O RECONHECIMENTO DA INSIGNIFICÂNCIA EM RELAÇÃO AOS DELITOS CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA E ESTELIONATO CONTRA A FAZENDA NACIONAL – UMA JUSTIFICAÇÃO UTILITARISTA PARA A ADOÇÃO DE IGUAL PARÂMETRO – Adriane Pinto Rodrigues da Fonseca Pires – p. 1 Poluição – Luiz Carlos Aceti Júnior e Eliane Cristine Avilla Vasconcelos – p. 15 Lei Geral da Copa e a Livre Iniciativa – Rafael Costa de Souza – p. 28 Atenção: Mais um Crime na Praça! – Rômulo de Andrade Moreira – p. 34 A Tutela Jurisdicional do Direito à Probidade Administrativa: o Rito da Lei de Improbidade Administrativa e Sua Integração pelos Demais Diplomas Processuais – Rafael Sirangelo Belmonte de Abreu – p. 39 A Nova Usucapião Especial por Abandono de Lar e a Função Social da Propriedade – Carlos Eduardo de Castro Palermo – p. 63 Acórdão na Íntegra – Superior Tribunal de Justiça – p. 72 Pesquisa Temática – Divórcio – p. 76 Jurisprudência Comentada – Limites do Poder de Direção do Empregador – Ilse Marcelina Bernardi Lora – p. 81 Normas Legais – p. 87 Medida Provisória – p. 88 Indicadores – p. 89
Jornal Jurídico Setembro/2014 – Edição 210
Doutrina
O Reconhecimento da Insignificância em Relação aos Delitos contra a Ordem Tributária e Estelionato contra a Fazenda Nacional – Uma Justificação Utilitarista para a Adoção de Igual Parâmetro ADRIANE PINTO RODRIGUES DA FONSECA PIRES
Mestranda em Ciências Criminais pela PUCRS, Especialista em Direito Público pelo IMED, Servidora Pública Federal, Analista Judiciário junto ao Tribunal Regional Federal da Quarta Região.
RESUMO: O presente artigo pretende discorrer acerca da aplicação do princípio da insignificância como instrumento de legitimação da intervenção penal nos crimes de sonegação fiscal. O texto concentrar-se-á no exame do fundamento utilitarista que embasa seu reconhecimento por parte da jurisprudência brasileira, analisando-se quais as justificativas para que os critérios patrimoniais de insignificância, adotados para esses delitos, não sejam, da mesma forma, estendidos ao delito de estelionato praticado contra a Fazenda Nacional. PALAVRAS-CHAVE: Crimes contra a ordem tributária; estelionato; bem jurídico; insignificância; utilitarismo.
SUMÁRIO: 1 O princípio da insignificância como critério utilitarista de afastamento da tipicidade; 2 O princípio da insignificância como critério de afastamento da tipicidade dos delitos contra a ordem tributária; 3 A resistência ao reconhecimento da insignificância em relação aos delitos de estelionato em detrimento de entidade pública.
1 O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA COMO CRITÉRIO UTILITARISTA DE AFASTAMENTO DA TIPICIDADE Dada a relação entre os modelos de crime e os modelos estatais e tomada a Constituição na acepção de “ordem jurídica fundamental de uma comunidade ou o plano estrutural para a conformação jurídica de uma comunidade, segundo certos princípios”1, é inegável que a Lei Fundamental demarca limites para a intervenção do Estado na área penal. Essa restrição se impõe, eminentemente, pela necessária compatibilização da exigência da punição de determinadas condutas com o comprometimento com a tutela de direitos fundamentais do Estado Democrático e Social de Direito. Nesse contexto, deve-se destacar que o texto constitucional não é um parâmetro de incriminação em si, pois, na condição de estatuto político, a Constituição é um produto cultural cuja elaboração é precedida do anterior reconhecimento social de determinados valores ou interesses. Isto quer dizer que, “antes de serem bens ou valores recolhidos pelo Direito (bens jurídicos), eles se fazem constituídos como tais na consciência social, extraídos que são dos 1 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 11.
A partir da recepção do modelo de crime como ofensa a bens jurídicos3, conceituados estes como “dados ou finalidades necessários para o livre desenvolvimento do individuo, para a realização de seus direitos fundamentais ou para o funcionamento de um sistema estatal baseado nessas finalidades”4, é correto dizer-se que a função do direito penal é a tutela subsidiária de alguns destes bens, isto é, “o direito penal é um instrumento qualificado de proteção de bens jurídicos especialmente importantes”5. Sua tarefa se encerra, portanto, na tutela destes últimos. Assim, pode-se considerar que “um bem jurídico criminalmente tutelável existe ali, e só ali, onde se encontre refletido num valor jurídico-constitucionalmente reconhecido em nome do sistema social total e que, deste modo, se pode afirmar que preexiste ao 2 FELDENS, Luciano. A constituição penal – A dupla face da proporcionalidade no controle de normas penais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 50. 3 Conforme referido por Fabio D’Avila, “a teoria de proteção aos bens jurídicos tem o seu primeiro desenvolvimento em um conhecido escrito de Birnbaum (1834), no qual o autor afirmava que o conteúdo do crime deveria ser buscado, não na violação de direitos subjetivos, mas na ofensa a valores assim reconhecidos pela sociedade, isto é, na ofensa a bens protegidos pela norma” (D’AVILA, Fabio Roberto. A ofensividade em direito penal. Escritos sobre a teoria do crime como ofensa a bens jurídicos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 64). 4 ROXIN, Claus. Sobre o recente debate em torno do bem jurídico. Trad. Luís Greco. In: GRECO, Luís; TÓRTIMA, Fernanda Lara (Org.). O bem jurídico como limitação do poder estatal de incriminar? Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 186. 5 SILVA-SÁNCHEZ, Jesús María. A expansão do direito penal. Aspectos de politica criminal nas sociedades pós- industriais. Trad. Luiz Otavio de Oliveira Rocha. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 27.
ordenamento jurídico-penal”6. A normatividade penal orienta-se pela normatividade constitucional, de onde se extraem tanto imposições como proibições de incriminação. Deste modo, a legitimidade das restrições às liberdades decorrente da criminalização pode ser pensada a partir de sua relação de harmonia com a ordem axiológico-jurídico constitucional, que atua como “um quadro obrigatório de referência e, ao mesmo tempo, critério regulativo da atividade punitiva”7. A estrutura e os fins do tipo penal acham, pois, seu embasamento no bem jurídico-penal, conceituado este como “todo o valor digno e necessitado de tutela penal”8. Para Schunemann, “a determinação do bem jurídico não é formulada apenas ao final do processo de interpretação, como etiqueta final, mas ela dirige a concretização da matéria de proibição [de modo que] se pode dizer que a ideia de bem jurídico é imanente e crítica”9. 6 FIGUEIREDO DIAS, Jorge de. Direito penal: parte geral. Questões fundamentais – A doutrina geral do crime. São Paulo: Revista dos Tribunais; Coimbra: Coimbra Editora, t. I, 2007. p. 120. 7 Especialmente em Figueiredo Dias, para quem “entre a ordem axiológica jurídico-constitucional e a ordem legal – jurídico-penal – dos bens jurídicos tem por força de verificar-se uma qualquer relação de mútua referência; relação que não será de ‘identidade’, ou mesmo só de ‘recíproca cobertura’, mas de analogia material, fundada numa especial ‘correspondência de sentido’ e – do ponto de vista de sua tutela – de fins” (FIGUEIREDO DIAS, Jorge de. Direito penal: parte geral. Questões fundamentais – A doutrina geral do crime. São Paulo: Revista dos Tribunais; Coimbra: Coimbra Editora, t. I, 2007. p. 120). 8 SPORLEDER DE SOUZA, Paulo Vinícius. O meio ambiente como sujeito passivo dos crimes ambientais. In: D’AVILA, Fabio Roberto; SPORLEDER DE SOUZA, Paulo Vinícius (Org.). Direito penal secundário. Estudos sobre crimes econômicos, ambientais, informáticos e outras questões. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 249. 9 SCHUNEMANN, Bernd. O princípio da proteção de bens jurídicos como ponto de fuga dos limites constitucionais e da interpretação dos tipos. Trad. Luís Greco. In: GRECO, Luís; TÓRTIMA, Fernanda Lara (Org.). O
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costumes vigentes em uma sociedade e, por consequência, de suas necessidades”2.
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Está-se, pois, frente a um juízo valorativo que resulta na escolha de bens jurídicos que sejam merecedores de proteção penal. A incriminação, por implicar restrição da liberdade, deve se dar em prol de valores dignos desse tipo de tutela. Para Fábio D’Avila, esse “modelo de crime como ofensa a bens jurídico-penais” atribui ao ilícito uma “posição privilegiada” na estrutura dogmática do crime, eis que portador, por excelência, do juízo de desvalor da infração enquanto elemento capaz de traduzir para além da intencionalidade normativa, também a própria função do direito penal, como propõe a noção de “ofensa a bens jurídicos”, a noção de “resultado jurídico” como a pedra angular do ilícito-típico.10
Essa concepção, por não ignorar o caráter de historicidade dos bens jurídicos penalmente relevantes (protegidos pela norma), tem na ofensa (dano ou perigo de dano) a esse bem o seu substrato material legitimador da intervenção penal. A verificação da ofensa, em todas as suas modalidades, atua como diretriz – orienta e delimita a produção legislativa penal.
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A ofensividade revela-se, pois, como uma “imposição constitucional de legitimidade”11 do ordenamento jurídico-penal. Tal
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bem jurídico como limitação do poder estatal de incriminar? Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 27. 10 D’AVILA, Fabio Roberto. Ofensividade em direito penal. Escritos sobre a teoria do crime como ofensa a bens jurídicos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 50-51. 11 Idem, ibidem, p. 54. Em trabalho anterior, o autor já sustentava que, “fundado na inter-relação de regras e princípios, podemos, mediante a admissão de uma proposição de ordem e paz a cargo do Estado de Direito, reconhecer um princípio geral fundamental de tutela de bens jurídicos, densificador do princípio estruturante do Estado de Direito” (D’AVILA, Fabio Roberto. O modelo de crime como ofensa ao bem jurídico. Elementos para a legitimação do direito penal secundário. In: D’AVILA, Fabio Roberto; SPORLEDER DE SOUZA, Paulo Vinícius. Direito penal
postura importa na aceitação de que o conteúdo do ilícito penal estabelece-se, como realidade, a partir do reconhecimento da ofensa (dano ou perigo de dano) a esses bens (valores ou interesses). E, assim, por ser a ofensividade “o resultado jurídico da relação entre a conduta típica e o objeto de tutela da norma”12, quando ausente ofensa a bem jurídico detentor de dignidade penal, não há crime por ausência de tipicidade material. Dito isso, deve a atividade legislativa13 observar que a incriminação é pautada pela função subsidiária da tutela penal (condição de ultima ratio ostentada pelo direito penal). Há de se perquirir acerca da existência de alternativa extrapenal idônea. A intervenção penal deve ser mínima, garantindo que “o direito penal continue a ser um arquipélago de pequenas ilhas no grande mar do penalmente indiferente”14. Apenas diante do fracasso de outras formas de controle social previstas nos demais ramos do Direito é que se recorre ao direito penal. Nesse contexto, coloca-se presente a necessidade de, além dos critérios legitimadores da incriminação, serem estabelecidos, para o intérprete da lei, parâmetros interpretativos, eis que não se mostra suficiente que o fato encontre correspondência narrativa na descrição na norma penal incriminadora (tipicidade formal). Nas hipóteses em que a conduta não seja materialmente típica (aptidão a ofender um bem jurídico), afasta-se a aplicação da norma penal. secundário. Estudos sobre crimes econômicos, ambientais, informáticos e outras questões. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 86). 12 Idem, ibidem, p. 54. 13 No projeto de Reforma do Código Penal (parte geral), há, na proposta de redação da parte geral, o acolhimento do princípio da ofensividade, ao se estabelecer a necessidade de que a conduta incriminada represente “ofensa potencial ou efetiva”. Disponível em: <www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp>. Acesso em: 15 abr. 2013. 14 LOPES, Maurício Antonio Ribeiro. Princípios políticos no direito penal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 93.
No entender de Mauricio Antonio Ribeiro Lopes, a imperfeição do trabalho legislativo não evita que sejam subsumíveis também casos que, em realidade, deveriam permanecer fora do âmbito de proibição estabelecido pelo tipo penal. Para corrigir essa discrepância entre o abstrato e o concreto e para dirimir a divergência entre o conceito formal e o conceito material de delito, utiliza-se o princípio da insignificância.18
“restringir o teor literal do tipo”20, excluindo do âmbito do direito penal os comportamentos socialmente aceitos. Para Assis Toledo, “o princípio da adequação social se desdobra para alcançar inúmeras situações nem sempre ajustadas a regras éticas”21, mas tidas como socialmente aceitáveis. De modo diverso ao princípio da insignificância, o da adequação social está alicerçado sobre o desvalor da ação e não do resultado. Assim, entende-se que o princípio da insignificância é a face inversa do princípio da ofensividade: se o resultado22 advindo de uma conduta que se amolda à descrição contida na norma incriminadora é ínfimo, isto é, não provoca, efetivamente, dano, tampouco expõe a perigo o bem jurídico tutelado pelo tipo, tal comportamento não interessa ao direito penal. O reconhecimento do princípio da insignificância decorre, portanto, da concepção utilitarista que se vislumbra modernamente nas estruturas típicas do direito penal, [pois] no exato momento em que a doutrina evoluiu de um conceito formal a outro material de crime, adjetivando de significado lesivo a conduta humana necessária a fazer incidir a pena criminal pela ofensa concreta a um determinado bem jurídico, fez nascer a ideia de indispensabilidade do resultado concreto obtido ou que se pretenda alcançar.23
O princípio da insignificância é precedido, historicamente, pelo princípio da adequação social19, introduzido por Welzel, para 15 ROXIN, Claus. Política criminal y sistema del derecho penal. Trad. Francisco Muñoz Conde. 2. ed. Buenos Aires: Hammurabi, 2002. p. 73. Nessa obra, o próprio autor faz referência à primeira vez em que ele mesmo teria utilizado este termo. 16 VICO MAÑAS, Carlos. O princípio da insignificância como excludente da tipicidade do direito penal. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 68-69. 17 Citam-se alguns julgados do Supremo Tribunal Federal: HC 114241, 2ª T., Rel. Min. Ricardo Lewandowski, J. 26.02.2013, DJe 13.03.2013; RHC 107264, 2ª T., Rel. Min. Celso de Mello, J. 19.04.2011, DJe 07.12.2011; HC 102.088, 1ª T., Relª Min. Cármen Lúcia, DJe 21.05.2010. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: 15 fev. 2013. Mencionam-se, também, julgados do Superior Tribunal de Justiça: HC 255.587/MG, 5ª T., Rel. Min. Campos Marques, J. 19.03.2013, DJe 22.03.2013; HC 120433/RS, 6ª T., Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura, J. 27.09.2011, DJe 13.10.2011. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 15 mar. 2013. 18 LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 117. 19 Segundo Mauricio Antonio Ribeiro Lopes, a adoção dessa teoria significa
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a adoção da seguinte premissa: “apesar de uma conduta se subsumir ao modelo legal, não será considerada típica se for socialmente adequada ou reconhecida, isto é, se estiver de acordo com a ordem social da vida historicamente condicionada” (Princípios políticos no direito penal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 95). ROXIN, Claus. Política criminal y sistema del derecho penal. Trad. Francisco Muñoz Conde. 2. ed. Buenos Aires: Hammurabi, 2002. p. 73. ASSIS TOLEDO, Francisco de. Princípios básicos de direito penal. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 132. Nas circunstâncias em que não se faz possível a aferição do desvalor do resultado, pode ser levado em conta o desvalor da ação. LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 215.
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Uma dessas possibilidades de reconhecimento da atipicidade, que tem como premissa a concepção material do tipo penal, é a aplicação do princípio da insignificância, expressão cunhada por Claus Roxin em 1964 como “princípio de validade geral para a determinação do injuto”15. Esse princípio, na qualidade de “instrumento de interpretação restritiva”16, tornou-se um balizador utilizado, tanto pela doutrina como pela jurisprudência17, para a aferição de condutas que, penalmente, não possuem significação.
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Ao se adotar uma teoria que faça uso do critério da utilidade para definir, racionalmente, as condutas que devem ser tidas como típicas ou atípicas, implica a compreensão da referência adotada, ou seja, do conceito de utilitarismo24. A filosofia social distingue duas formas de utilitarismo: o individualista, que recomenda maximizar a própria utilidade do agente, e o social, que busca a maximização da utilidade social ou total. Diferencia um ato utilitarista, hipótese em que se avalia cada ação por seu próprio mérito, de uma regra utilitarista, a qual exige que certas regras sejam seguidas, regramentos estes tão imprecisos quanto o conceito de utilidade25.
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Segundo a ética utilitarista, o princípio da maior felicidade estabelece que as ações praticadas devem ser capazes de trazer a máxima felicidade para o maior número possível de indivíduos (humanidade) – o objetivo principal da filosofia utilitarista. Se a maximização do prazer e a busca da felicidade são os fins últimos da ação humana, estes se constituem no padrão de moralidade (regras e preceitos da conduta humana) a ser observada por toda a humanidade26.
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24 Bobbio explica que o termo utilitarismo “não é um termo de significado unívoco e preciso. Usado inicialmente por Jeremias Bentham e por Stuart Mill para denotar o próprio sistema de ética normativa, e adotado para toda a concepção ético-política dos dois pensadores ingleses e dos seus discípulos, o termo, ao longo do tempo, assumiu uma notável variedade de significados e hoje é usado para designar toda uma série de doutrinas ou teorias, seja de natureza factual, seja de caráter normativo” (BOBBIO, Norberto; MATEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. 2. ed. Brasília: Editora de Universidade de Brasília, 1983). 25 BUNGE, Mario. Dicionário de filosofia. Trad. Guita Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, 2002. p. 398. 26 Nas palavras de Stuart Mill, “the end of human action is necessarily also the standard of morality; which may accordingly be defined, the rules and precepts for human conduct” (STUART MILL, John. Utilitarianism. Great Books of the Western World. American State Papers. The Federalist, v. 43,
Para essa doutrina, o sacrifício é justificado pela quantidade de felicidade global produzida – a ação moralmente correta é aquela que produz um resultado favorável ao maior número de pessoas. De modo inverso, o agir será moralmente incorreto se os resultados não forem favoráveis para a maioria27. Para Comte-Sponville, trata-se de uma visão que “peca, talvez, por otimismo”28. Num contexto em que o princípio da insignificância está intrinsecamente relacionado ao exame da gradação (quantitativa e qualitativa) da relevância do injusto, excluída a tipicidade penal quando demonstrada a inutilidade e a injustiça da imposição de uma sanção, mostra-se relevante e adequado o estudo do pensamento de John Stuart Mill (1806-1873). Para esse filósofo inglês, a ideia de utilitarismo perpassa pela avaliação de uma regra, não a partir de sua essência, mas de suas consequências para a coletividade (felicidade geral). Isto significa dizer que a observância de uma norma justifica-se pela quantidade e qualidade de felicidade que ela produz. A utilidade é fundamento da moral, de modo que a correção das medidas demonstra-se pela sua aptidão em promover a maior felicidade. O prazer, para Stuart Mill, é “o único valor intrínseco e as outras coisas são valiosas seja pelo prazer que envolvem, Chicago. University of Chicago, 1952. p. 450). 27 Para Mill, “the creed which accepts as the foundation of morals, Utility, or the Greatest Happiness Principle, holds that the actions are right in proportion as they tend to promote happiness, wrong as they tend to produce the reverse of the happiness. By happiness is intended pleasure, and the absence of pain; by unhappiness, pain and the privation of pleasure” (STUART MILL, John. Utilitarianism. Great Books of the Western World American State Papers. The Federalist, v. 43. Chicago. University of Chicago, 1952. p. 448). 28 COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário de filosofia. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 613.
O utilitarismo, interpretado como um sistema, mostra-se também incompatível qualquer forma de egoísmo ético, porque a ética utilitarista não é mesquinha30, não permite a preferência à felicidade ou ao bem-estar individual. De acordo com Comte-Sponville, “o utilitarismo é menos uma moral particular do que uma filosofia particular de moral: os comportamentos, na prática, muitas vezes são os mesmos, mas pensados e justificados de maneira diferente”31. Retomando-se a relação entre o utilitarismo e o princípio da insignificância, tem-se que o agir voltado ao impedimento da deflagração da persecução penal, com o consequente julgamento de crimes que, na maioria dos casos, poderiam ser arquivados, em razão de não se reconhecer ofensa ao bem jurídico ou de ela ser considerada ínfima, mostra-se válido por atender à felicidade coletiva. Em verdade, como vetor interpretativo (restritivo), “a adoção do princípio da insignificância auxilia na tarefa de reduzir ao máximo o campo de atuação do direito penal, reafirmando seu caráter fragmentário e subsidiário”32.
do da proporcionalidade (e de seus subprincípios: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido)33 como modulador da atuação estatal, vinculado à limitação desse agir. A extensão da ofensa dá os contornos da intervenção, de modo que “para as lesões desprovidas de conteúdo lesivo, haja a possibilidade de se afastar a incidência da pena”34. Busca-se, assim, o equilíbrio entre os meios empregados e os fins a serem alcançados. E é nessa perspectiva de aferição de possibilidade/impossibilidade da intervenção do Estado na esfera penal é que se insere o princípio da insignificância, cuja aplicação não prescinde de sua conjugação com os demais princípios que dão os contornos do sistema de proteção estatal.
2 O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA COMO CRITÉRIO DE AFASTAMENTO DA TIPICIDADE DOS DELITOS CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA O princípio da insignificância ou bagatela, por se tratar de um postulado, tem seu conteúdo construído pelo intérprete, ainda que este não seja o único capaz de fazê-lo. Maurício Antônio Ribeiro Lopes salienta que
Sob o viés constitucional, argumenta-se que essa limitação ao poder punitivo estatal está vinculada à observância do postula-
o princípio da insignificância, assim, vem à luz em decorrência de uma especial maneira de se exigir a composição do tipo penal, a ser pre-
29 BONJOUR, Laurence; BAKER, Ann. Filosofia – Textos fundamentais comentados. Porto Alegre: Artmed, 2010. p. 405. 30 Stuart Mill ressalta que esta é a condição para a aceitação do padrão utilitarista – “for that standard is not the agent’s own greatest happiness, but the greatest amount of happiness altogether” (STUART MILL, John. Ob. cit., p. 459). 31 COMTE-SPONVILLE, André. Ob. cit., p. 612. 32 ISOLDI FILHO Carlos Alberto da Silveira. Causas de exclusão da tipicidade. Belo Horizonte: Mandamentos, 2008. p. 80.
33 Segundo Ingo Sarlet, a adequação tem o sentido de controle da viabilidade (idoneidade técnica); a necessidade respeita à exigência de opção pelo meio menos restritivo, menos gravoso para o direito objeto de restrição, e a proporcionalidade em sentido estrito concerne à proporção dos meios utilizados e os fins colimados (SARLET, Ingo Wolfgang. Constituição e proporcionalidade: o direito penal e os direitos fundamentais entre a proibição de excesso e da insuficiência. Revista Brasileira de Ciências Criminais, a. 18, n. 82, p. 101, jan./fev. 2010). 34 LOPES, Maurício Antonio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 80.
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seja pelo seu valor instrumental que leva ao prazer – evitação da dor”29. Logo, o valor da ação estará sempre nas vantagens que for capaz de trazer ou nas consequências da sua concretização.
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enchido, doravante, não apenas por aspectos formais, mas também, e essencialmente, por elementos objetivos que levem à percepção da utilidade e da justiça de imposição de pena criminal ao agente.35
Estabelecida a premissa de que “o direito penal não se deve ocupar de bagatelas”36 e de que a insignificância é verificada quando ausente ofensa, ainda que de forma limitada, passa-se a examinar o critério utilizado para a aferição da insignificância e o consequente afastamento da tipicidade nos crimes contra a ordem tributária, especificamente em relação aos delitos do art. 1º da Lei nº 8.137/1990.
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Com relação a esse tipo de delito, pertencentes ao denominado direito penal secundário, Figueiredo Dias assinala que “só a partir da consideração do comportamento proibido é possível identificar e recortar, em definitivo, o bem jurídico [que ]é normalmente um posterius em relação à conformação legal positiva da incriminação”37.
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De início, cumpre referir que os delitos contra a ordem tributária, previstos na Lei nº 8.137/1990, remontam ao crime de sonegação fiscal, que encontrava sua definição na Lei nº 4.729, de 14.07.1965. Com a promulgação da Lei nº 8.137, de 27.12.1990, aqueles comportamentos considerados crimes de sonegação fiscal passaram a receber a denominação de crimes contra a ordem tributária. Observe-se a redação do tipo penal do art. 1º da Lei nº 8.137/1990: 35 LOPES, Maurício Antonio Ribeiro. Ob. cit., 2000. p. 34. 36 ASSIS TOLEDO, Francisco de. Princípios básicos de direito penal. São Paulo: Saraiva, p. 133. 37 FIGUEIREDO DIAS, Jorge de; ANDRADE, Manuel da Costa. O crime de fraude fiscal no novo direito penal tributário português. Revista Brasileira de Ciências Criminais, a. 4, n. 13, p. 60, jan./mar. 1996.
Art. 1º Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: I – omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias; II – fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal; III – falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável; IV – elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato; V – negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação. Pena – reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. [...]38
Esse modelo de incriminação segue a linha adotada, por exemplo, pela legislação alemã, que, em seu Código Fiscal de 1977 (§ 370 do Abgabenordung), previu, como fraude fiscal (Steuerhinterziehung), as condutas de prestar informações falsas ou de omitir informações a autoridades fazendárias visando à redução de impostos ou à obtenção de benefício fiscal indevido39. A falta de consenso acerca da definição do bem jurídico tutelado pelos delitos em questão reflete-se nas diversas concepções
38 Disponível em: <www.planalto.gov.br/legislação/codigos>. Acesso em: 1º fev. 2013. Além do tipo suprarreferido, mencionam-se os crimes inclusos no Código Penal brasileiro – apropriação indébita previdenciária (art. 168A do CP) e sonegação de contribuição previdenciária (art. 337-A do CP). 39 FIGUEIREDO DIAS, Jorge de; ANDRADE, Manuel da Costa. Ob. cit., p. 61.
Há quem defenda que aos processos de arrecadação de ingressos e de distribuição/redistribuição dos recursos resultantes desses ingressos não cabe conferir uma acepção meramente ou predominantemente patrimonial, uma vez que o interesse público no regular recebimento envolve, além do Erário, o próprio funcionamento da máquina estatal no seu mister de promover os direitos fundamentais (individuais e sociais). Sávio Guimarães Rodrigues defende que, nos crimes tributários, o bem jurídico protegido pela norma, cuja ofensa, potencial ou efetiva, deve ser aferida pelo intérprete, é a estabilidade do Sistema Tributário Nacional. Esclarece que o bem jurídico em questão, a ordem tributária nacional (ou estabilidade do sistema), deve ser entendido em dupla vertente: por lado, um bem mediato, imaterial e abstrato, entendido como as funções econômicas e sociais dos tributos (o sistema em si), e, por outro, um bem mediato, representativo daquele primeiro, concretizado no correto processo de arrecadação tributária (a estabilidade do sistema).40
Nesse contexto de tutela subsidiária de bens jurídicos, o autor acima referido adverte que, para o intérprete, “torna-se necessário esclarecer o bem jurídico efetivamente tutelado nos crimes contra a ordem tributária, não com base nas leis vigentes, mas com base na apreciação constitucional de uma realidade social anterior, externa ao ordenamento”41. 40 RODRIGUES, Savio Guimarães. O bem jurídico-penal tributário e legitimidade constitucional do sistema punitivo em matéria fiscal. In: SOUZA, Artur de Brito Gueiros (Org.). Inovações no direito penal. Brasília: ESMPU, 2011. p. 352. 41 Idem, ibidem, p. 346.
Nessa mesma linha, Anabela Miranda Rodrigues assinala que a satisfação de prestações mínimas ao indivíduo em sociedade deve ser garantida pelo “mesmo nível que a proteção dos seus direitos individuais, quando se estiver a tratar de dano ou perigo de dano aos interesses e valores ali contidos”42. Segundo esse posicionamento, o correto processo de arrecadação reverte em benefícios para toda a sociedade, uma vez que a correta distribuição dos ônus sociais não prescinde da estabilização do sistema arrecadatório. Não se trata, portanto, da proteção dos interesses arrecadatórios do Estado, tampouco do patrimônio público isoladamente considerado. No entanto, como oportunamente salientado por Jorge de Figueiredo Dias e Manuel da Costa Andrade, em relação a esse modelo de incriminação adotado pelo legislador na descrição do art. 1º da Lei nº 8.137/1990 (crime de dano), “a representação do bem jurídico há de emprestar à incriminação fiscal uma estrutura substancialmente idêntica à dos crimes contra o patrimônio em geral”43. Essa concepção parece ter sido a adotada pela jurisprudência brasileira, em que a insignificância da conduta, cuja mensuração dá-se pelo “grau de intensidade da ofensa ao bem jurídico protegido”44, em relação à norma do art. 1º da Lei nº 8.137/1990, restringe-se ao montante do tributo sonegado – o critério de apuração da existência dessa ofensa. Essa orientação jurisprudencial possui uma perspectiva patrimonial, haja vista o vetor utilizado para a identificação de situações que, não obstante sejam formalmente típicas, devam ter sua 42 RODRIGUES, Anabela Miranda. Contributo para da fundamentação de um discurso punitivo em matéria fiscal. In: PODVAL, Roberto (Org.). Temas de direito penal econômico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 182. 43 FIGUEIREDO DIAS, Jorge de; ANDRADE, Manuel da Costa. Ob. cit., p. 62. 44 ROXIN, Claus. Política criminal y sistema del derecho penal. Barcelona: Bosch, 1972. p. 168.
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doutrinárias a esse respeito – algumas de cunho patrimonialista (tutela do patrimônio público) e outras que sustentam ter o bem jurídico um caráter mais funcional.
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tipicidade material afastada em decorrência da aplicação do princípio da insignificância penal. Estabeleceu-se, desse modo, uma espécie de “tarifação” baseada numa relação custo-benefício. Sopesam-se os custos da cobrança do débito (via execução fiscal) e a quantia devida ao Erário, e, a partir de então, estabelecem-se as hipóteses em que há relevante ofensa ao bem jurídico penalmente tutelado. O valor consolidado do débito fiscal é o parâmetro adotado para a aferição do interesse na persecução penal, porquanto se entende como “inadmissível que uma conduta seja irrelevante no âmbito administrativo e não o seja para o direito penal, em observância ao princípio da subsidiariedade”45.
Em 22.03.2012, com a edição da Portaria nº 75 do Ministério da Fazenda (DOU 26.03.2012), modificou-se o valor do tributo a ser considerado como critério de reconhecimento da insignificância. A referida norma infralegal, atualmente com a redação parcialmente modificada pela Portaria MF nº 130, de 19.04.201247, determinou, em seu art. 2º, “o não ajuizamento de execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, cujo valor consolidado seja igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais)”, limite mínimo que foi acolhido pela jurisprudência48.
Até o início do ano de 2012, o parâmetro financeiro eram R$ 10.000,00 (dez mil reais), nos termos do art. 20 da Lei nº 10.522/2002 (na redação dada pela Lei nº 11.033, de 2004), norma que dispõe sobre o cadastro informativo dos créditos não quitados de órgãos e entidades federais. Veja-se:
Apreciando-se essa postura jurisprudencial, sob a perspectiva utilitarista, conclui-se que a irrelevância da consequência efetiva da conduta – aferida com base no valor do tributo sonegado – não justifica que toda a “máquina estatal”, sustentada pela coletividade, seja movimentada para a cobrança de pequenas quantias.
Art. 20. Serão arquivados, sem baixa na distribuição, mediante requerimento do Procurador da Fazenda Nacional, os autos das execuções fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, ou por ela cobrados, de valor consolidado, igual ou inferior, a R$ 10.000,00 (dez mil reais).
Transpondo-se essa análise para o pensamento do utilitarismo hedonista de Stuart Mill, conclui-se que a deflagração da persecução penal seria justificada na medida em que “produzisse o maior excedente possível de prazer sobre a dor, isto é, de
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[...].46
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45 STJ, Ag-HC 109.494, Rel. Min. Jane Silva, DE 28.10.2008. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 10 fev. 2013. A referida decisão seguiu a mudança de orientação do Supremo Tribunal Federal, que, por ocasião do julgamento do HC 95749, em 23.09.2008 (2ª T., Rel. Min. Eros Grau, DJe 07.11.2008), já havia se manifestado no sentido de que “o arquivamento das execuções fiscais cujo valor seja igual ou inferior ao previsto no art. 20 da Lei nº 10.522/2002 é dever-poder do Procurador da Fazenda Nacional, independentemente de qualquer juízo de conveniência e oportunidade., sendo inadmissível que a conduta seja irrelevante para a Administração Fazendária e não para o direito penal” (Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: 10 fev. 2013). 46 Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 1º mar. 2013.
47 Disponível em: <www.receita.fazenda.gov.br/Legislacao/Portarias/2012/ MinisteriodaFazenda/portmf075.htm>. Acesso em: 15 abr. 2013. 48 Nesse sentido, decidiu a Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da Quarta Região que, “na linha da orientação jurisprudencial, aplica-se o princípio da insignificância jurídica, como excludente de tipicidade, aos crimes em que há elisão tributária não excedente ao patamar considerado irrelevante pela Administração Pública para efeito de processamento de execuções fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União, atualmente no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), conforme Portaria nº 75/2012 do Ministério da Fazenda” (TRF 4ª R., Recurso Criminal em Sentido Estrito nº 5005226-63.2012.404.7005/PR, 8ª T., Rel. Des. Fed. Victor Laus, DE 03.02.2012. Disponível em: http:www.trf4.gov.br. Acesso em: 10 fev. 2013).
maximizar a felicidade, entendida exatamente em termos de prazer e ausência de dor”49.
contra a Fazenda Nacional, mesmo diante da pouca relevância financeira do resultado provocado pelo agir delituoso.
No caso dos delitos de sonegação fiscal, quando os custos da realização da cobrança de um crédito (despesas suportadas por toda a sociedade) são maiores do que os benefícios trazidos (retomada aos cofres públicos do valor sonegado, nas hipóteses em que este valor é considerado de pouca monta ou até ínfimo conforme critério já referido acima), sem maiores aprofundamentos, entende-se que não há a “maximização” da utilidade, de modo que resta injustificada eventual atuação estatal.
No estelionato, a ação incriminada assemelha-se, em parte, à que configura o crime contra a ordem tributária previsto no art. 1º da Lei nº 8.137/1990, porquanto exige-se a utilização, por parte do agente de artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento; o induzimento ou manutenção da vítima em erro; a obtenção de vantagem patrimonial ilícita pelo agente, e o prejuízo alheio50. Eis o teor da norma incriminadora:
3 A RESISTÊNCIA AO RECONHECIMENTO DA INSIGNIFICÂNCIA EM RELAÇÃO AOS DELITOS DE ESTELIONATO EM DETRIMENTO DE ENTIDADE PÚBLICA Não obstante esteja consolidada, pela jurisprudência, a adoção do critério financeiro e extrapenal (limite mínimo para a cobrança de débitos inscritos em dívida ativa) para o reconhecimento da insignificância nos delitos de sonegação fiscal, curiosamente tal entendimento não se estende ao delito de estelionato (também crime de dano), cometido em detrimento de entidade pública (art. 171, caput e § 3º do Código Penal), como, por exemplo, 49 BOBBIO, Norberto; MATEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Ob. cit., p. 1277.
[...] Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa. [...] § 3º A pena aumenta-se de um terço, se o crime é cometido em detrimento de entidade de direito público ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência.51
A similitude do desvalor da ação e o do resultado, em ambos os delitos, pode ser verificada a partir do seguinte exemplo: o cometimento do estelionato praticado em prejuízo da Fazenda Nacional, em que o agente faz uso de meio fraudulento para induzir em erro o Erário, obtendo vantagem ilícita. Tem-se, como exemplo, a situação na qual o sujeito mantém o Fisco em erro, mediante a inserção de elementos inidôneos (dados ideologicamente falsos) apostos na declaração de ajuste anual, com o fim de obter restituição indevida de imposto de renda, em prejuízo da Fazenda Nacional. 50 BITENCOURT, Cezar Roberto. Código penal comentado. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 666. 51 Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 1º dez. 2012.
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Em verdade, do exame do teor dos julgados, percebe-se que a jurisprudência brasileira não se aprofunda no necessário debate acerca da ofensa ao bem jurídico protegido. A discussão está, portanto, reduzida à representação patrimonial do dano ocasionado pela conduta delituosa daquele que suprime ou reduz tributo.
Art. 171. Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:
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Em casos tais, a jurisprudência tem entendido que não se faz possível o acolhimento do princípio da insignificância para justificar a não intervenção penal, ainda que em virtude do reduzido valor obtido. Esse rechaço funda-se no seguinte argumento: dentro da realidade normativa, não é cabível, no que tange ao estelionato praticado em detrimento do Fisco, a aferição intensidade da ofensa ao bem jurídico considerando-se, isoladamente, o quantum auferido pelo sujeito ativo do delito52. Observe-se julgado do Supremo Tribunal Federal:
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Habeas corpus. Penal. Estelionato praticado contra a Previdência Social. Art. 171, § 3º, do Código Penal. Princípio da insignificância. Inaplicabilidade. Elevado grau de reprovabilidade da conduta praticada, o que não legitima a aplicabilidade do postulado. Ordem denegada. 1. A aplicação do princípio da insignificância, de modo a tornar a conduta atípica, carece, entre outros fatores, além da pequena expressão econômica do bem objeto de subtração, de um reduzido grau de reprovabilidade da conduta do agente. 2. Ainda que se admitisse como norte para aferição do relevo material da conduta praticada pelo paciente a tese de que a própria Fazenda Pública não promove a execução fiscal para débitos inferiores a R$ 10.000 (dez mil reais) – Lei nº 10.522/2002 –, remanesceria, na espécie, o alto grau de reprovabilidade da conduta praticada. Esse fato, por si só, não legitimaria a aplicabilidade do postulado da insignificância. [...] 5. Segundo a jurisprudência da Corte, “o princípio da insignificância, cujo escopo é flexibilizar a interpretação da lei em casos excepcionais, para que se alcance o verdadeiro senso de justiça, não pode ser aplicado para abrigar conduta cuja lesividade transcende o âmbito individual e abala a esfera coletiva” (HC 107.041/SC, 1ª T., de minha relatoria, DJe 07.10.2011). 6. Ordem denegada. (HC 111918, 1ª T., Rel. Min. Dias Toffoli, DJe 22.06.2012)53 52 Mencionam-se, a título exemplificativo, os seguintes julgados: TRF 5ª R., ACR 200681000096153, 1ª T., Rel. Des. Fed. José Maria Lucena, DJE 22.10.2010, e TRF 4ª R., ACR 2005.71.08.005623-6, 7ª T., Rel. Des. Fed. Néfi Cordeiro, DE 10.06.2010. Disponíveis em: <www.cjf.jus.br/juris/unificada>. Acesso em: 14 out. 2012. 53 Disponível em: <www.cjf.jus.br/juris/unificada>. Acesso em: 14 dez. 2012.
Refletindo-se acerca de tal justificativa, torna-se difícil não reconhecer, de plano, a incoerência desse fundamento, porquanto, mesmo diante de condutas típicas símeis – tanto no estelionato contra entidades públicas como nos crimes tributários, o Erário deixa de dispor de valores que lhe são devidos por força de leis (obrigação tributária é ex lege) –, há uma verdadeira resistência, a nosso ver injustificada, à exclusão da tipicidade material do estelionato contra entidades públicas com base no mesmo parâmetro financeiro utilizado em relação aos delitos contra a ordem tributária. Segundo o entendimento acima referido, o princípio da insignificância não pode ser aplicado, porquanto o bem jurídico, pela norma do art. 171, caput e § 3º do Código Penal, é a “inviolabilidade do patrimônio, particularmente em relação aos atentados que podem ser praticados mediante fraude, interesse social [que é] representado pela confiança recíproca que deve presidir os relacionamentos patrimoniais”54. Ao que parece, não se pretende reduzir o exame do bem jurídico-penal protegido a um bem de natureza eminentemente patrimonial55. No entanto, a inconsistência dessa tese desvela-se pelo fato de que, como já pontuado anteriormente, a aferição da ofensa ao o bem jurídico-penal protegido nos crimes contra a ordem tributária possui uma ótica patrimonial. Em que pesem os conceitos de “ordem tributária”, “patrimônio público” e “prejuízo aos cofres públicos” não sejam equivalentes, permite-se, nos crimes tributários, a aferição da insignificância por meio do uso 54 BITENCOURT, Cezar Roberto. Código penal comentado. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 667. 55 TRF 4ª R., HC 0008482-36.2010.404.0000, 8ª T., Rel. Luiz Fernando Wowk Penteado, DE 16.04.2010. No mesmo sentido: TRF 4ª R., ACR 2006.71.10.005646-0/RS, 8ª T., Rel. Des. Fed. Paulo Afonso Brum Vaz, DE 25.09.2008. Disponíveis em: <www.cjf.jus.br/juris/unificada>. Acesso em: 14 dez. 2012.
Dessa maneira, a não adoção do já referido standard “utilitarista” para aferição da insignificância, tal como adotado nos crimes da Lei nº 8.137/1990, expõe, a nosso ver, uma incoerência sistêmica por parte do intérprete, pois não existe diferença entre as espécies de delito referidas quando se trata do exame do desvalor da ação e o do resultado para fins de aferição de ofensa a bem jurídico-penal. A justificação utilitarista perde força quando, pois, a deflagração da persecução estatal, no caso do estelionato contra entidades públicas, quando considerados valores inferiores ao limite de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), não é útil pela mesma razão que não é útil nos delitos tributários, isto, é, pelo elevado custo acarretado pela forma de recomposição do Erário, qual seja, a realização de procedimentos de cobrança administrativa. Até mesmo pragmaticamente, a ação do mesmo critério financeiro estaria justificada, pois, em ambos os casos, privilegiar-se-ia o êxito da ação, o efeito prático “identificando-se a concepção de um objeto à de seus efeitos possíveis”56. Está-se diante do que popularmente se conhece como “a utilização de dois pesos e duas medidas”. Como se pode verificar, mesmo sob o viés do utilitarismo altruísta (e “otimista”) de Stuart Mill, segundo o qual a justeza e a moralidade de uma ação “devem depender, exclusivamente, das 56 COMTE-SPONVILLE, André. Ob. cit., p. 466.
consequências que ela conduz ou para o sujeito agente ou para o grupo”57, não se sustenta, racionalmente, a mantença desse tratamento desigual dispensado pelo intérprete em relação ao reconhecimento da insignificância entre os delitos contra a ordem tributária e o estelionato em detrimento do Estado. Ademais, cumpre destacar que já se reconhece que a existência da figura do estelionato privilegiado, para valores correspondentes a um salário-mínimo, não tem o condão de satisfazer as exigências da proporcionalidade, de modo a justificar o não reconhecimento da insignificância penal. Mas essa mudança de concepção jurisprudencial é tímida, pois limita a incidência do princípio da insignificância tão somente nos casos em que o estelionato é praticado contra particulares58. De posse dessas referências, constata-se que, a despeito do inadiável debate acerca da necessidade de intervenção penal em relação às condutas que impliquem supressão ou redução de tributos, enquanto há incriminação dessas condutas, devem-se discutir as hipóteses de reconhecimento da insignificância penal. Nos delitos contra a ordem tributária, previstos no art. 1º da Lei nº 8.137/1990, remete-se o critério de afastamento da tipicidade material à doutrina utilitarista e ao pragmatismo59, de modo que o acolhimento do princípio da insignificância visa a corrigir certas “distorções” entre a conduta delituosa e a sanção legalmente prevista, depurando-se, por assim dizer, o rigor do 57 BOBBIO, Norberto; MATEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. 2. ed. Brasília: Editora de Universidade de Brasília, 1983. p. 1276. 58 STF, HC 100937, 2ª T., Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe 01.02.2011. Disponível em: <http://cjf.jus.br/juris/unificada>. Acesso em: 14 out. 2012. 59 Para o pragmatismo, a práxis (ação) “é a fonte, o conteúdo, a medida e a meta de todo o conhecimento e valor”; “o teste de toda e qualquer coisa é a utilidade” (BUNGE, Mario. Ob. cit., p. 292).
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de um critério financeiro (valor do tributo sonegado). De modo diverso, ao tratar do estelionato contra a Fazenda Nacional, delito de caráter patrimonial que pune o dano causado ao Estado, a perspectiva hermenêutica é modificada, não se examinam as mesmas categorias analisadas no delito de sonegação fiscal (valor do prejuízo, dano, custo aos cofres públicos para a obtenção da quantia devida...)
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sistema punitivo e, como isso, alça-se a máxima felicidade (o bem-estar coletivo).
FELDENS, Luciano. A Constituição Penal – A dupla face da proporcionalidade no controle de normas penais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.
Ainda que não se defenda a adoção dessa concepção utilitarista, nos termos em que posta pela jurisprudência brasileira, o que não se pode fazer é negar a possibilidade desse tipo de justificação para o reconhecimento da insignificância em relação a outros, além dos crimes de sonegação fiscal, cuja conduta ofensiva seja semelhante àquele, pois essa contradição interpretativa aqui demonstrada desvela a intolerável fragilidade teórica dos posicionamentos jurisprudenciais ou até mesmo a ausência de qualquer base teórica por parte do intérprete, o que leva à adoção de princípios metodológicos e hermenêuticos ad hoc.
FIGUEIREDO DIAS, Jorge de; ANDRADE, Manuel da Costa. O crime de fraude fiscal no novo direito penal tributário português. Revista Brasileira de Ciências Criminais, a. 4, n. 13, jan./mar. 1996.
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Doutrina
Poluição LUIZ CARLOS ACETI JÚNIOR
Advogado, Pós-Graduado em Direito de Empresas, Especializado em Direito Empresarial Ambiental, Professor de Graduação da FMPFM, Asmec, Professor de Pós-Graduação em Direito e Legislação Ambiental da Unifeob, FMPFM, Asmec, Fatece, Unifeg, ESDC, Falnatal, Unipinhal, entre outras, Palestrante, Parecerista, Consultor de Empresas Públicas e Privadas na Área Jurídico-Ambiental. Fundador e Consultor do Portal Mercado Ambiental (www.mercadoambiental.com.br) e (www.pdca.org.br), Sócio da Aceti Advogados Consultoria Jurídico-Empresarial Ambiental (www.aceti.com. br) e da ACDP – Ambiental, Comunicação e Desenvolvimento Profissional (www. acdp.com.br). Autor de livros e artigos jurídicos em direito ambiental.
ELIANE CRISTINE AVILLA VASCONCELOS
Advogada, Pós-Graduanda em Meio Ambiente, Especialista em Gestão Ambiental, Especializada em Direito e Legislação Ambiental, Professora de Gestão Ambiental, Legislação e Direito Ambiental do Senac/SP, Palestrante, Parecerista, Consultora nas Áreas Jurídica e de Gestão Ambiental Empresarial, Perita em Gestão Ambiental da Vara Federal Ambiental de Florianópolis/SC, Sócia-diretora da E. C. Avilla – Assessoria e Consultoria Jurídica e Ambiental, Parceira da ACDP – Ambiental Comunicação e Desenvolvimento Profissional (www.acdp.com.br). Autora de livros e artigos jurídico-ambientais.
SUMÁRIO: 1 Tipos de poluição e seus efeitos; 1.1 Poluição das águas; 1.2 Poluição do ar; 1.2.1 Aquecimento global; 1.2.2 Efeito estufa; 1.2.3 Chuva ácida; 1.2.4 Destruição da camada de ozônio; 1.3 Poluição do solo; 1.4 Poluição visual; 1.5 Poluição sonora; 2 A necessidade da proteção ao meio ambiente; 2.1 O meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental de todo ser humano; 3 O direito em defesa do meio ambiente; 3.1 Princípio do poluidor-pagador; 4 Mercado internacional de carbono: interesse econômico ou preocupação ambiental?; 4.1 O Brasil frente ao Protocolo de Kyoto; Referências.
O grande aumento da população mundial vem ocasionando inúmeros desequilíbrios econômicos e sociais e, consequentemente, danos irreparáveis ao meio ambiente. Em cinquenta anos, a população mundial passou de aproximadamente dois bilhões e meio em meados dos anos cinquenta, para cerca de seis bilhões em 2000. O crescimento desordenado das cidades, o surgimento das grandes indústrias, trouxe graves problemas para os seres humanos e, principalmente, para a natureza que está sendo degradada de maneira irreversível. A definição legal de poluição está expressa no Decreto Federal nº 76.389/1975: Poluição é qualquer alteração das propriedades físicas, químicas ou biológicas do meio ambiente (solo, água e ar), causada por qualquer substância sólida, líquida, gasosa ou em qualquer estado da matéria, que, direta ou indiretamente seja nociva ou ofensiva à saúde, à segurança e ao bem-estar das populações ou crie condições inadequadas para fins domésticos, agropecuários, industriais e outros; ou ocasione danos à fauna e à flora.
Na legislação ambiental, poluição é definida no art. 3º, III, da Lei nº 6.938/1981, como: A degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que, direta ou indiretamente, prejudiquem a saúde, segurança e o bem estar da população; criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; afetem desfavoravelmente a biota; afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos.
No Estado de São Paulo, a Lei Paulista nº 997/1976, define: Considera-se poluição do meio ambiente a presença, o lançamento ou a liberação, nas águas, no ar ou no solo, de toda e qualquer forma de matéria ou energia, com intensidade, em qualidade, de concentração ou com carac-
terísticas em desacordo com as que forem estabelecidas em decorrência desta lei, ou que tornem ou possam tornar as águas, o ar ou o solo: impróprios, nocivos ou ofensivos à saúde; inconvenientes ao bem-estar público; danosos aos materiais, à fauna e à flora; prejudiciais à segurança, ao uso e gozo da propriedade e às atividades normais da comunidade.
e desde os mais remotos tempos já tinha a cultura de lançar seus detritos na água. Porém, esse procedimento não causava muitos problemas, pois os rios, oceanos e lagos têm o poder de autodepuração (autolimpeza).
A Lei nº 9.605/1998, que trata dos crimes ambientais, em seu art. 54, configura crime: “Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora [...]”.
Com a Revolução Industrial, que ocorreu no início do século XIX, o volume de detritos despejados nas águas aumentou significativamente, comprometendo a capacidade de purificação dos rios, oceanos e lagos.
1 TIPOS DE POLUIÇÃO E SEUS EFEITOS 1.1 Poluição das águas A Lei nº 3.068, de 14 de julho de 1995, define poluição das águas como sendo: Qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas das águas que possa constituir prejuízo à saúde, à segurança e ao bem-estar das populações e ainda, possa comprometer a fauna ictiológica e utilização das águas para fins comerciais, industriais e recreativos.
É o lançamento ou infiltração de substâncias nocivas na água, comprometendo a existência normal da flora e da fauna aquática e, ainda, seu uso pela coletividade. As atividades antrópicas, como a agricultura, os processos industriais, mineração, os esgotos urbanos e a falta de consciência da humanidade são as principais fontes de poluição das águas. O ser humano se utiliza da água para sobreviver
Os compostos orgânicos lançados nas águas provocam um aumento no número de microrganismos decompositores. Esses microrganismos consomem todo o oxigênio dissolvido na água; com isso, os peixes que ali vivem podem morrer, não por envenenamento, mas por asfixia. Essas águas contaminadas podem causar, ainda, doenças aos seres humanos, como, por exemplo, a disenteria, a amebíase, a esquistossomose, a malária, a leishmaniose, a cólera, entre várias outras. Os oceanos recebem boa parte dos poluentes dissolvidos nos rios e riachos, além do lixo dos centros industriais e urbanos. Em muitas regiões litorâneas, nas quais isso ocorre, as praias tornam-se impróprias para o banho de mar. Outras substâncias lançadas nos cursos d’água pelas indústrias são os compostos minerais, derivados do petróleo, chumbo e mercúrio.
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Podemos entender, portanto, poluição como sendo qualquer modificação do meio ambiente e que altere seu equilíbrio, tornando-o impróprio e comprometendo todas as formas de vida existentes no planeta.
Entre as substâncias despejadas estão os compostos orgânicos, lançados geralmente em grandes quantidades pelas cidades (esgoto urbano). Apenas 14% das regiões brasileiras trata seu esgoto. O restante joga a céu aberto, contaminando solo e águas subterrâneas, ou despejam nos cursos d’água, poluindo e contaminando os rios. Os compostos orgânicos são lançados, também, pelas indústrias e agroindústrias.
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Muitos dos rios que atravessam regiões urbano-industriais, como o Rio Tietê, em São Paulo, são praticamente “rios mortos”, devido à grande quantidade de poluentes lançados diariamente. Outro tipo de poluição e contaminação das águas ocorre por meio dos fertilizantes, pesticidas, fungicidas e herbicidas, que são utilizados na agricultura. Quando chove, estes produtos são arrastados para os rios, contaminando, também o solo e os lençóis freáticos.
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O vazamento de óleo dos navios petroleiros é outro grave agente de poluição. Anualmente, 1 milhão de toneladas de óleo espalha-se pela superfície dos oceanos, causando verdadeiros desastres ecológicos. As manchas negras prejudicam a fauna e a flora marítimas. Um dos mais graves acidentes com petroleiros ocorreu no Alasca, em março de 1988, com o petroleiro americano Exxon Valdez. O petroleiro chocou-se contra os recifes derramando 40 milhões de litros de óleo no oceano. Vários animais morreram e os que sobreviveram ficaram intoxicados, propagando os efeitos do acidente. Segundo os cientistas, serão necessárias pelo menos duas décadas para que o Alasca se recupere, e dificilmente serão restabelecidas as condições ambientais anteriores.
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1.2 Poluição do ar A camada de ar que envolve a Terra, chamada de atmosfera, é formada por vários gases que formam uma cadeia equilibrada, possibilitando a existência de vida no planeta. O problema está quando ocorre o desequilíbrio desses gases, provocando a poluição do ar, prejudicando a existência de todas as espécies. A poluição do ar é caracterizada pela presença de gases tóxicos e partículas líquidas ou sólidas no ar. As alterações ocorrem devido à queima de combustíveis fósseis (petróleo, gás natural e carvão mineral) ou recicláveis (lenha,
álcool, etc.), utilizados principalmente nas indústrias e nos veículos automotores. Os escapamentos dos veículos, as chaminés das fábricas, as queimadas estão constantemente lançando no ar grandes quantidades de substâncias prejudiciais à saúde dos seres humanos e ao meio ambiente no geral. Nos grandes centros urbanos e industriais, tornam-se frequentes os dias em que a poluição atinge níveis críticos. Os escapamentos dos veículos automotores emitem gases como o monóxido (CO) e o dióxido de carbono (CO2), o óxido de nitrogênio (NO), o dióxido de enxofre (SO2) e os hidrocarbonetos. As fábricas de papel e cimento, indústrias químicas, refinarias e as siderúrgicas emitem óxidos sulfúricos, óxidos de nitrogênio, enxofre, partículas metálicas (chumbo, níquel e zinco) e substâncias usadas na fabricação de inseticidas. Produtos como os aerossóis, espumas plásticas, alguns tipos de extintores de incêndio, materiais de isolamento de construção, buzinas de barcos, espumas para embalagem de alimentos, entre vários outros liberam clorofluorcarbonos (CFCs). Todos esses poluentes são resultantes das atividades humanas e são lançados na atmosfera. A emissão excessiva de poluentes tem provocado sérios danos à saúde, como problemas respiratórios (bronquite crônica e asma), alergias, lesões degenerativas no sistema nervoso ou em órgãos vitais e até câncer. Esses distúrbios agravam-se pela ausência de ventos e no inverno com o fenômeno da inversão térmica (ocorre quando uma camada de ar frio forma uma parede na atmosfera que impede a passagem do ar quente e a dispersão dos poluentes). Comprometem, também, o meio ambiente, pois a toxidez do ar ocasiona a destruição de florestas, fortes chuvas que provocam a erosão do solo e o entupimento dos rios. No Brasil, dois exemplos de cidades totalmente poluídas são Cubatão e São Paulo.
Os principais impactos ao meio ambiente são o aquecimento global, a redução da camada de ozônio, o efeito estufa e a precipitação de chuva ácida.
O problema começou com a Revolução Industrial, com o aumento da queima dos combustíveis fósseis (carvão e petróleo), além da queima de florestas e pastagens, que liberam uma grande quantidade de CO2 na atmosfera, intensificando o efeito estufa.
1.2.1 Aquecimento global
As consequências desse fenômeno são desastrosas e de difícil previsão, já que o aumento da temperatura global ocasiona um desequilíbrio no clima, alterando os ciclos naturais, causando danos irreversíveis ao meio ambiente.
Entre as muitas consequências desse aumento de temperatura estão, além do derretimento das geleiras, o consequente aumento do nível dos mares e oceanos, inundando várias cidades litorâneas; também a morte de inúmeros seres vivos, como animais, microorganismos e plantas que não irão suportar a mudança brusca de temperatura, alterando os ciclos naturais.
1.2.2 Efeito estufa Ao contrário do que se pensa, o efeito estufa é um fenômeno natural benéfico, de extrema importância para a manutenção da vida no planeta. Sem ele, a temperatura média da Terra seria em torno de 19º negativo. O efeito estufa é produzido por uma camada natural de gases na atmosfera que protegem a Terra da diminuição excessiva de temperatura, impedindo que o calor se dissipe em níveis que façam o planeta se resfriar em demasia1. 1 Ministério do Meio Ambiente. Manual de educação: consumo sustentável. Brasília: Consumers International, 2002. p. 70.
Portanto, esse quadro somente se reverterá se a humanidade se conscientizar do problema e começar a diminuir a emissão de gases que intensificam o efeito estufa, minimizando, assim, as consequências desastrosas para a vida no planeta.
1.2.3 Chuva ácida A emissão de poluentes como dióxido sulfúrico, óxidos de nitrogênio e hidrocarbonetos voláteis pelas indústrias e pelos veículos automotores, quando reagem com a água das chuvas e com a luz solar, formam ácido sulfúrico e nítrico, sais de amônia e outros. Os efeitos decorrentes da chuva ácida se refletem na natureza, como nas matas, rios, na agricultura, causando diversos prejuízos, uma vez que são sensíveis às alterações do pH. Afetam, ainda, as construções antigas, bem como os monumentos históricos, em todo mundo, já que a chuva ácida as corrói, causando prejuízos financeiros e culturais. A longo prazo, a biodiversidade poderá ser seriamente afetada, assim como a qualidade das águas, inclusive as subterrâneas.
1.2.4 Destruição da camada de ozônio O ozônio (O3) é um gás normalmente encontrado na alta atmosfera, onde forma uma tênue camada que nos protege dos raios ultravioletas do sol.
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O aquecimento global é a elevação da temperatura média do planeta a ponto de reduzir ou até acabar com as calotas de gelo que cobrem os polos. Há aumento do dióxido de carbono na atmosfera a um ritmo médio de 1% ao ano. A queima da cobertura vegetal nos países subdesenvolvidos é responsável por 250% desse aumento. A maior fonte, no entanto, é a queima de combustíveis fósseis, como o petróleo.
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O problema está na sua destruição, permitindo que esses raios atinjam o solo sem proteção. O principal gás responsável pela sua destruição é o CFC, formado por cloro, flúor e carbono, altamente destrutivos para a camada de ozônio. Os principais responsáveis pela liberação desses gases são as indústrias de refrigeradores, aparelhos de ar-condicionados, motores de avião, entre outros. Os raios ultravioletas são prejudiciais para os seres vivos. Nos seres humanos podem causar problemas sérios de visão e até câncer de pele. O ser humano evoluiu, descobriu as máquinas, conquistou riquezas, dominou a natureza, mas, em contrapartida, degrada a cada dia a qualidade de vida no planeta, comprometendo o destino de todas as espécies, inclusive o seu próprio, já que grande parte dos seres vivos depende do oxigênio para sobreviver. Os ciclos da biosfera penetram os seres vivos. A respiração, com a troca de oxigênio e gás carbônico, integra o ciclo desses minerais. É fácil concluir que o ar contaminado, poluído, degradado, constitui um veneno para a saúde, na medida em que sua ingestão não pode ser evitada, já que nenhum ser vivo pode sobreviver sem aspirá-lo2.
ácida, o efeito estufa, a mineração são agentes causadores do desgaste de nossa litosfera. Na agricultura, os inseticidas usados no combate às pragas prejudicam o solo, a vegetação e os animais. Com as técnicas atrasadas utilizadas na agricultura, como a queima da vegetação para depois começar o plantio, o terreno fica exposto ao sol e ao vento, ocasionando a perda de nutrientes e a erosão do solo. O lixo também tem o seu papel importante na degradação do solo. Devido a sua grande quantidade e composição, ele contamina o terreno, chegando até a contaminar os lençóis de água subterrâneos. O mesmo acontece com os reservatórios de combustíveis dos postos, pois eles ficam enterrados no solo, correndo o risco de vazamento devido à corrosão do material usado no revestimento dos reservatórios. A mineração, com as suas escavações em busca de metais, pedras preciosas e minerais, continua devastando e tornando improdutível o nosso precioso solo.
O solo geralmente é contaminado por resíduos industriais ou agrícolas transportados pelo ar, pela chuva e pelo homem. O uso indevido do solo e de técnicas atrasadas na agricultura, os desmatamentos, as queimadas, o lixo, os esgotos, a chuva
O lixo acumulado, além de destruir a vegetação, contribui para a poluição do ar com o mau cheiro e com a fumaça produzida pela incineração, chegando a contaminar os lençóis de água subterrâneos com a infiltração de lixo tóxico.
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A poluição do solo é outro problema grave enfrentado pelas sociedades do terceiro milênio.
A imprudência, o consumismo, o desperdício e a ganância humana tratam de prosseguir essa deterioração. Os inseticidas, quando usados de forma indevida, acumulam-se no solo, os animais se alimentam da vegetação contaminada, prosseguindo o ciclo de contaminação. Como já dito, com as chuvas, os produtos químicos usados na composição dos pesticidas infiltram no solo contaminando os lençóis freáticos e acabam escorrendo para os rios continuando a contaminação.
1.3 Poluição do solo
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2 SILVA, J. A. Direito ambiental constitucional, 1998. p. 77.
O uso indiscriminado do solo traz sérios efeitos, como a erosão (desgaste do solo) e o aumento da desertificação.
1.4 Poluição visual
1.5 Poluição sonora
As propagandas veiculadas por meio de faixas, cartazes, placas, painéis e letreiros, as pichações e as edificações e monumentos malcuidados são os principais responsáveis pela poluição visual.
O crescimento desordenado das cidades trouxe consigo um tipo de poluição que não pode ser vista e que as pessoas se acostumaram por ser tão comum na vida moderna e agitada, mas que não deixa de ser tão problemática quanto os outros tipos de poluição já citados anteriormente.
Estudos comprovam que essa forma de poluição causa problemas de saúde, como, por exemplo, o stress, degrada a paisagem natural, deixando-a suja e nada agradável. Nos dias de hoje, a paisagem, quer proveniente somente das forças naturais (beleza natural), quer decorrente apenas da capacidade humana (beleza artificial), quer, ainda, decorrente tanto da natureza como da arte humana (beleza eclética), constitui bem de valor protegido em texto constitucional e legal, diante de suas benéficas funções de sossego, de lazer, de recreação, caracterizadas pelo aspecto tranquilizante ou agradável da paisagem, considerando essencial aos desequilíbrios fundamentais da vida contemporânea. Em decorrência do progresso, observa-se que um dos problemas que mais afligem especialmente os grandes centros demográficos é relacionado com a degradação violenta das paisagens, em seus diversos aspectos, mediante a destruição ou desfiguração do patrimônio de valor histórico, artístico, monumental ou paisagístico3. 3 CUSTÓDIO, H. R. Responsabilidade civil por danos ao meio ambiente, 1983. p. 127.
A poluição sonora se dá por meio do ruído, que é o som indesejado, sendo considerada uma das formas mais graves de agressão ao homem e ao meio ambiente. Segundo a OMS – Organização Mundial da Saúde –, o limite tolerável ao ouvido humano é de 65dB(A). Acima disso, nosso organismo sofre estresse, o qual aumenta o risco de doenças. Com ruídos acima de 85dB(A) aumenta o risco de comprometimento auditivo. Dois fatores são determinantes para mensurar a amplitude da poluição sonora: o tempo de exposição e o nível do barulho a que se expõe a pessoa. O ruído de trânsito de veículos automotores é o que mais contribui na poluição sonora e cresce muito nas grandes cidades brasileiras, agravando a situação. A poluição sonora também é um grave problema que atinge o meio ambiente do trabalho. O ruído industrial, além da perda orgânica da audição, provoca uma grande variedade de males à saúde do trabalhador, que vão de efeitos psicológicos, distúrbios neurovegetativos, náuseas e cefaleias, até redução da produtividade e aumento do número de acidentes. Segundo a Sociedade Brasileira de Acústica, os níveis de ruído industrial nas empresas brasileiras são absurdamente excessivos, sendo necessária e obrigatória a utilização dos EPIs (Equipamentos de Proteção Individuais) e EPCs (Equipamentos de Proteção Coletiva).
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Poluição visual pode ser definida como qualquer tipo de “agressão” da paisagem aos olhos da sociedade. Isso engloba lixo espalhado pelas ruas, pichações em muros (o que é muito diferente da arte grafite), o excesso de outdoors, placas publicitárias e fios elétricos.
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Segundo os zoólogos, as maiores dificuldades de adaptação dos animais ao cativeiro decorrem principalmente do barulho artificial das grandes cidades. Por outro lado, comprova-se que nos locais de muito ruído é mais acentuada a presença de ratos e baratas, agentes potenciais de transmissão de doenças. A Lei nº 9.605/1998, que trata dos crimes ambientais, em seu art. 54, configura crime “causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar danos à saúde humana [...]”, o que inclui, nessa figura delituosa, a poluição sonora pelas consequências que produz, como dito. A Lei nº 8.078/1990, do Código do Consumidor, proíbe o fornecimento de produtos e serviços potencialmente nocivos ou prejudiciais à saúde (art. 10), podendo-se considerar como tais os que produzem poluição sonora. A Resolução nº 8/93 do Conama estabelece limites máximos de ruídos para vários tipos de veículos automotores.
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O meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito fundamental de todo ser humano e, portanto, é dever do Poder Público e também de todos nós protegê-lo e preservá-lo para desfrutarmos de uma melhor qualidade de vida e, principalmente, oferecermos essa melhor qualidade de vida para as gerações futuras.
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2 A NECESSIDADE DA PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE 2.1 O meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental de todo ser humano O ser humano é parte integrante da natureza, dependendo de seu equilíbrio para sobreviver. O Planeta Terra tem aproximadamente 4,5 bilhões de anos e a vida na Terra existe há mais de 3,5
bilhões de anos. O ser humano está sobre a Terra há cerca de 2 a 3 milhões de anos, vivendo em equilíbrio com outras formas de vida. Apenas nos últimos 200 anos as pessoas começaram a afetar o meio ambiente global de forma significativa, e apenas nos últimos 40 anos esse impacto se tornou, de fato, grave ao planeta4. O desordenado crescimento populacional e o desenvolvimento à custa dos recursos ambientais foram os maiores responsáveis pela degradação ambiental que vem comprometendo todas as espécies que habitam a Terra, inclusive os seres humanos. O progresso tecnológico levou a humanidade à evolução, mas, em consequência, utilizamos de maneira descontrolada os recursos naturais vitais e finitos, poluímos e destruímos a natureza de maneira irreversível. Precisamos chegar quase ao fim do túnel para começarmos a nos conscientizar da importância do meio ambiente saudável para a existência no Planeta e começarmos a preservar, principalmente para as futuras gerações, já que após ocorrido o dano é muito mais oneroso e, na maioria das vezes, é difícil ou impossível recuperá-lo. No entender de José de Sousa Cunhal Sendim: O homem é parte integrante da natureza, suscitou, desde o final da década de sessenta, uma revisão dos principais pressupostos onde repousavam os sistemas jurídicos e uma progressiva adoção de medidas juridicamente vinculantes destinadas a proteger e a regular, de forma planificadora, conformadora, preventiva e promocional, o ambiente (environment, Umwelt) natural e humano perante os efeitos perturbadores do processo civilizacional.5 4 CORSON, W. Manual global de ecologia. p. 2. 5 SENDIM, J. S. C. Responsabilidade civil por danos ecológicos, 1998. p. 17.
3 O DIREITO EM DEFESA DO MEIO AMBIENTE O direito ambiental é considerado um direito humano difuso e coletivo, já que seu titular não é apenas um grupo de pessoas, mas sim toda a coletividade, sendo o meio ambiente ecologicamente equilibrado um direito fundamental de todos os seres humanos, devendo ser assegurada a sua proteção para as presentes e, principalmente, para as futuras gerações. A base jurídica do direito ambiental está na Constituição Federal de 1988, que, em seu art. 225, prevê alguns princípios balisadores do direito ao meio ambiente. Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Proteger e preservar o meio ambiente contra as agressões inconsequentes e continuadas é responsabilidade do Poder Público, da iniciativa privada e também de todos nós. O direito ambiental deve ser entendido como um instrumento jurídico cujos objetivos maiores devem estar voltados para a prevenção do dano ambiental, e não para sua simples reparação.
Busca o reconhecimento do ser humano como parte integrante da natureza. Reconhece, também, como é evidente, que a ação do homem é, fundamentalmente, modificadora da natureza. O direito ambiental tutela as relações do homem com o meio ambiente no intuito de proteger juridicamente esse bem coletivo de extrema relevância para todos os seres vivos. Portanto, pode ser entendido como um direito que se desdobra em três vertentes fundamentais, uma humana, uma ecológica e uma econômica, que devem se harmonizar sob o conceito de desenvolvimento sustentável. Tais vertentes existem na medida em que o direito ambiental é um direito humano fundamental que cumpre a função de integrar os direitos à saudável qualidade de vida, ao desenvolvimento econômico e à proteção dos recursos naturais.
3.1 Princípio do poluidor-pagador Existem vários princípios de suma importância no direito ambiental, entretanto, o princípio do poluidor-pagador e do usuário-pagador é, sem sombra de dúvidas, um dos principais, baseando-se simplesmente no ponto em que o usuário de recursos naturais que não paga por esse uso, dano ou degradação, está tendo um enriquecimento ilícito, e, em contra partida, a sociedade, “dona” do bem ambiental, considerado como macrobem, estará tendo um empobrecimento, ou melhor, estará ocorrendo a socialização do prejuízo. Para melhor explicar basta exemplificar tomando unicamente como base o direito ambiental: uma pessoa que vive nas Regiões Sul e Sudeste, completamente abastecidas de água, em que basta abrir a torneira e dispor desse recurso como bem entender, “é muito mais rica” do que um morador nordestino, daquelas cidades em que a água somente chega por meio de caminhões-pipa pagos.
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O equilíbrio entre o desenvolvimento e o meio ambiente está no chamado desenvolvimento sustentável, que compatibiliza as reais necessidades do homem com a preservação do meio ambiente, permitindo a existência harmônica de todas as espécies no planeta. Sob essa ótica, entendemos que a preservação de “todas” as espécies de vida é necessária, uma vez que elas formam uma grande cadeia interligada, na qual uns dependem dos outros para que a vida humana continue a aflorar.
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Outro exemplo para elucidar esse princípio é o elevado gasto com a saúde nas grandes cidades, devido à poluição, os reflexos são avassaladores. Há uma desvantagem econômica dessas pessoas com aquelas das cidades pequenas, nas quais a poluição ainda não chegou e a qualidade de vida é ótima. Mas é importante frisar que isso não significa que devemos pagar pelo ar que respiramos, ou mesmo pela poluição que nos consome. O que se quer é mostrar que a qualidade de vida tem valor econômico a ser mensurado! O poluidor pagador é todo aquele, seja pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, que polui, tendo de pagar por isso.
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A diferença é a seguinte: empresas, quando vão se instalar em determinado local, necessariamente deveriam (deveriam porque na maioria dos Municípios isso não acontece), realizar um estudo de classificação quanto ao seu grau de risco e de poluição ambiental e, inclusive, conforme o caso, exigir um relatório prévio de impacto ambiental àquele local.
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Acreditamos que o Estudo de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto ao Meio Ambiente (EIA-Rima), bem como o EIV (Estudo de Impacto de Vizinhança) previsto no Estatuto da Cidade, são fundamentais, nos dias atuais, para o desenvolvimento sustentável de nossas cidades, porém, ainda não são largamente utilizados, porque existem outros fatores determinantes, como o econômico e o fiscal, por exemplo, que se sobrepõem ao interesse ambiental, infelizmente. As empresas, ao terem a classificação de seu risco ambiental fixado, são tributadas proporcionalmente a este. Esse dinheiro sai do caixa da empresa e vai para o Estado, acreditando que detém o direito de poluir porque estão pagando, chegando ao ponto, algumas, de embutir esse valor no custo de seus produ-
tos. Atitude equivocada e que demonstra ignorância ambiental sem tamanho. Toda empresa que paga ao Estado um valor correspondente ao grau de seu risco ambiental quanto a sua atividade, deveria, sim, buscar meios tecnológicos, por meio de Sistemas de Gestão Ambiental (SGA), mais adequados para consumir menos matéria prima, produzir mais, sem agredir ou degradar o ambiente. Por isso a necessidade da implantação pelas empresas, públicas ou privadas, urbanas ou rurais, de Sistemas de Gestão Ambiental. Tal atitude deveria ser cobrada pelos órgãos públicos, principalmente pelas prefeituras, para com as empresas, e, com isso, fatalmente acabaria por ocorrer melhoria na qualidade de vidas aos habitantes desses Municípios, pois a necessidade de um desenvolvimento sustentável é a única certeza que todos temos, sob pena de toda a sociedade sucumbir. Para as empresas, que são as maiores degradadoras do meio ambiente, que ainda não “entenderam” as questões ambientais e que causam danos e/ou degradação ao meio ambiente, necessitam urgentemente se “reciclar” quanto à gestão e administração, sob pena de estarem à margem da sociedade em poucos anos, sendo taxadas de empresas “não amigas do meio ambiente” ou “empresas irresponsáveis”, e pior, correndo risco de sofrerem, conforme o caso, aplicação de pesadas multas, além de ações judiciais para reparação de danos causados e recuperação das áreas degradadas ou poluídas, além de indenizações devidas quanto a terceiros que forem afetados por essa poluição que deram causa. Poluidor-pagador e usuário-pagador também podem ser exemplificados como a empresa que utiliza um bem, por exemplo, a água, para produzir determinado produto como as empresas de refrigerantes, cervejarias, vinícolas, etc., e após toda a in-
dustrialização da água (usuário), devolve ao rio os dejetos da industrialização (poluidor).
de 1975, para que os Estados europeus adotassem leis com a utilização desses princípios.
Os habitantes de uma cidade em suas residências também consomem a água (usuários) e devolvem à natureza os dejetos (poluidores); a diferença é exatamente a quantidade de produtos utilizados e devolvidos.
Por danos ao meio ambiente, a empresa responsável pela degradação ambiental poderá ser responsabilizada administrativa, criminal e civilmente.
A Lei nº 6.938/1981 prevê: “[...] à imposição, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos e à imposição ao poluidor e ao predador da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados [...]” (art. 4º, VII). Toda empresa com risco de poluição ao meio ambiente deverá pagar ao Estado um quantum pelo simples risco, ou seja, pela poluição que pode ser causada; bem como, deverá também pagar pela poluição que já tenha causado, e quanto mais eficiente o Sistema de Gestão Ambiental da empresa, menor será o impacto desse valor nas finanças da empresas. O Princípio do Poluidor Pagador e do Usuário Pagador foi integralmente recepcionado pela Constituição Federal de 1988, assim como, já estava explicitado no art. 14, § 3º, da Lei nº 6.938/1981, ao estabelecer a responsabilidade do poluidor independentemente de culpa, quando determinou que: “[...] sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros afetados por sua atividade”. Observem que inclusive as empresas multinacionais têm exato conhecimento dessa responsabilidade, pois existe a Recomendação do Conselho das Comunidades Europeias, de 3 de março
A lei mais utilizada atualmente é a Lei nº 9.605/1998, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. A grande novidade desse texto legal é a possibilidade das pessoas jurídicas serem responsabilizadas, senão vejamos: “As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente, conforme o disposto nessa lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de sua representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade”. Notem que a responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a responsabilidade das pessoas físicas, autoras, coautoras, senão vejamos: Art. 3º da Lei nº 9.605/1998: “Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato”. Na esfera administrativa, o predador está sujeito a inúmeras multas por atos lesivos ao bem ambiental, porém, dentro dos limites previstos no Decreto nº 3.179/1999, que prevê: “Art. 5º O valor da multa de que trata este Decreto será corrigido, periodicamente, com base nos índices estabelecidos na legislação pertinente, sendo no mínimo de R$50,00 (cinqüenta reais), e o máximo de R$50.000.000,00 (cinqüenta milhões de reais)”. Porém, vale lembrar que, na esfera criminal também o poluidor estará sujeito a pena de multa, independentemente da multa aplicada na esfera administrativa. Para tanto, devem ser observados os arts. 18 a 21 da Lei nº 9.605/1998.
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Todas as pessoas físicas e jurídicas, de direito público ou privado, estão sujeitos a sofrerem as sanções administrativas, criminais e cíveis por dano ao meio ambiente.
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O mais problemático para as empresas em geral é a forma como deve ser calculada a multa a ser aplicada a uma empresa que seja responsável por danos ao meio ambiente. De acordo com a Lei nº 9.605/1998 (art. 6º), será observado para a imposição e gradação da penalidade, pela autoridade competente: I – a gravidade do fato, tendo em vista os motivos da infração e suas consequências para a saúde pública e para o meio ambiente; II – os antecedentes do infrator quanto ao cumprimento da legislação de interesse ambiental; III – a situação econômica do infrator, no caso de multa. Assim, quanto maior for a empresa causadora da poluição, seja ela poluidor direto ou indireto (Lei nº 6.938/1981, art. 3º, IV), a multa será calculada com base na sua situação econômica. Assim, mais vale prevenir do que remediar! No Brasil, o princípio do poluidor pagador foi definitivamente adotado pela Constituição Federal de 1988, notadamente nos §§ 1º, 2º e 3º do art. 225, que preveem, ainda que parcialmente, a aplicação de três de suas principais consequências:
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a) a prevenção, mediante a exigência de estudo prévio de impacto ambiental para toda obra ou atividade potencialmente degradadora do meio ambiente;
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b) a reparação, mediante a obrigação específica do explorador de recursos naturais de recuperar o meio ambiente degradado, e a genérica de qualquer pessoa física ou jurídica de reparar os danos causados ao meio ambiente, seja por ação ou omissão; c) a repressão, mediante a sujeição dos poluidores a sanções penais e administrativas por condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. Precisamos urgentemente colocar em prática de forma definitiva o Princípio do Poluidor Pagador e do Usuário Pagador, só assim
poderemos conseguir que as gerações futuras tenham um meio ambiente adequado à sobrevivência.
4 MERCADO INTERNACIONAL DE CARBONO: INTERESSE ECONÔMICO OU PREOCUPAÇÃO AMBIENTAL? O assunto que vem mobilizando os países de todo o mundo é o Mercado Internacional de Carbono, o qual teve grandes proporções diante da assinatura do Protocolo de Kyoto que trata das mudanças climáticas ocorridas no planeta. O Protocolo de Kyoto é um acordo no qual 141 países signatários se comprometem a diminuir a emissão de gases causadores do efeito estufa até 2012. A proposta é reduzir os índices de emissão em 5% abaixo do existente em 1990. Isso seria possível com a utilização de tecnologias limpas, como, por exemplo, a utilização de energia eólica e automóveis movidos a hidrogênio. Com o avanço tecnológico, o planeta vem sendo explorado de maneira inadequada, comprometendo a humanidade e principalmente as gerações futuras. As ações antrópicas vêm interferindo de maneira expressiva no planeta, como, por exemplo, a exploração dos lençóis freáticos, exploração desenfreada do solo, desmatamentos, desperdício de água, emissão de gases por queimadas e por queima de combustíveis fósseis causadores do efeito estufa e, consequentemente, do aquecimento global, gerando, no planeta, alterações climáticas preocupantes e, como consequência, os fenômenos naturais como tempestades, furacões, maremotos, desprendimento de blocos de gelos, além da elevação do nível dos oceanos. Todos esses fatores acabaram por ensejar um novo modelo para o desenvolvimento tecnológico: o desenvolvimento sustentável.
Na Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança no Clima, apresentada em Nova Iorque e aberta para assinatura na Cúpula da Terra na Eco-92 (Rio de Janeiro), começou-se a discussão do problema das mudanças climáticas, e uma das propostas foi a redução da emissão de gases nocivos na atmosfera. Nessa Convenção, recomendou-se aos países industrializados (responsáveis por cerca de 71% da emissão global de CO2, sendo que os países em desenvolvimento, que possuem 80% da população mundial, produzem aproximadamente 18% da produção total) a implementação de medidas direcionadas para aliviar a indesejada mudança no clima terrestre. O Protocolo de Kyoto foi um passo muito importante para a preservação do planeta. Porém, não alcançará seu objetivo na plenitude, pois um país potencialmente poluidor, qual seja, os Estados Unidos, não aderiu ao tratado. Sua adesão seria de suma importância, já que sozinho produz 25% de dióxido de carbono lançado à atmosfera. Essa resistência em aderir ao Tratado se dá pela preocupação em lesar a economia americana. Ocorre que, apesar desse posicionamento por parte do governo, muitas empresas pertencentes aos Estados Unidos e a outros países desenvolvidos, preocupadas com o meio ambiente, já estão tomando providências para diminuir a produção de CO2. Diante da nova situação, as grandes empresas mundiais, comprometidas com a redução de emissões e sem perspectivas de aliviar a produção, já buscam financiar projetos ambientais em países em desenvolvimento, como, por exemplo, o Brasil e a Índia, e, bem assim, obterem os denominados “Certificados
de Redução de Emissões – CRE”. Significa dizer, em outras palavras, que a aquisição de tais certificados se traduz no que hoje se convencionou denominar “direito de poluir”. Cogita-se que para cada U$6, em média, investidos nesses projetos, a empresa adquire o direito de produzir 1 tonelada a mais de CO2. Esse é um dos pontos estabelecidos no Protocolo, o qual merece uma crítica: a intenção primordial de todos os países signatários é a redução da emissão dos gases causadores do aquecimento global. Portanto, a preocupação deve ser primeiramente com o problema ambiental, porque dele depende a vida no planeta e não somente com o aspecto econômico que trará o desenvolvimento dos países do terceiro mundo. Cumpre ressaltar que esses países devem procurar desenvolver-se de uma forma sustentável, procurando aliar o meio ambiente com o desenvolvimento econômico e não somente o desenvolvimento a qualquer preço em detrimento de fatores de suma importância, como a preservação da vida na Terra.
4.1 O Brasil frente ao Protocolo de Kyoto O Brasil, por ser um país privilegiado em recursos naturais e estando fora dos compromissos obrigatórios de redução de emissão de carbono (que corresponde aos países desenvolvidos), vem despertando o interesse para o financiamento de projetos sob o mecanismo de desenvolvimento limpo. Tais projetos teriam enfoque no florestamento, reflorestamento, tratamento de lixo, produção de energias alternativas. Pelo fato de possuir uma matriz com mais de 90% da eletricidade gerada a partir de fontes hídricas, a qual é muito limpa do ponto de vista da emissão de gases do efeito estufa, e possuir
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Pensando no modelo sustentável, aumentou-se a preocupação mundial com as questões ambientais, mobilizando os países do planeta, promovendo grandes discussões e vários posicionamentos.
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no seu território 16% das florestas mundiais, o Brasil tem grande importância no ciclo global de carbono. Porém, diante de todas essas vantagens, o País apresenta pelo menos duas desvantagens: a emissão de carbono derivada do uso da queimada na agricultura tradicional e o desmatamento na Amazônia. Mesmo o Brasil sendo um país promissor para se desenvolver os mecanismos de desenvolvimento limpo, ele se mostra desestruturado, pois o governo é inerte quanto à regulamentação desse mercado.
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Com a ratificação do Protocolo de Kyoto, o interesse no mercado de créditos de carbono irá aumentar expressivamente, sendo o Brasil um dos principais alvos para financiamento de projetos de mecanismos de desenvolvimento limpo. O governo precisa ater-se à criação de uma lei federal para criação de uma agência reguladora, a fim de realizar uma fiscalização enérgica, com o objetivo de assegurar a real finalidade dos investimentos, movimentando corretamente a economia ambiental do País.
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Assim, concluímos que o mercado de carbono é mais um interesse financeiro do que propriamente uma preocupação ambiental, já que implicitamente o objetivo principal é o desenvolvimento dos países do terceiro mundo, deixando em segundo plano as questões ambientais, que são primordiais para a própria existência humana.
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Doutrina
Lei Geral da Copa e a Livre Iniciativa RAFAEL COSTA DE SOUZA
Advogado, Graduado pela Universidade Federal de Minas Gerais.
RESUMO: Para a realização da Copa do Mundo, o Brasil assumiu diversos compromissos com a Fifa. Entre outras garantias, o Governo brasileiro assegurou a edição de normas que criassem áreas de restrição comercial, nas quais a Fifa e seus parceiros comerciais teriam a autorização para, com exclusividade, divulgar suas marcas e comercializar seus serviços e produtos. Nesse contexto, a Lei Geral da Copa (Lei nº 12.663/2012) criou as “áreas de restrição comercial”. O objeto deste artigo é analisar as restrições comerciais impostas pela Lei Geral da Copa à luz do princípio constitucional da livre iniciativa. PALAVRAS-CHAVE: Copa do Mundo Fifa 2014; Lei Geral da Copa; Lei nº 12.663/2012; restrição comercial; livre iniciativa; livre concorrência. ABSTRACT: For the hosting of the World Cup, Brazil took many commitments to Fifa. Among other guarantees, the Brazilian government assured editing rules that would create areas of trade restriction, in which Fifa and its commercial partners would have the authorization to, with exclusivity, promote their brands and market their services and products. In this context, the World Cup General Law (Law nº 12.663/2012) created the “areas of commercial restriction”. The object of this article is to analyze the trade restrictions imposed by the General Law of the Cup by the constitutional principle of free enterprise. KEYWORDS: Fifa World Cup Brazil 2014; World Cup General Law; Law nº 12.663/2012; trade restriction; free enterprise; free competition. SUMÁRIO: Introdução; 1 Breve panorama; 2 A livre iniciativa; 3 As restrições comerciais da Lei Geral da Copa e a livre iniciativa; Conclusões; Referências.
INTRODUÇÃO Enquanto a Copa do Mundo se aproxima, a população brasileira aguarda, ansiosamente, com um sentimento misto de indignação e paixão. O festival de gastos públicos desprendidos em favor de um evento privado, somado a problemas socioeconômicos históricos, gerou um clima de insatisfação em torno do megaevento. Inconformado com o cenário político, o povo brasileiro, timidamente, começa a retirar suas camisas verde e amarela do fundo das gavetas e a ensaiar os primeiros passos para a festa, mas o clima de frustração faz com que não se permita festejar o evento em toda sua completude, entalando o grito apaixonado dos amantes do futebol. Enquanto a mídia acompanha diariamente os passos da seleção canarinho, percebe-se que o grande artista do espetáculo não são os jogadores e, muito menos, a torcida. Os holofotes estão voltados para aquela que é a detentora dos direitos econômicos da competição, a Fifa (Fédération Internationale de Football Association). Como protagonista, a Fifa, para permitir a escolha do país-sede, exigiu que o Governo Federal assumisse diversos compromissos por meio de Form Host Agreement. Nesse documento, a entidade internacional desportiva solicitou a assinatura de um acordo para o Brasil prestar 12 (doze) garantias1 governamentais que asse1 As garantias prestadas foram: 1) vistos de entrada e saída; 2) permissões de trabalho; 3) direitos alfandegários e impostos; 4) isenção geral de impostos (para a Fifa); 5) segurança e proteção; 6) bancos e câmbio; 7) procedimentos de imigração, alfândega e check-in; 8) proteção e exploração de direitos comerciais; 9) hinos e bandeiras nacionais; 10) indenização; 11) teleco-
gurassem a execução do megaevento. Indo mais além, a Fifa requereu a edição de normas que possibilitassem a aplicação dessas garantias nas terras tupiniquins. A materialização desse acordo no ordenamento jurídico brasileiro foi a promulgação da Lei nº 12.663/2012, que dispõe, entre outras, sobre as medidas relativas à Copa das Confederações Fifa 2013 e à Copa do Mundo Fifa 2014. Se, por um lado, a paixão pelo futebol clama pelo ambiente de alegria que permeia os eventos desportivos, por outro, o povo percebe que não se pode festejar o acontecimento quando as exigências da Fifa extrapolam e violam direitos e garantias que sequer são assegurados aos cidadãos brasileiros. Nesse cenário de controvérsias, a realização do Copa do Mundo foi protestada, bem como os instrumentos jurídicos que a asseguram. Assim, desde a promulgação da Lei Geral da Copa, passou-se a questionar a constitucionalidade de diversos dos seus dispositivos2.
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Um dos pontos mais controversos é a proibição da distribuição, venda, promoção e publicidade de produtos, por terceiros não autorizados pela Fifa, dentro dos locais oficiais da competição e nas vias públicas próximas.
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Ante o exposto, o presente trabalho pretende analisar a restrições comerciais impostas pela Lei Geral da Copa à luz do princípio constitucional da livre iniciativa e seus desdobramentos.
municação e tecnologia da informação. A décima segunda garantia foi denominada de garantia máster, pois é a ratificação de todas as outras pelo Presidente da República e pelo Ministro do Esporte. 2 Com efeito, o Plenário do Supremo Tribunal Federal julgou improcedente a ADIn 4.976, na qual a Procuradoria-Geral da República questionava os dispositivos 23, 37 a 47 e 53 da Lei nº 12.663/2012.
1 BREVE PANORAMA Nas Olimpíadas de Los Angeles, em 1984, a empresa multinacional Fuji conseguiu os direitos exclusivos de patrocínio dos jogos olímpicos. Entretanto, a sua concorrente Kodac buscou brechas para participar do evento e conseguiu ser a patrocinadora das transmissões dos jogos pelo canal de televisão norte-americano ABC. Assim, a Kodac, que não era patrocinadora oficial dos Jogos, conseguiu ter seu nome, marca e produtos associados à realização daquele megaevento. Desde esse marco histórico, as entidades organizadoras dos grandes eventos desportivos passaram a exigir a regulamentação dos direitos de exclusividade dos patrocinadores oficiais, tanto pela criação de áreas de restrição comercial como pela produção de normas que proíbem a prática do ambush marketing (marketing de emboscada), como forma de assegurar o retorno dos investimentos realizados pelas empresas patrocinadoras. Para a realização da Copa do Mundo de 2014, a Fifa solicitou ao Brasil a assinatura de um acordo para assegurar 12 (doze) garantias governamentais para execução do megaevento. Indo mais além, a entidade internacional requereu a edição de normas que possibilitassem a aplicação dessas garantias no território nacional brasileiro3. Assim, no dia 5 de junho de 2012, foi promulgada a Lei nº 12.663/2012, que dispõe, entre outras, sobre as medidas relativas à Copa da Confederações Fifa 2013, à Copa do Mundo Fifa 2014 e a outros eventos que foram e serão realizados no Brasil. 3 CAMARGOS, Wladimyr Vinycius de Moraes. Lei Geral da Copa: Lei nº 12.663/2012 e normas complementares. Wladymir Vinycius de Moraes Camargos, Luiz Felipe Guimarães Santoro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 18.
[...] a implementação e execução de uma zona exclusiva de comércio para a publicidade e comércio de rua, e no espaço aéreo uma zona de exclusão, de 2km em torno de cada Local Oficial, na qual o direito de realizar atividades comerciais é reservado à Fifa e seus designados.5
Para a Fifa, a comercialização dos seus produtos nas Copas do Mundo é algo de extrema importância. De fato, os megaeventos esportivos são um grande negócio. Somente no Ciclo da Copa do Mundo da África do Sul, em 2010, a Fifa arrecadou mais de U$ 3,5 bilhões por meio da venda de direitos televisivos, de direitos de marketing e pelo licenciamento da marca6. 4 “Art. 11. A União colaborará com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios que sediarão os Eventos e com as demais autoridades competentes para assegurar à Fifa e às pessoas por ela indicadas a autorização para, com exclusividade, divulgar suas marcas, distribuir, vender, dar publicidade ou realizar propaganda de produtos e serviços, bem como outras atividades promocionais ou de comércio de rua, nos Locais Oficiais de Competição, nas suas imediações e principais vias de acesso. § 1º Os limites das áreas de exclusividade relacionadas aos Locais Oficiais de Competição serão tempestivamente estabelecidos pela autoridade competente, considerados os requerimentos da Fifa ou de terceiros por ela indicados, atendidos os requisitos desta Lei e observado o perímetro máximo de 2km (dois quilômetros) ao redor dos referidos Locais Oficiais de Competição. § 2º A delimitação das áreas de exclusividade relacionadas aos Locais Oficiais de Competição não prejudicará as atividades dos estabelecimentos regularmente em funcionamento, desde que sem qualquer forma de associação aos Eventos e observado o disposto no art. 170 da Constituição Federal.” 5 Disponível em: <http://fernandomanica.com.br/wp-content/uploads/2012/04/Contrato-Copa-do-Mundo.pdf>. Acesso em: 6 jun. 2014. 6 Disponível em: <http://pt.fifa.com/aboutfifa/finances/income.html>. Acesso em: 2 jun. 2014.
Assim, além de proteger sua marca, a Fifa busca proteger e garantir a seus parceiros comerciais ampla visibilidade, pois são eles que custeiam a organização das Copas do Mundo, garantido o seu enorme faturamento7.
2 A LIVRE INICIATIVA A livre iniciativa é uma expressão da própria liberdade em geral e está intimamente ligada aos princípios constitucionais da legalidade e da autonomia da vontade. Nos dizeres do Ministro Luís Roberto Barroso, ela “transcende uma dimensão puramente econômica, significando em regra geral, em todos os domínios, é que as pessoas sejam livres para suas escolhas existenciais”8. O constituinte originário consagrou a livre iniciativa como um dos princípios fundamentais e a elencou no rol dos fundamentos do Estado brasileiro previstos no art. 1º da Constituição Federal, ao lado da soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho e pluralismo político. Além de ser um princípio fundamental do Estado brasileiro, a livre iniciativa é também um princípio geral da ordem econômica. Em outras palavras, é uma opção do constituinte por um regime de economia de mercado regida pela lei da oferta e da procura e não por uma economia planificada, na qual o Estado dita as diretrizes paras os agentes econômicos9. Como ensina o Ministro Barroso: O princípio da livre iniciativa, por sua vez, pode ser decomposto em alguns elementos que lhe dão conteúdo, todos eles desdobrados no 7 CAMARGOS, Wladimyr Vinycius de Moraes. Op. cit., p. 50. 8 BARROSO, Luís Roberto. A ordem econômica constitucional e os limites à atuação estatal no controle de preços. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, n. 14, jun./ago. 2002. Disponível em: www.direitopublico.com.br. Acesso em: 6 jun. 2014, p. 10. 9 Idem, ibidem.
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Uma das previsões trazidas foi a determinação “das áreas de restrição comercial e vias de acesso”, nos termos do art. 11 da Lei nº 12.663/20124. O dispositivo é desdobramento da garantia nº 8 prestada pelo Governo brasileiro à Fifa que assegurava
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Texto Constitucional. Pressupõe ele, em primeiro lugar, a existência de propriedade privada, isto é, de apropriação particular dos bens e dos meios de produção (CF, arts. 5º, XXII, e 170, II). De parte isto, integra, igualmente, o núcleo da ideia de livre iniciativa a liberdade de empresa, conceito materializado no parágrafo único do art. 170, que assegura a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independente de autorização, salvo nos casos previstos em lei. Em terceiro lugar, situa-se a livre concorrência, lastro para a faculdade de o empreendedor estabelecer os seus preços, que hão de ser determinados pelo mercado, em ambiente competitivo (CF, art. 170, IV). Por fim, é da essência do regime de livre iniciativa a liberdade de contratar, decorrência lógica do princípio da legalidade, fundamentos das demais liberdades, pelo qual ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (CF, art. 5º, II).10
Posto isso, percebemos, em síntese, que são elementos essenciais do princípio da livre iniciativa: a) propriedade privada; b) liberdade de empresa e de trabalho; c) livre concorrência; e d) liberdade de contratar.
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Nota-se que a livre concorrência é um corolário direto do princípio da livre iniciativa. Ela está configurada no art. 170, IV, da Constituição Federal como um dos princípios da ordem econômica11.
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10 BARROSO, Luis Roberto. Estado e livre iniciativa na experiência constitucional brasileira. Disponível em: <http://www.luisrobertobarroso.com. br/wp-content/uploads/2014/04/Estado-e-Livre-iniciativa_vers%C3%A3o-final_11abr2014.pdf>. Acesso em: 4 jun. 2014, p. 3. 11 “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I – soberania nacional; II – propriedade privada; III – função social da propriedade; IV – livre concorrência; V – defesa do consumidor; VI – defesa do meio ambiente;
Na livre concorrência, está inserida a ideia de que a competição entre os agentes econômicos e a liberdade de escolha dos consumidores produzirão os melhores resultados sociais, quais sejam, a qualidade dos bens e serviços e preço justo12. Assim, para garantir a livre a concorrência, a Constituição prevê, no art. 173, § 4º, que a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros. Conforme ensina Inocêncio Mártires Coelho, citando Miguel Reale: Ora, livre iniciativa e livre concorrência são conceitos complementares, mas essencialmente distintos. A primeira não é senão a projeção da liberdade individual no plano da produção, circulação e distribuição das riquezas, assegurando não apenas a livre escolha das profissões e das atividades econômicas, mas também a autônoma eleição dos processos ou meio julgados mais adequados à consecução dos fins visado. Liberdade de fins e de meios informa o princípio de livre iniciativa, conferindo-lhe um valor primordial, como resulta da interpretação conjugada dos citados arts. 1º e 170. Já o conceito de livre concorrência tem caráter instrumental, significando o “princípio econômico”, segundo o qual a fixação dos preços das mercadorias e serviços não deve resultar de atos cogentes da autoridade administrativa, mas sim do livre jogo das forças em disputa da clientela na economia de mercado. Houve, por conseguinte, iniludível
VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII – redução das desigualdades regionais e sociais; VIII – busca do pleno emprego; IX – tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte. IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.” 12 BARROSO, Luís Roberto. A ordem econômica constitucional e os limites à atuação estatal no controle de preços... cit., p. 9.
Infere-se que, a partir do princípio da livre iniciativa, a intervenção do Estado na livre concorrência só se justifica nos casos que podem levar à formação de monopólios e ao abuso do poder econômico visando ao aumento arbitrário dos lucros.
3 AS RESTRIÇÕES COMERCIAIS DA LEI GERAL DA COPA E A LIVRE INICIATIVA A livre iniciativa é um princípio fundamental previsto pela ordem constitucional brasileira. A livre concorrência, enquanto seu desdobramento lógico, serve para tutelar o sistema de mercado e coibir a tendência monopolista da lógica capitalista. Se, por um lado, a Constituição não condena o poder econômico, reconhecendo sua existência, de outro, ela prevê a intervenção estatal para coibir o abuso quando esse poder é exercido de maneira antissocial14. A liberdade de concorrência, compreendida na livre iniciativa, é a manifestação da faculdade de conquistar lealmente a clientela, da proibição de formas de atuação passíveis de deter a concorrência, bem como da neutralidade do Estado diante do fenômeno concorrencial, em igualdade de condição dos concorrentes15.
13 MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direitos constitucional. Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho, Paulo Gustavo Gonet Branco. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 1409. 14 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 30. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 795. 15 GIANCCHETTA, André Zonaro; LEITE, Márcio Junqueira; FREITAS, Ciro Torres. O marketing de associação na Lei Geral da Copa e as restrições
A livre iniciativa e a livre concorrência pressupõem igualdade de condição dos concorrentes, assegurando ao particular o direito de atrair a clientela, desde que não se valha de práticas ilícitas. É cediço que a restrição comercial prevista pela Lei Geral da Copa é um instrumento legal que assegura a Fifa e seus parceiros a autorização estatal para, “com exclusividade, divulgar suas marcas, distribuir, vender, dar publicidade, ou realizar propaganda de produtos e serviços, bem como outras atividades promocionais ou de comércio de rua, nos locais oficiais de competição, nas suas imediações e principais vias de acesso”, garantindo o faturamento dessas empresas. Diante disso, pergunta-se: ora, se a intervenção estatal na livre concorrência só se justifica para coibir abusos do poder econômico, como pode o Estado brasileiro legislar em favor de um grupo econômico a fim de assegurar as suas vultuosas receitas? Querer restringir o comércio nos locais oficiais de competição e nas vias públicas próximas é usar da máquina legislativa a fim de satisfazer os interesses de uma entidade de direito privado, afrontando os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência e indo contra os interesses de milhares de contribuintes. Assim, as restrições comerciais impostas pela Lei Geral da Copa estão eivadas de flagrante inconstitucionalidade.
CONCLUSÕES Para atender aos interesses comerciais da Fifa e de seus parceiros, o Estado brasileiro editou a Lei Geral da Copa, criando, entre outras medidas, as áreas de restrição comercial, nas quais
ao livre comércio e à atividade de publicidade e propaganda. Boletim ASPI (Associação Paulista da propriedade intelectual), n. 39, jan./mar. 2013. Disponível em: <http://www.aspi.org.br/Portals/0/BoletimASPI/ BoletimAspi39.pdf#page=33>. Acesso em: 6 jun. 2013.
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opção de nosso contribuintes por dado tipo de política econômica, pelo tipo liberal do processo econômico o qual só admite a intervenção do Estado para coibir abusos e preservar a livre concorrência de quaisquer interferências, quer do próprio Estado, quer do embate de forças competitivas privadas que pode levar à formação de monopólios e ao abuso do poder econômico visando ao aumento arbitrário dos lucros.13
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a entidade internacional desportiva e seus designados terão autorização estatal para, com exclusividade, explorar suas marcas e comercializar seus produtos e serviços, em detrimento de outros milhares de contribuintes brasileiros não “apadrinhados” pela Fifa. De fato, não há nada de errado em sediar os jogos mundiais. Mas o problema está quando se colocam a máquina e os recursos estatais em favor do evento de uma entidade privada, enquanto a nação se vê carente de serviços públicos essenciais, como segurança, saúde, educação, infraestrutura, etc. Não bastasse isso, a questão vai além, pois a festa bancada, em parte, pelo dinheiro público não poderá ser festejada pela maioria esmagadora da população, que não possui meios de arcar com os custos dos ingressos cobrados pela Fifa.
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O mesmo cidadão que paga em dia seus tributos é aquele que não terá condições de pagar pelos valores do ingressos dos jogos. O mesmo empresário que cumpre com suas obrigações é aquele que não poderá comercializar seus produtos nas áreas exclusivas da Fifa.
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Se, por um lado, o Brasil é soberano para assumir seus compromissos e promulgar suas leis, de outro, é notória a influência perniciosa que o poder econômico exerce na produção legislativa. A criação das áreas de restrição comercial pela Lei Geral da Copa é mais um exemplo no qual o interesse privado prevaleceu sobre o interesse público, favorecendo uma minoria abastada que detém o controle do poder econômico. Apesar de o Brasil ser uma jovem democracia, não podemos desconsiderar a nossa experiência constitucional. A Constituição Federal estabelece princípios e fundamentos do Estado brasileiro, como a livre a iniciativa (art. 1º, IV), que devem servir como filtro axiológico para o legislador e para o intérprete da lei. A restrição comercial estabelecida pela Lei nº 12.663/2012 viola o instituto da livre concorrência, o que significa um atentado direto ao princípio fundamental constitucional da livre iniciativa.
O apito inicial da Copa do Mundo está próximo, e o evento de um mês tem data marcada para acabar. Mas o apagar das luzes do estádio é apenas o reinício do principal jogo, no qual o troféu é a consolidação das diretrizes constitucionais para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Até lá, peguemos nossas bandeiras verde e amarela e festejemos, ainda que timidamente, a alegria do povo brasileiro diante das vicissitudes do mundo.
REFERÊNCIAS BARROSO, Luís Roberto. A ordem econômica constitucional e os limites à atuação estatal no controle de preços. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, n. 14, jun./ago. 2002. Disponível em: www.direitopublico.com.br. Acesso em: 6 jun. 2014. ______. Estado e livre iniciativa na experiência constitucional brasileira. Disponível em: <http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/uploads/2014/04/Estado-e-Livre-iniciativa_vers%C3%A3o-final_11abr2014.pdf>. Acesso em: 4 jun. 2014. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Diário Oficial da União. Disponível em: <http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 6 jun. 2014. ______. Lei nº 12.663, de 5 de junho de 2012. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/Lei/L12663.htm>. Acesso em: 6 jun. 2014. CAMARGOS, Wladimyr Vinycius de Moraes. Lei Geral da Copa: Lei nº 12.663/2012 e normas complementares. Wladymir Vinycius de Moraes Camargos, Luiz Felipe Guimarães Santoro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. GIANCCHETTA, André Zonaro; LEITE, Márcio Junqueira; FREITAS, Ciro Torres. O marketing de associação na Lei Geral da Copa e as restrições ao livre comércio e à atividade de publicidade e propaganda. Boletim ASPI (Associação Paulista da propriedade intelectual), n. 39, jan./mar. 2013. Disponível em: <http://www.aspi.org.br/Portals/0/BoletimASPI/BoletimAspi39. pdf#page=33>. Acesso em: 6 jun. 2013. MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direitos constitucional. Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho, Paulo Gustavo Gonet Branco. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 30. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2008.
Doutrina
Atenção: Mais um Crime na Praça!
Com efeito, a Lei nº 12.984/2014 passou a definir como crime a discriminação dos portadores do vírus da imunodeficiência humana (HIV) e doentes de Aids, punindo-o com uma pena de reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa (o que permite, em tese, a suspensão condição do processo prevista no art. 89 da Lei nº 9.099/1995, bem como a substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos).
RÔMULO DE ANDRADE MOREIRA
Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia, Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador – Unifacs, na Graduação e na Pós-Graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público), Pós-Graduado, Lato Sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal), Especialista em Processo pela Universidade Salvador – Unifacs (Curso então coordenado pelo Jurista J. J. Calmon de Passos), Membro da Association Internationale de Droit Penal, da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais, do Instituto Brasileiro de Direito Processual e Membro-fundador do Instituto Baiano de Direito Processual Penal (atualmente exercendo a função de Secretário), Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, Professor convidado dos cursos de Pós-Graduação dos Cursos JusPodivm (BA), FUFBa e Faculdade Baiana. Integrante, por quatro vezes, de bancas examinadoras de concurso público para ingresso na carreira do Ministério Público do Estado da Bahia. Autor das obras Curso Temático de Direito Processual Penal e Comentários à Lei Maria da Penha (em coautoria com Issac Guimarães), ambas de 2010 (Curitiba), A Prisão Processual, a Fiança, a Liberdade Provisória e as demais Medidas Cautelares (2011), Juizados Especiais Criminais – O Procedimento Sumaríssimo (2013) e A Nova Lei de Organização Criminosa (Porto Alegre), além de coordenador do livro Leituras Complementares de Direito Processual Penal (2008). Participante em várias obras coletivas. Palestrante em diversos eventos realizados no Brasil.
Trata o presente artigo de uma análise acerca da conveniência e da oportunidade de criminalizar mais uma conduta em nosso País, já repleto de tipos penais, os mais variados, muitos, inclusive, de duvidosa constitucionalidade.
Segundo a lei, são as seguintes as condutas discriminatórias contra o portador do HIV e o doente de Aids, em razão da sua condição de portador ou de doente: Recusar, procrastinar, cancelar ou segregar a inscrição ou impedir que permaneça como aluno em creche ou estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado; negar emprego ou trabalho; exonerar ou demitir de seu cargo ou emprego; segregar no ambiente de trabalho ou escolar; divulgar a condição do portador do HIV ou de doente de Aids, com intuito de ofender-lhe a dignidade e recusar ou retardar atendimento de saúde.
Pois bem. Não se pretende, neste artigo, discutir dogmaticamente o novo tipo penal (ou os novos tipos penais), tais como o bem jurídico tutelado, sujeitos passivo e ativo, tipos objetivo e subjetivo, etc. Deixemos esta tarefa para os penalistas. Aqui e agora, trago à reflexão se, efetivamente, seria necessária a criminalização de mais uma conduta para resolver uma questão muito mais voltada para o direito civil, o direito administrativo e o do trabalho do que para o direito penal, que, como se sabe, deve ser visto como ultima ratio, pois, no mais das vezes, leva o autor do ilícito para a prisão (provisória ou definitiva).
Ora, é indiscutível que a prisão em todo o mundo passa por uma crise sem precedentes. A ideia disseminada a partir do século XIX segundo a qual a prisão seria a principal resposta penológica na prevenção e repressão ao crime perdeu fôlego, predominando atualmente “uma atitude pessimista, que já não tem muitas esperanças sobre os resultados que se possa conseguir com a prisão tradicional”, como pensa Cezar Roberto Bitencourt1. É de Hulsman a seguinte afirmação:
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Em inúmeros casos, a experiência do processo e do encarceramento produz nos condenados um estigma que pode se tornar profundo. Há estudos científicos, sérios e reiterados, mostrando que as definições legais e a rejeição social por elas produzida podem determinar a percepção do eu como realmente “desviante” e, assim, levar algumas pessoas a viver conforme esta imagem, marginalmente. Nos vemos de novo diante da constatação de que o sistema penal cria o delinquente, mas, agora, num nível muito mais inquietante e grave: o nível da interiorização pela pessoa atingida do etiquetamento legal e social.2
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O próprio sistema carcerário brasileiro revela o quadro social reinante neste País, pois nele estão “guardados” os excluídos de toda ordem, basicamente aqueles indivíduos banidos pelo injusto e selvagem sistema econômico no qual vivemos; o nosso sistema carcerário está repleto de pobres e isto não é, evidentemente, uma “mera coincidência”. Ao contrário: o sistema penal, repressivo por sua própria natureza, atinge tão somente a classe pobre da sociedade. Sua eficácia se restringe, infelizmente, a ela. As exceções que conhecemos apenas confirmam a regra.
indivíduos despojados de seus direitos básicos, como ocorre com a maioria da população de nosso país, estariam obrigados a respeitar as leis”3, de forma que esse quadro socioeconômico existente no Brasil, revelador de inúmeras injustiças sociais, leva a muitos outros questionamentos, como, por exemplo: para que serve o nosso sistema penal? A quem são dirigidos os sistemas repressivo e punitivo brasileiros? O sistema penitenciário é administrado para quem? E, por fim, a prática de um ilícito é, efetivamente, apenas um caso de polícia? Ao longo dos anos, a ineficiência da pena de prisão mostrou-se de tal forma clara que chega a ser difícil qualquer contestação a respeito. Em nosso País, por exemplo, muitas leis penais puramente repressivas estão a todo o momento sendo sancionadas, como as leis de crimes hediondos, a prisão temporária, a criminalização do porte de arma, a lei de combate ao crime organizado, etc., sempre para satisfazer a opinião pública (previamente manipulada pelos meios de comunicação), sem que se atente para a boa técnica legislativa e, o que é pior, para a sua constitucionalidade. E mais: o encarceramento como base para a repressão. Assim, por exemplo, ao comentar a lei dos crimes hediondos, Alberto Silva Franco afirma que ela, “na linha dos pressupostos ideológicos e dos valores consagrados pelo Movimento da Lei e da Ordem, deu suporte à ideia de que leis de extrema severidade e penas privativas de alto calibre são suficientes para pôr cobro à criminalidade violenta. Nada mais ilusório”4.
Aliás, a esse respeito, há uma opinião bastante interessante de Maria Lúcia Karam, segundo a qual, “hoje, como há duzentos anos, mantém-se pertinente a indagação de por que razão os
Certamente a aplicação da pena de privação da liberdade como solução para a questão do preconceito e discriminação em relação ao doente de AIDS ou ao portador do HIV é mais um equívoco do nosso péssimo legislador, pois de nada adian-
1 BITENCOURT, Cezar Roberto. Novas penas alternativas. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 1. 2 HULSMAN, Louk; CELIS, Jacqueline Bernat de. Penas perdidas – O sistema penal em questão. Niterói: Luam, 1997. p. 69.
3 KARAM, Maria Lúcia. De crimes, penas e fantasias. Rio de Janeiro: Luan, 1991. p. 177. 4 FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 97.
A nossa realidade carcerária é preocupante: os nossos presídios e as nossas penitenciárias, abarrotados, recebem a cada dia um sem-número de indiciados, processados ou condenados, sem que se tenha a mínima estrutura para recebê-los. Há, ainda, milhares de mandados de prisão a serem cumpridos. Ao invés de lugares de ressocialização do homem, tornam-se, ao contrário, fábricas de criminosos, de revoltados, de desiludidos, de desesperados; por outro lado, a volta para a sociedade (por meio da liberdade), ao invés de solução, muitas das vezes, torna-se mais uma via crucis, pois são homens fisicamente libertos, porém, de tal forma estigmatizados que tornam-se reféns do seu próprio passado6. Hoje, o homem que cumpre uma pena ou de qualquer outra maneira deixa o cárcere encontra diante de si a triste realidade 5 Ciência Jurídica – Fatos, n. 20, maio de 1996. 6 Em manifesto aprovado pela unanimidade dos presentes ao VIII Encontro Nacional de Secretários de Justiça, realizado nos dias 17 e 18 de junho de 1991, em Brasília, foi dito que havia no Brasil, segundo o Ministério da Justiça, milhares de mandados de prisão aguardando cumprimento e que as prisões, em todos os Estados da Federação, estavam superlotadas, o que comprometia o tratamento do apenado e pavimentava o caminho para a reincidência (LEAL, César Barros. Prisão – Crepúsculo de uma era. Belo Horizonte: Del Rey, 1998. p. 55).
do desemprego, do descrédito, da desconfiança, do medo e do desprezo, restando-lhe poucas alternativas que não o acolhimento pelos seus antigos companheiros; este homem é, em verdade, um ser destinado ao retorno: retorno à fome, ao crime, ao cárcere (só não volta se morrer). Bem a propósito é a lição de Antônio Cláudio Mariz de Oliveira: Ao clamar pelo encarceramento e por nada mais, a sociedade se esquece de que o homem preso voltará ao convívio social, cedo ou tarde. Portanto, prepará-lo para sua reinserção, se não encarado como um dever social e humanitário, deveria ser visto, pelo menos, pela ótica da autopreservação. (Folha de S. Paulo, 06.06.2005)
O Professor de Sociologia da Universidade de Oslo Thomas Mathiesen avalia que, se as pessoas realmente soubessem o quão fragilmente a prisão, assim como as outras partes do sistema de controle criminal, as protegem – de fato, se elas soubessem como a prisão somente cria uma sociedade mais perigosa por produzir pessoas mais perigosas –, um clima para o desmantelamento das prisões deveria, necessariamente, começar já. Porque as pessoas, em contraste com as prisões, são racionais nesse assunto. Mas a informação fria e seca não é suficiente; a falha das prisões deveria ser “sentida” em direção a um nível emocional mais profundo e, assim, fazer parte de nossa definição cultural sobre a situação.7
Vale a pena citar, mais uma vez, Lins e Silva, pela autoridade de quem, ao longo de mais de 60 anos de profissão, sempre dignificou a advocacia criminal brasileira e a Magistratura nacional. Diz ele: “A prisão avilta, degrada e nada mais é do que uma jaula reprodutora de criminosos”, informando que no último congresso mundial de direito criminal, que reuniu mais de 1.000 criminalistas de todo o mundo, “nem meia dúzia eram favoráveis à prisão”8. 7 Conversações abolicionistas – Uma crítica do sistema penal e da sociedade punitiva. São Paulo: IBCCrim, 1997. p. 275. 8 Idem.
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tam leis severas, criminalização excessiva de condutas, penas mais duradouras ou mais cruéis... Vale a pena citar o grande advogado Evandro Lins e Silva, que diz: “Muitos acham que a severidade do sistema intimida e acovarda os criminosos, mas eu não tenho conhecimento de nenhum que tenha feito uma consulta ao Código Penal antes de infringi-lo”5. O mesmo jurista, Ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal, em outra oportunidade, afirmou: “Precisamos despenalizar alguns crimes e criar punições alternativas, que serão mais eficientes no combate à impunidade e na recuperação do infrator [...]. Já está provado que a cadeia é a universidade às avessas, porque fabrica criminosos, ao invés de recuperá-los”.
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Ademais, as condições atuais do cárcere, especialmente na América Latina, fazem com que, a partir da ociosidade em que vivem os detentos, estabeleça-se o que se convencionou chamar de “subcultura carcerária”, um sistema de regras próprias no qual não se respeita a vida, nem a integridade física dos companheiros, valendo intra muros a “lei do mais forte”, insusceptível, inclusive, de intervenção oficial de qualquer ordem. Já no século XVIII, Beccaria, autor italiano, em obra clássica, já afirmava: Entre as penalidades e no modo de aplicá-las proporcionalmente aos crimes, é necessário, portanto, escolher os meios que devem provocar no espírito público a impressão mais eficiente e mais perdurável e, igualmente, menos cruel no organismo do culpado.9
Por sua vez, Marat, em obra editada em Paris no ano de 1790, já advertia que
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es un error creer que se detiene el malo por el rigor de los suplicios, su imagen se desvanece bien pronto. Pero las necesidades que sin cesar atormentan a un desgraciado le persiguen por todas partes. Encuentra ocasión favorable? Pues no escucha más que esa voz importuna y sucumbe a la tentación.10
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Esqueceu-se novamente de que o modelo clássico de justiça penal vem cedendo espaço para um novo modelo penal, este baseado na ideia da prisão como extrema ratio e que só se justificaria para casos de efetiva gravidade. Em todo o mundo, passa-se gradativamente de uma política paleorrepressiva ou de hard control, de cunho eminentemente simbólico (consubstanciada em uma série de leis incriminadoras, muitas das quais eivadas com vícios de inconstitucionalidade, aumentando desmesurada e desproporcionalmente a duração das penas, 9 Dos delitos e das penas. São Paulo: Hemus, 1983. p. 43. 10 MARAT, Jean Paul. Plan de Legislación Criminal. Buenos Aires: Hamurabi, 2000, p. 78 (tradução espanhola do original Plan de Legislation Criminelle. Paris, 1790).
inviabilizando direitos e garantias fundamentais do homem, tipificando desnecessariamente novas condutas, etc.), para uma tendência despenalizadora. Como afirma Jose Luis de la Cuesta, o direito penal, por intervir de uma maneira legítima, deve respeitar o princípio de humanidade. Esse princípio exige, evidentemente, que se evitem as penas cruéis, desumanas e degradantes (dentre as quais pode-se contar a pena de morte), mas não se satisfaz somente com isso. Obriga, igualmente, na intervenção penal, a conceber penas que, respeitando a pessoa humana, sempre capaz de se modificar, atendam e promovam a sua ressocialização: oferecendo (jamais impondo) ao condenado meios de reeducação e de reinserção.11
Para concluir, e acreditando que o direito penal não deve ser utilizado para incriminar toda e qualquer conduta ilícita (atentando-se para o princípio da intervenção mínima12), devendo, diversamente, ser resguardado para situações limites, posicionamo-nos contrariamente à nova criminalização, afastando a incidência do direito penal, pois só assim ele (o direito penal) terá “um papel bastante modesto e subsidiário de uma política social de largo alcance, mas nem por isso menos importante. Uma boa política social (inclusive ambiental, diríamos nós), ainda é, enfim, a melhor política criminal”, como afirma Paulo de Souza Queiróz13. Chega de crimes! 11 Pena de morte para os traficantes de drogas? Boletim da Associação Internacional de Direito Penal (Grupo Brasileiro), a. 1, n. 01, p. 04, maio de 2005. 12 Para Luiz Regis Prado, “o princípio da intervenção mínima ou da subsidiariedade estabelece que o direito penal só deve atuar na defesa dos bens jurídicos imprescindíveis à coexistência pacífica dos homens e que não podem ser eficazmente protegidos de forma menos gravosa” (Curso de direito penal brasileiro. Parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 81). Sobre o assunto, conferir o ótimo QUEIROZ, Paulo de Souza. Do caráter subsidiário do direito penal. Belo Horizonte: Del Rey, 1998. 13 Direito penal – Parte geral. 4. ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008. p. 103.
Por fim, transcrevemos uma parábola feita por Eugenio Raúl Zaffaroni, em conferência realizada no Brasil, no Guarujá, no dia 16 de setembro de 2001: O açougueiro era um homem que tinha uma loja de carnes, com facas, facões e todas essas coisas necessárias para o seu comércio. Um certo dia, alguém fez uma brincadeira e pôs vários cartazes de outras empresas na porta do açougue, onde se lia: “Banco do Brasil”, “Agência de Viagens”, “Consultório Médico”, “Farmácia”. O açougueiro, então, começou a ser visitado por outros fregueses que lhe pediam pacotes turísticos para a Nova Zelândia, queriam depositar dinheiro em uma conta, queixavam-se de dor de estômago, etc. O açougueiro, sensatamente, respondia: “Não sei, sou um simples açougueiro. Você tem que ir para um outro lugar, consultar outras pessoas”. E os fregueses,
14 A preservação do ambiente através do direito penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, n. 22. A esse respeito, conferir SANCHEZ, Jesus-Maria Silva. Política Criminal Moderna? Consideraciones a partir del ejemplo de los delitos urbanísticos en el nuevo Código penal español. Revista Brasileira de Ciências Criminais, n. 23.
então, se enojavam: “Como é que você está oferecendo um serviço, têm cartazes em sua loja que oferecem algo e depois não presta o serviço oferecido?”. Então, o açougueiro começou a enlouquecer e a pensar que realmente ele era capaz de vender pacotes para a Nova Zelândia, fazer o trabalho de um bancário, resolver problemas de estômago, etc. E, mais tarde, tornando-se ainda mais louco, começou a fazer todas aquelas coisas que ele não podia e não tinha capacidade para fazer, e os clientes acabavam com buracos no estômago, outros perdendo todas as suas economias, etc. Mas, se os fregueses também ficassem loucos e passassem novamente a procurá-lo e a repetir as mesmas coisas, o açougueiro acabaria realmente convencido que tinha a responsabilidade de resolver tudo.
Concluiu, então, o Mestre portenho e Juiz da Suprema Corte Argentina: “Bem, eu acho que isto aconteceu e continua acontecendo com o penalista. Colocam-nos responsabilidade em tudo” (tradução livre)15. 15 “El canicero es un señor que está en una carnicería, con la carne, con un cuchillo y todas esas cosas. Si alguien le hiciera una broma al canicero y robase carteles de otros comércios que dijeran: ‘Banco de Brasil’, Agencia de viages’, ‘Médico’, ‘Farmacia’, y los pegara junto a la puerta de la carnicería; el carnicero comenzaria a ser visitado por los feligreses, quienes le pedirían pasajes a Nueva Zelanda, intentarían dejar dinero en una cuenta, le consultarían: ‘tengo dolor de estómago, que puede hacer?’. Y el carnicero sensatamente responderia: ‘No sé, yo soy carnicero. Tiene que ir a otro comercio, a otro lugar, consultar a otras personas’. Y los feligreses se enojarían: ‘Cómo puede ser que usted está ofreciendo un servicio, tiene carteles que ofrecen algo, y después de no presta el servicio que dice?’. Entonces tendríamos que pensar que el carnicero se iría volviendo loco y empezaria a pensar que él tiene condiciones para vender pasajes a Nueva Zelanda, hacer el trabajo de un banco, resolver los problemas de dolor de estómago. Y puede pasar que se vuelva totalmente loco y comience a tratar de hacer todas esas cosas que no puede hacer, y el cliente termine con el estómago agujereado, el otro pierda el dinero, etc. Pero si los feligreses también se volvieran locos y volvieran a repetir las mismas cosas, volvieran al carnicero; el carnicero se vería confirmado en ese rol de incumbencia totalitaria de resolver todo”. Conclui, então, o mestre portenho: “Bueno, yo creo que eso pasó y sigue pasando con el penalista. Tenemos incumbencia en todo.”
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O combate a esta prática odiosa sob todos os aspectos não passa necessariamente pelo direito penal, muito pelo contrário: sanções administrativas, trabalhistas e civis seriam, muitas das vezes, mais eficientemente aplicadas e, por conseguinte, mais eficazes e intimidatórias. Poderíamos, por exemplo, adotar o que o jurista alemão Winfried Hassemer chama de direito de intervenção (Interventionsrecht), uma mescla entre o tradicional direito penal e o direito administrativo; este novo Direito excluiria as sanções tipicamente penais com garantias menores que o direito penal tradicional. Segundo ele, as suas principais características seriam: o seu caráter fundamentalmente preventivo, de imputação de responsabilidades coletivas, sanções rigorosas, com impossibilidade de admitir penas de privação de liberdade, atuação global e não casuística, atuação subsidiária do direito penal e, por fim, a previsão de “soluções inovadoras, que garantam a obrigação de minimizar os danos”14. Seria, portanto, um Direito sancionador, sem os princípios e regras do direito penal das pessoas físicas.
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Doutrina
A Tutela Jurisdicional do Direito à Probidade Administrativa: O Rito da Lei de Improbidade Administrativa e sua Integração pelos Demais Diplomas Processuais RAFAEL SIRANGELO BELMONTE DE ABREU
Mestrando em Direito pela UFRGS. Professor Convidado do Curso de Especialização em Processo Civil da UFRGS, Advogado.
RESUMO: O direito à probidade administrativa está situado, no plano material, dentro da categoria de direitos coletivos lato sensu. No plano processual, o rito previsto pela Lei nº 8.429/1992, entretanto, é bastante lacunoso, de modo que é necessária sua conformação ao microssistema de tutela coletiva e ao Código de Processo Civil. Este artigo enfrenta alguns dos problemas advindos dessa incompletude, propugnando soluções condizentes com os padrões constitucionais do Direito Processual brasileiro. PALAVRAS-CHAVE: Improbidade administrativa; processo civil; microssistema de tutela coletiva; processo e constituição; resolução de conflitos normativos.
SUMÁRIO: Considerações introdutórias; 1 O direito à probidade administrativa inserido no microssistema de tutela dos direitos coletivos; 2 O procedimento disciplinado pela lei de improbidade administrativa; 3 A conformação do rito em hipóteses complexas; 3.1 A expressão “devida forma”; 3.2 Prazos da defesa prévia; 3.3 Sobre a “rejeição da ação”; 3.4 Coisa julgada; Considerações finais; Referências.
CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS A Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992) buscou fornecer os meios necessários para que a tutela da probidade administrativa, direito que encontra assento na Constituição Federal, em seu art. 37, se tornasse, de fato, efetiva. Ainda que o diploma já esteja completando vinte anos, muitas questões ainda restam controvertidas em doutrina e jurisprudência, tanto no que tange aos seus aspectos materiais quanto processuais. O presente trabalho pretende dissertar sobre alguns dos diversos problemas que advêm da opção política exercida pelo legislador infraconstitucional brasileiro ao disciplinar um rito próprio para a tutela da probidade administrativa na Lei nº 8.429/1992. Para tanto, busca-se inicialmente situar o Direito à probidade administrativa dentro do microssistema de tutela dos direitos coletivos. No plano material, portanto, a existência de um direito transindividual à probidade administrativa impõe a necessária coordenação no que tange à extensão do âmbito de aplicação do diploma (e sua complementação e conformação com os demais diplomas materiais coletivos), observando-se o paradigma em que estão inseridos os direitos coletivos lato sensu e as consequências que dele derivam.
1 O DIREITO À PROBIDADE ADMINISTRATIVA INSERIDO NO MICROSSISTEMA DE TUTELA DOS DIREITOS COLETIVOS A tutela da coisa pública ganhou novos contornos a partir do advento da Constituição Federal de 1988. O direito à boa administração pública1, que compreende, entre outras características, a do zelo pela moralidade de gestão e atuação da administração, aparece como um verdadeiro mandamento constitucional, quando a Carta Magna prevê, em seu art. 37, a obediência “aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”. A atividade administrativa, como um todo, 1 Sobre o tema ver FREITAS, Juarez. Discricionariedade administrativa e o direito fundamental à boa administração pública. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.
passa a vincular-se aos valores constitucionais2, de forma direta, “associando-se, de modo mais estreito, o direito administrativo às disposições constitucionais”3. O Constituinte, assim, buscando densificar o princípio da moralidade administrativa previsto no caput do art. 37, ainda prevê, em seu § 4º, que “os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao Erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”. Ou seja, não bastando a mera norma programática que condiciona a atividade dos agentes públicos ao respeito à probidade, a Constituição brasileira prevê potenciais consequências pelo descumprimento do referido dever4. Esse destaque conferido à probidade administrativa e à consequente estruturação de meios para sua tutela advém de um novo modo de pensar. Nas palavras de Fernando Rodrigues Martins, pode ser creditado a um pensamento do direito privado que, em pleno diálogo de fontes com o direito público, fomenta a interação entre dever, obrigação e responsabilidade. É que, dada a existência de um dever (conservação do patrimônio público e moralidade administrativa), surge uma obrigação (não enriquecimento ilícito próprio ou de terceiro, atos 2 “No Estado de Direito, a Administração Pública deverá vislumbrar na Constituição não só o ápice da pirâmide normativa, mas um conjunto de princípios e regras de cumprimento obrigatório. Administrativa é a atividade do Estado para realizar seus fins, debaixo da ordem jurídica quer dizer, sob a lei e a Constituição.” (PAZZAGLINI FILHO, Marino. Improbidade administrativa: aspectos jurídicos da defesa do patrimônio público. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1997. p.14) 3 MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. 2. ed. São Paulo: RT, 2003. p. 149. 4 “Talvez aqui se encontre a comprovação mais nítida no ordenamento brasileiro de que os princípios não são apenas programáticos, mas contêm também cariz deôntico e sancionatório.” (MARTINS, Fernando Rodrigues. Controle do patrimônio público. Comentários à lei de improbidade administrativa. 3. ed. São Paulo: RT, 2009. p. 58)
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No plano processual, a Lei de Improbidade Administrativa apresenta peculiaridades típicas de um procedimento especializado devidamente alinhado com o direito material que pretende tutelar. Nesse sentido, também quanto à estruturação do processo para tutela do direito à probidade administrativa, há a necessidade de coordenação entre os diversos diplomas que compõem o microssistema de tutela coletiva dos direitos, observando-se sempre os parâmetros mínimos do direito fundamental ao processo justo, e buscando, naquilo que pertinente, o auxílio do diploma base do Direito Processual – o Código de Processo Civil – para a resolução dos problemas práticos que envolvem a estruturação desse rito especial. Para tanto, serão analisados os arts. 17 e 18 da Lei nº 8.429/1992, normas de conteúdo processual que delimitam o processo para a tutela do direito à probidade administrativa. Busca-se, com isso, apontar algumas imprecisões e lacunas da regulamentação desse rito e propor soluções com base nos demais diplomas processuais.
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que não causem prejuízo ao Erário e atos que respeitem aos princípios da administração) e o efeito de seu descumprimento (responsabilidade).5
Partindo da previsão constitucional6, e tendo em vista a necessária criação de instrumentos de tutela, o legislador infraconstitucional editou, em 1992, a Lei de Improbidade Administrativa, que buscava justamente densificar de forma plena o direito à probidade no âmbito da administração pública. Em outras palavras, não bastava a mera enunciação de determinado direito, deviam ser estabelecidos meios que propiciassem a tutela desse direito, de forma efetiva. Foi justamente isso que se pretendeu com a Lei nº 8.429/1992: garantir a plena efetividade do princípio constitucional da probidade7. Consoante arguta observação da doutrina:
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A malversação do patrimônio público fere a concepção deontológica (dever-ser) de um direito fundamental e importa na desapropriação violenta e lesiva de uma coletividade. É em suma a desafetação coletiva e despótica do que é singularmente inapropriável.8
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5 Idem, p. 230. 6 “A Administração Pública deve ser regulada e praticada tal como está delineada na Constituição. Esta é o seu ponto de partida e, ao mesmo tempo, seu porto de chegada.” (PAZZAGLINI FILHO, Marino. Op. cit., p.15) 7 “É justamente o princípio da probidade que se pretende confrontar com as regras, notadamente as trazidas pela Lei nº 8.429/1992, sobremodo para realçar a necessidade de uma nova atitude hermenêutica que se revele mais firme e disposta a conferir crescente força à moralidade como princípio jurídico, uma vez que o destino das regras somente deve ser o de contribuir à concretude das diretrizes maiores.” (FREITAS, Juarez. Princípio constitucional da moralidade e o direito fundamental à boa administração pública. In: CHEIM JORGE, Flavio; ABELHA RODRIGUES, Marcelo; ARRUDA ALVIM, Eduardo (Coord.). Temas de improbidade administrativa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 362) 8 MARTINS, Fernando Rodrigues. Op. cit., p. 64.
Ao prever que a atuação da administração pública deve ser pautada por princípios éticos9, em respeito à coletividade, está-se cuidando de verdadeiro direito de natureza transindividual10, já que seu titular é o próprio povo, na medida em que é em nome e em benefício deste que o poder deve ser exercido11. Dessa forma, enfeixa-se perfeitamente como direito difuso, na classificação prevista pelo art. 81, parágrafo único, I, do Código de Defesa do Consumidor12, já que claro direito de natureza transindividual, de natureza indivisível, de que são titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato13. 9 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 107. 10 Como bem observa Antonio Gidi, o reconhecimento de um direito que pertence a um grupo indeterminado de pessoas sem personalidade jurídica afasta-se do dogma tradicional do direito civil (GIDI, Antonio. Las acciones colectivas y la tutela de los derechos difusos, colectivos y individuales en Brasil. Cidade do México: Unam, 2004. p. 54). 11 ZAVASCKI, Teori. Processo coletivo. Tutela de direito coletivos e tutela coletiva de direitos. 3. ed. São Paulo: RT, 2008. p. 109-110. 12 “Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I − interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; [...].” 13 Nesse sentido, exemplificativamente, enquadrando o direito à moralidade administrativa na classificação de direito difuso: DIDIER JÚNIOR, Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil. 5. ed. Salvador: JusPodivm, v. 4, 2010. p. 74; MEDINA, José Miguel Garcia; GUIMARÃES, Rafael de Oliveira. O ônus da prova na ação de improbidade administrativa. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 867, jan. 2008. p. 77; GAJARDONI, Fernando da Fonseca; CRUZ, Luana Pedrosa de Figueiredo; SEQUEIRA DE CERQUEIRA, Luís Otávio; GOMES JUNIOR, Luiz Manoel; FAVRETO, Rogério (Coord.). Comentários à lei de improbidade administrativa. São Paulo: RT, 2011. p. 37; DECOMAIN, Pedro Roberto. Improbidade administrativa. São Paulo: Dialética, 2007. p. 32; NEVES, Daniel Amorim Assumpção; OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Manual de improbidade administrativa. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2012. p. 128.
14 A utilização da expressão microssistema para o arcabouço normativo que rege os processos coletivos é de franca aceitação na doutrina brasileira. Ver, por todos DIDIER JÚNIOR, Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil. 5. ed. Salvador: JusPodivm, v. 4, 2010. Ressalte-se que o próprio Superior Tribunal de Justiça vem fazendo uso do termo. Nesse sentido: “PROCESSUAL CIVIL − ADMINISTRATIVO − AÇÃO POPULAR − AUSÊNCIA DE LESIVIDADE MATERIAL − OFENSA À MORALIDADE ADMINISTRATIVA − CABIMENTO − LOTEAMENTO TIPO RESIDENCIAL − TRANSFORMAÇÃO EM TIPO MISTO − JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE − CERCEAMENTO DE DEFESA − INOCORRÊNCIA − DIVERGÊNCIA ENTRE JULGADOS DO MESMO TRIBUNAL − SÚMULA 13/STJ − AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO − SÚMULA 211/STJ − 1. A ação popular é instrumento hábil à defesa da moralidade administrativa, ainda que inexista dano material ao patrimônio público. Precedentes do STJ: AgRg no REsp 774.932/GO, DJ 22.03.2007 e REsp 552691/MG, DJ 30.05.2005. 2. O influxo do princípio da moralidade administrativa, consagrado no art. 37 da Constituição Federal, traduz-se como fundamento autônomo para o exercício da Ação Popular, não obstante estar implícito no art. 5º, LXXIII da Lex Magna. Aliás, o atual microssistema constitucional de tutela dos interesses difusos, hoje compostos pela Lei da Ação Civil Pública, a Lei da Ação Popular, o Mandado de Segurança Coletivo, o Código de Defesa do consumidor e o Estatuto da Criança e do Adolescente, revela normas que se interpenetram, nada justificando que a moralidade administrativa não possa ser veiculada por meio de Ação Popular. 3. Sob esse enfoque manifestou-se o STF: ‘o entendimento no sentido de que, para o cabimento da ação popular, basta a ilegalidade do ato administrativo a invalidar, por contrariar normas específicas que regem a sua prática ou por se desviar de princípios que norteiam a Administração Pública, sendo dispensável a demonstração de prejuízo material aos cofres públicos, não é ofensivo ao inciso LI do art. 5º da Constituição Federal, norma esta que abarca não só o patrimônio material do Poder Público, como também o patrimônio moral, o cultural e o histórico’ (RE 170.768/SP, ReI. Min. Ilmar Galvão, DJ de 13.08.1999). [...]
processual, o Direito Processual Coletivo, que, nas palavras de Ada Pellegrini Grinover, conta “com princípios revisitados e institutos fundamentais próprios e tendo objeto bem definido: a tutela jurisdicional dos interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos”15. 13. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, desprovido” (REsp 474.475/SP, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª T., J. 09.09.2008, DJe 06.10.2008) “AÇÃO CIVIL PÚBLICA − MINISTÉRIO PÚBLICO − LEGITIMIDADE − PRESCRIÇÃO − CERCEAMENTO DE DEFESA − AUSÊNCIA − [...] 3. A Carta de 1988, ao evidenciar a importância da cidadania no controle dos atos da administração, com a eleição dos valores imateriais do art. 37 da CF como tuteláveis judicialmente, coadjuvados por uma série de instrumentos processuais de defesa dos interesses transindividuais, criou um microssistema de tutela de interesses difusos referentes à probidade da administração pública, nele encartando-se a Ação Popular, a Ação Civil Pública e o Mandado de Segurança Coletivo, como instrumentos concorrentes na defesa desses direitos eclipsados por cláusulas pétreas. 4. Em conseqüência, legitima-se o Ministério Público a toda e qualquer demanda que vise à defesa do patrimônio público sob o ângulo material (perdas e danos) ou imaterial (lesão à moralidade). 5. A nova ordem constitucional erigiu um autêntico ‘concurso de ações’ entre os instrumentos de tutela dos interesses transindividuais e, a fortiori, legitimou o Ministério Público para o manejo dos mesmos. 6. A Ação Civil Pública não veicula bem jurídico mais relevante para a coletividade do que a Ação Popular. Aliás, a bem da verdade, hodiernamente ambas as ações fazem parte de um microssistema de tutela dos direitos difusos onde se encartam a moralidade administrativa sob seus vários ângulos e facetas. Assim, à míngua de previsão do prazo prescricional para a propositura da Ação Civil Pública, inafastável a incidência da analogia legis, recomendando o prazo quinquenal para a prescrição das Ações Civis Públicas, tal como ocorre com a prescritibilidade da Ação Popular, porquanto ubi eadem ratio ibi eadem legis dispositio. 7. O STJ sedimentou o entendimento no sentido de que o julgamento antecipado da lide (art. 330, I, do CPC), não implica cerceamento de defesa, se desnecessária a instrução probatória. 8. Recursos Especiais providos para acolher a prescrição quinquenal da ação civil pública. Recurso Especial da empresa à que se nega provimento.” (REsp 406.545/SP, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª T., J. 21.11.2002, DJ 09.12.2002, p. 292) 15 GRINOVER, Ada Pellegrini. Direito processual coletivo. In: LUCON, Paulo
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Posicionado como direito coletivo lato sensu, especificamente direito difuso, partindo da classificação proposta pelo Código de Defesa do Consumidor, obviamente o direito à probidade administrativa insere-se na ótica da tutela coletiva, fazendo parte daquilo que se convencionou chamar de microssistema processual coletivo14. Trata-se de um ramo autônomo do direito
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Esse microssistema é caracterizado, no âmbito material, pela superação do paradigma16 da modernidade, estruturado na concepção do indivíduo como único sujeito passível de ser titular de direitos e pela inserção da coletividade no rol de preocupações da sociedade pós-moderna. Surgem como marcas desse processo o ideal de acesso à justiça17, a consciência de que o interesse público deve ser tutelado e o respeito aos direitos fundamentais garantidos expressamente ou não pela Constituição Federal. Em suma, um microssistema de proteção dos direitos da coletividade. Nessa toada, como consagrados direitos materiais de conteúdo e natureza diversos dos direitos individuais, comportam a necessidade de estruturação de procedimentos que levem em conta essas peculiaridades e, portanto, se adaptem às especificidades do direito posto em causa.
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No âmbito processual, assim, estrutura-se um microssistema permeado pela ideia de processo justo, entendido este como o modelo mínimo de conformação do processo do Estado constitucional (que é Democrático e de Direito), que impõe deveres organizacionais ao Estado nas suas funções legislativa, judiciária e executiva de forma a tutelar de forma efetiva, adequada e tempestiva os direitos.
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Sintetizando, é o processo capaz de garantir que “as partes participem em pé de igualdade, com paridade de armas, em
Henrique dos Santos (Coord.). Tutela coletiva. São Paulo: Atlas, 2006. p. 308. 16 Sobre o conceito de paradigma, seus desdobramentos e sua importância para o próprio método científico, ver KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. Trad. Beatriz Boeira e Nelson Boeira. 6. ed. São Paulo: Perspectiva, 2001. p. 29-55. 17 Sobre o problema do acesso à justiça e seus desdobramentos, por todos, CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1988.
contraditório, com ampla defesa, com direito à prova, perante juiz natural, em procedimento público e com duração razoável”18. Ocorre que, face à diversidade dos direitos materiais tutelados e à impossibilidade prática de um procedimento único e padrão para a tutela dos direitos, não há previsão de um rito único para a tutela dos direitos difusos, coletivos em sentido estrito e individuais homogêneos. Ainda que se fale em um microssistema de tutela coletiva, certo é que há uma série de leis que disciplinam ritos diversos para a tutela de direitos coletivos. Como bem ressaltam Fredie Didier Júnior e Hermes Zanetti Júnior, “há procedimentos especialmente criados para servir às causas coletivas”19. A essa pluralidade de fontes normativas dentro do microssistema agrega-se o conteúdo do Código de Processo Civil. Nessa moldura normativa, que cria um verdadeiro problema de conformação legislativa, enquadra-se o rito previsto pela Lei de Improbidade Administrativa. Esse procedimento, que, apesar de incompleto e lacunoso, estrutura-se (poder-se-ia dizer, de forma pouco técnica) brevemente nos arts. 17 e 18 da Lei de Improbidade Administrativa, será objeto do próximo ponto do trabalho. Como veremos, a tutela da probidade administrativa requer um esforço interpretativo do operador, de modo a contornar os inevitáveis problemas advindos da sua aplicação.
2 O PROCEDIMENTO DISCIPLINADO PELA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA A Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992) prevê uma série de disposições voltadas à tutela da probidade da 18 SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de direito constitucional. São Paulo: RT, 2012 p. 619. 19 DIDIER JÚNIOR, Fredie Souza; ZANETI JÚNIOR, Hermes. Op. cit., p. 43.
A Lei nº 8.429/1992 arrola os ilícitos passíveis de sanção, conceituando, além disso, os sujeitos sobre os quais os dispositivos podem vir a incidir, bem como as sanções aplicáveis e o procedimento a ser adotado para apuração da prática dos atos tanto na via administrativa quanto judicial. No que diz respeito ao processo judicial, ao procedimento previsto na Lei de Improbidade Administrativa, algumas considerações merecem ser tecidas. Em primeiro lugar, importante referir que se trata de um rito específico para a tutela da moralidade e da probidade da Administração Pública, cujo procedimento difere tanto do previsto para as ações civis públicas quanto para as ações populares. Como bem conceituam Arnoldo Wald e Rodrigo Garcia da Fonseca, “a ação de improbidade administrativa tem contornos e regramento próprios, não se confundindo com aqueles específicos das ações civis públicas em geral”21. Não se trata de uma “ação” específica, mas de um procedimento próprio, adaptado às especificidades do direito material22. A ideia 20 Como bem ressalta Marino Pazzaglini Filho, “o diploma em questão é uma autêntica babel jurídica, reunindo normas de direito administrativo, de direito civil, de direito processual civil, de direito penal e de direito processual penal, nem sempre alocadas racionalmente” (Op. cit., p. 36). 21 WALD, Arnoldo; FONSECA, Rodrigo Garcia da. A ação de improbidade administrativa. Revista de Direito da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, Procuradoria-Geral, Rio de Janeiro, a. 6, n. 11, p. 71, jan./dez. 2002. 22 É a posição de Cássio Scarpinella Bueno: “Com efeito, os parágrafos referidos afetaram o procedimento da ação de improbidade administrativa de tal forma que é mais correto falar que, mercê destas modificações, a
de que para cada situação jurídica material haverá uma “ação” específica e taxativa para sua tutela foi superada. Ela advém da influência do Direito romano (pré-clássico ou arcaico), no período das legis actiones: os romanos viam cada actio como uma unidade, na qual os pressupostos e as consequências jurídicas eram concebidos conjuntamente com o procedimento que serve para a sua atuação23; ou seja, direitos subjetivos e os meios para tutelá-los se confundiam. Essa é a posição de Heitor Sica: O fato de nosso ordenamento denominar diversos procedimentos especiais como “ações”, seja no Código de Processo Civil, seja na legislação extravagante, é reminiscência histórica de um período, já superado, em que a ação era reputada remédio típico, taxativo e especialmente criado pela lei, para proteger determinado direito subjetivo.24
A distinção é importante de ser feita em vista da aplicabilidade (ou não) das especialidades de cada um dos procedimentos previstos para a tutela de direitos coletivos. O rito da Lei de ação cujo objeto é a tutela dos bens descritos nos arts. 9º, 10 e 11 da Lei nº 8.429/1992, pela aplicação das sanções respectivas dos três incisos do art. 12 do mesmo diploma legal − a ‘ação de improbidade administrativa’ −, é hoje uma ação de procedimento especial” (O procedimento especial da ação de improbidade administrativa (Medida Provisória nº 2.088). In: BUENO, Cassio Scarpinella; PORTO FILHO, Pedro Paulo de Rezende (Coord.). Improbidade administrativa: questões polêmicas e atuais. São Paulo: SBDP, Malheiros, 2001. p. 149-150). 23 KASER, Max. Direito privado romano. Trad. Samuel Rodrigues e Ferdinand Hämmerle. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1992. p. 428. Ressalte-se que parte da doutrina ainda prefere tratar o fenômeno a partir do conceito de ação típica. Nesse sentido, por exemplo: “Ações típicas são aquelas vinculadas a determinadas relações jurídicas específicas, que recebem do ordenamento jurídico uma denominação e um procedimento próprio” (DAL PAZZO, Antonio Aroldo Ferras. Reflexão sobre a “defesa antecipada” na lei de improbidade administrativa. Fórum administrativo. Direito público. Belo Horizonte: Fórum, n. 19, 2002. p.1148). 24 SICA, Heitor Vitor Mendonça. Aspectos do pedido na ação de improbidade administrativa. Revista de Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 34, n. 178, dez. 2009. p. 77.
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Administração Pública20. Como forma de permitir o adequado funcionamento das instituições do Estado constitucional, mantendo, portanto, a moralidade no exercício das funções que incumbem aos agentes do Poder Estatal, o legislador optou por regular as sanções aplicáveis aos agentes públicos ímprobos, elencando taxativamente os atos de improbidade administrativa.
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Improbidade Administrativa obedece, em linhas gerais, ao procedimento comum ordinário previsto no Código de Processo Civil25, como se denota da leitura do caput do art. 17: “A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da medida cautelar”.
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Ainda que haja expressa previsão de utilização das normas do rito ordinário, é de se ressaltar que o procedimento, no seu caminhar, contém normas específicas, que o especializam26. Essa tendência, que aparecia na redação originária da lei de forma tímida, acentuou-se com a edição da Medida Provisória nº 2.088-39, de 26 de abril de 2001, e modificações introduzidas pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 4 de setembro de 2001, em vigor, a partir da qual se instituiu um procedimento prévio à citação do demandado. Como bem ressalta Teori Zavascki, buscou-se adaptar o procedimento às peculiaridades do direito material:
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25 “A ação de improbidade administrativa, apesar de guardar algumas semelhanças com a ação penal, tem natureza civil e é regida pelas regras do procedimento ordinário (Livro I do Código de Processo Civil), exceto naquilo em que o art. 17 da Lei nº 8.429/1992 prescrever expressamente de forma diversa.” (Idem, p. 84) 26 Como bem ressalta Heitor Sica: “Cremos ser possível adaptar o rito ordinário, para que se preserve a fase introdutória do procedimento da ação de improbidade administrativa, para evitar a exclusão de oportunidade de contraditório assegurado ao réu, o que frustraria a própria finalidade do referido art. 292, § 2º, do CPC, que é a exclusão da sumariedade própria dos procedimentos especiais em prol da garantia de que as partes não sofram prejuízo quanto ao exercício do contraditório” (Idem, p. 95). Esta previsão está perfeitamente coadunada ao direito fundamental à tutela adequada, que, como bem ressaltam Sarlet, Marinoni e Mitidiero, “revela a necessidade de análise do direito material posto em causa para, a partir daí, estruturar-se um processo dotado de técnicas processuais aderentes à situação levada a juízo” (SARLET, Ingo; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Op. cit., p. 630).
A preocupação do legislador, quanto ao ponto, foi adequar o processo civil à finalidade, que não lhe é peculiar, de ser instrumento para imposição de penalidades ontologicamente semelhantes às das infrações penais. À identidade material das penas veio juntar-se à identidade formal dos mecanismos de sua aplicação.27
Os arts. 17 e 18 da lei são os que regulam, em linhas gerais, o desenvolvimento da demanda28. Quanto à legitimidade ativa, não 27 ZAVASCKI, Teori Albino. Op. cit., p. 139. 28 “Art. 17. A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da medida cautelar. § 1º É vedada a transação, acordo ou conciliação nas ações de que trata o caput. § 2º A Fazenda Pública, quando for o caso, promoverá as ações necessárias à complementação do ressarcimento do patrimônio público. § 3º No caso de a ação principal ter sido proposta pelo Ministério Público, aplica-se, no que couber, o disposto no § 3º do art. 6º da Lei nº 4.717, de 29 de junho de 1965. § 4º O Ministério Público, se não intervir no processo como parte, atuará obrigatoriamente, como fiscal da lei, sob pena de nulidade. § 5º A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações posteriormente intentadas que possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo objeto. § 6º A ação será instruída com documentos ou justificação que contenham indícios suficientes da existência do ato de improbidade ou com razões fundamentadas da impossibilidade de apresentação de qualquer dessas provas, observada a legislação vigente, inclusive as disposições inscritas nos arts. 16 a 18 do Código de Processo Civil. § 7º Estando a inicial em devida forma, o juiz mandará autuá-la e ordenará a notificação do requerido, para oferecer manifestação por escrito, que poderá ser instruída com documentos e justificações, dentro do prazo de quinze dias. § 8º Recebida a manifestação, o juiz, no prazo de trinta dias, em decisão fundamentada, rejeitará a ação, se convencido da inexistência do ato de improbidade, da improcedência da ação ou da inadequação da via eleita. § 9º Recebida a petição inicial, será o réu citado para apresentar contestação. § 10. Da decisão que receber a petição inicial, caberá agravo de instrumento. § 11. Em qualquer fase do processo, reconhecida a inadequação da ação de improbidade, o juiz extinguirá o processo sem julgamento do mérito. § 12. Aplica-se aos depoimentos ou inquirições realizadas nos processos regidos por esta Lei o disposto no art. 221, caput e § 1º, do Código de Processo Penal. Art. 18. A sentença que julgar procedente ação civil de reparação de dano ou decretar a perda dos bens havidos ilicitamente
parece haver maiores dúvidas de que, face à expressa previsão do caput do art. 17, deverá ser do Ministério Público ou da pessoa jurídica interessada. A previsão de prazo para propositura da ação depois de efetivada medida cautelar diz respeito aos casos em que tenha havido utilização da previsão do art. 7º29 ou do art. 1630, a chamada cautelar de indisponibilidade de bens e o sequestro de bens e bloqueio de contas bancárias31.
de Ajustamento de Conduta32. O § 2º prevê a possibilidade de medidas serem movidas pela Fazenda Pública com o fito de obter a integral reparação do dano33.
O § 1º veda a transação, o acordo ou a conciliação nas ações para tutela da probidade administrativa. Reside controvérsia acerca da possibilidade de firmatura de Termo ou Compromisso
32 “Embora não seja possível uma transação concernente às sanções, é válido o ajuste interpartes quanto ao modo de restituição do patrimônio público. Não seria razoável impedir, por exemplo, que o réu parcelasse em três prestações mensais o montante devido ou que ele promovesse uma dação de imóvel em pagamento do débito” (LOBO, Arthur Mendes. A ação prevista na lei de improbidade administrativa: competência, legitimidade, interesse de agir e outros aspectos polêmicos. Revista de Processo, São Paulo, v. 32, n. 148, 2007, p. 73). Para uma análise pormenorizada da polêmica doutrinária, ver OLIVEIRA DE FARIAS, Bianca; PINHO, Humberto Dalla Bernardina. Apontamentos sobre o compromisso de ajustamento de conduta na Lei de Improbidade Administrativa e no Projeto de Lei da Ação Civil Pública. In: CHEIM JORGE, Flavio; ABELHA RODRIGUES, Marcelo; ARRUDA ALVIM, Eduardo (Coord.). Temas de improbidade administrativa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 97-126. 33 Sobre o tema, para uma análise das possíveis medidas a serem tomadas, ver os comentários ao art. 17 − e seu parágrafo segundo − escritos por Luiz Manoel Gomes Junior e Rogério Favreto, em GAJARDONI, Fernando da Fonseca et al. (Coord.). Op. cit., p. 315-316. 34 “Art. 6º A ação será proposta contra as pessoas públicas ou privadas e as entidades referidas no art. 1º, contra as autoridades, funcionários ou administradores que houverem autorizado, aprovado, ratificado ou praticado o ato impugnado, ou que, por omissas, tiverem dado oportunidade à lesão, e contra os beneficiários diretos do mesmo. § 1º Se não houver benefício direto do ato lesivo, ou se for ele indeterminado ou desconhecido, a ação será proposta somente contra as outras pessoas indicadas neste artigo. § 2º No caso de que trata o inciso II, item b, do art. 4º, quando o valor real do bem for inferior ao da avaliação, citar-se-ão como réus, além das pessoas públicas ou privadas e entidades referidas no art. 1º, apenas os responsáveis pela avaliação inexata e os beneficiários da mesma. § 3º A pessoa jurídica de direito público ou de direito privado, cujo ato seja objeto de impugnação, poderá abster-se de contestar o pedido, ou poderá atuar ao lado do autor, desde que isso se afigure útil ao interesse
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determinará o pagamento ou a reversão dos bens, conforme o caso, em favor da pessoa jurídica prejudicada pelo ilícito.” 29 “Art. 7º Quando o ato de improbidade causar lesão ao patrimônio público ou ensejar enriquecimento ilícito, caberá à autoridade administrativa responsável pelo inquérito representar ao Ministério Público, para a indisponibilidade dos bens do indiciado. Parágrafo único. A indisponibilidade a que se refere o caput deste artigo recairá sobre bens que assegurem o integral ressarcimento do dano, ou sobre o acréscimo patrimonial resultante do enriquecimento ilícito.” 30 “Art. 16. Havendo fundados indícios de responsabilidade, a comissão representará ao Ministério Público ou à procuradoria do órgão para que requeira ao juízo competente a decretação do seqüestro dos bens do agente ou terceiro que tenha enriquecido ilicitamente ou causado dano ao patrimônio público. § 1º O pedido de seqüestro será processado de acordo com o disposto nos arts. 822 e 825 do Código de Processo Civil. § 2º Quando for o caso, o pedido incluirá a investigação, o exame e o bloqueio de bens, contas bancárias e aplicações financeiras mantidas pelo indiciado no exterior, nos termos da lei e dos tratados internacionais.” 31 Sobre o tema, ver SCARTEZZINI, Ana Maria Goffi Flaquer. Improbidade administrativa e a indisponibilidade de bens do agente público. In: CHEIM JORGE, Flavio; ABELHA RODRIGUES, Marcelo; ARRUDA ALVIM, Eduardo (Coord.). Temas de improbidade administrativa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 51-62; BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela jurisdicional cautelar e atos de improbidade administrativa. In: BUENO, Cassio Scarpinella (Coord.). Improbidade administrativa – Questões polêmicas e atuais. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 245-273.
O § 3º encampa a possibilidade de utilização subsidiária da normativa referente à ação popular (art. 6º, § 3º, Lei nº 4.717/1965), no que tange à participação da pessoa jurídica interessada34.
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A peculiaridade desse tipo de intervenção é tida pela doutrina como hipótese sui generis de participação no processo35. No que tange ao Ministério Público, a Lei de Improbidade Administrativa impõe, no § 4º do art. 17, sua participação como custos legis, nos casos em que não atue como parte, sob pena de nulidade, repetindo o art. 82, III, do CPC36, já que evidente o interesse público presente nas demandas envolvendo direitos transindividuais. O parágrafo subsequente é digno de nota pela sua diferenciação face à sistemática do Código de Processo Civil. Considera-se prevento o juízo a partir da propositura da ação (e não a partir da citação – art. 219, caput, do CPC37 – ou do primeiro despacho – art. 106 do CPC38). A regra é uma repetição da norma
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público, a juízo do respectivo representante legal ou dirigente. § 4º O Ministério Público acompanhará a ação, cabendo-lhe apressar a produção da prova e promover a responsabilidade, civil ou criminal, dos que nela incidirem, sendo-lhe vedado, em qualquer hipótese, assumir a defesa do ato impugnado ou dos seus autores. § 5º É facultado a qualquer cidadão habilitar-se como litisconsorte ou assistente do autor da ação popular.” A doutrina diverge acerca do papel desempenhado pela pessoa jurídica interessada. Para Heitor Sica “não é correto sustentar que a pessoa jurídica que prefere defender a juridicidade do ato atacado assuma o posto de litisconsorte passivo, já que é impossível advir-lhe qualquer prejuízo da sentença de procedência (ao contrário, será esse ente público o beneficiado pela condenação)” (SICA, Heitor Vitor Mendonça. Op. cit., p. 103). Um bom apanhado das posições sobre o tema pode ser encontrado em DIDIER JÚNIOR, Fredie; ZANETI JÚNIOR, Hermes. Op. cit., p. 260. “Art. 82. Compete ao Ministério Público intervir: [...] III – nas ações que envolvam litígios coletivos pela posse de terra rural e nas demais causas em que há interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte.” “Art. 219. A citação válida torna prevento o juízo, induz litispendência e faz litigiosa a coisa; e, ainda quando ordenada por juiz incompetente, constitui em mora o devedor e interrompe a prescrição.” “Art. 106. Correndo em separado ações conexas perante juízes que
insculpida no art. 5º, § 3º, da Lei nº 4.717/196539 – Lei da Ação Popular – e no art. 2º, parágrafo único, da Lei nº 7.347/198540 – Lei da Ação Civil Pública41. Pela reforma de 2001, ao art. 17 da lei foram incluídos os §§ 6º a 12. A especialização do rito se deu principalmente pela criação de uma fase de contraditório prévio à citação e, portanto, à contestação, no qual o demandado tem a oportunidade de trazer aos autos “documentos e justificações” que demonstrem a necessidade de extinção do processo. A petição inicial (cuja regulação geral se dá pelo Código Processo Civil) também recebe atenção específica pela Lei de Improbidade Administrativa, sendo necessário, para seu recebimento, que esta seja “instruída com documentos ou justificação que contenham indícios suficientes da existência do ato de improbidade” ou que apresente “razões fundamentadas da impossibilidade de apresentação de qualquer dessas provas, observada a legislação vigente, inclusive as disposições inscritas nos arts. 16 a 18 do Código de Processo Civil” (art. 17, § 6º). têm a mesma competência territorial, considera-se prevento aquele que despachou em primeiro lugar.” 39 “Art. 5º Conforme a origem do ato impugnado, é competente para conhecer da ação, processá-la e julgá-la o juiz que, de acordo com a organização judiciária de cada Estado, o for para as causas que interessem à União, ao Distrito Federal, ao Estado ou ao Município. [...] § 3º A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações, que forem posteriormente intentadas contra as mesmas partes e sob os mesmos fundamentos.” 40 “Art. 2º As ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa. Parágrafo único. A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações posteriormente intentadas que possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo objeto.” 41 Como bem ressalta Daniel Amorin Assumpção Neves e Rafael Carvalho Rezende Oliveira (op. cit., p. 176).
Com efeito, a prática atenuou a imposição do inciso VI do art. 282 do CPC, de apresentação das provas necessárias à elucidação dos fatos alegados. Porém, no rito da Lei de Improbidade Administrativa, a necessidade é reiterada42, sendo motivo de indeferimento da própria petição inicial o seu descumprimento43. A expressa referência aos arts. 16 a 18 do CPC também denota a preocupação em reforçar a seriedade necessária quando da proposição das ações de improbidade44. 42 Como bem ressalta Cassio Scarpinella Bueno, “a petição inicial da ação de improbidade administrativa deve ser proporcionalmente mais substancial do que as outras ações que não têm esta fase preliminar de admissibilidade da inicial em contraditório tão aguda” (O procedimento especial da ação de improbidade administrativa (Medida Provisória nº 2.088). In: BUENO, Cassio Scarpinella; PORTO FILHO, Pedro Paulo de Rezende (Coord.). Op. cit., p.145). Nesse mesmo sentido, Arnaldo Rizzardo: “Embora desnecessário que se repetisse uma regra que se impõe para o processo em geral, no caso da ação de improbidade, em vista, como se disse acima, de sua repercussão individual, social e pública, mister que venha mais substancial a prova documental e indiciária” (Ação civil pública e ação de improbidade administrativa. Rio de Janeiro: GZ, 2009. p. 393). 43 Nesse sentido, Antonio Dal Pazzo: “Em razão, porém, da criação da fase de admissibilidade da ação de improbidade, muito maior cuidado será exigido na redação da petição inicial” (op. cit., p. 1146). 44 “O ajuizamento sem um mínimo de plausibilidade e sem a documentação respectiva torna possível não só a aplicação das sanções pela litigância de má-fé (art. 17, incisos III e V, CPC), como também o posterior pedido de indenização na forma do art. 16, do Código de Processo Civil.” (GA-
O movimento de reforma andou sempre nesse sentido: o de conferir maior seriedade e proteção ao agente público contra o qual se imputa a pecha de ímprobo. A instituição de uma fase de contraditório prévio à contestação quer evitar o desenvolvimento de processos infundados. O dispositivo não é novo no Direito brasileiro: o Código de Processo Penal prevê expediente parecido para os crimes de responsabilidade de funcionário público. Em seus arts. 513, 514 e 516, o CPP estabelece um contraditório prévio, cujo objetivo basicamente é o de resguardar o agente da perseguição política injustificada45. Também na Lei nº 8.038/1990, que trata das ações penais originárias no STJ e STF, há previsão parecida (art. 4º)46. Ainda no que tange à fase de notificação prévia, estando em ordem a inicial (cujos requisitos, como analisamos, são mais marcantes pela ênfase dada à apresentação das provas), JARDONI, Fernando da Fonseca; CRUZ, Luana Pedrosa de Figueiredo; SEQUEIRA DE CERQUEIRA, Luís Otávio; GOMES JUNIOR, Luiz Manoel; FAVRETO, Rogério (Coord.). Op. cit., p. 326) 45 A peculiaridade é observada pela doutrina: “Este juízo de admissibilidade amplíssimo e substancial da petição inicial em contraditório, destarte, estrema a ação de improbidade administrativa de qualquer outra ação que segue o rito comum, assemelhando-se ao que o Código de Processo Penal reserva, por exemplo, para o processo dos crimes de responsabilidade dos funcionários públicos” (BUENO, Cassio Scarpinella. O procedimento especial da ação de improbidade administrativa (Medida Provisória nº 2.088). In: BUENO, Cassio Scarpinella; PORTO FILHO, Pedro Paulo de Rezende (Coord.). Op. cit., p. 153). 46 “Art. 4º Apresentada a denúncia ou a queixa ao Tribunal, far-se-á a notificação do acusado para oferecer resposta no prazo de quinze dias. § 1º Com a notificação, serão entregues ao acusado cópia da denúncia ou da queixa, do despacho do relator e dos documentos por este indicados. § 2º Se desconhecido o paradeiro do acusado, ou se este criar dificuldades para que o oficial cumpra a diligência, proceder-se-á a sua notificação por edital, contendo o teor resumido da acusação, para que compareça ao Tribunal, em cinco dias, onde terá vista dos autos pelo prazo de quinze dias, a fim de apresentar a resposta prevista neste artigo.”
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Além da reiteração da necessidade de apresentação dos documentos necessários à comprovação de indícios da existência do ato contra o qual se insurge o autor (o que não difere, em linhas gerais, dos requisitos de uma petição inicial, em especial o pedido, a causa de pedir e as provas com que pretende o autor demonstrar a verdade dos fatos alegados), a lei determina que, em caso de não apresentação de uma prova desde logo, deverá ser justificada a impossibilidade.
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será notificado o agente para, no prazo de 15 (quinze) dias, apresentar a sua manifestação. Esta, apesar de não ser uma contestação, poderá tratar de todo o mérito proposto (todas as matérias de defesa que podem ensejar a extinção prematura do processo, com ou sem resolução de mérito), e poderá o requerido trazer aos autos os documentos que entender úteis para tanto. Recebida a manifestação, deverá o juiz decidir acerca da continuidade (ou não) do processo, aí sim ordenando a citação do demandado para apresentar sua contestação.
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O rito ainda prevê (a) que a impugnação da decisão que recebe a petição inicial deve ser veiculada mediante agravo (art. 17, § 10), (b) a possibilidade de, em qualquer fase do processo, ser reconhecida a inadequação da via eleita (art. 17, § 11), e, não menos importante, (c) a aplicação do art. 221, caput e § 1º, do Código de Processo Penal, para as inquirições ou depoimentos realizados durante o processo (art. 17, § 12), diferenciando-o, pois, da técnica processual utilizada nas ações cíveis.
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O procedimento instituído para a fase inicial do processo judicial de improbidade administrativa tem, no § 8º do art. 17, a sua maior peculiaridade (e a causa maior de sua especialidade). Se convencido da “inexistência do ato de improbidade, da improcedência da ação ou da inadequação da via eleita”, deverá o juiz, no prazo de 30 (trinta) dias do recebimento da manifestação, “rejeitar a ação”, em decisão fundamentada. Logo, são hipóteses de extinção do processo ainda na fase de contraditório prévio, algumas delas com o próprio julgamento do mérito, de forma absolutamente antecipada, pela improcedência da ação ou pela inexistência do ato de improbidade. Por fim, o art. 18 prevê consequências específicas para a sentença que julgar procedente a ação, como a determinação do pagamento ou da reversão dos bens (acaso tenham sido objeto de sequestro), em favor da pessoa jurídica lesada pelo agente ímprobo. Em linhas gerais, estas são as notas características
da diferenciação operada pelo legislador quanto ao rito previsto para a tutela da probidade administrativa. Como se denota, seu caráter eminentemente lacunoso permite uma grande construção doutrinária e jurisprudencial na resolução dos problemas práticos que de sua aplicação derivam. Para a solução desses problemas de interpretação inerentes ao microssistema de tutela coletiva, nas suas relações internas (entre as diversas leis que tratam da temática) e externas (especialmente com Código de Processo Civil), passa-se a expor algumas hipóteses de efetiva complexidade interpretativa, com vistas a propor um modelo de resposta que possa ser universalizado para as ações propostas com vistas à tutela da probidade administrativa.
3 A CONFORMAÇÃO DO RITO EM HIPÓTESES COMPLEXAS A partir da premissa posta no capítulo anterior, pôde-se compreender a moldura legislativa na qual se enquadra o retrato da improbidade administrativa: o microssistema de tutela coletiva. Como também restou demonstrado, a influência direta de diplomas como a Lei da Ação Civil Pública e o Código de Defesa do Consumidor nas demais leis que compõem este microssistema é um dado fático. Isso significa que é pressuposto da aplicação da Lei nº 8.429/1992, no que tange ao seu aspecto processual, a existência de uma pluralidade legislativa e de potenciais entre a normativa da tutela coletiva e o disposto pelo Código de Processo Civil para os conflitos individuais. Como ressalta Heitor Sica, “é próprio da tutela de interesses transindividuais que haja concorrência de remédios jurisdicionais”47. 47 SICA, Heitor Vitor Mendonça. Op. cit., p. 92.
A regulamentação legal acabou sendo muito deficiente, considerando a relevância e a quantidade de vezes que seus dispositivos têm sido aplicados em todo o país. Não existe uma disciplina legal precisa, regulando os diversos pontos relativos ao processamento deste tipo de demanda, especialmente se considerada a sua relevância e a gravidade das penas aplicáveis.48
Dessa forma, inegável que haverá hipóteses em que o intérprete terá de buscar nos demais diplomas do microssistema de tutela coletiva (perspectiva interna) ou mesmo no diploma base, o Código de Processo Civil (perspectiva externa), as respostas fornecidas pelo ordenamento. Quanto ao primeiro problema, versa dissenso na doutrina acerca do modo pelo qual as leis que fazem parte do microssistema de tutela coletiva devem ser interpretadas. De um lado, há quem defenda uma diminuta integração entre os diplomas. Nesse sentido, e exemplificativamente, Heitor Sica: É inegável que a ação civil pública e a ação de improbidade administrativa são procedimentos especiais distintos, com finalidades e regras de legitimação (tanto ativa, como passiva) diversas. A ação de improbidade administrativa tem âmbito de atuação bem mais restrito, pois se destina à tutela de um particular interesse transindividual (que é a probidade administrativa), e a lei especial que a rege (Lei 8.429/1992) afasta a lei geral (Lei 7.437/1985), à qual sequer se reservou aplicação subsidiária.49 48 GAJARDONI, Fernando da Fonseca; CRUZ, Luana Pedrosa de Figueiredo; SEQUEIRA DE CERQUEIRA, Luís Otávio; GOMES JUNIOR, Luiz Manoel; FAVRETO, Rogério (Coord.). Op. cit., p. 300. 49 SICA, Heitor Vitor Mendonça. Op. cit., p. 92. Nessa mesma linha, ainda e com maior ênfase, Gina Copola: “Não é possível a propositura de ação
O mesmo autor, entretanto, faz a ressalva: “Apesar dessa (necessária) distinção, os remédios não podem ser tratados de forma absolutamente estanque”50. De outro lado, há quem defenda a perfeita fungibilidade das ações coletivas nesse ponto. Nesse sentido, por exemplo, Arthur Mendes Lobo: Como a ação de improbidade administrativa visa a tutelar o interesse público primário, entendido esse como interesse metaindividual de caráter difuso, para a proteção de um número indeterminado de cidadãos no sentido de impedir lesão ao patrimônio público e bem assim preservar a moralidade da administração pública, entendemos ser ela uma verdadeira modalidade de ação civil pública que integra o microssistema de direito processual civil coletivo, aplicando-se-lhe, subsidiariamente a Lei 7.347/85 e as normas processuais do Código de Defesa do Consumidor, bem como todos os princípios que regem as ações coletivas.51
Certo é que o grande parâmetro para o operador deve ser o da adaptação do rito às especialidades previstas para a tutela da probidade administrativa (entre as quais o contraditório prévio é a mais flagrante), qualquer que seja o “nome” da ação proposta. Nesse sentido, se se pretende a cominação das sanções previstas para a improbidade administrativa, apenas os legitimados para tanto poderão propor a ação. Além disso, o rito deverá observar as especificidades previstas na lei52. Nesse sentido, civil pública, para pedir a condenação do requerido nas penas constantes da Lei de Improbidade Administrativa, que é a Lei federal nº 8.429, de 2 de julho de 1992. As duas espécies de ações não se misturam, uma vez que a LIA estabelece procedimento próprio e específico para as ações de responsabilidade por ato de improbidade administrativa” (O procedimento próprio das ações de responsabilidade por ato de improbidade administrativa. (Jurisprudência comentada). Repertório de Jurisprudência IOB: Tributário, Constitucional e Administrativo, São Paulo, n. 1, 1/22683, jan. 2007, p. 29). 50 SICA, Heitor Vitor Mendonça. Op. cit., p. 92. 51 LOBO, Arthur Mendes. Op. cit., p. 60. 52 NEVES, Daniel Amorim Assumpção; OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Op. cit., p. 132.
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Um segundo dado relevante diz respeito à manifesta incompletude do diploma para a tutela da probidade administrativa, quanto ao seu rito. Como bem observa a doutrina, há verdadeira deficiência legislativa quanto à matéria:
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parece acertada a opção de Daniel Amorim Assumpção Neves e Rafael Carvalho Rezende Oliveira: A nomeação das ações é algo ultrapassado, condizente com uma época imanentista do processo, na qual não se conseguia distinguir o Direito material do Direito Processual. Portanto, chamar a ação regulada pela Lei 8.429/1992 de ação civil pública ou não é formalidade que não muda a realidade: uma ação coletiva que visa à tutela do patrimônio público e da moralidade administrativa regida pela Lei 8.429/1992 e subsidiariamente pelo microssistema coletivo e pelo Código de Processo Civil.53
Em suma, o que se propõe é a compreensão do fenômeno como um todo, excluindo-se interpretações restritivas da aplicação do microssistema coletivo54, sem a devida fundamentação. Enfim, uma “interpretação à luz do microssistema das ações coletivas, para assim conferir maior efetividade e razoabilidade aos provimentos jurisdicionais atinentes ao tema”55.
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De outro lado, sob uma perspectiva externa ao microssistema, é certo que o Código de Processo Civil não deverá ser o único objeto de análise do intérprete. Tendo em vista a existência de particularidades na própria Lei de Improbidade Administrativa, que dão conta de sua natureza material próxima à do direito penal, muitas vezes será o próprio Código de Processo Penal o parâmetro a ser levado em consideração.
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Assim, faz-se necessária, em casos específicos, a conformação das normas especiais (Lei de Improbidade Administrativa), das 53 Idem, p. 129 e 130. 54 “Apesar de o CDC e a LACP terem, de fato, um status de relevância maior (decorrente da natural aferição de possuírem âmbito de incidência de grande escala), os demais diplomas que formam o microssistema da tutela de massa têm também sua importância para o direito processual coletivo, implantando a inteligência de suas regras naquilo que for útil e pertinente.” (DIDIER JÚNIOR, Fredie; ZANETI JÚNIOR, Hermes. Op. cit., p. 49) 55 LOBO, Arthur Mendes. Op. cit., p. 74.
normas do microssistema de processo coletivo (perspectiva interna) e das normas processuais relativas aos litígios civis individuais e penais (perspectiva externa). A grande métrica para esse processo de coordenação deve ser os padrões do direito fundamental ao processo justo, entendido como o modelo mínimo de atuação processual do Estado56. Tendo em vista esse norte proposto, passa-se a expor algumas dessas hipóteses.
3.1 A expressão “devida forma” A Lei de Improbidade Administrativa pretende impor ao demandante um ônus maior no que tange à regularidade da petição inicial. Apesar da expressa menção à necessidade de esta ser “instruída com documentos ou justificação que contenham indícios suficientes da existência do ato de improbidade” ou que apresente “razões fundamentadas da impossibilidade de apresentação de qualquer dessas provas” (art. 17, § 6º), o rito da improbidade administrativa utiliza a expressão devida forma como requisito da petição inicial (“§ 7º Estando a inicial em devida forma, o juiz mandará autuá-la e ordenará a notificação do requerido [...]”). É certo que a previsão genérica de aplicação do rito ordinário, no que couber, por si só, permite ao operador a utilização do Código de Processo Civil naquilo que ele disciplina sobre os requisitos da inicial para fins de determinação do conteúdo normativo da expressão devida forma. Não há dúvida, portanto, de que os requisitos constantes dos arts. 282 e 283 do CPC57 devem ser 56 SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Op. cit., p. 616. 57 “Art. 282 A petição inicial indicará: I − o juiz ou tribunal, a que é dirigida; II − os nomes, prenomes, estado civil, profissão, domicílio e residência do autor e do réu; III − o fato e os fundamentos jurídicos do pedido; IV − o pedido, com as suas especificações; V − o valor da causa; VI − as provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados;
respeitados pelo demandante, sob pena de indeferimento da inicial. Ou seja, petição inicial de ação para a tutela da probidade administrativa estará em devida forma se respeitados os requisitos previstos pelos arts. 282 e 283 do CPC.
ção, na Lei de Improbidade, das consequências diretas do não preenchimento dos requisitos da inicial: deve o juiz permitir a emenda da inicial, antes mesmo de notificar os demandados, sob pena de inviabilizar a sua defesa prévia.
Ocorre que não basta a aplicação do direito em tiras, na célebre expressão de Eros Roberto Grau58; faz-se necessário perquirir quais as consequências da adoção dessas normas e sua coordenação com as especificidades da lei especial. A partir do arcabouço teórico desenvolvido nos itens anteriores, passa-se a perceber a necessidade de trazer para o âmbito de atuação da lei de improbidade todo o conjunto de conceitos que fazem parte da disciplina acerca da petição inicial no âmbito do processo civil individual (de forma residual, já que nas demais leis que compõem o microssistema processual não há disciplina própria que pudesse ser aplicada de forma subsidiária).
Também a disciplina acerca do recebimento e do indeferimento da inicial deve incidir, na espécie. A previsão do art. 285, que prevê o deferimento (recebimento) da petição inicial como pressuposto da ordem de citação do réu, e os arts. 295 e 296 do CPC, que disciplinam o indeferimento da inicial (a que faz menção o parágrafo único do art. 284 do CPC), portanto, devem igualmente ser aplicáveis. Isso cria um conflito com os §§ 7º, 8º, 9º e 10 do art. 17 da Lei de Improbidade Administrativa:
VII − o requerimento para a citação do réu. Art. 283 A petição inicial será instruída com os documentos indispensáveis à propositura da ação.” 58 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 40. 59 “Art. 284. Verificando o juiz que a petição inicial não preenche os requisitos exigidos nos arts. 282 e 283, ou que apresenta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento do mérito, determinará que o autor a emende, ou a complete, no prazo de 10 (dez) dias. Parágrafo único. Se o autor não cumprir a diligência, o juiz indeferirá a petição inicia.” 60 A doutrina pátria orienta-se nesse sentido: “Estando corretamente elaborada a petição inicial (que, evidentemente, pode ser emendada se contiver vícios sanáveis), o juízo de primeiro grau de jurisdição determinará a notificação dos demandados” (FREITAS CÂMARA, Alexandre. A fase preliminar do procedimento da “ação de improbidade administrativa”. In: JORGE, Flávio Cheim; RODRIGUES, Marcelo Abelha; ARRUDA ALVIM,
§ 8º Recebida a manifestação, o juiz, no prazo de trinta dias, em decisão fundamentada, rejeitará a ação, se convencido da inexistência do ato de improbidade, da improcedência da ação ou da inadequação da via eleita. Eduardo (Coord.). Temas de improbidade administrativa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 40); “O juiz somente ordenará a notificação do réu se a petição inicial estiver em ‘devida forma’. Naturalmente, sendo caso de indeferimento da petição inicial o juiz deve extinguir o processo mesmo antes da notificação do réu, ao passo que, havendo vícios sanáveis na peça vestibular, o juiz deverá determinar ao autor sua emenda, nos termos do art. 284 do CPC” (NEVES, Daniel Amorim Assumpção; OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Op. cit., p. 202); “O parágrafo afirma que esta notificação deverá ocorrer se a inicial estiver em ‘devida forma’. Vale dizer, se a inicial não for inepta, em virtude da presença do CPC. Vislumbrando o magistrado a presença de algum daqueles defeitos na petição inicial, ou que não atende aos requisitos do art. 282, CPC (e de seu art. 283, em alguma hipótese no qual o atendimento do ali disposto seja de rigor), ordenará a intimação do autor, para que emenda a petição inicial” (DECOMAIN, Pedro Roberto. Op. cit., p. 295).
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Mas não só isso: também as normas do diploma geral são utilizadas, mediante adaptação, pelo diploma específico. Isso significa que também o art. 284 do CPC59 (possibilidade de emenda da inicial) deve ser observado60. É tranquila a aplica-
§ 7º Estando a inicial em devida forma, o juiz mandará autuá-la e ordenará a notificação do requerido, para oferecer manifestação por escrito, que poderá ser instruída com documentos e justificações, dentro do prazo de quinze dias.
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§ 9º Recebida a petição inicial, será o réu citado para apresentar contestação. § 10. Da decisão que receber a petição inicial, caberá agravo de instrumento.
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Uma leitura geral permite vislumbrar o seguinte procedimento. Após a propositura da demanda, a petição inicial terá de ser “despachada” pelo julgador61. Para tanto, ele deverá verificar a presença dos requisitos específicos (art. 17, § 7º, da Lei de Improbidade Administrativa) e gerais (arts. 282 e 283 do CPC). Havendo algum vício passível de ser sanado, o juiz intimará o demandante para emendar a inicial (juntando documentos ou trazendo justificações que atestem indícios da existência do ato de improbidade ou apresentando as razões pelas quais essas provas não vieram aos autos – requisito específico – ou preenchendo os requisitos, até então ausentes, do art. 282 – requisito geral) e, após a emenda, deverá recebê-la (se sanado o vício). Somente após o efetivo recebimento da inicial é que ordenará a citação do réu (art. 285 do CPC) – no caso da improbidade, a “notificação” do demandado para apresentar a justificação prévia.
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61 Tendo em vista o uso corriqueiro da expressão “despacho” para o ato jurisdicional que recebe a inicial, utilizamos esta expressão (despachar) apenas por apego à tradição. Em verdade, é assente na doutrina a lição que defende a efetiva características decisória dessa decisão. Sobre o tema, Barbosa Moreira: “A despeito da denominação tradicional, encampada pelo Código (v. art. 285, verbo “despachará”), o despacho liminar mal se harmoniza, por sua natureza, com o conceito de mero despacho. A lei claramente lhe dá conteúdo decisório, determinando ou permitindo que nele sejam resolvidas várias questões. O deferimento do pedido de citação do réu pressupõe, com efeito, que o órgão judicial haja apreciado (e resolvido no sentido afirmativo) todas as questões acima enumeradas, conquanto não se deva entender que fiquem elas desde logo preclusas” (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O novo processo civil brasileiro. 24. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 23).
Entretanto, face à existência de uma fase de contraditório chamado prévio, cria-se um conflito quanto ao momento do exame dos requisitos da inicial. De um lado, o § 7º do art. 17da Lei de Improbidade prevê, quanto à inicial, que “o juiz mandará autuá-la e ordenará a notificação do requerido”. De outro lado, o § 9º do mesmo dispositivo é expresso ao prever que, “recebida a petição inicial, será o réu citado”, o que em uma primeira leitura poderia induzir ao raciocínio de que o efetivo recebimento da petição inicial (e a verificação do preenchimento dos requisitos da inicial) somente dar-se-ia após a apresentação da manifestação prévia e, portanto, depois de ouvida a parte contrária. Melhor interpretação deve ser dada ao conflito. Com efeito, a sistemática do processo civil brasileiro impõe que o exame da petição inicial pelo julgador se dê antes mesmo da triangularização da relação processual, tendo em vista a necessidade de proteger o demandado da dificuldade que uma petição inepta impõe para sua defesa. Essa orientação se alinha à própria ratio da reforma na Lei de Improbidade, tendo em vista que esta buscou proteger os agentes públicos de demandas infundadas, permitindo a rejeição, de plano, daquelas destituídas de fundamento. Se a emenda da inicial é permitida até a “notificação” do demandado, com igual razão, não havendo ordem para a emenda, a decisão que ordenar a manifestação do réu deve ser entendida como o efetivo recebimento da petição inicial. Nesse sentido, pode-se, com segurança, defender a hipótese de que o momento do recebimento da petição inicial é anterior à apresentação da defesa prévia, razão pela qual é viável a apresentação de agravo de instrumento, pelo demandado, da decisão que ordenar a sua notificação (analogicamente ao que ocorre, no rito ordinário, com o “despacho” citatório – art. 285 do CPC)62. 62 “Embora o art. 285, CPC, aluda a despacho, o juiz, ao deferir a petição
Sintetizando, há (a) a necessidade de verificação, pelo julgador, dos requisitos da petição inicial, efetuando verdadeiro juízo de recebimento da inicial, antes mesmo da notificação do demandado, (b) o dever de o julgador conceder ao demandado a inicial e determinar a citação do demandado, prolata decisão interlocutória (art. 172, § 2º, CPC), porque, ao menos implicitamente, está o juízo a decidir que a petição inicial não contém qualquer dos problemas enunciados no art. 295, CPC. Havendo interesse processual, pode o demandado interpor o recurso de agravo (art. 522, CPC)” (MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de processo civil comentado artigo por artigo. 3. ed. São Paulo: RT, 2011. p. 295). 63 “Art. 295. A petição inicial será indeferida: I − quando for inepta; II − quando a parte for manifestamente ilegítima; III − quando o autor carecer de interesse processual; IV − quando o juiz verificar, desde logo, a decadência ou a prescrição (art. 219, § 5º); V − quando o tipo de procedimento, escolhido pelo autor, não corresponder à natureza da causa, ou ao valor da ação; caso em que só não será indeferida, se puder adaptar-se ao tipo de procedimento legal; VI − quando não atendidas as prescrições dos arts. 39, parágrafo único, primeira parte, e 284. Parágrafo único − Considera-se inepta a petição inicial quando: I − lhe faltar pedido ou causa de pedir; II − da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão; III − o pedido for juridicamente impossível; IV − contiver pedidos incompatíveis entre si.” 64 Ressalte-se que, no caso de indeferimento da inicial nesse momento processual, poder-se-ia cogitar de aplicação do disposto no art. 296 do CPC, quanto à retratabilidade da sentença.
possibilidade de emendar inicial eivada de vício sanável, antes da ordem de “notificação” do demandado, para não prejudicar este quando da sua defesa e (c) a possibilidade de o demandado manejar o recurso de agravo da decisão que receber a petição inicial e ordenar a sua notificação para apresentar a defesa prévia, limitada a cognição apenas ao preenchimento dos requisitos dos arts. 282 e 283.
3.2 PRAZOS DA DEFESA PRÉVIA Ainda no que tange à fase de contraditório prévio, outro ponto merece destaque pela incompletude de seu tratamento pela Lei de Improbidade Administrativa. A respeito do prazo para apresentação da defesa prévia, o § 7º do art. 17 é expresso ao determinar o prazo de 15 dias da notificação. Apresentam-se, portanto, dois problemas: (a) a existência (ou não) de prazos autônomos para cada um dos litisconsortes, se houver, e (b) a duplicação (ou não) do prazo em caso de litisconsortes com procuradores diferentes. Não havendo previsão sobre o tema em qualquer dos diplomas que fazem parte do microssistema coletivo, de modo que se passa a observar o disposto no Código de Processo Civil, por analogia ao que ocorre com a citação. Assim sendo, em que pese não seja verdadeira e própria citação65, “intimados os de65 “A chamada ‘notificação’ é, portanto, realmente uma intimação, nos exatos termos do art. 234 do CPC. Deve ser realizada como se intimação fosse” (NEVES, Daniel Amorim Assumpção; OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Op. cit., p. 203). Contra, entendendo a “notificação” como antecipação da citação, Guilherme Freire de Barros Teixeira: “Entendida a citação como o ato judicial que tem por finalidade comunicar ao demandado ou aos interessados o ajuizamento da demanda, para que passem a integrar a relação jurídica processual, resta claro que a ‘notificação’ prevista no § 7º do art. 17 da Lei nº 8.429/1992 trata-se, na realidade, de citação, pois haverá a ‘triangularização’ da relação jurídica processual, com a comuni-
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Essas considerações trazem à tona outro problema, qual seja o da extensão da cognição no plano horizontal que é dada ao juiz no momento anterior à notificação do demandado e no momento posterior à apresentação da defesa prévia. Quanto ao primeiro momento, fica claro que esta se resume à verificação dos requisitos da inicial dispostos no art. 295 do CPC63, cumulados com os requisitos previstos pelo § 6º do art. 17 da Lei nº 8.429/199264. Em um segundo momento, no entanto, poderá o juiz conhecer de todas as matérias que levem à extinção “prematura” do processo, com ou sem resolução de mérito.
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mandados, estes terão um prazo de quinze dias para oferecer sua defesa prévia, prazo este que correrá na forma do disposto no art. 241 do CPC”66. Ou seja, aplicando-se o disposto no inciso III do referido dispositivo (“quando houver vários réus, da data da juntada aos autos do último aviso de recebimento ou mandado citatório cumprido”), havendo mais de um réu, o termo inicial será a data da juntada da última “notificação” cumprida. O prazo será comum (na forma do art. 298 do CPC), mas, “havendo pluralidade de demandados, e tendo eles advogados distintos, aplica-se o disposto no art. 191 do Código de Processo Civil, duplicando-se o prazo a que se refere o art. 17, § 7º, da Lei nº 8.429/1992”67. Nesse mesmo sentido, ressaltando a razão de ser da previsão, Antonio Dal Pazzo: O prazo para oferecimento da defesa antecipada deve ser computado como se conta o prazo para oferecimento da contestação (art. 298 do CPC). A razão de ser desta conclusão é a mesma que orientou o legislador a estabelecer a forma de cômputo do prazo para a contestação: a apreciação das defesas antecipadas deve ocorrer num único momento, numa única decisão, a fim de se evitar um tumulto processual.68
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A posição foi recentemente encampada pelo Superior Tribunal de Justiça, no REsp 1221254/RJ:
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ADMINISTRATIVO – PROCESSUAL CIVIL – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – LITISCONSORTES – PRAZO EM DOBRO PARA APRESENTAÇÃO DE DEFESA PRÉVIA – AUSÊNCIA DE PREVISÃO NA LIA cação da existência do ajuizamento da denominada ação de improbidade administrativa, passando o demandado a integrar a relação jurídica processual” (A citação nas ações de improbidade administrativa. Revista Dialética de Direito Processual, São Paulo: Dialética, n. 18, p. 44, 2004). 66 FREITAS CÂMARA, Alexandre. A fase preliminar do procedimento da “ação de improbidade administrativa”. In: JORGE, Flávio Cheim; RODRIGUES, Marcelo Abelha; ARRUDA ALVIM, Eduardo (Coord.). Op. cit., p. 42. 67 Idem, ibidem. 68 DAL PAZZO, Antonio Aroldo Ferras. Op. cit., p. 1147.
– UTILIZAÇÃO DOS INSTITUTOS E MECANISMOS DAS NORMAS QUE COMPÕEM O MICROSSISTEMA DE TUTELA COLETIVA – ART. 191 DO CPC – APLICABILIDADE – RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO – 1. Os arts. 21 da Lei da Ação Civil Pública e 90 do CDC, como normas de envio, possibilitaram o surgimento do denominado Microssistema ou Minissistema de proteção dos interesses ou direitos coletivos amplo senso, no qual se comunicam outras normas, como o Estatuto do Idoso e o da Criança e do Adolescente, a Lei da Ação Popular, a Lei de Improbidade Administrativa e outras que visam tutelar direitos dessa natureza, de forma que os instrumentos e institutos podem ser utilizados para “propiciar sua adequada e efetiva tutela” (art. 83 do CDC). 2. A Lei de Improbidade Administrativa estabelece prazo de 15 dias para a apresentação de defesa prévia, sem, contudo, prever a hipótese de existência de litisconsortes. Assim, tendo em vista a ausência de norma específica e existindo litisconsortes com patronos diferentes, deve ser aplicada a regra do art. 191 do CPC, contando-se o prazo para apresentação de defesa prévia em dobro, sob pena de violação aos princípios do devido processo legal e da ampla defesa. 3. Recurso especial não conhecido. (REsp 1221254/RJ, 1ª T., Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, J. 05.06.2012, DJe 13.06.2012)
Em seu voto, o Ministro Arnaldo Esteves Lima partiu das mesmas premissas aqui estabelecidas, quais sejam a existência de um microssistema de proteção dos interesses ou direitos coletivos69 e a incidência da regra geral na ausência da regra específica70, para concluir: 69 “Nesse aspecto, cumpre ressaltar inicialmente que os arts. 21 da Lei da Ação Civil Pública e 90 do CDC, como normas de envio, possibilitaram o surgimento do denominado Microssistema ou Minissistema de proteção dos interesses ou direitos coletivos amplo senso, no qual se comunicam outras normas, como o Estatuto do Idoso e o da Criança e do Adolescente, a Lei da Ação Popular, a Lei de Improbidade Administrativa e outras que visam tutelar direitos dessa natureza, de forma que os instrumentos e institutos podem ser utilizados para ‘propiciar sua adequada e efetiva tutela’ (art. 83 do CDC).” (Trecho do voto do relator no REsp 1221254/RJ, Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, 1ª Turma, J. 05.06.2012, DJe 13.06.2012) 70 “Ora, por ser regra geral, deve incidir na ausência de norma específica acerca da matéria, como ocorre na Lei de Improbidade Administrativa,
Em suma, portanto, no caso de litisconsórcio, em face da lacuna na fixação de termo inicial e da extensão do prazo, utilize-se a sistemática do CPC (art. 19171 c/c 241, III72) e não a do prazo individual, em razão da necessidade de harmonização do procedimento para com os parâmetros mínimos do direito fundamental ao processo justo (que contém, em seu núcleo duro, o direito à ampla defesa e ao contraditório)73.
3.3 Sobre a “rejeição da ação” Outro problema que surge do caráter lacunoso da disciplina processual da Lei de Improbidade Administrativa é relativo às hipóteses de extinção do processo após a apresentação da defesa prévia, a chamada “rejeição da ação” (art. 17, § 8º). As consequências do reconhecimento da inviabilidade do prosseque estabelece o prazo de 15 dias para a apresentação de defesa prévia, sem, contudo, prever a hipótese de existência de litisconsortes.” (Trecho do voto do relator no REsp 1221254/RJ, Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, 1ª Turma, J. 05.06.2012, DJe 13.06.2012) 71 “Art. 191. Quando os litisconsortes tiverem diferentes procuradores, ser-lhes-ão contados em dobro os prazos para contestar, para recorrer e, de modo geral, para falar nos autos.” 72 “Art. 241. Começa a correr o prazo: [...] III – quando houver vários réus, da data de juntada aos autos do último aviso de recebimento ou mandado citatório cumprido; [...]”. 73 SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Op. cit., p. 619.
guimento da demanda variam conforme a hipótese de incidência da norma. Em linhas gerais, são três os casos de extinção do processo delimitados pelo § 8º: “inexistência do ato de improbidade”, “improcedência da ação” ou “inadequação da via eleita”. Quando trata de “rejeição da ação”, o legislador, em verdade, tratou de hipóteses diversas, cujas consequências de seu reconhecimento acarretam, por conseguinte, repercussões diversas no âmbito do direito material. Para sua compreensão, faz-se necessária a utilização subsidiária das espécies previstas nos arts. 26774 e 26975 do CPC (extinção do processo sem e com resolução de 74 “Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito: I – quando o juiz indeferir a petição inicial; II – quando ficar parado durante mais de 1 (um) ano por negligência das partes; III – quando, por não promover os atos e diligências que lhe competir, o autor abandonar a causa por mais de 30 (trinta) dias; IV – quando se verificar a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo; V – quando o juiz acolher a alegação de perempção, litispendência ou de coisa julgada; VI – quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual; VII – pela convenção de arbitragem; VIII – quando o autor desistir da ação; IX – quando a ação for considerada intransmissível por disposição legal; X – quando ocorrer confusão entre autor e réu; XI – nos demais casos prescritos neste Código. § 1º O juiz ordenará, nos casos dos nºs II e III, o arquivamento dos autos, declarando a extinção do processo, se a parte, intimada pessoalmente, não suprir a falta em 48 (quarenta e oito) horas. § 2º No caso do parágrafo anterior, quanto ao nº II, as partes pagarão proporcionalmente as custas e, quanto ao nº III, o autor será condenado ao pagamento das despesas e honorários de advogado (art. 28). § 3º O juiz conhecerá de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não proferida a sentença de mérito, da matéria constante dos nºs IV, V e VI; todavia, o réu que a não alegar, na primeira oportunidade em que lhe caiba falar nos autos, responderá pelas custas de retardamento. § 4º Depois de decorrido o prazo para a resposta, o autor não poderá, sem o consentimento do réu, desistir da ação.” 75 “Art. 269. Haverá resolução de mérito: I – quando o juiz acolher ou rejeitar o pedido do autor; II – quando o réu reconhecer a procedência do
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Assim, pelo minissistema referido, o artigo supracitado deve ser aplicado no caso concreto a respaldar a utilização subsidiária das normas contidas no Código de Processo Civil. A regra geral apenas não será aplicada se todos os acusados tiverem procuradores iguais. Havendo patronos distintos, representando mais de um réu, a concessão do prazo em dobro deve ser obrigatória para a respectiva manifestação nos autos, sob pena de violação aos princípios do devido processo legal e da ampla defesa.
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mérito, respectivamente). O Código de Processo Civil, aqui, funciona como último alicerce normativo para o operador que, sem a consequência predeterminada pela legislação específica, deve buscar no diploma geral o caminho a seguir. Ou seja, para descobrir se o caso de “rejeição da ação” enfrentou ou não o mérito da causa, o operador deve olhar para o Código de Processo Civil. Como bem ressalta Antonio Dal Pazzo,
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em primeiro lugar, frise-se que “rejeitar a ação” tem um sentido genérico, na norma, pois significa tanto o indeferimento da inicial, por acolhimento de uma questão prejudicial ou uma questão preliminar como a própria improcedência da demanda: a decisão que “rejeita a ação”, pois, pode ser terminativa ou definitiva.76
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A primeira hipótese, a (a) inadequação da via eleita, ou melhor, a inadequação do procedimento escolhido (do meio utilizado para tutelar o direito material afirmado) é matéria que não envolve o mérito da pretensão deduzida. Pode ser comparada à prescrição do próprio art. 295, V, do CPC, que trata do indeferimento da inicial quando o tipo de procedimento escolhido pelo autor não corresponder à natureza da causa, caso em que só não será indeferida se puder adaptar-se ao tipo de procedimento legal (no caso, proposta Ação Civil Pública e narrada hipótese de ato de improbidade como causa de pedir, o juiz deverá receber a inicial e processá-la sob o rito da Lei de Improbidade Administrativa). Mesmo extinta, não inviabiliza a propositura de uma nova demanda, desde que pelo rito previsto. No que tange à (b) inexistência do ato de improbidade e (c) à improcedência da ação, dúvidas não podem existir quanto à sua caracterização. De início, ressalte-se que a inexistência pedido; III – quando as partes transigirem; IV – quando o juiz pronunciar a decadência ou a prescrição; V – quando o autor renunciar ao direito sobre que se funda a ação.” 76 DAL PAZZO, Antonio Aroldo Ferras. Op. cit., p. 1147.
do ato de improbidade é espécie do gênero improcedência da demanda. Trata-se, nessa hipótese, de resolução do mérito da causa, de plano. Ou seja, face à prova produzida pelo autor, na inicial, e pelo demandado, em sua defesa prévia, a causa já se demonstra madura77 no sentido da improcedência da ação (entendida aqui como gênero), seja porque o ato narrado não se enquadra em nenhuma das hipóteses previstas nos arts. 9º, 10 ou 11 da lei (espécie sub “b”), seja porque demonstrada de forma cabal a insubsistência das alegações do autor (espécie sub “c”). Não há sentido em afastar as consequências que derivam da resolução do mérito da causa (em especial a coisa julgada material), apenas porque o julgamento se deu com brevidade78.
3.4 Coisa julgada Por fim, quanto à coisa julgada, a perfeita compreensão do microssistema coletivo e da natureza das suas disposições materiais permite a conformação da Lei de Improbidade Administrativa às suas previsões. A regra geral do microssistema para a coisa julgada está no art. 103 do CDC. Especificamente quanto aos direitos difusos, assim estabelece seu inciso I: 77 “Após a manifestação do réu, o magistrado, no prazo impróprio de 30 dias, proferirá juízo não só de admissibilidade da petição inicial, mas também uma espécie de julgamento prematuro da lide, para parafrasear o que é disciplinado no art. 330, do Código de Processo Civil.” (BUENO, Cassio Scarpinella. O procedimento especial da ação de improbidade administrativa (Medida Provisória nº 2.088). In: BUENO, Cassio Scarpinella; PORTO FILHO, Pedro Paulo de Rezende (Coord.). Op. cit., p. 151) 78 Nas palavras de Cassio Scarpinella Bueno: “Também questões substanciais – a inexistência do ato de improbidade ou a improcedência da ação, com o desacolhimento do pedido – podem levar a um prematuro julgamento de mérito da ação nos moldes do art. 269, I, do Código de Processo Civil. Trata-se de julgamento de mérito, sujeito, portanto, à formação de coisa julgada material” (idem, p. 152).
I – erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do artigo 81; [...].
Assim, trata-se de hipótese em que a eficácia da coisa julgada opera para toda a coletividade, exceto no caso em que tenha sido julgada improcedente por insuficiência de prova, a chamada coisa julgada secundum eventum probationis. De um modo geral, essa é a solução dada pela doutrina brasileira quanto à coisa julgada na ação para a tutela da probidade administrativa, seja pela utilização do Código de Defesa do Consumidor, seja em face da normativa relativa à ação popular79. Porém, é digno de nota que o rito para a tutela da probidade administrativa pode levar a dois tipos de consequência, a depender da gravidade do ilícito cometido. Como bem ressaltam Fredie Didier Júnior e Hermes Zaneti Júnior, tema pouco trabalhado na doutrina e na jurisprudência é o da coisa julgada na ação de improbidade administrativa. Não há regra legal sobre o assunto. É preciso buscar a solução por analogia. Para tanto, parte-se da premissa de que a ação de improbidade administrativa é uma ação coletiva, que pode veicular duas espécies de situações jurídicas ativas: pedido de aplicação das sanções ao agente ímprobo e o pedido de ressarcimento ao Erário.80 79 “Na falta de disciplina da Lei de Improbidade Administrativa, entendemos que deve ser mantida a coerência do sistema único coletivo, com a incidência da regra do art. 18 da Lei da Ação Popular.” (GAJARDONI, Fernando da Fonseca; CRUZ, Luana Pedrosa de Figueiredo; SEQUEIRA DE CERQUEIRA, Luís Otávio; GOMES JUNIOR, Luiz Manoel; FAVRETO, Rogério (Coord.). Op. cit., p. 348) 80 DIDIER JÚNIOR, Fredie; ZANETTI JÚNIOR, Hermes. Coisa julgada no processo jurisdicional de improbidade administrativa. In: JORGE, Flávio
De um lado, as sanções políticas, que vão desde a perda do direito de contratar com o Poder Público até a suspensão dos direitos políticos. De outro, a imposição de multa civil e o ressarcimento do dano ao Erário. Como se verifica, pode ser distinguida claramente a restrição (justificada pela gravidade do ilícito) a um dos direitos mais caros à Constituição brasileira, que atinge o núcleo essencial dos direitos políticos, da restrição que se opera pela mera perda de patrimônio oriunda da condenação ao ressarcimento ou ao pagamento de multa. Partindo dessa precisa distinção, questiona-se acerca da viabilidade de uma solução única para o problema. Um indicativo de tratamento diverso a essas modalidades está na solução dada quanto ao problema da prescrição. O Superior Tribunal de Justiça pacificou a orientação no sentido de que as sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa prescrevem em cinco anos, excetuando, entretanto, o ressarcimento ao Erário, face à expressa disposição constitucional (art. 37, § 5º, da CRFB). Nesse sentido: ADMINISTRATIVO – RECURSO ESPECIAL – AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – IMPRESCRITIBILIDADE – ART. 37, § 5º, DA CF – APLICAÇÃO DAS PENALIDADES – PRAZO QUINQUENAL – DIES A QUO – TÉRMINO DO MANDATO DE PREFEITO – RECURSO PROVIDO – 1. “As ações destinadas a levar a efeito as sanções previstas nesta lei podem ser propostas: I – até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança” (art. 23 da Lei nº 8.429/1992). 2. “[...] se o ato ímprobo for imputado a agente público no exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança, o prazo prescricional é de cinco anos, com termo a quo no primeiro dia após a cessação do vínculo” (REsp 1.060.529/MG). 3. In casu, não há falar em prescrição, de forma que subsiste para o ora recorrente o interesse em ter o mérito da ação civil pública analisado.4. O art. 37, § 5º, da CF estabelece a imprescritibilidade das ações visando ao ressarcimento ao Erário em decorrência de ilícitos praticados. 5. O Cheim; RODRIGUES, Marcelo Abelha; ARRUDA ALVIM, Eduardo (Coord.). Op. cit., p. 352.
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Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este Código, a sentença fará coisa julgada:
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comando constitucional não condicionou o exercício da ação à prévia declaração de nulidade do ato de improbidade administrativa. 6. Certamente, só há falar em ressarcimento se reconhecida, concretamente, a ilicitude do ato praticado. Entretanto, esse reconhecimento não prescinde de declaração de nulidade, conforme entendeu o Tribunal a quo. Assim fosse, tornar-se-ia letra morta o conteúdo normativo do art. 37, § 5º, da CF se não ajuizada no prazo legal a ação. 7. O prazo estabelecido no art. 23 da Lei nº 8.429/1992 se refere à aplicação das sanções, e não ao ressarcimento ao Erário. 8. O ressarcimento não constitui penalidade; é consequência lógica do ato ilícito praticado e consagração dos princípios gerais de todo ordenamento jurídico: suum cuique tribuere (dar a cada um o que é seu), honeste vivere (viver honestamente) e neminem laedere (não causar dano a ninguém). 9. Recurso especial provido para determinar o retorno dos autos à primeira instância para análise do mérito. (REsp 1028330/SP, 1ª T., Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, J. 04.11.2010, DJe 12.11.2010)
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Em face do alto teor sancionatório81 das cominações, a doutrina propugna tratamento diferenciado quanto à aplicação da coisa julgada secundum eventum probationis nos atos que importem sanções políticas, as quais são, pela jurisprudência do STJ, passíveis de prescrição. O argumento utilizado é basicamente o de que, se o constituinte prevê a imprescritibilidade das ações tendentes ao ressarcimento, a sua rejeição por falta de provas não pode impedir a propositura de nova demanda, com prova nova do fato. De igual modo, em caso de pretensão à cominação das sanções políticas, não deve o réu responder ad infinitum, sob pena de manifesta desigualdade de tratamento entre autor e réu. Não há qualquer vedação à distinção operada quanto à coisa julgada. Pelo contrário, o próprio Constituinte já operou diferenciação no que tange à prescrição. Assim, mostra-se possível a separação dessas duas consequências jurídicas para destacar uma delas do regime geral de coisa julgada na tutela dos direitos difusos. Reduz-se, portanto, o espectro de atuação da norma 81 Idem, ibidem.
geral do microssistema, em face da gravidade das sanções e do efetivo balanceamento que deve ser feito quanto ao direito fundamental à paridade de armas82. Adotando-se, pois, a teoria que aceita a existência de capítulos de sentença diversos para cada uma das consequências cominadas pela legislação material83, mostra-se possível a separação das hipóteses no que tange ao tratamento a ser dado quanto à coisa julgada. Como uma delas trata especificamente de direitos de liberdade fundamentais, não parece adequado à Constituição inseri-la no âmbito de incidência da regra que propugna a coisa julgada secundum eventum probationis. Em síntese, a partir de uma interpretação que pondere, à luz da Constituição Federal, o direito ao contraditório e à paridade de armas no processo, o direito à liberdade e os direito políticos (como direitos fundamentais de primeira geração que são) e o direito à probidade administrativa, propõe-se afastar-se a técnica da coisa julgada secundum eventum probationis para o caso de improcedência da demanda por insuficiência de provas, para os atos que importem sanções de natureza política.
82 Reitere-se: nesses casos de grave sanção política, mostra-se irrazoável submeter o réu a eventual propositura de sucessivas demandas. Agride-se o núcleo mínimo do direito à paridade de armas, na medida em que a própria promoção do fim visado, no que concerne aos casos que levam a esta consequência específica, já foi objeto de restrição em outros casos, como o da prescrição. 83 “Portanto, nas ações de improbidade administrativa o regime de coisa julgada é diferenciado conforme o capítulo da sentença: quanto ao ressarcimento ao erário incide o microssistema plenamente; quanto à aplicação das sanções não incide a regra secundum eventum probationis.” (DIDIER JÚNIOR, Fredie; ZANETTI JÚNIOR, Hermes. Coisa julgada no processo jurisdicional de improbidade administrativa. In: JORGE, Flávio Cheim; RODRIGUES, Marcelo Abelha; ARRUDA ALVIM, Eduardo (Coord.). Op. cit., p. 353-354)
Buscou-se com o presente trabalho apresentar brevemente o procedimento previsto para a tutela da probidade administrativa, inserindo-o dentro do microssistema dos direitos coletivos. Como se verificou, trata-se de efetivo direito difuso ou transindividual, o que permite sua inclusão dentro do arcabouço normativo da tutela coletiva. Na análise do rito previsto pela Lei nº 8.429/1992, constatou-se a existência de uma série de lacunas, que impõe a conformação da lei ao microssistema de tutela coletiva (perspectiva interna) e aos diplomas processuais gerais (perspectiva externa). Após o tratamento pormenorizado das previsões legislativas quanto ao rito especializado para ações voltadas à tutela da probidade administrativa, foram trabalhadas algumas possíveis hipóteses de aplicação do método apresentado no âmbito processual da Lei de Improbidade Administrativa. Ressalte-se que os problemas enfrentados aqui são (e nem poderiam) apenas casos exemplificativos das inúmeras complicações que aparecem, no dia a dia forense, para o operador que atua nas chamadas “ações de improbidade administrativa”. Apenas a título de menção, pode-se falar na problemática relativa à estruturação do ônus da prova e no tema ligado aos modelos de constatação de prova necessários para cada tipo de consequência jurídica prevista pela lei, para ficar apenas na seara estritamente probatória. Pretende-se, à vista disso, ter demonstrado que os problemas de conformação procedimental referentes à Lei de Improbidade Administrativa devem ter como grande métrica a Constituição Federal e os direitos fundamentais de cunho processual lá previstos.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Doutrina
A Nova Usucapião Especial por Abandono de Lar e a Função Social da Propriedade
Por outro lado, todo instituto jurídico é estabelecido com um fim, uma função, a qual deve ser observada em sua aplicação, sob pena de desvirtuamento.
CARLOS EDUARDO DE CASTRO PALERMO
Constitucionalmente, a garantia da propriedade aparece nos incisos XXII e XXIII do art. 5º da CF, no título dedicado aos direitos e às garantias fundamentais, e nos incisos II e III do art. 170 da Constituição Federal, no título da ordem econômica e financeira.
Mestre em Direito Civil, com ênfase em Sucessões, pela Unesp de Franca/SP.
SUMÁRIO: Introdução; I – Função social da propriedade. Relação com a usucapião; II – Usucapião especial por abandono de lar. Requisitos; III – Críticas; Conclusão; Referências.
INTRODUÇÃO A usucapião vem do latim usucapire, do verbo capere, e usus, significando tomar pelo uso ou adquirir uma coisa pelo uso. Aplica-se em bens móveis e imóveis, e em qualquer outro direito real como usufruto, uso, servidão, enfiteuse, habitação, superfície, cessão de uso, etc. Basicamente, requer a posse do bem com animus domini, de forma mansa, pacífica e ininterrupta, pelo lapso de tempo que a lei estipular. Como complemento, requer objeto hábil, ou seja, presente no comércio, sob propriedade privada, suscetível de apropriação ou alienação, necessitando ser coisa certa e determinada.
O objetivo da propriedade é satisfazer não só o interesse do dono, mas, também, o da sociedade em geral. A propriedade, hoje, além das faculdades: usar, gozar, dispor e reivindicar, deve respeitar o interesse geral.
Em torno de tais dispositivos, José Afonso da Silva1 tece considerações, exaltando a função social da propriedade: A propriedade atenderá a sua função social, diz o art. 5º, XXII, para a propriedade em geral. Essa disposição bastava para que toda forma de propriedade fosse intrinsecamente permeada daquele princípio constitucional, mas a Constituição não se limitou a isso. Reafirmou a instituição da propriedade privada e a sua função social como princípios da ordem econômica (art. 170, II e III), relativizando, assim, seu significado, como vimos. Além disso, inscreveu o princípio da função social da propriedade, com conteúdo definido em relação às propriedades urbana e rural, com sanções para o caso de não ser observado (arts. 182, 184 e 186).
A usucapião é uma das formas de exercício da função social da propriedade porque acarreta o desenvolvimento social, garantindo 1 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 15. ed. rev. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 284.
Às já existentes espécies de usucapião: extraordinária, ordinária, especial rural, especial urbana e coletiva do Estatuto da Cidade, veio se juntar a nova espécie: a usucapião especial por abandono do lar, criada pela Lei nº 12.424/2011, que alterou o Código Civil, criando um dispositivo, o art. 1.240-A. A novel usucapião invade a órbita do direito de família, criando nova forma de aquisição da propriedade entre pessoas que mantenham casamento ou união estável, hétero ou homossexual, ou seja, havendo comunhão ou simples condomínio entre cônjuges e companheiros, onde um deles “abandona” (no sentido de efetivo não exercício de atos possessórios) o bem objeto da usucapião. Tais atos são aqueles típicos do proprietário: uso, gozo, disposição ou reivindicação.
que adequa os valores a que está autorizado a usar pela disposição da própria cláusula geral, que tem o condão de norteá-lo. Também na órbita civil, o escopo a ser alcançado é o bem comum, ao ser aplicada a cláusula geral, como assinala Rodrigo Fernandes Rebouças2: Portanto, a função social da propriedade, como cláusula geral que garante ao juiz, na análise do caso concreto, certa “liberdade” para decidir, temos que, esta “liberdade”, não é absoluta, não devendo o julgador se afastar de concepções puramente subjetivas, políticas ou de convicção pessoal. Ao aplicar a função social da propriedade, o juiz deve observar o bem comum a ser alcançado, a justiça ao caso concreto, observados os limites quantitativos e qualitativos do bem comum, ou seja, os princípios adequação, necessidade e proporcionalidade, conforme acima destacado.
I – FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE. RELAÇÃO COM A USUCAPIÃO
A função social da propriedade foi colocada na Constituição Federal de 1988 no rol dos direitos e das garantias fundamentais. E será funcional a propriedade que respeite a dignidade da pessoa humana e contribua para o desenvolvimento social e econômico do País, reduzindo desigualdades sociais. Celso Ribeiro Bastos3 afirma: “A propriedade como direito fundamental não poderia deixar de compatibilizar-se com a sua destinação social, por conseguinte, tem necessidade de harmonizar-se com os fins legítimos da sociedade”.
No âmbito do direito civil contemporâneo, a função tem especial papel, já que o modo de operar é todo funcionalizado, substituindo-se a visão individualista própria do Código anterior (de 1916) para uma interpretação lastreada nos novos princípios estruturais do Código de 2002, quais sejam, da socialidade, operabilidade e eticidade, estipulados por Miguel Reale.
Por seu turno, a família tem tutelada a sua função social, seja pelos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, pela proteção das diversas espécies de entidades familiares, pela filiação, pela convivência e pela isonomia, seja pelas normas do Código Civil, como agora esta espécie de usucapião especial por abandono do lar vem comprovar.
Destarte, o Código Civil de 2002, nos seus arts. 1.228 e seguintes, abarca a função social da propriedade como cláusula geral em que estabelece normas balizadoras, dirigidas ao juiz, vinculando-o e, simultaneamente, dando-lhe liberdade para decidir. Ou seja, o juiz tem nas cláusulas gerais moldes genéricos e abstratos em
2 REBOUÇAS, Rodrigo Fernandes. O bem comum e a função social da propriedade. Revista de Direito Privado, São Paulo: RT, a. 12, v. 47, p. 318, jul./set. 2011. 3 BASTOS, Celso Ribeiro. Dicionário de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 74.
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o direito à moradia e ao trabalho para aquele que exerce a posse de determinada propriedade, além de facilitar a circulação de riqueza de um bem antes inerte que deveria estar sendo utilizado para criar produtos ou gerar empregos.
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É necessário ressaltar que essa importância da família e de sua função social independe de qualquer menção específica, seja constitucional ou legal. Sendo o Direito um produto cultural, oriundo das necessidades sociais, é certo que todo instituto jurídico surge e possui um específico fim a cumprir.
Na esteira do art. 183 da CF, em conjunto com o art. 1.240 do Código Civil, temos, portanto, a usucapião especial urbana própria para imóvel urbano, com a qual a usucapião especial urbana por abandono de lar, criada por meio da inserção da letra “A” ao art. 1.240, tem liame, semelhança e desdobramento.
A usucapião especial urbana por abandono do lar tem como objetivo dar casa a quem não tem. Neste sentido, atende ao novo tratamento jurídico à família, tutelado pela Constituição, como bem pondera Guilherme Calmon Nogueira da Gama4:
É a usucapião, portanto, meio eficaz de função social da propriedade. Serve para amenizar situações de carências de moradia no Brasil, como se depreende dos comentários de Cássio Augusto Barros Brant5:
Assim impõe-se, atualmente, um novo tratamento jurídico da família, tratamento esse que atende aos anseios constitucionais sobre a comunidade familiar, a qual deve ser protegida na medida em que seja capaz de proporcionar um lugar privilegiado para a boa vivência e dignificação de seus membros.
Devemos perceber que a usucapião é de grande importância no contexto social do país em que há um déficit de habitação enorme, pois há muitos possuidores e poucos proprietários, o que reflete em uma grande desigualdade social. A usucapião é a forma de minimizar estas desigualdades propiciando a valorização da posse-trabalho como instrumento apaziguador das diferenças sociais.
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Conforme salientado na introdução, a usucapião é uma das formas de exercício da função social da propriedade, garantindo, entre outros, o direito à moradia àquele que exerce a posse de determinada propriedade.
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A Constituição Federal de 1988, no art. 183, atenta ao problema da moradia, especialmente das pessoas de baixo poder aquisitivo, estabeleceu instrumentos jurídicos para uma correta política urbana. Nesse sentido, a usucapião especial urbana foi elevada a norma constitucional, visando a utilização criteriosa das áreas urbanas sem uso. É ainda na CF, por meio de seu art. 6º, consagrado o direito à moradia, destinado justamente àqueles desprovidos de renda e casa própria, que, aliado ao art. 183 da CF, estabeleceu os ditames da chamada usucapião urbana ou pró-moradia. 4 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Função social da família e jurisprudência brasileira. In: MADALENO, Rolf; MILHORANZA, Mariângela Guerreiro (Coord.). Atualidades de direito de família e sucessões. Sapucaia do Sul: Notadez, 2008. p. 125.
II – USUCAPIÃO ESPECIAL POR ABANDONO DE LAR. REQUISITOS No dia 16 de junho de 2011 teve início a vigência da Lei nº 12.424, que acrescentou ao art. 1.240 do Código Civil a letra “A”, com a seguinte redação: Aquele que exercer, por 2 (dois) anos, ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. § 1º O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez. 5 BRANT, Cássio Augusto Barros. Das modalidades de usucapião. A valorização da posse. Trabalho como meio de aquisição da propriedade imobiliária. Revista de Direito Privado, São Paulo: RT, a. 12, n.45, p. 237, jan./mar. 2011.
Cumpre, inicialmente, analisar o primeiro requisito do artigo: “Aquele que exercer, por 2 (dois) anos, ininterruptamente e sem oposição, posse direta...”. De acordo com o art. 1.196 do CC, considera-se possuidor todo aquele que tem, de fato, o exercício de alguns poderes inerentes da propriedade. A propriedade é dominação jurídica, posse é dominação de fato. Posse é um exercício, comportamento de quem age como dono. Ou seja, posse é uma situação de fato em que uma pessoa, que pode ou não ser o proprietário, exerce sobre uma coisa, atos e poderes ostensivos, conservando-a, defendendo-a e dando-lhe seu natural destino. A posse tem dois elementos: objetivo (corpus) e subjetivo (animus). Corpus é o elemento físico, visível, exterior. É o comportamento ostensivo de quem age como se fosse dono. Animus é a consequência de agir como dono, comportamento desejado. Possuidor direto é aquele que tem a coisa em seu poder, de forma imediata e temporária em virtude de relação jurídica de direito real ou pessoal preexistente. Nessa parte do dispositivo o legislador quis dizer que nesta modalidade de usucapião exige-se a posse personalíssima, com exclusividade. Daí excluir a hipótese de extensão a cessionários,
não se admitindo hipótese de aproveitamento por terceiros, do prazo concedido ao cônjuge ou companheiro inocente. Neste sentido, a ação deve ser ajuizada contra o cônjuge ou companheiro culpado pelo abandono, não contra os seus herdeiros, que são partes estranhas ao disposto na lei, daí que a posse direta do autor é exclusiva no Texto Legal. A seguir, o dispositivo menciona: “Imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados)”. Ou seja, só imóvel urbano, com as medidas supramencionadas, está abrangido pelo mesmo, pois é da sua natureza e origem tratar-se de bem pertencente aos cônjuges ou companheiros, só utilizado por um deles após o término da relação, seja casamento, seja união estável, para moradia. Por isso que a seguir o legislador acrescenta: “Cuja propriedade divida com o ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família...”. Vê-se que a intenção legislativa é de privilegiar a moradia de propriedade do casal oriunda de casamento ou união estável, não importando esta última seja hétero ou homossexual. Além disso, o termo “que abandonou o lar”, embora incorretamente utilizado, quer significar o fato daquele que deixou de praticar atos que são inerentes ao proprietário, tais como uso, gozo, disposição ou reivindicação. Em síntese, abandono, no caso, quer dizer a certeza da falta do exercício de atos possessórios. E, neste sentido, várias medidas desnaturam a hipótese de abandono. Tanto é verdade que se aquele cônjuge ou companheiro, que não resida no imóvel, providenciar medida judicial ou extrajudicial ligada à manutenção da propriedade, está desconfigurado o abandono.
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Como se vê, trata-se de alteração episódica em dispositivo legal do Código Civil, fato corriqueiro no direito nacional, às vezes sem o esmero necessário que o tema de tal importância requer. No entanto, a alteração está feita e cabe à doutrina efetuar os comentários. É o que se pretende, a seguir, de forma a examinar as disposições ali contidas.
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Fato deveras importante é o lembrado por José Fernando Simão6, ligado ao regime de bens, no caso: O imóvel pode pertencer ao casal em condomínio ou comunhão. Se o casal for casado pelo regime de separação de bens e ambos adquiriram o bem, não há comunhão, mas sim condomínio e o bem poderá ser usucapido. Também, se o marido ou a mulher, companheiro ou companheira, cujo regime seja o da comunhão parcial de bens, compra um imóvel após o casamento ou início da união, este bem será comum (comunhão de aquesto) e poderá ser usucapido por um deles. Ainda, se casados pelo regime da comunhão universal de bens, os bens anteriores e posteriores ao casamento, adquiridos a qualquer título, são considerados comuns e portanto, podem ser usucapidos nesta nova modalidade. Em suma: havendo comunhão ou simples condomínio entre cônjuges e companheiros a usucapião pode ocorrer.
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A seguir, o dispositivo acrescenta: “Adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural”. Neste sentido, quer dizer que a pessoa tem o domínio adquirido pela usucapião, ou seja, da posse prolongada e qualificada que culmina nos elementos contidos na propriedade (art. 1.228 do CC), quais sejam, de usar, gozar, dispor e reivindicar.
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Há ainda, como se viu, em complemento, a necessidade de comprovação da inexistência de outro imóvel urbano ou rural em poder do reivindicante da usucapião. Assim, como no caso da usucapião especial urbana do art. 1.240, caput, a prova cabe ao contestante.
como se sabe, o objetivo da propriedade não só é satisfazer o interesse do dono, mas também o da sociedade em geral. A propriedade, hoje, além das faculdades (usar, gozar, dispor, reivindicar), deve respeitar o interesse geral.
III – CRÍTICAS Toda lei nova está sujeita a críticas, às vezes procedentes, às vezes inócuas. O advento da usucapião especial por abandono do lar recebeu inúmeras críticas. As mais contundentes vieram de Priscila Maria Pereira Corrêa da Fonseca7: A norma ora introduzida alinha-se entre muitas outras recentes e desnecessariamente editadas (v.g., guarda compartilhada, alienação parental, etc.). Mas, desta feita, a novel disposição, não se revela apenas despicienda: a sua edição afigura-se inescusavelmente nociva. Com efeito, a forma de aquisição de domínio contemplada pelo art. 1.240-A subverte regras e institutos tradicionalmente vigentes no direito civil, como, sem qualquer fundamento aparente, afigura-se geradora de danosa insegurança. É que, a par de afrontar as regras inerentes à propriedade e ao regime de bens – na medida em que cria um inusitado modo de perda da propriedade, além de nova modalidade de usucapião com prazo extremamente exíguo –, acarreta injustificada alteração ao regime de bens adotado, despojando, de seu titular, o domínio de um imóvel do qual, total ou parcialmente, indiscustivelmente faz jus. E, tudo, como se não bastasse, em nome de uma obsoleta causa culposa de separação – abandono do lar – já não mais subsistente, de há muito não regrada e atualmente destituída de qualquer sentimento prático em razão da regulamentação, entre nós, do divórcio incondicionado.
O § 1º do art. 1.240-A determina que “o direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez”. Está correto. Trata-se de dispositivo cujo objetivo é social. E, 6 SIMÃO, José Fernando. Usucapião familiar: problema ou solução? Disponível em: <http://professorflaviotartuce.blogspot.com/2011_07_01_archive.html>. Acesso em: 13 fev. 2012.
7 FONSECA, Priscila Maria Pereira Corrêa da. Considerações sobre o artigo 1.240-A. Atos normativos e novidades legislativas. Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões, Porto Alegre: Magister; Belo Horizonte: IBDFam, a. 13, n. 23, p. 119, ago./set. 2011.
Porém, a polêmica não se deu apenas pelas gravíssimas falhas técnicas da referida norma, até por uma possível inconstitucionalidade ante o princípio da vedação do retrocesso (que, como se argumentará, é superável, já que não há retrocesso por uma análise sistemática da norma), mas, sobretudo, pelo reflexo nas questões familiares, no tocante ao patrimônio comum dos cônjuges e companheiros e seu destino após a separação de fato do casal.
Realmente, as preocupações da doutrina são muitas e, além das já mencionadas, há outras, relacionadas ao curto lapso de tempo (dois anos) estabelecido, bem como ao caráter “punitivo” criado pela nova disposição, como, de forma didática, esclarece José Fernando Simão9 àquele por ele denominado “usucapião familiar”, ajuntando à crítica a própria existência e criação do dispositivo: A utilidade do novo instituto é clara. Havendo abandono do lar, a usucapião pode ocorrer após o lapso de dois anos. As dificuldades são evidentes. O prazo é exíguo demais para a elaboração do luto e o fim da conjugalidade. Por que um prazo inferior àqueles das demais modalidades constitucionais de usucapião? Ademais, se o imóvel foi adquirido pelo casal, como resultado do esforço comum, seja ele material ou espiritual, qual o motivo para permitir a usucapião? No meu sentir, há uma punição patrimonial ao cônjuge ou companheiro que “abandona” a família. Seria justa esta usucapião se o cônjuge ou companheiro abandona o imóvel e não a família? Um bom argumento ao cônjuge ou companheiro que não mais utiliza o bem é que se não abandonou a família, apenas 8 FREITAS, Douglas Phillips. Usucapião e direito de família. Comentários ao artigo 1.240-A do Código Civil. Jus Navigandi, Teresina, a. 16, n. 3005, 23 set. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20060>. Acesso em: 10 fev. 2012. 9 SIMÃO, José Fernando. Op. cit., p. 5.
tolerou a presença do outro no imóvel (mormente se o que permaneceu tiver a guarda dos filhos), e os atos de mera tolerância não significam posse, o que impediria a verificação desta usucapião familiar.
Por outro lado, embora seja objeto de situações especiais, interessante a ponderação de Priscila Maria Pereira Corrêa da Fonseca10 sobre o fato de que um imóvel de 250m², dependendo do local, pode representar valor elevado, o que poderia caracterizar um duro golpe para aquele que teve a sua atitude considerada “abandono do lar” e, para o favorecido, enriquecimento indevido. Trata-se, de fato, de uma hipótese em que a participação isenta e criteriosa do Magistrado deverá se sobrepor para evitar situações realmente injustas, mas perfeitamente possíveis de ocorrerem. Na verdade, tendo sido o dispositivo em análise acometido de ausência de técnica legislativa, as críticas iniciais são coerentes porque o interesse econômico, às vezes, torna-se de grande monta e, diante de pessoas mal informadas, pode vir a caracterizar enriquecimento indevido, de um lado, e empobrecimento injustificável, de outro. Cônjuges ou companheiros devem, ao decidirem pelo término do consórcio, ser advertidos pelos profissionais que os assistem para as consequências da saída de um deles do lar comum, no sentido de se evitar os efeitos ditados pelo art. 1.240-A do Código Civil, particularmente quando o afastamento se dá por mútuo consenso ou diante da inviabilidade da vida em comum. 10 FONSECA, Priscila Maria Pereira Corrêa da. Op. cit., p. 120: “Por fim, será que antes de editar a nova lei, refletiu o legislador sobre a circunstância de que um imóvel de 250m² pode representar um bem de altíssimo valor econômico – há apartamentos de tais dimensões cujo valor ultrapassa a casa dos três milhões de reais – e que a perda ainda que parcial desse montante pode empobrecer sobremaneira aquele que ‘abandonou’ o lar e enriquecer injustificadamente o outro que nele ficou albergado?”.
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No mesmo sentido, Douglas Phillips Freitas8, em artigo de sua autoria, após condenar as falhas técnicas, também salienta:
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Procedimentos como pedido de separação de corpos, separação, divórcio ou dissolução consensual de união estável, desnaturam a possibilidade de ocorrência de abandono do lar, assim como também a ação para arbitramento de aluguel pelo uso exclusivo da coisa comum e, ainda, propositura de ação de partilha de bem comum, uso da Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), em que há determinação judicial de afastamento do esposo ou companheiro do lar, como medida de cautela da integridade física da vítima. Assim, os operadores do Direito, e em especial o juiz, devem procurar agir, na aplicação do art. 1.240-A, de forma cautelosa e diante da exata comprovação de seus requisitos, cuidando que, ao simples ato de oposição ao exercício da posse exclusiva daquele que no imóvel permaneceu, antes do término do biênio, seja negado o domínio absoluto do imóvel. Não restam dúvidas de que, pelo menos inicialmente, problemas surgirão na aplicação do dispositivo do art. 1.240-A do Código Civil, como bem advertiu José Fernando Simão11:
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Sinceramente, creio que teremos mais problemas que solução. Esta modalidade de usucapião significará acirramento de lutas patrimoniais no seio da família (mesmo acabada a família conjugal, prossegue a parental) comprometendo a manutenção de bons vínculos parentais, no mais das vezes.
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Esta, também, a conclusão a que chegou Priscila Maria Pereira Corrêa da Fonseca12: De todo modo, ainda que sopesados os reparos e ressalvas anteriormente consignados, o direito à aquisição unilateral do domínio de bem comum ditado pelo abandono do lar por parte de seus coproprietários, continua a se mostrar privilégio desarrazoado e que pode facilmente descambar para o enriquecimento sem causa. 11 SIMÃO, José Fernando. Op. cit., p. 6. 12 FONSECA, Priscila Maria Pereira Corrêa da. Op. cit., p. 122.
De fato, a facilidade com que são editadas novas regras legais que atingem institutos jurídicos, como o direito da propriedade, parece não preocupar os responsáveis pelas mesmas, como o Legislativo e o Executivo. Tanto é verdade que, recentemente, no Dia Internacional da Mulher (08.03.2012), a Presidente Dilma Rousseff anunciou a Medida Provisória nº 561/2012, que, entre outras alterações de dispositivos legais, determinou, em seu art. 3º, que a Lei nº 11.977/2009 (que trata do Programa Minha Casa Minha Vida) inclua o art. 35-A, com o seguinte texto: Art. 35-A. Nas hipóteses de dissolução de união estável, separação ou divórcio, o título de propriedade do imóvel adquirido no âmbito do PMCMV, na constância do casamento ou da união estável, com subvenções oriundas de recursos do Orçamento-Geral da União, do FAR e do FDS, será registrado em nome da mulher ou a ela transferido independentemente do regime de bens aplicável, excetuados os casos que envolvam recursos do FGTS. Parágrafo único. Nos casos em que haja filhos do casal e a guarda seja atribuída exclusivamente ao marido ou companheiro, o título de propriedade do imóvel será registrado em seu nome ou a ele transferido.
Ou seja, a medida provisória em tela, divulgada no Dia Internacional da Mulher, com o intuito de aumentar direitos da mesma, tem todas as características de ato demagógico, que ignora as possíveis polêmicas judiciais que advirão na prática, uma vez que invade searas do direito real e do direito de família sem qualquer cuidado técnico.
CONCLUSÃO No presente trabalho, vimos que a usucapião é um modo originário de aquisição de propriedade e de outros direitos reais pela posse prolongada e qualificada por requisitos previstos em lei. Salientamos, outrossim, que a Constituição Federal, em seu art. 5º, XXIII, determina que a propriedade cumpra a sua função social.
Ou seja, a propriedade que deixou de cumprir a sua função social não merece tutela legal, ocasionando a intervenção estatal em prol daquele que vem exercendo a posse sem máculas e destinando-a ao cumprimento da função social que todo imóvel deve ter. Portanto, a usucapião é valioso meio de aquisição de propriedade notadamente pela parcela de população mais carente, por meio da qual exercita interesse à moradia e ao trabalho, atribuindo função social à propriedade anteriormente abandonada pelo anterior proprietário, sendo, ainda, facilitadora da circulação da riqueza de um bem inerte até então. A nova espécie de usucapião, a especial por abandono do lar, criada pela Lei nº 12.424/2011, que alterou o Código Civil, criando um dispositivo, o art. 1.240-A, invadiu a esfera do direito de família, criando uma nova forma de aquisição da propriedade, exclusivamente utilizada entre cônjuge ou companheiro contra o seu antigo consorte, que abandonou o lar e não se opôs, pelo prazo de dois anos, à posse mansa e pacífica do outro consorte ou companheiro. No decorrer da exposição, foram salientadas várias características peculiares da nova usucapião familiar, quais sejam: trata-se de proteção ao direito de moradia, consagrado constitucionalmente (art. 6º da CF); a ação deve ser ajuizada contra o cônjuge ou companheiro culpado pelo abandono, mas não contra os seus herdeiros, os quais não podem ser penalizados por ato alheio; o abandono deve ser voluntário, imotivado ou definitivo; o prazo exigido de abandono é curto: dois anos; a ação é personalíssima, não se estende a cessionários, para que estes utilizem o prazo bienal do cônjuge ou companheiro inocente; apenas o imóvel
urbano pode ser objeto do usucapião especial por abandono de lar; o termo “abandonar” se refere ao não exercício pelo cônjuge ou companheiro culpado dos atos próprios do proprietário: usar, gozar, dispor ou reivindicar; ainda, em relação ao “abandono” previsto no art. 1.240-A do CC, importa caracterizar que somente é aquele entendido como o de quem, conscientemente, deixa a família desamparada moral e materialmente, sem qualquer aviso, ou seja, quando há total ausência por parte de um dos consortes de comunicado extrajudicial ou judicial ao outro, caracterizando uma extinção de fato da comunhão de vidas entre cônjuges ou companheiros, os quais deixaram de utilizar os meios judiciais ou extrajudiciais para reconhecer o fim da união. Trata-se da saída, pura e simples do lar. É necessário, enfim, o exercício da posse direta e efetiva sobre o imóvel, o qual, necessariamente, deve servir de residência ao ex-cônjuge ou ex-companheiro e familiares, para a concessão dos benefícios previstos no art. 1.240-A do CC. Finalmente, importa mencionar que o § 1º do artigo supramencionado estabelece que o direito ao domínio pleno e exclusivo do bem comum não poderá ser concedido, mais de uma vez, ao mesmo possuidor, o qual, conforme disposição do caput, também não poderá possuir outro bem. Assim, o surgimento da usucapião especial por abandono de lar na órbita do direito de família vem, apesar das críticas procedentes da doutrina, revigorar o instituto da função social da propriedade e, ao mesmo tempo, atender à proteção da família naquilo que representa a sua função social, qual seja, um bom viver, respeito e dignidade de seus membros. A nova forma de usucapião será implantada paulatinamente, burilados os seus equívocos, e certamente cumprirá os objetivos propostos pelos legisladores.
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Por isso a importância da usucapião, que constitui relevante espécie de execução da função social, no sentido de que o bem, até então abandonado por seu proprietário, passa a ter uma finalidade utilizada pelo possuidor, que, após certo tempo, é considerado legítimo proprietário.
Cumpre salientar que vários procedimentos já são realizados extrajudicialmente. Assim, por meio da Lei nº 11.471/2007 já é
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possível a realização de inventário, partilha, separação e divórcio extrajudiciais, desde que as partes envolvidas sejam maiores, estejam de acordo e acompanhadas de advogado ou defensor público ou dativo. Também há a Lei nº 10.931/2004, a qual alterou artigos da Lei nº 6.015/1973 (Registros Públicos) e retirou a necessidade de atuação judicial para os casos de retificação não conflituosa de registro imobiliário, passando a ser pela forma administrativa, perante oficial de registro. Neste sentido, já existe proposta, realizada por registradores e tabeliães, de introdução da alternativa extrajudicial do procedimento do reconhecimento da usucapião para os casos em que não ocorram conflituosidade, e sim meros procedimentos de regularização. É o que propõe Fernanda Loures de Oliveira13, em interessante comentário, onde relata a morosidade do procedimento judicial e salienta a tendência atual de transferência de determinadas funções para a órbita extrajudicial.
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No caso agora analisado, por ser uma das espécies de usucapião, certamente será alcançado pela proposta, caso seja aprovada, o que atenderia ao moderno direito de família que exige meios céleres para a resolução das pendências.
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13 OLIVEIRA, Fernanda Loures de. Usucapião administrativo: uma alternativa possível. Revista de Direito Privado, São Paulo: RT, a. 12, v. 48, p. 150, out./dez. 2011: “Verifica-se que a tendência atual caminha neste sentido – como se pode depreender das recentes aprovações legislativas, que deram vida às Leis nºs 10.931/2004 e 11.441/2007, entre outros importantes diplomas. E, nesta ordem de ideias, expôs-se que: a falta de prioridade na tramitação judicial do processo de usucapião; o papel fundamental da propriedade no desenvolvimento digno do ser humano; e o imperativo constitucional de observância da função social da propriedade justificam a adoção de um procedimento de usucapião processado inteiramente em cartório, instituição que por sua estruturação privada e por sua especialidade na matéria imobiliária, é apta a proporcionar a celeridade e segurança que a declaração de usucapião necessita”.
Resta concluir que espera-se que o novo instituto da usucapião especial por abandono de lar não se constitua, como sugere José Fernando Simão14, em “mais problemas que solução”, e possa, com as correções que o manuseio jurisdicional proporciona e a jurisprudência solidifica, resultar naquilo a que veio: fortalecer a função social da propriedade!
REFERÊNCIAS BASTOS, Celso Ribeiro. Dicionário de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 1994. BRANT, Cássio Augusto Barros. Das modalidades de usucapião. A valorização da posse. Trabalho como meio de aquisição da propriedade imobiliária. Revista de Direito Privado, São Paulo: RT, a. 12, n. 45, jan./mar. 2011. FONSECA, Priscila Maria Pereira Corrêa da. Considerações sobre o artigo 1.240-A. Atos normativos e novidades legislativas. Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões, Porto Alegre: Magister; Belo Horizonte: IBDFam, a. 13, n. 23, ago./set. 2011. FREITAS, Douglas Phillips. Usucapião e direito de família. Comentários ao artigo 1.240-A do Código Civil. Jus Navigandi, Teresina, a. 16, n. 3005, 23 set. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20060>. Acesso em: 10 fev. 2012. GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Função social da família e jurisprudência brasileira. In: MADALENO, Rolf; MILHORANZA, Mariângela Guerreiro (Coord.). Atualidades de direito de família e sucessões. Sapucaia do Sul: Notadez, 2008. OLIVEIRA, Fernanda Loures de. Usucapião administrativo: uma alternativa possível. Revista de Direito Privado, São Paulo: RT, a. 12, v. 48. out./dez. 2011. REBOUÇAS, Rodrigo Fernandes. O bem comum e a função social da propriedade. Revista de Direito Privado, São Paulo: RT, a. 12, v. 47, jul./set. 2011. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 15. ed. rev. São Paulo: Malheiros, 1998. SIMÃO, José Fernando. Usucapião familiar: problema ou solução? Disponível em <http://professorflaviotartuce.blogspot.com/2011_07_01_archive. html>. Acesso em: 13 fev. 2012. 14 SIMÃO, José Fernando. Op. cit., p. 6.
Acórdão na Íntegra
Superior Tribunal de Justiça Recurso Especial nº 1.421.612/PB (2013/0393230-0) Relator: Ministro Herman Benjamin Recorrente: Taís Priscilla Ferreira Resende da Cunha e Souza Advogados: Leidson Flamarion Torres Matos e outro(s) Recorrido: União EMENTA ADMINISTRATIVO – FÉRIAS INDIVIDUAIS DOS MAGISTRADOS – PRETENSÃO DE QUE O GOZO DE FÉRIAS DOS JUÍZES SUBSTITUTOS SE DÊ SEM EXIGÊNCIA DO CUMPRIMENTO DO PRAZO DE DOZE MESES PARA A PRIMEIRA FRUIÇÃO – INADMISSIBILIDADE 1. Cinge-se a discussão acerca do início do período aquisitivo de férias de juízes no primeiro ano do exercício de suas funções, sustentando a autora possuir direito a férias proporcionais relativas ao ano em que ingressou na magistratura, uma vez que as férias dos magistrados, de acordo com a Loman, estão relacionadas ao ano civil, sem vinculação com o período aquisitivo de doze meses, que é aplicável apenas aos servidores públicos federais. 2. A Lei Complementar nº 35/1979 (Loman), ao tratar das férias dos magistrados (“Art. 66. Os magistrados terão direito a férias anuais, por sessenta dias, coletivas ou individuais. § 1º Os membros dos Tribunais, salvo os dos Tribunais Regionais do Trabalho, que terão férias individuais, gozarão de férias coletivas, nos períodos de 2 a 31 de janeiro e de 2 a 31 de julho. Os Juízes de primeiro grau gozarão de férias coletivas ou individuais, conforme dispuser a lei”), não disciplina o início do período aquisitivo do direito a férias na magistratura. 3. Dessa forma, ante o silêncio da Loman, incide o art. 77, § 1º, da Lei nº 8.112/1990, que deve ser aplicado subsidiariamente. 4. Aliás, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ, no Processo nº 000112319.2007.2.00.0000, entendeu que o gozo do direito de férias pelo juiz é
adquirido após um ano na magistratura, tendo consignado que “o princípio norteador das férias, inclusive dos empregados da iniciativa privada, tal como estabelece a Consolidação das Leis do Trabalho e para os servidores públicos, como definido no Estatuto próprio, é o de período aquisitivo, de sorte que para adquirir direito ao primeiro período o empregado, servidor ou magistrado deverá completar o período de um ano de serviço prestado”. 5. Esse entendimento foi reiterado recentemente pelo CNJ nos autos do PCA 0001795-51.2012.2.00.0000, da relatoria do Conselheiro Neves Amorim, julgado na 147ª Sessão Ordinária, em 21.05.2012. 6. Cabe salientar que, em 2004, o Conselho Federal da Justiça normatizou a referida matéria na Resolução nº 383/2004, que dispõe: “Art. 5º Para o primeiro período aquisitivo de férias, serão exigidos doze meses de exercício”, sendo certo que tal disposição se seguiu nas Resoluções nºs 585/2007, 14/2008 e 130/2010 do Conselho da Justiça Federal. 7. A mesma orientação é seguida pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho – CSJT. 8. Recurso especial não provido.
ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça: “A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).” Os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques (Presidente), Assusete Magalhães e Humberto Martins votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Og Fernandes. Brasília, 3 de junho de 2014 (data do Julgamento). Ministro Herman Benjamin Relator
RELATÓRIO O Exmo. Sr. Ministro Herman Benjamin (Relator): Trata-se de Recurso Especial interposto, com fundamento no art. 105, III, a e c, da Constituição da República, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região assim ementado: CONSTITUCIONAL – ADMINISTRATIVO – FÉRIAS – MAGISTRADOS – PRIMEIRA FRUIÇÃO – PERÍODO AQUISITIVO – 12 MESES – OBSERVÂNCIA 1. Os magistrados terão direito a férias anuais, por sessenta dias, nos termos do art. 66 da Loman. 2. Entretanto, não há nenhum dispositivo legal que dispense da observância do período aquisitivo de 12 (doze) meses, quando da fruição das primeiras férias. Precedente do CNJ. 3. Ausência de previsão legal que constitui óbice ao pleito formulado. 4. Apelação improvida.
A parte recorrente afirma que houve, além de divergência jurisprudencial, ofensa aos arts. 66 e 67, § 1º, da Lei Complementar nº 35/1979 (Loman).
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Aduz, em suma, estarem presentes todos os requisitos de admissibilidade do recurso.
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Contrarrazões às fls. 164-173. É o relatório.
Sustenta a autora possuir direito a férias proporcionais relativas ao ano em que ingressou na magistratura, uma vez que as férias dos magistrados, de acordo com a Loman, estão relacionadas ao ano civil, sem nenhuma vinculação com o período aquisitivo de doze meses, que é aplicável apenas aos servidores públicos federais. A respeito das férias dos magistrados, reza a Lei Complementar nº 35/1979 (Loman): Art. 66. Os magistrados terão direito a férias anuais, por sessenta dias, coletivas ou individuais. § 1º Os membros dos Tribunais, salvo os dos Tribunais Regionais do Trabalho, que terão férias individuais, gozarão de férias coletivas, nos períodos de 2 a 31 de janeiro e de 2 a 31 de julho. Os Juízes de primeiro grau gozarão de férias coletivas ou individuais, conforme dispuser a lei.
Conforme se verifica, a referida legislação não disciplina o início do período aquisitivo do direito a férias na magistratura. Dessa forma, ante o silêncio da Loman, incide o art. 77, § 1º, da Lei nº 8.112/1990, aplicada subsidiariamente, que dispõe: Art. 77. O servidor fará jus a trinta dias de férias, que podem ser acumuladas, até o máximo de dois períodos, no caso de necessidade do serviço, ressalvadas as hipóteses em que haja legislação específica. (Redação dada pela Lei nº 9.525, de 10.12.1997) (Férias de Ministro – Vide) § 1º Para o primeiro período aquisitivo de férias serão exigidos 12 (doze) meses de exercício (grifei).
VOTO O Exmo. Sr. Ministro Herman Benjamin (Relator): Os autos foram recebidos neste Gabinete em 04.12.2013. Cinge-se a discussão acerca do início do período aquisitivo de férias de juízes no primeiro ano do exercício de suas funções.
Aliás, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ, no Processo nº 0001123-19.2007.2.00.0000, em hipótese em que negou pedido de providências da Asmego (Associação dos Magistrados do Estado de Goiás) para que o TJ/GO reconhecesse o lapso de seis meses para a aquisição do direito ao gozo de férias pelos juízes no primeiro ano de exercício da judicatura – entendeu que o gozo do direito de férias pelo juiz é adquirido após um ano
Cito ementa da referida decisão: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS – FÉRIAS INDIVIDUAIS DOS MAGISTRADOS DA JUSTIÇA DO TRABALHO – PRETENSÃO DE QUE O GOZO DE FÉRIAS DOS JUÍZES SUBSTITUTOS MAGISTRADOS DE SEGUNDO GRAU, EGRESSOS DO QUINTO CONSTITUCIONAL, SE DÊ ANUALMENTE, PROPORCIONALMENTE AOS MESES TRABALHADOS NO ANO DE INGRESSO, OU INTEGRALMENTE PELO LABOR EM TODO O ANO CIVIL, SEM EXIGÊNCIA DO CUMPRIMENTO DO PRAZO DE DOZE MESES PARA A PRIMEIRA FRUIÇÃO – INADMISSIBILIDADE – IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO I – Em nenhum preceito da Carta Magna ou da Lei Orgânica da Magistratura Nacional encontra-se o assentamento do período aquisitivo das férias dos magistrados, colocando por terra a afirmação posta como supedâneo e sustentáculo da petição inicial, no sentido de que “os magistrados têm direito de gozar férias por ano civil e não pelo cumprimento de período aquisitivo”. II – O princípio norteador das férias, inclusive dos empregados da iniciativa privada, tal como estabelece a Consolidação das Leis do Trabalho e para os servidores públicos, como definido no Estatuto próprio, é o de período aquisitivo, de sorte que para adquirir direito ao primeiro período o empregado, servidor ou magistrado deverá completar o período de um ano de serviço prestado. (CNJ, PP, Pedido de Providências, Conselheiro, 000112319.2007.2.00.0000, Rel. Rui Stoco, 53ª Sessão, J. 04.12.2007)
Recentemente, o Conselho reiterou este entendimento nos autos do PCA 0001795-51.2012.2.00.0000, da relatoria do Conselheiro Neves Amorim, julgado na 147ª Sessão Ordinária, em 21.05.2012:
RECURSO EM PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO – MARCAÇÃO DE FÉRIAS DE MAGISTRADO ANTES DO IMPLEMENTO DO PERÍODO AQUISITIVO – IMPOSSIBILIDADE 1. A necessidade do implemento do prazo para marcação de férias é requisito indispensável para o gozo desse direito. 2. No caso concreto, como o magistrado tomou posse e entrou em exercício no dia 07 de maio de 2001, apenas no dia 07 de maio de 2002 ele poderia marcar as férias para o período aquisitivo de 2001-2002. A partir de 07 de maio de 2002, não apenas seria possível marcar as férias do período de 2001-2002, mas também a de 2002-2003. Pelo mesmo motivo, apenas em 07 de maio de 2012, ser-lhe-ia possível marcar as férias relativas ao período de 2012-2013. 3. Não é possível admitir que antes do implemento dessa data, agende o magistrado as férias relativas a um período que sequer iniciou-se. É, pois, indene de vícios a decisão do requerido que negou ao magistrado a marcação de férias. 4. Por esse motivo, ao amparo de precedentes deste Conselho, correta a decisão que deixou de conhecer o presente Procedimento Administrativo, razão pela qual há que se desprover o presente recurso. (CNJ, RA, Recurso Administrativo em PCA – Procedimento de Controle Administrativo nº 0001795-51.2012.2.00.0000, Rel. Neves Amorim, 147ª Sessão, J. 21.05.2012)
Cabe salientar que, em 2004, o Conselho Federal da Justiça normatizou a referida matéria na Resolução nº 383/2004, que dispõe: Art. 5º Para o primeiro período aquisitivo de férias, serão exigidos doze meses de exercício.
Ressalte-se que tal disposição se seguiu nas Resoluções nºs 585/2007, 14/2008 e 130/2010 do Conselho da Justiça Federal. A mesma orientação é seguida pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho – CSJT, a exemplo do decidido no Processo TST-CSJT-122/2005-000-90-00.8, razão pela qual entendo não assistir razão à recorrente.
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na magistratura, tendo consignado que “o princípio norteador das férias, inclusive dos empregados da iniciativa privada, tal como estabelece a Consolidação das Leis do Trabalho e para os servidores públicos, como definido no Estatuto próprio, é o de período aquisitivo, de sorte que para adquirir direito ao primeiro período o empregado, servidor ou magistrado deverá completar o período de um ano de serviço prestado”.
Diante do exposto, nego provimento ao Recurso Especial. É como voto.
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CERTIDÃO DE JULGAMENTO SEGUNDA TURMA REsp 1.421.612/PB Número Registro: 2013/0393230-0
Julgado: 03.06.2014
Relator: Exmo. Sr. Ministro Herman Benjamin Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Mauro Campbell Marques Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. José Elaeres Marques Teixeira Secretária: Belª Valéria Alvim Dusi
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CERTIDÃO Certifico que a egrégia Segunda Turma, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: “A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).”
Recorrente: Taís Priscilla Ferreira Resende da Cunha e Souza
Os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques (Presidente), Assusete Magalhães e Humberto Martins votaram com o Sr. Ministro Relator.
Advogados: Leidson Flamarion Torres Matos e outro(s)
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Og Fernandes.
AUTUAÇÃO
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Assunto: Direito administrativo e outras matérias de direito público – Servidor público civil – Sistema remuneratório e benefícios – Férias
Processo Eletrônico
Números Origem: 00099695220104058200 537323 996995220104058200 Pauta: 03.06.2014
Recorrido: União
Pesquisa Temática
Divórcio Divórcio – alimentos – ex-cônjuge – exoneração – impossibilidade – partilha postergada “Apelação cível. Ação de divórcio. Alimentos prestados à ex-cônjuge. Exoneração. Impossibilidade. Partilha postergada. Súmula nº 197 do Superior Tribunal de Justiça. Controvérsia no patrimônio do casal. Honorários. Pagamento pela parte sucumbente. Quantum mantido. I – Para que haja exoneração do pagamento de pensão alimentícia é necessário que se configure a mudança de situação financeira da alimentada ou do alimentante, conforme dicção do art. 1.699 do Código Civil. Destarte, não evidenciada nos autos a mudança da situação financeira da alimentada quanto à possibilidade de subsistência por conta própria, não há que se falar da supressão da pensão alimentícia. II – O divórcio pode ser decretado sem que ocorra a partilha dos bens que, diante da existência de controvérsia sobre a delimitação do patrimônio, pode ser postergada para momento posterior à sentença, nos termos da Súmula nº 197 do Superior Tribunal de Justiça e do art. 1.581 do Código Civil/2002. III – Nas causas em que não há condenação, os honorários advocatícios devem ser suportados pela parte sucumbente, e arbitrados pelo julgador de acordo com o art. 20, § 4º, do Código de Processo Civil, observados os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Apelação cível conhecida, mas improvida.” (TJGO – AC 180371-62.2009.8.09.0051 – 1ª C.Cív. – Relª Desª Amelia Martins de Araujo – DJe 14.11.2011)
Divórcio – alimentos e guarda – rediscussão de entendimento – via imprópria “Embargos de declaração. Agravo de instrumento. Ação de divórcio c/c alimentos e guarda. Omissão. Inocorrência. Manifesto propósito de rediscutir o entendimento adotado no decisum. Impossibilidade na estreita via dos aclaratórios. Inexistência de vícios. Prequestionamento. Desnecessidade. Embargos de declaração rejeitados.” (TJPR – EDC 833316-0/01 – 11ª C.Cív. – Rel. Des. Augusto Lopes Cortes – J. 14.03.2012)
Divórcio – cônjuge virago – dedicação à família – alimentos – fixação “Direito de família. Divórcio. Cônjuge virago. Dedicação à família. Alimentos. Fixação. Exoneração do ex-marido. Alteração na situação pessoal e financeira dos ex-consortes. Inexistência. Ratificação da obrigação com expressão do dever de assistência material recíproca. 1. O dever de assistência material recíproca, merecendo emolduração legal, consubstancia uma das obrigações genéticas do casamento, materializando-se no direito que é resguardado ao cônjuge que, dissolvida a vida em comum, não se encontra em condições de fomentar sua própria subsistência de reclamar do outro os alimentos necessários à sua sobrevivência, projetando-se para tempo posterior à extinção do vínculo (CC, arts. 1.566, III, e 1.694). 2. Os alimentos, por encerrarem obrigação de natureza diferida e continuativa ante a natureza da relação da qual germinam e diante da sua origem etiológica e destinação teleológica, têm ínsita a cláusula rebus, daí por que podem ser modificados a qualquer momento, desde que alteradas as premissas que nortearam sua fixação, ou seja, desde que haja alteração na capacidade contributiva do obrigado ou nas necessidades do destinatário (CC, art. 1.694, § 1º). 3. Fixados os alimentos dos quais necessita o cônjuge, sua revisão ou eliminação dependem da comprovação de fatos aptos a ensejarem alteração na situação pessoal e financeira do alimentante ou do alimentado, ensejando desequilíbrio na equação que originariamente norteara sua mensuração, determinando que seja revista de forma a serem conformados com as necessidades de um e com as possibilidades do outro (CC, art. 1.694, § 1º). 4. Aferido que o varão, após a dissolução do vínculo, não experimentara mutação em sua situação financeira apta a afetar sua capacidade contributiva e que a virago continua fruindo da mesma renda que auferia à época da fixação da verba alimentar, prosseguindo sem o auferimento de retribuição pecuniária apta a guarnecê-la com condições para suportar as despesas inerentes à sua sobrevivência com dignidade e um mínimo de conforto, deve continuar contando a assistência material do ex-marido. 5. Recurso conhecido e improvido. Unânime.” (TJDFT – Proc. 20110110789734 – (593318) – Rel. Des. Teófilo Caetano – DJe 11.06.2012)
Divórcio – guarda dos filhos – alimentos ao ex-cônjuge “Direito de família. Divórcio. Guarda dos filhos. Alimentos ao ex-cônjuge. 1. A guarda dos filhos deve ser deferida ao cônjuge que melhor prestar assistência (material, emocional, psicológica e espiritual) aos menores. 2. Os alimentos devidos pelo ex-cônjuge devem ser os essenciais para a sobrevivência do outro, sobretudo, quando este tem condições de exercer atividade remunerada. 3. Recurso conhecido e parcialmente provido.” (TJDFT – Proc. 20100310161947 – (559099) – Rel. Des. Waldir Leôncio Lopes Júnior – DJe 17.01.2012)
Divórcio – justiça gratuita – indeferimento de plano – princípio do acesso à justiça “Processual civil. Ação de divórcio. Justiça gratuita. Lei nº 1.060/1950. Indeferimento de plano pelo juizado a quo. Princípio do acesso à justiça. CF, art. 5º, LXXIV inobservado. Requisitos autorizadores do beneplácito por ora presentes. Inexistência de prova inequívoca em sentido contrário. Recurso provido. 1. A teor do § 1º do art. 4º da Lei nº 1.060/1950, basta à parte, pessoa natural, que entende estar enquadrada na hipótese legal acima requerer ao juízo o benefício da justiça gratuita por meio de declaração de hipossuficiência de recursos. 2. Nada impede que a presunção juris tantum seja derruída pela parte adversa. Contudo, caberá a ela, em momento próprio, impugnar e provar a capacidade financeira da parte postulante e não ao julgador indeferir de plano tal benefício, por mais louvável que seja o seu propósito e a sua intenção.” (TJSC – AI 2012.079777-7 – Rel. Des. Marcus Tulio Sartorato – DJe 01.03.2013)
Divórcio – partilha – comunhão parcial de bens “Divórcio. Partilha. Comunhão parcial de bens. Bens adquiridos na constância do casamento. Proporção. Nome de solteira. 1. A partilha dos bens móveis adquiridos na constância do casamento em que se adotou o regime da comunhão parcial, se dá na proporção de 50% (cinquenta por cento) para cada parte, inclusive relativos aos móveis que guarnecem a residência dos cônjuges. 2. O regime de bens adotado no casamento define a partilha sobre os direitos decorrentes de contrato de arrendamento de veículo, bem como daquele que se encontra devidamente quitado. 3. Não havendo oposição do consorte e nem prejuízo para os filhos, deve-se facultar à autora que volte a usar o nome de solteira. 4. Apelação desprovida.” (TJDFT – Proc. 20090310240053 – (613492) – Rel. Des. Mario-Zam Belmiro – DJe 05.09.2012)
Divórcio – partilha de bens – regime de comunhão parcial “Recurso especial. Direito de família. Divórcio. Partilha de bens. Regime de comunhão parcial. Aquisição de patrimônio durante o casamento. Pagamento parcialmente realizado com sub-rogação de bens particulares de um dos cônjuges. Partilha proporcional. 1. No regime de comunhão parcial, a aquisição de bem durante o matrimônio por um dos cônjuges, mediante pagamento cuja origem tenha sido a venda de bens exclusivos, em princípio conduz à exclusão desse bem da comunhão, seja porque tem por título uma causa preexistente ao casamento (art. 272, CC/1916), seja porque se configurou a sub-rogação de bem particular (art. 269, inciso II). 2. Porém, ‘para que a sub-rogação possa produzir esse efeito, deve o bem ser adquirido com valores exclusivamente pertencentes ao dono do bem substituído. Se com valores dele concorrerem valores da comunhão ou do outro cônjuge, estabelecer-se-á um condomínio’ (SANTOS, J. M. de Carvalho. Código civil brasileiro interpretado. 14. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, v. V, 1988. p. 89). 3. Havendo aquisição de bens durante o casamento pagos parcialmente mediante sub-rogação de patrimônio particular de um dos cônjuges, somente o quinhão proporcional à sub-rogação será excluído da partilha – e destinado exclusivamente a um dos cônjuges -, devendo a diferença ser dividida à razão de 50% para cada um dos consortes. 4. Recurso especial de G. O. S. A. Não provido e recurso especial de R. F. V. A. Parcialmente conhecido e, na extensão, parcialmente provido.” (STJ – REsp 963.983 – (2007/0145207-4) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 16.08.2012)
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Divórcio – partilha de bens – saldo em conta bancária – data da separação de fato – sucumbência
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“Apelação cível. Divórcio. Partilha de bens. Saldo em conta bancária. Data da separação de fato. Sucumbência. A principal característica do regime de comunhão parcial de bens é a comunicabilidade dos bens adquiridos a título oneroso, pelo casal, na constância do casamento, conforme dispõe a norma do art. 1.658 do Código Civil. Novel jurisprudência formada sobre o tema assevera que não há a comunicação dos bens adquiridos após a separação de fato, salvo se houver comprovação de que ambos os cônjuges concorreram para sua aquisição, ou que o patrimônio comum foi utilizado para tal. Assim, resta inequívoco que, no regime de comunhão parcial de bens estabelecido entre os ora litigantes, a data da separação de fato é o momento adequado para verificar-se o valor disponível nas contas bancárias de titularidade de cada um dos cônjuges, e efetuar-se a partilha. Não havendo sucumbência a justificar a condenação da parte ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, impõe-se a reforma da sentença para excluir tal condenação.” (TJDFT – AC 20090111684798 – (561401) – Relª Desª Carmelita Brasil – DJe 27.01.2012)
Divórcio – sentença estrangeira contestada – citação “Sentença estrangeira contestada. Divórcio. Citação. Processo principal. Regularidade formal. Preenchimento dos requisitos. Homologação deferida. 1. Foram observados os pressupostos indispensáveis ao deferimento do pleito previstos nos arts. 5º e 6º da Resolução nº 9/2005 desta Corte. 2. A alegada ausência de comprovação de citação válida nos autos principais deve ser examinada cum grano salis. Por tratar-se de instituto de direito processual, encontra-se inserida no âmbito da jurisdição e da soberania de cada país, circunstância que impõe a observância da legislação interna, não sendo possível impor as regras da legislação brasileira para ato praticado fora do país. Precedentes. 3. Dos documentos coligidos, pode-se concluir que o requerido teve ciência do processo de divórcio realizado no país de origem, bem assim que a autoridade estrangeira
adotou as cautelas necessárias para a formação de válida relação processual à luz do direito alienígena. 4. Homologação de sentença estrangeira deferida.” (STJ – SEC 5.268 – (2011/0138366-2) – C.Esp. – Rel. Min. Castro Meira – DJe 19.11.2012)
Divórcio – sentença estrangeira contestada – regularidade formal “Sentença estrangeira contestada. Divórcio. Regularidade formal. Preenchimento dos requisitos. Homologação deferida. 1. Observados os pressupostos indispensáveis ao deferimento do pleito previstos nos arts. 5º e 6º da Resolução nº 9/2005 do STJ, é defeso no âmbito do procedimento homologatório discutir o próprio mérito do título judicial estrangeiro e supervenientes alterações de estado de fato. 2. Presume-se a legitimidade, veracidade e legalidade do ato administrativo consular de chancela, a menos que seja infirmada, com base em elementos probatórios robustos que possam gerar dúvida plausível acerca da competência da autoridade signatária. 3. Homologação de sentença estrangeira deferida.” (STJ – SEC 4.788 – (2012/0119255-0) – C.Esp. – Rel. Min. Castro Meira – DJe 19.11.2012)
Divórcio direto – convivência conjugal – cessação – marco temporal “Agravo regimental. Agravo de instrumento. Divórcio direto. Convivência conjugal. Cessação. Marco temporal. Reexame de provas. Súmula nº 07/STJ. Negativa de prestação jurisdicional. Inocorrência. Recurso manifestamente improcedente. Multa. 1. Quando o órgão julgador pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos, ainda que sucintamente, não se configura negativa de prestação jurisdicional. 2. A elisão das conclusões do aresto recorrido, comprovando ‘que a convivência conjugal entre os litigantes perdurou até o ano de 2000, e não até o início de 1999’, demandaria o revolvimento dos meios de convicção dos autos, providência vedada nesta sede nos termos da Súmula nº 07/STJ. 3. A mera reedição dos argumentos de recurso anterior, mesmo diante de expressa advertência no tocante à oposição de incidentes processuais infundados, torna evidente a manifesta improcedência do presente agravo, atraindo a incidência da multa prevista no § 2º do art. 557 do CPC. 4. Agravo regimental desprovido, com aplicação de multa.” (STJ – AgRg-AI 1.330.176 – (2010/0132965-2) – 3ª T. – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – DJe 07.03.2012)
Divórcio direto – convivência conjugal – cessação – marco temporal “Agravo regimental. Agravo de instrumento. Divórcio direto. Convivência conjugal. Cessação. Marco temporal. Reexame de provas. Súmula nº 07/STJ. Negativa de prestação jurisdicional. Inocorrência. Recurso manifestamente improcedente. Multa. 1. Quando o órgão julgador pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos, ainda que sucintamente, não se configura negativa de prestação jurisdicional. 2. A elisão das conclusões do aresto recorrido, comprovando ‘que a convivência conjugal entre os litigantes perdurou até o ano de 2000, e não até o início de 1999’, demandaria o revolvimento dos meios de convicção dos autos, providência vedada nesta sede nos termos da Súmula nº 07/STJ. 3. A mera reedição dos argumentos de recurso anterior, mesmo diante de expressa advertência no tocante à oposição de incidentes processuais infundados, torna evidente a manifesta improcedência do presente agravo, atraindo a incidência da multa prevista no § 2º do art. 557 do CPC. 4. Agravo regimental desprovido, com aplicação de multa.” (STJ – AgRg-AI 1.330.176 – (2010/0132965-2) – 3ª T. – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – DJe 07.03.2012)
“Direito de família. Divórcio direto. Dissolução da sociedade conjugal. Decretação. Patrimônio comum. Partilha. Regime de bens. Comunhão universal. Alcance. Bens transcritos em nome dos cônjuges e adquiridos antes da formalização da ruptura da vida comum. Nome da virago. Adoção do patronímico do marido. Preservação. Identificação profissional e social. Opção. Preservação. Incidente de insanidade. Formulação. Interseção na lide principal. Insubsistência. Nulidade. Inocorrência. 1. A formulação de cautelar nominada de incidente de sanidade pela cônjuge virago na data em que fora prolatada a sentença que resolvera a ação de divórcio intentada pelo varão é impassível de interceder na marcha procedimental ou impregnar qualquer vício à sentença, à medida que, abstraída a ilegitimidade da cônjuge separada de fato para aviar a pretensão cautelar transubstanciada de pedido de interdição, o que é corroborado pelo intento que manifestara, que é de impregnar dúvida sob a higidez dos negócios empreendidos pelo marido, e não tutelar seus interesses e pessoa, é impassível de irradiar qualquer efeito na resolução da ação de estado, pois a interdição, ainda que decretada, não irradia efeitos ex tunc. 2. O novo Código Civil, alterando o paradigma anteriormente firmado, estabelecera que, não se cogitando de culpa como pressuposto para a afirmação da dissolução da vida conjugal através do divórcio, a preservação do nome de casado é opção assegurada ao cônjuge, não consubstanciando efeito anexo lógico da sentença que decreta a separação ou o divórcio nem reclamando opção justificada na forma anteriormente regulada (arts. 1.571, § 2º, e 1.578, § 2º, ambos do CC), resultando que, em tendo a cônjuge virago optado por permanecer usando o patronímico do marido por ter se incorporado à personalidade, identificando-a no meio social e profissional em que convive, a opção deve ser materializada. 3. A celebração do negócio jurídico traduzido no casamento sob o regime da comunhão universal de bens determina que todos os bens antecedentes ao vínculo, os adquiridos na constância do relacionamento e os desembolsos realizados com ou em razão dos bens integrantes do acervo comum sejam, até que venha a ser formalmente dissolvido, agregados ao monte partilhável e divididos igualitariamente entre os cônjuges como corolário da dissolução da vida em comum,
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Divórcio direto – dissolução da sociedade conjugal – decretação – patrimônio comum – partilha – regime de bens
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devendo ser apreendidos como integrantes do acervo comum os bens que se encontram transcritos em nome dos cônjuges no momento da decretação da dissolução do vínculo. 4. Inviável a resolução no bojo da ação de estado de pretensão atinada com o reconhecimento de sonegação ou dilapidação de patrimônio comum, notadamente quando encerra a inserção no monte de bens transcritos em nome de terceiros, intuito que, à vista da litigiosidade estabelecida sobre o patrimônio partilhável, deverá ser postulado em procedimento próprio e com observância do devido processo legal, deve o monte partilhável, sob essa moldura, ser modulado de conformidade com os títulos de propriedade exibidos. 5. Apelações conhecidas. Desprovida a do autor. Provida parcialmente a da ré. Unânime.” (TJDFT – Proc. 20100111886603 – (593948) – Rel. Des. Teófilo Caetano – DJe 15.06.2012)
Divórcio direto – partilha de bens – regime de comunhão parcial de bens – partilha “Civil. Processo civil. Ação de divórcio direto. Partilha de bens. Regime de comunhão parcial de bens. Partilha de dívidas desde que revertidas em prol do casal. Necessidade de prova. Indenização por danos morais e materiais e dissolução de co-propriedade. Necessidade de ajuizamento da ação própria. 1. Comprovada a cooperação mútua dos cônjuges para a aquisição de bens durante o casamento, esses devem ser partilhados na proporção de 50% (cinquenta por cento) para cada um, haja vista que, nos termos do art. 1.658 do Código Civil, adotado o regime comunhão parcial, é de se impor a comunicabilidade de todos os bens que sobrevierem ao casal na constância do casamento. 2. Os empréstimos contraídos na constância do casamento, sob o regime parcial, que tenham sido revertidos em prol do grupo familiar, são partilháveis, à exceção, a contrario sensu, daqueles contraídos em benefício exclusivo do tomador do empréstimo. 3. Os conflitos surgidos após a extinção do vínculo conjugal, tais como as questões atinentes à dissolução da co-propriedade e de eventual indenização por danos morais e materiais fundados na tese de recalcitrância de um dos cônjuges em desocupar o imóvel, devem ser dirimidos no Juízo Cível, por meio da via processual adequada, desbordando, assim, da jurisdição do juízo de família. Precedentes deste eg. Tribunal. 4. Apelação do autor não provida. Sentença mantida.” (TJDFT – Proc. 20110111882470 – (641703) – Rel. Des. Flavio Rostirola – DJe 17.12.2012)
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Divórcio e cautelar de separação de corpos – guarda provisória – menor
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“Agravo regimental em medida cautelar. Agregação de efeito suspensivo a recurso especial. Ação de divórcio e cautelar de separação de corpos. Guarda provisória. Menor. Presença do fumus boni iuris e do periculum in mora. 1. Possibilidade de esta Corte, com base nos argumentos constantes no acórdão e na decisão agravada, analisando o contexto fático balizado pelos julgadores que atuaram nas instância de origem, verificar a alegada afronta aos arts. 1.583 e 1.584 do CCB, não se fazendo evidente a atração de óbice a inviabilizar a concessão do efeito suspensivo ora postulado. 2. Em causa, como a presente, em que se busca verificar, com esteio nos interesses absolutamente prevalentes do menor, a quem deva ser atribuída a sua guarda provisória, especialmente quando nos autos não se registram atos que desabonem a manutenção do infante sob a guarda de qualquer um dos pais, deve-se privilegiar o contato mais estreito mantido pelo julgador de primeira instância, assim como pelo Ministério Público, em face desse particular liame com a prova, com os fatos e as partes, prevalência que se deve dar ao princípio da imediatidade do juízo. 3. Prevalência das impressões obtidas pela juíza que, diretamente conectada aos fatos narrados e ocorridos nas ações de divórcio e cautelar de separação de corpos, após conceder inicialmente a guarda provisória ao pai, mais bem analisando os fatos, determinou retornar a guarda do menor à mãe. 4. Agravo regimental provido, por maioria, vencido o relator, para a concessão da medida liminar postulada, restabelecendo a guarda provisória deferida pelo juízo de origem à genitora demandante.” (STJ – AgRg-MC 20.236 – (2012/0239411-3) – 3ª T. – Rel. Min. Sidnei Beneti – DJe 18.12.2012)
Divórcio litigioso – bem adquirido – separação de fato – partilha – exclusão “Apelação cível. Direito de família. Ação de divórcio litigioso. O bem adquirido pelo cônjuge após a separação de fato do casal não compõe o acervo objeto da partilha. Precedentes. Alimentos. Percentual fixado pelo Juízo a quo que atende ao binômio ‘necessidade-possibilidade’. Manutenção do valor arbitrado. Apelação conhecida e parcialmente provida. 1. O cerne da questão controvertida consiste em averiguar a partilha dos bens adquiridos na constância da relação conjugal entre as partes litigantes, realizada pelo juízo de piso após a dissolução do matrimônio, assim como o percentual estabelecido a título de pensão alimentícia em favor do cônjuge virago. 2. Consoante entendimento jurisprudencial, os bens adquiridos após a separação de fato do casal não se comunicam entre os cônjuges, uma vez que, neste período, não houvera esforço em comum para a aquisição do patrimônio. Precedentes do STJ e do TJCE. 3. Dessarte, a sentença objurgada carece de reparo neste ponto, a fim de que o imóvel localizado no bairro COHAB, no município de Quiterianópolis, seja excluído do acervo patrimonial, objeto da partilha, sendo de propriedade exclusiva do cônjuge varão e, o único bem que compõe o patrimônio obtido durante a relação conjugal – Imóvel residencial situado no Alto Brilhante, seja partilhado entre as partes entre as partes, na proporção de 50% (cinquenta por cento) para cada um. 4. No que tange ao valor da pensão alimentícia arbitrada em favor da cônjuge virago, inicialmente, é importante frisar a diferença entre ‘dever de sustento’ e ‘obrigação alimentar’. O primeiro, decorrente do poder familiar (art. 1.634 do CC/2002), é a obrigação de sustento dos filhos, segundo a qual, inclusive, independe da condição financeira deles, havendo presunção de múltiplas necessidades, e sendo devida inclusive quando o infante tenha recursos financeiros. Já a obriga-
ção de alimentos, decorrente do casamento, da união estável, ou dos demais vínculos parentais, e previstas nos arts. 1.694 e seguintes do CC/2002, exige que o alimentante demonstre, cabalmente, a sua necessidade, não havendo qualquer presunção a respeito (Código civil comentado, Coord. Ministro Cesar Peluso, 4. ed., São Paulo: Manole, 2010, p. 1905). 5. Analisando a situação econômica dos ex-cônjuges, constata-se que o percentual cominado é condizente com a realidade vivenciada por eles e atende ao binômio ‘necessidade da alimentada versus possibilidade do alimentante’. 6. Apelação cível conhecida e parcialmente provida.” (TJCE – Ap 35048-42.2004.8.06.0000/0 – Rel. Paulo Francisco Banhos Ponte – DJe 16.01.2012)
Divórcio litigioso – casamento sob o regime de comunhão parcial de bens – partilha “Civil e processual civil. Ação de divórcio litigioso. Casamento sob o regime de comunhão parcial de bens. Inconformismo com relação à forma como foi determinada a partilha. Alegação de que os bens pertencem a terceiros, e não aos ex-cônjuges. Não acolhimento. Depoimentos testemunhais que comprovam que os bens pertencem ao casal e foram adquiridos na constância do casamento, presumindo-se a contribuição conjunta dos cônjuges. Automóveis comprados em sociedade com o genitor do apelante. Direito da apelada a 50% do valor das benfeitorias do bem imóvel e a 25% do valor de avaliação de cada automóvel. Ausência de comprovação de que o valor arbitrado para os veículos não corresponde a realidade dos mesmos. Recurso conhecido e desprovido.” (TJRN – AC 2012.005576-5 – 3ª C.Cív. – Rel. Des. Vivaldo Pinheiro – DJe 07.01.2013)
Divórcio litigioso – menor – alimentos provisórios – fixação “Agravo de instrumento. Ação de divórcio litigioso. Fixação de alimentos provisórios ao filho menor das partes. Necessidade de observância do binômio necessidade/possibilidade. I – A decisão que fixa alimentos provisórios ao filho menor das partes deve observar a necessidade do alimentando e a possibilidade financeira do alimentante, de modo que não pode ser arbitrada em valor desproporcional a ponto de comprometer a subsistência da pessoa obrigada, o que deve ser verificado em cada caso concreto. II – Concluindo-se que a decisão agravada estipulou os alimentos provisórios em valor superior à situação econômica do agravante (pai), impõe-se sua redução a montante que respeite os princípios da dignidade da pessoa humana e do mínimo existencial. Agravo de instrumento conhecido e parcialmente provido.” (TJGO – Ag 165669-02.2011.8.09.0000 – 2ª C.Cív. – Rel. Des. Amaral Wilson de Oliveira – DJe 01.12.2011)
Divórcio litigioso – partilha de bens – imóvel adquirido/edificado antes do casamento
Divórcio litigioso – quebra de sigilo bancário de terceiros – impossibilidade “Agravos de instrumento. Ação de divórcio litigioso. Quebra de sigilo bancário de terceiros (filhos dos divorciandos). Impossibilidade. Recurso provido a quebra de sigilo bancário deve ser revestida de fundamentação e da avaliação acerca de sua utilidade.” (TJPR – AI 0989206-0 – Rel. Des. João Domingos Kuster Puppi – DJe 12.08.2013)
Divórcio litigioso – regime da comunhão universal de bens – partilha “Divórcio litigioso. Regime da comunhão universal de bens. Direitos e obrigações. Partilha. O regime da comunhão universal de bens tem como nota característica serem comuns todos os bens dos cônjuges adquiridos a título oneroso na constância, ou não, do casamento, devendo, pois, no divórcio, os bens comuns do casal, bem assim as dívidas, ser partilhadas na proporção de 50% (cinquenta por cento) para cada um, a fim de se prevenir o enriquecimento desprovido de causa subjacente legítima de quaisquer das partes.” (TJDFT – Ac. 574517 – AC 20100110653293 – 2ª T.Cív. – Relª Desª Carmelita Brasil – DJ 26.03.2012)
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“Divórcio litigioso. Partilha de bens. Imóvel adquirido/edificado antes do casamento. Pedido de reconhecimento de união estável e partilha. Prova. 1. Não havendo reconvenção, é descabido o exame do pedido de reconhecimento de união estável nos autos da ação de divórcio litigioso. 2. Descabe a partilha de bem imóvel pertencente a terceiro estranho a lide. 3. Sendo o casamento regido pelo regime da comunhão parcial de bens, não há que se falar em partilha de bens adquiridos anteriormente ao casamento, ao menos na ação de divórcio, que trata da dissolução da sociedade conjugal decorrente do casamento. Recurso desprovido.” (TJRS – AC 70044888782 – 7ª C.Cív. – Rel. Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves – J. 28.03.2012)
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Jurisprudência Comentada
Limites do Poder de Direção do Empregador ILSE MARCELINA BERNARDI LORA
Juíza do Trabalho no Paraná, Professora do Curso de Direito do Centro Sul-Americano de Ensino Superior, Professora da Escola da Magistratura do Paraná, Núcleo de Francisco Beltrão.
EMENTA Poder de direção. Uso de aparelhos audiovisuais em sanitários. Invasão da intimidade do empregado. A legislação brasileira permite que o poder de fiscalização conferido ao empregador, em determinadas circunstâncias, se verifique por meio de aparelhos audiovisuais, como decorrência do avanço tecnológico, desde que o empregado deles tenha ciência. Inadmissível é entender que o conjunto de locais do estabelecimento esteja sob total controle do empregador e autorizar a introdução desses aparelhos, indistintamente, como no banheiro, lugar que é privado por natureza. A utilização de câmera de vídeo nos sanitários gera compensação por dano moral, em face da flagrante violação ao direito à intimidade do empregado, assegurado por preceito constitucional (art. 5º, X) e conceituado como a faculdade concedida às pessoas de se verem protegidas “contra o sentido dos outros, principalmente dos olhos e dos ouvidos”. A vigilância eletrônica poderá ter um futuro promissor, desde que usada de forma humana, combatendo-se os abusos na sua utilização. Instalação de aparelho audiovisual no banheiro caracteriza o que a OIT denomina “química da intrusão”, comportamento repudiado pelo ordenamento jurídico nacional e internacional. (TRT 3ª R. – RO 00117-2004-044-03-00-3 – 2ª T. – Relª Juíza Alice Monteiro de Barros – J. 17.08.2004)
CONSIDERAÇÕES INICIAIS A decisão que ora se comenta trata de matéria de relevância crescente no cotidiano laboral. Integrando o conteúdo da relação de emprego, naturalmente constitui objeto de pretensões deduzidas perante o Juízo Trabalhista, que vem sendo instado a manifestar-se sobre o alcance e também os limites dos poderes assegurados ao empregador na execução do contrato de trabalho. Com efeito, são frequentes os pedidos de indenização por dano moral, deduzidos em ações trabalhistas, em decorrência de excessos praticados pelo empregador no exercício do poder de fiscalização. O avanço da tecnologia põe ao alcance do empregador aparelhos sofisticados, notadamente audiovisuais, que lhe permitem acompanhar a rotina de seus empregados no interior do estabelecimento. Para justificar o emprego de tais recursos, o empresário, como regra geral, invoca a necessidade de fiscalizar a conduta do trabalhador e o cumprimento diligente das atribuições que lhe são conferidas, a par de estimular a produtividade, essencial para a subsistência do empreendimento no competitivo mundo globalizado. Todavia, a utilização, pelo empregador, de tais instrumentos de fiscalização muitas vezes causa constrangimentos aos trabalhadores, violando seu direito à intimidade. A matéria suscita, portanto, relevante discussão sobre o alcance do poder diretivo do empregador, expressamente assegurado no art. 2º da Consolidação das Leis do Trabalho, a que se contrapõe o direito do trabalhador de ter resguardada sua esfera privada.
A CLT, em seu art. 2º, considera empregador “a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços” (grifos acrescidos). A indigitada norma assegura ao empregador os poderes de direção e comando, de regulamentação e de fiscalização, a par de autorizar-lhe a aplicação de sanções disciplinares aos trabalhadores a seu serviço. Derivam do contrato de trabalho e representam seu principal e mais importante efeito. A doutrina contemporânea rechaça o emprego do termo “poder hierárquico”, de larga utilização no passado para expressar todos os poderes enfeixados nas mãos do empregador, em razão de seu cunho autoritário. No exercício dos poderes antes enumerados, a norma faculta ao empregador utilizar as forças dos trabalhadores a seu serviço segundo os fins e interesses do empreendimento. Ao empregado, em contrapartida, incumbe deixar-se dirigir, acatando ordens e determinações que lhe são dadas no curso da relação jurídico-laboral, em face de seu estado de subordinação. Pode também o tomador do serviço fiscalizar o exercício das atividades e, havendo inadimplemento de obrigação contratual, aplicar as sanções disciplinares. Portanto, ao mesmo tempo em que a lei determinou que o empregador suporte os riscos do empreendimento, sem a possibilidade de transferi-los ao empregado (CLT, art. 2º, caput), atribuiu-lhe a faculdade de dirigir a força de trabalho, segundo seus desígnios. Todavia, os poderes conferidos ao empregador não são ilimitados e absolutos. Adverte, a respeito, Maranhão: Mas a subordinação do empregado é jurídica, porque resulta de um contrato: nele encontra seu fundamento e seus limites. O conteúdo desse elemento caracterizador do contrato de trabalho não pode assimilar-se ao sentido predominante na Idade Média: o empregado não é “servo” e o empregador não é “senhor”. Há de partir-se do pressuposto da
liberdade individual e da dignidade da pessoa do trabalhador. [...] Tem razão, portanto, Sanseverino, quando frisa que a subordinação própria do contrato de trabalho não sujeita ao empregador toda a pessoa do empregado, sendo, como é, limitada ao âmbito da execução do trabalho contratado. A subordinação não cria um status subjectionis; é, apenas, uma situação jurídica.1
O empregador contrata a força de trabalho, podendo dirigi-la conforme seus propósitos. Entretanto, o pacto laboral não determina ao tomador do serviço ingerência absoluta e total sobre a pessoa do trabalhador. Os poderes de direção alcançam apenas a atividade contratada, nos limites do ajuste, atuando sobre a maneira como é realizado o labor, resguardados os direitos da personalidade do empregado, com destaque especial para o direito à privacidade.
2 O PODER FISCALIZATÓRIO Também chamado poder de controle, alcança medidas destinadas ao acompanhamento da prestação de trabalho e vigilância do andamento das atividades. Inserem-se, nesse contexto, as chamadas revistas, a instalação de aparelhos audiovisuais, o controle de horário e frequência, a aferição da produtividade, entre outras correlatas. Na legislação infraconstitucional existe único preceito expresso limitador do poder fiscalizatório. Trata-se do art. 373-A, VI, introduzido pela Lei nº 9.799, de 26.05.1999, e que veda “proceder o empregador ou preposto a revistas íntimas nas empregadas ou funcionárias”. Não obstante a carência de normas, tanto na CLT como na legislação esparsa, acerca dos limites do poder fiscalizatório conferido ao empregador, a lógica sinaliza que não pode ele ser exercido 1 SÜSSEKIND, Arnaldo et al. Instituições de direito do trabalho. 19. ed. São Paulo: LTr, 2000. p. 248.
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1 OS PODERES DO EMPREGADOR
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de forma ilimitada e absoluta, sob pena de afronta a direitos fundamentais e inalienáveis do trabalhador. Foi justamente este limite que orientou a decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, retratada na ementa supratranscrita. Defende-se, a propósito, a desnecessidade de normas específicas, insertas em legislação infraconstitucional, para impor limites ao poder fiscalizatório, pois que o sistema aberto, neste particular aspecto, é aquele que melhor permite o acompanhamento do dinamismo próprio das relações capital-trabalho no mundo contemporâneo.
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Com efeito, para demarcar a fronteira entre o exercício regular do direito e o excesso existem à disposição do hermeneuta princípios e regras impositivas insculpidas na norma constitucional, suficientes para o deslinde tanto de questões atuais como de controvérsias futuras que certamente surgirão em razão do vertiginoso desenvolvimento tecnológico próprio da atualidade. A força normativa da Constituição Federal é hoje aceita, nos meios jurídicos, de forma ampla, reconhecendo-se inclusive a aplicação direta de seus princípios na legislação ordinária. Colaciona-se, a propósito da matéria, o ensinamento de Delgado:
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Nesse quadro, é inquestionável que a Carta Constitucional de 1988 rejeitou condutas fiscalizatórias e de controle da prestação de serviços que agridam a liberdade e dignidade básicas da pessoa física do trabalhador. Tais condutas chocam-se, frontalmente, com o universo normativo e de princípios abraçado pela Constituição vigorante. É que a Constituição pretendeu instituir um “Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social [...]” (Preâmbulo da CF/1988, grifos acrescidos). A dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, constituída em Estado Democrático de Direito (art. 1º, III, CF/1988), que tem por alguns de seus objetivos fundamentais “construir uma sociedade justa e solidária”, além de “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (art. 3º, I e IV, CF/1988).2 2 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo:
O princípio da dignidade da pessoa humana tem orientado o exame da questão ora em análise e outras similares, pois que permite identificar e assegurar espaço de integridade moral a todos os seres humanos em razão tão somente de sua existência. É com base nesse princípio que decisões judiciais têm determinado, por exemplo, o fornecimento compulsório pelo Poder Público de medicamentos a carentes e a nulidade de cláusula contratual limitadora do tempo de internação hospitalar. O preceito representa, portanto, instrumento valioso para estabelecer freios ao poder fiscalizatório do empregador, não permitindo medidas que afrontem a dignidade da pessoa do trabalhador. Por outro lado, o art. 5º, X, da Constituição Federal, mencionado na ementa objeto dos presentes comentários, determina que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. O dispositivo consagra o direito da pessoa de resguardar sua esfera íntima, seu plano afetivo e interno, preferências, hábitos, necessidades, conflitos familiares, fraquezas, entre outros. Não é lícito, portanto, ao empregador, ainda que lhe seja facultado o exercício do poder fiscalizatório, instalar dispositivo audiovisual no banheiro utilizado pelos empregados, pois que tanto representa manifesto excesso, coibido pela norma antes mencionada. Não há razão, nem lógica nem jurídica, para que assim proceda, invadindo, sem qualquer motivação razoável, espaço cuja privacidade é assegurada a todas as pessoas. O mesmo princípio constitucional pode ser manejado para evitar a instalação de câmeras de vídeo em vestiários ou para coibir revistas íntimas de trabalhadores, ainda que feitas por pessoas do mesmo sexo. Não bastassem os dispositivos antes enumerados, outro instrumento apto a orientar o trabalho de delimitação entre o exercício LTr, 2002. p. 614.
Em outros casos, o princípio da razoabilidade atua como obstáculo, como limite, como freio de certas faculdades cuja amplitude pode prestar-se à arbitrariedade. A própria índole da relação trabalhista que coloca uma pessoa debaixo da subordinação de outra pessoa durante um certo tempo, para que, enquanto ela transcorra, seja ela quem indique as tarefas e determine a forma em que se deve atuar, obriga a certos limites elásticos e multiformes, que mantenham esse poder de direção dentro dos limites adequados. Há uma dupla base para isso. De um lado, o transcurso do contrato, que, por ser de trato sucessivo, supõe uma duração no tempo. Na maioria das vezes, de dimensão muito ampla. Por outro, a circunstância de que os contratos de trabalho pressupõem formas de colaboração pessoal em uma empresa que deve perseguir seus próprios objetivos econômicos e que, por conseguinte, deve ter um poder de direção para alcançar seus objetivos. Ambas as características impedem uma regulamentação completa e absoluta da atividade da empresa. Pelo contrário, requer-se uma certa flexibilidade, uma certa amplitude, uma certa discricionariedade para atuar. Mas isto não pode permitir nem justificar a arbitrariedade. As faculdades patronais não são concedidas para a arbitrariedade nem para que se cometam injustiças ou discriminações pessoais. O poder diretivo da empresa se legitima, na medida em que cada empresa deve ser conduzida e orientada, com um sentido de unidade, para a obtenção de seu fim econômico, que é o que justificou sua existência. Mas não pode servir para vinganças nem perseguições pessoais, nem para a atuação caprichosa ou irracional.3 (grifos acrescidos)
As distorções verificadas no exercício do poder fiscalizatório, ensejadoras de ofensa aos direitos da personalidade, facultam ao empregado postular perante o judiciário trabalhista, compe3 RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 1993. p. 258.
tente para apreciar a matéria, em face do disposto no art. 114, caput, da CLT, a reparação por dano moral, expressamente assegurada pelo art. 5º, X, da Constituição Federal e pelo art. 186 do Código Civil.
CONCLUSÃO A matéria objeto da ementa transcrita no preâmbulo tem sido, na atualidade, alvo de debate frequente no Judiciário trabalhista. Os avanços tecnológicos têm colocado à disposição do empregador instrumentos audiovisuais que lhe permitem acompanhar, de forma minudente, o andamento das atividades no espaço interno do estabelecimento. Os trabalhadores, contudo, denunciam excessos na prática, causadores de constrangimentos. Embora legítimo ao empregador exercer o poder de direção – de que é desdobramento o poder fiscalizatório –, na medida em que se trata de faculdade expressamente autorizada pela legislação trabalhista, há limites a serem observados, definidos no necessário respeito aos direitos da personalidade dos trabalhadores. Ainda que exista, na legislação infraconstitucional, único preceito expresso limitador do poder fiscalizatório (CLT, art. 373-A, VI), os parâmetros para demarcar a fronteira entre o exercício regular do direito e o excesso podem ser obtidos a partir do exame de princípios e regras impositivas insculpidas na norma constitucional, suficientes para solucionar tanto questões atuais como futuras, decorrentes do incessante aperfeiçoamento dos recursos tecnológicos. Eventual abuso praticado pelo empregador no uso do poder fiscalizatório pode ensejar reparação por dano moral, tal como reconhecido pelo Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região na decisão objeto dos presentes comentários.
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do direito e a salvaguarda da liberdade e da dignidade do empregado é encontrado no princípio da razoabilidade (também chamado da racionalidade), norteador do Direito do Trabalho. Ensina, sobre o tema, Rodriguez:
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Patrimônio Genético. Diversidade Biológica Previdência Social. Alteração na Legislação
2 .156-5, DE 24.08.2001
Agência de Desenvolvimento do Nordeste – Adene
2.187-13, DE 24.08.2001
2.157-5, DE 24.08.2001
Agência de Desenvolvimento da Amazônia – ADA
2.189-49, DE 23.08.2001
IR. Alteração na Legislação
2.158-35, DE 24.08.2001
Cofins, PIS/Pasep e IR. Alteração na Legislação
2.190-34, DE 23.08.2001
Vigilância Sanitária. Alteração da Lei nº 9.782/1999
2.159-70, DE 24.08.2001
IR. Alteração na Legislação
2.192-70, DE 24.08.2001
Proes. Bancos Estaduais
2.161-35, DE 23.08.2001
Programa Nacional de Desestatização. Alteração da Lei nº 9.491/1997
2.196-3, DE 24.08.2001
Instituições Financeiras Federais. Recuperação. Empresa Gestora de Ativos – Emgea
2.162-72, DE 23.08.2001
Notas do Tesouro Nacional – NTN
2.197-43, DE 24.08.2001
SFH. Disposições
2.163-41, DE 23.08.2001
Meio Ambiente. Alteração da Lei nº 9.605/1998
2.198-5, DE 24.08.2001
Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica
2.164-41, DE 24.08.2001
Alteração da CLT. Trabalho a Tempo Parcial e PAT
2.199-14, DE 24.08.2001
IR. Incentivos Fiscais
2.165-36, DE 23.08.2001
Servidor Público e Militar. Auxílio-Transporte
2.200-2, DE 24.08.2001
Infraestrutura de Chaves Públicas. ICP-Brasil
2.166-67, DE 24.08.2001
Código Florestal. Alteração da Lei nº 4.771/1965
2.206-1, DE 06.09.2001
Programa Nacional de Renda Mínima
2.167-53, DE 23.08.2001
Recebimento de Valores Mobiliários pela União
2.208, DE 17.08.2001
Estudante Menor de 18 Anos. Comprovação
2.168-40, DE 24.08.2001
Cooperativas. Recoop. Sescoop
2.209, DE 29.08.2001
Comercializadora Brasileira de Energia Elétrica – CBEE
2.169-43, DE 24.08.2001
Servidor Público. Vantagem de 28,86%
2.210, DE 29.08.2001
Orçamento. Crédito Extraordinário
2.170-36, DE 23.08.2001
Tesouro Nacional. Administração de Recursos
2.211, DE 29.08.2001
Orçamento 2001 e 2002. Diretrizes
2.172-32, DE 23.08.2001
Usura. Agiotagem
2.213-1, DE 30.08.2001
Programa Bolsa-Renda. Estiagem
2.173-24, DE 23.08.2001
Anuidades Escolares
2.214, DE 31.08.2001
Administração Pública Federal. Recursos
2.174-28, DE 24.08.2001
União. Programa de Desligamento Voluntário – PDV
2.215-10, DE 31.08.2001
Militares das Forças Armadas. Reestruturação da Remuneração
2.177-44, DE 24.08.2001
Planos de Saúde. Alteração da Lei nº 9.656/1998
2.220, DE 04.09.2001
Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano – CNDU
2.178-36, DE 24.08.2001
Programa Nacional de Alimentação Escolar. Dinheiro Direto na Escola
2.224, DE 04.09.2001
Capitais Brasileiros no Exterior
2.179-36, DE 24.08.2001
União e Banco Central. Relações Financeiras
2.225-45, DE 04.09.2001
Servidor Público. Tráfico de Entorpecentes. Alteração das Leis nºs 6.368/1976 e 8.112/1990 Alteração da CLT
2.180-35, DE 24.08.2001
Advocacia-Geral da União. Alteração na Legislação
2.226, DE 04.09.2001
2.181-45, DE 24.08.2001
Operações Financeiras do Tesouro Nacional
2.227, DE 04.09.2001
Plano Real. Correção Monetária. Exceção
2.183-56, DE 24.08.2001
Reforma Agrária. Alteração na Legislação
2.228-1, DE 06.09.2001
2.184-23, DE 24.08.2001
Carreira Policial. Gratificação
Cultura. Política Nacional do Cinema – Ancine. Prodecine. Funcines
2.185-35, DE 24.08.2001
Dívida Pública Mobiliária. Consolidação. Assunção. Refinanciamento
2.229-43, DE 06.09.2001
Policiais Civis da União e DF. Alteração na legislação
Normas do Juris SÍNTESE atingidas pelas Medidas Provisórias em vigor (até 31.08.2014) Nota: Prezado assinante, todas as normas selecionadas, inclusive as medidas provisórias, podem ser consultadas em nosso endereço eletrônico www.sintese.com.
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MP 646 647 647 648 648 649 650 650 650
DOU 27.05.2014 29.05.2014 29.05.2014 04.06.2014 04.06.2014 06.06.2014 01.07.2014 01.07.2014 01.07.2014
ART 1º 4º 6º 2º 4º 1º 2º 3º 4º
NORMA LEGAL Lei nº 9.503/97 Lei nº 9.478/97 Lei nº 11.097/05 Lei nº 4.117/62 Lei nº 4.117/62 Lei nº 12.741/12 Lei nº 9.266/96 Lei nº 11.358/06 Lei nº 10.550/02
ALTERAÇÃO 115 e 144 2º 2º 38 38 5º 2º Anexo II Anexo III
MP 650 650 651 651 651 651 651 651 651
DOU 01.07.2014 01.07.2014 10.07.2014 10.07.2014 10.07.2014 10.07.2014 10.07.2014 10.07.2014 10.07.2014
ART 7º 7º 5º 20 30 31 32 34 41
NORMA LEGAL DL 2.320/87 Lei nº 9.266/96 Lei nº 10.179/01 Lei nº 12.431/11 Lei nº 9.718/98 Lei nº 10.637/02 Lei nº 10.833/03 Lei nº 12.996/14 Lei nº 12.546/11
ALTERAÇÃO 1º, 3º, 4º e 7º Anexos I e II 1º, 3º e 3º-A 2º 3º e 8º-B 8º 10 2º 7º, 8º e 9º
DOU 10.07.2014 10.07.2014 10.07.2014 10.07.2014 10.07.2014 10.07.2014 11.08.2014 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 27.08.2001
ART 44 45 46 47 51 51 1º 32 32 32 32 32 2º e 93 3º e 93 10 e 93 19 e 93 34 e 75 64 69 70 72 73 73 e 93 75 82 93 93 93 93 93 93 1º e 6º 6º 1º 7º e 8º
NORMA LEGAL Lei nº 9.430/96 Lei nº 11.977/09 Lei nº 12.409/11 Lei nº 5.895/73 Lei nº 10.179/01 Lei nº 10.522/02 Lei º 13.021/14 DL 1.376/74 DL 2.397/87 Lei nº 8.034/90 Lei nº 9.532/97 DL 1.376/74 Lei nº 9.718/98 Lei nº 9.701/98 Lei nº 9.779/99 Lei nº 9.715/98 Lei nº 9.532/97 D nº 70.235/72 DL 1.455/76 Lei nº 9.430/96 Lei nº 8.218/91 Lei nº 9.317/96 Lei nº 9.317/96 Lei nº 9.532/97 Lei nº 8.981/95 Lei nº 9.432/97 LC 70/91 LC 85/96 Lei nº 7.714/88 Lei nº 9.004/95 Lei nº 9.493/97 Lei nº 9.491/97 Lei nº 9.094/95 Lei nº 9.605/98 Lei nº 7.998/90
2.164-41
27.08.2001
1º e 2º
CLT
2.164-41 2.164-41 2.164-41 2.164-41 2.164-41 2.164-41 2.165-36 2.165-36 2.166-67
27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 25.08.2001-extra
3º 4º 5º 6º 9º 10 13 13 1º
Lei nº 4.923/65 Lei nº 5.889/73 Lei nº 6.321/76 Lei nº 6.494/77 Lei nº 8.036/90 Lei nº 9.601/98 Lei nº 7.418/85 Lei nº 8.627/93 Lei nº 4.771/65
2.166-67 2.167-53 2.168-40 2.168-40 2.168-40 2.170-36 2.172-32 2.173-24 2.177-44
25.08.2001 24.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 27.08.2001
3º 2º e 3º 13 14 18 8º 7º 1º e 2º 1º e 8º
Lei nº 9.393/96 Lei nº 9.619/98 Lei nº 5.764/71 Lei nº 9.138/95 Lei nº 10.186/01 Lei nº 8.212/91 Lei nº 1.521/51 Lei nº 9.870/99 Lei nº 9.656/98
ALTERAÇÃO 64 4º, 11, 29 e 30 10 2º 1º 20 6º 1º e 11 12 1º 2º 1º 3º e 8º 1º 14 e 17 2º e 4º 1º e 64-A 1º, 25 e 64-A 1º, 9º, 10, 16, 18, 19 e 64-A 63 11 e 12 1º e 64-A 9º e 15 1º, 15 e 64-A 29 11 6º e 7º Revogada 5º Revogada 7º 2º, 4º, 5º, 6º e 30 2º 79-A 2º, 2º-A, 2º-B, 3º-A, 7º-A, 8º-A, 8º-B e 8º-C 58-A, 59, 130-A, 143, 476-A, 627-A, 643 e 652 1º 18 2º 1º 19-A, 20, 29-C e 29-D 2º 1º 6º 1º, 3º-A, 4º, 14, 16, 37-A, 44, 44-A, 44-B e 44-C 10 1º e 4º-A 88 2º 7º 60 4º, § 3º 1º e 6º 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 24-A, 24-B, 24-C, 24-D, 25, 26, 27, 28, 29, 29-A, 30, 31, 32, 34, 35, 35-A, 35-B, 35-C, 35-D, 35-E, 35-F, 35-G, 35-H e 35-I
MP 2.178-36 2.178-36 2.180-35
DOU 25.08.2001-extra 25.08.2001-extra 27.08.2001
ART 16 32 1º
NORMA LEGAL Lei nº 9.533/97 Lei nº 8.913/97 Lei nº 8.437/92
ALTERAÇÃO 4º Revogada 1º e 4º
2.180-35
27.08.2001
4º
Lei nº 9.494/97
2.180-35 2.180-35 2.180-35 2.180-35 2.180-35 2.180-35 2.181-45 2.181-45 2.181-45 2.183-56 2.183-56 2.183-56 2.187-13 2.187-13 2.187-13 2.187-13 2.187-13 2.189-49 2.189-49 2.189-49 2.189-49 2.190-34 2.192-70 2.196-3 2.196-3 2.197-43 2.197-43 2.197-43 2.199-14 2.211 2.211 2.214 2.215-10 2.215-10
27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 25.08.2001-extra 25.08.2001 25.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 30.08.2001 30.08.2001 01.09.2001-extra 01.09.2001 01.09.2001
6º 7º 8º 10 14 21 45 46 52 1º 3º 4º 2º 3º e 16 4º e 16 7º 16 10 11 13 14 7º e 8º 23 12 14 3º e 8º 4º e 8º 5º 18 1º 2º 1º 41 41
Lei nº 7.347/85 Lei nº 8.429/92 Lei nº 9.704/98 CPC Lei nº 4.348/64 Lei nº 10.257/01 Lei nº 8.177/91 Lei nº 9.365/96 Lei nº 10.150/00 DL 3.365/41 Lei nº 8.177/91 Lei nº 8.629/93 Lei nº 6.015/73 Lei nº 8.212/91 Lei nº 8.213/91 Lei nº 9.639/98 Lei nº 9.711/98 Lei nº 9.532/97 Lei nº 9.250/95 Lei nº 9.430/96 Lei nº 9.317/96 Lei nº 9.294/96 Lei nº 9.496/97 Lei nº 8.036/90 Lei nº 7.827/89 Lei nº 8.692/93 Lei nº 4.380/64 Lei nº 8.036/90 Lei nº 9.532/97 Lei nº 9.995/00 Lei nº 10.266/01 Lei nº 10.261/01 Lei nº 8.448/92 Lei nº 8.460/92
2.217-3
05.09.2001
1º
Lei nº 10.233/01
2.220 2.224 2.225-45 2.225-45
05.09.2001-extra 05.09.2001 05.09.2001 05.09.2001
15 4º 1º 2º, 3º e 15
Lei nº 6.015/73 Lei nº 4.131/62 Lei nº 6.368/76 Lei nº 8.112/90
2.225-45 2.225-45 2.226 2.226 2.228-1 2.228-1
05.09.2001 05.09.2001 05.09.2001 05.09.2001 05.09.2001 05.09.2001
4º 5º 1º 3º 51 52 e 53
Lei nº 8.429/92 Lei nº 9.525/97 CLT Lei nº 9.469/97 Lei nº 8.685/93 Lei nº 8.313/91
2.229-43 2.229-43
10.09.2001 10.09.2001
72 74
Lei nº 9.986/00 Lei nº 8.745/93
1º-A, 1º-B (CPC e CLT), 1º-C, 1º-D, 1ºE, 1º-F, 2º-A e 2º-B 1º e 2º 17 1º 741 4º 53 18 6º 1º 10, 15-A, 15-B e 27 5º 2º, 2º-A, 5º, 6º, 7º, 11, 12, 17, 18 e 26-A 80 38, 55, 56, 68, 101 e 102 41, 95, 96, 134, 144, 145, 146 e 147 1º, 2º e 5º 7º, 8º, 9º, 12, 13, 14, 15, 16 e 17 6º, II, 34 e 82, II, f 10 e 25 79 9º 2º, 3º e 7º 1º, 3º, 6º, 7º-A e 7º-B 9º 9º-A 23 e 25 9º, 14 e 18 9º, 20, 23, 29-A e 29-B 4º 35 e 70 18, 34, 38 e 51 1º 6º 2º, 20, 25, 26 e 27, 5º, 7º-A, 13, 14, 14-A, 23, 24, 27, 28, 30, 32, 34-A, 38, 44, 51-A e 61-A 74, 77, 78-A, 78-B, 78-C, 78-D, 78-E, 78-F, 78-G, 78-H, 78-I 78-J, 82, 83, 84, 85-A, 85-B, 85-C, 85-D, 86, 88, 89, 100, 102-A, 103-A, 103-B, 103-C, 103-D, 113-A, 114-A, 15, 116-A, 118 e 119 167, I 6º 3º 25, 26, 46, 47, 61, 62-A, 67, 91, 117 e 119 17 2º 896-A 6º 5º 3º, II, a (a partir de 01.01.2007), e 18, § 3º 22 4º
Setembro/2014 – Ed. 210
MP 651 651 651 651 651 651 653 2.156-5 2.156-5 2.156-5 2.156-5 2.157-5 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.161-35 2.162-72 2.163-41 2.164-41
86
Normas Legais
Lei nº 13.024, de 26.08.2014
Institui a gratificação por exercício cumulativo de ofícios dos membros do Ministério Público da União e dá outras providências. (DOU 27.08.2014)
Mensagem de veto
Lei nº 13.023, de 08.08.2014
Altera as Leis nºs 8.248, de 23 de outubro de 1991, e 8.387, de 30 de dezembro de 1991, e revoga dispositivo da Lei nº 10.176, de 11 de janeiro de 2001, para dispor sobre a prorrogação de prazo dos benefícios fiscais para a capacitação do setor de tecnologia da informação. (DOU 11.08.2014 – Edição extra)
Lei nº 13.022, de 08.08.2014
Dispõe sobre o Estatuto Geral das Guardas Municipais. (DOU 11.08.2014 – Edição extra)
Lei nº 13.021, de 08.08.2014
Dispõe sobre o exercício e a fiscalização das atividades farmacêuticas. Mensagem de veto (DOU 11.08.2014 – Edição extra)
Lei nº 13.020, de 06.08.2014
Cria, em caráter temporário, as Funções Comissionadas de Grandes Eventos – FCGE e extingue Funções Comissionadas Técnicas – FCT. (DOU 07.08.2014)
Medidas Provisórias Medida Provisória nº 655, de 25.08.2014 Abre crédito extraordinário, em favor de Operações Oficiais de Crédito, no valor de R$ 5.400.000.000,00, para o fim que especifica. (DOU 26.08.2014)
Medida Provisória nº 654, de 12.08.2014 Abre crédito extraordinário, em favor de diversos órgãos do Poder Executivo, no valor de R$ 1.304.652.399,00, para os fins que especifica. (DOU 13.08.2014)
Medida Provisória nº 653, de 08.08.2014 Altera a Lei nº 13.021, de 8 de agosto de 2014, que dispõe sobre o exercício e a fiscalização das atividades farmacêuticas. (DOU 11.08.2014)
Indicadores I – Índices de Atualização dos Débitos Trabalhistas (Vigência: Setembro/2014 – Atualização: Agosto/2014)
1 – Índice de Atualização Monetária até 31 de agosto de 2014 – Decreto-Lei nº 2.322/1987 combinado com a Lei nº 7.738/1989 (incluindo a Lei nº 8.177/1991 – TR – a partir de fev. 1991) – TR prefixada de 1º setembro/2014 a 1º outubro/2014 (Banco Central) = 0,08730% 1991
1992
1993
1994
1995
1996
2003
2004
2005
2006
2007
2008
JAN
Mês/Ano
0,014996825
0,002864439
0,000228020
0,008856037
2,316967945
1,760311146
JAN
1,195852499
1,142731103
1,122322585
1,091397551
1,069601921
1,054363096
FEV
0,012475126
0,002282785
0,000179883
0,006261338
2,269283491
1,738534266
FEV
1,190047448
1,141270277
1,120216578
1,088864851
1,067265677
1,053299264
MAR
0,011658997
0,001817359
0,000142313
0,004476861
2,227996488
1,721960397
MAR
1,185169291
1,140747815
1,119139965
1,088075996
1,066496732
1,053043374
ABR
0,010745619
0,001462428
0,000113117
0,003156053
2,177908939
1,708058509
ABR
1,180703869
1,138723165
1,116198781
1,085825081
1,064499731
1,052612855
MAIO
0,009864701
0,001207820
0,000088221
0,002162125
2,104937085
1,696864295
MAIO
1,175784387
1,137728790
1,113967504
1,084897494
1,063147407
1,051608569
JUN
0,009051015
0,001008113
0,000068559
0,001476458
2,038737248
1,686931642
JUN
1,170342295
1,135972576
1,111159604
1,082853067
1,061354779
1,050835155
JUL
0,008273323
0,000832807
0,000052705
2,764424639
1,981543945
1,676705416
JUL
1,165486877
1,133975645
1,107843827
1,080759636
1,060343212
1,049632276
AGO
0,007517785
0,000673302
0,040427156
2,632129795
1,924006529
1,666952079
AGO
1,159152111
1,131766437
1,104998456
1,078870533
1,058787852
1,047627118
SET
0,006715306
0,000546422
0,030318851
2,577204414
1,875167785
1,656557183
SET
1,154490279
1,129501786
1,101181760
1,076248791
1,057237942
1,045980744
OUT
0,005750391
0,000435813
0,022521803
2,515840548
1,839494468
1,645662894
OUT
1,150619595
1,127553374
1,098285581
1,074614303
1,056865925
1,043924213
NOV
0,004801194
0,000348455
0,016495864
2,453159860
1,809564275
1,633543634
NOV
1,146934494
1,126305428
1,095984015
1,072603172
1,055660361
1,041314679
DEZ
0,003678512
0,000282631
0,012115059
2,383536751
1,783899316
1,620344309
DEZ
1,144901150
1,125016159
1,093873932
1,071229855
1,055037888
1,039632553
Mês/Ano
Mês/Ano
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2009
2010
2011
2012
2013
2014
JAN
1,606341828
1,463170738
1,357378578
1,283821198
1,257460923
1,229366749
Mês/Ano JAN
1,037403174
1,030099706
1,023053408
1,010843354
1,007923308
1,006001612
FEV
1,594478905
1,446594215
1,350406429
1,281068182
1,255741812
1,226189691
FEV
1,035497858
1,030099706
1,022322448
1,009970740
1,007923308
1,004870128
MAR
1,583999133
1,440169618
1,339292976
1,278092782
1,255279869
1,224755503
MAR
1,035031059
1,030099706
1,021787031
1,009970740
1,007923308
1,004330803
ABR
1,574057419
1,427330778
1,323917004
1,275233708
1,253119491
1,222606161
ABR
1,033544821
1,029284513
1,020550125
1,008893242
1,007923308
1,004063722
MAIO
1,564341296
1,420625426
1,315900538
1,273576785
1,251185159
1,219731255
MAIO
1,033075805
1,029284513
1,020173680
1,008664275
1,007923308
1,003603068
JUN
1,554464230
1,414200712
1,308363058
1,270410921
1,248903412
1,217172757
JUN
1,032612162
1,028759845
1,018574518
1,008192441
1,007923308
1,002997258
JUL
1,544371760
1,407286712
1,304309265
1,267698047
1,247085162
1,215250232
JUL
1,031935213
1,028154263
1,017441089
1,008192441
1,007923308
1,002531081
AGO
1,534276223
1,399584797
1,300494914
1,265739947
1,244048440
1,212031077
AGO
1,030851787
1,026972218
1,016192189
1,008047282
1,007712696
1,001475526
SET
1,524716252
1,394357351
1,296676202
1,263182004
1,239788527
1,209031470
SET
1,030648749
1,026039548
1,014086944
1,007923308
1,007712696
1,000873000
OUT
1,514908733
1,388094270
1,293165258
1,261872180
1,237774667
1,206672425
OUT
1,030648749
1,025319773
1,013070834
1,007923308
1,007633093
1,000000000
NOV
1,505046165
1,375860122
1,290242858
1,260213739
1,234179502
1,203341576
NOV
1,030648749
1,024836051
1,012443120
1,007923308
1,006706922
DEZ
1,482316327
1,367469330
1,287670093
1,258707067
1,231804583
1,200168331
DEZ
1,030648749
1,024491821
1,011790515
1,007923308
1,006498577
OBS.: Foram consideradas as divisões por 1.000 ocorridas em março/1986, janeiro/1989, agosto/1993, e por 2.750 ocorridas em julho/1994.
* NOTA DO TRT DA 2ª REGIÃO SOBRE O ÍNDICE DE ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA
A atualização de débitos trabalhistas é definida no art. 39 da Lei nº 8.177/1991, que não sofreu alteração com a Lei nº 12.703/2012: tal lei modificou os parâmetros para cálculo dos rendimentos da caderneta de poupança, mas não alterou a TR, índice-base para atualização monetária. A TR tem sido calculada com valor “zero” desde setembro de 2012, o que não é nenhuma discrepância, dados os valores mais baixos da Taxa Selic. Observamos que, nas poupanças “novas” (abertas após a Lei nº 12.703/2012), o rendimento tem sido inferior a 0,5%, o que significaria, matematicamente, TR negativa (por isso a TR fica “zerada” nas tabelas de atualização). Lembramos, ainda, que a TR vem apresentando valor mensal muito baixo há muitos anos: o que, efetivamente, garante a preservação do valor dos débitos trabalhistas é a taxa de juros, que, ultimamente, tem sido superior à Selic – daí a TR “negativa” das poupanças novas. A alteração da TR como índice de atualização oficial das tabelas só poderá ser efetuada se houver mudança da legislação, já que a tabela é unificada nacionalmente. Até o fechamento desta edição, a tabela não foi divulgada pelo Tribunal.
2 – Juros de mora (incidentes a partir da propositura da ação e aplicados sobre o principal corrigido): • Até 28.02.1987 – Juros simples – 0,5% ao mês; • De 01.03.1987 até 31.01.1991 – Juros capitalizados mensalmente – 1% ao mês; • De 01.02.1991 em diante – Juros simples – 1% ao mês.
Fórmula para cálculo da taxa efetiva (T) dos juros capitalizados: T = (1,01)n – 1, onde “n” é igual ao número de dias decorridos desde a data da propositura da ação, contidos no período compreendido entre 01.03.1987 e 31.01.1991, dividido por 30.
Juros Capitalizados Mensalmente Nº Meses 01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15 16
% Efetivo 1,0000 2,0100 3,0301 4,0604 5,1010 6,1520 7,2135 8,2856 9,3685 10,4622 11,5668 12,6825 13,8093 14,9474 16,0968 17,2578
Nº Meses 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32
% Efetivo 18,4304 19,6147 20,8108 22,0190 23,2391 24,4715 25,7163 26,9734 28,2431 29,5256 30,8208 32,1290 33,4503 34,7848 36,1327 37,4940
Nº Meses 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 –
% Efetivo 38,8690 40,257+6 41,6602 43,0768 44,5076 45,9527 47,4122 48,8863 50,3752 51,8789 53,3977 54,9317 56,4810 58,0458 59,6263 –
Vigência
Moeda
Valor
Norma Legal
DOU
Moeda
Valor
Norma Legal
DOU
01.10.1989
NCz$
381,73
Decreto nº 98.211/89
02.10.1989
Vigência 01.09.1990
Cr$
6.056,31
Port. 3.588/90
03.09.1990
01.11.1989
NCz$
557,33
Decreto nº 98.346/89
31.10.1989
01.10.1990
Cr$
6.425,14
Port. 3.628/90
01.10.1990
01.12.1989
NCz$
788,18
Decreto nº 98.456/89
01.12.1989
01.11.1990
Cr$
8.329,55
Port. 3.719/90
01.11.1990
01.01.1990
NCz$
1.283,95
Decreto nº 98.783/89
29.12.1989
01.12.1990
Cr$
8.836,82
Port. 3.787/90
03.12.1990
Cr$
12.325,50
Port. 3.828/90
31.12.1990
01.02.1990
NCz$
2.004,37
Decreto nº 98.900/90
01.02.1990
01.01.1991
01.03.1990
NCz$
3.674,06
Decreto nº 98.985/90
01.03.1990
01.02.1991
Cr$
15.895,46
MP 295/91
01.02.1991
01.04.1990
Cr$
3.674,06
Port. 3.143/90
24.04.1990
01.03.1991
Cr$
17.000,00
Lei nº 8.178/91
04.03.1991
Cr$
42.000,00
Lei nº 8.222/91
06.09.1991
01.05.1990
Cr$
3.674,06
Port. 3.352/90
23.05.1990
01.09.1991
01.06.1990
Cr$
3.857,76
Port. 3.387/90
04.06.1990
01.01.1992
Cr$
96.037,33
Port. 42/92
21.01.1992
01.07.1990
Cr$
4.904,76
Port. 3.501/90
16.07.1990
01.05.1992
Cr$
230.000,00
Lei nº 8.419/92
08.05.1992
01.08.1990
Cr$
5.203,46
Port. 429/90
01.08.1990
01.09.1992
Cr$
522.186,94
Port. 601/92
31.08.1992
Setembro/2014 – Ed. 210
II – Evolução do Salário-Mínimo desde 1989
90
Vigência
Moeda
Valor
Norma Legal
DOU
Moeda
Valor
Norma Legal
DOU
01.01.1993
Cr$
1.250.700,00
Lei nº 8.542/92
24.12.1992
Vigência 03.04.2000
R$
151,00
Lei nº 9.971/00
19.05.2000
01.03.1993
Cr$
1.709.400,00
Port. Interm. 4/93
01.03.1993
01.04.2001
R$
180,00
MP 2.142/01 (atual 2.194-6)
30.03.2001
01.05.1993
Cr$
3.303.300,00
Port. Interm. 7/93
04.05.1993
01.04.2002
R$
200,00
Lei nº 10.525/02
28.03.2002
01.07.1993
Cr$
4.639.800,00
Port. Interm. 11/93
01.08.1993
01.04.2003
R$
240,00
Lei nº 10.699/03
10.07.2003
01.08.1993
CR$
5.534,00
Port. Interm. 12/93
03.08.1993
01.05.2004
R$
260,00
Lei nº 10.888/04
25.06.2004
01.09.1993
CR$
9.606,00
Port. Interm. 14/93
02.09.1993
01.05.2005
R$
300,00
Lei nº 11.164/05
19.08.2005
01.10.1993
CR$
12.024,00
Port. Interm. 15/93
04.10.1993
01.04.2006
R$
350,00
MP 288/06
31.03.2006
01.11.1993
CR$
15.021,00
Port. Interm. 17/93
03.11.1993
01.04.2006
R$
350,00
Lei nº 11.321/06
10.07.2006
01.12.1993
CR$
18.760,00
Port. Interm. 19/93
02.12.1993
01.04.2007
R$
380,00
MP 362/07
30.03.2007-extra
01.01.1994
CR$
32.882,00
Port. Interm. 20/93
31.12.1993
01.04.2007
R$
380,00
Lei nº 11.498/07
29.06.2007
01.02.1994
CR$
42.829,00
Port. Interm. 02/94
02.02.1994
01.03.2008
R$
415,00
MP 421/08
29.02.2008-extra
01.03.1994
URV
64,79
Port. Interm. 04/94
03.03.1994
01.02.2009
R$
465,00
MP 456/09
30.01.2009-extra
01.07.1994
R$
64,79
Lei nº 9.069/95
30.06.1994/30.06.1995
01.01.2010
R$
510,00
MP 474/09
24.12.2009
01.09.1994
R$
70,00
Lei nº 9.063/95
01.09.1994/20.06.1995
01.01.2011
R$
540,00
MP 516/10
31.12.2010
01.05.1995
R$
100,00
Lei nº 9.032/95
29.04.1995
01.03.2011
R$
545,00
Lei nº 12.382/11
28.02.2011
01.05.1996
R$
112,00
Lei nº 9.971/00
19.05.2000
01.01.2012
RS
622,00
Decreto nº 7.655/11
26.12.2011
01.05.1997
R$
120,00
Lei nº 9.971/00
19.05.2000
01.01.2013
R$
678.00
Decreto nº 7.872/11
26.12.2012
01.05.1998
R$
130,00
Lei nº 9.971/00
19.05.2000
01.01.2014
R$
724,00
Decreto nº 8.166/2013
24.12.2013
01.05.1999
R$
136,00
Lei nº 9.971/00
19.05.2000
Setembro/2014 – Ed. 210
III – Previdência Social – Valores de Benefícios (Agosto/2014) 1 – Salário-de-benefício mínimo: R$ 678,00 (seiscentos e setenta e oito reais) 2 – Salário-de-benefício máximo: R$ 3.916,20 (três mil, novecentos e dezesseis reais e vinte centavos) 3 – Renda mensal vitalícia: R$ 678,00 (seiscentos e setenta e oito reais) 4 – Auxílio-funeral* 5 – Auxílio-natalidade* 6 – Salário-família:
91
– R$ 31,22 (trinta e um reais e vinte e dois centavos) para o segurado com remuneração mensal não superior R$ 608,80 (seiscentos e oito reais e oitenta e centavos); – R$ 22,00 (vinte e dois reais) para o segurado com remuneração mensal superior a R$ 608,80 (seiscentos e oito reais e oitenta e centavos) e igual ou inferior a R$ 915,05 (nocentos e quinze reais e cinco centavos). 7 – Benefícios a idosos e portadores de deficiência: Valor de um salário-mínimo (Decreto nº 1.744/1995). * Benefícios extintos a partir de jan. 1996 (Lei nº 8.742/1993, art. 40).
8 – Tabela de contribuição (empregado, empregado doméstico e trabalhador avulso) para pagamento de remuneração Salário-de-contribuição (R$)
Alíquota para fins de recolhimento ao INSS (%)
Até R$ 1.317.07
8,00*
De R$ 1.317,08 até 2.195,12
9,00*
De R$ 2.195,13 até 4.390,24
11,00*
9 – Escala de salários-base para os segurados contribuinte individual e facultativo Nota: Escala extinta, conforme o art. 9º da Lei nº 10.666, de 08.05.2003, DOU 09.05.2003, e o art. 39 da Instrução Normativa DC/INSS nº 89, de 11.06.2003, DOU 13.06.2003.
* Alíquota reduzida para salários e remunerações até três salários-mínimos, em razão do disposto no inciso II do art. 17 da Lei nº 9.311, de 24.10.1996, que instituiu a Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e de Direitos de Natureza Financeira – CPMF.
IV – Imposto de Renda na Fonte TABELA PROGRESSIVA MENSAL Alíquota %
Parcela a deduzir do imposto em R$
-
-
De 1.787,78 até 2.679,29
7,5
134,08
De 2.679,30 até 3.572,43
15,0
335,03
De 3.572,44 até 4.463,81
22,5
602,96
Acima de 4.463,81
27,5
826,15
Até 1.787,77
Dedução por dependente
O imposto de renda anual devido, incidente sobre os rendimentos de pessoas físicas, será calculado de acordo com a tabela progressiva anual correspondente à soma das tabelas progressivas mensais vigentes nos meses de cada ano-calendário.
179,71
V – Depósitos Recursais na Justiça do Trabalho Novos valores para Depósitos Recursais na Justiça do Trabalho (Ato nº 372/2014 do TST, DJe de 17.07.2014, vigência a partir de 01.08.2014) Recurso Ordinário
R$ 7.485,83
Recurso de Revista, Embargos, Recurso Extraordinário e Recurso em Ação Rescisória
R$ 14.971,65
Setembro/2014 – Ed. 210
Base de cálculo em R$
TABELA PROGRESSIVA ANUAL
Ação Rescisória – Depósito prévio de 20% do valor da causa, salvo prova de miserabilidade, nos termos do art. 836 da CLT, alterado pela Lei nº 11.495/2007, cujos efeitos começam a fluir a partir do dia 24.09.2007.
92
VI – Indexadores Indexador
Março
Abril
Maio
Junho
Julho
Agosto
INPC IGPM UFIR SELIC
0,82 1,67
0,78 0,82
0,60 (-)0,13
0,26 (-)0,74
0,13 (-)0,61
0,18 (-)0,27
0,95
0,87
Extinta, a partir de outubro de 2000, pela MP 1.973-67, atual Lei nº 10.522, de 19.07.2002, DOU 22.07.2002, art. 29, § 3º.
0,77
0,72
0,87
0,27
Valor de Referência Base Maio/1992 – Cruzeiros 79.297,75 Emissão anterior a Jan./1989 79.297,75
TDA
Valores nominais reajustados – Reais 91,87 Emissão anterior a Jan./1989 157,23
(*) Referente ao primeiro dia de cada mês.
VII – Índices de Atualização dos Débitos Judiciais Tabela editada em face da Jurisprudência ora predominante.
Setembro/2014 – Ed. 210
Mês/Ano
93
JAN FEV MAR ABR MAIO JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ
1991
1992
1.942,726347 11.230,659840 2.329,523162 14.141,646870 2.838,989877 17.603,522023 3.173,706783 21.409,403484 3.332,709492 25.871,123170 3.555,334486 32.209,548346 3.940,377210 38.925,239176 4.418,739003 47.519,931986 5.108,946035 58.154,892764 5.906,963405 72.100,436048 7.152,151290 90.897,019725 9.046,040951 111.703,347540
1993
1994
140.277,063840 3631,929071 180.634,775106 5132,642163 225.414,135854 7214,955088 287.583,354522 10323,157739 369.170,752199 14747,66315 468.034,679637 21049,339606 610.176,811842 11,346741 799,392641 12,036622 1065,910147 12,693821 1445,693932 12,885497 1938,964701 13,125167 2636,991993 13,554359
1995
1996
13,851199 14,082514 14,221930 14,422459 14,699370 15,077143 15,351547 15,729195 15,889632 16,075540 16,300597 16,546736
16,819757 17,065325 17,186488 17,236328 17,396625 17,619301 17,853637 18,067880 18,158219 18,161850 18,230865 18,292849
Mês/Ano JAN FEV MAR ABR MAIO JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ
1997
1998
1999
2000
2001
2002
18,353215 18,501876 18,585134 18,711512 18,823781 18,844487 18,910442 18,944480 18,938796 18,957734 19,012711 19,041230
19,149765 19,312538 19,416825 19,511967 19,599770 19,740888 19,770499 19,715141 19,618536 19,557718 19,579231 19,543988
19,626072 19,753641 20,008462 20,264570 20,359813 20,369992 20,384250 20,535093 20,648036 20,728563 20,927557 21,124276
21,280595 21,410406 21,421111 21,448958 21,468262 21,457527 21,521899 21,821053 22,085087 22,180052 22,215540 22,279965
22,402504 22,575003 22,685620 22,794510 22,985983 23,117003 23,255705 23,513843 23,699602 23,803880 24,027636 24,337592
24,517690 24,780029 24,856847 25,010959 25,181033 25,203695 25,357437 25,649047 25,869628 26,084345 26,493869 27,392011
Mês/Ano JAN FEV MAR ABR MAIO JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ
2003
2004
2005
2006
2007
2008
28,131595 28,826445 29,247311 29,647999 30,057141 30,354706 30,336493 30,348627 30,403254 30,652560 30,772104 30,885960
31,052744 31,310481 31,432591 31,611756 31,741364 31,868329 32,027670 32,261471 32,422778 32,477896 32,533108 32,676253
32,957268 33,145124 33,290962 33,533986 33,839145 34,076019 34,038535 34,048746 34,048746 34,099819 34,297597 34,482804
34,620735 34,752293 34,832223 34,926270 34,968181 35,013639 34,989129 35,027617 35,020611 35,076643 35,227472 35,375427
35,594754 35,769168 35,919398 36,077443 36,171244 36,265289 36,377711 36,494119 36,709434 36,801207 36,911610 37,070329
37,429911 37,688177 37,869080 38,062212 38,305810 38,673545 39,025474 39,251821 39,334249 39,393250 39,590216 39,740658
Mês/Ano JAN FEV MAR ABR MAIO JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ
2009
2010
2011
2012
2013
2014
39,855905 40,110982 40,235326 40,315796 40,537532 40,780757 40,952036 41,046225 41,079061 41,144787 41,243534 41,396135
41,495485 41,860645 42,153669 42,452960 42,762866 42,946746 42,899504 42,869474 42,839465 43,070798 43,467049 43,914759
44,178247 44,593522 44,834327 45,130233 45,455170 45,714264 45,814835 45,814835 46,007257 46,214289 46,362174 46,626438
46,864232 47,103239 47,286941 47,372057 47,675238 47,937451 48,062088 48,268754 48,485963 48,791424 49,137843 49,403187
49,768770 50,226642 50,487820 50,790746 51,090411 51,269227 51,412780 51,345943 51,428096 51,566951 51,881509 52,161669
52,537233 52,868217 53,206573 53,642866 54,061280 54,385647 54,527049 54,597934 54,696210
Observação I – Dividir o valor a atualizar (observar o padrão monetário vigente à época) pelo fator do mês do termo inicial e multiplicar pelo fator do mês do termo final, obtendo-se o resultado na moeda vigente na data do termo final, não sendo necessário efetuar qualquer conversão. Esclarecendo que, nesta tabela, não estão incluídos os juros moratórios, apenas a correção monetária.
Padrões monetários a considerar: Cr$ (cruzeiro): de out./1964 a jan./1967
NCz$ (cruzado novo): de jan./1989 a fev./1990
NCr$ (cruzeiro novo): de fev./1967 a maio/1970
Cr$ (cruzeiro): de mar./1990 a jul./1993
Cr$ (cruzeiro): de jun./1970 a fev./1986
CR$ (cruzeiro real): de ago./1993 a jun./1994
Cz$ (cruzado): de mar./1986 a dez./1988
R$ (real): de jul./1994 em diante
Exemplo: Atualização até setembro de 2014 do valor de Cz$ 1.000,00, fixado em janeiro 1988. Cz$ 1.000,00 : 596,94 (jan./1988) x 54,696210 (setembro/2014) = R$ R$ 91,62
Out./1964 a fev./1986: ORTN Mar./1986 e mar./1987 a jan./1989: OTN Abr./1986 a fev./1987: OTN pro rata Fev./1989: 42,72% (conforme STJ, índice de jan./1989
Abr./1989 a mar./1991: IPC do IBGE (de mar./1989 a fev./1991) Abr./1991 a jul./1994: INPC do IBGE (de mar./1991 a jun./1994) Ago./1994 a jul./1995: IPC-r do IBGE (de jul./1994 a jun./1995) Mar./1989: 10,14% (conforme STJ, índice de fev./1989)
Ago./1995 em diante: INPC do IBGE (de jul./1995 em diante), sendo que, com relação à aplicação da deflação, a matéria ficará sub judice) Observação III – Aplicação do índice de 10,14%, relativo ao mês de fevereiro de 1989, ao invés de 23,60%, em cumprimento ao decidido no Processo nº G-36.676/2002. Fonte: Site do Tribunal de Justiça de São Paulo. * Aplicável aos cálculos judiciais, exceto para aqueles com normas específicas estabelecidas por lei ou com decisão transitada em julgado, que estabelece critérios e índices diferentes.
Setembro/2014 – Ed. 210
Observação II – Os fatores de atualização monetária foram compostos pela aplicação dos seguintes índices:
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