos em igual medida e tutela.
5 O FATO SOCIAL E O PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DA REALIDADE NO DIREITO DO TRABALHO O sistema jurídico se marca por sua reflexidade que no Direito do Trabalho é intensificada, pois nele as mudanças e variações constantes na sociedade são imediatas. Tais mudanças nas relações de trabalho ocorreram de forma tão rápida e igual absorção na realidade e a prática social que informam nova situação, o que se constata na identificação de trabalhadores como terceirizados e não como exercentes de uma função ou profissão.
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Na relação dialógica entre a sociedade e o Direito, a reflexão do Direito do Trabalho sobre o seu sentido e finalidade se agiganta, porquanto o trabalho dá ao ser humano um modo de estar no mundo. Ao lado, constata-se a exigência de um comportamento flexível em que ameaça às pessoas, suas narrativas e suas histórias de vida têm a instabilidade como um modo normal32.
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A terceirização verifica-se com o uso de um contrato civil, uma interferência quanto ao destinatário da prestação de serviços que é alterado, desfazendo o conceito tradicional de empregador para desdobrá-lo com um terceiro. A empresa contratante e tomadora de serviços se reputa estranha ao vínculo empregatício, mas recebe desse estranho a força de trabalho, cuja prestação lhe é assegurada por meio de outro contrato, a prestação de serviços. Daí os contratos na terceirização exigirem compreensão sobre o terceiro já reconhecido e ampliado no Direito Civil para, 32 SENNET, Richard. A corrosão do caráter. Consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Trad. Marcos Santarrita. Rio de Janeiro: Record, 1999.
então, interpretar esse fenômeno também sob os princípios do Direito do Trabalho. Embora eles tenham sido estruturados na fase de formação desse ramo do Direito, advindo muitos deles do Tratado de Versalhes e da atuação da Organização Internacional do Trabalho, constituem as pautas diretivas do Direito do Trabalho, tanto para a interpretação das normas e sua aplicação como para a informação da legislação. Como expressa Plá Rodriguez33, os princípios e as normas se relacionam em uma interação ou implicação recíproca, mas correspondem a uma concepção do Direito laboral. Ao influxo das mudanças ocorridas com o delineamento de novas formas de trabalho e contratos atípicos34, os princípios do Direito do Trabalho e sua adequação ou subsistência a esses vínculos foram alvo de questionamento. Romita35 refutou os princípios clássicos quanto à sua especificidade para o Direito do Trabalho e propôs novos princípios, como adaptação da superestrutura jurídica às novas realidades, apontando então: princípio da liberdade do trabalho; princípio de não mercadorização do trabalho; e o princípio da dignidade do trabalhador como pessoa humana. O princípio da não mercadorização do trabalho foi afirmado pela OIT e tem grande relevância no quadro da globalização, e o princípio da dignidade do trabalhador como pessoa humana exprime nas relações de trabalho um princípio fundamental da República brasileira, enunciado na Constituição. 33 RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de direito do trabalho. Trad. Wagner D. Giglio. São Paulo: LTr, USP, 1978. p. 19. 34 Adota-se a expressão contratos atípicos no sentido de contratos de trabalho em que, embora haja a aplicação das normas trabalhistas, se dão sob regimes particulares de duração, a prazo determinado ou como tempo parcial de trabalho. 35 ROMITA, Arion Sayão. Os princípios do direito do trabalho ante a realidade. Revista LTr, São Paulo, n. 74-09, p. 1038-1046, set. 2010.
Subsistem, todavia, os princípios clássicos, nos quais se encontra o princípio da primazia da realidade. Seu conteúdo e a atribuição de relevância dos fatos sobre as formas buscam na realidade que cerca o trabalho os elementos para a aplicação das normas de Direito do Trabalho. Ele enfrenta as formas de contratações engendradas e, assim, alcança a terceirização, formada pelo contrato civil e contratos de trabalho. Com efeito, os contratos determinados pela ação do mercado multiplicaram os contratos de prestação de serviços (formais e informais) na indústria, comércio e em outros setores, o que provocou a reação no meio trabalhista pela necessidade de adequar e aplicar o direito à nova realidade, e pela permanência do princípio da proteção ao trabalhador e, em especial, o empregado, de eventuais ameaças à sua dignidade, bem como de tentativas de precarização das relações de trabalho, como assinala Fichtner36.
tem ambiente na teoria contratual, incide sobre as duas espécies que estão conjugadas na terceirização o contrato civil de prestação de serviços e o contrato de trabalho.
O princípio da primazia da realidade expressa o tratamento do trabalhador dentro do mundo real de sua prestação de serviços. Usualmente identificado como a prevalência dos fatos sobre as formas, o que implica qualificar segundo a realidade em vez do texto, por meio dele se afasta o véu que encobre as circunstâncias relevantes da condição do trabalhador e as formas de contratação que visam inibir os direitos sociais correspondentes.
Assim, a terceirização é um mecanismo em que há a celebração de contratos paralelos que estão vinculados pela finalidade e instaura vínculos empregatícios em que a realidade laboral da prestação de serviços é canalizada para o tomador de serviços, e tem uma assincronia entre contrato de trabalho e atividade real. O vínculo contratual com o prestador de serviços constitui a formalidade que leva à execução do contrato civil existente.
Esse princípio tem como fundamento a dignidade da pessoa humana e conduz à interpretação racional da vontade das partes, dentro da teoria de interpretação dos contratos, adquirindo grande realce no Direito do Trabalho, dado o caráter dinâmico do contrato pelo qual o modo como ele é executado mostra sua verdadeira natureza, segundo Plá Rodriguez 37. Como o princípio
Como princípio da primazia da realidade é conciliado o contrato com os fatos empanados pelos registros formais. Delgado entende que sobre esse princípio amplia a noção da prevalência da intenção dos agentes sobre o envoltório formal, aduzindo que o conteúdo do contrato não se circunscreve ao transposto no correspondente instrumento escrito, incorporando amplamente todos os matizes lançados pelo cotidiano da prestação de serviços39. 38 CAVALCANTI, Lygia Maria de Godoy Batista. A flexibilização do Direito do Trabalho no Brasil. Desregulação ou regulação anética do mercado? São Paulo: LTr, 2008. 39 DELGADO, Maurício Godinho. Princípios de direito individual e coletivo do trabalho. 11. ed. São Paulo: LTr. 2010. p. 90-91.
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36 FICHTNER, Priscila Mathias de Morais. Locação de serviços x prestação de serviços: evolução jurisprudencial. In: TEPEDINO, Gustavo; VIEIRA DE MELLO, Luiz Philippe; FRAZÃO, Ana; DELGADO, Gabriela Neves (Coord.). Diálogos ente o direito do trabalho e o direito civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 374. 37 RODRIGUEZ, Américo Plá. Op. cit., p. 227.
Serve o princípio da primazia da realidade para dar uma conformação à oposição entre o mundo real e o mundo formal e conter os mecanismos por meio dos quais ocorrem as crescentes investidas contra as relações trabalhistas38, o que enseja uma interpretação do contrato na complexidade das relações contratuais em uma mesma realidade: a diversidade de espécies contratuais sob a finalidade igual de um serviço prestado com subordinação desdobrada na subordinação jurídica ao empregador que estabelece a empresa em que haverá a prestação de serviços e a subordinação fática das ordens cotidianas para a efetiva execução do serviço.
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Com o princípio da primazia da realidade, amplia-se o polo do obrigado trabalhista na terceirização, havendo a inserção quanto a esses efeitos do terceiro beneficiado pela prestação, indo além do vínculo existente entre as partes. Essa noção de terceiro, na esfera do contrato de trabalho, institui na interpretação das obrigações respectivas a consideração da interferência que o tomador de serviços exerce sobre a realidade do contrato de trabalho, desde a admissão do trabalhador para que haja a prestação do serviço até sua dispensa, que frequentemente está vinculada à rescisão do contrato de prestação de serviços. Na terceirização, portanto, o princípio atua para conciliar os dois contratos cujas filosofias são diferentes, mas não antagônicas, e que devem ser interpretados sob um mesmo princípio, o da solidariedade.
CONCLUSÃO
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A Constituição da República, ao enunciar o princípio da solidariedade como objetivo da sociedade na sua construção prospectiva, vincula a ação e a interpretação à sua observância. No campo das relações econômicas, tanto quanto à atividade das empresas como nos contratos de trabalho, esse princípio se reflete como a responsabilidade pelo bem-estar de todos, empresas e trabalhadores.
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O contrato tem nas relações complexas que marcam a sociedade atual uma atuação múltipla e simultânea que cada um deles, guardando seu sentido próprio, funcionalizam a ação comum. O contrato de prestação de serviços se tornou instrumento da terceirização, mediante uma renovada utilização dessa forma contratual civil, enquanto a forma originária desse contrato e que tinha desaguado no trabalho subordinado do contrato de trabalho é para ele atraída, sob uma justaposição. São dois contratos que se reúnem sob a mesma noção de prestação de serviços,
seja entre empresas como meio de realizar a atividade de uma delas, seja entre uma empresa e seus empregados. São os múltiplos fios que se entrelaçam no tapete e lhe conferem cor, forma e desenho. A função social do contrato, desse modo, deve ser lida em simultaneidade ao princípio da proteção do trabalhador, segundo o interesse de todas as partes sob o signo do princípio da solidariedade, no nome do solidarismo contratual. O amálgama do contrato de prestação de serviços do Direito civil e do contrato de trabalho, do Direito do Trabalho ante a prevalência dos fatos sobre as formas no princípio da primazia da realidade e a relativização do terceiro coloca-se sob o princípio da solidariedade evidenciando que o crédito do trabalhador não é alheio à empresa tomadora dos serviços, pela inexistência do vínculo trabalhista, pois, pela contratação dos serviços, ela consentiu e concorreu para a criação do contrato de trabalho.
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Doutrina
Lei do Inquilinato Atualizada: Reflexos Procedimentais da Lei nº 12.112/2009 GUSTAVO LOMEU
Advogado e Corretor de Imóveis em Minas Gerais.
Assim, pretende-se demonstrar sobre a importância da Lei do Inquilinato como microssistema jurídico capaz de ajudar no equilíbrio do binômio economia/moradia, ponderando sobre a importância social da habitação, mas sem valorizar o mau pagador. Por isso, após 18 anos, a Lei nº 12.112/2009 adéqua normativamente a Lei do Inquilinato às interpretações da jurisprudência e elimina entraves antigos das normas processuais nela presentes.
1 BREVES CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS E ATUAIS SOBRE A LOCAÇÃO URBANA
Este segundo artigo1 sobre as mudanças na Lei do Inquilinato disporá sobre as alterações ocorridas nos procedimentos da ação de despejo, da ação revisional de aluguel e da ação renovatória.
Devido ao grande problema social da falta de moradia própria que aflige grande parcela da população, as leis do inquilinato como resultado sempre tenderam a proteger excessivamente o inquilino, parte teoricamente mais suscetível. Desta forma, criou-se na mentalidade geral que o locador seria sempre o grande investidor capitalista do mercado imobiliário – por isso, um vilão – e que faria de todos os locatários presas fáceis e indefesas2. Vê-se, porém, o contrário. Um levantamento realizado pelo Conselho Federal de Corretores de Imóveis (Cofeci) mostra que 70% dos imóveis alugados no Brasil pertencem a proprietários com um ou dois imóveis para locação, ou seja, não são grandes investidores. O aluguel é para o locador remuneração necessária, na grande maioria, para o sustento de sua família, para complementação de aposentadoria e renda, para o pagamento do estudo de filhos, para gastos em saúde etc. Mas, por outro lado, o aluguel é parte expressiva dos gastos das famílias no País. Segundo dados do Instituto Brasileiro
1 Publicamos o primeiro artigo na Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil (n. 67, set./out. 2010), focando as mudanças materiais da lei de locação, intitulado de “Locação Urbana: enfoque material da Lei nº 12.112/2009”.
2 TAVARNARO, Carlos Roberto; THOMÉ, Solange. As alterações da lei inquilinária. Revista IOB de Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre: Síntese, v. 64, p. 19, abr. 2009.
SUMÁRIO: Introdução; 1 Breves considerações históricas e atuais sobre a locação urbana; 2 Das alterações procedimentais à Lei do Inquilinato.
INTRODUÇÃO A Lei nº 12.112/2009, que mudou a Lei do Inquilinato (LI), completou um ano de sua vigência com saldo positivo. Segundo dados levantados pelo Departamento de Economia do Sindicato da Habitação (Secovi) de São Paulo, as ações de despejo caíram até 35% em relação ao ano anterior, como foi registrado em junho de 2010, no Tribunal de Justiça de São Paulo.
O grupo de despesas que mais pesa no bolso da família brasileira é Habitação (29,26% da despesa total ou R$ 520,22 mensais), que inclui aluguel, telefone, luz, gás, água, manutenção e móveis, entre outros itens. O segundo grupo de maior peso é Alimentação (R$ 304,12 ou 17,10%), e o terceiro, Transporte (R$ 270,16 ou 15,19%). Os três grupos fazem parte das chamadas Despesas de consumo que, entre o ENDEF de 1974-75 e a POF de 2002-03, aumentaram sua participação no total das despesas de 74,59% para 82,41%.3 As despesas de alimentação, habitação e transporte corresponderam a 75,3% da despesa de consumo média mensal das famílias brasileiras, ou a 61,3% da despesa total. Na Alimentação (19,8%) a proporção rural (27,6%) superou a urbana (19%). Na Habitação (35,9%) deu-se o inverso: urbana (36,4%) e rural (30,6%).4
Assim, entende-se o caráter social da legislação inquilinária sobre a proteção do inquilino, visto que a história da habitação social no Brasil é marcada por pensamentos que dirigiram a locação urbana ora pelo extremismo do liberalismo econômico e patrimonialista, e ora sob a proteção excessiva do locatário que desestabilizaram o mercado imobiliário, aumentando os preços dos aluguéis. Para exemplificar, no começo do século XX, as grandes cidades brasileiras do sudeste, como Rio de Janeiro e São Paulo, experimentaram o inchaço urbano proporcionado pelas migrações e pela produção cafeeira. O professor 3 IBGE. Pesquisa de orçamentos familiares 2002-2003. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: 3 jul. 2010. 4 IBGE. Pesquisa de orçamentos familiares 2008-2009. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: 3 jul. 2010.
Nabil Bonduki, em estudo que tradicionalmente domina, explica que, por causa deste crescimento enorme das áreas urbanas, as cidades foram moldadas em novos cenários citadinos por investidores imobiliários que se empreenderam na construção de imóveis para locação, sendo que na cidade de São Paulo da década de 1920, apenas 19% dos prédios eram habitados pelos seus proprietários, predominando largamente o aluguel como forma básica de acesso à moradia, e, por isso, muito rentável. A habitação fora tratada pela República Velha com total ausência do Estado na produção da moradia e na regulamentação da locação, interferindo apenas em questões de higiene e salubridade: Surgem, assim, inúmeras soluções habitacionais, a maior parte das quais buscando economizar terrenos e materiais através da geminação e da inexistência de recuos frontais e laterais, cada qual destinado a uma capacidade de pagamento do aluguel: do cortiço, moradia operária por excelência, sequência de pequenas moradias ou cômodos insalubres ao longo de um corredor, sem instalações hidráulicas, aos palacetes padronizados produzidos em série para uma classe média que se enriquecia, passando por soluções pobres mas decentes de casas geminadas em vilas ou ruas particulares que perfuravam quarteirões para aumentar o aproveitamento de um solo caro e disputado pela intensa especulação imobiliária.5
Atenta-se que o Código Civil de 1916, que regulava a questão, estabelecia o império absoluto da propriedade, não prevendo qualquer regra na fixação dos aluguéis, que eram regidos por contratos particulares, sob a ótica exclusiva do princípio fundamental da autonomia privada. Conquanto o problema da habitação tratasse, também, de uma questão social. Assim, em outro extremo, os governos populistas, após a Revolução de 1930, em resposta à base de sustentação de seu 5 BONDUKI, Nabil Georges. Origens da habitação social no Brasil (19301964). Análise Social, Lisboa, v. 29, n. 127, p. 713, 1994.
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de Geografia e Estatística sobre a despesa média das famílias brasileiras:
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poder político – as massas populares urbanas – e preocupados com os problemas da habitação no País, constroem uma política de implementação da habitação social, regulamentada pelo Estado. Deste modo, é instituído o decreto-lei do inquilinato em 1942, que de forma inexorável congelou os aluguéis em todo Brasil, ocasionando nos locadores total desinteresse na locação de seus imóveis. Parece que se buscava atribuir à habitação um peso muito maior do que ela realmente tinha no encarecimento geral do custo de vida para justificar uma medida drástica de intervenção no mercado, como foi o controle dos aluguéis. A análise da política de desenvolvimento nacional implementada no Brasil pelo governo Vargas e seguintes revela outros aspectos significativos para a explicação da política oficial de locação, que, praticamente, manteve o congelamento dos valores nominais dos aluguéis entre 1942 e 1964.6
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Parte-se do princípio paternalista de proteção exacerbada do inquilino, conclusão sumária que se faz no sentido de que a maior parte da população não possui moradia própria. Por isso, os locadores pagariam pelo problema histórico da habitação no País, tendo seus imóveis alugados revestidos em política governamental de habitação social.
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No entanto, a experiência das anteriores leis do inquilinato demonstrou que a excessiva proteção ao inquilino, a médio e longo prazo, provoca efeito contrário. Isto é, tão acossado se vê o proprietário de imóvel ou o detentor de certo capital, que foge do mercado imobiliário, não adquire nem constrói imóveis para a locação. Assim sendo, diminuem os imóveis disponíveis e como consequência inevitável da lei econômica, com excesso de procura e pouca oferta, disparam os preços das locações. Ficam apenas na memória dos que viveram as “vilas” construídas nas grandes cidades do país por capitalistas, conjunto de casas dirigidas a classes menos favorecidas ou até mesmo à classe média, exclusivamente para locação. Se a iniciativa particular se viu inibida de ofertar moradias à locação, o poder público se viu assoberbado na tarefa de 6 Idem, p. 720.
construir a casa própria, ingressando em irremediável fracasso que só mais recentemente foi remediado.7
Pelas experiências destas épocas, mostra-se perceptível que a locação de imóveis urbanos deve estar condicionada sim a preceitos de ordem pública sem, contudo, atribuir à sociedade privada um peso grande demais que moralmente e legalmente não é dela, ou seja, não é responsabilidade do particular a habitação social. O direito à moradia está presente em nossa Constituição como direito social, e ensina Pedro Lenza que os direitos sociais “apresentam-se como prestações positivas a serem implementadas pelo Estado (Social de Direito) e tendem a concretizar a perspectiva de uma isonomia substancial e social na busca de melhores e adequadas condições de vida”8. Do mesmo modo, conceitua José Afonso da Silva: Direito à moradia significa, em primeiro lugar, não ser privado arbitrariamente de uma habitação e de conseguir uma; e, por outro lado, significa o direito de obter uma, o que exige medidas e prestações estatais adequadas à sua efetivação.9
Assim, a atual Lei do Inquilinato de 1991 firmou-se como uma legislação equilibrada, que aprendeu com os problemas historicamente aglutinados, não estabelecendo a locação apenas por critérios econômicos, mas também levando em conta a questão social da importância da proteção ao locatário, sem, contudo, permitir que se transformasse em um instituto de tutela ao mal pagador ou para o serviço do Estado como controlador de crises habitacionais. 7 VENOSA, Sílvio de Salvo. Lei do inquilinato comentada: doutrina e prática. São Paulo: Atlas, 2010. p. 5. 8 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 837. 9 SILVA, José Afonso. Direito urbanístico brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 381.
A fim de não perder este ponto de equilíbrio, a Lei nº 12.112 se fez necessária para perpetuar a Lei do Inquilinato como importante microssistema em nosso ordenamento, restabelecendo a força legal que porventura perdera nesta quase duas décadas de interpretações judiciais, e mantendo-a como legislação permanente e capaz de estabilizar o mercado habitacional no País. Segundo o presidente do Cofeci, João Teodoro, “a previsão é que cerca de três milhões de imóveis entrem no mercado até o fim de 2011, porque muitos preferiam deixar o patrimônio fechado a disponibilizá-lo para locação”. E para que estas expectativas se concretizem é necessária a mudança do processo judicial das ações locatícias, tornando-as mais céleres e efetivas.
2 DAS ALTERAÇÕES PROCEDIMENTAIS À LEI DO INQUILINATO
de concessão de antecipação de tutela, presente no art. 273 do Código de Processo Civil (CPC), no caso de despejo. Ou seja, a dúvida consistia em saber se na ação de despejo seriam possíveis medidas liminares apenas nos casos taxativos do art. 59 da Lei, que antes da Lei nº 12.112/2009 não contemplava nenhum caso de liminar por falta de pagamento de aluguel. Assim, muitos pedidos de antecipação de tutela chegaram aos Tribunais, formando-se uma interpretação baseada ora na especialidade da Lei do Inquilinato, sendo que muitos julgados não admitem nas ações de despejo a antecipação de tutela de que trata o art. 273 do Código de Processo Civil, e ora na concessão da liminar baseada no CPC. Neste sentido, decidiu o Tribunal de Justiça de Minas Gerais: EMENTA: AÇÃO DE DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTO – TUTELA ANTECIPADA – IMPOSSIBILIDADE – Em ação de despejo por falta de pagamento, não há como, em antecipação de tutela, determinar o despejo do imóvel, pois isto implicaria em impedir o inquilino de exercer o seu direito de purgar a mora, evitando, por conseqüência, a rescisão da locação.11
Em outro entendimento, outras decisões deste mesmo Tribunal concluem:
O art. 59, § 1º, da Lei do Inquilinato destina-se aos casos possíveis de liminares. Por tempo, discutiu-se a possibilidade ou não
AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE DESPEJO – ANTECIPAÇÃO DE TUTELA – REQUISITOS DO ART. 273 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – POSSIBILIDADE – Conforme orientação jurisprudencial do STJ, é possível deferir antecipação de tutela em ação de despejo, ainda que não se trate das hipóteses previstas no art. 59, § 1º, da Lei nº 8.245/1991, se estiverem presentes os requisitos elencados no art. 273 do CPC. Havendo prova inequívoca nos autos da relação locatícia, da mora do locatário e da ausência de pedido de purgação pelo locatário, após
10 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, v. III, 2007. p. 302.
11 TJMG, Agravo de Instrumento nº 1.0707.08.169781-5/001(1), Rel. Maurílio Gabriel, DJ 21.01.2009.
2.1 Adição de novas liminares na ação de despejo
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Esta Lei veio substituir a legislação anterior que regulava separadamente as locações residenciais e não-residenciais, tendo adotado uma política menos protetiva do locatário, diante da constatação de que a tutela demasiada, especialmente na locação residencial, estava em verdade contribuindo para o aumento do déficit habitacional, já que não incentivava os proprietários a alugarem seus imóveis. O grande desafio do legislador ao regular a locação está exatamente em encontrar um ponto de equilíbrio entre tutelar os interesses do locatário, parte mais fraca da relação jurídica, e ao mesmo tempo possibilitar ao locador a obtenção de um resultado razoável na exploração do seu imóvel, de forma a incentivar o seu aproveitamento econômico.10
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citado, perfeitamente viável o deferimento ao locador de antecipação da tutela. Recurso provido.12 AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE DESPEJO – POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DA TUTELA ANTECIPADA – DESOCUPAÇÃO DO IMÓVEL – ART. 59, § 1º, DA LEI Nº 8.245/1991 – PRESENÇA DOS REQUISITOS – POSSIBILIDADE – Filio-me à corrente que aceita a concessão da tutela antecipada nas ações de despejo, desde que o caso em apreço não se enquadre nas hipóteses elencadas pelo art. 59, da Lei do Inquilinato e desde que haja os seus requisitos autorizadores (verossimilhança das alegações e prova inequívoca). A possibilidade de irreversibilidade da medida não pode ser entendida como obstáculo máximo à sua autorização, mormente quando há a prestação de caução, exigida pelo ordenamento jurídico vigente. Se presentes a verossimilhança das alegações, bem como a prova inequívoca, nada obsta ao deferimento da medida.13
Deste modo, também, julgou o Superior Tribunal de Justiça:
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EMENTA: RECURSO ESPECIAL – LOCAÇÃO – AÇÃO DE DESPEJO – ART. 273 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – ANTECIPAÇÃO DE TUTELA – CABIMENTO – 1. A antecipação de tutela é cabível em todas as ações de conhecimento, inclusive nas ações de despejo. 2. Recurso provido.14
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EMENTA: AÇÃO DE DESPEJO – TUTELA ANTECIPADA – POSSIBILIDADE – Cabível, nas ações de despejo, a antecipação de tutela, como o é em toda a ação de conhecimento, seja a ação declaratória, seja constitutiva (negativa ou positiva) condenatória, mandamental, se presentes os pressupostos legais. Recurso não conhecido.15 12 TJMG, Agravo de Instrumento nº 1.0702.07.364169-9/001(1), Rel. Marcos Lincoln, DJ 07.11.2008. 13 TJMG, Agravo de Instrumento nº 1.0024.09.640061-9/001(1), Rel. Domingos Coelho, DJ 13.10.2009. 14 STJ, REsp 595172/SP, Rel. Min. Paulo Gallotti, DJ 21.10.2004. 15 STJ, REsp 445863/SP, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ 05.12.2002.
Grande parte da doutrina reitera que a especialidade da Lei deve ser utilizada como critério taxativo às liminares, restringido-as ao art. 59 ora comentado: Como o art. 59 em testilha, porém, é específico e restritivo quanto a determinadas ações de forma exclusiva, merece prosperar o entendimento segundo o qual apenas nessas hipóteses do parágrafo primeiro é possível a liminar de desocupação, que se traduz em antecipação de tutela. Ainda mais porque nessas hipóteses o legislador inquilinário estabeleceu a caução expressamente no valor equivalente a três meses de aluguel. Segue-se o princípio pelo qual a norma especial derroga a geral. Leva-se em conta, também, o microssistema que representa a lei inquilinária no nosso ordenamento.16
Desta forma também é a conclusão de Luiz Antonio Scavone Junior ao se filiar à jurisprudência do antigo Tribunal de Alçada de São Paulo: A orientação não é nova pelo que se verifica do Enunciado nº 31 do extinto Segundo Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, que dispõe: “É incabível nas ações de despejo a antecipação da tutela de que trata o art. 273 do Código de Processo Civil, em sua nova redação”.17
Vê-se que se trata de matéria discutida, mas o Superior Tribunal de Justiça vem fundamentando uma jurisprudência favorável à concessão da antecipação de tutela em ações de despejo. Filiamos a esta corrente por entendermos que a Lei do Inquilinato se comunica de forma interativa com todo o universo jurídico, por isso, por meio da teoria dos diálogos das fontes e do art. 7918 da LI, é possível a concessão de antecipação de tutela segundo o art. 273, modificado pela Lei nº 10.444/2002 do Código de 16 VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. cit., p. 271. 17 SCAVONE JUNIOR, Luiz Antonio. Comentários às alterações da lei do inquilinato. São Paulo: RT, 2009. p.77. 18 Prediz o art. 79 da Lei: “No que for omissa esta lei aplicam-se as normas do Código Civil e do Código de Processo Civil”.
Sendo a ação de despejo regida pelo procedimento ordinário, caput do art. 59, de fato é passível a aplicação também do art. 273 do CPC. Contudo, deve-se ater que o art. 59 exige a caução equivalente a três meses de aluguel para o mandado liminar de despejo, assim, consoante a norma especial e interpretação do STJ, estes requisitos adicionais da lei devem ser respeitados. O Sr. Desembargador Domingos Coelho, do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, em voto, deixa bem claro este entendimento, em que o CPC possui efeito integrativo na Lei do Inquilinato para a concessão de liminares em ações de despejo: O instituto da tutela antecipada é um instrumento de ação do Poder Judiciário, apto a efetivar, de modo célere e eficaz, a própria pretensão deduzida em juízo ou seus efeitos. Por ser medida característica da ação de conhecimento, de cunho satisfativo, a meu sentir, é plenamente possível que ela seja concedida nas ações de despejo, após a nova redação do art. 59, da Lei do Inquilinato, que estabelece o rito ordinário para esse tipo de demanda. Inobstante a matéria em questão não esteja pacificada pela doutrina e jurisprudência, filio-me à corrente que aceita a concessão deste pleito de urgência, desde que o caso em apreço não se enquadre nas hipóteses elencadas pelo referido dispositivo e desde que haja os seus requisitos autorizadores (verossimilhança das alegações e prova inequívoca).
[...] Ocorre que, em sua fundamentação, o i. magistrado afirma que apesar de o Agravante ter prestado caução e notificado o réu a desocupar o imóvel, o presente caso, além de não se encaixar nas hipóteses previstas pelo supracitado artigo, não traz fundado receio de dano irreparável, principalmente diante do perigo de irreversibilidade do instituto, razões pelas quais não concedeu a liminar e a tutela antecipada, respectivamente. Permito-me, porém, divergir desta explanação, vez que a possibilidade de irreversibilidade da medida não pode ser entendida como obstáculo máximo à sua autorização, mormente quando há a prestação de caução, exigida pelo ordenamento jurídico vigente.19 (grifos nossos)
O legislador da Lei nº 12.112/2009, sem adentrar nestas discussões, preferiu adicionar no rol do art. 59 a correção da injustificável omissão e a retomada liminar nas ações de despejo por falta de pagamento, causa maior dos inúmeros pedidos de antecipação de tutela, que, como visto, ainda perdura em conflitos hermenêuticos. De todo modo, a reforma, ao estender as hipóteses de liminar, agora contempladas em nove casos, tratou-se de importante avanço na locação urbana, martirizada e por vezes desinteressante investimento imobiliário, por causa da vagarosidade da legislação e dos problemas históricos do Judiciário, que transformam um simples despejo por denúncia vazia em penosos anos.
2.1.1 Hipóteses em que se permite a desocupação liminar O § 1º do art. 59 traz mais uma inovação à Lei do Inquilinato. Em cinco situações era permitido o despejo liminar para deso19 TJMG, Agravo de Instrumento nº 1.0024.09.640061-9/001(1), Rel. Domingos Coelho, DJ 13.10.2009.
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Processo Civil, visto que este pode ser aplicado de forma integradora na Lei do Inquilinato. Por mais, a antecipação de tutela responde aos princípios da celeridade e eficácia do processo, hoje tão almejados na Justiça. Assim, pela interpretação do STJ, não será razoável o juiz decidir pelo indeferimento do pedido de antecipação de tutela, baseado no fundamento de que este instituto não se aplica à Lei do Inquilinato, devendo apreciar o pedido e, se caso negá-lo, as convicções de seu ato deverão estar adstritas aos princípios e às hipóteses apresentadas pelo art. 273 do CPC.
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cupação em quinze dias, sem conhecimento do réu, mediante depósito em dinheiro equivalente a três meses de aluguel. A Lei nº 12.112/2009 introduziu quatro outras hipóteses nas quais a liminar é permitida. A mais importante dessas inovações é o despejo liminar por falta de pagamento, sempre reclamado desde a promulgação da Lei nº 8.245/1991. Expõe a nova redação do art. 59: Com as modificações constantes deste capítulo, as ações de despejo terão o rito ordinário. § 1º Conceder-se-á liminar para desocupação em quinze dias, independentemente da audiência da parte contrária e desde que prestada a caução no valor equivalente a três meses de aluguel, nas ações que tiverem por fundamento exclusivo: I – o descumprimento do mútuo acordo (art. 9º, inciso I), celebrado por escrito e assinado pelas partes e por duas testemunhas, no qual tenha sido ajustado o prazo mínimo de seis meses para desocupação, contado da assinatura do instrumento; II – o disposto no inciso II do art. 47, havendo prova escrita da rescisão do contrato de trabalho ou sendo ela demonstrada em audiência prévia;
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III – o término do prazo da locação para temporada, tendo sido proposta a ação de despejo em até trinta dias após o vencimento do contrato;
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IV – a morte do locatário da locação sem deixar sucessor legítimo na locação, de acordo com o referido no inciso I do art. 11, permanecendo no imóvel pessoas não autorizadas por lei; V – a permanência do sublocatário no imóvel, extinta a locação, celebrada pelo locatário; VI – o disposto no inciso IV do art. 9º, havendo a necessidade de se produzir reparações urgentes no imóvel, determinadas pelo poder público, que não possam ser normalmente executadas com a permanência do locatário, ou, podendo, ele se recuse a consenti-las; (Inciso acrescentado pela Lei nº 12.112/2009)
VII – o término do prazo notificatório previsto no parágrafo único do art. 40, sem apresentação de nova garantia apta a manter a segurança inaugural do contrato; (Inciso acrescentado pela Lei nº 12.112/2009) VIII – o término do prazo da locação não residencial, tendo sido proposta a ação em até 30 (trinta) dias do termo ou do cumprimento de notificação comunicando o intento da retomada; (Inciso acrescentado pela Lei 12.112/2009) IX – a falta de pagamento de aluguel e acessórios da locação no vencimento, estando o contrato desprovido de qualquer das garantias previstas no art. 37, por não ter sido contratada ou em caso de extinção ou pedido de exoneração dela, independentemente de motivo. (Inciso acrescentado pela Lei 12.112/2009) § 2º Qualquer que seja o fundamento da ação dar-se-á ciência do pedido aos sublocatários, que poderão intervir no processo como assistentes. § 3º No caso do inciso IX do § 1º deste artigo, poderá o locatário evitar a rescisão da locação e elidir a liminar de desocupação se, dentro dos 15 (quinze) dias concedidos para a desocupação do imóvel e independentemente de cálculo, efetuar depósito judicial que contemple a totalidade dos valores devidos, na forma prevista no inciso II do art. 62.
O primeiro novo caso acrescentado (inciso VI) trata-se de hipótese de segurança para o próprio inquilino e evento que acarreta no desfazimento da locação, segundo o art. 9º, sendo necessárias reparações urgentes decretadas pelo Poder Público. A segunda possibilidade, adicionada pela Lei nº 12.112/2009, ou seja, despejo liminar pelo término do prazo notificatório previsto no parágrafo único do art. 40, sem apresentação de nova garantia, em seu ponto mais importante, no estudo da exoneração do fiador no contrato por prazo indeterminado20, 20 Questão explanada na Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil (n. 67, set./out. 2010), que focou as mudanças materiais da lei de locação, intitulado de “Locação Urbana: enfoque material da Lei nº 12.112/2009”.
Art. 40. O locador poderá exigir novo fiador ou a substituição da modalidade de garantia, nos seguintes casos: I – morte do fiador; II – ausência, interdição, recuperação judicial, falência ou insolvência do fiador, declaradas judicialmente; (Redação dada pela Lei nº 12.112, de 2009) III – alienação ou gravação de todos os bens imóveis do fiador ou sua mudança de residência sem comunicação ao locador; IV – exoneração do fiador; V – prorrogação da locação por prazo indeterminado, sendo a fiança ajustada por prazo certo; VI – desaparecimento dos bens móveis; VII – desapropriação ou alienação do imóvel. VIII – exoneração de garantia constituída por quotas de fundo de investimento; (Incluído pela Lei nº 11.196, de 2005) IX – liquidação ou encerramento do fundo de investimento de que trata o inciso IV do art. 37 desta Lei; (Incluído pela Lei nº 11.196, de 2005) X – prorrogação da locação por prazo indeterminado uma vez notificado o locador pelo fiador de sua intenção de desoneração, ficando obrigado por todos os efeitos da fiança, durante 120 (cento e vinte) dias após a notificação ao locador. (Incluído pela Lei nº 12.112, de 2009)
Parágrafo único. O locador poderá notificar o locatário para apresentar nova garantia locatícia no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de desfazimento da locação. (Incluído pela Lei nº 12.112, de 2009)
A terceira inovação acrescenta liminar para ação de despejo pelo término do prazo da locação não residencial. O inciso VIII deste art. 59 versa sobre despejo liminar por denúncia vazia, ou seja, pelo simples fato do término do prazo contratual. Entende-se por “não residencial” a locação destinada à atividade empresarial, e nos contratos residenciais em que o inquilino seja pessoa jurídica, sendo o imóvel destinado para o uso de seus titulares, diretores, sócios, gerentes, executivos ou empregados (art. 55 da LI). Trata-se, também, de locação não residencial os imóveis utilizados por hospitais, unidades sanitárias oficiais, asilos, estabelecimento de saúde e de ensino autorizados e fiscalizados pelo Poder Público, bem como por entidades religiosas devidamente registradas. Mas quanto a estes imóveis, não caberá o despejo liminar, pois não podem ser rescindidos estes contratos por denúncia vazia21, devido ao seu caráter social e coletivo. Todos estes imóveis, inclusive os presentes em shopping centers, estão sujeitos, após o fim do prazo contratual, à ação de despejo liminar, sem necessidade de notificações ou de prazo para desocupação voluntária, desde que proposta a ação em 21 “Art. 53. Nas locações de imóveis utilizados por hospitais, unidades sanitárias oficiais, asilos, estabelecimentos de saúde e de ensino autorizados e fiscalizados pelo Poder Público, bem como por entidades religiosas devidamente registradas, o contrato somente poderá ser rescindido: I – nas hipóteses do art. 9º; II – se o proprietário, promissário comprador ou promissário cessionário, em caráter irrevogável e imitido na posse, com título registrado, que haja quitado o preço da promessa ou que, não o tendo feito, seja autorizado pelo proprietário, pedir o imóvel para demolição, edificação, licenciada ou reforma que venha a resultar em aumento mínimo de cinqüenta por cento da área útil.”
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convém, agora, apenas ampliarmos este aprendizado. Então, o despejo liminar caberá para todos os casos do art. 40 em que o prazo (30 dias) para apresentação de nova garantia, capaz de manter a segurança inaugural do contrato, tenha se acabado. São estas as dez possibilidades elencadas pelo art. 40 quanto à substituição das garantias locatícias:
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até trinta dias do término do prazo, “pelo simples fato de a devolução do imóvel ser uma obrigação imposta ao locatário (art. 23, III)”22. Mas, passados os trinta dias, a locação prorroga-se por prazo indeterminado23, exigindo-se, primeiro, a denúncia por escrito do locador e concessão de prazo de trinta dias para a desocupação, assim, não cumprida a devolução do imóvel, será cabível o pedido liminar de despejo. Vê-se que deverão ficar atentos os locatários de imóveis não residenciais, pois acertadamente a lei posiciona a locação não residencial em seu caráter empresarial, por isso mais rigorosa quanto ao cumprimento do prazo contratual, em respeito ao princípio da autonomia privada. Por último, a Lei nº 12.112/2009 institui liminar na ação de despejo por falta de pagamento. Sílvio de Salvo Venosa comenta com autoridade, necessária, que
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sua ausência no texto original da lei foi atribuída a cochilo do legislador e sua reparação vem somente agora após tantos anos de vigência. Trata-se, sem dúvida, do motivo mais imperioso para a desocupação imediata do imóvel, superando a urgência dos demais incisos. A falta de pagamento de aluguéis é a mais grave infração contratual e exige tratamento judicial rápido. O legislador, no entanto, não avançou tanto quanto se esperava, pois o despejo liminar somente é autorizado quando o contrato estiver desprovido das garantias locatícias possíveis.
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Naturalmente, não se sabe o porquê desta limitação da lei aos contratos sem garantia, mas pode-se imaginar que o 22 SCAVONE JUNIOR, Luiz Antonio. Op. cit., p. 79. 23 Prediz o art. 56: “Nos demais casos de locação não residencial, o contrato por prazo determinado cessa, de pleno direito, findo o prazo estipulado, independentemente de notificação ou aviso. Parágrafo único. Findo o prazo estipulado, se o locatário permanecer no imóvel por mais de trinta dias sem oposição do locador, presumir-se-á prorrogada a locação nas condições ajustadas, mas sem prazo determinado”.
medo de uma quantidade imensa de mandados de despejos limitou a vontade do legislador. Pois sabe-se que a maioria dos contratos de locação possui alguma garantia, devido ao grande risco do negócio, propiciado pela demora dos julgamentos judiciais e dos trâmites legais, tempo este que pode ser pesado demais para quem depende do aluguel para a subsistência da família, sendo esta a realidade para a maioria das pessoas. De toda forma, este inciso IX vem tardiamente, mas em boa hora. Ressalte-se que o § 3º do art. 59 determina que o locatário poderá evitar a rescisão da locação e elidir a liminar de desocupação se, dentro dos 15 (quinze) dias concedidos para a desocupação do imóvel e independentemente de cálculo, efetuar depósito judicial que contemple a totalidade dos valores devidos. Atenta-se que não basta requerer a purga da mora, exige-se o depósito em juízo da totalidade dos valores, que podem constituir pelos aluguéis vencidos, encargos (IPTU, taxa de lixo, contas de consumo de água e luz, seguro contra incêndio, taxas de condomínio), multas, juros de mora, custas e honorários advocatícios. Com a purga da mora, extingue-se o processo, sem o mandado de despejo, responsabilizando o inquilino pelos encargos sucumbenciais.
2.2 Mudanças no procedimento da ação de despejo por falta de pagamento e encargos As principais inovações introduzidas em relação à ação de despejo por falta de pagamento de aluguel e acessórios vieram para aperfeiçoamento da sistemática de purgação da mora nas locações em geral e adaptação à consolidada jurisprudência quanto à cumulação de pedido, e estão elencadas no art. 62 da Lei nº 8.245, sendo estas as mudanças:
REDAÇÃO ANTERIOR Art. 62. Nas ações de despejo fundadas na falta de pagamento de aluguel e acessórios da locação, observar-se-á o seguinte: I – o pedido de rescisão da locação poderá ser cumulado com o de cobrança dos aluguéis e acessórios da locação, devendo ser apresentado, com a inicial, cálculo discriminado do valor do débito; II – o locatário poderá evitar a rescisão da locação requerendo, no prazo da contestação, autorização para o pagamento do débito atualizado, independentemente de cálculo e mediante depósito judicial, incluídos: III – autorizada a emenda da mora e efetuado o depósito judicial até quinze dias após a intimação do deferimento, se o locador alegar que a oferta não é integral, justificando a diferença, o locatário poderá complementar o depósito no prazo de dez dias, contados da ciência dessa manifestação; IV – não sendo complementado o depósito, pedido de rescisão prosseguirá pela diferença, podendo o locador levantar a quantia depositada; Parágrafo único. Não se admitirá a emenda da mora se o locatário já houver utilizado essa faculdade por duas vezes nos doze meses imediatamente anteriores à propositura da ação.
A primeira modificação deste artigo está em seu caput, incluindo na ação de despejo o descumprimento de outras obrigações, aluguel provisório, diferenças de aluguéis ou exclusivamente os acessórios da locação, tais como condomínio, contas de consumo de água e luz, impostos, quando exigíveis no contrato. Assim, fundamenta a lei aquilo que os Tribunais já permitiam, podendo, por exemplo, o locador pedir o despejo baseado apenas no não pagamento do seguro contra incêndio, quando obrigatório em cláusula contratual.
O inciso I deste art. 62 esclarece quanto à cumulação, permitindo esta faculdade do credor em reunir os pedidos de despejo e cobrança, em respeito ao princípio da celeridade e economia processual, sem, contudo, impor esta condição. Assim, ensina Humberto Theodoro Júnior que “o uso da via executiva não é uma imposição ou um ônus de que não possa fugir o credor. Segundo a moderna teoria das tutelas jurisdicionais diferenciadas, a lei pode propiciar ao litigante não uma, mas diversas
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REDAÇÃO ATUAL Art. 62. Nas ações de despejo fundadas na falta de pagamento de aluguel e acessórios da locação, de aluguel provisório, de diferenças de aluguéis, ou somente de quaisquer dos acessórios da locação, observar-se-á o seguinte: (Redação dada pela Lei nº 12.112, de 2009) I – o pedido de rescisão da locação poderá ser cumulado com o pedido de cobrança dos aluguéis e acessórios da locação; nesta hipótese, citar-se-á o locatário para responder ao pedido de rescisão e o locatário e os fiadores para responderem ao pedido de cobrança, devendo ser apresentado, com a inicial, cálculo discriminado do valor do débito; (Redação dada pela Lei nº 12.112, de 2009) II – o locatário e o fiador poderão evitar a rescisão da locação efetuando, no prazo de 15 (quinze) dias, contado da citação, o pagamento do débito atualizado, independentemente de cálculo e mediante depósito judicial, incluídos: (Redação dada pela Lei nº 12.112, de 2009) a) os aluguéis e acessórios da locação que vencerem até a sua efetivação; b) as multas ou penalidades contratuais, quando exigíveis; c) os juros de mora; d) as custas e os honorários do advogado do locador, fixados em dez por cento sobre o montante devido, se do contrato não constar disposição diversa; III – efetuada a purga da mora, se o locador alegar que a oferta não é integral, justificando a diferença, o locatário poderá complementar o depósito no prazo de 10 (dez) dias, contado da intimação, que poderá ser dirigida ao locatário ou diretamente ao patrono deste, por carta ou publicação no órgão oficial, a requerimento do locador; (Redação dada pela Lei nº 12.112, de 2009) IV – não sendo integralmente complementado o depósito, o pedido de rescisão prosseguirá pela diferença, podendo o locador levantar a quantia depositada; (Redação dada pela Lei nº 12.112, de 2009) V – os aluguéis que forem vencendo até a sentença deverão ser depositados à disposição do juízo, nos respectivos vencimentos, podendo o locador levantá-los desde que incontroversos; VI – havendo cumulação dos pedidos de rescisão da locação e cobrança dos aluguéis, a execução desta pode ter início antes da desocupação do imóvel, caso ambos tenham sido acolhidos. Parágrafo único. Não se admitirá a emenda da mora se o locatário já houver utilizado essa faculdade nos 24 (vinte e quatro) meses imediatamente anteriores à propositura da ação. (Redação dada pela Lei nº 12.112)
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vias de acesso a tutela jurisdicional”24. E quanto à integração do fiador no polo passivo da demanda, a lei firma-se condizente com a corrente majoritária da jurisprudência25 que determina a citação do locatário para a ação de despejo (resolução) e de cobrança, e o fiador apenas para a ação de cobrança, uma vez que o despejo é realizado contra o imóvel, bem este possuído pelo locatário, estando o fiador como garantidor das obrigações locatícias. Esta inserção do fiador no polo passivo é fundamental, pois, não figurando como parte passiva na ação de despejo, a sentença não fará contra ele coisa julgada, portanto, não poderá o locador executar a dívida contra o patrimônio do garantidor. Interessante discernir que esta ausência do fiador na relação processual ordinária na extingui a fiança, mas sua exigência deverá ser alvo de outra ação judicial. Trata o inciso I, por último, que o cálculo da dívida deve ser apresentado, na inicial, discriminando o valor do débito para que o locatário possa ter oportunidade de purgar a mora.
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Quanto à purga da mora, para evitar e elidir o despejo, o locatário ou o seu fiador poderão, no prazo de quinze dias, contados da citação, pagar a dívida ou, se não concordar com a totalidade,
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24 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Inovações na lei do inquilinato: visão esquemática das alterações provocadas pela Lei nº 12.112, de 09.12.2009. Rio de Janeiro: GZ, 2010. p. 23. 25 “EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE DESPEJO – POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO COM COBRANÇA DE ALUGUÉIS, COM INSERÇÃO DO LOCATÁRIO E DO FIADOR NO PÓLO PASSIVO – RECURSO PROVIDO – A jurisprudência, notadamente do STJ, tem admitido a cumulação do pedido de despejo com a cobrança de aluguéis e acessórios, na mesma ação, contra o locatário e o fiador, nos termos do art. 62, I, da Lei nº 8.245/1991. Com efeito, em matéria de locação, raros são os contratos que não estão garantidos por fiança. De sorte que, se não houvesse como reunir, no mesmo processo tais pedidos contra o locatário e o fiador, seria letra morta o referido dispositivo legal.” (TJMG, Agravo de Instrumento nº 1.0024.09.472073-7/001(1), Rel. Des. Eduardo Mariné da Cunha, DJ 16.07.2009)
parte dela, caso em que o credor poderá impugnar, possuindo o réu prazo de dez dias para complementar o depósito. Não sendo integralmente complementado o depósito, o pedido de rescisão prosseguirá pela diferença, podendo o locador levantar a quantia depositada (inciso IV). Este direito à purga da mora está limitado a um período de 24 meses. Trata-se, no caso, de aplicação legal do principio do abuso de direito. A compreensão inicial do abuso de direito não se situa, nem deve se situar, como regra, em textos do direito positivo. A noção é supralegal. Decorre da própria natureza das coisas e da condição humana. Extrapolar os limites de um direito em prejuízo do próximo merece reprimenda em virtude de consistir em uma violação de princípios de finalidade da lei e equidade. No abuso de direito, sob a máscara de um ato legítimo esconde-se uma ilegalidade. Trata-se de um ato jurídico aparentemente lícito, mas que, levado a efeito se a devida regularidade, ocasiona um resultado tido como ilícito. A purgação de mora é um direito do devedor, mas sua reiteração pode converter-se num ato emulativo contra o credor, forçando-o continuamente a receber em juízo.26
Resume-se, deste modo, com o ensinamento perfeito de Sílvio de Salvo Venosa sobre o Direito e a boa-fé, que o parágrafo único do art. 62 versa sobre a repressão ao exercício abusivo da purga da mora, acertando a Lei nº 12.112 em restringir este direito a um período maior de vinte quatro meses.
2.3 Execução da sentença de despejo A lei modificada agora determina para a execução da sentença apenas um mandado judicial para a desocupação do imóvel, contendo, neste, prazo para a desocupação voluntária: Art. 63. Julgada procedente a ação de despejo, o juiz determinará a expedição de mandado de despejo, que conterá o prazo de 30 (trinta)
26 VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. cit., p. 293.
§ 1º O prazo será de quinze dias se: [...] b) o despejo houver sido decretado com fundamento no art. 9º ou no § 2º do art. 46. (Redação dada pela Lei nº 12.112, de 2009) [...].
Trata-se de adaptação coerente com o Código de Processo Civil que adotou o “procedimento sumário da executio per officium iudicis, no qual as medidas de cumprimento da sentença se seguem automaticamente ao decisório, sem maiores formalidades”27. Assim, o oficial de justiça, caso não seja cumprido o prazo para desocupação voluntária, estará desde já com o mandado de despejo, cumprindo a função de despejar o inquilino forçadamente, segundo o art. 65 da Lei nº 8.245/1991.
2.4 Execução provisória do despejo: dispensa da prestação da caução Desde a promulgação da Lei nº 8.245/1991, não se entendia o porquê da omissão do inciso III do art. 9º (desfazimento da locação quanto à falta de pagamento de alugueres e encargos) como hipótese de exceção para a prestação de caução na execução provisória de despejo, pois, como já dito, o não pagamento do aluguel é, sem dúvidas, uma infração contratual e legal28, constituindo-se a falta mais grave em um contrato de locação. 27 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Op. cit., p. 31. 28 “AÇÃO DE DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTO – EXECUÇÃO PROVISÓRIA – CAUÇÃO – DESNECESSIDADE – Indene de dúvida a falta de pagamento do aluguel e encargos constitui, uma infração contratual e legal. Por certo, se a lei não exige caução para a hipótese da ação de despejo com afincas em infração legal e/ou contratual, também não a po-
Este foi, também, o entendimento do legislador ao inserir todos os casos do art. 9º na dispensa da prestação de caução. Assim explicita, na justificação do Projeto de Lei nº 71/2007 da Câmara, o Deputado Federal José Carlos Araújo: Doutrina e jurisprudência entendem que o legislador cometeu um erro ao incluir, entre as hipóteses de dispensa da caução na execução provisória do despejo, apenas os incisos I, II e IV do art. 9º. Por meio de interpretação sistemática, vários Tribunais vêm dispensando também a prestação de caução na hipótese do inciso III do mesmo art. 9º, uma vez que a falta de pagamento (inciso III) constitui espécie de infração contratual (inciso II). Propõe-se retificar o dispositivo, esclarecendo-se, no art. 64, que prescinde de caução a execução provisória do despejo fundado em qualquer das hipóteses do art. 9º. Em condições tais, a caução fica mantida para situações realmente justificáveis, como na retomada por melhor oferta de terceiro ou para realização de obras.
Deste modo, a nova redação do art. 64 prediz: Salvo nas hipóteses das ações fundadas no art. 9º, a execução provisória do despejo dependerá de caução não inferior a 6 (seis) meses nem superior a 12 (doze) meses do aluguel, atualizado até a data da prestação da caução. (Redação dada pela Lei nº 12.112, de 2009) § 1º A caução poderá ser real ou fidejussória e será prestada nos autos da execução provisória. § 2º Ocorrendo a reforma da sentença ou da decisão que concedeu liminarmente o despejo, o valor da caução reverterá em favor do réu, como indenização mínima das perdas e danos, podendo este reclamar, em ação própria, a diferença pelo que a exceder.
Esta caução descrita neste artigo, nos termos do § 1º, não se trata necessariamente de garantia em dinheiro. A expressão utilizada na antiga redação grafava no caput a palavra “depósito”, modificada, agora, por “prestação”, condizendo com o parágraderá exigir para a falta de pagamento, por ser abarcada na mesma causa de pedir.” (TJMG, Agravo de Instrumento nº 1.0024.08.228054-6/001, Rel. Des. José Afonso da Costa Côrtes, DJ 12.03.2009)
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dias para a desocupação voluntária, ressalvado o disposto nos parágrafos seguintes. (Redação dada pela Lei nº 12.112, de 2009)
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fo subsequente e com a jurisprudência, que antes já permitia a prestação da caução por meio dos aluguéis vencidos29, do próprio imóvel locado ou qualquer outro bem ou crédito. Os recursos interpostos terão, nas ações locativas, apenas efeito devolutivo (art. 58, inciso V, da LI). Atenta-se que o locatário não poderá, por meio de mandado de segurança ou medida cautelar, sustar despejo já decretado. Assim, ensina-nos Sílvio de Salvo Venosa: “Deve o mandado de segurança ficar restrito às suas finalidades de remédio heroico e nunca ser entendido como uma modalidade recursal, ou para dar efeito suspensivo a recurso que não possui”30. Neste sentido é decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:
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EMENTA: MEDIDA CAUTELAR – AÇÃO DE DESPEJO CUMULADA COM COBRANÇA JULGADA PROCEDENTE, PENDENTE RECURSO DE APELAÇÃO – DESPEJO PROVISÓRIO – CAUÇÃO – SUBLOCAÇÃO – Não se presta o processo cautelar para suspender a execução provisória, considerando que a caução prestada deve ser discutida nos próprios autos da execução, com a interposição do agravo de instrumento, se for o caso, assim como a matéria da sublocação deveria ter sido tratada na ação de despejo, não tendo o autor legitimidade para defender eventuais interesses de terceiros. Inicial indeferida. Processo extinto com fundamento no art. 295, I, c/c o parágrafo único, inc. II, c/c o art. 267, inc. I, do CPC.31
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29 “EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE DESPEJO – EXECUÇÃO PROVISÓRIA – CAUÇÃO – ALUGUÉIS – POSSIBILIDADE – Pacífica a jurisprudência deste Tribunal de Justiça quanto à possibilidade da caução recair sobre o crédito dos aluguéis. Irrelevância de haverem outros feitos em andamento entre as mesmas partes. Valor da caução que deve observar o equivalente a doze meses de aluguel, nos termos do que pretende a própria locadora. Agravo de instrumento parcialmente provido.” (TJRS, Agravo de Instrumento nº 70008311144, Décima Sexta Câmara Cível, Rel. Helena Ruppenthal Cunha, J. 19.03.2004) 30 VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. cit., p. 299. 31 TJRS, Medida Cautelar Inominada nº 70010081164, Décima Sexta Câmara Cível, Rel. Helena Ruppenthal Cunha, J. 25.10.2004.
A caução firma-se como indenização mínima de perdas e danos. Ocorrendo a reforma da sentença ou da decisão que concedeu liminarmente o despejo, o valor da caução reverterá em favor do réu; caso o dano seja maior, poderá reclamar em ação de indenização por perdas e danos a diferença pelo que excedeu. Não existindo caução (casos elencado no art. 9º), caberá ao réu mover ação autônoma de indenização por perdas e danos, e reversão do despejo, alternativa pouco provável, mas que não pode ser descartada.
2.5 Alterações na ação revisional de aluguel A ação revisional de aluguel é tratada no art. 1932 da Lei do Inquilinato para os casos em que, na falta de comum acordo, se deseja a revisão do valor do aluguel judicialmente. Trata-se de ação muito utilizada em locações não residenciais, porque é comum estes aluguéis serem de maior valor, possuírem boa localização e estarem mais prostrados às leis da economia e a contratos regidos quase que em totalidade pelo princípio da autonomia privada, como os imóveis localizados em shopping centers. O aluguel durante o tempo da locação pode passar por períodos de inflação da economia que o torna fora do valor de mercado, caso mais comum, no qual o locador utiliza-se da ação revisional. Mas pode, também, o locatário fazer uso desta ação se se sentir lesado por estar o aluguel em valor exacerbado, por motivos de deflação, de depreciação do imóvel, obras públicas ou qualquer outro motivo que justifique a revisão. 32 “Art. 18. É lícito às partes fixar, de comum acordo, novo valor para o aluguel, bem como inserir ou modificar cláusula de reajuste. Art. 19. Não havendo acordo, o locador ou locatário, após três anos de vigência do contrato ou do acordo anteriormente realizado, poderão pedir revisão judicial do aluguel, a fim de ajustá-lo ao preço de mercado.”
Assim, prediz o novo texto do art. 68: Art. 68. Na ação revisional de aluguel, que terá o rito sumário, observar-se-á o seguinte: (Redação dada pela Lei nº 12.112, de 2009) I – além dos requisitos exigidos pelos arts. 276 e 282 do Código de Processo Civil, a petição inicial deverá indicar o valor do aluguel cuja fixação é pretendida; II – ao designar a audiência de conciliação, o juiz, se houver pedido e com base nos elementos fornecidos tanto pelo locador como pelo locatário, ou nos que indicar, fixará aluguel provisório, que será devido desde a citação, nos seguintes moldes: (Redação dada pela Lei nº 12.112, de 2009) a) em ação proposta pelo locador, o aluguel provisório não poderá ser excedente a 80% (oitenta por cento) do pedido; (Incluída pela Lei nº 12.112, de 2009) b) em ação proposta pelo locatário, o aluguel provisório não poderá ser inferior a 80% (oitenta por cento) do aluguel vigente; (Incluída pela Lei nº 12.112, de 2009) III – sem prejuízo da contestação e até a audiência, o réu poderá pedir seja revisto o aluguel provisório, fornecendo os elementos para tanto;
§ 1º Não caberá ação revisional na pendência de prazo para desocupação do imóvel (arts. 46, § 2º e 57), ou quando tenha sido este estipulado amigável ou judicialmente. § 2º No curso da ação de revisão, o aluguel provisório será reajustado na periodicidade pactuada ou na fixada em lei.
A mudança mais expressiva deste artigo se encontra nas audiências e na fixação do aluguel provisório. Agora há duas audiências, uma para conciliação e outra para instrução e julgamento, quando houver provas a produzir que a justifiquem, conciliando com o procedimento sumário que se caracteriza pela oralidade e imediatidade. Esta “se traduz no contato pessoal entre o juiz, as partes, seus procuradores e testemunhas, contato este que se estabelece em duas oportunidades, na audiência de conciliação e na de instrução, que, no entanto, agora é eventual”33. Humberto Teodoro Junior adverte sobre a verdadeira praticidade do rito sumário: Na verdade, a vantagem do rito sumário no processamento da ação revisional reside na audiência de conciliação, que estimula a solução negocial para a demanda, antes mesmo da instrução e até mesmo da contestação, com vantagens tanto para as partes como para a justiça. Se tiver de prosseguir o feito rumo à solução judicial, por falta de acordo entre os litigantes, as dificuldades e deficiências notórias do serviço judiciário emperrarão o procedimento sumário tanto ou mais do que as vicissitudes do procedimento ordinário. Se é a aceleração da prestação jurisdicional que o legislador persegue com a adoção do rito sumário nas ações revisionais de aluguéis, o êxito do programa legal está nas mãos dos juízes, de cujo esforço dependem basicamente a busca e o encontro da conciliação das partes.34
IV – na audiência de conciliação, apresentada a contestação, que deverá conter contraproposta se houver discordância quanto ao valor pretendido, o juiz tentará a conciliação e, não sendo esta possível, determinará a realização de perícia, se necessária, designando, desde logo, audiência de instrução e julgamento; (Redação dada pela Lei nº 12.112, de 2009)
O juiz poderá fixar o aluguel provisório, mediante pedido, antes da audiência de conciliação, baseando-se nos elementos fornecidos tanto pelo locador como pelo locatário, como, por exem-
V – o pedido de revisão previsto no inciso III deste artigo interrompe o prazo para interposição de recurso contra a decisão que fixar o aluguel provisório. (Incluído pela Lei nº 12.112, de 2009)
33 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. Código de processo civil interpretado. 7. ed. rev. e atual. Barueri, SP: Manole, 2008. p. 274. 34 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Op. cit., p. 38.
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A primeira alteração realizada na ação revisional de aluguel diz respeito ao rito processual. Adéqua-se, nos termos da Lei nº 9.245/1995, ao procedimento sumário e não mais sumaríssimo como estava na desatualizada redação do art. 68 da LI.
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plo, avaliações de corretores de imóveis, contratos de aluguéis vizinhos, pesquisas de entidades de classes, de administradores de imóveis e anúncios em jornais.
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Este aluguel provisório não poderá ser excedente a 80% (oitenta por cento) do pedido, na ação proposta pelo locador. E quando proposta pelo locatário, o aluguel provisório não poderá ser inferior a 80% (oitenta por cento) do aluguel vigente. Em exemplo prático, ao adotarmos literalmente a Lei, um aluguel vigente de R$ 10.000,00 poderá ser majorado provisoriamente, a pedido do locador, em até 80% do pedido, ou seja, se o pedido for de R$ 15.000,00, o aluguel provisório poderá ser no máximo até R$ 12.000,00. Contudo, se o pedido do locatário for de diminuição para R$ 5.000,00, este aluguel se fixará em valor não inferior a 80% do aluguel vigente, ou seja, R$ 8.000,00. Assim, as partes em tese conseguiriam um aumento ou uma diminuição de até R$ 2.000,00.
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2.6 Requisitos da ação renovatória e inclusão explícita da prova da idoneidade financeira do atual fiador Antes de se analisar as mudanças ocorridas na ação renovatória, compete listar os requisitos obrigatórios do direito à renovação compulsória do contrato de locação não residencial (art. 51 da LI), pois se trata de critérios precisos que, se não atendidos, cessam o contrato de pleno direito ao transcorrer o prazo determinado. Deste modo, o contrato de locação não residencial deverá ser por escrito e por prazo determinado, com prazo mínimo de cinco anos, admitindo-se a soma dos prazos ininterruptos37 dos contratos escritos. O locatário deve estar no mesmo ramo pelo prazo mínimo de três anos. Nisto, os parágrafos seguintes do art. 51 elucidam: § 1º O direito assegurado neste artigo poderá ser exercido pelos cessionários ou sucessores da locação; no caso de sublocação total do imóvel, o direito a renovação somente poderá ser exercido pelo sublocatário.
Por isso, perdura a leitura correta da doutrina e jurisprudência, “empreendido ao termo ‘pedido’ da redação original, que significa o valor do aumento ou da redução pretendidos”35.
§ 2º Quando o contrato autorizar que o locatário utilize o imóvel para as atividades de sociedade de que faça parte e que a esta passe a pertencer o fundo de comércio, o direito a renovação poderá ser exercido pelo locatário ou pela sociedade.
O réu poderá pedir a alteração do aluguel provisório, primeiramente, mediante pedido ao juiz36, sem prejuízo da contestação e até a audiência. Este pedido de revisão, agora, interrompe o prazo do agravo (inciso IV).
§ 3º Dissolvida a sociedade comercial por morte de um dos sócios, o sócio sobrevivente fica sub-rogado no direito a renovação, desde que continue no mesmo ramo.
35 SCAVONE JUNIOR, Luiz Antonio. Op. cit., p. 111. 36 “AGRAVO DE INSTRUMENTO – LOCAÇÃO – ALUGUEL PROVISÓRIO – FIXAÇÃO – PEDIDO DE REVISÃO – Em ação revisional de aluguel, uma vez fixado o aluguel provisório, o réu, se com ele não concordar, deve, nos termos do inciso III do art. 68 da Lei nº 8.245/1991, pedir ao juiz a revisão do valor, fornecendo elementos para tanto, e somente se não for atendido é que poderá manejar recurso de agravo.” (TJMG, Agravo de Instrumento nº 1.0024.08.251185-8/001, Rel. Des. Guilherme Luciano Baeta Nunes, DJ 17.03.2009)
§ 4º O direito a renovação do contrato estende-se às locações celebradas por indústrias e sociedades civis com fim lucrativo, regularmente constituídas, desde que ocorrentes os pressupostos previstos neste artigo. 37 “Locação comercial. Renovatória. Prazo de cinco anos. Contratos escritos separados por período de locação verbal. Accessio temporis. Inadmissibilidade. Descabimento. Exegese do art. 51, II, da Lei nº 8.245/1991. A accessio temporis admitida, expressamente, pelo art. 51, inciso II, não admite interrupção entre um contrato e outro, porque se emprega a expressão ‘ininterrupto’, ou seja, continuidade dos contratos escritos se somam.” (TJSP, 2º TACSP, Ap. c/ Rev. 647.218-00/8, 11ª Câmara, Rel. Artur Marques, DJ 29.07.2002)
Atenta-se para a importância do § 5º, pois se trata do requisito mais despercebido, sendo a causa que aflige os locatários que rigorosamente seguiram os demais requisitos, mas, por descuido ou desconhecimento, não proporam a ação renovatória em tempo hábil, ou seja, um ano, no máximo, ou, no mínimo, até seis meses antes que o contrato vença. Estes prazos são decadenciais. EMENTA: AÇÃO RENOVATÓRIA – LOCAÇÃO NÃO RESIDENCIAL – CONTRATO ESCRITO – PRAZO INDETERMINADO – ART. 51 DA LEI Nº 8.245/1991 – PRESSUPOSTO LEGAL – PRAZO DECADENCIAL – CARÊNCIA DE AÇÃO – EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO – AÇÃO DE DESPEJO – USO PRÓPRIO – LEI Nº 8.245/1991 – 1. O não atendimento aos requisitos essenciais e absolutamente indispensáveis, previstos na Lei nº 8.245/1991, inviabiliza ao locatário obter a renovação da locação de imóvel não residencial. 2. Não acontecendo a renovação do contrato, de forma expressa, fica a locação prorrogada tacitamente, por tempo indeterminado, na exata dicção do art. 56, parágrafo único, da Lei nº 8.245/1991, o que, à exegese do inciso I do art. 51 da mesma lei, impede a renovatória, impossibilitada, também, a aplicação do princípio da acessio temporis entre o contrato inicial e aquele em vigor, em razão de não mais existir a continuidade do pacto escrito. 4. O preceito contido no art. 53 da Lei nº 8.245/1991 não ofusca o pedido de despejo, formulado sob o fundamento de uso próprio do imóvel, a ser destinado como residência da entidade familiar.38
Ensina com magistralidade Caio Mário Pereira sobre o direito decadencial: Há direitos que trazem, em si, o germe da própria destruição. São faculdades condicionadas ao exercício dentro do tempo certo, e, então, o perecimento da relação jurídica é uma causa ínsita ao próprio direito que oferece esta alternativa: exerce-se no prazo estabelecido ou nunca mais.39 38 TJMG, Apelação Cível nº 1.0570.05.008326-2/001, Rel. Guilherme Luciano Baeta Nunes, DJ 03.07.2007. 39 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro:
Assim, a ação renovatória deve conter na petição inicial a prova do preenchimento dos requisitos do art. 51, bem como o cumprimento do art. 71 da Lei do Inquilinato: Art. 71. Além dos demais requisitos exigidos no art. 282 do Código de Processo Civil, a petição inicial da ação renovatória deverá ser instruída com: I – prova do preenchimento dos requisitos dos incisos I, II e III do art. 51; II – prova do exato cumprimento do contrato em curso; III – prova da quitação dos impostos e taxas que incidiram sobre o imóvel e cujo pagamento lhe incumbia; IV – indicação clara e precisa das condições oferecidas para a renovação da locação; V – indicação do fiador quando houver no contrato a renovar e, quando não for o mesmo, com indicação do nome ou denominação completa, número de sua inscrição no Ministério da Fazenda, endereço e, tratando-se de pessoa natural, a nacionalidade, o estado civil, a profissão e o número da carteira de identidade, comprovando, desde logo, mesmo que não haja alteração do fiador, a atual idoneidade financeira; (Redação dada pela Lei nº 12.112, de 2009) VI – prova de que o fiador do contrato ou o que o substituir na renovação aceita os encargos da fiança, autorizado por seu cônjuge, se casado for; VII – prova, quando for o caso, de ser cessionário ou sucessor, em virtude de título oponível ao proprietário. Parágrafo único. Proposta a ação pelo sublocatário do imóvel ou de parte dele, serão citados o sublocador e o locador, como litisconsortes, salvo se, em virtude de locação originária ou renovada, o sublocador dispuser de prazo que admita renovar a sublocação; na primeira hipótese, procedente a ação, o proprietário ficará diretamente obrigado à renovação.
A única mudança, realizada pela Lei nº 12.112/2009 neste artigo, está no inciso V, que possibilita pedir tanto ao fiador novo quanto ao fiador atual as comprovações documentais de sua idoneidade financeira. Forense, v. I, 2006. p. 690.
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§ 5º Do direito a renovação decai aquele que não propuser a ação no interregno de um ano, no máximo, até seis meses, no mínimo, anteriores à data da finalização do prazo do contrato em vigor.
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Para isso, pode-se exigir a juntada de certidões de distribuições de ações, certidões negativas de protestos, de serviços de proteção ao crédito, certidões recentes da matrícula de imóveis, que sejam suficientes para comprovar que o fiador novo ou atual possa garantir os aluguéis em mais um período contratual a ser renovado. Esta inclusão explica-se, nos termos da justificação do projeto de lei da Câmara, como necessária para restringir as interpretações da jurisprudência:
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Encontram-se na jurisprudência precedentes que interpretam o art. 71, V, no sentido de dispensar o locatário de comprovar a idoneidade financeira do fiador indicado quando for o mesmo do contrato renovado, exigindo tal comprovação somente quando houver substituição do fiador. A apresentação dessa prova, contudo, justifica-se em qualquer dessas hipóteses, pois, ao longo do prazo contratual (que, em caso de renovação compulsória, não é menor que cinco anos), o fiador pode sofrer redução substancial no seu patrimônio, enfraquecendo a garantia.
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Por fim, a Lei nº 12.112/2009 faz sua última modificação na atual Lei do Inquilinato. Trata-se da alteração do prazo para desocupação no caso de improcedência da ação renovatória. Não sendo renovada a locação, o juiz determinará a expedição de mandado de despejo, que conterá o prazo de trinta dias para a desocupação voluntária, desde que haja pedido na contestação (art. 74 da LI), pois, se não houver, o locador deverá mover ação própria. Antes da Lei nº 12.112/2009, o prazo era de seis meses, demasiadamente longo. “Geralmente, as ações renovatórias já são por si só demoradas, não se justificando mais o prazo de seis meses de permanência do locatário no imóvel. Nessa altura da desocupação, o inquilino teve tempo de sobra para tratar de sua mudança”40.
40 VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. cit., p. 354.
Doutrina
Interpretação Judicial Criativa em Direito Penal: da Teoria à Prática CHIAVELLI FACENDA FALAVIGNO
Graduada em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Mestre em Ciências Criminais, aprovada com voto de louvor, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Professora de Direito Penal, Direito Internacional e Criminologia das Faculdades João Paulo II (Passo Fundo/ RS), Professora de Legislação Penal Especial na Universidade do Contestado (Concórdia/ SC), Advogada.
RESUMO:Esse trabalho visa a abordar a interpretação judicial criativa, tema bastante recente e ainda pouco explorado pela doutrina nacional. Serão tratadas, nesse texto, de forma breve e objetiva, a definição do instituto e sua origem histórica, bem como a relação entre ele, o ativismo judicial e a hermenêutica jurídica. Na primeira parte do trabalho será analisada a possibilidade de utilização da interpretação judicial criativa em matéria penal, tendo em vista os limites do próprio ordenamento jurídico brasileiro. Ao final, por um viés prático, serão expostas manifestações do Supremo Tribunal Federal e de outros tribunais brasileiros em que foram usados, pelos julgadores, métodos de interpretação que podem ser considerados criativos. A metodologia utilizada nesse artigo consiste, primordialmente, em revisão bibliográfica das obras mencionadas nas referências do texto. Também foi realizada pesquisa prática,por meio de busca em sites de tribunais pátrios e de
conteúdo jurídico em geral.O objetivo desse trabalho é desenvolver exposições iniciais sobre a interpretação judicial criativa em matéria penal, possibilitando aos leitores um contato primeiro com o tema, tendo em vista que cada vez mais o ativismo se manifesta nas decisões do Judiciário brasileiro, porém carente de doutrina que o defina e o delimite.
SUMÁRIO: Introdução; 1 O que é interpretação judicial criativa?; 2 Histórico do instituto: a origem do ativismo judicial; 3 O papel da hermenêutica jurídica; 4 As possibilidades da criatividade em matéria penal; 5 Manifestações ilustrativas do protagonismo; nos tribunais brasileiros; Considerações finais; Referências.
INTRODUÇÃO Nos dias atuais, faz-se cada vez mais necessário o estudo do papel dos magistrados na aplicação do Direito, que tem sido uma construção diária do intérprete. O presente trabalho visa a elucidar alguns aspectos sobre o instituto da interpretação judicial criativa, principalmente pela influência que esta vem exercendo, inegavelmente, na cultura jurídica brasileira. A justificativa do estudo se deve a recentes decisões que têm sido proferidas, ainda que de forma pontual, pelo Supremo Tribunal Federal e os demais tribunais brasileiros, as quais visam não a aplicar a lei de forma literal, e sim a adaptá-la, com uso de criatividade, ao caso concreto. Tal procedimento pode até mesmo afastar o dispositivo legal quando se fizer necessário, de modo a buscar a solução mais justa.
Assim, a presente análise se centra, primeiramente, na conceituação do instituto e suas referências históricas para introduzir o leitor ao debate acerca do tema em comento. Após o desenvolvimento, analisa-se, por fim, manifestações práticas, que ilustram essa inovadora teoria interpretativa.
1 O QUE É INTERPRETAÇÃO JUDICIAL CRIATIVA? Antes de abordar especificamente a interpretação judicial criativa é preciso salientar que o tema, em sua origem, possui forte influência do chamado ativismo judicial. Entende-se por ativismo judicial, de acordo coma doutrina de Miarelli e Lima, o papel criativo de tribunais ao contribuírem, de forma inovadora, para a construção do Direito, decidindo sobre as peculiaridades do caso concreto e formando, por conseguinte, o precedente jurisprudencial, de forma antecipada à edição da lei1. Isso ocorre, em grande parte dos casos, quando a norma não possui mais a capacidade de atender às necessidades atuais da sociedade, sendo preciso a ampliação do protagonismo do intérprete.
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É preciso destacar que, nesse processo criativo, o juiz não pode decidir de forma meramente subjetiva, ou seja, apenas com base em sua consciência. Deve, sim, atuar em estrita observância aos princípios e demais disposições normativas do ordenamento.
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O estudo do ativismo, principalmente no Brasil, tem-se dado com ênfase no direito constitucional, principalmente devido ao protagonismo do Supremo Tribunal Federal. Este, por meio de condutas ativas, tem adaptado os preceitos e as garantias presentes na Constituição às diversas mudanças sociais, culturais e econômicas ocorridas na sociedade atual. 1 MIARELLI, Mayra Marinho; LIMA, Rogério Montai de. Ativismo judicial e a efetivação de direitos no Supremo Tribunal Federal. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2012. p. 9.
Conforme apregoa o Ministro Celso de Mello, as práticas ativistas do Poder Judiciário se justificam na medida em que a criação jurisprudencial do direito garante a supremacia da Constituição, muitas vezes desrespeitada pela omissão dos poderes públicos. Desde que usadas moderadamente, tais práticas tornam-se uma necessidade institucional quando órgãos públicos se omitem2 ou retardam excessivamente o cumprimento de deveres que estão em sua alçada por expressa determinação constitucional, não podendo o Poder Judiciário manter-se passivo. E conclui: A omissão do Estado – que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposição ditada pelo Texto Constitucional – qualifica-se como comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência (ou insuficiência) de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental [...].3 2 Sobre a omissão como configuradora de grave dano à Constituição, passível de controle pelo Supremo Tribunal Federal por meio do preenchimento de lacunas, cita-se precedentes memoráveis da referida Corte: “EMENTA: DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO – MODALIDADES DE COMPORTAMENTOS INCONSTITUCIONAIS DO PODER PÚBLICO – O desrespeito à Constituição tanto pode ocorrer mediante ação estatal quanto mediante inércia governamental. A situação de inconstitucionalidade pode derivar de um comportamento ativo do Poder Público, que age ou edita normas em desacordo com o que dispõe a Constituição, ofendendo-lhe, assim, os preceitos e os princípios que nela se acham consignados. Essa conduta estatal, que importa em um facere (atuação positiva), gera a inconstitucionalidade por ação. Se o Estado deixar de adotar as medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a torná-los efetivos, operantes e exequíveis, abstendo-se, em consequência, de cumprir o dever de prestação que a Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do Texto Constitucional. Desse non facere ou non praestare, resultará a inconstitucionalidade por omissão, que pode ser total, quando é nenhuma a providência adotada, ou parcial, quando é insuficiente a medida efetivada pelo Poder Público [...]” (ADI 1458 MC, Rel. Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, J. 23.05.1996, DJ 20.09.1996, p. 34531; Ement., v. 01842-01, p. 00128). 3 MELLO FILHO, José Celso de. O Supremo Tribunal Federal e a defesa das
No que tange ao alegado dano à separação de poderes com o atual destaque do Judiciário, Miarelli e Lima aduzem que a tensão entre os Poderes pode ser considerada apenas aparente. Afinal, ambos, Legislativo e Judiciário, buscam, a seu modo e como um objetivo comum, concretizar o que a Constituição expressa. Assim, o magistrado que decide com autonomia é fator primordial para a proteção dos direitos fundamentais, e também para a preservação do princípio democrático5, eis que essa autonomia é pressuposto da divisão ou separação dos poderes. Admitindo a colaboração essencial à compreensão do tema que o direito constitucional proporciona, toma-se o espaço necessário para apontar a direção pretendida nesse trabalho, que é verificar ao final, pelo viés teórico e prático, as possibilidades que o juiz ativista encontra para exercer essa postura nas matérias criminais. Assim leciona Feldens sobre a necessária ingerência do Poder Judiciário para a tutela das máximas constitucionais no Direito Penal: “De fato, se em um Estado constitucional toda a atividade legislativa e jurisdicional está (deve estar) orientada a liberdades públicas sob a Constituição de 1988: alguns tópicos relevantes. In: PAULSEN, Leandro (Org.). Repercussão geral no recurso extraordinário: estudos em homenagem à Ministra Ellen Gracie. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. p. 16. 4 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 5. ed. rev., atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 54/56. 5 MIARELLI, Mayra Marinho; LIMA, Rogério Montai de. Op. cit., p. 23
uma interpretação conforme a Constituição, e mais precisamente a uma interpretação conforme os direitos fundamentais [...]”6. Como deve o magistrado criminal ativista comportar-se diante da norma penal que não contempla as garantias fundamentais do acusado? Pode esse magistrado, em exercício de interpretação abertamente criativa, usar de hermenêutica para solucionar o caso concreto? Essas poucas linhas não detêm a pretensão de exaurir definitivamente a questão, mas é possível que se comece a vislumbrar alternativas doutrinárias que dão azo a uma resposta, ao menos aparentemente, positiva. A expressão ativismo judicial encontra-se umbilicalmente conectada com os direitos fundamentais, compreendendo o juiz que decide de forma a conferir eficácia a esses direitos. Qualquer postura ativa do magistrado que vá de encontro ao que apregoam tais garantias pode ser qualquer coisa, à exceção do tema tratado no presente artigo. Logo, pode-se concluir que a função principal do juiz consiste em realizar julgamentos sempre submetidos à lei. Porém, nos casos de omissão legislativa, sem que se incluam as hipóteses de decisões autoritárias ou excessivamente subjetivas, a melhor forma de atuação dos tribunais seria fazer uso de uma conduta ativa, voltada à efetivação dos direitos fundamentais do cidadão7, e tornando-se assim também fonte de criação do direito. E, em princípio, também não deve ser outro o pensamento que guia o juiz no deslinde dos casos que envolvem Direito Penal. 6 FELDENS, Luciano. Direitos fundamentais e direito penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 52. 7 MIARELLI, Mayra Marinho; LIMA, Rogério Montai de. Op. cit., p. 25.
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O estudo do ativismo judicial se relaciona com a importância dos direitos fundamentais dispostos na Constituição, os quais exigem do Estado uma postura positiva, consistente na prestação de meios para torná-los exequíveis, mas também uma postura negativa, que exige omissões estatais de ingerência na vida do indivíduo4.
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2 HISTÓRICO DO INSTITUTO: A ORIGEM DO ATIVISMO JUDICIAL Admitindo-se que a tradição do Direito brasileiro é voltada à positivação dos textos legais, o que resulta muitas vezes em um excesso de leis,causa estranhamento o uso, nos tribunais pátrios, de um mecanismo interpretativo que permita ao magistrado assumir papel de verdadeiro protagonista no processo de construção do direito.
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O ativismo judicial surge pela primeira vez nos Estados Unidos da América, na Common Law. Isso significa, como ponto primordial, a consideração da jurisprudência como principal fonte de criação do direito. O primeiro caso julgado pela Suprema Corte norte-americana que se tornou um marco foi o que se denominou Marbury v. Madison8, em 18039. Nesse julgado, a Constituição foi assumida como norma fundamental disciplinadora da organização estatal, elencando os direitos indisponíveis dos cidadãos10.
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8 Marbury was the first Supreme Court case to apply the emergent doctrine of judicial review to a congressional statute (HALL, Kermit L., (ed. in chief). The Oxford Companion to the Supreme Court of the United States.Oxford: Oxford University Press, 1999. p. 521). 9 MIARELLI, Mayra Marinho; LIMA, Rogério Montai de. Op. cit., p. 159. 10 Bem explicita essa compreensão obra de Ronald Dworkin, que comenta as principais decisões da Suprema Corte norte-americana, publicada quase dois séculos após a decisão paradigmática citada no texto: a situação é muito diferente quando não estamos fundando uma nova prática constitucional, mas sim interpretando uma prática estabelecida. Nesse caso, a autoridade já foi distribuída pela história e os detalhes da responsabilidade institucional dependem de uma interpretação e não de uma criação a partir do nada. Nessas circunstâncias, a rejeição da premissa majoritária nos liberta para procurar a melhor interpretação com a mente mais aberta: não temos nenhuma razão de princípio que nos obrigue a encaixar nossas práticas num molde majoritário qualquer. Se a interpretação mais direta da prática constitucional norte-americana mostra que nossos juízes são dotados da autoridade interpretativa final e que eles, em sua maioria, compreendem a Declaração de Direitos como uma
O termo ativismo judicial foi citado pela primeira vez também nos Estados Unidos, no ano de 1947, quando o jornalista Arthur Schlesinger Jr., em artigo publicado na revista Fortune, nomeou assim a atuação da Suprema Corte norte-americana. O referido texto dividia os juízes da Suprema Corte entre aqueles que adotavam a postura ativista e os que mantinham condutas contidas em suas decisões11. Conforme Canotilho, na doutrina americana identifica-se duas correntes em sede de interpretação constitucional: a dos interpretativistas e a dos não interpretativistas. De acordo com a primeira, o juiz deve interpretar a norma constitucional limitando-se a captar o sentido de preceitos nela expressos12. Já as correntes não interpretativistas defendem que é possível − e até mesmo necessário − que o juiz invoque princípios substantivos, como a liberdade e a justiça, contra atos de competência do legislador que se encontrem em desconformidade com a Carta Maior13. Por meio da aceitação da segunda corrente, depreende-se o caráter contramajoritário do Poder Judiciário14, eis que cabe a ele a proteção da Constituição, principalmente no que tange aos valores e direitos fundamentais lá expressos. Assim, a função primordial do magistrado é a de decidir de maneira a que esses constituição de princípios – se é essa a melhor explicação das decisões que os juízes efetivamente tomam e que o público em sua maioria aceita –, não temos motivo algum para resistir a essa leitura e nos esforçar para encontrar outra que pareça mais compatível com a filosofia majoritária (DWORKIN, Ronald. O direito da liberdade: a leitura moral da Constituição norte-americana. Trad. Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 53/54). 11 MIARELLI, Mayra Marinho; LIMA, Rogério Montai de. Op. cit., p. 159. 12 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. 7 reimp. Coimbra: Almedina, 2003. p. 1195. 13 Idem, p. 1196. 14 FELDENS, Luciano. Op. cit., p. 57.
3 O PAPEL DA HERMENÊUTICA JURÍDICA Interpretar é a tarefa de atribuir sentido, de descrever fenômenos do cotidiano.Conforme se depreende da obra de Focault, é preciso primeiro admitir que a palavra é limitada, incapaz de descrever, em sua plenitude, o que o intérprete vê: Não que a palavra seja imperfeita e esteja, em face do visível, num déficit que em vão se esforçaria por recuperar. São irredutíveis uma ao outro: por mais que se diga o que se vê, o que se vê não se aloja jamais no que se diz, e por mais que se faça ver o que se está dizendo por imagens, metáforas, comparações, o lugar onde estas resplandecem não é aquele que os olhos descortinam, mas aquele que as sucessões da sintaxe definem.15
Tendo-se em vista que a interpretação se dá a partir dos enunciados fornecidos pela hermenêutica16, a promulgação das leis não esgota a construção do direito. A interpretação do juiz irá delimitar o sentido e o alcance dos textos legais, e ambos, interpretação e texto, por conseguinte, se complementarão17. Segundo Streck, é tarefa não só do juiz, mas também da crítica do direito, ultrapassar essas limitações hermenêuticas: “O direito deve ser compreendido não como uma sucessão de textos com sentidos latentes, pré-construídos, (re)clamando apenas que o intérprete-hermeneuta lhes dê vida, e sim, como textos que permanentemente (re)clamam sentido [...]”18. 15 FOCAULT, Michel. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. Trad. Salma Tannus Muchail. 8. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 12. 16 MIARELLI, Mayra Marinho; LIMA, Rogério Montai de. Op. cit., p. 177. 17 Idem, p. 179. 18 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. 3. ed. rev. Porto Alegre: Livraria
Essa postura do intérprete que não se atenta à crítica e à criatividade parece ser uma das causas de ainda não se ter desvelado o sentido do Texto Constitucional, mesmo após mais de vinte anos de sua promulgação19. Deduz-se, por conseguinte, que a efetivação da Constituição depende do hermeneuta – no caso, o juiz. Para o juiz ativista, os textos legais lhe são úteis somente enquanto colaboram, e não dificultam, a realização dessa tarefa20. Nesse sentido, é possível vislumbrar uma intersecção entre interpretação criativa e as possibilidades da hermenêutica quando se considera que a postura ativista do magistrado é limitada pela teleologia da norma constitucional, sendo o texto da lei apenas válido quando não se contrapõe a ela21. Assim, a viabilidade de afastamento da lei que não se conforma ao Texto Constitucional é inegável. Aparentemente, pode ser aceito o ativismo como ação interpretativa dirigida à construção do Direito, sempre orientada e limitada pelo que dispõem as normas e os princípios constitucionais.
4 AS POSSIBILIDADES DA CRIATIVIDADE EM MATÉRIA PENAL Inicia-se aqui a segunda parte desse trabalho, em que se relacionará o tema até então estudado com as possibilidades de sua do Advogado, 2001. p. 230/233. 19 STRECK, Lenio Luiz. Op. cit., p. 109. 20 FALAVIGNO, Chiavelli. A interpretação judicial criativa pro reo em direito penal. Porto Alegre: Núria Fabbris, 2015. p. 154. 21 De modo mais simples, é preciso comunicar esse óbvio (jurídico) de que um texto normativo só será válido se estiver em conformidade com a materialidade exsurgente da proposta civilizatória que é o Estado Democrático de Direito (Idem, p. 137).
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mesmos direitos encontrem-se preservados, ainda que isso signifique posicionar-se contra a vontade da maioria.
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aplicação em matérias de Direito Penal. Para tanto, é necessário que se exponham os princípios rígidos que orientam o sistema de direito criminal vigente no País, sabendo-se, portanto, que a incidência do ativismo judicial, além de limitada por uma teleologia constitucional, deverá dar-se também em respeito aos estreitos ditames desse sistema penal.
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No breve espaço desse artigo, é preciso que se eleja um autor que analise, de forma satisfativa, as principais máximas norteadoras do ordenamento penal pátrio. A escolha acadêmica feita nesse trabalho é pelos ensinamentos de Francisco de Assis Toledo. Para traçar um primeiro quadro de garantias rígidas do sistema, o autor refere os princípios que delimitam a lei penal no tempo (principalmente a irretroatividade), os que delimitam a lei penal no espaço (territorialidade, personalidade, da defesa e da universalidade ou justiça universal) e os que delimitam a aplicação da lei em si22. Esses últimos serão objetos de análise mais aprofundada nesse momento.
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O princípio da legalidade ou da reserva legal pode ser considerado a espinha dorsal do ordenamento penal brasileiro. Adotando-se a metodologia de Assis Toledo, tal princípio desdobra-se em quatro ditames principais: a exigência de lei prévia (exigência de lei anterior), escrita (hipótese de exclusão e de admissibilidade de costumes), estrita (hipótese de exclusão e admissibilidade de analogia) e certa. Só é possível conceber-se a aplicação – e, por consequência, a interpretação – do Direito Penal, com a preservação dessas características, sob pena de que este perca sua natureza essencial. Explicita o autor, sobre a abrangência do princípio da legalidade: O princípio da legalidade, segundo o qual nenhum fato pode ser considerado crime e nenhuma pena criminal pode ser aplicada, sem que
22 ASSIS TOLEDO, Francisco. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1994. p. XIII.
antes desse mesmo fato tenham sido instituídos por lei o tipo delitivo e a pena respectiva, constitui uma real limitação ao poder estatal de interferir na esfera das liberdades individuais. [...] Funda-se na ideia de que há direitos inerentes à pessoa humana que não são nem precisam ser outorgados pelo Estado. Sendo assim, e como não se pode negar ao Estado o poder de estabelecer certas limitações ou proibições, o que não estiver proibido está permitido (permittiturqod non prohibetur). Daí a necessidade de editarem-se proibições casuísticas, na esfera penal, o que, segundo o princípio em exame, compete exclusivamente à lei.23
Assim, delimitadas, de forma breve, as características essenciais e irrenunciáveis do sistema penal adotado no Brasil, passa-se a analisar algumas decisões de tribunais brasileiros que podem ser consideradas ativistas em matéria criminal, as quais vêm ao encontro do exposto nesse texto.
5 MANIFESTAÇÕES ILUSTRATIVAS DO PROTAGONISMO NOS TRIBUNAIS BRASILEIROS Como último ponto desse trabalho, essencial exporem-se algumas manifestações ilustrativas, ocorridas nos tribunais brasileiros, em que se pode reconhecer traços de uma postura ativista. Objetiva-se, com essa análise, ilustrar o tema exposto, fomentando o debate sobre a ocorrência cada vez mais frequente dessa prática no Brasil. O protagonismo do Judiciário pode ser verificado em várias searas. Uma delas é a execução penal, cuja melhoria estaria entre as funções de um moroso Poder Executivo. São frequentes as notícias que mostram o Supremo Tribunal Federal em uma atitude de liderança e inovação em projetos sobre o tema24, o que já o levou a reconhecer a possibilidade de prisão domiciliar 23 Idem, p. 21/22. 24 Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe. asp?idConteudo=290885>. Acesso em: 29 maio 2015.
Ainda, recentemente foram realizadas as chamadas audiências de custódia, que visam a reduzir o uso exacerbado da prisão preventiva no Brasil26. Novamente, em que pesem as mudanças legislativas recentes ocorridas nessa seara, a prática inicial do procedimento se deu pela atuação marcante do Conselho Nacional de Justiça. No que tange especificamente à ocorrência do protagonismo em decisões, ilustrando o uso da interpretação judicial criativa pro reo em Direito Penal, podem-se citar julgados que relativizaram a presunção absoluta de vulnerabilidade no caso de conjunção carnal com menores de 14 anos27, a aplicação da teoria da perda de uma chance – de natureza eminentemente civilista – no processo penal28, o reconhecimento da tentativa de estupro no caso de prática de ato diverso da conjunção carnal em razão do reconhecimento de ausência de proporcionalidade no tipo penal29, ou mesmo a aplicação de nova transação penal para usuário de drogas (art. 28 da Lei nº 11.343/2006) antes de decorrido o prazo de prova de cinco anos, exigido pelo art. 76 da Lei nº 9.099/1995, o que tem ocorrido com frequência em audiências preliminares no Estado do Rio Grande do Sul30. 25 Um dos casos mais conhecidos é o Habeas Corpus nº 107810, de 2012. Atualmente, há vários julgados nesse mesmo sentido. 26 Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe. asp?idConteudo=283498>. Acesso em: 30 maio 2015. 27 Disponível em: <http://justificando.com/2015/04/13/homem-que-namorava-menina-de-13-anos-e-absolvido/>. Acesso em: 29 maio 2015. 28 Disponível em: <http://emporiododireito.com.br/juiz-aplica-em-sentenca-a-teoria-da-perda-de-uma-chance/>. Acesso em: 29 maio 2015. 29 Julgados nºs 70059017343, 70060012671 e 70050641158 do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. 30 A justificativa para essa aplicação se dá pelo fato de que o art. 28 da
Pode-se citar, ainda, a não aplicação das penas previstas no art. 273, § 1º-B, V, do Código Penal, no caso de manejo de produtos terapêuticos ou medicinais de procedência ignorada, tendo em vista o reconhecimento da desproporcionalidade da sanção. O Superior Tribunal de Justiça passou a aplicar, para esses casos, a pena do delito de tráfico, com possibilidade de incidência de sua forma privilegiada31.
CONSIDERAÇÕES FINAIS Com o exposto nesse texto, conclui-se que a interpretação judicial criativa e ativista é fenômeno que começa a tomar forma no Direito brasileiro, devendo, por conseguinte, despertar o interesse dos estudiosos de todas as searas jurídicas. A partir do raciocínio construído nesse artigo, porém sem pretensão de tornar definitiva a resolução do problema, é possível vislumbrar-se uma legitimidade, ao menos aparente, em relação ao uso do protagonismo judicial em decisões penais. Contudo, esse procedimento deve dar-se por meio da utilização de uma hermenêutica constitucionalmente orientada, bem como preservando as disposições rígidas de legalidade do ordenamento penal pátrio, o que torna inviável o recrudescimento das situações punitivas. Assim, a interpretação judicial criativa em Direito Penal deve seguir a única via possível em um Estado Democrático de Direito, qual seja a que aumenta as garantias do acusado. Apenas Lei nº 11.343/2006 não prevê qualquer modalidade de pena privativa de liberdade, sendo que,dessa forma, a transação não seria propriamente um benefício gerador de impunidade no caso de reiteração da conduta delituosa. 31 STJ, Corte Especial, AI-HC 239.363/PR, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, J. 26.02.2015. Info 559.
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devido às más condições do cárcere e à rotineira ausência de vagas no sistema prisional25.
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assim pode-se advogar pela sua legitimidade, orientando, pela teoria, procedimento que já ocorre com frequência na prática cotidiana dos tribunais brasileiros.
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Doutrina
Alternativas Legais para a Problemática do Saldo Credor Acumulado de ICMS IVO RICARDO LOZEKAM
Tributarista, Diretor da Lozekam Consultoria Ltda.
RESUMO: O ICMS é o imposto que mais onera as empresas brasileiras. Não obstante responder por 1/4 da arrecadação total da carga tributária nacional, diversas empresas ainda contam com saldo credor acumulado deste imposto junto à Fazenda, pelo fato de terem recolhido ICMS a maior do que o devido. Se faz necessária uma análise criteriosa da legislação para poder compensar ou transferir este saldo credor, sempre com a homologação prévia do Fisco, para a devida segurança da operação. No Estado de São Paulo, as operações de importação por conta e ordem de terceiros representam, entre outras, uma destas alternativas.
If a careful analysis of the legislation in order to compensate or transfer this credit balance, always with prior approval of the tax authorities, due to the safety of the operation is necessary In São Paulo, operations operação por conta e ordem de terceiros, behalf of third parties represent, among others, one of these alternatives. KEYWORDS: ICMS credits; creditor balance of ICMS; transfer ICMS; ICMS on imports; deferral; customs clearance.
INTRODUÇÃO CENÁRIO DO CUSTO TRIBUTÁRIO A carga tributária brasileira é uma das mais altas, tanto entre as nações em desenvolvimento quanto entre as nações industrializadas. Nosso sistema tributário brasileiro atual é uma colcha de retalhos, e que a poucos é dada compreender, dada a diversidade e complexidade de sua aplicação, provocando brutal injustiça tributária, e, por consequência, a sonegação e corrupção desenfreada.
PALAVRAS-CHAVE: Créditos de ICMS; saldo credor de ICMS; transferência de ICMS; ICMS nas importações; diferimento; desembaraço aduaneiro.
No particular do ICMS, tributo objeto do presente trabalho, temos 26 regulamentos diferentes entre si, um para cada unidade da Federação, todos com alterações semanais, quando não alterações diárias em sua redação.
ABSTRACT: The ICMS tax is levied on most Brazilian companies. Nevertheless account for 1/4 of the total revenues of the national tax burden, many companies still rely on accumulated credit balance of this tax from the farm, because they have collected GST to greater than due.
Segundo estudos da Abimaq – Associação Brasileira da Indústria de Máquinas, ficou constatado que o Custo Brasil encarece em média 36,27% o preço do produto brasileiro em relação aos seus similares fabricados na Alemanha e nos Estados Unidos.
O Departamento de Competitividade e Tecnologia da Fiesp comprova que um bem manufaturado nacional é, em média, 34,2% mais caro que o seu similar importado dos principais parceiros comerciais do Brasil. Segundo o site www.impostometro.com.br, divulgado pela Associação Comercial de São Paulo e auditado pelo IBPT – Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, até outubro de 2014 a arrecadação total de impostos no Brasil totaliza 1 trilhão e 340 bilhões de reais. Sendo o ICMS responsável por quase um quarto deste montante, 322 bilhões de reais.
O ICMS NESTE CENÁRIO
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O ICMS – Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Serviços é, sem dúvida alguma, o imposto de maior arrecadação no País: 322 bilhões de reais.
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Para os Estados, este imposto é o principal instrumento de autonomia política e financeira, considerando o montante arrecadado mensalmente. Isto explica a incrível resistência de qualquer reforma que vise a alterar fundamentos das regras constitucionais na Constituição Federal de 1988. Há um temor explícito de regresso aos tempos de dependência financeira e, portanto, política dos entes federados à União, sob o pretexto de um ICMS unificado. Além da incidência sobre operações mercantis, o ICMS também tem a sua incidência nos serviços de transporte, comunicação, produção de combustíveis, energia elétrica e extração de minerais, e sobre o desembaraço aduaneiro de importações de mercadorias do exterior. Neste trabalho vamos procurar abordar, de uma forma mais didática possível, os seguintes tópicos:
i) O funcionamento prático do ICMS dentro do princípio constitucional da não cumulatividade; ii) A problemática do acúmulo de saldo credor acumulado de ICMS das empresas para com o Fisco estadual, por esta impedir que aconteça o princípio constitucional da não cumulatividade; iii) As diferentes hipóteses de acúmulo de saldo credor de ICMS; iv) Algumas possibilidades de transferência de saldo credor entre as empresas, permitidas no Estado de São Paulo; v) As operações de importação por conta e ordem de terceiros, como alternativa para transformar o saldo credor de ICMS na escrita fiscal em recursos financeiros.
O ICMS E SUA NÃO CUMULATIVIDADADE O ICMS tem, na essência de sua matriz constitucional, o princípio da não cumulatividade. Visando a evitar o “efeito cascata”, a Constituição Federal determina que “o imposto será não cumulativo, compensando-se o que for devido a cada operação relativa à circulação de mercadorias e serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo outro Estado ou Distrito Federal” (art. 155, § 2º, inciso I, da CF 1988). A Constituição Federal também determina que caberá à lei complementar disciplinar o regime de compensação do ICMS (art. 155, XIII, c). A Lei Complementar nº 87/1996, também conhecida como Lei Kandir, não disciplina o regime de compensação conforme lhe facultou a Carta Magna de 1988, e sim outorgou esta competência às unidades federativas, as quais, por seu turno, têm agido de modo discricionário, de modo a limitar ou impedir
A característica da não cumulatividade significa que do imposto pago nas entradas (crédito fiscal) será descontado o imposto cobrado nas saídas (débito fiscal). Desta forma, o imposto é devido sobre o valor agregado em cada fase da cadeia produtiva de um produto.
FUNCIONAMENTO PRÁTICO DO ICMS Temos, então, dentro deste princípio da não cumulatividade, que o imposto é devido sobre o valor agregado em cada fase da cadeia produtiva de um produto. Vamos procurar demonstrar isto por meio de um exemplo prático: Considerando: i) A cadeia produtiva de um determinado produto; ii) Que o ICMS está incluso no valor do preço de venda; e iii) A alíquota de 17% em todas as operações. – A Empresa “A” é uma indústria extrativa (explora recursos naturais) e vende o seu produto para a empresa “B” por R$ 100,00, com ICMS de R$ 17,00; – A Empresa “B” é uma indústria de transformação e vende o seu produto para a Empresa “C” por R$ 245,00, com ICMS de R$ 41,65; – A Empresa “C” é um comércio e vende o seu produto para o consumidor final por R$ 500,00, com ICMS de R$ 85,00.
Desta forma: i) Empresa “A”, ao vender para Empresa “B”, cobra R$ 17,00 de ICMS e recolhe ao Estado; ii) Empresa “B”, ao vender para Empresa “C”, cobra R$ 41,65 de ICMS e, pela não cumulatividade, desconta os R$ 17,00 de ICMS pagos a empresa “A” e recolhe ao Estado a diferença de R$ 24,65; iii) Empresa “C”, ao vender para o consumidor final, cobra R$ 85,00 de ICMS e, pela não cumulatividade, credita os R$ 41,65 pagos a Empresa “B” e recolhe ao Estado a diferença de R$ 43,35. Assim, o Estado arrecada de ICMS: i) R$ 17,00 da Empresa “A”; ii) R$ 24,65 da Empresa “B”; iii) R$ 43,35 da Empresa “C”; iv) R$ 85,00 no total. Quem paga o ICMS de R$ 85,00 é o consumidor final, visto que o ICMS de toda a cadeia produtiva do produto está incluso no valor final da mercadoria, porém, com a não cumulatividade, o Estado estará recebendo uma parcela do ICMS a cada fase da cadeia produtiva do produto.
A PROBLEMÁTICA DO ACÚMULO DE SALDO CREDOR DE ICMS
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a efetiva fruição desta compensação, por motivos meramente arrecadatórios.
Da confrontação na escrita fiscal do saldo de débitos de ICMS pela venda e pelos créditos de ICMS por compras, o saldo de-
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vedor, em favor do Fisco, deve ser recolhido aos cofres públicos nos prazos por ele estabelecidos. Já se deste confronto entre débitos e créditos resultar em saldo credor em favor do contribuinte, este saldo é transferido para o aproveitamento em período ou nos períodos subsequentes. Em um número cada vez maior de situações, cada Estado, mediante o seu regulamento do ICMS, acaba fazendo com que determinados segmentos empresariais mantenham constantemente o acúmulo de saldo credor acumulado de ICMS, ao determinar a não incidência do ICMS em suas saídas de mercadorias, ficando estas empresas sujeitas ao pagamento integral do imposto suportado nas entradas destas mercadorias.
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O fato de uma empresa manter em sua escrita fiscal sucessivamente saldo credor acumulado de ICMS, por força de uma legislação que não permite compensação por ocasião das saídas, em nossa opinião nada mais é do que uma espécie de confisco, além de onerar e prejudicar seriamente a competitividade destas empresas, pelo aumento de custo que proporciona.
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O suposto benefício de não ter a incidência do imposto na saída acaba se constituindo um problema, vez que as empresas acabam arcando com todo o imposto pago na entrada, sem ter como compensá-lo por ocasião das saídas, pois que se rompe nela o ciclo da não cumulatividade da cadeia produtiva, ficando o segmento onde é rompido o ciclo com o ônus do imposto pago e não compensado, o chamado acúmulo de saldo credor acumulado de ICMS em sua escrita fiscal.
HIPÓTESES DE ACÚMULO DE SALDO CREDOR DE ICMS Várias são as estratégias adotadas pelos Estados por meio de seus regulamentos estaduais do ICMS, visando a impedir que
as empresas possam compensar o seu ICMS pago por ocasião das entradas no momento das saídas. O que determina o acúmulo de crédito fiscal de ICMS na empresa é a classificação em termos de regulamento de ICMS, com que a mercadoria/insumo ou serviço venha a sair do estabelecimento. As principais formas de acúmulo de créditos de ICMS são as saídas decorrentes dos acúmulos citados a seguir.
Acúmulo de créditos pela substituição tributária No exercício de suas atividades, o Fisco tem buscado encontrar fórmulas que assegurem uma arrecadação eficiente e facilitem a fiscalização do cumprimento das obrigações fiscais praticadas pelos contribuintes. A modalidade de substituição tributária trata-se de uma antecipação do fato gerador, onde a Fazenda arbitra o preço de venda final e cobra o imposto antecipadamente, no início da cadeia produtiva, antes de passar pelas demais e chegar ao consumidor final. Entre os itens incluídos na modalidade de substituição tributária, mencionamos alguns: bebidas, açúcar, cimento, combustíveis, pneus, medicamentos, entre outros tantos. Ocorre que o preço final arbitrado no início da cadeia pelo qual foi cobrado o imposto, antecipadamente, nem sempre é o mesmo que ocorre quando chega ao consumidor final, ou, ainda, por vezes nem se realiza. Entre outras situações, podemos citar as seguintes: i) roubo, furto ou extravio; ii) deterioração ou perecimento da mercadoria;
iii) sinistro (mercadoria perdida em virtude de enchente, incêndio, acidente, etc.);
dependendo da previsão legal regulamentada no Regulamento do ICMS de cada unidade da Federação.
iv) utilização da mercadoria para consumo da empresa;
Alguns Estados, visando a preservar o seu fluxo de caixa, impõem, por meio de seus regulamentos do ICMS, óbices a estas transferências, estabelecendo um limite de valores; no entanto, estes óbices costumam ser facilmente derrubados na esfera judicial.
vi) exportação da mercadoria. Nessas hipóteses, como o fato gerador presumido (preferimos o termo arbitrado) não ocorreu, o contribuinte substituto antecipou um valor ao que seria devido pelo último contribuinte substituído, ficando o Estado com um recolhimento de ICMS a maior. Temos, neste caso, pelo pagamento antecipado a maior, a constituição de um crédito de ICMS, o qual poderá contribuir para o acúmulo de saldo credor acumulado de ICMS da empresa, juntamente com as demais hipóteses que veremos a seguir.
Acúmulo de créditos pelas exportações Não são tributáveis pelo ICMS as operações de que decorra a exportação de produtos industrializados (em virtude de imunidade), semielaborados e primários (em virtude de não incidência). No entanto, nos termos da LC 87/1996, o Brasil não pode exportar impostos, portanto, são admitidos os créditos do ICMS relativos a matérias-primas, produtos intermediários e material de embalagem adquiridos para emprego na industrialização de produtos destinados à exportação, ou as mercadorias e serviços que venham a ser objetos de operações ou prestações destinadas ao exterior. Os créditos acumulados do ICMS decorrentes da exportação, após exame de sua legitimidade pelo Fisco, poderão ser transferidos para outros estabelecimentos da mesma empresa e o saldo remanescente poderá ser repassado para outros contribuintes,
Acúmulo de créditos pela isenção ou não incidência Nas saídas de mercadorias ou insumos em que não ocorre a tributação de ICMS, decorrentes de enquadramento nos institutos da isenção ou não incidência, a manutenção do crédito não é permitida, por força da Constituição Federal, que, no inciso II do § 2º do art. 155, assim determina: II – a isenção ou não incidência, salvo determinação em contrário da legislação: a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes. b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores.
No entanto, existem as determinações em contrário, que se tratam de benefícios concedidos por alguns Estados normalmente quando se tratar de insumos destinos ao uso na atividade agropecuária (adubos, sementes, fertilizantes, fungicidas, etc.). São os chamados benefícios da isenção com não estorno do crédito correspondente, razão pela qual algumas destas saídas também se enquadram nas hipóteses de acúmulo de saldo credor de ICMS.
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v) vendas interestaduais;
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Acúmulo de créditos pela alíquota zero, base de cálculo ou alíquota reduzida
rio fato gerador, com a imputação da responsabilidade de seu recolhimento a terceiro.
No tocante à alíquota zero, encontram-se duas correntes, uma defendendo que a alíquota zero equivale a dizer que o produto é tributado, no entanto com 0% de alíquota, e, em sendo tributado, estas saídas permitem a manutenção dos créditos de ICMS pagos por ocasião das entradas.
A questão dos créditos de ICMS tem que ser assentada sobre o direito do contribuinte, relativamente às operações anteriores (aquisições de mercadorias com incidência do tributo). Assim, tranquilo o direito aos créditos em razão de tais mercadorias virem a ser objeto de futuras operações tributadas (embora diferidas).
Já a outra corrente de entendimento, na qual o eminente Jurista Ives Gandra Martins se enquadra, defende que “a alíquota zero não é senão uma das formas de isenção, pois expressa, claramente em lei”. Ao prevalecer este entendimento, como vimos anteriormente, em se considerando alíquota zero, isenção, as normas constitucionais vedam qualquer aproveitamento de créditos de ICMS a elas relativa.
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No que concerne à base de cálculo ou alíquota reduzida, é unânime o entendimento de que se tratam de situações tributadas, e que, como tal, permitem a manutenção dos respectivos créditos por ocasião das compras. A exceção corre por conta dos casos em que a legislação estadual estabelece regras diferentes deste tratamento, situações que acabam se constituindo alvo de longas demandas judiciais, em que buscam os contribuintes o pronunciamento do Judiciário para terem reconhecido o seu direito a estes créditos.
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Acúmulo de créditos pelo diferimento Diferimento, segundo nossos léxicos, é o ato ou efeito de diferir, adiamento, do latin differre – demorar, dilatar, adiar. Logo, diferimento não é isenção, incentivo fiscal ou benefício fiscal na acepção do art. 155 da CF, anteriormente examinada. Constitui uma técnica impositiva de deslocamento da exigência do tributo para um momento posterior à ocorrência do originá-
A saída ao abrigo do diferimento, portanto, apesar de não ter a incidência do imposto, equivale a uma atividade tributada, só que o momento do fato gerador é postergado para a operação seguinte. E, como atividade tributada, eventuais saldos credores acumulados de ICMS em função do diferimento podem ser abatidos ou compensados, com qualquer outra atividade tributada, a qual a empresa esteja fiscal e juridicamente habilitada a exercer.
IRRELEVÂNCIA DA “ORIGEM” DOS CRÉDITOS DE ICMS Como vimos, a Fazenda Estadual de cada unidade da Federação dispõe de meios, utilizados a seu critério, para interromper com o ciclo da não cumulatividade, impedindo a compensação do ICMS pago por ocasião das entradas. Acarretando-se, assim, um aumento da arrecadação e fazendo com que as empresas fiquem com saldo credor acumulado de ICMS a receber da Fazenda. Temos que não é a destinação que vai dar às mercadorias ou aos bens que adquire (revenda, uso, consumo, integração no ativo fixo, etc.) que impede o contribuinte de fruir, por inteiro, do direito à não cumulatividade do ICMS.
Daí por que – tornamos a acentuar – são inconstitucionais as restrições ao direito de abatimento do ICMS contidas em leis ou atos normativos infralegais. Inúmeras são as contendas judiciais em que os contribuintes buscam decretar a ilegalidade de restrições impostas pelo regulamento do ICMS, contrárias a norma estabelecida na Constituição Federal, principalmente buscando o direito de manter o crédito nas saídas decorrentes da alíquota zero, alíquota reduzida ou base de cálculo reduzida. No que tangem aos créditos decorrentes de exportação, fartos têm sido os precedentes jurisprudenciais que asseguram aos contribuintes o direito de transferência de saldo credor acumulado de ICMS decorrentes de saídas que destinem mercadorias e serviços ao exterior, sem as limitações impostas nos regulamentos do ICMS das unidades da Federação. No que concerne aos créditos acumulados de ICMS decorrentes de saídas ao abrigo do diferimento, pelo fato de tais mercadorias virem a ser objeto de futuras operações tributadas, tem-se que o diferimento, para os efeitos de manutenção de crédito, equivale a uma atividade tributada, vez que consiste em apenas uma postergação do recolhimento do imposto, que ocorre na etapa seguinte da cadeia.
A LEGISLAÇÃO E A TRANSFERÊNCIA DE SALDO CREDOR ACUMULADO DE ICMS ENTRE AS EMPRESAS Verificamos que o acúmulo de saldo credor de ICMS se constitui em um problema financeiro que atinge um leque cada vez maior
de empresas brasileiras. Ao mesmo tempo em que a legislação prevê a compensação do imposto com débitos próprios e, na impossibilidade desta compensação, a transferência deste saldo credor de ICMS a terceiros. A Constituição Federal determinada que caberá à lei complementar disciplinar o regime de compensação do ICMS (art. 155, XII, c). A Lei Complementar nº 87/1996 estabelece que a lei estadual poderá permitir que os saldos credores acumulados poderão ser transferidos nas condições que definir a outros contribuintes do mesmo Estado (art. 25, § 2º, I, da LC 87/1996). A Lei Complementar nº 87/1996, portanto, não disciplina o regime de compensação conforme lhe facultou a Carta Magna de 1988, e sim outorgou esta competência às unidades federativas, as quais, por seu turno, poderão e têm agido de modo discricionário, de modo a limitar ou impedir a efetiva fruição dos saldos credores acumulados de ICMS. Aqui, vamos nos ater apenas as hipóteses legais de transferência de saldo credor de ICMS permitidas pelo Fisco de São Paulo/SP.
OS REQUISITOS BÁSICOS PARA VIABILIZAR A TRANSFERÊNCIA DE SALDO CREDOR DE ICMS DE UMA EMPRESA PARA OUTRA
i) Ocorrer entre estabelecimentos de uma mesma unidade da Federação.
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Posição contrária é insustentável, porque entra em contradição com toda a sistemática constitucional deste tributo.
ii) Obedecer aos preceitos legais estabelecidos no regulamento do ICMS desta unidade da Federação.
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As transferências de excedentes de saldos credores acumulados de ICMS de uma empresa a outra só podem ser consideradas legítimas se inicialmente obedecerem a três princípios básicos:
iii) Estar previamente autorizada pela Secretaria da Fazenda desta unidade da Federação, que irá, primeiramente, analisar os fundamentos legais que originaram o crédito, bem como a consistência de sua composição, para, finalmente, autorizar a sua utilização, compensação ou transferência a terceiros.
O TRATAMENTO DO SALDO CREDOR ACUMULADO DE ICMS NO ESTADO DE SÃO PAULO Por ser responsável por 1/3 do PIB nacional, o Estado de São Paulo nos parece ser o que mais segue os ditames constitucionais no que concerne a viabilizar as transferências de saldo credor acumulado de ICMS entre as empresas.
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A Portaria CAT nº 26, de 2010, institui o sistema eletrônico de administração do crédito acumulado do imposto, sob a denominação “Sistema Eletrônico de Gerenciamento do Crédito Acumulado”, o e-Credac, disponível no site da Secretaria da Fazenda na Internet.
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Por meio deste sistema, as empresas previamente cadastradas terão a análise dos seus arquivos digitais, visando à aprovação e homologação do respectivo saldo credor acumulado pela Secretaria da Fazenda. Da mesma forma, o e-Credac permite que a Fazenda possa autorizar a transferência deste crédito devidamente homologado a outras empresas. Assim, a Secretaria da Fazenda Paulista, nos casos que especifica, permite que o saldo credor acumulado de ICMS existente na conta corrente fiscal de uma empresa seja transferido para a conta corrente fiscal de outra empresa, para que esta final-
mente possa compensar com seus débitos próprios os créditos recebidos em transferência. Dentro desta sistemática, para o Fisco paulista, dentro de uma terminologia própria, o crédito acumulado não é um saldo credor, muito embora seja necessária a existência para que possa ocorrer a apropriação do crédito acumulado. Em linhas gerais, o crédito acumulado é aquele que, após a apuração, resulta em saldo credor, por ser, como vimos anteriormente, a carga tributária destas operações inexistente ou inferior à da entrada, desde que previsto no art. 71 do RICMS 2000. Assim sendo, mister concluir, sob a ótica do Fisco paulista, que o crédito de ICMS, para ser considerado válido, deve, por ordem: i) Gerado – quando ocorrer hipótese legal prevista no regulamento do ICMS SP. ii) Apropriado – quando lançado dentro do período em que for gerado. iii) Homologado – quando a Secretaria da Fazenda aprovar as etapas anteriores. iv) Utilizado ou Transferido – quando a Secretaria da Fazenda aprovar a sua utilização ou transferência.
DAS TRANSFERÊNCIAS DE SALDO CREDOR ACUMULADO DE ICMS NO ESTADO DE SÃO PAULO O art. 71 do Regulamento do ICMS de São Paulo estabelece as hipóteses possíveis de um contribuinte constituir saldo credor acumulado do imposto. São elas:
ii) Operação ou prestação de serviço efetuada com redução da base de cálculo. iii) Operação ou prestação realizada sem o pagamento do imposto, tais como isenção ou não incidência com direito previsto à manutenção do crédito. iv) Operação abrangida pelo regime jurídico da substituição tributária com retenção antecipada do imposto. Já o art. 84 do RICMS SP determina que o Secretário da Fazenda poderá autorizar o aproveitamento de crédito não previsto nas hipóteses supraelencadas, bem como também poderá autorizar a transferência de crédito acumulado entre o estabelecimento de empresas independentes. Além da possibilidade de transferência do saldo credor acumulado a terceiros, o Regulamento do ICMS paulista prevê, ainda, a transferência deste saldo credor nos termos em que a legislação especifica para pagamento de fornecedor: i) De caminhão ou chassi de caminhão com motor, novos, para utilização direta no transporte de mercadorias, em estabelecimento da empresa localizado no Estado de São Paulo. ii) De fornecedor de mercadorias inerentes ao seu ramo usual de atividade para comercialização em São Paulo. iii) De bem novo (imobilizado) para utilização direta em sua atividade comercial.
O ICMS DAS IMPORTAÇÕES – LOCAL DE PAGAMENTO E SUJEITO PASSIVO A guerra dos portos, subproduto da guerra fiscal, faz com que determinados Estados acenem com as condições favoráveis aos importadores para que procedam ao desembaraço aduaneiro nos portos de sua unidade da Federação. Faz-se, no entanto, necessário tomar algumas cautelas, verificando se existe algum convênio específico quanto ao local do pagamento do imposto; do contrário, prevalece o que está estabelecido na Constituição Federal. A Carta Magna estabelece que o imposto deve incidir sobre a entrada de mercadoria importada do exterior, independente da sua finalidade, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o destinatário da mercadoria (art. 155, § 2º, IX, letra a, da CF/1988, com redação da EC 33/2001).
A IMPORTAÇÃO POR CONTA E ORDEM DE TERCEIROS Muitas empresas optam por terceirizar a atividade pertinente aos trâmites do desembaraço aduaneiro, com o objetivo de não perder o foco de sua atividade principal. É o que ocorre no caso da modalidade “importação por conta e ordem de terceiros”, onde o real adquirente, importador de direito, contra uma empresa prestadora de serviço (trading) para realizar, mediante procuração todos os atos comerciais, aduaneiros, logísticos e normativos correspondentes, importando e nacionalizando em seu próprio nome as mercadorias estrangeiras adquiridas pelo comprador, por conta e ordem deste (§ 1º do art. 1º da IN SRF 225/2002).
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i) Aplicação de alíquotas diversificadas em operações de entrada e saída de mercadoria ou em serviço tomado ou prestado.
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Esta modalidade se aplica, exclusivamente, às operações de importação que atendam, cumulativamente, os seguintes requisitos: i) A existência de contrato prévio entre a pessoa jurídica importadora e o adquirente, caracterizando a operação por conta e ordem de terceiros; ii) Os registros fiscais e contábeis da pessoa jurídica importadora deverão evidenciar que se trata de mercadoria de propriedade de terceiros; e iii) A nota fiscal de saída de mercadoria do estabelecimento importador deverá ser emitida pelo mesmo valor constante da nota fiscal de entrada, acrescido dos tributos incidentes da importação.
QUEM É O CONTRIBUINTE DO ICMS NA IMPORTAÇÃO POR CONTA E ORDEM DE TERCEIROS
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Note-se que existe uma só “operação relativa à circulação de mercadorias”, que é a de importação, embora dois sejam os seus agentes:
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i) O primeiro, que empresta o seu nome ao despacho aduaneiro. ii) O segundo, que realmente tem interesse no negócio jurídico que dará origem à “entrada de mercadoria importada do exterior”, fato gerador do ICMS. Este segundo agente, que promove a importação por sua conta e risco, é que a LC 87/1996, com fundamento na alínea a do
inciso III do art. 146 da CF/1988, identificou como contribuinte do ICMS. De fato, ele arca, também, com os tributos incidentes na importação, ainda que sejam pagos em nome de outra pessoa jurídica, esta mera facilitadora da operação. A Secretaria Estadual da Fazenda do Estado de São Paulo, por meio da Decisão Normativa CAT nº 3, de 2009, estabelece quem é contribuinte do ICMS nesta modalidade de importação: Instrução Normativa CAT nº 3, de 2009: [...] 9. Em face de todo o exposto, para fins de ICMS: A pessoa jurídica que promover a “entrada de mercadorias importadas do exterior” ainda que em nome de terceiro é o verdadeiro contribuinte do imposto.
Já a o Comunicado CAT nº 37, de 2010, especifica em seu item 6: 6. Nada obstante isto, reportam-se situações nas quais, estando ambos estabelecimentos localizados no Estado de São Paulo, o recolhimento devido originalmente pelo adquirente foi recolhido pelo importador em seu próprio nome, em favor do Erário paulista, tendo emitido documento fiscal na remessa ao estabelecimento do adquirente com o destaque do imposto. A partir deste procedimento, o adquirente escriturou a operação com o crédito correspondente.
Desta forma, o contribuinte do ICMS devido por ocasião do desembaraço aduaneiro das importações, nas modalidades de importação por conta e ordem de terceiros, não é o real adquirente, e sim o importador contratado para operar em nome de terceiros.
A UTILIZAÇÃO DE SALDO CREDOR ACUMULADO DE ICMS PARA PAGAMENTO DO ICMS DEVIDO NAS IMPORTAÇÕES EM SÃO PAULO
mento detentor do crédito acumulado, no sistema denominado e-Credac (Sistema Eletrônico de Gerenciamento do Crédito Acumulado).
Como vimos, o ICMS sobre o desembaraço aduaneiro é devido antecipadamente, devendo este recolhimento ser efetuado para que ocorra o desembaraço aduaneiro.
SÍNTESE CONCLUSIVA
O art. 78 do RICMS SP disciplina a concessão de regime especial para o pagamento do ICMS devido, sendo que o § 1º determina que, em se tratando de importação, o regime especial somente será concedido se o desembarque e desembaraço aduaneiro forem processados em território paulista.
Importante ressaltar que, nestes 1/4 da carga tributária nacional representados pelos recolhimentos a título de ICMS, não estão computados os saldos credores acumulados deste imposto que as empresas possuem para compensar ou receber do Fisco. Saldos credores estes que vem crescendo a cada ano.
Este imposto é devido pelo importador, ainda que este atue por conta e ordem de terceiros (real adquirente).
Várias as situações tributárias que respondem pelo acúmulo de saldo credor de ICMS destas empresas, destacamos a substituição tributária, exportação, isenção, não incidência, alíquota zero, base de cálculo reduzida e diferimento.
DA COMPENSAÇÃO DO ICMS EXIGÍVEL NO DESEMBARAÇO ADUANEIRO COM CRÉDITO ACUMULADO DE ICMS
Verificamos que, no Estado de São Paulo, uma vez gerado apropriado e homologado, o saldo credor acumulado de ICMS pode ser transferido a terceiros, nos casos em que o RICMS SP especifica.
O Sistema Eletrônico de Gerenciamento do Crédito Acumulado – e-Credac do Estado de São Paulo, instituído pela Portaria CAT nº 26, de 2010, estabelece, nos seus arts. 29 e 30, a compensação do ICMS devido no momento do desembaraço aduaneiro das importações com o saldo credor acumulado deste imposto. Estabelece que a compensação com crédito acumulado far-se-á mediante autorização eletrônica, requerida pelo estabeleci-
Também verificamos a possibilidade de as empresas importadoras compensarem o ICMS devido antecipadamente por ocasião do desembaraço aduaneiro das importações com o saldo credor acumulado de ICMS, mediante autorização prévia da Fazenda Estadual de São Paulo. Note-se que esta possibilidade existe inclusive nas operações de importação por conta e ordem de terceiros, o que pode propiciar um planejamento, reduzindo os custos tributários com ICMS nestas importações.
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No entanto, satisfazendo certos requisitos, algumas empresas podem solicitar o regime especial de pagamento, que irá as dispensar deste pagamento antecipado.
Verificamos ser o ICMS o imposto de maior impacto na carga tributária brasileira, respondendo na casa de 1/4 sobre o total de 1 trilhão de 340 bilhões arrecadados até outubro de 2014.
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De acordo com o determinado no regulamento do ICMS em cada unidade da Federação, o saldo credor acumulado de ICMS poderá ser utilizado em proveito próprio, para a compensação de outros débitos ou, ainda, transferido a terceiros.
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É possível, portando, o encontro de contas entre contribuintes e credores do ICMS. Este encontro, quando permitido pelo regulamento do ICMS de cada Estado, ocorre, portanto, com a devida homologação do Fisco estadual, tornando-se benéfico para ambas as partes pelos reflexos positivos no fluxo de caixa destas empresas.
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Acórdão na Íntegra
Superior Tribunal de Justiça AgRg no Recurso Especial nº 1.373.965 – MS (2013/0074102-1) Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva Agravante: C. B. Advogados: Defensoria Pública do Estado do Mato Grosso do Sul Leonardo Lorea Mattar – Defensor Público Agravado: D. C. B. e outro Repr. por: R. F. de A. Advogado: Defensoria Pública do Estado do Mato Grosso do Sul EMENTA AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL – AÇÃO REVISIONAL DE ALIMENTOS – DECISÃO EXTRA PETITA – OCORRÊNCIA – EXONERAÇÃO – ALIMENTOS – IMPOSSIBILIDADE 1. A orientação do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que a decisão deve guardar congruência com o pedido consignado na exordial, sob pena de ocorrer julgamento extra petita, nos termos dos arts. 128 e 460 do CPC. 2. É vedada a exoneração automática do alimentante sem possibilitar ao alimentado, que atinge a maioridade, a oportunidade para se manifestar e comprovar, se for o caso, a impossibilidade de prover a própria subsistência. Precedentes. 3. Agravo regimental não provido.
ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Terceira Turma, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro, João Otávio de Noronha (Presidente) e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com o Sr. Ministro Relator. Brasília (DF), 08 de março de 2016 (data do Julgamento). Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva Relator
RELATÓRIO O Exmo. Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva (Relator): Trata-se de agravo regimental interposto contra decisão que deu provimento ao recurso especial para que o tribunal de origem proferisse novo julgamento nos limites do pedido, o qual foi no sentido de diminuição do valor da pensão alimentícia. Sustenta o agravante que a exoneração dos alimentos se deu porque não havia notícias nos autos de que sua filha estivesse estudando ou necessitando da ajuda paterna.
Requer a reconsideração da decisão agravada ou a submissão deste recurso à Turma julgadora. Impugnação não apresentada (fl. 283, e-STJ). É o relatório. VOTO O Exmo. Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva (Relator): O recurso não merece prosperar. Os argumentos expendidos nas razões do regimental são insuficientes para autorizar a reforma da decisão agravada, de modo que esta merece ser mantida por seus próprios fundamentos: “Trata-se de recurso especial interposto contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul assim ementado:
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‘APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO REVISIONAL DE ALIMENTOS – BINÔMIO NECESSIDADE/POSSIBILIDADE – AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE ALTERAÇÃO DAS POSSIBILIDADES FINANCEIRAS DO ALIMENTANTE – MAIORIDADE – IRRELEVÂNCIA – AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA NECESSIDADE – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO [...]’ (fl. 167, e-STJ)
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Os recorrentes sustentam que houve afronta aos arts. 2º, 128, 460, 515 e 535 do Código de Processo Civil, pois o Tribunal de origem, ao exonerar o autor da prestação alimentícia, teria proferido decisão extra petita, haja vista o pedido da exordial ter sido somente para que fosse reduzido o valor em questão. Contrarrazões apresentadas às fls. 224-235 (e-STJ). O Ministério Público Federal opinou pelo provimento do recurso (fls. 257-264, e-STJ). É o relatório.
Decido. O recurso merece prosperar. Com efeito, a orientação do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que, conforme o ‘previsto nos arts. 128 e 460 do CPC, deve o decisório guardar congruência com o pedido consignado na petição inicial, sob pena de ocorrer julgamento extra petita’ (AgRg-REsp 1.463.385/RN, Rel. Min. Og Fernandes, DJe 22.10.2015). No caso em apreço, essa congruência não ocorreu, pois o pedido da petição inicial da ação revisional de alimentos foi pela diminuição do valor pago aos filhos do autor, consoante se nota do seguinte excerto da exordial: ‘[...] 5. A procedência do pedido da presente revisão das pensões alimentícias devida pelo autor ao (sic) requeridos, diminuindo o percentual devido de 50% (cinquenta por cento) do salário mínimo e fixando-se em 30% (trinta por cento) de um salário mínimo para cada um dos Requeridos, atualmente em R$ 124,50 (cento e vinte e quatro e cinquenta centavos) e condenando estes, ainda, no ônus da sucumbência, cujos honorários deverão ser revertidos em favor da Defensoria Pública do Estado do Mato Grosso do Sul. (fl. 5, e-STJ) Ademais, vale anotar a jurisprudência desta Corte no sentido de que ‘com a maioridade extingue-se o poder familiar, mas não cessa o dever de prestar alimentos, a partir de então fundado no parentesco. É vedada a exoneração automática do alimentante, sem possibilitar ao alimentado a oportunidade para se manifestar e comprovar, se for o caso, a impossibilidade de prover a própria subsistência’ (REsp 608.371/MG, Relª Min. Nancy Andrighi, DJe 09.05.2005). Diante do exposto, dou provimento ao recurso especial para que o Tribunal de origem profira novo julgamento nos limites do pedido.” (fls. 266-267, e-STJ)
Assim, não prosperam as alegações postas no regimental, incapazes de alterar os fundamentos da decisão impugnada.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental. É o voto.
Advogados: Defensoria Pública do Estado do Mato Grosso do Sul Leonardo Lorea Mattar – Defensor Público Assunto: Direito civil – Família – Alimentos – Revisão
CERTIDÃO DE JULGAMENTO TERCEIRA TURMA Número Registro: 2013/0074102-1
AgRg-REsp 1.373.965/MS
Números Origem: 00046934820098120019 19090046933 20120030567000000 201300741021 46934820098120019 Julgado: 08.03.2016
Agravante: C. B. Advogados: Defensoria Pública do Estado do Mato Grosso do Sul Leonardo Lorea Mattar – Defensor Público Agravado: D. C. B. e outro
Segredo de Justiça Relator: Exmo. Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva
Repr. por: R. F. de A.
Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro João Otávio de Noronha
Advogado: Defensoria Pública do Estado do Mato Grosso do Sul
Subprocuradora-Geral da República: Exma. Sra. Dra. Luiza Cristina Fonseca Frischeisen
CERTIDÃO
Secretária: Belª Maria Auxiliadora Ramalho da Rocha AUTUAÇÃO Recorrente: D. C. B. e outro Repr. por: R. F. de A. Advogado: Defensoria Pública do Estado do Mato Grosso do Sul Recorrido: C. B.
Certifico que a egrégia Terceira Turma, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro, João Otávio de Noronha (Presidente) e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com o Sr. Ministro Relator.
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Em Mesa
AGRAVO REGIMENTAL
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Pesquisa Temática
Certidão de Dívida Ativa Certidão de Dívida Ativa – apresentação de declaração pelo contribuinte – notificação para pagamento – desnecessidade “Processual civil e tributário. Justiça gratuita. Indeferimento. Embargos à execução fiscal. Apresentação de declaração pelo contribuinte. Notificação para pagamento. Desnecessidade. Certidão de Dívida Ativa. Presunção de certeza e liquidez. 1. Certo é que, ao contrário do que ocorre relativamente às pessoas naturais, ‘não basta a pessoa jurídica asseverar a insuficiência de recursos, devendo comprovar, isto sim, o fato de se encontrar em situação inviabilizadora da assunção dos ônus decorrentes do ingresso em juízo’ (in Rcl-ED-AgR 1905, Ministro Marco Aurélio). 2. Na espécie, a apelante não faz jus aos benefícios da justiça gratuita, vez que não logrou demonstrar tal necessidade, com a juntada de documentos aos presentes autos. 3. Quanto à matéria de fundo, ressaltou, com propriedade, o Juízo a quo: ‘[...] Os créditos exequendos foram constituídos mediante declaração da própria contribuinte. O débito confessado pelo contribuinte por meio de obrigação acessória (DCTF, GFIP, declaração de rendimentos etc.) é representativo do lançamento e importa notificação para pagamento [...] Em outras palavras, o crédito torna-se exigível a partir da formalização da confissão, podendo, inclusive, ser inscrito em dívida ativa independentemente de procedimento administrativo ou de notificação do contribuinte [...]. A matéria já está, inclusive, sumulada: A entrega de declaração pelo contribuinte reconhecendo débito fiscal constitui o crédito tributário, dispensada qualquer outra providência por parte do fisco’ (Súmula nº 436 do STJ). 4. Com efeito, na hipótese, os créditos exequendos foram constituídos mediante declaração da própria embargante, dispensando, assim, qualquer outra providência por parte do Fisco, como, a título de exemplo, notificação para pagamento. 5. Nessa linha de entendimento: ‘Tributário. Recurso especial. Execução fiscal. Tributo declarado pelo contribuinte. Constituição do crédito tributário. Procedimento administrativo. Dispensa. Responsabilidade do sócio. Tributo não pago pela sociedade. 1. A jurisprudência desta Corte, reafirmada pela Seção inclusive em julgamento pelo regime do art. 543-C do CPC, é no sentido de que “a apresentação de Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais – DCTF, de Guia de Informação e Apuração do ICMS – GIA, ou de outra declaração dessa natureza, prevista em lei, é modo de constituição do crédito tributário, dispensando, para isso, qualquer outra providência por parte do Fisco” (REsp 962.379, 1ª S., DJ de 28.10.2008)’ (REsp 1101728/SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, 1ª S., Julgado em 11.03.2009, DJe 23.03.2009). 6. Ademais, o ato de inscrição em dívida ativa, como todos os atos administrativos, goza de presunção de legalidade e veracidade. Conforme preconizam os arts. 202 do CTN e 2º, § 5º, da Lei nº 6.830/1980, a finalidade de constituição do título é atribuir à CDA a certeza e liquidez inerentes aos títulos de crédito, o que confere ao executado elementos para opor embargos, obstando execuções arbitrárias. 7. Na hipótese, a sentença deve ser mantida, vez que a CDA apresentou os requisitos obrigatórios previstos no art. 2º, § 5º, da Lei nº 6.830/1980, inclusive considerando o discriminativo do débito inscrito. 8. A Certidão de Dívida Ativa que fundamenta o presente feito está revestida de todos os requisitos de validade exigidos no inciso II do art. 202 do Código Tributário Nacional, bem assim do art. 2º, § 5º, inciso II, da Lei nº 6.830/1980. 9. Nesse diapasão, ‘Não ocorre inépcia da Petição Inicial, sobretudo porque a lei que rege a execução fiscal é a Lei nº 6.830/1980 e não o CPC. Ora, a CDA que embasa a EF não apresenta os vícios apontados pela embargante. Ao contrário, ela é clara ao referir-se: I – ao processo administrativo que originou o crédito; II – a natureza da dívida; III – o período da dívida; IV – a “fundamentação legal” da dívida e de seus acréscimos. A discriminação das parcelas devidas na CDA e a referência aos dispositivos legais que ensejaram a autuação e os diversos itens do débito são suficientes para validade formal do título. Para o reconhecimento judicial da nulidade é preciso demonstrar o prejuízo causado pela preterição da formalidade’ (AC 2000.01.00.070856-1/MG, Rel. Des. Fed. Luciano Tolentino Amaral, Conv. Juiz Federal Rafael Paulo Soares Pinto (Conv.), 7ª T., e-DJF1 p. 114 de 15.01.2010). 10. Apelação não provida. Sentença mantida.” (TRF 1ª R. – AC 2008.38.01.002640-0/MG – Rel. Juiz Fed. Conv. Rafael Paulo Soares Pinto – DJe 07.05.2015)
Certidão de Dívida Ativa – ausência de requisitos legais – extinção de ofício – descabimento “Processual civil e tributário. Execução fiscal. Conselho regional. Anuidade. CDA. Ausência dos requisitos legais. Extinção de ofício da execução. Descabimento. Intimação da parte exequente para a adequação da CDA. Necessidade. O valor das anuidades devidas aos conselhos profissionais não pode ser estabelecido por resolução e/ou além dos limites estabelecidos pela norma legal, circunstância que retira a presunção de liquidez e certeza da CDA que embasa a presente execução fiscal – ‘Não obstante, o exequente pode substituir ou emendar a Certidão de Dívida Ativa até a prolação da sentença (art. 2º, § 8º, da Lei nº 6.830/1980), não sendo possível o indeferimento liminar da inicial do processo executivo, por nulidade da CDA, antes de se possibilitar a supressão do defeito detectado no título executivo (Precedentes do STJ: AgRg-EDcl-Ag 911.736/RS, Relª Min. Denise Arruda, 1ª T., DJ de 31.03.2008; e REsp 837.250/RS, Relª Min. Eliana Calmon, 2ª T., DJ de 14.03.2007; e TRF 5ª R., REO 448952, Rel. Des. Fed. Rogério Fialho Moreira, DJe 18.03.2009, p. 414-52)’ (AC 562637/CE, Rel. Des. Fed. José Maria Lucena, J. 28.11.2013, DJe 05.12.2013). Apelação parcialmente provida para oportunizar ao apelante a retificação da CDA.” (TRF 5ª R. – AC 0000034-37.2014.4.05.8106 – (579560/CE) – 1ª T. – Rel. Des. Fed. Francisco Wildo Lacerda Dantas – DJe 26.05.2015) Transcrição IOB Lei nº 6.830/1980: “Art. 2º Constitui Dívida Ativa da Fazenda Pública aquela definida como tributária ou não tributária na Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, com as alterações posteriores, que estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal. [...] § 8º Até a decisão de primeira instância, a Certidão de Dívida Ativa poderá ser emendada ou substituída, assegurada ao executado a devolução do prazo para embargos.”
“Apelação. Reexame necessário. Cerceamento de defesa. CDA. Título executivo. Contribuições. Salário-educação. Incra. SAT. Senai. Sesi. Sebrae. Multa moratória. Redução. Aplicação de lei mais benéfica ao contribuinte. Taxa Selic. 1. Cerceamento de defesa. Inexistência. Ausência de demonstração do excesso de execução por meio de memória de cálculo. Falta de fixação do ponto controvertido que motivou indeferimento da prova pericial. 2. Certidão de Dívida Ativa. Certeza, liquidez e exigibilidade do título executivo. Apontamento dos dispositivos legais que fundamentam a dívida e o seu acréscimo. A confissão da dívida legitima a exação. 3. Na atual Constituição Federal, em seu o art. 212, § 5º, encontra-se expressa a previsão da contribuição social do salário-educação. No campo infraconstitucional, as Leis nºs 9.424/1996, 9.766/1998, o Decreto nº 6.003/2006 e a Lei nº 11.457/2007 são responsáveis pela sua regulamentação. Nos termos da Súmula nº 732 do Supremo Tribunal Federal é constitucional a cobrança da contribuição do salário-educação. 4. Contribuições ao Sebrae. Exação com fundamento de intervenção no domínio econômico. Legalidade. Sesi, Senai. Lei nº 8.029/1990. Lei ordinária. Desnecessidade de lei complementar. 5. A contribuição ao Incra tem natureza jurídica e destinação constitucional diversas da contribuição social incidente sobre a folha de salários, instituída pelo inciso I do art. 3º da Lei nº 7.787/1989, não tendo sido extinta pela Lei nº 8.212/1991 ou pela Lei nº 8.213/1991. 6. Contribuições ao SAT. Constitucionalidade reconhecida pelo STF. Legalidade da definição por Decreto o conceito de atividade preponderante e seus correspondentes graus de riscos. 7. Multa moratória. Retroatividade da lei mais benéfica. Aplicação do art. 106, II, c, do Código Tributário Nacional. 8. Aplicação da Selic. Entendimento pacificado pelo STJ. 9. Preliminar rejeitada. Apelação da empresa recorrente, reexame necessário e apelação do INSS não providos.” (TRF 3ª R. – Ap-RN 0010722-84.2002.4.03.6182/SP – 5ª T. – Rel. Des. Fed. Mauricio Kato – DJe 05.10.2015)
Certidão de Dívida Ativa – nulidade – inocorrência – taxa Selic – capitalização de juros – não comprovação “Administrativo e processual civil. Embargos à execução fiscal. Constrição realizada sobre processo de inventário. Possibilidade. Nulidade da Certidão de Dívida Ativa. Inocorrência. Taxa Selic. Capitalização de juros. Não comprovação. Não há que se falar em nulidade da penhora, em face da constrição realizada sobre o processo de inventário do sogro do embargante, pois vindo a esposa a herdar algum bem, somente sobre a meação a que terá direito o embargante recairá a penhora. Carece de irregularidade a Certidão de Dívida Ativa que aponta os requisitos imprescindíveis a formalização do título executivo (LEF, art. 2º, § 5º, e o CTN, art. 201), trazendo em seu conteúdo os elementos necessários e indispensáveis à defesa do executado – a taxa referencial empregada pelo sistema de liquidação e custódia de títulos públicos federais, o Selic, tem previsão legal no art. 13 da Lei nº 9.065/1995 – a ela também se refere a Lei nº 9.250/1995, art. 14, III, no que interessa ao pagamento de tributos. Diante da presunção de certeza e liquidez de que se reveste a CDA, incumbe ao embargante demonstrar, por meio de cálculos, que os encargos moratórios praticados superam aqueles legalmente previstos,
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Certidão de Dívida Ativa – contribuições – salário-educação – lei mais benéfica ao contribuinte – aplicabilidade
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não bastando que a parte simplesmente alegue que os juros estão sendo capitalizados ou praticados acima do limite legal.” (TRF 4ª R. – AC 0010517-66.2015.4.04.9999/SC – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Ricardo Teixeira do Valle Pereira – DJe 01.09.2015) Transcrição IOB • Lei nº 6.830/1980 (Lei de Execução Fiscal): “Art. 2º Constitui Dívida Ativa da Fazenda Pública aquela definida como tributária ou não-tributária na Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, com as alterações posteriores, que estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal. [...] § 5º O Termo de Inscrição de Dívida Ativa deverá conter: I – o nome do devedor, dos co-responsáveis e, sempre que conhecido, o domicílio ou residência de um e de outros; II – o valor originário da dívida, bem como o terno inicial e a forma de calcular os juros de mora e demais encargos previstos em lei ou contrato; III – a origem, a natureza e o fundamento legal ou contratual da dívida; IV – a indicação, se for o caso, de estar a dívida sujeita à atualização monetária, bem como o respectivo fundamento legal e o termo inicial para o cálculo; V – a data e o número da inscrição, no Registro de Dívida Ativa; e VI – o número do processo administrativo ou do auto de infração, se neles estiver apurado o valor da dívida.” • Lei nº 9.065/1995: “Art. 13. A partir de 1º de abril de 1995, os juros de que tratam a alínea c do parágrafo único do art. 14 da Lei nº 8.847, de 28 de janeiro de 1994, com a redação dada pelo art. 6º da Lei nº 8.850, de 28 de janeiro de 1994, e pelo art. 90 da Lei nº 8.981, de 1995, o art. 84, inciso I, e o art. 91, parágrafo único, alínea a.2, da Lei nº 8.981, de 1995, serão equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia – Selic para títulos federais, acumulada mensalmente.” • Lei nº 9.250/1995: “Art. 14. À opção do contribuinte, o saldo do imposto a pagar poderá ser parcelado em até 8 (oito) quotas iguais, mensais e sucessivas, observado o seguinte: [...] III – as demais quotas, acrescidas de juros equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia – Selic para títulos federais, acumulada mensalmente, calculados a partir da data prevista para a entrega da declaração de rendimentos até o mês anterior ao do pagamento e de 1% no mês do pagamento, vencerão no último dia útil de cada mês.”
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Certidão de Dívida Ativa – presunção de certeza e liquidez – art. 3º da Lei nº 6.830/1980 – cabimento
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“Tributário e processual civil. Agravo interno em agravo de instrumento. Execução fiscal. Certidão de dívida ativa. Presunção de certeza e liquidez. Art. 3º da Lei nº 6.830/1980. Desconstituição. Ônus do executado. Recurso desprovido. I – As Certidões de Dívida Ativa gozam de presunção de certeza e de liquidez, conforme art. 3º da Lei nº 6.830/1980, que somente é afastada por prova inequívoca, a cargo do Executado. II – Agravo Interno conhecido e desprovido.” (TRF 2ª R. – AI 2013.02.01.014226-7 – 3ª T.Esp. – Rel. Des. Fed. Marcello Granado – DJe 22.07.2015) Transcrição IOB Lei nº 6.830/1980: “Art. 3º A Dívida Ativa regularmente inscrita goza da presunção de certeza e liquidez.”
Certidão de Dívida Ativa – presunção de liquidez e certeza – juntada – desnecessidade – ônus do executado – Taxa Selic – aplicabilidade “Processual civil. Tributário. Execução fiscal. Exceção de pré-executividade. CDA. Presunção de liquidez e certeza. Processo administrativo. Juntada. Desnecessidade. Ônus do executado. Taxa Selic. Aplicabilidade. Multa de mora de 20%. Proporcional e adequada. 1. Nos termos da Súmula nº 393 do STJ, ‘A exceção de pré-executividade
é admissível na execução fiscal relativamente às matérias conhecíveis de ofício que não demandem dilação probatória’. 2. O art. 3º da Lei nº 6.830/1980, corroborado pelo art. 204 do CTN, estabelece que ‘a dívida ativa regularmente inscrita goza da presunção de certeza e liquidez’, a qual só pode ser ilidida por prova inequívoca, a cargo do executado. 3. Há discriminação nas CDAs do valor originário da dívida, com a indicação de sua origem, natureza, fundamento legal, data de vencimento, termo inicial de atualização monetária, juros de mora e forma de cálculo dos juros e da correção monetária, além do número e data da inscrição no registro de Dívida Ativa e do número do processo administrativo, a teor do disposto no art. 2º, § 5º, da LEF e no art. 202 do CTN, motivo pelo qual não há que se falar em nulidade das mesmas. 4. Não procede o argumento de inaplicabilidade da Taxa Selic, visto que o caput e o § 1º do art. 161 do CTN estabelecem que o crédito não integralmente pago no vencimento é acrescido de juros de mora calculados à taxa de 1% ao mês, se a lei não dispuser de modo diverso; Que, relativamente aos tributos federais, há lei determinando a aplicação da Taxa Selic, a teor do disposto no art. 13 da Lei nº 9.065/1995; que o Superior Tribunal de Justiça, no REsp 1.073.846, submetido ao regime do recurso repetitivo, firmou entendimento no sentido de ser legítima a taxa Selic como índice de correção e juros, na atualização dos débitos tributários. 5. O ajuizamento da execução fiscal prescinde da juntada de cópia do procedimento administrativo correspondente à inscrição em Dívida Ativa, sendo suficiente a indicação, no título, de seu número, como estabelecido no art. 2º, § 5º, VI, da LEF, na medida em que o procedimento administrativo não está arrolado no art. 6º, § 1º, da LEF entre os documentos que devem acompanhar a petição inicial da execução (STJ, AgRg-Ag 1308488/MG, Rel. Hamilton Carvalhido, 1ª T., DJe 02.09.2010). 6. Quanto ao requerimento de juntada aos autos pela agravada do procedimento administrativo, é de se frisar, ainda, que é ônus da excipiente trazer elementos probatórios para corroborar as suas próprias alegações e que o processo administrativo correspondente à inscrição em Dívida Ativa é mantido na repartição competente, a teor do disposto no art. 41 da LEF, podendo a parte executada providenciar cópia das peças que entender pertinentes. 7. A multa de mora de 20%, aplicada com base no art. 61, §§ 1º e 2º, da Lei nº 9.430/1996, não tem caráter confiscatório, e é proporcional e adequada, pois visa evitar a elisão fiscal. Neste sentido: STF, Tribunal Pleno, RE 582.461, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 18.08.2011. 8. Agravo conhecido e desprovido.” (TRF 2ª R. – AI 0103743-43.2014.4.02.0000 – 3ª T.Esp. – Relª Juíza Fed. Conv. Eugênio Rosa de Araújo – DJe 27.07.2015)
“Tributário. Processo civil. Apelação cível. Embargos à execução. Certidão de dívida ativa. Presunção relativa de liquidez e certeza. Ônus do executado. Presunção não desconstituída. Provimento da apelação. 1. A certidão de dívida ativa, por se tratar de ato administrativo, goza de presunção relativa de liquidez e certeza, cabendo ao executado o ônus probatório de afastá-la, conforme dispõe o art. 3º, caput e parágrafo único, da Lei nº 6.830/1980. 2. Alegação de que haveria cobrança em duplicidade afastada, pois embora as Execuções Fiscais nºs 96.0043872-2 (fls. 120/128) e 96.0044041-7 (fls. 129/134) sejam referentes ao mesmo período da presente execução, dizem respeito à matriz (CNPJ XXXX), enquanto a presente execução diz respeito à filial (CNPJ XXXX). 3. Alegação de que os pagamentos realizados teriam sido desconsiderados afastada, pois os comprovantes de pagamento são todos referentes ao parcelamento requerido em 1993, razão pela qual presume-se que já teriam sido considerados quando da consolidação do segundo parcelamento em 1997. 4. Confissão de dívida fiscal firmada em sede do processo administrativo fiscal referente ao segundo parcelamento, em 1997, por meio da qual a Apelada reconhece como legítima a dívida nele relacionada, sem qualquer ressalva quanto à não contabilização dos pagamentos efetuados ou à incorreção dos valores apurados. 5. Confrontando o valor informado no formulário próprio, preenchido à mão pelo representante legal da Apelada (fls. 149/153), com o relatório discriminativo do débito elaborado pelo INSS (fls. 170/183) e o relatório do débito que acompanhou a execução fiscal (fls. 34/38), verifica-se que os valores, em todos eles, são os mesmos. 6. Ainda que a Fazenda Nacional tenha sido desidiosa ao não prestar os esclarecimentos solicitados pelo Juízo a quo, tal fato, por si só, não é suficiente para afastar a presunção de liquidez e certeza da certidão de dívida ativa, a qual foi reforçada pelas provas constantes nos autos. 7. Apelação e remessa necessária da União Federal as quais se dá provimento.” (TRF 2ª R. – AC 2006.51.01.521930-6 – 4ª T.Esp. – Relª Juíza Fed. Conv. Maria Alice Paim Lyard – DJe 17.08.2015) Transcrição IOB Lei nº 6.830/1980: “Art. 3º A dívida ativa regularmente inscrita goza da presunção de certeza e liquidez. Parágrafo único. A presunção a que se refere este artigo é relativa e pode ser ilidida por prova inequívoca, a cargo do executado ou de terceiro, a quem aproveite.”
Certidão de Dívida Ativa – regularidade – verificação – reexame de matéria fático-probatória – impossibilidade “Tributário e processual civil. Agravo regimental no agravo em recurso especial. Regularidade da Certidão de Dívida Ativa (CDA). Verificação. Reexame de matéria fático-probatória. Impossibilidade. Óbice da Súmula nº 7/STJ. 1. A alteração das conclusões adotadas pela Corte de origem, acerca da regularidade da Certidão de Dívida Ativa que
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Certidão de Dívida Ativa – presunção relativa de liquidez e certeza – desconstituição – não ocorrência
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embasa o processo executivo, demandaria, necessariamente, novo exame do acervo fático-probatório constante dos autos, providência vedada em recurso especial, a teor do óbice previsto na Súmula nº 7/STJ. 2. ‘Quando o exame da validade da CDA não demandar interpretação de lei federal, mas revolvimento do seu próprio conteúdo, é inviável Recurso Especial, em razão da incidência do Enunciado da Súmula nº 7/STJ’ (REsp 1.345.021/CE, Rel. Min. Herman Benjamin, 1ª S., DJe 02.08.2013). 3. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-REsp 1.082.633 – (2008/0185811-2) – 1ª T. – Rel. Min. Sérgio Kukina – DJe 12.06.2015) Transcrição IOB Súmula do Superior Tribunal de Justiça: “7 – Pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial.”
Certidão de Dívida Ativa – sócio – citação válida – nomes dos sócios – desnecessidade “Tributário. Agravo legal. CDA. Requisitos legais. Certeza e liquidez. Sócio. Citação válida execução. Cerceamento de defesa. Ausência. Nomes dos sócios na CDA. Desnecessário. 1. Na hipótese em tela, todos os requisitos legais foram cumpridos. E, em virtude da presunção de liquidez e certeza de que goza a CDA (art. 3º da Lei nº 6.830/1980), deveria a recorrente instruir sua insurgência com elementos de prova suficientes para desconstituir os títulos executivos, não servindo para este mister a alegação genérica de que os requisitos estão ausentes. Refira-se que tal ônus recai sobre a parte executada, consoante o disposto no art. 333 do CPC. 3. Não se poderia exigir que a CDA, documento sintético, consistindo, por isso, numa mera certidão, contivesse a detalhada descrição dos fatos que deram origem à dívida, pois para esta amplitude existe o prévio processo administrativo de constituição do crédito. 4. O nome do sócio na CDA não é requisito essencial à validade do título. Até porque, se o nome do sócio já constasse da CDA dispensada estaria a ordem para o redirecionamento do executivo fiscal. 5. Consoante jurisprudência pacífica dos Tribunais Superiores e desta Corte, o lançamento de débito confessado constitui definitivamente o crédito tributário, dispensando a necessidade de notificação do contribuinte e instauração de processo administrativo, tornando-se exigíveis, a partir da formalização da confissão, os respectivos créditos. 6. A parte executada foi devidamente citada nos autos. Porém, se sua intenção é a de questionar a notificação no processo administrativo, cabe salientar que a ela cabe o ônus da prova do contrário, já que é seu dever instruir a ação (embargos à execução ou exceção de pré-executividade) com os documentos necessários à comprovação de seu direito. A alegada ausência de notificação deveria vir corroborada com a respectiva prova negativa, bastando para tanto, a juntada do PAF. Somente mediante análise do aludido processo é que se poderia aferir a ausência de notificação ora aventada. Lembro que o processo administrativo pode ser consultado pelo contribuinte, na repartição competente, conforme estabelece o art. 41 da Lei nº 6.830/1980.” (TRF 4ª R. – Ag-AI 000415050.2015.4.04.0000/RS – 2ª T. – Relª Juíza Fed. Carla Evelise Justino Hendges – DJe 13.10.2015) Transcrição IOB • Código de Processo Civil: “Art. 333. O ônus da prova incumbe: I – ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito; II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.”
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• Lei nº 6.6830/1980:
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“Art. 3º A Dívida Ativa regularmente inscrita goza da presunção de certeza e liquidez.”
Certidão de Dívida Ativa – substituição – presunção de certeza e liquidez – impossibilidade “Processual civil. Tributário. Embargos à execução fiscal. CDA. Substituição. Área de marinha ocupada inferior à anteriormente identificada. Redução do valor da dívida. Excesso demonstrado. Presunção de certeza e liquidez da CDA afastada. I – Apelação de sentença que julgou improcedentes embargos à execução fiscal, referente à cobrança de taxa de ocupação de terreno de marinha, considerando os termos do art. 2º, § 8º da LEF e do art. 203 do CTN, bem como que não houve consignação em pagamento do valor que considerasse correto para fins de afastamento dos encargos moratórios. II – Em suas razões, o embargante ressalta que a substituição da CDA procedida não se configura mera correção de erro material, mas de erro na cobrança, uma vez que somente após o reconhecimento por sentença de que se tratava de pretensão de cobrança sobre área maior que a devida é que a exequente pretendeu a substituição. E, ainda, destaca que há excesso de execução decorrente da cobrança indevida de encargos moratórios, quando a mora não lhe deve ser atribuída, posto que não tinha condições técnicas de quantificar o débito para fins de consignação dos valores supostamente devidos. III – No curso da execução, restou reconhecido em ação anulatória que a área de marinha ocupada pelo autor
no terreno seria inferior à anteriormente identificada (30.364,30m²) pela SPU – Secretaria de Patrimônio Público da União, sendo recalculado (12.417,11m²) e reduzido o valor da dívida, corrigido o título executivo e substituída a CDA, que lastreia a execução embargada. IV – Entretanto, exsurge o fato de que foi expedida certidão pela Secretaria do Patrimônio da União dizendo da diminuição abrupta do terreno, para dimensão de cerca de metade do que consta da CDA retificada (12.417,11m²), no caso, área efetivamente ocupada de 6.642,23m². V – A própria exequente, ora apelada, ficou oscilante quanto ao real tamanho da área (primeiro 30.364,30 m², depois 12.417,11m² e, finalmente, 6.642,23m²), de maneira que não cabe atribuir à parte executada/embargante/apelante a obrigação de ter promovido o pagamento, inclusive através de consignatória, uma vez que não possuía o referencial correto para quantificar o montante supostamente devido. Apesar de estar ciente de sua obrigação de recolher o tributo, a parte ora apelante não dispunha de meios para saber quantificar o débito. VI – Os embargos à execução têm natureza jurídica de ação incidental, cujo objetivo é a desconstituição parcial ou total do título executivo e, tendo a certidão de dívida ativa, presunção de certeza e liquidez, nos precisos termos do art. 3º, da Lei nº 6.830/1980, incumbe ao embargante o ônus da prova, no tocante à desconstituição do título executivo. VII – No caso, restou afastada a presunção de liquidez e certeza de que goza a CDA, na medida em que evidenciada a cobrança excessiva (posto que calculada sobre área de 12.417,11m² quando deve ser considerada a área de 6.642,23m²). Diante do excesso de execução, e da impossibilidade de nova substituição da CDA, impõe-se a extinção do executivo fiscal embargado. VIII – Apelação provida, para extinguir a execução.” (TRF 5ª R. – AC 2008.84.00.007160-3 – (471159/RN) – 2ª T. – Rel. Des. Fed. Conv. Ivan Lira de Carvalho – DJe 10.09.2015)
Certidão de Dívida Ativa – verificação – reexame fático-probatório – impossibilidade “Processual civil e tributário. Agravo regimental no agravo em recurso especial. Violação ao art. 535 do CPC. Inocorrência. Regularidade da Certidão de Dívida Ativa (CDA). Verificação. Reexame de matéria fático-probatória. Impossibilidade. Súmula nº 7/STJ. 1. Não ocorre ofensa ao art. 535 do CPC quando o Tribunal de origem dirime, fundamentadamente, as questões que lhe são submetidas, apreciando integralmente a controvérsia posta nos presentes autos. 2. A alteração das conclusões da Corte de origem pela nulidade da CDA que embasa o processo executivo demandaria, necessariamente, novo exame do acervo fático-probatório constante dos autos, providência vedada em recurso especial, a teor do óbice previsto na Súmula nº 7/STJ. Precedente: REsp 1.345.021/CE, 1ª S., Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 02.08.2013. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 664.762 – (2015/0037809-5) – 1ª T. – Rel. Min. Sérgio Kukina – DJe 27.05.2015) Transcrição IOB • Código de Processo Civil: “Art. 535. Cabem embargos de declaração quando: I – houver na sentença ou no acórdão obscuridade ou contradição; II – for omitido ponto sobre o qual devia pronunciar-se o juiz ou tribunal.” • Súmula do Superior Tribunal de Justiça:
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“7 – Pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial.”
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Jurisprudência Comentada
Internação – Substituição por Tratamento Ambulatorial – Admissibilidade JOSÉ FRANCISCO FISCHINGER MOURA DE SOUZA
Advogado, Professor Assistente da Disciplina de Processo Penal do Centro Universitário Ritter dos Reis, Especialista em Direito Tributário – Ritter dos Reis, Mestrando em Ciências Criminais – PUCRS.
Bem-vinda é a jurisprudência que tende a eliminar, no que concerne à conversão da pena privativa de liberdade por medida de segurança, os estouvamentos dos arts. 97 e 98 do CP.
EMENTA Lei de execução penal. Medida de segurança. Internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico. Tratamento ambulatorial. O inimputável não sofre pena, todavia, fica sujeito à medida de segurança. Em se tratando de crime punível com reclusão, impõe-se a internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, ou, à falta, em outro estabelecimento adequado. Dada a profunda distância entre o normativo e a realidade fática, no tocante à execução da pena, em cuja extensão colocam-se também as medidas de segurança, o juiz precisa auscultar a teleologia da norma, a fim de alcançar o melhor resultado, individual e socialmente considerado. Em verdade, os hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico, quando muito, formam uma ala no estabelecimento prisional de segurança máxima. Preferível suspender, condicionalmente, a internação pelo tratamento ambulatorial (CP, art. 96, II). Não se trata de mera liberalidade. O recorrente livre deverá apresentar-se mensalmente ao juízo de execução penal a fim de prestar contas do tratamento. Caso não o faça, ou não as dê convincentemente, exigir-se-á a internação. Com isso, ajusta-se a norma ao fato. (STJ – REsp 111.167/DF – (96.0066493-5) – 6ª T. – Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro – DJU 25.08.1997)
COMENTÁRIO O acórdão anteriormente ementado, embora não muito recente, denota raro entendimento – desafeiçoado da incongruência do normativismo puro e simples – acerca da aplicação das medidas de segurança na realidade penal brasileira. E agora, em julgado datado de 27.11.2002, sequer publicado ainda, relativo à Apelação Criminal nº 70004805263, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul vem confirmar, de modo alvissareiro, compreensão mais clara e adequada do tema, aparentemente pouco discutido pela doutrina: como, afinal de contas, deve ser interpretado o art. 98 do Código Penal brasileiro, quando se trata de converter pena privativa de liberdade em medida de segurança? No caso em questão, o apelante foi condenado como incurso nas sanções do art. 157, § 2º, I e II, do Código Penal à pena privativa de liberdade de 3 (três) anos, 6 (seis) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime aberto, pena essa que foi convertida em
Aparentemente, tomou por lastro, o juízo apelado, a redação duvidosa inserta no art. 98 do Código Penal, ao disciplinar as regras aplicáveis aos semi-imputáveis. Prevê referido dispositivo: Art. 98. Na hipótese do parágrafo único do art. 26 deste Código e necessitando o condenado de especial tratamento curativo, a pena privativa de liberdade pode ser substituída pela internação, ou tratamento ambulatorial, pelo prazo mínimo de 1 (um) a 3 (três) anos, nos termos do artigo anterior e respectivos parágrafos 1º a 4º.
O dispositivo invocado é de peculiar atecnicidade, pois não estipula, com a clareza devida, a necessidade ou não de impor-se ao condenado semi-imputável a mesma disciplina estabelecida ao inimputável, uma vez decidida a conversão da pena privativa de liberdade por medida de segurança. Com efeito, a mera alusão do dispositivo invocado ao art. 97, valendo-se da expressão “nos termos do artigo anterior”, não é cristalina, pois a referência pode estar limitada, por exemplo, à faculdade de conversão para duas medidas de segurança distintas, e a tal se limitar. Poder-se-ia argumentar que, acaso desejasse o legislador fincar a mesma distinção de tratamento para delitos apenados com reclusão ou detenção – como ocorre com o art. 97 –, haveria por bem de ter lançado, na regra do art. 98 do Código Penal, a expressão “nos termos e com as ressalvas do artigo anterior”, ou outra similar, que tornasse clara a discriminação entre as espécies de pena privativa de liberdade. Entretanto, o exame do art. 98 não conduz à certeza alguma, não sendo lícito, nesse caso, com base no princípio favor rei, afirmar-se, peremptoriamente, que, sendo o delito apenado com reclusão, só é de ser aplicada a medida de segurança detentiva, consistente em internação em estabelecimento psiquiátrico, mesmo na hipótese de semi-imputabilidade. A discussão se arrefece quando o processado apresenta evidências cabais no sentido de demonstrar a semi-imputabilidade
do acusado, de tal modo a efetivamente convencer o Juiz no momento da prolatação da sentença. Entretanto, e à míngua de efetiva fundamentação, é costume decidir-se pela conversão da pena em medida de segurança detentiva (internação), em absoluta contradição com o teor de laudos psiquiátricos que não a recomendam sob hipótese alguma. E o argumento implícito, no manejo da substituição, é de que o delito cuja pena foi substituída é apenado com reclusão, impondo-se a mesma disciplina exigida no art. 97 do Código Penal, no que respeita ao inimputável. Há casos, no entanto, em que o transtorno de personalidade apresentado pelo periciado tem clara indicação de tratamento e justifica terapêutica medicamentosa. Nessas circunstâncias, acaso imposta a medida de segurança, a orientação especializada é a do cumprimento da sanção em regime de alta progressiva desde o início. Por meio da alta progressiva, a equipe de atendimento tem a possibilidade de supervisionar cuidadosa e criteriosamente as medidas terapêuticas propostas e acompanhar a evolução do periciado em seu meio social, evitando-se, também, os efeitos deletérios, a médio e longo prazos, do hospitalismo. A jurisprudência comentada está modificando o inexplicável descuro do Juiz com a opinião médica e abandonando a interpretação desfavorável, desprovida de sentido, sugerida pelos arts. 97 e 98 do CP. Não há, mesmo, razoabilidade na aplicação cega dos referidos dispositivos. É certo que a lei processual penal não vincula a atividade jurisdicional às conclusões periciais, sendo, em contrapartida, também adequado afirmar que a iniciativa de desacolher as conclusões médicas imprescinde da devida explanação, a teor do art. 93, IX, da Constituição Federal, em que está insculpido o importantíssimo preceito da fundamentação das decisões.
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medida de segurança detentiva (internação) pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.
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Nesse diapasão, impõe-se indagar qual a motivação da aplicação da medida de segurança detentiva contra toda a recomendação médica, quando se verifica despropositada a vinculação do episódio com hipótese de privação de liberdade, uma vez estabelecida a conversão, na forma do art. 97 do Código Penal.
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As condições oferecidas pelo caso concreto em que recomendado o mero tratamento ambulatorial – mesmo que se considere clara a previsão inserta no art. 98 do estatuto repressivo, o que não parece refletir a realidade – não podem implicar a adoção deliberada do legalismo, sem aferição daquilo que transparece como mais justo e adequado em termos de execução penal. Se os profissionais da área médica, com saber científico específico mais acurado que a autoridade judiciária, repelem a medida de internação, por reputá-la como prejudicial ao condenado, não subsiste – salvo minudente fundamentação em contrário – lançar o condenado em um sistema de tratamento que pode comprometer sua saúde, ao invés de auxiliá-lo em sua recuperação. Nem mesmo, em referida situação, mostra-se plausível avocar o disposto no art. 98, previsão essa que, afora sua má redação, perde todo o sentido.
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Sentido nenhum, refira-se, independentemente da análise do caso concreto, existe em vincular o modo de cumprimento da medida de segurança ao fato de o delito imputado ao réu ser apenado com reclusão ou detenção, na medida em que, justamente, a pena privativa de liberdade está sendo convertida. Ora, se o critério para a aplicação da medida de segurança, em nosso sistema vicariante, é a periculosidade presumida ou real do condenado, e a necessidade inarredável de que seja submetido a tratamento, soa desarrazoada a ideia do legislador, expressamente consignada no art. 97 e, pretensamente, avocada pelo art. 98, ambos os artigos do Código Penal. Se a medida de segurança não se relaciona à pena, qual é a importância
de haver o apelante cometido crime apenado com reclusão e detenção? Devem ser valorizados, aqui, na falta de expressa e segura previsão, os preceitos da razoabilidade e da proporcionalidade, como orientadores gerais do sistema constitucional de garantias, que se estende, sem sombra de dúvida, à fase executória, mesmo que na forma de medida de segurança. A aplicação desmedida do disposto no art. 97, pretensamente aplicável aos semi-imputáveis, conduziria a absurdos processuais, como o benefício do tratamento ambulatorial para quem necessitava de internação, mas praticou crime apenado com detenção, ou a internação de quem não revelava nenhum sinal relevante de periculosidade, mas cometeu crime apenado com reclusão, mesmo que timidamente punido. De outro lado, vê-se que a internação – mormente fixada em períodos iguais ou superiores a dois anos, também sem fundamentação legal – acaba revelando-se, paradoxalmente, mais gravosa ao apelante que a própria pena privativa de liberdade. Veja-se que, no caso em questão, a pena deveria ser cumprida em regime aberto. Assim, acaso não fosse convertido o apenamento privativo de liberdade em medida de segurança, a ilogicidade consistir-se-ia na faculdade do apelante de conviver, por meio da pena, mais intensamente com sua família e o meio social, olvidando-se por completo que a medida de segurança, em que pese seja uma sanção, é toda voltada ao tratamento e à recuperação do condenado, em termos de saúde. Por todos os aspectos abordados, “bem-vinda é a jurisprudência que tende a eliminar, no que concerne à conversão de pena privativa de liberdade por medida de segurança, os estouvamentos dos arts. 97 e 98 do CP”.
Medida Provisória
Medida Provisória nº 722, de 28.04.2016 Abre crédito extraordinário, em favor da Presidência da República e do Ministério do Esporte, no valor de R$ 180.000.000,00, para os fins que especifica. (DOU – Ed. Extra de 28.04.2016)
Nota: Prezado assinante, todas as normas selecionadas, inclusive medidas provisórias, podem ser consultadas em nosso endereço eletrônico www.sintese.com. 2.186-16, DE 23.08.2001
Patrimônio Genético. Diversidade Biológica
2.187-13, DE 24.08.2001
Previdência Social. Alteração na Legislação
2.189-49, DE 23.08.2001
IR. Alteração na Legislação
2.190-34, DE 23.08.2001
Vigilância Sanitária. Alteração da Lei nº 9.782/1999
2.192-70, DE 24.08.2001
Proes. Bancos Estaduais
2.196-3, DE 24.08.2001
Instituições Financeiras Federais. Recuperação. Empresa Gestora de Ativos – Emgea
2.197-43, DE 24.08.2001
SFH. Disposições
2.198-5, DE 24.08.2001
Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica
2.199-14, DE 24.08.2001
IR. Incentivos Fiscais
2.200-2, DE 24.08.2001
Infraestrutura de Chaves Públicas. ICP-Brasil
2.206-1, DE 06.09.2001
Programa Nacional de Renda Mínima
2.208, DE 17.08.2001
Estudante Menor de 18 Anos. Comprovação
2.209, DE 29.08.2001
Comercializadora Brasileira de Energia Elétrica – CBEE
2.210, DE 29.08.2001
Orçamento. Crédito Extraordinário
2.211, DE 29.08.2001
Orçamento 2001 e 2002. Diretrizes
2.213-1, DE 30.08.2001
Programa Bolsa-Renda. Estiagem
2.214, DE 31.08.2001
Administração Pública Federal. Recursos
Planos de Saúde. Alteração da Lei nº 9.656/1998
2.215-10, DE 31.08.2001
Militares das Forças Armadas. Reestruturação da Remuneração
Programa Nacional de Alimentação Escolar. Dinheiro Direto na Escola
2.220, DE 04.09.2001
Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano – CNDU
2.224, DE 04.09.2001
Capitais Brasileiros no Exterior
2.179-36, DE 24.08.2001
União e Banco Central. Relações Financeiras
2.225-45, DE 04.09.2001
2.180-35, DE 24.08.2001
Advocacia-Geral da União. Alteração na Legislação
Servidor Público. Tráfico de Entorpecentes. Alteração das Leis nºs 6.368/1976 e 8.112/1990
2.181-45, DE 24.08.2001
Operações Financeiras do Tesouro Nacional
2.226, DE 04.09.2001
Alteração da CLT
2.183-56, DE 24.08.2001
Reforma Agrária. Alteração na Legislação
2.227, DE 04.09.2001
Plano Real. Correção Monetária. Exceção
2.184-23, DE 24.08.2001
Carreira Policial. Gratificação
2.228-1, DE 06.09.2001
2.185-35, DE 24.08.2001
Dívida Pública Mobiliária. Consolidação. Assunção. Refinanciamento
Cultura. Política Nacional do Cinema – Ancine. Prodecine. Funcines
2.229-43, DE 06.09.2001
Policiais Civis da União e DF. Alteração na legislação
2 .156-5, DE 24.08.2001
Agência de Desenvolvimento do Nordeste – Adene
2.157-5, DE 24.08.2001
Agência de Desenvolvimento da Amazônia – ADA
2.158-35, DE 24.08.2001
Cofins, PIS/Pasep e IR. Alteração na Legislação
2.159-70, DE 24.08.2001
IR. Alteração na Legislação
2.161-35, DE 23.08.2001
Programa Nacional de Desestatização. Alteração da Lei nº 9.491/1997
2.162-72, DE 23.08.2001
Notas do Tesouro Nacional – NTN
2.163-41, DE 23.08.2001
Meio Ambiente. Alteração da Lei nº 9.605/1998
2.164-41, DE 24.08.2001
Alteração da CLT. Trabalho a Tempo Parcial e PAT
2.165-36, DE 23.08.2001
Servidor Público e Militar. Auxílio-Transporte
2.166-67, DE 24.08.2001
Código Florestal. Alteração da Lei nº 4.771/1965
2.167-53, DE 23.08.2001
Recebimento de Valores Mobiliários pela União
2.168-40, DE 24.08.2001
Cooperativas. Recoop. Sescoop
2.169-43, DE 24.08.2001
Servidor Público. Vantagem de 28,86%
2.170-36, DE 23.08.2001
Tesouro Nacional. Administração de Recursos
2.172-32, DE 23.08.2001
Usura. Agiotagem
2.173-24, DE 23.08.2001
Anuidades Escolares
2.174-28, DE 24.08.2001
União. Programa de Desligamento Voluntário – PDV
2.177-44, DE 24.08.2001 2.178-36, DE 24.08.2001
Normas do Juris SÍNTESE atingidas pelas Medidas Provisórias em vigor (até 30.04.2016)
Maio/2016 – Ed. 230
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85
MP 699 700 700 700 700 700 700 700 701 701 701 701 701 703 703 703
DOU 11.11.2015 09.12.2015 09.12.2015 09.12.2015 09.12.2015 09.12.2015 09.12.2015 09.12.2015 09.12.2015 09.12.2015 09.12.2015 09.12.2015 09.12.2015 21.12.2015 21.12.2015 21.12.2015
ART 1º 1º 2º 3º 4º 5º 6º 7º 1º 2º 3º 4º 5º 1º 2º 2º
NORMA LEGAL Lei nº 9.503/1997 Decreto-Lei nº 3.365/1941 Lei nº 6.015/1973 Lei nº 10.406/2002 Lei nº 9.514/1997 Lei nº 6.766/1979 Lei nº 12.787/2013 Lei nº 6.015/1973 Lei nº 6.704/1979 Lei nº 9.818/1999 Lei nº 11.281/2006 Lei nº 12.712/2012 Decreto-Lei nº 857/1969 Lei nº 12.846/2013 Lei nº 8.429/1992 Lei nº 12.846/2013
ALTERAÇÃO 253-A, 271-A e 320-A 2º, 4º, 4º-A, 5º, 7º, 15-A, 176-A, 176-B, 195-B, 221, 235, 1.225, 1.473 22 26 38 235 1º, 4º 5º 2º 56 2º 15, 16, 17, ,17-A, 17-B, 18, 20, 25, 29, 30 17 16
MP 705 706 707 707 713 714 714 714 714 714 714 717 718
DOU 24.12.2015 28.12.2015 31.12.2015 31.12.2015 02.03.2016 02.03.2016 02.03.2016 02.03.2016 02.03.2016 02.03.2016 02.03.2016 16.03.2016-extra 17.03.2016
ART 1º 1º 1º 2º 1º 3º 4º 5º 5º 5º 5º 4º 2º
NORMA LEGAL Lei nº 12.722/2012 Lei nº 12.783/2013 Lei nº 12.096/2009 Lei nº 12.844/2013 Lei nº 12.249/2010 Lei nº 5.862/1972 Lei nº 7.565/1986 Lei nº 7.565/1986 Lei nº 7.920/1989 Lei nº 8.399/1992 Lei nº 12.462/2011 Lei nº 10.683/2003 Lei nº 9.615/1998
718 718
17.03.2016 17.03.2016
4º 7º
Lei nº 12.780/2013 Lei nº 10.973/2004
ALTERAÇÃO 4º 11 1º-A 8º, 9º 60 2º 181 181 e 182 63 5º 1º, 11, 48-A, 48-B, 48-C, 50, 50-B, 55-A, 55-B e 55-C 5º, 19 e 20 20
DOU 17.03.2016 30.03.2016 30.03.2016 30.03.2016 30.03.2016 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 27.08.2001
ART 8º 1º 2º 3º 4º 32 32 32 32 32 2º e 93 3º e 93 10 e 93 19 e 93 34 e 75 64 69 70 72 73 73 e 93 75 82 93 93 93 93 93 93 1º e 6º 6º 1º 7º e 8º
NORMA LEGAL Lei nº 8.010/1990 Lei nº 10.820/2003 Lei nº 12.712/2012 Lei nº 8.374/1991 Lei nº 13.259/2016 DL 1.376/74 DL 2.397/87 Lei nº 8.034/90 Lei nº 9.532/97 DL 1.376/74 Lei nº 9.718/98 Lei nº 9.701/98 Lei nº 9.779/99 Lei nº 9.715/98 Lei nº 9.532/97 D nº 70.235/72 DL 1.455/76 Lei nº 9.430/96 Lei nº 8.218/91 Lei nº 9.317/96 Lei nº 9.317/96 Lei nº 9.532/97 Lei nº 8.981/95 Lei nº 9.432/97 LC 70/91 LC 85/96 Lei nº 7.714/88 Lei nº 9.004/95 Lei nº 9.493/97 Lei nº 9.491/97 Lei nº 9.094/95 Lei nº 9.605/98 Lei nº 7.998/90
2.164-41
27.08.2001
1º e 2º
CLT
2.164-41 2.164-41 2.164-41 2.164-41 2.164-41 2.164-41 2.165-36 2.165-36 2.166-67
27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 25.08.2001-extra
3º 4º 5º 6º 9º 10 13 13 1º
Lei nº 4.923/65 Lei nº 5.889/73 Lei nº 6.321/76 Lei nº 6.494/77 Lei nº 8.036/90 Lei nº 9.601/98 Lei nº 7.418/85 Lei nº 8.627/93 Lei nº 4.771/65
2.166-67 2.167-53 2.168-40 2.168-40 2.168-40 2.170-36 2.172-32 2.173-24 2.177-44
25.08.2001 24.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 27.08.2001
3º 2º e 3º 13 14 18 8º 7º 1º e 2º 1º e 8º
Lei nº 9.393/96 Lei nº 9.619/98 Lei nº 5.764/71 Lei nº 9.138/95 Lei nº 10.186/01 Lei nº 8.212/91 Lei nº 1.521/51 Lei nº 9.870/99 Lei nº 9.656/98
ALTERAÇÃO 1º 1º 38 10 e 14 4º 1º e 11 12 1º 2º 1º 3º e 8º 1º 14 e 17 2º e 4º 1º e 64-A 1º, 25 e 64-A 1º, 9º, 10, 16, 18, 19 e 64-A 63 11 e 12 1º e 64-A 9º e 15 1º, 15 e 64-A 29 11 6º e 7º Revogada 5º Revogada 7º 2º, 4º, 5º, 6º e 30 2º 79-A 2º, 2º-A, 2º-B, 3º-A, 7º-A, 8º-A, 8º-B e 8º-C 58-A, 59, 130-A, 143, 476-A, 627-A, 643 e 652 1º 18 2º 1º 19-A, 20, 29-C e 29-D 2º 1º 6º 1º, 3º-A, 4º, 14, 16, 37-A, 44, 44-A, 44-B e 44-C 10 1º e 4º-A 88 2º 7º 60 4º, § 3º 1º e 6º 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 24-A, 24-B, 24-C, 24-D, 25, 26, 27, 28, 29, 29-A, 30, 31, 32, 34, 35, 35-A, 35-B, 35-C, 35-D, 35-E, 35-F, 35-G, 35-H e 35-I
MP 2.178-36 2.178-36 2.180-35 2.180-35
DOU 25.08.2001-extra 25.08.2001-extra 27.08.2001 27.08.2001
ART 16 32 1º 4º
NORMA LEGAL Lei nº 9.533/97 Lei nº 8.913/97 Lei nº 8.437/92 Lei nº 9.494/97
2.180-35 2.180-35 2.180-35 2.180-35 2.180-35 2.180-35 2.181-45 2.181-45 2.181-45 2.183-56 2.183-56 2.183-56 2.187-13 2.187-13 2.187-13 2.187-13 2.187-13 2.189-49 2.189-49 2.189-49 2.189-49 2.190-34 2.192-70 2.196-3 2.196-3 2.197-43 2.197-43 2.197-43 2.199-14 2.211 2.211 2.214 2.215-10 2.215-10
27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 25.08.2001-extra 25.08.2001 25.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 30.08.2001 30.08.2001 01.09.2001-extra 01.09.2001 01.09.2001
6º 7º 8º 10 14 21 45 46 52 1º 3º 4º 2º 3º e 16 4º e 16 7º 16 10 11 13 14 7º e 8º 23 12 14 3º e 8º 4º e 8º 5º 18 1º 2º 1º 41 41
Lei nº 7.347/85 Lei nº 8.429/92 Lei nº 9.704/98 CPC Lei nº 4.348/64 Lei nº 10.257/01 Lei nº 8.177/91 Lei nº 9.365/96 Lei nº 10.150/00 DL 3.365/41 Lei nº 8.177/91 Lei nº 8.629/93 Lei nº 6.015/73 Lei nº 8.212/91 Lei nº 8.213/91 Lei nº 9.639/98 Lei nº 9.711/98 Lei nº 9.532/97 Lei nº 9.250/95 Lei nº 9.430/96 Lei nº 9.317/96 Lei nº 9.294/96 Lei nº 9.496/97 Lei nº 8.036/90 Lei nº 7.827/89 Lei nº 8.692/93 Lei nº 4.380/64 Lei nº 8.036/90 Lei nº 9.532/97 Lei nº 9.995/00 Lei nº 10.266/01 Lei nº 10.261/01 Lei nº 8.448/92 Lei nº 8.460/92
2.217-3
05.09.2001
1º
Lei nº 10.233/01
2.220 2.224 2.225-45 2.225-45
05.09.2001-extra 05.09.2001 05.09.2001 05.09.2001
Lei nº 6.015/73 Lei nº 4.131/62 Lei nº 6.368/76 Lei nº 8.112/90
2.225-45 2.225-45 2.226 2.226 2.228-1 2.228-1
05.09.2001 05.09.2001 05.09.2001 05.09.2001 05.09.2001 05.09.2001
15 4º 1º 2º, 3º e 15 4º 5º 1º 3º 51 52 e 53
2.229-43 2.229-43
10.09.2001 10.09.2001
72 74
Lei nº 9.986/00 Lei nº 8.745/93
Lei nº 8.429/92 Lei nº 9.525/97 CLT Lei nº 9.469/97 Lei nº 8.685/93 Lei nº 8.313/91
ALTERAÇÃO 4º Revogada 1º e 4º 1º-A, 1º-B (CPC e CLT), 1º-C, 1º-D, 1ºE, 1º-F, 2º-A e 2º-B 1º e 2º 17 1º 741 4º 53 18 6º 1º 10, 15-A, 15-B e 27 5º 2º, 2º-A, 5º, 6º, 7º, 11, 12, 17, 18 e 26-A 80 38, 55, 56, 68, 101 e 102 41, 95, 96, 134, 144, 145, 146 e 147 1º, 2º e 5º 7º, 8º, 9º, 12, 13, 14, 15, 16 e 17 6º, II, 34 e 82, II, f 10 e 25 79 9º 2º, 3º e 7º 1º, 3º, 6º, 7º-A e 7º-B 9º 9º-A 23 e 25 9º, 14 e 18 9º, 20, 23, 29-A e 29-B 4º 35 e 70 18, 34, 38 e 51 1º 6º 2º, 20, 25, 26 e 27, 5º, 7º-A, 13, 14, 14-A, 23, 24, 27, 28, 30, 32, 34-A, 38, 44, 51-A e 61-A 74, 77, 78-A, 78-B, 78-C, 78-D, 78-E, 78-F, 78-G, 78-H, 78-I 78-J, 82, 83, 84, 85-A, 85-B, 85-C, 85-D, 86, 88, 89, 100, 102-A, 103-A, 103-B, 103-C, 103-D, 113-A, 114-A, 15, 116-A, 118 e 119 167, I 6º 3º 25, 26, 46, 47, 61, 62-A, 67, 91, 117 e 119 17 2º 896-A 6º 5º 3º, II, a (a partir de 01.01.2007), e 18, § 3º 22 4º
Maio/2016 – Ed. 230
MP 718 719 719 719 719 2.156-5 2.156-5 2.156-5 2.156-5 2.157-5 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.161-35 2.162-72 2.163-41 2.164-41
86
Normas Legais
Lei nº 13.277, de 29.04.2016 Institui o dia 7 de abril como o Dia Nacional de Combate ao Bullying e à Violência na Escola. (DOU de 02.05.2016) Lei nº 13.276, de 29.04.2016 Abre crédito extraordinário, em favor dos Ministérios da Saúde, do Trabalho e Emprego e das Cidades e de Encargos Financeiros da União, no valor de R$ 37.579.334.525,00, para os fins que especifica. (DOU de 02.05.2016) Lei nº 13.275, de 27.04.2016 Abre crédito extraordinário, em favor dos Ministérios da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, da Saúde, da Cultura, do Esporte, da Defesa, da Integração Nacional e do Turismo, da Secretaria de Aviação Civil, da Secretaria de Portos e de Transferências a Estados, Distrito Federal e Municípios, no valor de R$ 1.318.639.330,00, para os fins que especifica. (DOU de 28.04.2016) Lei nº 13.274, de 26.04.2016 Altera a Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009, para dispor sobre operações de financiamento habitacional com desconto ao beneficiário concedido pelo Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS para aquisição de imóveis no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida – PMCMV construídos com recursos do Fundo de Arrendamento Residencial – FAR. (DOU de 27.04.2016) Lei nº 13.273, de 15.04.2016 Altera os limites do Parque Nacional de São Joaquim, no Estado de Santa Catarina. (DOU de 18.04.2016) Lei nº 13.272, de 15.04.2016 Institui o ano de 2016 como o Ano do Empoderamento da Mulher na Política e no Esporte. (DOU de 18.04.2016) Lei nº 13.271, de 15.04.2016 Dispõe sobre a proibição de revista íntima de funcionárias nos locais de trabalho e trata da revista íntima em ambientes prisionais. (DOU de 18.04.2016) Lei nº 13.270, de 13.04.2016 Altera o art. 6º da Lei nº 12.842, de 10 de julho de 2013, que dispõe sobre o exercício da Medicina. (DOU de 14.04.2016) Lei nº 13.269, de 13.04.2016 Autoriza o uso da fosfoetanolamina sintética por pacientes diagnosticados com neoplasia maligna. (DOU de 14.04.2016) Lei nº 13.268, de 12.04.2016 Abre crédito extraordinário, em favor dos Ministérios da Justiça, da Cultura, da Defesa, da Integração Nacional e do Turismo e de Encargos Financeiros da União, no valor de R$ 1.472.650.000,00, para os fins que especifica. (DOU de 13.04.2016) Lei nº 13.267, de 06.04.2016 Disciplina a criação e a organização das associações denominadas empresas juniores, com funcionamento perante instituições de ensino superior. (DOU de 07.04.2016) Lei nº 13.266, de 05.04.2016 Extingue e transforma cargos públicos; altera a Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003, que dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios, e a Lei nº 11.457, de 16 de março de 2007; e revoga dispositivos da Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003. (DOU de 06.04.2016 – Edição Extra) Lei nº 13.265, de 1º.04.2016 Altera as Leis nºs 12.780, de 9 de janeiro de 2013, que dispõe sobre medidas tributárias referentes à realização, no Brasil, dos Jogos Olímpicos de 2016 e dos Jogos Paraolímpicos de 2016; e 10.451, de 10 de maio de 2002, para prorrogar a isenção de tributos incidentes sobre a importação de equipamentos e materiais esportivos. (DOU de 04.04.2016) Lei nº 13.264, de 1º.04.2016 Dispõe sobre a transformação de cargos vagos no Quadro Permanente da Justiça do Distrito Federal e dos Territórios; e altera a Lei nº 11.697, de 13 de junho de 2008. (DOU de 04.04.2016)
Indicadores
I – Índices de Atualização dos Débitos Trabalhistas TABELA ÚNICA PARA ATUALIZAÇÃO DE DÉBITOS TRABALHISTAS ATÉ 31 DE MAIO DE 2016 – PARA 1º DE JUNHO DE 2016* *TR prefixada de 1º maio/2016 a 1º junho/2016 (Banco Central) = 0,1533% Mês/Ano 1993 1994 1995 1996 1997 1998 JAN 0,000234411 0,009104276 2,381913560 1,809653430 1,651368284 1,504184047
Mês/Ano 2005 2006 2007 2008 2009 2010 JAN 1,153781773 1,121989897 1,099583326 1,083917350 1,066482034 1,058973847
FEV
0,000184925 0,006436846 2,332892490 1,787266134 1,639172838 1,487142877
FEV
1,151616733 1,119386205 1,097181595 1,082823698 1,064523311 1,058973847
MAR
0,000146302 0,004602350 2,290448194 1,770227693 1,628399315 1,480538196
MAR
1,150509943 1,118575237 1,096391097 1,082560636 1,064043427 1,058973847
ABR
0,000116288 0,003244519 2,238956669 1,755936129 1,618178930 1,467339477
ABR
1,147486316 1,116261228 1,094338119 1,082118049 1,062515530 1,058135803
MAIO
0,000090694 0,002222730 2,163939382 1,744428136 1,608190459 1,460446171
MAIO
1,145192496 1,115307640 1,092947889 1,081085613 1,062033367 1,058135803
JUN
0,000070480 0,001517843 2,095883935 1,734217066 1,598036535 1,453841370
JUN
1,142305889 1,113205907 1,091105013 1,080290519 1,061556728 1,057596429
JUL
0,000054182 2,841912658 2,037087479 1,723704194 1,587661169 1,446733568
JUL
1,138897169 1,111053796 1,090065091 1,079053923 1,060860803 1,056973872
AGO
0,041560347 2,705909532 1,977937265 1,713677467 1,577282650 1,438815765
AGO
1,135972041 1,109111741 1,088466134 1,076992559 1,059747009 1,055758693
SET
0,031168701 2,649444570 1,927729549 1,702991198 1,567454709 1,433441791
SET
1,132048362 1,106416511 1,086872779 1,075300037 1,059538280 1,054799880
OUT
0,023153099 2,586360647 1,891056295 1,691791538 1,557372280 1,427003153
OUT
1,129071002 1,104736207 1,086490334 1,073185861 1,059538280 1,054059930
NOV
0,016958250 2,521922993 1,860287145 1,679332569 1,547233261 1,414426076
NOV
1,126704921 1,102668703 1,085250978 1,070503180 1,059538280 1,053562649
DEZ
0,012454649 2,450348318 1,833902786 1,665763262 1,523866295 1,405800087
DEZ
1,124535692 1,101256892 1,084611057 1,068773904 1,059538280 1,053208771
Mês/Ano 1999 2000 2001 2002 2003 2004 JAN 1,395426487 1,319807261 1,292708097 1,263826431 1,229372762 1,174762351
Mês/Ano 2011 2012 2013 2014 2015 2016 JAN 1,051730038 1,039177731 1,036175834 1,034200273 1,025388925 1,007302839
FEV
1,388258906 1,316977078 1,290940799 1,260560319 1,223404993 1,173260577
FEV
1,050978588 1,038280657 1,036175834 1,033037073 1,024489423 1,005974952
MAR
1,376833938 1,313918276 1,290465907 1,259085930 1,218390099 1,172723470
MAR
1,050428164 1,038280657 1,036175834 1,032482630 1,024317338 1,005013154
ABR
1,361026971 1,310979061 1,288244973 1,256876341 1,213799509 1,170642068
ABR
1,049156586 1,037172956 1,036175834 1,032208063 1,022991541 1,002838999
MAIO
1,352785800 1,309275693 1,286256421 1,253920850 1,208742132 1,169619821
MAIO
1,048769590 1,036937571 1,036175834 1,031734496 1,021894027 1,001533000
JUN
1,345037041 1,306021089 1,283910716 1,251290637 1,203147496 1,167814380
JUN
1,047125603 1,036452511 1,036175834 1,031111705 1,020717140 1,000000000
JUL
1,340869618 1,303232172 1,282041499 1,249314222 1,198155979 1,165761474
JUL
1,045960403 1,036452511 1,036175834 1,030632461 1,018869929
AGO
1,336948349 1,301219186 1,278919656 1,246004833 1,191643646 1,163490340
AGO
1,044676496 1,036303284 1,035959319 1,029547318 1,016526834
SET
1,333022597 1,298589542 1,274540336 1,242921145 1,186851141 1,161162210
SET
1,042512240 1,036175834 1,035959319 1,028927903 1,014632515
OUT
1,329413240 1,297243004 1,272470027 1,240495976 1,182871960 1,159159183
OUT
1,041467648 1,036175834 1,035877484 1,028030433 1,012688154
NOV
1,326408924 1,295538076 1,268774088 1,237071761 1,179083564 1,157876256
NOV
1,040822338 1,036175834 1,034925353 1,026964444 1,010878681
DEZ
1,323764044 1,293989171 1,266332599 1,233809569 1,176993224 1,156550849
DEZ
1,040151441 1,036175834 1,034711168 1,026468659 1,009569270
OBS.: Foram consideradas as divisões por 1.000 ocorridas em março/1986, janeiro/1989, agosto/1993, e por 2.750 ocorridas em julho/1994.
TABELA PARA ATUALIZAÇÃO DIÁRIA DE DÉBITOS TRABALHISTAS
Maio/2016 – Ed. 230
MÊS: MAIO ANO: 2016
89
DIA 1º 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 1º
MÊS MAIO MAIO MAIO MAIO MAIO MAIO MAIO MAIO MAIO MAIO MAIO MAIO MAIO MAIO MAIO MAIO MAIO MAIO MAIO MAIO MAIO MAIO MAIO MAIO MAIO MAIO MAIO MAIO MAIO MAIO MAIO JUNHO
TR DIÁRIA 0,007295% 0,007295% 0,007295% 0,007295% 0,007295% 0,007295% 0,007295% 0,007295% 0,007295% 0,007295% 0,007295% 0,007295% 0,007295% 0,007295% 0,007295% 0,007295% 0,007295% 0,007295% 0,007295% 0,007295% 0,007295% -
TR ACUMULADA 0,000000% 0,000000% 0,007295% 0,014590% 0,021886% 0,029182% 0,036479% 0,036479% 0,036479% 0,043776% 0,051074% 0,058372% 0,065671% 0,072971% 0,072971% 0,072971% 0,080271% 0,087571% 0,094872% 0,102174% 0,109476% 0,109476% 0,109476% 0,116779% 0,124082% 0,131386% 0,131386% 0,138690% 0,138690% 0,138690% 0,145995% 0,153300%
INDICE 1,00000000 1,00000000 1,00007295 1,00014590 1,00021886 1,00029182 1,00036479 1,00036479 1,00036479 1,00043776 1,00051074 1,00058372 1,00065671 1,00072971 1,00072971 1,00072971 1,00080271 1,00087571 1,00094872 1,00102174 1,00109476 1,00109476 1,00109476 1,00116779 1,00124082 1,00131386 1,00131386 1,00138690 1,00138690 1,00138690 1,00145995 1,00153300
2 – Juros de mora (incidentes a partir da propositura da ação e aplicados sobre o principal corrigido): • Até 28.02.1987 – Juros simples – 0,5% ao mês; • De 01.03.1987 até 31.01.1991 – Juros capitalizados mensalmente – 1% ao mês; • De 01.02.1991 em diante – Juros simples – 1% ao mês.
Fórmula para cálculo da taxa efetiva (T) dos juros capitalizados: T = (1,01)n – 1, onde “n” é igual ao número de dias decorridos desde a data da propositura da ação, contidos no período compreendido entre 01.03.1987 e 31.01.1991, dividido por 30.
Juros Capitalizados Mensalmente Nº Meses
% Efetivo
Nº Meses
% Efetivo
Nº Meses
% Efetivo
01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15 16
1,0000 2,0100 3,0301 4,0604 5,1010 6,1520 7,2135 8,2856 9,3685 10,4622 11,5668 12,6825 13,8093 14,9474 16,0968 17,2578
17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32
18,4304 19,6147 20,8108 22,0190 23,2391 24,4715 25,7163 26,9734 28,2431 29,5256 30,8208 32,1290 33,4503 34,7848 36,1327 37,4940
33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 –
38,8690 40,257+6 41,6602 43,0768 44,5076 45,9527 47,4122 48,8863 50,3752 51,8789 53,3977 54,9317 56,4810 58,0458 59,6263 –
Vigência
Moeda
Valor
Norma Legal
DOU
Vigência
Moeda
Valor
Norma Legal
DOU
01.10.1989
NCz$
381,73
Decreto nº 98.211/89
02.10.1989
01.09.1990
Cr$
6.056,31
Port. 3.588/90
03.09.1990
01.11.1989
NCz$
557,33
Decreto nº 98.346/89
31.10.1989
01.10.1990
Cr$
6.425,14
Port. 3.628/90
01.10.1990
01.12.1989
NCz$
788,18
Decreto nº 98.456/89
01.12.1989
01.11.1990
Cr$
8.329,55
Port. 3.719/90
01.11.1990
01.01.1990
NCz$
1.283,95
Decreto nº 98.783/89
29.12.1989
01.12.1990
Cr$
8.836,82
Port. 3.787/90
03.12.1990
Cr$
12.325,50
Port. 3.828/90
31.12.1990
01.02.1990
NCz$
2.004,37
Decreto nº 98.900/90
01.02.1990
01.01.1991
01.03.1990
NCz$
3.674,06
Decreto nº 98.985/90
01.03.1990
01.02.1991
Cr$
15.895,46
MP 295/91
01.02.1991
01.04.1990
Cr$
3.674,06
Port. 3.143/90
24.04.1990
01.03.1991
Cr$
17.000,00
Lei nº 8.178/91
04.03.1991
Cr$
42.000,00
Lei nº 8.222/91
06.09.1991
01.05.1990
Cr$
3.674,06
Port. 3.352/90
23.05.1990
01.09.1991
01.06.1990
Cr$
3.857,76
Port. 3.387/90
04.06.1990
01.01.1992
Cr$
96.037,33
Port. 42/92
21.01.1992
01.07.1990
Cr$
4.904,76
Port. 3.501/90
16.07.1990
01.05.1992
Cr$
230.000,00
Lei nº 8.419/92
08.05.1992
01.08.1990
Cr$
5.203,46
Port. 429/90
01.08.1990
01.09.1992
Cr$
522.186,94
Port. 601/92
31.08.1992
Maio/2016 – Ed. 230
II – Evolução do Salário-Mínimo desde 1989
90
Vigência
Moeda
Valor
Norma Legal
DOU
Vigência
Moeda
Valor
Norma Legal
DOU
01.01.1993
Cr$
1.250.700,00
Lei nº 8.542/92
24.12.1992
03.04.2000
R$
151,00
Lei nº 9.971/00
19.05.2000
01.03.1993
Cr$
1.709.400,00
Port. Interm. 4/93
01.03.1993
01.04.2001
R$
180,00
MP 2.142/01 (atual 2.194-6)
30.03.2001
01.05.1993
Cr$
3.303.300,00
Port. Interm. 7/93
04.05.1993
01.04.2002
R$
200,00
Lei nº 10.525/02
28.03.2002
01.07.1993
Cr$
4.639.800,00
Port. Interm. 11/93
01.08.1993
01.04.2003
R$
240,00
Lei nº 10.699/03
10.07.2003
01.08.1993
CR$
5.534,00
Port. Interm. 12/93
03.08.1993
01.05.2004
R$
260,00
Lei nº 10.888/04
25.06.2004
01.09.1993
CR$
9.606,00
Port. Interm. 14/93
02.09.1993
01.05.2005
R$
300,00
Lei nº 11.164/05
19.08.2005
01.10.1993
CR$
12.024,00
Port. Interm. 15/93
04.10.1993
01.04.2006
R$
350,00
MP 288/06
31.03.2006
01.11.1993
CR$
15.021,00
Port. Interm. 17/93
03.11.1993
01.04.2006
R$
350,00
Lei nº 11.321/06
10.07.2006
01.12.1993
CR$
18.760,00
Port. Interm. 19/93
02.12.1993
01.04.2007
R$
380,00
MP 362/07
30.03.2007-extra
01.01.1994
CR$
32.882,00
Port. Interm. 20/93
31.12.1993
01.04.2007
R$
380,00
Lei nº 11.498/07
29.06.2007
01.02.1994
CR$
42.829,00
Port. Interm. 02/94
02.02.1994
01.03.2008
R$
415,00
MP 421/08
29.02.2008-extra
01.03.1994
URV
64,79
Port. Interm. 04/94
03.03.1994
01.02.2009
R$
465,00
MP 456/09
30.01.2009-extra
01.07.1994
R$
64,79
Lei nº 9.069/95
30.06.1994/30.06.1995
01.01.2010
R$
510,00
MP 474/09
24.12.2009
01.09.1994
R$
70,00
Lei nº 9.063/95
01.09.1994/20.06.1995
01.01.2011
R$
540,00
MP 516/10
31.12.2010
01.05.1995
R$
100,00
Lei nº 9.032/95
29.04.1995
01.03.2011
R$
545,00
Lei nº 12.382/11
28.02.2011
01.05.1996
R$
112,00
Lei nº 9.971/00
19.05.2000
01.01.2012
RS
622,00
Decreto nº 7.655/11
26.12.2011
01.05.1997
R$
120,00
Lei nº 9.971/00
19.05.2000
01.01.2013
R$
678.00
Decreto nº 7.872/11
26.12.2012
01.05.1998
R$
130,00
Lei nº 9.971/00
19.05.2000
01.01.2014
R$
724,00
Decreto nº 8.166/13
24.12.2013
01.05.1999
R$
136,00
Lei nº 9.971/00
19.05.2000
01.01.2015
R$
788,00
Decreto nº 8.381/14
29.12.2014
Maio/2016 – Ed. 230
III – Previdência Social – Valores de Benefícios (Abril/2015)
91
Salário-de-benefício mínimo Salário-de-benefício máximo Renda mensal vitalícia Salário-família:
R$ 788,00 R$ 4.663,75 R$ 788,00 I - R$ 37,18 (trinta e sete reais e dezoito centavos) para o segurado com remuneração mensal não superior a R$ 725,02 (setecentos e vinte e cinco reais e dois centavos);
II - R$ 26,20 (vinte e seis reais e vinte centavos) para o segurado com remuneração mensal superior a R$ 725,02 (setecentos e vinte e cinco reais e dois centavos) e igual ou inferior a R$ 1.089,72 (um mil e oitenta e nove reais e setenta e dois centavos). Benefícios a idosos e portadores de deficiência Um salário-mínimo (Decreto nº 1.744/1995)
INSS – JANEIRO 2016 TABELA DE CONTRIBUIÇÃO (EMPREGADO, EMPREGADO DOMÉSTICO E TRABALHADOR AVULSO) PARA PAGAMENTO DE REMUNERAÇÃO A PARTIR DE 1º DE JANEIRO DE 2016 Salário-de-contribuição (R$)
Alíquota para fins de recolhimento ao INSS (%)
até 1.556,94
8%*
de 1.556,95 até 2.594,92
9%*
de 2.594,93 até 5.189,82
11%*
ESCALA DE SALÁRIOS-BASE PARA OS SEGURADOS CONTRIBUINTE INDIVIDUAL E FACULTATIVO
Nota: Escala extinta, conforme o art. 9º da Lei nº 10.666, de 08.05.2003, DOU 09.05.2003, e o art. 39 da Instrução Normativa DC/INSS nº 89, de 11.06.2003, DOU 13.06.2003.
* Alíquota reduzida para salários e remunerações até três salários-mínimos, em razão do disposto no inciso II do art. 17 da Lei nº 9.311, de 24.10.1996, que instituiu a Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e de Direitos de Natureza Financeira – CPMF.
IV – Imposto de Renda na Fonte TABELA PROGRESSIVA MENSAL Alíquota %
Até 1.903,98
-
Parcela a deduzir do imposto em R$ -
De 1.903,99 até 2.826,65
7,5 142,80
De 2.826,66 até 3.751,05
15,0 354,80
De 3.751,06 até 4.664,68
22,5 636,13
Acima de 4.664,68
27,5 869,36
Dedução por dependente
O imposto de renda anual devido, incidente sobre os rendimentos de pessoas físicas, será calculado de acordo com a tabela progressiva anual correspondente à soma das tabelas progressivas mensais vigentes nos meses de cada ano-calendário.
189,59
V – Limites de Depósitos Recursais na Justiça do Trabalho NOVOS VALORES PARA DEPÓSITOS RECURSAIS NA JUSTIÇA DO TRABALHO (Ato nº 397/2015 do TST, DJe de 13.07.2015, vigência a partir de 01.08.2015) Recurso Ordinário
R$ 8.183,06
Recurso de Revista, Embargos, Recurso Extraordinário e Recurso em Ação Rescisória
R$ 16.366,10
Ação Rescisória – Depósito prévio de 20% do valor da causa, salvo prova de miserabilidade, nos termos do art. 836 da CLT, alterado pela Lei nº 11.495/2007, cujos efeitos começam a fluir a partir do dia 24.09.2007.
Maio/2016 – Ed. 230
Base de cálculo em R$
TABELA PROGRESSIVA ANUAL
92
VI – Indexadores Indexador INPC IGPM UFIR SELIC
Novembro
Dezembro
Janeiro
Fevereiro
Março
Abril
1,11 0,90 1,51 1,00 0,44 1,52 0,49 1,14 1,29 0,51 Extinta, a partir de outubro de 2000, pela MP 1.973-67, atual Lei nº 10.522, de 19.07.2002, DOU 22.07.2002, art. 29, § 3º. 1,06 1,16 1,06 0,95 1,16 Valor de Referência Base Maio/1992 – Cruzeiros 79.297,75 Emissão anterior a Jan./1989 79.297,75
TDA
0,64 0,33 1,06
Valores nominais reajustados – Reais 91,87 Emissão anterior a Jan./1989 157,23
(*) Referente ao primeiro dia de cada mês.
VII – Índices de Atualização dos Débitos Judiciais
Maio/2016 – Ed. 230
Tabela editada em face da Jurisprudência ora predominante.
93
Mês/Ano 1993 1994 1995 1996 1997 1998
Mês/Ano 1999
JAN 140.277,063840 3631,929071 FEV 180.634,775106 5132,642163 MAR 225.414,135854 7214,955088 ABR 287.583,354522 10323,157739 MAIO 369.170,752199 14747,663145 JUN 468.034,679637 21049,339606 JUL 610.176,811842 11,346741 AGO 799,392641 12,036622 SET 1065,910147 12,693821 OUT 1445,693932 12,885497 NOV 1938,964701 13,125167 DEZ 2636,991993 13,554359
JAN FEV MAR ABR MAIO JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ
13,851199 16,819757 14,082514 17,065325 14,221930 17,186488 14,422459 17,236328 14,699370 17,396625 15,077143 17,619301 15,351547 17,853637 15,729195 18,067880 15,889632 18,158219 16,075540 18,161850 16,300597 18,230865 16,546736 18,292849
18,353215 18,501876 18,585134 18,711512 18,823781 18,844487 18,910442 18,944480 18,938796 18,957734 19,012711 19,041230
19,149765 19,312538 19,416825 19,511967 19,599770 19,740888 19,770499 19,715141 19,618536 19,557718 19,579231 19,543988
2002
2003
19,626072 21,280595 22,402504 24,517690 19,753641 21,410406 22,575003 24,780029 20,008462 21,421111 22,685620 24,856847 20,264570 21,448958 22,794510 25,010959 20,359813 21,468262 22,985983 25,181033 20,369992 21,457527 23,117003 25,203695 20,384250 21,521899 23,255705 25,357437 20,535093 21,821053 23,513843 25,649047 20,648036 22,085087 23,699602 25,869628 20,728563 22,180052 23,803880 26,084345 20,927557 22,215540 24,027636 26,493869 21,124276 22,279965 24,337592 27,392011
2000
2001
28,131595 28,826445 29,247311 29,647999 30,057141 30,354706 30,336493 30,348627 30,403254 30,652560 30,772104 30,885960
2004 31,052744 31,310481 31,432591 31,611756 31,741364 31,868329 32,027670 32,261471 32,422778 32,477896 32,533108 32,676253
Mês/Ano JAN FEV MAR ABR MAIO JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ
2005 2006 2007
2008
32,957268 34,620735 35,594754 37,429911 33,145124 34,752293 35,769168 37,688177 33,290962 34,832223 35,919398 37,869080 33,533986 34,926270 36,077443 38,062212 33,839145 34,968181 36,171244 38,305810 34,076019 35,013639 36,265289 38,673545 34,038535 34,989129 36,377711 39,025474 34,048746 35,027617 36,494119 39,251821 34,048746 35,020611 36,709434 39,334249 34,099819 35,076643 36,801207 39,393250 34,297597 35,227472 36,911610 39,590216 34,482804 35,375427 37,070329 39,740658
2009
2010
39,855905 40,110982 40,235326 40,315796 40,537532 40,780757 40,952036 41,046225 41,079061 41,144787 41,243534 41,396135
41,495485 41,860645 42,153669 42,452960 42,762866 42,946746 42,899504 42,869474 42,839465 43,070798 43,467049 43,914759
Mês/Ano JAN FEV MAR ABR MAIO JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ
2011 2012 2013
44,178247 46,864232 44,593522 47,103239 44,834327 47,286941 45,130233 47,372057 45,455170 47,675238 45,714264 47,937451 45,814835 48,062088 45,814835 48,268754 46,007257 48,485963 46,214289 48,791424 46,362174 49,137843 46,626438 49,403187
2014
2015
2016
49,768770 52,537233 55,809388 62,102540 50,226642 52,868217 56,635366 63,040288 50,487820 53,206573 57,292336 63,639170 50,790746 53,642866 58,157450 63,919182 51,090411 54,061280 58,570367 64,328264 51,269227 54,385647 59,150213 51,412780 54,527049 59,605669 51,345943 54,597934 59,951381 51,428096 54,696210 60,101259 51,566951 54,964221 60,407775 51,881509 55,173085 60,872914 52,161669 55,465502 61,548603
Observação I – Dividir o valor a atualizar (observar o padrão monetário vigente à época) pelo fator do mês do termo inicial e multiplicar pelo fator do mês do termo final, obtendo-se o resultado na moeda vigente na data do termo final, não sendo necessário efetuar qualquer conversão. Esclarecendo que, nesta tabela, não estão incluídos os juros moratórios, apenas a correção monetária.
Padrões monetários a considerar: Cr$ (cruzeiro): de out./1964 a jan./1967
NCz$ (cruzado novo): de jan./1989 a fev./1990
NCr$ (cruzeiro novo): de fev./1967 a maio/1970
Cr$ (cruzeiro): de mar./1990 a jul./1993
Cr$ (cruzeiro): de jun./1970 a fev./1986
CR$ (cruzeiro real): de ago./1993 a jun./1994
Cz$ (cruzado): de mar./1986 a dez./1988
R$ (real): de jul./1994 em diante
Exemplo: Atualização, até maio de 2016, do valor de Cz$1.000,00 fixado em janeiro de 1988 Cz$1.000,00 : 596,94 (janeiro/1988) x 64,328264 (maio/2016) = R$ 107,70
Out./1964 a fev./1986: ORTN Mar./1986 e mar./1987 a jan./1989: OTN Abr./1986 a fev./1987: OTN pro rata Fev./1989: 42,72% (conforme STJ, índice de jan./1989
Abr./1989 a mar./1991: IPC do IBGE (de mar./1989 a fev./1991) Abr./1991 a jul./1994: INPC do IBGE (de mar./1991 a jun./1994) Ago./1994 a jul./1995: IPC-r do IBGE (de jul./1994 a jun./1995) Ago./1995 em diante: INPC do IBGE (de jul./1995 em diante), sendo que, com relação à aplicação da deflação, a matéria ficará sub judice)
Mar./1989: 10,14% (conforme STJ, índice de fev./1989) Observação III – Aplicação do índice de 10,14%, relativo ao mês de fevereiro de 1989, ao invés de 23,60%, em cumprimento ao decidido no Processo nº G-36.676/2002. Fonte: DJe, TJSP, Administrativo, 09.05.2016, p. 2. * Aplicável aos cálculos judiciais, exceto para aqueles com normas específicas estabelecidas por lei ou com decisão transitada em julgado, que estabelece critérios e índices diferentes.
Maio/2016 – Ed. 230
Observação II – Os fatores de atualização monetária foram compostos pela aplicação dos seguintes índices:
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Jornal Jurídico Maio/2016 – Edição 230