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Aconselhamento farmacêutico na amamentação
QUANDO UMA MULHER AMAMENTA E PRECISA DE TOMAR MEDICAÇÃO, O QUE PODE TOMAR? SERÁ QUE O MEDICAMENTO QUE ELA PRECISA VAI PASSAR PARA O LEITE? SERÁ QUE VAI PASSAR EM QUANTIDADE SUFICIENTE PARA TER ALGUM EFEITO NO BEBÉ? PODERÁ A MÃE ESPERAR ATÉ DEIXAR DE AMAMENTAR? O QUE PODE LEVAR ANOS. E NUMA SITUAÇÃO DE EMERGÊNCIA? TODAS ESTAS QUESTÕES SURGEM, ASSIM QUE UMA MULHER QUE AMAMENTA PRECISA DE TOMAR ALGUMA MEDICAÇÃO. E COM ESTAS QUESTÕES VEM UM MEDO QUASE IRRACIONAL E A IDEIA DE QUE UMA MULHER QUE AMAMENTA NÃO PODE TOMAR QUASE NADA, QUANDO ISSO NÃO É VERDADE!
Autor:Sofia Costa Inácio, Farmacêutica, IBCLC (International Board Certified Lactation Consultant)
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Amamentar é a forma normal e expectável de alimentar um bebé. É através do leite humano que o ser humano pode atingir o seu potencial máximo de saúde. Os riscos de um bebé não ser amamentado estão bem fundamentados. Entre eles pode-se referir que bebés amamentados têm 72 % menos risco de diarreias graves e menos 77 % de risco de hospitalização e mortalidade devido a infeções respiratórias. Têm também menos risco de otites agudas, dermatite atópica, asma, diabetes tipo 1 e 2 e obesidade, leucemia infantil, maloclusão, enterecolite necrozante e risco da morte súbita do lactente.
O leite humano é o único alimento específico para aquele bebé em específico. Contém hormonas, fatores de crescimento, agentes imunológicos, enzimas, etc. específicos da nossa espécie. E a alternativa ao leite humano é desprovida de tudo isto! Assim, não podemos de ânimo leve dizer a uma mãe que deixe de oferecer a maior garantia de saúde para o seu bebé. Não podemos reduzir a amamentação a um alimento. Amamentar é uma relação, é vínculo, é regulação emocional, que deve ser respeitada.
Infelizmente ainda é bastante frequente uma mulher que tem de tomar medicamentos enquanto ama-
menta se ver no dilema de ter de escolher entre a sua saúde e a saúde do seu bebé. Esse dilema, na grande maioria das vezes, é injustificado e surge pelo desconhecimento. Sabendo dos riscos de não amamentar e de não ser amamentado, é nossa obrigação fazer de tudo para que uma mãe consiga amamentar ao mesmo tempo que se trata. É preciso analisar o risco/benefício de a mãe amamentar e o bebé poder ingerir uma baixa quantidade de fármaco, a mãe não se tratar naquele momento ou a mãe tratar-se e desmamar o bebé. Um desmame forçado e repentino pode trazer vários problemas físicos e emocionais, pelo que só deve ser feito quando não há alternativa e a saúde da mãe está em risco.
Como sabemos se um fármaco é compatível com a amamentação? Através de estudos de farmacocinética, das características do medicamento como a quantificação do peso molecular, da concentração plasmática do fármaco, da ligação às proteínas plasmáticas, do grau de ionização, etc., conseguimos prever qual a concentração de fármaco no leite materno.
Um fármaco tomado pela mãe irá ser absorvido, distribuído, metabolizado e excretado por várias vias incluindo pela glândula mamária que excreta o leite materno. Esse leite que poderá conter alguma quantidade de fármaco será agora ingerido pelo bebé e terá de chegar à sua corrente sanguínea para ter efeito. Mesmo quando chega, a quantidade normalmente é muito menor do que a dose terapêutica. Fármacos que não possam ser administrados por via entérica por serem destruídos no trato gastrointestinal serão seguros, pois mesmo que cheguem ao leite materno, ao atingirem o estômago do bebé, serão destruídos e não chegarão à corrente sanguínea. Como exemplo temos a insulina, heparina e os anticorpos monoclonais que, para além de não terem biodisponibilidade oral, têm um elevado peso molecular. Como exceção temos os antineoplásicos pela sua toxicidade.
Saber a idade do bebé, também é um fator muito importante. 80 % dos efeitos adversos em bebés por fármacos ingeridos pela mãe ocorrem em bebés com menos de 2 meses pela sua imaturidade, por isso se estivermos perante um bebé mais velho o risco é bem menor.
Existem várias fontes fiáveis que nos dizem se um medicamento é seguro ou não na amamentação. Temos o e-lactancia.org, o lactmed do pubmed, o Hale’s medications & mothers’milk, ou a lista de medicamentos seguros da OMS, entre outros. São dadas até alternativas de fármacos, quando não são de risco muito baixo. A DGS recomenda o e-lactancia, no seu Programa Nacional para a Vigilância da gravidez de baixo risco.
Quase todas as classes terapêuticas possuem fármacos compatíveis com a amamentação e, por isso, é uma questão de pesquisar qual será o mais indicado e seguro para a situação em concreto. Fármacos usados em pediatria quando administrados à mãe chegarão ao bebé numa dose menor do que a dose terapêutica pediátrica e, por isso, serão seguros na amamentação.
Com todo este conhecimento e com estas ferramentas de acesso rápido e fácil, não existe motivo para tantos profissionais de saúde ainda recomendarem um desmame para que a mãe se possa tratar ou a ponham na posição de ter que optar entre si e o seu filho, quando, na maioria das vezes, é possível tomar medicação compatível com a amamentação.
Muitos estudos comprovam os riscos do aleitamento artificial que é a única alternativa ao leite humano. Por isso, como especialistas do medicamento e como promotores da saúde, quando uma mulher que amamenta precisa de tomar um fármaco é fundamental aconselharmos segundo a evidência científica, apoiando e protegendo a saúde da mãe e do bebé.