Maria
Maria Agostinho Machado
Copyright © Agostinho Machado Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução total ou parcial, de qualquer forma e por qualquer meio mecânico ou eletrônico, inclusive através de fotocópias e de gravações, sem a expressa permissão do autor. Todo o conteúdo desta obra é de inteira responsabilidade do autor. Editora Schoba Rua Melvin Jones, 223 - Vila Roma - Salto - São Paulo - Brasil CEP 13321-441 Fone/Fax: +55 (11) 4029.0326 | 4021.9545 E-mail: atendimento@editoraschoba.com.br www.editoraschoba.com.br CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ M129m Machado, Agostinho Medeiros Maria / Agostinho Medeiros Machado. - 1. ed. - Salto, SP : Schoba, 2013. 80 p. : il. ; 21 cm ISBN 978-85-8013-215-1 1. Literatura infantojuvenil brasileira. I. Título. 13-0150. CDD: 028.5 CDU: 087.5 08.01.13 10.01.13
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Aos meus Filhos, Priscila e Patrick. Aos meus netos, Giovanna AngĂŠlica, Francesco (in memoriam), Chiara, Sophia P. Machado (in memoriam), Ana Francesca e Amanda.
Pre f á c i o
Há os que o fariam com mais propriedades, porém, foi a mim dirigido o convite. Prazer por ser uma oportunidade de juntar-me ao autor para levar ao leitor e amigos, mesmo com estas simples palavras de apresentação, as páginas por ele escritas. Já era conhecedora da paixão de Agostinho pela leitura, de seu carinho e de sua vontade em transmitir seus sonhos, suas aspirações. O autor em sua tramitação entre as estórias infantis vem trazer um romance que retrata a migração rural de uma jovem para o mundo urbano, que luta com galhardia para ali permanecer, embora encontre contradições e ambiguidades. A mim resta, tão somente, cumprimentar o autor por este aprazível trabalho literário e lhe agradecer por me ter escolhido para prefaciar seu livro. Campinas, março de 2013 Tânia Maria da Silva Maciel 9
Apresentação
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om a existência do êxodo de migrantes do campo para os grandes centros, torna-se cada vez mais difícil a adaptação desses candidatos ao trabalho. Paradoxalmente, a metrópole se desenvolve e o campo padece de mão de obra. Embora com o surgimento de oficinas de técnicos do trabalho rural, criações de agronegócios e o desenvolvimento de apuradas técnicas neste setor, quer no manuseio da terra, quer na pecuária e, ou em testes laboratoriais de altíssima qualidade, vemos muitas vezes esvaziar as terras que outrora foram de grandes lavouras, onde nossos antepassados de tempos não tão distantes, delas usufruíam com dignidade, sem tampouco imaginar que em nossos atuais dias, seus filhos e netos fossem desafiar o insidio drama da cidade. É com tristeza que nos deparamos com terras inférteis, até a formação de verdadeiros desertos, onde o matuto nada extrai para o seu sustento. Devastação insustentável de matas virgens aniquilando o oxigênio, a célula mater de nossa sobrevivência. 11
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Com todos esses caminhos errôneos, o que vemos é a estampa de um planeta que parece ter seus dias contados. Enchentes, inundações, incêndios, guerras e a saga de vencer ou vencer, pisoteando na real estrutura de vidas que poderiam estar em condições dignas de um ser. O desafio que o homem sempre tem pela frente é vencer com dignidade e, para tanto, é necessário, muitas vezes, abdicar-se de diversões e até mesmo de convívio familiar para, então, galgar o conforto. Essa meta, muitas vezes, não é alcançada, entretanto, o merecimento sempre deve ser procurado com persistência, pois a valorização do verdadeiro homem é a que está contida em sua mente sadia. Jamais utilizar-se de meios insanos. Não é uma megalografia, mas a história que veremos mostra todos esses adjetivos em que uma valente e guerreira mulher luta para conseguir um lugar ao sol. Histórias como essa são peculiares em nosso meio, basta compará-la a nossa atual realidade. Se todas as pessoas do mundo tivessem o mesmo destino, todos os atos seriam iguais num único sentido. Assim, não sobraria quem os copiassem, identificassem e nem seria notada a pujança das mais destacadas. Assim defino Maria, uma vida como todas, mas seus atributos são dignos de um sentimento contagiante.
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A simples família
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aria, três anos, filha de camponeses, concebida como de costume, com o amor de seus pais e seus sete irmãos, filha de pai rígido, de pouca cultura, ao qual sobrepujava sua energia, também dotado de uma sabedoria milenar sobre o trabalho na terra. Seria capaz de prever épocas para o plantio e cultivo de suas terras. Era um homem apaixonado pelo que fazia, conhecido samaritano, homem bom, sempre disposto a ajudar. Não era raro quando seus vizinhos o procuravam para auxiliá-los. Seu Felipe, como o chamavam, jamais pensou em se mudar da cidade, pois denominava os grandes centros como “Selva de Pedras”, não se conformava com esses conglomerados de gente. Era um homem forte, e não menos forte era sua mulher, Clarice, Dona Clarice. Clarice, por sua vez, ao contrário de Seu Felipe, nascera de uma família abastada, onde nunca faltava nada, mulher bela e facilmente reconhecida por seus belos traços que conservava, traços de uma mulher latina, que herdara de seus pais. Sua voz e seus gestos pareciam tocar 13
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com serenidade quem a ouvisse ou participasse de seus ensinamentos, principalmente os que dava aos seus filhos. Ah! Que maravilha de mulher. Sabia comandar seu lar com extrema calma e maestria. Era dessa forma que se completavam, reinavam o amor e uma paz profunda nessa família. Ao amanhecer, como sempre, os filhos eram dirigidos a fazerem suas tarefas, seus trabalhos na terra, num sítio de até difícil acesso, mas muito bem cuidado, onde era notório o entendimento entre eles. Com o passar do tempo, Seu Felipe e sua mulher previam a inevitável separação da família, especialmente seus três filhos, já em idade para suas aventuras longe do campo. Era, sem dúvidas, uma preocupação em estar sem eles. Invariavelmente, como em quase todas as famílias grandes, aconteciam aquelas discordâncias, ou pequenas rusgas que, infelizmente, foram se tornando insuportáveis para todos. Ressentiam, naturalmente. Tempos mais tarde, Maria completava sete anos. Menina meiga, carregava a típica gênese da família. Começava, então, a compreender a atitude de suas irmãs mais velhas. Tempos mais tarde, Maria completava sete anos, embora em sua notória meiguice, apresentava traços de responsabilidade. Começava a compreender as atitudes de seus irmãos. Já imaginava, que cedo ou tarde teria que partir também, deixando o campo. Era a necessidade de sobrevivência, certamente natural para as famílias simples do campo. Sonhava com dias melhores, mas começava a 14
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imaginar o que seria dela com a ausência de seus entes queridos. Parecia muito forte para enfrentar outro ciclo de vida. A situação parecia incômoda. Suas irmãs mais velhas também pensavam em se mudar, em deixar o lar, sua terra e, finalmente, a família. Iniciava-se, então, uma desarmonia. De pequenas rusgas, passava-se a agressões. Mas o que mais se passava em suas cabeças era o sentimento fraternal misturando-se a ira, desentendimentos constantes e ofensas. Já estava insuportável. Maria a tudo presenciava e sentia-se atônita diante de tudo. — Meu Deus! Pensava, será que tudo é assim mesmo? Todos têm que passar por isso? Meus pais não merecem estar nervosos! Há solução? De tanto desgovernar a estrutura da família, Maria adoeceu. Já não se alimentava mais como antes, tinha um semblante triste e desolador. Não bastasse essas circunstâncias e, em dia de sérios atritos entre os irmãos, houve, talvez por maldade, ou mais provavelmente pela desordem e incompatibilidade desses fatos, as irmãs mais velhas debandaram-se do lar. Fugiram com seus namorados, deixando para trás somente lembranças. O desconforto era total e aumentava com o passar do tempo. Por não entender a atitude de suas filhas, era grande o sofrimento de seus pais, que não se cansavam de se perguntar o porquê disso tudo. 15
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— Desentendimentos, fugas, iras. Como isso pode ter mudado nossas vidas? — dizia constrangido Seu Felipe. — Ora, Felipe, tenho certeza que dias melhores virão, temos quer ter muita paciência. Quem sabe não foi melhor para elas... Maria debilitada em seu leito assistia a tudo de perto, achando que não suportaria mais aquela dor. Ao ser examinada pelo médico, em seu leito, Maria parecia agonizar. Seu estado era lastimável e desesperador. Pálida e inconsciente, mal balbuciava. Seus pais numa prova de muita firmeza acompanhavam de perto a agonia de sua filha, sem entender a razão de passarem por esse momento. Não sabiam mais o que fazer. — Vamos perder nossa filhinha, doutor? — perguntou em prantos Dona Clarice. — Como vê, Dona Clarice, estamos nos empenhando muito, não temos ainda o diagnóstico, esperemos os resultados de mais exames, assim, teremos uma definição. — Clarice, disse Seu Felipe, fizemos tudo errado? Se fizemos, temos que pagar por isso... Numa resposta brusca de Clarice, e até em tom pouco áspero, o que não era seu costume, respondeu: — Jamais vamos perder as esperanças, vamos buscar forças para suportar nossas dores, isso passa! Com essa situação de desespero, a família fica confusa e, consequentemente, a troca de farpas era inevitável e, em atitude impensada, Clarice o ofende, culpando-o por não saber controlar-se em ocasiões como esta. 16
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— Clarice, acho que você está louca, não tenho culpa, parece que me vê um fora da lei. Dou meu sangue por todos para que tudo se resolva e só recebo críticas! Passado alguns dias, o quadro clínico de Maria já estava se estabilizando, e, felizmente, a recuperação. Que alegria contagiante. Convalescia lentamente. Estava se reabilitando de uma virose. Ainda com certa preocupação, Dona Clarice dirige-se ao médico e pergunta: — Ela vai ficar boa, não é, doutor? — Sim, essa doença sempre foi preocupante, mas a menina suportou com muita força, pois se percebe que tem resistência. Deixe-a em repouso que dentro de alguns dias estará recuperada. Assim, não terá problemas futuros. Maria compreendeu que o elo de sua família não se desprendera e, sim, se fortificara, embora existindo esse desacerto familiar. Este elo era de grande importância, porque entendia que era exatamente toda a herança familiar provinda de um amor profundo de seus pais. Também de suma importância para a sobrevivência feliz de todos. Ainda que com essa situação desfavorável, havia também o lado bom. Em consequência, notava-se uma aproximação e indícios de entendimento. Mas ainda não havia paz. A preocupação de seus pais era uma constante, aliados à fuga de suas filhas; a falta de escolaridade, por se tratar de um lugar quase que inóspito, desprovido de escolas. Em algumas vezes, a falta de alimentos na mesa. Enfim, o aprendizado era o mínimo que se poderia ter, 17
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dada as circunstâncias de morar em terras longínquas e de difícil acesso. Maria aprendia a entender de perto os problemas que os afligiam. Tudo se fazia crer que novos rumos teria ela que enfrentar. Conscientemente a tudo, suportava, procurava sempre estar de bem com a vida. À medida que o tempo passava, havia mais dificuldade para manter aquele padrão de fartura que outrora existira, quando do início da construção da família. Como era uma grande prole, os mais maduros casaram-se e mudaram-se para os grandes centros. Era, sim, contestável a adaptação deles em cidades, principalmente, em se tratando de grandes centros. O desemprego era uma constante, a falta de informação, o preparo escolar, atritos anteriores, pois, saíram pelas portas dos fundos de sua casa, traziam a incompatibilidade conjugal, porque ao mesmo tempo em que levaram seus “companheiros” para iniciar a vida em lugares desconhecidos, também separavam-se deles. As dificuldades eram enfrentadas, sabe-se Deus como. Voltar para o lar seria impossível. A rejeição da sociedade era evidente, mas firmes e de grande propósito, e enfrentando as razões sociais, continuavam como uns fantoches da sobrevivência. A sobrevivência acontecia. Cada um procurava o seu canto, já não existia mais comunicação entre eles. Alguns adoeceram, outros continuavam em busca de um ideal. 18
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Constituíram novas famílias, porém, distantes de tudo, e sempre ao lado das mazelas que a vida prega para os despreparados. Tempos depois, já acostumados com a vida aterrorizante da cidade grande, convivendo com as dificuldades que lhes eram impostas, alguns até se propuseram a enfrentar a escola, com o que lhes sobrava dos míseros empregos. Mas, como a sociedade sempre cobra os seus valores, havia sempre a esperança de um futuro digno, conforme lembravam seus pais, quando sempre os alertaram para estudarem e manterem a dignidade. Sempre com aquela devoção fraterna, possuindo os caracteres diferenciados de seus queridos pais, não se entregaram, ao contrário, foram à luta. Até parece que a vida sorria para eles, tanta era a garra de vencer a predestinada batalha. Aos trancos e barrancos e com muita luta, estavam se acertando. Alguns com bons empregos, outros ainda com dificuldades conseguiam razoáveis salários relativos à cobrança de se viver numa “Selva de Pedras”, como lembrava Seu Felipe.
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Maria Jovenzinha
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aria acaba de completar dezesseis anos, sentia que teria que deixar seus pais. Já velhinhos, muito embora, sabia que ao deixá-los, seus jovens irmãos cuidariam com todo zelo e carinho do casal. Agora, mais que nunca, o máximo de carinho era pouco, eram merecedores de um tratamento condizente ao que fora dado aos seus filhos, o reconhecimento. Sem dúvidas foi o que aconteceu, e para maior surpresa, aqueles filhos que um dia desertaram, voltaram ao lar para agradecê-los, abraçando-os, beijando-os e até fazendo-os lembrar de suas peripécias de infância. — Nem acredito, até parece que estou me rejuvenescendo, percebo que até estou com aquelas forças que tinha há anos — dizia, eufórico, Seu Felipe. — Estamos felizes novamente — retrucava Dona Clarice. Certamente, esse carinho pelos filhos perdurava e causava muito conforto. Com condições relativamente diferentes dos demais 20
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irmãos, Maria partiu para a cidade grande. Seria a sua sina ou mais um desafio a enfrentar? Como também não podia ser diferente, Maria encontrava dificuldades, o que a fazia sentir, quase sempre, aquele nó na garganta ao lembrar o que seus irmãos passaram. Era um misto de medo e esperança. A vontade de voltar ao lar era muito grande, mas como sempre fora muito forte, lutadora, e como sua inteligência sobrepujara as demais, tornava-a diferenciada. Precisava tentar vencer essa grande batalha. Estava só, mas alimentava o desejo de conseguir com unhas e dentes seu objetivo. Lembrava sempre dos ensinamentos de sua mãe, aliados à hombridade e bravura de seu pai que a todo o momento se via como necessários e fundamentais para sua nova etapa de vida que estava por começar. Muito amedrontada, encontrava forças inexplicáveis. Sei que estou longe de meus entes queridos, mas espiritualmente perto, porque sinto-os como se estivessem aqui comigo. Não posso decepcionar àqueles que amo, pensava. Sei ainda que meus irmãos passaram por muitas dificuldades e hoje já não estão sofrendo, graças à força de vontade que tiveram para vencer onde nunca imaginaram estar. Alguns voltaram, outros ficaram por aqui. Meu objetivo, claro, é levar aos meus pais o que eles não conseguiram completamente. Sei que também não estou só, quando penso em desistir deste caminho de espinhos, sinto que algo me ampara, não sei explicar, algo me trás tanta força que não imagino de onde vem. Seria eu uma privilegiada? 21