Os Guadis

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Os Guadis No reino das mรกscaras



Rodrigo Barbom

Os Guadis No reino das mรกscaras


Copyright © Rodrigo Barbom Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução total ou parcial, de qualquer forma e por qualquer meio mecânico ou eletrônico, inclusive através de fotocópias e de gravações, sem a expressa permissão do autor. Todo o conteúdo desta obra é de inteira responsabilidade do autor. Editora Schoba Rua Melvin Jones, 223 - Vila Roma - Salto - São Paulo - Brasil CEP 13321-441 Fone/Fax: +55 (11) 4029.0326 | 4021.9545 E-mail: atendimento@editoraschoba.com.br www.editoraschoba.com.br

CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ B194g Barbom, Rodrigo D´Alexandre Os guadis : no reino das máscaras / Rodrigo Barbom. - Salto, SP : Schoba, 2012. 208p. : il. ; 21 cm ISBN 978-85-8013-189-5 1. Ficção brasileira. I. Título. 12-7024. CDD: 869.93 CDU: 821.134.3 (81)-3 26.09.12 15.10.12

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Esta obra é dedicada à pessoa mais importante que existe nesse mundo para mim: minha amada esposa. A possibilidade da existência desse livro só concretizou-se graças ao seu companheirismo, amor e apoio incondicionais. Ela sempre será minha encantadora Menai.



“Depois da verdade, não existe nada tão belo quanto a ficção.” Antonio Machado – Poeta espanhol



Sumário

Int rodução.........................................................11 Prólogo: Uma Civilização Esquecida.............15 1. A primavera da inocência......................... 25 2. Amigos para a vida e para a morte......... 33 3. Naquela noite a lua chorou....................... 47 4. Nada é por acaso......................................... 67 5. O desabrochar das flores.......................... 87 6. A realidade chama....................................... 99 7. Você é Nin-rode!........................................ 113 8. O retorno dos amigos.............................. 135 9. Ment iras inflamadas................................. 153 10. Uma luz surge em meio às t revas.......159 11. A noite do caçador................................. 175 12. Busque dent ro de si............................... 187 13. Seria a paz?...............................................201



Introdução



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odo ser humano tem o direito de sonhar. É no mundo da fantasia que encontramos os alicerces mais firmes de nossa racionalidade. Abstrair-se da realidade dura que nos rodeia garante a saúde mental necessária para continuarmos nossa jornada nesse mundo muitas vezes irreal. A fantasia também nos ensina preciosas lições sobre nós mesmos. Confronta-nos com seus personagens em suas adversidades, com todos os preconceitos migrados do mundo real, com os seus ideais de moral e atitude, com suas realizações fantásticas e com a possibilidade do impossível realizar-se. Nisso assemelha-se ao mito, pois ambos avaliam e oferecem explicações razoáveis ao nosso desconhecido. A fantasia e o mito caminham de mãos dadas. Os Guadis nasceu da vontade de mesclar o mito com o mundo da ficção. Criar um universo fantástico, que oferecesse uma mitologia regional, anterior aos primeiros povos conhecidos das Américas. Traçar paralelos entre os impressionantes costumes dos povos indígenas e uma raça extinta que dominava toda a região que, hodiernamente, cobrimos com nossa civilização inconseqüente. Os Guadis constitui-se, não apenas em uma obra literária, mas em uma declaração honesta de amor e respeito pelos povos indígenas deste continente – em especial, da América do Sul. Encontramos em seus personagens, principalmente em três deles, imensa ligação com os anseios da vida real. Através de suas

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aventuras podemos, metaforicamente, entender os estágios de nossa experiência humana, no decorrer da vida. Em cada ritual de passagem sofrido pelos jovens Guadis é possível encontrar nossas próprias impressões. Cabe ao leitor, participante do processo de interpretação do texto, empregar-lhes o sentido devido. Assim, escritor e leitor, produzem a riqueza de significados que este livro merece. Por fim, essencial será destacar o trabalho do artista Jota Novais. Desde o nascimento da idéia do livro, muita contribuição foi prestada por esse grande amigo. Nas Artes, tanto a linguagem verbal quanto a não-verbal são igualmente importantes na construção da compreensão. A partir do texto escrito, Julio esmerou-se em produzir todas as ilustrações que acompanham a trama do livro. Seus desenhos dão vida especial aos personagens e unem-se perpetuamente à história dos Guadis. A ele, meus mais profundos agradecimentos. E aos meus estimados leitores, que a viagem mítica de Keni lhes ofereça agradáveis momentos de descoberta.

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Prólogo Uma Civilização Esquecida



Introdução Conta-nos a lenda que em tempos imemoriais, muito anteriores a tudo que a história formal relata, existiam seres fantásticos no continente americano. Apesar de os principais animais pré-históricos terem sido exterminados pela escuridão repentina que ocorrera nas primeiras eras, algumas criaturas gigantescas sobreviveram e ainda podiam ser vistas – mesmo em raras oportunidades. Esse mundo primordial em muito se assemelhava aos ambientes naturais encontrados nas regiões onde hodiernamente a humanidade ainda não colocou os pés destrutivos. Fauna e flora eram muito idênticas às atuais, com a exceção de algumas formas de vida exclusivas, entre elas, os caçadores vermelhos, ou Guadis. Os Primeiros Habitantes da Terra

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Os Guadis (do original guadi = caçador vermelho) foram os antecessores mitológicos dos primeiros índios que habitavam a América antes do descobrimento do continente. Eram seres altos, rubro-vivos, com cabelos pretos longos e espetados, semelhantes aos espinhos de um ouriço, muito fortes e inteligentes. Tinham a habilidade de sentir as emoções emanadas pelas plantas e pelos animais. Suas unhas eram grandes e desenvolvidas, assim como seus dentes. Algumas pesquisas recentes apontam a altura média dos Guadis em dois metros – o que não prejudicava sua postura, pois sua constituição óssea era bem melhor que a dos humanos atuais. Tinham a habilidade de enxergar em ambientes com pouquíssima luz e seus sentidos eram drasticamente superiores. Sua alimentação era inicialmente carnívora no período nômade, passando a onívora conforme se estabeleceram em tribos fixas. 19


Em geral, organizavam-se em pequenas tribos, lideradas por chefes locais que se subordinavam aos chefes regionais. Cada tribo era composta por cerca de quinhentos a cinco mil Guadis, dependendo da região. As tribos eram formadas em círculos, com pequenas cabanas construídas ao redor da cabana central, onde o chefe local residia. Acredita-se que os Guadis eram bem evoluídos na arte, no artesanato e no conhecimento da natureza. Tinham um sistema religioso bem estruturado e de escrita rústica. Possuíam uma mitologia própria e cada indivíduo tinha sua função específica dentro da tribo. Seus agrupamentos e estilo de vida não alteravam relevantemente o meio ambiente. Os principais grupos dentro de cada tribo, em ordem de importância, eram: o chefe tribal, geralmente o mais velho ou veterano de batalhas; os sacerdotes; os guerreiros; os caçadores; os produtores de benfeitorias e alimentos; os servos; e por fim as crianças. Há relatos de que existiam tribos Guadis espalhadas por todo o continente. Porém foram encontradas algumas diferenças culturais e físicas que acabaram por dividir esses grupos e restringir o contato entre eles.

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Utensílios Guadis encontrados em escavações recentes.

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Retrato de um Guadi.



Tribo Guadi convencional.


A Mitologia Guadi Na mitologia Guadi, acreditava-se que tudo havia sido formado por Guadau, o criador (daí o nome dos Guadis). Depois de ter finalizado toda a criação, Guadau chorou de alegria, e de suas lágrimas surgiram os primeiros Guadis adultos. Os primeiros Guadis eram gigantes e dotados de poderes divinos, mas quando cansaram de habitar as florestas, passaram a governar os elementos naturais. Dessa forma, cada elemento é regido por um Guadi elementar: o sol, a lua, as estrelas, o mar, a floresta, as cavernas, os animais, as produções de alimento, a magia, os nascimentos, a morte etc.

Inscrição encontrada na parede de uma caverna retratando o herói Nin-rode.

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Entre o criador supremo Guadau e os demais Guadis existia um herói reverenciado por todas as tribos como aquele que mais se aproximou da divindade. Nos relatos descobertos nas cavernas do Centro-Oeste, os arqueólogos decifraram centenas de menções ao que foi o principal Guadi e herói do passado.

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Seu nome era Nin-rode, e em todos os escritos havia a inscrição: “Grande caçador vermelho diante de Guadau”. O Nascimento de um Império Muitos historiadores divergem acerca do período imperial da história Guadi. Alguns acreditam que sua civilização alcançou um apogeu econômico, bélico e cultural na última fase de sua existência; outros dizem que esse momento não passa de uma metáfora criada para trazer mais prestígio às tribos. De qualquer maneira, todos os indícios apontam para um momento da história Guadi em que fora instituído um único governante para todas as tribos e um sistema de dominação que transformou sua sociedade primitiva em um império. Os últimos vestígios da história Guadi datam de alguns séculos após o período imperial, sugerindo o fim de sua existência. Como esse povo desapareceu tão rapidamente ainda continua sendo um mistério para os historiadores. Hoje em dia, muitos cientistas apontam para uma catástrofe natural que tenha atingido os Guadis e tenha comprometido sua sobrevivência. A falta de registros ou documentos escritos impossibilita o entendimento completo do final dessa fascinante sociedade pré-histórica.

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Urna funerária contendo a inscrição: “Aqui descansa o rei”.

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O Legado Cultural dos Guadis

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Uma grande parte da cultura Guadi foi absorvida e adotada pelos primeiros povos indígenas do continente americano, principalmente pelas tribos sul-americanas. Muitos apontam para uma transmissão que se deu entre o fim da sociedade Guadi e o início dos povos indígenas. Estudiosos mais eufóricos veem na tradição da pintura vermelha da pele pelos índios uma conexão histórica entre os dois povos. Apesar de os Guadis não serem humanos, existe um elo que os une aos índios no começo de sua história. Entre as semelhanças culturais existentes entre os dois povos, podemos destacar a forma de caçar, a devoção pelos antepassados, o respeito pela natureza e o uso de plantas para fins medicinais. Muitas formas de rituais podem ter sido diretamente transmitidas da história Guadi para os povos indígenas, tais como o Quarup, as danças coletivas e alguns ritos de passagem. Existe muito para se descobrir acerca dos Guadis. Porém, a melhor forma de entender a sua história é apenas fecharmos nossos olhos por alguns instantes e deixar que suas vozes falem conosco por meio do vento e da imaginação...

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CapĂ­tulo 1 A primavera da inocĂŞncia



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o bosque tudo era mágico. Enquanto corria, o pequeno Guadi imaginava mundos e aventuras em meio aos feixes de luz que desciam das copas das árvores. Desta vez não estava com seus amigos, estava só. Mas solidão não era empecilho para uma mente tão criativa como aquela. Troncos se transformavam em animais gigantes, folhas no chão eram monstros e qualquer galho seco logo se transfigurava em uma poderosa arma para vencer os inimigos. Era como se o tempo fosse privado de sua força e parasse para contemplar aquele menino, respeitando sua inocência e incentivando sua brincadeira. A beleza daquele lugar era inquietante. Imponentes troncos erguiam-se até a imensidão do céu, sendo muitas vezes cobertos pelas folhas de árvores menores que preservavam a região em sombras retalhadas por brilhantes raios de luz. O chão era coberto por folhas de vários tons, não sendo muito difícil achar algumas raízes que se elevavam sobre a mata oferecendo assento aos cansados. Para aquele menino, eram verdadeiros obstáculos a serem transpostos. Ao sentir sede, logo foi até o pequeno córrego e se deliciou com as águas cristalinas, que o refrescavam e revigoravam para mais aventuras infantis. Ao longe se podiam ouvir os sons da sua diversão, ora em gritos, ora em gargalhadas, sempre acompanhadas pelo estalar das folhas secas. A impressão que se tinha era que todas as coisas que foram criadas na natureza apenas tinham sido formadas para receber aquele pequeno ser em sua alegria.

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Tudo era um naquele momento. Até que as orelhas do pequeno Guadi se levantaram. Eram passos de adulto vindo em sua direção. Oh, que sensação frustrante! Sua brincadeira deveria ser interrompida para investigar a causa de súbita visita inoportuna. Não era a mesma coisa com adultos por perto. Todo o encanto acabava. Então, o menino se sentou em uma imensa raiz em forma de arco e fixou os olhos em direção ao som das pegadas. Logo o vulto de alguém muito familiar surgia. Apesar das marcas expressivas do tempo, aquela Guadi preservava muito de seu encanto e da sua vitalidade. Era Lênia, mãe do pequenino garoto, que, ao confirmar a identidade do visitante, apressadamente foi ao seu encontro em um abraço gostoso. – Meu filho, mais uma vez você perdeu a noção do tempo!? Vamos para casa, pois ainda temos que participar da reunião com os anciãos mais tarde. – Fazer o que né!? Tente me pegar, mãe – e em uma disparada, o pequeno Guadi correu atravessando a mata em direção à tribo, seguido de perto por sua mãe, que sorria ao ver como seu filho crescia e ficava cada vez mais ágil. O nome daquele garoto era Keni. Desde muito cedo ele se apegara à mãe, após o trágico acidente que ceifara a vida de seu pai. Pelo menos era o que ele sempre ouvira acerca dele. Segundo os relatos de sua mãe, muitos motivos existiam para que ele se orgulhasse do pai: fora um grande caçador, um marido inigualável e uma fonte de sabedoria para os demais habitantes da tribo. Porém jamais o havia visto. Não poucas vezes tentava imaginálo, colocando-o como parceiro em suas aventuras, e não poucas vezes chorava por sua falta. Estavam caminhando lado a lado na entrada da tribo quando um dos anciãos sacerdotes veio em sua direção e disse para Lênia: 30


A natureza se curva para admirar o mundo de fantasia do pequeno Keni.


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– Esse garoto me parece muito agitado. Você está tendo problemas em educá-lo? – disse o velho, lançando um olhar de desprezo para o pequenino. – Com certeza não! Apenas estava brincando no bosque. Keni não se sentia à vontade perto daquele ancião. Um súbito arrepio percorria seu corpo todas as vezes que o via e quase sempre duvidava da honestidade de suas palavras. Não sabia explicar o porquê, mas desgostava de sua presença. Todos os Guadis prestavam honras aos anciãos, que se tornavam cada vez mais influentes naquela comunidade. Mas as coisas nem sempre foram assim. No passado, cada tribo tinha seu líder e seu grupo de guerreiros sagrados. Era o líder o detentor do conhecimento ritual e da responsabilidade por todas as vidas do grupo. Muitas tribos formavam o grupo dos Guadis e cada uma delas era autônoma, existindo apenas um vínculo de fraternidade que as unia. Porém, com o passar do tempo, uma das tribos se expandiu sobremaneira e contava com um número imenso de habitantes. Muitos deles se tornaram detentores do conhecimento ritual e passaram a se separar em uma casta religiosa, denominada de anciãos sacerdotes. Seu poder e influência começaram a se estender e rapidamente irromperam a interferir nas decisões do líder tribal. Tal era o seu avanço que, em poucos anos, conseguiam controlar completamente os rumos da tribo central. Como seu crescimento era inevitável, o líder da principal tribo se rebelou contra eles, levando seus guerreiros sagrados a expulsá-los da comunidade. A guerra que se formou durou meses, e não poucos Guadis morreram em consequência do confronto. Essa medida extrema moveu o povo a pedir a volta dos anciãos, inconformado com a violência do líder. Em grande parte a decisão popular foi instigada pelo fascínio que os sacerdotes exerciam sobre a comunidade e pelo controle mental que usavam em forma de feitiços 32


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