RECORTES GEOGRÁFICOS SOBRE ARAGUAÍNA E OUTROS LUGARES
eliseu pereira de brito (organizador)
RECORTES GEOGRÁFICOS SOBRE ARAGUAÍNA E OUTROS LUGARES
Copyright © Eliseu Pereira de Brito Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução total ou parcial, de qualquer forma e por qualquer meio mecânico ou eletrônico, inclusive através de fotocópias e de gravações, sem a expressa permissão do autor. Todo o conteúdo desta obra é de inteira responsabilidade do autor. Editora Schoba Rua Melvin Jones, 223 - Vila Roma - Salto - São Paulo - Brasil CEP 13321-441 Fone/Fax: +55 (11) 4029.0326 E-mail: atendimento@editoraschoba.com.br www.editoraschoba.com.br CIP-Brasil. Catalogação na Publicação Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ R248 Recortes geográficos sobre Araguaína e outros lugares / organizador Eliseu Pereira de Brito. - 1. ed. - Salto, SP : Schoba, 2013. 340 p. : il. ; 23 cm. Inclui bibliografia ISBN 978-85-8013-266-3 1. Planejamento urbano - Araguaina (TO) 2. Planejamento regional Araguaina (TO) I. Brito, Eliseu Pereira de. II. Título. 13-02044 CDD: 338.98117 CDU: 338.1(811.7)
Publicação resultante de monografias da pós-graduação lato sensu em Geografia Curso de Geografia da Universidade Federal do Tocantins, campus de Araguaína
Reitor Márcio Antônio da Silveira Vice-reitora Isabel Cristina Auler Pereira Chefe de Gabinete Emerson Subtil Denicoli Pró-reitor de Administração e Finanças José Pereira Guimarães Neto Pró-reitor de Assuntos Estudantis e Comunitários George Lauro Ribeiro de Brito Pró-reitora de Avaliação e Planejamento Ana Lúcia de Medeiros Pró-reitora de Graduação Berenice Feitosa da Costa Aires Pró-reitor de Extensão e Cultura George França dos Santos Pró-reitor de Pesquisa e Pós-graduação Waldecy Rodrigues
Comissão Científic a
Aires José Pereira (UFT – Araguaína) Airton Sieben (UFT – Araguaína) Carlos Augusto Machado (UFT – Araguaína) Elias da Silva (UFT – Araguaína) Eliseu Pereira de Brito (UFT – Araguaína) Francisco Neto Pereira Pinto (UFT – Araguaína) Jacira Garcia Gaspar (UFT – Araguaína) Jean Carlos Rodrigues (UFT – Araguaína) João Manoel de Vasconcelos Filho (UFT – Araguaína) Luciano da Silva Guedes (UFT – Araguaína) Luis Eduardo Bovolato (UFT – Araguaína) Marivaldo Cavalcante da Silva (UFT – Araguaína) Marcelo Venâncio (UFT – Araguaína) Patricia Rocha Chaves (UFAP – Macapá) Wagner dos Santos Mariano (UFT – Araguaína)
S U M Á R IO Apresentação................................................................................... 11
Pa r t e I Olhares geográficos sobre a cidade de Araguaína A expansão urbana da cidade de Araguaína: habitação popular, acesso e direito à moradia................................... 17 A rodovia Belém-Brasília e a cidade de Araguaína: uma análise do crescimento da cidade............................................. 57 Mercado municipal de Araguaína-TO............................................ 78 Toporamas: uma análise da paisagem............................................ 104 Degradação ambiental por lixões ativos e inativos no perímetro urbano da cidade de Araguaína-TO......................... 127
Pa r t e II Outros recortes geográficos Filhos da Terra: migração dos paraibanenses no Maranhão para a cidade dos sonhos, São Paulo (1996-12)............................. 169 Conflitos territoriais entre os atingidos por barragens e a atuação do Estado em Carolina-MA....................................... 193
Do rio ao lago: uma abordagem sobre os impactos socioambientais a partir da construção da UHE-Estreito para o município de Carolina-MA................................................ 221 A fiscalização e a valorização da Unidade de Conservação do Monumento Natural das Árvores Fossilizadas de Bielândia-TO........................................................ 242 Degradação ambiental do córrego jenipapo no município de Aragominas-TO....................................................................... 289 Análise sobre o uso do mapa mental no processo de representação cartográfica......................................................... 314
Apr e s e n t a ç ã o O mundo tem se transformado em relações estruturais diferenciadas a nível espacial. Para dar conta da complexidade imposta pelas novas organizações espaciais, a geografia tem norteado suas análises em torno das questões regionais, ambientais e urbanas. Assim, percebemos um mundo com a presença dos novos sistemas técnicos, unidos a uma densidade de sistemas informacionais concentrados em determinadas áreas e escassos em outras, tais questões envolvem a ciência geográfica, que por sua vez, tem se preocupado no sentido de compreender e analisar. Estas mudanças globais nos permitem compreender a funcionalidade do mundo, reconhecendo o lugar de cada país na divisão internacional do trabalho. A percepção dessa questão ocorre a partir do processo de aprendizagem, da consciência da época em que vivemos. Nesse sentido, tem-se observado que, no momento atual, as transformações do mundo se dão pela reprodução acelerada e contraditória do espaço que é movida pelo conjunto de ações que o homem disponibiliza com novas técnicas a cada momento diferenciando os lugares. A análise da Geografia física brasileira na última década tem complexificado, sobretudo em função da ampliação das pesquisas na área da denominada relação sociedade x natureza. Este crescimento é positivo em todos os aspectos, e implica em relativo questionamento, no seio da comunidade geográfica, da produção do conhecimento realizada em Geografia Física principalmente, no que diz respeito à pesquisa em Geomorfologia, Biogeografia, Hidrografia. Com efeito, tem-se constatado ao longo dos anos que as transformações recentes ocorridas em diferentes análises, quais sejam, o regional e o urbano, o ambiental ou o ensino de geografia no contexto do estado do Tocantins, e de forma específica na região de Araguaína tem necessitado de estudos. Nesse sentido, pode-se afirmar que há uma escassez de estudos geográficos. 13
A partir desta constatação e pensando em uma contribuição que este livro foi objetivado, com estudos resultantes de monografias desenvolvidas no curso de pós-graduação em Geografia em duas áreas de concentração: Planejamento Ambiental e Desenvolvimento Regional e Urbano. Com texto que tem um olhar sobre a geografia de Araguaína, quer seja sobre o ambiente ou sobre o seu processo de ocupação. Outros trabalhos buscaram recortes em área diferentes, buscando fazer uma análise sobre os migrantes, movimentos sociais, ou questões ambientais. Por isso, se justifica o título do livro: Recortes Geográficos sobre Araguaína e outros lugares.
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Pa r t e I Olhares geogrĂĄficos sobre a cidade de AraguaĂna
A expansão urbana da cidade de Araguaína: habitação popular, acesso e direito à moradia Marcelo Araújo de Sousa Eliseu Pereira de Brito
INTRODUÇÃO Na proposta de estudar a temática urbana e suas contradições, este trabalho aborda as problemáticas pertinentes ao espaço urbano e ao conjunto social que nele se estabelece a partir do processo de expansão urbana. Sendo assim, relacionamos tais problemáticas com a realidade da cidade de Araguaína, buscando através da pesquisa evidenciar os marcos históricos a partir do processo de expansão do espaço urbano desta urbe, processo este que teve início no final da década de 1950 e se intensificou na última década do século XXI. A estrutura urbana que a cidade de Araguaína apresenta nos fez refletir sobre as transformações desse espaço, onde se tornou marcante a falta de planejamento para os assentamentos urbanos, o que, aliado à contraditória valorização imobiliária, tornou o acesso e o direito à moradia possíveis apenas para uma parcela da sociedade. Mesmo sabendo que essa contradição no acesso e no direito à moradia não é uma exclusividade deste espaço urbano, mas quase uma regra geral no contexto urbano do país. Em face da histórica crise urbana brasileira, devemos fazer referência aos elevados índices demográficos, reflexo expressivo da expansão da malha urbana, que consequentemente provocou o aumento do número de municípios brasileiros. Contraditoriamente, a expansão 19
da malha urbana faz emergir a restrição do acesso ao solo urbano, pois este passa a ser mercadoria possuidora de valor, com seus índices elevados constantemente, impossibilitando o direito à moradia para a parcela social de menor poder aquisitivo. O resultado está explícito em uma dualidade: de um lado, o domínio dos grandes capitais existentes do setor imobiliário, que se tem mostrado seletivo na produção e na reprodução do capital sobre o espaço urbano, concentrando-o, com a proposta de especulação; de outro, os assentamentos urbanos impróprios e subnormais aliados também à ampliação do déficit de moradias. Na tentativa de reduzir os índices deficitários de moradia no Brasil, tivemos, através das políticas urbanas, os programas habitacionais, que vieram proporcionar melhores oportunidades de acesso à moradia. Iniciados na década de 1960, com a criação do Banco Nacional de Habitação (BNH) e sua integração com o Sistema Financeiro de Habitação (SFH), os programas habitacionais se estendem até a atualidade, com o Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV), sendo este último o programa de maior proporção na promoção do acesso à moradia. Diante do exposto, todas essas ações que ocorreram relacionadas aos programas de moradia popular também perpassam a cidade de Araguaína, pois, na mesma década em que se deu início aos programas habitacionais, este espaço urbano deu início à sua expansão e, ao longo de sua existência, vem sendo contemplado com tais programas. Dessa forma, as políticas urbanas vêm suprir uma necessidade social. Rodrigues (2003, p. 57) expõe: “A escolha da habitação como eixo da política urbana deveu-se à tentativa de diminuir as tensões nas áreas urbanas. Atende-se a uma necessidade e a uma reivindicação (estabilidade social); acentua-se a filosofia da casa própria [...]”. O objetivo deste trabalho é compreender, através da pesquisa geográfica, o processo de ocupação e expansão urbana, em detrimento do direito e do acesso à moradia, através dos programas habitacionais na cidade de Araguaína. A abordagem deste artigo tem o propósito de verificar as contradições sócio-espaciais que envolvem o espaço urbano, com seu elo de disputas e interesses, que tem como consequência uma segregação provocada pela ação do capital, sendo este o principal 20
condicionador do acesso e do direito à moradia. O trabalho foi norteado a partir da metodologia teórica proposta por Arlete Moysés Rodrigues (2003) e Ermínia Maricato (2001). Perante as problemáticas que envolvem o espaço urbano de Araguaína, apresentamos ainda a discussão e a confrontação dos programas de moradia popular, suas aplicações e (in)gerências adotadas neste espaço urbano. A cidade de Araguaína não difere das problemáticas urbanas encontradas nas cidades médias brasileiras, com uma conjuntura urbana que contrasta o local da seletividade – com suas modernas edificações, que dispõe de toda infraestrutura capaz de atender às necessidades básicas e supérfluas – e a miséria e a falta de uma infraestrutura mínima, capaz de atender ao simples anseio de dispor de uma moradia digna. Assim, a pesquisa se faz no intuito de analisar o processo de dinamização e redefinição sócio-espacial no interior da cidade e o surgimento de novas formas de ocupação a partir dos programas de habitação popular e do uso deste espaço urbano.
O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO NO BRASIL – ALGUNS APONTAMENTOS No Brasil, a partir das décadas de 40, o país teve um crescimento considerável de sua população morando nas cidades em detrimento do campo, que passou a perder população, diante do processo conhecido como êxodo rural. Porém, ainda neste período, a população era em sua maioria predominantemente, rural. O processo de urbanização do Brasil passou a se intensificar de forma mais marcante a partir da segunda metade do século XX, período marcado pela consolidação da industrialização na economia do país, provocando um êxodo rural expressivo, onde a maioria populacional que se estabelecia no campo, passou a se transferir para as cidades, com necessidades e na expectativa de conseguir um trabalho mais rentável. Já que as atividades agrícolas nesse período passavam a ser de 21
domínio dos grandes latifundiários, principalmente, os de produções primárias (monoculturas) destinadas à industrialização e a exportação. Podemos assim destacar que “[...] o Brasil deixou o século XIX com aproximadamente 10% da população nas cidades” (SANTOS, 1993, apud MARICATO, 2001, p. 16). Podemos então apontar alguns marcos históricos com base em Maricato (2001), em que ela relaciona o crescimento urbano, dizendo que: [...] Considerando o universo das Américas o Brasil já apresentava cidades de grande porte desde o período colonial, mas é somente a partir da virada do século XIX e das primeiras décadas do século XX que o processo de urbanização da sociedade começa realmente a se consolidar impulsionado pela emergência do trabalhador livre, a proclamação da República e uma indústria ainda incipiente que se desenrola na esteira das atividades ligadas à cafeicultura e às necessidades básicas do mercado interno (MARICATO, 2001, p. 16-17).
Ainda de acordo Maricato (2001), e para termos dimensão dessa expansão urbana brasileira, é válido apresentar alguns números sobre essa população. [...] em 1940, a população urbana era de 26,3% do total. Em 2000 ela é de 81,2%. Esse crescimento se mostra mais impressionante [...] [em] números absolutos: 1940 a população que residia nas cidades era de 18,8 milhões de habitantes e em 2000 ela é de aproximadamente 138 milhões [...] portanto, [...] em sessenta anos os assentamentos urbanos foram ampliados de forma a abrigar mais de 125 milhões de pessoas. Considerando apenas a última década do século XX, as cidades brasileiras aumentaram em 22.718.968 pessoas (MARICATO, 2001, p. 16).
O crescimento e o surgimento de novas cidades brasileiras se intensificaram principalmente nas regiões Sul e Sudeste, pelo fato de estas regiões concentrarem o maior número de indústrias do país. Consequentemente, essa malha urbana passou também a se expandir em direção ao Centro-Oeste e ao Norte, o que se intensificou a partir da década de 1960, durante o período do Regime Militar com a política 22
de integração do território nacional. À medida que os espaços urbanos passaram a ofertar melhores condições de vida, tendo o trabalho que emergia nas cidades como o principal propulsor na obtenção de renda para a classe trabalhadora, mais pessoas se deslocaram para as cidades. Devido a esse grande contingente populacional que os espaços urbanos passaram a comportar, estes começaram a apresentar várias problemáticas, de ordem não só estruturais, mas também sociais. Na busca social por um espaço no meio urbano, este começou a ficar escasso, transformando-se em um “locus” de disputas e interesses, pois o solo urbano tornou-se uma mercadoria inserida através da apropriação da renda da terra, com bases legais em um mercado imobiliário nos moldes capitalistas. Dessa forma, o espaço urbano começou a se configurar de forma fragmentada, mas ligeiramente foi-se articulando e se tornando um polo de atração, pois, com o seu desenvolvimento, os atrativos superaram o simples desejo de melhoria de vida e bem-estar social. Entretanto, ao mesmo tempo em que o espaço urbano se tornou o lugar das oportunidades, ele também se revelou como seletivo, com a inserção da “[...] especulação imobiliária, o mecanismo de definição de preço da terra, a questão salarial e escassez da moradia ao lado de tanta terra para moradia” (RODRIGUES, 2003, p. 10). O processo de urbanização no Brasil, ao longo dos anos, apresenta-nos uma série de complexidades, que veio a se intensificar ainda mais com a ação capitalista, aliada ao corporativismo entre o poder público e os detentores do capital imobiliário. Seguindo a trajetória do país, temos, então, o momento em que o país passava por reformas na política social, iniciada ainda na década de 1960, com as reformas: agrária (esta a mais importante, emblemática e conflituosa); da educação (na proposição de Paulo Feire); da saúde (implantação do Sistema Único de Saúde – SUS); e a ainda incipiente reforma urbana, preconizada pelos movimentos sociais da época, mas que foi fracassada. A consequência disso tudo é de uma crise habitacional que, de acordo com Rodrigues (2003):
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[...] há demonstrações evidentes desta “crise”, neste último quarto do século XX a “crise” se agudiza, por um processo de empobrecimento da classe trabalhadora em seu conjunto; pela vinculação da política urbana às exigências dos mecanismos financeiros internacionais nos países do terceiro mundo (de contenção de serviços públicos); pela apropriação elevada da renda da terra, dos lucros e dos juros na produção das cidades. (RODRIGUES, 2003, p. 13)
Para uma melhor análise dimensional desta crise urbana colocada por Rodrigues (2003), retrata a evolução da divisão territorial e da população urbana no Brasil, onde tivemos uma ampliação da malha urbana consideravelmente expressiva, em relação ao período de 1940-2010, conforme números apresentados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE, 2010). Traduzindo essa evolução territorial do espaço e da população urbana, a seguir temos o Gráfico 1, apresentando a evolução numérica dos municípios brasileiros, demonstrando essa expansão urbana. Temos, então, essa representação gráfica conforme números compreendidos entre os anos 1872-2010. Evolução do número de municípios do Brasil – 1872 / 2010
3.959 3.992
4.991
5.507 5.565
2.765
1.121
1.221
1.302
1.363
1.574
1.890
642
1872 1900 1911 1920 1923 1940 1950 1960 1970 1980 1991 2000 2010 Gráfico 1: Evolução do número de municípios no Brasil 1872-2010. Fonte: IBGE, 2010, adaptado pelo autor, 2013.
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Diante da ampliação da malha urbana, surge, portanto, a necessidade de moradia para todo o contexto social estabelecido nas cidades. Assim, temos a gênese de uma problemática, que faz emergir outras situações para a população. Maricato (2001) afirma que se trata de um gigantesco movimento de construção de cidade, necessário para o assentamento residencial dessa população, bem como para suas necessidades de trabalho, abastecimento, transportes, saúde, energia, água etc. Ainda que o rumo tomado pelo crescimento urbano não tenha respondido satisfatoriamente a todas essas necessidades, o território foi ocupado e foram construídas as condições para viver nesse espaço. Bem ou mal, de algum modo, improvisado ou não, são mais de 138 milhões habitantes (número segundo Censo do ano 2000 do IBGE) que moravam nas cidades, número esse já superado, conforme último levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010), tendo agora as cidades brasileiras dispondo de cerca de 161 milhões de habitantes, o que corresponde a um aumento de 16,6% da população urbana1. Defronte do grande contingente que o espaço urbano passou a comportar, a maioria das cidades brasileiras vivencia um caos urbano. Aliadas a essa situação temos as políticas públicas que não se desenvolveram de acordo com o crescimento populacional, as imposições capitalistas que proporcionam uma segregação sócio-espacial, devido à má distribuição de renda em nosso país (onde cerca de cinco mil famílias concentram 80% das riquezas do país2), as políticas públicas mal geridas e tendenciosas. Ainda se tem o oligopólio que é estabelecido sobre a terra urbana, que se tornou uma mercadoria, que tem sua valorização elevada constantemente, promovida pela especulação imobiliária, deixando assim a classe de menor poder aquisitivo (classe 1. Números apresentados conforme Censo 2010, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/caracteristicas_da_populacao/tabelaspdf/tab1.pdf 2. Informações apresentadas por Ermínia Maricato durante o debate “Copa: Paixão, Negócio e Esporte”, realizado na cidade do Rio Janeiro. Disponível em: <http://www.youtube.com/ watch?feature=player_embedded&v=Ctadh7ehMQo#!>. Acesso em: 08 de maio de 2012. 25
trabalhadora) à margem do mercado imobiliário. A consequência dos fatos ora elencados é uma produção habitacional através das submoradias, por meio de ocupações irregulares, em áreas em sua maioria impróprias ao estabelecimento de moradias, como: áreas de preservação ambiental (margem de córregos e rios, mananciais, aquíferos etc.), morros e encostas, além de ocupações em áreas privadas, públicas (destinadas a equipamentos público-coletivos), ou seja, em locais que não dispõem de nenhum tipo de infraestrutura básica capaz de comportar uma moradia digna. Isso incita o desordenamento urbano e os assentamentos subnormais. A reincidente concentração de renda, infraestrutura e poder político-econômico para apenas algumas parcelas do espaço e da sociedade acaba privilegiando inovações dentro do espaço urbano. Assim, temos a formação de uma sociedade urbana que cria e se fortalece em diferentes níveis de intensidade, provocando contrastes na dinâmica, na forma e em seu conteúdo.
POLÍTICAS HABITACIONAIS E DÉFICIT DE MORADIAS DAS CLASSES POPULARES Na tentativa de amenizar a disparidade de acesso à moradia no Brasil, vêm sendo realizadas, ao longo das gestões governamentais brasileiras, várias políticas públicas destinadas a programas habitacionais. Esses programas tiveram início na década de 1960, durante o regime militar, com o Banco Nacional de Habitação (BNH), e sua integração com o Sistema Financeiro de Habitação (SFH). A partir dessa fomentação governamental, as cidades brasileiras começaram a ser o foco de uma política que tinha como finalidade dinamizar o modelo da produção urbana. A série de investimentos que o governo fez na habitação acabou resultando em uma grande explosão imobiliária, promovendo ainda mais a rede privada do mercado imobiliário. Na abordagem de Maricato (2001): 26
Infelizmente o financiamento imobiliário não impulsionou a democratização do acesso a terra via instituição da função social da propriedade. Essa era a proposta da reforma urbana [...] Para a maior parte da população que buscava a moradia nas cidades o mercado não se abriu. O acesso das classes médias e altas foi priorizado. (MARICATO, 2001, p. 20-21)
O acesso à moradia não democrático para a maioria populacional chegou ao final da década de 198, com a estimativa de “que o déficit de moradias no Brasil [aproximava-se] de dez milhões de unidades” (RODRIGUES, 2003, p. 12). As décadas de 1980 e 1990 são apontadas por alguns autores como as décadas perdidas, pois foi um período em que o país sofreu forte crise econômica, justamente no momento em que os índices de crescimento demográfico superavam os índices do Produto Interno Bruto (PIB), elevando ainda mais as desigualdades sociais. Iniciou-se, então, a década de 1990, com o Brasil enfrentando uma crise no mercado financeiro, com altos índices inflacionários, tendo esse quadro melhorado a partir de meados dessa mesma década, com a criação do Plano Real, sendo adotado o real como a nova moeda brasileira. Esse período foi marcado também pelas privatizações de vários seguimentos estatais. As privatizações foram uma das ações governamentais mais marcantes na gestão do Estado brasileiro sob o comando do presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC). Com a situação econômica do país melhorando, voltaram os investimentos para o desenvolvimento de um modo geral (sistema financeiro, indústria, agricultura, bens e serviços), principalmente em infraestrutura – nessas condições em que o país se encontrava, Maricato (2001) expõe que o Brasil chegou ao ano 2000 com 81,2% do total da população estabelecida nas cidades. Nesse momento, resta, portanto, tratar da questão da habitação e, consequentemente, proporcionar a abertura do crédito financeiro para a sociedade. Na busca por uma política urbana que se desenvolvesse o mais próximo possível da equidade ao acesso à moradia, aliada ainda à qualidade de vida da sociedade residente nas cidades, no ano de 2001
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foi sancionada a Lei Federal 10.257/2001, que veio regulamentar os artigos 182 e 183 da Constituição Federal, que estabelece as diretrizes gerais da política urbana, sendo esta lei denominada Estatuto da Cidade3. Na teoria, o Estatuto tem o objetivo de ser o instrumento dinamizador no processo de aceso ao hábitat da sociedade brasileira, diferindo assim da produção habitacional constituída ao longo da história. Dessa forma, o Estatuto da Cidade vem respaldar a possibilidade de garantir uma moradia mais digna a todo cidadão brasileiro. Dentre suas diretrizes, destacamos na referida lei o seguinte parágrafo único: Para todos os efeitos, esta Lei, denominada Estatuto da Cidade, estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental. (BRASIL, 2001)
O Estatuto da Cidade foi um grande avanço na política pública urbana brasileira, pois tem o propósito de regulamentar e ordenar os assentamentos urbanos, democratizando ainda o acesso à moradia. No entanto, nem sempre as teorias dos instrumentos existentes em nossa legislação são aplicadas na prática. Diante dessa situação, Rodrigues (2011) expõe: A política urbana aplicada pelo Estado deveria contemplar a complexidade da produção e reprodução do espaço urbano nas dimensões política, econômica e social. Contudo, desde os primórdios do processo de urbanização no Brasil, a política urbana é entendida apenas como intervenção do Estado nas “mazelas sociais” (habitação popular, saneamento básico, transportes coletivos etc.) e/ou no avanço da modernização (obras viárias, grandes equipamentos como aeroportos, portos etc.), sempre desvinculadas entre si, caracterizando-se como políticas setoriais. (RODRIGUES, 2011, p. 01) 3. BRASIL. Lei n. 10.257/2001, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Lex: Legislação Federal e Marginalia. Brasília, 2001. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm>. Acesso em: 02 fev. 2013. 28