Jogo de Buraco - Jogo e Imaginário

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Jogo de

Buraco: Jogo e imaginรกrio



Claudio Romulo Mussi Bersot

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Buraco: Jogo e imaginรกrio


Copyright © Claudio Romulo Mussi Bersot Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução total ou parcial, de qualquer forma e por qualquer meio mecânico ou eletrônico, inclusive através de fotocópias e de gravações, sem a expressa permissão do autor. Todo o conteúdo desta obra é de inteira responsabilidade do autor. E ditora S choba Rua Melvin Jones, 223 - Vila Roma - Salto - São Paulo - Brasil CEP 13321-441 Fone/Fax: +55 (11) 4029.0326 | 4021.9545 E-mail: atendimento@editoraschoba.com.br www.editoraschoba.com.br

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Angélica Ilacqua CRB-8/7057 Bersot, Claudio Romulo Mussi Bersot Jogo de buraco : jogo e imaginário / Claudio Romulo Mussi Bersot. -- São Paulo : Schoba, 2013. 384 p. ISBN 978-85-8013-119-2 1. Jogos de cartas 2. Lazer 3. Antropologia 4. Psicanálise 5. Literatura I. Título

13-0018 CDU 794.41 CDD 795.41 Índice para catálogo sistemático: 1. Jogos de cartas


“O mundo assim como está não é suportável. Por conseguinte, preciso da lua ou da felicidade, ou da imortalidade, de qualquer coisa que seja loucura, talvez, mas que não pertença a este mundo.”1

1. Camus, Albert. Calígula. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1963. p. 19.



Este livro é dedicado a todos os amantes e mestres desse jogo. Aqui estão os nomes de cem jogadores excepcionais que não somente jogam buraco, mas que também nos levam ao êxtase com as exibições coreográficas belas e firmes desse tão adorável jogo. Eles são mais do que grandes jogadores, são grandes artistas.2 abmribas – alcarvalho – balenciaga – belzontino – bethwest – bocasedutora – bucafogo – catracao – cattatau – caze14 – chiquerimmm – claudinha1 – cloviswilton – cpeixoto – cricadoida – dadaca – danka22 – dedearaujo1 – dirceviana – div3– docedecoco – dona02 – ebamba – edmarjr – evaepaulo – erastotenes – estrelaxx – fabinhosdoi – falco99 – felltigre – feraa2012 – flaviolago – fsmelo12345 – gararu – gatofoz1306 – habanacuba – habgv – helinhofjv – helpkiller – irmacarmen – isaparrela – jamesgas – jjohnny – keke5 – kid44 – krm98 – krypt – lardascartas – ledinha08 – lebreveloz – lizlaila – loraynesan – magalhas – magnanda – marasoares – maresdosul7 – maximusbh – medalista – millennium – mirsu10 – naldoesheyla – ninja10500 – oamcrj – ofofinho – ocarabhz – papabento – papisadeusa – pengana – phonocidio – piau58 – pitbullzinha – priscylarj – rafbarrancos – rebocho – reideouros01 – riitaa – rj1 – rhianderr – rodrigo9 – rokavi – sergiomendes – scotton – semrosto – sentinela2 – siedersberg – silverr – silvyo – stikpbarbuxa – sxp44rio – taniam – thebestfer – thuler – valmir2 – videa – xfantasmax – xpretovelhox – zccapixaba – zebel – zorle – willakida.

2. Como toda lista, a minha carrega também a marca da injustiça, pois não irá contemplar todos que aqui deveriam estar. Antecipadamente, peço desculpas. 3. Divanisy Araujo Pereira, parceira preferida com quem tanto aprendi e aprendo.



Karin, Lívia, Taís e Arthur Peter Berger diz que “O homem não pode aceitar a solidão e não pode aceitar a ausência de sentido.”4 Vocês são a prova de que ele não é um mentiroso. Vocês me dão sentido e presença.

4 Berger, Peter. O dossel sagrado. São Paulo: Editora Paulus, 1985. p. 68.



Sumário

Apresentação...................................................................................... 15 Introdução......................................................................................... 17

Livro 1 1. Um mundo oculto se descortinará.............................................. 23 2. As origens do jogo de buraco....................................................... 25 3. As regras do jogo e suas variantes............................................... 29 4. As cartas especiais: o curinga, o ás e o três �������������������������������� 35 5. As fases da partida.......................................................................... 43 6. O início da partida......................................................................... 49 7. O meio da partida........................................................................... 53 8. O final da partida.......................................................................... 71 9. O lixo.............................................................................................. 79 10. Colocando a carta aparentemente no lugar errado �������������� 87 11. Segurando o jogo na mão............................................................ 89

Livro 2 Apresentação...................................................................................... 97 1. O jogo maior................................................................................... 99 2. O valor das cartas........................................................................ 101 3. As dificuldades do aprendizado................................................. 103 4. As ilusões....................................................................................... 105 5. A relatividade dos valores.......................................................... 109


6. Desmanchando propositadamente um par �������������������������������� 111 7. I Algumas situações especiais...................................................... 113 8. II Algumas situações especiais..................................................... 117 9. III Algumas situações especiais.................................................... 121 10. Lutando contra o abaixador precoce ������������������������������������� 127 11. Aumentando a probabilidade de bater ou pegar o morto ����� 129 12. Jogando com cartas dobradas................................................... 131 13. Perder para ganhar.................................................................... 133 14. Evitando o buraco...................................................................... 139 15. Iconoclastia da canastra: Quebrando as tábuas da lei ��������� 141 16. Quatro ditados .......................................................................... 143 17. Seis ditados sobre o morto........................................................ 147 18. A sorte e o azar.......................................................................... 151 19. O céu, o purgatório e o inferno............................................... 153 20. Três tipos especiais..................................................................... 157 21. Um bom jogador de canastra.................................................... 161 22. Os combates................................................................................ 165 23. Jogo de buraco, sites e redes sociais........................................ 167 24. Dez sites do Jogo de Buraco..................................................... 171 25. O torneio de canastra............................................................... 173 26. A triste condição humana......................................................... 185

Livro 3 Apresentação.................................................................................... 193 Introdução....................................................................................... 197 1. Jogo e identidade......................................................................... 201 2. Jogo e ambivalência...................................................................... 205 3. Jogo e alteridade.......................................................................... 209 4. Jogo e transformação.................................................................. 213 5. Jogo e significação....................................................................... 215 6. Jogo e desejo................................................................................. 219 7. Jogo e acaso.................................................................................. 221 8. Jogo e religiosidade..................................................................... 231


9. Jogo e desaprendizado................................................................. 235 10. Jogo e mitologia......................................................................... 239 11. Jogo e imaginação....................................................................... 245 12. Jogo e sentido............................................................................. 249 13. Jogo e loucura............................................................................ 253 14. Jogo e beleza............................................................................... 261 15. Jogo e paixão............................................................................... 265 16. Jogo e seriedade......................................................................... 271 17. Jogo e esperança......................................................................... 275 18. Jogo e transgressão.................................................................... 279 19. Jogo e feitiço.............................................................................. 283 20. Jogo e infância............................................................................ 285 21. Jogo e viagem.............................................................................. 287 22. Jogo e justiça.............................................................................. 291 23. Jogo e simbologia....................................................................... 295 24. Jogo e morte............................................................................... 299 25. Jogo e passado............................................................................. 303 26. Jogo e fantasia............................................................................ 307 27. Jogo e renascimento.................................................................. 311 28. Jogo e compulsão........................................................................ 315 29. Jogo e drama............................................................................... 329 30. Jogo e dor................................................................................... 333 31. Jogo e aflição.............................................................................. 339 32. Jogo e projeção........................................................................... 349 33. Jogo e realidade......................................................................... 355 34. Jogo e superstição ..................................................................... 359 35. A despedida................................................................................. 365 Referências....................................................................................... 369



Apresentação

Inicialmente, Jogo de buraco: jogo e imaginário seria impresso em três volumes, mas como isso o tornaria oneroso, o projeto foi reformulado e os três livros foram agrupados em um só volume. O primeiro livro é predominantemente técnico. O segundo livro, apesar de continuar a explanar sobre a técnica do jogo de buraco, intensifica-se no seu aspecto teórico. E no último livro, o jogo é apresentado por meio de um olhar singular da psicanálise, da antropologia e da literatura.

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Introdução

Aprendi a jogar buraco5 ainda criança, mas quando entrei na adolescência, abandonei-o por completo. Voltei a me reencontrar com esse jogo ao me aproximar dos quarenta anos, e desde então, ele tem sido um companheiro excepcional. Tenho um grupo de amigos fiéis espalhados por esse enorme Brasil que se encontra duas vezes por ano, e ficamos completamente dedicados à fruição que esse jogo nos provoca. Nos últimos anos tenho jogado pela internet e são vários os sites que oferecem o jogo de canastra, mas mesmo assim, o lançamento de um livro sobre esse jogo em tempos lúdicos regidos pela tecnologia do silício, em que situações narradas na ficção, como no filme Matrix6, parecem cada vez mais próximas da realidade soará para alguns como uma nostalgia algo démodé, mas você, caro leitor, me dê a chance de mostrar que jogar uma “simples” partida de buraco pode ser tão ou mais emocionante do que as “grandiosas” aventuras proporcionadas pelos mais modernos jogos eletrônicos saturados de memória, pixel e inteligência artificial. As orientações que este livro contém servirão para todos, independente do modo e das regras que sigam, mas alguns capítulos serão mais bem aproveitados por aqueles que jogam nos sites de jogos (como o capítulo que fala como jogar com o computador de parceiro ou adversário). Neste volume I estão os ensinamentos do núcleo duro do jogo e as lições são diretas, simples e claras. Há pouquíssimas referências bibliográficas7 5. Utilizarei o termo buraco e canastra como sinônimos. 6. Filme de ficção científica de grande sucesso lançado em 1999 dirigido pelos irmãos Wachowski. 7. Icó, José Antônio. Intervalo lúdico do cotidiano: Jogo de Buraco. Salvador: Editora Contexto, 2007. Edição esgotada.

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devido à quase inexistência no mercado editorial brasileiro de qualquer livro sobre a teoria do jogo de buraco.8 Alguns tópicos serão maiores (o morto, por exemplo) e outros, como o jogo com o computador, por tratar-se de um tema menos complexo, será curto. É importante que à medida que forem entrando em contacto com as lições, coloquem-nas em prática e não se cansem de repetir exaustivamente o que aqui for aprendendo. Com a leitura atenta e a prática constante, será possível mudar maneirismos ruins antigos e eliminar hábitos inadequados e enraizados que prejudicam sobremaneira o bom jogar. De modo que dentro de pouco tempo irá se formando um estilo, que será um novo e bom estilo, que surgirá a partir do momento em que você começar a se organizar mentalmente (o que não é fácil) para jogar dentro de uma racionalidade que até então não estava acostumado, mas o sacrifício valerá a pena, afinal, sacrifício, dizem os eruditos, tem a bonita origem no latim sacrum facere, que quer dizer tornar sagrado.9 O padre Antonio Vieira, lisboeta de nascimento, mas brasileiro por adoção, revela que o sacrifício é necessário para que possamos não só predizer o futuro, mas também construí-lo. “Os discursos de quem não viu, são discursos; os discursos de quem viu são profecias. Os antigos, quando queriam prognosticar o futuro, sacrificavam os animais, consultavam-lhes as entranhas, e conforme o que via nelas, assim prognosticavam. Não consultavam a cabeça, que é o assento do entendimento, senão as entranhas, que é o lugar do amor; porque não prognostica melhor quem melhor entende, senão quem mais ama. E este costume era geral em toda a Europa antes da vinda de Cristo, e os portugueses tinham uma grande singularidade nele entre os outros gentios. Os outros consultavam as entranhas dos animais, os portugueses consultavam as entranhas dos homens. A superstição era falsa, mas a alegoria era muito verdadeira. Não há lume de profecia mais certo no mundo que consultar as entranhas dos homens. E que homens? De todos? Não. Dos sacrificados. Se quereis profetizar os futuros, consultai 8. Lima, Waldir. Teoria do jogo de buraco: segredos da técnica de jogar biriba. Juiz de Fora: Editora ESDEVA, 1987. Este foi o único livro que consegui achar em língua portuguesa sobre o jogo de buraco (comprei-o num sebo pela internet). Encontrei livros que falam do jogo de buraco, mas eles apenas ensinam regras. 9. Cruz, Eduardo Rodrigues da. A persistência dos deuses: religião, cultura e natureza. São Paulo: Editora UNESP, 2004. p. 33. Na verdade, o autor apenas diz que sacrifício tem origem no latim e significa tornar sagrado, o sacrum facere eu obtive de alguma fonte que não consegui recordar qual.

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as entranhas dos homens sacrificados: consultem-se as entranhas dos que se sacrificaram e dos que se sacrificam; e o que elas disserem, isto se tenha por profecia. Porém, consultar de quem não se sacrificou, nem se sacrifica, nem há de se sacrificar, é não querer profecias verdadeiras; é querer cegar o presente, e não acertar o futuro.”10 Espero que você acompanhe o meu raciocínio que, às vezes, poderá não ter saído a contento. Peço paciência, pois são situações complexas que envolvem muitos fatores e tentei dentro do possível cercá-las, mas é certo que uma vez ou outra, procurando ser mais didático, posso ter tornado a explicação reducionista. Mas prefiro a acusação de simplista a de confuso. Acho esse jogo fantástico e para mim foi um prazer muito grande ter escrito este livro. Tenho certeza que a alegria e o entusiasmo11 que você sentirá com as vitórias obtidas serão tamanhas que todo o sacrifício dedicado à aprendizagem será recompensado. A sensação de clareza e o reconhecimento da realidade de jogo o libertarão das sombras que nublam e das armadilhas que permeiam suas atuais partidas.

10. Vieira, Padre Antônio. apud Alves, Rubem. Variações sobre a vida e a morte: o feitiço erótico-herético da teologia. São Paulo: Edições Paulinas, 1985. p. 71. 11. Alves, Rubem. O enigma da religião. Petrópolis: Editora Vozes, 1975. p. 91. Entusiasmo tem uma bonita origem: en theos – um deus dentro. Uma pessoa entusiasmada é uma pessoa com um deus dentro de si.

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Livro 1


Preparando-se para adentrar em um mundo novo


Capítulo 1

Um mundo oculto se descortinará

Quando lemos um bom romance e somos apenas apreciadores de bons livros, ficamos satisfeitos ao término da leitura. Teremos nos emocionados, chorado ou dado grandes gargalhadas e até mesmo feito algumas reflexões sobre a vida e do modo que ela se esvai tão sorrateira. Se nos pedissem para falar sobre este livro, em alguns minutos contaríamos a história e como nos encantou. Agora, se chamarmos um professor de literatura para ler o mesmo livro e depois falar sobre ele, levará horas. Ele poderá ainda fazer um simpósio ou um até mesmo um congresso de alguns dias com muitos especialistas discorrendo sobre o mesmo livro, e mesmo assim não esgotará todas as possibilidades descortinadas pelo romance. De modo que, se participarmos desses eventos, vislumbraremos o revelar de um mundo que estava oculto até aquele momento. Iremos ver as implicações artísticas, políticas, econômicas, sociais e psicanalíticas daquela história. Esses intelectuais ligarão a história do livro a outras histórias bem conhecidas de todos e daí chegarão a conclusões que para nós passaram completamente despercebidas. Esses mesmos estudiosos nos mostrarão que a história que tanto nos tocou é uma metáfora, por exemplo, do nosso país em determinado momento mais conturbado de sua história, fundindo então, ficção e realidade. Poderão mostrar, também, que se trata de uma jornada no interior de um homem que atravessa uma fase singular de sua vida. Então, veremos o desabrochar de um mundo que se encontrava camuflado nas páginas daquela história que tanto gostamos, mas que nunca 25


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teríamos imaginado que aquilo fosse tão grandioso, tão extenso e tão surpreendentemente oculto. Todos nós conhecemos as regras do jogo de canastra, para jogá-lo é necessário seguir essas regras, mas na verdade, esse jogo possui um mundo velado com suas regras encobertas, suas leis quase absolutas e outras nem tanto, que devemos observar se quisermos atingir a vitória. Assim como no caso do romance, se você quiser ser um bom jogador, será necessário que alguém lhe ajude a ver esse mundo subterrâneo para que você possa atingir todo o potencial, tanto do jogo quanto seu. Para ter acesso aos mistérios do jogo, é necessária uma imersão nesse mundo secreto e escondido dos olhos da grande maioria que apenas segue as regras estabelecidas e acredita que isso basta para tornar-se um bom jogador, principalmente se contar com a sorte. Exponho, portanto, a proposta ambiciosa de um Dante pós-moderno12 de conduzi-los pelos mundos escondidos. Só que, enquanto, no inferno do escritor medieval estava escrito para se deixar toda a esperança ao ali adentrar,13 no meu está escrito que devem fazer essa peregrinação com toda a esperança do mundo. Sejam bem-vindos ao mundo oculto da canastra!

12. Existe toda uma discussão se ainda estamos na modernidade ou se nos encontramos na pós-modernidade. Concordo com aqueles que situam a pós-modernidade como ulterior aos anos 60. 13. Alighieri, Dante. A divina comédia. Rio de Janeiro: Editora Nova Fase. 1º. volume: O inferno. p. 27. A minha edição da Divina Comédia (três volumes) não consta o ano da publicação. A expressão de Dante na íntegra é: “Deixai toda a esperança, vós que entrais”.

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Capítulo 2

As origens do jogo de buraco

A origem do jogo de baralho é incerta. Existem muitas informações improváveis envolvendo o nascer do jogo que acredito não ser sensato nem produtivo dedicar-me a expô-las. Entretanto, apresento algumas informações que julgo ser dignas de crédito. O jogo de baralho parece ter sua origem na Índia ou nos países da península arábica, embora outros estudiosos afirmem que o jogo seja originário dos países da Ásia.14 Uma das possibilidades aventadas pelos estudiosos é de que ele tenha tido sua origem no “jogo do Chaturange”, ou “jogo dos quatro reis”, que parece ter sido um precursor não só do jogo de cartas, mas também do xadrez. Passando-o do tabuleiro para o papelão, criou-se o baralho; o ludus cartarum.15 De modo que as primeiras cartas eram pintadas à mão e identificadas por sinais desenhados no meio das cartas. Somente no século XIX esses sinais foram colocados nos ângulos superiores direitos e inferiores esquerdos das cartas e a partir do século XX, as cartas diminuíram de tamanho permitindo que o jogador segurasse um maior número delas nas mãos ao mesmo tempo, formando um “leque”.16 Quando as cartas chegaram à Europa, levadas pelos árabes, os naipes recebiam outros nomes: taças, moedas, espadas e bastões transformados futuramente nos atuais copas, espadas, ouros e paus.17 Especula-se que os naipes seriam representações das estruturas sociais da época. 14. Negra, Armando Conceição da Serra. O que é baralho? São Paulo: Editora Brasiliense, 1992. p. 23. 15. Idem p. 23 16. Copag. Regras oficiais de jogos de cartas. São Paulo: Planimpress gráfica e editora. O meu volume não consta o ano da publicação. p. 6. 17. Editora Abril. Jogo de cartas. São Paulo: Editora Abril Ltda, 1978. p. 1

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O clero seria representado por copas, a nobreza, que formava a elite militar da época, por espadas, o campesinato por paus e a burguesia por ouros.18 Acredita-se que o jogo de baralho deve ter sido levado para a Europa pelos cruzados que retornavam do Oriente no século XIV. Um manuscrito de 1742 que descreve a história de uma cidade italiana diz “No ano de 1379 chegou a Viterbo o jogo de cartas que vem do país dos sarracenos e que eles chamam de naib”. A expressão sarracenos identificava os povos do Oriente e a palavra naib.” é bem provável que tenha dado origem a palavra naipe.19 O documento mais antigo que fala do jogo de baralho é de 1377 e se encontra no Museu Britânico de Londres (onde também se encontra a Sociedade Internacional do Baralho) e traz o relato de um monge alemão “um jogo chamado ludus cartarum chegou até nós neste ano de 1377” relatando também não saber “em que época, onde e por quem foi inventado” e dizendo que o jogo lembrava bastante o jogo de xadrez.20 Situa-se o aparecimento do baralho na França entre 1369 e 1397 porque em 1369 o rei da França havia proibido uma série de jogos, e não citava o jogo de cartas, mas alguns anos mais tarde, em 1397, um juiz da corte de Paris passa a “proibir que os trabalhadores joguem tênis, bola, cartas ou boliche em dias que não sejam feriado.”21 Corroborando essa ideia temos que Boccacio (1313 – 1375) e Petrarca (1304 – 1374) nunca se referiram ao jogo de cartas em suas obras que versavam sobre os usos e costumes medievais nem outros autores anteriores a eles.22 Os primeiros baralhos que surgiram na Itália espelhavam figuras e eram chamados de tarôs e tinham apenas 22 cartas. Os baralhos atuais têm 52 cartas e apenas três cartas de cada naipe é que são figuradas. As figuras são cortadas ao meio com uma cabeça para cada lado. As cartas figuradas são o rei, a dama e o valete que se vestem com os trajes da época de Henrique VII e Henrique VIII. Aos trajes medievais somam-se alguns símbolos de poder. Uma carta do baralho antigo chama-

18. Padilla, Ricardo. & Slavutzky, Abrão. & Burd, Paulo. O jogo: uma paixão. Porto Alegre: Solivros, 1995. p. 15. 19. Negra, Armando Conceição da Serra. O que é baralho? São Paulo: Editora Brasiliense, 1992. p. 28. 20. Idem p. 28-29 21. Idem p. 29 22. Idem p. 32

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da de “bobo” trocou de nome e hoje se chama curinga.23 No seu início, como ainda hoje, o baralho era utilizado pelos viden24 tes para predizer o futuro. Huizinga lembra-nos que “a leitura da sorte por meio das cartas é um costume com profundas raízes no passado humano, numa tradição que é muito mais remota do que as próprias cartas.”25 Os leitores da sorte por trabalharem com o imaginário sofreram forte oposição do clericalismo tanto católico quanto protestante. Hoje, essa preocupação dos religiosos ainda permanece, mas se encontra atenuada. O padre franciscano S. Bernardo de Siena num sermão, em 1423, afirmava que o jogo de cartas havia sido invenção do demônio.26 É provável que o baralho tenha se propagado tão rapidamente menos pela ação do demo e mais porque era de produção simples e barata, e sendo pequeno era de fácil transporte. O baralho somente começou a ser produzido no Brasil com a instalação da Impressão Régia, em 13 de maio de 1808, antes disso somente pela importação. O regime imperial brasileiro da época chegou a criar uma Real Fábrica de Cartas.27 Nessa época, era popular o “Voltarete”, com regras semelhantes ao bridge.28 Apesar de muitos jurarem que o jogo de buraco seja uma invenção do brasileiro, outros mencionam o Uruguai29 como o seu berço, entrando no Brasil pelo Rio Grande do Sul. Outros consideram que o jogo de canastra seja realmente originário do Uruguai, mas tenha se desenvolvido e firmado suas regras na Argentina. Em 1949, chegou aos EUA onde chegou a des-

23. Copag. Regras oficiais de jogos de cartas. São Paulo: Planimpress gráfica e editora, p. 5. 24. Enciclopédia Barsa. Volume 9. 1982. p. 480. O meu sogro em recente mudança de residência resolveu desfazer-se da sua Enciclopédia Barsa. Aceitei-a de bom grado em minha biblioteca e, hoje, ela se encontra ao lado de outra coleção também vítima do desamparo; a Biblioteca dos Prêmios Nobel de Literatura. As duas vetustas senhoras estão muito felizes e eu também. 25. Huizinga, Johan. Homo Ludens: O jogo como elemento da cultura. São Paulo: Editora Perspectiva, 2010. p. 92-93 26. Negra, Armando Conceição da Serra. O que é baralho? São Paulo: Editora Brasiliense, 1992. p. 30 27. Padilla, Ricardo. & Slavutzky, Abrão. & Burd, Paulo. O jogo: uma paixão. Porto Alegre: Solivros, 1995. p. 16. 28. Negra, Armando Conceição da Serra, Op. cit., p. 66. 29. O Dicionário Aurélio aponta a Argentina como o país de origem do jogo de canastra. O meu dicionário encontra-se sem a página que informaria o ano e a editora. p. 332.

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bancar temporariamente o bridge30, jogo esse que é considerado o xadrez das cartas. O que todos concordam é que o jogo de buraco tem sua origem na família rummy (jogo provavelmente nascido na Espanha, mas que desfruta de grande popularidade nos EUA).31 Alguns autores acreditam que o jogo de canastra deu origem ao jogo de buraco e ao jogo de biriba, que seriam jogos autônomos.32 O termo canastra significa cesta larga e alta tecida com madeira flexível,33 denotando que o jogo deve ser jogado se tecendo as cartas, assim como se tece uma cesta.34 Outros afirmam que o jogo de buraco quando é jogado com o morto recebe o nome de biriba. Alguns falam de buraco bossa-nova, que seria o jogo de biriba com a necessidade de ter canastra para bater o jogo. Outra variante trata-se da tranca que apresenta peculiaridades que exporei quando falar das variações do jogo de buraco. Canastra, buraco, canastrinha, buraco bossa-nova, buraco aberto, buraco fechado, buraco duro, buraco superduro, buraco mole, megaburaco, buraco fechado sem trinca, buraco fechado sujo, biriba, tranca; considero-os, todos, variações do jogo de buraco ou jogo de canastra. Como visto, o jogo de buraco apresenta muitas variantes, mas a parte central (o seu alicerce) tende a ser fixa. Em Portugal,35 o jogo é chamado de canastra e é jogado sem sequências, apenas com as chamadas trincas. Os ases valem 20 pontos e joga-se com os jokers que são chamados de bestões e os curingas (os dois) são chamados de bestinhos. Os três vermelhos são chamados de flores, e à semelhança da nossa tranca, valem 100 pontos e os três pretos são os travões apresentando a mesma função que têm na tranca. No capítulo seguinte, exporemos as regras do jogo de buraco.

30. Editora Abril. Jogo de cartas. São Paulo: Editora Abril Ltda, 1978. p. 180. 31. Ibidem, p. 121. 32. Lima, Waldir. Teoria do jogo de buraco: segredos da técnica de jogar biriba. Juiz de Fora: Editora ESDEVA, 1987. p. 36. 33. Dicionário Aurélio. p. 332. 34. Lima, Waldir. Teoria do jogo de buraco: segredos da técnica de jogar biriba. Juiz de Fora: Editora ESDEVA, 1987. p. 36. 35. Dolma, Graciano. Jogos de cartas. Lisboa: Editorial Presença, 1981. p. 31. O autor português também considera o rummy como o jogo que deu origem à canastra.

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