Mem贸rias de um Delegado de Pol铆cia do Rio de Janeiro
Osmar Peçanha Nunes
Memórias de um Delegado de Polícia do Rio de Janeiro
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CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ N926m Nunes, Osmar Peçanha Memórias de um delegado de polícia do Rio de Janeiro / Osmar Peçanha Nunes. - 1. ed.. - Salto, SP : Schoba, 2013. 124 p. : 21 cm ISBN 978-85-8013-232-8 1. Rio de Janeiro (RJ) - Condições sociais 2. Violência urbana - Rio de Janeiro (RJ) 3. Favelas - Rio de Janeiro (RJ) I. Título. 13-0578. CDD: 307.30981531 CDU: 316.334.56(815.31) 29.01.13 30.01.13
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Sumário * * *
Introdução................................................................ 7 1. Quem somos...................................................... 11 2. A Revolução de 64 e as mudanças...................... 15 3. O poder de polícia............................................. 23 4. O lado marrom da sociedade............................. 31 5. Rosa................................................................... 47 6. A polícia ideal.................................................... 53 7. O bombom vermelho........................................ 65 8. Pavor em família................................................ 85 9. Engenheiro diferente.......................................... 93 10. Singular suicídio............................................ 103 11. Um desencontro di amantes........................... 111 Declaração do autor.............................................. 119
Introdução * * *
O
Rio de Janeiro vivia uma fase crítica, tumultuada. De repente, deixava de ser a capital do país, e se transformava em um dos menores Estados da União: o Estado da Guanabara.
Só se falava na novacap; legiões de trabalhadores, técnicos qualificados, profissões liberais de todos os cantos do Brasil rumavam para aquele eldorado, conscientes da potencialidade e da grandeza do novo mercado. A mídia, bem como alguns políticos e uns poucos intelectuais – a título de prêmio de consolação – apregoavam que o Rio de Janeiro seria sempre a belacap e a capital da cultura. O Governo Federal, uma vez concluídas as metas de infraestrutura, passou a efetuar a transferência dos Ministérios e serviços. 11
E aí chegou a hora de transferir o pessoal, ou seja, os servidores públicos e as respectivas famílias. A complexidade da operação era imensa, até por que envolvia problemas administrativos, socioeconômicos, geopolíticos, sei lá! Mas foi feita, bem feita e democraticamente. Veio a famosa “opção”. Os servidores públicos de vínculo federal que não quisessem seguir, poderiam continuar pelo Estado, já que a Lei San Thiago Dantas garantiria a verba necessária para o pagamento do pessoal durante 10 anos.
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1. Quem somos * * *
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o que diz respeito à polícia, éramos ainda departamento federal de segurança pública (d.fs.p.) e havia, por parte de seus integrantes, certa má vontade em ficar no Rio. Pairava no ar um clima de desconfiança com os dirigentes do novo Estado, outros não queriam perder a condição de federais e havia ainda aqueles, que eram possuídos de insegurança, pois até achavam que, à semelhança do que houvera com outros Estados da Federação, eles não receberiam seus salários em dia... A Guanabara criava a Força Policial, um esboço de polícia de carreira e os que nela ingressassem teriam que abrir mão de seus direitos e vantagens. Foi um êxodo muito grande!
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Os distritos policiais Nesse tempo, o Rio possuía 40 distritos policiais e seis delegacias especializadas. As 40 distritais eram classificadas de acordo com a estatística criminal e o coeficiente demográfico de cada circunscrição. Uma delegacia classe “A”, Copacabana ou Madureira, por exemplo, dispunha de um efetivo de 90 e poucos homens. Acredito que atualmente não exista delegacia de bairro e ignoro se especializadas tenham lotação parecida, e atente-se que o pique da criminalidade decuplicou ou foi além. Nessa época, possuíamos um verdadeiro império policial-administrativo, que como uma muralha se antepunha ao mundo do crime.
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2. A Revolução de 64 e as mudanças * * *
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em, estávamos em 1964 e veio a Revolução. Os militares controlavam todas as formas de comando e a necessidade de coibir o “crime político” tornou lassa a guerra contra o crime comum. E era até interessante para o Governo que a imprensa se ocupasse mais com a crônica policial. A instituição policial-militar, que já era de proporções respeitáveis, agigantou-se mais, nascendo uma preocupante força eleitoreira, com um formidável lobby. Com a volta ao Estado de Direito, a Constituição consagrou poderes mais amplos para a policia militar. Hoje vemos que o grande erro cometido foi no modelo. A maioria dos países do primeiro mundo fez a sua escolha por uma polícia civil, pela Policia de Inteligência, pela Policia de Investigação. Mas lá não existe policiamento ostensivo? Existe sim, só que é com o po19
licial uniformizado, não fardado, e subordinado a um só comando, que é civil. À semelhança com outra má escolha foi a decisão pelo sistema viário, abandonando, de vez, o transporte ferroviário, por certo mais seguro, mais econômico e de melhor manutenção, fizemos a opção para o atual sistema de segurança policial militar. Aplica-se, então, o velho brocardo jurídico: “Culpa in eligendo”, ou seja: erro na escolha. Realmente: escolhemos mal. As gerações se sucederam, e acostumaram-se ver os “pm” se envolvendo em todas as modalidades de policiamento, tentando fazer investigações, expedindo intimações para as pessoas comparecerem ao batalhão etc. A imprensa enfatiza, e muitos clamam por mais polícia nas ruas. Ledo engano: o povo, necessariamente, não tem que ver polícia, o que o povo não deve ver é o ladrão, o assaltante, o transgressor, enfim. O investimento com o policiamento ostensivo da maneira que é feito é altamente oneroso e não traduz custo benefício, muito embora a Segurança Pública não foi feita para dar lucro. O pm faz as refeições no quartel. O fardamento 20
inteiro (farda, sapatos etc.) é fornecido pela corporação, bem como a condução para chegar ao posto de trabalho e o regresso ao batalhão. E o que dizer da criação, manutenção de cavalos e cães. E as bandas de música, sem falar na astronômica despesa de dois ou mais hospitais. Por outro lado, o policial civil se veste às próprias expensas, custeia sua alimentação, vai para o trabalho por meios próprios e até hoje não possui um hospital decente, digno de ser chamado hospital. Anteriormente, a função profilática ou preventiva da polícia era eficiente, pois muito embora não víssemos a polícia na rua, ela agia de maneira velada, discreta, miscigenada ao meio e pinçando os maus elementos, os indesejáveis e toda uma gama de paramarginais nocivos à sociedade. As Delegacias Especializadas de Vigilância e Capturas (Centro, Norte e Sul) bem como a Delegacia de Roubos e Furtos funcionavam como as hastes de uma imensa tenaz comprimindo a marginalidade, processando as quadrilhas e, consequentemente, segregando-as durante algum tempo. Os flagrantes por porte de arma eram em números de excelente expressão. Agora, misteriosamente, não temos flagrantes e poucas apreensões de armas são feitas, e assim mesmo fruto de aparatosa operação. 21
Possuíamos o inestimável apoio, imediatista, do Instituto Felix Pacheco, que nos dava a resposta precisa e sintética do histórico policial do pesquisado através do Boletim de Informações, o que na atualidade poderá ser feito pelos terminais de comunicação. Mas o sistema era lento? Era. Não tínhamos informática, nem tecnologia adequada.
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Algumas das proposições levantadas neste trabalho foram feitas por volta de 1980; eram sinceras e atuais, mas convenhamos que são mais de 20 anos de defasagem, de conquistas tecnológicas, mudanças sociais, outro pensamento universal. Melhores ou piores, não importa. Elas constituem outra visão do mesmo ideal.