Nada nunca é sólido

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nada nunca 茅

s贸lido Contos



hector lumen

nada nunca 茅

s贸lido Contos


Copyright © Hector Lumen Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução total ou parcial, de qualquer forma e por qualquer meio mecânico ou eletrônico, inclusive através de fotocópias e de gravações, sem a expressa permissão do autor. Todo o conteúdo desta obra é de inteira responsabilidade do autor. Editora Schoba Rua Melvin Jones, 223 - Vila Roma - Salto - São Paulo - Brasil CEP 13321-441 Fone/Fax: +55 (11) 4029.0326 | 4021.9545 E-mail: atendimento@editoraschoba.com.br www.editoraschoba.com.br CIP-Brasil. Catalogação-na-Fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ L982n Lumen, Hector Nada nunca é sólido : contos / Hector Lumen. - 1. ed. Salto, SP : Schoba, 2013. 200 p. : 21 cm ISBN 978-85-8013-217-5 1. Conto brasileiro. I. Título. 13-0151. CDD: 869.93 CDU: 821.134.3(81)-3 08.01.13 10.01.13

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Agradecimentos

Um livro é tão solitário quanto coletivo. Nesta página não caberiam todas as pessoas que de alguma forma contribuíram para este. A todos, então, os meus agradecimentos. Mas de maneira direta e especial, agradeço aos meus pais pelo amor e dedicação e à minha esposa pelo incentivo e paciência.



Sumรกrio



O o u t r o .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 1 Café filosófico......................... 19 F u g a pa s s ag e i r a . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 5 Dor de dentro.......................... 33 O h o m e m d e s a p at o s . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4 3 Bolsa ao mar............................. 51 Nada nunca é sólido.................. 57 Azunad..................................... 63 Pa r a b é n s p r a v o c ê ! . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 3 C h r i s t i n e , a g ata . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8 1 Capítulo I................................ 91 Capítulo II............................... 95 Capítulo III.............................. 99 A n t i g a s b a n d e i r a s .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 0 5 Ve r t i g e m .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 1 7 L i b e r ta ç ã o . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 2 3 Pa i x ã o . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 2 9 O l h a , m e u a m o r. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 3 5 Pequeno encontro................... 143 A dança e o salão.................... 151 Se o meu fígado fal asse............ 163 Por um fio.............................. 177 A f e s ta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 8 7



O outro



Movimento na medida certa, furtivo, rápido. O pescoço não tem essa medida, é muito lento. De relance, o olhar para baixo e para o lado encontra a ponta de um sapato preto. O pescoço não é assim, inteligente, é apenas a carroça puxada pela vida dos olhos. Sob pena de quebrarmos uma lei não muito clara, nunca devemos olhar diretamente para o outro desse modo tão de perto. É preciso algum ou muito cuidado com a proximidade. O vulto sentado ao lado cruzou as pernas para servir de apoio à leitura, deixando à mostra o sapato que foi percebi-

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do só pela metade, a metade de cima, a ponta. Algo meio familiar. Por vezes, um pedaço de pé, digo, um pedaço de sapato preto pode fazer toda a diferença. Guido ignora a distração e volta a mergulhar no relatório, ainda incompleto, que tem de apresentar, sem adiar novamente, nesse final de semana. O burburinho é grande ao redor, fazendo a trilha sonora para o ritmo nervoso das suas pernas. É um zumbido diferente do zumbido do nosso planeta em volta do Sol e em volta dele mesmo, porque aqui ele é ouvido o tempo todo. Vozes, celulares, vozes nos celulares, filas que andam e filas que só crescem. Os ônibus com suas orelhas projetadas, espelhadas, enormes chegam e saem pra todo lugar. As saídas são anunciadas no sistema de som. Tudo que é lugar tem gente, muita gente. Não se vai para onde existam poucas pessoas. Tudo é muito cheio. As pessoas com suas malas se amontoam nessa véspera de feriado. Engraçado, não tem cadarços também – pensou entre um gráfico e outro do relatório. Passa os olhos por cima do mundo de malas e de gente à sua frente. Franze levemente a testa como no esforço do

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míope sem lentes, só que na direção contrária de não querer ver. Mal-estar de impaciência. Na sua retina, uma massa informe de iguais onde o único traço distintivo eram os acessórios coloridos: malas e celulares de tudo que é jeito. “Será que eles não têm pra onde ir?” – é que já estavam indo. A familiaridade do sapato vizinho virou um estranho desconforto. Num espasmo de olho, Guido voltou-se e percebeu, mais acima do sapato, as meias e um pouco da calça de tecido. As meias, incrivelmente, não eram pretas como de se esperar, e sim azul-marinho. Esforçou-se para se livrar desses detalhes como um cachorro de seus carrapatos. Continuou a estudar, com mais dificuldade agora, uma dificuldade de quem não quer virar estátua de pedra pela fraqueza da visão. “Esse barulho infernal de gente misturado com o cheiro de óleo diesel e asfalto me dá enjoo, vontade de vomitar. Esse barulho de asfalto e óleo diesel misturado com cheiro infernal de gente me dá enjoo. O problema do transporte coletivo é a própria coletividade insuportável. Essas crianças de feriados, com seus pais de feriados. Será que não se cansam de

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feriados, de não fazer nada? São as praias. Se não tivéssemos tantas praias.” Continuava nesse zumbido, com a testa enrugada, olhando por cima do mundo. Um esbarrão no braço direito quase lhe tira da cadeira e ele nem pensa em olhar o sujeito se desculpando, pois o relatório escapa-lhe das mãos. Acorda da fixidez na massa de gente e o papel ainda não tinha alcançado o chão. Pegou-o, mas aí já estava definitivamente bem mais perto do chão, do seu próprio sapato, meia e calça. Seus olhos não se controlaram tanto quanto a sua boca. Não se movia. Nada se movia a não ser o chão. Sapato preto, meia azul, calça preta. Tudo igual. Nem o som se movia diante daquela similitude que não era exatamente um espelho. A ofensa e o sofrimento cresceram insuportáveis. A escada rolante também parou com defeito e mais gente se aglomerava no saguão de espera. Não havia saída. Talvez se o tempo o ajudasse numa fuga espetacular, mas o relógio na coluna central parecia estancado. Agora tudo se movia ao redor, menos aqueles miseráveis ponteiros. Recompôs-se dentro do possível, virando de lado, quase saindo do assento, aproximando-se mais da fila do guichê que se enrolava, se enroscava

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por toda e para fora da rodoviária. Confirmou, tirando com mão trêmula o bilhete de embarque do bolso, que faltava uma hora ainda para a partida. – É... Tem muita gente viajando nesse feriado, né mesmo? – falou numa voz tranquila e distraída o vizinho. Guido estremeceu. O sujeito lhe falara. – É, esse povo todo aí... – respondeu sem mover um músculo tenso na direção do interlocutor, que insistiu mais distraído que da primeira vez. – É… tomara que o tempo fique assim. Sem pensar nas consequências para si mesmo, virou-se para aquela voz. Aquilo não era um espelho. O outro riu meio sem graça. Aquilo era insuportavelmente igual, comum, repetitivo, ninguém, informe, massa. O choque em choro incontrolável chamou a atenção de todos os iguais e diferentes por perto. – Não entendi nada, seu oficial. Ele começou a chorar daquele jeito que o senhor viu e não parou mais. – Tudo bem, ele vai ficar bem – disse o bom-

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beiro ao outro enquanto as sirenes, alternando-se em luz e som, já se distanciavam. Consertaram a escala rolante. O sistema de som anunciou a próxima saída e o relógio apontava a hora de partida de Guido.

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Caf茅 filos贸fico



O ruído da porta espremendo o resto de luz pela fresta que se aperta cada vez mais até o fim do último fio luminoso. A maçaneta definitivamente anuncia e sela um caminho sem volta, onde a escuridão estende as paredes a limites menos sólidos, sucção, queda. Um corpo lentamente vai se largando pelo chão, suspenso no silêncio. Pronto! Nem o norte nem o sul, nem o chão nem as paredes. Não há janelas ou elas são profundamente ignoradas. Alguma coisa nesse nada se aproxima, sem forma, mas com a força do movimento da Terra: imperceptível, ine-

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vitável. Se houvesse horas, diríamos que num minuto e o corpo todo inerte, frio, paralisado, teso nas extremidades. Mas a garganta expulsa com todas as forças o

inchaço das veias, tenta um grito no espaço que já é vácuo. O grito vencido por um eco ao contrário, mudo, surdo, isolado, engolido. A boca se fecha devagar, com os dentes trincados, a saliva seca e abundante. É inútil, é tudo inútil e sem sentido como uma bússola no pescoço do cego. A sensação do frio aumenta. Parece que tudo treme e a cabeça se move tão violentamente que os dentes vão se lançar. A aproximação de novo. Não de algo, não de nada. Só uma aproximação gigante, onipresente, movimento de montanha, abraçando continentes, sugando os ventos que correm para as cavernas do medo primitivo. Não há imagens. Não por falta de luz, sim porque simplesmente não há imagens. Imaginem isto, não há nenhuma imagem, não sobrou nenhuma imagem. Assim não há como mentir, sem sombras e luz não há como mentir. O ar insano só dentro da cabeça: toda a sua filosofia. A morte eternamente disfarçada é uma onda irresistível. Um suicídio único, perfeito. Empatia que se vê apodrecer, que estende a mão para o

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Hector Lumen

não sentir. A vida é cortina tênue, fugaz. Mas o cheiro de café da cozinha não respeita nenhuma vã filosofia. A alegria do café é luz que invade o quarto e afugenta o negro do pensamento. Café, pão e manteiga, e um adolescendo morrendo de mentira no seu quarto escuro, com estômago e pensamentos famintos, com as músicas e melodias redondas. Era um Deus sem dúvida. Um coração ainda jovem. Morava perto de uma cozinha. Sua salvação. Deus salve as mães e suas cozinhas sagradas, cheias de sol! – Ô, menino! Abre aí que o café tá na mesa!

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Fuga passageira



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