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Provas de “Endurance” em Vila Real

por Francisco Vieira e Brito

Não havendo, que eu conheça, uma definição precisa para prova de longa duração em relação aos desportos motorizados, entende-se, “grosso modo”, que este tipo de provas, também conhecidas por provas de resistência, do francês “endurance”, são competições cuja duração mínima ultrapassa a duração máxima de um Grande Prémio (de Fórmula 1) que, como se sabe, é de 120’ (duas horas de corrida), invariavelmente definidas num percurso em forma de circuito, constituindo-se assim uma prova de velocidade pura, de forma a distinguirem-se das provas mais longas de “Rallye”, muitas vezes apelidadas de “maratonas”.

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Na segunda década do século XX, mais precisamente em 1925, a Cidade de Vila Real assistiu àquela que terá sido a primeira prova de resistência a atravessar as suas vias de comunicação. Estamos a falar do “Circuito de Trás-os-Montes” que no dia 23 de Agosto reuniu um conjunto de 11 equipas que percorreram por duas vezes um percurso em forma de circuito constituído pelas estradas que ligavam Chaves, Valpaços, Mirandela, Murça, Vila Real, Vila Pouca de Aguiar, Pedras Salgadas e Vidago. A distância total percorrida foi de 370 km o que justifica bem mais que duas horas para completar a totalidade da prova... Entendo que nem os mais puristas terão dificuldade em aceitar ter sido esta a primeira “compétition d’endurance automobile” realizada na região, muito à semelhança de outras que também já se realizavam no continente europeu como por exemplo a “Targa Florio”, iniciada em 1906 por Vicenzo Florio.

De referir que o “Circuito de Trás-os-Montes” antecedeu em cerca de dois anos a também famosa “1000 Miglia”, prova igualmente disputada em Itália. A prova portuguesa deveu-se à visão de um transmontano, José Torres de seu nome, que contou com a colaboração do jornal desportivo “Sporting” e de um grupo de amigos seus.

A primeira edição do Circuito de Vila Real teve lugar em 1931, graças à visão e arrojo de Aureliano d’Almeida Barrigas, dos seus amigos ligados à representação de importantes marcas de automóveis (Chevrolet/Eng.º Emílio de Sousa Botelho, Ford/Luís Taboada, Fiat e Citroën/José Augusto Taboada) e do Presidente da Câmara de Vila Real em 1928 e de 1933 a 1937, Dr. Emídio Roque da Silveira, contando ainda com a prestimosa e indispensável colaboração do “Automóvel Clube de Portugal”.

Foi simultâneamente o primeiro circuito de velocidade a disputar-se em território luso (!!) o que torna esse acontecimento ainda mais extraordinário e catapultou o automobilismo de velocidade em Portugal que atravessava uma fase de algum marasmo.

Mas desengane-se quem pensa que o Circuito de Vila Real viveu quase exclusivamente de provas “sprint” de curta duração. Vejamos os exemplos seguintes:

- 1931, I Circuito de Vila Real (CVR), vencedores Gaspar Sameiro/Ercílio Barbosa (Portugal) tripulando um “Ford A”, tempo total de 1:54:47,80 horas;

- 1932, II CVR, vencedor Vasco Sameiro (P), “Invicta 4½-litre S-type” em 1:46:41 horas;

- 1934, IV CVR, António Guedes de Herédia (P), “Bugatti 35B”, 2:05:43,00 horas

- 1933, III CVR, Vasco Sameiro (P) de novo, “Alfa Romeo 8C 2300 Monza”, 2:09:56,40 horas;

- 1950, XI Circuito Internacional de Vila Real/CIVR (a internacionalização deu-se em 1936) Piero Carini (Itália), “O.S.C.A.”, 2:16:34,20 horas;

- 1951, XII CIVR, Giovanni Bracco (I), “Ferrari 212 Export Vignalle Barchetta”, 2:41:05,98;

- 1952, XIII CIVR, vencedor Casimiro de Oliveira (P) em “Ferrari 225 S Vignale Spider” com o tempo total de 2:35:04,65 horas;

(nota do autor: o vencedor em 1951 foi Giovanni Bracco)

©Foto Marius / Fundo Achiles de Almeida

Já no final da década de 1960, início da década de 1970 disputaram-se na capital do desporto motorizado em Portugal provas assumidamente de “endurance”, a saber:

- 1969, XVIII CIVR, 6 Horas, Taça Circuito Internacional de Vila Real, vencedores David Piper / Christopher “Chris” Craft (Grã-Bretanha), “Porsche 908”, 6:01:06,27 horas;

Cumpre-nos assinalar também neste aspeto o pioneirismo de Vila Real e da organização (na época a cargo da “Comissão Permanente do Circuito Internacional de Vila Real”), uma vez que a prova de 1969 foi a primeira do género realizada em Portugal continental!

Provas de longa distância premeiam, na nossa ótica, não só a inteligência dos pilotos, a solidez da equipa, pilotos e mecânicos e, naturalmente, a fiabilidade das máquinas que muitas vezes se sobrepõe às performances absolutas dessas mesmas viaturas de competição. “Endurance” é

PERSONALIDADE: Eduardo Santos Garagem “Aurora”

por Francisco José “Kiko” Vieira e Brito

Nasci, orgulhosamente, numa Cidade Portuguesa que, para além do mais, faz gala de “desde sempre” gostar muito de CORRIDAS!! Só para os mais desatentos falo, evidentemente, de Vila Real.

A minha querida Mãe comunga, naturalmente, da mesma paixão, assistindo desde tenra idade às provas do Circuito Internacional de Vila Real, levada pela mão dos meus Avós - o meu Avô Felizardo teve inclusivamente durante largos anos a função de trabalhar e coordenar os homens e mulheres encarregues de todas as operações de manutenção da pista até ao baixar da bandeira de xadrez.

O meu Pai, tendo nascido em Lisboa, já antes de fisicamente cá ter vindo a primeira vez, em 1979, estava totalmente rendido por tudo aquilo (na altura ainda muito pouco...) que ia absorvendo e apreendendo através de comentários falados e escritos ao que à “Princesa do Marão” dizia respeito e seus eventos motorizados.

É claro que todos nós em casa adoramos CORRIDAS!

Para além desta paixão, sempre me habituei, por educação (agradeço a quem ma transmitiu), a tentar dar o melhor que sei e posso em tudo aquilo que me proponho fazer, não perdendo nunca a oportunidade de o executar de forma a aliar o trabalho com a satisfação da tarefa desempenhada, no fundo, viver as oportunidades e a vida.

Estou eu nesta “retórica narcisista”, pensarão muitos de Vós, para chegar àquilo que verdadeiramente me interessa falar, nesta ocasião de festa e celebração que é a realização da 52ª edição do nosso querido Circuito Internacional de Vila Real, no seu 92º ano de existência: lembrar e marcar a nossa homenagem a um grande Senhor, de Seu nome Eduardo Santos.

Perdoem-me a ousadia, mas tudo aquilo que o Senhor Eduardo foi e procurou ser, falando naturalmente mais da sua faceta profissional, a mais conhecida, é a postura que, na minha modesta opinião, qualquer pessoa de bem deve ter se quer deixar uma marca de competência, amizade, respeito, dedicação, procura incessante de fazer mais e melhor, lutar contra as adversidades, valorizar relações humanas, fugir do facilitismo (...) e que, como acima referi eu também, muito modestamente, procuro seguir. E claro, ambos temos um enorme gosto comum pelas corridas....

“Mestre” Eduardo Santos, que guiou o Porsche que aparece em segundo plano, acompanhado do Pai deste vosso escriba, em Julho de 2015, antes de se dar início ao desfile do “Porsche Club de Portugal” no decorrer do XLV Circuito Internacional de Vila Real. ©Vieira e Brito

Recordarei sempre as histórias que o meu Pai me contou sobre o Senhor Eduardo e a Sua filha adotiva, a “Garagem Aurora” – as visitas “eventuais” à garagem, sempre que não havia aulas e as “obrigatórias”, nos dias que antecediam fins-de-semana de corridas, para ver a preparação dos carros.

A sensação de se chegar a um local único e “sagrado” para quem venera este mundo apaixonante, tive-a também eu, a primeira vez que lá fui levado pela mão do meu Pai, já na segunda (na realidade era já a terceira) localização que a “Garagem Aurora” teve, em virtude do inacreditável infortúnio a que este Homem, e toda a Sua equipa, tinham sido sujeitos uns anos antes.

Entrar em instalações, muito modestas na altura devido às circunstâncias, onde se podiam ver as coroas de louros penduradas nas paredes, as taças e troféus conquistados, os carros de competição, e também os de particulares, serem cuidados, na sua grande maioria representando a marca Porsche, o facto de as afinações dos motores serem feitas lançando mão de um instrumento mais vulgar na medicina – o estetoscópio – foi uma experiência que me deixou recordações inesquecíveis. A estas juntam-se também a visão de carrocerias de máquinas de competição que “Mestre” Eduardo tinha criado, vítimas do fogo que implacavelmente as consumiu, mas que mesmo assim ele guardava no logradouro da garagem, como um Pai que, tendo visto os “filhos” perecerem, quer manter o que deles restou o mais perto possível.

Estas são memórias que me marcaram e moldaram fruto da personalidade de um Homem, a quem todos consensualmente tratam com toda a justiça por “MESTRE” (sin. pessoa dotada de excepcional saber, competência, talento em qualquer ciência ou arte) que, caso não tivesse nascido onde nasceu, teria seguramente atingido uma notoriedade ainda maior, como os irmãos “Kremer” na Alemanha ou “Almeras” em França!

Antes de terminar quero dizer-lhe um segredo “Mestre” Eduardo, aqui que ninguém nos ouve: a organização do Circuito Internacional de Vila Real, da qual muito me honra e enche de orgulho fazer parte, resolveu, e muito bem, dar mais um contributo, indiscutivelmente justificado, para eternizar a Sua memória. Se reparar bem uma das Suas criações aparece no cartaz da 52ª edição do nosso querido Circuito. Isso ninguém poderá alterar!

Bem-haja “Mestre”.

Momento de partilha e felicidade! “Olha o miúdo veio-me pedir um autógrafo...” terá pensado “Mestre” de ter este momento valorizado com a Sua assinatura, em baixo do lado direito

EFEMÉRIDE: Foi há 50 anos...

Vitória do “TEAM BIP” no Circuito Internacional de Vila Real

por Francisco Vieira e Brito

Consensualmente reconhecida como a equipa (Team do inglês) portuguesa de automobilismo com melhor organização até à altura, deve o seu nome à designação do sponsor principal, o “Banco Intercontinental Português”.

Estiveram na sua génese João Carlos Ferreira de Moura (JCF), empresário e piloto (disputou provas em Vila Real entre 1967 e 1970), Jorge de Brito, presidente do banco BIP e amigo de JCF e Carlos Gaspar (CG), engenheiro mecânico, empresário e piloto de automóveis, tendo esta sua faceta sido muito bem caracterizada por Adelino Dinis quando escreve no “Jornal dos Clássicos @jornaldosclassicos.com”: “...existiram alguns momentos em que Gaspar mostrou que era um piloto brilhante, capaz de ir além do guião, nas poucas vezes em que tal era necessário. A corrida de “Sport” em Vila Real, 1973 é, talvez, o episódio mais extraordinário da sua carreira. A sua vitória contra a oposição nacional e internacional, no mais desafiante circuito português, é uma das prestações mais espantosas do nosso automobilismo, e arruma definitivamente qualquer discussão sobre os seus méritos ao volante”.

Pelo Team passou a nata dos pilotos nacionais de então: os já citados JCF e CG e ainda Carlos Santos, Mário de Araújo “Nicha” Cabral, António Santos Mendonça e Jorge

Para a edição de 1973 do Circuito Internacional de Vila Real a equipa apresentou dois “Lola T-292” para Carlos Santos e Carlos Gaspar; Carlos Santos utilizou o chassis #HU-47 equipado de um motor Ford FVC/B 1980c.c. com 265 cavalos/9.000rpm; Carlos Gaspar dispunha do chassis #HU-52 com um motor com apenas 1930c.c, menos “puxado”, cerca de 255 cavalos/9.000rpm.. A preparação dos motores estava, naturalmente, a cargo do “mago” Heini Mader. Todos os outros componentes de ambos os chassis eram idênticos: injeção “Lucas”, caixa de velocidades “Hewland” FG-400, óleo “Esso”, velas “Motorcraft”, amortecedores “Bilstein”, travões “Lockheed”, jantes “Gotti” e pneus “Firestone”.

Havia fundamentadas esperanças num bom resultado apesar da fortíssima concorrência, cerca de 30 pilotos presentes. As coisas, no entanto, não foram fáceis. Vejamos: Gaspar obrigado a trocar de motor no final do primeiro treino (daí o motor menos “performante”). Acabaria no entanto por obter o segundo tempo absoluto, partindo do meio da primeira linha da grelha. Ainda nos treinos, Carlos Santos tem a “pole” durante quase toda a primeira sessão, apenas sendo suplantado no final por David “Dave” Walker, na altura a disputar o Campeonato do Mundo de Fórmula 1! A sorte seria contudo madrasta para o virtuoso e conceituado piloto que não conseguiu evitar um despiste na saída da “Curva da Salsicharia” que deixou o chassis #HU-47 inutilizado, não podendo tomar parte na corrida!

E no Domingo dia 1 de Julho de 1973 chega o momento mais aguardado de todo o fim-de-semana. Vai-se iniciar a prova rainha, a corrida de “Sport”-Taça Circuito Internacional de Vila Real que foi transmitida em direto pelo canal nacional de televisão, “RTP - Rádio Televisão Portuguesa ”!

Detentor da “pole-position”, “Dave” Walker, em “GRD S73” da equipa oficial “DART Racing with GRD” (280 cavalos/9.000rpm.!!!), assume o comando desde a partida batendo inclusivamente o tempo realizado nos treinos durante a 12ª volta da corrida.

Carlos Gaspar, que estava imediatamente ao seu lado, falha o arranque (confessou-nos ter engrenado outra velocidade que não a primeira...) e desce sete posições, cruzando pela primeira vez a linha de meta na nona posição. Mas isso só serviu para trazer ao de cima todo o potencial da equipa e do piloto que cerrou os dentes e começou a recuperar posições – à terceira volta estava no sexto lugar, passa para quinto na sexta volta, e, sensacionalmente na sétima volta já se encontrava no terceiro lugar. Daí para a frente tudo fez para alcançar o primeiro lugar tendo batido o record do Circuito (6.925 metros) com o tempo de 2:19:12 à espantosa média 178,173 km/h. Recordamos que apenas uma parte do Circuito tinha uma fiada simples de rail’s metálicos, a restante “proteção” era “proporcionada” por fardos de palha (soltos), passeios, muros, casas, árvores, campos, vinhas, com duas pontes e duas passagens de nível pelo meio. As maiores velocidades eram, naturalmente alcançadas na aproximação à zona da “Timpeira” e no final da zona de “Mateus” com a sua famosa reta. Mas como o próprio dizia “era para ir a fundo, ia-se a fundo”, enquanto batia ruidosamente com o pé no chão mimetizando e recordando o gesto. Alcança a primeira posição à 28ª volta das 33 que a prova teve; a multidão que teve o privilégio de assistir ao vivo e em casa pela televisão exultou! A título de curiosidade a ultrapassagem a Peter Gethin - Chevron B-23 da equipa oficial “Red Rose Racing” (275 cavalos/9.000rpm.), outro piloto que também disputava o Campeonato de Mundo de Fórmula 1, foi feita no local que habitualmente se aponta como aquele que em Vila Real diferencia os BONS dos MUITO BONS: Mateus!!

Nas cinco voltas finais, mesmo com Gethin a forçar o andamento, Carlos Gaspar, com todo o público a encorajá-lo, não perde mais o primeiro lugar, como acontecera em 1972, e VOA PARA A VITÓRIA!!!

Ganhou TODA a equipa do “Team BIP”, ganhou o Circuito Internacional de Vila Real, o seu MARAVILHOSO público, ganhou a cidade de Vila Real e as suas BOAS e “BRAVAS” GENTES e, imperdoável esquecer, ganhou quem foi sempre a retaguarda de tudo o que o Senhor Engenheiro Carlos Gaspar alcançou, a sua maravilhosa mulher, Senhora Dona Anne Gaspar.

Há 50 anos (1973) a história, quase centenária, do nosso querido Circuito foi escrita a letras de ouro!

Extraordinária foto de João Paulo Sotto Mayor que retrata Carlos Gaspar nas “boxes” de Vila Real. À esquerda Anne Gaspar, encoberta pelo capacete do piloto e pelo blusão do “Team BIP” por ele usado. Ambos acompanhados do escultor João Charters d’Almeida (de óculos, em segundo plano na foto), amigo da família Gaspar, que idealizou e desenvolveu toda a imagem gráfica da equipa BIP! ©João Paulo Sotto Mayor

Como nota final permito-me referir algo que, podendo parecer uma inconfidência, porque por ele me foi várias vezes transmitido escrita e oralmente a título particular, na realidade não o é, pois foi sobejamente repetido também em público pelo piloto que digna e merecidamente ganhou uma das edições mais emocionantes do Circuito Internacional de Vila Real; passo a citar “... o respeito e admiração que tenho e terei pelas gentes (de Vila Real) e pelo “meu” Circuito. E pelo de agora que, contrariamente ao que leio, é erradamente comparado com outros (... é) Vila Real – afirmo eu – um Circuito citadino ao qual os outros devem, pela nossa excelência, obediência na comparação. (...) Vila Real existe e deve progredir para chegar outra vez onde já esteve. No topo.” Em 3 de Julho de 2019.

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