Isaac Newton e a Transmutação da Alquimia

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ISAAC NEWTON E A TRANSMUTAÇÃO DA ALQUIMIA Uma visão alternativa da revolução científica


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ISAAC NEWTON E A TRANSMUTAÇÃO DA ALQUIMIA Uma visão alternativa da revolução científica

por

Philip Ashley Fanning

Prefácio de Raphael de Paola Tradução: Fábio Lins Leite

Livraria Danúbio Editora Santa Catarina, 2016


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Título original: Isaac Newton and the Transmutation of Alchemy: An alternative vision of the scientific revolution Copyright © 2009 Philip Ashley Fanning. Copyright © do prefácio: Raphael de Paola Copyright © da tradução: Fábio Lins Leite

DADOS CATALOGRÁFICOS Fanning, Philip Ashley. Isaac Newton e a Transmutação da Alquimia: Uma visão alternativa da revolução científica Balneário Camboriú, SC: Livraria Danúbio Editora, 2016. ISBN: 978-85-67801-06-3 1. Ciências Naturais 2.História da Ciência I. Título. CDD – 500 CDU – 5(091) Editor: Diogo Fontana Revisão: Rafael Salvi Design de capa por Daniel Carvalho Ilustração de capa: William Blake, Newton, ca. 1805 Publicado por Livraria Danúbio Editora Avenida Brasil, 1010, Balneário Camboriú-SC Sítio: www.livrariadanubioeditora.com.br Distribuição: CEDET – Centro de Desenvolvimento Profissional Tecnológico Rua Ângelo Vicentim, 70, Campinas-SP


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APOIO CORPORATIVO

Chás Naturais Real – desde 1834 Visite: www.matereal.com.br


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AGRADECIMENTOS Esta edição não teria sido possível sem o apoio de nossos grandes mecenas: Aramis Fontana Carlos Eduardo Nazareth Nigro Cláudio Karapetcov Silva Filho Cristiano Eulino Daniel Augusto da Silva Daniel Frederico Lins Leite Luiz Guilherme Wirgues Moreni Reno Martins Roberto Smera Os recursos para esta publicação são de origem privada e foram levantados por meio de financiamento coletivo. Nenhum centavo de dinheiro público ― municipal, estadual ou federal ― foi usado pela editora.


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Sumário Prefácio da edição brasileira ................................................... 11 Nota ao leitor............................................................................ 19 Prefácio ..................................................................................... 21 A Cristianização da Alquimia ................................................. 25 John Dee Reposiciona a Alquimia ......................................... 41 A Missão Angélica de Dee ...................................................... 57 A Máscara de Francis Bacon .................................................. 79 O Furor Rosacruz .................................................................... 97 Derrota e Renascimento ........................................................ 119 A Alquimia Dividida .............................................................. 149 Isaac Newton, Alquimista ..................................................... 169 O Advento da Ciência Moderna ........................................... 199 Posfácio .................................................................................. 231

Apêndice: Pauli sobre a Alquimia ........................................ 237 Bibliografia ............................................................................. 241 Índice Onomástico ................................................................ 246


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Prefácio da edição brasileira Por Raphael de Paola

Na cultura mais geral, imposta aos milhões de vítimas da educação de massas como verdade consagrada, aquilo que se costuma chamar de “ciência moderna” parece ter tido um início claro e um desenvolvimento linear até os dias de hoje, e não são poucos os próprios homens de ciência que difundem ingenuamente essa visão. Contam-nos, assim, a saga de um heróico empreendimento intelectual iniciado, quase espontaneamente, a partir do momento em que alguns “desbravadores da razão” resolveram desafiar e romper com todo o pensamento mágico anterior e com a infindável análise de textos de autoridades que o acompanhava, decidindo então guiar o estudo do mundo natural por rígidos métodos indutivos aplicados à observação cuidadosa de experimentos controlados. O resultado de todo esse empreendimento se vê coroado em teorias matemáticas precisas, balizadas, por sua vez, por rigorosas técnicas lógicas que garantem a possibilidade de teste, falseamento e refutação. O motor desse desenvolvimento seria tão-somente uma intensa e genuína sede de saber, e a única fonte de empecilhos a tão nobre e desinteressada busca pela ciência só poderia provir de mentes inferiores, arraigadas a um passado de magia, mistério e superstições; sem contar, obviamente, as hoje em dia onipresentes acusações de manutenção de poder e status quo. Libertada assim do obscurantismo de autoridades retrógradas, o melhor da alma humana pôde dedicar suas energias intelectuais à busca do legítimo conhecimento do cosmos e à construção progressiva de uma sociedade mais perfeita, justa e igualitária. Mas esse cenário não passa de propaganda autoglorificante, embaladinha para o consumo de gerações de egressos de nosso sistema de deseducação, que não resiste a um confronto sério com as pesquisas de mais de um século nos campos da história e da filosofia da ciência. Já não se pode mais pôr em questão a dívida da ciência moderna para com o passado, tanto na sua vertente filosófica da escolástica medieval, quanto na sua vertente esotérico-ocultista renascentista.

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Da primeira, a ciência moderna herdou, acima de tudo, a premissa primeira, o pilar básico em que se fundará toda a investigação futura: a existência de uma ordem universal que rege o comportamento do mundo natural. A expressão “leis da natureza”, inventada então e usada abundantemente hoje, nada mais é do que o recibo de que todos os envolvidos – filósofos escolásticos, sábios renascentistas e cientistas da modernidade – tinham essa mesma convicção, além, é claro, daquela ainda mais básica que a acompanha e fundamenta: a da existência do legislador da ordem natural. Tanto os precursores medievais e renascentistas quanto os representantes “oficiais” dos três primeiros séculos da ciência moderna só se voltavam à natureza porque o que viam e amavam nela não era outra coisa que a obra de Deus. A tal ponto essa convicção se arraigou na mentalidade do cientista moderno, que ela nem é discutida mais. Todos dão por pressuposto que este é um problema que a filosofia escolástica já resolveu. O melhor da filosofia escolástica, profundamente ancorada na religião e nos textos sacros, mas também em catorze séculos de filosofia, concluía por considerar as coisas ou entes como seres concretos realmente existentes, passíveis de formulação em leis ontológicas e concepções metafísicas precisas, em vez de neles enxergar somente símbolos, expressáveis apenas no plano da imaginação criativa ou do sentimento. A Idade Média foi, sim, a era do simbolismo, onde as realidades se dissolviam em significados místicos com os quais artistas, construtores e pensadores impregnavam suas obras. Bestiários, hinos, poesia, sistemas filosóficos, códigos de educação e de conduta, vitrais e pórticos de catedrais, cada um a seu modo expressava o universo simbólico no qual as coisas criadas, tomadas em sua verdadeira essência, podiam ser vistas como meras expressões de Deus. Contudo, menos como reação e muito mais como conseqüência da certeza de que o cosmos era precisamente uma Criação, ao longo de toda a história da cristandade foi-se formando filosoficamente a justificação metafísica da noção de que as coisas criadas foram realmente criadas, isto é, de que elas possuíam uma existência real e, até certo ponto, autônoma. Criar é causar o ser. Como efeito da existência real dos seres ancorada na suma existência do Ser, a filosofia escolástica se esforça, em seguida, para justificar a eficácia real das causas segundas, eficácia essa que é novamente ancorada em Deus, considerado agora como causa primeira. Criar é, sim, causar o ser, mas o ser, uma vez criado, passa a operar. Num universo plasmado pela Criação tal como o cosmos cristão,

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é inconcebível que os seres não fossem seres genuínos, e as causas, também genuínas causas. Deus infundiu nas próprias coisas criadas as sementes das coisas futuras através das “leis numéricas” que vão reger seu comportamento no tempo. Deus não se contenta apenas em dar existência às coisas, mas também as impregna com a causalidade que flui delas, e essa eficácia das causas segundas repousa nelas mesmas, ainda que como uma participação, mesmo que analógica, na causalidade divina. Estabelecida racionalmente a conexão entre criação e Criador, por meio daquilo que Étienne Gilson viria a chamar de “metafísica do Êxodo” em L’esprit de la philosophie médiévale, Deus penetrava agora mais profundamente na natureza à medida que esta se tornava mais conhecida. E, se é verdade que o ‘omnia in mensura, et numero, et pondere disposuisti’ das Escrituras justifica todo o empreendimento da matematização do mundo natural que surgirá com Roberto Grosseteste e os calculadores do Merton College (e que tomará grande impulso nos movimentos neopitagóricos e ocultistas no Renascimento movidos por estudos da Cabala), é muito mais verdade ainda que tal matematização só será possível, na mentalidade medieval, não apesar de, mas justamente porque ‘Coeli enarrant gloriam Dei’. Como diz Gilson: “A imagem divina é vista agora como mergulhada no coração mesmo da natureza, indo além da ordem, do número e da beleza, alcançando e saturando a própria estrutura material e tocando a eficácia mesma da causalidade. [...] A obra de Deus Onipotente não podia de modo algum ser um mundo inerte, que não desse testemunho do seu Artífice. Para o filósofo cristão, é sempre um erro fazer pouco da natureza sob o pretexto de exaltar a Deus. ” Regidos por uma metafísica que não será mais assunto para os cientistas praticantes “oficiais” dos períodos renascentista e moderno, todos os demais elementos principais que constituem o método científico moderno também já se apresentavam no período medieval: o binômio observação/experimentação, a quantificação dos fenômenos e a formulação de hipóteses testáveis. Nomes como Roberto Grosseteste, Roger Bacon, John Peckham, Guilherme de Occham, Walter Burley, Thomas Bradwardine, John Dumbleton, William Heytesbury, Richard Swineshead, Alberto Magno, Tomás de Aquino, Teodorico de Freiberg, Pedro de Maricourt, Nicolau Oresme, Jean Buridan, Francisco de Marchia e Alberto da Saxônia são lugares-comuns para o estudioso de história e filosofia da ciência. Mas as obras destes personagens permanecem desconhecidas do público mais geral graças ao sistema de

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educação moderna, pois as trevas impostas pelo currículo do MEC ao homem culto a respeito do período medieval se transmutaram em uma projeção de algo que está acontecendo na nossa mente para algo que supostamente se passou na história: nossa ignorância sobre aquele período se transforma em arma de acusação de que ignorante era toda aquela gente. Contudo, em que pese o fato de todo o empreendimento da ciência moderna ter seus germes e primeiros expoentes na escolástica cristã e ter encontrado nela sua justificação metafísica, não se pode negar a impressão geral, para uns sentida com desconforto, para outros com alívio, de que o universo da ciência moderna parece se interpor entre nós e o universo simbólico da Alta Idade Média. Isso porque na Renascença algo se passou no enquadramento mais propriamente humano que embasa e possibilita a busca do saber: a formação do sábio e a estruturação da sociedade. Em todo sistema de educação desde a Antigüidade, baseando-se na premissa totalmente razoável de que o homem é um ente da natureza, a formação do sábio pressupunha uma busca da conformidade e harmonia da alma com o cosmos. É nesse contexto que se desenvolveram, entre outras, as ciências da astrologia e da alquimia, com o intuito de amoldar a conduta humana ao movimento dos astros e ao comportamento dos elementos materiais mais próximos. Esse impulso foi uma constante em toda a história do Ocidente, desde a física dos estóicos, que era entendida mais como uma ética do que uma cosmologia, passando pelas escolas catedrais da Alta Idade Média que estudavam o Timeu, igualmente, mais como uma obra de formação da moral e de hábitos sociais do que propriamente como um estudo da realidade física (C. Stephen Jaeger, The Envy of Angels); e culminou na tentativa, nas universidades medievais, de um equacionamento racional da questão da interação ou correspondência dos fenômenos materiais mais básicos dos astros e da matéria bruta com os movimentos mais sutis da mente individual e da sociedade. Durante os primeiros quinze séculos da Cristandade, toda essa ordem de estudos, mesmo bebendo de fontes pagãs como Platão, Aristóteles e Cícero, esteve sempre subordinada à visão religiosa do homem como um ser decaído necessitado da redenção. A Renascença, no entanto, marca a abertura de uma era em que o homem não só professa

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estar satisfeito como até sente orgulho de seu estado de natureza decaída. Daí a proliferação de magos e bruxos de todo tipo durante a Renascença, a época por excelência da pseudociência. Devido a este influxo, praticamente todos os primeiros homens de ciência que compõem a historiografia “oficial” foram também entusiastas e praticantes das ciências esotéricas: “Mesmo supondo-se que a distinção entre as duas [ciência e pseudociência] seja em todos os casos coisa simples e improblemática, que não o é de maneira alguma, o fascínio da pseudociência vem da mesma fonte que o da ciência genuína: tanto uma quanto a outra não apelam prioritariamente a nenhuma das paixões grosseiras da alma humana, como o desejo sexual ou a cobiça de dinheiro, mas à ambição cognoscitiva do eu pensante, ao impulso de conhecer a verdade e através dela controlar, se não o universo físico, ao menos as massas de ingênuos que vivem na ilusão.”1 “Newton transformou feitiçaria em ciência”, e para isso “transmutou” a Royal Society durante o tempo em que a presidiu. Esta é a tese do presente livro, com a qual concordaria, por motivos quase contrários, o historiador da ciência William R. Newman. Os dois aspectos humanos da aquisição do conhecimento que mencionei acima passam a ser equacionados de uma nova forma na Renascença. Esta forma, segundo Philip Ashley Fanning, se consolida nas instituições de saber e na sociedade maior devido à operação empreendida por Newton na Royal Society, quando ele a tirou do total descrédito em que se encontrava: a formação da alma do indivíduo e de seu conhecimento é medida agora pela sua capacidade de estruturar a sociedade em torno – uma ambição alquímica, evidentemente. Segundo o autor, Newton, ele mesmo um praticante da alquimia por mais de trinta anos, prefere ocultá-la sob o manto de um mecanicismo explícito, mas fingido, ao mesmo tempo em que a perpetua na instituição que ele regenera. Para isso, ele teria se servido da tradição de V. CARVALHO, Olavo de, Visões de Descartes. Entre o Gênio Mau e o Espírito da Verdade. Vide Editorial, 2013. 1

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quase duzentos anos das táticas herméticas do ludibrium de Cornelius Agrippa, John Dee, Jan Amos Comenius, Robert Fludd e Francis Bacon, camuflando sob a aparência de cientificidade um projeto político e se aproveitando de um embate contra a ala secular dos alquimistas na Royal Society, liderada por Robert Boyle. Tenha sido ou não a intenção de Newton, é impossível não notar que esse mesmo mecanismo de imposição de um projeto de poder sob o manto da “ciência socialmente obrigante” foi ampliado mundialmente, consagrando-se hoje na tentativa de um governo mundial pela ONU, mediada por seus organismos supostamente científicos, como a OMS: o mundo não é mais aquilo que você vê, mas aquilo que o Dr. Drauzio Varella diz que é. Raphael de Paola Doutor em Física teórica pelo CBPF Professor da PUC-Rio

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para Alice


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Nota ao leitor Em fevereiro de 1696, Isaac Newton, com 53 anos de idade, fez o registro de um experimento alquímico. No mês seguinte, recebeu uma visita, em Cambridge, de um homem que descreveu como “um londrino conhecido do Sr. Boyle e do Dr. Dickinson”, dois dos companheiros alquimistas de Newton. Se julgássemos apenas pelo memorando que Newton escreveu, jamais suspeitaríamos que o encontro foi o ponto de mudança da vida de Newton: menos de um mês depois, ele deixou Cambridge, seu lar por 35 anos, mudou-se para Londres, e se tornou diretor da Royal Mint – um posto relativamente menor e burocrático, que representava um passo abaixo da sua Cátedra Lucasiana de Matemática, e que não era nenhum desafio para seu intelecto monumental. Embora ele houvesse realizado experimentos alquímicos durante trinta anos, nunca mais Newton os faria, mesmo tendo chegado aos 84 anos de idade. Ele fez, entretanto, algo que iria mudar o rumo da história, e essa mudança é o assunto deste livro.


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Prefácio Na longa e rica história das idéias, a revolução científica é singular. Algo aconteceu na Europa Ocidental durante os séculos XVI, XVII e início do XVIII que nunca ocorrera em outro lugar ou em outra época. Surgiu uma nova forma de conhecimento que acabaria se espalhando pelo mundo, mudando tudo. Isaac Newton é vastamente reconhecido como o pai da ciência experimental moderna, mas não, conforme argumentarei, pelos motivos corretos. Sim, Newton deu ao mundo a teoria da gravitação universal, inventou o cálculo e a ciência da Dinâmica, e sondou a natureza da luz e da cor. Sua Philosophiae Naturalis Principia Mathematica (“Princípios Matemáticos da Filosofia Natural”, 1687), é um dos grandes livros científicos já escritos. Ainda assim, a mais importante contribuição de Newton foi perdida; na verdade, foi deliberadamente suprimida. Como vários de seus companheiros, Newton era um alquimista. Hoje esse campo é visto como uma bobagem histórica, uma pseudociência que temporariamente seduziu certo número de pensadores, mas que afinal provou-se estéril. Por milhares de anos, entretanto, a alquimia foi uma parte importante dos empreendimentos humanos – nunca entre os principais, é verdade, mas sempre foi uma poderosa corrente subterrânea. Por sua prodigiosa erudição e experimentação Newton tornou-se parte dessa longa tradição. Mais importante, ele tornou-se o último elo de uma cadeia de eventos extraordinários que se iniciaram cem anos antes de seu nascimento, eventos que envolviam dois outros alquimistas britânicos: John Dee e Francis Bacon. Podemos agora juntar as peças desses acontecimentos, ao menos em linhas gerais, e apenas nesse contexto a revolução científica pode ser completamente compreendida. Depois da morte de Newton em 1727, seu executor declarou que a vasta coleção de escritos alquímicos do grande filósofo não era

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“adequada à publicação” e a colocou de volta em suas caixas (Dobbs, Foundations, 12). Lá permaneceram por mais de duzentos anos, até que, em 1936, o notável economista britânico John Maynard Keynes comprou uma considerável porção de tais escritos em um leilão e começou a lê-los. Seis anos depois, Keynes emitiu sua sentença: “Newton não foi o primeiro da era da razão. Foi o último dos magos, o último dos babilônios e sumérios, a última grande mente que observou o mundo visível e intelectual com os mesmos olhos daqueles que começaram a construir nossa herança a cerca de 10.000 anos atrás”. (White, 3). Apesar do trabalho inovador de Keynes, os escritores modernos sentem-se pouco à vontade com a alquimia de Newton. Isaac Asimov, em seu Guide to Science (1972), reconhece o fato, mas nada diz além de afirmar que os alquimistas “atolaram-se em magia e charlatanismo” (Asimov, 226-27). No definitivo Never at Rest: A Biography of Isaac Newton (1980), Richard Westfall confessa que sentiu-se desconfortável com aquele “mundo alienígena de pensamento”, mas já que havia sido “uma das maiores paixões” da vida de Newton, ele não tinha escolha (Westfall, 21 n.12, 289). Michael White, em Isaac Newton, the Last Sorcerer (1997), galantemente tratou do assunto diretamente, concluindo que “sem seu profundo conhecimento de alquimia, [Newton] quase certamente nunca teria expandido a limitada noção de movimento planetário [...] até o grande conceito da gravitação universal” (White, 93). Eu concordo, mas irei além de White, que pensava ser a ciência oculta apenas um dos muitos interesses de Newton (ibid. 106); irei mostrar que era a peça central. Mais recentemente, John Gribbin, em seu livro The Fellowship (2007), tinha isto a dizer: “Pode ser bizarro para os olhos modernos... mas Newton tinha uma paixão ardente pela alquimia, que o tomaria por completo no estudo do que, já naquela época, eram textos questionáveis com várias substâncias nocivas... ao longo das duas décadas

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seguintes, ele devotou mais tempo a tais estudos do que jamais dedicara à ciência. Não temos espaço para discutir tais atividades aqui. Embora elas possam ser importantes para uma compreensão de Newton, o homem, são menos importantes para a compreensão da revolução na ciência no século XVII; mas é importante compreendermos que Newton já tinha deixado de ser o que chamaríamos de um cientista na época em que se tornou famoso. ” (Gribbin Fellowship, 246-47) Vou defender que as atividades alquímicas de Newton estavam no coração da revolução científica, a qual carecia de continuidade e coesão até o início do século XVIII, quando Newton aceitou a presidência da Royal Society de Londres, resgatou-a do esquecimento e tornou-a o padrão-ouro da pesquisa científica por toda a Europa. Nunca antes uma escola de pensamento granjeara tão novo ritmo e qualidade a ponto de dominar o pensamento como ocorreu com a filosofia natural depois de 1703. Nunca antes outra escola desapareceria tão rapidamente e tão completamente como a alquimia no mesmo período. A explicação típica é que uma epistemologia superior excluiu a inferior no mercado de idéias. Eu vou oferecer outra explicação: Isaac Newton, na verdade, transmutou a alquimia em seu ramo particular de filosofia natural. Ele transformou bruxaria em ciência. A química moderna não invalidou a alquimia. Os químicos de hoje realizam experimentos de um tipo diferente de seus antecessores místicos; eles não deixam substâncias hermeticamente seladas em uma fornalha por meses e meses, então não sabem o que acontece sob tais condições. Rejeitamos a alquimia por causa de nossa antipatia condicionada por ela. Neste livro, tentarei superar esse reflexo e abordar essa antiga ciência da mesma forma que Newton o fez. Se o leitor adotar uma atitude semelhante, eu acredito que será recompensado. Mas uma palavra de precaução: trabalhos originais de alquimia raramente devem ser lidos literalmente. Os que são didáticos parecem necessitar de um

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acompanhamento oral que se perdeu para nós. Além disso, alquimistas raramente eram diretos. Por diversas razões eles ocultavam suas idéias e resultados em termos e símbolos obscuros, e chegavam a desmentir e condenar a ciência arcana. Apesar dos obstáculos, acadêmicos intrépidos e engenhosos, notavelmente Dame Frances Yates e Betty Jo Teeter Dobbs, conseguiram extrair informações valiosas dos livros e manuscritos de ocultismo e expô-los de modo que o resto de nós pudesse entendê-los. Devo muito a esses autores. Sem seu trabalho, este livro não poderia ter sido escrito. Quando comecei minha pesquisa, eu também via a alquimia como um “mundo alienígena de pensamento”. Ainda não a compreendo, mas agora suspeito que com seu desaparecimento, a humanidade perdeu algo de grande valor. Não posso deixar de sentir que apesar de Newton ter deliberadamente escondido sua maior contribuição para a história do pensamento, parte dele tinha esperança de que ela chegaria a ver a luz do dia.

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A Cristianização da Alquimia Portanto, há uma única teologia antiga, tendo sua origem em Mercúrio e culminando no Divino Platão – Marsílio Ficino

Desde tempos imemoriais, três instituições – religião, alquimia e filosofia natural – coexistiram, com a alquimia, que lida com questões tanto naturais quanto sobrenaturais, conscientes e inconscientes, a ocupar o campo intermediário entre as duas. Na alquimia, os seres humanos encontravam um método de buscar a verdade definitiva, e parece ter funcionado, ao menos para uns poucos afortunados. A ciência antiga capacitava seus praticantes a sondar a estrutura profunda da realidade e participar na contínua criação do mundo físico. A alquimia era um farol de esperança – não fé cega e sem perguntas, mas uma inteligência brilhante e inquisidora. A alquimia era livre e sem restrições, não estava submetida a nenhum interesse escuso. Ela respeitava o desconhecido, mas não temia investigá-lo, mesmo em seus aspectos metafísicos. A alquimia falava a homens adultos, oferecendo desafios e responsabilidades, e não ameaças e paliativos. Gigantes habitavam nosso passado, pessoas que realizaram coisas que consideramos impossíveis, pessoas que buscaram – e talvez possam até ter encontrado – a “perfeição a ou completude na divindade” (para usar uma expressão de Francis Bacon). Eles não foram intimidados pela história da queda de Adão, mas sentiram-se poderosos pelo mito oposto da descida voluntária do homem até a natureza. Alguns acadêmicos acreditam que a alquimia surgiu no Egito, outros na China; alguns dizem que foi na Grécia, e outros ainda defendem que o Rei Salomão foi o precursor de todos os alquimistas. Textos alquímicos foram encontrados em todos os países da Europa, e na Pérsia, Índia, China e Tibete (Debus, 10). O sábio egípcio Bolos de Mendes, que floresceu por volta do ano 200 a.C., escreveu Physica et

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