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O papel das ONG no contexto da pandemia – Um exemplo
ESTE TEXTO PROCURA ILUSTRAR, A PARTIR DA ACÇÃO DA DELEGAÇÃO PORTUGUESA DA MÉDICOS DO MUNDO (MDM), QUAL O PAPEL DAS ONG NO CONTEXTO DA PANDEMIA.
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Autor: Fernando Vasco Marques, Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Médicos do Mundo
AMdM está em Portugal há 22 anos. O nosso lema é “Lutamos contra todas as doenças, até mesmo a injustiça”. Defendemos que o direito à saúde é universal, pelo que procuramos garantir esse direito às populações vulneráveis para e com quem trabalhamos. A nossa missão é bem clara: “Promover o acesso gratuito à saúde das populações vulneráveis e combater a sua discriminação, através da prestação de cuidados de saúde, acções de consciencialização, formação e capacitação de pessoas e instituições.” A nossa acção norteia-se por um conjunto de valores, em que o activismo se destaca. A nossa declaração identitária fundacional, “Ir onde os outros não vão, testemunhar o intolerável e trabalhar benevolamente”, e a nossa missão caracterizam bem a especificidade da nossa Organização. Actuamos em Lisboa, Porto, Barcelos, Castanheira de Pera, Guarda, Faro e Moçambique. Contamos com 66 colaboradores, 265 voluntários activos numa carteira de 2600, mais de 5000 doadores e com dezenas de parceiros de diversos sectores da sociedade.
A magnitude da pandemia (COVID-19) tem mostrado a vulnerabilidade dos sistemas de saúde em situações similares, pelo que a MdM assumiu que não poderia parar a sua acção, antes a reorientou, no sentido de cooperar e complementar a acção do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Mal a pandemia se instalou em Portugal, reorganizámo-nos em função do momento.
Donde: Elaborámos um Plano de Contingência que definiu um modelo organizacional ad hoc. Assim, criámos um Grupo de Crise (Direcção, especialista clínico e
Equipa Operacional), uma Equipa
Operacional em disponibilidade permanente (Director Executivo, especialista em Saúde Pública e
Director de Recursos Humanos/
Psicólogo especialista em trauma) e quatro Grupos de Apoio com voluntários (Comunicação,
Logística, Angariação de Fundos e Financeiro). O Grupo de Crise garantiu a unidade de comando-acção, tão necessária em momentos complexos. Conforme o plano, avaliámos o risco individual de profissionais e voluntá-
rios, que determinou se ficavam em i) teletrabalho, ii) a meio tempo em teletrabalho e meio tempo no terreno ou iii) no terreno. Reforçámos a protecção dos profissionais da linha da frente (luvas, fatos, máscaras e álcool-gel) e promovemos a distribuição destes recursos, quando doados, por indivíduos e parceiros no terreno. Suspendemos algumas actividades (rastreios, serviço de apoio domiciliário, envio de expatriados para Moçambique), que já retomámos. Publicámos um boletim epidemiológico mensal para informação da organização. Divulgámos, nas redes sociais e nos websites da MdM e do Alto
Comissariado para as Migrações (ACM), o “Guia de Prevenção
COVID-19”, em 24 línguas, com apoio de voluntários, embaixadas e ACM. Orientámos a prestação de cuidados de saúde para i) as pessoas em situação de sem-abrigo, confinadas nos locais destinados pelas câmaras municipais (4 em Lisboa e 2 no Porto) e ii) migrantes e refugiados em colaboração com o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e o Serviço dos Jesuítas para os
Refugiados. Mantivemos o Programa de Consumo Vigiado em Lisboa. Apoiámos o processo de vacinação do Agrupamento de Centros de Saúde Arco Ribeirinho, junto da população de Pegões e Canha. Desenvolvemos uma parceria com o projecto Open Air na construção de um ventilador de baixo custo em open source (protótipo em aprovação). Reforçámos o apoio psicológico aos profissionais da organização, através da nossa equipa de psicólogos voluntários. Mantivemos o acompanhamento semanal às equipas de terreno em Moçambique via Internet.
Durante a pandemia, adaptámo-nos à nova situação, contribuindo para o esforço do país na procura do controlo da epidemia, em colaboração com os parceiros no terreno.
Identificámos alguns desafios:
No âmbito da saúde mental foi necessário atender à instabilidade emocional de alguns profissionais criada i) pelo isolamento e pelo teletrabalho, nomeadamente dos que tinham filhos pequenos e idosos em casa, ii) nos que contraíram a infecção e iii) nas situações de luto. A MdM perdeu um colaborador muito querido por acção do vírus; e Os profissionais de saúde (voluntários e contratados) foram obrigados a esforço suplementar.
Nomeadamente os enfermeiros dos projectos, que viram a sua vida muito alterada, pois foram chamados para trabalhar no
SNS. Muitos contratos a tempo completo tiveram que ser substituídos por contratos à hora.
Concluindo: i) As organizações não-governamentais, em situações de emergência, assumem um importante papel que deve ser reconhecido, ii) A acção das ONG deve ser integrada em planos de emergência locais, regionais e nacionais; iii) é necessário que as ONG sejam capazes de se organizar de forma profissional, não perdendo a sua identidade e colaborando com outros actores no terreno, para assim contribuir para a concretização de uma agenda nacional.
*Autor escreve ao abrigo do antigo acordo ortográfico.