Guerrilha do araguaia

Page 1






Copyright © Licio Maciel Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução total ou parcial, de qualquer forma e por qualquer meio mecânico ou eletrônico, inclusive através de fotocópias e de gravações, sem a expressa permissão do autor. Todo o conteúdo desta obra é de inteira responsabilidade do autor. Editor Responsável: Thiago da Cruz Schoba Coordenador Editorial: João Lucas da Cruz Schoba Capa: Editora Schoba / Francis Manolio Diagramação: Editora Schoba / Francis Manolio Revisão: Licio Maciel Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Maciel, Lício Guerrilha do Araguaia : relato de um combatente / Lício Maciel. -- 2. ed. -- Salto, SP : Editora Schoba, 2011. Bibliografia. ISBN 978-85-8013-047-8 1. Guerrilhas - Araguaia, Rio, Vale 2. Guerrilhas - Brasil I. Título. 11-02336

CDD-981.083

Índices para catálogo sistemático: 1. Araguaia : Guerrilha, 1972-1974 : Brasil : História 981.083 2. Guerrilha do Araguaia, 1972-1974 : Brasil : História 981.083

Editora Schoba Ltda Rua Melvin Jones, 223 - Vila Roma - Salto - São Paulo CEP 13321-441 Fone/Fax: (11) 4029.0326 E-mail: atendimento@editoraschoba.com.br www.editoraschoba.com.br


DEDICATÓRIA

À minha querida esposa, Leda Ceres, companheira de mais de 50 anos, que enfrentou com serenidade e coragem os sofrimentos de uma fase muito difícil de nossa vida, só tomando conhecimento da verdadeira gravidade da luta apenas quando me recebeu de volta de missão ferido gravemente, deformado. Ela, na realidade, foi quem mais sofreu, compensando com atenção constante, redobrada e com extrema abnegação na educação dos nossos três filhos. Estes, participantes involuntários dos sucessivos degraus de uma longa carreira militar cheia de obstáculos e vitórias, sempre me proporcionaram alegrias e motivos de orgulho, nunca me deram o menor desgosto, merecem todo o meu respeito, admiração e amor.

--- 7 ---



PREITO DE GRATIDÃO

Meu reconhecimento e minha incomensurável gratidão aos valorosos, leais e abnegados elementos do meu grupo de combate, a quem devo ter sido salvo em plena selva, do contrário teria sangrado até o fim, atingido traiçoeiramente quando tentava prestar socorro a uma guerrilheira que não se rendeu e, por isso, fui obrigado a ferir.

--- 9 ---



AGRADECIMENTOS

Aos heróicos militares mortos, ainda mais do que aos vivos – impossível citar o nome de todos, meus companheiros, com quem tive a honra e a satisfação de operar nas diversas fases da luta. Aos “mateiros”, moradores da área, que serviram de guia na mata ao meu grupo de combate, com lealdade e perseverança, levando-nos aos lugares desejados sempre com rapidez e exatidão. Alguns foram, infelizmente, “justiçados” covardemente pelos terroristas. Desejo reverenciar, in memoriam, o senhor Antonio Pereira, último morador da trilha de Pará da Lama, que mais sofreu, juntamente com a família, as conseqüências de uma luta destituída da mais primária lógica, por inglória, além de fratricida. Hoje, revendo os fatos, não posso deixar de acreditar em destino, principalmente através de sua enorme injustiça. Antonio Pereira, seja em que plano você possa estar na eterna paz de Deus, queira aceitar nosso pedido de mil desculpas pelo mal que inadvertidamente lhe causamos. Quero agradecer ao historiador Carlos Ilich Santos Azambuja, à escritora Graça Salgueiro, ao escritor Félix Maier, ao Coronel Aloísio de Moura e Souza, ao Coronel José Luiz Sávio Costa, ao Coronel Cláudio Moreira Bento e ao Ternuma, por terem gentilmente autorizado a transcrição de trechos de artigos de sua lavra.

--- 11 ---



JURAMENTO MILITAR

Incorporando-me ao Exército do Brasil, prometo cumprir rigorosamente as ordens das autoridades a que estiver subordinado, respeitar os superiores hierárquicos, tratar com afeição os irmãos de armas, com bondade os subordinados e dedicar-me inteiramente ao serviço da pátria, cuja honra, integridade e instituições defenderei com o sacrifício da própria vida.

--- 13 ---



SUMÁRIO Prefácio.............................................................................................................15 Apresentação....................................................................................................23 Introdução........................................................................................................27 1. Primórdios....................................................................................................51 2. Descoberta da Grande Área.......................................................................65 3. Operação Sucuri..........................................................................................77 4. Combate com o Grupamento Militar.......................................................91 5. Combate com o Destancamento “A”......................................................101 6. Combate Decisivo.....................................................................................113 7. Morte de Osvaldão....................................................................................117 8. Limpeza da Área........................................................................................121 9. O Homem Perante a Guerra...................................................................131 10. O Combatente de Selva..........................................................................143 11. Meu Grupo de Combate........................................................................147 12. Modus Operandi do Meu Grupo de Combate...................................151 13. Rotina na Selva........................................................................................157


14. Grandes Comandantes...........................................................................169 15. Comentários............................................................................................185 16. Operações do Exército...........................................................................195 17. Justa Indignação......................................................................................205 18. Sessão Solene em Homenagem aos Militares Mortos no Araguaia......................................................................209 19. A Musa dos Pioneiros............................................................................217 20. Palavras Finais.........................................................................................223 Anexos............................................................................................................231 Anexo I............................................................................................................233 Anexo II..........................................................................................................237 Anexo III........................................................................................................243 Anexo IV .......................................................................................................245 Anexo V..........................................................................................................253 Anexo VI........................................................................................................267 Anexo VII.......................................................................................................273 Anexo VIII.....................................................................................................277 Anexo IX........................................................................................................285 Anexo X..........................................................................................................297 Anexo XI........................................................................................................305 Anexo XII.......................................................................................................309 Anexo XIII.....................................................................................................319 Anexo XIV . ..................................................................................................327 Fotografias......................................................................................................329


PREFÁCIO Coronel Jarbas Gonçalves Passarinho*

Conheço o Tenente Coronel Licio desde que ingressou na Academia Militar das Agulhas Negras em março de 1950. No ano seguinte, recebi os cadetes da nova Turma do Curso de Artilharia, dentre eles o Cadete Licio, com quem convivi, ele como aluno e eu como instrutor, até a declaração de Aspirante a Oficial em Novembro de 1952, Turma Barão do Rio Branco. Cadete sério, sociável, de conduta exemplar, compenetrado, bom aluno, de elevado espírito militar, cumpridor de suas atribuições e muito disciplinado, ao final do Curso assinou o Livro de Honra “Estímulo ao Exemplo” da Academia ao ser declarado Aspirante a Oficial. Fui reencontrá-lo muitos anos depois em Brasília, após deflagrada a ContraRevolução de 31 de março de 1964. Em 1972, tive a grata notícia que ele fora agraciado com a Medalha do Pacificador com Palma, como uma homenagem especial do Exército, por haver se distinguido no cumprimento do dever, por atos pessoais de abnegação, coragem e bravura, pelo General Orlando Geisel, Ministro do Exército. O Presidente João Figueiredo comentou um incidente no Araguaia

--- 17 ---


--- Licio Maciel ---

em que um major do Exército, que tentava socorrer uma guerrilheira, foi atingido traiçoeiramente por ela no rosto. Não sabia, porém, de quem se tratava. Detalhes desse incidente me foram sendo revelados aos poucos e fiz referências a ele em diversas entrevistas e palestras que concedi a jornais, revistas e, em seguida, à televisão, sem saber o nome do protagonista. Um jornalista que escreveu uma série de livros sobre a época dos governos militares, referindo-se ao caso, revelou o nome do major. Era o meu Cadete Licio. Em 2004, li um relatório que ele inseriu na Internet destinado aos seus companheiros de Turma da AMAN, sobre o incidente. Agora, após mais de 34 anos do ocorrido, ele mesmo descreve em detalhe o impressionante combate com os guerrilheiros do destacamento A, quando foi atingido por um tiro no rosto, em plena selva. Ao não obedecer à voz de prisão, a guerrilheira “Sônia” poderia ter sido morta imediatamente, mas foi poupada. Mesmo quando atirou, o Major Licio o fez baixo, acertando-lhe uma das pernas, derrubando-a. Em seguida, os demais elementos da equipe anularam a ação da guerrilheira e rechaçaram os seus companheiros, passando a prestar socorro ao comandante ferido, transportando-o numa rede durante uma noite inteira pela mata até o ponto combinado, via rádio, onde estaria esperando uma ambulância, o primeiro socorro médico. O próprio título do livro sugere ser o assunto violento. É o testemunho de um guerreiro, descrições sem rebuscada escrita, simples e com grande poder de síntese, detalhes de combates confirmados por livros e relatórios já editados, inclusive aqueles escritos pelos próprios comunistas. As declarações dos poucos militares que se dispõem a falar sobre o assunto são sempre desvirtuadas, distorcidas, quando não abafadas, maldosamente pela mídia, numa demonstração plena de puro revanchismo, fanático e imbecil. Os militares sabem muito bem das motivações espúrias por trás dessas ações atuais dos comunistas. Além de servir para desviar o foco

--- 18 ---


--- Guerrilha do Araguaia ---

das atenções sobre as falcatruas dos governistas, que ressurgiu com a aceitação da denúncia pelo Superior Tribunal de Justiça, visa abrir caminho para a revisão unilateral da Lei de Anistia, para garantir o êxito da revanche sórdida. Assim, estamos vendo que, passados mais de 20 anos, não consolidaram a reconciliação da família brasileira, objetivo sincero da Lei da Anistia, que acabou sendo unilateral. Em tudo é assimétrica, a ponto de, para os vencedores, só caberem os efeitos perversos do revanchismo. Estranho revanchismo, aliás, porque os comunistas e esquerdistas em geral são senhores de um poder que não conquistaram, como queriam, pelas armas. O paradoxo está em que os vencedores da mais recente tentativa comunista de conquistar o Brasil pagam hoje o absurdo preço por terem impedido que o Brasil se transformasse numa imensa Cuba, terra sem liberdade. Dizem, maliciosamente, que é mero pretexto a alegada ameaça comunista. Não o diz Carlos Prestes, nos livros que ditou, em que ressalta sua aliança com Jango, de quem diz que “já compreendia o papel da União Soviética” na Guerra Fria, que dividia o mundo entre democratas e comunistas. Confirmam-no as guerrilhas, todas de facções comunistas. Fidel, o ditador mais velho do mundo, foi cabeça de ponte da revolução comunista na América do Sul. Em Cuba e na China de Mao Tse Tung, os brasileiros comunistas foram treinados para a guerrilha, ainda no governo Jango. O culto dos vencidos é o mais amplo possível, na esfera mesma da luta armada que desencadearam. Oficiais brilhantes, que eram adidos militares na Inglaterra e no Uruguai, prováveis generais em breve, tiveram sua carreira encerrada sob acusações falaciosas, enquanto um desertor e assassino recebe o prêmio inédito de promoção de capitão guerrilheiro da Vanguarda Popular Revolucionária, a coronel post mortem, com vencimentos de general devidos à viúva que receberá ainda mais uma fortuna de indenização, “por perseguição política”. Ora, essa família foi mandada pelo desertor para Cuba e lá hospedada enquanto o capitão Lamarca matava inocentes e indefesos brasileiros civis. É a isso

--- 19 ---


--- Licio Maciel ---

que os atuais donos do poder e seus asseclas chamam de democracia. Aos “democratas” que me dizem defensor da tortura, sórdida mentira, pergunto: durante seu adestramento visitaram os presos que apodreciam de torturas nos cárceres de Cuba, na tristemente famosa cadeia de La Cabaña? Batem palmas ao assassínio recente dos três cubanos que tentavam sair do “paraíso comunista” num barco em fuga, para juntarem-se aos milhões de exilados em Miami, de onde enviam 2 bilhões de dólares por mês para a pobre Cuba, de partido único, do único jornal e das rádios e TV do ditador? Que democracia é essa, pela qual morreram e mataram? E os que foram aprender na China de Mao Tse Tung não sabiam das torturas em massa da Revolução Cultural? Defendendo a democracia dos comunistas armados tivemos de viver o dilema de Loewenstein: “Se o Estado constitucional, confrontado com a ameaça totalitária, usa fogo contra fogo e nega aos agressores totalitários o uso das liberdades democráticas para evitar a destruição total da liberdade, faltará à garantia das liberdades fundamentais, mas se as mantém, beneficia seus agressores e põe em risco a sua própria sobrevivência”. O notável intelectual marxista Antonio Cândido, o grande líder Gregório Bezerra, o genial arquiteto Oscar Niemeyer e o piedoso Frei Betto disseram o mesmo, se necessário à vitória do socialismo. Respondemos fogo contra fogo, mas a história ensina que o regime autoritário tende a restaurar a democracia, ao passo que o totalitário tudo fará para manter-se cada vez mais tirânico. Em 1978 foram extintas todas as medidas não democráticas, por emenda constitucional, no Governo do General Ernesto Geisel. O nazismo e o fascismo, a guerra externa os venceu. O comunismo entrou em colapso depois de 74 anos, e um saldo de milhões de mortos. Os fariseus hipócritas quiseram pela terceira vez implantar no Brasil a ditadura do proletariado aprendida em Marx. Odientos, apunhalaram meu irmão mais velho, que os combateu. A lei que defendi na tribuna impede-me o rancor, mas vestidos de professores de democracia causam-me náuseas e não contenho a exclamação: democratas, uma ova! Aprendizes de ditadores, sim.

--- 20 ---


--- Guerrilha do Araguaia ---

Um petista, ministro do atual governo, respondeu recentemente, ao ser questionado por um jornalista, que não considera crimes os assassinatos dos militares de órgãos de segurança pelos companheiros de luta. Portanto, isto já define a linha adotada pelo atual governo, uma verdadeira aberração explícita. Desse modo, por essa brilhante interpretação de leis que faria ruborizar o grande Ruy, se vivo, aquele soldado da polícia militar do RGS, degolado por um integrante do MST foi apenas um incidente irrelevante. A invasão do Congresso pelo MLST, com graves agressões e subseqüente quebra-quebra, não passou apenas de uma brincadeira de pequeno prejuízo. O mensalão não existiu. Não assassinaram o prefeito Celso Daniel e as principais 8 testemunhas. O dinheiro dos aloprados não existiu, Dirceu e Genoíno são inocentes, Valdomiro não recebeu aquele calhamaço de dinheiro. Roberto Jefferson delirou na denúncia que fez no Congresso. O padre que foi fotografado nu num motel era, na realidade, o Herzog, os nossos mortos, centenas, não existiram, e assim sucessivamente em milhares de casos vergonhosos. A mentira é a inspiração máxima de um gramscista, segundo ele mesmo declarou, baseado no decálogo de Lênin. O assassinato do Soldado Mário Kozel Filho, explodido quando de sentinela ao QG do II Ex, não é considerado crime. O atentado no Aeroporto dos Guararapes, no Recife, não teve importância, foi apenas uma brincadeirinha que resultou na morte de um jornalista, de um almirante e deixando centenas de feridos e mutilados. O Tenente Alberto Mendes Júnior, trucidado pelo bando do Lamarca, apenas um desatino dos valentes pobrezinhos perseguidos. O Cabo Odílio Cruz Rosa, quando tomava banho num córrego afluente do Araguaia, foi morto covardemente pelo Osvaldão e seu bando, do qual pertencera José Genoíno, coisa de jovens. O jovem João Pereira, de apenas 17 anos de idade, que acompanhou a primeira equipe a entrar nas matas do Araguaia apenas durante uma manhã, foi esquartejado na frente da família pelos componentes do mesmo grupo. Ângelo Arroyo declarou em seu relatório que “foi um

--- 21 ---


--- Licio Maciel ---

justiçamento para servir de exemplo à população”. Apenas um justiçamentozinho. Os dólares na cueca foram “plantados” pela oposição, da mesma forma que aquela montanha de dinheiro do dossiê foi apenas um devaneio dos “aloprados”. Aí reside, justamente, a causa de tanta violência em que vivemos atualmente, agora sendo revelada, de maneira cabal e insofismável, a sua origem. A interpretação da lei por quem se considera Juiz redunda sempre nisso. Os militares vêm sendo insistentemente agredidos. Primeiro foram denominados de bando, agora de indivíduos. É o revanchismo no mais alto escalão do governo. Até quando? A História do Araguaia será escrita por historiadores confiáveis, seguramente de formação e reputação ilibadas, no tempo correto da historiografia. Não adianta os comunistas quererem inventar uma versão mentirosa e empurrá-la goela abaixo do brasileiro, que pode ser tudo menos imbecil. Jamais poderemos esquecer os atos criminosos cometidos por comunistas assassinos, assaltantes de bancos, terroristas, como Lamarca, Marighela, Apolônio de Carvalho, Gregório Bezerra, Prestes e tantos outros. Aceitá-los ou justificá-los, é desrespeitar a lei, subverter a ordem das coisas, corromper os costumes. A Ordem de Operações da campanha de contra-guerrilha foi dada para ter início em 07/10/1973. Logo em seguida, no dia 13 do mesmo mês, o grupamento militar da guerrilha, comandado por André Grabois, foi derrotado, após ter realizado um audacioso assalto ao quartel da PM de São Domingos, à margem da Transamazônica. No combate com o destacamento A, no dia 24/10/73, eles cantaram vitória: “mataram” um major e feriram um capitão e só tiveram uma baixa. O restante do destacamento nada sofreu. No combate do dia 25/12/73, o combate decisivo, quando o comandante da guerrilha, Maurício Grabois, foi morto, praticamente estava terminada a guerrilha. Bastaram, portanto, dois meses e alguns dias para neutralizar definitiva-

--- 22 ---


--- Guerrilha do Araguaia ---

mente o movimento de guerrilheiros muito bem escondidos numa vasta área das selvas do Pará, após insistentes mensagens para que desistissem do tresloucado intento. Não atenderam. Julgavam-se muito bem preparados na Rússia, na China e em Cuba. Tiveram o fim que escolheram. Por que reclamam? Querem fazer memória? Têm que revelar os fatos verdadeiros ocorridos. Não adianta distorcê-los, querer justificá-los e, principalmente, insistir em encobri-los. A verdade já aflorou e os fatos continuam surgindo. O Major Licio quando foi para a luta contava com mais de 10 anos de formação militar especializada em operações de selva, desde quando foi um dos pioneiros do Curso de Forças Especiais da Divisão de Paraquedistas do Exército Brasileiro. Este seu livro, além de se constituir num depoimento forte, objetivo e surpreendente, escrito por quem participou na linha de frente da luta no Araguaia, merece ser lido com atenção e, principalmente, muita meditação. Tomei como prêmio o convite para prefaciá-lo, o que faço com muito orgulho.

*Foi Ministro várias vezes, Senador e Governador.

--- 23 ---



APRESENTAÇÃO

“Seu nome é sacrifício. Por ofício desprezam a morte e o sofrimento físico. Seus pecados mesmo são generosos, facilmente esplêndidos. A beleza de suas ações é tão grande que os poetas não se cansam de a celebrar. Quando eles passam juntos, fazendo barulho, os corações mais cansados sentem estremecer alguma coisa dentro de si. A gente conhece-os por militares.” Este relato diz respeito principalmente ao que vivenciei no comando de um pequeno grupo de operações de informações e combate, único que operou durante todo o período de luta no Araguaia, deixando um legado incontestável de combates leais, limpos e decisivos. É sabido por todos que o militar convive com risco, seja nos treinamentos, na sua vida diária ou na guerra, a possibilidade iminente de um dano físico ou da morte é um fato permanente de sua profissão. O exercício da atividade militar, por natureza, exige o comprometimento da própria vida. O juramento militar não é, portanto, mera figura de retórica. Se morrer no combate faz parte de sua profissão, matar com muito mais razão.

--- 25 ---


--- Licio Maciel ---

Embora a guerrilha do Araguaia tenha sido um “fato irrelevante”, comparada ao valor de um Exército altamente profissional, era necessário neutralizá-la, reconduzindo ao bom caminho da legalidade os brasileiros iludidos por uma ideologia vergonhosa e apátrida. Escrever sobre toda a luta daria um verdadeiro compêndio, o que não é de meu feitio nem competência, muito menos minha intenção. Cito fatos, descrevo ações, faço comentários à luz da lógica, tão somente. Na minha equipe, estimo, cooperaram diretamente, por revezamento, cerca de 90 (noventa) militares, principalmente soldados, cabos, sargentos dos Batalhões de Selva e da Bda. Paraquedista em todo o período de luta. Eles haverão de relatar, mais cedo ou mais tarde, os combates em que participaram. Alguns, em confiança, concordaram agora em descrever detalhes de passagens que lhes ficaram na lembrança. Experiências fortes não são apagadas facilmente de nossa memória. Passei mais de trinta anos em silêncio, alheio ao assunto Araguaia. Para refutar as mentiras alardeadas pelos revanchistas e provar que eles mentiam, muitos militares e civis, porém, continuaram na luta persistentemente, pesquisando, juntando documentos e escrevendo, de modo que detalhes importantes foram preservados. E a maioria desses detalhes está disponível na Internet em diversos portais. Neles me apoiei para reavivar a memória nos detalhes importantes e que conversei com alguns companheiros de minha equipe de luta. É regra número um do pesquisador que a história não pode ser escrita sob o calor dos conflitos ou das emoções recentes dos fatos, sendo de 50 anos o tempo mínimo aceitável para o seu início. E o que estamos vendo é que este requisito fundamental é descartado presentemente com ampla facilidade pelos revanchistas, segundo o conhecido lema dos comunistas: “É preciso ter o ódio como fator de luta, o inquebrantável ódio ao inimigo, o ódio que eleva o homem acima dos seus limites naturais e o transforma numa fria máquina de matar, eficaz, brutal e seletiva...”, de acordo com Che Guevara: “O revolucionário deve ser uma fria e seletiva máquina de matar” (citado por Jorge Castañeda; jornal “La Época”, do Chile).

--- 26 ---


--- Guerrilha do Araguaia ---

De maneira serena, firme e persistente, facilmente os derrotamos, embora muitas baixas tivemos infelizmente que contar. E não empregamos o seu apregoado ódio; por que reclamam? E, sempre que tentarem, os derrotaremos fragorosamente, orientados por bons sentimentos cristãos. A melhor explicação foi Millôr quem formulou recentemente: “A luta armada não deu certo e eles agora pedem indenização? Então eles não estavam fazendo uma rebelião, mas um investimento”.

--- 27 ---



INTRODUÇÃO

“Aquele que morre por sua pátria, serve-a mais em um só dia que os outros em toda a vida”. - Péricles -

A guerrilha do Araguaia foi uma tentativa armada do Partido Comunista do Brasil (PC do B) de tomada do poder, visando à implantação do regime comunista no nosso país. Já conta com literatura razoável disponível inclusive na Grande Rede, em diversos portais. Não se conformando com a decisão do PCB (Partido Comunista Brasileiro) de não adotar a luta armada, Carlos Marighela, João Amazonas, Maurício Grabois, Ângelo Arroio e muitos outros, declararam-se desfiliados, efetuando o grande racha de 1962, ocasião em que criaram o PC do B (Partido Comunista do Brasil), afirmando a opção pela luta armada. Ressalto: em 1962, pleno governo Jango. Desde 1952 que Marighela já vinha freqüentando cursos na Academia Militar de Pequim. Com a revolução de 1959 em Cuba, seguida da ignominiosa traição de Fidel Castro transformando-a, após vitoriosa, em revolução comunista, deu forte alento às esperanças dos comunistas

--- 29 ---


--- Licio Maciel ---

brasileiros, sempre derrotados nas inúmeras tentativas que realizaram. É bom notar que desde a frustrada tentativa de 1935 os comunistas vinham sendo tolhidos em suas ações violentas por Vargas, um período de governo forte, de pulso, para poder enfrentar o fanatismo dos vermelhos. O PC do B, porém, não perdeu tempo, não sossegou, enviou dezenas de militantes para os países comunistas tratando da formação de quadros para o início da luta armada, aproveitando a tolerância do período de governos eleitos pelo povo, governos democráticos. No início de 1964, antes da Revolução de 31 de Março, a maioria dos elementos que formaria a cúpula do grupamento militar da guerrilha do Araguaia, como o “Velho Mário” escreveu, os melhores, desde André Grabois, Divino Ferreira de Sousa e mais onze militantes, estavam em Cuba e na China fazendo cursos militares, com objetivo de ações terroristas. No final, na realidade, a guerrilha não passou de uma aventura, de uma demonstração de enorme desprezo pela vida humana, de covardia, irresponsabilidade e traição por parte da cúpula do Partido, como ficará constatado pelo desfecho da luta, que eles, os chefes comunistas aboletados nas mordomias de São Paulo, levaram mais de dois anos para tomarem conhecimento da derrota dos companheiros vergonhosamente abandonados nas matas do sudeste do Pará. A partir de 1966 começaram a chegar na região do Araguaia, sendo o Osvaldão um dos primeiros. O período das ações que vamos tratar mais objetivamente é de abril de 1972, quando a área da guerrilha foi descoberta, a fevereiro de 1974, quando ela foi derrotada definitivamente. Logo após a morte de Marighela, em 1969, os Órgãos de Inteligência das Forças Armadas iniciaram estudos visando selecionar as diversas possibilidades plausíveis para identificar as áreas possíveis de treinamento de guerrilha, para dar início aos trabalhos de campo. O eixo Belém-Brasília era um dos mais prováveis, que poderia abranger uma enorme área desde o rio Xingu, a oeste, passando pelo rio Araguaia e chegando até o rio São Francisco, a leste. De sul para norte, de Brasília a

--- 30 ---


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.