Biocatálise e Biotransformação Fundamentos e Aplicações
Regina Aparecida Correia Gonçalves Arildo José Braz de Oliveira José Eduardo Gonçalves
Biocatálise e Biotransformação Fundamentos e Aplicações
Volume 2
Copyright © Regina Aparecida Correia Gonçalves / Arildo José Braz de Oliveira / José Eduardo Gonçalves Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução total ou parcial, de qualquer forma e por qualquer meio mecânico ou eletrônico, inclusive através de fotocópias e de gravações, sem a expressa permissão do autor. As informações e conteúdo dos capítulos desta obra são de inteira responsabilidade dos respectivos autores. E ditora S choba Rua Melvin Jones, 223 - Vila Roma - Salto - São Paulo - Brasil CEP 13321-441 Fone/Fax: +55 (11) 4029.0326 | 4021.9545 E-mail: atendimento@editoraschoba.com.br www.editoraschoba.com.br
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Angélica Ilacqua CRB-8/7057 Gonçalves, Regina Aparecida Correia Biocatálise e biotransformação : fundamentos e aplicações : volume 2 / Regina Aparecida Correia Gonçalves, Arildo José Braz de Oliveira, Eduardo Gonçalves . -- São Paulo : Schoba, 2012. 376 p. : il. Segunda série de textos do workshop de Biocatálise e Biotransformação. ISBN 978-85-8013-190-1 1. Química – Estudo e ensino 2. Biologia celular 3. Biocatálise 4. Enzimas 5. Estereosseletividade 5. Síntese orgânica I. Título CDU 576 12-0221 CDD 576.807 Índices para catálogo sistemático: 1. Biologia celular 2. Química – Estudo e ensino : Biocatálise
Sumário
Apresentação
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Prefácio: Biocatálise e biotransformação: momento para conhecer e explorar o potencial da natureza
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1. Nasce uma epóxido-hidrolases no Brasil
21
2. Imobilização de enzimas em materiais poliméricos: aplicações sintéticas em meio orgânico
45
3. Mecanismos de desalogenação redutiva de halocetonas
85
4. Compostos de selênio e telúrio e suas relações com as enzimas: componentes, miméticos, substratos e inibidores
101
5. Biodiesel por catálise enzimática
149
6. Aplicação de biocatálise na preparação de heterocompostos oticamente ativos
215
7. Biocatálise com lipases em solventes orgânicos
247
8. Produção de etanol a partir do bagaço de cana-deaçúcar por via enzimática
281
9. Uma abordagem na biossíntese de ciclodextrinas a partir de enzima produzida por células de bacilo alcalofílico imobilizadas
333
10. Avaliação por eletroforese capilar da produção de ácido 3-indolacético a partir da Klebsiella oxytoca livre e imobilizada
353
Apresentação
Este livro é resultado dos temas discutidos no V Workshop de Biocatálise e Biotransformação que foi realizado no período de 20 a 23 de julho de 2010 no Departamento de Farmácia da Universidade Estadual de Maringá e organizado pela Professora Dra Regina Aparecida Correia Gonçalves (Coordenadora, DFA – UEM), Professor Dr Arildo José Braz de Oliveira (DFA – UEM) e Professor Dr José Eduardo Gonçalves (CESUMAR). O evento contou com 201 participantes, 10 conferências plenárias com uma hora de duração, 3 sessões coordenadas através da apresentação de 7 trabalhos orais, 2 mini-cursos e apresentação de 129 trabalhos científicos na forma de pôster. Este evento reuniu pesquisadores e estudantes envolvidos com o uso de enzimas e micro-organismos em Síntese Orgânica, na área de alimentos e meio ambiente para discutir trabalhos e avanços científicos recentes de biocatálise e biotransformação e perspectivas de trabalhos futuros nesta área. O uso de enzimas e micro-organismos em várias áreas biotecnológicas vem se tornando cada vez mais explorada e em crescimento exponencial sendo um dos fatores motivadores do surgimento deste evento de periodicidade bianual. O I Workshop de Biocatálise ocorreu entre 18-22 fevereiro de 2002 no Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP). O evento foi organizado pelo Prof Dr João Valdir Comasseto (IQ-USP) e pela Dra. Solange Sakata (IQ-USP). Neste primeiro Workshop inscreveram-se 60 participantes, foram apresentados 20 trabalhos na forma de seção de pôster e houve 12 apresenta-
9
Biocatálise e Biotransformação: Fundamentos e Aplicações
ções orais. O II WkBiocatBiotrans ocorreu de 16-18 fevereiro de 2004 no Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (IQ-UNICAMP). O evento foi organizado pela Profa Dra Anita Jocelyne Marsaioli (IQ-UNICAMP), Prof Dr José Augusto Rosário Rodrigues (IQ-UNICAMP) e pelo Prof Dr Paulo José Samenho Moran (IQ-UNICAMP). Neste segundo Workshop inscreveram-se 63 participantes, foram apresentados 19 trabalhos na forma de seção de pôster, 6 apresentações orais e 6 mini-cursos com 8 horas de duração. O III WkBiocatBiotrans ocorreu de 7-10 fevereiro de 2006 no Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP). O evento foi organizado pelo Prof Dr Leandro Helgueira Andrade (Coordenador, IQ-USP) e Prof Dr André Luiz Meleiro Porto (IQ-USP). Neste terceiro Workshop inscreveram-se 200 participantes, foram apresentados 98 trabalhos na forma de seção de pôster, 5 conferências plenárias (60 minutos), 3 conferências (30 minutos) e 13 apresentações orais de pôster (20 minutos). O III Workshop de Biocatálise foi organizado em conjunto com II Encuentro Regional de Biocatálisis y Biotransformaciones (Uruguai e Argentina). O IV Workshop de Biocatálise e Biotransformação ocorreu de 15-18 julho de 2008 no Conjunto Didático da Área II do Campus de São Carlos da Universidade de São Paulo. Este evento foi organizado pelo Prof Dr André Luiz Meleiro Porto (IQSC-USP) e Prof Dr Alcindo A. dos Santos (DQ-UFSCar). Este Workshop contou com a participação de 122 inscritos, foram apresentados 70 trabalhos na forma de seção de pôster, 9 conferências plenárias, 1 mini-curso e uma sessão coordenada com 6 apresentações orais. O VI Workshop de Biocatálise e Biotransformação será realizado em Fortaleza-CE em 2012 na Universidade Federal do Ceará sob Coordenação do Professor Dr. Marcos Carlos de Mattos. Agradecemos aos autores dos capítulos que prontamente atenderam ao convite para colaborarem com seus trabalhos e avanços científicos na área de Biocatálise e Biotransformação possibilitando que um público maior tenha acesso as discussões e aos temas 10
Segunda série de textos do workshop de Biocatálise e Biotransformação
abordados no V WkBiocatBiotrans. Gostaríamos de registrar e agradecer a participação efetiva da Professora Dra Izabel Cristina Piloto Ferreira (Tutora) e dos alunos do Programa de Educação Tutorial (PET- Farmácia UEM), representados pelos alunos Bruna Luíza Pelegrini, Lucas Araújo Caldi Gomes, Mayara da Costa Santos, Rafaela Pelisson Regla, Rafael Rinaldi Ferreira e Thaila Fernanda Oliveira da Silva pela colaboração no V WkBiocatBiotrans e na formatação deste livro. Acreditamos que os temas que serão discutidos neste livro deverão, sem dúvida, estimular novos pesquisadores a desenvolverem trabalhos nas áreas de Biocatálise e Biotransformação contribuindo para o estudo e a aplicação da biodiversidade brasileira em biotecnologia e química fina. Regina Aparecida Correia Gonçalves José Eduardo Gonçalves Arildo José Braz de oliveira
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Prefácio Biocatálise e biotransformação: momento para conhecer e explorar o potencial da natureza
J. Augusto R. Rodrigues, Paulo J. S. Moran Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Química, 13083-970 Campinas-SP jaugusto@iqm.unicamp.br; moran@iqm.unicamp.br Maria da Graça Nascimento Universidade Federal de Santa Catarina, Departamento de Química, Trindade, Florianópolis- SC, 88040-900 maria.nascimento@ufsc.br
Em 5 de outubro de 2005, O Comitê do Prêmio Nobel divulgou um comunicado interessante e importante em relação ao premio para a química. Foi mencionado, “This represents a great step forward for ‘green chemistry’, reducing potentially hazardous waste through smarter production. This research is an example of how important basic science has been applied for the benefit of man, society and the environment.” O comitê do Nobel estava reconhecendo o que uma nova geração de cientistas sabia já há algum tempo, ou seja, que através da pesquisa ao nível mais fundamental – o nível molecular – é possível planejar e projetar os produtos, processos, e sistemas de maneira mais sustentável. Existe um reconhecimento generalizado de que o sistema atual
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Biocatálise e Biotransformação: Fundamentos e Aplicações
pelo qual se produz produtos e serviços requisitados pela sociedade não é sustentável. Esta não sustentabilidade adquire muitas formas. É preciso reconhecer que o atual sistema de produção se sustenta em matérias primas finitas extraídas da Terra, e que estas estão se exaurindo a uma velocidade que não pode ser mantida indefinidamente. É igualmente legítimo reconhecer que a atual eficiência de produção resulta em mais de 90% de material usado no processo de produção terminar como resíduo, isto é, menos de 10% resulta no material desejado. Outra condição de não sustentabilidade é a energia; isto não apenas reside largamente nas fontes finitas de energia, mas também resulta na degradação ambiental que não pode persistir com o crescimento populacional no transcorrer do século XXI. Finalmente, os produtos e processos que são utilizados desde a revolução industrial, apesar de sua eficiência sintética, atingiram suas metas sem considerar o impacto e consequências sobre os humanos e a biosfera, com muitos exemplos de substâncias tóxicas e perigosas espalhadas sobre o planeta e em nossos corpos. Se for desejável alterar esta rota insustentável, será preciso direcionar e comprometer o engajamento dos melhores cientistas e engenheiros para programar um futuro diferente do atual. Deve-se proceder com uma ampla perspectiva de que quando for procurar por eficiência e desempenho, é necessário reconhecer que estes termos incluam a sustentabilidade, implicando em um impacto minimizado sobre os humanos, animais em geral e para o ambiente. Uma parte essencial para atingir o desafio da busca pela sustentabilidade será baseada na natureza dos materiais que empregamos como materiais de partida. Qualquer futuro sustentável deve assegurar que os materiais nos quais se baseia a infraestrutura econômica sejam renováveis e compatíveis com o ambiente. Existem opções de como atingir este desafio tecnológico, como por exemplo o emprego de rejeitos de um processo como matéria prima para outro. Existe, contudo, o reconhecimento que uma parte essencial de uma futura sustentabilidade será baseada em inovação e usos apropriados das matérias primas derivadas de fontes biológicas. A indústria de plásticos mundial, que é uma das mais antigas, 14
Segunda série de textos do workshop de Biocatálise e Biotransformação
surgiu no transcorrer do início do século XX, principalmente após a Primeira Grande Guerra. É relevante lembrar que os primeiros plásticos foram obtidos de fontes vegetais, principalmente da celulose e seus derivados. Com a generalização dos usos do petróleo como fonte fóssil de matéria prima orgânica, mas com prazo para se esgotar, a celulose tornou-se menos relevante para a indústria de plásticos. A Figura 1 ilustra a dependência do petróleo na primeira década do século XXI, e observa-se que menos de 10% dos polímeros se originam de fontes renováveis.
280
20
16,6
3,4
Base biopolímeros
Base bioplásticos
Base petropolímeros
Base bio não plásticos
Figura 1. Panorama mundial total de polímeros biobaseados (20Mt) englobando: 0.36 Mt de plásticos emergentes biobaseados (2007); 4 Mt de celulósicos; aprox. 15 Mt de não alimentícios, não combustíveis e produtos de amido não plásticos; aprox. 1 Mt de resinas alquídicas.1
Após 100 anos, a indústria de plásticos começou a voltar à sua origem, buscando na natureza sustentável a matéria prima para a produção dos chamados plásticos biobaseados. A Figura 2, apresenta a capacidade mundial de biopolímeros retirados pelos autores
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Biocatálise e Biotransformação: Fundamentos e Aplicações
dos anúncios das empresas divulgadas até meados de 2009, não incluindo o material celulósico. Observa-se na primeira década, a predominância de plásticos biobaseados derivados de amido, mas já surgindo significativamente a produção de poli-lactato (PLA) e do biopolietileno produzido pela Braskem em Paulínia (SP). A seguir os autores apresentaram uma projeção baseada no interesse generalizado das grandes empresas por fontes de matéria prima renovável. 3.5
3.0
Outros
2.5
Base biomonômeros
2.0
PHA Base bioetileno
1.5
PLA
1.0
Plásticos de amido 0.5
0.0 2003
2007
2009
2013
2020
Figura 2. Capacidade projetada mundial de plásticos biobaseados retirados dos anúncios das empresas feitas até meados de 2009.1
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Segunda série de textos do workshop de Biocatálise e Biotransformação
A análise da produção de plásticos biobaseados pelas diversas regiões do planeta em 2007, revela um equilíbrio entre a Europa, Estados Unidos e Ásia com a liderança da primeira (Figura 3). Entretanto, a América do Sul é a região onde a produção é insignificante nessa comparação, pois representa apenas 1% da produção mundial. Esta situação decepcionante em relação às demais regiões é um desafio para a comunidade sul-americana romper o atraso, considerando o enorme potencial da biodiversidade local que é das mais exuberantes. As grandes empresas percebendo a oportunidade de matéria prima renovável abundante da América do Sul, estão estabelecendo laboratórios de pesquisa para aproveitar esse potencial bio-sintético, como é o caso da Amyres, Novozymes, Procter & Gamble, Cargil, etc. O sucesso do bioetanol brasileiro é um incentivo para o sucesso desse empreendimento e empresas como Braskem já está produzindo biopolietileno a partir do bioetanol desde 2010, e planejando a produção do biopolipropileno. Esta expectativa para o futuro da região pode ser avaliada na projeção da produção mundial de plásticos biobaseados para 2020, no qual se nota para a América do Sul um produção de 18 %, equiparando-se com as demais regiões (Figura 3).
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Biocatálise e Biotransformação: Fundamentos e Aplicações
2007
2020
1% 19%
29% 37%
18%
12% 27%
33%
24%
América do Sul
EUA
América do Sul
Europa
Ásia Pacífico
Europa
EUA Ásia Pacífico Não especificado
Figura 3. Produção mundial de plásticos biobaseados por região em 2007.1
Este enorme potencial projetado para um ano não muito distante é claramente um desafio e uma oportunidade imperdível para pesquisadores da América do Sul. Este é um limiar de desenvolvimento do setor que deverá se inserir num nível de igualdade tecnológica e científica com as demais regiões. Atualmente, plásticos de origem bio são mais caros do que os derivados de petróleo, em decorrência da baixa eficiência dos processos fermentativos e de serem mais caros do que os catalisadores químicos. Entretanto, essa diferença de custos vem diminuindo e espera-se preços similares em um momento não muito distante. Além da indústria de bioplásticos, as oportunidades não se restringem apenas a este setor. Atualmente, é impensável a indústria farmacêutica sem a o uso da biotecnologia. Praticamente, todo fármaco novo depende das ferramentas biotecnológicas para a sua descoberta e desenvolvimento, sendo que um número crescente 18
Segunda série de textos do workshop de Biocatálise e Biotransformação
delas são essencialmente biológicas. Esta é uma tendência recente e que vem se acentuando. A biotransformação tem surgido como uma real alternativa às rotas sintéticas tradicionais de blocos construtores quirais devido às químio-, régio- e enantiosseletividades frequentemente observadas nas reações catalisadas pelas enzimas. Um grande número de aplicações da biotransformação nas indústrias foi catalogado recentemente.2 As hidrolases tem sido as mais utilizadas, principalmente as lipases, pelo fato de não requererem cofatores. A distribuição de enzimas utilizadas em escala industrial para obtenção de produtos opticamente puros está apresentada na Figura 4.3 Os processos de biotransformações redox são economicamente mais atrativos comparado com o uso de enzimas isoladas, e em decorrência, 75% dos processos de biotransformações redox realizados nas indústrias utilizam células inteiras.2 A biotecnologia também tem sido crescente na agricultura. Nos Estados Unidos, por exemplo, aproximadamente 80 % da soja e milho são produzidos por modificação genética.
Oxifuncionalização enantioespecífica
Resolução cinética por hidrolases
Redução enantioespecífica
Figura 4. Distribuição de reações biocatalíticas utilizadas em escala industrial para obtenção de produtos opticamente puros (adaptado da ref 3).
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Biocatálise e Biotransformação: Fundamentos e Aplicações
A partir destas considerações e observações, este livro se propõe contribuir para a solução destas questões essenciais e ao desafio para conduzir na direção de uma sociedade mais sustentável nas quais a matéria prima, processos e produtos derivados de fontes renováveis, sejam os pilares da economia. Os autores discutem os avanços dos trabalhos desenvolvidos em seus laboratórios empregando métodos de biocatálise e ou biotransformação, que em última análise estão refletindo as premissas discutidas acima, envolvendo as contribuições tanto à pesquisa básica como na aplicada em biotransformação. Apesar do número de pesquisadores brasileiros ter aumentado significante nos últimos anos, a biocatálise e biotransformação no Brasil e na América do Sul ainda está distante dos problemas desafiadores do meio produtivo empresarial. Nas outras regiões do planeta, a situação é bem diversa. Em 2005 o mercado externo brasileiro de enzimas correspondia apenas a 3,7% do mercado internacional sendo que 86% desse valor correspondem às importações indicando a desvantagem tecnológica nesse setor.4 Portanto, acredita-se que através da pesquisa, conhecimento, metodologia científica adequada e participação de um número cada vez crescente de pesquisadores nesta área, será possível um entendimento mais claro destes processos, bem como a contribuição significativa no setor.
Referências Bibliográficas 1. Shen, L., Haufe, J, Patel, M. Product overview and market projection of emerging bio-based plastics PRO-BIP 2009. 2. Solano, D.M.; Hoyos, P.; Hernáiz, M.J.; Alcántara, A. R.; Sánchez-Montero, J.M.; Bioresource Technol., 2012, 115, 196-207. 3. Hollmann, F.; Arends, I.W.C.E.; Holtmann, D.; Green Chem. 2011, 13, 2285-2314. 4. Bon, E.P.S.; Costa, R.B.; da Silva, M.V.A.; Ferreira-Leitão, V.S.; Freitas, S.P.; Ferrara, M.A. “Mercado e perspectivas de uso de en20
Segunda série de textos do workshop de Biocatálise e Biotransformação
zimas industriais e especiais no Brasil”, in Enzima em biotecnologia, produção, aplicações e mercado. Eds: Bon, E.P.S.; Ferrara, M.A.; Corvo, M.L.;Vermelho, A.B.; Paiva, C.L.A.; de Alencastro, R. B.; Coelho, R.R.R. Editora Interciência Ltda. RJ. (2008), p.463.
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Capítulo 1 Nasce uma epóxido-hidrolases no Brasil
Anita J. Marsaioli,1* Dávila S. Zampieri,1 Anete P. de Souza2,3 e Lilian L. Beloti2 1 Instituto de Química, Universidade Estadual de Campinas, CP 6154, CEP 13083-970, Campinas, São Paulo. 2Centro de Biologia e Engenharia Genética – CBMEG, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, São Paulo.3Instituto de Biologia, Departamento de Biologia Vegetal, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, São Paulo.
Resumo Neste capítulo relatamos os esforços conjuntos dos grupos de pesquisa da Profa. Anita J. Marsaioli e da Profa. Anete Pereira de Souza na expressão da primeira epóxido hidrolase Brasileira.
1. Introdução O papel das enzimas na biotecnologia é muito importante para a descoberta de novos agentes terapêuticos e desenvolvimento de processos industriais. A área da ciência que utiliza organismos, células e seus metabólitos para produzir materiais industriais é tão antiga quanto a história da humanidade e existem documentos sobre a aplicação de fermentos para fabricar pães, vinho, iogurte 23
Biocatálise e Biotransformação: Fundamentos e Aplicações
e etc desde 700 aC. Entretanto o grande avanço biotecnológico aconteceu durante a primeira guerra mundial e se consolidou entre as décadas de 40 a 60 com a produção em escala industrial de antibióticos. A biocatálise é uma vertente da biotecnologia (Figura 1) a qual se caracteriza pela aplicação de moléculas biológicas (em geral enzimas) para catalisar reações químicas específicas. Este conceito evoluiu ao longo dos anos passando de catálise específica onde uma enzima teria ação sobre um substrato determinado para uma catálise mais geral ou promiscuidade enzimática, ou seja, uma enzima pode catalisar a reação de diversos substratos. Assim desde 1950 as aplicações enzimáticas em processos para transformar compostos orgânicos naturais e não naturais vem crescendo exponencialmente. Este avanço deve-se em grande parte ao avanço da engenharia genética que através de clonagem e expressão heteróloga de enzimas permite reações enantiosseletivas com altos rendimentos .1 PESQUISA E DESENVOLVIMENTO NTO fisiologia animal e vegetal getal
APLICAÇÃO PRÁTICA meio m i ambiente bi t diagnósticos
imunologia
fármacos
microbiologia química
energia alimentos
BIOTECNOLOGIA
fermentações
engenharia bioquímica
BIOCATÁLISE
genética engenharia genética
agricultura animal
agricultura g
Figura 1. Atuações da biotecnologia (adaptada)1
Dentro desse contexto, as Epóxido-hidrolases serão destacadas neste capítulo, por serem enzimas de grande importância para o metabolismo de xenobióticos, além de serem relevantes em escala industrial.
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Segunda série de textos do workshop de Biocatálise e Biotransformação
2. Epóxido-Hidrolases (EHs) As epóxido-hidrolases (EC 3.3.2.3) não necessitam de cofatores para atuarem e pertencem a uma sub-família de um amplo grupo de enzimas hidrolíticas como esterases, proteases, desalogenases e lipases.2 Acreditava-se, inicialmente, que as epóxido-hidrolases (EHs) fossem predominantes apenas em mamíferos,3 até sua descoberta em fungos,4 bactérias,5 insetos6 e plantas7 atuando sobre uma grande variedade de epóxidos.8 Em eucariotos, como mamíferos e fungos, as EHs desempenham um papel relevante no metabolismo de xenobióticos, e em especial compostos aromáticos e alquenos.2,9 Diversas linhagens microbianas são capazes de produzir grandes quantidades de EHs, e estas têm sido amplamente empregadas em síntese orgânica. As EH são enzimas que catalisam a abertura do anel oxirano (epóxidos) levando a formação do seu diol correspondente.10 Há dois tipos de EHs: as solúveis, responsáveis por várias funções biológicas no metabolismo dos lipídeos, regulação da pressão sanguínea e inflamação, além de desempenharem um importante papel no metabolismo de compostos orgânicos; e as microssomais (EHm) que são proteínas ancoradas à membrana celular e responsáveis pelas desintoxicação provocada por compostos xenobióticos. Independente da fonte microbiana produtora de EH, a mesma possui uma tríade catalítica extremamente conservada, composta pelos aminoácidos Asp, Asp (ou Glu em EHm) e His, assim como dois resíduos de Tyr posicionados no centro catalítico os quais ativam o anel oxirano para facilitar o ataque nucleofílico pelo resíduo de aspartato. É importante ressaltar que a função de uma proteína não pode ser estimada somente pela sua sequência de aminoácidos, é necessário saber sua estrutura secundária e terciária, pois estas são atributos importantes para a atividade biocatalítica. Adicionalmente as EH podem ser modificadas através de técnicas como, por exemplo, a evolução sítio dirigida de proteínas que podem modular a atividade para obter conversões máximas e altos
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Biocatálise e Biotransformação: Fundamentos e Aplicações
excessos enantioméricos. Epóxidos enantiomericamente puros ou enriquecidos podem ser preparados usando diferentes enzimas, como peroxidases, monoxigenases, lipases associadas a peróxido de hidrogênio e EHs.12 As EHs são notáveis por não necessitarem cofatores, terem ampla ocorrência natural e aceitar uma variedade de substratos, convertendo-os em diois com alta quimio, regio e enantiosseletividade.7,13 A atividade de EH foi identificada pela primeira vez em 1970,14 purificada de fígado de ratos em 1975 15 e de fígado humano em 1979,16,17,18 sendo responsáveis diretas pela desintoxicação de xenobióticos.19 Compostos aromáticos (Esquema 1) e alquenos (Esquema 2) podem ser metabolizados de duas maneiras: Em células procarióticas, tais como bactérias, onde as dioxigenases catalisam a reação de cicloadição de oxigênio molecular à dupla ligação C=C formando um dioxetano, resultando em dióis. Nas células eucarióticas, como fungos e mamíferos, a epóxidação enzimática é a principal via de degradação de aromáticos e alquenos.15,24
células procariotas
R
dioxigenases R
R O
redutase
O
[H2] cis-diol
dioxetano
OH OH demais metabolismos
monooxigenases células eucariotas
R O
epóxido-areno
epóxido hidrolase H 2O
R
trans-diol
Esquema 1. Biodegradação de compostos aromáticos.15,24
26
OH OH