Jornal Jurídico Novembro 2015

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Áreas de Preservação Permanente em Área Consolidada Urbanizada – A Ponderação entre os Princípios do Direito à Propriedade e do Direito ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado – Patrícia Lima de Souza Oliveira Reis – p. 1 A Pessoa Natural e a Morte no Direito Brasileiro: do Romantismo ao Biologismo – Brunello Stancioli e Nara Pereira Carvalho – p. 4 Do Comércio Eletrônico à Reforma do ICMS nas Operações Interestaduais. Os Efeitos da Emenda Constitucional nº 87/2015 – Renato Gomes de Oliveira – p. 16 O Novo CPC e o Processo do Trabalho – Pós-Modernidade, Antinomias, Lacunas e o Novo Microssistema Processual Trabalhista Individual – André Araújo Molina – p. 24 Da Impossibilidade do Cancelamento de Precatórios após o Quinquídio Decadencial de 5 Anos à Luz das Normas Gerais sobre Invalidação de Atos Administrativos – Aldem Johnston Barbosa Araújo – p. 37 O Conhecimento Ex Ante da Ocorrência do Crime Como Pressuposto de Legitimidade do Ingresso Domiciliar Não Consentido nos Casos de Flagrante Delito – Stephan Doering Darcie – p. 49 Acórdão na Íntegra – Superior Tribunal de Justiça – p. 60 Pesquisa Temática – Contribuição Previdenciária – p. 64 Jurisprudência Comentada – Empregada de Autarquia – Dispensa sem Justa Causa - Estabilidade – Luís Rodolfo Cruz e Creuz – p. 70 Medidas Provisórias – p. 79 Normas Legais – p. 82 Indicadores – p. 83

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Doutrina

Áreas de Preservação Permanente em Área Consolidada Urbanizada – A Ponderação entre os Princípios do Direito à Propriedade e do Direito ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado PATRÍCIA LIMA DE SOUZA OLIVEIRA REIS

Advogada e Colaboradora no Escritório Bunn, Piccollo & Barcelos João Advogados Associados em Santa Catarina, Especialista em Gestão Ambiental, Pós-Graduanda em Direito Processual Civil.

O direito do ambiente pode ser entendido como um direito sistematizador, que faz a articulação da legislação, da doutrina e da jurisprudência concernentes aos elementos que integram o ambiente.

Entretanto, em zonas urbanas nas quais o proprietário busca edificar em áreas situadas em APP – justificando sua conduta no direito à propriedade, baseando-se na autorização do Poder Público Municipal, na localização em área urbana consolidada ou ainda pela descaracterização da área de preservação permanente –, surge o conflito entre o direito fundamental à propriedade, como pilar da sustentação da vida em sociedade, e o direito fundamental ao ambiente ecologicamente equilibrado, como garantia das presentes e futuras gerações, fazendo-se necessária a obrigação de compatibilização de princípios, avaliados sob a ótica da razoabilidade e proporcionalidade.

ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE O art. 3º, II, do Código Florestal apresenta o conceito de APP, qual seja: Área de Preservação Permanente – APP: área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.

Em seu art. 4º, I a XI, enumeram-se quais são as áreas consideradas APP, ou seja, ex lege. Para que seja considerada APP, basta que a iniciativa venha dos proprietários ou de ato do Poder Público.

Uma das formas de proteger as áreas ambientais ocorre por meio da criação das Áreas de Preservação Permanente, denominadas APP, cuja regulamentação encontra-se no Código Florestal, bem como na nova legislação (Lei Federal nº 12.651/2012), que reiterou e promoveu a revisão do Código Florestal Brasileiro.

Cabe frisar que, no art. 4º do citado Código Florestal, resta claro que se considera Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas; sendo assim, a intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente somente ocorrerá nas hipóteses de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental previsto nesta lei.

Verifica-se, assim, um regime jurídico específico de proteção das APP, determinando quando essas áreas podem sofrer supressão ou intervenção e em que situações pode o Poder Público declarar áreas como sendo de preservação.

O legislador não deixou margem de discricionariedade ao administrador público competente para autorização das intervenções das áreas de preservação permanente, sendo que este já definiu os conceitos a serem aplicados.


Extrai-se do entendimento jurisprudencial e doutrinário que, em se tratando de competência concorrente, cabe à União, nos termos do art. 24, § 1º, da CF/1988, editar normas gerais e, aos demais entes da federação, editar normas suplementares, inserido no seu § 2º, defluindo do sistema que as normas suplementares de Estados e Municípios deverão se conjugar com as normas gerais federais. Conclui-se, assim, que o respeito aos limites e princípios estabelecidos pelo Código Florestal deve ser interpretado como a impossibilidade legal de os municípios tornarem mais flexíveis os parâmetros estabelecidos na lei federal. Isso porque a legislação federal deve ser respeitada pelos Estados e Municípios, que somente poderão aumentar as exigências federais, e não diminuí-las.

DIREITO À PROPRIEDADE X MEIO AMBIENTE EQUILIBRADO Enfatizamos o conteúdo, acerca de loteamentos urbanos nos quais há áreas enquadradas como APP, em que se avalia a possibilidade de construir um empreendimento que já fora autorizado pelo órgão municipal, inclusive com legislação municipal que autorizou o empreendimento indiretamente, ou seja, não enquadrando determinada região como APP, em oposição à norma

geral, discutindo-se a existência de área urbana consolidada e possível descaracterização da existência de APP nela. Tem-se a ponderação entre o direito à propriedade e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Extrai-se que, apesar de a supressão de vegetação em APP afrontar a legislação ambiental, o imóvel que está sendo construído localiza-se em área de perfil urbano ocupada, área consolidada; portanto, a partir dessa interpretação, trata-se de bem de uso privado, e não de uso comum, destinando o lote para edificação, ainda que em época posterior à aquisição. A falta de função ambiental da propriedade, segundo as atuais decisões, inviabiliza a aplicação do Código Florestal. Não obstante a descaracterização de APP basear-se os juízes na medida de proporcionalidade, ponderação principiológica e em atenção ao princípio do desenvolvimento sustentável, apenas exigem as autoridades da lei que os donos dos loteamentos devem apresentar formas de prevenção e compensação de eventuais danos passados e futuros. Em contrapartida, há argumentos que prestigiam a tutela do meio ambiente, frente ao risco de dano irreparável ocasionado pela ocupação/edificação irregular. No que tange aos pedidos de demolição da edificação, como se trata de área com ocupação consolidada, nenhum efeito surtirá ao meio ambiente a retirada de apenas uma edificação isolada, haja vista que o entorno do local está todo edificado. A questão que desafia o Ministério Público é a que diz respeito à expedição de autorizações pelo Poder Público municipal para construção de edificações novas em loteamentos antigos, assim entendidos aqueles aprovados antes da Lei Federal nº

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Conforme dispõe o art. 4º, caput, conclui-se que as APP abrangem também o espaço urbano. Assim sendo, na Lei nº 12.651/2012 há, além da definição legal de APP, a previsão de quando elas podem sofrer supressão ou intervenção, bem como em quais situações pode o Poder Público declarar APP.

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7.511/1986, que ampliou a APP ao longo dos cursos d’água com até 10 metros de largura para 30 metros, metragem que prevalece até os dias de hoje, com a edição de Lei nº 12.651/2012, ou mesmo naqueles loteamentos aprovados em desconformidade com a legislação de regência.

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Neste conflito, caracterizado pelo embate entre o direito fundamental à propriedade, como pilar da sustentação da vida em sociedade, e o direito fundamental ao ambiente ecologicamente equilibrado, este como garantia das presentes e futuras gerações, surge a obrigação de compatibilização de princípios, avaliados sob a ótica da razoabilidade e proporcionalidade. Conforme se vê, a colisão de princípios não pode ser posta em termos de tudo ou nada, de validade ou invalidade e sua subsequente tirada do mundo jurídico. Há que se reconhecer aos princípios uma dimensão de peso ou importância, atribuída à luz dos elementos fáticos do caso concreto. Nesse sentido, a aplicação dos princípios se dá, precipuamente, mediante ponderação de valores ou ponderação de interesses, estabelecendo-se o peso relativo de cada um dos princípios contrapostos.

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O direito de propriedade está garantido pela Constituição Federal no art. 5º, XXII. Aprendemos que, na história das constituições brasileiras e na vida das instituições públicas e privadas, nunca se aboliu o direito de propriedade. No entanto, a propriedade não é um direito individual que exista para se opor à sociedade. É um direito que se afirma na comunhão com a sociedade. A Constituição Federal de 1988 preceitua: “A propriedade atenderá sua função social” (art. 5º, XXIII); “a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor” (art. 182, § 2º). Há também no seara da saúde (art. 200, VIII) e na ordem econômica (art. 170) a exigência da função social também está presente. O Código Civil brasileiro de 2002, no seu art. 1.228, § 1º, exige, para o exercício do direito de proprieda-

de, sua finalidade socioeconômica de modo a preservar a flora, fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico. Por isso, pode-se inferir que o direito de propriedade não é absoluto. Estar em consonância com sua função socioambiental é elementar. É nesse diapasão que se pode entender a razoabilidade que deve permear as decisões judiciais atinentes à temática tratada.

Nota do Editor Vê-se, portanto, que não é mais possível, frente ao ordenamento jurídico brasileiro, pensar em planejamento e expansão urbana sem considerar os impactos sobre o meio ambiente, como, por exemplo, na observância de áreas em que é proibido qualquer tipo de construções em loteamento com região de APP. O direito de propriedade é relativizado, fazendo-se necessário o cumprimento de sua função socioambiental. Nos casos em que já houve violação das APP, como aqueles discutidos recentemente em inúmeras decisões judiciais, o Magistrado deve agir com razoabilidade, avaliando qual medida proporcional a ser adotada com vistas à proteção ambiental, como, por exemplo, demolir uma construção irregular, determinar uma compensação pecuniária ou in natura que deverá ser suportada pelo proprietário do lote. O respeito às APP nos lotes urbanos não só visa à preservação e proteção do meio ambiente, como também à análise dos Tribunais quanto aos seguintes aspectos: a) se já existe ocupação do local e há quanto tempo; b) ausência de qualquer benefício ao meio ambiente em decorrência da demolição; c) princípio da proporcionalidade, dados os graves prejuízos que poderiam vir a ser causados ao dono do lote sem o correspondente benefício à coletividade; e d) verificar se há ou não evidência de que tenha ocorrido qualquer dano ambiental.


Doutrina

A Pessoa Natural e a Morte no Direito Brasileiro: do Romantismo ao Biologismo BRUNELLO STANCIOLI Mestre e Doutor pela Faculdade de Direito da UFMG, Professor Adjunto dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação da Faculdade de Direito da UFMG, Membro do Centro de Estudos em Direito Privado.

NARA PEREIRA CARVALHO Graduanda pela Faculdade de Direito da UFMG, Membro do Centro de Estudos em Direito Privado.

Quero dormir. Não sei se quero a morte, Nem sei o que ela é.

INTRODUÇÃO Apesar de o fim da pessoa natural ser um tema não ignorado pelo Direito Privado brasileiro, observa-se que tal conceito é, em regra, confundido com o de morte. O art. 6º do Código Civil de 2002 (de forma idêntica ao que já dispunha o Código Civil de 1916 em seu art. 10), por exemplo, determina que “a existência da pessoa natural termina com a morte”. Ou seja, o indivíduo humano, dotado de personalidade e, portanto, pessoa, teria seu fim tão-somente com o falecimento. Contudo, o fim biológico constitui apenas um dos aspectos de um fenômeno muito mais complexo e multifacetado que é a morte. Vislumbrá-la estritamente como fato biofísico é reduzir a pessoa humana a uma só de suas dimensões: a sua composição orgânica. Ora, a morte é, sobretudo, um fenômeno cultural, um processo. Apesar de grosseiramente “colonizada” pela medicina, guarda ricas nuances culturais que não devem ser desrespeitadas pelo Direito, sob pena de aniquilação do próprio sentido da vida humana.

O que quero é não ser submetido à sorte, Seja ela lei ou fé.1

SUMÁRIO: Introdução; I – As grandes fases da morte no Direito brasileiro; II – A morte romântica nas mãos da Igreja; III – O higienismo: a morte como desgraça potencial; IV – A morte pelas mãos da medicina: o impacto do desenvolvimento das ciências biológicas e a dogmática brasileira hodierna; V – Esperanças de uma morte melhor; Referências. 1 PESSOA, Fernando. Obra poética. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1997. p. 707.

Nesse contexto, o método histórico mostra-se bastante adequado para se entender a desconstrução da pessoalidade por meio dos conceitos médicos de morte. Parte-se da concepção romântica de morte para, posteriormente, evidenciar a motivação técnico-científica do monopólio da medicina acerca do fim da pessoa natural. O estudo de como a sociedade e a pessoa vivenciavam e vivenciam a morte, importa em resgatar as noções de autonomia e eudaimonia. Afinal, o sentido da vida deve tornar-se muito mais contundente quanto o da morte. Reconduzi-la ao seu status de manifestação cultural em que o moribundo é agente de sua própria vida e morte, consiste, portanto, o objetivo deste ensaio.


I – AS GRANDES FASES DA MORTE NO DIREITO BRASILEIRO Tendo em vista o tratamento dispensado à morte da pessoa humana pelo direito pátrio, a partir do início do século XIX, podem ser destacadas três fases que externam concepções de mundo bem distintas entre si. A primeira (séculos XVIII e XIX), de forte conotação religiosa, possui uma ritualística bastante sofisticada, em que era constante a preocupação com a alma do morto. A tutela da morte é exercida, precipuamente, pela Igreja Católica. Não é em vão que as vetustas Constituições do Arcebispado da Bahia despendem grande esforço em regulamentar a matéria.

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Na segunda fase, coincidente ao Positivismo de Comte, passa-se a tratar a morte como inconveniente desafio à higiene pública. Tal período, de fins do século XIX ao início do século XX, tem a característica de apresentar uma intensa “medicalização da sociedade” e um grande controle do cotidiano da morte pela nascente medicina sanitarista.

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A terceira e última fase não só perdura até os dias de hoje, como se apresenta em plena ebulição. Caracteriza-se pela intensa biologização da vida. Esse fenômeno ocorre em virtude do grande desenvolvimento biomédico, em especial por dois aspectos: a técnica de reanimação cardiorrespiratória e a intensa sofisticação da técnica de transplantes de órgãos e tecidos. O processo de morte do ser humano passa a ser impessoalizado e alheio à vontade do moribundo. A inferência de tal estudo histórico visa a propor possíveis soluções para a reprivatização do ritual de morte, colocando-o no seu devido lugar, qual seja, no controle da pessoa sua autodeterminação, espoliada, que está do seu direito sobre a própria escolha da morte.

II – A MORTE ROMÂNTICA NAS MÃOS DA IGREJA A morte no Brasil oitocentista era impregnada de misticismo. Longe de ser tido como um estorvo para os familiares, o moribundo era tratado com a respeitabilidade de quem cumpriu a sua missão no mundo terreno. Assim, por vezes, a morte era encarada sem tristeza, e até com júbilo: representava o marco inicial da viagem para a eternidade. Conforme anota Reis, “em 1821, um senhor de engenho de Itu, em carta para seu genro, assim se referia à notícia da morte de sua filha: ‘parabéns da passagem que fez nossa filhinha Maria deste mundo para a vida eterna”2. 2 REIS, João José. O Cotidiano da Morte no Brasil Oitocentista. In: ALENCASTRO, Luis Felipe de (Org.). História da vida privada no Brasil Império: a corte e a modernidade nacional. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p. 96.


Não significava fim, mas uma passagem. Adocicada pela forte esperança de “vida eterna”, a morte, ao implicar o término de várias angústias terrenas, chegava a ser desejada e cultuada.

E, outro-sim, mandamos aos ditos medicos e cirurgiões, sob pena de excommunhão maior, e de dez Cruzados applicados na forma sobredita, que não aconselhem ao enfermo por respeito da saude do corpo, cousa que seja perigosa para a alma [...].

Junqueira Freire, por exemplo, torturado pelo conflito entre a condição de monge beneditino e o desejo de amor e de glória, via na morte a solução final para suas angústias:

Destaque-se que a morte deveria ser, de alguma forma, anunciada. Era intensa a preocupação em se ter tempo para tomar as providências concernentes à passagem para a vida eterna. Sob essa ótica, a doença consistia em dádiva, um prenúncio que garantia o lapso de tempo para preparação e desenvolvimento de ritualística própria: “A doença, segundo o padre Queirós, seria uma prova do empenho de Deus em facilitar a salvação, porque se assim não fosse, ele mandaria uma morte repentina”4.

Amiga morte, vem. Tu és o termo De dois fantasmas que a existência formam, Dessa alma vã e desse corpo enfermo. Pensamento gentil de paz eterna, Amiga morte, vem. Tu és o nada, Tu és a ausência das moções da vida, Do prazer que nos custa a dor passada. Pensamento gentil de paz eterna, Amiga morte, vem. Tu és apenas A visão mais real das que nos cercam, Que nos extingues das visões terrenas.3

Submissa à religião, a medicina cifrava-se num cuidado de segunda ordem, que devia ser precedida pelo desvelo espiritual. Segundo o Livro Primeiro, Título XL, nº 160 e nº 161, das Constituições do Arcebispado da Bahia: Como muitas vezes a enfermidade do corpo procede de estar a alma enferma com pecado (como se prova das palavras, que Christo nosso Senhor disse ao paralítico) [...] mandamos a todos os medicos, os cirurgiões e, ainda, barbeiros, que curão os enfermos nas freguezias, onde não há medicos, sob pena de cinco cruzados para as obras pias [...] antes que se lhe appliquem medecinas para o corpo, tratem primeiro da medecina da alma, admoestando a todos a que logo se confessem [...]. 3 JUNQUEIRA FREIRE. Morte. apud CÂNDIDO, Antônio. Formação da literatura brasileira. 2. ed. São Paulo: Livraria Martins, v. 2, 1964, p. 160.

Grande era o temor da morte sem confissão, o que exacerbava o desespero do moribundo. Tal situação é descrita por Alexandre Herculano, ao tratar da morte do personagem Lopo Mendes, em “O Monge de Cister”: [...] Por vosso pai, por vossa irmã, Vasco da Silva, que não me assassineis! [...] Meu pai, – tornei-lhe eu com uma tranqüilidade que devia ser horrível – foi morto por um homem tão vil como tu: irmã já não a tenho; converteu-se numa barregã tão infame como tua mulher. [...] Por Deus, que não queirais lançar a minha alma no inferno! Não me mateis sem confissão! Não lhe respondi: sentia na boca um gosto de sangue; cor de sangue me parecia a frouxa luz que me alumiava. Ergui o punhal e cravei-lho duas vezes no peito. Caiu. Ajoelhei ao pé dele, curvando-me [...].5

O processo da morte deveria, pois, ser precedido pela confissão. Assunto que as Constituições do Arcebispado da Bahia não deixavam sem a devida regulamentação, como se deduz de seu Livro Quarto, Título XLV, nº 819: 4 REIS, João José. Op. cit., p. 101. 5 HERCULANO, Alexandre. O Monge de Cister. 19. ed. Lisboa: Imprensa Portugal-Brasil, t. I [s. d.], p. 51.

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Pensamento gentil de paz eterna,

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E por atalharmos alguns inconvenientes, que podem succeder: mandamos que fallecendo alguem de morte repentina, não seja enterrado senão passadas vinte e quatro horas [...], e antes de passarem as dita vintes e quatro horas, não serão os taes defuntos amortalhados.

Parece que a Igreja, ante a impotência de controlar e supervisionar o fim da pessoa natural, quando da morte repentina, procurava minimizar a desgraça, prolongando a estadia do defunto no plano terreno, para que a alma pudesse ter seus devidos cuidados, apesar de o corpo biológico já estar morto.

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No âmbito jurídico, a distinção entre direito e religião quase não era percebida, quando o assunto era testamentos. Estes transcendiam, e muito, à mera disposição patrimonial. Representavam, antes, o ensejo de remissão de vários pecados cometidos em vida. As Ordenações Filipinas, em seu Livro Quarto, Título LXXXI, § 4º, impediam os hereges de testar. O contexto fica ainda mais evidente da leitura do Livro Primeiro, Título LXII, § 4º, das mesmas Ordenações: “E, porque, segundo disposição de Direito commun, assim pertence aos Prelados Ecclesiasticos, como a Nós, fazer cumprir as ultimas vontades dos defuntos [...]”.

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A superposição era muito clara. A morte gerava impactos de ordem espiritual e civil. Tal era a importância dos testamentos para o Estado e para a Igreja que havia, à época, a Resolução de 3 de julho de 1813 acerca das “Cartas de Consciência”. Esses documentos consistiam em atos de última vontade das pessoas naturais, contendo disposições em segredo, apensas ou não, ao testamento propriamente dito. Vias de regra, dispunham sobre doações e legados, a fim de, nos termos da própria resolução, solver “dívidas de consciência”, na maioria das vezes relacionadas à própria Igreja. Nos dizeres de Reis, Esses documentos [...] nomeavam santos como advogados no Tribunal Divino, indicavam a quantidade e o tipo de missas que considerassem necessárias a abreviar a passagem para o Purgatório, escolhiam o modelo de mortalha, às vezes, o tipo de caixão [...].6 6 REIS, João José. Op. cit., p. 102.

Os funerais, por sua vez, tinham forte conotação ritualística. Superavam o mero fim biológico da pessoa natural, constituindo um importante acontecimento na comunidade, uma manifestação social, comemorada com a devida relevância. Chega a ser despiciendo relatar que a morte não ocorria em um quarto de hospital, onde se isolava o doente. O moribundo era o próprio mentor do início do processo de óbito, sendo os demais presentes (familiares, amigos etc.) coadjuvantes dessa grande peça. A preocupação com uma morte tranquila, que tivesse momentos bem determinados, sem sobressaltos, era exacerbada. O itinerário deveria ser programado. Possível falar, inclusive, em um esboço de eutanásia (no seu sentido mais próprio, qual seja, de morte boa). Caso a agonia do doente perdurasse sobremaneira, era tempo de ajudar o desenvolvimento do processo. Chegava um momento em que a agonia do doente exauria aqueles reunidos em volta dele, os quais, para aliviar a todos os presentes, inclusive o próprio doente, deixavam de pedir por sua saúde para solicitar a sua morte.7

O enredo desenrolava-se com o processo funerário propriamente dito. Pela quantidade de testemunhas, coadjuvantes no funeral, mensurava-se o prestígio do defunto. Padres, orquestras, muitos convidados eram a garantia de um paliativo pela perda terrena do ente querido. Chegava-se a contratar pessoas para testemunhar o rito e abrilhantar a memória do morto: “pessoas pobres [...] eram freqüentadores profissionais de funerais, às vezes contratados às centenas para acompanhar o féretro em troca de velas e comida”8. A importância dos funerais era imensa. Tanto que as Constituições do Arcebispado da Bahia dedicaram os Títulos XLVI a 7 REIS, João José. Op. cit., p. 108. 8 REIS, João José. Op. cit., p. 119.


Outro fato notável era o local do enterro. Não havendo locais como os cemitérios hodiernos, os corpos tinham o seu repouso garantido nas próprias igrejas. Assim, dispõe o Livro Quarto, Título LIII, nº 843, das Constituições: É costume pio, antigo e louvável na Igreja Catholica, enterrarem-se os corpos dos fiéis Christãos defuntos nas Igrejas, e Cemiterios dellas, porque como são lugares a que todos os fieis correm para ouvir, e assistir às Missas, e Officios Divinos e Orações, tendo à vista as sepulturas, se lembrarão de encomendar a Deos nosso Senhor as almas dos ditos defuntos.

A preocupação com o local do repouso definitivo do morto era tão intensa, que a fé obliterava as luzes que vinham de França, emanadas pela razão iluminista. Nesse sentido, o padre Perereca escreveu, em 1825, no Rio de Janeiro, documento defendendo a continuidade do enterramento dos mortos nas igrejas. Entendia-o como adequado para a salvação da alma. Àqueles que o criticavam, considerava “como infectados pelas idéias racionalistas, anti-religiosas e mesmo atéias do momento, uma influência dos filósofos mofinos do iluminismo”9. De fato, quando da proposta de criação e exploração dos enterros em cemitérios próprios, houve, em 1836, na cidade de Salvador, uma revolta, depois conhecida como “Cemiterada”10. No episódio, manifestava-se contra a entrada em vigor de uma lei que proibia o enterro nas igrejas e se concedia a uma empresa privada o monopólio dos enterros da cidade por trinta anos11. A Cemiterada logrou êxito, adiando por cerca de vinte anos o expurgo dos enterros nas Igrejas Católicas em Salvador. 9 REIS, João José. Op. cit., p. 135-136. 10 REIS, João José. A morte é uma festa: ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1991. 11 REIS, João José. Op. cit., p. 13.

No entanto, uma epidemia de cólera que se abateu por uma vasta área do Império, entre 1855 e 1856, marca uma nova época no “estilo de morrer” no Brasil. Inaugura-se o período do Higienismo, agora sob o império da razão científica.

III – O HIGIENISMO: A MORTE COMO DESGRAÇA POTENCIAL No século XIX, a medicina foi enormemente influenciada pelo positivismo de Augusto Comte. Após as teorias de Pasteur e Koch, a enfermidade passa a ter sua origem em microorganismos: agentes microscópicos e ultramicroscópicos, capazes de se introduzirem no ser humano, e causar-lhe diversos tipos de padecimento. O conhecimento da etiologia infecciosa de uma dada enfermidade estabelece de imediato o objetivo central de seu tratamento: a eliminação do parasita. Com a associação entre enfermidade, infecção e contaminação, desenvolvem-se tratamentos a base de antibióticos e mesmo a prevenção por meio de vacinas. A medicina penetra, então, na sociedade, de modo a formar e reformar, física e moralmente o cidadão. Mais que isso, um antagonismo entre a medicina individual, considerada tradicional e arcaica, e a medicina social, que representa uma nova racionalidade emergente. Nesse contexto, somente a medicina tem o controle total do organismo da pessoa humana. Pode conduzir-lhe o comportamento e estabelecer novas bases morais, “saudáveis”, e não corrompidas por quaisquer tipos de doenças. Ocorre, antes de tudo, um processo de “medicalização da sociedade”, interveniente, de maneira global, na vida dos indivíduos. Ao médico cabe dificultar, ou impedir o aparecimento da doença, lutando no nível de suas causas, contra tudo o que na sociedade pode interferir no bem-estar físico e moral dos indivíduos: É o reconhecimento de que a partir do século XIX a medicina em tudo intervém e começa a não ter mais fronteiras; é a compreensão de que o perigo urbano não pode ser destruído unicamente pela promulga-

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LII, do Livro Quarto, à regulamentação do iter entre a casa do moribundo e a sepultura.

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ção de leis ou por uma ação lacunar, fragmentária, de repressão aos abusos, mas exige a criação de uma nova tecnologia de poder, capaz de controlar os indivíduos e as populações tornando-os produtivos ao mesmo tempo que inofensivos.12

Simultaneamente, há uma “oficialização” do saber médico. Apenas poderiam exercer a medicina aqueles que têm o aval oficial do diploma médico. Não são mais permitidas práticas médicas alternativas, tachadas, a partir de então, de curandeirismo. A medicina aproxima-se do Estado, agindo como fonte de ordem, sob o império da razão, e, mais, de distribuição de Justiça.

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Note-se o surgimento da visão “imperialista” de medicina, que, sem dúvida, reflete-se até os dias de hoje:

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Os médicos falam em nome de um futuro para o qual a medicina trabalha e contribui decisivamente. Neste futuro, imperará a ordem, desaparecerão os excessos, o pacto social reencontrará sua essência. Enquanto conhecimento e enquanto prática, a medicina coloca-se como base para a construção desta nova ordem. Como “vanguarda da civilização”, define seu papel pedagógico, pela necessidade de difusão de um saber, de uma verdade que fundamente a ação coordenada de todos. No corpo médico reside a verdade, que deve ser ensinada tanto ao governo quanto à população, que são ignorantes.[...]. Deste ensino surgirá novo governo, nova população. Governo fundado na preocupação com o bem comum, guiado pela razão, voltado para o progresso da civilização. População constituída de cidadãos, os homens que cumprem os seus deveres [...]. É o homem percebido em relação com outros homens, relação controlada e voltada para a harmonia.13

A relação entre medicina e poder estatal é muito estreita, devendo aquela fazer uso deste para atingir os seus fins. Assim: A relação com o Estado não é algo fortuito, lateral ou secundário, dentro do projeto de constituição da medicina social. As medidas de controle social, que decorrem da própria essência de seu tipo de racionalidade, 12 MACHADO, Roberto et al. Danação da Norma. Rio de Janeiro: Graal, 1978, p. 156. 13 MACHADO, Roberto et al. Op. cit., p. 255.

colocam esta presença na estrutura do Estado, como uma exigência indispensável a seu funcionamento.14

Por meio da formação da “sociedade disciplinar”, objetiva-se conquistar o controle e a reforma, psicológicos, do indivíduo criando-se em torno do enfermo e do moribundo a noção, cada vez mais acentuada, de sua periculosidade para a sociedade. Os surtos de febre amarela e de cólera, acentuados pela crescente imigração e urbanização do Brasil, à época, contribuem para o aumento de doenças na população. Além disso, o desenvolvimento ferroviário cria um perigoso veículo de comunicação de epidemias entre campo e cidade. Surge, dessa maneira, o modelo de combate às doenças, baseado em dois pilares: o projeto campanhista policial, que ensejou o surgimento da polícia médica, e o projeto tecnoassistencial de combate aos microorganismos, em conformidade com a nascente teoria bacteriológica. Nesse projeto, objetivava-se acabar com as duas supostas causas das epidemias: o contágio e a transmissão/infecção. Segundo a teoria do contágio, os agentes responsáveis pelas doenças passam de corpo a corpo. Como solução, propunha-se a desinfecção de domicílios, objetos pessoais (e, eventualmente, sua destruição), a vacinação e, principalmente, o isolamento hospitalar. Já na transmissão/infecção, o solo e a água são considerados responsáveis pela disseminação de doenças. Consequência lógica foi a criação de cemitérios distantes das cidades, impedindo-se que os mortos fossem enterrados nas igrejas. a) Os hospitais de isolamento: a morte anunciada Os hospitais assumiam a teleologia da exclusão. Como não objetivavam a cura, funcionavam, antes, na expressão de Telarolli 14 MACHADO, Roberto et al. Op. cit., p. 234.


A permanência no hospital trazia pouco benefício ao doente. A limitação pessoal, a internação simultânea de um grande número de doentes em um pequeno espaço de tempo e a falta de tratamentos eficazes elevavam as taxas de mortalidade [...]. Como conseqüência, com freqüência se observavam índices de mortalidade superiores a 50% em muitos hospitais de isolamento em São Paulo [...]. Com elevadíssima mortalidade nos hospitais de isolamento para febre amarela não raro aproximando-se dos 70% [...].16

Além do controle epistemológico do saber médico, que passou a ser “oficializado”, os hospitais sujeitavam o enfermo a normas próprias, bem como a punições e recompensas. A dogmática jurídica, por sua vez, cuidava de legitimar a total aniquilação da vontade, autonomia e privacidade dos enfermos, conduzindo-os para a morte “higienicamente correta”. Assim, por exemplo, dispunha o Decreto nº 219 de 1893, do Estado de São Paulo: Art. 3º As desinfecções dos domicilios onde se verificarem casos daquellas molestias, ou terminarem pela cura, por obito, ou pela remoção dos doentes para os hospitaes de isolamento, são encargos da secção de desinfecções. [...] Art. 5º A remoção e conducção dos doentes para os hospitaes de isolamento e dos cadaveres de indigentes, de molestias infectuosas, estão a cargo da Estação Central de desinfecções. Art. 6º Este serviço é feito pelos carros especiaes que dos domicílios transportam os doentes para os hospitaes e os cadaveres para o cemiterio. 15 TELAROLLI JUNIOR, Rodolpho. Poder e saúde: as epidemias e os serviços de saúde em São Paulo. São Paulo: Unesp, 1996, p. 153. 16 TELAROLLI JUNIOR, Rodolpho. Op. cit., p. 153-155.

b) O fim da morte como rito: os cemitérios higienistas O terror da contaminação, ou da infecção solapa à ritualística tradicional tida com o morto. Não mais nas mãos do moribundo e de sua família, a morte passa a pertencer à Medicina e, de maneira mediata, ao Estado. Nada, muito menos a morte, escaparia da fiscalização sanitária. O Decreto nº 876 de 30.11.1895, de Minas Gerais, era claro: Compete à Diretoria de Higiene: d) Polícia Médica — através da fiscalização de escolas, fábricas, prisões; da alimentação e bebidas; do exercício profissional; de trabalhos de utilidades públicas, cemitérios e construções.

Os enterros não mais poderiam ser feitos nas vizinhanças das igrejas, ou sob o seu solo. Rigorosas normas higienistas previam cemitérios isolados das cidades, com boa circulação de ar e sobre lençóis freáticos que não servissem às cidades. Os funerais, verdadeiras festas de passagem dos mortos, com importância sócio-cultural grande, foram desestimulados e até proibidos: “De preferência esses cemitérios deviam ficar afastados das cidades, para desestimular o acompanhamento aos féretros e as visitas, reduzindo os riscos de contágio”17. Note-se, ainda, o Decreto nº 219 de 1893, de São Paulo: Capítulo VII Transporte de Cadaveres Art. 49 Recebida communicação de um obito por molestia transmissivel, o administrador do desinfectorio fará immediatamente seguir um carro de conducção de cadaveres si se tratar de indigentes. [...] Art. 51 Quando se tratar de obito em pessoa não indigente, o enterro se fará de conformidade com a vontade das pessoas da familia, guardando, porém, todas as precauções indispensáveis. 17 TELAROLLI JUNIOR, Rodolpho. Op cit., p. 124.

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Junior, como “antecâmaras da morte”15. Não obstante as elevadas taxas de mortalidade nessas instituições, foi considerável a sua proliferação.

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Art. 52 Logo que sahir o cadaver começara o serviço de desinfecção, respeitadas as prescipções já consignadas. Art. 53 Os carros de conducção de cadaveres não podem parar em caminho e os cocheiros desses carros estão sujeitos ao mesmo regimen que os dos carros que conduzem os doentes.

O “terror higienista” iria perdurar até meados da década de 1930, no Brasil. O desenvolvimento de antibióticos e a difusão de regras básicas de higiene desarmariam o “exército sanitarista”. No entanto, a morte, definitivamente, havia saído das mãos da família e do moribundo e permanece, desde então, nas mãos da medicina.

IV – A MORTE PELAS MÃOS DA MEDICINA: O IMPACTO DO DESENVOLVIMENTO DAS CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA HODIERNA Desde a fase higienista, imposições biotécnicas passaram a reger a morte, o que acabou por contribuir para uma acentuada desconstrução da individualidade da pessoa humana. Verifica-se a apropriação do cotidiano da morte pelas ciências biológicas.

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De fato, o médico passa a ser uma espécie de substituto do padre, ditando o bem e o mal, a morte, a vida e até a “ressurreição”, dado o enorme desenvolvimento das ciências biomédicas.

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As recentes técnicas de reanimação cardiorrespiratória, surgidas na década de 1960, sobrelevaram em importância todos os critérios de determinação da morte até então utilizados (e há mais de um século): cessação de batimentos cardíacos, parada respiratória, rigidez cadavérica, hipotermia etc. Além disso, a nascente técnica de transplantes de órgãos e tecidos fez urgir a determinação mais exata do momento da morte da pessoa humana. Foi fundamental, inclusive, a distinção feita pela doutrina médica entre o coma profundo e a morte cerebral: Os critérios da morte cerebral são utilizados para atestar a morte de um indivíduo, cujas funções cardíaca e respiratória são mantidas por

máquinas. O estado de morte cerebral não deve ser confundido com o estado vegetativo persistente, ou coma irreversível, estado esse em que o córtex é atingido, mas não o tronco cerebral. Em tal caso, o indivíduo atingido pode respirar por ele mesmo; ele perdeu, entretanto, o uso de suas faculdades superiores.18

A legislação brasileira refletiu, de certo modo, os avanços biomédicos na área. Assim, o art. 2º da Lei nº 5.479/1968, já revogada, dispunha que “a retirada para os fins a que se refere o artigo anterior (doação de órgãos post mortem), deverá ser precedida da prova incontestável da morte”. Nada afirmava sobre conceitos técnico-médicos. Já o Decreto nº 879/1993, regulamentador da Lei nº 8.489/1992 (subsequente a de 1968) fazia referência à morte encefálica em seu art. 3º, V, apesar de o parágrafo único do mesmo artigo dispor que outras condições de morte não eram excluídas pela morte encefálica. A atual lei em vigor sobre remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento é a Lei nº 9.434, de 1997. Da sua análise, porém, depreende-se a continuidade das idéias atinentes ao biologismo, ou da morte tecnicamente passível de comprovação. Continua a alienar-se das mãos do moribundo e de sua família, o controle sobre as condições da morte. a) A Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997 A atual lei de remoção e transplantes de órgãos e tecidos gerou enorme polêmica, seja pela já revogada presunção relativa de que todo brasileiro fosse doador, seja pelo medo de que o texto legal facilitasse o tráfico de órgãos e tecidos humanos. Assunto pouco tratado, no entanto, é o conceito de morte, fixado na lei vigente. Veja-se o art. 3º, que prevê a morte encefálica como critério legal e único de fim da pessoa natural: Art. 3º A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante, ou tratamento, deverá ser precedida 18 SAINT-ARNAUD, Jocelyne. Réanimation et Transplantation: la mort reconceptualisée. Sociologie et Sociétés. Montréal, V. XXVIII, n. 2, automne 1996, p. 98.


§ 1º Os prontuários médicos, contendo os resultados, ou os laudos dos exames referentes aos diagnósticos de morte encefálica, e cópias dos documentos de que tratam os arts. 2º, parágrafo único; 4º e seus parágrafos; 5º; 7º; 9º, §§ 2º, 4º, 6º e 8º, e 10, quando couber, e detalhando os atos cirúrgicos relativos aos transplantes e enxertos, serão mantidos nos arquivos das instituições referidas no art. 2º por um período mínimo de cinco anos. § 2º Às instituições referidas no art. 2º enviarão anualmente um relatório contendo os nomes dos pacientes receptores ao órgão gestor estadual do Sistema Único de Saúde. § 3º Será admitida a presença de médico de confiança da família do falecido no ato da comprovação e atestação da morte encefálica.

Os critérios clínicos e tecnológicos referidos no caput do supracitado artigo, são definidos pela Resolução nº 1.480/1997 do Conselho Federal de Medicina, que substituiu a Resolução nº 1.346/1991. Examinando-se as resoluções, percebem-se incoerências e riscos. Primeiramente, a Resolução nº 1.480 afirma que “não há consenso sobre a aplicabilidade desses critérios (de determinação da morte encefálica) em crianças menores de 7 dias e prematuros”. A Resolução nº 1.346/1991, por sua vez, afirmava não haver tal consenso para menores de 2 anos. Note-se que, em um brevíssimo intervalo de seis anos, teve-se uma imensa diferenciação dos critérios, ancorada em uma suposta evolução médica. Como afirmar, então, que os critérios de morte encefálica são exatos? Não seriam tais critérios passageiros, suscetíveis de mudanças a qualquer momento? Outro ponto polêmico: o art. 5º da mesma lei permite a retirada de tecidos, órgãos ou partes do corpo de pessoas juridicamente incapazes, com assentimento dos pais, ou representantes legais. Não há qualquer consideração, porém, quanto à remoção dos

menores de sete dias e dos prematuros. Afinal, se a própria resolução em vigor afirma não haver critérios seguros para determinação de morte encefálica nesses casos, percebe-se uma perigosíssima lacuna legal, que pode dar azo a arbitrariedades como a retirada de órgãos e tecidos (e mesmo ao tráfico deles) de recém-nascidos ainda vivos. Do ponto de vista do receptor, uma questão resta ainda obscura. O art. 10 da lei afirma que “o transplante, ou enxerto só se fará com o consentimento expresso do receptor”. Não há a ressalva, como ocorre no Código de Ética Médica em vigor, quando da situação houver perigo de vida do paciente. Parece que a lei aderiu à linha da doutrina européia e americana, que permitem a recusa de tratamento pelo paciente, mesmo que isso acarrete a sua morte. Outra incoerência é percebida quando se compara a Lei nº 9.434/1997 com a Lei nº 6.015/1973 (Lei de Registros Públicos). Nesta, tem-se no art. 53, §2º: “No caso de a criança morrer na ocasião do parto, tendo, entretanto, respirado, serão feitos os dois assentos, o de nascimento e o de óbito, com os elementos cabíveis e com remissões recíprocas”. Fica claro que a legislação brasileira adota o antigo critério da respiração como início da pessoa, apesar de apregoar a morte encefálica como critério de fim da pessoa natural. Não se deve esquecer que a referida lei nada menciona acerca dos recém-nascidos anencéfalos, deixando as mais graves dúvidas ante a situação. Atendem eles ao critério de morte encefálica? Trata-se de natimortos? Deve o médico proceder à retirada de órgãos e tecidos destes bebês? O assunto vem sendo intensamente debatido em Países como os Estados Unidos, mas tratado, de forma brevíssima, pela Resolução CFM nº 1.752/2004, que dispõe: Considerando que para os anencéfalos, por sua inviabilidade vital em decorrência da ausência de cérebro, são inaplicáveis e desnecessários os critérios de morte encefálica [...]

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de diagnóstico de morte encefálica, constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina.

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Art. 1º Uma vez autorizado formalmente pelos pais, o médico poderá realizar o transplante de órgãos e/ou tecidos do anencéfalo, após o seu nascimento.

A mesma resolução, em sua exposição de motivos, utiliza-se do questionável critério de viabilidade para asseverar a possibilidade de retirada de órgãos de anencéfalos (ainda vivos?), além de evidenciar a inaplicabilidade do texto legal, que impõe o critério legal único de morte encefálica. Nesse contexto, a edição da Portaria GM/MS nº 487, de 2 de março de 2007, trata a questão de modo mais contundente, na medida em que o seu art. 1º destaca que “[a] retirada de órgãos e/ou tecidos de neonato anencéfalo para fins de transplante, ou tratamento, deverá ser precedida de diagnóstico de parada cardíaca irreversível”. Observa-se, portanto, que mesmo o critério da morte encefálica, que tenderia a dar maior segurança para médicos, doadores e juristas acerca do fim da pessoa natural, apresenta várias exceções, estando longe de ser uma unanimidade.

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b) A reanimação cardiorrespiratória: um “imperativo técnico”?

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O processo técnico-médico de reanimação cardiorrespiratória já faz parte do cotidiano de hospitais, em casos de urgência. Podendo ser realizado até dez minutos após a parada cardiorrespiratória (não se levando em conta as possíveis sequelas), apresenta-se como um grande recurso médico na salvaguarda da vida humana. No entanto, tal procedimento é sempre necessário?

A intervenção deve acontecer rapidamente, durante os dois minutos seguintes à parada. Na falta disso, as células do cérebro sofrem da falta de oxigênio, ou anoxia. Se esse lapso não é respeitado, uma reanimação pode ser tecnicamente conseguida e restabelecer o ritmo cardíaco e a respiração no doente, que permanecerá em um estado vegetativo crônico; nutrido de maneira parenteral, tal doente pode viver durante numerosos anos.19

Seria, então, razoável realizar o procedimento de reanimação, caso o lapso de tempo decorrido seja superior ao limite de segurança, em que não há sequelas? Por um lado, o procedimento médico realizado nessas circunstâncias salvaguardaria órgãos e tecidos do moribundo para transplante. Em outras palavras, a “reanimação” teria, ao menos a princípio, o único objetivo de se conseguir um doador potencial. No outro extremo, os médicos costumam rejeitar o ministério de determinados tratamentos com base na “futilidade”: procedimentos que teriam pouco, ou nenhum ensejo de ajudar o paciente. O problema mostra-se mais controverso do que aparenta. Por um lado, o conceito de futilidade é embasado em dados estatísticos. De fato: Geralmente as chances de sucesso são estabelecidas de maneira estatística, a partir dos ensaios experimentais. Nos escritos médicos, porcentagens variando de 0,15% a 14% são consideradas como indicadores de um tratamento ineficaz.20

Muito embora a Lei nº 9.434/1997, bem como as regulamentações do Conselho Federal de Medicina, nada disponham sobre o assunto, surgem vários problemas específicos de grande complexidade.

Sob o ponto de vista epistemológico, dados estatísticos nunca podem ser usados para casos particulares, sobretudo, quando se trata de assunto tão delicado como a vida humana. Se assim o fosse, recair-se-ia em um utilitarismo grosseiro, solapando as condições físicas e psicológicas peculiares a cada ser humano. Além disso, o conceito de “futilidade” é extremamente subjetivo e particular à classe médica. Para o paciente e a sua família, por exemplo, pode ser que nenhum tratamento seja tido como

É ponto relativamente pacífico na doutrina médica que, após certo lapso de tempo da parada cardiorrespiratória, os danos cerebrais são irreversíveis. Assim:

19 SAINT-ARNAUD, Jocelyne. Op. cit., p. 94. 20 SAINT-ARNAUD, Jocelyne. Op. cit., p. 96.


“fútil”. Conforme Berger, “[...] da perspectiva do paciente, se a reanimação cardiorrespiratória permiti-lo-á continuar a viver outra hora, dia, mês ou ano, ela pode não ser fútil, porque poderá dar à Deus tempo para realizar um milagre”21. O assunto mostra-se, portanto, de enorme complexidade. Afinal, as decisões sobre vida e morte são demasiado importantes para pertencerem tão-somente aos profissionais de saúde.

V – ESPERANÇAS DE UMA MORTE MELHOR

intervenção médica é o próprio paciente. Bem e mal saem do monopólio médico e passam às mãos do enfermo, valorizando a sua autodeterminação. Contrariamente às normas tradicionais, as normas propostas não repousam sobre um fundamento transcendente, mas, antes, sobre uma ética processual e consensual. [...] Uma grande importância é dada ao respeito pela autonomia da pessoa, onde há a obrigação moral e legal de uma informação adequada, de uma não coerção por parte dos intervenientes, bem como por parte do direito de recusa de tratamento.23

Frise-se: no concernente ao fim da pessoa natural, todas as decisões, sejam de manutenção de um tratamento vital (life-sustaining treatment), ou de limitação e até recusa de tratamento, como a reanimação cardiorrespiratória (whithholding/ withdrawing cardiopulmonary ressuscitation), devem ser tomadas pelo próprio paciente.

Urge uma nova conceituação e uma nova hermenêutica acerca dos princípios ético-morais, para que, revitalizados, balizem o intervencionismo médico sem o aval do enfermo. Essas normas principiológicas não mais podem ser tomadas hierarquicamente (v.g. a vida acima de tudo), mas devem moldar-se à diversidade cultural e à pluralidade de valores.

Em alguns Países, já há, inclusive, suporte legal para tais assertivas.

A título ilustrativo, tem-se o princípio ético da não-maleficência, de origem imemorial. Este “impõe uma obrigação de não infligir dano intencionalmente. É estreitamente associado, na ética médica, com a máxima primum non nocere: acima de tudo não prejudicar”22. A não-maleficência ainda pode (e deve) ser invocada. No entanto, assume uma nova conotação: quem deve definir os limites de benefícios, ou prejuízos, desejados pela futura 21 BERGER, Arthur. When life ends. Legal overviews, medicolegal forms, and hospital policies. Londres: Praeger, 1995, p. 64-65. 22 BEAUCHAMP, Tom L; CHILDRESS, James F. Principles of Biomedical Ethics. 4. ed. New York: Oxford University Press, 1994, p. 189.

Desde dezembro de 1991, nos Estados Unidos, está em vigor a Lei Federal conhecida como Patient Self-Determination Act (PSDA). Consiste em um conjunto normativo no qual os hospitais, os hospícios, as agências de atendimento médico em domicílio etc., são obrigados a desenvolver e manter políticas e procedimentos escritos, a fim de informar adultos sobre seus direitos individuais como pacientes. Assim, instrui-se acerca das possibilidades de recusa, ou aceitação de tratamentos médico-cirúrgicos (inclusive as ordens de não-reanimação cardiorrespiratória, se for o caso), bem como do poder de ditarem diretivas avançadas (advanced directives). Tais documentos, que podem incluir testamentos, delegação de poderes para mandatários, caso o paciente não possa manifestar sua vontade etc., devem

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A evolução das técnicas médicas apresenta-se como uma via de mão dupla, no que tange ao cotidiano da morte. Ao mesmo tempo em que causa grande conforto à pessoa humana, prolongando-lhe a vida, e permitindo-lhe salvar a vida do próximo, causa alienação e anomia ao paciente, que fica despojado de seu poder sobre a própria vida e morte.

23 SAINT-ARNAUD, Jocelyne. Op. cit., p. 103.

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ser registrados, gravados e acessados em momentos oportunos. O PSDA, igualmente, obriga as instituições a providenciar programas educacionais sobre as diretivas avançadas para os corpos clínicos.

nomia, elevado ao ponto de o próprio indivíduo poder escolher o meio, a forma e o momento de sua morte, a doação passa a ser viável. Mais que isso, assume um caráter muito mais nobre, não apenas de doação de órgãos, mas de doação de vida.

Um dos documentos jurídicos mais importantes hoje é a Convenção de Direitos Humanos e Biomedicina (Oviedo, Espanha, 1997)24:

REFERÊNCIAS

Art. 5º Regra Geral Uma intervenção no campo da saúde só pode ser realizada depois de a pessoa (que sofrerá a intervenção) ter dado seu consentimento livre e informado para tal. Essa pessoa deve, antecipadamente, receber informações apropriadas acerca do propósito e natureza da intervenção, bem como de seus riscos. [...] Art. 9º Os desejos concernentes a intervenções médicas, previamente expressos pelo paciente, quando este não os puder fazer no momento da intervenção, devem ser levados em conta.

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Do exposto, fica claro que toda intervenção biomédica deve ser previamente autorizada pelo paciente.

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Até mesmo o conceito ou o momento da morte em si devem passar pelo crivo do moribundo. Impor o critério de morte encefálica é um atentado à diversidade cultural e à autonomia do ser humano. Afinal, a Constituição Federal brasileira de 1988, em seu art. 5º, caput, protege a vida, e não a vida encefálica. Se seguirmos, de maneira exegética o texto constitucional, a doação de órgãos, que exige traços de vida orgânica do doador, ficaria totalmente inviabilizada. No entanto, ao recorrermos ao princípio da auto24 STANCIOLI, Brunello. Relação Jurídica Médico-Paciente. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 61 e 62.

BEAUCHAMP, Tom L.; CHILDRESS, James F. Principles of biomedical Ethics. 4. ed. New York: Oxford University Press, 1994. BERGER. Arthur. When life ends. Legal overviews, medicolegal forms, and hospital policies. Londres: Praeger, 1995. HERCULANO, Alexandre. O Monge de Cister. 19. ed. Lisboa: Imprensa Portugal-Brasil, t. I., [s. d.]. JUNQUEIRA FREIRE. Morte. apud CÂNDIDO, Antônio. Formação da Literatura Brasileira. 2. ed. São Paulo: Livraria Martins, v. 2, 1964. MACHADO, Roberto et al. Danação da norma. Rio de Janeiro: Graal, 1978. MONTEIRO DA VIDE, D. Sebastião. Constituições primeiras do Arcebispado da Bahia. 2. ed. São Paulo: Typographia 2 de Dezembro, 1853. REIS, João José. A morte é uma festa: ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1991. _______. O Cotidiano da Morte No Brasil Oitocentista. In: ALENCASTRO, Luis Felipe de (Org.). História da vida privada no Brasil Império: a corte e a modernidade nacional. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. SAINT-ARNAUD, Jocelyne. Réanimation et transplantation: la mort reconceptualisée. Sociologie et sociétés. Montréal, v. XXVIII, n. 2, automne, 1996. STANCIOLI, Brunello Souza. Relação jurídica médico-paciente. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. _________. Renúncia ao exercício de direitos da personalidade ou como alguém se torna o que quiser. Belo Horizonte: Faculdade de Direito da UFMG, 2007 (Tese de Doutorado). TELAROLLI JUNIOR, Rodolpho. Poder e saúde: as epidemias e os serviços de saúde em São Paulo. São Paulo: Unesp, 1996.


Doutrina

Do Comércio Eletrônico à Reforma do ICMS nas Operações Interestaduais. Os Efeitos da Emenda Constitucional nº 87/2015 RENATO GOMES DE OLIVEIRA

Pós-Graduando em Direito Tributário pela FMU, Bacharel em Direito Tributário pela Universidade São Marcos, Membro do Comitê Tributário da ABAT, Atua como Consultor e Gerente Tributário em Empresa de Suprimentos Corporativos.

RESUMO: O objetivo deste breve estudo é a análise da Emenda Constitucional nº 87/2015, a partir do cenário em que surgiram as várias propostas de emendas à Constituição Federal da chamada “guerra fiscal” do comércio eletrônico. Fala-se aqui do Protocolo ICMS nº 21/2011 como seu precursor político. Em seguida, foca-se a investigar seus reflexos nas operações interestaduais destinadas a consumidores finais não contribuintes do ICMS e ainda no regime jurídico da substituição tributária.

PALAVRAS-CHAVE: ICMS; comércio eletrônico; operações interestaduais; responsabilidade tributária; diferencial de alíquota.

INTRODUÇÃO De acordo com o art. 1º da Constituição Federal, o Brasil é uma República Federativa formulada pela união indissolúvel dos Estados, Municípios e do Distrito Federal, sendo estes dotados de autonomia política e financeira. Não obstante, as competências tributárias são limitadas, formal e materialmente, cabendo ainda ao Congresso Nacional, seja por lei complementar ou por resolução do Senado Federal, disciplinar, entre outras, questões do ICMS que devem ser observadas pelos entes que as recebem. Estas questões são de extrema relevância, tendo em vista que, quando não observadas, temos a ocorrência da chamada “guerra fiscal”, reflexo da competição entre os Estados e Distrito Federal para atrair para seus territórios maior concentração de negócios, principalmente na arrecadação do ICMS, considerando, como regra, que este imposto é recolhido ao Estado de origem da mercadoria1. Este breve estudo consiste na análise da Emenda Constitucional nº 87/2015, a partir do cenário em que surgiram as várias propostas de emendas à Constituição Federal da chamada “guerra fiscal” do comércio eletrônico. Fala-se aqui do Protocolo ICMS nº 21/2011 como seu precursor político, seus reflexos nas operações interestaduais destinadas a consumidores finais não contribuintes do ICMS e ainda no regime jurídico da substituição tributária. Sem mais delonga, passa-se ao tema.

SUMÁRIO: Introdução; I – Do contexto histórico e político; II – Das operações e prestações interestaduais; II.1 – Do período de transição das alíquotas; III – Da responsabilidade do remetente e o reflexo na substituição tributária; Conclusões; Referências.

1 OLIVEIRA, Júlio Maria; MIGUEL, Carolina Romanini. Competência tributária para instituir o ICMS e a concorrência entre as unidades da Federação. ICMS: questões fundamentais. São Paulo: MP, 2006. p. 141-142.


I – DO CONTEXTO HISTÓRICO E POLÍTICO Antes de enfocar a proposta, faz-se necessário compreender um pouco do contexto histórico e político que a motivou e lhe serviu de berço. Não pretendemos esgotar as reflexões necessárias a essa tarefa, mas apenas sugerir algumas informações para melhor compreensão do tema no quadro que se pretende expor.

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Comecemos pela afirmação, como apontam institutos de pesquisas, do crescente comércio na forma não presencial no Brasil. Tais estudos referem-se especialmente ao e-commerce. Se de um lado este fato revela a superação dos limites físicos para as relações comerciais, o impacto ocasiona certo desequilíbrio nas distribuições das receitas tributárias geradas, já que, no caso em tela, está sujeita a incidência do ICMS, sendo este considerado um imposto de origem. Nas vendas para consumidores finais não contribuintes, os Estados destinatários não recebem quaisquer parcela do ICMS gerado por estas operações2.

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Para Adolpho Bergamini3, o fato de o crescente comércio eletrônico por empresas denominadas “pontocom”, localizadas, em sua maioria, nos Estados das regiões Sul e Sudeste, realizarem vendas para todo País e grande parte destas operações são feitas a consumidores finais não contribuintes do ICMS, o que motivaram alguns Estados destinatários à celebração do Protocolo ICMS nº 21/2011, com o propósito de abastecerem seus cofres públicos, instituindo a cobrança do diferencial de alíquota do ICMS para consumidores finais não contribuintes. 2 BRITO, Demes; PARISI, Fernanda Drummond. A incidência do ICMS nas vendas pela Internet. Inconstitucionalidade do Protocolo ICMS nº 21 do Confaz. Revista de Estudos Tributários, São Paulo, n. 100, p. 18-33, nov./dez. 2014. 3 BERGAMINI, Adolpho. ICMS – Sujeição ativa nas operações interestaduais, não presenciais que destinem mercadorias a não contribuintes do ICMS. Revista de Estudos Tributários, São Paulo, n. 100, p. 9-16, nov./dez. 2014.

Porém, por atentar contra dispositivos constitucionais é que o Protocolo ICMS nº 21/2011 padeceu de inconstitucionalidade já reconhecida pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, embora a modulação dos efeitos deva ser rechaçada pela sociedade, pois convalida o ilícito como recurso de abastecer os cofres públicos. A par disso, justificando o equilíbrio na arrecadação do ICMS no comércio eletrônico, surgiram várias propostas de emendas à Constituição, pois os Estados de destino querem parcela do ICMS arrecadado nestas vendas, atualmente devido integralmente aos Estados de origem. Neste cenário, o Plenário da Câmara dos Deputados aprovou, no dia 3 de fevereiro, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 197/2012, de iniciativa do Senado Federal, que estabelece novas regras para o ICMS nas operações interestaduais destinadas a consumidores finais não contribuintes do imposto. A maioria da bancada de São Paulo votou contra a proposta: dos 63 deputados, 53 votaram contra. O Deputado Nelson Marquezelli (PTB-SP), em entrevista à Agência Câmara Notícias, disse que votou contra o que chamou de “remendos” e defende uma reforma tributária ampla, e não mudanças pontuais. Assim, foi se afigurando a Emenda Constitucional nº 87/2015 como resultado de várias propostas de emendas à Constituição, em especial, da PEC 197/2012 (substitutiva da PEC 197-D e PEC 103/2011), que, na redação atual, restou suprimida a expressão não presencial. Vê-se que, das justificativas e pretensões iniciais em alcançar o comércio eletrônico, acabou por alcançar todas as operações interestaduais destinadas a consumidores finais não contribuintes. Fixadas estas premissas, sentimo-nos mais confortáveis para avançar em direção ao objeto central da análise, articulando seus impactos nas operações interestaduais a consumidores


II – D AS OPERAÇÕES E PRESTAÇÕES INTERESTADUAIS No âmbito constitucional, o art. 155, II, da Constituição Federal outorgou competência aos Estados e Distrito Federal para instituição do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação, ainda que tais operações tenham início do exterior – o ICMS, que, a teor do disposto no art. 155, § 2º, incisos I e IV, será não cumulativo,

cabendo ao Senado Federal, por resolução, estabelecer as alíquotas aplicáveis nas operações interestaduais. Embora cabível ao Estado em que é realizado o fato gerador, a teor do disposto no art. 155, § 2º, VII e VIII, da Constituição Federal, nas operações interestaduais que destinem bens a consumidores finais contribuintes do imposto, caberá ao Estado de destino parcela do ICMS correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual. Já, quando o destinatário não for contribuinte dele, nada caberá ao Estado destino. É o que explica a redação atual do art. 155, § 2º, VII e VIII, da Constituição Federal: VII – em relação às operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, adotar-se-á: a) a alíquota interestadual, quando o destinatário for contribuinte do imposto; b) a alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte dele; VIII – na hipótese da alínea a do inciso anterior, caberá ao Estado da localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual;

A breve leitura supra, em especial da alínea b c/c com o inciso VIII, dá conta que, nas operações interestaduais com consumidores finais não contribuintes do ICMS, adotar-se-á alíquota interna do Estado de origem, ocasião em que o Estado de destino não terá direito à parcela do ICMS correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual. Assim, o contribuinte que realizar operações com consumidores finais não contribuintes do ICMS, adotar-se-á alíquota interna do seu Estado (origem), nos casos dos estados de São Paulo e Minas Gerais, a alíquota interna (geral) é de 18%.

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finais não contribuintes, para, em seguida, ponderar acerca dos reflexos na substituição tributária. Tais reflexos, na teoria, são simples, mas, na prática, revelarão ao contribuinte o peso da máquina estatal e das obrigações tributárias para a sociedade. Sem mais delonga, passa-se a análise.

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Após as mudanças da Emenda Constitucional nº 87/2015, nos termos da redação do art. 155, § 2º, VII, alíneas a e b, da Constituição Federal: VII – nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final, contribuinte ou não do imposto, localizado em outro Estado, adotar-se-á a alíquota interestadual e caberá ao Estado de localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna do Estado destinatário e a alíquota interestadual; a) (revogada); b) (revogada);

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Este mesmo contribuinte passará a adotar alíquota interesta­ dual, variando entre 7% ou 12%, cabendo ao Estado de destino a diferença entre a alíquota interestadual da operação (7% ou 12%) e a alíquota interna em seu Estado. A maioria (exceto São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro) adota 17% como alíquota interna (geral).

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Sob tal ângulo, os Estados de origem, como são os casos dos estados de São Paulo e Minas Gerais, deixarão de receber 18% (alíquota cheia) sobre as operações interestaduais com consumidores finais não contribuintes iniciadas em seus territórios, recebendo apenas 7% ou 12%, conforme o Estado de destino. E o contribuinte passará a recolher a diferença de 10% ou 5% ao Estado de destino. É bem verdade que, como é o caso dos estados de São Paulo e Minas Gerais, ao final da operação, entre o destaque da alíquota interestadual e o recolhimento do diferencial de alíquota (devido ao Estado destino), o contribuinte deixará de recolher os atuais 18% (alíquota cheia) e passará a recolher 17% (maioria dos Estados) ou 19% (Estado do Rio de Janeiro), conforme alíquota do ICMS interna do Estado de destino.

A par disso, outro aspecto relevante serão as operações com produtos importados alcançados pela alíquota interestadual de 4% da Resolução do Senado Federal nº 13 de 2012 – conhecida como a guerra fiscal dos portos. Na regra atual, com fulcro na redação do art. 155, § 2º, inciso VII, da CRFB/1988, a alíquota interestadual de 4% para produtos importados será adotada apenas quando o destinatário for contribuinte do imposto. Significa dizer que, ao realizar operações interestaduais com consumidores finais não contribuintes, deve-se adotar alíquota interna – em geral, de 18% (estados de São Paulo e Minas Gerais), mesmo para produtos importados ou ainda se o produto tiver conteúdo de importação superior a 40%. É nesta linha de raciocínio que a Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo orienta os contribuintes, senão vejamos: 1.5 – DESTINATÁRIO NÃO CONTRIBUINTE DE ICMS Aplica-se a alíquota interna à operação que destinar mercadorias a não contribuinte de ICMS localizado em outro Estado, mesmo no caso em que produto tiver conteúdo de importação superior a 40%. A aplicação da alíquota interna para operações com destinatários não contribuintes independe destes destinatários possuírem ou não inscrição no cadastro de contribuintes e do Estado de sua localização. Deverão ser apontados nos referidos documentos fiscais o CFOP adequado a estas operações (6.107 ou 6.108), bem como a inscrição estadual do destinatário, quando houver. Referências: Constituição Federal/1988; RICMS/2000; Nota Técnica 2013.006 – Nota Fiscal Eletrônica. (Fonte: www.fazenda.sp.gov.br/fci)

Porém, importa relembrar que, com as revogações das alíneas a e b e a nova redação do art. 155, § 2º, inciso VII, da Constituição Federal, eis: VII – nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final, contribuinte ou não do imposto, localizado em outro Estado,


Ao realizar operações com consumidores finais não contribuintes, adotar-se-á não mais alíquota interna, mas sim a alíquota interestadual. Logo, considerando que a alíquota interestadual para os produtos importados, conforme a Resolução nº 13/2012, é de 4%, esta passará a ser adotada também nas operações interestaduais destinadas a consumidores finais não contribuintes do imposto. Espera-se aqui maior redução na arrecadação dos Estados de origem, que passará dos atuais 18% (alíquota cheia) para 4% (alíquota interestadual) nas operações interestaduais destinadas aos consumidores finais não contribuintes do imposto, cabendo ao Estado de destino a diferença entre a alíquota interestadual e a alíquota interna. Se, por um lado, espera-se redução da carga tributária quando o Estado de destino adota alíquota interna (17%) menor do que alíquota interna do Estado de origem (18%), há, de outro lado, majoração da carga tributária nas operações com o Estado do Rio de Janeiro, em que alíquota interna (19%) do Estado de destino é maior do que alíquota interna dos Estados de origem (17% e 18%). Neste caso, o contribuinte é quem será onerado a recolher ao Estado de destino a diferença entre as alíquotas, cuja carga tributária será maior do que já suporta em seu Estado, de forma que, a nosso ver, torna-se fator impeditivo para que as medidas possam produzir efeitos ainda este ano. Na votação da Câmara da PEC 197/2012, já foi suscitada dúvida quanto à vigência das medidas. O texto votado prevê transição da diferença de alíquotas já a partir de 2015, não obstante, o artigo sobre a vigência remete para o ano seguinte o da publicação.

Segundo a Câmara, a discussão deste item seria no Senado, porém a Emenda Constitucional nº 87/2015 foi promulgada com a mesma redação do texto aprovado na Câmara dos Deputados.

II.1 – Do período de transição das alíquotas Entretanto, as mudanças dos valores e o destino da arrecadação não terão impactos imediatos, haverá um período de transição até que os Estados de destino possam receber na íntegra a diferença entre a alíquota interestadual e a alíquota interna. A Emenda Constitucional nº 87/2015 incluiu o art. 99 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal: Art. 99. Para efeito do disposto no inciso VII do § 2º do art. 155, no caso de operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final não contribuinte localizado em outro Estado, o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual será partilhado entre os Estados de origem e de destino, na seguinte proporção: I – para o ano de 2015: 20% (vinte por cento) para o Estado de destino e 80% (oitenta por cento) para o Estado de origem; II – para o ano de 2016: 40% (quarenta por cento) para o Estado de destino e 60% (sessenta por cento) para o Estado de origem; III – para o ano de 2017: 60% (sessenta por cento) para o Estado de destino e 40% (quarenta por cento) para o Estado de origem;

Segundo a redação aprovada para as novas regras, a diferença entre elas será gradualmente direcionada ao Estado de destino do bem ou serviço, conforme as seguintes proporções:

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adotar-se-á a alíquota interestadual e caberá ao Estado de localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna do Estado destinatário e a alíquota interestadual;

a) 2015: 20% para o Estado de destino e 80% para o Estado de origem;

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IV – para o ano de 2018: 80% (oitenta por cento) para o Estado de destino e 20% (vinte por cento) para o Estado de origem; V – a partir do ano de 2019: 100% (cem por cento) para o Estado de destino.


b) 2016: 40% para o Estado de destino e 60% para o Estado de origem; c) 2017: 60% para o Estado de destino e 40% para o Estado de origem; d) 2018: 80% para o Estado de destino e 20% para o Estado de origem; e) a partir de 2019: 100% para o Estado de destino. O texto da referida emenda constitucional ainda estabelece que a medida tenha efeito, sem prejuízo do prazo de 90 dias, no ano seguinte ao da promulgação, senão vejamos: “Art. 3º Esta emenda constitucional entra em vigor na data de sua publicação, produzindo efeitos no ano subsequente e após 90 (noventa) dias desta”.

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Como a PEC não foi aprovada e a emenda constitucional promulgada em 2014, a distribuição prevista para 2015 deveria ter sido alterada no texto constitucional, já que, conforme o art. 3º supra, a EC 87/2015 produzirá efeitos a partir de 2016, período em que, a nosso ver, os Estados prejudicados em razão das perdas de receitas tributárias geradas com a distribuição terão para equilibrarem seus orçamentos.

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Fato é que, após os efeitos, os diferenciais de alíquotas restarão em novas alíquotas. Já imaginou? Por exemplo, o diferencial de alíquota atual de 10% (17% – 7%) passará a ser de 2% para o Estado destino (20%) e de 8% além dos 7% ficam com Estado de origem (80%). Na prática, vamos ter uma alíquota de 15% para o Estado de origem e 2% para o Estado de destino. Queremos, com tal assertiva, dizer que o “diferencial de alíquota” como nós conhecemos deve mudar, pois não haverá distinção para manter a sistemática que atualmente aplica-se aos contribuintes e não contribuintes. Enfim, caberá ainda ao legislador complementar disciplinar a responsabilidade do remetente no recolhimento do diferencial de alíquota ao Estado destino.

III – DA RESPONSABILIDADE DO REMETENTE E O REFLEXO NA SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA Em que pese à definição do sujeito passivo, nos termos do art. 146, III, a, parte final, da Constituição Federal, caberá à lei complementar as definições dos respectivos: fatos geradores, bases de cálculos e contribuintes. Todavia, pode-se afirmar que as principais diretrizes para instituição e arrecadação dos tributos encontram-se disciplinadas no texto constitucional, de forma que o legislador infraconstitucional não está livre para escolher indistintamente os ocupantes do polo passivo. O CTN (arts. 121 a 138) estabelece diversas situações de responsabilidade tributária, não é foco deste trabalho investigar cada espécie, por sua vez, a Emenda Constitucional nº 87/2015 traz, em seu texto, a figura da responsabilidade tributária atribuída ao recolhimento do ICMS correspondente à diferença da alíquota interna e a interestadual, senão vejamos: Na redação do VIII, alíneas a e b do § 2º, art. 155 da Constituição: VIII – a responsabilidade pelo recolhimento do imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual de que trata o inciso VII será atribuída: a) ao destinatário, quando este for contribuinte do imposto; b) ao remetente, quando o destinatário não for contribuinte do imposto; [...].

Quando o destinatário for contribuinte do imposto, caberá a este o recolhimento do diferencial de alíquota em favor do seu Estado, assim como já ocorre nos dias atuais. Porém, quando o destinatário não for contribuinte do imposto, a responsabilidade pelo recolhimento do diferencial de alíquota ao Estado destino caberá ao remetente.


Na responsabilidade por substituição, terceira pessoa, expressamente prevista em lei, ocupa o lugar do contribuinte desde a ocorrência do fato gerado, de modo que, quando a obrigação nasce, já o faz em desfavor da terceira pessoa, que pode ser chamada de substituto tributário ou responsável por substituição. Sobre responsabilidade tributária, Maria Rita Ferragut observa que “[...] o responsável diferencia-se do contribuinte por ser necessariamente um sujeito que não tenha praticado o evento descrito no fato jurídico tributário; e que disponha de meios para ressarcir-se do tributo pago por conta do fato praticado por outrem”4. No caso em tela, pondera-se que não haverá, na responsabilidade do remetente, duas figuras passivas necessárias à substituição tributária, ou seja, a figura do contribuinte e do responsável, cabendo a este a responsabilidade pelo recolhimento daquele, posto que o destinatário não é contribuinte do imposto. A importância em pontuar se a figura do remente é de contribuinte ou de responsável no recolhimento do diferencial de alíquota em favor do Estado destino ganhará destaque nas situações de ressarcimento, por exemplo, nos casos de devoluções ou recusa no recebimento das mercadorias pelo destinatário. Interpretamos o dispositivo normativo aceitando tratar-se de o contribuinte recolhendo imposto próprio (alíquota cheia) para 4 FERRAGUT, Maria Rita. Responsabilidade tributária e o Código Civil de 2002. São Paulo: Noeses, 2013. p. 39.

dois sujeitos ativos diferentes, haja vista que não há o que se falar em imposto de terceiro (devido pelo destinatário), sendo o terceiro não contribuinte do imposto. Lembrando que o responsável, ao repassar a diferença de alíquota ao Estado destino, não poderá cobrar do destinatário (consumidor final), como ocorre nas operações entre contribuintes sujeitas a responsabilidade por substituição tributária, em que o substituto (responsável) destaca em campo próprio o valor do imposto a ser retido por substituição tributária em favor do Estado destino (ICMS por substituição tributária) e cobra do substituído (contribuinte) ressarcindo-se do imposto pago. Mas não é só, no caso da substituição tributária para frente, em que o Estado de origem recebe o valor integral do ICMS de forma antecipada, a partir das mudanças nas regras do ICMS interestadual, o contribuinte estará obrigado a recolher novamente parte deste ICMS, agora sob o título de “diferencial de alíquota” e de forma gradual ao Estado destino, mesmo quando a operação envolver destinatário não contribuinte do ICMS. Ou seja, na prática, por força do instituto jurídico da substituição tributária interna, o contribuinte terá pela frente produtos dos quais já pagou integralmente o ICMS (alíquota interna) para o seu Estado de origem, porém, ao vender estes mesmos produtos em operações interestaduais destinadas a consumidores finais não contribuintes, estará obrigado a destacar o ICMS próprio sob alíquota interestadual de 12% ou 7% (já pago integralmente na substituição tributária) e ainda como responsável tributário, ao recolhimento, agora, em favor do Estado destino e de forma gradual do diferencial de alíquota . Quanto ao possível ressarcimento do ICMS retido a maior em favor do Estado de origem em razão de sujeição à substituição tributária interna, o contribuinte dependerá de alteração da lei ordinária, já que o legislador ordinário previu como uma das hipóteses ao ressarcimento do ICMS-ST as operações para outros

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A primeira hipótese, a nosso ver, trata-se da própria condição de contribuinte do destinatário, posto que tem relação direta com o fato gerador do diferencial de alíquota, ou seja, aquisições de bens para uso ou consumo em operações interestaduais. Já o segundo não se encaixa na moldura da responsabilidade por substituição, posto que diz respeito à responsabilidade tributária do remetente quando o destinatário não for contribuinte do imposto.

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Estados destinadas tão somente aos contribuintes do imposto. Isto porque o recolhimento do ICMS nas operações interestaduais com consumidor final não contribuinte dava-se de forma integral ao Estado de origem, nada restando ao Estado de destino. Nesse sentido, não encontro lugar harmonioso para a permanência do instituto jurídico da responsabilidade por substituição tributária para frente, este instituto, ao ser aplicado no Brasil, teve cunho estritamente predatório às garantias constitucionais do contribuinte, o que restará visível no que tangem aos efeitos da Emenda Constitucional nº 87/2015 nas operações interestaduais destinadas a não contribuintes, eis que ensejará novo recolhimento do ICMS, agora, na fração que se é devida em favor do Estado destino. Por sua vez, no termos dos arts. 146, inciso III, alínea b c/c com o 155, § 2º, inciso XII, b, todos da CRFB/1988, caberá ao legislador complementar regular a responsabilidade (em forma de repasse) no recolhimento do diferencial de alíquota ao Estado destino.

CONCLUSÕES

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Diante do quanto se expôs, é possível resumir alguns pontos:

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Primeiro, pensar na reforma do ICMS é apontar para o equilíbrio entre os meios e os fins. Não restam dúvidas que o desequilíbrio nas receitas do ICMS gerado pelo comércio eletrônico afetam as receitas tributárias dos Estados, no entanto, ao protegê-las, devem buscar o equilíbrio econômico, de forma a garantir o desenvolvimento da indústria e do comércio. Ressalte-se, de logo, que não se pode abrir mão do compromisso com o Estado Democrático de Direito, violando regras constitucionais como fez o Protocolo ICMS nº 21/2011. De idêntico teor, serão inócuas se sufocarem o contribuinte e a sociedade, é preciso que sejam exequíveis e compatíveis às reduções dos custos operacionais e expansões dos negócios.

Ora, é evidente que a responsabilidade do remetente no recolhimento do diferencial de alíquota devido ao Estado destino exigirá que se faça por cada operação, situação em que a guia deverá acompanhar a mercadoria até o destino. Ou, se preferirmos, exigirá a inscrição do contribuinte no Estado destino na condição de substituto tributário. Embora não se negue a complexidade da legislação tributária, leva-se a cabo também a complexidade para o pagamento do imposto. Segundo, reiteramos que, na prática, no caso da substituição tributária para frente, em que o Estado de origem recebeu o valor integral do ICMS de forma antecipada, com a PEC 197/12, o contribuinte estará obrigado a destacar novamente o ICMS próprio sob a alíquota interestadual e recolher como responsável tributário o diferencial de alíquota em favor do Estado destino. E ainda, não podemos perder de vista que a Emenda Constitucional nº 87/2015 traz consigo outra sujeição ativa do ICMS nas operações interestaduais – qual seja, os Estados de destino, que alcançarão, além do crédito tributário, o poder de legislar e fiscalizar o sujeito passivo do Estado de origem na condição de responsável tributário. Assim, conclui-se a presente reflexão sem quaisquer pretensões de esgotar o tema.

REFERÊNCIAS BERGAMINI, Adolpho. ICMS – Sujeição ativa nas operações interestaduais, não presenciais que destinem mercadorias a não contribuintes do ICMS. Revista de Estudos Tributários, São Paulo, n. 100, p. 9-16, nov./dez. 2014. BRITO, Demes; PARISI, Fernanda Drummond. A incidência do ICMS nas vendas pela Internet. Inconstitucionalidade do Protocolo ICMS nº 21 do Confaz. Revista de Estudos Tributários, São Paulo, n. 100, p. 18-33, nov./dez. 2014. FERRAGUT, Maria Rita. Responsabilidade tributária e o Código Civil de 2002. São Paulo: Noeses, 2013. OLIVEIRA, Júlio Maria; MIGUEL, Carolina Romanini. Competência tributária para instituir o ICMS e a concorrência entre as unidades da Federação. ICMS: questões fundamentais. São Paulo: MP, 2006.


Doutrina

O Novo CPC e o Processo do Trabalho – Pós-Modernidade, Antinomias, Lacunas e o Novo Microssistema Processual Trabalhista Individual ANDRÉ ARAÚJO MOLINA Doutorando em Filosofia do Direito (PUC-SP), Mestre em Direito do Trabalho (PUC-SP), Especialista em Direito Processual Civil (UCB-RJ), Especialista em Direito do Trabalho (UCB-RJ), Bacharel em Direito (UFMT), Diretor e Professor da Escola Superior da Magistratura Trabalhista da 23ª Região (Esmatra XXIII), Professor da Pós-Graduação da Faculdade de Direito da UFMT, Juiz do Trabalho Titular na 23ª Região.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Aplicação do novo CPC ao processo do trabalho; Conclusões; Referências.

INTRODUÇÃO Sancionado recentemente pela Presidência da República, o novo Código de Processo Civil de 2015 revolucionará toda a teoria geral do processo brasileira, lançando luzes também sobre o processo do trabalho, na medida em que este, embora considerado como um ramo autônomo pela maioria dos autores trabalhistas, recebe da sua matriz original múltiplas influências, principalmente no tema dos métodos de interpretação e aplicação do Direito.

Na introdução do Anteprojeto do novo Código, o Senador José Sarney explicitou a fórmula política que inspirou os juristas da Comissão responsável pela sua elaboração, decomposta nas diretrizes de simplicidade da linguagem e da ação processual, celeridade do processo e efetividade do resultado da ação, além do estímulo à inovação e modernização de procedimentos, garantindo o respeito ao devido processo legal. E também são essas matrizes que inspiram a atividade do intérprete e do aplicador, mais ainda do processual trabalhista, cujo direito material a ser efetivado também reclama um sistema procedimental ágil, simples e eficaz, de modo que as inovações processuais civis ser-lhe-ão muito úteis. Os objetivos do artigo são definir quais os critérios para a interpretação e aplicação do novo CPC ao processo do trabalho e quais as alterações em nível da teoria geral do Direito e do processo influenciarão o ramo especializado.

1 APLICAÇÃO DO NOVO CPC AO PROCESSO DO TRABALHO A redação final do art. 15 do novo CPC1 representa a última estação de um itinerário histórico-evolutivo que teve início com a tentativa de reconhecimento da autonomia do direito e do processo do trabalho, sob os influxos do pensamento moderno e emancipatório, representado pela edição da CLT, mas que, a partir dos movimentos pós-modernos de globalização, universalismo e centralidade das constituições, houve uma miscigenação entre os compartimentos 1 “Art. 15. Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente.”


jurídicos, um maior diálogo entre as fontes normativas de direito material2 e, como mecanismo adequado a dar-lhe efetividade, ocorreu o acoplamento do direito processual do trabalho com o processual civil e, de ambos, com o constitucional e as normas internacionais, resultando no que conceituamos de o novo microssistema processual trabalhista individual.

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Observamos o passado para constatar que a modernidade foi conduzida pelo Renascimento, com a retomada da autonomia dos indivíduos, com a liberdade de pesquisa e crença (nascimento do protestantismo), a racionalidade trazida pelo Iluminismo e a chegada dos europeus na América, fatos difusos, mas conectados historicamente, que contribuíram para a consolidação da economia monetarizada e mercantil. A ascensão da burguesia refletiu no campo político com a consolidação de Estados nacionais soberanos, na medida em que interessava àqueles a criação de um ente estatal com administração centralizada e a consequente extinção das barreiras fiscais e alfandegárias, assim como a unificação da moeda, de modo a desenvolver-se livremente a mercancia.

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O reflexo no direito europeu foi o prestígio da codificação e a adoção do método exegético de interpretação – posteriormente substituído pelo juspositivismo, para emprestar previsibilidade e estabilidade contratual. Dentro desse quadro, a diretriz consolidou-se pelo modelo legislativo de codificação estanque para cada ramo do fenômeno jurídico, sem zonas de intersecção entre eles, tanto é que as Constituições regulavam apenas a organização política do Estado, sem aplicar-se ao direito privado, que estava livre da incidência dos direitos fundamentais. 2 JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration: le droit international privê postmoderne. Recueil des Cours, v. 251 (1995), p. 9-267. Para melhor aprofundamento do tema no Brasil: MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Tratados internacionais de direitos humanos e direito interno. São Paulo: Saraiva, 2010.

O modernismo foi recepcionado na América Latina no final do século XIX, por ocasião das independências das ex-colônias, as quais, visando romper com a dependência política e cultural europeia, reafirmaram sua soberania, constituíram Estados nacionais centralizados, refletindo nas artes e na ciência com uma busca de identidade própria e de pureza. O Direito nacional, então, expandiu-se com a adoção do modelo modernista de codificação, não sendo por outra razão que as antigas ordenações portuguesas e as legislações estaduais foram substituídas pelo Código de Processo Civil de 1939 e, posteriormente, o processo do trabalho ganhou certa autonomia com a edição da CLT, sendo por isso que a legislação trabalhista pátria seguiu a diretriz moderna centralizadora e consolidou em único veículo normativo todos os regramentos independentes, uniformizando o tratamento, tanto de direito material quanto de direito processual. Influenciado pelo paradigma da modernidade, o processo do trabalho original buscava emancipação e independência3. Como consequência do isolamento dos vários ramos jurídicos, a doutrina especializou-se e cada compartimento ganhou autonomia didática e científica. E o direito processual do trabalho também se isolou do direito processual civil e mesmo dos direitos constitucionais e da teoria geral do processo4, chegando

3 Em interessante trabalho de história do processo civil brasileiro, Igor Raatz e Gustavo da Silva Santanna dizem que o CPC de 1939 foi influenciado pela cultura jurídica europeia, nomeadamente pelos Códigos austríaco (1895), projeto Chiovenda italiano (1919) e, principalmente, o português de 1926. Assim como veio a ocorrer com o processo brasileiro, no panorama português “o exacerbado número de leis e de outras normas escritas e consuetudinárias, de autoridade e de âmbito de aplicação diversos, era causa de grande confusão na prática jurídica portuguesa durante o medievo, de modo que, mais de uma vez, as Cortes solicitaram ao rei que as leis do reino fossem reformadas e reunidas em um único corpo legal” (Elementos da história do processo civil brasileiro). 4 Exemplo clássico do isolamento da teoria geral do processo é a observação de que, em relação aos requisitos da petição inicial, o CPC de 1939


A partir do final da Segunda Grande Guerra, marcada pela prosperidade econômica, fim da divisão de classes e declínio das elites estabelecidas, houve, em movimento inverso, um rompimento do nacionalismo, enfraquecimento da soberania, com o primado da tecnologia e da comunicação, formando-se uma sociedade pós-industrial que acena para uma civilização

adotava a teoria da individualização (mera descrição dos fatos, sem necessidade de fundamentação jurídica); no mesmo sentido, seguiu-se a CLT de 1943 (art. 840). Contudo, com o CPC de 1973, toda a teoria geral do processo foi reformulada, exigindo-se a exposição tanto das razões fáticas como da fundamentação jurídica (teoria da substanciação), decorrendo da opção alterações nos limites objetivos da coisa julgada (v.g., eficácia preclusiva da coisa julgada – art. 474); contudo, a jurisprudência trabalhista recusou-se a assimilar o novo paradigma, mantendo-se fiel ao seu regramento especial da mera descrição dos fatos, mesmo nos casos em que a exordial é elaborada por profissional técnico que é o advogado. 5 “As normas da CLT que impedem a aplicação primária do direito processual comum (arts. 769 e 889) estão diretamente ligadas ao momento histórico da sua edição. Em 1943, quando editada a CLT, vigia o CPC de 1939. A execução fiscal, por sua vez, era regida pelo Decreto-Lei nº 960-1938. Como a CLT previa regras mais avançadas e simplificadas, tomou-se a precaução de impedir a aplicação do CPC e da LEF por meio dos arts. 769 e 889 da CLT, que funcionavam, então, como regras de contenção” (BEBBER, Júlio Cesar. Cumprimento de sentença no processo do trabalho, p. 20). No mesmo sentido, SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Reflexos das alterações do Código de Processo Civil no Processo do Trabalho. Revista LTr, v. 70, n. 08, p. 920-930, ago. 2006.

universal, com autoridade política global, universalista e regime jurídico transconstitucional6. Perry Anderson inventaria as características do período pós-moderno ao indicar que teve início um projeto de tolerância pluralística entre as nações, uma oferta de opções superabundantes, tornando sem sentido antigas polaridades – como esquerda e direita, capitalistas e classe operária –, importando mais para a sociedade o domínio da informação do que a produção industrial. Segue disso que o pós-modernismo é o éter cultural de um sistema global que rejeita todas as divisões geográficas, pois o universo pós-moderno não é de delimitação, mas de mistura, de celebração do cruzamento, do hibrido, do pout-pourri7. O mesmo autor, tratando do conceito de pós-moderno na literatura, nas artes e na arquitetura, locus originário do conceito, ensina que ele conecta-se com a ideia de ecletismo enquanto um estilo de “codificação dupla”, uma modalidade de manifestação cultural que adotava um híbrido da sintaxe moderna e da historicista, com apelo tanto para o gosto mais refinado e educado quanto para a sensibilidade popular. “Era essa mistura libertadora do novo e do velho, do elevado e do vulgar que definia o pós-modernismo como um movimento e lhe assegurava o futuro”8. Também J. F. Lyotard, ao reconhecer que a cultura contemporânea pós-moderna é reflexo da sociedade pós-industrial, adverte que as suas influências também alcançaram o ramo das ciências, na medida em que desde o último século há sinais de uma crise do saber científico outrora estruturado no caráter estanque entre as disciplinas e a sua pretensão

6 NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009; e GOMES, Luiz Flávio; MAZUOLLI, Valério de Oliveira. Direito supraconstitucional. Do absolutismo ao Estado Constitucional e Humanista de Direito. São Paulo: RT, 2010. 7 ANDERSON, Perry. As origens da pós-modernidade, passim, p. 31 e 87. 8 ANDERSON, Perry. Op. cit., p. 30.

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ao ponto de muitos autores interpretarem o art. 769 da CLT como uma cláusula de contenção do processo trabalhista, como uma defesa dele contra a contaminação pelas normas do processo civil5, quando, segundo pretendemos defender, atualmente a filosofia pós-moderna recomenda a interpretação do art. 769 do CLT como uma cláusula de abertura do sistema, possibilitando o seu acoplamento com o processo comum. O art. 15 do Novo CPC apenas reforça a interpretação multifacetada e complexa.

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enciclopédica. Contemporaneamente há necessidade de se afrouxar a trama enciclopédica na qual cada ciência deveria encontrar seu lugar, deixando-as emanciparem. Disso resulta para ele que: As delimitações clássicas dos diversos campos científicos passam ao mesmo tempo por um requestionamento: disciplinas desaparecem, invasões se produzem nas fronteiras das ciências, de onde nascem novos campos. A hierarquia especulativa dos conhecimentos dá lugar a uma rede imanente e, por assim dizer, “rasa”, de investigações cujas respectivas fronteiras não cessam de se deslocar.9

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De sua parte, Fredric Jamenson constata que a era pós-moderna marca todos os ramos da experiência cultural, inclusive a ciência, com as características de imediatidade, empirismo, caoticidade e heterogeneidade10.

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Na transição da modernidade para a pós-modernidade, enxergamos, com nitidez, que a CLT é resultado da influência modernista, buscando emancipação e reafirmando soberania, enquanto as legislações pós-modernas, em sentido inverso, acenam ao universalismo, complexidade e diálogo, respectivamente no direito do trabalho, centralidade da Constituição, incidência dos direitos internacionais, divisão legislativa em microssistemas e diálogo entre as fontes normativas, resolvendo as antinomias entre regras pelo princípio pro homine (norma mais favorável no direito material e norma mais efetiva para o direito processual) e a colisão entre princípios jurídicos pelo princípio da proporcionalidade11. 9 LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna, passim, p. 69-71. 10 JAMENSON, Fredric. Pós-modernismo, p. 27. 11 MOLINA, André Araújo. Teoria dos princípios trabalhistas. A aplicação do modelo metodológico pós-positivista ao direito do trabalho. São Paulo: Atlas, 2013; e MOLINA, André Araújo. Os direitos fundamentais na pós-modernidade. São Paulo, 2015, no prelo. Tese (Doutorado em Filosofia do Direito). Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.

Observamos que o legislador substitui paulatinamente a regulamentação estanque por meio dos códigos para cada compartimento jurídico, com sua doutrina especializada e seus métodos próprios de interpretação/aplicação, pela pulverização em diversos microssistemas legislativos12, mais adaptáveis às relações sociais que visam regrar, bem como dialogando entre si em busca da solução de direito material que mais fomente a dignidade da pessoa humana. Por essa razão que tencionamos sugerir em nível doutrinário que o futuro do direito do trabalho, para recolher adequadamente cada uma das modalidades contratuais, respeitando-se as diferenças fático-jurídicas entre as variadas espécies de empregados e empregadores, deveria decompor-se em diversos microssistemas, cada qual adequado a uma realidade, substituindo-se a CLT, uniforme e inflexível, por legislações específicas para cada espécie de relação jurídica trabalhista13. Por isso que, para nossa tese, o ordenamento jurídico material trabalhista é composto pela Constituição Federal de 1988, tratados internacionais ratificados e internalizados, legislação infraconstitucional – CLT, Código Civil 2002 e legislação extravagante –, normas coletivas e pelos contratos de trabalho. A partir desse amplo objeto é que o jurista trabalhista irá apreender o significado dos textos e construir o sistema jurídico, o qual é integrado por normas que ocupam tanto a forma de regras como a de princípios. Na construção e sistematização, o intérprete organizará as normas trabalhistas de forma flexível, com observância do princípio da norma mais favorável, realizando o diálogo das diversas fontes, e resolverá as antinomias entre as regras e os princípios, autonomamente e entre si. Havendo conflito de princí12 Exemplo típico são as Leis nºs 12.619, de 2012, e 13.103, de 2015, que dispõem sobre o exercício da profissão de motorista, retirando, por exemplo, a regulamentação quanto à sua jornada do regramento genérico da CLT, tratando-a especificamente. 13 MOLINA, André Araújo. Teoria dos princípios trabalhistas, p. 155.


Decorre, por exemplo, da perspectiva epistemológica pós-moderna que, em relação ao tema dos acidentes do trabalho e doenças ocupacionais, há diversos microssistemas incidentes, desde o Código Civil, Constituição, legislações especiais e os tratados internacionais, convergindo para um grande sistema multifacetado15. E o sistema material trabalhista retratado acima, para ser adequadamente interpretado e aplicado, reclama procedimentos judiciais mais flexíveis, com a participação dialógica democrática dos atores sociais, culminando com a adoção do método pós-positivista – baluarte na correta incidência dos princípios e regras e na imposição de soluções adequadas e procedimentadas às circunstâncias concretas, soluções racionais e ponderadas16. Acreditamos, após essa contextualização histórico-cultural e filosófica, que o legislador do novo Código de Processo Civil apreendeu essas lições e realizou uma virada paradigmática no método de interpretação do ordenamento jurídico, que já vinha se consolidando desde a Constituição de 1988 no Brasil, ainda que à custa da perda de autonomia legislativa do direito e do processo do trabalho. A perda de autonomia, muito ao contrário de significar um retrocesso, em nosso ponto de vista, significa avanço para um sistema jurídico aberto, complexo, dialógico e autopoiético, único capaz de recolher a multiplicidade das relações sociais na sociedade pós-moderna e hipercomplexa. 14 MOLINA, André Araújo. Op. cit., p. 203-204. 15 MOLINA, André Araújo. Sistemas de responsabilidade civil objetiva e os acidentes de trabalho. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, v. 79, n. 2, p. 70-117, abr./jun. 2013. 16 MOLINA, André Araújo. Op. cit., p. 156.

E a maleabilidade e a adaptabilidade do novo processo civil podem ser reconhecidas em diversos de seus institutos, valendo referir, a título ilustrativo, na possibilidade de ajuste do procedimento pelas partes, conforme as características particulares da ação (NCPC, art. 190), além da distribuição dinâmica do ônus da prova (NCPC, art. 373, § 1º), também conforme as diferenças entre as relações jurídicas materiais objeto da ação. Em ambos os casos, o legislador abandonou a regra geral do antigo Código – estática e inflexível – pela possibilidade judicial de adaptabilidade do procedimento. Como regra, o juiz dirigirá o processo conforme as disposições do Código, incumbindo-lhe dilatar os prazos processuais e alterar a ordem de produção dos meios de prova, adequando-os às necessidades do conflito de modo a conferir maior efetividade à tutela do direito (NCPC, art. 139, VI). Se o modelo fotografado pelo Direito e processo do trabalho do século passado era aquele que tinha a forma do empregador enquanto grande indústria como paradigma modelar, dos trabalhadores com pouca instrução e sem nenhum grau de autonomia, com condições similares de trabalho e de vida, como modelo de empregado, atualmente o modelo-padrão de empregador diluiu-se nas variadas formas adotadas nos três setores da economia, desde as empresas transnacionais, passando pelas sociedades anônimas, empresas limitadas, empresas de pequeno porte e microempresas, consórcios rurais, até os pequenos empresários. A figura do empregado também se transformou, com diversas espécies de altos empregados, executivos, atletas profissionais de alto nível, profissionais liberais, parassubordinados, trabalhadores técnicos, tecnológicos e, ainda em grande maioria, os braçais e os trabalhadores com pouca instrução formal. Alguns deles, ainda que em minoria, com condições de negociar suas próprias cláusulas contratuais e com condições de trabalho e de vida complemente diferentes entre si. O reflexo dessa complexidade da pós-modernidade são as diversas formas nas relações de trabalho, como o emprego na sede da empresa, o teletrabalho,

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pios, principalmente a partir da eficácia dos direitos fundamentais nas relações de trabalho, será o postulado da proporcionalidade o mecanismo para solução dessa espécie de antinomia, mas apenas quando o legislador já não tenha fixado a solução para o conflito por meio de regras jurídicas da legislação ordinária ou mesmo as próprias partes por intermédio das normas coletivas14.

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o trabalho em domicílio (home-office), o trabalho a tempo parcial, a terceirização, o trabalho temporário, a representação comercial, entre tantas outras modalidades de prestação de serviços, subordinado ou não, que, pela limitação legislativa de vários países, como o Brasil, devem ser recolhidas pelo mesmo modelo padrão de contrato de emprego. Em exemplificação metafórica, é como vestir a diversidade cultural e física das pessoas com a mesma vestimenta, uniformizando-as, ao invés de confeccionar roupas adequadas a cada uma delas, explorando as potencialidades pessoais, em atividade de alta-costura, respeitando suas características próprias e sua dignidade humana17.

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E o direito processual do trabalho pós-moderno, para desincumbir-se da tarefa de dar adequada aplicação aos direitos materiais multifacetados, também há de ser plural, complexo, aberto e dialogado. É norma fundamental do novo processo civil a sua ordenação, disciplina e interpretação conforme os direitos fundamentais previstos na Constituição (art. 1º), indicando ao aplicador a promoção da dignidade da pessoa humana como núcleo do sistema (art. 8º), bem como o legislador consagra a abertura do ordenamento para as normas de direito internacional (art. 13). O legislador também avança, no mesmo art. 13, quando trata da aplicação das normas processuais, para vaticinar que a jurisdição civil será regida pelas normas processuais brasileiras, sem prejuízo das normas internacionais incidentes, significando a unificação da jurisdição não-penal e a possibilidade de o aplicador transitar por todo o ordenamento, e não mais apenas ficar confinado ao Código. O art. 15 reforça essa nossa compreensão, ao abrir o diálogo entre as novas normas processuais e os processos eleitorais, trabalhistas e administrativos. Do diálogo amplo, fatalmente resultarão antinomias, que não serão mais resolvidas pelos critérios clássicos excludentes da hierarquia,

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17 MOLINA, André Araújo. Op. cit., p. 154-55.

especialidade e temporalidade. No caso de colisão entre normas (e não mais apenas entre regras), o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência da norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão (art. 487, § 2º). Com a edição do Novo CPC e a eficácia do art. 15, pensamos que a norma de diálogo deve ser construída a partir dos textos dos arts. 769 e 889 da CLT e o art. 15 do NCPC. A partir desses dispositivos o intérprete construirá a norma jurídica de acoplamento dos códigos, dando forma ao novo microssistema processual trabalhista individual. Como o novel art. 15 não revogará o art. 769 consolidado, continuar-se-á exigindo a compatibilidade das novas disposições do processo comum com os princípios do direito processual do trabalho, notadamente a sua celeridade e efetividade. Dito de outro modo, apenas as normas processuais comuns que sejam mais efetivas é que se aplicarão nos processos trabalhistas, embora o CPC de 2015, como um todo, integre o objeto de interpretação do jurista especializado. Por essas razões é que elegemos o critério da norma mais efetiva para resolver as antinomias entre as regras processuais, a partir da determinação do próprio Código de 2015 de que o juiz dirigirá o processo conforme as disposições do Código, incumbindo-lhe


É exatamente o que já ocorre no microssistema processual coletivo, visto que a Lei de Ação Civil Pública (Lei nº 7.347, de 1985) foi criada para instrumentalizar a defesa dos direitos difusos e coletivos, sendo o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, de 1990) principalmente para defesa dos direitos individuais homogêneos, mas, com a edição da segunda legislação, foi inserida cláusula de diálogo na primeira (LACP, art. 1919 c/c CDC, art. 9020), autorizando ao aplicador verificar a norma mais efetiva a ser utilizada no julgamento dos casos concretos de direito metaindividual. Decisivo observar, em abono à nossa tese, que o legislador processual civil avançou para, além da aplicação subsidiária prevista no art. 769 da CLT, prever a aplicação supletiva. Semanticamente, são signos com significações diferentes. Subsidiário visa a complementar algo que já existe e supletivo a preencher um vazio. Ocorre que a pragmática jurídica consagrou a significação de aplicação subsidiária de uma norma como técnica de 18 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Por um processo socialmente efetivo, p. 181. 19 “Art. 21. Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que institui o Código de Defesa do Consumidor.” 20 “Art. 90. Aplicam-se às ações previstas neste título as normas do Código de Processo Civil e da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, inclusive no que respeita ao inquérito civil, naquilo que não contrariar suas disposições.”

preenchimento de lacunas normativas e a aplicação supletiva enquanto reforço ou complemento de norma que já existe, mas que é insuficiente. E foi exatamente essa a justificativa da emenda da Câmara dos Deputados em relação ao texto originário aprovado pelo Senado para acrescentar a locução “supletiva”21. Importante o intérprete observar que a redação final do texto do art. 15 do Novo CPC contém uma impropriedade sintática. No projeto do Senado (2010), havia a previsão de apenas aplicação subsidiária (preenchimento de lacuna), razão pela qual o dispositivo previa uma única hipótese fática de ausência de normas que regulem processos trabalhistas para autorizar a aplicação subsidiária. Ocorre que a redação final, resultado de emenda da Câmara dos Deputados (2014), incluiu uma segunda possibilidade de aplicação do CPC para o processo do trabalho, qual seja, a supletiva, justificando-se na necessidade de complementação normativa, a qual, por exercício de lógica jurídica, não pressupõe lacunas, mas sim regramento existente, mas insuficiente. Mais adequado seria se o texto final do art. 15 previsse que, na ausência ou insuficiência das normas que regulem os processos trabalhistas, as disposições do Código ser-lhes-ão aplicadas subsidiária e supletivamente. Como o texto é sintaticamente imperfeito, incumbe ao intérprete corrigi-lo por intermédio da construção de sentido da norma jurídica revelada a partir do dispositivo. Edilton Meireles, escrevendo sobre o projeto do novo CPC, também teve a compreensão de que as aplicações supletiva e subsidiária visam à incidência da nova legislação processual ao processo do trabalho não só na existência de lacuna normativa, mas também quando houver regramento insuficiente22. 21 Sub-Relator Deputado Efraim Filho: “A alteração da parte final é por opção técnica: aplicação subsidiária visa ao preenchimento de lacuna; aplicação supletiva, à complementação normativa. Acolhe-se a proposta contida na Emenda nº 80/2011”. 22 MEIRELES, Edilton. O novo CPC e as regras supletiva e subsidiária ao processo do trabalho, p. 130.

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dilatar os prazos processuais e alterar a ordem de produção dos meios de prova, adequando-os às necessidades do conflito de modo a conferir maior efetividade à tutela do Direito (art. 139, VI). José Carlos Barbosa Moreira já nos advertia que querer que o processo seja efetivo é querer que desempenhe com eficiência o papel que lhe compete. Visto que esse papel é instrumental em relação ao direito material, somente será bom na medida em que sirva de modo prestimoso à consecução dos seus fins. “Vale dizer: será efetivo o processo que constitua instrumento eficiente de realização do direito material”18.

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Segue que, nas hipóteses em que a Justiça do Trabalho for a competente para julgar ações que pleiteiam interesses individuais, o microssistema processual será aquele formado pelo acoplamento da Constituição Federal de 1988, dos Tratados Internacionais, ambos em suas perspectivas processuais, a CLT, o novo CPC e a Lei de Executivos Fiscais, esta última na fase de execução, resolvendo-se eventual antinomia pela aplicação da norma mais efetiva. Por outro lado, quando as ações defenderem interesses metaindividuais, o microssistema será aquele formado pela Constituição Federal, Tratados Internacionais, em suas perspectivas processuais, a Lei de Ação Civil Pública, o CDC e o novo CPC, de forma subsidiária. Ressalvam-se as ações especiais que possuem o procedimento próprio, previsto em legislação extravagante ou em capítulo especial do novo CPC, como mandado de segurança, ação de consignação em pagamento, ações cautelares, ação monitória etc.

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Deriva da recepção da nossa tese acerca do microssistema processual individual trabalhista que não há mais lacunas no sistema processual em sentido amplo, na medida em que o processo do trabalho não é mais regulado apenas pela CLT – suscetível de lacunas –, mas por todos os demais textos normativos a ela acoplados, inclusive a Constituição Federal e os tratados internacionais.

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Também já defendemos a inexistência de lacunas no sistema jurídico, a partir de sua interpretação pelo modelo metodológico pós-positivista, reconhecendo a força normativa dos princípios jurídicos e a tendência expansionista, alcançando, necessariamente, todas as hipóteses fáticas que uma regra eventualmente não alcance. No sistema juspositivista, formado apenas por regras jurídicas, pode ocorrer que nenhuma delas tenha a hipótese fática preenchida pelo caso concreto, quando haveria lacuna normativa. As lacunas seriam integradas pela analogia, costumes e princípios gerais do direito (LINDB, art. 4º, c/c CPC, art. 126). Diversamente, no sistema jurídico pós-positivista, não há lacunas. Em resumo, ao se reconhecer que os princípios são mandamentos de otimi-

zação e que tendem à expansão, somente sendo paralisados por regras restritivas e por outros princípios colidentes, chegamos à conclusão de que não há, na realidade, nenhuma relação fática que não esteja alcançada ao menos por um princípio. Toda relação fática, quando não recolhida por uma regra jurídica, necessariamente o será por um princípio. No limiar, a dignidade humana servirá de pauta normativa para a solução das hipóteses fáticas em que não há regras ou princípios incidentes, quando haverá aplicação direta da dignidade humana e não aplicação integrativa – pressupondo a existência de lacunas normativas. O mecanismo juspositivista que determina a integração das lacunas com os princípios gerais do Direito reforça a nossa posição de que, ao se reconhecer implicitamente que, mesmo em não havendo nenhuma regra que satisfaça a hipótese fática, sempre haverá um princípio jurídico que alcançará a situação em análise. Assim, partindo do pressuposto de que os princípios têm a mesma força normativa que as regras, para os pós-positivistas, fica claro que sempre haverá uma regra ou um princípio incidente diretamente na hipótese fática, impossibilitando a existência das lacunas normativas no sistema científico pós-positivista23. Acreditamos que a opção também foi a escolhida pelo novel legislador processual civil, coerentemente, ao migrar as matrizes metodológicas do positivismo normativista do Código de 1973 para o pós-positivismo no novo CPC de 2015. O art. 126 do Código de 1973 prevê que o juiz não se exime de decidir alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide, caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrer à analogia, aos costumes e aos princípios gerais do Direito. É a consagração do modelo juspositivista que apenas enxerga normatividade plena nas regras, de modo que, não as havendo – ocorrendo lacunas –, deve o Magistrado preenchê-las por meio do recurso à analogia, aos costumes e aos princípios gerais do Direito. 23 MOLINA, André Araújo. Op. cit., p. 37-38.


O equívoco foi corrigido pela emenda aprovada na Câmara (2014) e incorporada ao texto final levado à sanção, cujo dispositivo final prevê que o juiz não se eximirá de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico, sem reconhecer a existência das lacunas – até porque elas não mais existem –, muito menos determinando ao juiz o preenchimento por meio da analogia, costumes e princípios gerais do Direito25. Ponto importante de ser observado é que o legislador, no modelo antigo, dizia que, havendo lacuna na lei, já deveria o juiz socorrer-se dos mecanismos de integração (LINDB, art. 4º, c/c CPC, art. 126). Atualmente, expandindo o objeto de análise do juiz, diz que ele não pode eximir-se de sentenciar alegando lacuna no ordenamento jurídico, justamente porque o objeto de interpretação do Magistrado deixou de ser a legislação estanque de determinado compartimento jurídico para ser o ordenamento jurídico completo, alcançando as 24 “Art. 1º O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código.” 25 “Art. 140. O juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico.”

normas constitucionais e os tratados internacionais. Nesse objeto ampliado de observação, até porque pródigo na previsão de textos que ostentam a forma de princípios jurídicos, não há mais lacunas, embora nas leis, individualmente consideradas, ainda há. Do quanto exposto, parece-nos absolutamente ultrapassada a posição de grande parte da doutrina trabalhista que reconhecia a existência de lacunas, não só as normativas (reconhecidas pelo juspositivismo), mas também as ontológicas e axiológicas, próprias do tridimensionalismo, modelo metodológico que não é adotado nem pelo legislador processual de 1973, nem pelo do novel Código. A partir das reformas do Código de Processo Civil realizadas nos anos de 2005 e 200626, surgiu o questionamento da aplicabilidade ao processo do trabalho, na medida em que mais efetivas – foi quando ganhou fôlego entre os processualistas trabalhistas a tese de Maria Helena Diniz acerca das várias espécies de lacunas, normativas, ontológicas e axiológicas. Deriva a tese da professora homenageada da teoria tridimensional do Direito de Miguel Reale, que a desenvolveu enquanto uma posição integradora e superadora das perspectivas unilaterais do normativismo kelseneano, do jusnaturalismo e da sociologia jurídica. Para o professor, o Direito é o resultado dialético dos fatos, valores e normas; por isso, para ele, uma norma para ser aplicada deveria ser socialmente eficaz, justa e ostentar normatividade27. A partir da teoria tridimensional do Direito, Maria Helena Diniz criou a tese das três espécies de lacunas28, reconhecendo que 26 Leis nºs 11.232/2005 (liquidação e execução de sentença), 11.276/2006 (súmula impeditiva de recursos e saneamento das nulidades processuais em sede recursal), 11.277/2006 (julgamento de processos repetitivos), 11.280/2006 (reconhecimento de ofício da incompetência relativa e da prescrição), 11.382/2006 (execução de título extrajudicial) e 11.419/2006 (atos processuais por meios eletrônicos). 27 REALE, Miguel. Teoria tridimensional do direito. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1994. 28 DINIZ, Maria Helena. As lacunas no direito. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

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Com o novo CPC o legislador reconhece a força normativa dos princípios jurídicos24, e, decorrendo da opção, o texto aprovado pelo Senado (2010) reconhecia, no art. 108, que o juiz não se eximia de decidir alegando lacuna ou obscuridade da lei, cabendo-lhe, no julgamento da lide, aplicar os princípios constitucionais e as normas legais; não as havendo, recorreria à analogia, aos costumes e aos princípios gerais do Direito. Note-se a impropriedade metodológica. Ao mesmo tempo em que se reconhece que os princípios constitucionais têm força normativa e devem ser aplicados aos casos em julgamento, por outro lado e contraditoriamente, o legislador continuava reconhecendo a existência de lacunas, tanto é que determinava ao juiz a utilização dos critérios clássicos juspositivistas para sua colmatação, sem atentar à nossa advertência de que, no modelo pós-positivista, não há mais lacunas.

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se uma norma fosse editada sob certo procedimento (normatividade), mas fosse injusta, não deveria ser aplicada e, por isso, haveria lacuna axiológica, de igual modo em relação às outras perspectivas do fenômeno jurídico, com as ontológicas (fatos) e normativas (positividade).

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Luciano Athayde Chaves defendeu a importação da teoria tridimensional das lacunas de Maria Helena de Diniz como o método adequado para a aplicação do direito processual civil mesmo quando a CLT não apresentasse lacuna normativa29. No mesmo sentido caminharam Carlos Henrique Bezerra Leite30, Wolvey Macedo Cordeiro31, Suzy Elizabeth Cavalcante Koury32 e diversos Magistrados trabalhistas33.

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29 “Precisamos avançar na teoria das lacunas do Direito (quer sejam estas de natureza normativa, axiológica ou ontológica), a fim de reconhecer como incompleto o microssistema processual trabalhista (ou qualquer outro) quando – ainda que disponha de regramento sobre determinado instituto – este não apresenta fôlego para o enfrentamento das demandas contemporâneas, carecendo da supletividade de outros sistemas que apresentem institutos mais modernos e eficientes.” (CHAVES, Luciano Athayde. A recente reforma no processo comum, p. 28-29). 30 “Nesse passo, urge repensar o próprio conceito de lacuna, de maneira a possibilitar a heterointegração dos subsistemas do direito processual civil e do direito processual do trabalho, o que pode ser implementado mediante transplante de normas daquele, sempre que isso implicar maior efetividade deste. A heterointegração pressupõe, portanto, a existência não apenas das tradicionais lacunas normativas, mas também das lacunas ontológicas e axiológicas.” (BEZERRA LEITE, Carlos Henrique. As recentes reformas do CPC, p. 101) 31 CORDEIRO, Wolney de Macedo. Da releitura do método de aplicação subsidiária das normas de direito processual comum ao processo do trabalho. In: CHAVES, Luciano Athayde (Org.). Direito processual do trabalho: reforma e efetividade. São Paulo: LTr, 2007. p. 26-51. 32 KOURY, Suzy Elizabeth Cavalcante. As repercussões do novo Código de Processo Civil no Direito do Trabalho: avanço ou retrocesso? Revista do Tribunal Superior do Trabalho, v. 78, n. 03, p. 254-268, jul./set. 2012. 33 1ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, realizada pela Enamat, TST e Anamatra, de 21 a 23 de novembro de 2007: “Aplicação subsidiária de normas do processo comum ao processo trabalhista.

Os problemas metodológicos da recepção dessa teoria é que somente faz sentido a existência das lacunas normativas, ontológicas e axiológicas aos juristas tridimensionalistas que, também, interpretam todo o fenômeno jurídico pelo método da tridimensionalidade. Bem por isso, compreendemos que a importação episódica da teoria das lacunas de Maria Helena Diniz revela um sincretismo metodológico equivocado, mormente porque a opção metodológica do legislador processual civil de 1973 foi a juspositivista, refutando as influências sociológicas, jusnaturalistas e tridimensionalistas, decorrendo que não existem lacunas axiológicas ou ontológicas para o legislador processual brasileiro, nem o civil, nem o trabalhista. E isto está muito claro nos textos da CPC de 1973 e na CLT. Maria Helena Diniz desenvolveu sua teoria enquanto tese, Professora de Filosofia do Direito que também é, lançando reflexões de lege ferenda, muito embora não fosse essa a posição prestigiada pelo legislador. Estivesse a notável professora escrevendo enquanto jurista dogmática, em atividade descritiva do direito positivo, certamente não reconheceria a existência das lacunas ontológicas e axiológicas. Compreendendo a questão por essa posição epistemológica, entendemos, com razão, o Tribunal Superior do Trabalho ao rechaçar a aplicação subsidiária do CPC de 1973 naquilo em que a CLT possuía regra específica, como na hipótese do art. 475-J do CPC e a aplicação da multa de 10%34. Reconhecemos Omissões ontológica e axiológica. Admissibilidade. Diante do atual estágio de desenvolvimento do processo comum e da necessidade de se conferir aplicabilidade à garantia constitucional da duração razoável do processo, os arts. 769 e 889 da CLT comportam interpretação conforme a Constituição Federal, permitindo a aplicação de normas processuais mais adequadas à efetivação do Direito. A aplicação dos princípios da instrumentalidade, efetividade e não retrocesso social” (Enunciado nº 66). 34 “Recurso de embargos interposto pela executada. Embargos de declaração em recurso de revista. Execução. Art. 475-J do CPC. Inapli-


A partir da vigência do novo CPC, reforçar-se-á a inutilidade do recurso à teoria das lacunas de Maria Helena Diniz – até porque elas deixarão de existir – quando o foco de observação do processualista trabalhista deixará de ser a CLT e passará a ser todo o ordenamento jurídico, resultado do acoplamento do diploma trabalhista com o novo CPC, a Constituição Federal e os Tratados Internacionais, formando um único objeto de estudo, a partir do qual os intérpretes construirão as normas processuais e, organizando-as com a estrutura de sistema, resolverão as antinomias pelo critério da norma mais efetiva, aplicando-a aos casos concretos, independente da sua posição topográfica no ordenamento jurídico. A racionalidade, a integridade e a previsibilidade do sistema processual trabalhista individual serão alcançadas pela adoção dos mecanismos já previstos no novo CPC, quais sejam, cabilidade ao processo do trabalho. O art. 475-J do CPC não se aplica no processo do trabalho, tendo em vista que não há omissão na CLT, possuindo esta regramento próprio quanto à execução dos créditos, inclusive com prazos e medidas coercitivas diferentes dos estabelecidos naquele dispositivo legal. Recurso de embargos conhecido e provido.” (TST, E-ED-RR 21500-04.2005.5.15.0003, SDI-1, Relª Min. Dora Maria da Costa, DEJT 16.08.2013)

a impossibilidade de decisões-surpresa35, a necessidade de fundamentação analítica das decisões36 e a obediência dos precedentes do Tribunal Superior do Trabalho37. Falando em

35 “Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.” 36 “Art. 489. [...] § 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: I – se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V – se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.” 37 “Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão: I – as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; II – os enunciados de súmula vinculante; III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; IV – os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; V – a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados. § 1º Os juízes e os tribunais observarão o disposto no art. 10 e no art. 489, § 1º, quando decidirem com fundamento neste artigo. § 2º A alteração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento de casos repetitivos poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese. § 3º Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica. § 4º A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos

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que, por uma perspectiva utilitarista e pragmática, o rigor do TST acabou por afastar a recepção de muitos avanços do processo comum em relação ao processo do trabalho; no entanto, em sede de decisão judicial, o julgador deve conter seu voluntarismo em atenção à opção metodológica adotada pelo legislador, como medida de reforço da democracia e prestígio da separação dos poderes. Nos campos político, filosófico e sociológico, as críticas à posição do TST são procedentes, no que anuímos às argumentações dos autores acima referidos, mas na perspectiva jurisdicional não, tendo em foco os ainda vigentes sistemas processuais da CLT e do CPC de 1973.

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termos pragmáticos, poderão os juízes do trabalho, realizando o diálogo entre a CLT e o novo CPC, optar pela aplicação de um ou outro, conforme fundamente analiticamente o mais efetivo, obrigando-se a advertir as partes da prática dos atos processuais com antecedência, expondo nas decisões suas razões de aplicação e respeitando os precedentes do TST. Quando esse último, pacificar a posição acerca de determinado tema, todos os Magistrados obrigar-se-ão a seguir a orientação, prospectivamente.

CONCLUSÕES

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Os ideais modernos de emancipação, soberania e autonomia refletiram no pensamento jurídico com o prestígio da codificação enquanto método legislativo, cisão entre os vários ramos jurídicos, formação de porções autônomas da ciência jurídica e a utilização do método exegético de interpretação (depois substituído pelo método juspositivista de interpretação e aplicação do Direito).

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Após a Segunda Grande Guerra, em movimento inverso, houve o fim do nacionalismo, o enfraquecimento da soberania, o primado da tecnologia e comunicação, formando uma sociedade pós-industrial que acena para uma civilização universal, com autoridade política global, universalista e com regime jurídico transnacional, marcando o início da pós-modernidade. A era pós-moderna é identificada com as características de um sistema global, com o fim das divisões geográficas, ecletismo, complexidade, empirismo e heterogeneidade das relações sociais. Repercute nas ciências pela substituição das delimirepetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia. § 5º Os tribunais darão publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão jurídica decidida e divulgando-os, preferencialmente, na rede mundial de computadores.”

tações clássicas, com saber enciclopédico e especializado, pela diluição de fronteiras, multidisciplinaridade e amplo diálogo – especificamente no campo jurídico pela substituição dos códigos pela pulverização em microssistemas. Para nossa tese, o ordenamento jurídico material trabalhista é integrado pela Constituição Federal, Tratados Internacionais, legislação infraconstitucional – CLT, Código Civil e legislação extravagante –, normas coletivas e dos contratos individuais de trabalho. Já o ordenamento jurídico processual individual trabalhista é composto pelo acoplamento da Constituição Federal, dos Tratados Internacionais, ambos em suas perspectivas processuais, a CLT, o novo CPC e a Lei de Executivos Fiscais, está última na fase de execução. Também o método jurídico migra do juspositivismo, com seus critérios excludentes de resolução de antinomias e reconhecimento da existência de lacunas, para o método pós-positivista, que reconhece a completude do ordenamento, com a incidência dos direitos fundamentais e das normas internacionais, além de um amplo diálogo inclusivo entre as diversas fontes normativas. O sistema jurídico é composto de regras e princípios, ambos com força normativa, por isso não existindo lacunas, e as antinomias entre regras de direito material resolvem-se pelo critério da norma mais favorável, de direito processual pela norma mais efetiva e o conflito de princípios pelo critério da proporcionalidade. A redação do art. 15 do novo CPC representa a última estação de um itinerário histórico-evolutivo que teve início com a tentativa de reconhecimento da autonomia do direito e do processo do trabalho, sob os influxos do pensamento moderno e emancipatório, representado pela edição da CLT, mas que, a partir dos movimentos pós-modernos, houve miscigenação entre os compartimentos jurídicos, um maior diálogo entre as fontes normativas de direito material e, como mecanismo adequado a dar-lhe efetividade, ocorreu o acoplamento do direito processual do trabalho com o processual civil e, de ambos, com o consti-


O legislador do novo Código de Processo Civil realizou uma virada paradigmática no método de interpretação do ordenamento jurídico, que já vinha se consolidando desde a Constituição de 1988 no Brasil, ainda que à custa da perda de autonomia legislativa do Direito e do processo do trabalho. A perda de autonomia, muito ao contrário de significar um retrocesso, em nosso ponto de vista, significa avanço para um sistema jurídico aberto, complexo, dialógico e autopoiético, único capaz de recolher a multiplicidade das relações sociais da sociedade pós-moderna e hipercomplexa. No modelo antigo, previa-se que, havendo lacuna na lei, já deveria o juiz socorrer-se dos mecanismos de integração (LINDB, art. 4º, c/c CPC, art. 126). Atualmente, expandindo o objeto de análise do juiz, diz que ele não pode eximir-se de sentenciar alegando lacuna no ordenamento jurídico, justamente porque o objeto de interpretação do Magistrado deixou de ser a legislação estanque de determinado compartimento jurídico para ser o ordenamento jurídico completo, alcançando as normas constitucionais e os tratados internacionais. Nesse objeto ampliado de observação, até porque pródigo na previsão de textos que ostentam a forma de princípios jurídicos, não há mais lacunas, embora nas leis, individualmente consideradas, ainda há. Do quanto exposto, parece-nos absolutamente ultrapassada a posição de grande parte da doutrina trabalhista que reconhecia a existência de lacunas, não só as normativas (reconhecidas pelo juspositivismo), mas também das ontológicas e axiológicas, próprias do tridimensionalismo, modelo metodológico que não é adotado nem pelo legislador processual de 1973, nem pelo do novel Código. Se já era equivocada a importação sincrética da teoria tridimensional das lacunas (ontológica, axiológica e normativa), com o novo CPC reforçou-se a sua inutilidade para resolver o tema da aplicação do novo regramento processual civil ao processo do

trabalho, diante da inexistência de lacunas no ordenamento e que as disposições mais efetivas do CPC de 2015 aplicam-se diretamente ao processo do trabalho, independente de regulamentação do instituto na CLT, não podendo falar na existência de lacunas para autorizar a aplicação em segundo nível.

REFERÊNCIAS ANDERSON, Perry. As origens da pós-modernidade. Trad. Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Por um processo socialmente efetivo. Revista de Processo, São Paulo, v. 27, n. 105, p. 183-190, jan./mar. 2002. BEBBER, Júlio Cesar. Cumprimento de sentença no processo do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2007. BEZERRA LEITE, Carlos Henrique. As recentes reformas do CPC e as lacunas ontológicas e axiológicas do processo do trabalho: necessidade de heterointegração do sistema processual não-penal brasileiro. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, v. 73, n. 01, jan./mar. 2007. CHAVES, Luciano Athayde. A recente reforma no processo comum: reflexos no direito judiciário do trabalho. São Paulo: LTr, 2006. JAMESON, Fredric. Pós-modernismo. A lógica cultural do capitalismo tardio. Trad. Maria Elisa Cevasco. 2. ed. São Paulo: Ática, 2000. LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. 5. ed. Trad. Ricardo Corrêa Barbosa. Rio de Janeiro: José Olympio, 1998. MEIRELES, Edilton. O novo CPC e as regras supletiva e subsidiária ao processo do trabalho. Revista de Direito do Trabalho, a. 40, n. 157, p. 129-137, maio/jun. 2014. MOLINA, André Araújo. Teoria dos princípios trabalhistas. A aplicação do modelo metodológico pós-positivista ao Direito do Trabalho. São Paulo: Atlas, 2013. ______; GUERRA FILHO, Willis Santiago. Renúncia e transação no direito do trabalho: uma nova visão constitucional à luz da teoria dos princípios. Revista LTr, São Paulo, a. 74, n. 02, p. 190-203, fev. 2010. ______. Sistemas de responsabilidade civil objetiva e os acidentes de trabalho. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, v. 79, n. 2, p. 70-117, abr./jun. 2013. RAATZ, Igor; SANTANNA, Gustavo da Silva. Elementos da história do processo civil brasileiro: do Código de 1939 ao Código de 1973. Revista Justiça & História, v. 09, n. 17-18, 2012.

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tucional e o internacional, resultando no que conceituamos de microssistema processual trabalhista individual.

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Doutrina

Da Impossibilidade do Cancelamento de Precatórios após o Quinquídio Decadencial de 5 Anos à Luz das Normas Gerais sobre Invalidação de Atos Administrativos ALDEM JOHNSTON BARBOSA ARAÚJO

Advogado da UEN Contencioso Especializado de Lima e Falcão Advogados, Especialista em Direito Público (Pós-Graduação Lato Sensu) pela Faculdade Estácio Recife.

RESUMO: Reflexão acerca da necessária sujeição das atividades administrativas praticadas pelos tribunais quando da inscrição, do processamento e do cancelamento de precatórios às normas que regulam a invalidação de atos administrativos, em especial a que disciplina a decadência do direito da Administração Pública de exercer autotutela. PALAVRAS-CHAVE: Cancelamento; precatórios; invalidação; atos administrativos; processo administrativo; decadência. SUMÁRIO: Introdução; 1 O enquadramento dos precatórios dentro da teoria da classificação dos atos administrativos; 2 O contexto dos precatórios na extinção dos atos administrativos; 3 A disciplina da invalidação dos atos administrativos nas leis gerais de processo administrativo e sua aplicação ao regime de precatórios; Considerações finais.

INTRODUÇÃO Nos termos do art. 100 da Constituição Federal, os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusi-

vamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.

Segundo Uadi Lammêgo Bulos1, chama-se precatório o instrumento que consubstancia uma requisição judicial. Trata-se de uma carta expedida pelos juízes da execução de sentença ao presidente do tribunal, em virtude de a Fazenda Pública ter sido condenada ao pagamento de quantia certa.

Pois bem, a inscrição, o processamento e o cancelamento de precatórios, conforme reiteradamente decidido pela jurisprudência (vide Súmulas STF nº 7332 e STJ nº 3113), consistem-se em atividades administrativas, e não jurisdicionais, promovidas pelo Poder Judiciário, de forma que, no exercício de uma função atípica4 1 BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. 5. ed. rev. e atual. até a Emenda Constitucional nº 39/2002. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 949. 2 “Não cabe recurso extraordinário contra decisão proferida no processamento de precatórios.” 3 “Os atos do presidente do tribunal que disponham sobre processamento e pagamento de precatório não têm caráter jurisdicional.” 4 “Os Poderes de Estado figuram de forma expressa em nossa Constituição: são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o judiciário (art. 2º). A cada um dos Poderes de Estado foi atribuída determinada função. Assim, ao Poder Legislativo foi cometida a função normativa (ou legislativa); ao Executivo, a função administrativa; e, ao Judiciário, a função jurisdicional. Entretanto, não há exclusividade no exercício das funções pelos Poderes. Há, sim, preponderância. As linhas definidoras das funções exercidas pelos Poderes têm caráter político e figuram na Constituição. Aliás, é nesse sentido que se há de entender a independência e a harmonia entre eles: se, de um lado, possuem sua própria estrutura, não se subordinando a qualquer outro, devem objetivar, ainda, os fins colimados pela Constituição. Por essa razão é que os Poderes estatais, embora tenham suas funções normais (funções típicas), desempenham também funções que materialmente deveriam pertencer a Poder diverso (funções atípicas),


Por óbvio, há de se concluir que, sendo a inscrição, o processamento e o cancelamento de precatórios atos administrativos, sempre, é óbvio, que a Constituição o autorize. O Legislativo, por exemplo, além da função normativa, exerce a função jurisdicional quando o Senado processa e julga o Presidente da República nos crimes de responsabilidade (art. 52, I, da CF) ou os Ministros do Supremo Tribunal Federal pelos mesmos crimes (art. 52, 11, da CF). Exerce também a função administrativa quando organiza seus serviços internos (arts. 51, IV, e 52, XIII, da CF). O Judiciário, afora sua função típica (função jurisdicional), pratica atos no exercício de função normativa, como na elaboração dos regimentos internos dos Tribunais (art. 96, I, a, da CF), e de função administrativa, quando organiza os seus serviços (art. 96, I, a, b, c; art. 96, 11, a, b etc.). Por fim, o Poder Executivo, ao qual incumbe precipuamente a função administrativa, desempenha também função atípica normativa, quando produz, por exemplo, normas gerais e abstratas através de seu poder regulamentar (art. 84, IV, da CF), ou, ainda, quando edita medidas provisórias (art. 62 da CF) ou leis delegadas (art. 68 da CF). Quanto à função jurisdicional, o sistema constitucional pátrio vigente não deu margem a que pudesse ser exercida pelo Executivo. A função jurisdicional típica, assim considerada aquela por intermédio da qual conflitos de interesses são resolvidos com o cunho de definitividade (res iudicata), é praticamente monopolizada pelo Judiciário, e só em casos excepcionais, como visto, e expressamente mencionados na Constituição, é ela desempenhada pelo Legislativo.” (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 27. ed. rev., ampl. e atual. até 31.12.2013. São Paulo: Atlas, 2014. p. 03) 5 “Na prática, a função administrativa tem sido considerada de caráter residual, sendo, pois, aquela que não representa a formulação da regra legal nem a composição de lides in concreto. Mais tecnicamente, pode dizer-se que função administrativa é aquela exercida pelo Estado ou por seus delegados, subjacentemente à ordem constitucional e legal, sob regime de direito público, com vistas a alcançar os fins colimados pela ordem jurídica.” (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 27. ed. rev., ampl. e atual. até 31.12.2013. São Paulo: Atlas, 2014. p. 04/05) 6 Sobre o conceito de ato administrativo, pode se dizer que é a noção “de que entre a lei e a operação material da Administração deve existir uma declaração prévia de vontade, submetida a uma forma determinada, afirmando que um caso individual encontra-se subsumido a uma regra de direito e que a Administração fará valer a norma sobre ele” (SOARES, Lucéia Martins. As leis de processo administrativo. In: SUNDFELD, Carlos Ari; MUÑOZ, Guilhermo Andrés (Coord.). 1. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 126).

encontram-se sujeitos ao regime próprio de regulamentação dos mesmos previstos nas leis gerais de processo administrativo. Desta sujeição às normas contidas nas leis gerais de processo administrativo exsurge a necessidade de, quando da prática dos atos administrativos relacionados à inscrição, ao processamento e ao cancelamento de precatórios, observarem-se os princípios da Administração Pública (legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência) e as regras referentes à competência, forma, motivação, anulação, revogação e convalidação etc. Entre essas regras previstas nas leis gerais de processo administrativo que incidem sobre os atos administrativos praticados pelos tribunais quando do processamento de precatórios, destaca-se a que limita a autotutela da Administração Pública e que, especificamente no caso de precatórios, impedirá que o tribunal venha a cancelá-los a qualquer tempo. Conforme se procurará defender a seguir, o cancelamento de precatórios – que, como dito anteriormente, é um ato administrativo – deverá obedecer aos ditames que limitam, por meio da imposição de lapso temporal para o exercício, o direito da Administração Pública anular seus próprios atos.

1 O ENQUADRAMENTO DOS PRECATÓRIOS DENTRO DA TEORIA DA CLASSIFICAÇÃO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS Conjugando-se as várias formas de classificar os atos administrativos, pode-se enquadrar o precatório com um ato de império7, individual8,

7 “Atos de império são os que se caracterizam pelo poder de coerção decorrente do poder de império (ius imperii), não intervindo a vontade dos administrados para sua prática.” (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 27. ed. rev., ampl. e atual. até 31.12.2013. São Paulo: Atlas, 2014. p. 130) 8 “Atos individuais (também denominados concretos) são os que se preor-

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(no caso, função administrativa5), a inscrição, o processamento e o cancelamento de precatórios são, em última análise, atos administrativos6 praticados pelos tribunais.

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interno9, vinculado10, constitutivo11, composto12-13 (já que se origina do juiz da execução de sentença, quando da condenação da Fazenda Pública ao pagamento de quantia certa, para processamento junto ao presidente do tribunal, que atuará de forma meramente instrumental, como condição de eficácia14 do ato primitivo) irrevogável15.

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denam a regular situações jurídicas concretas, vale dizer, têm destinatários individualizados, definidos, mesmo coletivamente.” (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 27. ed. rev., ampl. e atual. até 31.12.2013. São Paulo: Atlas, 2014. p. 130) 9 “Atos internos são aqueles que se dispõem a produzir efeitos no âmbito interno das repartições públicas. Dirigem-se aos agentes, órgãos ou entidades da Administração Pública, não incidindo diretamente sobre os particulares.” (MIRANDA, Henrique Savonitti. Curso de direito administrativo. 3. ed. rev. Brasília: Senado Federal, 2005. p. 205) 10 “O ato vinculado é aquele em que o agente público fica com sua possibilidade de atuação restrita à única hipótese veiculada pelo mandamento normativo. Não há margem para escolhas. São exemplos desses atos a concessão de aposentadoria e a expedição de licença para dirigir veículos automotores.” (MIRANDA, Henrique Savonitti. Curso de direito administrativo. 3. ed. rev. Brasília: Senado Federal, 2005. p. 206) 11 “Ato constitutivo é aquele pelo qual a Administração cria, modifica ou extingue um direito ou uma situação do administrado. É o caso da permissão, autorização, dispensa, aplicação de penalidade, revogação.” (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 236) 12 “Ato composto é o que resulta da manifestação de dois ou mais órgãos, em que a vontade de um é instrumental em relação à de outro, que edita o ato principal. Enquanto no ato complexo fundem-se vontades para praticar um ato só, no ato composto, praticam-se dois atos, um principal e outro acessório; este último pode ser pressuposto ou complementar daquele.” (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 234) 13 “Já os atos compostos não se compõem de vontades autônomas, embora múltiplas. Há, na verdade, uma só vontade autônoma, ou seja, de conteúdo próprio. As demais são meramente instrumentais, porque se limitam à verificação de legitimidade do ato de conteúdo próprio.” (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 27. ed. rev., ampl. e atual. até 31.12.2013. São Paulo: Atlas, 2014. p. 132) 14 “Embora, nos atos compostos, uma das vontades já tenha conteúdo autônomo, indicando logo o objetivo da Administração, a outra vai configurar-se, apesar de meramente instrumental, como verdadeira condição de eficácia.” (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 27. ed. rev., ampl. e atual. até 31.12.2013. São Paulo: Atlas, 2014. p. 132) 15 “São irrevogáveis os atos que a Administração não mais pode retirar do mundo jurídico por razões administrativas ligadas a sua conveniência

De toda a sorte, em que pesem quaisquer das classificações doutrinárias que sejam utilizadas para caracterizar o precatório, é certo que ele é um ato administrativo praticado apenas e tão somente dentro da esfera competencial do tribunal que o expedirá. Pois, embora seja comum a oitiva e a participação da Fazenda Pública no processamento do precatório na condição de interessada (já que é ela quem suportará o ônus do cumprimento da ordem de pagamento), ela figura apenas como destinatária do ato, e não como sujeito competente para praticá-lo ou, muito menos, desfazê-lo.

2 O CONTEXTO DOS PRECATÓRIOS NA EXTINÇÃO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS A forma de extinção esperada dos atos administrativos (ou seja, a extinção natural) é aquela que decorre tão somente do cumprimento dos seus efeitos16; entretanto, há fatos ou atos jurídicos17 que podem ensejar a ocorrência de uma forma de extinção anômala18, como, por exemplo, o desaparecimento do sujeito ou e oportunidade. Como exemplo, uma licença para exercer profissão.” (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 27. ed. rev., ampl. e atual. até 31.12.2013. São Paulo: Atlas, 2014. p. 133) 16 “[...] que pode suceder pelas seguintes razões: a) esgotamento do conteúdo jurídico; por exemplo, o gozo de férias de um funcionário; b) execução material; por exemplo, a ordem, executada, de demolição de uma casa; c) implemento de condição resolutiva ou termo final; [...]” (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 247) 17 “A extinção dos atos administrativos pode acontecer em virtude da ocorrência de fatos jurídicos, que se apresentam como acontecimentos naturais ou involuntários capazes de trazer consequências para o Direito, ou em razão de atos jurídicos, que consistem em manifestações da vontade humana, aptas a desencadear relações intersubjetivas que interfiram na esfera jurídica de alguém.” (MIRANDA, Henrique Savonitti. Curso de direito administrativo. 3. ed. rev. Brasília: Senado Federal, 2005. p. 218) 18 “Como bem assinala Doris Piccinini Garcia, a extinção do ato administrativo deveria ser aquela que resultasse do cumprimento de seus efeitos. Aduz, entretanto, que não se pode deixar de reconhecer que há outras formas anômalas pelas quais ocorre a extinção.” (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 27. ed. rev., ampl. e atual. até 31.12.2013. São Paulo: Atlas, 2014. p. 153)


19 “Toda relação jurídica – e não seria diferente com a relação jurídico-administrativa – pressupõe a existência de, ao menos, dois sujeitos e de um objeto; daí por que se dizer que ao Direito não interessam os problemas intrassubjetivos. Os sujeitos da relação jurídico-administrativa são a Administração Pública e o destinatário do ato, ao passo que o objeto consiste no liame que une os dois sujeitos. Com a desaparição de um desses elementos indispensáveis, extingue-se o ato administrativo. O desaparecimento do elemento subjetivo Administração ocorre, v.g., com a extinção de uma autarquia ou de uma fundação pública. O destinatário do ato, por sua vez, desaparece com a morte de um servidor, extinguindo os efeitos da nomeação, ou com a dissolução de uma empresa, pondo fim a um ato de autorização ou permissão. Como exemplos de desaparecimento do objeto, lembramos as hipóteses de tomada pelo mar de um terreno de marinha dado como enfiteuse, ou a destruição do World Trade Center, pelos atos dos terroristas, ou de imóveis da orla da Indonésia, provocada pelo tsunami, que extinguem, v.g., as licenças de uso comercial desses imóveis.” (MIRANDA, Henrique Savonitti. Curso de direito administrativo. 3. ed. rev. Brasília: Senado Federal, 2005. p. 219/220) 20 Citando Celso Antonio Bandeira de Mello, Maria Sylvia Zanella Di Pietro assevera que a retirada do ato administrativo subdivide-se em: “a) revogação, em que a retirada se dá por razões de oportunidade e conveniência; b) invalidação, por razões de ilegalidade; c) cassação, em que a retirada se dá ‘porque o destinatário descumpriu condições que deveriam permanecer atendidas a fim de poder continuar desfrutando da situação jurídica’; o autor cita o exemplo de cassação de licença para funcionamento de hotel por haver se convertido em casa de tolerância; d) caducidade, em que a retirada se deu ‘porque sobreveio norma jurídica que tornou inadmissível a situação antes permitida pelo direito e outorgada pelo ato precedente’; o exemplo dado é a caducidade de permissão para explorar parque de diversões em local que, em face da nova lei de zoneamento, tornou-se incompatível com aquele tipo de uso; e) contraposição, em que a retirada se dá ‘porque foi emitido ato com fundamento em competência diversa que gerou o ato anterior, mas cujos efeitos são contrapostos aos daqueles’; é o caso da exoneração de funcionário, que tem efeitos contrapostos ao da nomeação” (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 247). 21 Citando Celso Antonio Bandeira de Mello, Maria Sylvia Zanella Di Pietro define renúncia como a forma de extinção do ato administrativo “pela qual se extinguem os efeitos do ato porque o próprio beneficiário abriu mão de uma vantagem de que desfrutava” (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 247).

No caso específico dos precatórios, entendemos cabíveis tão somente a extinção natural22 (quando do pagamento da quantia certa determinada por ordem judicial) e a extinção por invalidação/anulação (que se dá no seu eventual cancelamento por parte do tribunal). A anulação (ou invalidação, nas palavras de Celso Antonio Bandeira de Mello e José dos Santos Carvalho Filho23) “é o desfazimento do ato administrativo por razões de ilegalidade”24 e resulta da desconformidade do ato administrativo com regras de observância obrigatória. Um ato administrativo em desconformidade com as normas que o regulam é um ato viciado e, diante da gravidade deste vício, do grau de agressão dele ao ordenamento jurídico, a sua presença tornará o auto nulo (impassível de convalidação25) ou anulável (passível de convalidação). 22 “É aquela que decorre do cumprimento normal dos efeitos do ato. Se nenhum outro efeito vai resultar do ato, este se extingue naturalmente. Exemplo: a destruição de mercadoria nociva ao consumo público; o ato cumpriu seu objetivo, extinguindo-se naturalmente.” (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 27. ed. rev., ampl. e atual. até 31.12.2013. São Paulo: Atlas, 2014. p. 153) 23 “Embora muitos dos autores se refiram à ‘anulação’ dos atos administrativos, decidimos adotar o termo ‘invalidação’, seguindo, aliás, a posição de Celso Antônio Bandeira de Mello, para significar qualquer desconformidade do ato com as normas reguladoras, evitando-se, desse modo, que a referência à ‘anulação’ cause a insinuação de que trata de processo de desfecho apenas da anulabilidade, e não da nulidade.” (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 27. ed. rev., ampl. e atual. até 31.12.2013. São Paulo: Atlas, 2014. p. 156) 24 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 248. 25 “A convalidação (também denominada por alguns autores de aperfeiçoamento ou sanatória) é o processo de que se vale a Administração para aproveitar atos administrativos com vícios superáveis, de forma a confirmá-los no todo ou em parte. Só é admissível o instituto da convalidação para a doutrina

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do objeto19, a retirada (que abrange a revogação, a invalidação, a cassação, a caducidade e a contraposição20) e a renúncia21.

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Tal afirmativa, porém, não encontra unanimidade na doutrina (que, entre outras divergências, discute sobre a aplicabilidade da teoria da nulidade dos atos jurídicos, egressa do direito privado, à invalidação dos atos administrativos), conforme bem demonstra Maria Sylvia Zanella Di Pietro (que, ao final, posiciona-se sobre o tema):

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Nesta matéria são grandes as divergências doutrinárias, que dizem respeito às consequências dos vícios dos atos administrativos. No direito civil, os vícios podem gerar nulidade absoluta ou nulidade relativa, conforme arts. 166 e 171 do Código Civil (arts. 145 e 147 do Código anterior). No direito administrativo, encontram-se diferentes formas de classificar os atos ilegais. Oswaldo Aranha Bandeira de Mello (2007: 655) considera que o ato administrativo pode ser nulo ou anulável. Será nulo “quanto à capacidade da pessoa se praticado o ato por pessoa jurídica sem atribuição, por órgão absolutamente incompetente ou por agente usurpador da função pública. Será nulo quanto ao objeto, se ilícito ou impossível por ofensa frontal à lei, ou nele se verifique o exercício de direito de modo abusivo. Será nulo, ainda, se deixar de respeitar forma externa prevista em lei ou preterir solenidade essencial para a sua validade. Ao contrário, será simplesmente anulável, quanto à capacidade da pessoa, se praticado por agente incompetente, dentro do mesmo órgão especializado, uma vez o ato caiba, na hierarquia, ao superior. Outrossim, será tão somente anulável o que padeça de vício de vontade decorrente de erro, dolo, coação moral ou simulação”. Seabra Fagundes (1984: 42-51), refutando a possibilidade de aplicar-se ao direito administrativo a teoria das nulidades do direito civil, entende que os atos administrativos viciosos podem agrupar-se em três categorias: atos absolutamente inválidos ou atos nulos, atos relativamente inválidos ou anuláveis e atos irregulares. Atos nulos são os que violam regras fundamentais atinentes à manifestação da vontade, ao motivo, à finalidade ou à forma, havidas como de obediência indispensável pela sua natureza, pelo interesse público que as inspira ou por menção expressa da lei. Atos anuláveis são os que infringem regras atinentes aos cinco elementos do ato administrativo, mas, em face de razões concretamente consideradas, se tem como melhor atendido o interesse público pela sua parcial validez; para o autor, tratando-se de ato relativamente inválido, se estabelece uma hierarquia entre dois interesses públicos: o abstratamente considerado, em virtude do qual certas normas devem ser obedecidas, e o ocorrente na espécie, que se apresenta, eventualmente, por motivos de ordem prática, de justiça e de equidade em condições de superar aquele. Atos irregulares são os que apresentam defeitos irrelevantes, quase sempre de forma, não afetando ponderavelmente o interesse público, dada a natureza leve da infringência das normas legais; os seus efeitos perduram e continuam, posto que constatado o dualista, que aceita possam os atos administrativos ser nulos ou anuláveis.” (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 27. ed. rev., ampl. e atual. até 31.12.2013. São Paulo: Atlas, 2014. p. 165)

vício; é o caso em que a lei exige portaria e se expede outro tipo de ato. Celso Antonio Bandeira de Mello (2008: 461), adotando a posição de Antonio Carlos Cintra do Amaral, entende que “o critério importantíssimo para distinguir os tipos de invalidade reside na possibilidade ou impossibilidade de convalidar-se o vício do ato”. Os atos nulos são os que não podem ser convalidados; entram nessa categoria: a) os atos que a lei assim declare; b) os atos em que é materialmente impossível a convalidação, pois, se o mesmo conteúdo fosse novamente produzido, seria reproduzida a invalidade anterior; é o que ocorre com os vícios relativos ao objeto, à finalidade, ao motivo, à causa. São anuláveis: a) os que a lei assim declare; b) os que podem ser praticados sem vício; é o caso dos atos praticados por sujeito incompetente, com vício de vontade, com defeito de formalidade. O autor ainda acrescenta a categoria dos atos inexistentes, que “correspondem a condutas criminosas ofensivas a direitos fundamentais da pessoa humana, ligados à sua personalidade ou dignidade intrínseca e, como tais, resguardados por princípios gerais de direito que informam o ordenamento jurídico dos povos civilizados” (2008: 459). Para Hely Lopes Meirelles (2003: 169-170), não existem atos administrativos anuláveis, “pela impossibilidade de preponderar o interesse privado sobre atos ilegais, ainda que assim o desejem as partes, porque a isto se opõe a exigência de legalidade administrativa. Daí a impossibilidade jurídica de convalidar-se o ato considerado anulável que não passa de um ato originariamente nulo”. Embora mencionando o ato inexistente (que tem apenas a aparência de manifestação regular da Administração, mas não chega a se aperfeiçoar como ato administrativo), nega, como a maioria dos autores, a importância dessa distinção, porque os atos inexistentes se equiparam aos atos nulos. Cretella Júnior (1977: 138) admite os atos nulos, anuláveis e inexistentes; os dois primeiros distinguem-se conforme possam ou não ser convalidados; o ato inexistente é o que não chega a entrar no mundo jurídico, por falta de um elemento essencial, como ocorre com o ato praticado por um demente ou com o que é praticado por uma particular, quando deveria emanar de um funcionário, o que é praticado por um usurpador de função etc. [...] Quando se compara o tema das nulidades no direito civil e no direito administrativo, verifica-se que, em ambos os ramos do Direito, os vícios podem gerar nulidades absolutas (atos nulos) ou nulidades relativas (atos anuláveis); porém, o que não pode ser transposto para o direito administrativo, sem atentar para as suas peculiaridades, são as hipóteses de nulidade e de anulabilidade previstas nos arts. 166 e 171 do Código Civil. No direito civil, são as seguintes as diferenças entre a nulidade absoluta e a relativa, no que diz respeito a suas consequências: 1) na nulidade absoluta, o vício não pode ser sanado; na nulidade relativa, pode; 2) a nulidade absoluta pode ser decretada pelo juiz, de ofício ou mediante provocação do interessado ou do Ministério Público (art. 168 do novo Código Civil); a nulidade relativa só pode ser decretada se provocada pela parte interessada. No direito administrativo, essa segunda distinção não existe, porque, dispondo a Administração do poder de autotutela, não pode ficar dependendo de provocação do interessado para decretar a nulidade, seja absoluta seja relativa. Isto porque não pode o interesse individual do administrado prevalecer sobre o interesse público na preservação da legalidade administrativa. Mas a


Entretanto, em que pese a ocorrência de vícios que maculem a higidez de um ato administrativo (tornando-o anulável ou nulo), a possibilidade (ou o dever26) de a própria Administração Pública promover sua retirada (ou seja, vir a extingui-lo por meio da sua invalidação) exercendo autotutela27-28 não se dá de forma 26 “O aspecto que se discute é quanto ao caráter vinculado ou discricionário da anulação. Indaga-se: diante de uma ilegalidade, a Administração está obrigada a anular o ato ou tem apenas a faculdade de fazê-lo? Há opiniões nos dois sentidos. Os que defendem o dever de anular apegam-se ao princípio da legalidade; os que defendem a faculdade de anular invocam o princípio da predominância do interesse público sobre o particular. Para nós, a Administração tem, em regra, o dever de anular os atos ilegais, sob pena de cair por terra o princípio da legalidade. No entanto, poderá deixar de fazê-lo, em circunstâncias determinadas, quando o prejuízo resultante da anulação puder ser maior do que o decorrente da manutenção do ato ilegal; nesse caso, é o interesse público que norteará a decisão. Também têm aplicação os princípios da segurança jurídica nos aspectos objetivo (estabilidade das relações jurídicas) e subjetivo (proteção à confiança) e da boa-fé.” (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 248/249) 27 “O fundamento dessa iniciativa reside no princípio da legalidade (art. 37, caput, da CF). De fato, o administrador não estaria observando o princípio se, diante de um ato administrativo viciado, não declarasse a anomalia através de sua invalidação. [...] A autotutela se caracteriza pela iniciativa de ação atribuída aos próprios órgãos administrativos. Em outras palavras, significa que, se for necessário rever determinado ato ou conduta, a Administração poderá fazê-lo ex officio, usando sua autoexecutoriedade, sem que dependa necessariamente de que alguém o solicite. Tratando-se de ato com vício de legalidade, o administrador toma a iniciativa de anulá-lo; caso seja necessário rever ato ou conduta válidos, porém não mais convenientes ou oportunos quanto a sua subsistência, a Administração providencia a revogação.” (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 27. ed. rev., ampl. e atual. até 31.12.2013. São Paulo: Atlas, 2014. p. 159 e 161) 28 “[...] a Administração tem o dever de restaurar a legalidade; e, nesse intuito, acaso verificada a impossibilidade de convalidar o ato viciado, restar-lhe-á analisar, no bojo de processo administrativo específico, a viabilidade de invalidá-lo.” (SIMÕES, Mônica Martins Toscano. O processo administrativo e a invalidação de atos viciados. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 158)

absoluta29, estando sujeita, conforme se detalhará adiante, ao enquadramento num determinado lapso temporal30.

4 A DISCIPLINA DA INVALIDAÇÃO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS NAS LEIS GERAIS DE PROCESSO ADMINISTRATIVO E SUA APLICAÇÃO AO REGIME DE PRECATÓRIOS Na esfera federal, as normas gerais sobre processo administrativo, previstas na Lei nº 9.784/1999, dispõem o seguinte acerca da revogação e anulação de atos administrativos por parte da própria Administração: Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999 – Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. Art. 53. A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos. Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé. § 1º No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento. § 2º Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato. 29 “Se é verdade que a Administração tem o dever de autotutela, não menos verdadeiro é o fato de que o exercício de tal dever esbarra em limites.” (SIMÕES, Mônica Martins Toscano. O processo administrativo e a invalidação de atos viciados. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 160) 30 “O decurso do tempo, como é sabido, estabiliza certas situações fáticas, transformando-as em situações jurídicas. Aparecem aqui as hipóteses da prescrição e da decadência para resguardar o princípio da estabilidade das relações jurídicas. Desse modo, se o ato é inválido e se torna ultrapassado o prazo adequado para invalidá-lo, ocorre a decadência, como adiante veremos, e o ato deve permanecer como estava.” (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 27. ed. rev., ampl. e atual. até 31.12.2013. São Paulo: Atlas, 2014. p. 160)

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primeira distinção existe, pois também em relação ao ato administrativo, alguns vícios podem e outros não podem ser sanados. Quando o vício seja sanável ou convalidável, caracteriza-se hipótese de nulidade relativa; caso contrário, a nulidade é absoluta. Cumpre, pois, examinar quando é possível o saneamento ou convalidação. (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 255/257)

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Em sede estadual e municipal, diversas leis seguiram a direção apontada pela Lei Federal nº 9.784/1999 e dispuseram similarmente sobre o tema. Abaixo, veja-se, v.g., as leis dos estados de Pernambuco, Bahia, Amazonas, Goiás e Rio de Janeiro e as leis municipais de Olinda/PE e Natal/RN:

Lei nº 2.794, de 6 de maio de 2003 – Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Estadual.

Lei nº 11.781, de 6 de junho de 2000 – Regula o Processo Administrativo no âmbito da Administração Pública Estadual.

II – ultrapassado o prazo de cinco (5) anos contados de sua produção, quando se tratar de ato de que decorram efeitos favoráveis aos seus destinatários, exceto comprovada má-fé.

Art. 53. A Administração deve anular seus próprios atos, quando enviado de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos.

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Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários e danosos para o Estado, decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má fé, e observada a legislação civil brasileira quanto à prescrição de dívida para o Erário.

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Art. 54. A Administração anulará seus atos inválidos, de ofício ou por provocação, salvo quando: I – forem passíveis de convalidação;

Lei nº 13.800, de 18 de janeiro de 2001 – Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública do Estado de Goiás. Art. 53. A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos.

§ 1º No caso do efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento.

Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.

§ 2º Considera-se exercício do direito de anular, qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato.

Parágrafo único. No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento.

Lei nº 12.209, de 20 de abril de 2011 – Dispõe sobre o processo administrativo, no âmbito da Administração direta e das entidades da Administração indireta, regidas pelo regime de direito público, do Estado da Bahia, e dá outras providências.

Lei nº 5.427, de 1º de abril de 2009 – Estabelece normas sobre atos e processos administrativos no âmbito do Estado do Rio de Janeiro e dá outras providências.

Art. 39. A Administração tem o dever de invalidar seus próprios atos, quando eivados de vícios de legalidade, e pode revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos. § 1º Os atos administrativos ilegais de que decorram efeitos favoráveis ao administrado deverão ser invalidados no prazo de 5 (cinco) anos, contados da data em que foram praticados. § 2º Na hipótese de comprovada má-fé do administrado, a qualquer tempo, a Administração invalidará o ato ilegal e adotará medidas para o ressarcimento ao erário, se for o caso.

Art. 51. A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode, respeitados os direitos adquiridos, revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade. Parágrafo único. Ao beneficiário do ato deverá ser assegurada a oportunidade para se manifestar previamente à anulação ou revogação do ato. [...] Art. 53. A Administração tem o prazo de cinco anos, a contar da data da publicação da decisão final proferida no processo administrativo, para anular os atos administrativos dos quais decorram efeitos favoráveis para os administrados, ressalvado o caso de comprovada má-fé.


§ 2º Sem prejuízo da ponderação de outros fatores, considera-se de má-fé o indivíduo que, analisadas as circunstâncias do caso, tinha ou devia ter consciência da ilegalidade do ato praticado. § 3º Os Poderes do Estado e os demais órgãos dotados de autonomia constitucional poderão, no exercício de função administrativa, tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, restringir os efeitos da declaração de nulidade de ato administrativo ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de determinado momento que venha a ser fixado. Lei nº 5.578/2007 – Dispõe sobre o processo administrativo, no âmbito do Município de Olinda, e dá outras providências. Art. 14. Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, podendo revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos. Parágrafo único. É de 5 (cinco) anos o prazo para a Administração anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé. Lei nº 5.872, de 4 de julho de 2008 – Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Municipal. Art. 53. A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos. Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé. § 1º No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento. § 2º Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato.

Como se percebe, as leis gerais de processo administrativo fixaram um prazo (decadencial31-32) de 5 anos33 para que a Administração Pública anule seus próprios atos quando deles decorram benefícios para o administrado imbuído de boa-fé (que, diga-se, é presumida34-35, devendo apenas a má-fé ser devidamente comprovada). 31 “O prazo quinquenal aludido no art. 54 é decadencial e não prescricional: o que se extingue, pelo decurso dele, ausente má-fé do interessado, é o próprio direito da Administração Pública Federal de anular o ato administrativo. Esse direito à invalidação não possui pretensão (jurídica) que lhe corresponda, tal como se dá no caso da prescrição, pois ‘nada há exigir no comportamento da outra parte (administrado), como também nenhum dever jurídico corresponde ao direito de invalidar’.” (FERRAZ, Luciano. Processo administrativo: temas polêmicos da Lei nº 9.784/1999. In: NOHARA, Irene Patrícia; MORAES FILHO, Marco Antonio Praxedes de (Org.). São Paulo: Atlas, 2011. p. 131/132) 32 “A natureza decadencial do prazo previsto no art. 54 da Lei nº 9.784/1999 afasta conceitualmente a tese que pretende limitar sua incidência à esfera administrativa. A possibilidade de se buscar a invalidação do ato pela via judicial também é fulminada pela decadência, deve pronunciá-la de ofício, nos termos do art. 210 do Código Civil, extinguindo o processo com resolução do mérito, na forma do art. 269, IV, do Código de Processo Civil.” (FERRAZ, Luciano. Processo administrativo: temas polêmicos da Lei nº 9.784/1999. In: NOHARA, Irene Patrícia; MORAES FILHO, Marco Antonio Praxedes de (Org.). São Paulo: Atlas, 2011. p. 132) 33 “[...] vale observar que o art. 54 da lei federal expressamente mencionou que ‘decai em cinco anos’ o direito da Administração de anular os atos administrativos viciados. Está a se dizer que a Administração recebeu um limite temporal para o exercício de sua competência de invalidar o ato vicioso.” (SOARES, Lucéia Martins. As leis de processo administrativo. In: SUNDFELD, Carlos Ari; MUÑOZ, Guilhermo Andrés (Coord.). 1. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 161) 34 “[...] a Administração Pública não pode pressupor má-fé do administrado, sem que haja comprovação de sua efetiva ocorrência, para se amparar na possibilidade de anular ato após o prazo legal. [...] não é correta, portanto, conduta de agente público que invalida benefício após o lapso legal, a partir de alegação de má-fé do administrado, quando em realidade ocorreu erro da própria Administração em conceder benefício a maior.” (NOHARA, Irene Patrícia; MARRARA, Thiago. Processo administrativo: Lei nº 9.784/1999 comentada. São Paulo: Atlas, 2009. p. 348) 35 “Note-se que, para o reconhecimento da decadência, o legislador não exige boa-fé do agente. O dispositivo alude à ‘ausência de má-fé’ (do agente) e essa menção, sobre ser mera discussão semântica, traz repercussões importantes no que toca ao ônus de prova do elemento

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§ 1º No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento.

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Percebe-se, claramente, que os dispositivos contidos nas leis gerais processo administrativo restam informados pela segurança jurídica, pela pacificação e estabilidade das relações jurídicas, pela teoria do fato consumado e pela vedação à eternização dos conflitos. Ou seja, as normas sobre a invalidação de atos administrativos são informadas por preceitos norteadores que limitam o poder de autotutela da Administração Pública. Neste sentido, vejam-se as lições da doutrina:

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A LPA federal estabeleceu o prazo quinquenal para que a Administração anele atos que decorram efeitos favoráveis para os destinatários, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé. O princípio da segurança jurídica, enfatiza Gilmar Mendes, impõe limites à possibilidade de a Administração anular os atos administrativos não apenas em face de direitos subjetivos (efeitos favoráveis) regularmente gerados, mas também no interesse de proteger a boa fé e a confiança (Treue und Glauben) dos administrados. (NOHARA, Irene Patrícia; MARRARA, Thiago. Processo administrativo: Lei nº 9.784/1999 comentada. São Paulo: Atlas, 2009. p. 347)

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[...] o exercício da faculdade revisional de atos administrativos sofreu limitações e restrições em favor da estabilidade das relações jurídicas, em benefício dos administrados de boa-fé, afetados pela regra da atividade revisional antes ilimitada em favor do Poder Público. Nesse caso, entende a lei que a permanência do ato, mesmo contaminado de irregularidade original, quando não atacado pela Administração Pública, o vício que o macula, no quinquídio, atende mais ao interesse público que seu desfazimento. [...] a Administração Pública não pode mais anular atoa administrativos que geram efeitos em favor de interesses individuais, em razão da decadência quinquenal instituída em lei, isto é, da causa extintiva de direito pelo seu exercício no prazo da lei. Se o anímico, para divisar a incidência ou não da decadência. Com efeito, se a lei tivesse referido a expressão salvo comprovada boa-fé, o ônus de demonstrá-la – a boa-fé – seria do destinatário do ato. Mas, ao optar pela expressão salvo comprovada má-fé, deixou ver o que esta (boa-fé) é sempre presumida e que a má-fé somente deve ser proclamada beyond all reasonable doubt (além de qualquer dúvida razoável).” (FERRAZ, Luciano. Processo administrativo: temas polêmicos da Lei nº 9.784/1999. NOHARA, Irene Patrícia; MORAES FILHO, Marco Antonio Praxedes de (Org.). São Paulo: Atlas, 2011. p. 137)

ato produziu efeito favorável ao administrado, o decurso do prazo cria situação jurídica imutável a seu favor. O prazo decadencial, por sua natureza jurídica de ordem pública, é peremptório, contínuo e não admite suspensão ou interrupção e se refere à causa extintiva do direito pelo não exercício no período estabelecido pela lei. (GUIMARÃES, Francisco Xavier da Silva. Direito processual administrativo: comentários à Lei nº 9.784/1999 com as alterações da Lei nº 11.417/2006. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 156) Pouco a pouco, contudo, foi ganhando espaço a tese de que a Administração sujeita-se a prazo para exercer a pretensão invalidatória, isto é, de que existe limite temporal para a Administração invalidar atos viciados. Para os adeptos desse ponto de vista, tal limite constitui, como já dito, imposição do princípio da segurança jurídica, sendo salutar, a propósito, a lição de Clarissa Sampaio Silva: “E, atuando a Administração Pública sob a égide de um ordenamento jurídico que não tolera a eternização dos conflitos, absurdo seria supor que ela não esteja sujeita a prazos, quer para tutelar judicialmente seus direitos, quer para desfazer seus próprios atos”. [...] o legislador federal, acolhendo inegável tendência doutrinária, reconheceu a existência de limitação temporal para o exercício da invalidação administrativa. Com isso, visou essencialmente a proteger o administrado, promovendo a estabilização dos atos viciados que tenham ampliado sua esfera jurídica uma vez ultrapassados cinco anos, contados da sua produção. Caso o “direito” de anular não seja exercitado no referido prazo, restará afastada a possibilidade de a Administração invalidar o ato viciado. [...] Luís Roberto Barroso sublinha, com inegável acerto, que: “Em qualquer dos campos do Direito, a prescrição tem como fundamento lógico o princípio geral de segurança das relações jurídicas e, como tal, é a regra, sendo a imprescritibilidade situação excepcional. A própria Constituição Federal de 1988 tratou o tema para prever as únicas hipóteses em que se admite a imprescritibilidade, garantindo, em sua sistemática, o princípio geral da perda pretensão pelo decurso do tempo”. E mais: “Uma primeira conclusão se pode extrair desde logo: se o princípio é a prescritibilidade, é a imprescritibilidade que depende de norma expressa, e não o inverso”. (SIMÕES, Mônica Martins Toscano. O processo administrativo e a invalidação de atos viciados. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 164/165 e 170/171) O dispositivo é imbuído do espírito de que, embora seja dever da Administração Pública rever seus próprios atos quando eivados de ilegalidade (autotutela) – conforme classicamente se reconhece –, não raras vezes esta revisão, sobre não ser realizada a tempo e modo – seja porque


se desconhece a ilegalidade cometida, seja porque se julga legítima a interpretação do direito perpetrada na ocasião –, permite que situações fáticas irreversíveis ou reversíveis, porém a custos juridicamente intoleráveis, se constituam, tornando-se, pois, merecedoras da salvaguarda do ordenamento jurídico. [...] Estando, contudo, o processo findo, o dever (e não mero direito – como quis a Lei nº 9.784 em seu art. 54 –, muito menos simples faculdade) de anular passa a ser metrificado à luz do princípio da segurança jurídica, com as conotações mais de uma vez antecedentemente expostas a seu propósito. Aqui, o interesse público e a paz social determinam que, transcorrido certo tempo, ditado em obediência ao princípio da razoabilidade, se tenha por imutável o ato. E a lei federal do processo administrativo fixou esse prazo em cinco anos, contados da data da prática do ato (ou, no caso do ato que produza efeitos patrimoniais de trato sucessivo, a partir da percepção do primeiro pagamento). É dizer, o fluxo de tempo, com as ressalvas a serem lançadas mais adiante, tem um efeito saneador, só por si, sem a necessidade de declaração expressa, do ato originariamente ilegal. (FERRAZ, Sérgio; DALLARI, Adilson Abreu. Processo administrativo. 1. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 128/129 e 194)

Pública invalidar seus próprios atos refere-se tanto aos vícios sanáveis por convalidação (atos anuláveis) como aos insanáveis (atos nulos). Neste sentido, veja-se a lição de Luciano Ferraz:

A propósito do fato consumado (como tive ocasião de sustentar in O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 32-33), há resquícios inafastáveis para o acolhimento jurídico do fenômeno. Ei-los, em linhas bem sintéticas: 1º) o citado e incontornável respeito ao princípio da boa-fé do administrado (descendente do princípio jurídico da moralidade) que confia no ato estatal, sem, de modo algum, ter dado sinais de conspirar contra o interesse geral; 2º) a saudável exigência pretoriana da inexistência de danos ou prejuízos a terceiros; 3º) a passagem de largo lapso temporal, quando se tratar de atos constitutivos de direitos; 4º) a não-configuração de qualquer tipo de fraude, pois esta tornaria irremediavelmente írrito o ato e afastaria os propósitos subjacentes à incidência mesma do princípio da boa-fé; e 5º) a não-violação de outros requisitos substanciais quanto à licitude. Tais requisitos, gize-se, devem ser aplicados em consórcio indissolúvel, sob pena de se debilitar a juridicidade dos princípios constitucionais, quando do excepcional reconhecimento do fato consumado. (FREITAS, Juarez. As leis de processo administrativo. In: SUNDFELD, Carlos Ari; MUÑOZ, Guilhermo Andrés (Coord.). 1. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 99)

O prazo decadencial para que a Administração Pública promova a autotutela, previsto no art. 54 da Lei nº 9.784/1999, é aplicável tanto aos atos nulos quanto aos anuláveis. (STJ, AgRg-REsp 1147446/RS, (2009/0127512-0), 5ª T., Relª Min. Laurita Vaz, DJ 20.09.2012, DJe 26.09.2012)

Esclareça-se ainda que, nos termos das leis gerais sobre processo administrativo, a decadência do “direito” da Administração

[...] ao se referir à anulação dos atos administrativos, a regra não faz distinção relativa à natureza dos vícios que podem atingi-los: tanto os atos que a doutrina costuma classificar como anuláveis, quanto os classificáveis como atos nulos, são tocados pela decadência do art. 54 da Lei nº 9.784/1999. (FERRAZ, Luciano. Processo administrativo: temas polêmicos da Lei nº 9.784/1999. In: NOHARA, Irene Patrícia; MORAES FILHO, Marco Antonio Praxedes de (Org.). São Paulo: Atlas, 2011. p. 132/133)

A decadência prevista na Lei nº 9.784/1999 opera-se sobre o direito ao exercício de qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato, seja ele nulo ou anulável. (STJ, AgRg-MS 13407/DF, (2008/0055867-3), 3ª S., Rel. Min. Felix Fischer, DJ 28.05.2008, DJe 02.02.2009) O prazo decadencial previsto no art. 54 da Lei nº 9.784/1999 impõe-se como óbice à autotutela administrativa tanto nos atos nulos quanto nos anuláveis. (STJ, AgRg-Ag 1127574/RS, (2008/0268367-1), 5ª T., Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ 18.08.2009, DJe 14.09.2009) O art. 54 da Lei nº 9.784/1999, aplicável analogicamente ao presente caso, funda-se na importância da segurança jurídica no domínio do direito público, estipulando o prazo decadencial de 5 anos para a revisão dos atos administrativos viciosos (sejam eles nulos ou anuláveis) e permitindo, a contrario sensu, a manutenção da eficácia deles, após o transcurso do interregno mínimo quinquenal, mediante a convalidação

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Tal posição doutrinária, diga-se, é a adotada pelo Superior Tribunal de Justiça, que delimita o alcance da decadência prevista no art. 54 da Lei Geral do Processo Administrativo Federal tanto para abranger os atos administrativos nulos como os atos administrativos anuláveis:

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ex ope temporis, que tem aplicação excepcional a situações típicas e extremas, assim consideradas aquelas em que avulta grave lesão a direito subjetivo, sendo o seu titular isento de responsabilidade pelo ato eivado de vício. (STJ, RMS 24430/AC, (2007/0142581-3), 5ª T., Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJ 03.03.2009, DJe 30.03.2009)

adotar, antes do esgotamento do prazo decadencial que se inicia quando da inscrição do precatório, qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação do aludido ato administrativo:

Destarte, nos termos da teoria geral das invalidades dos atos administrativos disciplinada pelas leis gerais de processo administrativo, independentemente do tipo de eiva que macula o ato, que o torne nulo ou anulável, passados cinco anos sem que ele tenha sido convalidado ou invalidado pela Administração Pública, repousará sobre ele o manto da imutabilidade em virtude da decadência do “exercício do direito de anular”.

Para que a Administração Pública evite a decadência do direito de rever seus próprios atos, é necessário que as providências revisionais, para as quais se há de abrir prazo ao contraditório e à ampla defesa em processo regularmente instaurado, sejam adotadas antes do término dos cinco anos contados da vigência do ato impugnado. Trata-se, pois, de decadência de direito da Administração e não prescrição das parcelas individualizadas pagas mensalmente em caráter de continuidade, em favor do interessado. (GUIMARÃES, Francisco Xavier da Silva. Direito processual administrativo: comentários à Lei nº 9.784/1999 com as alterações da Lei nº 11.417/2006. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 157)

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Trazendo-se os precatórios para esta realidade dos atos administrativos, fica claro que, após o tribunal promover a inscrição da requisição judicial de pagamento contida na carta expedida pelos juízes da execução de sentença e assim constituir o precatório, terá o Estado-Juiz, no exercício desta função administrativa (atípica), o prazo de cinco anos para sanar eventuais vícios que tornem o ato administrativo nulo ou anulável, sob pena de não mais poder invalidá-lo ou convalidá-lo.

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Ultrapassado o prazo de cinco anos, opera-se a decadência do direito do tribunal de sanar os vícios do precatório por ele inscrito, passando tal ato administrativo, por força da segurança jurídica e da pacificação e estabilidade das relações jurídicas, a ser considerado como fato consumado, enaltecendo-se, assim, a não eternização dos conflitos. Tornar-se-á, portanto, o precatório impassível de invalidação ou convalidação por meio do exercício da autotutela pelo tribunal após o decurso do prazo de cinco anos iniciados quando da sua inscrição. Diga-se ainda que, nos termos das normas gerais de processo administrativo, para que os tribunais não percam seu exercício do “direito” de anular os precatórios por eles emitidos, deverão

E lembre-se aqui de que, sendo a inscrição do precatório um ato administrativo composto praticado apenas e tão somente dentro da seara do Poder Judiciário (primeiramente pelo juiz da execução quando da expedição da carta e depois pelo presidente do tribunal para promover o devido processamento), de nada adiantarão intervenções da Fazenda Pública visando a anular o precatório, já que se deduz dos termos da Lei do Processo Administrativo que o “exercício do direito de anular” tem por óbvio titular exclusivo aquele que praticou o ato administrativo. Para elidir a decadência do “exercício do direito de anular”, deve partir do tribunal, e não da Fazenda Pública, a iniciativa para invalidar o precatório sob processamento, e, caso tal anulação do ato administrativo não se dê dentro do quinquídio decadencial iniciado após a inscrição do precatório, ele não poderá ser mais cancelado. Desta forma, em razão da inércia do tribunal não só em detectar e apurar a ocorrência de vício no precatório por ele inscrito, como também de convalidar ou anular o ato administrativo em questão, a requisição judicial que dirige a ordem de pagamento de quantia certa para a Fazenda Pública tornar-se-á impassível de invalidação, devendo surtir efeitos independentemente dos eventuais vícios que a maculem.


CONSIDERAÇÕES FINAIS Por tudo o que foi exposto, crê-se possível concluir resumidamente que, uma vez inscrito o precatório, o tribunal, e apenas e tão somente tal órgão público, tem cinco anos para cancelá-lo ou convalidá-lo em decorrência de vícios presentes no ato administrativo. Passados cinco anos da inscrição sem que o tribunal tenha cancelado o precatório, ele não poderá mais ser anulado, devendo a ordem de pagamento nele contida ser devidamente cumprida pela Fazenda Pública, independentemente dos vícios que outrora acometeram o ato administrativo em questão. Mesmo que a Fazenda Pública aduza a ocorrência de vícios no precatório dentro do prazo decadencial de cinco anos (iniciado a partir da inscrição), se o tribunal só vier cancelá-lo a destempo, só restará ao destinatário da ordem de pagamento cumprir a ordem judicial e, posteriormente, buscar o devido ressarcimento contra quem deu azo a eventuais prejuízos que entenda ter sofrido (responsabilidade esta que, por óbvio, não é imputável ao beneficiário do precatório). Agora, para finalizar, bom é que se diga que, caso seja verificada má-fé36 por parte do beneficiário do precatório, não haverá de 36 “[...] havendo má-fé (v.g., fraude ou participação em fraude por parte do beneficiário dos efeitos do ato viciado) inexiste, pela simples e boa leitura da lei, prazo algum decadencial para o direito/dever de anulação. Em outras palavras, a má-fé do beneficiário torna o ato incorrigivelmente

falar em fluência do prazo decadencial de cinco anos. Por outro lado, não havendo comprovação de má-fé do beneficiário (a boa-fé, como visto, é presumida) ou tendo ela ficado circunscrita à própria Administração Pública37, o único empecilho para a fluição do quinquídio decadencial que permite a invalidação/cancelamento do precatório por parte do tribunal é a adoção de alguma medida que importe na impugnação do ato administrativo, sob pena do comprometimento do “exercício do direito de anular” e consequente estabilização da relação jurídica e imutabilidade do crédito constituído no precatório, restando, tão somente, a possibilidade do seu cumprimento. nulo e não simplesmente anulável. Para a decretação de nulidade absoluta, continua a inexistir, neste caso, qualquer prazo legal. Convenhamos: nem poderia ser diferente, pois seria escárnio, além de violação grave ao sistema, se a imoralidade tivesse o condão de provocar fato consumado em prol do desonesto beneficiário. [...] o dispositivo alude, pois, à má-fé em geral, seja a do administrado, seja a do administrador, isoladamente consideradas ou em conjunto, porquanto o viés da restrição debilitaria e macularia, entre outros, o princípio da moralidade jurídica. Dito clara e objetivamente: havendo má-fé do administrado ou do agente público (nesta caso, configurando improbidade administrativa), não se aplica o prazo decadencial do art. 54, sob pena de periclitar o sistema, opondo a segurança das relações jurídicas às exigências mínimas da moralidade. Ora, os princípios constitucionais devem ser mutuamente relativizados, não se admitindo a eliminação de qualquer um deles. Logo, induvidoso que a ilicitude, sendo de natureza significante e grave, tal como sucede, v.g., quando da prática de ato de improbidade de qualquer uma das espécies (enriquecimento ilícito, dano ao Erário ou mera violação aos princípios), deverá acarretar, sem a menor condescendência, a nulidade absoluta e consectários, sendo inaplicável o referido prazo decadencial, devendo a Administração Pública, a qualquer tempo, decretar tal nulidade ou deverá o Poder Judiciário fazê-lo, devidamente provocado.” (FREITAS, Juarez. As leis de processo administrativo. In: SUNDFELD, Carlos Ari; MUÑOZ, Guilhermo Andrés (Coord.). 1. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 99/100) 37 “Essa má-fé deve ser do destinatário do ato, não podendo este ser prejudicado por conduta imoral alheia.” (NASSAR, Elody. Prescrição na Administração Pública. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 245)

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Ou seja, mesmo sendo o seu erário a ser o afetado pela ordem de pagamento contida no precatório, a Fazenda Pública não poderá invalidar tal ato administrativo, já que ele é praticado pelo Poder Judiciário, cabendo tão somente a este último o cancelamento de precatórios em decorrência de sua invalidação.

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Doutrina

O Conhecimento Ex Ante da Ocorrência do Crime como Pressuposto de Legitimidade do Ingresso Domiciliar Não Consentido nos Casos de Flagrante Delito

PALAVRAS-CHAVE: Processo penal; inviolabilidade domiciliar; flagrante delito; busca domiciliar; garantias fundamentais.

STEPHAN DOERING DARCIE

SUMÁRIO: 1 Colocação do problema; 2 Noções conceituais: o papel do agente espectador no conceito de flagrante delito; 3 Flagrante delito e tipo subjetivo das causas de justificação; 4 Aspectos teleológicos e estruturais das exceções constitucionais à inviolabilidade domiciliar; 5 Abordagem político-criminal e político-processual: a mitigação dos riscos de práticas ilícitas pelos agentes públicos; Conclusões; Referências.

Mestre em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Especialista em Direito Penal Económico e Europeu pela Universidade de Coimbra (Portugal), Professor de Direito Penal e Processo Penal da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), Professor dos cursos de especialização em Direito Penal e Direito Processual Penal, Direito e Gestão Tributária e Direito Ambiental da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), Professor do curso de especialização em Direito Penal e Processo Penal com ênfase em Segurança Pública da UniRitter. Advogado Criminalista.

RESUMO: O presente artigo analisa o problema da inviolabilidade domiciliar nos casos de flagrante delito, defendendo a necessidade de uma alteração na orientação dominante nos tribunais a esse respeito. Por meio de uma abordagem conceitual, dogmática, sistemática e de política criminal e processual, o escrito trata de demonstrar que a inviolabilidade domiciliar deixa de ser oponível nos casos de flagrante delito somente se a existência do crime for perceptível ex ante ao espectador objetivo, de forma prévia ao ingresso não autorizado em domicílio, não sendo válida a busca domiciliar realizada nos casos em que tal conhecimento é superveniente, mera decorrência da invasão domiciliar perpetrada.

ABSTRACT: This article analyzes the problem of home inviolability in cases of flagranti delicto and defends the need for a change of the dominant orientation of the courts in this regard. Through a conceptual, dogmatic, systematic, as well as a criminal and procedural policy approach, the article tries to demonstrate that home inviolability ceases to be enforceable in cases of flagranti delicto, only if the existence of the crime is perceived ex ante by the spectator, before an unauthorized entrance, not being valid a home search conducted when such knowledge is incidental, mere result of the home invasion. KEYWORDS: Criminal procedure; home inviolability; flagranti delicto; home search; fundamental guarantees.

1 COLOCAÇÃO DO PROBLEMA Atribui-se a Joseph Goebbels a seguinte máxima: “uma mentira repetida mil vezes torna-se realidade”. O Ministro da Propaganda do Reich certamente ficaria orgulhoso ao constatar o tributo que os tribunais brasileiros acabariam por prestar ao ensinamento em referência. São numerosos os exemplos de interpretações jurídicas de questionável procedência, que acabam por ser amplamente reiteradas, muito mais pela comodidade de um mecânico e irrefletido exercício de recorte-e-cola do que por convicção nos argumentos jurídicos que as sustentam. A


Exemplo inequívoco disso é o complexo problema do ingresso domiciliar desacompanhado de mandado judicial nos casos de flagrante delito em crimes permanentes. Por exemplo: “A”, agente policial, desconfiado da existência de drogas na residência de “B”, decide invadir o local sem mandado judicial, vindo a encontrar substâncias entorpecentes em quantidade indicativa da traficância. “B”, no presente cenário, poderia invocar a garantia da inviolabilidade domiciliar de modo a sustentar a ilicitude da busca domiciliar e, por conseguinte, a ilicitude por derivação da prova obtida por meio da diligência? Pacificou-se, no particular, em praticamente todos os tribunais pátrios – exceção feita a alguns precedentes isolados1 –, o 1 Referimo-nos, especialmente, ao responsável entendimento que se firmou no âmbito da 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do RS. Nesse sentido, entre tantos, Apelação Crime nº 70058510298, Apelação Crime nº 70054828090, Apelação Crime nº 70055587729 e Apelação Crime nº 70056282353. No julgamento da Apelação Crime nº 70058510298, manifestou-se o colegiado no seguinte sentido: “O mínimo que se exige, pena de esvaziar a garantia, é que a situação de flagrante seja percebida ex ante pelo agente que vai operar a ingerência constitucionalmente autorizada. Dizer que nos crimes de natureza permanente, tal qual o tráfico de drogas, o estado de flagrante se mantém, o que é dogmaticamente correto, não significa dizer que vaga suspeita de prática de crime de tráfico de entorpecentes coloca o suspeito em estado de flagrância e, assim, afasta o direito à inviolabilidade do domicílio”. Por sua vez, da

entendimento de que a inviolabilidade domiciliar não pode ser invocada em tais casos. E isso porque o art. 5º, XI, da Constituição contempla exceções à regra da inviolabilidade domiciliar, uma das quais, precisamente, a hipótese de flagrante delito. Assim dispõe: “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”. A exceção prevista pela regra constitucional fez com que os tribunais entendessem legítimas as buscas realizadas mesmo nos casos de constatação ex post do flagrante, em hipóteses similares às chamadas descobertas fortuitas. Isto é, do dispositivo em questão, os tribunais retiram uma pretensa permissão irrestrita para que toda e qualquer residência seja invadida, condicionando-se a legalidade da medida, no entanto, à hipótese de efetiva constatação a posteriori da flagrância (que se daria, nos casos de crimes permanentes, tais como o tráfico e a posse ilegal de arma de fogo, com a localização das drogas e das armas, respectivamente). Tal interpretação afigura-se não apenas juridicamente frágil, como tem levado a resultados práticos nocivos, que a desaconselham. Residências são diariamente invadidas por agentes policiais, ora sob a alegação de “denúncias anônimas recebidas”, ora sob a alegação de “atitudes suspeitas” por parte de algum residente – alegações que, além de não serem juridicamente aptas a justificar a violação domiciliar, como se exporá a seguir, não raro se mostram pouco críveis, sendo utilizadas, no mais das vezes, como meros estratagemas de legitimação formal, não correspondentes sequer à realidade dos fatos2. Situação tão ou mais recorrente,

Apelação Crime nº 70056282353, extrai-se que “o ingresso de policiais em residências, mesmo diante de informações anônimas da prática de delitos, é permitida apenas quando os policiais tenham, antes da entrada na casa, certeza da situação de flagrante”. 2 A esse respeito, ver as interessantes reflexões de ROSA, Alexandre Morais da; Khaled Jr., Salah H. A denúncia anônima no tráfico: me engana que

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partir disso, formam-se as “orientações”, pacificam-se os “entendimentos” e, ordem natural das coisas, cria-se a jurisprudência. O equívoco originário se perpetua: de isolado, passa a ser sistemático. As partes, conhecedoras da orientação dos magistrados, esmeram-se no invocar e enumerar, didaticamente, as razões pelas quais uma dada interpretação se afigura equivocada ou redutora de complexidade. Tudo em vão: os magistrados reiteram seus posicionamentos, valendo-se, agora, da própria autoridade da sua jurisprudência, em interessante exercício de autopoiese hermenêutico-aplicativa. Eis que, finalmente, a mentira, por ter sido repetida mil vezes, tornou-se realidade incontestável.

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quanto mais humildes são os afetados pela medida – nota, aliás, de um sistema penal que, como todos sabemos, persegue mais os “componentes do andar de baixo da sociedade”3 do que os delinquentes do alto escalão, praticantes, por excelência, dos chamados Kavaliersdelikten, para os quais as garantias constitucionais parecem, por alguma razão, garantir mais. O alto grau de incidência da situação atrás descrita – mais perceptível, é verdade, para os que de perto lidam com a prática jurídica nesses meandros – tem levado a doutrina processual a um voltar de olhos para o problema, e autorizadas vozes começaram a surgir recentemente propondo um repensar da questão4.

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Repensar esse que, quanto a nós, deve situar-se em torno de quatro argumentos: um deles conceitual, que, ao dilucidar a noção de flagrante delito, afigura-se imprescindível para uma adequada compreensão do enunciado constitucional que assegura a inviolabilidade domiciliar; um dogmático, a partir do qual se estabelecem os requisitos jurídicos para a invocação da exceção constitucional à inviolabilidade domiciliar; um sistemático, que arranca de uma análise teleológica e estrutural das demais exceções constitucionais elencadas, contribuindo para a compreensão dos justos limites da inviolabilidade domiciliar; e, finalmente, um político-criminal e político-processual, voltado para

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eu gosto. Disponível em: <http://justificando.com/2015/01/06/a-denuncia-anonima-no-trafico-me-engana-que-eu-gosto/>. Acesso em: 8 fev. 2015. 3 Expressão que tomamos emprestada de STRECK, Lênio. Direito penal do fato ou do autor? A insignificância e a reincidência. Disponível em: <http:// www.conjur.com.br/2014-out-09/senso-incomum-direito-penal-fato-ou-autor-insignificancia-reincidencia>. Acesso em: 8 fev. 2015. 4 Ver, por todos, SARLET, Ingo Wolfgang; Weingartner Neto, Jayme. A inviolabilidade domiciliar e seus limites: o caso do flagrante delito. Revista de Direitos Fundamentais e Democracia, Curitiba, v. 14, n. 14, p. 544-562, jul./ dez. 2013., e ROSA, Alexandre Morais da. Mantra do crime permanente entoado para legitimar ilegalidades nos flagrantes. Disponível em: <http:// www.conjur.com.br/2014-ago-01/limite-penal-mantra-crime-permanente-entoado-legitimar-ilegalidades-flagrantes>. Acesso em: 8 fev. 2015

as possíveis consequências negativas advindas da irresponsável interpretação que se tem atribuído ao art. 5º, XI, da Constituição.

2 NOÇÕES CONCEITUAIS: O PAPEL DO AGENTE ESPECTADOR NO CONCEITO DE FLAGRANTE DELITO O termo flagrante delito designa, conforme corriqueira definição dos processualistas penais, o estado de visibilidade do crime5. A expressão deriva da palavra latina flagro, que se relaciona aos conceitos de chama, de queima6. Trata-se, do ponto de vista processual, do momento em que um determinado crime, por sua atual ocorrência, deixa-se apreender pelos sentidos – in flagranti crimine ou “no calor do crime”7. Pressupondo um tal conceito, é possível concluir que a noção de flagrante delito possui como referencial semântico não o ato criminoso em si, mas sim a apreensibilidade do ato criminoso por um terceiro agente, espectador objetivo estranho à ação criminosa. Se o crime é visível, é-o para alguém. Daí o verbo flagrar ter assumido, tanto no cotidiano quanto em termos processuais, a acepção de registrar no ato, de surpreender, tratando-se de verbo transitivo direto que tem como sujeito já o próprio espectador – que flagra –, e não a coisa (em nosso

5 Nesse sentido, RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 760, para quem o flagrante, no sentido jurídico, se refere ao “delito patente, visível, irrecusável do ponto de vista de sua ocorrência”. Para uma ampla análise conceitual e de direito comparado, ver TUCCI, Rogério Lauria. Flagrante delito. Revista de Ciência Penal, Rio de Janeiro: Forense, n. 1, p. 65-72, 1973. 6 BELLANTONI, Giuseppe. Problematiche interpretative a proposito del concetto e dell’ambito operativo della c.d. ‘quasi flagranza’. L’Indice Penale, anno XV, n. 2, Luglio-Dicembre, Padova: Cedam, p. 542, 2012. 7 LEAL, Antônio Luís da Câmara. Comentários ao Código de Processo Penal brasileiro. v. 2, arts. 201-380. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1942. p. 235.


Tudo isso depõe no sentido da imprescindibilidade – dir-se-ia até lógica – do agente espectador para o conceito de flagrante delito. Sequer parece haver sentido em afirmar que o agente que pratica um determinado crime encontra-se em flagrante delito no momento em que ele está a praticar a ação, se em tal cenário hipotético inexiste uma terceira pessoa que o tenha surpreendido. Daí podermos dizer que o conceito de flagrante delito é objetivo-subjetivo: objetivo porque se refere a uma determinada qualidade do objeto, da coisa, que é o crime; subjetivo porque pressupõe que essa qualidade seja assim percebida pelo agente espectador. Na falta de qualquer dessas duas dimensões, não se pode sequer falar em flagrante. Logo, não há flagrante pelo tão só fato de uma pessoa estar presentemente praticando um crime: haverá flagrante, conceitualmente, no momento em que a prática do crime for presenciada por alguém. Prova disso parece ser o próprio tratamento jurídico que se dá às hipóteses de flagrante elencadas pelo art. 302 do Código de Processo Penal. Como se sabe, o dispositivo em referência arrola os casos nos quais autorizada a prisão em flagrante, sendo definidos pela doutrina processual como flagrante próprio, flagrante impróprio e flagrante presumido. Como facilmente se extrai do enunciado normativo em causa, a distinção entre um e outro caso radica precisamente no momento em que o agente criminoso e o crime são surpreendidos pelo espectador objetivo. Se, em um hipotético homicídio, o delinquente for observado no momento em que dispara, ter-se-á um flagrante próprio (art. 302, I), ao passo que se for surpreendido deixando o local do crime que acaba de ser praticado, ter-se-á um flagrante impróprio (art. 302, III). Ou seja, o que define a modalidade do flagrante não é

uma determinada qualidade do ato (crime) em si – que se mostra idêntico nos dois casos –, mas tão somente o momento da sua constatação pelo agente espectador. Conclusão que, segundo vemos, apenas confirma o caráter constitutivo de que se reveste, para fins de definição do flagrante, a percepção da prática do delito pelo agente espectador – dimensão subjetiva do flagrante. Mas, afinal de contas, qual a relevância disso para a problemática de que nos ocupamos? Ao excetuar a garantia da inviolabilidade domiciliar, afirmando que “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito”, o dispositivo constitucional já pressupõe, como condição para autorizar a invasão domiciliar, o contato prévio do agente espectador com a prática delitiva (dimensão subjetiva do flagrante), pois tal conhecimento se coloca exatamente como pressuposto para a configuração conceitual do flagrante delito aludido pelo enunciado normativo. Não age em conformidade com a norma, portanto, o agente que realiza uma busca domiciliar ingressando em residência alheia sem o prévio conhecimento da ocorrência de um crime, pois, em tal caso, ainda não haverá conceitualmente o flagrante delito exigido pela norma como circunstância justificante.

3 FLAGRANTE DELITO E TIPO SUBJETIVO DAS CAUSAS DE JUSTIFICAÇÃO Superada a questão conceitual precedente – que, quanto a nós, já se afigura de per si suficiente para infirmar o entendimento segundo o qual o indivíduo (agente policial) que desconheça a ocorrência atual do crime possa ingressar em domicílio alheio ao abrigo da exceção prevista pelo art. 5º, XI, da Constituição –, impõe-se analisar um segundo argumento, sucessivo e independente. Imaginemos, apenas para argumentar, que a concepção de flagrante delito prescinda, no plano conceitual, do contato do agente espectador com a prática atual do crime. Imaginemos, assim, que

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caso, o crime) – que é flagrada. Em outras palavras, ao menos segundo a acepção mais corriqueira, não é o crime que flagra, mas o espectador que flagra o crime ou o crime que é flagrado pela pessoa. A ação de flagrar é, em última análise, praticada pelo espectador e recai sobre a coisa.

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se reputasse como caracterizada a hipótese de flagrante descrita pelo dispositivo constitucional ao tempo do ingresso do agente policial na residência, independentemente de seu conhecimento acerca da existência crime, que só viria a ocorrer após a sua entrada, ao deparar-se com as drogas (no caso de tráfico) ou com as armas (no caso de posse de armas). Ainda assim, impõe-se a indagação: eventual busca domiciliar realizada nessas condições poderia ser considerada legítima? Também aqui a resposta, quanto a nós, deve recair em sentido negativo.

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Partindo-se da premissa de que o referido dispositivo constitucional concede uma excepcional autorização para que o agente penetre em domicílio alheio no caso de flagrante – conduta que, em circunstâncias comuns, caracterizaria o crime de violação de domicílio –, tem-se um cenário idêntico ao das causas de justificação: há uma proibição geral (tipo do art. 150 do Código Penal) excetuada pelo próprio ordenamento jurídico em determinados casos (p. ex. flagrante delito, desastre natural, prestação de socorro etc.). E tal como sucede com as causas de justificação, para que a conduta seja considerada justificada, deve haver o que a doutrina penal denomina de consciência da situação justificante8 ou conhecimento dos elementos do tipo justificador9. Trata-se da dimensão subjetiva das causas de justificação.

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8 Utilizando tal denominação, CALLEGARI, André Luís. Teoria geral do delito e da imputação objetiva. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 167, e QUEIROZ, Paulo. Direito penal. Parte geral. 6. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 304, para quem “não é suficiente a presença dos requisitos objetivos, exigindo-se ainda que quem a invoca saiba que se encontra numa situação justificante”. Muito próximo, BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. Parte geral. 10. ed. Rio de Janeiro: Saraiva, v. 1, 2006. p. 380-381, ao afirmar que “não basta que estejam presentes os pressupostos objetivos de uma causa de justificação, sendo necessário que o agente tenha consciência de agir acobertado por uma excludente”. 9 FIGUEIREDO Dias, Jorge de. Direito penal: parte geral. 2. ed. Coimbra: Coimbra, t. I, 2007. p. 392 e ss. Na doutrina alemã, Roxin afirma a necessidade da presença dos elementos subjetivos das causas de justificação, defendendo

Figure-se o seguinte caso: “A” mata “B” com a intenção de vingar a morte de C e descobre, logo após, que “B”, imediatamente antes de ser alvejado, estava prestes a matar “A” com a arma de fogo que trazia consigo. Encontrar-se-iam, aqui, todos os requisitos objetivos exigidos pelo art. 25 do Código Penal para a configuração da legítima defesa: agressão injusta, atual ou iminente e repelida com o moderado emprego dos meios necessários. Ainda assim, no exemplo proposto, ninguém colocaria sob dúvida o fato de que “A” não poderia invocar a legítima defesa em seu favor. E isso porque as circunstâncias objetivas que a caracterizam eram, no momento da realização da conduta, ilustres desconhecidas do agente. Do ponto de vista da dogmática penal, haveria erro quanto aos elementos do tipo justificador, o que afastaria a causa de justificação em questão, da mesma forma que o erro de tipo comum excluiria o dolo. O agente teria agido de forma nitidamente desvaliosa e dado causa a resultado igualmente desvalioso, respondendo, por conseguinte, pelo crime de homicídio. No caso do ingresso domiciliar, tratando-se de conduta isoladamente caracterizadora do crime de violação de domicílio (art. 150 do Código Penal), não há qualquer elemento que permita visualizar a situação de maneira distinta: o agente policial que penetra na residência deve ter consciência de que a entrada se dá em razão de um flagrante, circunstância que o autoriza a fazê-lo. Ou seja, a situação justificante (flagrante) deve ser de que, “para a justificação é em princípio suficiente que o sujeito atue objetivamente no marco do justificado e subjetivamente com conhecimento da situação justificante” (ROXIN, Claus. Derecho penal. Parte general. Tomo I. Fundamentos. La estructura de la teoria del delito. Traducción de la 2. edición alemana y notas por Diego-Manuel Luzón Peña [et al.]. Madrid: Civitas, 1997. p. 597). Ainda no contexto da doutrina estrangeira, Stratenwerth concorda que “a justificação (plena) da conduta típica depende em todos os casos do conhecimento da situação fática que exclui o ilícito” (STRATENWERTH, Günter. Derecho penal. Parte general I. Trad. Manuel Cancio Meliá y Marcelo A. Sancinetti. Cizur Menor (Navarra) Thomson Civitas, 2005. p. 222).


Tal raciocínio pode ser expresso por meio da seguinte representação: constatação do flagrante (arts. 302 ou 303 do CPP) → entrada no domicílio → busca domiciliar = busca lícita violação de domicílio (art. 150 do CP) → busca domiciliar → constatação do flagrante (arts. 302 ou 303 do CPP) = busca ilícita

Se, por outro lado, o conhecimento do flagrante for posterior ao ingresso (ex post), ocorrendo como consequência da busca domiciliar, isso significa dizer que, ao tempo da entrada, o agente policial não sabia que um crime estava sendo praticado, motivo pelo qual nenhuma justificativa possuía para invadir o domicílio e efetuar a busca. Faltar-lhe-ia, dessa forma, a exigida cons­ ciência da situação justificante (em outras palavras, a dimensão subjetiva das causas de justificação). A conduta, nesse caso, necessariamente se amoldaria ao crime previsto no art. 150 do Código Penal, afigurando-se ilícita a busca domiciliar efetuada a partir dela. 10 Termo utilizado, também, na jurisprudência da 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do RS. Nesse sentido, ver, por todos, o julgamento da Apelação Crime nº 70058510298.

Ora, é evidente: se ao agente falta o conhecimento da situação justificante (flagrante) e, mesmo assim, opta ele por invadir o domicílio, é porque não pretende agir em conformidade com o ordenamento jurídico, mas sim contra ele. Nesse cenário, mesmo o fato de posteriormente serem encontradas drogas não elidirá o desvalor da conduta inicial, se valorada a partir da intencionalidade original de invadir um domicílio sem justificativa legítima. Sustentar o contrário seria o mesmo que esvaziar a garantia da inviolabilidade do domicílio, prevista no art. 5º, XI, da Constituição Federal. E, em termos dogmáticos, equivale a defender a licitude da conduta do agente que mata outrem com a intenção de lhe subtrair dinheiro e descobre, logo após, que a vítima, antes de ser alvejada, estava prestes a matá-lo.

4 ASPECTOS TELEOLÓGICOS E ESTRUTURAIS DAS EXCEÇÕES CONSTITUCIONAIS À INVIOLABILIDADE DOMICILIAR Uma resposta ao problema da necessidade ou não de conhecimento prévio, pelo agente que ingressa na residência, acerca da existência do crime permanente, resta em boa medida facilitada por meio da análise das finalidades que subjazem às demais exceções elencadas pelo enunciado constitucional que assegura a inviolabilidade domiciliar, na medida em que tal exercício permite concluir pela existência de um padrão entre os permissivos ali previstos. Segundo o art. 5º, XI, da Constituição, “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”. Como se verifica, além da hipótese de flagrante delito, a proteção constitucional concedida ao domicílio não pode ser oposta nos casos de (a) desastre; (b) ingresso para prestar socorro; ou (c) por determinação judicial. Em todos esses casos, o agente que ingressa em domicílio alheio, ainda que sem consentimento do morador, não responderá pelo crime do art. 150 do Código Penal.

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pleno conhecimento do agente que adentra na residência (v.g. suspeito que é visto vendendo drogas dentro do apartamento; suspeito que é perseguido imediatamente após praticar um crime, fugindo até a sua casa etc.). Afinal de contas, é exatamente o conhecimento dessa situação que justifica que o agente adote a conduta (o mesmo ocorre com o estado de necessidade, com a legítima defesa etc.) e que, por conseguinte, elide o desvalor da ação, afastando o ilícito. Daí o acerto de se falar em um conhecimento ex ante10, já que tal conhecimento sempre deve preceder a entrada no domicílio. O conhecimento do flagrante sempre será um pressuposto da busca domiciliar, e jamais uma consequência sua. No caso de um crime permanente, deve haver conhecimento de que o crime (p. ex. manter drogas em depósito) está em curso quando da entrada em domicílio.

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Assim, por exemplo, no caso em que uma determinada residência encontra-se pegando fogo, o agente está autorizado a nela ingressar para salvar as pessoas ou mesmo alguns pertences do incêndio. Entendeu o Constituinte, em um nítido sopesamento de bens jurídicos, que a intimidade do destinatário da proteção oferecida pelas normas que asseguram a inviolabilidade do domicílio é menos importante do que sua vida, sua integridade física ou mesmo o seu patrimônio, oferecendo, assim, um estímulo para que tais bens jurídicos sejam preservados por meio da ação de terceiros, mesmo que ao custo da sua própria intimidade.

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Veja-se que, no exemplo proposto, o agente que ingressa na residência, por razões até lógicas, sabe que o faz em virtude do desastre e com a finalidade de prestar socorro – o próprio emprego da preposição para é bastante elucidativo no particular. É dizer, tais circunstâncias (desastre e necessidade de prestação de socorro) afiguram-se-lhe perceptíveis já à partida e precisamente isso é o que o motiva a agir11-12. O mesmo podendo ser dito do agente policial que ingressa na residência por determinação judicial, pois, também aqui, deve ele saber que o faz em cumprimento a uma ordem judicial13.

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11 Idêntica constatação podemos encontrar em NASCIMENTO, Fábio Calheiros do. “A prisão em flagrante e a inviolabilidade do domicílio”. Justiça & Cidadania, ed. 140, p. 34-37, abril de 2012. p. 35. 12 Perceba-se que são duas as mensagens passadas pelo ordenamento jurídico: (a) não se pode invadir domicílio alheio; (b) pode-se, no entanto, invadi-lo, quando para preservar bens jurídicos mais valiosos. O destinatário da norma, assim, sabe que, como regra geral, não pode deliberadamente ingressar em domicílio alheio, e por tal razão mantém distância. Algo concreto há de surgir, no entanto, para demovê-lo dessa tendência de distanciamento, e motivá-lo a agir: a ciência de que sua intervenção se faz necessária. E tal conhecimento surge, é evidente, com a consciência de que um desastre ou uma emergência está em curso, ameaçando a preservação da vida, da integridade física ou do patrimônio alheios. 13 Também assim, Nascimento, Fábio Calheiros do. A prisão em flagrante e a inviolabilidade do domicílio. Op. cit., p. 35.

Cumpre indagar, por outro lado, se, ao prever tais exceções, o Constituinte contava com a possibilidade de abrandá-las nos casos em que a situação justificante vem a ser descoberta a posteriori. Por exemplo: agente que ingressa na residência para furtá-la e encontra o proprietário desmaiado em meio a um incêndio, prestando socorro imediato; agente policial que ingressa escondido na residência para coletar provas ilegalmente e descobre, dias após, a existência de mandado judicial para ser cumprido naquela residência. Em tais casos, parece-nos evidente que, apesar da superveniente ciência da situação justificante, o agente deve responder pelo crime de violação de domicílio, pois sua intenção inicial jamais foi a de agir em conformidade com o ordenamento jurídico, mas sim contra ele14. Tudo a demonstrar que o Constituinte, na realidade, ao elencar exceções à inviolabilidade domiciliar, preocupou-se não apenas com a sua simples ocorrência, mas também, e quiçá principalmente15, com a adequada motivação do agente que ingressa em residência alheia. 14 Interessante é notar que, nesse contexto, a ilicitude penal do comportamento do agente se mostra tão ou mais indiscutível, quanto mais subjetiva for a concepção de ilícito adotada. E isso porque, para essas construções, o núcleo do ilícito penal radica precisamente na conduta do agente que, conscientemente, viola o ordenamento jurídico. Emblemáticas, no particular, as palavras de Kaufmann, para quem, em declarada oposição a Binding, o teor das normas não pode ser expresso por mandamentos como “causai” ou “não causai”, mas sim como “deves agir (propositadamente)” ou “não deves agir (propositadamente)” (KAUFMANN, Armin. Teoria da norma jurídica. Rio de Janeiro: Rio, 1976. p. 139-140). E a existência objetiva, ignorada pelo agente, de uma determinada circunstância fática capaz de legitimar sua conduta em nada elide o desvalor que se agrega à sua ação, se o que está em causa, essencialmente, é uma deliberada violação da norma de conduta cognoscível. 15 Figure-se, por exemplo, hipótese inversa: agente que, sentindo cheiro de fumaça e pensando ter ouvido gritos de socorro, invade domicílio alheio, descobrindo tratar-se de alarme falso. Poder-se-ia, no presente caso, considerar a sua conduta contrária ao ordenamento jurídico? Certamente que não. Terá ele agido, no mínimo, em erro de tipo permissivo.


5 ABORDAGEM POLÍTICO-CRIMINAL E POLÍTICOPROCESSUAL: A MITIGAÇÃO DOS RISCOS DE PRÁTICAS ILÍCITAS PELOS AGENTES PÚBLICOS Uma palavra deve ainda ser dita em relação às negativas consequências político-criminais e mesmo de política processual advindas da adoção do entendimento atualmente consagrado em nossos tribunais. Como já trataram de insinuar as linhas precedentes, entender como legítima a entrada no domicílio e a busca domiciliar apenas porque um crime foi descoberto posteriormente significa aferir a legalidade de um determinado ato (busca domiciliar) a partir de suas consequências, e não de seus pressupostos. Por outras palavras, significa dizer: não há problema algum em entrar em qualquer domicílio, contanto que nele se constate um flagrante delito. Oportunas, a esse respeito, as palavras de Sarlet e Weingartner Neto, para quem “nem é justo para com o agente policial, Tal conduta não se mostra minimamente equiparável – jurídica ou mesmo moralmente – à do agente que, maliciosamente, ingressa em residência alheia, vindo a descobrir, após, para sua sorte, a existência de um dos permissivos constitucionais.

gize-se, colocá-lo, pressionado pela mídia e pela sociedade, na disjuntiva do tudo ou nada: há de arriscar-se no escuro (muitas vezes literalmente, pois na calada da noite); se encontrar algo, honra ao mérito; se infrutífera a busca, sujeita-se a responder por ilícita violação de domicílio”16. Por razões óbvias, uma tal compreensão não se afigura tampouco prudente. Basta pensar no estímulo que se dá, com isso, ao cometimento de atos ilícitos por parte de agentes policiais. O agente policial que, por simples desconfiança de que um determinado crime esteja em curso – quiçá até em razão dos antecedentes criminais de um determinado morador –, poderá ingressar sem mandado judicial em sua residência para realizar uma busca, sabedor de que, acaso encontre drogas ou armas, sua conduta terá sido válida. Contudo, acaso não as encontre, e considerando que a legalidade da medida será aferida a partir de suas consequências, responderá o agente administrativa e criminalmente pela violação domiciliar praticada. Fácil é de ver que o presente cenário representa fortíssimo fator de encorajamento para que tais objetos sejam enxertados no local da busca. O agente policial que adentrar em uma residência e não localizar drogas certamente irá ponderar que as consequências administrativas e criminais que advirão poderão ser evitadas se elas forem plantadas, pois é sua existência ao final constatada que legitimará o ingresso domiciliar já realizado17. Não é de causar surpresa, assim, a cada vez mais recorrente alegação de enxerto por parte de imputados mais humildes e com histórico criminal, não se podendo descartar, em boa parte dos 16 SARLET, Ingo Wolfgang; Weingartner Neto, Jayme. A inviolabilidade domiciliar e seus limites: o caso do flagrante delito. Op. cit., p. 558. 17 Tal advertência também é feita por NASCIMENTO, Fábio Calheiros do. A prisão em flagrante e a inviolabilidade do domicílio. Op. cit., p. 36, e AMARAL, Cláudio do Prado. Inviolabilidade do domicílio e flagrante de crime permanente. Revista Brasileira de Ciências Criminais, a. 20, v. 95, São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 174, mar./abr. 2012.

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E se isso é assim, não se mostra razoável interpretar diferentemente a exceção constitucional à inviolabilidade do domicílio nos casos de flagrante delito. Ora, por que razão teria o Constituinte previsto hipóteses que excetuam a inviolabilidade domiciliar, nas quais a ciência prévia da situação justificante se coloca como uma imposição lógica (desastre, necessidade de prestação de socorro e mandado judicial), ao lado de uma hipótese para cuja configuração se afiguraria suficiente a posterior – e por vezes fortuita – descoberta da circunstância fática (flagrante delito) autorizadora do ingresso em domicílio? Tal opção contrariaria a lógica subjacente a todas as demais hipóteses de exceções constitucionais à inviolabilidade do domicílio.

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casos, a possibilidade de que tal verdadeiramente ocorra. E considerando a credibilidade que se costuma atribuir aos depoimentos dos agentes policiais pela simples qualidade de agentes públicos que ostentam, os imputados que nessa situação se encontrarem fatalmente verão suas alegações sendo alvo de descrédito e, muito provavelmente, ver-se-ão vítimas de uma injusta condenação. E não só. Mesmo desconsiderando-se a possibilidade de flagrantes forjados, e assumindo-se sua efetiva ocorrência, pense-se na infinidade de ilegalidades que acabam por ser encorajadas, como efeito colateral, com o recurso ao “argumento salvador” do flagrante delito a posteriori. Exemplo 1: “A”, deputado federal, é investigado pela Polícia Federal pela prática do crime de tráfico internacional de drogas. Postulada busca domiciliar, a medida vem a ser deferida por Juiz Federal, em desconsideração aos critérios de competência por prerrogativa de função. Realizada a diligência, drogas acabam por ser localizadas na residência de “A”, que vem a ser processado.

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Exemplo 2: “A” é alvo de interceptações telefônicas não autorizadas por decisão judicial, nas quais vêm à tona indicativos de que “A” armazena drogas em sua residência, pelo que ela é invadida por agentes policiais, do que resulta a apreensão das substâncias entorpecentes e posterior denúncia pela prática do crime de tráfico de drogas.

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Exemplo 3: “A”, sobre quem pairam suspeitas de envolvimento com tráfico de drogas, tem expedido contra si mandado de busca domiciliar a ser realizado no endereço X. Ao cumprir a diligência, “B”, agente policial, não logra localizar nenhum tipo de substância entorpecente, mas descobre a existência de um outro endereço, Y, no qual se situa outro imóvel de propriedade de “A”, ao qual se dirige diretamente, sem mandado judicial, vindo a localizar drogas. Em todos os exemplos, há nítida burla a garantias constitucionais, tais como: juiz natural, proibição de provas ilícitas e reserva de jurisdição. E tais violações, que levaram à descoberta de provas

que, em outro cenário, jamais poderiam ser utilizadas em um processo penal, no caso do flagrante delito acabariam por ser legitimadas em razão da situação de flagrância descoberta a posteriori, que, segundo os tribunais pátrios, seria apta a legitimar, por si só, a busca domiciliar realizada. Ora, se a ocorrência do flagrante delito – mesmo que descoberta posteriormente – inclusive tornaria prescindível o mandado judicial para o ingresso em domicílio, não haveria mesmo sentido em vislumbrar qualquer óbice no fato de tal mandado judicial – dispensável – ter sido expedido por autoridade judiciária incompetente ou não ter contemplado o endereço no qual efetivamente se realizou a diligência de busca e apreensão. A mensagem, assim, é clara: quaisquer violações são toleradas e bem-vindas, se de sua prática resultarem prisões em flagrante – como se a superveniência do flagrante pudesse apagar todas as ilegalidades até então praticadas pelos agentes públicos em ações policiais desastradas e irresponsáveis, dignas de seriados televisivos, porém pouquíssimo adequadas à realidade de nosso sistema processual e constitucional. Isso é tudo o que nos mostra a fragilidade da garantia da inviolabilidade domiciliar em um contexto no qual se admite a sua flexibilização nos casos de flagrante delito perceptível somente ex post. O entendimento que vem sendo adotado pelos tribunais, nessa exata medida, mostra-se irresponsável. A licitude ou não de uma busca domiciliar jamais poderá ser medida pelo seu resultado, mas sim pelos seus pressupostos. O que significa dizer que a entrada domiciliar autorizada pelo dispositivo constitucional, para que seja considerada legítima, deve ser motivada pelo flagrante, ou seja, o flagrante estar na sua origem, e não ser a sua consequência. Apenas assim é que se terá um mínimo de segurança na observância das garantias constitucionais por parte dos agentes públicos.

CONCLUSÕES Em um processo penal concebido nos marcos de um Estado Democrático de Direito, a análise das garantias constitucionais e dos seus respectivos limites deve ser objeto de especial e


É chegado o tempo de rever a orientação dos tribunais pátrios acerca dos limites da garantia da inviolabilidade domiciliar nos casos de flagrante delito. E isso se impõe, como se pode notar, por razões que vão desde o conceito que se deve emprestar ao flagrante, passando por considerações dogmáticas, até a análise das consequências nocivas trazidas pela irresponsável orientação que se firmou a respeito. Todas elas a depor no sentido de que a inviolabilidade domiciliar deixa de ser oponível nos casos de flagrante delito somente se a existência do crime for perceptível ex ante, de forma prévia ao ingresso em domicílio. Por certo que a visibilidade do crime deve ser inequívoca e objetivamente demonstrável por provas18, não bastando a simples alegação, pelo agente policial, de existência de “denúncias anônimas” ou “atitudes suspeitas”, que permitam somente desconfiar da prática atual do delito. Caso contrário, manter-se-ia fragilizada a garantia em questão, transformando-se a exigência de prévia ciência da existência do crime19 em mera exigência 18 Com o que queremos significar a possibilidade de reconstrução probatória da visibilidade do crime, na própria lavratura do auto de prisão em flagrante e, posteriormente, na instrução criminal. É dizer, agentes policiais e, posteriormente, o Ministério Público, devem ser capazes de demonstrar que, na altura da opção pelo ingresso em domicílio, a visibilidade do crime era manifesta. O expediente das denúncias anônimas ou a alegação de atitudes suspeitas, por exemplo, não bastam para justificar o ingresso domiciliar, exatamente porque não são demonstráveis pelas provas. Nesse sentido, também enfatizando a necessidade, para além da prévia ciência do estado de flagrante, de sua posterior demonstração, DELLOSSO, Ana Fernanda Ayres; Bottini, Pierpaolo Cruz. O consentimento e a situação de flagrante delito nas buscas domiciliares. Boletim do IBCCrim, a. 22, n. 263, p. 3, out. 2014. 19 Que se prefere não chamar de “ciência do flagrante”, por se acreditar, na linha do exposto supra, que o próprio termo flagrante pressupõe a ciência do agente espectador.

de emprego de retórica pelos agentes públicos – que, ao invés de terem ingressado em uma determinada residência por mero “achômetro”, o farão em virtude das “atitudes suspeitas” do morador que se encontrava em frente a ela. Simples desconfianças, decorrentes de denúncias anônimas ou de atitudes suspeitas, demandam atos de investigação por parte dos agentes policiais, os quais poderão levar a requerimentos de busca domiciliar, não havendo urgência20 que justifique racionalmente o precipitado ingresso em domicílio21. No cenário ora proposto, o ingresso em domicílio por força de flagrante delito, ao se restringir aos casos de inequívoco contato prévio com a prática do crime, destinar-se-á exclusivamente a fazer cessar delito que se sabe existir, e não a coletar provas ou informações sobre crimes cuja existência se desconfia, em indevida concessão de “carta branca” aos agentes públicos para que lares sejam invadidos sem qualquer critério. Cabe ao Judiciário, por excelência, a análise da conveniência das medidas de busca domiciliar restritivas da garantia da inviolabilidade domiciliar – corolário da garantia da reserva de jurisdição. E não se pode, por meio de um indevido alargamento do conceito de flagrante delito, 20 Ressaltando exatamente a distinção que deve ser feita entre os casos nos quais a prática atual do crime permanente se reveste de gravidade e reclama pronta intervenção (p. ex.: extorsão mediante sequestro) e os casos nos quais a espera por mandado judicial se afigura possível e razoável (p. ex.: casos comuns de tráfico de drogas), AMARAL, Cláudio do Prado. Inviolabilidade do domicílio e flagrante de crime permanente. Op. cit., p. 174. 21 Nesse preciso sentido, Ana Maria Campos Tôrres sublinha, em relação aos crimes permanentes, que somente “sabendo que alguém tem em depósito drogas, vende droga, ou outras situações de permanência é que pode, conforme a Constituição, penetrar em domicílio sem o consentimento do morador”, não bastando “a mera desconfiança, pois corre o risco de responder por descumprimento da lei, logo, impossível considerar válida a apreensão nesses casos, sem ordem judicial” (TÔRRES, Ana Maria Campos. A busca e apreensão e o devido processo. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 152-153).

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constante atenção por parte da doutrina processual. Com efeito, são perigosos os consensos que se formam ao redor da matéria, não raro baseados em leituras que subtraem indevidamente uma complexidade de fatores que jamais pode ser desconsiderada para o devido enfrentamento da questão.

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delegar tal papel aos demais agentes públicos envolvidos na persecução penal ao custo de uma indevida restrição da garantia da inviolabilidade domiciliar, tanto em relação àqueles que cometem, quanto em relação àqueles que não cometem crimes – e que, a despeito de sua inocência, fatalmente ver-se-ão alvos de abusos praticados por agentes públicos que, equivocadamente, supuseram a existência de uma situação em verdade inexistente.

LEAL, Antônio Luís da Câmara. Comentários ao Código de Processo Penal brasileiro. v. 2, arts. 201-380. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1942.

Como já diagnosticara Machado de Assis, “defeitos não fazem mal, quando há vontade e poder de os corrigir”. Caberá ao Judiciário, assim, demonstrar que os equívocos ora denunciados não são infensos a um repensar, e que a mentira, não obstante repetida, longe está de se tornar verdade inquestionável.

ROSA, Alexandre Morais da. Mantra do crime permanente entoado para legitimar ilegalidades nos flagrantes. Disponível em: <http://www.conjur. com.br/2014-ago-01/limite-penal-mantra-crime-permanente-entoado-legitimar-ilegalidades-flagrantes>. Acesso em: 8 fev. 2015

REFERÊNCIAS AMARAL, Cláudio do Prado. Inviolabilidade do domicílio e flagrante de crime permanente. Revista Brasileira de Ciências Criminais, a. 20, v. 95, São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 165-193, mar./abr. 2012.

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BELLANTONI, Giuseppe. Problematiche interpretative a proposito del concetto e dell’ambito operativo della c.d. “quasi flagranza”. L’Indice Penale, anno XV, n. 2, Luglio-Dicembre, Padova: Cedam, p. 541-559, 2012.

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BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. Parte geral. 10. ed. Rio de Janeiro: Saraiva, v. 1, 2006. CALLEGARI, André Luís. Teoria geral do delito e da imputação objetiva. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. DELLOSSO, Ana Fernanda Ayres; Bottini, Pierpaolo Cruz. O consentimento e a situação de flagrante delito nas buscas domiciliares. Boletim do IBCCrim, a. 22, n. 263, p. 2-4, out. 2014. FIGUEIREDO Dias, Jorge de. Direito penal: parte geral. 2. ed. Coimbra: Coimbra, t. I, 2007. KAUFMANN, Armin. Teoria da norma jurídica. Rio de Janeiro: Rio, 1976.

NASCIMENTO, Fábio Calheiros do. “A prisão em flagrante e a inviolabilidade do domicílio”. Justiça & Cidadania, ed. 140, p. 34-37, abril de 2012. UEIROZ, Paulo. Direito penal. Parte geral. 6. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2013.

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Acórdão na Íntegra

Superior Tribunal de Justiça Conflito de Competência nº 136.700/SP (2014/0274368-9) Relator: Ministro Rogerio Schietti Cruz Suscitante: Juízo Federal da 4ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Estado de São Paulo Suscitado: Juízo Federal da 5ª Vara da Seção Judiciária do Estado de Mato Grosso Interes.: Justiça Pública Interes.: em apuração EMENTA CONFLITO DE COMPETÊNCIA – CRIMES CONTRA HONRA PRATICADOS PELA INTERNET – COMPETÊNCIA – VEICULAÇÃO DO CONTEÚDO OFENSIVO – FIXAÇÃO NO LOCAL DO TITULAR DO PRÓPRIO DOMÍNIO E QUE CRIOU A HOME PAGE ONDE É ABASTECIDO SEU CONTEÚDO 1. Tratando-se de crimes contra a honra praticados pela Internet, a competência deve ser firmar de acordo com a regra do art. 70 do Código de Processo Penal, segundo o qual “a competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução”. Isso porque constituem-se crimes formais e, portanto, consumam-se no momento de sua prática, independentemente da ocorrência de resultado naturalístico. Assim, a simples divulgação do conteúdo supostamente ofensivo na Internet já é suficiente para delimitação da competência.

ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Seção, por unanimidade, conhecer do conflito e declarar competente o Suscitado, Juízo Federal da 5ª Vara da Seção Judiciária do Estado do Mato Grosso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Nefi Cordeiro, Gurgel de Faria, Reynaldo Soares da Fonseca, Newton Trisotto (Desembargador Convocado do TJSC), Ericson Maranho (Desembargador convocado do TJSP), Leopoldo de Arruda Raposo (Desembargador convocado do TJPE) e Felix Fischer votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior. Brasília/DF, 23 de setembro de 2015. Ministro Rogerio Schietti Cruz RELATÓRIO O Senhor Ministro Rogerio Schietti Cruz: O Juízo Federal da 4ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Estado de São Paulo suscita conflito de competência diante do reconhecimento da incompetência ratione loci efetivado pelo Juízo Federal da 5ª Vara da Seção Judiciária do Estado do Mato Grosso.

2. Esse local deve ser aquele de onde efetivamente partiu a publicação do conteúdo, o que ocorre no próprio local do domínio em que se encontra a home page, porquanto é ali que o titular do domínio alimenta o seu conteúdo, independentemente do local onde se hospeda o sítio eletrônico (provedor).

Depreende-se dos autos que foi instaurado inquérito policial para apurar supostos crimes de calúnia e difamação que teriam sido praticados por Vinicius Tavares de Souza e Marcos Augusto Machado, por meio de notícias que teriam sido veiculadas em sítio eletrônico, nestes termos (fl. 6):

3. No caso, a veiculação da reportagem que deu ensejo ao inquérito policial partiu de sítio eletrônico cujo domínio era de empresa situada no Mato Grosso, razão pela qual a competência é do Juízo Federal da 5ª Vara da Seção Judiciária do Estado do Mato Grosso.

Instaurar Inquérito Policial para apurar possível ocorrência do delito previsto nos arts. 138 e 139, ambos do Código Penal, tendo em vista que foram publicadas reportagens no site www.olhardireto.com.br acusando Mario Augusto Machado, o qual atuava como Juiz Eleitoral em Sinop/MT, de proferir


decisão favorável à [sic] determinado demandante mediante o pagamento de propina. O site pertence à firma Internet News Netwok Brasil Ltda., a qual seria representada por Marcos Alberto Coutinho Barbosa. As reportagens teriam sido divulgadas nos dias 1º e 2 de março de 2012, tendo sido elaboradas pelo jornalista Vinícius Tavares de Souza.

O Juízo Federal da 5ª Vara da Seção Judiciária do Estado do Mato Grosso declinou da competência, nestes termos (fls. 175-176):

Assim, verifica-se nos autos que o indiciado Marcos Coutinho, editor chefe do site “olhar direito”, e consequentemente responsável pela veiculação e seleção das publicações de tais notícias trabalhava em Cuiabá (fl. 115). Ademais, a empresa do indiciado, Internet Network Brasil Ltda., responsável pela administração do site “olhar direito” possuía sede em Cuiabá/MT (fl. 100).

Conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, no crime de calúnia praticado por meio da Internet, o foro para processamento e julgamento da ação é do lugar de onde partiu a publicação do texto tido por calunioso, ou seja, local onde se encontra a sede da empresa que hospeda o sítio eletrônico [...]

Deste modo, deve-se fixar a competência da eventual persecução penal, no local onde se consumou o delito, sendo este o lugar que, encontrava o responsável pela divulgação da notícia (Cuiabá).

In casu, diante das consultas juntadas às fls. 148/149, verifica-se que o site www.olhardireto.com.br está hospedado na empresa Iphotel Hospedagem de Sites Ltda., cuja sede está na cidade de São Paulo/SP.

Ouvido, manifestou-se o Ministério Público Federal pelo conhecimento do conflito para declarar a competência do Juízo Federal da 4ª Vara Criminal da Seção Judiciária de São Paulo, ora suscitante.

Sendo assim, reconheço ser o juízo daquele local o competente para o processamento do presente feito, nos termos do art. 70 do Código de Processo Penal.

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Ante o exposto, declino da competência e determino a remessa dos autos à Seção Judiciária de São Paulo, para que conheça do pedido de arquivamento.

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meio de reportagens veiculadas pela Internet ensejam a competência do Juízo do local onde foi concluída a ação delituosa, ou seja, onde se encontrava o responsável pela veiculação e divulgação de tais notícias.

O Juízo Federal da 4ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Estado de São Paulo, por sua vez, suscitou este conflito negativo de competência, com os seguintes fundamentos: Dessume-se dos autos (fls. 06/17) que os jornalistas indiciados Marcos Alberto e Vinicius Tavares teriam redigido e publicado no site “olhar direito” notícias de cunho difamatório contra o magistrado estadual, Dr. Mário Augusto Machado, no uso das atribuições da justiça eleitoral. De início, anoto que de acordo com a regra do art. 70 do CPC o processamento criminal deve tramitar no lugar da consumação do delito, já que ali haverá maior facilidade de obtenção de provas, em função dos princípios da celeridade e economia processual. Ainda, é de ressaltar que os crimes cometidos pela Internet, através de computadores, são crimes formais, consumando-se no local onde foi realizada a ação. Desse modo, os crimes contra a honra praticados por

EMENTA CONFLITO DE COMPETÊNCIA – CRIMES CONTRA HONRA PRATICADOS PELA INTERNET – COMPETÊNCIA – VEICULAÇÃO DO CONTEÚDO OFENSIVO – FIXAÇÃO NO LOCAL DO TITULAR DO PRÓPRIO DOMÍNIO E QUE CRIOU A HOME PAGE ONDE É ABASTECIDO SEU CONTEÚDO 1. Tratando-se de crimes contra a honra praticados pela Internet, a competência deve ser firmar de acordo com a regra do art. 70 do Código de Processo Penal, segundo o qual “a competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução”. Isso porque constituem-se crimes formais e, portanto, consumam-se no momento de sua prática, independentemente da ocorrência de resultado naturalístico. Assim, a simples divulgação do conteúdo supostamente ofensivo na Internet já é suficiente para delimitação da competência. 2. Esse local deve ser aquele de onde efetivamente partiu a publicação do conteúdo, o que ocorre no próprio local do domínio em que se encontra a home page, porquanto é ali que o titular do domínio alimenta o seu conteúdo, independentemente do local onde se hospeda o sitio eletrônico (provedor).


VOTO O Senhor Ministro Rogerio Schietti Cruz (Relator):

I – CABIMENTO O conflito negativo encontra-se perfeitamente delineado, haja vista a existência de decisão proferida pelo Juízo Federal da 5ª Vara da Seção Judiciária do Estado do Mato Grosso, declinando da competência para o Juízo Federal da 4ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Estado de São Paulo, que suscitou este incidente, nos termos do art. 105, I, d, da Constituição Federal.

II – CONTEXTUALIZAÇÃO Da representação feita pela vítima, com o objetivo de que fosse instaurada persecução penal contra dois jornalistas, depreende-se que “o Representante foi [...] atacado com a notícia criminosa divulgada pelo site ‘Olhar Direto’ (www.olhardireto.com.br) sob o título ‘Prefeito de Sinop teria pago R$ 500 mil para se manter; CNJ investigará’“ (fl. 17, destaquei) Esse portal “Olhar Direto”, segundo se depreende dos autos, seria de domínio da Internet News Network Ltda. (fl. 142). A Internet News Network Brasil Ltda., sediada em Cuiabá/MT, conforme contrato de constituição às fls. 89-113, por sua vez, tem como objeto principal “serviços de venda, provisão de acesso e hospedagem de sites na rede mundial de computadores Internet”. Isso significa que a Internet News Network Ltda., além de fornecer serviços de hospedagem, é detentora, pelo órgão gestor da Internet no Brasil, do endereço eletrônico “www.olhardireito.com.br”. Entretanto, o fato de a Internet News Network Ltda. ser provedora, com a possibilidade de hospedagem de sítios eletrônicos

diversos, não significa que hospede o próprio domínio. Vale dizer, o sítio eletrônico “www.olhardireito.com.br”, de domínio da Internet News Network Ltda. pode ter um provedor que não seja ela mesma. É o que ocorre no caso, porquanto o endereço eletrônico “www.olhardireito.com.br” de domínio da Internet News Network Ltda. encontra-se hospedado no Iphotel Hospedagem de Sites Ltda., cuja sede está na cidade de São Paulo/SP.

III – DEFINIÇÃO DA COMPETÊNCIA Então, o punctum saliens está em saber se a competência se firma pelo local onde fica a sede de quem hospeda determinado domínio ou pelo local do titular do próprio domínio e que criou a home page em que se abastecerá seu conteúdo. Em uma palavra: o local do provedor não se confunde com o local da home page que veicula determinada informação, o que não significa dizer que eles possam ser coincidentes quando, por exemplo, o próprio provedor tenha e hospede sua home page, v.g., “Uol empresas”. Tratando-se, pois, de crimes contra a honra praticados pela Internet, a competência deve se firmar de acordo com a regra do art. 70 do Código de Processo Penal, segundo o qual “A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução”. Isso porque constituem-se crimes formais e, portanto, consumam-se no momento de sua prática, independentemente da ocorrência de resultado naturalístico (BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal comentado. São Paulo: Saraiva, 2002). Assim, a simples divulgação do conteúdo supostamente ofensivo na Internet já é suficiente para delimitação da competência. Esse local, diante do que foi exposto, deve ser aquele de onde efetivamente partiu a publicação do conteúdo, o que ocorre no próprio local do domínio em que se encontra a home page, porquanto é ali que o titular do domínio alimenta o seu conteúdo, independentemente do local onde se hospeda o sítio eletrônico

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3. No caso, a veiculação da reportagem que deu ensejo ao inquérito policial partiu de sítio eletrônico cujo domínio era de empresa situada no Mato Grosso, razão pela qual a competência é do Juízo Federal da 5ª Vara da Seção Judiciária do Estado do Mato Grosso.

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(provedor). Então, por exemplo, um sujeito que reside em Brasília e resolve criar um blog particular para ofender pessoas que residam em cidades satélites do DF e hospede esse blog, em um provedor qualquer, com sede em São Paulo, a localização do provedor será irrelevante para a fixação da competência, diante da própria previsão do art. 70 do Código de Processo Penal e, por que não dizer, diante do bom senso que se deve ter para visualizar que possíveis investigações devem ser realizadas em Brasília, e não em São Paulo.

Em Mesa

Esta Terceira Seção, em alguns casos, examinou essa questão, assinalando que “A competência para processar e julgar os crimes praticados pela Internet, dentre os quais se incluem aqueles provenientes de publicação de textos de cunho racista em sites de relacionamento, é do local de onde são enviadas as mensagens discriminatórias” (CC 107.938/RS, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe 08.10.2010). Nesse sentido, ainda, CC 97.201/RJ, Rel. Min. Celso Limongi – Desembargador convocado do TJ/SP, DJe de 10.02.2012, e CC 116.926/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, DJe de 15.02.2013.

Suscitante: Juízo Federal da 4ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Estado de São Paulo

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IV – DISPOSITIVO

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No caso, portanto, a veiculação da reportagem que deu ensejo ao inquérito policial partiu de sítio eletrônico cujo domínio era de empresa situada em Mato Grosso, razão pela qual conheço do conflito para declarar competente o Juízo Federal da 5ª Vara da Seção Judiciária do Estado do Mato Grosso, ora suscitado. CERTIDÃO DE JULGAMENTO TERCEIRA SEÇÃO CC 136.700/SP Número Registro: 2014/0274368-9

Processo Eletrônico

Matéria criminal Números Origem: 00108161520144036181 108161520144036181 12317320144013600

Julgado: 23.09.2015

Relator: Exmo. Sr. Ministro Rogerio Schietti Cruz Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior Subprocuradora-Geral da República: Exma. Sra. Dra. Zélia Oliveira Gomes Secretário: Bel. Gilberto Ferreira Costa

AUTUAÇÃO

Suscitado: Juízo Federal da 5ª vara da Seção Judiciária do Estado de Mato Grosso Interes.: Justiça Pública Interes.: em apuração Assunto: Direito Penal

CERTIDÃO Certifico que a egrégia Terceira Seção, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: A Terceira Seção, por unanimidade, conheceu do conflito e declarou competente o Suscitado, Juízo Federal da 5ª Vara da Seção Judiciária do Estado do Mato Grosso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Nefi Cordeiro, Gurgel de Faria, Reynaldo Soares da Fonseca, Newton Trisotto (Desembargador Convocado do TJSC), Ericson Maranho (Desembargador convocado do TJSP), Leopoldo de Arruda Raposo (Desembargador convocado do TJPE) e Felix Fischer votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior.


Pesquisa Temática

Contribuição previdenciária Contribuição previdenciária – adicional de férias – não incidência “Processual civil. Agravo legal. CPC, art. 557, § 1º. Tributário. Contribuição previdenciária. Adicional de férias. Não incidência. 1. A utilização do agravo previsto no art. 557, § 1º, do CPC deve enfrentar a fundamentação da decisão agravada, ou seja, deve demonstrar que não é caso de recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo Tribunal, do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior. Por isso que é inviável quando o agravante deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada (STJ, Ag-REsp 545.307, Relª Min. Eliana Calmon, J. 06.05.04; REsp 548.732, Rel. Min. Teori Zavascki, J. 02.03.2004). 2. O STF firmou entendimento no sentido de que ‘somente as parcelas incorporáveis ao salário do servidor sofrem a incidência da contribuição previdenciária’ (STF, AgRg-Ag 727.958-7, Rel. Min. Eros Grau, J. 16.12.2008), não incidindo no adicional de férias (STF, AgReg em Ag 712.880-6, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, J. 26.05.2009). O Superior Tribunal de Justiça (STJ, EREsp 956.289, Relª Min. Eliana Calmon, J. 28.10.2009) e a 5ª Turma do TRF da 3ª Região (TRF da 3ª Região, AC 0000687-31.2009.4.03.6114, Rel. Des. Fed. Ramza Tartuce, J. 02.08.2010) passaram a adotar o entendimento do STF, no sentido de que não incide contribuição social sobre o terço constitucional de férias. 3. Agravo legal não provido.” (TRF 3ª R. – AI 0005850-59.2013.4.03.0000/SP – 5ª T. – Rel. Des. Fed. André Nekatschalow – DJe 17.06.2013 – p. 509)

Contribuição previdenciária – associação desportiva – cobrança – requisitos – sentença reformada “Tributário. Ação anulatória de débito fiscal. Contribuição previdenciária. Associação desportiva amadorista. Art. 2º da Lei nº 5.939/1973. Não comprovação dos requisitos. Sentença reformada. Remessa oficial e apelação do INSS providas. I – O direito à substituição da contribuição patronal geral pela contribuição prevista no art. 2º da Lei nº 5.939/1973 exige que a sociedade desportiva não profissional comprove: 1. tratar-se de entidade integrante obrigatória do Sistema Desportivo Nacional, organizada sob a forma comunitária, conforme disposto na Lei nº 6.251/1975, art. 2º e no Decreto nº 77.210/1976; e 2. manter a prática de pelo menos três modalidades de esportes olímpicos, com participação oficial em cada uma dessas modalidades com auferimento de renda, comprovação que deverá ser reiterada anualmente, nos termos do parágrafo único do art. 3º do Decreto nº 77.210/1976. Precedentes jurisprudenciais. II – Na espécie, ainda que a apelada tenha provado a sua filiação às Federações Paulista de Judô, Natação, Volleyball e Basketball, não se desincumbiu do ônus da prova dos demais requisitos (art. 333, I, do CPC), razão pela qual não faz jus ao benefício fiscal estabelecido pelo art. 2º da Lei nº 5.939/1973. III – Sentença reformada. Remessa oficial e apelação do INSS providas.” (TRF 3ª R. – Apelação/Reexame Necessário nº 0702909-77.1994.4.03.6106/SP – Juiz Fed. Conv. Souza Ribeiro – DJe 30.07.2012)

Contribuição previdenciária – associação desportiva – recolhimento “Tributário. Contribuição previdenciária. Associação desportiva. Lei nº 5.939/1973. 1. Cinge-se a questão em debate, em saber se a embargante goza, ou não, do benefício previsto no § 1º do art. 2º da Lei nº 5.939/1973. 2. A Lei nº 5.939/1973, em seu art. 2º, criou, em substituição à contribuição empresarial, prevista no art. 69, III, da Lei nº 3.807/1960, uma contribuição incidente sobre a renda líquida dos espetáculos realizados entre associações desportivas, no percentual de 5%, devida pelos clubes como contribuição previdenciária, global e exclusiva, exigível das federações promotoras da partida. 3. O STJ tem entendido que ‘a substituição da contribuição estabelecida no art. 69, III, da Lei nº 3.807/1960, pelo percentual de 5% previsto no art. 2º da Lei nº 5.939/1973, pressupõe que a associação desportiva participe de espetáculos oficiais promovidos pela Federação respectiva e que produzam renda, a fim de que, sobre esta última (renda líquida) incida a aludida percentagem, a ser recolhida ‘pela federação promotora da partida’ (art. 2º da Lei nº 5.939/1973). Conquanto a Federação promotora da partida seja diretamente responsável pelo recolhimento e a Confederação subsidiariamente por essa obrigação, a dívida é dos clubes ou associações. A Federação só é responsável se, existindo renda, deixar de proceder o desconto ou, se procedendo, deixar de efetivar o recolhimento. A associação desportiva não


profissional, para que fique sob o abrigo do art. 2º da Lei nº 5.939/1973, deve demonstrar ser ‘entidade integrante obrigatória do Sistema Desportivo Nacional, organizada sob a forma comunitária (Lei nº 6.251/1975, art. 2º. Dec. 77.210/1976) e, anualmente, comprove ‘manter a prática de esportes olímpicos e ter participado de competição oficial em cada uma dessas modalidades’ (Dec. ref., art. 3º, caput, e parágrafo único)’ (STJ, 1ª Turma, REsp 76494, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, 26.06.2000). 4. A referida lei apenas substituiu a contribuição, disciplinando hipótese especial de incidência quando presentes os requisitos para sua ocorrência, qual sejam: incidência de renda líquida dos espetáculos realizados e sejam promovidos, ao menos, três modalidades de esportes olímpicos, sendo que, não ocorrendo renda, pelo espetáculo realizado, não incidirão os 5% previstos no aludido dispositivo legal, porém, também, não haverá a substituição da contribuição, sendo devida a quota patronal. 5. In casu, a embargante não comprovou satisfazer os requisitos legais impostos, indispensáveis para que se beneficie da substituição à contribuição empresarial de que trata o art. 2º da Lei nº 5.939/1973, porquanto não comprovou que aufira renda proveniente de competições de que participe, destarte não havendo porque perquirir acerca da revogação da Lei nº 5.939/1973, pela Lei nº 8.212/1991, ou pelo decreto que a regulamentou. 6. Recurso não provido.” (TRF 2ª R. – AC 2002.51.01.509014-6 – 3ª T.Esp. – Relª Salete Maria Polita Maccalóz – DJe 11.04.2013)

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Contribuição previdenciária – base de cálculo – atividade urbana ou rural desempenhada pelo empregado – exegese

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“Tributário. Embargos à execução fiscal. Contribuição previdenciária. Empresa agroindustrial/agrocomercial. Contribuição devida de acordo com a atividade urbana ou rural desempenhada pelo empregado. Salário-educação. Contribuição ao Incra. Mandado de segurança. Coisa julgada em relação às CDAs sobre contribuição ao Funrural. Remessa oficial e apelação parcialmente providas. Recurso adesivo da embargante prejudicado. 1. Recurso adesivo: prejudicado, nos termos abaixo. 2. Apelação: A discussão em foco diz respeito à contribuição previdenciária de empresa agroindustrial. São 4 (quatro) as Certidões de Dívida Ativa: A 31.503.675-3 é de exigência de contribuições previdências relativas à Previdência Urbana no período de 01/1986 a 10/1991. As 31.503.707-5, 31.503.708-3 e 31.503.709-1 são de contribuição ao Funrural no período de 06/1991 a 10/1991. 3. Sobre a primeira, defende a embargante ser empresa exclusivamente rural, que ‘todos os que trabalham na sua linha de produção, dos diretores executivos ao contínuo ou servente, trabalhando no escritório ou nas granjas, plantando, colhendo ou fazendo análise do café, tratando das galinhas, colhendo ou classificando ovos, são trabalhadores rurais, porque trabalham para uma empregadora rural, ou empresa rural’. 4. Pela sentença, entendeu-se pela descaracterização de trabalhadores urbanos, considerando-os como rural, vez que ‘os trabalhadores prestam serviços essenciais à atividade de comercialização de produtos da empresa – atividade que não desnatura a sua condição de empresa rural’. E que ‘sem os entregadores de ovos, sem os classificadores, sem a elaboração de documentos contáveis e fiscais que propiciem a manutenção da empresa sob o ponto de vista jurídico, não como ser viabilizada a sua existência, resultando daí que tais empregados, que desempenham essas atribuições, são essenciais à consecução dos fins da empresa, e portanto, são empregados rurais’. 5. Todavia, merece reparo a sentença, no particular, a jurisprudência formou-se em sentido contrário, deixando claro que as empresas mistas, agroindustriais ou agrocomerciais, antes da edição da Lei nº 8.212/1991, que unificou os sistemas previdenciários, estavam sujeitas à contribuição, conforme a atividade desempenhada por seus empregados. 6. Com efeito, assim deixou assentado o Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp 200500807970, Recurso Especial nº 750790, Rel. Luiz Fux, 1ª Turma, Fonte DJe data: 02.03.2009: ‘1. As empresas rurais que contavam com empregados urbanos, no regime anterior à vigência da Lei nº 8.212/1991, sujeitavam-se ao pagamento da contribuição previdenciária rural e urbana, porquanto a unificação da Previdência Rural e Urbana só ocorreu com a edição de referido diploma legal (art. 12). 2. A tese que vigorava no regime anterior era a de que ‘a empresa agroindustrial sujeita-se à incidência das contribuições previdenciárias urbana e rural, uma vez que, a par de atividade agrícola, também industrializa e comercializa produtos rurais. A contribuição para o Funrural tem por base de cálculo o valor comercial dos produtos rurais por ela industrializados, enquanto a outra (contribuição para a previdência urbana) incide sobre a folha de salário dos empregados não classificados como rurícolas. Distintas as hipóteses de incidência e respectivas bases de cálculo, não há falar em bis in idem ou bitributação’ (REsp 13.797/MG, Rel. Min. Demócrito Reinaldo, DJ de 15.05.1995). Precedentes das 1ª e 2ª Turmas do STJ: AgRg-REsp 475.042/SC, Rel. Min. Francisco Falcão, DJU 23.06.2003; AgRg-REsp 299.200/SC, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, DJU 23.09.2002; REsp 301.933/PE, Relª Min. Eliana Calmon, DJU 04.02.2002; REsp 193.368/GO, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJU 12.03.2001; REsp 227.598/PR, Rel. Min. Garcia Vieira, DJU 07.02.2000; REsp 202.999/RJ, Rel. Min. José Delgado, DJU 30.08.1999; REsp 82.776/SP, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJU 17.06.1996; REsp 74.956/MG, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJU 01.04.1996 [...]’. 7. No mesmo julgamento, ainda assim se ex-


Contribuição previdenciária – Cofins/PIS – empresa intermediadora de mão de obra – base de cálculo

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pressou aquela Corte Superior, no particular: ‘3. Deveras, somente com a edição da Lei nº 8.212/1991, houve a unificação das Previdências Urbana e Rural, a teor do disposto em seu art. 12, verbis: ‘Art. 12. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas: I – como empregado: a) aquele que presta serviço de natureza urbana ou rural à empresa, em caráter não eventual, sob sua subordinação e mediante remuneração, inclusive como diretor empregado; [...]’; antes da nova regulamentação, porém, a empresa agroindustrial deveria observar a natureza do labor desempenhado pelo empregado, para verificar quais contribuições de custeio deveriam ser, respectivamente aos seus funcionários, adimplidas, inexistindo a contribuição unificada em razão da atividade da empresa. 4. In casu, a ação foi movida por empresa agrourbana objetivando a repetição de tributos recolhidos à Previdência Urbana, antes da Lei nº 8.213/1991, no período de 1986 a 1991, época em que se sujeitava ao pagamento da contribuição previdenciária rural e urbana, porquanto mantinha funcionários em funções diversas, como assentado pela Corte a quo, fato insindicável pelo eg. STJ (Súmula nº 7) e EDcl-REsp 325.585/AL, desta relatoria (DJU 25.09.2006). 5. Apesar de a recorrente sustentar que, em razão de sua atividade eminente, constituiria-se em empresa rural, nos termos dos arts. 3º da Lei nº 4.214/1963 e 3º da Lei nº 5.889/1973 e, por isso, deteria somente empregados rurais, classificados consoante os arts. 3º, § 1º, da LC 11/1971, 2º da Lei nº 4.214/1963 e 2º da Lei nº 5.889/1973, daí deveria apenas contribuir para a Previdência Rural, com fulcro nos arts. 27, § 3º, da LC 11/1971 e 4º, II, do Decreto nº 89.312/1984, o TRF da 4ª Região, analisando as provas dos autos, inclusive a perícia, verificou que os trabalhadores que exerciam atividades rurais tiveram sua contribuição recolhida à Previdência Rural e os de atividade urbana, à respectiva previdência, pon­ tuando aquela Corte, ainda, que não houve contribuição para a Previdência Urbana incidente sobre a folha de salários dos empregados que desempenhavam atividade rural, situação sobre a qual resta inadmissível a apreciação do STJ ante ao óbice de seu enunciado sumular. Importante ressaltar que as únicas parcelas ainda discutidas referiam-se ao período de 22.03.1991 a outubro de 1991, segundo sentença, no qual se reconheceu a decadência das parcelas anteriores, visto que a ação foi ajuizada em 22.03.2001 e nenhum recurso impugnou esse mister. 6. Recurso especial desprovido’. 8. Na espécie, a apuração decorreu de exame de folhas de pagamento, livros de Registro de Empregados de nºs 01 a 03, Recibos de Férias, Rescisões de Contrato de Trabalho e Livros Diários de nºs 24 a 30 (fls. 51), em cujos documentos constatou-se tratar de empregados em atividades diversas, ‘inclusive computador, transporte de ovos em caminhões para diversas capitais do país e tratoristas (fls. 50)’ o que não foi ilidido pela embargante com prova idônea, inequívoca, certo que, inclusive, sequer manifestou-se quando do despacho sobre produção de provas (fls. 145). Na verdade, ela, a embargante, limita-se a afirmar que transferiu a sua classificadora de ovos para a zona urbana e que as atividades ali desempenhadas destinavam-se à comercialização, fazendo parte de sua linha de produção, o que seria suficiente para sua caracterização como empresa rural, o que, entretanto, é suficiente para infirmar a presunção de certeza e liquidez da certidão de dívida ativa (art. 3º da LEF e 204, e seu parágrafo único, do CTN). 9. Sobre o salário-educação, é desnecessária maiores considerações, pois que pacífica a sua recepção pela Constituição Federal de 1988, legítima, portanto, sua exigência, na linha do entendimento jurisprudencial a respeito, como se pode ver abaixo, exemplificativamente: AC 199838000242037, Apelação Cível nº 199838000242037, Rel. Juiz Fed. Wilson Alves de Souza, TRF1, Órgão Julgador 5ª Turma Suplementar, e-DJF1 data: 21.09.2012, p. 1508: ‘[...]. 3. A contribuição ao salário-educação, prevista na Lei nº 9.424/1996, é compatível com a Constituição Federal, a teor do decidido pelo eg. STF no julgamento da ADC 03 [...]’. 10. A respeito da Contribuição ao Incra, ela não foi extinta, permanecendo exigível, entendimento que também é pacífico na jurisprudência: A propósito, o seguinte aresto deste TRF1: ‘[...] Recurso submetido à sistemática do art. 543-C do CPC. 1. A Contribuição ao Incra não foi extinta, permanecendo exigível até os dias atuais como contribuição de intervenção no domínio econômico (EREsp 724.789/RS, 1ª Seção, Relª Min. Eliana Calmon, DJ de 28.05.2007). A 1ª Seção do STJ também firmou jurisprudência no sentido da possibilidade da cobrança da contribuição destinada ao Incra de empresas vinculadas à previdência urbana, mesmo que não exerçam atividade rural. Precedente do STJ, com fulcro no inciso II do § 7º do art. 543-C do CPC. 2. Apelação desprovida. Embargos de declaração prejudicados (AC 0040027-38.2002.4.01.3800/MG, Rel. Juiz Fed. Wilson Alves de Souza, 5ª Turma Suplementar, e-DJF1 de 14.12.2012, p. 1715)’. 11. Dá-se provimento à apelação e à remessa oficial, para manter a cobrança relativa à CDA 31.503.675-3. 12. Sobre as CDAs 31.503.707-5, 31.503.708-3 e 31.503.709-1, todas elas já foram objeto do mandado de segurança 91.0021657-7, que transitou em julgado 13.04.1998 (fls. 105), excluindo a apelada do rol de contribuinte da contribuição nelas veiculadas, de forma que se mantém a sentença, no ponto, anulando-se as referidas CDAs pela ocorrência da coisa julgada. 13. Tenham-se como ocorrida a sucumbência recíproca em proporção igual, considerando a pluralidade de teses desenvolvidas pelas partes e que os valores constantes da CDA 31.503.675-3 (fls. 49) não são expressivamente distantes das outras 31.503.707-5 (fls. 80), 31.503.708-3 (fls. 84) e 31.503.709-1 (fls. 87), de forma que uma parte não pagará honorários à outra. 14. Remessa oficial e apelação parcialmente providas, recurso adesivo prejudicado.” (TRF 1ª R. – AC 1998.38.00.044253-4/MG – Rel. Juiz Fed. Grigorio Carlos dos Santos – DJe 06.06.2013 – p. 151)

“Agravo regimental no agravo de instrumento. Tributário. Empresa intermediadora de mão de obra. Base de cálculo da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social – Cofins e do Programa de Integração Social – PIS. Equivalência dos termos receita bruta e faturamento. Precedentes. Agravo regimental ao qual se nega provimento.” (STF – AgRg-AI 857.624 – Relª Min. Cármen Lúcia – DJe 15.08.2013 – p. 89)

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Contribuição previdenciária – cooperativa – aquisição de produção rural – inconstitucionalidade “Processual civil. Tributário. Contribuição previdenciária sobre a aquisição de produção rural. Cooperativa. Art. 1º da Lei nº 8.540/1992. Inconstitucional (STF). Lei nº 10.256/2001 (c/c EC 20/1998). Não ‘constitucionalização’. Produtor rural empregador. Pessoa física. Imunidade sobre as receitas decorrentes de exportação (art. 25 da Lei nº 8.870/1994). Pessoa jurídica. Incidência da contribuição. Art. 149, § 2º, I, da Constituição Federal. Comercialização da produção por meio de cooperativa. Ato cooperativo típico. Ausência de comprovação de que a venda tenha sido realizada diretamente para pessoa situada no exterior. Apelação parcialmente provida. 1. Cuida-se de apelação da sentença de fls. 470/476 que julgou extinto o processo, sem julgamento do mérito em relação ao pedido de imunidade tributária e denegada a segurança quanto ao pedido de não incidência de contribuição social sobre a receita bruta resultante da comercialização da produção rural. Em suas razões, fls. 480/490, a apelante alega a necessidade de lei complementar para criação de contribuições sociais atípicas; inconstitucionalidade das Leis nºs 8.540/1992 e 8.870/1994. Alega, ainda, que a planilha de fls. 42 demonstra que 42,27% da produção foi destinada à exportação no período no período de 01/2003 a 09/2004, informando os países importadores e seu peso percentual nos negócios internacionais. 2. Os ministros do Pleno do Supremo Tribunal Federal, ao apreciarem o RE 363.852, em 03.02.2010, decidiram que a alteração introduzida pelo art. 1º da Lei nº 8.540/1992 infringiu o § 4º do art. 195 da Constituição na redação anterior à Emenda nº 20/1998, pois constituiu nova fonte de custeio da Previdência Social, sem a observância da obrigatoriedade de lei complementar para tanto. A decisão do STF diz respeito apenas às previsões legais contidas nas Leis nºs 8.540/1992 e 9.528/1997 e aborda somente as obrigações sub-rogadas da empresa adquirente, consignatária ou consumidora e da cooperativa adquirente da produção do empregador rural pessoa física (grifo nosso). 3. Consoante jurisprudência do STJ, ‘a contribuição ao Funrural incidente sobre o valor comercial dos produtos rurais foi extinta a partir da vigência da Lei nº 8.213/1991. Nada obstante, em seguida foi instituída outra contribuição, que não se confunde com a do Funrural, devida pelas empresas produtoras rurais sobre o valor da comercialização de sua produção, por meio da Lei nº 8.870/1994. Essa cobrança subsiste até hoje, amparada na redação conferida pela Lei nº 10.256/2001’ (EDcl-AgRg-REsp 572.252/RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 05.05.2010). 4. O julgamento do STF não declarou a inconstitucionalidade do art. 25 da Lei nº 8.870/1994 (contribuição do empregador rural pessoa jurídica sobre sua comercialização rural), dispositivo sobre o qual milita a presunção de constitucionalidade das leis. 5. A imunidade prevista no art. 149, § 2º, I, da Constituição Federal é relativa às receitas oriundas de operações de exportação e direciona-se apenas às chamadas exportações diretas. Em sendo assim, a Cooperativa, quando exporta diretamente a produção de seus associados, terá direito à imunidade de que trata o aludido art. 149, § 2º, I, da Carta Magna, porquanto pratica ato cooperado típico, agindo em nome dos produtores rurais e alienando os produtos para pessoa física/jurídica situada no exterior. 6. Não obstante a impetrante afirmar que 42,27% da produção pecuária recebida dos cooperados destinam-se à exportação, como bem decidiu o Juízo a quo, as planilhas de 42 e de fls. 456-7 não se prestam a comprovar receita com venda de produtos no mercado externo, já que, além de produzidas unilateralmente, não vieram acompanhadas da documentação fiscal da operação de exportação, tampouco indicam quais os cooperados atuam no mercado externo. 7. Apelação parcialmente provida para declarar a inexigibilidade da contribuição questionada, por ocasião da comercialização da produção rural entre a impetrante e o produtor rural, pessoa natural (sub-rogação).” (TRF 1ª R. – AC 2004.35.00.018664-6/GO – Rel. Juiz Fed. Grigório Carlos dos Santos – DJe 11.10.2013 – p. 1090)

Contribuição previdenciária – cooperativa médica – incidência

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“Tributário. Contribuição previdenciária. Cooperativa médica. Incidência. A contribuição social previdenciária incide sobre os valores pagos mensalmente aos médicos cooperados. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-AREsp 89.567 – Proc. 2011/0280560-7/PE – 1ª T. – Rel. Min. Ari Pargendler – DJe 26.08.2013)

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Contribuição previdenciária – empresas – RAT/SAT e a terceiros – empregados celetistas – decadência – observação “Previdenciário. Mandado de segurança. Contribuição previdenciária patronal (RAT/SAT e a terceiros). Empregados celetistas. Verbas diversas. RE 566621/RS. Aplicação da decadência quinquenal para ações repetitórias ajuizadas a partir de 09.06.2005. 1. O Pleno do STF (RE 566621/RS, Relª Min. Ellen Gracie, trânsito em julgado em 27.02.2012), sob o signo do art. 543-B do CPC, que concede ao precedente extraordinária eficácia vinculativa que impõe sua adoção em casos análogos, reconheceu a inconstitucionalidade do art. 4º, segunda parte, da LC 118/2005 e considerou aplicável a decadência quinquenal às ações repetitórias ajuizadas a partir de 09.06.2005. 2. Não é devida contribuição previdenciária sobre a remuneração paga pelo empregador ao empregado durante os quinze primeiros dias que antecedem à concessão do auxílio-doença, porque, sem contraprestação laboral, não tem natureza salarial. 3. O terço constitucional de férias, por não se incorporar ao salário, não sofre incidência da contribuição previdenciária. Precedentes do STF (v.g.: AI-AgRg 603.537/DF). 4. O art. 28, § 9º, da Lei nº 8.212/1991, explicita que salário-maternidade integra o salário-contribuição para fins da contribuição previdenciária. 5. Devida a incidência de contribuição previdenciária sobre férias conforme preceitua o art. 195, I, da CF/1988 (com redação da EC 20/1998). O art. 28, § 9º, d, da Lei nº 8.212/1991, exclui férias indenizadas e dobra de férias do salário de contribuição. 6. A Lei nº 9.528, de 10.12.1997 alterou o disposto no art. 144 da CLT, retirando de seu texto a expressão: ‘e da previdência social’. Sobre a verba recebida a título de abono de férias, portanto, incide a contribuição previdenciária. 7. A T7/TRF1, em sua composição efetiva, fixou entendimento que a revogação pelo Decreto nº 6.727, de 12.01.2009, do disposto na alínea f do inciso V do § 9º do art. 214 do Decreto nº 3.048, de 06.05.1999, que expressamente excetuava o aviso-prévio com cumprimento dispensado do salário-contribuição não


alterou a natureza indenizatória desse aviso-prévio com cumprimento dispensado, permanecendo, ainda que não expressamente, excetuado do salário de contribuição. 8. Compensação após o trânsito em julgado (art. 170-A/CTN), sob o crivo do Fisco, e atendida a legislação vigente à época da compensação, conforme entendimento do STJ (AgRg-EREsp 546.128/RJ), apenas com parcelas vencidas e vincendas de contribuições previdenciárias (INSS) devidas pela impetrante, pois o parágrafo único do art. 26 da Lei nº 11.457/2007 afirma inaplicável o art. 74 da Lei nº 9.430/1996 às contribuições previstas no art. 11, parágrafo único, a, b e c, da Lei nº 8.212/1991. 9. À compensação aplicável apenas a Taxa Selic, uma vez que os valores compensados são posteriores a jan/1996. 10. Apelação da impetrante provida, em parte. Apelação da FN e remessa oficial não providas. 11. Peças liberadas pelo Relator, em Brasília, 22 de outubro de 2013, para publicação do acórdão.” (TRF 1ª R. – Ap-RN 000336432.2012.4.01.3803 – Rel. Des. Fed. Luciano Tolentino Amaral – DJe 30.10.2013 – p. 99)

Contribuição previdenciária – entidade recreativa sem fins lucrativos – preenchimento dos requisitos legais – efeitos “Tributário. Processual civil. Contribuição previdenciária. Entidade recreativa sem fins lucrativos. Enquadramento no art. 2º da Lei nº 5.939/1973. Preenchimento dos requisitos legais. Desnecessidade de intervenção da Justiça do Trabalho, para constituição do crédito exequendo. 1. Procedimento de fiscalização regularmente empreendido pelo INSS pode resultar na constituição de crédito tributário, nos termos dos arts. 142 do Código Tributário Nacional e 33 da Lei nº 8.212/1991. Inexiste, neste contexto, a necessidade de qualquer intervenção da Justiça do Trabalho, como condição de validade do ato praticado pela autoridade administrativa. 2. ‘Por gozarem os atos administrativos de presunção de legitimidade, constitui ônus do administrado provar eventuais erros existentes, incumbindo-lhe apresentar todos os documentos e provas necessárias à comprovação de eventuais nulidades’ (AGA 006154358.2008.4.01.0000/MA, Rel. Des. Fed. Reynaldo Fonseca, e-DJF1 de 25.06.2010, p. 143). 3. Conforme entendimento da 7ª Turma desta Corte Regional, ‘para que possa ser enquadrado no art. 2º da Lei nº 5.939/1973, deve o contribuinte provar, cumulativamente, que: (a) mantém departamentos amadoristas dedicados à prática de, pelo menos, três modalidades de esportes olímpicos e (b) mantém a prática de pelo menos três modalidades de esportes olímpicos, com participação oficial em cada uma dessas modalidades, comprovação essa que deverá ser reiterada anualmente, nos termos do parágrafo único do art. 3º do Decreto nº 77.210/1976’ (AC 0022065-77.1998.4.01.3400/DF, Rel. Des. Fed. Catão Alves, Conv. Juiz Fed. Francisco Renato Codevila Pinheiro Filho (conv.), 7ª Turma, e-DJF1 de 10.09.2010, p. 674). 4. No caso em tela, resta comprovada a ocorrência dos requisitos previstos no art. 2º da Lei nº 5.939/1973, uma vez que a parte embargante desenvolve o esporte amador, bem como mantém a prática de, ao menos, três modalidades de esportes olímpicos (judô, voleibol e natação). Ademais, a entidade recreativa é reconhecida como associação desportiva integrada no Sistema Desportivo Nacional, nos termos da Lei nº 6.251/1975, participando de competições oficiais da Federação Aquática Mineira, da Federação Mineira de Judô e da Federação Mineira de Voleibol. 5. Em relação à responsabilidade pelo recolhimento do tributo referente à promoção de eventos esportivos, nos do art. 2º da Lei nº 5.939/1973, não pode ela recair sobre o embargante, devendo, em verdade, ser imputada às respectivas federações ou, subsidiariamente, as confederações. 6. Remessa oficial e apelações não providas.” (TRF 1ª R. – Ap-RN 1999.38.00.021932-0/MG – Rel. Juiz Fed. Fausto Mendanha Gonzaga – DJe 26.06.2013 – p. 369)

“Enquanto comprovadamente entidades beneficentes de assistência social (filantrópica), gozam de isenção do pagamento da cota patronal da contribuição previdenciária, desde que preenchidos os requisitos legais (art. 195, § 7º, da Constituição Federal e art. 55 da Lei nº 8.212/1991). Entrementes, não são isentas do recolhimento da contribuição previdenciária descontada dos empregados.” (TRT 1ª R. – AP 0216800-73.1998.5.01.0055 – 4ª T. – Rel. Luiz Alfredo Mafra Lino – DOERJ 30.10.2013)

Contribuição previdenciária – produção rural – inconstitucionalidade “Previdenciário. Processual civil. AO. Contribuição previdenciária sobre a produção rural (art. 12, V e VII; art. 25, I e II; e art. 30, IV, da Lei nº 8.212/1991). Art. 1º da Lei nº 8.540/1992. Inconstitucional (STF). Lei nº 10.256/2001 (c/c EC 20/1998). Não ‘constitucionalização’. Restituição. 1. Salvo as exceções dos §§ 2º e 3º do art. 475/CPC, sempre cabível a remessa oficial, que se pode tomar por interposta quando se tratar de decisão contrária a ente público, para o exame do mérito, aferir consectários ou, ainda, quando não for possível a atribuição do valor exato da causa. 2. Demonstrada a condição do autor de produtor empregador rural, para mera discussão acerca de possível repetição de tributos, dispensa-se prova dos recolhimentos, que será exigida na liquidação da sentença. 3. O Pleno do STF (RE 566621/RS), sob o signo do art. 543-B do CPC, que concede ao precedente extraordinária eficácia vinculativa que impõe sua adoção em casos análogos, reconheceu a inconstitucionalidade do art. 4º, segunda parte, da LC 118/2005 e considerou aplicável a decadência quinquenal às ações repetitórias ajuizadas a partir de 09.06.2005, como é o caso. 4. O STF (RE 596.177/RS) declarou, sem modulação temporal dos efeitos, inconstitucional o art. 1º da Lei nº 8.540/1992, que alterou a redação dos arts. 12, V e VII; 25, I e II; e 30, IV, da Lei nº 8.212/1991, instituindo contribuição a cargo do empregador rural, pessoa física, sobre receita bruta proveniente da venda de sua produção, entendendo-se ocorrida

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Contribuição previdenciária – entidades beneficentes de assistência social – cota patronal – isenção

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ofensa aos princípios da eqüidade, da isonomia e da legalidade tributária e ocorrida bitributação, ausente, ainda, a necessária lei complementar. A T7/TRF1 entende que a Lei nº 10.256/2001 (c/c EC 20/1998) não ‘constitucionalizou’ a exação anterior. 5. À restituição aplicável apenas a Taxa Selic, uma vez que os valores a serem restituídos são posteriores a jan/1996. 6. Sucumbente a FN quanto aos recolhimentos feitos nos cinco anos anteriores e aos recolhimentos feitos após o ajuizamento da AO, a fixação dos honorários está nos termos da jurisprudência desta Corte em casos tais e não extrapola os limites contidos nos §§ 3º e 4º do art. 20 do CPC. 7. Apelação da FN e remessa oficial, tida por interposta, não providas. 8. Peças liberadas pelo Relator, em Brasília, 1º de outubro de 2013, para publicação do acórdão.” (TRF 1ª R. – AC 000354145.2011.4.01.3701/MA – Rel. Des. Fed. Luciano Tolentino Amaral – DJe 18.10.2013 – p. 427)

Contribuição previdenciária – SAT – decadência quinquenal – observação “Processual civil e previdenciário. Ação ordinária. Contribuição previdenciária patronal e do empregado e SAT. Decadência quinquenal (Súmula Vinculante nº 8). Responsabilidade da Administração Pública pelo débito previdenciário de seus contratados. Lei nº 9.032/1995. 1. A decadência do crédito previdenciário é quinquenal (Súmula Vinculante nº 8). 2. Lançados os créditos previdenciários, de ofício, em 7 de outubro de 2000, estão decadentes os créditos com fatos geradores anteriores a dezembro de 1994. 3. A legislação vigente até 28 de abril de 1995 expressamente afastava a possibilidade de a Administração Pública responder por débitos de seus contratados, situação alterada pela Lei nº 9.032/1995, que passou a autorizar a responsabilização do ente público pelo inadimplemento da contribuição previdenciária de seus contratados. 4. A sentença que determina a revisão dos débitos previdenciários para expurgar as ilegalidades merece ser mantida no ponto se fundada em perícia técnica que apurou tais equívocos no lançamento. 5. Apelação do Município provida. Apelação do INSS e remessa oficial não providas. 6. Peças liberadas pelo Relator, Brasília, 23 de abril de 2013, para publicação do acórdão.” (TRF 1ª R. – Ap-RN 2001.38.00.016138-0/MG – Rel. Des. Fed. Luciano Tolentino Amaral – DJe 03.05.2013 – p. 310)

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Contribuição previdenciária – salário-educação – produtor rural – não incidência

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“Tributário e processual civil. Ação ordinária. Salário-educação. Produtor rural pessoa física. Legitimidade do FNDE para o polo passivo. Ação ajuizada posteriormente à vigência da LC 118/2005. Decadência quinquenal (RE 566.621). Exigência da contribuição apenas de empresas com inscrição no CNPJ. Lei nº 9.424/1996 e Decreto nº 6.003/2006. 1. O FNDE, Autarquia Federal, tem legitimidade para estar no polo passivo de demanda que discuta sobre a legalidade ou não do salário-educação, pois destinatário da exação, ainda que sua defesa se faça pela Procuradoria da Fazenda Nacional. 2. O pleno do STF (RE 566621/RS, Relª Min. Ellen Gracie, trânsito em julgado em 27.02.2012), sob o signo do art. 543-B do CPC, que concede ao precedente extraordinária eficácia vinculativa que impõe sua adoção em casos análogos, reconheceu a inconstitucionalidade do art. 4º, segunda parte, da LC 118/2005, considerando aplicável a decadência quinquenal às ações repetitórias ajuizadas a partir de 9 jun. 2005. 3. Ajuizada a demanda em 8 jun. 2010, posteriormente à vigência da LC 118/2005, aplicável a decadência quinquenal, estando decadentes os indébitos anteriores a 8 jun. 2005. 4. O salário-educação é exigido apenas das empresas em geral e as entidades públicas e privadas vinculadas ao Regime Geral da Previdência Social, entendendo-se como tais, para fins desta incidência, qualquer firma individual ou sociedade que assuma o risco de atividade econômica, urbana ou rural, com fins lucrativos ou não (Lei nº 9.424/1996 e Decreto nº 6.003/2006). 5. O STJ, em jurisprudência sobre o assunto, entendeu como contribuinte do salário-educação, de forma objetiva, aquela pessoa inscrita no CNPJ (REsp 1.242.636). 6. Se o autor é produtor rural pessoa física, não inscrito no CNPJ, não se lhe pode exigir o salário-educação sobre sua produção rural. 7. Sobre os indébitos, porque posteriores a 31 dez. 1995, incidirá somente a Taxa Selic, a teor da Lei nº 9.250/1995, de 26 dez. 1995, que afasta a correção monetária e os juros. 8. De ofício, mantido o FNDE no polo passivo. Apelação do autor provida em parte: pedido procedente em parte: afastado salário-educação sobre sua produção rural, observada a decadência quinquenal. 9. Peças liberadas pelo Relator, Brasília, 3 de setembro de 2013, para publicação do acórdão. Acórdão.” (TRF 1ª R. – AC 002923134.2010.4.01.3500/GO – 7ª T. – Rel. Des. Fed. Luciano Tolentino Amaral – J. 03.09.2013 – DJF1 13.09.2013 – p. 1773)

Contribuição previdenciária – servidor público – cargo em comissão – não incidência “Tributário. Contribuição previdenciária. Servidor público. Função comissionada e cargo em comissão. Não incidência. 1. A jurisprudência do STJ entende que não incide a contribuição previdenciária sobre as parcelas pagas aos servidores públicos a título de cargo em comissão e função comissionada ou gratificada. 2. Os valores indevidamente recolhidos devem ser restituídos a partir da legislação que deixou de prever a incorporação. 3. Apelação do autor a que se dá provimento. 4. Apelação da Fazenda Nacional e remessa oficial a que se negar provimento.” (TRF 1ª R. – Ap-RN 2002.34.00.013868-7/DF – Relª Desª Fed. Maria do Carmo Cardoso – DJe 16.08.2013 – p. 519)


Jurisprudência Comentada

Empregada de Autarquia – Dispensa sem Justa Causa Estabilidade LUÍS RODOLFO CRUZ E CREUZ

Advogado e Consultor em São Paulo, Sócio de Creuz e Villarreal Advogados Associados, Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP, Pós-Graduado em Direito Societário, no Curso LLM – Master of Laws, do Insper, Mestre em Relações Internacionais pelo Programa Santiago Dantas, do Convênio das Universidades Unesp/Unicamp/PUCSP, Mestre em Direito da Integração da América Latina pelo Prolam – Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina da Universidade de São Paulo – USP. Autor da monografia Commercial and economic law – Brasil da International Encyclopedia of Laws, editada por Dr. Jules Stuyck (Holanda: Kluwer Law International, 2010). Autor do livro Acordo de quotistas – Análise do instituto do acordo de acionistas previsto na Lei nº 6.404/1976 e sua aplicabilidade nas sociedades limitadas à luz do novo código civil brasileiro, com contribuições da teoria dos jogos (São Paulo: IOB-Thomson, 2007). Co-Autor do livro Organizações internacionais e questões da atualidade, organizada por Jahyr-Philippe Bichara (Natal/RN: EDUFRN, 2011) sendo autor do capítulo “Organizações internacionais e a integração econômica: revisões de uma teoria geral”. Autor do livro Commercial and economic law in Brazil (Holanda: Wolters Kluwer – Law & Business, 2012).

As penas que vão além da necessidade de manter o depósito da salvação pública são injustas por sua natureza; e tanto mais justas serão quão mais sagrada e inviolável for a segurança e maior a liberdade que o soberano propiciar aos súditos.1 EMENTA EMPREGADA PÚBLICA DE ENTIDADE AUTÁRQUICA ADMITIDA ANTES DA CF/1988 – SUBMISSÃO A CERTAME PÚBLICO NO CURSO DO PACTO LABORAL – ESTABILIDADE DO ART. 41 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL 1 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo: Rideel, 2003. p. 19.

DEVIDA – DISPENSA SEM JUSTA CAUSA QUE DEVE SER PRECEDIDA DE PROCESSO ADMINISTRATIVO EM QUE SE ASSEGURE O DIREITO AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA – Sendo inequívoco nos autos que a reclamante, apesar de admitida sob a égide do regime celetista, em 2 de abril de 1985, submeteu-se a certame público realizado pela recorrente no ano de 1990, tendo logrado aprovação em 1º lugar, não há como não reconhecer o seu direito à estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988, vez que já pacificado nesta Justiça Especializada que a aludida garantia somente não alcança tal trabalhador quando o ente público for sociedade de economia mista ou empresa pública – o que não é o caso dos autos, ante a natureza autárquica da recorrente (Súmula nº 390 do col. TST). Assim, e sendo certo que a dispensa sem justa causa perpetrada pela ré não foi precedida de processo administrativo que assegurasse o direito ao contraditório e à ampla defesa à trabalhadora, correta a r. sentença que decretou a nulidade do ato, com a consequente determinação de que fosse a obreira reintegrada ao quadro de empregados da recorrente. (TRT 2ª R. – RO 0000634-26.2011.5.02.0035 – 11ª T. – Rel. Des. Sergio Roberto Rodrigues – DJe 08.01.2013)

COMENTÁRIO O acórdão em comento remete a recente acórdão do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região envolvendo julgamento de Recurso Ordinário nº 0000634-26.2011.5.02.0035 da 11ª Turma, cujo Desembargador Relator foi o Dr. Sérgio Roberto Rodrigues, que em apertada síntese refere-se ao julgamento de recurso de reclamação trabalhista ajuizada contra a USP – Universidade de São Paulo, processo oriundo da 35ª Vara da Justiça do Trabalho de São Paulo, Estado de São Paulo, que objetivou a reparação de empregada pública de entidade autárquica dispensada sem justa causa e sem devido processo administrativo. A sentença de primeiro grau julgou procedente a ação, para nula a dispensa sem justa da trabalhadora reclamante e determinou, ainda, a sua consequente reintegração ao quadro de empregados da Universidade reclamada, ante a ausência de regular processo administrativo que precedesse o ato. O acórdão, dentre os diversos pedidos avaliados,


por unanimidade, não conheceu do recurso ex officio, com fulcro no art. 475, § 2º, do CPC e na Súmula nº 303, I, a, do col. TST; conheceu do recurso voluntário interposto pela Universidade de São Paulo – USP, e, no mérito, negou provimento nos termos do voto do Relator Dr. Sérgio Roberto Rodrigues. APONTAMENTOS INTRODUTÓRIOS

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Inicialmente verificamos que a presente decisão pautou o seu entendimento com base nos princípios norteadores do direito público, tendo em vista a natureza da questão, uma vez que se trata da dispensa sem justa causa de empregada pública de entidade autárquica dispensada sem justa causa e sem devido processo administrativo. O julgado reconhecer que a reclamante tem direito à estabilidade nos termos previstos no art. 41 da Constituição Federal de 1988, em função de entendimento pacificado de que a aludida garantia somente não alcança tal trabalhador quando o ente público for sociedade de economia mista ou empresa pública – o que não é o caso em comento. O acórdão cita a Súmula nº 390 do TST, que tem a seguinte redação:

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ESTABILIDADE – ART. 41 DA CF/1988 – CELETISTA – ADMINISTRAÇÃO DIRETA, AUTÁRQUICA OU FUNDACIONAL – APLICABILIDADE – EMPREGADO DE EMPRESA PÚBLICA E SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA – INAPLICÁVEL (CONVERSÃO DAS ORIENTAÇÕES JURISPRUDENCIAIS NºS 229 e 265 DA SBDI-1 E DA ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL Nº 22 DA SBDI-2) – RESOLUÇÃO Nº 129/2005, DJ 20, 22 E 25.04.2005. I – O servidor público celetista da administração direta, autárquica ou fundacional é beneficiário da estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988 (ex-OJs 265 da SBDI-1 – inserida em 27.09.2002 – e 22 da SBDI-2 – inserida em 20.09.2000). II – Ao empregado de empresa pública ou de sociedade de economia mista, ainda que admitido mediante aprovação em concurso público, não é garantida a estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988 (ex-OJ 229 da SBDI-1 – inserida em 20.06.2001).

Outro ponto de importante indicação para introduzirmos é que, após a promulgação da atual Cártula Precípua, restou determinado e mandatório ao Poder Público que a acessibilidade aos cargos públicos se dá, nos termos da lei, mediante obrigatório concurso público, sendo tal requisito um princípio constitucional explícito. Para o exercício de cargo ou emprego é imperiosa a aprovação em concurso público, o qual pode ser de provas ou de provas e títulos, conforme sua complexidade. Nosso Supremo Tribunal reforça este entendimento, vejamos: CARGOS E EMPREGOS PÚBLICOS – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETA, INDIRETA E FUNDACIONAL – ACESSIBILIDADE – CONCURSO PÚBLICO – A acessibilidade aos cargos públicos a todos os brasileiros, nos termos da lei e mediante concurso público é princípio constitucional explícito, desde 1934, art. 168. Embora cronicamente sofismado, mercê de expedientes destinados a iludir a regra, não só foi reafirmado pela Constituição, como ampliado, para alcançar os empregos públicos, art. 37, I e II. Pela vigente ordem constitucional, em regra, o acesso aos empregos públicos opera-se mediante concurso público, que pode não ser de igual conteúdo, mas há de ser público. As autarquias, empresas públicas ou sociedades de economia mista estão sujeitas à regra, que envolve a administração direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Sociedade de economia mista destinada a explorar atividade econômica está igualmente


No mesmo sentido o Tribunal Superior do Trabalho: SERVIDOR PÚBLICO – CONTRATAÇÃO PELO REGIME DA CLT – OBRIGATORIEDADE DE CONCURSO PÚBLICO – Com o advento da Carta Magna de mil novecentos e oitenta e oito é obrigatória para a investidura em emprego público a prévia aprovação em Concurso Público, sendo nulo qualquer ato de provimento que não atender o mandamento constitucional. Revista conhecida e improvida.3

Passamos, assim, aos pontos que julgamos mais relevantes explicitar e comentar do julgado que ora apresentamos. OS PRINCÍPIOS NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 Paulo Bonavides destaca que “os princípios são o oxigênio das Constituições na época dos pós-positivismo. É graças aos princípios que os sistemas constitucionais granjeiam a unidade de sentido e auferem a valoração de sua ordem normativa”4. E nesse sentido, a administração jamais pode ampliar determinada previsão legal, ou agir de forma contrária ao que está previamente ou estatutariamente estabelecido, pois não existem diretrizes para isto. A administração não pratica atos de governo, e sim, tão somente, atos de execução. O Professor Bandeira de Mello destaca: “Este é o princípio capital para a configuração do regime jurídico-administrativo. [...] O princípio da legalidade é o antídoto natural do poder monocrático ou oligárquico, pois tem como raiz a idéia de soberania popular, de exaltação da cidadania”5. 2 STF, MS 21.322/DF, T.P., Rel. Min Paulo Brossard, DJU 23.04.1993. 3 TST, RR 112384/1994, 2ª T., Rel. Min. Vantuil Abdala, DJU 07.12.1995, p. 42961. 4 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 10. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 259. 5 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 58 e 59.

A interpretação das normas em geral visa esclarecer a real intenção do legislador, quando da expedição da mesma, em outras palavras, visa buscar a correta aplicabilidade da mesma em relação às necessidades da sociedade como um todo. Nas palavras de Miguel Reale: “A aplicação do Direito envolve a adequação de uma norma jurídica a um ou mais fatos particulares, o que põe o delicado problema de saber como se opera o confronto entre uma regra ‘abstrata’ e um fato ‘concreto’, para concluir pela adequação deste àquela (donde a sua licitude) ou pela inadequação (donde a ilicitude)”6. A referida interpretação e aplicação deve seguir os pressupostos contidos nos próprios princípios norteadores do Direito, a fim de que a norma seja aplicada com justiça e eficácia, partindo-se do seu mínimo deôntico. Tais princípios devem se fazer presentes na condução de toda e qualquer ação, movimento e/ou ato praticado pelo ou para o Poder Público. Isso inclui a exposição clara, precisa e pormenorizada de todos os seus atos, sob pena de violação ao princípio da moralidade. Valemo-nos da lição de Bandeira de Mello, para quem o princípio da moralidade estabelece que: A administração e seus agentes têm de atuar na conformidade de princípios éticos. Violá-los implicará violação ao próprio Direito, configurando “ilicitude” que assujeita a conduta viciada à invalidação, porquanto tal princípio assumiu foros de “pauta jurídica”, na conformidade do art. 37 da Constituição. Compreendem-se em seu âmbito, como é evidente, os chamados princípios da “lealdade” e “boa-fé”, tão oportunamente encarecidos pelo mestre espanhol Jesús Gonzáles Peres em monografia preciosa. Segundo os cânones da lealdade e da boa-fé, a Administração haverá de proceder em relação aos administrados com sinceridade e lhaneza, sendo-lhe interdito qualquer comportamento astucioso, eivado de malícia, produzido de maneira a confundir, dificultar ou minimizar o exercício de direitos por parte dos cidadãos.7 6 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 21. ed. rev. e aumentada. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 296. 7 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de direito administrativo. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 109.

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sujeita a esse princípio, que não colide com o expresso no art. 173, § 1º. Exceções ao princípio, se existem, estão na própria Constituição.2

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Mas vemos claramente que a tarefa de interpretação ampliativa, ou, ainda, a ampliação dos direitos e obrigações previstos no ordenamento jurídico, quando estamos tratando de direito público, jamais pode ficar ao livre critério do agente público, devendo este observar incondicionalmente todas as diretrizes, princípios e normas vigentes.

Por fim, lembramos que nossa Constituição Federal, em seu art. 1º, fixa como um dos fundamentos da República o princípio da dignidade da pessoa humana10. Os elementos esculpidos no referido artigo integram a base de um país que vislumbra a manutenção de uma democracia sólida e voltada para o futuro. Colamos lição da Professora Flávia Piovesan:

Entende-se o princípio da legalidade como a total submissão da Administração Pública às leis integrantes do nosso ordenamento jurídico vigente. A administração e seus agentes só podem agir secundum legem, não podendo agir contra legem ou praeter legem. Em outras palavras, a administração é atividade subalterna à lei, está totalmente presa à lei e a função de seus agentes é a de cumprir cabal e fielmente a lei preexistente. Tendo este princípio como certo e correto, o agente da administração jamais poderia ampliar determinada previsão legal, ou prorrogar prazo estabelecido, pois não existem diretrizes para isto. A administração não pratica atos de governo, e sim, tão somente, atos de execução. O Professor Bandeira de Mello destaca: “Este é o princípio capital para a configuração do regime jurídico-administrativo. [...] O princípio da legalidade é o antídoto natural do poder monocrático ou oligárquico, pois tem como raiz a idéia de soberania popular, de exaltação da cidadania”8. Sentencia, ainda, Bandeira de Mello: “O princípio da legalidade, no Brasil, significa que a administração nada pode fazer senão o que a lei determina”9. Vemos claramente que a tarefa de interpretação ampliativa, ou, ainda, a ampliação dos direitos e obrigações previstos no ordenamento jurídico, quando estamos tratando de direito público, jamais pode ficar ao livre critério do agente público, devendo este observar incondicionalmente todas as diretrizes, princípios e normas vigentes.

Dentre os fundamentos que alicerçam o Estado Democrático de Direito brasileiro, destacam-se a cidadania e a dignidade da pessoa humana (art. 1º, incisos II e III). Vê-se aqui o encontro do princípio do Estado Democrático de Direito e dos direitos fundamentais, fazendo-se claro que os direitos fundamentais são um elemento básico para a realização do princípio democrático, tendo em vista que exercem uma função democratizadora.11

8 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 11. ed. p. 58 e 59. 9 Idem, p. 63.

Piovesan conclui: Considerando que toda a Constituição há de ser compreendida como uma unidade e como um sistema que privilegia determinados valores sociais, pode-se afirmar que a Carta de 1988 elege o valor da dignidade humana como valor essencial que lhe dá unidade de sentido. Isto é, o valor da dignidade humana informa a ordem constitucional de 1988, imprimindo-lhe uma feição particular.12

O desrespeito aos princípios morais e éticos constitucionais e a dispensa arbitrária e sem justa causa, não precedida de proces-

10 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição” (Disponível em: www. planalto.gov.br). 11 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Max Limonad, 1997. p. 58. 12 Idem, p. 59.


DISPENSA SEM JUSTA CAUSA E A MORALIDADE ADMINISTRATIVA Os princípios constitucionais e administrativos devem estar sempre atuando na condução do Estado e de seus agentes na adoção de determinado curso de ações, entre eles, os princípios da legalidade, da finalidade, da eficiência e da moralidade. Segundo preciosa lição do Professor Bandeira de Mello: Com efeito, uma vez que a administração é curadora de determinados interesses que a lei define como públicos e considerando que a defesa, e prosseguimento deles é, para ela, obrigatória, verdadeiro dever, a continuidade da atividade administrativa é princípio que se impõe e prevalece em qualquer circunstâncias. [...] O interesse público que à administração incumbe zelar encontra-se acima de quaisquer outros e, para ela, tem o sentido de dever, de obrigação. (grifo nosso)13

Nesse ponto, destacamos que o princípio da moralidade administrativa refere-se, portanto, diretamente ao interesse público, e deve conduzir o Estado e seus agentes no curso de suas ações. Esse princípio, segundo Hidemberg Alves da Frota, se liga estreitamente ao princípio da moralidade administrativa (art. 37, caput, da CF/1988), manifestação do dever de probidade, lealdade e boa-fé do administrador público, “quer em face dos administrados, quer em face da própria administração”, repercussão dos “standards comportamentais que a sociedade deseja e espera”, contrários à conivência com o administrador que “rouba mas faz” ou com o ato “imoral mas legal” – avessos, destarte, à mentalidade de que os fins justificam os meios.14 13 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 11. ed. p. 40. 14 FROTA, Hidemberg Alves da. O princípio tridimensional da proporcionalidade na teoria geral do direito público e administrativo. Revista IOB de Direito Administrativo, São Paulo: IOB-Thomson, v. 2, n. 13, p. 124 e 125, jan. 2007.

E ainda, segundo Frota: Os deveres de lealdade e boa-fé lembram que o ato administrativo adequado se depura de astúcia e malícia, não confunde, dificulta ou minimiza “o exercício de direito por parte dos cidadãos”, nem plasma entendimento da Administração Pública alterado “em casos concretos” e “sem prévia e pública notícia” para “agravar a situação dos administrados ou denegar-lhes pretensões”.15

No caso em tela, a reclamada fundamenta a razão e o lastro para suporte da demissão sem justa causa o fato da mesma ter sido admitida ao trabalho sob a égide do regime celetista (CLT), em 2 de abril de 1985, ou seja, antes da vigência da Constituição Federal de 1988. Contudo, a reclamante submeteu-se a certame público realizado pela própria reclamada no ano de 1990, tendo sido aprovada em 1º lugar, cuja decisão foi regularmente publicada no Diário Oficial do Estado de São Paulo. E essa nova aprovação e ingresso na carreira pública, ainda que tenha sido na mesma instituição autárquica, se deu regularmente na vigência da Constituição Federal de 1988. Ora, ainda que sob reclamos da Universidade reclamada, não é possível não reconhecer o direito da reclamante ao pleito da estabilidade prevista no art. 41 da Constituição Federal de 198816. O 15 Idem. 16 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. “Art. 41. São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998). § 1º O servidor público estável só perderá o cargo (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998): I – em virtude de sentença judicial transitada em julgado (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998); II – mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998); III – mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998). § 2º Invalidada por sentença judicial a demissão do servidor estável, será ele reintegrado, e o eventual ocupante da vaga, se estável, reconduzido ao cargo de origem, sem direito a indenização, aproveitado em outro cargo ou posto em disponibilidade com remuneração proporcional ao tempo de serviço (Redação dada pela Emenda Constitucional nº

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so administrativo regular, certamente viola em nosso entender também o princípio da dignidade da pessoa humana.

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referido artigo, com a redação da Emenda Constitucional nº 19/1998, estabelece que a estabilidade é uma garantia concedida aos servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público, após o decurso de três anos de efetivo exercício. Contudo, se por um lado o ingresso no serviço público deve ser mediante concurso, e os atos da Administração Pública devem ser motivados e validados, como os empregados públicos podem ser dispensados? Não haveria sentido serem dispensados sem qualquer justificativa. Logo, se para ingressar no serviço público é necessário o concurso, para a dispensa do empregado, qual seria o estágio probatório? Seria possível a dispensa sem justa causa, nos moldes admitidos pela Consolidação das Leis do Trabalho17?

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Ora, ao contrário da esfera privada (como visto, são necessários mais de 10 anos de serviço na mesma empresa), o empregado que atua no serviço público, em função dos ditames e dos princípios éticos e morais insculpidos em nossa Carta Magna, tem direito de tomar conhecimento de eventuais acusações e do por que tem sua posição e cargo colocado em risco e porque poderá não permanecer no serviço público, sendo que tal procedimento deve ser realizado por intermédio de um regular processo administrativo, devendo ser obrigatoriamente asse-

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19, de 1998). § 3º Extinto o cargo ou declarada a sua desnecessidade, o servidor estável ficará em disponibilidade, com remuneração proporcional ao tempo de serviço, até seu adequado aproveitamento em outro cargo (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998). § 4º Como condição para a aquisição da estabilidade, é obrigatória a avaliação especial de desempenho por comissão instituída para essa finalidade (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)” (Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>). 17 Salvo a estabilidade concedida após o período de 10 (dez) anos, nos termos do art. 492 da CLT – Consolidação das Leis do Trabalho: “Art. 492. O empregado que contar mais de 10 (dez) anos de serviço na mesma empresa não poderá ser despedido senão por motivo de falta grave ou circunstância de força maior, devidamente comprovadas. Parágrafo único. Considera-se como de serviço todo o tempo em que o empregado esteja à disposição do empregador” (Disponível em: <http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452compilado.htm>).

gurado o direito de petição e de ampla defesa ao trabalhador. Colamos pontual lição de Delgado, para quem: Tratando-se de admissão submetida aos rigores do concurso público, como no caso em exame, não pode a ruptura do vínculo fazer-se nos mesmos moldes singelos que se aplicam às relações jurídicas meramente discricionais, que o Estado brasileiro ainda mantém quase que generalizadamente. É incabível, desse modo, equiparar-se a situação do servidor rigorosamente concursado, esteja ele sob o regime administrativo ou celetista, com a dos ocupantes dos chamados cargos de comissão ou funções de confiança, que sejam recrutados amplamente (art. 37, V, CF/1988); do mesmo modo, é incabível comparar-se a situação do servidor administrativo ou celetista concursado com aquele que mantém com o Estado relação jurídica de contornos imprecisos, flácidos e discricionais, como os ocupantes de função pública (art. 37, I, CF/1988), também recrutados sem concurso público. De outro lado, a não extensão da estabilidade aos empregados públicos concursados traduz, por vias transversas, inquestionável frustração aos objetivos de impessoalidade, moralidade, transparência e democratização assegurados pelo caminho do concurso público.18

Nesse ponto, no julgado em comento, em seu voto, o Desembargador Relator Dr. Sérgio Roberto Rodrigues, pontual e sumariamente, destacou que ainda que a Universidade reclamada sustente “que ao empregado público não se aplica a estabilidade prevista no art. 41 da Constituição Federal de 1988, já restou pacificado nesta Justiça Especializada que a aludida garantia somente não alcança tal trabalhador quando o ente público for sociedade de economia mista ou empresa pública – o que não é o caso dos autos, ante a natureza autárquica da recorrente (Súmula nº 390 do col. TST).

E mais, o il. Relator acrescenta ser desnecessária a discussão quanto à aplicabilidade, ou não, do Estatuto dos Servidores da Universidade de São Paulo, posto que o “acolhimento da pretensão da trabalhadora não decorre de tal norma, mas sim de comando constitucional (art. 41 da CF/1988) e da jurisprudência já consolidada pelo col. TST”. Patente o ingresso da reclamada na carreira, por concurso público, devidamente realizado na forma regulamentada pela 18 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 5. ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 1246.


CONCLUSÕES De forma pontual, podemos apontar os seguintes elementos conclusivos extraídos da análise que fizemos do acórdão em comento, a saber: a) entendemos que a decisão em comento está completamente em perfeita sintonia com os princípios básicos e basilares de nosso direito constitucional e também de nosso direito laboral, preservando assim os interesses da sociedade; b) justa e acertada é a decisão de reconhecimento de legitimidade e acerto da sentença de primeiro grau, estando o voto do Desembargador Relator Dr. Sérgio Roberto Rodrigues em sintonia com o melhor direito e com a melhor justiça ao manter a decretação de nulidade da dispensa sem justa da trabalhadora e a determinação de sua consequente reintegração ao quadro de empregados da Universidade, ante a ausência de regular processo administrativo que precedesse o ato de sua dispensa; c) lembramos que o Mestre Hely Lopes Meireles leciona: “Pelo concurso público afastam-se, pois, os ineptos e os apaniguados que costumam abarrotar as repartições, num espetáculo degradante

de protecionismo e falta de escrúpulos de políticos que se alçam e se mantêm no poder leiloando cargos e empregos públicos”20; d) Os princípios administrativos públicos são critérios informantes e norteadores a todo o Direito, e ainda mais ao direito público, em estrita harmonia com o ordenamento jurídico vigente, devendo a Administração Pública, em quaisquer de seus níveis hierárquicos, manter fiel observância dos mesmos, lembrando que só podem agir secundum legem, não podendo agir contra legem ou praeter legem; e) Temos clara a necessidade de efetiva aplicação do Direito. Nas palavras do saudoso Jurista Miguel Reale: “A aplicação do Direito envolve a adequação de uma norma jurídica a um ou mais fatos particulares, o que põe o delicado problema de saber como se opera o confronto entre uma regra ‘abstrata’ e um fato ‘concreto’, para concluir pela adequação deste àquela (donde a sua licitude) ou pela inadequação (donde a ilicitude)”21. Ora, acrescente-se à esta lição a necessidade de evolução dos conceitos e da aplicação do direito no tempo e considerando os novos tempos e novas necessidades do Estado e da sociedade brasileira. Poder Judiciário Justiça do Trabalho Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região Poder Judiciário Federal 11ª Turma Processo TRT/SP nº 0000634-26.2011.5.02.0035

19 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988: “Art. 37. A Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998): [...] II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998); [...]” (Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>).

Recurso: Ordinário Recorrente: Universidade de São Paulo – USP Recorrido: Sueli Pereira da Fonseca Origem: 35ª VT de São Paulo/SP 20 MEIRELES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 25. ed. Atual. Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 386. 21 REALE, Miguel. Op. cit., p. 296.

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Constituição Federal (art. 37, II19), qual seja, o acesso ao cargo por meio de uma prova realizada publicamente, assegurada igual oportunidade a todos os interessados mediante ampla divulgação do certame no Diário Oficial do Estado de São Paulo.

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EMENTA

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EMPREGADA PÚBLICA DE ENTIDADE AUTÁRQUICA ADMITIDA ANTES DA CF/1988 – SUBMISSÃO A CERTAME PÚBLICO NO CURSO DO PACTO LABORAL – ESTABILIDADE DO ART. 41 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DEVIDA – DISPENSA SEM JUSTA CAUSA QUE DEVE SER PRECEDIDA DE PROCESSO ADMINISTRATIVO EM QUE SE ASSEGURE O DIREITO AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA – Sendo inequívoco nos autos que a reclamante, apesar de admitida sob a égide do regime celetista, em 2 de abril de 1985, submeteu-se a certame público realizado pela recorrente no ano de 1990, tendo logrado aprovação em 1º lugar, não há como não reconhecer o seu direito à estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988, vez que já pacificado nesta Justiça Especializada que a aludida garantia somente não alcança tal trabalhador quando o ente público for sociedade de economia mista ou empresa pública – o que não é o caso dos autos, ante a natureza autárquica da recorrente (Súmula nº 390 do col. TST). Assim, e sendo certo que a dispensa sem justa causa perpetrada pela ré não foi precedida de processo administrativo que assegurasse o direito ao contraditório e à ampla defesa à trabalhadora, correta a r. sentença que decretou a nulidade do ato, com a consequente determinação de que fosse a obreira reintegrada ao quadro de empregados da recorrente.

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Trata-se de recurso ordinário interposto pela reclamada, visando a reforma da r. sentença de fls. 133-134, cujo relatório se adota e que julgou procedentes os pedidos formulados na reclamação trabalhista ajuizada, inclusive mantendo a antecipação de tutela de fls. 77-78. Contrarrazões às fls. 161-165. Parecer do Ministério Público do Trabalho às fls. 168-169, pelo conhecimento e desprovimento do recurso ordinário interposto. Desnecessário o preparo, a teor do art. 790-A, I, da CLT.

rios mínimos (art. 475, § 2º, do CPC e Súmula nº 303, I, alínea a, do col. TST2). Não conheço, pois, do recurso ex officio.

DO RECURSO VOLUNTÁRIO Conheço do recurso, porquanto preenchidos os pressupostos de admissibilidade.

DAS PRELIMINARES DE AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL E DE IMPUGNAÇÃO AO VALOR DA CAUSA A tutela jurisdicional reivindicada pela reclamante se revela útil, adequada e necessária à satisfação da pretensão formulada na inicial, sendo descabida a alegação da recorrente de que o saque dos depósitos do FGTS demonstra a concordância da autora com a sua dispensa. Da mesma forma, não há que se falar no acolhimento da impugnação ao valor atribuído à causa (R$ 150.000,00), vez que, além de não ser este requisito indispensável da petição inicial no processo do trabalho, o montante se afigura compatível com as verbas vencidas e vincendas requeridas pela autora, sendo certo que a estimativa apresentada pela recorrente é mera reprodução do valor apontado à época da apresentação de sua defesa. Rejeito, pois, as preliminares arguidas em sede de recurso.

É o relatório.

DA NULIDADE DA DISPENSA DA RECLAMANTE VOTO Preliminarmente, deixo de proceder ao reexame necessário da decisão proferida em primeira instância, haja vista que o valor da condenação imposta (R$ 10.000,00) é inferior a 60 (sessenta) salá-

A r. decisão de origem decretou nula a dispensa sem justa causa da reclamante, sob o fundamento de que o ato somente poderia ter sido praticado após a instauração de processo administrativo que assegurasse o direito ao contraditório e a ampla defesa à trabalhadora.


Sem razão, contudo. Conforme asseverado pelo MM. Juízo de origem, restou inequívoco nos autos que a reclamante, apesar de admitida sob a égide do regime celetista, em 2 de abril de 1985, submeteu-se a certame público realizado pela recorrente no ano de 1990, tendo logrado aprovação em 1º lugar, conforme cópia de publicação do Diário Oficial do Estado de São Paulo de fl. 28. Conquanto sustente a ré que ao empregado público não se aplica a estabilidade prevista no art. 41 da Constituição Federal de 1988, já restou pacificado nesta Justiça Especializada que a aludida garantia somente não alcança tal trabalhador quando o ente público for sociedade de economia mista ou empresa pública – o que não é o caso dos autos, ante a natureza autárquica da recorrente (Súmula nº 390 do col. TST). Registre-se, outrossim, que a utilização pela recorrente da terminologia “processo seletivo”, quando da realização do certame no qual a recorrida foi aprovada, não altera o decidido na origem, vez que restou preservado o escopo da criação do concurso público pela Lei Maior (art. 37, II), qual seja, o acesso ao cargo por meio da realização de prova ou prova e títulos, assegurada igual oportunidade a todos os interessados mediante ampla divulgação do certame. No mais, desnecessária é a discussão quanto à aplicabilidade, ou não, do Estatuto dos Servidores da Universidade de São Paulo à reclamante, vez que o acolhimento da pretensão da trabalhadora não decorre de tal norma, mas sim de comando constitucional (art. 41 da CF/1988) e da jurisprudência já consolidada pelo col. TST. À vista disso, e na esteira do parecer do Ministério Público do Trabalho, mantenho a r. sentença que decretou nula a dispensa sem justa da trabalhadora e determinou a sua consequente reintegração ao quadro de empregados da reclamada, ante a ausência de regular processo administrativo que precedesse o ato.

DA DEVOLUÇÃO DOS VALORES RESCISÓRIOS RECEBIDOS À ÉPOCA DA DISPENSA A r. decisão de origem não se manifestou quanto ao pedido em epígrafe, sendo certo que a reclamada não opôs a medida adequada para sanar a aludida omissão. Preclusa, pois, a oportunidade de insurgência.

DA COMPENSAÇÃO/DEDUÇÃO Carece a reclamada de interesse recursal no tocante à questão, vez que a r. sentença autorizou expressamente a compensação dos valores recebidos pela reclamante quando da rescisão contratual decretada nula. Nada há para se deferir.

DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS Equivoca-se a reclamada quando aduz que não é cabível o deferimento de honorários advocatícios no caso em tela, vez que a reclamante se encontra regularmente assistida pelo sindicato que representa a sua categoria profissional, tendo sido acostada ao processo declaração da trabalhadora de que não possui condições financeiras para arcar com os custos do processo, sem prejuízo de seu sustento e de sua família (fl. 16).

Ante o exposto, acordam os Magistrados da 11ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região em: não conhecer do recurso ex officio, com fulcro no art. 475, § 2º, do CPC e na Súmula nº 303, I, a, do col. TST; conhecer do recurso voluntário interposto pela Universidade de São Paulo – USP, e, no mérito, negar-lhe provimento, tudo na forma da fundamentação do voto do Relator.

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Em sede de recurso, pugna a reclamada pela reforma do r. decisório, sob o argumento de que, tendo a admissão da autora ocorrido sob a égide da CLT, não há que se falar em qualquer óbice à sua dispensa nos moldes realizados, exigindo-se tão somente o pagamento do FGTS acrescido de multa de 40%, nos termos dos arts. 7º, I, da CF/1988, e 10, I, do ADCT – o que ocorreu na espécie.

Sergio Roberto Rodrigues Desembargador Relator

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Mantenho a condenação imposta na origem, eis que preenchidos os requisitos do art. 14 da Lei nº 5.584/1970, e das Súmulas nºs 219 e 329 do col. TST.


Medidas Provisórias Medida Provisória nº 698, de 23.10.2015 – DOU – Ed. Extra de 23.10.2015 Altera a Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009, para dispor sobre operações de financiamento habitacional com desconto ao beneficiário concedido pelo Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS para aquisição de imóveis no âmbito do Programa Minha Casa Minha Vida construídos com recursos do Fundo de Arrendamento Residencial – FAR.

Medida Provisória nº 697, de 08.10.2015 – DOU de 09.10.2015 Abre crédito extraordinário, em favor dos Ministérios da Justiça, das Relações Exteriores, dos Transportes, da Defesa e da Integração Nacional, no valor de R$ 950.246.149,00, para os fins que especifica.

Medida Provisória nº 696, de 02.10.2015 – DOU de 05.10.2015 – Ret. DOU – Ed. Extra de 05.10.2015 Extingue e transforma cargos públicos e altera a Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003, que dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios.

Medida Provisória nº 696, de 02.10.2015 – DOU de 05.10.2015 – Ret. DOU – Ed. Extra de 05.10.2015 Extingue e transforma cargos públicos e altera a Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003, que dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios.

Medida Provisória nº 695, de 02.10.2015 – DOU de 05.10.2015 Autoriza o Banco do Brasil S.A. e a Caixa Econômica Federal a adquirirem participação nos termos e condições previstos no art. 2º da Lei nº 11.908, de 3 de março de 2009, e dá outras providências.


2.186-16, DE 23.08.2001

Patrimônio Genético. Diversidade Biológica Previdência Social. Alteração na Legislação

2 .156-5, DE 24.08.2001

Agência de Desenvolvimento do Nordeste – Adene

2.187-13, DE 24.08.2001

2.157-5, DE 24.08.2001

Agência de Desenvolvimento da Amazônia – ADA

2.189-49, DE 23.08.2001

IR. Alteração na Legislação

2.158-35, DE 24.08.2001

Cofins, PIS/Pasep e IR. Alteração na Legislação

2.190-34, DE 23.08.2001

Vigilância Sanitária. Alteração da Lei nº 9.782/1999

2.159-70, DE 24.08.2001

IR. Alteração na Legislação

2.192-70, DE 24.08.2001

Proes. Bancos Estaduais

2.161-35, DE 23.08.2001

Programa Nacional de Desestatização. Alteração da Lei nº 9.491/1997

2.196-3, DE 24.08.2001

Instituições Financeiras Federais. Recuperação. Empresa Gestora de Ativos – Emgea

2.162-72, DE 23.08.2001

Notas do Tesouro Nacional – NTN

2.197-43, DE 24.08.2001

SFH. Disposições

2.163-41, DE 23.08.2001

Meio Ambiente. Alteração da Lei nº 9.605/1998

2.198-5, DE 24.08.2001

Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica

2.164-41, DE 24.08.2001

Alteração da CLT. Trabalho a Tempo Parcial e PAT

2.199-14, DE 24.08.2001

IR. Incentivos Fiscais

2.165-36, DE 23.08.2001

Servidor Público e Militar. Auxílio-Transporte

2.200-2, DE 24.08.2001

Infraestrutura de Chaves Públicas. ICP-Brasil

2.166-67, DE 24.08.2001

Código Florestal. Alteração da Lei nº 4.771/1965

2.206-1, DE 06.09.2001

Programa Nacional de Renda Mínima

2.167-53, DE 23.08.2001

Recebimento de Valores Mobiliários pela União

2.208, DE 17.08.2001

Estudante Menor de 18 Anos. Comprovação

2.168-40, DE 24.08.2001

Cooperativas. Recoop. Sescoop

2.209, DE 29.08.2001

Comercializadora Brasileira de Energia Elétrica  –  CBEE

2.169-43, DE 24.08.2001

Servidor Público. Vantagem de 28,86%

2.210, DE 29.08.2001

Orçamento. Crédito Extraordinário

2.170-36, DE 23.08.2001

Tesouro Nacional. Administração de Recursos

2.211, DE 29.08.2001

Orçamento 2001 e 2002. Diretrizes

2.172-32, DE 23.08.2001

Usura. Agiotagem

2.213-1, DE 30.08.2001

Programa Bolsa-Renda. Estiagem

2.173-24, DE 23.08.2001

Anuidades Escolares

2.214, DE 31.08.2001

Administração Pública Federal. Recursos

2.174-28, DE 24.08.2001

União. Programa de Desligamento Voluntário – PDV

2.215-10, DE 31.08.2001

Militares das Forças Armadas. Reestruturação da Remuneração

2.177-44, DE 24.08.2001

Planos de Saúde. Alteração da Lei nº 9.656/1998

2.220, DE 04.09.2001

Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano – CNDU

2.178-36, DE 24.08.2001

Programa Nacional de Alimentação Escolar. Dinheiro Direto na Escola

2.224, DE 04.09.2001

Capitais Brasileiros no Exterior

2.225-45, DE 04.09.2001

Servidor Público. Tráfico de Entorpecentes. Alteração das Leis nºs 6.368/1976 e 8.112/1990

2.179-36, DE 24.08.2001

União e Banco Central. Relações Financeiras

2.180-35, DE 24.08.2001

Advocacia-Geral da União. Alteração na Legislação

2.226, DE 04.09.2001

Alteração da CLT

2.181-45, DE 24.08.2001

Operações Financeiras do Tesouro Nacional

2.227, DE 04.09.2001

Plano Real. Correção Monetária. Exceção

2.183-56, DE 24.08.2001

Reforma Agrária. Alteração na Legislação

2.228-1, DE 06.09.2001

2.184-23, DE 24.08.2001

Carreira Policial. Gratificação

Cultura. Política Nacional do Cinema – Ancine. Prodecine. Funcines

2.185-35, DE 24.08.2001

Dívida Pública Mobiliária. Consolidação. Assunção. Refinanciamento

2.229-43, DE 06.09.2001

Policiais Civis da União e DF. Alteração na legislação

Normas do Juris SÍNTESE atingidas pelas Medidas Provisórias em vigor (até 31.10.2015) Nota: Prezado assinante, todas as normas selecionadas, inclusive as medidas provisórias, podem ser consultadas em nosso endereço eletrônico www. sintese.com. MP 676 678 679 679 679 684 682 681 681 681 680 680

DOU 18.06.2015 24.06.2015 24.06.2015 24.06.2015 24.06.2015 22.07.2015 13.07.2015 13.07.2015 13.07.2015 13.07.2015 07.07.2015 07.07.2015

ART 1º 1º 4º 5º 6º 1º 1º 1º 2º 3º 7º 8º

NORMA LEGAL Lei nº 8.213/91 Lei nº 12.462/11 Lei nº 11.977/09 Lei nº 12.035/09 Lei nº 11.473/07 Lei nº 13.019/2014 Lei nº 12.712/2012 Lei nº 10.820/2003 Lei nº 8.213/1991 Lei nº 8.112/1990 Lei nº 8.212/1991 Lei nº 8.036/1900

ALTERAÇÃO 29-C 1º 6º-A 5º 2º 83 e 88 38 1º, 2º, 3º, 4º, 5º e 6º 115 45 22 e 28 115

MP 687 687 688 688 688 689 690 690 691 691 691 691

DOU 18.08.2015 18.08.2015 18.08.2015 18.08.2015 18.08.2015 31.08.2015-extra 31.08.2015-extra 31.08.2015-extra 31.08.2015-extra 31.08.2015-extra 31.08.2015-extra 31.08.2015-extra

ART 1º 2º 2º 3º 4º 1º 8º 9º 12 15 16 18

NORMA LEGAL MP nº 2.228-1/ 2001 Lei nº 12.529/2011 Lei nº 10.848/2004 Lei nº 12.783/2013 Lei nº 9.478/1997 Lei nº 8.112/1990 Lei nº 9.430/1996 Lei nº 11.196/2005 Lei nº 9.636/1998 DL 3.438/1941 DL 9.760/1946 Lei nº 9.636/1998

ALTERAÇÃO 33 e 40 23 2º 8º e 15 2º 183 25, 27 e 29 28 a 30 37 4º 100 24 e 27

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Nota: Prezado assinante, todas as normas selecionadas, inclusive medidas provisórias, podem ser consultadas em nosso endereço eletrônico www.sintese.com.

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MP 691 692 692 693 693 694 694 694 694 694 696 698 2.156-5 2.156-5 2.156-5 2.156-5 2.157-5 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.161-35 2.162-72 2.163-41 2.164-41

DOU 31.08.2015-extra 22.09.2015 22.09.2015 30.09.2015-extra 30.09.2015-extra 30.09.2015-extra 30.09.2015-extra 30.09.2015-extra 30.09.2015-extra 30.09.2015-extra 05.10.2015 23.10.2015-extra 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 27.08.2001

ART 18 1º 3º 1º 2º 1º 2º 3º 5º 5º 2º 1º 32 32 32 32 32 2º e 93 3º e 93 10 e 93 19 e 93 34 e 75 64 69 70 72 73 73 e 93 75 82 93 93 93 93 93 93 1º e 6º 6º 1º 7º e 8º

NORMA LEGAL Lei nº 13.139/2015 Lei nº 8.981/1995, MP 685/2015 Lei nº 12.780/2013 Lei nº 10.593/2002 Lei nº 9.249/1995 Lei nº 10.865/2004 Lei nº 11.196/2005 Lei nº 11.196/2005 Lei nº 10.865/2004 Lei nº 10.683/2003 Lei nº 11.977/2009 DL 1.376/74 DL 2.397/87 Lei nº 8.034/90 Lei nº 9.532/97 DL 1.376/74 Lei nº 9.718/98 Lei nº 9.701/98 Lei nº 9.779/99 Lei nº 9.715/98 Lei nº 9.532/97 D nº 70.235/72 DL 1.455/76 Lei nº 9.430/96 Lei nº 8.218/91 Lei nº 9.317/96 Lei nº 9.317/96 Lei nº 9.532/97 Lei nº 8.981/95 Lei nº 9.432/97 LC 70/91 LC 85/96 Lei nº 7.714/88 Lei nº 9.004/95 Lei nº 9.493/97 Lei nº 9.491/97 Lei nº 9.094/95 Lei nº 9.605/98 Lei nº 7.998/90

2.164-41

27.08.2001

1º e 2º

CLT

2.164-41 2.164-41 2.164-41 2.164-41 2.164-41 2.164-41 2.165-36 2.165-36 2.166-67

27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 25.08.2001-extra

3º 4º 5º 6º 9º 10 13 13 1º

Lei nº 4.923/65 Lei nº 5.889/73 Lei nº 6.321/76 Lei nº 6.494/77 Lei nº 8.036/90 Lei nº 9.601/98 Lei nº 7.418/85 Lei nº 8.627/93 Lei nº 4.771/65

2.166-67 2.167-53 2.168-40 2.168-40 2.168-40 2.170-36 2.172-32 2.173-24 2.177-44

25.08.2001 24.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 27.08.2001

3º 2º e 3º 13 14 18 8º 7º 1º e 2º 1º e 8º

Lei nº 9.393/96 Lei nº 9.619/98 Lei nº 5.764/71 Lei nº 9.138/95 Lei nº 10.186/01 Lei nº 8.212/91 Lei nº 1.521/51 Lei nº 9.870/99 Lei nº 9.656/98

ALTERAÇÃO 1º 21 2º 18-A, 23-A, 23-B e 23-C 5º-A 9º 8º 19, 19-A, 26 e 56 56, 57, 57-A e 57-B 8º 1°, 3°, 5°, 6°, 16, 25, 27, 29 e 54 6º-A 1º e 11 12 1º 2º 1º 3º e 8º 1º 14 e 17 2º e 4º 1º e 64-A 1º, 25 e 64-A 1º, 9º, 10, 16, 18, 19 e 64-A 63 11 e 12 1º e 64-A 9º e 15 1º, 15 e 64-A 29 11 6º e 7º Revogada 5º Revogada 7º 2º, 4º, 5º, 6º e 30 2º 79-A 2º, 2º-A, 2º-B, 3º-A, 7º-A, 8º-A, 8º-B e 8º-C 58-A, 59, 130-A, 143, 476-A, 627-A, 643 e 652 1º 18 2º 1º 19-A, 20, 29-C e 29-D 2º 1º 6º 1º, 3º-A, 4º, 14, 16, 37-A, 44, 44-A, 44-B e 44-C 10 1º e 4º-A 88 2º 7º 60 4º, § 3º 1º e 6º 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 24-A, 24-B, 24-C, 24-D, 25, 26, 27, 28, 29, 29-A, 30, 31, 32, 34, 35, 35-A, 35-B, 35-C, 35-D, 35-E, 35-F, 35-G, 35-H e 35-I

MP 2.178-36 2.178-36 2.180-35

DOU 25.08.2001-extra 25.08.2001-extra 27.08.2001

ART 16 32 1º

NORMA LEGAL Lei nº 9.533/97 Lei nº 8.913/97 Lei nº 8.437/92

ALTERAÇÃO 4º Revogada 1º e 4º

2.180-35

27.08.2001

Lei nº 9.494/97

2.180-35 2.180-35 2.180-35 2.180-35 2.180-35 2.180-35 2.181-45 2.181-45 2.181-45 2.183-56 2.183-56 2.183-56 2.187-13 2.187-13 2.187-13 2.187-13 2.187-13 2.189-49 2.189-49 2.189-49 2.189-49 2.190-34 2.192-70 2.196-3 2.196-3 2.197-43 2.197-43 2.197-43 2.199-14 2.211 2.211 2.214 2.215-10 2.215-10

27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 25.08.2001-extra 25.08.2001 25.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 30.08.2001 30.08.2001 01.09.2001-extra 01.09.2001 01.09.2001

6º 7º 8º 10 14 21 45 46 52 1º 3º 4º 2º 3º e 16 4º e 16 7º 16 10 11 13 14 7º e 8º 23 12 14 3º e 8º 4º e 8º 5º 18 1º 2º 1º 41 41

Lei nº 7.347/85 Lei nº 8.429/92 Lei nº 9.704/98 CPC Lei nº 4.348/64 Lei nº 10.257/01 Lei nº 8.177/91 Lei nº 9.365/96 Lei nº 10.150/00 DL 3.365/41 Lei nº 8.177/91 Lei nº 8.629/93 Lei nº 6.015/73 Lei nº 8.212/91 Lei nº 8.213/91 Lei nº 9.639/98 Lei nº 9.711/98 Lei nº 9.532/97 Lei nº 9.250/95 Lei nº 9.430/96 Lei nº 9.317/96 Lei nº 9.294/96 Lei nº 9.496/97 Lei nº 8.036/90 Lei nº 7.827/89 Lei nº 8.692/93 Lei nº 4.380/64 Lei nº 8.036/90 Lei nº 9.532/97 Lei nº 9.995/00 Lei nº 10.266/01 Lei nº 10.261/01 Lei nº 8.448/92 Lei nº 8.460/92

2.217-3

05.09.2001

Lei nº 10.233/01

2.220 2.224 2.225-45 2.225-45

05.09.2001-extra 05.09.2001 05.09.2001 05.09.2001

15 4º 1º 2º, 3º e 15

Lei nº 6.015/73 Lei nº 4.131/62 Lei nº 6.368/76 Lei nº 8.112/90

2.225-45 2.225-45 2.226 2.226 2.228-1 2.228-1

05.09.2001 05.09.2001 05.09.2001 05.09.2001 05.09.2001 05.09.2001

4º 5º 1º 3º 51 52 e 53

Lei nº 8.429/92 Lei nº 9.525/97 CLT Lei nº 9.469/97 Lei nº 8.685/93 Lei nº 8.313/91

2.229-43 2.229-43

10.09.2001 10.09.2001

72 74

Lei nº 9.986/00 Lei nº 8.745/93

1º-A, 1º-B (CPC e CLT), 1º-C, 1º-D, 1ºE, 1º-F, 2º-A e 2º-B 1º e 2º 17 1º 741 4º 53 18 6º 1º 10, 15-A, 15-B e 27 5º 2º, 2º-A, 5º, 6º, 7º, 11, 12, 17, 18 e 26-A 80 38, 55, 56, 68, 101 e 102 41, 95, 96, 134, 144, 145, 146 e 147 1º, 2º e 5º 7º, 8º, 9º, 12, 13, 14, 15, 16 e 17 6º, II, 34 e 82, II, f 10 e 25 79 9º 2º, 3º e 7º 1º, 3º, 6º, 7º-A e 7º-B 9º 9º-A 23 e 25 9º, 14 e 18 9º, 20, 23, 29-A e 29-B 4º 35 e 70 18, 34, 38 e 51 1º 6º 2º, 20, 25, 26 e 27, 5º, 7º-A, 13, 14, 14-A, 23, 24, 27, 28, 30, 32, 34-A, 38, 44, 51-A e 61-A 74, 77, 78-A, 78-B, 78-C, 78-D, 78-E, 78-F, 78-G, 78-H, 78-I 78-J, 82, 83, 84, 85-A, 85-B, 85-C, 85-D, 86, 88, 89, 100, 102-A, 103-A, 103-B, 103-C, 103-D, 113-A, 114-A, 15, 116-A, 118 e 119 167, I 6º 3º 25, 26, 46, 47, 61, 62-A, 67, 91, 117 e 119 17 2º 896-A 6º 5º 3º, II, a (a partir de 01.01.2007), e 18, § 3º 22 4º


Normas Legais

Lei nº 13.180, de 22.10.2015 Dispõe sobre a profissão de artesão e dá outras providências. (DOU de 23.10.2015) Lei nº 13.179, de 22.10.2015 Obriga o fornecedor de ingresso para evento cultural pela internet a tornar disponível a venda de meia-entrada por esse veículo. (DOU de 23.10.2015) Lei nº 13.178, de 22.10.2015 Dispõe sobre a ratificação dos registros imobiliários decorrentes de alienações e concessões de terras públicas situadas nas faixas de fronteira; e revoga o Decreto-Lei nº 1.414, de 18 de agosto de 1975, e a Lei nº 9.871, de 23 de novembro de 1999. (DOU de 23.10.2015) Lei nº 13.177, de 22.10.2015 Altera a Lei nº 12.869, de 15 de outubro de 2013, acerca do regime de permissão de serviços públicos. (DOU de 23.10.2015) Lei nº 13.176, de 21.10.2015 Acrescenta inciso IX ao art. 964 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, para outorgar privilégio especial, sobre os produtos do abate, ao credor por animais. (DOU de 22.10.2015) Lei nº 13.175, de 21.10.2015 Acrescenta art. 2º-A à Lei nº 10.962, de 11 de outubro de 2004, que dispõe sobre a oferta e as formas de afixação de preços de produtos e serviços para o consumidor, para obrigar a informação do preço por unidade de medida na comercialização de produtos fracionados em pequenas quantidades. (DOU de 22.10.2015) Lei nº 13.174, de 21.10.2015 Insere inciso VIII no art. 43 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir, entre as finalidades da educação superior, seu envolvimento com a educação básica. (DOU de 22.10.2015) Lei nº 13.173, de 21.10.2015 Dispõe sobre autorização para a realização de obras e serviços necessários ao fornecimento de energia elétrica temporária para os Jogos Rio 2016; altera as Leis nºs 11.473, de 10 de maio de 2007, que dispõe sobre cooperação federativa no âmbito da segurança pública, 11.977, de 7 de julho de 2009, que dispõe sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida e a regularização fundiária de assentamentos em áreas urbanas, 12.035, de 1º de outubro de 2009, que institui o Ato Olímpico, e 12.462, de 4 de agosto de 2011, que institui o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC); e revoga o art. 5º-A da Lei nº 12.035, de 1º de outubro de 2009. Mensagem de veto (DOU de 22.10.2015). Lei nº 13.172, de 21.10.2015 Altera as Leis nos 10.820, de 17 de dezembro de 2003, 8.213, de 24 de julho de 1991, e 8.112, de 11 de dezembro de 1990, para dispor sobre desconto em folha de pagamento de valores destinados ao pagamento de cartão de crédito. (DOU de 22.10.2015) Lei nº 13.171, de 21.10.2015 Dispõe sobre o empregador rural; altera as Leis nºs 8.023, de 12 de abril de 1990, e 5.889, de 8 de junho de 1973; e dá outras providências. Mensagem de veto (DOU de 22.10.2015) Lei nº 13.170, de 16.10.2015 Disciplina a ação de indisponibilidade de bens, direitos ou valores em decorrência de resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas – CSNU. (DOU de 19.10.2015) Lei nº 13.169, de 06.10.2015 Altera a Lei nº 7.689, de 15 de dezembro de 1988, para elevar a alíquota da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL em relação às pessoas jurídicas de seguros privados e de capitalização, e às referidas nos incisos I a VII, IX e X do § 1º do art. 1o da Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001; altera as Leis nºs 9.808, de 20 de julho de 1999, 8.402, de 8 de janeiro de 1992, 10.637, de 30 de dezembro de 2002, 10.833, de 29 de dezembro de 2003, 11.033, de 21 de dezembro de 2004, 12.715, de 17 de setembro de 2012, 9.249, de 26 de dezembro de 1995, 11.484, de 31 de maio de 2007, 12.973, de 13 de maio de 2014, 10.150, de 21 de dezembro de 2000, e 10.865, de 30 de abril de 2004; e dá outras providências. Mensagem de veto (DOU de 07.10.2015) Lei nº 13.168, de 06.10.2015 Altera a redação do § 1º do art. 47 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. (DOU de 07.10.2015) Lei nº 13.167, de 06.10.2015 Altera o disposto no art. 84 da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 – Lei de Execução Penal, para estabelecer critérios para a separação de presos nos estabelecimentos penais. (DOU de 07.10.2015) Lei nº 13.166, de 01.10.2015 Dispõe sobre a prestação de auxílio financeiro pela União aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, relativo ao exercício de 2014, com o objetivo de fomentar as exportações do País. (DOU de 02.10.2015)


Indicadores

I  – Índices de Atualização dos Débitos Trabalhistas O Supremo Tribunal Federal suspendeu a decisão do Tribunal Superior do Trabalho, que havia estipulado a correção dos créditos trabalhistas pelo índice da inflação IPCA-E (Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial). Planilha mantendo o índice de atualização monetária conforme a Lei nº 8.177/1991 (TR):

Mês/Ano 1992 1993 1994 1995 1996 1997

Mês/Ano 2004 2005 2006 2007 2008 2009

JAN

0,002916819 0,000232189 0,009017980 2,359336433 1,792500509 1,635715680

JAN

1,163627287 1,142845575 1,111355041 1,089160852 1,073643367 1,056373313

FEV

0,002324529 0,000183173 0,006375834 2,310780012 1,770325413 1,623635829

FEV

1,162139748 1,140701057 1,108776027 1,086781886 1,072560081 1,054433156

MAR

0,001850592 0,000144915 0,004558726 2,268738028 1,753448471 1,612964456

MAR

1,161607732 1,139604757 1,107972747 1,085998881 1,072299512 1,053957821

ABR

0,001489170 0,000115186 0,003213765 2,217734568 1,739292370 1,602840913

ABR

1,159546059 1,136609790 1,105680671 1,083965362 1,071861121 1,052444405

MAIO

0,001229906 0,000089834 0,002201662 2,143428338 1,727893457 1,592947118

MAIO

1,158533501 1,134337712 1,104736122 1,082588310 1,070838470 1,051966813

JUN

0,001026547 0,000069812 0,001503456 2,076017959 1,717779173 1,582889439

JUN

1,156745173 1,131478466 1,102654310 1,080762901 1,070050913 1,051494691

JUL

0,000848036 0,000053669 2,814975399 2,017778809 1,707365949 1,572612417

JUL

1,154711725 1,128102056 1,100522598 1,079732836 1,068826038 1,050805363

AGO

0,000685614 0,041166414 2,680261388 1,959189255 1,697434261 1,562332270

AGO

1,152462119 1,125204654 1,098598951 1,078149035 1,066784213 1,049702126

SET

0,000556414 0,030873267 2,624331632 1,909457436 1,688270771 1,552597484

SET

1,150156056 1,121318166 1,095929267 1,076570782 1,065107734 1,049495376

OUT

0,000443782 0,022933641 2,561845655 1,873131791 1,677167919 1,542610623

OUT

1,148172015 1,118369027 1,094264890 1,076191963 1,063013597 1,049495376

NOV

0,000354827 0,016797510 2,498018777 1,842654289 1,663414903 1,532567707

NOV

1,146901249 1,116025373 1,092216984 1,074964353 1,060356344 1,049495376

DEZ

0,000287799 0,012336597 2,427122528 1,816520015 1,649974213 1,509422226

DEZ

1,145588404 1,113876705 1,090818555 1,074330498 1,058643459 1,049495376

Mês/Ano 1998 1999 2000 2001 2002 2003

Mês/Ano 2010 2011 2012 2013 2014 2015

JAN

1,489926538 1,382199843 1,307297380 1,280455077 1,251847168 1,217720070

JAN

1,048936293 1,041761145 1,029327816 1,026354372 1,024397536 1,015669707

FEV

1,473046893 1,375100201 1,304494022 1,278704530 1,248612014 1,211808867

FEV

1,048936293 1,041016818 1,028439244 1,026354372 1,023245362 1,014778732

MAR

1,466504815 1,363783525 1,301464214 1,278234140 1,247151599 1,206841507

MAR

1,048936293 1,040471610 1,028439244 1,026354372 1,022696174 1,014608277

ABR

1,453431202 1,348126385 1,298552858 1,276034257 1,244962955 1,202294429

ABR

1,048106192 1,039212085 1,027342043 1,026354372 1,022424209 1,013295047

MAIO

1,446603234 1,339963329 1,296865636 1,274064553 1,242035477 1,197284989

MAIO

1,048106192 1,038828758 1,027108889 1,026354372 1,021955132 1,012207936

JUN

1,440061037 1,332288018 1,293641880 1,271741082 1,239430195 1,191743382

JUN

1,047571931 1,037200353 1,026628427 1,026354372 1,021338244 1,011042204

JUL

1,433020607 1,328160096 1,290879398 1,269889583 1,237472513 1,186799177

JUL

1,046955274 1,036046198 1,026628427 1,026354372 1,020863542 1,009212502

AGO

1,425177853 1,324275994 1,288885493 1,266797331 1,234194493 1,180348572

AGO

1,045751614 1,034774460 1,026480614 1,026139909 1,019788685 1,006891617

SET

1,419854817 1,320387453 1,286280774 1,262459520 1,231140034 1,175601493

SET

1,044801889 1,032630718 1,026354372 1,026139909 1,019175141 1,005015253

OUT

1,413477208 1,316812308 1,284946999 1,260408835 1,228737852 1,171660029

OUT

1,044068953 1,031596028 1,026354372 1,026058850 1,018286178 1,003089322

NOV

1,401019344 1,313836468 1,283258231 1,256747928 1,225346094 1,167907542

NOV

1,043576385 1,030956834 1,026354372 1,025115744 1,017230293 1,001297000

DEZ

1,392475117 1,311216658 1,281724008 1,254329581 1,222114822 1,165837015

DEZ

1,043225861 1,030292296 1,026354372 1,024903589 1,016739208 1,000000000

OBS.: Foram consideradas as divisões por 1.000 ocorridas em março/1986, janeiro/1989, agosto/1993, e por 2.750 ocorridas em julho/1994.


Tabela para Atualização Diária de Débitos Trabalhistas ATUALIZAÇÃO DE DÉBITOS TRABALHISTAS (tabelas atualizadas em 03.09.2015) • Conforme decisão proferida em 04.08.2015 pelo Tribunal Pleno do TST (Processo nº TST-ArgInc-479-60.2011.5.04.0231), a atualização monetária dos débitos trabalhistas pela TR, prevista no art. 39 da Lei nº 8.177/1991, foi declarada inconstitucional. • Para substituir a TR, foi eleito o IPCA-E (Índice de Preços ao Consumidor Amplo-Especial). • À decisão foi atribuído efeito modulatório, para que o novo índice seja aplicado a partir de 30 de junho de 2009. Em decorrência de tal decisão, fomos solicitados a alterar a tabela de atualização de débitos trabalhistas, conforme Ofício CSJT Setic nº 35, de 18.08.2015, da Secretaria de Tecnologia da Informação e Comunicação do Conselho Superior da Justiça do Trabalho. PRINCIPAIS ALTERAÇÕES Os usuários perceberão duas importantes diferenças na atualização:

2. Tal descompasso é um óbice à correção pro rata die do índice, pois não há como obter índices diários do mês corrente. Além disso, a natureza de índice inflacionário é conceitualmente incompatível com prorratização diária. Assim, o IPCA-E vigora fixo no mês inteiro, calculando-se apenas os juros até a data do pagamento, conforme § 1º do art. 39 da Lei nº 8.177/1991.

Novembro/2015 – Ed. 224

1. A TR é um índice prefixado, ou seja, a sua variação é divulgada para o mês seguinte. O IPCA-E, como índice de preços, é pós-fixado: a variação medida é a inflação do mês anterior.

84


2 – Juros de mora (incidentes a partir da propositura da ação e aplicados sobre o principal corrigido): • Até 28.02.1987 – Juros simples – 0,5% ao mês; • De 01.03.1987 até 31.01.1991 – Juros capitalizados mensalmente – 1% ao mês; • De 01.02.1991 em diante – Juros simples – 1% ao mês.

Fórmula para cálculo da taxa efetiva (T) dos juros capitalizados: T = (1,01)n – 1, onde “n” é igual ao número de dias decorridos desde a data da propositura da ação, contidos no período compreendido entre 01.03.1987 e 31.01.1991, dividido por 30.

Juros Capitalizados Mensalmente Nº Meses

% Efetivo

Nº Meses

% Efetivo

Nº Meses

% Efetivo

01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15 16

1,0000 2,0100 3,0301 4,0604 5,1010 6,1520 7,2135 8,2856 9,3685 10,4622 11,5668 12,6825 13,8093 14,9474 16,0968 17,2578

17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32

18,4304 19,6147 20,8108 22,0190 23,2391 24,4715 25,7163 26,9734 28,2431 29,5256 30,8208 32,1290 33,4503 34,7848 36,1327 37,4940

33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 –

38,8690 40,257+6 41,6602 43,0768 44,5076 45,9527 47,4122 48,8863 50,3752 51,8789 53,3977 54,9317 56,4810 58,0458 59,6263 –

Novembro/2015 – Ed. 224

II – Evolução do Salário-Mínimo desde 1989

85

Vigência

Moeda

Valor

Norma Legal

DOU

Vigência

Moeda

Valor

Norma Legal

DOU

01.10.1989

NCz$

381,73

Decreto nº 98.211/89

02.10.1989

01.09.1990

Cr$

6.056,31

Port. 3.588/90

03.09.1990

01.11.1989

NCz$

557,33

Decreto nº 98.346/89

31.10.1989

01.10.1990

Cr$

6.425,14

Port. 3.628/90

01.10.1990

01.12.1989

NCz$

788,18

Decreto nº 98.456/89

01.12.1989

01.11.1990

Cr$

8.329,55

Port. 3.719/90

01.11.1990

01.01.1990

NCz$

1.283,95

Decreto nº 98.783/89

29.12.1989

01.12.1990

Cr$

8.836,82

Port. 3.787/90

03.12.1990

Cr$

12.325,50

Port. 3.828/90

31.12.1990

01.02.1990

NCz$

2.004,37

Decreto nº 98.900/90

01.02.1990

01.01.1991

01.03.1990

NCz$

3.674,06

Decreto nº 98.985/90

01.03.1990

01.02.1991

Cr$

15.895,46

MP 295/91

01.02.1991

01.04.1990

Cr$

3.674,06

Port. 3.143/90

24.04.1990

01.03.1991

Cr$

17.000,00

Lei nº 8.178/91

04.03.1991

Cr$

42.000,00

Lei nº 8.222/91

06.09.1991

01.05.1990

Cr$

3.674,06

Port. 3.352/90

23.05.1990

01.09.1991

01.06.1990

Cr$

3.857,76

Port. 3.387/90

04.06.1990

01.01.1992

Cr$

96.037,33

Port. 42/92

21.01.1992

01.07.1990

Cr$

4.904,76

Port. 3.501/90

16.07.1990

01.05.1992

Cr$

230.000,00

Lei nº 8.419/92

08.05.1992

01.08.1990

Cr$

5.203,46

Port. 429/90

01.08.1990

01.09.1992

Cr$

522.186,94

Port. 601/92

31.08.1992


Vigência

Moeda

Valor

Norma Legal

DOU

Vigência

Moeda

Valor

Norma Legal

DOU

01.01.1993

Cr$

1.250.700,00

Lei nº 8.542/92

24.12.1992

03.04.2000

R$

151,00

Lei nº 9.971/00

19.05.2000

01.03.1993

Cr$

1.709.400,00

Port. Interm. 4/93

01.03.1993

01.04.2001

R$

180,00

MP 2.142/01 (atual 2.194-6)

30.03.2001

01.05.1993

Cr$

3.303.300,00

Port. Interm. 7/93

04.05.1993

01.04.2002

R$

200,00

Lei nº 10.525/02

28.03.2002

01.07.1993

Cr$

4.639.800,00

Port. Interm. 11/93

01.08.1993

01.04.2003

R$

240,00

Lei nº 10.699/03

10.07.2003

01.08.1993

CR$

5.534,00

Port. Interm. 12/93

03.08.1993

01.05.2004

R$

260,00

Lei nº 10.888/04

25.06.2004

01.09.1993

CR$

9.606,00

Port. Interm. 14/93

02.09.1993

01.05.2005

R$

300,00

Lei nº 11.164/05

19.08.2005

01.10.1993

CR$

12.024,00

Port. Interm. 15/93

04.10.1993

01.04.2006

R$

350,00

MP 288/06

31.03.2006

01.11.1993

CR$

15.021,00

Port. Interm. 17/93

03.11.1993

01.04.2006

R$

350,00

Lei nº 11.321/06

10.07.2006

01.12.1993

CR$

18.760,00

Port. Interm. 19/93

02.12.1993

01.04.2007

R$

380,00

MP 362/07

30.03.2007-extra

01.01.1994

CR$

32.882,00

Port. Interm. 20/93

31.12.1993

01.04.2007

R$

380,00

Lei nº 11.498/07

29.06.2007

01.02.1994

CR$

42.829,00

Port. Interm. 02/94

02.02.1994

01.03.2008

R$

415,00

MP 421/08

29.02.2008-extra

01.03.1994

URV

64,79

Port. Interm. 04/94

03.03.1994

01.02.2009

R$

465,00

MP 456/09

30.01.2009-extra

01.07.1994

R$

64,79

Lei nº 9.069/95

30.06.1994/30.06.1995

01.01.2010

R$

510,00

MP 474/09

24.12.2009

01.09.1994

R$

70,00

Lei nº 9.063/95

01.09.1994/20.06.1995

01.01.2011

R$

540,00

MP 516/10

31.12.2010

01.05.1995

R$

100,00

Lei nº 9.032/95

29.04.1995

01.03.2011

R$

545,00

Lei nº 12.382/11

28.02.2011

01.05.1996

R$

112,00

Lei nº 9.971/00

19.05.2000

01.01.2012

RS

622,00

Decreto nº 7.655/11

26.12.2011

01.05.1997

R$

120,00

Lei nº 9.971/00

19.05.2000

01.01.2013

R$

678.00

Decreto nº 7.872/11

26.12.2012

01.05.1998

R$

130,00

Lei nº 9.971/00

19.05.2000

01.01.2014

R$

724,00

Decreto nº 8.166/13

24.12.2013

01.05.1999

R$

136,00

Lei nº 9.971/00

19.05.2000

01.01.2015

R$

788,00

Decreto nº 8.381/14

29.12.2014

Salário-de-benefício mínimo Salário-de-benefício máximo Renda mensal vitalícia Salário-família:

R$ 788,00 R$ 4.663,75 R$ 788,00 I - R$ 37,18 (trinta e sete reais e dezoito centavos) para o segurado com remuneração mensal não superior a R$ 725,02 (setecentos e vinte e cinco reais e dois centavos);

II - R$ 26,20 (vinte e seis reais e vinte centavos) para o segurado com remuneração mensal superior a R$ 725,02 (setecentos e vinte e cinco reais e dois centavos) e igual ou inferior a R$ 1.089,72 (um mil e oitenta e nove reais e setenta e dois centavos). Benefícios a idosos e portadores de deficiência Um salário-mínimo (Decreto nº 1.744/1995)

Novembro/2015 – Ed. 224

III – Previdência Social – Valores de Benefícios (Abril/2015)

86


8 – Tabela de contribuição (empregado, empregado doméstico e trabalhador avulso) para pagamento de remuneração Salário-de-contribuição (R$)

9 – Escala de salários-base para os segurados contribuinte individual e facultativo

Alíquota para fins de recolhimento ao INSS (%)

Até R$ 1.399,12

8,00*

De R$ 1.399,13 até 2.331,8

9,00*

De R$ 2.331,89 até 4.663,75

11,00*

* Alíquota reduzida para salários e remunerações até três salários-mínimos, em razão do disposto no inciso II do art. 17 da Lei nº 9.311, de 24.10.1996, que instituiu a Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e de Direitos de Natureza Financeira – CPMF.

Nota: Escala extinta, conforme o art. 9º da Lei nº 10.666, de 08.05.2003, DOU 09.05.2003, e o art. 39 da Instrução Normativa DC/INSS nº 89, de 11.06.2003, DOU 13.06.2003.

IV – Imposto de Renda na Fonte TABELA PROGRESSIVA MENSAL Base de cálculo em R$

Alíquota %

Até 1.903,98

-

Novembro/2015 – Ed. 224

O imposto de renda anual devido, incidente sobre os rendimentos de pessoas físicas, será calculado de acordo com a tabela progressiva anual correspondente à soma das tabelas progressivas mensais vigentes nos meses de cada ano-calendário.

-

De 1.903,99 até 2.826,65

7,5 142,80

De 2.826,66 até 3.751,05

15,0 354,80

De 3.751,06 até 4.664,68

22,5 636,13

Acima de 4.664,68

27,5 869,36

Dedução por dependente

87

Parcela a deduzir do imposto em R$

TABELA PROGRESSIVA ANUAL

189,59

V – Depósitos Recursais na Justiça do Trabalho Novos valores para Depósitos Recursais na Justiça do Trabalho (Ato nº 397/2015 do TST, DJe de 13.07.2015, vigência a partir de 01.08.2015) Recurso Ordinário

R$ 8.183,06

Recurso de Revista, Embargos, Recurso Extraordinário e Recurso em Ação Rescisória

R$ 16.366,10

Ação Rescisória – Depósito prévio de 20% do valor da causa, salvo prova de miserabilidade, nos termos do art. 836 da CLT, alterado pela Lei nº 11.495/2007, cujos efeitos começam a fluir a partir do dia 24.09.2007.


VI – Indexadores Indexador INPC IGPM UFIR SELIC

Maio

Junho

Julho

Agosto

Setembro

Outubro

0,99 0,77 0,58 0,28 0,51 0,41 0,67 0,69 0,25 0,95 Extinta, a partir de outubro de 2000, pela MP 1.973-67, atual Lei nº 10.522, de 19.07.2002, DOU 22.07.2002, art. 29, § 3º. 0,95 0,99 1,07 1,18 1,11 Valor de Referência Base Maio/1992 – Cruzeiros 79.297,75 Emissão anterior a Jan./1989 79.297,75

TDA

0,77 1,89 1,11

Valores nominais reajustados – Reais 91,87 Emissão anterior a Jan./1989 157,23

(*) Referente ao primeiro dia de cada mês.

VII  – Índices de Atualização dos Débitos Judiciais Tabela editada em face da Jurisprudência ora predominante.

Mês/Ano 1998

JAN 11.230,659840 140.277,063840 FEV 14.141,646870 180.634,775106 MAR 17.603,522023 225.414,135854 ABR 21.409,403484 287.583,354522 MAIO 25.871,123170 369.170,752199 JUN 32.209,548346 468.034,679637 JUL 38.925,239176 610.176,811842 AGO 47.519,931986 799,392641 SET 58.154,892764 1065,910147 OUT 72.100,436048 1445,693932 NOV 90.897,019725 1938,964701 DEZ 111.703,347540 2636,991993

JAN FEV MAR ABR MAIO JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ

3631,929071 5132,642163 7214,955088 10323,157739 14747,663145 21049,339606 11,346741 12,036622 12,693821 12,885497 13,125167 13,554359

13,851199 16,819757 14,082514 17,065325 14,221930 17,186488 14,422459 17,236328 14,699370 17,396625 15,077143 17,619301 15,351547 17,853637 15,729195 18,067880 15,889632 18,158219 16,075540 18,161850 16,300597 18,230865 16,546736 18,292849

18,353215 18,501876 18,585134 18,711512 18,823781 18,844487 18,910442 18,944480 18,938796 18,957734 19,012711 19,041230

1999

2000

2001

2002

19,149765 19,626072 21,280595 22,402504 24,517690 19,312538 19,753641 21,410406 22,575003 24,780029 19,416825 20,008462 21,421111 22,685620 24,856847 19,511967 20,264570 21,448958 22,794510 25,010959 19,599770 20,359813 21,468262 22,985983 25,181033 19,740888 20,369992 21,457527 23,117003 25,203695 19,770499 20,384250 21,521899 23,255705 25,357437 19,715141 20,535093 21,821053 23,513843 25,649047 19,618536 20,648036 22,085087 23,699602 25,869628 19,557718 20,728563 22,180052 23,803880 26,084345 19,579231 20,927557 22,215540 24,027636 26,493869 19,543988 21,124276 22,279965 24,337592 27,392011

2003 28,131595 28,826445 29,247311 29,647999 30,057141 30,354706 30,336493 30,348627 30,403254 30,652560 30,772104 30,885960

Novembro/2015 – Ed. 224

Mês/Ano 1992 1993 1994 1995 1996 1997

88


Mês/Ano JAN FEV MAR ABR MAIO JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ

2004

2005 2006 2007

31,052744 32,957268 31,310481 33,145124 31,432591 33,290962 31,611756 33,533986 31,741364 33,839145 31,868329 34,076019 32,027670 34,038535 32,261471 34,048746 32,422778 34,048746 32,477896 34,099819 32,533108 34,297597 32,676253 34,482804

2008

2009

34,620735 35,594754 37,429911 34,752293 35,769168 37,688177 34,832223 35,919398 37,869080 34,926270 36,077443 38,062212 34,968181 36,171244 38,305810 35,013639 36,265289 38,673545 34,989129 36,377711 39,025474 35,027617 36,494119 39,251821 35,020611 36,709434 39,334249 35,076643 36,801207 39,393250 35,227472 36,911610 39,590216 35,375427 37,070329 39,740658

39,855905 40,110982 40,235326 40,315796 40,537532 40,780757 40,952036 41,046225 41,079061 41,144787 41,243534 41,396135

Mês/Ano JAN FEV MAR ABR MAIO JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ

2010

2011 2012 2013

41,495485 44,178247 46,864232 41,860645 44,593522 47,103239 42,153669 44,834327 47,286941 42,452960 45,130233 47,372057 42,762866 45,455170 47,675238 42,946746 45,714264 47,937451 42,899504 45,814835 48,062088 42,869474 45,814835 48,268754 42,839465 46,007257 48,485963 43,070798 46,214289 48,791424 43,467049 46,362174 49,137843 43,914759 46,626438 49,403187

2014

2015

49,768770 52,537233 55,809388 50,226642 52,868217 56,635366 50,487820 53,206573 57,292336 50,790746 53,642866 58,157450 51,090411 54,061280 58,570367 51,269227 54,385647 59,150213 51,412780 54,527049 59,605669 51,345943 54,597934 59,951381 51,428096 54,696210 60,101259 51,566951 54,964221 60,407775 51,881509 55,173085 60,872914 52,161669 55,465502

Observação I – Dividir o valor a atualizar (observar o padrão monetário vigente à época) pelo fator do mês do termo inicial e multiplicar pelo fator do mês do termo final, obtendo-se o resultado na moeda vigente na data do termo final, não sendo necessário efetuar qualquer conversão. Esclarecendo que, nesta tabela, não estão incluídos os juros moratórios, apenas a correção monetária.

Padrões monetários a considerar: Cr$ (cruzeiro): de out./1964 a jan./1967

NCz$ (cruzado novo): de jan./1989 a fev./1990

NCr$ (cruzeiro novo): de fev./1967 a maio/1970

Cr$ (cruzeiro): de mar./1990 a jul./1993

Cr$ (cruzeiro): de jun./1970 a fev./1986

CR$ (cruzeiro real): de ago./1993 a jun./1994

Cz$ (cruzado): de mar./1986 a dez./1988

R$ (real): de jul./1994 em diante

Novembro/2015 – Ed. 224

Exemplo: Atualização, até novembro de 2015, do valor de Cz$1.000,00 fixado em janeiro de 1988 Cz$1.000,00 : 596,94 (janeiro/1988) x 60,872914 (novembro/2015) = R$ 101,97

89

Observação II – Os fatores de atualização monetária foram compostos pela aplicação dos seguintes índices:

Out./1964 a fev./1986: ORTN Abr./1989 a mar./1991: IPC do IBGE (de mar./1989 a fev./1991) Mar./1986 e mar./1987 a jan./1989: OTN Abr./1991 a jul./1994: INPC do IBGE (de mar./1991 a jun./1994) Ago./1994 a jul./1995: IPC-r do IBGE (de jul./1994 a jun./1995) Abr./1986 a fev./1987: OTN pro rata Fev./1989: 42,72% (conforme STJ, índice de jan./1989 Mar./1989: 10,14% (conforme STJ, índice de fev./1989) Ago./1995 em diante: INPC do IBGE (de jul./1995 em diante), sendo que, com relação à aplicação da deflação, a matéria ficará sub judice)

Observação III – Aplicação do índice de 10,14%, relativo ao mês de fevereiro de 1989, ao invés de 23,60%, em cumprimento ao decidido no Processo nº G-36.676/2002. Fonte: , TJSP, Administrativo, 9/11/2015, p. 2 * Aplicável aos cálculos judiciais, exceto para aqueles com normas específicas estabelecidas por lei ou com decisão transitada em julgado, que estabelece critérios e índices diferentes.


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