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a vice-presidência do Brasil em 2018

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Conclusiones

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Fragmentos de uma violência política de gênero a partir do Estado: uma necrobiopolítica “de gênero”

Fernanda Pattaro Amaral

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as operações policiais nas favelas cariocas destacam que o resultado de determinada operação foi a apreensão de uma certa quantidade de drogas e armas, e pouco se enfatiza que as mortes nos morros nessas operações também deveriam ser publicizadas como resultados efetivos. O pensamento crítico do século XX tem como um de seus componentes teóricos a crítica do sistema totalitário, incluindo a parte estética do terror e do espetáculo (Chávez, 2013). Esta estética do terror é um elemento que, quando estimulado por instituições como o Estado, a Igreja, a Educação, etc., serve para reforçar a construção de um quadro de obediência através da prática do exercício diário e sistemático do medo fomentado pela mídia educacional, mídia televisiva, e as relações sociais (virtuais ou face a face) que alude a uma preocupação constante em se adaptar às regras. O uso de práticas de extermínio pelo Estado (como massacres, por exemplo) encoraja que essas vidas subvalorizadas e descartadas sejam tomadas como exemplo de comportamento populacional ou social reprovado por esse sistema opressivo. Embora claramente as cartas constitucionais dos Estados reiterem que seus cidadãos são portadores de direitos (um deles é o direito a uma vida - decente), na prática nem todos os seres humanos são considerados dignos do direito à vida. Os negros nas favelas brasileiras, para citar um único exemplo, têm outra identificação para o Estado, especialmente um estado marcadamente conservador ou ultra-direitista. Desta forma, a política é também um instrumento de regulação da vida e administrador da morte. Mbembe (2011, p.21) estrutura a soberania como “o direito de matar”.

MANUELA D’ÁVILA E A VIOLÊNCIA DAS FAKE NEWS EM SUA CANDIDATURA A VICE-PRESIDÊNCIA DO BRASIL EM 2018

A violência de gênero é “instrumentalizável e instrumentalizada” (Butler, 2002, p.60), uma vez que serve à sociedade como forma de regular comportamentos e garantir a manutenção de privilégios. A violência de gênero é

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Fernanda Pattaro Amaral

um mecanismo bastante efetivo de controle social, uma vez que subjuga uma categoria em favor de outra categoria, que historicamente obteve mais benefícios por seu sexo e gênero. A partir daí, legitimou-se o uso da violência para controlar os corpos e desejos femininos exercendo sua dominação masculina ilegítima, mas normativa (Bourdieu, 2000). Como exemplo prático e objetivo, Scott (1986) aponta que as mulheres estão, de certa forma, confinadas a um tipo de espaço limitado invisível que limita a liberdade de movimento e até dos “deslocamentos de seu corpo” em espaços privados e objetivamente em espaços públicos. Assim, dentre essas práticas limitantes de deslocamento do corpo feminino, temos, por exemplo: esticar constantemente a saia muito curta; e realizar acrobacias para pegar algo sem abrir as pernas, enquadrando a negação do corpo feminino.

Segundo a abordagem de Scott (1986), uma das quatro dimensões importantes a considerar ao estudar metodologicamente os estudos de gênero em referência às relações de poder é justamente a dimensão normativa, que tem como narrativa a construção simbólica em seus significados, enquadrados em discursos religiosos, educacionais e científicos, por exemplo, que marcam constantemente a existência da significativa simbologia masculina e feminina. O pesquisador Guillén (2004, p.139) afirma que “todas as relações entre os gêneros são mediadas por relações de poder”. Butler (2002) reafirma a necessidade de enquadrar identidades dentro das relações de poder e sua influência nos discursos e espaços, de modo que “os sujeitos existam quando são nomeados, e esse nome é dado por um discurso que os coloca em hierarquias, inclui-os ou exclui-os e explica como a diferença sexual é transformada em desigualdade e subordinação social” (Butler, 2002, p.384). Le Goff e Truong (2005), por sua vez, afirmam que a instituição responsável por disciplinar corpos, arregimentando, codificando e regulando-os é a Igreja durante a Idade Média. Ou seja, o discurso do poder construído sobre as

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Fernanda Pattaro Amaral

diferenças tem uma longa história, constituída por diversos mecanismos e protegidos por várias instituições. Assim, Foucault (2012) nota ser necessário rever os preceitos ou sínteses feitas artificialmente que se transformam em modos de desfrutar de reconhecimento coletivo, mesmo antes do início da experiência social individual ou coletiva da contemporaneidade, em sua validade espontânea. Para definir esses regimes de verdade (Foucault, 2012), era necessário questionar a construção histórica do conhecimento em um modelo hegemônico que legitimou o mesmo modelo, reforçando os discursos com “lógica e racionalidade” (Foucault, 2012, p.16). Através da análise da verdade contra discursos falsos, contra os discursos hegemônicos por meio de intervenções periféricas, identificamos esses mecanismos de controle que são gerados internamente para alterar a esfera externa. Deste modo, essas verdades enganosas se convertem em ferramentas práticas para a marginalização da própria verdade, com o objetivo de excluir a população das verdades concretas (como exemplo temos o fenômeno das fake news). Este aspecto gera influência nas relações de poder e no exercício do poder.

Deleuze (1993) afirma que entramos em uma forma de controle disciplinar em que a comunicação desempenha um papel importante (não deixando de lado as instituições disciplinares importantes, como a prisão, a escola e os hospitais). A Educação torna-se um meio disciplinar cada vez mais evidente, utilizando a comunicação como uma ferramenta de exercício substancial, que não desaparece nas reformas educativas constantes, mas sim fomentam mecanismos cada vez mais eficientes para manter o exercício do controle de ‘estudantes-trabalhadores’. Quando nós questionamos o discurso sobre o género, descobrimos que as relações de poder relegam as mulheres a um papel secundário, tanto na história como no desenvolvimento da humanidade baseado no controle do poder discursivamente, que pode gerar mecanismos de violência para enquadrar essas relações de poder.

Fragmentos de uma violência política de gênero a partir do Estado: uma necrobiopolítica “de gênero”

Fernanda Pattaro Amaral

Durante os protestos de 2013 no país, ouviam-se gritos contra a dirigente do país, a ex presidenta Dilma Rousseff, com impropérios como “DilmAnta” e “puta”. Durante a Copa do Mundo no país, a ex presidenta foi hostilizada durante a inauguração aos gritos de “ei, Dilma, vai tomar no cu” (Jimenez, 2014). Tais manifestações de descontentamento de uma população seriam normais se não houvesse uma diferença bastante significativa: Dilma era mulher, e a primeira presidenta do país. As ofensas dirigidas a Dilma durante todo o seu mandato foram ofensas que marcavam uma e outra vez a sua condição de mulher, em um trabalho que outrora era essencialmente masculino. O presidente que ocupou o lugar de Dilma depois do golpe parlamentar que a destituiu, chegou igualmente a ser criticado, mas não com o mesmo “entusiasmo” com que a ex-presidenta foi criticada e ofendida por ser mulher. Assim, se pode fazer uma reflexão que possibilite a ideia de que a ex-presidenta foi alvo de violência (política) de gênero. Ainda nessa seara, a vice-candidata à presidência do Partido dos Trabalhadores, Manuela D’Àvila, foi alvo de produções e reproduções das chamadas fake news que se utilizam da comunicação explicitada por Foucault anteriormente para desacreditar as qualidades intelectuais da ex-candidata, ela foi interrompida em programas de debate televisivos muito mais vezes que seus colegas homens. Em um deles, o programa Roda Viva, Manuela foi interrompida 62 vezes durante a sua fala, quando ainda era apenas candidata à presidência da República pelo seu partido PCdoB (Jornal Grande Bahia, 2018). Após a prisão de Lula e a impossibilidade de seu nome figurar entre os candidatos do partido para a disputa, optou-se pela chapa constituída por Fernando Haddad (PT) e Manuela D’Àvila como vice-presidenta (PCdoB). O Tribunal Superior Eleitoral ordenou a exclusão de 33 fake news sobre a candidata (TV 247, 2018; Macedo, 2018). Essas (re)produções de notícias falsas podem ser consideradas como violência política de gênero, uma vez que Manuela foi o principal alvo da Direita

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conservadora em seus ataques através das redes sociais e da manipulação de notícias, através de instrumentos que viabilizaram essa reprodução de mentiras com o propósito de difamar a candidata (Pragmatismo, 2018). Na imagem selecionada abaixo, vemos Manuela em duas fotos, uma montada e uma original. Na original, Manuela exibe a camiseta com os dizeres “rebelese”, e na foto manipulada aparece “Jesus é travesti” incitando a população cristã a não votar em sua chapa3 (Imagem 1).

Imagem 1

Fonte: Pragmatismo Político, 2018.

Na segunda imagem selecionada, vemos uma montagem clássica quando se tem um personagem mulher em destaque público. Se trata de uma imagem manipulada onde vemos elementos que insistem na manutenção da figura mulher como ser sexualizado e voltado (sua imagem) para o gozo masculino. Não obstante, reparamos que na montagem Manuela aparece lasciva, com roupas decotadas e em uma imagem bastante sexualizada na tentativa de

3 Mauela D’Ávila recentemente abriu uma instituição (Instituto E se fosse Você?) para combater o fenêomeno das fake news, com vídeos educativos onde são relatados acontecimentos sobre o tema.

Fragmentos de uma violência política de gênero a partir do Estado: uma necrobiopolítica “de gênero”

Fernanda Pattaro Amaral

manipular a opinião pública através das redes sociais de que a candidata não seria uma boa representante como política, desconsiderando toda a trajetória da mesma e seu capital político (imagem 2). De todas formas, é saudável ressaltar que cargos políticos estão à disposição de qualquer cidadão ou cidadã, que sejam eleitos/as para tal. O fato de uma mulher ser vista com determinadas vestimentas e poses não a incapacita para o exercício da política. Igualmente o fato de uma mulher já haver exercido ofícios como a prostituição, não a incapacita para o exercício da política, uma vez que no Congresso temos representantes de diversos segmentos, como homofóbicos religiosos, como empresários que expoliam os trabalhadores brasileiros, entre outros.

Imagem 2

Fonte: PT, 2018.

Esse momento da eleição Brasileira de 2018 foi bastante emblemático e significativo, porque constituiu-se de episódios perturbadores de violência contra as mulheres, na forma de misoginia no âmbito político com a sapiência de que o partido do atual presidente, Jair Bolsonaro (PSL) contratou prestadoras de serviços para criar e divulgar justamente as fake news. Recentemente se

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