Edição Outubro 2013

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O Estágio Probatório e a Aposentadoria Voluntária Bruno Sá Freire Martins p. 1

Transgênicos e a Responsabilidade Civil das Empresas Quanto ao Dever de Informação ao Consumidor e Quanto aos Danos à Biodiversidade – Euzébio Henzel Antunes – p. 7 Benefícios por Incapacidade – A Evolução do Trato Judicial na PFE/INSS – Laís Fraga Kauss – p. 39 Crimes de Colarinho Branco e a Formação do Direito Penal Secundário: os Desafios da Política Criminal Contemporânea – Marcelo Marcante Flores – p. 45 A Defensoria Pública – Eldio Martins de Souza Junior – p. 58 É Devido o IPI na Importação? – Kiyoshi Harada – p. 65 Acórdão na Íntegra – Supremo Tribunal Federal – p. 69 Pesquisa Temática – Homicídio – p. 71

Jornal Jurídico

Jurisprudência Comentada – Processual Civil e Administrativo. Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial. Sindicato. Falta de Prequestionamento. Súmula nº 282/STF. Registro no Ministério do Trabalho. Obrigatoriedade. Unicidade Sindical Hélio Rios Ferreira – p. 79 Medida Provisória – p. 81

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Normas Legais – p. 85 Indicadores – p. 86


Doutrina

O Estágio Probatório e a Aposentadoria Voluntária BRUNO SÁ FREIRE MARTINS Servidor público, Advogado no escritório Silva Freire & Vargas Assessoria e Advocacia, Pós-Graduado em Direito Público e Direito Previdenciário, Professor de Pós-Graduação e Autor do livro Direito constitucional previdenciário do servidor público e de vários artigos na área previdenciária.

SUMÁRIO: Introdução; 1 A aposentadoria voluntária; 2 Exigências constitucionais para a aposentadoria; 3 Posicionamento dos Tribunais Superiores; 4 Estágio probatório; 5 Estabilidade x efetividade; Conclusão.

Não bastassem todas essas dificuldades decorrentes da letra fria da norma, os Tribunais pátrios, ao posicionarem-se no sentido de que é vedada a concessão de aposentadoria voluntária durante o estágio probatório, impõem mais uma dificuldade aos servidores que buscam usufruir do benefício. É preciso destacar que em nenhum momento a Constituição Federal elenca entre os requisitos necessários para a concessão da aposentadoria a obrigatoriedade de aprovação em estágio probatório ou mesmo a declaração de estabilidade do servidor. Mesmo assim, o entendimento jurisprudencial predominante é no sentido de que a concessão do benefício, mediante requerimento do interessado, não pode ocorrer durante o estágio probatório. Daí a necessidade de se levar a fundo a discussão acerca da possibilidade ou não de concessão de aposentadoria voluntária no decorrer do estágio probatório.

INTRODUÇÃO O ato de se aposentar é considerado, hoje, pelo servidor público, como verdadeira vitória, diante das barreiras que lhe são impostas pelo Texto Constitucional e porque não dizer pelas normas infraconstitucionais. As exigências etárias e o número mínimo de contribuições, aliados à forma de cálculo dos proventos, introduzida pela Emenda Constitucional nº 41/2003, atuam como verdadeiros empecilhos para a concessão do benefício, além de se configurarem como desestímulo ao futuro beneficiário que se vê cada vez mais distante de seu descanso remunerado.

1 A APOSENTADORIA VOLUNTÁRIA A aposentadoria do servidor público é formalizada por ato administrativo e pode ser voluntária ou compulsória. Na primeira, cabe ao servidor, após ter preenchido todos os requisitos previstos na Constituição Federal ou em legislação do ente federado, solicitar a concessão do benefício, manifestando assim a sua vontade de se aposentar1. 1 MARTINS, Bruno Sá Freire. Direito constitucional previdenciário do servidor público. São Paulo. LTr, 2006, p. 61-62.


Assim, o ordenamento constitucional brasileiro admite a existência de apenas duas modalidades de aposentadoria: a por dever de ofício estatal (aposentadoria compulsória e por invalidez) e a por ato de vontade (aposentadoria voluntária). Na condição de ato de vontade do servidor, a aposentadoria, para a sua concessão, pressupõe, após o preenchimento dos requisitos elencados na Constituição Federal e em lei, a formulação de requerimento junto à autoridade competente para a sua concessão.

2 EXIGÊNCIAS CONSTITUCIONAIS PARA A APOSENTADORIA O Texto Constitucional, ao disciplinar as situações em que o ato de aposentadoria decorre da manifestação de vontade do servidor, elencou várias hipóteses, tais como a aposentadoria por idade ou a por contribuição. Em todas essas hipóteses, os requisitos constitucionalmente estabelecidos consistem no preenchimento cumulativo de tempo mínimo de contribuição, da idade mínima e do tempo mínimo no serviço público, na carreira e/ou no cargo efetivo em que se dará a aposentadoria. No intuito de uniformizar a interpretação e evitar divergências quanto aos conceitos relativos aos requisitos constitucionalmente impostos para a concessão de aposentadoria, o Ministério da Previdência, por intermédio da Secretaria de Políticas de Pre-

vidência Social, editou a Orientação Normativa SPS nº 2, de 31 de março de 2009, dispondo que: Art. 2º Para os efeitos desta orientação normativa, considera-se: [...] VI – cargo efetivo: o conjunto de atribuições, deveres e responsabilidades específicas definidas em estatutos dos entes federativos cometidas a um servidor aprovado por meio de concurso público de provas ou de provas e títulos; VII – carreira: a sucessão de cargos efetivos, estruturados em níveis e graus segundo sua natureza, complexidade e o grau de responsabilidade, de acordo com o plano definido por lei de cada ente federativo; VIII – tempo de efetivo exercício no serviço público: o tempo de exercício de cargo, função ou emprego público, ainda que descontínuo, na Administração direta, indireta, autárquica, ou fundacional de qualquer dos entes federativos; [...].

Tomando por base a interpretação levada a efeito pela própria União, norteadora da atuação de todos os regimes próprios, conclui-se que a Carta Magna não exige, para a concessão de aposentadoria, que o servidor tenha concluído seu estágio probatório ou mesmo tenha sido declarado estável no serviço público. A exigência constitucionalmente imposta é a de que o servidor a ser beneficiado com a aposentadoria seja ocupante de cargo de provimento efetivo. Cargo de provimento efetivo é aquele sujeito a regime jurídico próprio no tocante à exoneração, à remuneração e à futura inativação, cujo provimento é condicionado ao preenchimento de

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A aposentadoria por invalidez é considerada por muitos como ato de vontade do servidor, contudo caracteriza-se como uma obrigação do Estado, já que este, ao constatar a doença incapacitante de seu servidor, tem o dever de promover a sua inativação, sob pena de ofensa ao princípio da eficiência e a segurança do servidor adoentado e dos demais.

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requisitos objetivos, usualmente avaliados mediante concurso público2. É fato que a competência para legislar sobre Previdência Social é concorrente entre os Entes Federados, ou seja, compete à União editar as normas gerais e aos demais as específicas, nos termos que apregoa o art. 24, inciso XII, da Constituição Federal. Assim, o rol de requisitos elencados pela Carta Magna não se constitui em numerus clausulus, admitindo-se a criação pelos Entes Federados de outros.

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Esse é o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, senão vejamos:

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Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Estadual nº 2.120/1999. Alegação de que a Lei Estadual violou os arts. 25, §§ 1º e 4º, 40 e 195, caput, § 5º, da CF, ao indicar “os filhos solteiros, com idade até 24 anos e frequência a cursos superiores ou técnico de 2º grau como dependentes, para fins previdenciários, no Estado do Mato Grosso do Sul”. 2. O art. 195 da CF, na redação da EC 20/1998, estipula que nenhum benefício ou serviço de seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total. A Lei nº 9.717/1998 dispôs sobre regras gerais para a organização e funcionamento dos regimes próprios de Previdência Social dos servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos militares dos Estados e do Distrito Federal, dando outras providências. 3. No art. 5º da Lei nº 9.717/1998 dispõe que “os regimes próprios de Previdência Social dos servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos militares dos Estados, e do Distrito Federal, não poderão conceder benefícios distintos dos previstos no Regime Geral de Previdência Social, de que trata a Lei nº 8.213/1991”. 4. Extensão do benefício impugnada se fez sem qualquer previsão de correspondente fonte de custeio. A competência concorrente dos Estados em matéria previdenciária, 2 FILHO, Marçal Justen. Curso de direito administrativo. 5. ed. São Paulo. Saraiva, p. 864.

não autoriza se desatendam os fundamentos básicos do sistema previdenciário, de origem constitucional. 5. Relevantes os fundamentos da inicial. Medida liminar deferida.3 EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – MEDIDA CAUTELAR – CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO MARANHÃO – EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 64/2011 – SERVIDORES PÚBLICOS – APOSENTADORIA COMPULSÓRIA AOS 75 ANOS DE IDADE – DENSA PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DA ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE – PERIGO NA DEMORA CONFIGURADO – MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA COM EFEITOS RETROATIVOS – 1. A Constituição Federal de 1988 estabelece, no art. 40, § 1º, II, a idade de 70 (setenta) anos para a aposentadoria compulsória dos servidores públicos. 2. Trata-se de norma de reprodução obrigatória pelos Estados-membros, que não podem extrapolar os limites impostos pela Constituição Federal na matéria. 3. Caracterizada, portanto, a densa plausibilidade jurídica da arguição de inconstitucionalidade da Emenda à Constituição do Estado do Maranhão nº 64/2011, que fixou a idade de 75 (setenta e cinco) anos para a aposentadoria compulsória dos servidores públicos estaduais e municipais. 4. Do mesmo modo, configura-se o periculum in mora, na medida em que a manutenção dos dispositivos impugnados acarreta grave insegurança jurídica. 5. Medida cautelar deferida com efeito ex tunc.4

Contudo, em razão da competência concorrente prevista na Constituição Federal, a inserção de novos requisitos aposentatórios somente pode se dar mediante lei e com observância das normas constantes da Carta Maior.

3 POSICIONAMENTO DOS TRIBUNAIS SUPERIORES Ocorre que os Tribunais brasileiros, apesar da inexistência de previsão na lei de que a conclusão do estágio probatório é 3 STF, ADIn 2311 MC/MS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Néri da Silveira, DJ 07.06.2002. 4 STF, ADIn 4698 MC/MA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ 01.12.2011.


Nesse sentido, manifesta-se o Superior Tribunal de Justiça: RECURSO ORDINÁRIO – MANDADO DE SEGURANÇA – SERVIDOR PÚBLICO – EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 19/1998 – ESTÁGIO PROBATÓRIO – TRÊS ANOS DE EFETIVO EXERCÍCIO – PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – APOSENTADORIA VOLUNTÁRIA – NÃO CABIMENTO – 1. A Terceira Seção desta Corte, ao interpretar a alteração promovida pela Emenda Constitucional nº 19/1998 no art. 41 da Lei Maior, consolidou a tese segundo a qual o prazo do estágio probatório dos servidores públicos é de três anos. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal. 2. Tendo em vista que apenas o período de efetivo exercício no cargo deve ser considerado para conclusão do estágio probatório, período no qual se verifica se o servidor preenche os requisitos para o desempenho do cargo, em caso de cessão do servidor para outro órgão ocorre suspensão da contagem do prazo de três anos. 3. Não pode o servidor em estágio probatório, ainda não investido definitivamente no cargo, aposentar-se voluntariamente, uma vez que o estágio probatório constitui etapa final do processo seletivo para a aquisição da titularidade do cargo público. Precedente do Pleno do Supremo Tribunal Federal. 4. Recurso ordinário improvido.5

Na mesma esteira caminha o Supremo Tribunal Federal, senão vejamos: EMENTA: CONSTITUCIONAL – ADMINISTRATIVO – SERVIDOR PÚBLICO – APOSENTADORIA – ESTÁGIO PROBATÓRIO – I – Constituindo o estágio probatório complemento do processo seletivo, etapa final deste, não pode o servidor, no curso do mesmo, aposentar-se, voluntariamente. II – Precedentes do STF: MS 22.947/BA, Min. Octavio Gallotti, Plenário, 11.11.1998; MS 22.933/DF, Min. Octavio Gallotti, Plenário, 26.06.1998; MS 23.577/DF,

5 STJ, RMS 23689/RS, 6ª T., Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 07.06.2010.

Min. Carlos Velloso, Plenário, 15.05.2002; MS 24.543/DF, Min. Carlos Velloso, Plenário, 21.08.2003. III – Mandado de segurança indeferido. 6

As decisões proferidas pelos Tribunais Superiores implicam a criação de novo requisito para a concessão do benefício, já que nem a Constituição Federal nem as emendas constitucionais que dispuseram acerca do assunto impuseram a necessidade de que o servidor fosse estável no serviço público para usufruir da sua aposentadoria. Na mesma esteira caminha a legislação dos Entes Federados à medida que reproduzem em seu texto o teor da norma constitucional. Dessa forma, ao reconhecer a necessidade de estabilização do servidor no serviço público para a concessão do benefício, os Tribunais Superiores atuam como legisladores positivos à medida que incluem requisito para a concessão do benefício não elencado no Texto Maior e muito menos na legislação infraconstitucional, além de distorcerem o conceito de estágio probatório e confundirem efetividade e estabilidade.

4 ESTÁGIO PROBATÓRIO Isso porque o estágio probatório de três anos, terceira condição para a estabilidade, é o período de exercício do servidor durante o qual é observada e apurada pela Administração a conveniência ou não de sua permanência no serviço público, mediante a verificação dos requisitos estabelecidos em lei para a aquisição da estabilidade (idoneidade moral, aptidão, disciplina, assiduidade, dedicação ao serviço, eficiência, etc.)7. 6 STF, MS 24744/DF, Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 26.11.2004. 7 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 26. ed. São Paulo. Malheiros, p. 413.

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requisito para a concessão do benefício e divergindo do Texto Maior, entendem que o benefício somente pode ser concedido após a conclusão deste.

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Portanto, constitui-se esse em período de provas, após o qual o servidor será considerado apto definitivamente para o exercício do cargo, momento a partir do qual poderá ser declarado estável no serviço público, por ter demonstrado suas qualidades e sua adaptação às exigências da Administração Pública.

5 ESTABILIDADE X EFETIVIDADE

É fato que alguns afirmam que o estágio probatório é um período de prova para o servidor, de teste, em que o candidato será avaliado quanto às suas aptidões para o exercício do cargo. Também denominado em algumas carreiras de estágio confirmatório, visa a verificar a observância dos deveres, proibição e impedimentos, a eficiência e disciplina e a assiduidade do servidor. Caso o servidor não preencha os requisitos, será exonerado por inabilitação em estágio probatório8.

Estabilidade é a garantia constitucional do servidor público estatutário de permanecer no serviço público, após o período de três anos de efetivo exercício. Efetividade nada mais é do que a situação jurídica que qualifica a titularização de cargos efetivos, para distinguir-se da que é relativa aos ocupantes de cargo em comissão. Se um servidor ocupa um cargo efetivo, tem efetividade; se ocupa cargo em comissão, não a tem9.

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Tal entendimento não enseja a conclusão de que o estágio probatório é pressuposto para a efetividade, pois esta se relaciona com o cargo e não com o servidor; e como tal já acompanha este desde o momento em que ingressou nos quadros da Administração Pública.

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Além disso, não se pode deixar de lado o fato de que mesmo quando o cidadão não for aprovado no estágio probatório, sua saída das fileiras do serviço público será mediante exoneração, sendo esta precedida de processo administrativo em que lhe seja assegurado o contraditório e a ampla defesa. Assim, resta claro que a conclusão do estágio probatório não é pressuposto da efetividade no cargo – exigência constitucionalmente imposta para a concessão do benefício.

8 MARINELA, Fernanda. Direito administrativo. 5. ed. Rio de Janeiro. Impetus, p. 681.

É muito comum em nosso ordenamento jurídico o entendimento de que a estabilidade e a efetividade somente são alcançados após a conclusão do estágio probatório, demonstrando assim a confusão existente entre os conceitos dos dois institutos.

Portanto, a efetividade é atributo do cargo ocupado, enquanto que a estabilidade relaciona-se com a pessoa do servidor. A primeira pressupõe a existência de motivação para a dispensa do servidor dos quadros da Administração, seja essa por vontade da própria Administração Pública como nos casos de demissão ou exoneração durante o estágio probatório ou mesmo pelo excesso de despesa com pessoal, seja do servidor nos casos de exoneração do pedido. Enquanto que a segunda é o direito de permanecer no serviço público, não no cargo10. Ou seja, independentemente da existência do cargo para o qual o servidor foi aprovado no concurso público, esse servidor fará jus a permanecer nos quadros da Administração.

9 SANTOS FILHO, José dos. Manual de direito administrativo. 23. ed. Rio de Janeiro. Lumen Juris, p. 729. 10 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 14. ed. São Paulo. Saraiva, p. 276.


Não se pode deixar de mencionar o fato de que o servidor já declarado estável no serviço público em razão de aprovação em estágio probatório relativo a um cargo anteriormente ocupado e que não tenha sido aprovado no estágio probatório referente a novo cargo para o qual tenha prestado concurso público terá direito a retornar ao anteriormente ocupado. Portanto, não há razão para confundir efetividade com estabilidade, porque aquela é uma característica da nomeação e esta é um atributo pessoal do ocupante do cargo, adquirido após a satisfação de certas condições de seu exercício. A efetividade é um pressuposto necessário da estabilidade. Sem efetividade não pode ser adquirida a estabilidade11. O próprio Supremo Tribunal Federal coaduna e reconhece a diferenciação, senão vejamos: EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – MEDIDA CAUTELAR – CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO PARANÁ – § 2º DO ART. 35 – LEI ESTADUAL Nº 10.219, DE 21 DE DEZEMBRO DE 1992 – ART. 70, § 2º – SERVIDORES PÚBLICOS ORIUNDOS DO REGIME CELETISTA – CONTAGEM DO TEMPO DE SERVIÇO PRESTADO AO ESTADO – EFETIVIDADE E ESTABILIDADE – DISTINÇÃO – 1. Não afronta o princípio da iniciativa prevista no art. 61, § 1º, inciso II, alínea c, da Constituição Federal, a norma da Carta Estadual que, exceto para fins de aposentadoria e disponibilidade, permite o cômputo do tempo de serviço prestado ao Estado para os demais efeitos legais. 2. Efetividade e estabilidade. Não há que confundir efetividade com estabilidade. Aquela é atributo do cargo, designando o funcionário desde o instante da nomeação; a estabilidade é aderência, é integração no serviço público depois de preenchidas determinadas condições fixadas em lei, que se adquire pelo decurso de tempo. Precedente: RE 167.635. 3. O servidor que preenchera as condições exigidas pelo art. 19 do ADCT-CF/1988 é 11 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 26. ed. São Paulo. Malheiros, p. 413.

estável no cargo para o qual fora contratado pela Administração Pública, mas não é efetivo. Por isso não se equipara ao servidor público efetivo no que concerne aos efeitos legais que dependam da efetividade. 4. Pedido de liminar deferido, em parte.12

Então, a estabilidade é atributo da pessoa que integra os quadros da Administração Pública, enquanto que a efetividade se constitui em característica do cargo público, mesmo que ambas pressuponham a prévia aprovação em concurso público.

CONCLUSÃO Assim, não se pode confundir a estabilidade, que se caracteriza como a garantia de permanência do cidadão no serviço público; com a efetividade, que se constitui em atributo do cargo ocupado pelo servidor e se relaciona com sua higidez quanto à possibilidade de sua exoneração. Sendo a efetividade a exigência constitucionalmente prevista para a concessão de aposentadoria voluntária, impor a conclusão do estágio probatório e consequentemente o reconhecimento da estabilidade do servidor público para a concessão do benefício, quando inexiste previsão infraconstitucional para tanto, caracteriza afronta ao Texto Maior. Portanto, o direito à concessão de aposentadoria voluntária não pode ser cerceado sob o argumento de que o servidor ainda não alcançou a estabilidade no serviço público, pois tal conduta encontra-se eivada de inconstitucionalidade.

12 STF, ADIn 1695 MC/PR, Pleno, Rel. Min. Mauricio Correa, DJ 07.08.1998.

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Assim, mesmo que ocorra a extinção do cargo, o servidor permanecerá nos quadros da Administração Pública.

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Doutrina

Transgênicos e a Responsabilidade Civil das Empresas Quanto ao Dever de Informação ao Consumidor e Quanto aos Danos à Biodiversidade EUZÉBIO HENZEL ANTUNES

Advogado, Especialista em Direito Público pela PUCRS, Especializando em Direito Empresarial pela PUCRS.

RESUMO: O presente trabalho traz algumas considerações a respeito dos alimentos transgênicos e da responsabilidade civil das sociedades empresariais, precisamente no que tange ao dever de informação aos consumidores sobre os alimentos que contenham organismos geneticamente modificados, bem como a respeito da responsabilidade civil quanto aos danos à biodiversidade. Assim, primeiramente faz-se referência quanto a aspectos gerais em relação ao tema em estudo, perscrutando sobre o que são transgênicos e sobre os riscos relativos à utilização desses produtos. Aborda-se o princípio da precaução, que se embrenha pelo nosso ordenamento jurídico, norteando os operadores do Direito no sentido de que haja uma interpretação conforme as normas da Constituição Federal. Após, faz-se uma análise quanto à responsabilidade civil das sociedades empresariais no que concerne às plantações de produtos transgênicos e à preservação

da nossa biodiversidade, especificamente quanto à contaminação de lavouras convencionais por organismos transgênicos. Por fim, examina-se a responsabilidade civil das empresas no que tange ao dever de informação na comercialização dos produtos que contêm organismos geneticamente modificados. Tem o trabalho o objetivo de esclarecer a respeito da responsabilidade das sociedades empresariais em relação ao comércio dos alimentos transgênicos, bem como de alertar para a necessidade de informação, analisando aspectos pontuais a respeito do tema, visando à defesa e à preservação dos princípios e normas previstas no nosso ordenamento jurídico, assim como o respeito aos direitos fundamentais. Dessa forma, tem como intuito instigar o estudo por parte dos operadores do Direito, de tema atual e relevante, além de promover o debate a respeito do assunto. ABSTRACT: This paper presents some considerations regarding OGM foods and the civil liability of corporate business, specifically in regard to the duty to inform consumers of foods containing genetically modified organisms, as well as to the liability of the damage to biodiversity. So first is referred to as general aspects in relation to the subject under study, examining what is transgenic and the risks relating to the use of these products. It addresses the precautionary principle, which penetrates the guiding our legal jurists in the sense that there is an interpretation according to the norms of the Constitution. After an analysis it is made as to the liability of the companies business in relation to planting of OGM products and the preservation of our biodiversity, especially regarding the contamination of conventional crops by genetically modified organisms. Finally, it examines the liability of companies in regard to the duty of disclosure in the marketing of products containing genetically modified organisms. This paper must work in order to clarify about the responsibility of business corporations in relation to trade in OGM foods, as well as drawing attention to the need for information, analyzing specific aspects regarding the issue to the defense and preservation of the principles and standards under our legal system, as well as respect for fundamental rights. Thus it has the intention to instigate a study by law enforcement officers, current and relevant theme, and it promotes a debate on the subject.


INTRODUÇÃO Atualmente, a gama de alimentos que contém organismos geneticamente modificados aumenta de forma célere, gerando a necessidade de estudos e debates a respeito do tema, tendo em vista que se vislumbra uma série de problemas no que tange a sua comercialização. No continente europeu, irrompe-se uma moratória no que tange ao cultivo de plantas transgênicas. Não se sabe ainda, com certeza científica, a respeito dos riscos que podem apresentar, e, consequentemente, tal fato traz preocupações quanto aos possíveis impactos ambientais, principalmente no que diz respeito à biodiversidade, bem como no que concerne à saúde humana. Tais questões já evidenciam a importância do tema. Acrescente-se, ademais, que há uma série de conflitos no que tange ao assunto, principalmente de ordem econômica. Por óbvio, está envolvida uma enorme gama de lucros nessas pesquisas para registro desses alimentos. Todavia, o maior argumento na contramão desse entendimento é de que esses estudos são necessários para acabar com a fome no planeta. E, assim sendo, surge o questionamento de como ficaria a responsabilidade das empresas no que se refere ao dever de informação ao consumidor a respeito desses produtos, bem como a sua responsabilidade civil no que concerne aos possíveis danos que podem advir à saúde das pessoas e a danos relacionados à biodiversidade.

Assim, põe-se o problema central que norteia o presente trabalho. Primeiramente, enfrenta-se a questão relativa ao conceito de transgênicos e aos riscos que podem advir do seu consumo, por meio de cânones teóricos. Após, são introduzidas breves noções sobre o princípio da precaução. Por fim, de forma concisa, são feitas algumas notas sobre a responsabilidade civil das sociedades empresariais no que diz respeito à biodiversidade, bem como no que tange ao direito de informação do consumidor, ou seja, de ter ciência que os alimentos colocados para consumo no mercado contêm organismos geneticamente modificados. Destarte, tem o trabalho o objetivo de analisar, ainda que sucintamente, os fundamentos éticos e jurídicos no que concerne à temática. Por derradeiro, são tecidas algumas considerações finais sobre o tema estudado, pretendendo lançar algumas luzes para aprofundar o debate. Espera-se, assim, contribuir para o estudo do direito, fomentando uma maior reflexão a respeito do tema, colaborando com subsídios para um melhor exame e compreensão sobre a matéria.

1 ALIMENTOS TRANSGÊNICOS Alimento transgênico é qualquer organismo modificado pelas técnicas de engenharia genética por meio de introdução de uma ou mais sequências de DNA (genes) provenientes de outra espécie ou uma sequência modificada. Conforme Jorge Alberto Quadros Carvalho Silva1, transgênicos são “organismos que têm a estrutura genética alterada pela 1 SILVA, Jorge Alberto Quadros Carvalho. Alimentos transgênicos: aspectos ideológicos, ambientais, econômicos, políticos e jurídicos. In: SANTOS,

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SUMÁRIO: Introdução; 1 Alimentos transgênicos; 1.1 Riscos quanto à sua utilização; 1.2 O princípio da precaução; 2 Responsabilidade civil ambiental; 2.1 Responsabilidade civil das sociedades empresariais pelos danos à biodiversidade no que tange ao cultivo de transgênicos – Contaminação das lavouras convencionais pelas lavouras transgênicas; 2.2 Responsabilidade das sociedades empresariais quanto ao dever de informação sobre o conteúdo de transgênicos nos alimentos colocados para consumo; Considerações finais; Referências.

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atividade da engenharia genética, que utiliza genes de outros organismos para dar àqueles novas características”. De acordo com o art. 3º, incisos IV e V, da Lei nº 8.974/1995, Organismo Geneticamente Modificado (OGM) é aquele cujo material genético (Ácidos Desoxirribonucleicos – ADN, e Ribonucleico – ARN) tenha sido modificado por qualquer técnica de engenharia genética, ao passo que esta, por sua vez, é a atividade de manipulação de moléculas ADN/ARN recombinantes. A Lei nº 11.105/2005, no seu art. 3º, inciso V, diz que: “Art. 3º Para os efeitos desta Lei, considera-se: [...] V – organismo geneticamente modificado – OGM: organismo cujo material genético – ADN/ARN tenha sido modificado por qualquer técnica de engenharia genética; [...]”.

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Essa inserção de material genético se dá, na maioria das vezes, por meio de material procedente de espécies, famílias, reinos que anteriormente não podiam ser fontes para uma espécie em particular, criando organismos novos. Salienta-se que, com esses organismos novos criados, não há nenhuma experiência evolutiva.

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Conforme noticiado na Revista Ecologia e Desenvolvimento2, a primeira experiência com organismos geneticamente modificados ocorreu na década de 1980, sendo transferido o DNA de uma bactéria para uma planta. Até poucos anos atrás, eram utilizados apenas métodos clássicos de cruzamento, ou seja, a genética mendeliana3. Todavia, Maria Celeste Cordeiro Leite. Biodireito. Ciência da vida, os novos desafios. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 327. 2 DANTAS, Grace. Transgênicos: o que vamos comer no futuro? Revista Ecologia e Desenvolvimento, Rio de Janeiro, v. 9, n. 72, p. 44-50, 1999. 3 O monge agostiniano Gregor Mendel, no ano de 1865, na Morávia, descobre as leis da hereditariedade por meio do cultivo de ervilhas.

o rendimento das culturas se tornou estacionário, o que levou os cientistas a buscarem outros métodos. Segundo artigo publicado na Revista de Biotecnologia, Ciência e Desenvolvimento4, as primeiras plantas transgênicas foram desenvolvidas em 1983, quando um gene codificante para a resistência contra o antibiótico canamicina foi introduzido em plantas de fumo. Ressalva-se que, no ano de 1987, cinco tipos de plantas transgênicas foram testados no campo. Em 1995, um total de 707 tipos de plantas transgênicas foi para o campo. E frisa-se que as espécies que foram manipuladas são as mais utilizadas na alimentação humana, animal e na indústria de tecido. Em reportagem da Revista Farmacêutica Kairos5, é salientado o fato de que uma dezena de produtos alterados geneticamente em laboratório já chegou à mesa de milhares de pessoas nos Estados Unidos, no Canadá, na França e na Grã-Bretanha, com alterações imperceptíveis ao consumidor. Os alimentos transgênicos são consumidos em larga escala nos Estados Unidos, submetendo-se, assim, a maioria da população do país a um experimento alimentar. Todavia, é importante ressaltar que os mercados europeu e japonês os rejeitaram em sua grande maioria. Assim, no que tange à economia, há preocupações a respeito6. 4 GANDEN, Eugen S. Plantas transgênicas. Biotecnologia ciência e desenvolvimento. Brasília, v. 1, n. 1, p. 34-37, 1997. 5 MANDUCA, Alexandre. Polêmica à mesa. Revista Farmacêutica Kairos, São Paulo, n. 131, p. 98, 1999. 6 BONETTI, Luiz Pedro. A polêmica dos transgênicos. Cruz Alta: Centro Gráfico Unicruz, 2001. p. 137. De acordo com Luiz Pedro Bonetti: “Os analistas de mercado norte-americanos, por exemplo, apesar de toda aparente liberalidade sobre transgênicos naquele país, têm demonstrado preocupações com os efeitos dos cultivos geneticamente engenheirados sobre as exportações e produtos agrícolas e de alimentos dos Estados Unidos”.


Assim, apesar da necessidade de uma maior produção de alimentos, tendo em vista o crescente aumento da população mundial, tal produção não pode ocorrer de forma desordenada e irregular. Deve haver estudos científicos com o desiderato de esclarecer uma série de questões, pois não há certeza quanto às consequências que poderão advir na utilização de organismos geneticamente modificados. Os avanços sociais no que tangem ao nível de vida da população, por meio das novas tecnologias existentes, devem vir 7 DANTAS, Grace. Op. cit., p. 45. 8 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 72. Relata o autor sobre as medidas de precaução adotadas pelo Governo francês no caso da doença da “vaca louca”: “Há indícios de que o uso dessas farinhas provoque o surgimento de ‘encefalopatia espongiforme bovina’, chamada vulgarmente de ‘doença da vaca louca’. A ingestão pelos seres humanos de carne oriunda de animal atacado por essa doença tem provocado o surgimento da moléstia chamada ‘Creutzfeldt-Jakob’. Na incerteza científica, e mesmo tendo que fazer grandes despesas na apreensão das farinhas animais e sua posterior incineração, o Governo francês foi levado a proceder à interdição referida, na tentativa de evitar a propagação da moléstia e a generalização do pânico”. 9 BONETTI, Luiz Pedro. Op. cit., p. 138. Conforme Luiz Pedro Bonetti, em relação à patologia conhecida como “mal da vaca louca”: “[...] Transmitida através de ração que utiliza farinhas de carcaças de origem animal, essa doença teria surgido na Inglaterra em 1996 e poderia também infectar os humanos que eventualmente consumissem carne de animais contaminados. Há indícios de que as próprias autoridades sanitárias inglesas teriam escondido a ocorrência da doença em seus rebanhos e, em razão disso, a epidemia teria atingido hoje os bovinos de mais cinco países europeus”.

acompanhados de uma consciência social relativa aos possíveis danos que poderão advir da má utilização dessas técnicas. Ademais, o mercado de alimentos orgânicos10 cresce a um índice superior a 10% ao ano no Brasil, conforme noticiado no Jornal Zero Hora do dia 2 de maio de 2011, em reportagem do encarte “Nosso Mundo Sustentável”. Conforme a reportagem, “é assim que os alimentos orgânicos ganham destaque no mundo dos negócios e no cotidiano de quem está preocupado com a qualidade do que come e o impacto desses alimentos no planeta”. Isso demonstra que está crescendo o interesse por consumo de produtos orgânicos, ou seja, de produtos que não possuam organismos geneticamente modificados, bem como de produtos que dispensam a utilização de agroquímicos e fertilizantes. Assim, trata-se de um mercado em expansão, ou seja, um grande mercado a ser explorado que contém consumidores ávidos por alimentos orgânicos, e que coloca o Brasil como um País com grande potencial exportador inclusive. Sendo o Brasil o segundo maior produtor de soja do mundo, pode estar aí uma grande fonte de lucro, tendo em vista que os Estados Unidos são o maior produtor de soja “transgênica”. Conforme Ingrid de Barros11, Professora da Faculdade de Agronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, existem também grandes fazendas produtoras de orgânicos, e, assim, 10 SILVEIRA, Anna Martha. Orgânicos no centro do debate. Jornal Zero Hora, Porto Alegre, 2 maio 2011. Caderno Nosso Mundo Sustentável, a. 1, n. 62, p. 1. Conforme a reportagem: “A tendência é que os orgânicos deixem de ser um nicho de mercado e reafirmem sua expressão – afirma a Engenheira Agrônoma e Professora da Faculdade de Agronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Ingrid de Barros. Em feiras no exterior, os produtos brasileiros já são destaque. [...]Considerando que em vários países, da Austrália ao Canadá, a venda de orgânicos cresce mais do que aqui, o potencial de exportação do setor é alto”. 11 BARROS, Ingrid apud SILVEIRA, Anna Martha. Op. cit.

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Na Inglaterra, conforme noticiado na Revista Ecologia e Desenvolvimento7, a sociedade sofreu o impacto da doença da “vaca louca”8. Os consumidores ingleses assustaram-se quando foram divulgados na mídia resultados de pesquisas realizadas com ratos alimentados com batatas transgênicas, indicando danos ao sistema imunológico9.

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com técnicas elaboradas, é possível aumentar a produção de alimentos orgânicos. Dessa forma, fica evidenciada a necessidade de uma conscientização social, viabilizando-se o maior acesso possível a informações sobre o tema, tanto dos aspectos positivos quanto dos aspectos negativos, possibilitando, dessa forma, que o consumidor tenha condições de firmar convicção a respeito da matéria e faça valer o seu direito de escolha de consumir ou não alimentos que contenham Organismos Geneticamente Modificados.

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Deve, assim, ser viabilizada ao consumidor a possibilidade de avaliar a respeito do consumo ou não de produtos com OGMs, esclarecendo ao consumidor final, de forma clara e transparente, a respeito da presença de OGMs, bem como em relação aos possíveis riscos que podem decorrer do seu consumo (p. ex., alergias).

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Além disso, deve o cidadão ter consciência ambiental sobre os possíveis danos ao meio ambiente, precisamente à biodiversidade. Não se pode permitir que a ideia de progresso seja baseada apenas em uma mentalidade capitalista, ou seja, de acúmulo de capitais e bens, e que essa prepondere a ponto de que haja a utilização dos recursos naturais de forma irracional e inconsequente. Não há dados científicos suficientes para sabermos se os riscos decorrentes da má utilização dessas modernas tecnologias de manipulação genética poderão ser reversíveis, principalmente no que se refere à biodiversidade. Por isso, há necessidade de cautela a respeito dessa temática, bem como o estudo e debate no que concerne ao assunto sobre um ângulo multidisciplinar, verificando as questões ecológicas, jurídicas, econômicas, sociais e políticas relacionadas aos OGMs. Assim, verifica-se a importância do estudo da responsabilidade civil ambiental, que não só tem como finalidade a reparação do dano, mas também tem um caráter pedagógico, de reflexão, para que sirva de paradigma no sentido de desencorajar a prática de novas condutas.

Feitas essas breves notas, passa-se à análise quanto aos riscos relativos à utilização de OGMs.

1.1 Riscos quanto à sua utilização Há muitos fatos relacionados a riscos e problemas que ocorreram com a manipulação genética de alimentos. Em um seminário realizado em Brasília, em 1988, o Engenheiro Agrônomo Sebastião Pinheiro12 fez referências a alguns casos relacionados à cultura de morangos, fumo, algodão e soja. Salienta-se que tal seminário ocorreu em 1988. Mais de vinte anos se passaram, e a polêmica da rotulagem dos alimentos transgênicos permanece. No que diz respeito à soja transgênica, foram detectados alguns problemas. Houve um manifesto, assinado por diversas entidades, que alertava sobre os riscos quanto

12 SOARES, Francisco de Assis Peres; SOARES, Carmen Eleonora C. Amorim (Org.). Seminário: A sociedade frente à biotecnologia e os produtos transgênicos. Brasília: O Confea, 1998. p. 44-45. Ressalta o autor: “[...] Existe já uma série de escândalos em engenharia genética que não são mencionados, não são divulgados. O caso dos moranguinhos da Bioplanta em Minas Gerais, que permaneciam verdes, não se publica, quase não se comenta. O caso do fumo Y-1, de fusão protoplasmática da Dinape, introduzido clandestinamente no País pela Brian Willianson e BAT, não pode vir a público, a não ser quando já se passaram seis anos. O caso da recente introdução e contrabando de soja da Monsanto nos Estados do sul do Brasil não tem responsáveis. Mas hoje se oferece, em Porto Alegre, R$ 300,00 por saco de soja para semente resistente e se oferece a rôdo, como se dizia antigamente. [...] Do mesmo modo, o caso do algodão transgênico, no delta do Rio Mississipi, onde três agricultores receberam perto de dois milhões de dólares de indenizações. Nada disso merece uma linha da imprensa. Quem iria contra um cliente de mídia? Mídia é mercado, não é filantropia. Como fica o consumidor? A colega Lynn já se expressou, membros da CTNBio se mostram visceralmente contrários à rotulação de alimentos transgênicos. Se os alimentos transgênicos são superiores, se são de uma tecnologia superior, por que não deixar que o mercado os coloque no seu devido lugar?”.


No Brasil, a Empresa Pioneer Hi-Bred realizou experimentos com a soja, introduzindo nela um gene da castanha-do-pará para que passasse a produzir uma proteína muito rica no aminoácido metionina. Após realizarem testes da soja com soro extraído do sangue de pessoas alérgicas, obteve-se resultado positivo; diante disso, a Pioneer abandonou o experimento, embora o produto não se destinasse ao consumo humano. Rubens Onofre Nodari e Miguel Pedro Guerra13, Professores do Departamento de Fitotecnia da Universidade Federal de Santa Ca13 PINHEIRO, Sebastião; NODARI, Rubens Onofre; GUERRA, Miguel Pedro; GÖRGEN, Sérgio A. (Org.). Riscos dos transgênicos. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 43-44. Dizem os autores que: “A maioria das plantas transgênicas desta primeira geração de OGMs contém genes de resistência a antibióticos, cuja função é possibilitar a seleção das células transformadas. O que os genes de resistência a antibióticos têm a ver com a saúde humana? Nos últimos 20 anos, mais de 30 novas doenças ocorreram na espécie humana (AIDS, ebola e hepatites, entre outras). Além disso, houve o ressurgimento de doenças como a tuberculose, malária, cólera e difteria com muito mais agressividade por parte dos micro-organismos patogênicos. Paralelamente, houve um decréscimo na eficiência dos antibióticos. Nos anos 40, um antibiótico tinha uma vida útil de 15 anos. Nos

tarina, ao abordarem o tema relativo à biossegurança e os transgênicos, ressalvam a respeito da resistência das plantas transgênicas a antibióticos, e o surgimento de doenças nos últimos vinte anos. Conforme a Bioquímica Glaci Zancan14, Professora titular da Universidade Federal do Paraná, são necessários maiores estudos para liberar o cultivo em larga escala de OGMs. Salienta: “Nosso conhecimento sobre hibridização entre linhagens selvagens e plantas cultivadas precisa ser aprimorado, bem como o conhecimento da expressão do genoma vegetal sobre as mais distintas condições ambientais [...]”. Ressalva, ainda, que o conhecimento a respeito do cultivo em larga escala de organismos geneticamente modificados é pequeno, e dessa forma não há como fazer uma avaliação correta a respeito dos possíveis riscos a longo prazo. Segundo Maria Celeste C. Leite dos Santos15, um dos mais graves perigos apontados em relação aos transgênicos é o concernente ao cruzamento de plantas transgênicas com plantas nativas (introgressão)16. De acordo com a autora, com o uso de transanos 80, a vida útil passou para cinco anos, ou seja, três vezes menos. Sérgio A. Görgen ressalta a respeito dos riscos do cultivo de alimentos transgênicos em relação ao meio ambiente. Conforme o autor: ‘[...] O segundo elemento é referente à questão do meio ambiente. Não se tem segurança do que a transgenia, quer dizer, a modificação genética, pode trazer ao meio ambiente. Pode criar problemas à chamada biodiversidade, isto é, pode arrasar com um enorme número de plantas que existem hoje na face da terra, fazendo com que o Planeta Terra fique mais pobre na sua vida, como também pode criar aquilo que chamamos de superinços, quer dizer, plantas que se tornam resistentes a venenos cada vez mais fortes, até chegar ao ponto de nenhum mais matar [...]’”. 14 Transgênicos: o que vamos comer no futuro? Ecologia e Desenvolvimento, Rio de Janeiro, v. 9, n. 72, p. 44-50, 1999. 15 SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite. Biodireito. Ciência da vida, os novos desafios. São Paulo: RT, 2001. p. 236. 16 Idem, ibidem. Ensina a autora: “[...] refere-se à efetiva possibilidade da

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à utilização da soja Roundup Ready. Entre esses, destaca-se: maior produção na soja de hormônios assimiláveis pelo metabolismo humano; interação da soja modificada com cadeias tróficas de pragas e predadores; potencial de resistência ao glifosato (princípio ativo do herbicida) por ervas invasoras que prejudicam a lavoura; maior incidência de dermatites entre os trabalhadores rurais provocadas pelo glifosato; possíveis reações alérgicas aos novos compostos da soja (em especial entre crianças que já apresentam alergias aos laticínios); resistência a antibióticos por causa dos genes de resistência a antibióticos usados como marcadores das plantas geneticamente modificadas, bem como evidências de persistência do glifosato no solo, nos cursos de água e lençóis freáticos.

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gênicos, haveria riscos em relação à saúde dos consumidores e riscos para o meio ambiente. Assim, no que tange à saúde dos consumidores, poderia ocorrer aumento de alergias, desenvolvimento de resistência bacteriana, potencialização dos efeitos de substâncias tóxicas, aumento de resíduos de agrotóxicos. Já no que concerne aos riscos para o meio ambiente, segundo o IDEC17, poderia ocorrer a criação de superpragas e superinvasores, aumento de resíduos tóxicos, impossibilidade de controle sobre a natureza e alteração do equilíbrio dos ecossistemas.

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Afirma Sebastião Pinheiro18, engenheiro agrônomo, a respeito dos riscos de agregação de novas toxicidades nos alimentos: “Alterando a quantidade de nutrientes, por exemplo, pode-se alterar a absorção ou metabolismo no homem. Novas proteínas que causam reações alérgicas podem entrar nos alimentos”. Com essas alterações, as pessoas alérgicas não têm a possibilidade de identificar os produtos que as afetam, pois os alergênicos podem transferir-se de um organismo para outro, ocorrendo dessa forma a perda da identificação. Não haveria, assim, possibilidade de identificá-los e, como consequência, os alérgicos não poderiam se autoproteger de tais alimentos danosos.

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ocorrência de ‘cruzamento’ de cultivares transgênicas com plantas da mesma espécie e com ‘parentes’ da cultivar ‘domesticada’, existentes na biodiversidade, conforme o território de cultivo. Embora essa ocorrência não tenha se verificado em elevado percentual por ocasião das experiências realizadas, o risco é admitido por todos os cientistas, pois as plantas nativas (ou mesmo as cultivares domesticadas, não são transgênicas) poderiam incorporar esses genes, fora do controle humano, cuja expansão e consequências ainda não são de domínio científico, principalmente em relação às medidas adequadas para se prevenir males à saúde humana e à própria vida animal e vegetal. Esse se trata de um processo denominado cientificamente de introgressão”. 17 IDEC – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor. 18 MANDUCA, Alexandre. Op. cit., p. 98-104.

Nessa seara relativa ao potencial aumento de alergias, Luiz Pedro Bonetti19 faz ressalvas a respeito do milho transgênico. Alguns cientistas20 temem, devido aos métodos não usuais de produzir culturas geneticamente manipuladas, que se possam introduzir substâncias estranhas no fornecimento de alimentos com inesperados efeitos negativos sobre a saúde humana. Ademais, conforme Ticciati e Ticciati21, nos cultivos transgênicos são incorporados genes de resistência aos antibióticos como marcadores, para identificar que uma planta foi modificada com êxito. É de se esperar que esses genes e seus produtos enzimáticos, que causam a inativação dos antibióticos, estejam presentes nos alimentos modificados e sejam incorporados por bactérias presentes no estômago humano. Isso enseja importantes perguntas sobre as consequências para a saúde humana, particularmente se comprometem a imunidade. Assim, as empresas que comercializam sementes transgênicas passam para os agricultores a mensagem de que há uma série de vantagens no cultivo de grãos transgênicos, principalmente no 19 BONETTI, Luiz Pedro. Op. cit. p. 140-141. Diz o autor: “O milho transgênico StarLink, por ser potencialmente alergênico, somente foi aprovado para plantio pelos organismos governamentais norte-americanos para utilização como componente alimentar para animais, não para consumo humano. Embora não tenham sido registrados casos de alergias as dificuldades em isolar e separar os grãos dos cultivos transgênicos, daqueles provenientes de plantios com materiais orgânicos e convencionais, durante a colheita, o beneficiamento, o transporte e a armazenagem teriam resultados em contaminação. A maior parte das contaminações ocorreu porque o milho StarLink foi depositado através dos mesmos elevadores de grãos utilizados para o milho destinado ao consumo humano”. 20 BURKS, A. W.; FUCHS, R.L. Assessment of the endogenous allergens in glyphosate-tolerant and commercial soybean varieties. Journal of Allergy and Clinical Immunology, v. 96, p. 6-13, 1995. 21 TICCIATI, L.; TICCIATI, R. Genetically engineered foods – Are they safe? You decide. EUA: Keats Publishing, 1998. p. 84.


Por fim, importantes as palavras de Antônio Flávio Midio e Deolinda Izumida Martins23, em conformidade com o entendimento esposado no parágrafo anterior: “A despeito das inúmeras promessas de melhores e maiores quantidades de alimentos, as dúvidas a respeito da segurança e da real necessidade dos alimentos geneticamente modificados não foram ainda dirimidas”. Por isso a importância da possibilidade de rastrear o produto colocado para consumo por meio de uma rotulagem que descreva a cadeia produtiva daquele alimento. Dessa forma, teria o consumidor condição de fazer uma análise quanto aos possíveis riscos de consumir determinado produto, devido a sua origem, conservação, manipulação e transporte. Devemos nos perguntar: se não há qualquer tipo de perigo para a população quanto ao consumo desses produtos, por qual razão há uma enorme resistência quanto à identificação dessas informações nos rótulos dos produtos destinados ao consumo, para acesso por parte do consumidor final? Também se verifica deveras importante essa identificação para que haja controle, fiscalização, e avaliação desses produtos no que diz respeito a qualquer possível incidente que venha a ocorrer e que seja relacionado ao consumo desses tipos de alimentos24. 22 MOMMA, Alberto Nobuoki. Rotulagem de plantas transgênicas e o agronegócio. Caxias do Sul: Plenum, 2011. 18 CD-ROM. 23 MÍDIO, Antonio Flávio; MARTINS, Deolinda Izumida. Toxicologia de alimentos. São Paulo: Livraria Varela, 2000. p. 281. 24 MOMMA, Alberto Nobuoki. Op. cit. Esclarece o doutrinador: “Com uma

É de indubitável importância também, diante dos inúmeros danos ambientais, a reflexão e a pesquisa sobre a responsabilidade civil por danos relativos ao meio ambiente. nova visão na abordagem da vigilância sanitária, priorizando a estratégia de segurança alimentar, derivada dos entendimentos com a OMC/FAO, procura-se a qualidade total na agropecuária nacional através, notadamente, da tecnologia e da eficiência gerencial da cadeia agroindustrial até o consumidor final. A implantação dessa nova estratégia de vigilância sanitária ressalta a importância de certos tratamentos operacionais, como a rotulagem ou código de barras, contendo elementos técnicos fundamentais para um eficiente planejamento de ações na busca de agilidade e racionalidade de um eventual processo investigatório. Hoje, a preocupação maior reside nas plantas geneticamente modificadas para tolerância a herbicidas que, em princípio e segundo fontes oficiais, ainda não registraram efeitos colaterais indesejáveis à saúde humana ou ao meio ambiente. Conforme informações disponíveis em estudos técnicos, não se tem registros de efeitos pleiotrópicos, isto é, o gene de fator de resistência ao herbicida não exerce influência em outros genes da planta acarretando manifestações genotípicas ou fenotípicas distintas das cultivares originais. Mas, com a chegada breve de plantas modificadas com fator de resistência ou de letalidade para insetos, fungos, bactérias e até vírus, reversões de expectativas, decorrentes da imprevisibilidade evolutiva da ciência e tecnologia, suscitam questionamentos de ordem sanitária e efeitos no longo prazo tanto para o homem como para a natureza. Se um inseto ou agente microbiano sofre efeitos letais quando se alimenta de plantas transgênicas, uma pessoa ingerindo-as sistematicamente nas suas refeições habituais não poderia acusar algum tipo de impacto deletério? E por que um consumidor que goste de cenouras ou batatas, mas geneticamente modificadas para servir de veículo de vacinas ou antibióticos ou inocentes vitaminas ou sais minerais, deve consumi-las, ignorando a existência desses elementos? Em condições de total inexistência de informações corretas e apropriadas, o direito do consumidor de exercer um ato de consumo consciente, racional e deliberado estará sendo locupletado por força dos agentes econômicos, à revelia de qualquer consideração ética ou legal, uma vez que a definição do que (convencional, orgânica, funcional, etc.), como (cozida, crua, torrada, in natura, processada, conserva, congelada, etc.), quando (diária, habitual ou sazonal) quanto (quilo per capita), onde consumir (doméstico, restaurante, fast food, comida por quilo, conveniência) é atribuição privativa da vontade soberana das pessoas no pleno exercício de sua cidadania”.

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âmbito financeiro, seguindo uma economia livre de mercado globalizado, como refere Alberto Nobuoki Momma22. Todavia, devem ser sopesadas também todas essas séries de questões científicas sobre a segurança do consumo continuado de alimentos transgênicos, sobre as quais não se têm uma certeza científica ainda.

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Infere-se que há necessidade de que seja formada uma opinião pública com respaldo em considerações embasadas em argumentos científicos. Dessa forma, verifica-se o mérito do conhecimento do tema, assim como do debate e estudo sobre o assunto. Feitas essas breves notas a respeito dos riscos relativos aos transgênicos, passamos à análise do princípio da precaução.

1.2 O princípio da precaução O art. 225 da Constituição Federal prescreve a respeito do dever de proteção e de preservação do meio ambiente. O caráter jurídico do meio ambiente, de um ambiente ecologicamente equilibrado, é um bem comum do povo, configurando-se em direito fundamental.

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A Lei nº 11.105/200525, no seu art. 1º, estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam OGMs, tendo como diretrizes o estímulo ao avanço científico na área de biossegurança e biotecnologia, a proteção à vida e à saúde humana, animal e vegetal, e a observância do princípio da precaução para a proteção do meio ambiente.

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Conforme o princípio da precaução, na incerteza quanto ao potencial poluidor da atividade a ser praticada, para evitarmos danos, os quais poderão ser não recuperáveis, não deverá tal 25 De acordo com o caput do art. 1º da Lei nº 11.105/2005: “Art. 1º Esta Lei estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização sobre a construção, o cultivo, a produção, a manipulação, o transporte, a transferência, a importação, a exportação, o armazenamento, a pesquisa, a comercialização, o consumo, a liberação no meio ambiente e o descarte de organismos geneticamente modificados – OGM e seus derivados, tendo como diretrizes o estímulo ao avanço científico na área de biossegurança e biotecnologia, a proteção à vida e à saúde humana, animal e vegetal, e a observância do princípio da precaução para a proteção do meio ambiente” (grifo nosso).

atividade ser praticada. Aplica-se o princípio do in dubio pro natura. Dessa forma, devemos usar prudência se estivermos diante de uma incerteza científica. O princípio da precaução afasta a antiga mentalidade empresarial, ou seja, o pensamento de que somente deveria haver a responsabilização das atividades empresariais em que fosse devidamente comprovada, por meio de prova científica absoluta, a culpa referente aos fatos que desencadearam a poluição ao meio ambiente. Assim, com o grande progresso científico, e como decorrência desse o crescimento tecnológico que vivenciamos atualmente, a adoção do princípio da precaução consubstancia-se de vital importância para a segurança da sociedade. Por conseguinte, o princípio da precaução deve ser aplicado quando houver desconhecimento científico sobre determinada questão, devendo-se agir com cautela no que se referir a tal atividade. Segundo Antônio Souza Prudente26, utiliza-se tal princípio quando “houver dúvida sobre o potencial deletério de uma determinada 26 PRUDENTE, Antônio Souza. Transgênicos, biossegurança e o princípio da precaução. Caxias do Sul: Plenum, 2011. 18 CD-ROM. Conforme o autor: “[...] já instrumentaliza, em seus comandos normativos, o princípio da prevenção (pois, uma vez que se possa prever que uma certa atividade possa ser danosa, ela deve ser evitada) e a consequente precaução (quando houver dúvida sobre o potencial deletério de uma determinada ação sobre o ambiente, toma-se a decisão mais conservadora, evitando-se a ação), exigindo-se, assim, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade (CF, art. 225, § 1º, IV)”. Conforme o mesmo autor, referindo-se à Convenção da Diversidade Biológica, conhecida como Rio/92, no que concerne ao princípio da precaução: “[...] determina às partes, como medida para conservação in situ dos recursos naturais, que estabeleçam ou mantenham os meios para regulamentar, administrar ou controlar os riscos associados à utilização e à liberação de organismos vivos modificados, resultantes da biotecnologia que, provavelmente, provoquem impacto ambiental


De acordo com Paulo Affonso Leme Machado27, há duas convenções que tratam do princípio da precaução e foram ratificadas e promulgadas pelo Brasil, que são, respectivamente, a Convenção da Diversidade Biológica e a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima. Têm, tais Convenções, o objetivo de minimizar os danos ao meio ambiente, devendo haver a aplicação destas quando não houver certeza científica quanto à ameaça de redução da biodiversidade28 e de ameaça a mudanças climáticas. O Juiz Antônio Souza Prudente29, em junho de 2000, julgou procedente ação civil pública com base no princípio da precaução, negativo, a ponto de afetar a conservação e a utilização sustentável da diversidade biológica, levando também em conta os riscos para a saúde humana (art. 8º, alínea g)”. 27 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Op. cit., p. 68. Esclarece o autor: “Na Convenção da Diversidade Biológica, basta haver ameaça de sensível redução de diversidade biológica ou ameaça sensível de perda de diversidade biológica. Não se exigiu que a ameaça fosse de dano sério ou irreversível, como na Convenção de Mudança do Clima. A exigência fundamental para a conservação da diversidade biológica é a conservação in situ dos ecossistemas e dos habitats naturais e a manutenção de populações viáveis de espécies no seu meio natural [...]”. 28 MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 209. Conforme o autor: “Biodiversidade, patrimônio genético e biotecnologia são termos de cunhagem recente, formados com a evolução das biociências, partindo-se da ciência especulativa para suas aplicações práticas. É importante ressaltar que a evolução científica e técnica por que passou a ecologia, assim como seu caráter interdisciplinar, propiciou o aprofundamento e a ampliação dos conceitos relativos ao fenômeno da vida a um sem-número de relações entre o ser humano e o mundo natural. Tais relações marcam acentuadamente as perspectivas de desenvolvimento e de administração da Terra nesta recém-passagem de século e milênio”. 29 PRUDENTE, Antônio Souza. Op. cit. Conforme o escólio de Antônio Souza Prudente: “O princípio da precaução é imperativo constitucional, que

em que foi exigida a realização de prévio estudo de impacto ambiental da Monsanto do Brasil Ltda. para liberação de espécies geneticamente modificadas (Processo nº 1998.34.00.0276820)30. Frisa-se que o princípio da precaução foi incorporado ao Protocolo de Cartagena31 sobre biossegurança, firmado em Montreal, Canadá, em 28 de janeiro de 2000, dentro da Convenção sobre Diversidade Biológica, segundo Aurélio Virgílio Veiga Rios32. materializa a tutela cautelar do meio ambiente, por meio de indispensável estudo prévio de impacto ambiental, a ser realizado por competente e imparcial equipe multidisciplinar, para o plantio e a comercialização da soja transgênica (Roundup Ready), bem assim, para liberação de qualquer organismo geneticamente modificado, nas vertentes do meio ambiente, como garantia fundamental das presentes e futuras gerações”. E o dever de informação está intimamente ligado ao princípio da prevenção, bem como com o princípio da precaução. 30 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Op. cit., p. 71. Relata o autor: “O Juiz Federal da 6ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal, Antônio Souza Prudente, decidiu, entre outras medidas, que: 1) as empresas rés, Monsanto do Brasil Ltda. e Monsoy Ltda., apresentem estudo prévio de impacto ambiental como condição indispensável para o plantio, em escala comercial, da soja Roundup Ready; 2) ficam impedidas as referidas empresas de comercializar as sementes da soja geneticamente modificada até que sejam regulamentadas e definidas, pelo Poder Público competente, as normas de biossegurança e de rotulagem de OGMs; 3) sejam intimados, pessoalmente, os Sr. Ministros da Agricultura, da Ciência e Tecnologia, do Meio Ambiente e da Saúde, para que não expeçam qualquer autorização às promovidas antes de serem cumpridas as determinações judiciais, ficando suspensas as autorizações que, porventura, tenham sido expedidas nesse sentido. O juiz do processo acolheu expressamente o princípio da precaução”. 31 Idem. Ressalta Antônio Souza Prudente no que concerne ao Protocolo de Cartagena: “Esse protocolo representa um avanço significativo na tentativa de se fixarem normas-padrão de biossegurança, servindo como referência internacional para a proteção da diversidade biológica e da saúde humana, em relação a eventuais danos que possam advir da liberação de OGMs, no meio ambiente, ou do consumo de produtos ou alimentos transgênicos”. 32 RIOS, Aurélio Virgílio Veiga. In: VARELLA, Marcelo Dias; PLATIAU, Ana Flávia Barros (Org.). Princípio da precaução. Belo Horizonte: Del Rey,

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ação sobre o ambiente, toma-se a decisão mais conservadora, evitando-se a ação”.

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Paulo Affonso Leme Machado33, ao referir-se ao princípio da precaução, ressalta que esse princípio está presente no direito alemão desde os anos 1970. Segundo o autor, o princípio da precaução reduz a extensão, a frequência ou a incerteza do dano. A importância desse princípio se dá no sentido de que deve haver uma proteção quanto aos danos que são projetados para o futuro. Assim, se não há certeza quanto às consequências relativas à determinada conduta, inexoravelmente tal princípio deve prevalecer, para a conservação da nossa biodiversidade e a preservação da qualidade de vida para as gerações futuras, prevenindo o risco de danos graves e irreversíveis para o meio ambiente.

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A Declaração do Rio, de janeiro de 1992, “Eco 92”, contém compromissos de governos no que tange à proteção ambiental, que busca o desenvolvimento sustentável e a proteção e segurança ambiental. Entre alguns dos seus princípios, destaca-se o item 7, que diz: “Os Estados devem cooperar, em espírito de parceria global, para conservar, proteger e restabelecer a saúde e a integridade do ecossistema Terra”.

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2004. p. 382. Segundo o autor: “Observa, assim, com inegável acerto, o ilustre Procurador Regional da República, Dr. Aurélio Virgílio Veiga Rios, ‘que todos os pressupostos jurídicos apontados pelo Ministério Público Federal – e expressamente afirmados na sentença de lavra do eminente Juiz Dr. Antônio Souza Prudente – foram posteriormente incorporados ao Protocolo de Cartagena sobre biossegurança, a saber: a) obrigatoriedade de estudos de impacto ambiental ou estudos de avaliação de riscos como condição à liberação de OGMs no meio ambiente; b) identificação e rotulagem de organismos transgênicos; e c) respeito ao direito dos Estados soberanos (como é o caso do Brasil) de fixarem normas ambientais de prevenção de riscos mais rígidas do que aquelas admitidas no Protocolo’”. 33 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Op. cit., 2007. p. 65. Segundo o escólio do autor: “A implementação do princípio da precaução não tem por finalidade imobilizar as atividades humanas. Não se trata da precaução que tudo impede ou que em tudo vê catástrofes ou males. O princípio da precaução visa à durabilidade da sadia qualidade de vida das gerações humanas e à continuidade da natureza existente no planeta”.

Já o Princípio 15 da referida declaração trata do princípio da precaução, e diz que “quando houver ameaças de danos sérios e irreversíveis, a falta de plena certeza científica não deve ser usada como razão para adiar medidas economicamente viáveis para impedir a degradação ambiental”. O valor do patrimônio genético não tem mensuração, e, por isso, devemos ter consciência do valor existente na preservação da nossa biodiversidade. No que tange aos riscos referentes às plantações de OGMs, o princípio da precaução tem crucial importância para proteção desse patrimônio, que – se frisa – é de toda humanidade, devendo haver cautela pelos julgadores no julgamento de causas que envolvam o assunto. Nesse viés, importantíssimo o acesso da população à informação a respeito de todos esses aspectos que envolvem o tema tratado. Conforme o Princípio 10 da Declaração do Rio/1992, “os Estados devem facilitar e estimular a conscientização e participação pública, tornando as informações amplamente disponíveis”. Também, importante citar a Agenda 2134, que surgiu na “Eco 92” e estabeleceu princípios quanto ao manejo da biotecnologia, 34 CUSTÓDIO, Helita Barreira. Direito do consumidor e os organismos geneticamente modificados. Caxias do Sul: Plenum, 2011. 18 CD-ROM. Segundo a autora: “A Agenda 21, estabelecendo diretrizes para manejo ambientalmente saudável da biotecnologia, adota princípios internacionalmente sensatos no sentido de promover o desenvolvimento de suas aplicações sustentáveis e ‘conquistar a confiança do público’, mediante atividades em áreas de programas com objetivos de: ‘aumento da disponibilidade de alimento’; ‘melhoria da saúde humana’; ‘aumento da proteção do meio ambiente’; ‘aumento da segurança e do desenvolvimento de mecanismos de cooperação internacional’ (Cap. 16, introdução). De forma preventiva, observam-se diretrizes sobre a identificação prévia, antes da modificação, dos ‘impactos socioeconômicos, culturais e ambientais das modificações’, bem como ‘a necessidade de promover o desenvolvimento social e econômico sustentável, com especial atenção para a forma como o uso da


tendo como foco a responsabilidade ambiental e o consumo sustentável e não predatório. O consumidor tem o direito de informação, e esse dever de informação por parte do Estado e das Sociedades Empresariais está intimamente ligado ao princípio da prevenção, bem como com o princípio da precaução, conforme ensina Agostinho Oli Koppe Pereira35. O princípio da precaução não engessa o progresso. Esse princípio cria cânones para que a tecnologia seja aplicada de forma responsável e em prol da humanidade. Por tratar-se do maior bem que temos, que é a vida, no mais amplo sentido da palavra, cabe ao Direito a sua proteção, prevendo medidas efetivas para a minimização dos riscos para a sociedade.

Um exemplo quanto à aplicação do princípio da precaução, no que tange ao plantio de transgênicos, é a avaliação de risco, prevista no art. 14, III e IV, da Lei nº 11.105/200536 e no art. 19 da Resolução nº 5/200837, da CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biotecnologia). De acordo com Paulo Affonso Leme Machado38, no que concerne à competência para a avaliação do risco, “a CTNBio estabelecerá os critérios de avaliação e monitoramento de risco de OGM e seus derivados e procederá à análise da avaliação do risco, caso a caso, relativamente a atividades que envolvam OGM e seus derivados”. Feitos esse breves comentários a respeito do princípio da precaução, passa-se à análise da responsabilidade civil ambiental.

2 RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL

36 Segundo os incisos III e IV do art. 14 da Lei nº 11.105/2005: “Art. 14. Compete à CTNBio: [...] III – estabelecer, no âmbito de suas competências, critérios de avaliação e monitoramento de risco de OGM e seus derivados; IV – proceder à análise da avaliação de risco, caso a caso, relativamente a atividades e projetos que envolvam OGM e seus derivados; [...]”. 37 Conforme o art. 19 da Resolução nº 5 da CTNBio: “Art. 19. A avaliação de risco, conforme definida no art. 4º, inciso I, desta Resolução Normativa, deverá identificar e avaliar os efeitos adversos potenciais do OGM e seus derivados na saúde humana e animal, no ambiente e nos vegetais, mantendo a transparência, o método científico e o princípio da precaução”. 38 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Op. cit., p. 994. De acordo com o autor: “Os critérios devem ser gerais, mas a análise da avaliação de risco deve ser feita para cada atividade ou projeto em que se pede autorização. Não se fará avaliação de risco por atacado, e sim caso a caso”.

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biotecnologia irá incidir sobre a manutenção da integridade ambiental’ (Cap. 16.4). Além do prévio estudo de impacto ambiental, evidenciam-se diretrizes preventivas sobre a ‘manutenção e desenvolvimento de bancos de dados com informações sobre os impactos de organismos sobre o meio ambiente e a saúde, com objetivo de facilitar a avaliação dos riscos’ (Cap. 16.6). Conclui-se que o objetivo da melhoria da proteção do meio ambiente ‘é prevenir, deter e reverter o processo de degradação ambiental por meio do uso adequado da biotecnologia, juntamente com outras tecnologias’, no interesse da saúde, do meio ambiente saudável, sempre levando em conta as considerações éticas, em todos os âmbitos de Governo ou entidades responsáveis pelo manejo ambientalmente saudável da biotecnologia”. 35 PEREIRA, Agostinho Oli Koppe. A saúde e a segurança do consumidor no Código de Proteção e Defesa do Consumidor brasileiro. Revista Trabalho e Ambiente, Caxias do Sul: Educs, p. 100, 2003-2004. Ressalta o autor: “Quando se aborda o direito do consumidor, um dos elementos que está vinculado à prevenção é a informação que, analisada sob esse tipo de direito, mostra-nos que existe, por parte do fornecedor, o que se denomina ‘obrigação de informar’. Porém, embora a obrigação de informar, em termos gerais, apareça como um aspecto unitário, pode-se dizer que existem várias formas de exigência dessa obrigação aparecendo, no Direito brasileiro, em vários diplomas legais, além do próprio Código de Proteção e Defesa do Consumidor”.

A responsabilidade civil pelo dano ambiental, no tema em exame, trata da esfera reparatória dentro da esfera civil. Os prejuízos causados a terceiros devem ser reparados por meio de uma indenização ou da recomposição do status quo anterior. Não se verificará a respeito da ilicitude da conduta, somente perscrutando-se a respeito da lesividade, que já é suficiente para gerar

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a responsabilidade objetiva e a consequente responsabilização civil, uma vez que os pressupostos da responsabilidade civil por dano ambiental são a demonstração do evento danoso e o nexo de causalidade. Importante ressaltar que as regras que tratam do Direito ambiental têm natureza pública, e, assim, são de interesse de toda a coletividade.

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De acordo com Annelise Monteiro Steigleder39, a responsabilidade civil tem por objetivo a punição do responsável pelo dano e a reparação desse dano. Não tem o desiderato de prevenir riscos e redefinir o modus operandi que veio a produzir o dano. Importante salientar que um dos princípios vigentes no que tange ao dano ambiental é o princípio da reparação integral, conforme estabelece o art. 14, § 1º40, da

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39 STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Responsabilidade civil ambiental: as dimensões do dano ambiental no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 177. Diz a autora que: “Daí que a responsabilidade civil pelo dano ambiental, instituída pelo art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/1981, encontra o seu fundamento axiológico na própria Constituição Federal, a qual incide diretamente sobre as relações privadas, e passa a ter uma função específica: servir à reparação do dano ambiental autônomo, protegendo-se a qualidade dos ecossistemas, independentemente de qualquer utilidade humana direta e de regimes de apropriação públicos e privados. Esta percepção é extraída do fato de os §§ 2º e 3º do art. 225 tratarem de responsabilidade pelo dano ambiental logo após o reconhecimento da importância do direito em causa. Cuida-se, então, de perceber que a responsabilidade civil pelo dano ambiental possui uma função social que ultrapassa as finalidades punitiva, preventiva e reparatória, normalmente atribuídas ao instituto”. 40 Prescreve o art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/1981 que: “Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores: [...] § 1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente de existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio

Lei nº 6.938/1981. Dessa forma, não se atém à atividade que criou o dano, tendo como fim principal a reparação. Todavia, conforme salienta a autora, de forma secundária, atuam as funções punitiva e preventiva. Com a reparação do dano pelo responsável, evita-se que outros venham a incidir nas mesmas condutas lesivas. No que concerne à indenização41, verifica-se que devem ser aferidas a impotência e a fragilidade da vítima frente às fontes modernas de danos tecnológicos, como no caso dos danos ambientais, não tendo a vítima poder de reação frente a essas fontes. Assim, no caso específico relativo ao consumo de alimentos transgênicos, não tem o consumidor recursos de reação contra a causa do dano. As consequências do consumo desses alimentos podem ocorrer após anos de consumo. Por conseguinte, o único modo é ter garantido o seu direito de informação e de decidir se quer ou não consumir produtos que contenham OGMs. Faz-se mister referir que há valores importantes que são protegidos pela nossa Constituição Federal, tais como o bem social. Nesse sentido, são importantes as palavras de Annelise Monteiro Steigleder42. ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal por danos causados ao meio ambiente”. 41 STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Op. cit., p. 178-179. Refere a autora: “No âmbito da indenização, a responsabilidade deve objetivar a superação da desigualdade entre a vítima, que pode ser difusa, e o produtor do dano, percebendo-se que a debilidade da vítima não consiste em sua inferioridade econômica, mas de sua impotência e fragilidade frente às fontes modernas dos danos tecnológicos, como é o caso dos danos nucleares e ambientais, posto que não possui recursos para repelir reagir contra os elementos tecnológicos causadores dos danos”. 42 Idem, p. 179. Segundo a autora: “Assim, o conteúdo da função social da responsabilidade civil, voltada para a proteção do meio ambiente,


A teoria adotada nos casos de dano ao meio ambiente é a teoria do risco integral, ou seja, a responsabilidade é objetiva, não se perquirindo a respeito da culpa ou a respeito da forma como esse dano ocorreu. Verificado o dano, impõe-se ao agente causador a sua reparação. De acordo com o escólio de Édis Milaré43, a adoção da teoria do risco integral traz as seguintes consequências para que haja o dever indenizatório: prescindibilidade de investigação da culpa, irrelevância da licitude da atividade e inaplicação das causas de exclusão da responsabilidade civil. No que concerne à prescindibilidade de investigação de culpa, verifica-se que a culpa não é objeto de investigação dentro da esfera da responsabilidade civil objetiva, ficando afastada essa possibilidade de se perquirir a respeito da ocorrência de culpa ou não do causador do dano. Quanto à irrelevância da licitude da atividade, verifica-se que apenas a lesividade do fato é suficiente para que ocorra a responsabilização pelo dano ambiental, pois, caso contrário, com a aceitação de tal alegação, poderiam ficar as vítimas do dano ambiental sem qualquer indenização, restando ileso o causador do dano. Assim, não importa que tenha a sociedade empresarial, vincula-se aos princípios da responsabilidade social e da solidariedade social, concebidos a partir da superação do individualismo no âmbito das relações econômicas. E deve ser apreendido a partir da noção de ‘publicização do privado’, que conduz para a ampliação funcional e de conteúdo dos institutos tradicionais do direito privado, como é o caso da responsabilidade civil, do contrato e da propriedade”. 43 MILARÉ, Édis. Op. cit., p. 761.

por exemplo, autorização do Poder Público para desempenho de determinada atividade, pois deverá responder pelos danos que vier a causar com a sua atividade. Da mesma forma, não poderá ocorrer a aplicação das causas excludentes de responsabilidade civil, sendo inviável a alegação de caso fortuito ou força maior, bem como do fato de terceiro. Nessa seara, por exemplo, no caso de polinização de lavouras orgânicas por lavouras cultivadas com OGMs, não poderá se alegar tais excludentes, tendo em vista a responsabilidade objetiva e a análise apenas da lesividade da atividade. Observa-se que, como excludente de responsabilidade do dano ambiental, somente poderá ser alegada a não existência do dano ou a inexistência do nexo de causalidade entre a atividade e o dano. Faz-se mister referir que o Estado tem o dever de fiscalização, e assim deve impedir a ocorrência de danos ambientais. O art. 225 da Constituição Federal impõe ao Estado o dever de defesa do meio ambiente, e, dessa forma, caso venha a agir com desídia, de forma deficiente, poderá ser responsabilizado de forma solidária ao agente causador do dano. É claro que a responsabilização do Estado, no que tange à falta de fiscalização das atividades potencialmente poluidoras, vem a onerar a própria sociedade. Deve-se buscar primeiramente a responsabilização do agente causador do dano que aufere ganhos com a atividade que veio a lesar o meio ambiente. Todavia, é evidente que a busca indenizatória sobre o Estado é uma forma de, em um primeiro momento, solucionar o dano causado pelo agente, que poderá, de início, por exemplo, não ter condições financeiras para arcar com os danos. Também é uma forma de chamar a atenção da opinião pública para a atuação fiscalizatória de cunho deficitário por parte do Estado. Além disso, no

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Dessa forma, no caso de danos significativos ao meio ambiente (flora, fauna, ecossistema) ou à saúde humana ou animal que provenham de OGMs, haverá a responsabilidade civil, conforme prescreve nosso ordenamento jurídico.

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que diz respeito à oneração da própria sociedade, teria o Estado ação regressiva contra o causador do dano.

2.1 Responsabilidade civil das sociedades empresariais pelos danos à biodiversidade no que tange ao cultivo de transgênicos – Contaminação das lavouras convencionais pelas lavouras transgênicas Prescreve o art. 225, caput, da Constituição Federal que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

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Dispõe o seu § 1º, inciso II, que, “para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: [...] II – preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; [...]”.

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Também importante referir o inciso IV, que prescreve: “IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; [...]”. Dessa forma, verifica-se a necessidade de Licenciamento e Estudo de Impacto Ambiental44 no que tange 44 Distrito Federal. 6ª Vara Federal, Ação Civil Pública nº 1998.34.00.0276820/DF, Autor: IDEC, Réu: União Federal, Monsanto do Brasil Ltda. e Monsoy Ltda. Brasília, 29 de junho de 2000. Disponível em: <http://processual.trf1. jus.br/consultaProcessual/processo.php?proc=1998.34.00.027 682-0&se cao=DF&enviar=Pesquisar>. Acesso em: 30 maio 2011. O Juiz Antônio Souza Prudente, em 29 de junho de 2000, julgou procedente a ação civil pública em que foi exigida a realização de prévio estudo de impacto ambiental da Monsanto do Brasil Ltda. e Monsoy Ltda., para liberação de

ao plantio de OGMs, que é atividade potencialmente causadora de significativa degradação ambiental. De acordo com reportagem45 veiculada pelo Jornal Zero Hora, de 23 de fevereiro de 2011, o Brasil apresentou o maior crescimento de área cultivada com OGMs (Organismos Geneticamente Modificados) consecutivamente nos últimos dois anos. Importante salientar, que a produção de sementes geneticamente modificadas foi autorizada a partir de 2003. No Brasil, foram plantados mais de quatro milhões de hectares, de acordo com o relatório do Serviço Internacional para Aquisição de Aplicações em Agrobiotecnologia (ISAAA). O País tem a segunda maior extensão de terras plantadas com culturas transgênicas em 2010, perdendo apenas para os Estados Unidos. Frisa-se que houve um aumento de 19% em relação a 2010 no que concerne à área de plantação de OGMs, possuindo 17% das culturas biotecnológicas internacionais. No mundo, a área de cultivo de OGMs equivale a 148 milhões de hectares, com um aumento em relação a 2010 de 14 milhões de hectares. Dessa forma, verifica-se que bilhões de pessoas estão sujeitas ao consumo de produtos com OGMs, e que, cada vez mais, a cada ano que passa, mercados consumidores estarão sujeitos a esses tipos de produtos.

espécies geneticamente modificadas. O Tribunal Regional Federal da 1ª Região manteve a decisão de primeira instância, sendo Relatora a Juíza Assusete Magalhães. 45 LANGON, Adriana. Brasil puxa avanço de transgênicos no mundo. Jornal Zero Hora, Porto Alegre, 23 fev. 2011. Caderno Campo e Lavoura.


46 CADORE, Francine. Polêmica envolve o milho transgênico. Jornal Zero Hora, Porto Alegre, 8 mar. 2011. Caderno Campo e Lavoura. Diz a reportagem que: “Mudança na lei que determina a distância mínima exigida entre plantações de milho transgênico e unidades de conservação promete reacender a polêmica dos produtos geneticamente modificados. Projeto em parceria entre os Ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente está em discussão no governo e deve reduzir em até 90% a faixa de segurança. Pela legislação atual, nenhuma lavoura de milho transgênico pode ser plantada a menos de 10 quilômetros da divisa de parques nacionais e reservas biológicas. Com a nova norma – que depende de aprovação da Presidente Dilma Roussef –, o plantio será permitido a 1,2 quilômetro. [...] O principal risco da diminuição da faixa de segurança é a contaminação do milho convencional pelo transgênico, alertam especialistas, já que a polinização do grão é feita por insetos e pelo vento [...]”. 47 WURMEISTER, Fabiula. Portaria reduz área de segurança para transgênico. Decisão que permite o plantio de milho geneticamente modificado em terras vizinhas a áreas de proteção deve ser anunciada no próximo mês. Gazeta do Povo, Foz do Iguaçu, mar. 2011. Disponível em: <http:// www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?tl=1&id =1111021&tit=Portaria-reduz-area-de-seguranca-para-transgenico>. Acesso em: 11 maio 2011. Segundo a reportagem: “O Instituto de Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) deve publicar no próximo mês uma portaria que estabelece novas regras para o plantio de milho transgênico perto de áreas de preservação ambiental. A mudança tem o aval técnico do Conselho Consultivo do Parque Nacional do Iguaçu (Conparni) e o apoio, entre outros, da Federação da Agricultura do Paraná (Faep). Decisão semelhante em vigor desde o final de outubro de 2006 beneficia apenas o algodão e a soja geneticamente modificados. A Lei de Biosegurança protege os parques nacionais por meio de uma espécie de cinturão de segurança da flora e da fauna, chamado zona de amortecimento, que se estende por 10km no entorno da reserva. Uma portaria do ICMBio ou um decreto presidencial pode determinar, no entanto, que o cultivo do milho transgênico possa ser feito a partir de 1,2 mil metros da unidade. O limite já estabelecido e válido para todo o território nacional para o algodão e para a soja é de,

distância mínima exigida entre plantações de milho transgênico e unidades de conservação, que hoje prevê 10 quilômetros de distância. Há a previsão de redução dessa margem em até 90%. É possível haver transporte de pólen de uma plantação para outra48, por meio do vento ou de maquinário e animais, conforme

no mínimo, 1,8km e 500 metros, respectivamente. A redução da zona de amortecimento deve beneficiar 54 mil agricultores. Referência em ações de preservação ambiental, o Parque Nacional do Iguaçu (PNI), no Oeste do Paraná, se estende por 185 mil hectares e conta com uma zona de amortecimento de mais 215 mil hectares. A faixa de segurança atinge diretamente perto de 54 mil agricultores de pequeno e médio porte. Caso o ICMBio ou o próprio Governo Federal reduza o limite de segurança, cerca de 190 mil hectares, hoje restritos, ficarão livres para o cultivo de milho transgênico, essencial na produção de ração para aves e suínos. A agroindústria é o setor econômico mais significativo da região. [...]. Do outro lado da polêmica que se arrasta desde 2005, quando agricultores foram flagrados cultivando soja transgênica em propriedades vizinhas ao PNI, ambientalistas alertam que, antes da vantagem econômica, é preciso atentar para os riscos. ‘Estamos diante de uma questão em que o interesse econômico acaba prevalecendo sobre a defesa e a proteção do meio ambiente. Não é possível dizer com toda a certeza que a proximidade com a flora original preservada não traga qualquer prejuízo’, observa o biólogo e ambientalista Maurício Cruz. Manifestações contrárias à mudança foram encaminhadas ao ICMBio, ao Conparni e à Presidência da República”. 48 Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA). Bayer é novamente condenada por contaminação do arroz nos EUA em 2006. Disponível em: http://pratoslimpos.org.br/. Rio de Janeiro, abr. 2011. Acesso em: 29 abr. 2011. Segundo a reportagem: “Um Tribunal do Município de Arkansas, no Estado de mesmo nome, EUA, determinou no final de março o pagamento de US$ 136,8 milhões à Empresa Riceland Foods, considerando que a Bayer CropScience foi negligente e causou prejuízos à Riceland quando o seu arroz transgênico Liberty Link (tolerante ao herbicida Liberty – glufosinato de amônio), que estava sendo testado a campo, contaminou a cadeia alimentar. Quando a contaminação veio à tona, em 2006, ao União Europeia suspendeu todas as importações de arroz nos EUA. Cinco anos depois, as exportações do cereal ainda não foram restabelecidas.O júri de Arkansas determinou que a Bayer terá que

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Outra reportagem46 do Jornal Zero Hora, datada de 8 de março de 2011, traz a notícia referente à redução da área entre plantações de Organismos Geneticamente Modificados e Unidades de Conservação. As modificações47 requeridas dizem respeito à

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relatam Antônio Inácio Andrioli e Richard Fuchs49. Tal fato traria a difusão de genes transgênicos para as propriedades vizinhas dessas plantações50. Conforme a British Royal Society, há preocupações de que cruzamentos entre cultivos transgênicos e con-

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pagar US$ 16,9 milhões em compensação por perdas, mas considerou que neste caso a negligência foi dividida em 70% para a Bayer e 30% para a Riceland, o que reduziu a multa para US$ 11,8. O júri determinou ainda o pagamento de US$ 125 milhões à Riceland por danos morais. Há ainda centenas de casos judiciais referentes à contaminação do arroz pela variedade Liberty Link pendentes de julgamento – 31 só no Município de Arkansas. Alguns dos que aguardam decisão esperam que o ritmo de julgamentos seja retomado. Extraído de: Dewitt Era Enterprise, 23.03.2011”. 49 ANDRIOLI, Antônio Inácio; FUCHS, Richard. Transgênicos: as sementes do mal – A silenciosa contaminação de solos e alimentos. São Paulo: Expressão Popular, 2008. p. 70-71. Ressaltam os autores: “As ‘diretrizes técnicas’ da Monsanto admitem ser da natureza das plantas transgênicas alcançar as propriedades rurais de outros agricultores, através do voo dos polens ou pelo transporte nas colheitas e de sementes, pelo uso comum de maquinário ou pela interferência de animais. Por ser o milho uma planta alogâmica, uma pequena quantidade de movimento de seus polens (alguns dos quais podem ser portadores de genes transgênicos) entre lavouras vizinhas é um fenômeno normal. As ‘diretrizes técnicas’ partem, explicitamente, do pressuposto de que os usuários de sementes transgênicas não estão submetidos a quaisquer obrigações de impedir a difusão de genes patenteados para propriedades vizinhas. As ‘diretrizes técnicas’ expõem que agricultores que não cultivam plantas transgênicas e destinam sua produção para determinados mercados ‘assumem a responsabilidade e também a necessidade de provar que seus cultivos correspondem a determinadas normas de pureza’”. 50 CAPPELLI, Sílvia. Biodiversidade e agronegócios: a compatibilização possível. Caxias do Sul: Plenum, 2011. 18 CD-ROM. De acordo com Sílvia Cappelli, referindo-se quanto à utilização de transgênicos: “Quanto aos riscos ambientais, teme-se o cruzamento entre espécies transgênicas e orgânicas ou entre as primeiras e fungos, tornando-as cada vez mais resistentes, como verdadeiras pragas, diminuindo a diversidade biológica. Com relação aos OGMs resistentes a insetos, não é desarrazoado imaginar que, após algum tempo, reproduzam-se insetos resistentes ao agrotóxico utilizado”.

vencionais ocorram, tendo em vista que esses cruzamentos são inevitáveis e não podem ser impedidos por barreiras físicas51. No artigo “EUA: O país das possibilidades limitadas, a Monsanto contra os agricultores, um relatório do Centro de Segurança Alimentar Washington DC, EUA”, contido no livro Transgênicos: as sementes do mal, que tem como organizadores Antônio Inácio Andrioli e Richard Fuchs52, frisa-se a respeito da impossível coexistência entre cultivos transgênicos e convencionais. Segundo os autores, o contrato feito pela multinacional que vende as sementes transgênicas responsabiliza o agricultor pela própria tecnologia incontrolável. Além disso, em mais de uma década, já houve a contaminação nos Estados Unidos de mais da metade do acervo de milho e soja convencional, bem como de todo o acervo de semente de colza. O artigo cita o desabafo de um agricultor de Dakota do Norte, Tom Wiley, que diz: “Agricultores são incriminados porque são encontrados em sua propriedade organismos transgênicos, que não compraram, não querem utilizar, não usarão e nem conseguem vender”. Isso porque, quando ocorre a contaminação transgênica53 nas lavouras convencionais de variedades patenteadas, os agricul51 ANDRIOLI, Antônio Inácio; FUCHS, Richard. Op. cit., p. 79. 52 Idem, ibidem. 53 GREENPEACE. Soja transgênica no Brasil Contaminação e royalties. Disponível em: <http://www.greenpeace.org.br/transgenicos/pdf/ contaminacao.pdf>. Acesso em: 11 maio 2011. Quanto às formas de contaminação, esclarece o texto que: “A contaminação pode acontecer por via sexual ou mecânica. A contaminação por via sexual acontece com a troca de pólen entre plantas diferentes, separadas por uma certa distância. A contaminação mecânica é a mistura das sementes de soja convencional com sementes da soja transgênica ao longo de toda a cadeia produtiva. As plantas trocam material entre si por meio da polinização, uma forma de cruzamento sexual. A parte masculina da planta emite o pólen, captado pela parte feminina, e da fecundação nasce a semente. A fecundação entre duas plantas é chamada de polinização


Com a contaminação das suas lavouras convencionais, os agricultores são prejudicados pela perda do patrimônio genético das suas lavouras, ou seja, das sementes que cultivam. Além disso, não podem vender sua produção como alimento livre de transgênicos, perdendo considerável valor, e poderão sofrer cobrança relativa aos direitos de propriedade intelectual, por tecnologia que não quiseram utilizar.

cruzada. A soja apresenta polinização cruzada entre plantas, ou seja, plantas separadas por pequenas distâncias, como o caso de agricultores vizinhos, podem cruzar entre si. Esse fluxo gênico (transferência de genes entre a espécie convencional e a transgênica) é até pequeno na soja quando comparado com outras espécies. Ainda assim, o plantio da soja transgênica ao lado de uma lavoura convencional pode causar a contaminação da soja convencional com o pacote genético patenteado. A mistura de sementes transgênicas com as convencionais pode acontecer nas máquinas para cultivar o solo, semear e colher a lavoura, nos caminhões que transportam a produção e nos silos onde os grãos são armazenados. O agricultor, muitas vezes, usa máquinas emprestadas ou alugadas, principalmente o pequeno produtor que não tem capital para comprar grande quantidade de equipamentos. Assim, ele pode utilizar uma máquina para semear ou colher sua lavoura com restos de semente de soja transgênica. O proprietário do equipamento, por sua vez, presta serviço para vários agricultores e pode levar sementes transgênicas de uma fazenda para outra”.

Há projetos de lei54 tramitando nos Estados Unidos para que haja a responsabilização dessas empresas produtoras de sementes transgênicas, quando ocorrerem a disseminação de polens e contaminação de sementes em lavouras vizinhas. A contaminação das lavouras convencionais pelas lavouras com plantas transgênicas ocorre por meio dessa propagação dos polens. Conforme estudo britânico, realizado em 2003, a colza transgênica55 cruzou com a não transgênica que se distanciava a aproximadamente 25,7km. Assim, com a transgenia, o ecossistema sofre efeitos. Quando essas plantas são dispostas na natureza, não há como se ter um controle, tendo em vista que esses processos de propagação e de cruzamento entre as espécies são espontâneos. O exemplo de contaminação mais conhecido é o relativo ao milho StarLink56, comercializado nos Estados Unidos em 1998. 54 ANDRIOLI, Antônio Inácio; FUCHS, Richard. Op. cit., p. 89. No que concerne aos projetos de lei, ressaltam os autores que: “As perspectivas de aprovação desses projetos de lei são muito boas, tanto no âmbito federal quanto no âmbito estadual. Tal legislação garantiria que agricultores não pudessem ser responsabilizados, pela Monsanto, por contaminações que as sementes desta empresa geram. Também estaria previsto aos agricultores que sofrem com a contaminação uma possibilidade de ressarcimento, de modo que, em vez de serem simplesmente processados pela Monsanto por violação de patentes, os próprios poderiam recorrer, contra a multinacional, via judicial, por danos sofridos pela contaminação transgênica”. 55 Idem, p. 81. No que tange à contaminação biológica por meio de polens: “Segundo um estudo na Grã-Bretanha, a colza transgênica é capaz de contaminar, por mais de 16 anos, variedades de colza convencional e orgânica. Diante disto, agricultores ecológicos, no Canadá, atingidos pela contaminação transgênica, impetraram uma ação judicial coletiva contra a Monsanto e a Bayer. O dano reclamado consiste no sobrepreço que o agricultores receberiam por sua produção. Essa perda se dá porque os agricultores não podem mais garantir a pureza absoluta da sua produção”. 56 Idem, ibidem.

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tores sofrem ações judiciais por suposta violação de patentes de sementes. No que se refere à violação de patentes, a Monsanto, empresa que comercializa sementes, defende que a responsabilidade pelas contaminações nas lavouras vizinhas a lavouras transgênicas é dos agricultores. Mas, ao nosso juízo, é exatamente o contrário o que deve ocorrer. Em vez de serem os agricultores processados por essas empresas por violação de patentes, os agricultores são quem tem o direito de acioná-las judicialmente buscando indenizações referentes aos danos concernentes à contaminação transgênica que sofreram suas lavouras convencionais.

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Essa variedade de milho, até o ano de 2000, cruzou com outras variedades de milho, tendo como consequência o fato de que metade das lavouras de milho de Iowa continha no mínimo vestígios de contaminação (sendo que apenas 1% tinham sido plantadas com a StarLink).

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Como bem salienta Paulo Affonso Leme Machado57, “desde os anos 1970, pesquisadores começaram a manipular diretamente o DNA e, hoje, a engenharia genética tornou-se uma empresa de bilhões de dólares”58. Assim, há a ambição de empresas de produção alimentícia, no intuito de utilizar certas tecnologias

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57 Idem, ibidem. Referente ao milho StarLink: “No outono de 2000, o Ministério da Agricultura dos EUA viu-se forçado a recolher dos supermercados estadunidenses 300 produtos derivados de milho, por apresentarem contaminação com StarLink. Apesar da tentativa de exterminar todos os vestígios de StarLink, este continua aparecendo em plantações de milhos estadunidenses, o que leva a perdas anuais nos mercados estrangeiros. Recentemente, um grupo de agricultores ganhou uma causa judicial em função da perda de mercados estrangeiros devido à contaminação com StarLink, obtendo a soma de 110 milhões de dólares”. 58 Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA). Monsanto tem lucro de US$ 1,02 bilhão no 2º trimestre fiscal. Rio de Janeiro, abr. 2011. Disponível em: <http://pratoslimpos.org.br/?p=2480>. Acesso em: 5 maio 2011. Segundo a reportagem: “Alta foi de 15,4% ante ganho de US$ 887 milhões obtido um ano antes. Entre principais motivadores estão as vendas de sementes de milho. A Monsanto Co. apresentou lucro líquido de US$ 1,02 bilhão (US$ 1,88 por ação) no segundo trimestre fiscal de 2011, encerrado em 28 de fevereiro, superando em 15,4% o ganho de US$ 887 milhões (US$ 1,60 por ação) obtido um ano antes. A receita da maior produtora de sementes do mundo somou US$ 4,13 bilhões – 6,2% superior ao resultado de US$ 3,89 bilhões reportado no segundo trimestre fiscal do ano anterior. Entre os principais motivadores do resultado da companhia americana no segundo trimestre estão as vendas de sementes de milho, que geraram receita de US$ 2,4 bilhões no período – crescimento de 7% em relação ao resultado de US$ 2,25 bilhões apresentado no trimestre equivalente de 2010. A empresa também reforçou a projeção de ganho por ação no ano fiscal de 2011 na faixa de US$ 2,72 a US$ 2,82 em uma base contínua”.

e obter o monopólio dessa indústria tão lucrativa. De acordo com Henry Kissinger59, “controle a energia e você controlará a nação. Controle a alimentação, e você controlará as pessoas”. No que tange à preservação da nossa biodiversidade quanto à manipulação genética de sementes, segundo Luciano Mendes de Almeida60, “defende-se que as sementes também sejam declaradas bem de uso comum da humanidade, devendo ser conservadas em sua integridade genética para uso das gerações futuras [...]”. Todavia, o autor ressalta a respeito do choque desses ideais com os interesses econômicos relativos à biotecnologia e conclui que há um embate com os interesses capitalistas, ou seja, interesse voltado ao patenteamento da biotecnologia por grupos econômicos. No que concerne à biodiversidade, importante a ressalva feita por Édis Milaré sobre os princípios da vida sustentável para a construção de uma sociedade sustentável. Ele diz: “[...] Conservar a vitalidade e a diversidade do planeta Terra: o desenvolvimento baseado na conservação deve incluir providências no sentido de proteger a estrutura, as funções e a diversidade dos sistemas naturais do planeta [...]”. Nesse sentido, devemos estar cientes de que a sustentação da vida no planeta depende da defesa dessa diversidade. Com a proteção dos ecossistemas é que viabilizamos a perpetuação da vida no planeta. Dessa forma, imprescindível que haja cautela na introdução de OGMs no meio ambiente. A responsabilidade civil presume um prejuízo, um dano, que origina um pedido de reparação. De acordo com Édis Milaré, 59 Henry Kissinger foi Ministro de Assuntos Exteriores e consultor de segurança nos Estados Unidos. 60 ALMEIDA, Luciano Mendes de. O risco dos transgênicos. Folha de S. Paulo, p. a-2, jun. 2003.


No caso de ocorrência de danos à biodiversidade, especificamente no que concerne à contaminação das lavouras convencionais pelas lavouras transgênicas, as vítimas desse dano ambiental necessitam de uma proteção adequada, e essa só se dá por meio da responsabilidade objetiva61, tendo em vista a natureza difusa do dano ambiental, bem como no que tange à questão probatória, ou seja, a dificuldade no que concerne à prova da culpa do agente causador do dano ambiental. Da mesma forma, há possibilidade de, na responsabilidade sub61 FACCHINI NETO, Eugênio. A função social do direito privado. Caxias do Sul: Plenum, 2011. 18 CD-ROM. Segundo o autor, no que se refere à responsabilidade objetiva: “[...] De fato, o Direito deve permanentemente dar respostas satisfatórias, adequadas, eficientes e justas aos novos problemas e desafios que a sociedade, no seu permanente evoluir, constantemente apresenta. Em razão do crescimento da população urbana e do aumento vertiginoso das atividades econômicas, constantemente o homem, com seu agir, cria riscos para a natureza e para o seu semelhante. Vive-se sob o signo da insegurança, numa verdadeira ‘sociedade de risco’, como batizada pela sociologia francesa. Se o Direito, muitas vezes, sente-se incapaz para evitar e neutralizar os riscos, se os danos são inevitáveis, frutos inseparáveis da convivência social e do desenvolvimento tecnológico, ao menos o Direito deve buscar formas de fornecer segurança jurídica, no sentido de que todo o dano injusto (entendendo-se por dano injusto todo aquele para o qual a vítima não deu causa) deve ser, na maior medida possível, reparado. A responsabilidade civil também tem uma função a cumprir a esse respeito. Para tanto, é necessário que se desembarace da imprescindibilidade da noção da culpa, adotando critérios objetivos de responsabilização civil, pois sua função não é a de punir o ofensor (para o que seria exigível a culpa), mas sim procurar garantir o ressarcimento da vítima. Daí o desenvolvimento de uma teoria geral de responsabilidade objetiva, com base em critérios de risco-criado, risco-proveito, ideia de garantia, risco-profissional, etc. Afinal, se o agente não agiu com culpa, a vítima, muitas vezes, também não. A solidariedade social, nesta hipótese, parece impor que quem causou o dano suporte as suas consequências”.

jetiva, admitirem-se as excludentes de responsabilidade e de vivermos em uma sociedade de risco pelo progresso tecnológico e expansão das atividades econômicas. Por todas essas razões elencadas anteriormente, para que haja uma eficácia prática no que tange às normas relacionadas à proteção do meio ambiente, a responsabilidade nessas situações é objetiva. Assim, reitera-se que, no caso de polinização de lavouras orgânicas por lavouras cultivadas com OGMs, não poderá se alegar as excludentes de responsabilidade civil, fazendo-se apenas a análise quanto à lesividade da atividade. A Lei nº 6.938/198162 dispõe sobre a política nacional do meio ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação. Trata da responsabilidade civil pelo dano ambiental e, no seu art. 14, § 1º, prescreve a respeito da responsabilidade objetiva do agente causador do dano ambiental. Já a Lei nº 11.105/200563 estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam Organismos Geneticamente Modificados – OGM e seus derivados. O seu art. 1º estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização sobre a construção, o cultivo, a produção, a manipulação, o transporte, a transferência, a importação, a ex62 Trata o art. 14 da Lei nº 6.938/1981 da responsabilidade objetiva: “Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores: § 1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente de existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal por danos causados ao meio ambiente”. 63 O art. 20 da Lei nº 11.105/2005 diz que: “Sem prejuízo da aplicação das penas previstas nesta lei, os responsáveis pelos danos ao meio ambiente e a terceiros responderão, solidariamente, por sua indenização ou reparação integral, independentemente da existência de culpa”.

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a responsabilidade é objetiva no dano ambiental previsto na legislação especial. É fundada no risco inerente à atividade. Assim, analisa-se somente a ocorrência do dano e a prova do nexo causal entre a conduta e o dano.

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portação, o armazenamento, a pesquisa, a comercialização, o consumo, a liberação no meio ambiente e o descarte de organismos geneticamente modificados, bem como de seus derivados. As diretrizes dessa lei são: o estímulo ao avanço científico na área de biossegurança e biotecnologia; a proteção à vida e à saúde humana, animal e vegetal e a observância do princípio da precaução para a proteção do meio ambiente.

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De acordo com Silvia Cappelli64, devemos indagar a respeito dos efeitos nocivos ao meio ambiente que trazem os OGMs,

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64 CAPPELLI, Sílvia. Op. cit. Conforme Sílvia Cappelli: “Em suma, enquanto compete à CTNBio a avaliação técnico-ética do projeto ou atividade, ao Ministério da Agricultura incumbe a avaliação alimentar e agrícola; ao Ministério da Saúde, os efeitos, por exemplo, de toxicidade dos produtos, inclusive no que concerne à utilização de agrotóxicos e ao Ministério de Meio Ambiente, os ambientais, determinando o licenciamento e o estudo de impacto ambiental. Então, pode-se concluir que o risco que a CTNBio avalia não se confunde com a avaliação do risco ao ecossistema, decorrente da interação do OGM com outras espécies e seus efeitos no meio ambiente. A CTNBio não faz avaliação do impacto socioeconômico, por exemplo, que é parte indispensável do estudo de impacto ambiental, segundo disposição da Resolução nº 1/1986 do Conama. Também não realiza avaliação com relação à segurança alimentar como testes para a avaliação do produto tendo como prisma a toxicidade do alimento, questão que extrapola o conceito de biossegurança. Por exemplo, com relação ao milho BT, que tem função de agrotóxico, a Agência de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde certamente exigirá testes de toxicidade. Essa previsão consta da lei e não pode ser subtraída do brasileiro, sob pena de quebra da finalidade do ato administrativo. A CTNBio tem admitido, mais recentemente, a competência do Ministério do Meio Ambiente para o licenciamento ambiental, porém, ainda assim, admite o estudo de impacto ambiental apenas para os OGMs do grupo II do Anexo I da Lei nº 8.974/1995, quais sejam, os patogênicos, os capazes de cruzar com espécies existentes no meio ambiente, os capazes de transmitir marcadores de resistência a organismos, etc. A CTNBio considera os OGMs do Grupo I como não perigosos e, por isso, sem necessidade de EIA/Rima”. Conforme o Anexo I da Lei nº 8.974/1995: “Para efeitos desta Lei, os organismos geneticamente modificados classificam-se da seguinte maneira: Grupo I: compreende os organismos que preenchem os seguintes critérios: a) Organismo receptor ou parental não patogênico; isento de agentes adventícios; com amplo histórico documentado de utili-

verificando quais os critérios, a metodologia, as avaliações e sua duração, como, por exemplo, no que diz respeito à consideração de um organismo ser patogênico ou não. E salienta a autora a importância do princípio da precaução, no que tange a tais questões. Conclui: “Verifica-se, pois, que a análise de risco não é atribuição exclusiva da CTNBio, devendo ser realizada em sede de estudo de impacto ambiental, em respeito à Constituição Federal e ao princípio da precaução”. Segundo o escólio de Annelise Steigleder, a teoria do risco de empresa ou teoria do risco do empreendimento, desdobramento da teoria do risco da atividade65, é aquela “segundo a qual, zação segura, ou a incorporação de barreiras biológicas que, sem interferir no crescimento ótimo em reator ou fermentador, permita uma sobrevivência e multiplicação limitadas, sem efeitos negativos para o meio ambiente. b) Vetor/inserto: deve ser adequadamente caracterizado e desprovido de sequências nocivas conhecidas; deve ser de tamanho limitado, no que for possível, às seqüências genéticas necessárias para realizar a função projetada; não deve incrementar a estabilidade do organismo modificado no meio ambiente; deve ser escassamente mobilizável; não deve transmitir nenhum marcador de resistência a organismos que, de acordo com os conhecimentos disponíveis, não o adquira de forma natural. c) Organismos geneticamente modificados: não patogênicos; que ofereçam a mesma segurança que o organismo receptor ou parental no reator ou fermentador, mas com sobrevivência e/ou multiplicação limitadas, sem efeitos negativos para o meio ambiente. d) Outros organismos geneticamente modificados que poderiam incluir-se no Grupo I, desde que reúnam as condições estipuladas no item c anterior: micro-organismos construídos inteiramente a partir de um único receptor procariótico (incluindo plasmídeos e vírus endógenos) ou de um único receptor eucariótico (incluindo seus cloroplastos, mitocôndrias e plasmídeos, mas excluindo os vírus) e organismos compostos inteiramente por seqüências genéticas de diferentes espécies que troquem tais sequências mediante processos fisiológicos conhecidos. Grupo II: todos aqueles não incluídos no Grupo I”. 65 STEIGLEDER, Annelise. Áreas contaminadas e a obrigação do poluidor de custear – Um diagnóstico para dimensionar o dano ambiental. Porto Alegre: Plenum, 2011. 18 CD-ROM. Ressalta a autora que: “Conforme a teoria do risco da atividade, uma pessoa deve incorrer na obrigação de indenizar, mesmo sem ter agido com culpa, sempre que sejam produzidos


Ainda de acordo com Annelise Steigleder, no caso de responsabilidade civil objetiva agravada, permanece a obrigação quanto à indenização mesmo frente a infortúnios, hipóteses de força maior, fatos de terceiros e fatos do próprio lesado, que possam ser considerados riscos pródanos no decurso de atividades realizadas no seu interesse e seu controle. Aquele que, por sua atuação, cria o risco de produção de eventuais danos a terceiros deve reparar aqueles que assim forem causados”. 66 STEIGLEDER, Annelise. Fundamentos jurídicos para a inversão do ônus da prova nas ações civis públicas por danos ambientais. Porto Alegre: Plenum, 2011. 18 CD-ROM. A autora citando, Fernando Noronha, esclarece a respeito da responsabilidade objetiva agravada: “Noronha leciona que a responsabilidade objetiva agravada depende de três condições, que não são unânimes na doutrina, quais sejam: 1) que se tratem dos danos à pessoa, e não a coisas; 2) que normalmente se tratem de danos acontecidos no exercício de uma atividade empresarial, ou quando se trate de pessoa jurídica pública, no exercício do serviço público; 3) que tais danos sejam devidos a fatos que, embora não possam ser considerados causados pelo responsável ou pela atividade exercida, ainda guardem conexão com tal atividade, podendo ser fatos de terceiro e excepcionalmente do próprio lesado, e até, mas só em hipóteses especialíssimas, casos fortuitos ou de força maior, em sentido estrito. No entanto, o próprio Noronha admite que existem situações em que se justifica a tutela também de danos a coisas, como nos casos em que as dificuldades de prova do nexo de causalidade seriam quase insuperáveis para o lesado. Este tipo de responsabilidade agravada é designado de obrigação de incolumidade. Do ponto de vista da proteção da pessoa humana, esta designação é a de incolumidade físico-psíquica. No caso da proteção a coisas, a designação acolhida pela doutrina é de obrigação de garantia”.

prios da atividade que estiver em causa. Nessas situações, o agente é obrigado a indenizar, independentemente de haver um nexo de causalidade adequado entre a sua atividade e o dano acontecido. Os danos ambientais decorrem de riscos próprios das atividades econômicas. Assim, aqueles que exploram e são empreendedores de atividades econômicas que são potencialmente lesivas ao meio ambiente têm a posição de garantidores da preservação ambiental. Dessa forma, os danos decorrentes dessas atividades estarão sempre vinculados a estas. A posição de garantidor da proteção ambiental pesa sobre o empreendedor de atividade econômica potencialmente lesiva ao meio ambiente. Ensina Annelise Steigleder que o nosso ordenamento jurídico dá guarida à figura do garantidor da proteção ambiental “no instrumento do Estudo de Impacto Ambiental, previsto no art. 225, § 1º, IV, e, ainda, na figura do licenciamento ambiental”. Também se faz necessário citar o art. 20 da Lei nº 11.105/200567, que trata da responsabilização objetiva e solidária (quanto à indenização ou reparação integral) dos responsáveis pelos danos causados ao meio ambiente e a terceiros. Importante salientar que nossa política econômica, com a Constituição Federal de 1988, fincou suas bases axiológicas na preservação do meio ambiente, sendo o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado um direito fundamental da pessoa humana68. 67 De acordo com o art. 20 da Lei nº 11.105/2005: “Sem prejuízo da aplicação das penas previstas nesta lei, os responsáveis pelos danos ao meio ambiente e a terceiros responderão, solidariamente, por sua indenização ou reparação integral, independentemente da existência de culpa”. 68 Faz-se necessário reproduzir o art. 225 da Constituição Federal de 1988, que ressalta: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo

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quem exerce profissionalmente uma atividade econômica, organizada para a produção ou a circulação de bens ou serviços, deve arcar com todos os ônus resultantes de qualquer evento danoso inerente ao processo produtivo ou distributivo”. Tal teoria justifica inclusive a dispensa de nexo de causalidade entre o fato praticado e o dano ocorrido, devendo o empresário responder pelos danos não causados pela empresa, mas nos quais haja conexão estreita com a atividade empresarial (casos em que há uma responsabilidade objetiva agravada66).

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Assim, constata-se que tais normas embrenham-se pelo nosso ordenamento jurídico, devendo as regras de hierarquia inferior serem aplicadas com base nos princípios jurídicos e nas normas que prescrevem a Constituição Federal.

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Evidentemente que a biotecnologia é uma das maiores revoluções tecnológicas dos últimos tempos e que gera expectativas quanto a uma maior produção de alimentos, de geração

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e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: I – preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; II – preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; III – definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; V – controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; VI – promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente; VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. § 2º Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei. § 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. § 4º A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma § 5º São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais. § 6º As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas”.

de lucros e até mesmo da busca da erradicação da fome no mundo. Todavia, há opiniões científicas com sólida base argumentativa para a sua não utilização ou utilização com reservas. Os riscos que sua utilização traz à saúde humana não foram ainda bem definidos, restando dúvidas no que tange a certos efeitos possíveis, como, por exemplo, uma possível produção de genes resistentes a antibióticos, o que traria consequências desastrosas à humanidade, com a disseminação de doenças.

2.2 R esponsabilidade das sociedades empresariais quanto ao dever de informação sobre o conteúdo de transgênicos nos alimentos colocados para consumo No que diz respeito ao dever de informação69, é regrado no nosso ordenamento jurídico no Texto Constitucional, no art. 5º, 69 AMARAL, Luiz Otávio de Oliveira. Os transgênicos e o consumidor brasileiro. Caxias do Sul: Plenum, 2011. 18 CD-ROM. Diz o autor que: “Por outro lado, estas inovações biotecnológicas interferem diretamente no microssistema jurídico de proteção do consumidor mundial e muito especialmente do brasileiro, cuja legislação específica (o Código de Defesa do Consumidor – CDC) é tecnologia jurídica das mais avançadas. Assim, os alimentos ditos transgênicos, para serem comercializados no Brasil, terão de enfrentar dois níveis de exigência. Um deles, de caráter cautelar, decorre da responsabilidade estatal de controlar, fiscalizar e garantir a segurança geral da população consumidora destas novas variedades alimentícias. Assim, só mesmo após toda uma série, cautelosa e exaustiva, de análises e pesquisas que assegurem, razoavelmente, aquele pressuposto elementar da segurança ao consumidor é que estas novas tecnologias podem alcançar o mercado consumidor. E isto deflui já não somente do microssistema específico, mas também do macrossistema jurídico e até da natural responsabilidade ética do Poder Público (art. 37 da Constituição Federal). Com efeito, não é de se exigir, no caso, prova científica absoluta de dano, bastante será o risco do desconhecimento dos impactos, dos efeitos que, sendo irreversíveis ou graves, já impõem à autoridade pública o dever de não esperar para tomar as precauções protetivas, sobretudo da razão de ser de todo o Direito (inclusive o ambiental), ou seja, o homem, o substrato do consumidor. O outro nível de exigência para a regular comercialização dos transgênicos no Brasil é o respeito ao direito básico do consumidor à


Também importante a entrada em vigor da Lei de Biossegurança, Lei nº 11.105/2005, que se trata de um marco no trato do assunto, pois ela cria o Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS) e reestrutura a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio)70. A rotulagem dos alimentos transgênicos, informando ao consumidor sobre a presença de transgênicos, está prevista no art. 40 da Lei federal71 nº 11.105/2005, que trata da Biossegurança. A Lei nº 11.105/2005 estabeleceu normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvem organismos geneticamente modificados. O seu art. 40 dispõe que os alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de OGM ou derivados deverão conter informação nesse sentido em seus rótulos, conforme regulamento. Importante referir também a respeito do Decreto nº 4.680/200372. A preocupação com os transgênicos levou o Governo Federal a informação ampla, eficaz e veraz, direito este tanto mais necessário quanto maior o grau de novidade e risco do produto em questão”. 70 CALGARO, Cleide; PEREIRA, Henrique Mioranza Koppe. Os organismos geneticamente modificados: a informação ao consumidor como forma de cidadania. Caxias do Sul: Plenum, 2011. 18 CD-ROM. 71 Art. 40 da Lei nº 11.105/2005: “Os alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de OGM ou derivados deverão conter informação nesse sentido em seus rótulos, conforme regulamento”. 72 Conforme os arts. 2º e 3º do Decreto nº 4.680/2003: “Art. 2º Na comercialização de alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de organismos geneticamente modificados, com presença acima do limite de um por cento do produto, o consumidor deverá ser informado da natureza transgênica

editar inicialmente esse decreto, que regula os transgênicos e preconiza, em seu art. 2º, caput e § 1º, que, na comercialização de alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de organismos geneticamente modificados, com presença acima do limite de um por cento do produto, o consumidor deverá ser informado da natureza transgênica desse produto. Esse decreto prevê regras a respeito da rotulagem e regulamenta o direito à informação, assegurado pela Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, quanto aos alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de organismos geneticamente modificados, sem prejuízo do cumprimento das demais normas aplicáveis. Já a Portaria nº 2.658/2003 do Ministério da Justiça regulamenta o art. 2º, § 1º, do Decreto nº 4.680/2003, que trata do símbolo que dá identificação aos rótulos dos alimentos transgênicos. Ressalva o § 1º que tanto nos produtos embalados como nos vendidos desse produto. § 1º Tanto nos produtos embalados como nos vendidos a granel ou in natura, o rótulo da embalagem ou do recipiente em que estão contidos deverá constar, em destaque, no painel principal e em conjunto com o símbolo a ser definido mediante ato do Ministério da Justiça, uma das seguintes expressões, dependendo do caso: ‘(nome do produto) transgênico’, ‘contém (nome do ingrediente ou ingredientes) transgênico(s)’ ou ‘produto produzido a partir de (nome do produto) transgênico’. § 2º O consumidor deverá ser informado sobre a espécie doadora do gene no local reservado para a identificação dos ingredientes. § 3º A informação determinada no § 1º deste artigo também deverá constar do documento fiscal, de modo que essa informação acompanhe o produto ou ingrediente em todas as etapas da cadeia produtiva. § 4º O percentual referido no caput poderá ser reduzido por decisão da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio. Art. 3º Os alimentos e ingredientes produzidos a partir de animais alimentados com ração contendo ingredientes transgênicos deverão trazer no painel principal, em tamanho e destaque previstos no art. 2º, a seguinte expressão: ‘(nome do animal) alimentado com ração contendo ingrediente transgênico’ ou ‘(nome do ingrediente) produzido a partir de animal alimentado com ração contendo ingrediente transgênico’”.

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inciso XIV, que diz: “XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”.

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a granel ou in natura o rótulo da embalagem ou do recipiente em que estão contidos deverá constar, em destaque, no painel principal e em conjunto com o símbolo a ser definido mediante ato do Ministério da Justiça, uma das seguintes expressões, dependendo do caso: “(nome do produto) transgênico”, “contém (nome do ingrediente ou ingredientes) transgênico(s)” ou “produto produzido a partir de (nome do produto) transgênico”. O Decreto Federal nº 5.591/2005, precisamente no seu art. 91, diz que os alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de OGMs e seus derivados deverão conter informação nesse sentido em seus rótulos, na forma de decreto específico.

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Já a Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor) protege o consumidor no que concerne a uma série de aspectos, entre eles o direito de informação por parte dos fornecedores.

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Diz o caput do art. 4º da Lei nº 8.078/1990 que a Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo. Da mesma forma, o art. 6º, incisos I, II e III, do CDC, que preconiza a respeito dos direitos básicos do consumidor. O art. 6º, inciso II, do CDC prescreve que é direito do consumidor: “A educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações; [...]”. Dessa forma, ao consumidor deve ser viabilizada a liberdade de escolha por meio da possibilidade de acesso a conhecimentos sobre os produtos colocados à disposição para consumo.

Os arts. 8º e 9º do CDC tratam do dever de o fornecedor de informar, de forma clara e precisa, o consumidor acerca dos produtos e serviços colocados no mercado de consumo. O art. 8º do CDC73 trata da informação ao consumidor sobre os riscos à sua saúde, ou seja, protege a saúde do consumidor exigindo a prestação de informações a respeito do produto colocado para consumo. Torna-se de fundamental importância no que diz respeito aos alimentos que contêm OGMs. Como ressaltado, o direito de informação pela rotulagem dos alimentos, principalmente no que se refere aos alimentos transgênicos, possibilita que o consumidor faça valer o seu direito de escolha em consumir tais produtos. No caso de produto potencialmente nocivo à saúde, o art. 9º é transparente ao prescrever que a informação deve ser ostensiva e adequada. Ressalta o art. 10 do CDC que o fornecedor não poderá colocar no mercado de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança. Importante salientar o dever do fornecedor de não omitir informação74 ou dar informação que 73 Diz o art. 8º do CDC: “Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito. Parágrafo único. Em se tratando de produto industrial, ao fabricante cabe prestar as informações a que se refere este artigo, através de impressos apropriados que devam acompanhar o produto”. 74 MOMMA, Alberto Nobuoki. Op. cit. Diz o autor: “E o que propõem os produtores de transgênicos? Adotam duas estratégias distintas, uma voltada para grãos e outra, radicalmente oposta, para sementes. Para grãos, procuram simplesmente misturar-se às outras confundir-se na multidão de desconhecidos, sem nenhuma preocupação com diferenciação, segmentação ou marketing específico. Se é commodity, a ênfase deve


Verifica-se que o direito à informação não é um dever acessório. Trata-se de um direito com sede constitucional e de enorme importância. Assim, devemos exigir a eficácia desse direito; fazer zelar pelo seu devido cumprimento é uma questão de cidadania. Resta claro o dever de informação por parte dos fornecedores. Tem o consumidor, no mínimo, o direito de escolha de consumir ou não alimentos produzidos com sementes transgênicas. Conforme já referido, a maior repercussão no Brasil sobre os transgênicos deu-se com a publicidade relativa à decisão do governo de autorizar a comercialização de soja transgênica Roundup Ready (RR), da multinacional Monsanto, que obteve parecer favorável da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). Importante salientar que tal comissão é subordinada ao Ministério da Ciência e Tecnologia. De acordo com Marijane Vieira Lisboa75, Doutora em Ciências Sociais, coordenadora da Campanha contra Transgênicos da Greenpeace em 1999, os transgênicos são uma questão de meio ambiente e saúde pública e não de tecnologia. Por isso, a importância do debate do tema com toda a sociedade de forma multidisciplinar. recair no custo mínimo possível e todos os esforços devem concentrar-se nesse objetivo. Já para o segmento de sementes, prevalece a ideia de produto taylor made, isto é, especiaria onde se ganha com a maximização do valor agregado, na capitalização do conhecimento, e não com as quantidades comercializadas. Para isso, lança-se mão de um arsenal de convencimentos: materiais, financeiros, logísticos, técnicos, gerenciais – para demonstrar ao mundo rural que a planta transgênica é muito mais lucrativa que a convencional, por reduzir custos, facilitar operações e, sobretudo, aumentar as margens de rentabilidade operacional”. 75 DANTAS, Grace. Op. cit., p. 47.

Mesmo que não tivéssemos o Código de Defesa do Consumidor, que é uma lei moderna e abrangente, que prevê, de forma eficaz, as questões referentes ao dever de informação, pelo princípio da boa-fé, bem como pelo princípio da precaução, deveria ser garantido pelo Magistrado a informação adequada ao consumidor. Nesse sentido, importante a referência feita por Eugênio Facchini Neto76. De acordo com o escólio do autor, o Magistrado, frente ao envelhecimento das leis, muitas vezes devido à dinâmica das transformações sociais, deve focar sua interpretação a respeito dos fatos litigiosos em princípios genéricos e valores abstratos. As sociedades empresariais que comercializam OGMs devem disponibilizar ao consumidor a mais ampla informação a respeito do produto colocado para consumo. Assim, deve haver a informação do conteúdo de produto transgênico no rótulo da 76 FACCHINI NETO, Eugênio. “E o juiz não é só de direito...” (ou “a função jurisdicional e a subjetividade”). Caxias do Sul: Plenum, 2011. 18 CD-ROM. Salienta o autor que: “Percebe-se, mundo afora, que o legislador, envolvido em uma crise institucional, não mais consegue desempenhar as próprias funções com a eficácia necessária. O envelhecimento das leis frente a uma sociedade em rápida transformação e o constante surgimento de novos fenômenos sociais a reclamar a atenção do direito (recordem-se as discussões no âmbito da bioética e as disputas sobre os produtos transgênicos) contribuíram para deslocar para o juiz a solução de problemas e de incertezas que deveriam encontrar uma resposta na sede legislativa. Na ausência de parâmetros normativos claros e tendo que decidir (já que ao Magistrado não é dado escusar-se de proferir um julgamento, sob alegação de ausência ou insuficiência da legislação), ao juiz não resta alternativa senão julgar a partir de sua interpretação pessoal de certos princípios genéricos e valores abstratos. Nessa atividade concretizadora, é evidente que o juiz sofre a influência de fatores subjetivos (sua formação, seus valores pessoais, sua concepção de mundo, mais individualista ou solidarista, mais materialista ou axiológica, etc.), além de fatores objetivos não jurídicos, como sua origem social e familiar (seria possível imaginar que julgassem da mesma forma uma disputa envolvendo a liberação de plantio de produtos transgênicos, ou um conflito derivado de ocupação coletiva de imóvel rural, um juiz filho de um agricultor abastado e um outro julgador, oriundo de classe socioeconômica menos elevada e simpatizante de movimentos ecológicos?)”.

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possa induzir o consumidor ao erro, no que tange à natureza, às características e às propriedades do produto colocado à disposição para consumo.

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embalagem do alimento. Todavia, não só no rótulo devem estar disponíveis essas informações, mas também por intermédio de publicidade, de canais diretos de comunicação (telefone, Internet, etc.) para retirar as dúvidas dos consumidores a respeito desses produtos. O Estado tem papel fundamental na garantia desses direitos do consumidor, por meio da fiscalização dessas atividades e da regulação administrativa da matéria.

prescreve o art. 13 do mesmo Código78, o comerciante tem responsabilidade subsidiária.

Importante referir que a responsabilidade civil no CDC poderá ocorrer pelo vício ou fato do produto. O fato do produto (defeito) é regulado pelos arts. 12 ao 17 do CDC. Já o vício ou fato do serviço, pelos arts. 18 e seguintes do CDC. Há defeito quando pode haver comprometimento físico ou patrimonial decorrente do produto, apresentando riscos à saúde do consumidor. Caso ocorra a omissão de informações a respeito do conteúdo ou não de OGMs nos produtos comercializados, e venham a ocorrer danos à saúde do consumidor, como, por exemplo, algum tipo de alergia, haverá um defeito em um elemento externo, ou seja, que não está no produto em si, mas em um defeito de informação relacionado ao produto. Dessa forma, deverá ocorrer a responsabilização da sociedade empresarial, para que tal prática seja desestimulada. Caberá, assim, a reparação dos danos patrimoniais, com o ressarcimento dos prejuízos (danos emergentes e lucros cessantes), bem como dos danos morais causados ao consumidor.

dores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos. § 1º O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I – sua apresentação; II – o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III – a época em que foi colocado em circulação. § 2º O produto não é considerado defeituoso pelo fato de outro de melhor qualidade ter sido colocado no mercado. § 3º O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar: I – que não colocou o produto no mercado; II – que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste; III – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro”. 78 Conforme o art. 13 do CDC: “O comerciante é igualmente responsável, nos termos do artigo anterior, quando: I – o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados; II – o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador; III – não conservar adequadamente os produtos perecíveis. Parágrafo único. Aquele que efetivar o pagamento ao prejudicado poderá exercer o direito de regresso contra os demais responsáveis, segundo sua participação na causação do evento danoso”. 79 Conforme o art. 12 do CDC: “O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos. [...] § 3º O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar: I – que não colocou o produto no mercado; II – que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste; III – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro”. 80 Segundo o art. 14 do CDC: “O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados

Importante ressalvar que a responsabilidade civil para o fabricante, para o produtor, para o construtor, nacional ou estrangeiro, e para o importador quanto a algum problema referente ao dever de informação e quanto ao produto colocado em consumo é objetiva, isto é, não se verifica a culpa, apenas o dano sofrido pelo consumidor e o nexo de causalidade, conforme prescreve o art. 12 do Código de Defesa do Consumidor77. Conforme 77 De acordo com o art. 12 do CDC: “O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumi-

Dessa forma, só haverá exclusão da responsabilidade caso o fornecedor prove o prescrito nos arts. 12, § 3º79, e 14, § 3º80, do Código de Defesa do Consumidor.


De acordo com Sérgio Cavalieri Filho81, com o Código de Defesa do Consumidor, os riscos do consumo foram transferidos para o fornecedor. O Código prevê a teoria do risco do empreendimento ou empresarial. Conforme ensina o autor, no que concerne à teoria do risco do empreendimento, é importante ressaltar: “Todo aquele que se disponha a exercer alguma atividade no mercado de consumo tem o dever de responder pelos eventuais vícios ou defeitos dos bens e serviços fornecidos independentemente de culpa”. Tendo em vista a incerteza científica quanto às consequências do consumo continuado desses alimentos, a rotulagem dos produtos colocados à venda deve conter informações claras e precisas, conforme prescreve o art. 31 do CDC82, bem como proporcionar,

aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. [...] § 3º O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: I – que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro”. 81 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. São Paulo: Atlas, 2007. p. 459-460. Ensina o autor a respeito da teoria do empreendimento: “Este dever é imanente ao dever de obediência às normas de técnicas e de segurança, bem como aos critérios de lealdade, quer perante os bens e serviços ofertados, quer perante os destinatários dessas ofertas. A responsabilidade decorre do simples fato de dispor-se alguém a realizar atividade de produzir, estocar, distribuir e comercializar produtos ou executar determinados serviços. O fornecedor passa a ser o garante dos produtos e serviços que oferece no mercado de consumo, respondendo pela qualidade e segurança dos mesmos”. 82 Conforme prescreve o art. 31 do CDC: “A oferta e apresentação de produ-

como via de consequência, a possibilidade de escolha por parte do consumidor entre o consumo de alimentos orgânicos ou alimentos que contenham transgênicos. Assim, é conditio sine qua non para o fornecimento desses produtos que esse direito básico à informação seja atendido por parte das sociedades empresariais que comercializam alimentos transgênicos. Importante ressaltar que não é simples a implementação de um sistema que contenha as informações a respeito da procedência da carne, ou seja, se houve a alimentação por meio de ração ou de alguma substância de origem transgênica dos animais que foram abatidos para consumo. Além disso, o custo que advém da implementação de um cadastro de informações a respeito da origem daquele alimento colocado à disposição do consumidor será elevado. Tendo em vista que terá de ser criado um sistema de cadastro a respeito da procedência desses alimentos, esses valores certamente serão acrescidos ao preço final do produto. Além disso, com a globalização e o intenso comércio internacional, deve-se apurar como ficam essas questões frente ao comércio de produtos entre países. Como poderá ser implementado e exigido o dever de informação, tendo em vista que em outros países não há qualquer tipo de exigência no que tange aos alimentos transgênicos? Assim, verifica-se que a busca da efetividade dessas medidas previstas em lei é uma questão de cidadania e que só será implementada no momento em que a população tenha acesso e conhecimento a respeito do tema. A partir desse ponto é que teremos condições de avaliar se haverá possibilidade de que tos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores”.

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Havendo a violação das normas jurídicas ou mesmo o inadimplemento da obrigação contratual, deverá haver a reparação do dano causado, e o seu causador indenizará o consumidor no que concerne aos danos patrimoniais e extrapatrimoniais sofridos. Em regra, o ônus da prova é do fornecedor do produto, e as cláusulas contratuais que isentem sua responsabilidade são nulas, tendo em vista o caráter indisponível das normas, pois são de ordem pública.

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haja eficácia prática e legitimidade no que tange à implementação dessas medidas.

Nesse ínterim, um exemplo relatado por Helita Barreira Custódio84,

Há necessidade, assim, de se criar, por meio de uma educação para o consumo, uma consciência popular referente à busca de um consumo cônscio por parte do cidadão, que ocorra por meio do debate e da publicização dessas questões, para que ocorra a percepção por parte da população quanto à importância do conhecimento do tema. Deve ser incorporado ao cotidiano das pessoas o costume de se perquirir quanto às substâncias que estão contidas nos alimentos que são colocados no comércio a nossa disposição para consumo. Além disso, devemos exigir dos órgãos competentes que se façam estudos científicos, bem como sejam dadas as devidas informações ao consumidor final.

gigante da biotecnologia norte-americana e controladora do mercado de milho em boa parte do mundo (já comprou a Empresa brasileira Agroceres, detentora de 30% do mercado de milho no Brasil) já lançou em solo brasileiro sua semente (geneticamente modificada) de soja Roundup Ready, mas, felizmente, temos Magistrados, ainda, não ideologicamente modificados e os riscos da insegurança, tanto econômica quanto à saúde ambiental e humana, foram prudente e eficazmente postergados (1). Os produtores de milho e consumidores brasileiros são, agora, o alvo do Terminator e de outras sementes transgênicas, como o milho ‘apomíctico’, cuja planta produz semente híbrida (geneticamente uniformes/clones de sementes), enfim, o milho do pobre (tal como o café mais barato em face do reiterado uso da borra)”. 84 CUSTÓDIO, Helita Barreira apud BUSSOLATI, Mariella; MORANDI, Sabina. Direito do consumidor e os organismos geneticamente modificados. Caxias do Sul: Plenum, 2011. 18 CD-ROM. Diz a autora: “O ‘Codex Alimentarius Commission’, no âmbito da competência da FAO e da OMS, considerando os múltiplos aspectos da produção alimentar, desde as garantias sanitárias aos protocolos científicos e comerciais, tem como fim fixar parâmetros ou padrões precisos relacionados com a presença de microorganismos ou com os resíduos de agrotóxicos e as medidas preventivas referentes à avaliação de risco, visando à segurança alimentar. Para salvaguardar os consumidores, o citado Código seleciona e fixa as regras gerais para a etiquetagem ou rotulagem e o confeccionamento dos produtos, de forma compatível com as normas internacionais de higiene alimentar no sentido de garantir a qualidade do alimento do ponto de vista sanitário. O Código se resume numa infinidade de normas e parâmetros em 16 volumes, atualizados de dois em dois anos por comissões nacionais e regionais, cujos trabalhos sobre temas específicos referentes a alimentos são submetidos à apreciação da Sessão Plenária composta de 500 delegados dos 163 países representantes de organizações internacionais, governamentais e não governamentais, incluídas as associações de consumidores que, apesar de não terem direito a voto, podem apresentar suas propostas. No tocante aos alimentos transgênicos, trata-se de assunto palpitante das mais recentes reuniões plenárias na sede da FAO, em Roma. Neste sentido, evidencia-se que o Codex, de forma cautelosa, estabelece normas visando a garantir ‘uma gestão equilibrada e imparcial do problema’, salientando-se, dentre os mais espinhosos argumentos, aquele da ‘etiquetagem’ nos alimentos transgênicos, já em andamento uma ampla discussão sobre o complexo e polêmico assunto. Além da segurança e da nutrição inerentes aos alimentos transgênicos, há outros preocupantes problemas, como a necessidade do desenvolvimento sustentável, a proteção da biodiversidade e o impacto que as biotecnologias podem ter sobre o terceiro mundo, inquietantemente diante de grandes inte-

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Da mesma forma, devemos requerer uma eficiente fiscalização por parte dos órgãos competentes do Estado.

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É de suma importância a defesa por parte da sociedade em geral, por meio de todos os seus segmentos, da saúde pública e qualidade de vida dos cidadãos. E essa defesa se dá por meio da busca da implementação das leis e sua eficácia prática. Assim, devemos lutar para que sejam garantidos os direitos previstos na Constituição Federal e no Código de Defesa do Consumidor, não aceitando as pressões do mercado83, precisamente da indústria alimentícia.

83 AMARAL, Luiz Otávio de Oliveira. Op. cit. Ressalta o autor que: “Como se pode perceber, haverá completo e total controle biológico/econômico sobre as plantações, restando ao agricultor e ao mercado consumidor a absoluta dependência diante das empresas cujas matrizes e interesses são insondáveis. A lógica destas inovações radicais é a seguinte: as empresas detentoras do direito à exclusividade exploratória (patentes) destas tecnologias buscam se ressarcir dos investimentos realizados na pesquisa aplicada e, após isto, visam à mera lucratividade com o controle da produção de alimentos, por exemplo. Mas não é só. Há, ainda, os royalties para o Governo norte-americano, estes na base de 5% dos lucros da atividade ali licenciada. A Empresa Monsanto,


Cabe salientar que são de suma importância o estudo e o debate a respeito do tema, principalmente nos meios acadêmicos, tendo em vista o seu poder de disseminar ideias. Com mais razão ainda, quando direitos já conquistados pela sociedade, por meio dos regramentos citados no corpo do presente trabalho, vêm sendo questionados no sentido de serem revogados. Como exemplo, podemos citar o Projeto de Decreto Legislativo nº 90/200785, de autoria da Senadora Kátia Abreu (PSD/TO), propondo a eliminação do símbolo nos rótulos dos alimentos e o fim da exigência da rotulagem de alimentos produzidos a partir de animais alimentados com ração transgênica. Tal projeto recebeu parecer do Relator Senador Eunício de Oliveira (PMDB/CEW), da Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle, recomendando a rejeição do projeto. Todavia, verifica-se a importância do conhecimento pela sociedade de todos os aspectos relacioresses econômicos em jogo. Como medidas conciliatórias, salienta-se que representantes da FAO e da OMS já começaram a trabalhar em conjunto com organismos internacionais como a Organização Mundial para o Comércio – WTO”. 85 Segundo a ementa do Projeto de Decreto Legislativo nº 90/2007: “Susta a aplicação do art. 3º do Decreto nº 4.680, de 24 de abril de 2003, que regulamenta o direito à informação, assegurado pela Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, quanto aos alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de organismos geneticamente modificados, e da Portaria nº 2.658, de 22 de dezembro de 2003, do Ministério da Justiça, que regulamenta o disposto no § 1º do art. 2º do Decreto nº 4.680, de 24 de abril de 2003”.

nados ao tema, principalmente no que se refere às dúvidas e às questões científicas ainda não esclarecidas a respeito dos OGMs, aos interesses econômicos envolvidos e aos aspectos legais que tratam sobre o assunto. Somente com esse entendimento é que se poderá, de forma consciente, debater-se e decidir-se a respeito dos rumos que a sociedade estará disposta a seguir no que tange a esse tema de tão grande importância.

CONSIDERAÇÕES FINAIS A ciência e a tecnologia evoluem de forma célere, fazendo com que surjam novos questionamentos. Desses questionamentos advêm consequências jurídicas. Não há certeza científica quanto aos impactos e efeitos dos transgênicos no meio ambiente, bem como no concernente à sua inocuidade à saúde humana. Também deveras importante a compreensão de que se trata de uma indústria de bilhões de dólares e que existe uma série de interesses paralelos, não podendo ser admitida uma exploração econômica que não esteja fundada em princípios éticos e morais e que respeite a boa-fé dos consumidores. Além disso, não se pode, sob a égide da solução do problema da fome por meio do progresso científico, deixar de cogitar sobre os perigos e os eventuais e potenciais danos que podem advir do consumo desses alimentos a médio e longo prazo, bem como para a biodiversidade do planeta. Ressalva-se que, no que tange a danos relativos à biodiversidade, precisamente no que se refere à contaminação de lavouras convencionais por lavouras transgênicas, têm as empresas fornecedoras de sementes responsabilidade civil objetiva. Ademais, importante salientar que temos o dever de fazer com que as autoridades públicas preocupem-se em adotar todas as medidas necessárias, por meio de leis claras e eficazes, como forma de precaução e para proteção da saúde pública, bem como para a defesa da nossa biodiversidade.

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citando Mariella Bussolati e Sabina Morandi, trata do “Codex Alimentarius Commission”. A Organização das Nações Unidas é uma das organizações que tem maior influência na política relativa a questões alimentares e, por meio do seu Comitê Codex Alimentarius, tem como desiderato a busca da segurança alimentar por meio da fixação de parâmetros relacionados com a presença de micro-organismos, avaliando o risco e buscando medidas preventivas, fixando regras quanto à etiquetagem e rotulagem.

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Devemos exigir cautela e não nos deixarmos ser subjugados por um capitalismo selvagem, que enxerga apenas lucro e que desrespeita princípios como os da boa-fé, da confiança, bem como que afasta o nosso direito de livre escolha e afronta nossa dignidade, além de tantos outros direitos fundamentais que são consagrados em nossa Constituição. O consumidor deve exigir que os produtos colocados à sua disposição no mercado, precisamente no que concerne à alimentação, contenham informações nos seus rótulos a respeito da sua composição, possibilitando a verificação quanto à existência ou não de organismos geneticamente modificados em sua formulação. Com as devidas informações publicizadas, o consumidor tem o seu direito de informação assegurado, o que se frisa, é um direito de ordem pública e, dessa forma, imperativo. Assim, consequentemente, alcança-se o respeito à cidadania, viabilizando-se que o consumo se dê de forma responsável e cônscio, com o direito à livre escolha por parte do consumidor de ingerir ou não alimentos com organismos geneticamente modificados.

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Assim, verifica-se que, no mínimo, não podemos permitir que os fornecedores omitam nos rótulos de seus produtos as informações referentes à utilização de organismos transgênicos. Não podemos servir de cobaias, sem nenhum conhecimento a respeito das substâncias que estamos colocando dentro do nosso organismo.

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Importante salientar que, além do direito à informação plena, também da mesma forma devem ser preservados o direito fundamental à proteção integral do consumidor, o direito à escolha, bem como o direito à segurança e à saúde do consumidor. Conclui-se, assim, que, caso não sejam atendidas tais determinações legais, têm as sociedades empresariais responsabilidade objetiva no caso de ocorrência de danos aos consumidores, por falta de informações referentes ao conteúdo de organismos geneticamente modificados nos produtos dispostos para consumo. Os movimentos de consumidores e ambientalistas têm um papel fundamental no controle desses processos. Da mesma forma,

a comunidade acadêmica, que, por meio de pesquisas científicas e suas análises críticas, deve alertar a comunidade sobre todos os aspectos, tais como os econômicos, sociais, políticos, ecológicos, de saúde pública, de consumo, entre vários outros arraigados ao tema em questão. Verifica-se, portanto, que esse é um assunto que requer muitos debates com o intuito de esclarecimento sobre todos os aspectos relativos à matéria, havendo necessidade de limites éticos e morais e, assim sendo, de um maior envolvimento de toda a sociedade em torno do assunto. Da mesma linha, é imprescindível a sua regulamentação precisa, tendo em vista que as consequências relativas ao plantio de transgênicos podem ser irreversíveis. Deve-se, assim, agir com cautela. A ciência jurídica, com o apoio da comunidade científica e da sociedade em geral, é que deverá determinar os limites necessários para a segurança e bem-estar da sociedade. Assim, constatamos a importância do tema, que atinge diretamente a biodiversidade do planeta, bem como tem desdobramentos no que se refere à saúde do consumidor. Conclui-se que devemos estar conscientes a respeito do tema, para fazer valer, de forma concreta, os direitos garantidos em nossa Constituição. Trata-se, antes de tudo, de uma questão de cidadania, de proteção e garantia de direitos que foram arduamente conquistados.

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Benefícios por Incapacidade – A Evolução do Trato Judicial na PFE/INSS LAÍS FRAGA KAUSS

Procuradora Federal da Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS no Rio de Janeiro, Advocacia-Geral da União da Procuradoria Regional da PFE-INSS da 2ª Região, Pós-Graduada em Direito Constitucional pela Universidade Estácio de Sá, Pós-Graduada em Direito Público e Privado pela Universidade Estácio de Sá – EMERJ, Graduada em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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RESUMO: Trata-se de artigo sobre a forma de atuação da Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS, em conjunto com a Autarquia Previdenciária, no que tange às demandas judiciais sobre benefícios por incapacidade.

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PALAVRAS-CHAVE: Benefícios por incapacidade; demanda judicial; perícia judicial; conciliação.

de demandas, no entanto, é de aposentaria por idade rural e de benefícios por incapacidade, temporária ou definitiva. A quantidade de pedidos de aposentadoria por idade rural é perfeitamente compreensível se considerada a realidade fundiária do Brasil. Trata-se de País com grande extensão de terras produtivas e, por outro lado, o benefício em questão só tem requisitos fático-probatórios, sem necessidade de contribuições mensais. Essas demandas, dessa forma, atingem enormes proporções nas cidades do interior do País. Já, nas capitais, o público do INSS concentra-se na área urbana e os pedidos judiciais têm outro caráter. Envolvem principalmente reconhecimento de tempo trabalhado em condições especiais para a saúde, com a diminuição da sobrevida do trabalhador, e, em maior quantidade, os benefícios por incapacidade. Este breve estudo pretende versar sobre a forma como são tratadas as demandas previdenciárias sobre benefícios por incapacidade nas Procuradorias Federais Especializadas junto ao INSS, com foco principal nas práticas adotadas pela PFE-INSS do Rio de Janeiro nos últimos cinco anos.

CONTEXTO JUDICIAL INTRODUÇÃO A Autarquia Previdenciária é instada a se defender em inúmeras ações judiciais por todo o País semanalmente. Os temas envolvem todos os benefícios previdenciários concedidos e administrados pelo INSS; são pessoas insatisfeitas que buscam no Judiciário a concessão de seu pleito. A maior concentração

Cerca de 70% das citações recebidas pela PFE-INSS nas capitais do Brasil versam sobre benefícios por incapacidade, conceito em que estão incluídos o auxílio-doença, o auxílio-acidente, a aposentadoria por invalidez e o benefício assistencial por deficiência. Em uma realidade como a do Rio de Janeiro, isso representa algo em torno de 325 novos processos semanais sobre o tema.


Os processos são, em regra, ajuizados perante os Juizados Especiais Federais, tendo em vista que os indivíduos incapazes não geram renda e têm urgência em receber o provimento jurisdicional para o próprio sustento e da família, o que significa ajuizamento rápido e causas de pequeno valor de atrasados. O procedimento jurisdicional nos Juizados Especiais Federais é peculiar e único, seja em decorrência do neoliberalismo processual, que exige produção e celeridade a qualquer custo, seja em razão do protagonismo judicial do Magistrado, que desvaloriza a discussão endoprocessual e privilegia as alegações do autor. Tratando de benefício por incapacidade, o procedimento necessariamente gira em torno de uma perícia judicial. A perícia tem algumas finalidades: atestar a existência e o grau da incapacidade e indicar a sua data de início e provável duração. A existência da incapacidade é pressuposto para todos os benefícios baseados na saúde do trabalhador, mas os demais aspectos – grau, duração e data de início – influenciam diretamente na espécie do benefício e nos aspectos formais exigidos pela lei – qualidade de segurado e carência. A incapacidade pode ser parcial ou total, temporária ou permanente. A incapacidade parcial pode gerar direito a auxílio-doença, quando temporária, ou auxílio-acidente, quando permanente. A incapacidade total, por sua vez, se temporária, pode gerar direito a auxílio-doença e, se permanente, pode ser causa de aposentadoria por invalidez ou benefício assistencial.

Ainda, a data de início da incapacidade é o ponto crucial para, na análise das contribuições previdenciárias vertidas em nome do autor, verificar o cumprimento dos requisitos formais da qualidade de segurado e carência. O procedimento padrão nos Juizados Especiais Federais não inclui prova pericial prévia à citação, isso porque os Tribunais impõem prazo de trinta dias do ajuizamento para a citação do réu, o que inviabiliza a realização do ato pericial e a juntada do respectivo laudo. As contestações da Autarquia Previdenciária, por conseguinte, acabam sendo genéricas, apenas para o fornecimento dos dados constantes nos sistemas do INSS. Não há como analisar os requisitos de concessão do benefício sem a produção da prova pericial, como já mencionado. Nesse contexto, a discussão, a possibilidade de acordo e a formação da convicção fundamentada do Magistrado ocorrem após a juntada do laudo médico pericial do perito do juízo.

PERITOS JUDICIAIS E PERÍCIA PREVIDENCIÁRIA A escolha dos peritos judiciais pelos Magistrados tem realidades diversas entre os grandes centros e o interior do País. Nos grandes centros, os Magistrados têm maior gama de possibilidades na nomeação de um especialista, ao revés do que ocorre nas cidades do interior. Nas grandes cidades, o maior obstáculo é a remuneração dos peritos. Os honorários periciais fixados pela Justiça Federal são baixos em relação ao que cobra um médico de renome por uma consulta e demoram muitos meses para serem pagos. Além disso, a perícia judicial implica maior trabalho para o médico, pois a tarefa inclui a elaboração de laudo, resposta aos quesitos e, eventualmente, novas participações no processo. Em função de tudo isso, a escolha dos peritos nas grandes cidades acaba

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Há algumas explicações para essa concentração e volume de ações por incapacidade nas capitais: o ritmo das grandes cidades com o consequente desgaste para a saúde dos trabalhadores, o maior nível de informação da população urbana, o subjetivismo das decisões médicas, o histórico protecionista do Judiciário e o desemprego, entre outras. Não é o objetivo deste trabalho desenvolver a questão, talvez em uma próxima oportunidade.

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por incidir sobre médicos recém formados ou aleatoriamente escolhidos em guias de planos de saúde. No interior do País, por sua vez, o maior obstáculo é a falta de opção e de especialistas. O Magistrado acaba sendo obrigado a submeter a sua pauta de perícias à disponibilidade da agenda do médico e às suas exigências de local e quantidade. Isso quando há a aceitação do médico em participar. No interior, é mais complicado tentar qualquer tipo de organização ou projeto que envolva perícias judiciais em razão da relação de dependência que se cria para com os poucos médicos disponíveis na localidade.

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Soma-se ao problema da escolha a questão da especialização pericial. A perícia previdenciária tem características muito diferentes das atividades de consultório. O médico que atende um paciente no consultório tem por objetivo o diagnóstico e o tratamento de moléstias. Para isso, sua atividade se baseia no pressuposto de que tudo o que está sendo relatado pela parte é verdadeiro. O perito previdenciário, ao contrário, baseia-se em evidências e no conceito de capacidade laborativa, e não na existência da doença.

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Diante do quadro existente para a escolha dos peritos judiciais, é evidente que exigir especialização em perícia previdenciária seria uma verdadeira utopia. No entanto, as realidades práticas precisam ser superadas e a qualidade dos atos periciais precisa evoluir para a melhor defesa do interesse público primário.

ASSISTÊNCIA TÉCNICA Médicos peritos em atividade judicial O quadro de servidores atuantes no apoio da Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS é formado por servidores da própria Autarquia. A PFE-INSS é órgão do INSS, previsto em seu regimento interno. Embora exista o projeto em prática de unificação da defesa judicial exercida pelas Procuradorias Federais

Especializadas em Procuradorias sob a égide da Procuradoria-Geral Federal, com estrutura garantida pela Advocacia-Geral da União, a previsão normativa é para que o quadro de apoio seja cedido à AGU. O fato é que, enquanto a defesa judicial do INSS estiver sob o comando da Procuradoria Federal Especializada, o seu apoio é formado por servidores da Autarquia, assim como toda a estrutura física e material para funcionamento. O apoio da PFE inclui os médicos peritos em funções judiciais. O quadro de servidores do INSS está muito defasado em relação à necessidade. A Autarquia está crescendo, abrangendo maior número de cidades, sem que, com isso, haja o correspondente aumento de servidores, administrativos e médicos. Além disso, a Autarquia, como todos os demais organismos da Administração Pública, precisa de números, produtividade que justifique o orçamento, os servidores e as suas necessidades em geral. O apoio à PFE não gera números produtivos para esse fim, pois não entra nos quesitos estatísticos analisados pela Autarquia. A falta de visibilidade, a carência de médicos peritos para trabalho direto com a população nas Agências da Previdência Social e a falta de previsão regimental dificultam muito a lotação de médicos nas Procuradorias e, consequentemente, o desempenho da assistência técnica nos processos judiciais de benefícios por incapacidade. Dessa forma, a defesa da Autarquia nos processos de benefício por incapacidade está a exigir cada vez mais dedicação e tempo das chefias das Procuradorias, pois, para tentar superar os obstáculos trazidos pela necessidade de produtividade nas Agências e pela falta generalizada de médicos peritos disponíveis, é necessário demonstrar em números a importância e o resultado trazidos pela presença do corpo técnico no trabalho judicial.


Tendo em vista todo esse contexto, em 2008 a PFE-INSS, no Rio de Janeiro, iniciou, com a participação de dois médicos peritos, o projeto denominado perícia prévia. Adotado por alguns dos Juizados Especiais Federais Previdenciários, consistia em proceder, antes da citação, a uma nova perícia com um médico perito do INSS. Quando o perito concluía pela incapacidade, ao ser citada, a Procuradoria analisava os aspectos formais da qualidade de segurado e carência e tinha o laudo como base para a propositura de acordo judicial. Por sua vez, quando o perito concluía pela ausência de incapacidade, o processo seguia como se a perícia não houvesse existido, com contestação, perícia judicial e sentença. O projeto não se mostrou benéfico. Na realidade consistia em proporcionar nova chance para rever um indeferimento administrativo que, na maior parte das vezes, tinha sido baseado em várias perícias administrativas, realizadas por médicos diferentes nas dependências das Agências da Previdência. Verificou-se que, em média, o segurado que ajuíza demanda judicial se submeteu a nove perícias administrativas diferentes antes de provocar o Judiciário. Além disso, o projeto acabou por demonstrar que, ainda que fossem reduzidas as demandas que chegavam à instrução probatória em razão dos acordos realizados, os médicos peritos poderiam ser mais bem aproveitados. A assistência técnica é mais que um momento de perícia simultânea, é oportunidade de transmissão e compartilhamento de conhecimentos técnicos para com os peritos judiciais, cuja importância pode ser claramente demonstrada pela exposição já feita.

Em sequência ao projeto das perícias prévias, em 2009, a PFE-INSS, no Rio de Janeiro, conseguiu iniciar um novo projeto de mais amplo objetivo. Formou-se um Núcleo de Assistência Técnica e Pericial, inicialmente com dois médicos, e os objetivos passaram a abranger a melhoria da qualidade da perícia judicial, e não apenas acelerar e reduzir o número de processos judiciais. Os médicos, chefiados pela Dra. Adriana Hilu, idealizaram, negociaram e realizaram, em conjunto com a Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS e o Tribunal Regional Federal da 2ª Região, uma semana de debates e exposições técnicas especialmente voltadas para o treinamento dos peritos judiciais. Esse foi o início do reconhecimento e da divulgação da importância dos aspectos técnicos que precisam estar presentes nas perícias previdenciárias. Convidado pelo TRF da 2ª Região, o NATP da PFE-INSS no Rio de Janeiro elaborou, em conjunto com os peritos judiciais, quesitação mínima para várias especialidades de incapacidade. Essa quesitação foi divulgada como orientação aos Juizados Especiais. A equipe de médicos foi aos poucos ganhando credibilidade e força junto à própria Autarquia e, com um acréscimo no grupo, atualmente com cinco integrantes, passaram a investir nas assistências técnicas e no novo projeto de perícias conciliatórias.

Perícias conciliatórias As perícias conciliatórias são perícias realizadas em conjunto entre o perito judicial e o médico perito do INSS, com a confecção de um laudo único, antes da citação do réu, nas dependências neutras da Justiça Federal. A conclusão pela incapacidade gera concessão imediata e administrativa do benefício, com pagamento de atrasados de forma administrativa nos moldes da concessão ocorrida na Agência da Previdência, e extinção do processo sem julgamento do mérito por perda de objeto.

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Projetos e experiências

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Os argumentos contrários levantados quando da ideia do projeto foram: os honorários do perito judicial e do advogado do autor em razão da extinção do processo, os juros dos atrasados, o atraso na citação do réu, a possível intimidação do perito judicial em decorrência da presença do perito do INSS. Analisemos cada um deles. A PFE-INSS entendeu que os benefícios trazidos pelo projeto seriam de tal maneira abrangentes que assumiu o ônus de pagar os honorários periciais dos peritos do juízos, também porque a perícia aconteceria no corpo do processo de todo modo.

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No que tange aos honorários do advogado, é necessário salientar que não existe condenação do réu a pagar honorários sucumbenciais em primeira instância nos Juizados Especiais Federais onde o projeto é operado. Além disso, a relação entre advogado e parte é contratual e extrajudicial, cabendo aos contratantes definirem o montante e a forma de pagamento dos honorários advocatícios. Afinal, é preciso entender que, se o processo fosse extinto ou julgado improcedente, as partes teriam que convergir sobre a questão da mesma forma; portanto, não pode ser pressuposto do contrato que o advogado só receba por meio do desconto no RPV dos atrasados do autor. Em relação aos juros dos atrasados, que, em caso de concessão administrativa, não são pagos pelo INSS, houve uma ponderação de valores e interesses. Ninguém quer litigar, o litígio judicial é desgastante. O benefício de ter o seu direito reconhecido administrativamente, podendo marcar novas perícias administrativas, prorrogar o seu benefício e continuar a vida de pronto é bastante interessante para o autor. De toda forma, caso persista o interesse da parte pelos juros dos atrasados, basta que o seu advogado peticione emendando a inicial e o processo seguirá apenas quanto a esta questão.

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A postergação da citação do réu se mostra, diante de todo o contexto benéfico do projeto, mero dado estatístico fruto do

neoliberalismo processual em que se encontra o Judiciário brasileiro. A busca pela celeridade processual não pode ser o norte da atuação judicial, nem mesmo nos Juizados Especiais. Dessa forma, ponderando os valores, o benefício trazido pela possibilidade de solução rápida e pacífica dos conflitos é muito maior do que o malefício de ter uma estatística de tempo para a citação prejudicada. Finalmente quanto ao argumento da intimidação do perito judicial pela presença do médico perito do INSS, os fatos trazidos pelo projeto em andamento falam por si. O laudo único mantém a independência dos médicos, é preenchido pelo perito judicial na hora da perícia e preserva espaço para a manifestação sucinta do assistente técnico, também na mesma ocasião. Com cerca de um ano de funcionamento, as perícias conciliatórias registram uma concordância de cerca de 95% de suas conclusões, seja pela incapacidade ou pela capacidade. Por sua vez, a qualidade dos laudos periciais realizados isoladamente pelos peritos judiciais aumentou consideravelmente, o que demonstra, de forma clara, que o trabalho conjunto, seja pela assistência técnica ou pela perícia conciliatória, colabora para o aperfeiçoamento técnico na área de perícia previdenciária. Não parece pertinente a um perito judicial que atue com certeza e clareza em seu múnus público se intimide pela presença de outro colega de profissão. Além de direito do réu, a presença do assistente técnico zela pela correção e idoneidade do ato pericial.

CONCLUSÃO As demandas de benefício por incapacidade, em razão da proporção que atingem, vêm recebendo especial atenção da Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS. Os projetos


foram se sucedendo e, no estágio atual, encontra-se em voga o projeto das perícias conciliatórias. As perícias conciliatórias, iniciadas no Rio de Janeiro, vêm apresentando resultados fantásticos e ganharam visibilidade nacional, com iniciativas adaptadas às necessidades locais surgindo em várias cidades. Nas dimensões atuais, não é possível ao quadro do Núcleo de Assistência Técnica Pericial da PFE-INSS, no Rio de Janeiro, implantar o projeto em todas as especialidades médicas – foram inicialmente abrangidas pelo projeto as especialidades mais comuns nas demandas judiciais: ortopedia e psiquiatria. Além disso, há Juizados que não permitiram o início do projeto em seus processos, locais em que o NATP atua por meio de assistência técnica simples, mas também não consegue acompanhar todas as perícias por falta de pessoal.

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Pode-se concluir, portanto, que, antes de avançar, no atual estágio, o trabalho precisa se concentrar no aumento dos quadros médicos do INSS, seja para melhorar a velocidade do atendimento nas agências, bastante reduzida nos últimos anos, seja para investir e melhorar a sua defesa judicial. As ideias e a boa vontade já existem e os projetos em andamento demonstram viabilidade de grande sucesso, falta apenas o instrumento humano.

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Doutrina

Crimes de Colarinho Branco e a Formação do Direito Penal Secundário: os Desafios da Política Criminal Contemporânea MARCELO MARCANTE FLORES

Advogado, Professor da UNISC e do Curso de Especialização em Direito Penal e Processo Penal da Unisinos, Mestre em Ciências Criminais pela PUCRS, Especialista em Ciências Penais pela PUCRS, Membro da Comissão de Defesa, Assistência e Prerrogativa da OAB/RS, Pesquisador da Comissão de Direito Penal, Processo Penal e Política Criminal do Centro de Estudos da OAB/RS, Membro do Instituto Lia Pires.

RESUMO: O resgate dos trabalhos de Sutherland, do labelling approach, da criminologia radical e do realismo de esquerda evidencia a relevância das contribuições da criminologia no sentido de alterar o tratamento político-criminal na esfera econômica, de modo a preparar o terreno para uma mudança valorativa no que tange à danosidade e relevância social destas condutas, sobretudo diante do contexto do efetivo incremento de novos riscos sociais decorrentes do desenvolvimento tecnológico e da velocidade da informação. As repercussões da intervenção jurídico-penal nessas esferas sociais são diretas na teoria do delito, conduzindo à construção do direito penal secundário que abrange novos âmbitos de criminalização e novas técnicas de tutela penal, as quais abalam a estrutura de regras básicas de imputação, concebidas a partir do paradigma do direito penal ilustrado, pela maior complexidade que envolve o regramento das condutas nas áreas econômicas.

PALAVRAS-CHAVE: Crimes de colarinho branco; direito penal secundário; técnica de tutela penal. ABSTRACT: Looking back at Sutherland work, at labelling approach, at radical criminology and at left realism put in evidence the important contributions criminology has done in terms of altering political-criminal treatment in economics scope, in order to prepare for a valuing change in relation to damage and social relevance of these acts, especially facing the context of effective increasing in new social risks due to technological development and information speed. Repercussions of juridical-penal intervention in these social scopes are directs in theory of crime, leading the construction of the secondary penal law which covers new areas of criminalization and new criminal protection techniques, and also shake the basic rule structures of imputation conceived from a enleightenment paradigm of criminal law, due to a larger complexity involving the ruling of behavior in economic areas. KEYWORDS: White collar crime, secondary penal law, criminal protection techniques SUMÁRIO: Considerações iniciais; I – Sutherland e as contribuições da criminologia para uma mudança valorativa dos crimes de colarinho branco; II – A política criminal contemporânea e a formação de um direito penal secundário: a importância da teoria do bem jurídico como limite normativo ao poder punitivo estatal; III – As técnicas de tutela jurídico-penais diante de um novo paradigma de criminalidade; Considerações finais; Referências.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS A criminalidade econômica tem sido um dos temas mais debatidos atualmente no âmbito das ciências criminais. O presente texto faz uma abordagem introdutória do assunto, atribuindo um olhar criminológico para compreender os discursos que legitimam este


Nessa perspectiva, as constituições contemporâneas têm incorporado novos bens jurídicos (supraindividuais, transindividuais, coletivos) relacionados com essas condutas, dando a sustentação normativa para que o legislador crie novos tipos penais, mediante a publicação de leis extravagantes. Essas novas tipificações têm sido elaboradas a partir de técnicas de tutela que almejam dar conta da (cada vez maior) complexidade e dinamicidade dos fatos e comportamentos que ocorrem no campo das relações econômicas, propiciando o enfrentamento de novos desafios aos operadores do Direito nesta área.

I–S UTHERLAND E AS CONTRIBUIÇÕES DA CRIMINOLOGIA PARA UMA MUDANÇA VALORATIVA DOS CRIMES DE COLARINHO BRANCO O termo white collar crime1 foi cunhado por Edwin Sutherland em seu famoso pronunciamento ocorrido no 34º Encontro Anual da American Sociology Society, em 1939. A partir desta palestra, 1 Este termo foi cunhado em oposição aos blue collars, os macacões azuis utilizados pelos operários.

intitulada “The White Collar Criminal”, iniciou-se uma profunda alteração no estudo sobre o fenômeno criminal em todo mundo, pela abertura de novos e diferentes âmbitos de pesquisa que voltavam o foco de atenção a uma determinada forma de violação da lei que, anteriormente, era ignorada pelas escolas criminológicas tradicionais (positivistas)2. A pesquisa de Sutherland sobre crimes de colarinho branco foi publicada na American Sociological Review, no ano de 1940, por meio do artigo White-collar criminality. Posteriormente, o seu trabalho culminou na publicação da obra White collar crime (1949). Com as publicações de Sutherland, a definição de crime de colarinho branco assumiu uma conotação subjetiva, na medida em que este era conceituado como “a violation of criminal law by a person of the upper sócio-economic class in the course of his occupation activities”3. Por meio da análise do comportamento das setenta maiores corporações americanas, Sutherland formulou a teoria da associação diferencial, com o objetivo de desenvolver uma teoria geral explicativa para o fenômeno criminal. Segundo esta teoria, a motivação para a prática do crime e o conhecimento dos procedimentos para cometê-lo são apreendidos por meio de processos comunicativos que ocorrem no interior dos grupos sociais. Em outras palavras, quando valores dominantes no seio do grupo forem propícios ao cometimento de infrações, o indivíduo violará a lei, precisamente porque os estímulos favoráveis a tal comportamento excedem os desfavoráveis4. 2 GEIS, Gilbert; GOFF, Colin. Introduction. In: SUTHERLAND, Edwin. White collar crime: the uncut version. New Haven: Yale University Press, 1983. p. ix 3 SUTHERLAND, Edwin. White collar crime: the uncut version. New Haven: Yale University Press, 1983. p. 7. 4 Idem, p. 240.

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novo direcionamento da política criminal, bem como as novas técnicas de tutela que têm sido utilizadas. A partir das pesquisas de Edwin Sutherland e, posteriormente, de outras correntes criminológicas, desenvolveu-se o estudo sobre a atuação desigual e seletiva do sistema penal, de modo a marcar uma nova visão sobre o fenômeno criminal, desvelando a sua presença em todas as esferas e grupos sociais. Estes estudos criminológicos prepararam o terreno para a introdução no debate das ciências criminais, e da sociedade de um modo geral, da necessidade de (re)valorização do significado das condutas danosas que ocorriam no âmbito econômico.

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Após o seu pronunciamento, muitos criminólogos formularam críticas das mais variadas ordens à teoria dos crimes de colarinho branco. Paul Tappan, no artigo Who is the criminal? (1947), criticou a teoria formulada por Sutherland, ao enaltecer a vagueza dos conceitos por ele empregados para definir os delitos ou delinquentes de colarinho branco. Tappan faz referência, também, a grande carga subjetiva da conceituação de white collar crime, pois a correspondência com os critérios pessoais de valoração da realidade levariam a rotular como “criminosas” pessoas que sequer haviam infringido a lei. Portanto, a sua crítica tinha um forte cunho legalista, contra uma postura que julgava ser excessivamente sociologizada de Sutherland5.

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Em virtude das dificuldades na definição do conceito de crimes de colarinho branco, foram muitas as discussões sobre a sua abrangência, o que possibilitou o surgimento de várias outras denominações, como, por exemplo, occupacional crime, crime econômico, respectable crimes, delito das corporações, crimes de empresa, crimes financeiros, delitos dos poderosos, entre outros similares. Não obstante essa discussão conceitual, o fato é que Sutherland introduziu um novo âmbito de pesquisa nas ciências criminais, até então muito pouco explorado, ao chamar a atenção para a forma privilegiada como os criminosos de colarinho branco são tratados pelas agências de controle penal.

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Na verdade, o seu estudo significou o início de um verdadeiro ponto de ruptura na criminologia, ao tentar superar o paradigma tradicional positivista que estabelecia uma relação causal entre a criminalidade e os fatores ou as patologias psicossociais. Inclusive, muitos autores afirmam que, se houvesse algum Prêmio Nobel de Criminologia, este deveria ser entregue a Edwin Sutherland, por toda a importância da obra White collar crime (1949). 5 TAPPAN, Paul. Who is the criminal? In: GEIS, Gilbert (Ed.). White-collar criminal: the offender in business and the professions. New Brunswick: Transaction publishers, 2007. p. 365-376.

Posteriormente, a teoria do labelling approach e a criminologia crítica aprofundaram o debate nas ciências criminais sobre a problemática da seletividade do sistema de controle penal. Os teóricos do etiquetamento partem da consideração de que não se pode compreender a criminalidade sem o estudo da ação do sistema penal que define e reage contra ela, começando pelas normas abstratas até a ação das instâncias oficiais. Sob este ponto de vista, tem estudado o efeito estigmatizante da forma de atuação da polícia, dos órgãos de acusação pública e dos juízes na aplicação da etiqueta de “criminoso”6. A obra mais importante dessa linha criminológica é Outsiders (1963), de Howard Becker, que consistiu em um marco no campo do “desvio” ao propiciar a criminological turn. Encontrando o seu referencial teórico nas teorias sociológicas da “desorganização social”, Becker demonstrou que a intervenção do sistema penal, especialmente mediante as penas de encarceramento, consolida a identidade desviante do condenado, encaminhando o seu ingresso em uma verdadeira “carreira criminosa”7. Assim, as reflexões sobre o crime de colarinho branco anteciparam o que veio a ser depois afirmado pelos teóricos do labelling approach, ao considerar que uma conduta se torna criminosa quando é assim definida pela sociedade por meio do sistema democrático, o qual está sujeito aos (poderosos) grupos de pressão8. 6 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal. Rio de Janeiro: Revan, 2002. p. 86. 7 BECKER, Howard S. Outsiders. Estudos de sociologia do desvio. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2008. p. 11. 8 SANTOS, Cláudia Maria Cruz. O crime de colarinho branco: da origem do conceito e sua relevância criminológica à questão da desigualdade na administração da justiça penal. Coimbra: Universidade de Coimbra Editora, 2001. p. 136-138.


O “rótulo” de radical recebido por esta corrente da criminologia explica-se pelo fato de suas ideias possuírem um referencial teórico que defendia a revolução social como a solução para as mazelas do sistema capitalista. Apesar disso, o seu papel foi fundamental na (re)valorização das condutas lesivas ocorridas no âmbito das relações econômicas. Conforme Baratta, além da preocupação com as condições do sistema socioeconômico capitalista, as “classes subalternas” estão interessadas em uma luta radical contra os comportamentos socialmente negativos, ou seja, uma política criminal repressiva voltada para a tutela de zonas onde existe grande nocividade social:

9 Conforme Cottino, a impunidade dos governantes foi um insight de vários intelectuais do século XIX, entre eles Marx e Engels, explicando que os membros das cortes que devem aplicar a lei pertencem a mesma classe dos ofensores. Cf. COTTINO, Amedeo. White-collar crime. In: SUMNER, Colin. The Blackwell Companion to Criminology. Oxford: Blackwell, 2004. p. 343-358. 10 RUSCHE; KIRCHHEIMER. Punição e estrutura social. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1999. p. 19-20.

Elas estão interessadas, ao mesmo tempo, em um decidido deslocamento da atual política criminal, em relação a importantes zonas de nocividade social ainda amplamente deixadas imunes do processo de criminalização e de efetiva penalização (pense-se na criminalidade econômica, na poluição ambiental, na criminalidade política dos detentores do poder, na máfia, etc.), mas socialmente muito mais danosas, em muitos casos, do que o desvio criminalizado e perseguido. Realmente, as classes subalternas são aquelas selecionadas negativamente pelos mecanismos de criminalização.11

Posteriormente, com a derrocada do referencial socialista da União Soviética, os criminólogos que sustentavam as suas teorias a partir do viés marxista tiveram que reformular as suas bases teóricas, submetendo-se a uma profunda autocrítica. O realismo de esquerda surgiu como uma forma de evolução da criminologia radical, sendo que as suas contribuições buscavam dar resposta aos problemas sociais que começaram a emergir na década de 1980. Jock Young sustenta que a crescente consciência sobre a universalidade do delito e o desvelamento da seletividade do sistema penal, conjugada com a persistência da privação relativa – que congloba a comparação e a diferença de tratamento entre aqueles que estão inseridos no mercado de trabalho e os excluídos –, são fatores que influenciam decisivamente na forma de se visualizar o desvio na sociedade contemporânea12. Neste mesmo contexto histórico, Karan ressalta a utilização do discurso de esquerda de caráter eleitoreiro, com o objetivo de direcionar o sistema penal contra as “classes dominantes”, para se ajustar à “opinião pública”, perfilando-se ao lado do discurso punitivo do law and order no “combate à violência”13. Nas 11 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal. Rio de Janeiro: Revan, 2002. p. 197-198. 12 YOUNG, Jock. Escribiendo en la cúspide del câmbio: una nueva criminología para una modernidade tardia. In: SOZZO, Máximo. Reconstruyendo las criminologias críticas. Buenos Aires: Ad Hoc, 2006. p. 85-93. 13 KARAM, Maria Lúcia. A esquerda punitiva: entrevista com Maria Lúcia

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A criminologia radical é outra corrente que merece destaque, ao criticar a atuação seletiva das agências de controle penal a partir de um referencial teórico marxista9, que busca explicar o sistema penal sob a ótica da dominação de classes, do poder e da imposição de um modo de produção capitalista burguês. Nessa perspectiva, o direito (penal) pode ser visto como instrumento de manutenção de uma determinada ordem, definida, basicamente, pelas relações econômicas. Rusche e Kirchheimer, por exemplo, defendem que a pena como tal não existe, o que existem são sistemas de punição concretos e práticas penais específicas. Portanto, o uso da punição pelos sistemas penais seria determinado por forças sociais, sobretudo as econômicas10.

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palavras de Silva-Sanchez, houve uma mudança fundamental na postura e no discurso de alguns criminólogos de esquerda, sendo possível denominá-lo como “ideologia de la ley y el orden em versión de izquierda”14, o que tem influenciado, de forma bastante contundente, na política criminal econômica. O resgate dos trabalhos de Sutherland, do labelling approch, da criminologia radical e do realismo de esquerda, bem como a identificação de uma mudança de postura de alguns criminólogos de esquerda – que passam a demandar punição para comportamentos socialmente nocivos cometidos pelos grupos criminosos –, evidencia a relevância das contribuições da criminologia no sentido de alterar o tratamento político-criminal na esfera econômica. Em outras palavras, os discursos criminológicos prepararam o terreno para uma mudança valorativa no que tange à danosidade e relevância destas condutas, com repercussões na teoria do delito e na forma como o fenômeno criminal deve ser encarado pelos juristas contemporâneos.

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II – A POLÍTICA CRIMINAL CONTEMPORÂNEA E A FORMAÇÃO DE UM DIREITO PENAL SECUNDÁRIO: A IMPORTÂNCIA DA TEORIA DO BEM JURÍDICO COMO LIMITE NORMATIVO AO PODER PUNITIVO ESTATAL

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senciou o efetivo incremento objetivo de novos riscos sociais. O termo “sociedade do risco”, cunhado pelo sociólogo Ulrich Beck, resume bem o efetivo incremento de novos riscos sociais decorrentes do desenvolvimento tecnológico e da velocidade da informação. Segundo Beck, o desenvolvimento tecnológico da sociedade contemporânea demonstra uma nova dinâmica política que autoameaça a civilização15. Nesse contexto, o terreno estava propício para a intervenção jurídico-penal nessas novas esferas sociais. No mesmo sentido, Silva-Sanchez aponta que o extraordinário desenvolvimento da técnica e a dinamicidade dos fenômenos econômicos têm repercussões diretas no bem-estar individual e na política criminal, existindo uma clara tendência de introdução de novos tipos penais, de modo a ampliar os espaços de risco penalmente relevantes. A flexibilização das regras de imputação e a relativização dos princípios político-criminais de garantia também são características dessa tendência expansionista do direito penal16.

Os discursos criminológicos que foram desvelando os comportamentos socialmente nocivos verificados no campo das relações econômicas sofreram grande influência, também, do próprio momento histórico vivenciado pela sociedade, que pre-

Conforme Hirsch, nas últimas décadas, as novas formas e técnicas de criminalidade têm dado lugar a uma grande atividade legislativa, que tem sido contrária a uma tendência anterior de reforma do direito penal baseada na descriminalização e reinserção do delinquente. Nelas se contemplam três manifestações parcialmente coincidentes: a primeira relaciona-se com o surgimento de novos âmbitos jurídico-penalmente relevantes e a formação de um direito penal secundário, em decorrência

Karam. Revista de Estudos Criminais – ITEC, Porto Alegre, n. 1, p. 11 e ss., 2001. 14 SILVA SÁNCHEZ, Jesus-Maria. La expansion del derecho penal: aspectos de la política criminal en las sociedades postindustriales. Madrid: Civitas, 2002. p. 69-70.

15 BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo: hacia una nueva modernidad. Barcelona: Paidós, 1998. p. 28. 16 SILVA SÁNCHEZ, Jesus-Maria. La expansion del derecho penal: aspectos de la política criminal en las sociedades postindustriales. Madrid: Civitas, 2002. p. 20.


Um segundo grupo tem como objeto formas de conduta que, anteriormente, eram consideradas apenas contravenções penais, porém, devido a uma mudança de valoração em termos de relevância dos bens jurídicos, passaram a ser situadas no campo de mira com maior ímpeto pela política criminal18. Pode-se citar como exemplo a Lei nº 1.521/1951, que tipifica as contravenções penais contra economia popular, condutas estas que, hoje, em sua grande maioria, podem ser enquadradas como crimes previstos em outras leis esparsas. O terceiro grupo, finalmente, refere-se aos âmbitos que têm se verificado um considerável aumento de pena para condutas já definidas como extremamente graves. O efetivo crescimento da delinquência tem motivado a antecipação e exasperação da pena, com a utilização de termos que buscam enaltecer o sentimento punitivo em razão da sensação social de insegurança, como no caso do “combate” às drogas e, em geral, da criminalidade organizada19. Figueiredo Dias retrata, de forma bastante interessante, essa mudança sofrida pelo direito penal na contemporaneidade, ressaltando o surgimento do direito penal secundário que abrange novos âmbitos de criminalização: 17 HIRSCH, Joachim Hans. Derecho penal: obras completas. Buenos Aires: Rubinzal-Culzoni, t. I, 1999. p. 61. 18 Idem, p. 61. 19 Idem, p. 61. Por outro lado, a avalanche de novos tipos penais e o aumento de penas tem gerado um efeito nefasto no sistema prisional, o hiperencarceiramento. Nesse contexto, a política criminal ve-se obrigada a buscar novas alternativas para, pelo menos, minimizar este problema, através da utilização de novos institutos de direito penal e processual penal como penas alternativas, transações penais, sursis da pena e suspensão condicional do processo.

Uma tal idéia anuncia o fim de uma sociedade industrial em que os riscos para a existência, individual e comunitária, ou provinham de acontecimentos naturais (para tutela dos quais o direito penal é absolutamente incompetente) ou derivavam de acções humanas próximas e definidas, para contenção das quais era bastante a tutela dispensada a clássicos bens jurídicos como a vida, o corpo, a saúde, a propriedade, o patrimônio...; para contenção das quais, numa palavra, era bastante o catálogo puramente individualista dos bens jurídicos penalmente tutelados e, assim, o paradigma de um direito penal liberal e antropocêntrico. Aquela idéia anuncia o fim desta sociedade e a sua substituição por uma sociedade exasperadamente tecnológica, massificada e global, onde a acção humana, as mais das vezes anônima, se revela susceptível de serem produzidos em tempo e em lugar largamente distanciados da acção que os originou ou para eles contribuiu e de poderem ter como consequência, pura e simplesmente, a extinção da vida.20

Portanto, o desenvolvimento da sociedade como um todo e da política criminal, bem como da dogmática jurídico-penal, há muito está sendo moldado pela sociedade compreendida como “do risco”21. O direito penal secundário caracteriza-se pelo conjunto de normas de repressivo valor criminal, contidas em leis penais extravagantes, com o objetivo precípuo de sancionar o descumprimento de mandamentos emanados de ordenações de caráter administrativo. Incumbe a este novo ramo a tutela dos bens jurídicos de caráter supraindividual, enquanto que ao direito penal tradicional a ocupação eminente são os bens jurídicos individuais clássicos22. 20 DIAS, Jorge de Figueiredo. O Direito Penal entre Direito Penal do Risco e Direito Penal do Inimigo. Revista Brasileira de Ciências Criminais, RT, n. 33, p. 39-65, jan./mar. 2001, p. 43-44. 21 PRITTWITZ, Cornelius. O Direito Penal entre Direito Penal do Risco e Direito Penal do Inimigo. Revista Brasileira de Ciências Criminais, RT, n. 47, p. 31-45, mar./abr. 2004, p. 38. 22 RUIVO, Marcelo Almeida. Criminalidade fiscal e colarinho branco: a fuga ao fisco é exclusividade do white-collar. In: FARIA COSTA, José de; SILVA, Marco Antonio Nascimento da. Direito penal, direito processual penal, e direitos fundamentais: visão luso-brasileira. São Paulo: Quartier Latin, 2006. p. 1184-1186.

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do progresso técnico e científico, como a informática, a técnica nuclear e a genética17.

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Entretanto, a efetiva punição de condutas danosas aos bens jurídicos supraindividuais, principalmente na esfera econômica, encontra grandes dificuldades e esbarra na rigidez e nos princípios que norteiam o direito penal e processual penal calcado nas bases iluministas, em razão da grande complexidade dos comportamentos relacionados à esfera econômica e do rápido desenvolvimento tecnológico. Desta forma, a necessidade de se respeitar as regras e os princípios jurídico-penais de garantia passa a ser vista como um obstáculo à gestão eficiente das questões de segurança e do controle da criminalidade de um modo geral.

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Diante deste impasse, para Figueiredo Dias o direito penal não está preparado para a tutela dos grandes riscos, caso seja mantida a sua legitimação substancial no modelo iluminista do contrato social. Isso porque a manutenção desses princípios corresponderia à confissão resignada de que ao direito penal não se reserva nenhum papel na proteção das gerações futuras, sobretudo em relação a âmbitos como meio ambiente, manipulação genética e da desregulamentação da atividade produtiva23.

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Esse contexto de permanentes tensões em que vive o direito penal demonstra toda a complexidade do cenário que deve ser enfrentado pelos legisladores e operadores do Direito em sua atividade. Se, de um lado, é preciso conter o ímpeto punitivista, que se mostra cada vez mais forte diante dos fenômenos expansivos do direito penal; de outro, não se pode relegar a relevância jurídica desses novos bens jurídicos. Portanto, um dos grandes desafios na contemporaneidade é evitar que a tendência de expansão do direito penal, com a formação de um direito penal secundário relativamente autônomo, esvazie o 23 DIAS, Jorge de Figueiredo. O Direito Penal entre Direito Penal do Risco e Direito Penal do Inimigo. Revista Brasileira de Ciências Criminais, RT, n. 33, p. 39-65, jan./mar. 2001, p. 45.

caráter de garantia que os princípios dogmáticos foram adquirindo no transcorrer da história do direito penal. Nessa linha, deve-se concordar com a crítica apresentada ao conceito de white collar crime de Sutherland, no sentido de que a sua definição é eminentemente sociológica e não serve de limite normativo para conter o poder estatal. Conforme Costa Andrade e Figueiredo Dias, deve-se ter como norte uma perspectiva jurídico-penal ou de política criminal, sem perder de vista as relações estreitas que medeiam entre o direito penal econômico e este ramo da criminologia24. Um critério normativo que comumente tem sido utilizado na definição da criminalidade econômica e limitação do poder punitivo estatal é a concepção de bem jurídico tutelado pela norma penal. Obviamente, isso não significa olvidar das contribuições teóricas dos trabalhos de Sutherland e da criminologia crítica, pois, de fato, normalmente esta espécie de criminalidade é cometida por pessoas de considerável posição social e econômico-financeira. Entretanto, na concepção de Estado Democrático de Direito, o direito penal possui a missão de conferir especial proteção aos bens jurídicos mais relevantes, segundo os valores constitucionais. Diante disso, principalmente a partir da incorporação dos direitos e interesses coletivos e difusos pelo sistema jurídico-penal, a concepção de bem jurídico assume extrema relevância. So24 DIAS, Jorge de Figueiredo; ANDRADE, Manual da Costa. Problemática geral das infracções contra economia nacional. In: PODVAL, Roberto (Org.). Temas de direito penal econômico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 81-82. Ao se criticar as deficiências da conceituação de white collar crime proposta por Sutherland, em virtude de seu caráter preponderantemente subjetivo, deve-se observar a cultura jurídica na qual a formação de seu pensamento estava inserido. O sistema da common law não possui os mesmos paradigmas da civil law, o qual se estrutura a partir da necessidade de segurança jurídica, precisão e certeza que decorrem do princípio da legalidade.


Nessa perspectiva, deve-se observar que o direito econômico surgiu para designar uma nova realidade jurídica, não caracterizada pelo direito tradicional, consistente no fenômeno da intervenção estatal na economia, que se intensificou a partir do modelo do Estado de bem-estar social. Paralelamente, surge o direito penal econômico como uma necessidade das sociedades industriais e uma consequência do intervencionismo estatal, sendo a sua motivação social bastante distinta em comparação ao direito penal tradicional, pois assume uma conotação preponderantemente de direção e prevenção, e não de proteção25. Segundo Tiedemann, o direito penal econômico podia ser entendido como aquela pequena parte do direito penal que reforçava com a intimidação o direito econômico administrativo, ou seja, o direito de direção e controle estatal da economia. Atualmente, entende-se o direito penal econômico de uma forma mais ampla, como consequência do progresso deste ramo do Direito no sentido de se tornar uma disciplina (relativamente) autônoma. Então, o delito econômico se dirige contra interesses coletivos e supraindividuais da vida econômica. O bem protegido, portanto, não é o interesse individual dos agentes econômicos, senão o (bom) desenvolvimento da economia estatal no seu conjunto26. Esta (nova) zona de incriminação possui um caráter profundamente dinâmico e instável, intrinsecamente comprometida com as particularidades socioeconômicas do país onde o ordenamento 25 CARVALHO, Márcia Dometila Lima de. Fundamentação constitucional do direito penal. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1992. p. 98-99. 26 TIEDEMANN, Klaus. Lecciones de Derecho Penal Económico (comunitario, español, alemán). Barcelona: PPU, 1999. p. 31-32.

esta inserido. As alterações ocorridas na “sociedade do risco” são de crucial importância para a definição do conteúdo material do tipo penal, sendo determinantes para a definição das condutas submetidas à tutela penal. A partir daí evidencia-se uma característica peculiar dos bens jurídicos do direito penal secundário, pois são normativamente (artificialmente) construídos, bem como muitos deles não possuem uma realidade naturalística27. Não obstante esta constatação, tanto o direito penal tradicional como o secundário devem concretizar os valores constitucionais. O primeiro, ligado aos direitos e às garantias do cidadão; o segundo relacionado aos valores supraindividuais ligados aos direitos sociais, à organização econômica, ao meio ambiente e outros contidos na Carta Magna28. Portanto, como consequência dessas permanentes tensões verificadas no âmbito da política criminal contemporânea, muito tem sido debatidas as novas técnicas de tutela jurídico-penais no âmbito do direito penal secundário, que, muitas vezes, acabam por violar regras básicas de imputação concebidas a partir do paradigma do direito penal ilustrado.

III – AS TÉCNICAS DE TUTELA JURÍDICO-PENAIS DIANTE DE UM NOVO PARADIGMA DE CRIMINALIDADE Todas as decorrências da noção de “sociedade do risco” desembocam com maior intensidade no âmbito das relações econômicas, considerando que estas pertencem a um domínio que 27 RUIVO, Marcelo Almeida. Criminalidade fiscal e colarinho branco: a fuga ao fisco é exclusividade do white-collar. In: FARIA COSTA, José de; SILVA, Marco Antonio Nascimento da. Direito penal, direito processual penal, e direitos fundamentais: visão luso-brasileira. São Paulo: Quartier Latin, 2006. p. 1186-1187. 28 CARVALHO, Márcia Dometila Lima de. Fundamentação constitucional do direito penal. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1992. p. 102-103.

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bretudo, quando se fala em política criminal e criação de novos tipos penais, pois devem ser respeitados critérios de precisão e certeza, os quais possuem especial relevância para se garantir um mínimo de segurança jurídica por meio do princípio da legalidade, em um Estado Democrático de Direito.

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se mostra cada vez mais fluído, em contraposição à estaticidade e rigidez das normas jurídico-penais. A dificuldade consiste em precisar, genericamente, por meio de tipos “ideais” de condutas, o que configuraria o ilícito penal. A tendência é que estas dificuldades na formulação dos tipos penais aumentem cada vez mais no âmbito das relações econômicas. Conforme um dos maiores e mais bem-sucedidos empresários do mundo, Bill Gates, no livro A empresa na velocidade do pensamento, a empresa do século XXI deve estar inserida na “Era da Informação”, para atender uma necessidade de velocidade das relações, expandir fronteiras e desenvolver tecnologia de informação como um recurso estratégico para o desenvolvimento de sua atividade econômica:

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Se a questão dos anos 80 era a qualidade e dos anos 90, a reengenharia, então a questão da primeira década do próximo século será a velocidade: com que rapidez a natureza dos negócios mudará, quão rápidas serão as transações comerciais e como o acesso à informação irá alterar os estilos de vida dos consumidores e suas expectativas em relação às empresas. A melhora da qualidade e o aperfeiçoamento dos processos empresariais irão ocorrer muito mais depressa. Quando o aumento da velocidade dos negócios é suficientemente grande, a própria natureza das empresas muda. Um fabricante ou comerciante que responde a mudanças nas vendas em horas, em vez de semanas, não é mais, na essência, uma firma de produtos, mas uma empresa de serviços que oferece produtos.

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Essas mudanças ocorrerão devido a uma idéia muito simples: o fluxo de informação digital. Estamos na Era da Informação há cerca de trinta anos, mas a maioria das informações que circulam entre as empresas permanece em papel, por isso o processo em que os compradores encontram os vendedores continua sem alterações. A maioria das empresas está usando agora ferramentas digitais para monitorar suas atividades básicas: operar seus sistemas de produção; gerar faturas; cuidar da contabilidade e dos impostos. Mas esses usos, em geral, apenas automatizam processos antigos.29 29 GATES, Bill. A empresa na velocidade do pensamento: com um sistema

Diante deste novo paradigma presente no âmbito das relações econômicas, Faria Costa sustenta que o direito penal sofreu fortes e violentas modificações, sendo que as categorias normativas nas quais os penalistas, até os dias de hoje, acostumaram-se a trabalhar parecem não mais servir. É preciso repensá-las também pela necessidade de se refletir sobre a noção normativa de espaço ilimitado ou global. Basta pensar na criminalidade econômica levada a cabo por meios informáticos, nos quais o lugar da prática do fato pode não ter qualquer relação com o resultado30. Assim, comumente, a legislação tipificadora apresenta uma técnica deficiente, pecando por excessos de discricionariedades, em uma verdadeira violação dos princípios básicos do direito penal ilustrado. Isso porque a persecução desse tipo de criminalidade, portanto, passa a depender de um arsenal punitivo construído sobre categorias que se desvirtuam do direito penal garantista calcado na tradição iluminista. Novos mecanismos e técnicas de tutela penal começam a ser utilizados como uma tentativa de gerenciar os riscos inerentes a estas atividades, bem como para dar vazão aos (inegáveis) interesses do Estado nas instâncias econômicas. Assim, torna-se muito comum a utilização de leis penais em branco, crimes omissivos e de perigo abstrato, elementos normativos indeterminados e criação de posições artificiais de garante. Como frisado, no caso do direito penal secundário, a técnica de construção dos tipos penais vale-se de regulamentações existentes em matéria financeira ou administrativa, as quais tem a necessidade de maior celeridade. A interação entre os direitos penal e o administrativo econômico processa-se através nervosas digital. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. p. 9-10. 30 FARIA COSTA, José de. Apontamentos para umas reflexões mínimas e tempestivas sobre o direito penal hoje. Revista Brasileira de Ciências Criminais, RT, n. 81, p. 36-47, jan./mar. 2001, p. 45-46.


Para Faria Costa e Costa Andrade, a utilização da técnica do reenvio comporta o perigo da falta de clareza e de rigor, bem como da delegação excessiva do Poder Legislativo em favor da administração. Defendem que a conduta ou o resultado proibidos devem ser especificados pela própria lei penal, sendo que a respectiva interpretação e aplicação deve obedecer aos princípios comuns do direito penal. O direito penal econômico deve, na medida do possível, evitar as cláusulas gerais. Contudo, sempre quando utilizadas essas cláusulas gerais, a conduta proibida deve ser rigorosamente descrita32. Em meio a todas essas discussões relativas às técnicas de tutela penal nas relações econômicas, refere Márcia Dometila que a Recomendação nº 8 do XIII Congresso Internacional de Direito Penal estabeleceu: Em relação à descrição dos crimes, o emprego de técnicas de remissão a instância normativas externas ao direito penal, para determinar quais sejam as condutas incriminadas, pode levar aos perigos da imprecisão e da falta de clareza, bem como a um excesso de delegação do Poder Legislativo à administração. A conduta ou o resultado proibidos devem estar especificados, na medida do possível, no próprio preceito penal. Com este simples cuidado, restará às normas administrativas, apenas, o complemento da regra penal, sem risco para a função de garantia do Direito Penal.33 31 CARVALHO, Márcia Dometila Lima de. Fundamentação constitucional do direito penal. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1992. p. 114 32 FARIA COSTA, José; COSTA ANDRADE, Manuel da. Sobre a concepção e os princípios do Direito Penal econômico. In: PODVAL, Roberto (Org.). Temas de direito penal econômico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 119. 33 CARVALHO, Márcia Dometila Lima de. Fundamentação constitucional do

A mencionada recomendação estabeleceu uma importante restrição à regra das normas penais em branco, com o objetivo de evitar imprecisões e falta de clareza. Assim, a conduta e/ou o resultado proibidos devem estar determinados, na medida do possível, no conteúdo do tipo penal, minimizando-se o risco à sua função de garantia. Porém, esta recomendação não é suficiente para evitar a excessiva utilização desta técnica de criminalização que ainda se mostra bastante problemática e de difícil enfrentamento pelos legisladores e aplicadores do Direito. Também como forma de (tentar) dar conta da complexidade e dinamicidade das condutas ocorridas na esfera econômica, tem sido comum a utilização de elementos normativos excessivamente abertos e abstratos, em afronta ao princípio da taxatividade da lei penal. Para Virgolini, a construção dos tipos penais corresponde a um recorte, mais ou menos arbitrário, de múltiplas ações e fatores – ordinariamente muito mais extensas – que integram um determinado comportamento taxado como criminoso. Entretanto, a necessidade deste recorte é uma exigência de precisão e certeza, indispensável na construção dogmática dos tipos penais. Uma excessiva generalidade na sua definição, ainda que possa ser considerada mais útil para abarcar casos não imaginados pelo legislador, viola o princípio da legalidade e todas as suas decorrências, os quais devem ser respeitados, pois garantias basilares do Estado Democrático de Direito34. No mesmo sentido, a utilização de tipos de perigo abstrato e o uso de figuras de omissão, especialmente omissão imprópria, com a criação de posições artificiais de garante, sob o fundamento de deveres genéricos de vigilância e controle de determinados bens jurídicos, também tem sido uma técnica de tutela direito penal. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1992. p. 114. 34 VIRGOLINI, Julio. Crímines excelentes: delitos de cuello branco, crimen organizado y corrupción. Buenos Aires: Editores del Puerto, 2004. p. 110.

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dos chamados “tipos penais em branco”, também conhecidos como “técnica de reenvio” ou “incriminação por referência”. O emprego desse método de incriminação, entretanto, não pode ser feito de forma descuidada, pois, caso assim for, estar-se-á violando o princípio da legalidade, além de conferir à administração poderes verdadeiramente legislativos31.

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corriqueira no direito penal secundário, acarretando a erosão das noções de bem jurídico e responsabilidade penal subjetiva.

arbítrio dos órgãos e das pessoas encarregadas da execução administrativa e judicial37.

Como se constata, as novas técnicas de tutela penal têm acarretado a imputação da responsabilidade penal sem que haja uma relação direta, com algum grau relevante, de afetação ao bem jurídico protegido pela norma penal. Para Virgolini, estas técnicas legislativas consistem remendos parciais e forçados que se impõe a um direito penal concebido para ser aplicado a outro tipo de comportamento35.

O elemento psicológico do delito passa a desenvolver um papel marginal, pois o crime assume o objetivo de gerenciar os riscos sociais decorrentes das decisões tomadas na esfera da vida econômica. O delito se encaminha para se fundamentar em fatores independentes do indivíduo, os quais ele não pode controlar. Torna-se um risco social, uma vez que a probabilidade de incorrer na responsabilidade penal aumenta ou diminui em função de sua posição econômico-social, da tipologia das atividades regularmente desempenhadas em tal posição ou da interpretação que determinado órgão atribuirá aos referenciais normativos38.

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Sgubbi, na mesma linha, refere que o delito se tornou um risco social, pois em vastos setores da vida econômica e social a responsabilidade penal não se apresenta como uma reprovação ao sujeito em virtude de sua conduta. Na verdade, surge sobre a base do desenvolvimento de uma atividade lícita, “neutra”. Tal atividade gera, objetivamente, uma responsabilidade penal ao sujeito pela mera transgressão – ainda que causal ou acidental – das prescrições normativas ditadas pela disciplina administrativa que regula a mesma matéria36.

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Em um plano técnico, portanto, verifica-se a crise do princípio da reserva legal, pois os tipos penais se convertem, cada vez mais, em “normas em branco” ou se valem de elementos normativos ambíguos e amplos. A norma penal geral e abstrata tem sido substituída por prescrições concretas de natureza administrativa e técnico-burocrática, com um referencial que não é social-material, mas sim normativo, politicamente criado e distribuído sobre a base de decisões de contingente oportunidade. Com isso, a aplicação da norma está mais sujeita ao 35 Idem, p. 121. 36 SGUBBI, Filippo. El delito como riesgo social: investigación sobre las opciones en la asignación de la ilegalidad penal. Buenos Aires: Ábaco de Rodolfo Depalma, 1998. p. 97.

A nova concepção de direito penal denota um período de transição, de busca de uma nova legitimação para o direito de punir, que foge dos princípios basilares garantistas, calcados na tradição iluminista. A política criminal contemporânea, no âmbito dos crimes econômicos, ao tutelar essas novas formas de conduta, as quais precisam do direito penal tendo em vista a sua nocividade social, buscam na necessidade de gerenciar e prevenir os riscos em uma sociedade complexa como a nossa a legitimação do direito de punir. Nessa perspectiva, as garantias fundamentais passam a ser vistas como um “entrave” a ser transposto no momento da criação dos novos tipos penais e aplicação do direito no caso concreto. Todavia, não se pode perder de vista o caráter humanista que deve estar subsumido à formação do pensamento jurídico. Daí o motivo de tanto se discutir a adequação da tutela penal econômica aos preceitos constitucionais e todas as dificuldades que acabam sendo verificadas cotidianamente no enfrentamento destas novas temáticas. 37 Idem, p. 102-103. 38 Idem, p. 55-56.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

CARVALHO, Márcia Dometila Lima de. Fundamentação constitucional do direito penal. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1992.

A ruptura com o paradigma da criminologia tradicional positivista, que buscava as causas do crime em patologias psicossociais do delinquente, abriu novos horizontes no campo de estudo da criminologia, ao revelar a existência e a nocividade dos crimes de colarinho branco, bem como a desigual forma de atuação das agências de controle formal da criminalidade. Acrescenta-se a esta revalorização social dos crimes de colarinho branco um incremento de novos riscos sociais, os quais passam a ser tutelados pelo ordenamento jurídico.

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Todavia, a complexidade dessas condutas tem aumentado e colocado em tensão os princípios básicos que sustentam o direito penal segundo a sua tradição iluminista. No enfretamento dessas questões, o legislador tem recorrido a figuras que, muitas vezes, vão de encontro aos princípios básicos de imputação, como taxatividade, responsabilidade pessoal e subjetiva, lesividade da conduta, culpabilidade, etc. Nesse contexto, a impressão que se tem é a de que o direito penal, calcado em uma base iluminista, parece estar ruindo, dando lugar a um novo paradigma que se legitima a partir da necessidade de gerenciar os riscos sociais, cada vez maiores e mais complexos. Todas essas mudanças no fenômeno criminal contemporâneo são de difícil enfrentamento e precisam de muito aprofundamento teórico, pois consistem em grandes novidades e desafiam o estudo do direito (penal) na contemporaneidade.

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Doutrina

A Defensoria Pública ELDIO MARTINS DE SOUZA JUNIOR Advogado.

SUMÁRIO: 1 Função social; 2 Finalidade frente ao acesso de todos à Justiça; 3 Inefetividade dos serviços prestados pelo Poder Público; 4 Possíveis razões da ineficácia de sua atuação; Conclusão; Referências.

1 FUNÇÃO SOCIAL A Defensoria Pública foi criada após a Carta Magna de 1988, quando se estabeleceu que todos têm o direito de utilizar os serviços do Judiciário no Brasil. Buscando a tutela jurisdicional, o cidadão exerce seu direito de ação. Em verdade, tal instituição pública possui caráter social na prestação de seus trabalhos. Vejamos o que diz Paulo Galliez neste sentido: “Aqui se consolida o desempenho maior da Defensoria Pública, cabendo-lhe, de imediato, uma dupla tarefa, qual seja, a de proporcionar a justa distribuição da justiça e a de prestar solidariedade às pessoas que buscam apoio na instituição” (Galliez, 1999, p. 5). Ainda o mesmo autor acima mencionado:

[...] no sentido de manter o equilíbrio, pelo menos em relação ao aspecto jurídico, entre os “os donos do poder” e os oprimidos, é que a Defensoria Pública se impõe como instituto essencial do Estado de Direito, a fim de enfrentar o desenvolvimento desigual entre as classes sociais. (Galliez, 1999, p. 7)

Observe-se que essa instituição desenvolve seus trabalhos na prestação de serviços públicos, de natureza assistencial, aos necessitados, permitindo que todos tenham acesso à Justiça. Não se trata, como é de se notar, de serviço público comum os serviços prestados pela Defensoria; possui caráter especial, dada a natureza de seu serviço. É uma instituição de caráter assistencial às pessoas carentes, gratuitamente; também tem essencial papel para o desenvolvimento da função jurisdicional do Estado. Ou seja, esse órgão foi fundado com a finalidade de prestar assistência aos carentes financeiramente, onde lhes são garantidos tanto o direito de ação consagrado na Constituição Federal, como o direito de defesa. Estabelece a Carta Magna, no art. 134, que a Defensoria Pública é uma instituição essencial à função jurisdicional do Estado, além, também, de ser órgão fundamental à Administração da Justiça. Com a finalidade precípua de atender a demanda das pessoas, na prestação jurisdicional do Estado, nasceu o Órgão da Defensoria Pública, visando proporcionar o acesso de todos à Justiça. Como o Poder Público deve assegurar que todos tenham acesso à Justiça de forma igualitária, reservou o direito ao acusado de se ver defendido por um “advogado popular”. Entretanto, a mera pre-


sença do defensor público no processo penal, a nosso sentir, não se alcança o objetivo de permitir que todos tenham acesso à Justiça. Devem ser observados alguns fatores. Requer condição. Para ser defendido por defensor público é preciso que o indivíduo seja carente, e, pois, impossibilitado de arcar com honorários advocatícios.

está se desenvolvendo os trabalhos deste tão importante órgão. Incansável será o apoio incondicional a essa instituição.

Vejamos ainda o que disse Galliez, quando leciona:

Como já mencionamos, o acesso à Justiça de todos é incumbência do Estado e direito de todos indistintamente. O Estado tem o dever de promover o acesso de todos à Justiça. Para assegurar tal direito, criou-se a Defensoria Pública, com a Lei Complementar nº 80, que, em seu art. 1º, diz: “Art. 1º A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe prestar assistência jurídica, judicial e extrajudicial, integral e gratuita aos necessitados, assim considerados na forma da lei”.

Além do mais, a função institucional do Defensor Público é, perante o Estado e a sociedade, relevantíssima, porque seu compromisso, repete-se, está voltado tão somente para a classe economicamente oprimida, representada pela maioria da população brasileira, de onde se originam, com frequência, graves conflitos sociais. (Galliez, 1999, p. 11)

Sem dúvidas que os serviços prestados pela Defensoria Pública em todo o País têm caráter social. Busca esse respeitoso órgão permitir que o sujeito de direito, esteja em juízo ou não, seja amparado por profissional habilitado em sua defesa.

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Instituída, após previsão constitucional, com Lei Complementar nº 80, de 12 de janeiro de 1994, no âmbito nacional. No Estado baiano, institui-se a Defensoria Pública, no ano de 1985, por meio da Lei Estadual nº 4.658. Cumpre frisar que o objeto dessa pesquisa se delimita ao Estado da Bahia, em razão das enormes dificuldades de acessá-lo.

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Note-se que, por trás de toda finalidade social que açambarca a Defensoria, busca com isso assegurar o mesmo grau de igualdade da outra parte, colocando-o no mesmo patamar da outra parte, que está patrocinada por advogado particular, fazendo, assim, um trabalho de cunho iminentemente social. Com louvor é vista a Defensoria Pública, posto que, ao lado de outros órgãos, como o Ministério Público, exercem o poder para promover a justiça social. Todavia, ainda, serão observados alguns fatos importantes, que dizem respeito ao modo pelo qual

2 FINALIDADE FRENTE AO ACESSO DE TODOS À JUSTIÇA

Os objetivos da Defensoria Pública são pautados na prestação de serviço de advocacia pública gratuita aos necessitados, mas, em verdade, repercutem na sociedade como um todo. Implica várias áreas, não só no direito de o cidadão acessar a Justiça, mas também, por exemplo, o comerciante pobre que se vê envolvido em litígio de natureza comercial de falência e que pode se beneficiar dos trabalhos ofertados pela Defensoria para salvar seu comércio. Eis um exemplo de atuação na área comercial. Reconhecidamente, a Defensoria é instituição que realiza um trabalho social, de suma relevância no mundo da justiça social. E mais: além de proporcionar o acesso à Justiça, busca, sobretudo, alcançar decisões justas aos demandados. Em sua obra, Ada Pellegrini Grinover e outros autores vislumbram o acesso à Justiça em horizontes maiores, quando afirma: O acesso à justiça não se identifica, pois, com a mera admissão ao processo, ou possibilidade de ingresso em juízo. Como se verá no texto, para que haja o efetivo acesso à Justiça, é indispensável que o maior


número possível de pessoas seja admitido a demandar e a defender-se adequadamente (inclusive no processo criminal), sendo também condenáveis as restrições quanto a determinadas causas (pequeno valor, interesse difusos); mas, para a integralidade do acesso à Justiça, é preciso isso e muito mais. (Grinover, 2003)

Vejamos, no mesmo sentido, o que diz Paulo Galliez em suas obras: “Todavia, o acesso à Justiça não se restringe à atuação das instituições e dos profissionais do direito. É preciso ainda introduzir modificações substanciais na instrumentalidade do processo, para torná-lo mais ágil e eficaz” (Galliez, 1999, p. 64).

Portanto, o acesso à Justiça, como bem demonstra a autora acima, não se limita somente ao acesso a processo judicial, mas deve-se observar a efetividade e a amplitude dos serviços prestados.

A efetividade da defesa do defensor público no processo penal deve ser difundida largamente, em razão da exigência constitucional da defesa ampla.

A atuação do defensor deve ser efetiva e com todos os mecanismos necessários para proporcionar uma defesa ampla, assegurando, desse modo, a igualdade de armas das partes. Visa a defesa efetiva (tão perseguida por esse trabalho) realizada pelo Defensor Público assegurar ao tutelado o direito de igualdade de armas. Não havendo efetividade da defesa patrocinada pelo Defensor Público, não há que se falar em paridade de armas, e muito menos em igualdade.

Como o direito busca, entre outras finalidades, a paz social e a harmonização das relações sociais, a Defensoria Pública almeja dar passos mais longos para o alcance dessa referida paz, dada sua característica de defensor da democracia. Deve-se frisar que o modo pelo qual os trabalhos dos defensores públicos estão sendo desenvolvidos configura-se categoricamente em uma forma discriminativa daqueles que necessitam de seus serviços. Há vedação constitucional da discriminação de qualquer natureza. Ainda prevê, como exaustivamente mencionado, que todos têm direito de acesso à Justiça. Ao reverso dessa finalidade, de permitir a todos o acesso à Justiça, incorre-se a privação do acesso à referida Justiça, já que a defesa ofertada pela Defensoria Pública está inegavelmente aquém daquela realizada por patrono pago pela parte. Com isso, ao contrário, restringe o livre aceso à Justiça, só pelo fato de ser um cidadão necessitado. Eis o repúdio.

3 INEFETIVIDADE DOS SERVIÇOS PRESTADOS PELO PODER PÚBLICO Estamos vivendo em um Estado Democrático de Direito, em que as necessidades da sociedade se apresentam dinâmicas. Quer dizer, em decorrência da rápida transformação tecnológi-

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À guisa disso, é o caso da mera presença do defensor público no processo penal, que alguns entendem, equivocadamente, ser o bastante para perpetuar o contraditório de assegurar uma ampla defesa. Entendimento equivocado. Observe-se que a mera presença do defensor público no processo penal não basta para assegurar ao acusado o direito de ser realizada em seu favor uma defesa ampla e efetiva. Eis, portanto, o cerne do trabalho. Os serviços prestados pela Defensoria Pública devem ser ofertados em obediência ao princípio administrativo da eficiência de seus atos. Quer dizer, todo ato praticado pelo Poder Público (e a Defensoria Pública o é) deve ser pautado na necessidade de produção de resultados positivos. Segundo esse princípio, a Administração Pública não está autorizada a agir, sem proporcionar resultados positivos à população em geral. Portanto, também aplicável à atuação da Defensoria Pública no Processo Penal.

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ca, o mercado consumidor apresenta inúmeros produtos para consumo.

diz respeito ao processo penal, e pontuar as prováveis causas que tornam não efetivos os trabalhos da Defensoria Pública.

Não só em razão da onda capitalista do consumo exacerbado, mas, sobretudo, porque o Estado maior, cada vez mais, se ausenta das responsabilidades sociais, econômicas, culturais, etc., tornando-o omisso nos seus deveres. É a onda do Estado Liberal. Sendo mais preciso, vivemos em um estágio em que impera o neoliberalismo.

O Brasil é um País de dimensões continentais e se encontra assoberbado de problemas sociais e emergenciais no que concerne às necessidades sociais da população. Quanto maior o número de problemas sociais ainda não solucionados, menor será a eficácia dos serviços prestados pelo Estado. Nosso País enfrenta inúmeros problemas em diversas searas, mas os mais acentuados estão no âmbito social, em que a maioria das pessoas sofre com a falta de estrutura do Estado, no que concerne aos serviços públicos essenciais, que estão elencados na Constituição Federal, como moradia, educação, saúde, etc. A demanda exaustiva, sem dúvida, é um fator determinante para a não prestação jurisdicional efetiva.

Observemos que a Constituição Federal prevê que a saúde e a educação são deveres do Estado e direitos de todos. Diante desse dispositivo legal, entende-se melhor que existe um grande espaço entre a prescrição normativa e a realidade dos fatos. É o que Ferrajoli chama de ser e dever ser.

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Dito isso, também se pode afirmar categoricamente que os serviços prestados pela Defensoria Pública no processo penal se apresentam como serviços não efetivos. Devem-se perseguir com afinco os objetivos elencados na Carta Magna, assegurando, desse modo, que todos os beneficiados pelos serviços da Defensoria Pública estarão resguardados por uma ampla defesa.

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Será apontado o aspecto relevante da provável omissão do Estado na prestação dos serviços públicos, de modo a ferir alguns princípios constitucionais e também infringir o princípio administrativo da eficiência.

Antes de adentrarmos no mérito da pesquisa, é importante salientar que não serão construídas críticas e questionamentos sobre a instituição da Defensoria Pública (que, por sinal, é, a nosso ver, instituição que merece louvor, pelas bases dos objetivos que se pousa), mas sim sobre o modo pelo qual são desenvolvidos seus trabalhos, tentando, sobretudo, mostrar as causas prováveis que impedem sua atuação plena e efetiva.

4 POSSÍVEIS RAZÕES DA INEFICÁCIA DE SUA ATUAÇÃO

Dar-se início à prestação de assistência judiciária, no momento que houver algum acusado em juízo sem defesa técnica e que também não possui subsídios de arcar com as despesas necessárias com um causídico particular. Nomeado pelo juiz, o defensor recebe a incumbência de atuar no processo; a partir daí é que, de fato, começa a atuar.

Antes de adentrar no foco desse ponto, cumpre esclarecer, não tentaremos produzir respostas aos problemas e deficiências que se encontram imergidas no Estado brasileiro. Ressalta-se que o que se busca aqui é traçar questões relevantes de direito, no que

Inúmeras são as causas que levam à atuação ineficaz frente à demanda jurisdicional; entre eles, podemos inferir o tempo disponível para observação e análise do caso concreto, quando os defensores são demandados. Entretanto, essa falta de assis-


Observe-se, por exemplo, a estatística que segue em anexo, o quanto é gasto com a assistência judiciária em todo o País, notando especificamente a quantia gasta no Estado baiano em relação ao PIB estadual. No anexo, conforme informação fornecida pelo STF, ano-base de 2003, é gasto no Estado baiano somente R$ 0,09 com assistência judiciária por habitante. É gasto conforme gráfico anexo, no Estado baiano, apenas 0,0015% do PIB estadual. Esse percentual está muito abaixo que a média de todo o Brasil, que é de 0,0456%. Obviamente que o dado acima mencionado, do gasto com assistência judiciária no Estado da Bahia, é muito pouco, tendo em vista que o gasto de outros Estados (maioria) é muito maior. Em linguagem aritmética, a Bahia fica, no ranking, no antepenúltimo lugar dos estados que mais gastam com assistência judiciária, perdendo apenas para o Distrito Federal e a Paraíba, que gastam respectivamente R$ 0,05 e R$ 0,07 por habitante, com o mesmo serviço. E mais: no gasto de apenas R$ 0,09 por habitante com assistência judiciária, conforme informação do STF, estão incluídas as despesas com Defensoria Pública, gastos com defensores dativos e convênios com a OAB. Quer dizer, gasta-se R$ 0,09 com essas três formas de assistência judiciária, sendo uma média de apenas R$ 0,03 para cada um. É muito pouco gastar-se somente R$ 0,03 no Estado da Bahia com as despesas da Defensoria Pública. Além do pouco e insuficiente gasto com assistência judiciária na Bahia, existem outros fatores que acabam agravando a situação, ocasionando, com isso, a prestação de um serviço ineficiente. Um motivo agrava o outro.

Tratando-se de processo penal, o contato que o acusado tem com o seu respectivo defensor público é muito estreito, quando há, sendo que, na maioria das vezes, inexiste. Esse pouco contato é uma das consequências causadas pela insuficiência dos serviços prestados pelo Estado, ou seja, o número de defensores públicos é exponencialmente inferior à demanda, e por essa razão sua atuação limita-se ao que constatamos na prática. Alberto M. Binder, com sua notável contribuição às letras jurídicas, com sua obra, diz com mais brilhantismo o que foi exposto acima: A prática cotidiana, particularmente na realidade latino-americana, demonstra que um dos pontos em que o sistema de garantias fracassa é, precisamente, na prestação da defesa pública. Se considerarmos que, devido à seletividade com que geralmente operam os sistemas penais, a grande maioria dos acusados é pobre, carente de recursos ou com impossibilidade de assumir uma própria defesa, entende-se por que a Defensoria Pública chega a ser um dos pilares da legitimidade do processo penal. (Binder, 2003, p. 119)

Em nosso País, como a maioria dos acusados na Justiça Criminal é de baixa renda, não possui condições de arcar com honorários advocatícios. Lamentavelmente, há uma falta de estrutura para prover esses serviços. Observe-se ao fato de que o acusado é interrogado, e, não tendo advogado, é nomeado o Defensor Público, quando este existe na Comarca, e este só tem contato com aquele no dia da próxima audiência. Ora, há contraditório nessa hipótese? Possível falar em igualdade de armas? Óbvio que não. O contato pessoal entre o patrono e seu cliente é fundamental, tendo em vista que mantém relação de confiança, estabelecendo, na maior parte das vezes, um laço de amizade. No caso do indivíduo que precisa dos serviços de advocacia pública gratuita, não consegue manter esse contato mencionado acima, em razão do quadro social emergente.

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tência do Estado à população não é fato isolado dos serviços prestados pela Defensoria. Trata-se de uma carência global.

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Ou seja, não tem como dizer que há isonomia entre as partes, pois em hipótese alguma não há, já que o tempo que cada defensor possui para análise dos autos é muito aquém do que precisaria para fazer um trabalho mais completo. Volta-se a enfatizar que os defensores públicos merecem apoio incondicional pelos trabalhos prestados, ainda que deficiente, em observância às condições de trabalho. Em verdade, os defensores públicos são os baluartes da democracia no País. Portanto, é impostergável a efetividade da defesa material do acusado pelo defensor público, ou seja, não basta sua presença no processo penal, mas sim que desenvolva um trabalho mais completo para não ferir o princípio da ampla defesa. Uma atuação ineficaz de um defensor público pode ser considerada ausência de defesa, cabendo ao juiz nomear outro defensor para atuar na causa.

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CONCLUSÃO

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Nós operadores de Direito temos a incumbência de vislumbrar o sentido da norma aplicando-a no caso concreto, de acordo com a vontade desta, não se limitando à interpretação gramatical. Deverão as normas jurídicas serem observadas de acordo com o ordenamento jurídico como sistema, tendo como parâmetro a Constituição Federal. E mais: temos de buscar a efetividade dos serviços públicos ofertados pelo Estado, assegurando, de sobremaneira, aos mais carentes, os direitos fundamentais que lhes são garantidos na Carta Magna.

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Doutrina

É Devido o IPI na Importação? Kiyoshi Harada

Jurista, com 23 obras publicadas, Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas, Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito, Sócio-Fundador do Escritório Harada Advogados Associados, Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Sumário: 1 Introdução; 2 O exame do fato gerador do IPI; 3 Interpretação do fato gerador do IPI a partir da matriz constitucional do imposto.

1 INTRODUÇÃO Grassa controvérsia doutrinária e jurisprudencial quanto à incidência ou não do IPI na importação de produto industrializado. Se for fixada a tese de que o fato gerador do IPI é o ato de industrialização do produto, não poderá haver incidência do imposto sobre produto industrializado procedente do estrangeiro, em razão do princípio da territorialidade das leis brasileira. Julgados que não permitem a cobrança do IPI no desembaraço aduaneiro, entretanto, não enfrentam essa questão da materialidade do fato gerador do IPI, fundando a negativa de incidência do imposto no princípio da bitributação, como adiante veremos.

2 O EXAME DO FATO GERADOR DO IPI Para a análise dessa questão, mister se faz o prévio exame de seu fato gerador em seu aspecto nuclear ou material. Dispõe o art. 46 do CTN: Art. 46. O imposto, de competência da União, sobre produtos industrializados tem como fato gerador: I – o seu desembaraço aduaneiro, quando de procedência estrangeira; II – a sua saída dos estabelecimentos a que se refere o parágrafo único do art. 51; III – a sua arrematação, quando apreendido ou abandonado e levado a leilão. Parágrafo único. Para os efeitos deste imposto, considera-se industrializado o produto que tenha sido submetido a qualquer operação que lhe modifique a natureza ou a finalidade, ou o aperfeiçoe para o consumo.

O caput representa o aspecto temporal do fato gerador do IPI, ou seja, quando se considera ocorrida a hipótese abstratamente descrita na norma de imposição tributária. O aspecto material do fato gerador do IPI está descrito no parágrafo único do art. 46. A mesma definição está contida no art. 3º da Lei nº 4.502, de 30.04.1964, lei do extinto imposto sobre consumo, que continua vigorando para reger o IPI. Verifica-se, pois, que qualquer operação que modifique a natureza ou a finalidade do produto, ou o aperfeiçoe para o consumo,


Por isso, sustenta Edvaldo Brito que, tendo em vista o aspecto espacial do fato gerador, o IPI não pode alcançar aquele ato industrial praticado fora do território brasileiro2. Para esse renomado autor, a Lei nº 4.502/1964 tributava o consumo do produto industrializado, pelo que a industrialização em si não tinha a relevância jurídica que tem sob a ótica da Constituição Federal de 1988. Entretanto, como assevera Hugo de Brito Machado, a materialidade do IPI, quer em face da Constituição de 1946, quer antes, como depois da Emenda nº 18, repousava na existência do produto industrializado. Tanto assim é que “os momentos de exteriorização do fato gerador do imposto era definido pela mesma lei, a Lei nº 4.502/1964, entre os quais o desembaraço aduaneiro de produtos de procedência estrangeira”3. José Roberto Vieira, citado por Hugo de Brito Machado, sustenta a impossibilidade de tributar, por meio do IPI, o produto estrangeiro importado porque a União já o tributa pelo imposto de importação: Se o Código Magno atribui à União competência para instituir imposto sobre “importação de produtos estrangeiros” (art. 153, I), claro está que as operações com produtos industrializados não poderão estender seu manto por sobre a importação de produtos industrializados estrangeiros, sob pena de invadirem a materialidade de hipótese de outro tributo.4 1 Entretanto, como veremos mais adiante, o elemento nuclear do fato gerador do IPI não é o ato de industrialização, mas a operação com o produto industrializado. 2 Comentários ao código tributário nacional. Coord. Ives Gandra da Silva Martins. São Paulo: Saraiva, 1998, VI. p. 379. 3 Comentários ao código tributário nacional. São Paulo: Atlas, 2003, VI, p. 472. 4 Apud Hugo de Brito Machado, ob. cit., p. 472.

Há, data venia, um duplo equívoco nesse entendimento. Primeiro, porque a posição topográfica do imposto de importação (art. 153, I, da CF) não confere primazia sobre o IPI (art. 153, IV, da CF). Em segundo lugar, ambos os impostos são de competência impositiva da União, pelo que não há que se falar em bitributação jurídica. Seja como for, o certo é que, apesar da vigência do IPI desde a Constituição Federal de 1946 (com o nome de imposto sobre consumo), até hoje não há julgado declarando a inconstitucionalidade da incidência do IPI no desembaraço aduaneiro em razão do ato da industrialização ter ocorrido no exterior, portanto, fora do alcance da nossa legislação por força do princípio da territorialidade das leis. O que existem são acórdãos condenando a cobrança do IPI no desembaraço aduaneiro, porque nesse caso há incidência do imposto de importação, ferindo o princípio da bitributação. Vejamos as ementas abaixo: Tributário. Empresa importadora. Fato gerador do IPI. Desembaraço aduaneiro. Comerciante de produtos importados. 1. O fato gerador do IPI, nos termos do art. 46 do CTN, ocorre alternativamente na saída do produto do estabelecimento; no desembaraço aduaneiro ou na arrematação em leilão. 2. Tratando-se de empresa importadora o fato gerador ocorre no desembaraço aduaneiro, não sendo viável nova cobrança do IPI na saída do produto quando de sua comercialização, ante a vedação ao fenômeno da bitributação. (TRF4, AC 5011683-79.2010.404.7200, Rel. Juiz Federal Carlos Cevi, J. em 31.01.2012) Empresa importadora. Fato gerador do IPI. Desembaraço aduaneiro. I – O fato gerador do IPI, nos termos do art. 46 do CTN, ocorre alternativamente na saída do produto do estabelecimento; no embaraço aduaneiro ou na arrematação em leilão. II – Tratando-se de empresa importadora, o fato gerador ocorre no desembaraço aduaneiro, não sendo viável nova cobrança do IPI na

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considera-se produto industrializado. Nesse conceito amplo, até o sangue humano coletado é produto industrializado1.

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saída do produto quando de sua comercialização, ante a vedação ao fenômeno da bitributação. III – Recurso especial provido. (REsp 841.269/BA, 1ª T., Rel. Min. Francisco Falcão, Julgado em 28.11.2006, DJ 14.12.2006, p. 298) Tributário. Empresa importadora. Fato gerador do IPI. Desembaraço aduaneiro. I – O fato gerador do IPI, nos termos do art. 46 do CTN, ocorre alternativamente na saída do produto do estabelecimento; no desembaraço aduaneiro ou na arrematação em leilão. II – Tratando-se de empresa importadora o fato gerador ocorre no desembaraço aduaneiro, não sendo viável nova cobrança do IPI na saída do produto quando de sua comercialização, ante a vedação ao fenômeno da bitributação. (TRF4, AC 0010443-77.2009.404.7200, 2ª T., Relª Juíza Federal Luciane Amaral Corrêa Munch, DE 15.07.2010)

Em todos esses casos houve, data venia, confusão entre bitributação jurídica, que não existiu nas hipóteses versadas, e o non bis in idem.

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O non bis in idem ou a bitributação econômica não é inconstitucional, do contrário o PIS e a Cofins não poderiam subsistir simultaneamente. Nada impede o mesmo ente de tributante tributar duas vezes o mesmo fato considerado. Só a bitributação jurídica que é inconstitucional por implicar violação do princípio constitucional da discriminação de rendas tributárias.

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3 INTERPRETAÇÃO DO FATO GERADOR DO IPI A PARTIR DA MATRIZ CONSTITUCIONAL DO IMPOSTO Não é missão da Constituição definir o fato gerador do imposto, mesmo porque não é a Carta Magna que institui o imposto. Contudo, o legislador ordinário não é livre para instituir o fato gerador de determinado imposto em dissonância com a con-

ceituação constitucional do imposto. Daí a importância de examinar a norma constitucional que discrimina os impostos para as diferentes esferas políticas. Nos termos do art. 153, IV, da CF, o IPI incide sobre produtos industrializados e não sobre a industrialização. Vejamos: Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: [...] IV – produtos industrializados; [...].

O parágrafo único do art. 46 do CTN, para efeito de tributação, define o que seja produto industrializado, mas o que é tributado não é a industrialização que, às vezes, pode revestir execução de serviço sujeito ao ISS municipal. O fato gerador do IPI pressupõe a existência de um produto industrializado. O momento de exteriorização do fato gerador do IPI está definido no caput do art. 46: Art. 46. O imposto, de competência da União, sobre produtos industrializados tem como fato gerador: I – o seu desembaraço aduaneiro, quando de procedência estrangeira; II – a sua saída dos estabelecimentos a que se refere o parágrafo único do art. 51; III – a sua arrematação, quando apreendido ou abandonado e levado a leilão.

Nas três hipóteses pressupõe-se uma operação com o produto industrializado (compra e venda ou arrematação). Nem poderia ser de outra forma, pois a matriz constitucional do IPI não é a industrialização, mas a existência de produto industrializado. A exemplo do ICMS, o IPI incide sobre a circulação de produto industrializado. Por isso, o inciso II do § 3º do art. 153 da CF


Em estudos anteriores, consideramos como o fato gerador do IPI a descrição legislativa contida no parágrafo único do art. 46 do CTN, o que conduziria à inconstitucionalidade da cobrança do IPI em relação aos produtos estrangeiros importados, como assevera o jurista Edvaldo de Brito. Contudo, reexaminando a matéria à luz do que dispõe o art. 153, IV, da CF, entendemos acertada a posição de Hugo de Brito Machado para quem o aspecto material ou nuclear do fato gerador do IPI pressupõe a existência de produto industrializado, cujo conceito está no parágrafo único do art. 46 do CTN e no art. 3º da Lei nº 4.502, de 30.04.1964, antiga lei do imposto sobre consumo que continua regendo o atual IPI e que em nada mudou a não ser a sua denominação. E o fato gerador se concretiza nos momentos indicados nos incisos I a III do art. 46 do CTN. Nesse sentido é a jurisprudência do STJ, conforme ementa abaixo: PROCESSUAL CIVIL – RECURSO ESPECIAL – TRIBUTÁRIO – IPI INCIDENTE SOBRE PRODUTO IMPORTADO – LEGITIMIDADE 1. Cumpre esclarecer que eventual discussão acerca da incompatibilidade entre a legislação infraconstitucional reguladora do IPI (Lei nº 4.502/1964, CTN e Regulamento do IPI) e a Constituição Federal não pode ser dirimida em sede de recurso especial, porquanto requer a apreciação acerca da existência ou não de contrariedade a dispositivo

constitucional, o que constitui matéria afeta à competência do Supremo Tribunal Federal. 2. Por outro lado, nos termos do art. 46, I, do CTN, “o imposto, de competência da União, sobre produtos industrializados tem como fato gerador o seu desembaraço aduaneiro, quando de procedência estrangeira”. Conforme a clássica lição de Aliomar Baleeiro, o IPI “recai sobre o produto, sem atenção de seu destino provável ou ao processo econômico do qual proveio a mercadoria”, sendo que o “CTN escolheu, para fato gerador, três hipóteses diversas, ou momentos característicos da entrada da coisa no circuito econômico de sua utilização” (Direito tributário brasileiro. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1977. p. 184). 3. Ressalte-se que, não obstante a doutrina admita que na hipótese ocorra o bis in idem (que não se confunde com a bitributação em sentido estrito), a incidência tanto do imposto de importação quando do IPI, nas hipóteses de produtos importados, não viola a “discriminação constitucional de competências tributárias, pois tanto um como o outro imposto pertencem à competência de uma só pessoa política” (MACHADO, Hugo de Brito. Comentários ao Código Tributário Nacional. São Paulo: Atlas, v. I, 2003. p. 475). 4. Precedentes citados: REsp 273.205/RS, 1ª Turma, Rel. Min. José Delgado, DJ de 05.03.2001; AgRg-REsp 216.265/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ de 29.03.2004; REsp 846.667/RJ, 2ª Turma, Rel. Min. Humberto Martins, DJ de 07.03.2007. 5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido. (REsp 660192/SP, Relª Min. Denise Arruda, DJ de 02.08.2007)

No mesmo sentido: AgRg-REsp 1240117/PR, Rel. Min. Humberto Martins, DJe de 20.10.2011; AgRg-REsp 1241806/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 30.05.2011; REsp 1078879/RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 28.04.2011; AgRg-REsp 1141345/SC, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJe 25.03.2011; REsp 794.352/RJ, Rel. Min. Castro Meira, DJe 10.02.2010; REsp 1026265/RJ, Relª Min. Eliana Calmon, DJe 29.06.2009.

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prescreve que o imposto “será não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores”. No mesmo sentido, dispunha o parágrafo único do art. 11 da Emenda Constitucional nº 18/1965 que introduziu o IPI.

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Acórdão na Íntegra

Supremo Tribunal Federal 27.08.2013 Segunda Turma Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo nº 762.699, Rio Grande do Sul Relator: Ministro Gilmar Mendes Agte.: Estado do Rio Grande do Sul Proc.: Procurador-Geral do Estado do Rio Grande do Sul Agdo.: José Ottonelli Advs.: Vitor Lindolfo Gressler e outro(a/s)

Agravo regimental em recurso extraordinário com agravo. 2. Servidor público. Magistério. Adicional noturno. Proventos discrepantes em razão do turno de trabalho. Isonomia. Súmula nº 280. 3. Matéria infraconstitucional. Precedentes. 4. Agravo regimental a que se nega seguimento.

ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os ministros do Supremo Tribunal Federal, em Segunda Turma, sob a presidência da Senhora Ministra Cármen Lúcia, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Relator.

O Senhor Ministro Gilmar Mendes (Relator): Trata-se de agravo regimental no recurso extraordinário com agravo interposto contra decisão monocrática de fls. 116-119, de minha relatoria, que negou seguimento ao recurso extraordinário, nos termos dos arts. 21, § 1º, do RISTF e 544, § 4º, II, b, do CPC, tendo por base a ausência de violação direta ao texto da Constituição Federal, haja vista ser imprescindível, no caso, o prévio exame da legislação local aplicável à espécie. No agravo regimental, sustenta-se, que: “[...] entende o Estado não apenas presentes os requisitos para admissibilidade do recurso extraordinário como, ainda, tratar de matéria já reconhecida como de repercussão geral pelo STF, em pelo menos três oportunidades: Temas 315, 600 e 624.” (fl. 124)

É o breve relatório.

VOTO O Senhor Ministro Gilmar Mendes (Relator): No agravo regimental, não ficou demonstrado o desacerto da decisão agravada.

Brasília, 27 de agosto de 2013.

Verifico que as alegações da parte são impertinentes e decorrem de mero inconformismo com a decisão adotada por este Tribunal.

Ministro Gilmar Mendes Relator

O agravante não trouxe argumentos suficientes para infirmar a decisão. Visa apenas à rediscussão da matéria já decidida em conformidade com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.


das Súmulas nºs 279 e 280 do STF. Precedentes. II – Agravo regimental improvido. (RE-AgR 606.516/SE, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, DJe 04.05.2011)

Ante o exposto, mantenho o que decidido anteriormente, por seus próprios fundamentos, para negar provimento a este agravo regimental. SEGUNDA TURMA EXTRATO DE ATA

Nesse sentido, confira-se o entendimento de ambas as turmas desta Corte: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO – POLICIAL CIVIL DO ESTADO DE SERGIPE – JORNADA DE TRABALHO – PAGAMENTO DE HORAS EXTRAORDINÁRIAS E ADICIONAL NOTURNO – CONTROVÉRSIA DECIDIDA COM BASE NA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL PERTINENTE

Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo nº 762.699

1. Eventual ofensa ao Magno Texto apenas ocorreria de modo reflexo ou indireto. Precedentes do Supremo Tribunal Federal.

Proc.: Procurador-Geral do Estado do Rio Grande do Sul

2. Agravo regimental desprovido.

Advs.: Vitor Lindolfo Gressler e outro(a/s)

(RE-AgR 597.351, Rel. Min. Ayres Britto, Segunda Turma, DJe 22.09.2011) AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO – ADMINISTRATIVO – SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL – HORAS EXTRAS E ADICIONAL NOTURNO – REGIME DE COMPENSAÇÃO – LEIS ESTADUAIS NºS 2.068/1976, 2.148/1977 E 3.868/1977 E DECRETO Nº 21.892/2003 – MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL LOCAL – OFENSA REFLEXA – SÚMULA Nº 280 DO STF – NECESSIDADE DE REEXAME DE PROVAS – SÚMULA Nº 279 DO STF – AGRAVO IMPROVIDO – I – O acórdão recorrido dirimiu a questão dos autos com base no conjunto fático-probatório dos autos e na legislação infraconstitucional local aplicável à espécie, o que inviabiliza o recurso extraordinário, nos termos

Proced.: Rio Grande do Sul Relator: Ministro Gilmar Mendes Agte.: Estado do Rio Grande do Sul Agdo.: José Ottonelli

Decisão: A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Relator. 2ª Turma, 27.08.2013. Presidência da Senhora Ministra Cármen Lúcia. Presentes à sessão os Senhores Ministros Celso de Mello, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Teori Zavascki. Subprocurador-Geral da República, Dr. Odim Brandão Ferreira. Ravena Siqueira Secretária Substituta

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Na espécie, conforme consignou a decisão impugnada, o Tribunal de origem decidiu a controvérsia com base na legislação local (Leis Estaduais nºs 6.672/1974 e 10.098/1994) e entendeu que é direito do recorrido o recebimento do adicional noturno pleiteado. Assim, para concluir de maneira diversa, faz-se necessária a análise da referida legislação infraconstitucional, providência vedada em sede de recurso extraordinário, conforme disposto na Súmula nº 280.

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Pesquisa Temática

Homicídio Homicídio culposo – acidente de trânsito – condenação – impossibilidade “Recurso de apelação criminal. Acidente de trânsito. Homicídio culposo. Recurso da acusação objetivando a condenação. Impossibilidade. Elementos que não demonstram a conduta culposa do acusado. Absolvição mantida. Recurso improvido. Em se tratando do crime de homicídio culposo, é imprescindível para a sua configuração, que se demonstre que o agente tenha agido com negligência, imprudência ou imperícia. Decreto condenatório não pode estar fundamentado em probabilidades e presunções, sendo necessário que exista um juízo de certeza para que haja uma condenação.” (TJMT – ACr 48215/2011 – 1ª C.Crim. – Rel. Des. Paulo da Cunha – DJe 12.01.2012)

Homicídio qualificado – Tribunal do Júri – julgamento contrario à prova dos autos – inocorrência “Penal e processual penal. Tribunal do Júri. Admissibilidade. Homicídio qualificado. Absolvição. Apelação. Julgamento contrário às provas dos autos. Inocorrência. 1. A apelação interposta contra decisão proferida pelo Tribunal do Júri se caracteriza como recurso de fundamentação vinculada, nos termos do art. 593 do CPP, não devolvendo ao tribunal ad quem a cognição plena da matéria, mas tão somente aquela desenvolvida nas razões recursais. 2. A decisão do Tribunal do Júri que encontra apoio na prova é legítima, pois, julgando aquele por íntima convicção, a escolha está no âmbito de sua soberania, que reside, exatamente, na desnecessidade de fundamentação. Assim, não pode o tribunal de justiça substituir-se ao Tribunal do Júri para dizer se esta ou aquela é a melhor solução. Só está autorizado a tanto quando a decisão desgarrar da prova. 3. Recurso não provido.” (TJAP – ACr 000867627.2010.8.03.0001 – Câmara Única – Rel. Des. Edinardo Souza – DJe 12.01.2012)

Homicídio qualificado – ex-policial – concurso com outros policiais – prisão – possibilidade “Habeas corpus. Processual penal. Paciente ex-policial militar do Estado do Maranhão. Pronúncia pela prática, durante o trabalho, dos crimes de homicídio qualificado, cárcere privado e ocultação de cadáver, cometidos contra vítima que seria traficante de drogas. Delitos praticados em concurso com outros policiais. Paciente cujo mister tinha por finalidade garantir a segurança de todos os cidadãos, indistintamente, inclusive de supostos criminosos. Afronta às instituições estatais. Prisão preventiva sobejamente fundamentada na necessidade de garantia da ordem pública. 1. Paciente que, quando do cometimento do delito, ocupava o cargo de Policial Militar Estadual, profissão que tem por finalidade garantir a segurança de todos os cidadãos, indistintamente, inclusive a de supostos criminosos. 2. A manutenção da custódia preventiva do paciente encontra-se suficientemente fundamentada, em face das circunstâncias do caso que, pelas características delineadas, retratam, in concreto, a periculosidade do agente, a indicar a necessidade de sua segregação para a garantia da ordem pública, em se considerando, sobretudo, o modus operandi dos delitos, o que demonstra, com clareza, a perniciosidade da ação ao meio social. 3. O princípio constitucional da presunção de não culpabilidade é um dos mais importantes na Carta Magna, porque protege o cidadão de bem contra o abuso e a arbitrariedade da repressão Estatal. No entanto, não se pode usá-lo como escudo intransponível para evitar a adoção de medidas cautelares necessárias ao resgate da higidez das instituições públicas e da ordem social, quando há elementos concretos de que ex-policiais militares estaduais tenham cometido crimes de tamanha repercussão. 4. Feito juízo de valor estabelecido entre interesses postos em conflito, sobreleva muito acima a necessidade de pronta resposta estatal para o resguardo da ordem pública, frontalmente ameaçada com prática de crimes dessa magnitude por agentes estatais, o que demonstra forma de agir atentatória às instituições que dão suporte à existência de um Estado Democrático de Direito. Não existe, pois, ilegalidade no decreto de prisão preventiva, que se tem por devidamente fundamentado. 5. ‘Há justa causa no decreto de prisão preventiva para garantia da ordem pública, quando o agente se revela propenso a prática delituosa, demonstrando menosprezo pelas normas penais. Nesse caso, a não decretação da prisão pode representar indesejável sensação de impunidade, que incentiva o cometimento de crimes e abala a credibilidade do Poder Judiciário’ (STF, HC 83.868/AM, Tribunal Pleno, Relª p/o Ac. Min. Ellen Gracie, DJe de 17.04.2009.) 6. Apenas acrescente-se que a alegação de que não possui mais o Paciente a condição de ‘garante’ em nada influencia a controvérsia, por estarem configurados os requisitos da prisão processual, em razão da garantia da ordem pública. 7. Ordem denegada, com recomendação de urgência na conclusão do feito.” (STJ – HC 199686/MA (2011/0050572-1) – 5ª T. - Rel. Min. Laurita Vaz – DJe 19.12.2011)


Homicídio qualificado – prisão cautelar – revogação – concessão – impossibilidade “Habeas corpus. Crime contra a vida. Homicídio qualificado. Alegação de constrangimento ilegal. Pleito pela revogação da prisão preventiva. Circunstâncias autorizadoras presentes. Condições pessoais favoráveis. Insuficientes. Decisão fundamentada. Precedentes. 1. O fato de estar inserido no rol dos delitos hediondos ou equiparados não basta para a imposição da constrição cautelar, por ser necessária a existência de circunstâncias que demonstrem a adoção desta medida excepcional. 2. As Turmas componentes da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça já cristalizaram o entendimento de inexistir constrangimento ilegal quando a prisão, suficientemente fundamentada, retratar a necessidade da medida para as garantia da ordem pública e aplicação da lei penal. 3. No caso concreto, a necessidade da manutenção da segregação cautelar, determinada na sentença condenatória, encontrava-se, à época, fundamentada na ausência dos pacientes aos atos judiciais para os quais foram devidamente notificados, o que demonstrou desprezo à atuação do Estado-juiz, evidenciando que a captura se faz necessária para garantir a conveniência da instrução criminal. 4. O Superior Tribunal de Justiça, em orientação uníssona, entende que persistindo os requisitos autorizadores da segregação cautelar (art. 312 do CPP), despiciendo os pacientes possuírem condições pessoais favoráveis. 5. Ordem denegada.” (STJ – HC 218458 – (2011.0218852-8) – 5ª T. – Rel. Min. Adilson Vieira Macabu – DJe 17.02.2012)

Homicídio qualificado – ausência do corpo – prova testemunhal – validade – impossibilidade “Habeas corpus. Homicídio qualificado. Pronúncia mantida pelo Tribunal Estadual. Trancamento da ação penal. Falta de materialidade. Ausência do corpo da suposta vítima. Art. 167 do CPP. Suprimento da prova pericial. Exame aprofundado das provas. Impossibilidade. Ordem denegada. 1. Nos termos do art. 167 do Código de Processo Penal, a prova testemunhal pode suprir a falta do exame de corpo de delito, caso desaparecidos os vestígios. Esta Corte já decidiu que tal situação se aplica inclusive aos casos de homicídio, se ocultado o corpo da vítima. 2. Hipótese em que a Corte estadual, no julgamento do recurso em sentido estrito, entendeu pela existência de outras provas que demonstrariam a materialidade do crime, indicando a confissão do paciente e depoimentos testemunhais. 3. Diante desse contexto, não se mostra possível avaliar profundamente as provas carreadas aos autos para se concluir de modo diverso. Ademais, caberá aos jurados competentes a análise detida dos elementos de convicção carreados, por ocasião do julgamento pelo Tribunal do Júri, mostrando-se prematuro o estancamento do feito. 4. Ordem denegada.” (STJ – HC 170.507/SP – (2010/0075483-1) – 6ª T. – Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura – DJe 05.03.2012)

Homicídio qualificado – ausência do corpo – prova testemunhal – validade – impossibilidade

Homicídio qualificado – ocultação de cadáver – interceptação telefônica – nulidade – competência – declinação “Habeas corpus. Processual penal. Homicídio qualificado e ocultação de cadáver. Interceptação telefônica. Declinação de competência. Não-invalidação da prova colhida. 1. A posterior declinação de competência de um Juízo para outro não tem o condão de, por si só, invalidar a prova colhida mediante interceptação telefônica, deferida por autoridade judicial competente até então, de maneira fundamentada e em observância às exigências legais. 2. Ordem denegada.” (STJ – HC 60320/SE – (2006.0119288-0) – 6ª T. – Rel. Min. Og Fernandes – DJe 11.04.2012) Comentário IOB Passamos a comentar acórdão que trata de crime de homicídio qualificado e ocultação de cadáver. No caso dos autos, foi determinada pelo Juízo a quo a interceptação telefônica. Em seguida, o juízo reconheceu sua incompetência para processar o julgamento do feito.

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“Habeas corpus. Homicídio qualificado. Pronúncia mantida pelo Tribunal Estadual. Trancamento da ação penal. Falta de materialidade. Ausência do corpo da suposta vítima. Art. 167 do CPP. Suprimento da prova pericial. Exame aprofundado das provas. Impossibilidade. Ordem denegada. 1. Nos termos do art. 167 do Código de Processo Penal, a prova testemunhal pode suprir a falta do exame de corpo de delito, caso desaparecidos os vestígios. Esta Corte já decidiu que tal situação se aplica inclusive aos casos de homicídio, se ocultado o corpo da vítima. 2. Hipótese em que a Corte estadual, no julgamento do recurso em sentido estrito, entendeu pela existência de outras provas que demonstrariam a materialidade do crime, indicando a confissão do paciente e depoimentos testemunhais. 3. Diante desse contexto, não se mostra possível avaliar profundamente as provas carreadas aos autos para se concluir de modo diverso. Ademais, caberá aos jurados competentes a análise detida dos elementos de convicção carreados, por ocasião do julgamento pelo Tribunal do Júri, mostrando-se prematuro o estancamento do feito. 4. Ordem denegada.” (STJ – HC 170.507/SP – (2010/0075483-1) – 6ª T. – Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura – DJe 05.03.2012)

Consta que a ré teria comprado uma arma e a gasolina para queimar o corpo da vítima. Com base nas investigações, descobriu-se que somente a ocultação do corpo ocorreu na comarca do juiz que autorizou as interceptações. Depois disso, o caso foi encaminhado para a jurisdição em que foi cometido o crime. Com base na declaração de incompetência do primeiro juízo, a defesa requereu ao STJ a anulação de todas as provas vindas das interceptações telefônicas.

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Ocorre que o relator do habeas corpus no STJ observou que a incompetência foi reconhecida mais de um ano após a autorização das escutas. O relator analisou que, na época da investigação, o juiz era competente para decidir sobre o caso. A Turma negou a ordem de forma unânime. Vale trazer trecho do voto do relator: “Nesse particular, corretas as ponderações do parecerista quando afirmou (e-fls. 81/82): Isso porque, analisando os autos, percebe-se que a decisão que determinou a interceptação telefônica foi proferida por juiz que era, ao tempo dos fatos, absolutamente competente para tanto, uma vez que naquela época não se sabia ao certo o local em que o crime de homicídio havia sido praticado, mas tão somente o local em que havia se consumado o crime de ocultação de cadáver. Esta Corte já se manifestou reiteradas vezes em idêntico sentido. Confira-se, por todos, os seguintes arestos: ‘HABEAS CORPUS – PROCESSUAL PENAL – TRÁFICO DE DROGAS – INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA AUTORIZADA PELA JUSTIÇA MILITAR – DECLINAÇÃO DE COMPETÊNCIA PARA O JUÍZO ESTADUAL – NÃO INVALIDAÇÃO DA PROVA COLHIDA – ALEGADA AUSÊNCIA DE INDÍCIOS DE AUTORIA – CIRCUNSTÂNCIA NÃO EVIDENCIADA DE PLANO – TRANCAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL – IMPOSSIBILIDADE – ORDEM DENEGADA – 1. Posterior declinação de competência do Juízo Militar para o Juízo Estadual não tem o condão de, por si só, invalidar a prova colhida mediante interceptação telefônica, deferida por Autoridade Judicial competente até então, de maneira fundamentada e em observância às exigência legais. 2. O trancamento de inquérito policial pela via estreita do habeas corpus é medida de exceção, só admissível quando emerge dos autos, de forma inequívoca e sem a necessidade de valoração probatória, a inocência do acusado, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade, circunstâncias essas, na hipótese, não evidenciadas. 3. Precedentes do Supremo Tribunal Federal e desta Corte Superior. 4. Ordem denegada.’ (HC 148.908/MS, Relª Min. Laurita Vaz, DJ 04.05.2011) ‘PROCESSUAL PENAL – HABEAS CORPUS – TRÁFICO DE SUBSTÂNCIAS ENTORPECENTES – INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS – EXCESSO DE PRAZO – DECRETAÇÃO POR JUIZ INCOMPETENTE – AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO – NULIDADES NÃO VERIFICADAS – AUSÊNCIA DE ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL COMO FISCAL DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS – PRECLUSÃO – I – Não se verifica a nulidade de interceptações telefônicas decretadas por Juízo Estadual, que posteriormente declinou a competência para o Juízo Federal, se, no início das investigações não havia elementos suficientes que permitissem concluir pela internacionalidade do tráfico de substâncias entorpecentes (precedentes). II – Não se verifica, in casu, a deficiência da fundamentação da decisão que decretou as interceptações telefônicas, pois esta atendeu à fundamentação da representação da autoridade policial, que expôs de forma suficiente a necessidade da medida cautelar. III – ‘A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal consolidou o entendimento segundo o qual as interceptações telefônicas podem ser prorrogadas desde que devidamente fundamentadas pelo juízo competente quanto à necessidade para o prosseguimento das investigações’ (STF, RHC 88371/SP, 2ª T., Rel. Min. Gilmar Mendes, DJU 02.02.07). IV – Encontra-se preclusa a questão referente à ausência de fiscalização pelo Ministério Público Federal das interceptações telefônicas, tendo em vista que a tese não foi suscitada em momento oportuno. Writ parcialmente conhecido e, nesta parte, denegado.’ (HC 129.064/RJ, Rel. Min. Felix Fischer, DJe 15.06.2009)” A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça negou a ordem.

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Homicídio qualificado – pena – dosimetria – precedentes

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“Penal. Habeas corpus. Homicídio triplamente qualificado (CP, art. 121, § 2º, II, III e IV). Dosimetria da pena. Preponderância da agravante da reincidência sobre a atenuante da confissão espontânea. Art. 67 do Código Penal. Precedentes. 1. O art. 67 do Código de Processo Penal dispõe que, ‘no concurso de agravantes e atenuantes, a pena deve aproximar-se do limite indicado pelas circunstâncias preponderantes’, entendendo-se como tais as que resultam dos motivos determinantes do crime, da personalidade do agente e da reincidência. 2. Deveras, a reincidência revela que a condenação transitada em julgado restou ineficaz como efeito preventivo no agente, por isso merece maior carga de reprovação e, por conseguinte, deve preponderar sobre a circunstância atenuante da confissão espontânea. 3. In casu, o Juiz, ao afirmar que ‘a circunstância de ser o réu reincidente, já tendo sido condenado várias vezes, prepondera sobre a confissão espontânea’, nada mais fez do que aplicar o citado art. 67 do Código Penal, que trata especificamente do concurso entre circunstâncias agravantes e atenuantes; aliás, na linha da jurisprudência desta Corte: HC 96.063/MS, 1ª T., Rel. Min. Dias Tóffoli, DJe 08.09.2011; RHC 106.514/MS, 1ª T., Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 17.02.2011; HC 106.172/MS, 2ª T., Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 11.03.2011. 4. Recurso ordinário em habeas corpus ao qual se nega provimento.” (STF – RO-HC 111.454 – Rel. Min. Luiz Fux – DJe 23.04.2012)

Homicídio – pronúncia – cerceamento de defesa – inexistência “Habeas corpus. Processual penal. Tentativa de homicídio. Pronúncia. Recurso em sentido estrito. Pedido de vista dos autos formulado pelo novo causídico, constituído a poucos dias da data da sessão de julgamento. Autos disponibilizados em cartório. Cerceamento de defesa inexistente. Precedentes. Ordem de habeas corpus denegada. 1. Não há cerceamento de defesa quando oportunizada a vista dos autos em cartório, facultando-se ao advogado devidamente habilitado tomar notas ou, ainda, obter traslado das peças que lhe interessem. Precedentes. 2. Na hipótese, o decisum impugnado não se reveste de ilegalidade, pois a Desembargadora Relatora, considerando o fato de que os


autos já se encontravam pautados, concedeu vista dos autos na Secretaria do Gabinete e, ainda, adiou o julgamento do feito por uma semana. 3. Habeas corpus denegado.” (STJ – HC 179.477 – (2010/0129946-7) – 5ª T. – Relª Minª Laurita Vaz – DJe 30.04.2012)

Homicídio culposo no trânsito – falta de fundamentação – insuficiência probatória – condenação – possibilidade “Habeas corpus. Homicídio culposo no trânsito. Condenação. Apelação julgada. Writ substitutivo de recurso especial. Inviabilidade. Falta de fundamentação. Insuficiência probatória. Ausência de ilegalidade manifesta. Ordem denegada – 1. É imperiosa a necessidade de racionalização do habeas corpus, a bem de se prestigiar a lógica do sistema recursal. As hipóteses de cabimento do writ são restritas, não se admitindo que o remédio constitucional seja utilizado em substituição ao recurso cabível, vale dizer, o especial. 2. Para o enfrentamento de teses jurídicas na via restrita, imprescindível que haja ilegalidade manifesta, relativa a matéria de direito, cuja constatação seja evidente e independa de qualquer análise probatória. 3. Hipótese em que não há constrangimento ilegal a ser reconhecido, pois a sentença e o acórdão analisaram detidamente as provas dos autos, concluindo pela culpa do paciente. Afastou-se, por consequência óbvia, a alegação de responsabilidade exclusiva a vítima, não havendo que falar em omissão ou falta de fundamentação. E, na via estreita do mandamus, inviável alterar tal desfecho, eis que vedada a incursão na seara fático-probatória. 4. Habeas corpus denegado.” (STJ – HC 174.092 – (2010/0095549-0) – 6ª T. – Relª Minª Maria Thereza de Assis Moura – DJe 30.04.2012)

Homicídio qualificado – quadrilha armada – prisão preventiva – requisitos – possibilidade

Homicídio qualificado – atenuantes – reconhecimento – confissão espontânea – ocorrência “Recurso especial. Processual penal. Homicídio qualificado. Circunstâncias atenuantes não reconhecidas pelo conselho de sentença. Revisão criminal. Art. 621, inciso I, do CPP. Acórdão que aplicou a confissão espontânea. Impropriedade. Julgamento realizado anteriormente ao advento da Lei nº 11.689/2008. Norma de natureza processual. Princípio tempus regit actum. Recurso provido. 1. Conforme a anterior sistemática do julgamento pelo Tribunal do Júri, aplicável à hipótese dos autos, deve o presidente formular quesito genérico acerca da existência de circunstâncias atenuantes. Sendo negativa a resposta do Conselho de Sentença, não é possível acatar recurso defensivo para aplicar a minorante referente à confissão espontânea. 2. As regras de caráter processual têm aplicação imediata, conforme determina do art. 2º do Código de Processo Penal, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior, consagrando o princípio tempus regit actum. 3. Recurso provido.” (STJ – REsp 1.111.887/PR (2009.0031158-9) – 5ª T. – Relª Min. Laurita Vaz – DJe 29.06.2012) Comentário IOB Passamos a comentar o acórdão que trata de recurso especial interposto contra acórdão proferido na Revisão Criminal nº 0417728-2, pelo Tribunal de Justiça local, com fundamento no art. 105, inciso III, alíneas a e c, da Constituição Federal.

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“Habeas corpus. Homicídios qualificados tentados e consumados. Quadrilha armada. Prisão preventiva. Requisitos. Preenchimento. Garantia da ordem pública. Gravidade concreta do delito. Modus operandi. Periculosidade do agente. Posterior atentado contra a vida da vítima sobrevivente. Obstáculo à elucidação do fato. Segregação justificada e necessária. Condições pessoais favoráveis. Irrelevância. Coação ilegal não demonstrada. 1. Não há falar em constrangimento ilegal quando a custódia cautelar está devidamente justificada na garantia da ordem pública, em razão da gravidade concreta dos delitos em tese praticados e da periculosidade do agente, bem demonstradas pelo modus operandi empregado. 2. Infere-se da narrativa dos fatos que o paciente – policial civil – integraria, em tese, grupo de extermínio, e teria efetuado diversos disparos de arma de fogo contra um grupo de quatro jovens, por motivos relacionados ao comércio ilegal de drogas e por vingança diante do suposto envolvimento de uma das vítimas no assassinato de um dos integrantes da quadrilha dos acusados. 3. Imprescindível se mostra a decretação da prisão também para a conveniência da instrução criminal, pois consta dos autos que os agentes teriam, após sete meses do fato noticiado, tentado ceifar a vida de uma das vítimas sobreviventes, situação que dificultaria o esclarecimento dos fatos perante o juízo competente. 4. Condições pessoais favoráveis, em princípio, não têm o condão de, por si sós, garantirem a revogação da preventiva, se há nos autos elementos suficientes a demonstrar a imprescindibilidade da sua manutenção, como ocorre na hipótese. Ação penal. Alegação de excesso de prazo. Pluralidade de réus e vítimas. Expedição de cartas precatórias para oitiva de testemunhas. Ausência de desídia da autoridade judiciária. Princípio da razoabilidade. Peculiaridades do feito que justificam eventual atraso no processamento. Constrangimento não evidenciado. Ordem denegada. 1. Os prazos para a conclusão da instrução criminal não são peremptórios, podendo ser flexibilizados diante das peculiaridades do caso concreto. 2. Caso de ação penal movida contra quatro acusados, entre eles o paciente, que se desenrola dentro dos parâmetros da razoabilidade, sobretudo em razão das peculiaridades do processo, que demandou a expedição de cartas precatórias para a oitiva de testemunhas. 3. Não se constatando indícios de desídia do Estado-Juiz, que se mostra diligente no andamento do feito, em que se apura a prática de crimes de homicídio qualificado tentado e consumado contra diversas vítimas, inviável reconhecer-se o alegado excesso de prazo na formação da culpa. 4. Ordem denegada, recomendando-se, contudo, que se imprima celeridade no julgamento da ação penal deflagrada contra o paciente.” (STJ – HC 185.467 – (2010.0172031-4) – 5ª T. – Rel. Min. Jorge Mussi – DJe 22.05.2012)

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Consta dos autos que o recorrido foi condenado às penas de 1 ano de detenção, em regime semiaberto, e 14 anos de reclusão, em regime integralmente fechado, pela prática dos crimes dos arts. 121, § 2º, incisos II e IV, e 307 do Código Penal, em concurso material. O art. 621, I, do Código de Processo Penal, prevê que “a revisão dos processos findos será admitida quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos”. A defesa ajuizou revisão criminal na tentativa de reconhecer circunstância atenuante da confissão espontânea, redimensionando a pena a 13 anos e nove meses de reclusão, bem como para alterar o regime prisional para o inicialmente fechado. O Ministério Público, inconformado, interpôs recurso especial alegando que o Tribunal a quo aplicou a minorante referente à confissão de forma imprópria, uma vez que o conselho de sentença respondeu negativamente a esse quesito. Vale trazer trecho do voto da Relatora: “’Ajuizada revisão criminal, o Tribunal a quo considerou que o réu efetivamente confessou a autoria do delito, porém alegando que assim agiu em legítima defesa – tese rejeitada pelo Conselho de Sentença. Porém, considerou que a inexistência da excludente não impede a aplicação da circunstância atenuante, conforme se depreende do excerto a seguir transcrito: ‘A resposta negativa ao quesito da existência de atenuantes genéricas em favor do réu submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri, contudo, não gera preclusão quanto à matéria, nem afasta a possibilidade – e dever – do Juiz Presidente de reconhecer a confissão espontânea. Isto porque a resposta dada pelos jurados diz respeito à existência da atenuante inominada prevista e admitida no art. 66 do CP (‘A pena poderá ser ainda atenuada em razão de circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime, embora não prevista expressamente em lei’).’” Colacionamos julgados para melhor ilustrar o caso: “REVISÃO CRIMINAL – AJUIZAMENTO COM FULCRO NO ART. 621, INCISO I, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL – PRETENDIDA INVALIDAÇÃO DO PROCESSO DESDE O SEU INÍCIO – ALEGADA NULIDADE DA DECISÃO PELA QUAL FOI RECEBIDA A DENÚNCIA CONTRA O REQUERENTE – HIPÓTESE NÃO PREVISTA DENTRE AQUELAS TAXATIVAMENTE ENUMERADAS PELO REFERIDO DISPOSITIVO – INTEGRAL INSTRUÇÃO PROCESSUAL, COM A CONSEQUENTE PROLAÇÃO DA SENTENÇA – PRECLUSÃO DE EVENTUAL IRREGULARIDADE – REVISÃO NÃO CONHECIDA – Consoante assente entendimento do Superior Tribunal de Justiça, ‘1. À luz da jurisprudência dominante, não obstante alguns entendimentos contrários, é dispensável a fundamentação no despacho que recebe a denúncia, visto que tal procedimento não possui caráter decisório. Precedentes desta Corte e do Supremo Tribunal Federal. 2. Ainda que ultrapassado este fundamento, com a prolação da sentença condenatória, que abrange não só a questão da viabilidade da exordial acusatória, mas também o mérito da causa, esvazia-se a discussão acerca da necessidade ou não de fundamentação do despacho que recebe a denúncia (HC 181.031/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Quinta Turma, Julgado em 07.02.2012, DJe 01.03.2012).’ (TJPR, RvCr 0791950-0, Rel. Des. José Mauricio Pinto de Almeida, DJe 24.07.2012) (Disponível em: www.iobonlinejuridico.com.br) ‘REVISÃO CRIMINAL – ROUBO DUPLAMENTE MAJORADO – ART. 157, § 2º, I E II, DO CP – PLEITO DE APLICAÇÃO DAS ATENUANTES DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA E DA MENORIDADE – INEXISTÊNCIA DE CONFISSÃO POR PARTE DO REQUERENTE – INAPLICABILIDADE DA CIRCUNSTÂNCIA ATENUANTE – RÉU MENOR DE 21 ANOS À ÉPOCA DOS FATOS – CONFIGURADA A ATENUANTE DA MENORIDADE – ALTERAÇÃO DA DOSIMETRIA PENAL EX OFFICIO – CULPABILIDADE, ANTECEDENTES, PERSONALIDADE, MOTIVOS E CONSEQUÊNCIAS VALORADOS NEGATIVAMENTE SEM A DEVIDA FUNDAMENTAÇÃO – ERRO TÉCNICO – REVISÃO CRIMINAL PARCIALMENTE PROCEDENTE, COM A ALTERAÇÃO EX OFFICIO DA DOSIMETRIA PENAL E EXTENSÃO DOS BENEFÍCIOS AO CORRÉU – ‘A pena privativa de liberdade fixada na sentença só poderá ser alterada em sede de revisão criminal quando contenha algum erro técnico, contrariando texto expresso da lei penal ou quando, após a sentença, se descobrir nova prova de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da reprimenda, conforme disposto no art. 621, I e III, do Código de Processo Penal (RT 763/546) [...] entendo que a culpabilidade, personalidade e motivos do crime não se prestam para elevar a pena-base, uma vez que a motivação eleita pelo juiz não demonstra um diferencial na execução da conduta, mas sim compõem elementos típicos da figura penal em questão, caracterizando erro técnico.’ (TJPR, RCL 665.261-3, 5ª Câmara Criminal, Relª Desª Maria José de Toledo Marcondes Teixeira, Unânime, DJe 26.11.2010).’” (TJPR, RvCr 0821621-5, Rel. Des. Eduardo Fagundes, DJe 24.07.2012) (Disponível em: www.iobonlinejuridico.com.br) O Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso.

Homicídio qualificado – futilidade – defesa da vítima – dificuldade “Penal e processual penal. Homicídio qualificado pela futilidade e mediante meio que dificultou a defesa da vítima. Pronúncia. Inconformismo defensivo buscando a absolvição sumária com base na legítima defesa e, alternativamente, a expunção das qualificadoras. Impossibilidade. Excriminante incomprovada cabalmente. Qualificantes que não se mostram descabidas. Decisão mantida. Recurso conhecido e improvido. I – Insurgência defensiva contra decisão que pronunciou o recorrente nas tenazes do art. 121, § 2º, incisos. II e IV, do Estatuto Penal Repressivo, objetivando a absolvição sumária sob o argumento de ter agido em legítima defesa ou decote das qualificadoras. II – Inquestionáveis a materialidade e autoria delitiva. Satisfeitos, portanto, os requisitos do art. 413 do Estatuto Processual Penal. III – Inviável o pleito absolutório, quando ausente prova segura e inequívoca, de que o pronunciado tenha praticado o crime amparado na excludente da legítima defesa (art. 415, IV, do CPP), como ocorre no caso em tela. IV – As


qualificadoras devem ser mantidas, pois há sinais indicando que o móvel do homicídio foi o fato de ter a vítima proferido impropérios contra a esposa do acusado, chamando-a de ‘bonita e gostosa’. Em tese, há desproporção entre a causa e o resultado, o que, prima facie, retrata a futilidade. No mais, colhe-se que a vítima, desarmada, foi surpreendida pela atitude do agente que efetuou dois disparos, à queima roupa, na região frontal, dificultando uma reação defensiva. Decisão ratificada. Irresignação conhecida e desprovida.” (TJCE – RSE 0012080-71.2011.8.06.0000 – Rel. Francisco Pedrosa Teixeira – DJe 19.07.2012)

Homicídio qualificado – porte de droga – uso próprio – pequena quantidade – princípio da insignificância – impossibilidade “Habeas corpus. Porte de droga para uso próprio. Art. 28 da Lei nº 11.343/2006. Pequena quantidade. Fato típico. Princípio da insignificância. Inaplicabilidade. Acórdão mantido. Sentença cassada. Ordem denegada. I – O princípio da insignificância não se aplica à hipótese do porte de droga para uso próprio, que se trata de delito formal e de perigo abstrato, pois visa a tutelar a saúde pública e a coletividade. II – Ainda que a quantidade portada pelo usuário seja pequena, ocorre a consumação da conduta prevista no art. 28 da Lei nº 11.343/2006 se a substância portada for ilícita, não autorizada ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. III – Presentes os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, a denúncia deve ser recebida. IV – Ordem denegada.” (TJDFT – HC 20120020139157 – (603474) – Rel. Des. Nilsoni de Freitas – DJe 18.07.2012)

Homicídio culposo - suposta negligência médica - ação penal - trancamento - possibilidade “Habeas corpus. Homicídio culposo. Negligência médica. Trancamento da ação penal. Alegação de ausência de nexo causal entre a conduta supostamente negligente e o resultado morte da vítima. Conclusão que, pelos elementos trazidos aos autos, não pode ser inferida prontamente. Pedido que imprescinde de incursão na seara fático-probatória. Impossibilidade na via estreita eleita. Habeas corpus denegado. 1. Se na denúncia oferecida pelo parquet há narrativa crível de que a conduta negligente do profissional de saúde – que não teria receitado o tratamento correto no caso – deu azo ao resultado morte da ofendida, não ocorre a ausência de justa causa. Tal fato, por isso, deve ser devidamente avaliado pelas instâncias ordinárias, respeitados o contraditório e a ampla defesa. 2. Apurar o nexo de causalidade entre a conduta negligente e o resultado morte imprescinde de exame fático probatório, o que não se mostra possível na via estreita eleita. 3. Habeas corpus denegado.” (STJ – HC 161.679/MS – (2010.0021506-7) – 5ª T. – Relª Min. Laurita Vaz – DJe 23.05.2012)

“Habeas corpus. Homicídio triplamente qualificado. Aborto provocado por terceiro. Ameaça. Cárcere privado. Prisão preventiva. Fundamentação calcada em elementos concretos. Ocorrência. Requisitos do art. 312 do CPP. Preenchimento. Pronúncia. Réu preso. Ausência de fato novo. Excesso de prazo. Processo complexo. Pluralidade de réus. Necessidade de expedição de precatórias. Súmula nº 21/STJ. Condições pessoais favoráveis. Irrelevância. Constrangimento ilegal não evidenciado. 1. A prisão preventiva do paciente está devidamente fundamentada, com a indicação de elementos concretos no tocante à garantia da ordem pública, à conveniência da instrução criminal e à aplicação da lei penal, evidenciadas pelo modus operandi dos delitos, pelo emprego de veneno contra a vítima gestante e o nascituro, pelo intenso sofrimento e agonia suportados por ambos antes de falecerem, além de se apontar a existência de ameaças às vítimas e testemunhas e o emprego de fuga. 2. As instâncias ordinárias, quando proferida a pronúncia, concluíram persistir os motivos que ensejaram a decretação da prisão preventiva do paciente, os quais se apoiaram em elementos concretos contidos nos autos, além de ressaltar que o paciente aguardou preso a conclusão do procedimento criminal, inexistindo, ademais, fatos novos capazes de promover a sua soltura após a segregação preventiva. 3. A ação penal tramita regularmente, tratando-se de processo complexo, em que se apura a prática de quatro delitos, com pluralidade de réus e necessidade de expedição de cartas precatórias, não havendo óbice para a incidência da Súmula nº 21/STJ. 4. Condições pessoais favoráveis não possuem o condão de, por si sós, conduzirem à revogação da prisão preventiva quando houver elementos concretos nos autos que autorizam a manutenção da medida extrema. 5. Ordem denegada.” (STJ – HC 235005/MT – (2012.0043531-5) – 6ª T. – Rel. Min. Sebastião Reis Junior – DJe 20.06.2012)

Homicídio qualificado – conflito indígena – acareação – indeferimento “Penal e processual penal. Apelação criminal. Conflito indígena. Homicídio qualificado. Art. 121, § 2º, do Código Penal. Julgamento pelo Tribunal do Júri. Ofensa ao art. 479 do CPP. Não ocorrência. Indeferimento de acareação. Ausência de prejuízo à defesa. Preliminares de nulidade do julgamento. Rejeição. Decisão contrária à prova dos autos. Não ocorrência. Valor mínimo da indenização a título de reparação de danos. Art. 387, IV, do CPP. Não vinculação às condições econômicas do ofensor. Dosimetria da pena. Reconhecimento de duas qualificadoras. Incidência de uma como agravante. Emboscada. Art. 61, II, c, do Código Penal. Aumento da pena. Art. 121, § 2º, II e IV, do Código Penal. Tentativa de homicídio. Causa de diminuição genérica. Art. 14, II, do Código Penal. Redução da reprimenda. Apelação dos acusados parcialmente provida. Apelação do Ministério Público Federal provida. 1. Apelações criminais contra decisão do Conselho de Sentença proferida no Tribunal do Júri, que resultou na condenação dos acusados nas penas previstas no art. 121, § 2º, incisos II e IV, c/c o art. 14, inciso II, ambos do Código Penal. 2. Hipótese em que o delito de homicídio objeto da ação penal tem como pano de fundo contexto de antiga desavença entre grupos indígenas rivais da mesma etnia, integrantes da Tribo Xucurú-Kariri, tendo sido motivado por disputas de

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Homicídio triplamente qualificado – aborto provocado por terceiro – ameaça – prisão preventiva – requisitos

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poder dentro da tribo. 3. Rejeição da preliminar de nulidade do julgamento por ofensa ao art. 479 do Código de Processo Penal, uma vez que o documento lido em plenário pela acusação constava de incidente de antecipação do depoimento da testemunha instaurado pelo Ministério Público Federal no ano anterior, ao qual a defesa teve pleno acesso por diversas ocasiões. 4. O pleito de acareação de testemunha de acusação foi indeferido pelo Juízo em face da sua desnecessidade, uma vez que os jurados se deram por satisfeitos com as declarações iniciais prestadas em plenário pela testemunha. Além disso, não consta dos autos que o depoimento se mostrou conflitante a ponto de merecer esclarecimento de divergências em busca da apuração da verdade real, sendo insubsistente a alegação de nulidade do julgamento em virtude da dispensa da testemunha logo após a sua oitiva no Tribunal do Júri. 5. A materialidade dos crimes de homicídio consumado e tentado ficou provada nos autos, especialmente pelos laudos periciais realizados pelo Instituto de Criminalística de Alagoas e pelo departamento de Polícia Federal. 6. A autoria delitiva ficou comprovada pela palavra da vítima da tentativa de homicídio, que revelou os detalhes do crime e reconheceu os acusados como sendo os responsáveis pelos crimes de homicídio consumado e tentado, ademais de a testemunha de acusação ter revelado que ouviu dos familiares dos acusados as informações de como o crime foi praticado, ratificando a imputação de autoria feita pela vítima sobrevivente do crime de homicídio. 7. O art. 387, IV, do Código de Processo Penal, em sua redação dada pela Lei nº 11.719/2008, prevê que o juiz pode fixar um valor mínimo a título de reparação dos danos causados pelos infratores, deixando ao arbítrio do Magistrado a fixação do respectivo valor, o qual independe das condições econômicas de quem vai ser condenado a pagar a indenização. 8. Considerando as circunstâncias judiciais previstas no caput do art. 59 do Código Penal, apenas as circunstâncias do crime devem ser consideradas como desfavoráveis aos acusados, devendo a pena-base para os crimes de homicídio consumado e tentado ser dosada em 13 (treze) anos de reclusão. 9. Havendo duas qualificadoras, uma delas deve ser levada em consideração como agravante (emboscada – art. 61, II, c, do CP), enquanto a outra (motivo fútil – art. 121, § 2º, IV, do CP), elevando a sanção, a primeira, em mais 6 (seis) meses e, a segunda, em mais 1 (um) ano, resulta na pena de 14 (quatorze) anos e 6 (seis) meses, para cada um dos acusados, a qual é reduzida para a metade, em relação à tentativa de homicídio, devido ao reconhecimento da causa genérica de diminuição prevista no art. 14, II, do CP. 10. Sendo a hipótese de concurso material de delitos (art. 69 do CP), a pena privativa de liberdade para ambos os acusados resulta em 21 (vinte e um) anos e 9 (nove) meses de reclusão, a ser inicialmente cumprida em regime fechado. 11. Apelação do Ministério Público Federal provida, para reduzir o quantum da pena privativa de liberdade aplicada a ambos os acusados e dos acusados parcialmente provida, para o mesmo fim.” (TRF 5ª R. – ACR 2008.80.01.000695-7 – (9065/AL) – 2ª T. – Rel. Des. Fed. Francisco Barros Dias – DJe 17.08.2012)

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Homicídio qualificado – condução de veículo automotor – dolo eventual – exclusão – possibilidade

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“Habeas corpus. Penal. Crime de homicídio qualificado. Condução de veículo automotor, sob a influência de álcool. Inépcia da denúncia. Trancamento da ação penal. Falta de justa causa não evidenciada de plano. Exclusão do dolo eventual. Necessidade de acurada análise do conjunto fático-probatório. Inviabilidade. Habeas corpus denegado. 1. A existência de eventual erro na tipificação da conduta pelo Órgão Ministerial não torna inepta a denúncia e, menos ainda, é causa de trancamento da ação penal, pois o acusado se defende do fato delituoso narrado na exordial acusatória e, não, da capitulação legal dela constante. 2. O trancamento da ação penal pela via de habeas corpus é medida de exceção, que só é admissível quando emerge dos autos, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto fático ou probatório, que há imputação de fato penalmente atípico, a inexistência de qualquer elemento indiciário demonstrativo de autoria do delito ou, ainda, a extinção da punibilidade. 3. As circunstâncias descritas na inicial acusatória podem caracterizar o dolo eventual, já que o agente teria assumido o risco de produzir o resultado morte, com ele consentindo ao ceder a direção de veículo automotor à suposta vítima, a qual, também alcoolizada, provocou o acidente automotivo que resultou em seu óbito. 4. Assim, mostra-se inviável, na estreita via do habeas corpus, examinar o conjunto fático-probatório dos autos para avaliar se o elemento subjetivo caracterizador do dolo eventual estaria presente na conduta do agente, sobretudo quando o feito ainda está na fase do judicium accusationis, como na espécie. A análise sobre o elemento volitivo do agente deve ser feita primeiramente pelo juiz de direito de primeiro grau, com base nas provas a serem amealhadas sob o crivo do contraditório. 5. Ordem de habeas corpus denegada.” (STJ – HC 196.292/PE – (2011.0023113-8) – 5ª T. – Relª Min. Laurita Vaz – DJe 27.08.2012)

Homicídio culposo – prescrição retroativa – reconhecimento “Responsabilidade civil. Condenação do agente estatal na esfera penal pela prática de homicídio culposo, com posterior reconhecimento da prescrição retroativa (art. 110, § 1º do Código Penal). Prazo prescricional da ação civil que começa a fluir a partir do trânsito em julgado da sentença criminal e não da data do ato ilícito. Precedentes do STJ. Prejudicial afastada. ‘O prazo prescricional da ação de indenização proposta contra pessoa jurídica de direito público é de cinco anos (art. 1º do Decreto nº 20.910/1932). O termo inicial do qüinqüênio, na hipótese ajuizamento de ação penal, será o trânsito em julgado da sentença nesta ação, e não a data do evento danoso, já que seu resultado poderá interferir na reparação civil do dano, caso constatada a inexistência do fato ou a negativa de sua autoria. É curial observar que se mostra indiferente a circunstância de que a sentença criminal transitada em julgado seja condenatória ou absolutória, para fins de contagem do prazo. Não faria o menor sentido defender que, após o curso da ação penal, se a conclusão for pela absolvição do servidor público, não seria esse o termo a quo do lapso qüinqüenal’ (REsp 442.285/RS, 2ª T., Rel. Min. Franciulli Netto, p. 04.08.2003). Efeitos extrapenais da sentença proferida no processo criminal (art. 63 e 67, II, do CPP). Dever de indenizar configurado. Adequação do valor do ressarcimento, com diferença entre a condição dos pais e dos irmãos da vítima. Não é singela a tarefa de arbitrar o valor do dano moral e isso se maximiza quando o ato ilícito causa a morte


de um parente. Havendo litisconsórcio ativo entre os pais e os irmãos da vítima fatal e se no curso do processo não foi produzida prova que definisse os níveis de afetividade existentes no âmbito da família, é razoável que a verba devida aos genitores seja de patamar mais elevado que a dos irmãos, porque sua dor é incomparável e provavelmente seja o maior sofrimento que um ser humano possa experimentar. Juros de mora a contar do ato ilícito (Súmula nº 54). Incidência da Lei nº 11.960/2009. Adequação de ofício. Provimento parcial da apelação e do reexame necessário.” (TJSC – AC 2010.046056-8 – Rel. Des. Subst. Paulo Henrique Moritz Martins da Silva – DJe 04.10.2012)

Homicídio consumado – protesto por novo júri – anterior à vigência da nova lei – impossibilidade “Recurso especial. Penal e processual penal. Crimes de homicídio consumado e homicídio na forma tentada. Pleito de reconhecimento de continuidade delitiva. Requisitos objetivos e subjetivos. Inexistência de unidade de desígnios. protesto por novo júri. Julgamento anterior à vigência da Lei nº 11.689/2008. Concurso de crimes. Condenações inferiores a vinte anos. Descabimento do recurso. Progressão de regime. Tese abordada sem a particularização da norma violada. Súmula nº 284 do STF. Fixação de regime prisional integralmente fechado. Ilegalidade flagrante. Apreciação de ofício. Recurso parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido. Habeas corpus concedido de ofício. 1. Segundo a consolidada orientação desta Corte, para o reconhecimento da continuidade delitiva entre delitos é necessário o cumprimento de requisitos de ordem objetiva – mais de uma ação ou omissão, crimes da mesma espécie e mesmas condições de tempo, lugar e maneira de execução – e subjetiva – unidade de desígnios. 2. Na hipótese dos autos, a recorrente tentou ceifar a vida dos pais para obter os bens de ambos, em proveito à condição de filha única. Assim, a investida contra a vida dos pais era motivada, em sua essência, por um propósito individual, autônomo, de alcançar a parte dos bens que, isoladamente, vinculava cada um deles. Nesse contexto, sendo notória a inexistência de unidade de desígnios, mostra-se incabível o reconhecimento da continuidade delitiva. 3. O fato de a lei nova ter suprimido o recurso de protesto por novo júri não afasta o direito à recorribilidade subsistente pela lei anterior, quando o julgamento ocorreu antes da entrada em vigor da Lei nº 11.689/2008 que, em seu art. 4º, revogou expressamente o Capítulo IV do Título II do Livro III do Código de Processo Penal, extinguindo o protesto por novo júri. Incidência do princípio tempus regit actum. 4. Ainda que, na espécie, o julgamento tenha ocorrido antes da vigência da Lei nº 11.689/2008, as penas relacionadas aos crimes cometidos, isoladas, são inferiores a 20 anos, razão pela qual a sentenciada não faz jus ao protesto pelo novo júri. 5. O pedido relacionado à possibilidade de progressão de regime prisional não ultrapassa o juízo de admissibilidade, pois não foi indicado o dispositivo de lei federal eventualmente malferido ou cuja vigência tenha sido negada, o que atrai, por analogia, a incidência da Súmula nº 284 do Supremo Tribunal Federal. 6. Contudo, é flagrante o constrangimento ilegal pelo qual passa a recorrente, pois mantida pela Corte de origem a fixação do regime prisional integralmente fechado firmado na sentença condenatória. 7. O Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/1990 e, posteriormente, com a edição da Lei nº 11.464/2007, foi afastado em definitivo do ordenamento jurídico o regime integralmente fechado, antes imposto aos condenados por crimes hediondos, assegurando-lhes a progressividade do regime prisional. 8. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido. Habeas corpus concedido de ofício, para afastar a imposição do regime integralmente fechado à recorrente.” (STJ – REsp 1.046.429 (2008.0074443-7) – 5ª T. – Relª Min. Laurita Vaz – DJe 17.10.2012)

“Habeas corpus. Penal e processual penal. Crimes de homicídio triplamente qualificado, roubo qualificado e sequestro. Pedido genérico de readequação da pena. Impossibilidade na via estreita do writ. Ordem denegada. 1. Não há constrangimento ilegal a ser sanado na via do habeas corpus, estranha ao reexame da individualização da sanção penal, quando a fixação da pena, de forma fundamentada e proporcional, justifica-se em circunstâncias judiciais desfavoráveis corretamente aferidas com percuciente análise do caso concreto. 2. Verifica-se, do texto da impetração, que o impetrante/paciente não apontou os motivos pelos quais a dosimetria da pena careceria de correção. Ante o caráter genérico do presente mandamus, que simplesmente pede a diminuição da pena, sem impugnar os pontos específicos eivados de nulidade e, considerando inexistir ilegalidade patente na dosimetria da sanção, é vedado, na estreita via do habeas corpus, proceder ao amplo reexame dos critérios considerados para a sua fixação, por demandar análise de matéria fático-probatória. 3. Habeas corpus denegado.” (STJ – HC 183.304 – (2010/0157302-1) – 5ª T. – Relª Min. Laurita Vaz – DJe 17.10.2012)

Homicídio qualificado – meio cruel – prisão – medidas cautelares – substituição – impossibilidade “Habeas corpus. Homicídio qualificado pelo meio cruel e recurso que impossibilitou a defesa da vítima. Prisão preventiva. Ausência de fundamentação. Substituição por medidas cautelares. 1. Não se cogita de falta de fundamentação se a custódia cautelar foi efetuada nos limites da lei e o julgador de origem, com base no art. 312 do CPP, demonstra, ainda que de maneira resumida, a necessidade da prisão preventiva para a aplicação da lei penal, ante o risco concreto de fuga, e para garantia da ordem pública, tendo em vista a periculosidade do agente e a repercussão social do crime na comunidade local. 2. Vislumbrando-se que nenhuma das medidas descritas no art. 319 do CPP é suficiente e adequada para assegurar a aplicação da lei penal e resguardar efetivamente a ordem pública, tendo em vista o risco de fuga, bem como a gravidade do crime, somada a repercussão social e a periculosidade do agente, não há que falar em substituição da constrição por medidas menos gravosas. 3. Ordem conhecida e denegada.” (TJGO – HC 201293162043 – 1ª C.Crim. – Rel. Des. J. Paganucci Jr. – DJe 28.11.2012)

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Homicídio triplamente qualificado – roubo e sequestro – pena – readequação

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Jurisprudência Comentada

Processual Civil e Administrativo. Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial. Sindicato. Falta de Prequestionamento. Súmula nº 282/STF. Registro no Ministério do Trabalho. Obrigatoriedade. Unicidade Sindical

filiados, em homenagem ao princípio da unicidade sindical, sob pena de extinção do feito, por ilegitimidade, nos termos do art. 267, VI, do CPC. 3. Precedentes: AgRg-EDcl-REsp 511828/MG, Sexta Turma, Rel. Min. Celso Limongi (Desembargador Convocado do TJSP), DJe 25.10.2010; RMS 31070/DF, Segunda Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJe 23.04.2010; RSTJ, v. 219, p. 153; AgRg-Ag 1175547/PR, Segunda Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 09.10.2009. 4. Agravo regimental não provido. (AgRg-AREsp 35101/DF, 2011/0189452-1, 2ª T., Rel. Min. Mauro Campbell Marques (1141), Data do Julgamento 03.11.2011, Data da Publicação/Fonte DJe 11.11.2011)

Comentário É pacífico o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no sentido de ser obrigatório o registro do sindicato no Ministério do Trabalho (MTE) para que possa atuar em juízo na defesa de seus filiados. Caso assim não proceda, entende a Corte Superior de Justiça que deve o processo ser extinto sem resolução de mérito por ausência de legitimidade. Segundo o inciso I do art. 8º da Constituição Federal de 1988:

HÉLIO RIOS FERREIRA

Procurador do Estado do Amapá e Advogado, Especialista em Direito Público.

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – SINDICATO – FALTA DE PREQUESTIONAMENTO – SÚMULA Nº 282/STF – REGISTRO NO MINISTÉRIO DO TRABALHO – OBRIGATORIEDADE – UNICIDADE SINDICAL – 1. Incide a Súmula nº 282/STF caso o dispositivo legal supostamente violado não tenha sido enfrentado no aresto recorrido. 2. Esta Corte Superior perfilha entendimento no sentido da obrigatoriedade do registro do Sindicato no Ministério do Trabalho para que possa atuar em juízo na defesa de seus

Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: I – a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical; [...].

Existe, segundo a regra constitucional, necessidade de registro no órgão competente, que, segundo a jurisprudência do STF, cristalizada na Súmula nº 677, trata-se do depósito do estatuto sindical no Ministério do Trabalho e Emprego, após o prévio registro no cartório.


677 – Até que lei venha a dispor a respeito, incumbe ao Ministério do Trabalho proceder ao registro das entidades sindicais e zelar pela observância do princípio da unicidade.

Segundo doutrina especializada no assunto, o registro no Ministério do Trabalho é exigido porque só ele é possuidor de informações sobre a existência ou não, na mesma área territorial, de sindicato representativo da mesma categoria (SAAD, Eduardo Gabriel. Constituição e direito do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 1989. p. 179) A Portaria MTE nº 186, de 10 de abril de 2008, que dispõe sobre o pedido de registro sindical dirigido ao Ministro de Estado do Trabalho e Emprego, prevê regras a serem observadas pelos sindicatos no momento de se registrarem. Com isso, além da jurisprudência defender essa prática de intervenção na organização sindical, a Administração Pública disciplina os procedimentos administrativos para solicitação de registro. Se a discussão é pacífica na jurisprudência, qual é o sentido do comentário dessa decisão? Acontece que, recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF), por meio de sua Primeira Turma, proferiu decisão no sentido de ser desnecessária a exigência de registro de sindicato no TEM para que o sindicato possua legitimidade para representar seus associados. É o que se observa na transcrição do Informativo de Jurisprudência Semanal nº 638, disponibilizado no site www. stf.jus.br: Legitimidade de sindicato e novo regime jurídico Sindicato registrado em cartório de pessoas jurídicas possui personalidade jurídica, independentemente de registro no Ministério do Trabalho, motivo por que é parte legítima para atuar na defesa dos integrantes

da categoria. Com esse entendimento, a 1ª Turma desproveu recurso extraordinário interposto pelo Estado de Mato Grosso do Sul. Na situação dos autos, discutia-se, em preliminar, a legitimidade para propositura de ação coletiva pelo Sindicato dos Servidores Administrativos Fazendários da Secretaria de Estado de Fazenda, sem registro nos órgãos do referido Ministério. No mérito, alegava a inexistência de direito à imutabilidade de situação remuneratória dos servidores em face de regime jurídico superveniente. Além disso, questionava o novo contexto remuneratório dos servidores advogados. Inicialmente, ressaltou-se que o referido registro no cartório encontrar-se-ia em consonância com o disposto no art. 8º, I e II, da CF (“Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: I – a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical; II – é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um Município”). Em seguida, assentou-se que as premissas fáticas do acórdão recorrido seriam inafastáveis, porquanto se teria o reconhecimento de vantagem pessoal, presente o decesso remuneratório com a implantação do novel regime jurídico. Por fim, no que concerne à gratificação pelo exercício de atividade jurídica, salientou-se que o acórdão não ensejaria reforma, pois o próprio Tribunal ponderara que a legislação instituidora do regime adversado previra ressalva, de sorte a assegurar aos servidores advogados a continuidade da percepção de sua parcela. (RE 370834/MS, Rel. Min. Marco Aurélio, 30.08.2011)

Essa decisão vai de encontro com a pacífica jurisprudência do STJ, mas vale lembrar que é de uma das Turmas do STF, logo, ainda não se pode afirmar (sem sombra de dúvidas) que o sindicato é legítimo para representar seus associados o sindicato sem registro no MTE. Aguardem o posicionamento do Plenário do STF sobre o assunto, mas, desde já, fica o alerta sobre a possibilidade de modificação de jurisprudência sobre a matéria tratada acima.

Outubro/2013 – Ed. 199

Vejam:

80


Medidas Provisórias

Medida Provisória nº 625, de 02.09.2013 Abre crédito extraordinário, em favor do Ministério de Minas e Energia, no valor de R$ 60.000.000,00, para o fim que especifica. DOU de 03.09.2013


2.186-16, DE 23.08.2001

Patrimônio Genético. Diversidade Biológica Previdência Social. Alteração na Legislação

2 .156-5, DE 24.08.2001

Agência de Desenvolvimento do Nordeste – Adene

2.187-13, DE 24.08.2001

2.157-5, DE 24.08.2001

Agência de Desenvolvimento da Amazônia – ADA

2.189-49, DE 23.08.2001

IR. Alteração na Legislação

2.158-35, DE 24.08.2001

Cofins, PIS/Pasep e IR. Alteração na Legislação

2.190-34, DE 23.08.2001

Vigilância Sanitária. Alteração da Lei nº 9.782/1999

2.159-70, DE 24.08.2001

IR. Alteração na Legislação

2.192-70, DE 24.08.2001

Proes. Bancos Estaduais

2.161-35, DE 23.08.2001

Programa Nacional de Desestatização. Alteração da Lei nº 9.491/1997

2.196-3, DE 24.08.2001

Instituições Financeiras Federais. Recuperação. Empresa Gestora de Ativos – Emgea

2.162-72, DE 23.08.2001

Notas do Tesouro Nacional – NTN

2.197-43, DE 24.08.2001

SFH. Disposições

2.163-41, DE 23.08.2001

Meio Ambiente. Alteração da Lei nº 9.605/1998

2.198-5, DE 24.08.2001

Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica

2.164-41, DE 24.08.2001

Alteração da CLT. Trabalho a Tempo Parcial e PAT

2.199-14, DE 24.08.2001

IR. Incentivos Fiscais

2.165-36, DE 23.08.2001

Servidor Público e Militar. Auxílio-Transporte

2.200-2, DE 24.08.2001

Infraestrutura de Chaves Públicas. ICP-Brasil

2.166-67, DE 24.08.2001

Código Florestal. Alteração da Lei nº 4.771/1965

2.206-1, DE 06.09.2001

Programa Nacional de Renda Mínima

2.167-53, DE 23.08.2001

Recebimento de Valores Mobiliários pela União

2.208, DE 17.08.2001

Estudante Menor de 18 Anos. Comprovação

2.168-40, DE 24.08.2001

Cooperativas. Recoop. Sescoop

2.209, DE 29.08.2001

Comercializadora Brasileira de Energia Elétrica  – CBEE

2.169-43, DE 24.08.2001

Servidor Público. Vantagem de 28,86%

2.210, DE 29.08.2001

Orçamento. Crédito Extraordinário

2.170-36, DE 23.08.2001

Tesouro Nacional. Administração de Recursos

2.211, DE 29.08.2001

Orçamento 2001 e 2002. Diretrizes

2.172-32, DE 23.08.2001

Usura. Agiotagem

2.213-1, DE 30.08.2001

Programa Bolsa-Renda. Estiagem

2.173-24, DE 23.08.2001

Anuidades Escolares

2.214, DE 31.08.2001

Administração Pública Federal. Recursos

2.174-28, DE 24.08.2001

União. Programa de Desligamento Voluntário – PDV

2.215-10, DE 31.08.2001

Militares das Forças Armadas. Reestruturação da Remuneração

2.177-44, DE 24.08.2001

Planos de Saúde. Alteração da Lei nº 9.656/1998

2.220, DE 04.09.2001

Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano – CNDU

2.178-36, DE 24.08.2001

Programa Nacional de Alimentação Escolar. Dinheiro Direto na Escola

2.224, DE 04.09.2001

Capitais Brasileiros no Exterior

2.225-45, DE 04.09.2001

Servidor Público. Tráfico de Entorpecentes. Alteração das Leis nºs 6.368/1976 e 8.112/1990

2.179-36, DE 24.08.2001

União e Banco Central. Relações Financeiras

2.180-35, DE 24.08.2001

Advocacia-Geral da União. Alteração na Legislação

2.226, DE 04.09.2001

Alteração da CLT

2.181-45, DE 24.08.2001

Operações Financeiras do Tesouro Nacional

2.227, DE 04.09.2001

Plano Real. Correção Monetária. Exceção

2.183-56, DE 24.08.2001

Reforma Agrária. Alteração na Legislação

2.228-1, DE 06.09.2001

2.184-23, DE 24.08.2001

Carreira Policial. Gratificação

Cultura. Política Nacional do Cinema – Ancine. Prodecine. Funcines

2.185-35, DE 24.08.2001

Dívida Pública Mobiliária. Consolidação. Assunção. Refinanciamento

2.229-43, DE 06.09.2001

Policiais Civis da União e DF. Alteração na legislação

Normas do Juris SÍNTESE atingidas pelas Medidas Provisórias em vigor (até 30.09.2013) Nota: Prezado assinante, todas as normas selecionadas, inclusive as medidas provisórias, podem ser consultadas em nosso endereço eletrônico www.sintese.com.

MP

DOU

ART

NORMA LEGAL

ALTERAÇÃO

MP

DOU

ART

NORMA LEGAL

ALTERAÇÃO

618

06.06.2013

Lei nº 10.552/02

619

07.06.2013

Lei nº 8.213/91

11, 17 e 71-A

618

06.06.2013

MP 2.196-3/01

619

07.06.2013

Lei nº 12.512/11

18

618

06.06.2013

Lei nº 12.761/12

10

619

07.06.2013

12

Lei nº 8.666/93

24

619

07.06.2013

Lei nº 8.212/91

12

619

07.06.2013

13

DL 167/67

61

Outubro/2013 – Ed. 199

Nota: Prezado assinante, todas as normas selecionadas, inclusive medidas provisórias, podem ser consultadas em nosso endereço eletrônico www.sintese.com.

82


Outubro/2013 – Ed. 199

83

MP

DOU

ART

NORMA LEGAL

ALTERAÇÃO

MP

DOU

ART

NORMA LEGAL

ALTERAÇÃO

619

07.06.2013

14

Lei nº 10.406/02

1.439

2.161-35

24.08.2001

1º e 6º

Lei nº 9.491/97

2º, 4º, 5º, 6º e 30

619

07.06.2013

15

Lei nº 12.096/09

2.162-72

24.08.2001

Lei nº 9.094/95

619

07.06.2013

17

Lei nº 8.213/91

17

2.163-41

24.08.2001

Lei nº 9.605/98

79-A

620

12.06.2013 – extra 1º

Lei nº 12.793/13

2.164-41

27.08.2001

7º e 8º

Lei nº 7.998/90

620

12.06.2013 – extra 4º

Lei nº 12.741/12

2º, 2º-A, 2º-B, 3º-A, 7º-A, 8º-A, 8º-B e 8º-C

620

12.06.2013 – extra 5º

Lei nº 12.761/12

2.164-41

27.08.2001

1º e 2º

CLT

58-A, 59, 130-A, 143, 476-A, 627-A, 643 e 652

621

09.07.2013

Lei nº 8.745/93

2º e 4º

2.164-41

27.08.2001

Lei nº 4.923/65

623

19.07.2013 – extra 1º

Lei nº 12.844/13

2.164-41

27.08.2001

Lei nº 5.889/73

18

2.156-5

27.08.2001

32

DL 1.376/74

1º e 11

2.164-41

27.08.2001

Lei nº 6.321/76

2.156-5

27.08.2001

32

DL 2.397/87

12

2.164-41

27.08.2001

Lei nº 6.494/77

2.156-5

27.08.2001

32

Lei nº 8.034/90

2.164-41

27.08.2001

Lei nº 8.036/90

19-A, 20, 29-C e 29-D

2.156-5

27.08.2001

32

Lei nº 9.532/97

2.164-41

27.08.2001

10

Lei nº 9.601/98

2.157-5

27.08.2001

32

DL 1.376/74

2.165-36

24.08.2001

13

Lei nº 7.418/85

2.158-35

27.08.2001

2º e 93

Lei nº 9.718/98

3º e 8º

2.165-36

24.08.2001

13

Lei nº 8.627/93

2.158-35

27.08.2001

3º e 93

Lei nº 9.701/98

2.166-67

25.08.2001-extra

Lei nº 4.771/65

2.158-35

27.08.2001

10 e 93

Lei nº 9.779/99

14 e 17

1º, 3º-A, 4º, 14, 16, 37-A, 44, 44-A, 44-B e 44-C

2.158-35

27.08.2001

19 e 93

Lei nº 9.715/98

2º e 4º

2.166-67

25.08.2001

Lei nº 9.393/96

10

2.158-35

27.08.2001

34 e 75

Lei nº 9.532/97

1º e 64-A

2.167-53

24.08.2001

2º e 3º

Lei nº 9.619/98

1º e 4º-A

2.158-35

27.08.2001

64

D nº 70.235/72

1º, 25 e 64-A

2.168-40

27.08.2001

13

Lei nº 5.764/71

88

2.158-35

27.08.2001

69

DL 1.455/76

1º, 9º, 10, 16, 18, 19 e 64-A

2.168-40

27.08.2001

14

Lei nº 9.138/95

27.08.2001

18

Lei nº 10.186/01

26

2.158-35

27.08.2001

70

Lei nº 9.430/96

63

2.168-40

2.158-35

27.08.2001

72

Lei nº 8.218/91

11 e 12

2.170-36

24.08.2001

Lei nº 8.212/91

60

2.158-35

27.08.2001

73

Lei nº 9.317/96

1º e 64-A

2.172-32

24.08.2001

Lei nº 1.521/51

4º, § 3º

2.158-35

27.08.2001

73 e 93

Lei nº 9.317/96

9º e 15

2.173-24

24.08.2001

1º e 2º

Lei nº 9.870/99

1º e 6º

2.158-35

27.08.2001

75

Lei nº 9.532/97

1º, 15 e 64-A

2.177-44

27.08.2001

1º e 8º

Lei nº 9.656/98

2.158-35

27.08.2001

82

Lei nº 8.981/95

29

2.158-35

27.08.2001

93

Lei nº 9.432/97

11

2.158-35

27.08.2001

93

LC 70/91

6º e 7º

1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 24-A, 24-B, 24-C, 24-D, 25, 26, 27, 28, 29, 29-A, 30, 31, 32, 34, 35, 35-A, 35-B, 35-C, 35-D, 35-E, 35-F, 35-G, 35-H e 35-I

2.158-35

27.08.2001

93

LC 85/96

Revogada

2.178-36

25.08.2001-extra

16

Lei nº 9.533/97

2.158-35

27.08.2001

93

Lei nº 7.714/88

2.178-36

25.08.2001-extra

32

Lei nº 8.913/97

Revogada

2.158-35

27.08.2001

93

Lei nº 9.004/95

Revogada

2.180-35

27.08.2001

Lei nº 8.437/92

1º e 4º

2.158-35

27.08.2001

93

Lei nº 9.493/97

2.180-35

27.08.2001

Lei nº 9.494/97

1º-A, 1º-B (CPC e CLT), 1º-C, 1º-D, 1ºE, 1º-F, 2º-A e 2º-B


DOU

ART

NORMA LEGAL

ALTERAÇÃO

MP

DOU

ART

NORMA LEGAL

ALTERAÇÃO

2.180-35

27.08.2001

Lei nº 7.347/85

1º e 2º

2.197-43

27.08.2001

4º e 8º

Lei nº 4.380/64

9º, 14 e 18

2.180-35

27.08.2001

Lei nº 8.429/92

17

2.197-43

27.08.2001

Lei nº 8.036/90

9º, 20, 23, 29-A e 29-B

2.180-35

27.08.2001

Lei nº 9.704/98

2.199-14

27.08.2001

18

Lei nº 9.532/97

2.180-35

27.08.2001

10

CPC

741

2.211

30.08.2001

Lei nº 9.995/00

35 e 70

2.180-35

27.08.2001

14

Lei nº 4.348/64

2.211

30.08.2001

Lei nº 10.266/01

18, 34, 38 e 51

2.180-35

27.08.2001

21

Lei nº 10.257/01

53

2.214

01.09.2001-extra

Lei nº 10.261/01

2.181-45

27.08.2001

45

Lei nº 8.177/91

18

2.215-10

01.09.2001

41

Lei nº 8.448/92

2.181-45

27.08.2001

46

Lei nº 9.365/96

2.215-10

01.09.2001

41

Lei nº 8.460/92

2.181-45

27.08.2001

52

Lei nº 10.150/00

2º, 20, 25, 26 e 27, 5º, 7º-A, 13, 14, 14-A, 23, 24, 27, 28, 30, 32, 34-A, 38, 44, 51-A e 61-A

2.183-56

27.08.2001

DL 3.365/41

10, 15-A, 15-B e 27

2.217-3

05.09.2001

Lei nº 10.233/01

2.183-56

27.08.2001

Lei nº 8.177/91

2.183-56

27.08.2001

Lei nº 8.629/93

2º, 2º-A, 5º, 6º, 7º, 11, 12, 17, 18 e 26-A

74, 77, 78-A, 78-B, 78-C, 78-D, 78-E, 78-F, 78-G, 78-H, 78-I 78-J, 82, 83, 84, 85-A, 85-B, 85-C, 85-D, 86, 88, 89, 100, 102-A, 103-A, 103-B, 103-C, 103-D, 113-A, 114-A, 15, 116-A, 118 e 119

2.187-13

27.08.2001

Lei nº 6.015/73

80

2.220

05.09.2001-extra

15

Lei nº 6.015/73

167, I

2.187-13

27.08.2001

3º e 16

Lei nº 8.212/91

38, 55, 56, 68, 101 e 102

2.224

05.09.2001

Lei nº 4.131/62

2.187-13

27.08.2001

4º e 16

Lei nº 8.213/91

41, 95, 96, 134, 144, 145, 146 e 147

2.225-45

05.09.2001

Lei nº 6.368/76

2.187-13

27.08.2001

Lei nº 9.639/98

1º, 2º e 5º

2.225-45

05.09.2001

2º, 3º e 15 Lei nº 8.112/90

2.187-13

27.08.2001

16

Lei nº 9.711/98

7º, 8º, 9º, 12, 13, 14, 15, 16 e 17

25, 26, 46, 47, 61, 62-A, 67, 91, 117 e 119

2.189-49

24.08.2001

10

Lei nº 9.532/97

6º, II, 34 e 82, II, f

2.225-45

05.09.2001

Lei nº 8.429/92

17

2.189-49

24.08.2001

11

Lei nº 9.250/95

10 e 25

2.225-45

05.09.2001

Lei nº 9.525/97

2.189-49

24.08.2001

13

Lei nº 9.430/96

79

2.226

05.09.2001

CLT

896-A

2.189-49

24.08.2001

14

Lei nº 9.317/96

2.226

05.09.2001

Lei nº 9.469/97

2.190-34

24.08.2001

7º e 8º

Lei nº 9.294/96

2º, 3º e 7º

2.228-1

05.09.2001

51

Lei nº 8.685/93

2.192-70

25.08.2001-extra

23

Lei nº 9.496/97

1º, 3º, 6º, 7º-A e 7º-B

2.228-1

05.09.2001

52 e 53

Lei nº 8.313/91

3º, II, a (a partir de 01.01.2007), e 18, § 3º

2.196-3

25.08.2001

12

Lei nº 8.036/90

2.229-43

10.09.2001

72

Lei nº 9.986/00

22

2.196-3

25.08.2001

14

Lei nº 7.827/89

9º-A

2.229-43

10.09.2001

74

Lei nº 8.745/93

2.197-43

27.08.2001

3º e 8º

Lei nº 8.692/93

23 e 25

Outubro/2013 – Ed. 199

MP

84


Normas Legais

Setembro/2013 Lei nº 12.864, de 24.09.2013

Altera o caput do art. 3º da Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, incluindo a atividade física como fator determinante e condicionante da saúde. (DOU 25.09.2013)

Lei nº 12.863, de 24.09.2013

Altera a Lei nº 12.772, de 28 de dezembro de 2012, que dispõe sobre a estruturação do Plano de Carreiras e Cargos de Magistério Federal; altera as Leis nºs 11.526, de 4 de outubro de 2007, 8.958, de 20 de dezembro de 1994, 11.892, de 29 de dezembro de 2008, 12.513, de 26 de outubro de 2011, 9.532, de 10 de dezembro de 1997, 91, de 28 de agosto de 1935, e 12.101, de 27 de novembro de 2009; revoga dispositivo da Lei nº 12.550, de 15 de dezembro de 2011; e dá outras providências. Mensagem de veto (DOU 25.09.2013)

Lei nº 12.862, de 17.09.2013

Altera a Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, que estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico, com o objetivo de incentivar a economia no consumo de água. (DOU 18.09.2013)

Lei nº 12.861, de 12.09.2013

Abre crédito extraordinário, em favor de Operações Oficiais de Crédito, no valor de R$ 2.932.125.346,00, para o fim que especifica. (DOU 13.09.2013)

Lei nº 12.860, de 11.09.2013

Dispõe sobre a redução a 0% (zero por cento) das alíquotas das Contribuições Sociais para o PIS/Pasep e Cofins incidentes sobre as receitas decorrentes da atividade de transporte municipal local (DOU 12.09.2013)

Lei nº 12.859, de 10.09.2013

Institui crédito presumido da Contribuição para o PIS/Pasep e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) na venda de álcool, inclusive para fins carburantes; altera as Leis nºs 9.718, de 27 de novembro de 1998, 10.865, de 30 de abril de 2004, 11.196, de 21 de novembro de 2005, e 9.532, de 10 de dezembro de 1997, e a Medida Provisória nº 2.199-14, de 24 de agosto de 2001, para dispor sobre a incidência das referidas contribuições na importação e sobre a receita decorrente da venda no mercado interno de insumos da indústria química nacional que especifica; revoga o § 2º do art. 57 da Lei nº 11.196, de 21 de novembro de 2005; e dá outras providências. Mensagem de veto (DOU 11.09.2013)

Lei nº 12.858, de 09.09.2013

Dispõe sobre a destinação para as áreas de educação e saúde de parcela da participação no resultado ou da compensação financeira pela exploração de petróleo e gás natural, com a finalidade de cumprimento da meta prevista no inciso VI do caput do art. 214 e no art. 196 da Constituição Federal; altera a Lei nº 7.990, de 28 de dezembro de 1989; e dá outras providências. (DOU 10.09.2013)

Lei nº 12.857, de 02.09.2013

Cria cargos de Especialista em Infraestrutura Sênior, cargos das carreiras de Analista de Infraestrutura, de Especialista em Meio Ambiente e de Analista de Comércio Exterior, cargos nos quadros de pessoal da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), do Departamento de Polícia Rodoviária Federal e do Departamento Nacional de Auditoria do Sistema Único de Saúde (Denasus), cargos em comissão e funções gratificadas; altera as Leis nºs 9.620, de 2 de abril de 1998, e 11.539, de 8 de novembro de 2007; e dá outras providências. Mensagem de veto (DOU 03.09.2013)

Lei nº 12.856, de 02.09.2013

Transforma cargos vagos da Carreira da Previdência, da Saúde e do Trabalho, estruturada pela Lei nº 11.355, de 19 de outubro de 2006, em cargos de Analista Ambiental, da Carreira de Especialista em Meio Ambiente, de que trata a Lei nº 10.410, de 11 de janeiro de 2002; estende a indenização, de que trata o art. 16 da Lei nº 8.216, de 13 de agosto de 1991, aos titulares de cargos de Analista Ambiental e de Técnico Ambiental da Carreira de Especialista em Meio Ambiente e aos titulares dos cargos integrantes do Plano Especial de Cargos do Ministério do Meio Ambiente e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama – PECMA, de que trata a Lei nº 11.357, de 19 de outubro de 2006, integrantes dos Quadros de Pessoal do Ibama e do Instituto Chico Mendes, nas condições que menciona; altera a Lei nº 10.410, de 11 de janeiro de 2002, que cria e disciplina a Carreira de Especialista em Meio Ambiente, e a Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação. Mensagem de veto (DOU 03.09.2013)

Lei nº 12.855, de 02.09.2013

Institui a indenização devida a ocupante de cargo efetivo das Carreiras e Planos Especiais de Cargos que especifica, em exercício nas unidades situadas em localidades estratégicas vinculadas à prevenção, controle, fiscalização e repressão dos delitos transfronteiriços. Mensagem de veto (DOU 03.09.2013)


Indicadores I  – Índices de Atualização dos Débitos Trabalhistas (Vigência: Setembro/2013 Junho/2011 – Atualização: – Atualização: Maio/2011) Outubro/2013)

1 – Índice de Atualização Monetária até 31 de maio outubro de de 2011 2013 – Decreto-Lei – Decreto-Lei nº 2.322/1987 nº 2.322/1987 combinado combinado comcom a Lei a Lei nº 7.738/1989 nº 7.738/1989 (incluindo (incluindo a Lei a Lei nº 8.177/1991 nº 8.177/1991 – TR – – a –partir TR a partir de fev. de fev. 1991) 1991) – TR – TR prefixada prefixada de 1º demaio/2011 1º out./2013 a 1º a 1º junho/2011 nov./2013(Banco (BancoCentral) Central)==0,1570% 0,09200% Mês/Ano 1990 1991 1992 1993 1994 1995

Mês/Ano 2002 2003 2004 2005 2006 2007

JAN

0,187281166 0,014896912 0,002845355 0,000226501 0,008797036 2,301531751

JAN

1,221176414 1,187885444 1,135117955 1,114845403 1,084126400 1,062475977

FEV

0,119967437 0,012392014 0,002267577 0,000178685 0,006219624 2,254164982

FEV

1,218020523 1,182119067 1,133666862 1,112753427 1,081610573 1,060155297

MAR

0,069433637 0,011581322 0,001805252 0,000141364 0,004447035 2,213153043

MAR

1,216595889 1,177273410 1,133147880 1,111683987 1,080826974 1,059391476

ABR

0,037670159 0,010674029 0,001452685 0,000112363 0,003135027 2,163399189

ABR

1,214460867 1,172837737 1,131136719 1,108762398 1,078591055 1,057407779

MAIO

0,037670159 0,009798980 0,001199773 0,000087633 0,002147720 2,090913491

MAIO

1,211605113 1,167951030 1,130148969 1,106545986 1,077669647 1,056064465

JUN

0,035746971 0,008990715 0,001001396 0,000068102 0,001466621 2,025154693

JUN

1,209063661 1,162545195 1,128404456 1,103756793 1,075638841 1,054283780

JUL

0,032612874 0,008218204 0,000827258 0,000052354 2,746007381 1,968342425

JUL

1,207153944 1,157722125 1,126420828 1,100463107 1,073559356 1,053278952

AGO

0,029436659 0,007467700 0,000668816 0,040157821 2,614593917 1,911188338

AGO

1,203956236 1,151429562 1,124226339 1,097636692 1,071682840 1,051733955

SET

0,026620237 0,006670567 0,000542782 0,030116860 2,560034462 1,862674968

SET

1,200976613 1,146798789 1,121976775 1,093845424 1,069078564 1,050194370

OUT

0,023589046 0,005712080 0,000432910 0,022371757 2,499079416 1,827239316

OUT

1,198633285 1,142953892 1,120041344 1,090968540 1,067454965 1,049824831

NOV

0,020744917 0,004769208 0,000346134 0,016385964 2,436816322 1,797508525

NOV

1,195324627 1,139293342 1,118801712 1,088682307 1,065457233 1,048627299

DEZ

0,017785423 0,003654005 0,000280748 0,012034345 2,367657060 1,772014552

DEZ

1,192172522 1,137273544 1,117521032 1,086586282 1,064093066 1,048008974

Mês/Ano 1996 1997 1998 1999 2000 2001

Mês/Ano 2008 2009 2010 2011 2012 2013

JAN

1,748583533 1,595639994 1,453422744 1,348335397 1,275268074 1,249083418

JAN

1,047338677 1,030491746 1,023236936 1,016237582 1,004108874 1,001208281

FEV

1,726951735 1,583856105 1,436956658 1,341409699 1,272533399 1,247375760

FEV

1,046281932 1,028599123 1,023236936 1,015511491 1,003242073 1,001208281

MAR

1,710488285 1,573446152 1,430574864 1,330370286 1,269577822 1,246916895

MAR

1,046027747 1,028135434 1,023236936 1,014979642 1,003242073 1,001208281

ABR

1,696679015 1,563570672 1,417821559 1,315096752 1,266737796 1,244770910

ABR

1,045600097 1,026659099 1,022427173 1,013750976 1,002171754 1,001208281

MAIO

1,685559380 1,553919280 1,411160879 1,307133694 1,265091912 1,242849464

MAIO

1,044602502 1,026193207 1,022427173 1,013377039 1,001944312 1,001208281

JUN

1,675692900 1,544108018 1,404778968 1,299646431 1,261947139 1,240582919

JUN

1,043834240 1,025732653 1,021906001 1,011788531 1,001475622 1,001208281

JUL

1,665534803 1,534082786 1,397911032 1,295619645 1,259252339 1,238776783

JUL

1,042639375 1,025060213 1,021304453 1,010662653 1,001475622 1,001208281

AGO

1,655846446 1,524054508 1,390260428 1,291830705 1,257307285 1,235760292

AGO

1,040647575 1,023984006 1,020130283 1,009422074 1,001331430 1,000999073

SET

1,645520803 1,514558228 1,385067809 1,288037435 1,254766383 1,231528759

SET

1,039012170 1,023782321 1,019203827 1,007330855 1,001208281 1,000999073

OUT

1,634699095 1,504816049 1,378846454 1,284549882 1,253465286 1,229528317

OUT

1,036969341 1,023782321 1,018488848 1,006321514 1,001208281 1,000920000

NOV

1,622660576 1,495019188 1,366693813 1,281646952 1,251817894 1,225957104

NOV

1,034377191 1,023782321 1,018008348 1,005697981 1,001208281 1,000000000

DEZ

1,609549188 1,472440781 1,358358922 1,279091327 1,250321259 1,223598007

DEZ

1,032706273 1,023782321 1,017666412 1,005049724 1,001208281

OBS.: Foram consideradas as divisões por 1.000 ocorridas em março/1986, janeiro/1989, agosto/1993, e por 2.750 ocorridas em julho/1994.


* NOTA DO TRT DA 2ª REGIÃO SOBRE O ÍNDICE DE ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA A atualização de débitos trabalhistas é definida no art. 39 da Lei nº 8.177/1991, que não sofreu alteração com a Lei nº 12.703/2012: tal lei modificou os parâmetros para cálculo dos rendimentos da caderneta de poupança, mas não alterou a TR, índice-base para atualização monetária. A TR tem sido calculada com valor “zero” desde setembro de 2012, o que não é nenhuma discrepância, dados os valores mais baixos da Taxa Selic. Observamos que, nas poupanças “novas” (abertas após a Lei nº 12.703/2012), o rendimento tem sido inferior a 0,5%, o que significaria, matematicamente, TR negativa (por isso a TR fica “zerada” nas tabelas de atualização). Lembramos, ainda, que a TR vem apresentando valor mensal muito baixo há muitos anos: o que, efetivamente, garante a preservação do valor dos débitos trabalhistas é a taxa de juros, que, ultimamente, tem sido superior à Selic – daí a TR “negativa” das poupanças novas. A alteração da TR como índice de atualização oficial das tabelas só poderá ser efetuada se houver mudança da legislação, já que a tabela é unificada nacionalmente. Até o fechamento desta edição, a tabela não foi divulgada pelo Tribunal.

2 – Juros de mora (incidentes a partir da propositura da ação e aplicados sobre o principal corrigido): • Até 28.02.1987 – Juros simples – 0,5% ao mês; • De 01.03.1987 até 31.01.1991 – Juros capitalizados mensalmente – 1% ao mês; • De 01.02.1991 em diante – Juros simples – 1% ao mês.

Fórmula para cálculo da taxa efetiva (T) dos juros capitalizados: T = (1,01)n – 1, onde “n” é igual ao número de dias decorridos desde a data da propositura da ação, contidos no período compreendido entre 01.03.1987 e 31.01.1991, dividido por 30.

Juros Capitalizados Mensalmente Nº Meses 01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15 16

% Efetivo Nº Meses 1,0000 17 2,0100 18 3,0301 19 4,0604 20 5,1010 21 6,1520 22 7,2135 23 8,2856 24 9,3685 25 10,4622 26 11,5668 27 12,6825 28 13,8093 29 14,9474 30 16,0968 31 17,2578 32

% Efetivo Nº Meses 18,4304 33 19,6147 34 20,8108 35 22,0190 36 23,2391 37 24,4715 38 25,7163 39 26,9734 40 28,2431 41 29,5256 42 30,8208 43 32,1290 44 33,4503 45 34,7848 46 36,1327 47 37,4940 –

% Efetivo 38,8690 40,257+6 41,6602 43,0768 44,5076 45,9527 47,4122 48,8863 50,3752 51,8789 53,3977 54,9317 56,4810 58,0458 59,6263 –

II – Evolução do Salário-Mínimo desde 1989 Outubro/2013 – Ed. 199

87

Moeda

Valor

Norma Legal

DOU

Valor

Norma Legal

DOU

01.10.1989

Vigência

NCz$

381,73

Decreto nº 98.211/89

02.10.1989

Vigência Moeda 01.09.1990

Cr$

6.056,31

Port. 3.588/90

03.09.1990

01.11.1989

NCz$

557,33

Decreto nº 98.346/89

31.10.1989

01.10.1990

Cr$

6.425,14

Port. 3.628/90

01.10.1990

01.12.1989

NCz$

788,18

Decreto nº 98.456/89

01.12.1989

01.11.1990

Cr$

8.329,55

Port. 3.719/90

01.11.1990

01.01.1990

NCz$

1.283,95

Decreto nº 98.783/89

29.12.1989

01.12.1990

Cr$

8.836,82

Port. 3.787/90

03.12.1990

Cr$

12.325,50

Port. 3.828/90

31.12.1990

01.02.1990

NCz$

2.004,37

Decreto nº 98.900/90

01.02.1990

01.01.1991

01.03.1990

NCz$

3.674,06

Decreto nº 98.985/90

01.03.1990

01.02.1991

Cr$

15.895,46

MP 295/91

01.02.1991

01.04.1990

Cr$

3.674,06

Port. 3.143/90

24.04.1990

01.03.1991

Cr$

17.000,00

Lei nº 8.178/91

04.03.1991

Cr$

42.000,00

Lei nº 8.222/91

06.09.1991

01.05.1990

Cr$

3.674,06

Port. 3.352/90

23.05.1990

01.09.1991

01.06.1990

Cr$

3.857,76

Port. 3.387/90

04.06.1990

01.01.1992

Cr$

96.037,33

Port. 42/92

21.01.1992

01.07.1990

Cr$

4.904,76

Port. 3.501/90

16.07.1990

01.05.1992

Cr$

230.000,00

Lei nº 8.419/92

08.05.1992

01.08.1990

Cr$

5.203,46

Port. 429/90

01.08.1990

01.09.1992

Cr$

522.186,94

Port. 601/92

31.08.1992


Vigência Moeda

Valor

Norma Legal

DOU

Valor

Norma Legal

DOU

01.01.1993

Cr$

1.250.700,00

Lei nº 8.542/92

24.12.1992

Vigência Moeda 01.05.1999

R$

136,00

Lei nº 9.971/00

19.05.2000

01.03.1993

Cr$

1.709.400,00

Port. Interm. 4/93

01.03.1993

03.04.2000

R$

151,00

Lei nº 9.971/00

19.05.2000

01.05.1993

Cr$

3.303.300,00

Port. Interm. 7/93

04.05.1993

01.04.2001

R$

180,00

MP 2.142/01 (atual 2.194-6)

30.03.2001

01.07.1993

Cr$

4.639.800,00

Port. Interm. 11/93

01.08.1993

01.04.2002

R$

200,00

Lei nº 10.525/02

28.03.2002

01.08.1993

CR$

5.534,00

Port. Interm. 12/93

03.08.1993

01.04.2003

R$

240,00

Lei nº 10.699/03

10.07.2003

01.09.1993

CR$

9.606,00

Port. Interm. 14/93

02.09.1993

01.05.2004

R$

260,00

Lei nº 10.888/04

25.06.2004

01.10.1993

CR$

12.024,00

Port. Interm. 15/93

04.10.1993

01.05.2005

R$

300,00

Lei nº 11.164/05

19.08.2005

01.11.1993

CR$

15.021,00

Port. Interm. 17/93

03.11.1993

01.04.2006

R$

350,00

MP 288/06

31.03.2006

01.12.1993

CR$

18.760,00

Port. Interm. 19/93

02.12.1993

01.04.2006

R$

350,00

Lei nº 11.321/06

10.07.2006

01.01.1994

CR$

32.882,00

Port. Interm. 20/93

31.12.1993

01.04.2007

R$

380,00

MP 362/07

30.03.2007-extra

01.02.1994

CR$

42.829,00

Port. Interm. 02/94

02.02.1994

01.04.2007

R$

380,00

Lei nº 11.498/07

29.06.2007

01.03.1994

URV

64,79

Port. Interm. 04/94

03.03.1994

01.03.2008

R$

415,00

MP 421/08

29.02.2008-extra

01.07.1994

R$

64,79

Lei nº 9.069/95

30.06.1994/30.06.1995

01.02.2009

R$

465,00

MP 456/09

30.01.2009-extra

01.09.1994

R$

70,00

Lei nº 9.063/95

01.09.1994/20.06.1995

01.01.2010

R$

510,00

MP 474/09

24.12.2009

01.05.1995

R$

100,00

Lei nº 9.032/95

29.04.1995

01.01.2011

R$

540,00

MP 516/10

31.12.2010

01.05.1996

R$

112,00

Lei nº 9.971/00

19.05.2000

01.03.2011

R$

545,00

Lei nº 12.382/11

28.02.2011

01.05.1997

R$

120,00

Lei nº 9.971/00

19.05.2000

01.01.2012

RS

622,00

Decreto nº 7.655/11

26.12.2011

01.05.1998

R$

130,00

Lei nº 9.971/00

19.05.2000

01.01.2013

R$

678.00

Decreto nº 7.872/11

26.12.2012

1 – Salário-de-benefício mínimo: R$ 678,00 (seiscentos e setenta e oito reais) 2 – Salário-de-benefício máximo: R$ 3.916,20 (três mil, novecentos e dezesseis reais e vinte centavos) 3 – Renda mensal vitalícia: R$ 678,00 (seiscentos e setenta e oito reais) 4 – Auxílio-funeral*

– R$ 31,22 (trinta e um reais e vinte e dois centavos) para o segurado com remuneração mensal não superior R$ 608,80 (seiscentos e oito reais e oitenta e centavos); – R$ 22,00 (vinte e dois reais) para o segurado com remuneração mensal superior a R$ 608,80 (seiscentos e oito reais e oitenta e centavos) e igual ou inferior a R$ 915,05 (nocentos e quinze reais e cinco centavos).

5 – Auxílio-natalidade*

7 – Benefícios a idosos e portadores de deficiência: Valor de um salário-mínimo (Decreto nº 1.744/1995).

6 – Salário-família:

* Benefícios extintos a partir de jan. 1996 (Lei nº 8.742/1993, art. 40).

Outubro/2013 – Ed. 199

III – Previdência Social – Valores de Benefícios (Dezembro/2012)

88


8 – Tabela de contribuição (empregado, empregado doméstico e trabalhador avulso) para pagamento de remuneração Salário-de-contribuição (R$) Até R$ 1.247,70

Alíquota para fins de recolhimento ao INSS (%)

8,00*

De R$ 1.247,71 até R$ 2.079,50

9,00*

De R$ 2.079,51 até R$ 4.159,00

11,00*

9 – Escala de salários-base para os segurados contribuinte individual e facultativo Nota: Escala extinta, conforme o art. 9º da Lei nº 10.666, de 08.05.2003, DOU 09.05.2003, e o art. 39 da Instrução Normativa DC/INSS nº 89, de 11.06.2003, DOU 13.06.2003.

* Alíquota reduzida para salários e remunerações até três salários-mínimos, em razão do disposto no inciso II do art. 17 da Lei nº 9.311, de 24.10.1996, que instituiu a Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e de Direitos de Natureza Financeira – CPMF.

IV – Imposto de Renda na Fonte TABELA PROGRESSIVA MENSAL Base de cálculo em R$

Alíquota %

Outubro/2013 – Ed. 199

Até 1.710,78 -

Parcela a deduzir do imposto em R$

TABELA PROGRESSIVA ANUAL O imposto de renda anual devido, incidente sobre os rendimentos de pessoas físicas, será calculado de acordo com a tabela progressiva anual correspondente à soma das tabelas progressivas mensais vigentes nos meses de cada ano-calendário.

-

De 1.710,79 até 2.563,91

7,5

128,31

De 2.563,92 até 3.418,59

15,0

320,60

De 3.418,60 até 4.271,59

22,5

577,00

Acima de 4.271,59

27,5

790,58

V – Depósitos Recursais na Justiça do Trabalho Novos valores para Depósitos Recursais na Justiça do Trabalho (Ato nº 491/2012 do TST, DJe de 20.07.2012, vigência a partir de 01.08.2012) Recurso Ordinário

R$ 6.598,21

Recurso de Revista, Embargos, Recurso Extraordinário e Recurso em Ação Rescisória

R$ 13.196,42

Ação Rescisória – Depósito prévio de 20% do valor da causa, salvo prova de miserabilidade, nos termos do art. 836 da CLT, alterado pela Lei nº 11.495/2007, cujos efeitos começam a fluir a partir do dia 24.09.2007.

89


VI – Indexadores Indexador

Abril

Maio

Junho

Julho

Agosto

Setembro

INPC IGPM UFIR SELIC

0,59 0,15

0,35 0,00

0,28 0,75

- 0,13 0,26

0,16 0,71

0,27 0,71

0,15

1,50

Extinta, a partir de outubro de 2000, pela MP 1.973-67, atual Lei nº 10.522, de 19.07.2002, DOU 22.07.2002, art. 29, § 3º.

0,61

0,60

0,61

0,72

Valor de Referência Base Maio/1992 – Cruzeiros 79.297,75 Emissão anterior a Jan./1989 79.297,75

TDA

Valores nominais reajustados – Reais 91,87 Emissão anterior a Jan./1989 157,23

(*) Referente ao primeiro dia de cada mês.

VII  – Índices de Atualização dos Débitos Judiciais Tabela editada em face da Jurisprudência ora predominante.

Mês/Ano 1990 JAN FEV MAR ABR MAIO JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ

1991

1992

1993

102,527306 1942,726347 11230,659840 140277,063840 160,055377 2329,523162 14141,646870 180634,775106 276,543680 2838,989877 17603,522023 225414,135854 509,725310 3173,706783 21409,403484 287583,354522 738,082248 3332,709492 25871,123170 369170,752199 796,169320 3555,334486 32209,548346 468034,679637 872,203490 3940,377210 38925,239176 610176,811842 984,892180 4418,739003 47519,931986 799,392641 1103,374709 5108,946035 58154,892764 1065,910147 1244,165321 5906,963405 72100,436048 1445,693932 1420,836796 7152,151290 90897,019725 1938,964701 1642,203168 9046,040951 111703,347540 2636,991993

1994 3631,929071 5132,642163 7214,955088 10323,157739 14747,663145 21049,339606 11,346741 12,036622 12,693821 12,885497 13,125167 13,554359

1995 13,851199 14,082514 14,221930 14,422459 14,699370 15,077143 15,351547 15,729195 15,889632 16,075540 16,300597 16,546736

Mês/Ano 1996 1997 JAN 16,819757 18,353215 FEV 17,065325 18,501876 MAR 17,186488 18,585134 ABR 17,236328 18,711512 MAIO 17,396625 18,823781 JUN 17,619301 18,844487 JUL 17,853637 18,910442 AGO 18,067880 18,944480 SET 18,158219 18,938796 OUT 18,161850 18,957734 NOV 18,230865 19,012711 DEZ 18,292849 19,041230

1998 19,149765 19,312538 19,416825 19,511967 19,599770 19,740888 19,770499 19,715141 19,618536 19,557718 19,579231 19,543988

1999 19,626072 19,753641 20,008462 20,264570 20,359813 20,369992 20,384250 20,535093 20,648036 20,728563 20,927557 21,124276

2000 21,280595 21,410406 21,421111 21,448958 21,468262 21,457527 21,521899 21,821053 22,085087 22,180052 22,215540 22,279965

2001 22,402504 22,575003 22,685620 22,794510 22,985983 23,117003 23,255705 23,513843 23,699602 23,803880 24,027636 24,337592

90


2004 31,052744 31,310481 31,432591 31,611756 31,741364 31,868329 32,027670 32,261471 32,422778 32,477896 32,533108 32,676253

2005 32,957268 33,145124 33,290962 33,533986 33,839145 34,076019 34,038535 34,048746 34,048746 34,099819 34,297597 34,482804

2006 34,620735 34,752293 34,832223 34,926270 34,968181 35,013639 34,989129 35,027617 35,020611 35,076643 35,227472 35,375427

2007 35,594754 35,769168 35,919398 36,077443 36,171244 36,265289 36,377711 36,494119 36,709434 36,801207 36,911610 37,070329

Mês/Ano 2008 2009 JAN 37,429911 39,855905 FEV 37,688177 40,110982 MAR 37,869080 40,235326 ABR 38,062212 40,315796 MAIO 38,305810 40,537532 JUN 38,673545 40,780757 JUL 39,025474 40,952036 AGO 39,251821 41,046225 SET 39,334249 41,079061 OUT 39,393250 41,144787 NOV 39,590216 41,243534 DEZ 39,740658 41,396135

2010 41,495485 41,860645 42,153669 42,452960 42,762866 42,946746 42,899504 42,869474 42,839465 43,070798 43,467049 43,914759

2011 44,178247 44,593522 44,834327 45,130233 45,455170 45,714264 45,814835 45,814835 46,007257 46,214289 46,362174 46,626438

2012 46,864232 47,103239 47,286941 47,372057 47,675238 47,937451 48,062088 48,268754 48,485963 48,791424 49,137843 49,403187

2013 49,768770 50,226642 50,487820 50,790746 51,090411 51,269227 51,412780 51,345943 51,428096 51,566951

Observação I – Dividir o valor a atualizar (observar o padrão monetário vigente à época) pelo fator do mês do termo inicial e multiplicar pelo fator do mês do termo final, obtendo-se o resultado na moeda vigente na data do termo final, não sendo necessário efetuar qualquer conversão. Esclarecendo que, nesta tabela, não estão incluídos os juros moratórios, apenas a correção monetária.

Padrões monetários a considerar: Cr$ (cruzeiro): de out./1964 a jan./1967

NCz$ (cruzado novo): de jan./1989 a fev./1990

NCr$ (cruzeiro novo): de fev./1967 a maio/1970

Cr$ (cruzeiro): de mar./1990 a jul./1993

Cr$ (cruzeiro): de jun./1970 a fev./1986

CR$ (cruzeiro real): de ago./1993 a jun./1994

Cz$ (cruzado): de mar./1986 a dez./1988

R$ (real): de jul./1994 em diante

Exemplo: Atualização até outubro de 2013, do valor de Cz$ 1.000,00, fixado em janeiro 1988. Cz$ 1.000,00 : 596,94 (jan./1988) x 51,566951 (outubro/2013) = R$ R$ 86,38 Observação II – Os fatores de atualização monetária foram compostos pela aplicação dos seguintes índices:

Outubro/2013 – Ed. 199

Outubro/2013 – Ed. 199

Mês/Ano 2002 2003 JAN 24,517690 28,131595 FEV 24,780029 28,826445 MAR 24,856847 29,247311 ABR 25,010959 29,647999 MAIO 25,181033 30,057141 JUN 25,203695 30,354706 JUL 25,357437 30,336493 AGO 25,649047 30,348627 SET 25,869628 30,403254 OUT 26,084345 30,652560 NOV 26,493869 30,772104 DEZ 27,392011 30,885960

91

Out./1964 a fev./1986: ORTN Mar./1986 e mar./1987 a jan./1989: OTN Abr./1986 a fev./1987: OTN pro rata Fev./1989: 42,72% (conforme STJ, índice de jan./1989

Abr./1989 a mar./1991: IPC do IBGE (de mar./1989 a fev./1991) Abr./1991 a jul./1994: INPC do IBGE (de mar./1991 a jun./1994) Ago./1994 a jul./1995: IPC-r do IBGE (de jul./1994 a jun./1995) Mar./1989: 10,14% (conforme STJ, índice de fev./1989)

Ago./1995 em diante: INPC do IBGE (de jul./1995 em diante), sendo que, com relação à aplicação da deflação, a matéria ficará sub judice)

Observação III – Aplicação do índice de 10,14%, relativo ao mês de fevereiro de 1989, ao invés de 23,60%, em cumprimento ao decidido no Processo nº G-36.676/2002. Fonte: DJe, TJSP, Administrativo, 10/10/2013, p. 2 * Aplicável aos cálculos judiciais, exceto para aqueles com normas específicas estabelecidas por lei ou com decisão transitada em julgado, que estabelece critérios e índices diferentes.


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Jornal Jurídico Outubro/2013 – Edição 199


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