Destino Tortuoso

Page 1



Destino Tortuoso



Clรกudia Salviano Andrelo

Destino Tortuoso


Copyright © Cláudia Salviano Andrelo Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução total ou parcial, de qualquer forma e por qualquer meio mecânico ou eletrônico, inclusive através de fotocópias e de gravações, sem a expressa permissão do autor. Todo o conteúdo desta obra é de inteira responsabilidade do autor. Editora Schoba Rua Melvin Jones, 223 - Vila Roma - Salto - São Paulo - Brasil CEP: 13.321-441 Fone/Fax: +55 (11) 4029.0326 E-mail: atendimento@editoraschoba.com.br www.editoraschoba.com.br

CIP-Brasil. Catalogação na Publicação Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ A574d Andrelo, Cláudia de Lourdes Salviano, 1974Destino tortuoso / Cláudia de Lourdes Salviano Andrelo. - 1. ed. - Salto, SP : Schoba, 2013. 312 p. ; 23 cm. ISBN 978-85-8013-274-8 1. Romance brasileiro. I. Título. 13-03035 CDD: 869.93 CDU: 821.134.3(81)-3


A g r a d e c i m e n t o s

Agradeço primeiramente a Deus por ter me concedido a oportunidade de escrever este livro. Aos meus pais, por todo seu amor e carinho por mim. Minha imensa gratidão à filha querida, Hellana, que sempre esteve ao meu lado me incentivando a nunca desistir. Obrigada pela paciência e por não ser apenas uma filha, mas, sim, uma grande amiga. Agradeço ao meu amado esposo por ser meu alicerce. Tico, você sempre foi o meu chão em todas as etapas ruins de minha vida e minha alegria em todas as fases de minha existência. Meu irmão, Juliano, por todas as nossas brigas (risos) e por tudo que passamos juntos. Agradeço a minha amiga e irmã, Patrícia, pelas muitas aventuras que vivenciamos. Fernando, obrigada por ser meu filho que tive aos três anos de idade. À Marília por ser esta amiga maravilhosa que é. E por último, a um grupo de amigos que conheci, muito obrigada, BW.



P R Ó L OGO

Até que ponto somos tão cegos e incapazes de acreditarmos no que vai além de nossos olhos? Tolos são os que pensam que não há mistérios a serem decifrados sobre a Terra. Abram as cortinas de suas mentes e permitam que o véu do ceticismo desanuvie-se perante o que acredita ser parte do inimaginável. Existe algo tão simples, porém, deturpador às vistas dos incrédulos, ou até mesmo, crédulos, mas que creem no que suas mentes distorcem da imagem do real. Não tema! Por pior que seja a situação, não perca a força e acredite sempre que o amor é capaz até mesmo de revirar a mais fria sepultura em busca de abnegação.



parte

1



C ap í t u l o

1

França – Ano de Mil Quinhentos e Cinquenta e Dois



F

azia um imenso frio naquela noite. O inverno daquele ano de 1552 castigara muito os pequenos donos de terras e muitos haviam perdido praticamente tudo aquilo que plantaram e os poucos animais que possuíam. Do lado de dentro da paupérrima casa, Claire estava prestes a dar à luz. A pobre mulher gemia e gritava, porém, o bebê demorava a nascer. O pai aguardava ansioso no corredor que dava acesso aos únicos dois quartos da casa. Esperava impaciente pelo primogênito, aquele que o ajudaria muito nas futuras colheitas e na lida com os animais. Sua ansiedade era tanta que não parava de caminhar de um lado para outro. Horas depois, um forte grito se fez presente ecoando por todos os cantos da casa e um chorinho miúdo deu o ar de sua graça logo em seguida. Passado mais um tempo, a parteira, uma mulher gorda e de meia idade, foi anunciar ao pai sobre o nascimento do pequeno bebê. – É uma menina, senhor Edmond – disse a mulher com um sorriso genuinamente feliz em seus lábios. – O quê? Não pode ser! Não creio que a infeliz da Claire não foi capaz de me dar um filho varão. – Não fale assim, senhor. Venha ver a criança, ela é forte e encantadora – disse a parteira em tom suave para amenizar a aversão que sentiu pelas palavras daquele homem duro e impiedoso a sua frente. Contudo, Edmond Dumoncel não deu ouvidos a uma única palavra da mulher e saiu como um furacão, passando pelos pais de Claire, que residiam na mesma propriedade, e que aguardavam notícias da filha e da criança recém-nascida. O velho senhor Adam ainda tentou perguntar qual era a causa de tanta indignação por parte de Edmond, porém, este não havia lhe dado nenhuma chance, saindo pela porta que dava acesso ao quintal e a batendo com toda força, causando um grande estrondo. Edmond dirigiu-se até a cocheira onde guardava alguns cavalos que conseguira comprar a custa de muito trabalho e aproximando-se de seu animal favorito, desabafou como se o bicho pudesse ouvi-lo. – E agora, o que será de mim? Já não sou mais nenhum rapaz, não pos15


suo empregados para me ajudar com as tarefas deste lugar e meu sogro não passa de um velho que mal se sustenta em suas próprias pernas – parou pensativo e tornou a falar com o animal. – Isso não ficara assim. Claire é minha mulher e tem a obrigação de me dar um filho homem, ela me paga. Neste momento um sorriso perverso bailou por entre os lábios de Edmond. Ele afagou o animal e retornou para dentro de casa com ar decidido. E foi naquela mesma noite que Edmond violentou a esposa sob o choro inocente da criança que ansiava pelo seio da mãe.

Na manhã do dia seguinte, dona Justine, mãe de Claire, foi bem cedinho cuidar da filha e da neta enquanto os homens foram trabalhar. – Bom dia, minha filha. – Bom dia, mãe. – E como está nossa pequena princesinha esta manhã? Já decidiu que nome irá colocar nela? – Sim, mãe. Gostaria que Edmond me ajudasse com isso, mas ele não quer saber da menina – Claire respirou profundamente e continuou. – O nome dela será Eveline, minha mãe. – Hm! Uma bela escolha, querida – dona Justine, percebendo o olhar triste da filha, foi até o berço, pegou a neta e se sentou na beirada da cama. – Tem algo que queira me dizer, Claire? – Não, mãe. Só estou assim amuada porque gostaria que meu marido fosse um pouco mais humano e que pelo menos olhasse para os lindos e expressivos olhinhos azuis de Eveline, mas ele prefere fingir que a menina não existe. Neste momento, uma dor aguda nas entranhas fez com que Claire soltasse um grito sofrido, mas ela tornou logo de se recompor a fim de que a mãe não desconfiasse de nada do que acorrera na noite anterior. Justine, por sua vez, pensou que se tratava apenas de algumas cólicas normais para quem havia a pouco dado à luz e não levou muito a sério, virando-se para o bebê e o entregando à filha. – Acho que nossa pequena está com fome. Dê de mamar a ela enquanto vou até a cozinha lhe preparar algo bem nutritivo para comer. Você vai precisar se alimentar por duas, minha filha – dona Justine sorriu e deixou mãe e filha a sós. 16


– Como você é bela, Eveline – disse Claire estreitando a filha em seus braços. – Como eu gostaria que tudo pudesse ser diferente. Claire estreitou a filha ainda com mais força e começou a chorar abundantemente, pensando no que seria de sua pequena Eveline se ela um dia chegasse a faltar. Lembrou-se de Justine e ficou mais tranquila, abrindo a blusa e dando o seio para o bebê. Enquanto amamentava, olhava embevecida para o pequeno ser em seus braços e tentava entender o porquê do marido nem ao menos ter a coragem de olhar para tão doce e pura criatura. Ao que Eveline terminou de mamar, Claire ajeitou-a ternamente e levantou-se para colocá-la novamente no berço, permitindo que com o esforço, a dor que havia a pouco lhe percorrido o ventre voltasse, só que desta vez ainda com mais intensidade. Sim, era óbvio que Edmond a havia ferido muito. Ela acabara de dar à luz quando ele a tomou e aquilo não estava certo. A dor aumentava a cada segundo e Claire voltou para a cama e se cobriu poucos minutos antes da mãe voltar para o quarto. Claire teria que ter uma conversa com a mãe, não queria, temia, contudo não poderia deixar a mãe sem saber do que acontecera. – Oh! Não deveria ter se levantado para colocar Eveline no berço. Por que não esperou até que eu retornasse? Sabe que não deve ficar se esforçando – ralhou Justine que acabará de voltar com uma bandeja contendo um prato de sopa, pão e frutas. – Agora coma, deve estar faminta. – Muito obrigada, minha mãe. Claire levou a colher com a sopa quentinha e saborosa até a boca, sentindo enorme satisfação, realmente estava com muita fome. Comeu tudo rapidamente, em silêncio e sob o olhar afetuoso da mãe e, ao terminar, limpou a boca, agradeceu novamente e arriscou: – Mãe, tenho algo muito importante a lhe dizer. – O que foi, querida? – tornou Justine assustada. – Sei que ainda é muito recente, pois acabei de dar à luz a Eveline ainda ontem, contudo, sinto algumas dores fortíssimas e não sei se são normais – Claire achou melhor ocultar que havia sido violentada pelo marido. – Eu só queria que me prometesse que se algo me acontecer, cuidará de Eveline por mim. – Ora, pare de bobagens. Não há de ser nada. Logo, logo estará bem e você mesma poderá cuidar de sua filha – disse Justine, sentindo um forte arrepio estremecendo-lhe a alma.

17


– Não, mãe. Sinto que algo não está mesmo bem com minha saúde. Prometa que cuidará dela, por favor. – Bom, se isso a deixará mais tranquila. Sim, prometo que cuidarei de Eveline da mesma forma que cuidei de você. – Muito obrigada, querida mãe. Lágrimas rolavam livres pelo rosto da jovem mãe e Justine, que não conseguia entender o que na verdade se passava com a filha, apiedou-se dela e, aproximando-se da cama, abraçou-a como se fosse a última vez. Entretanto, mesmo querendo negar a si mesma que algo errado pudesse estar se passando com sua única filha, Justine no íntimo podia sentir que alguma coisa terrível estava para acontecer e, escondendo o rosto por entre os cabelos de Claire, chorou baixinho sem que a filha pudesse perceber.

O vento cortava lá fora, o que fazia com que a sensação térmica parecesse ser ainda menor. Adam e Edmond trabalhavam duro no que ainda havia restado para o sustento da família. Mesmo sentindo os ossos congelarem, não se intimidavam, pois sabiam que não tinham escolha, ou trabalhavam ou morreriam de fome. Adam alimentava e dava de beber aos animais enquanto Edmond dedicava-se arduamente à plantação. Trabalharam a manhã inteira sem reclamar, mesmo possuindo nos olhos uma profunda tristeza por verem tudo aquilo que levaram meses para formar, destruído em apenas poucos dias de geada. Enfim, a hora do almoço havia chegado e os homens foram lavar as mãos e o rosto para a refeição merecida. Foi somente naquele momento do dia que Adam pode chamar Edmond para uma conversa. Passara a manhã inteira sem trocar uma única palavra com o genro e aquela era a ocasião oportuna para tirar algumas dúvidas sobre o que acontecera na noite em que a neta nascera. – Edmond, sei que não deveria me meter na sua vida e nem de Claire, mas é que não tive como não notar a desilusão em seus olhos ontem à noite. É sobre a menina, não é? Edmond, que permanecera calado até o momento, não pode se conter e acabou por atacar, mal humorado. – O que mais achou que poderia ser? Precisamos de um homem para nos ajudar e não de mais uma mulher para fazer os pequenos deveres de casa. 18


– Não deveria falar desta maneira. Parece até que não gosta de sua filha. Lembre-se que ela é apenas uma recém-nascida e que de nada tem culpa se vivemos em meio a toda esta miséria – observou Adam já irritado. – Olha, Adam, não sei mesmo se deve se meter na minha vida e de minha esposa. Disso cuido eu. E vamos logo comer, pois hoje ainda temos muito trabalho pela frente. Adam preferiu manter-se calado, Claire era sua filha, porém, não tinha mais direitos sobre ela, e sim o marido. Apenas meneou a cabeça muito decepcionado e seguiram juntos para a cozinha, onde Justine havia lhes preparado uma farta refeição com carnes e pães. Sentaram-se à mesa, somente os três, pois Claire ainda não podia sair do quarto devido ao resguardo. Comeram calados até que o silêncio foi quebrado por Justine. – Claire anda muito estranha ultimamente. Hoje ela me pediu para que se algo de mal acontecesse a ela, que eu cuidasse da pequena Eveline. O pior foi que ela me fez prometer isso – arriscou a matriarca, esperando que o genro lhe confidenciasse algo que pudesse saber sobre o que se passava e que, por piedade aos sogros, resolvera esconder. – Não há de ser nada, mulher. É a primeira vez que nossa filha da à luz e pode estar com um pouco de dengo, não é mesmo meu genro? Edmond não respondeu. Há pouco dissera ao sogro que a vida dele e de Claire só dizia respeito a ele e decididamente não estava nada a fim de discutir com Adam sobre aquele assunto. Apenas limitou-se a virar para Justine e falou com desdém. – Eveline! Este é o nome do bebê? Até que é um bonito nome, entretanto, de nada me serve esta menina. Justine, ao ouvir tremendo desaforo da parte do genro, levantou-se da mesa já preparada para proferir os piores impropérios, porém, fora contida pelo olhar de censura de Adam. – Não é justo falar de tal forma de sua própria carne, Edmond – era Claire, que havia se levantado para pegar um pouco de água. Chamara por diversas vezes pela mãe e, não obtendo resposta, resolvera ir ela mesma até a cozinha. – Se pensa que vou mudar a minha maneira de pensar está muito enganada, Claire. Não tenho culpa se você é uma infeliz que nem sequer foi capaz de me dar um filho homem.

19


Neste momento, a pobre criança começou a berrar no quarto, Justine fez menção de ir até lá para acalmá-la, visto que Claire se mantinha estática no mesmo lugar. A jovem mãe não conseguia entender como o marido, que sempre a tratara tão bem, pudesse se transformar naquele homem impiedoso de uma hora para a outra. Um turbilhão de pensamentos começou a girar em sua mente e ela até mesmo se perguntou se um dia Edmond chegara a amá-la de verdade. Eveline começou a chorar com mais força e Justine, não se contendo, dirigiu-se até o quarto para ver o que estava acontecendo, deixando a filha muito debilitada, escorada em uma das paredes da cozinha. Não queria ir, mas também não podia deixar a criança chorando daquele jeito. – Essa menina só serve para chorar e você, Claire, não passa de uma fracassada, não sei onde estava com a cabeça quando decidi desposá-la. – Deixe-a em paz, Edmond – disse Adam inconformado com aquela lamentável situação. – Não percebe que ainda ontem sua mulher passou por um parto complicado e que se encontra muito frágil e precisando muito de seu apoio. – Pois devia ter morrido. Ela e essa pequena inútil que nunca me servirá para nada. Aquilo foi a gota d’água. Adam, apesar de já contar com cinquenta e cinco anos de idade, era um homem robusto por sempre haver trabalhado no campo. Não quis escutar mais nenhuma palavra e partiu para cima do genro desferindo-lhe um soco certeiro bem no meio do rosto, Edmond com o forte impacto foi ao chão. – Não, pai. Pare com isso – suplicou Claire. – Vocês nunca haviam brigado em toda a vida. Edmond sentiu o gosto do sangue na boca. Levou uma das mãos até o rosto e percebeu que o sogro havia lhe quebrado um dente. – Maldito! Me pagará caro por isso, miserável – levantou-se apressado do chão e, quando iria revidar o golpe, um estrondo fez com que ambos olhassem para a mesma direção. Claire, não aguentando assistir às cenas que se passavam entre o marido e o pai, perdeu a consciência, indo ao chão logo em seguida.

20


Já passava das sete da noite quando Claire acordou em sua cama. Tentou se levantar, mas uma forte dor de cabeça a impediu, fazendo com que tombasse novamente no travesseiro. Olhou para o berço procurando pela filha e não a encontrou, contudo, manteve-se calma, sabia que Eveline estava em segurança nos braços de Justine. O cansaço a dominava por inteiro, sentia uma vontade imensa de dormir, calafrios percorriam por todo o seu corpo e naquele instante agradeceu pela mãe estar cuidando do bebê. Estava tão fraca que mal conseguia coordenar os pensamentos e, virando-se de lado, enrolou-se um pouco mais nos cobertores e fechou os olhos. Não parava de tremer e agora sentia uma dor aguda nas entranhas, abafou um grito sofrido tapando a boca com a mão e lágrimas escorreram por suas faces ruborizadas pela elevada temperatura de seu corpo. Pensou que talvez não fosse aguentar tanta dor, o que seria mesmo verídico caso um médico não viesse logo vê-la. Havia adquirido uma grave infecção devido à violência que sofrera do marido e seria uma corrida contra o tempo para sua recuperação, entretanto, Claire parecia não dar a mínima para o seu próprio restabelecimento. Entregue aos seus pensamentos nem mesmo ouviu quando a mãe entrou no quarto trazendo consigo a pequena Eveline. Justine colocou o bebê cuidadosamente no bercinho e logo em seguida se dirigiu até a filha. – Está se sentindo melhor, querida? – não obteve resposta. – Claire, acorde, Eveline precisa mamar – silêncio. – Vamos, meu amor, acorde – falou Justine com um tom de voz mais alto. – Oh, mãe! – disse Claire quase que num sussurro. – Desculpe-me por te dar tanto trabalho. Justine, ouvindo a filha, notou imediatamente que algo não estava bem. Sentou-se na beirada da cama e, experimentando a testa da filha, levou um imenso susto que a fez soltar um pequeno grito. – Meu Deus, Claire, você está ardendo em febre. – Não se preocupe, mãe... Não é nada. Só quero que leve aquele nosso trato a sério. Por favor, quero que cuide de sua neta como se fosse sua própria filha. – Lá vem você com essa história outra vez. – É sério, mãe – tornou Claire angustiada. – Já disse que cuidarei de Eveline se algo lhe acontecer, mas creio que esteja se precipitando ao dizer tais coisas, você ainda tem muita vida pela frente, querida. Agora chega de falatório e vamos cuidar de baixar essa febre.

21


Justine foi até a cozinha e lá fez um preparado com ervas que tinha aprendido com sua mãe quando ainda solteira, morava com os pais em Paris. Ferveu um pouco de água e retornou para o pequeno aposento da filha. Cuidadosamente, fez com que Claire tomasse todo o chá e em seguida pegou um pedaço de tecido limpo, emergiu em uma bacia com água fria e depositou na fronte da filha.

Assim que a febre de Claire baixou um pouco, ela tornou preocupada para dona Justine. – Mãe, o que houve com o meu pai e com Edmond logo após meu desmaio? – enfiou a mão por dentro da camisola e sentiu que estava encharcada de suor, porém, continuou. – Não me diga que o pior aconteceu? Meu Deus, diga-me minha mãe. – Acalme-se, querida. Não houve mais nada entre seu pai e seu marido além daquilo que você viu. Logo após você ter passado mal, eles retornaram para o trabalho em silêncio. – Não sei por que Edmond está agindo desta maneira, mãe. Às vezes penso que tudo isso não passa de um pesadelo, ele sempre foi um bom homem, como pode ter se transformado tanto só pelo fato de eu ter tido uma menina? Será que não passou pela cabeça dele que ainda somos muito jovens e que se ele não me tivesse feito... – Claire se calou já arrependida de ter começado com aquela história, contudo, Justine, que não era nada boba, quis saber do que se tratava. – Pode continuar a frase, por favor? Estamos somente nós duas e o bebê aqui no quarto. O que foi que aconteceu entre você e Edmond? Fale, Claire. Claire afundou a cabeça no travesseiro e começou a chorar copiosamente. Tinha muito medo de revelar à mãe sobre o ocorrido no mesmo dia em que havia dado à luz a Eveline. Temia que Edmond pudesse usar de violência contra sua mãe, caso ela fosse até ele lhe cobrar algo. Também temia pelo pai e por Eveline, com isso, achou melhor continuar calada. – Creio que não vai mesmo me dizer, não é, filha? Bom, vou respeitar o seu silêncio e quando achar que deve me dizer, estarei pronta para ouvi-la – vendo a filha toda ensopada e incomodada com as vestes, foi até uma pilha

22


de roupas que se encontrava em cima de uma mesinha no canto do quarto, retirou uma camisola limpa e, por fim, disse carinhosamente. – Vamos, levante os braços, mas tente não se descobrir muito para não tomar um choque térmico. Temos que mudar essa roupa molhada, pois isso pode acabar se tornando um agravante.

Duas semanas haviam se passado e Claire se mostrava cada vez mais debilitada. Os homens encontravam-se mais calmos, porém, só conversavam o que era extremamente necessário. O frio era intenso e, com isso, a perda na pequena plantação era cada vez maior, sem contar os animais que morriam em demasia. Passava das cinco da tarde quando Edmond e Adam terminaram com suas atividades diárias e, muito exaustos, lavaram-se e sentaram-se à mesa. Estavam famintos e comeram com gosto a refeição, que se tornava cada dia mais escassa por conta das fortes geadas. Ao terminar, Edmond, levantou-se secamente e se dirigiu ao quarto onde estavam a esposa e a filha, deixando Adam e Justine sozinhos, sem ao menos desejar-lhes boa noite. Justine fez menção de se levantar e ir atrás do genro, contudo, foi impedida pelo esposo que, agarrando-a pelo braço, meneou a cabeça como se dissesse que de nada adiantaria começar uma nova desavença, porque, querendo ou não, Edmond estava irredutível. Adam levantou-se e gentilmente pediu para a esposa que o acompanhasse até seus aposentos, sua aparência era de extremo cansaço e o que mais desejava naquele momento era dormir. Custava a acreditar que aquele jovem sonhador e de boa índole de outrora havia se transformar em um homem agressivo, autoritário e mesquinho, seguindo somente a voz de sua própria consciência e nada mais. Entretanto, era melhor não contestarem e deixar que o tempo desse cabo dessa história.

Edmond entrou no quarto sem ao menos se importar com Claire e o bebê, que dormiam profundamente. Tirou os sapatos e o resto de suas roupas 23




Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.