Roteiro costa leste miolo

Page 1




Copyright © Licio Maciel Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução total ou parcial, de qualquer forma e por qualquer meio mecânico ou eletrônico, inclusive através de fotocópias e de gravações, sem a expressa permissão do autor. Todo o conteúdo desta obra é de inteira responsabilidade do autor. Editor Responsável: Thiago da Cruz Schoba Coordenador Editorial: João Lucas da Cruz Schoba Capa: Editora Schoba / Francis Manolio Diagramação: Editora Schoba / Michelle Kato / Francis Manolio Revisão: Licio Maciel Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Maciel, Lício Roteiro costa leste : de Bertioga a Natal (incluindo Abrolhos, Rocas e Noronha) / Lício Maciel. -- 2. ed. -- Salto, SP : Editora Schoba, 2010. ISBN 978-85-8013-041-6 1. Atlântico, Oceano, Costa (Brasil, Leste) Descrições e viagens 2. Maciel, Lício, 1930- Viagens - Atlântico, Oceano, Costa (Brasil, Leste) 3. Navegação à vela - Atlântico, Oceano, Costa (Brasil, Leste) I. Título. 10-13600

CDD-797.1240981016367

Índices para catálogo sistemático: 1. Velejadores : Relatos de viagens : Esportes náuticos 797.1240981016367 Editora Schoba Ltda Rua Melvin Jones, 223 - Vila Roma - Salto - São Paulo CEP 13321-441 Fone/Fax: (11) 4029.0326 E-mail: atendimento@editoraschoba.com.br www.editoraschoba.com.br


Homenagem

A todos os jangadeiros brasileiros, que enfrentam o mar em suas rústicas embarcações. A memória de Eric Hiscock, Bernard Moitessier , Éric Tabarly, Geraldo Tollens Link e Sérgio Mirski. A Aleixo Belov, maior velejador brasileiro de cruzeiro A Robert Scheidt, maior velejador brasileiro de regatas. A todos que dignificam o esporte da vela.

Rio de Janeiro, 04 de Janeiro de 2001.



Dedicatória

À minha querida esposa Leda Ceres, a cujo amor, dedicação e paciência, devo não estar até hoje molhando os pés numa jangada.

O Autor e esposa no Annapolis Boat Show (1988)



O Autor Licio Maciel

Nasceu em Maceió, Alagoas, em 1930. Estudou em Recife e Rio de Janeiro, onde se formou em engenharia. Em sua infância e juventude, sempre morou na praia (Pajuçara e Olinda) e veleja desde os 14 anos de idade. Navega assiduamente em seu veleiro “Krum II”, de cruzeiro, projeto Bruce Roberts, de 27 pés de comprimento, em fibra de vidro (sanduíche de Airex e de Belcobalsa). Possuindo barco no Rio de Janeiro desde 1955, sempre buscou a simplificação da vida a bordo em proveito do objetivo principal: velejar. Em paralelo com as inúmeras atividades que exerceu ao longo de todos esses anos (foi bancário; militar; engenheiro; professor; gerente industrial; consultor de informática, sistemas de segurança e telecomunicações), tendo inclusive a oportunidade de trabalhar em outros países, sempre dedicou suas horas de folga ao esporte da vela. Já navegou por quase todo o nosso litoral e ilhas oceânicas, parte do litoral E dos EUA, golfo do México e golfo de Benguela. Realiza freqüentes cruzeiros aos Abrolhos, Fernando de Noronha e litoral do NE, como também entre Bertioga e Vitória do Espírito Santo, em particular às regiões de Búzios, Cabo Frio, Arraial do Cabo, Ilha Grande e Angra dos Reis. É autor de vários “livros digitais” sobre o esporte da vela, uma forma que encontrou para difundir o esporte e, principalmente, demonstrar com um exemplo concreto que velejar não é esporte exclusivo de rico:


• Ao Longo da Grande Barreira de Corais Brasileira (1996 – esgotado) • Roteiro Costa Leste – de Bertioga a Noronha – incluindo Abrolhos, Rocas e Noronha • Navegação Programada – Sextante – GPS – Computador (com CD-Rom encartado) • Velejando Melhor – Teoria e Técnica de Vela • Astronomia de Posição Programada (em elaboração). Os livros acima foram reunidos em um CD-Rom.

Mestre Rosalino, pescador Beto


Sumário Apresentação........................................................................................................ 13 Prefácio.................................................................................................................... 19 Preparação............................................................................................................. 24 Construção do Barco......................................................................................... 47 Biblioteca do Barco............................................................................................ 76 O Barco Ideal......................................................................................................... 80 Orientação.............................................................................................................. 82 Navegação.............................................................................................................. 86 Sistema Global de Posicionamento............................................................. 96 Forma Física e Saúde.......................................................................................103 Alimentação........................................................................................................109 Cruzeiros Costeiros..........................................................................................118 Cruzeiros Oceânicos........................................................................................170 Iatismo: esporte exclusivo de rico?...........................................................175 Palavras Finais...................................................................................................179 Referência Bibliográfica.................................................................................185 Vocabulário..........................................................................................................186 Currículo de Curso............................................................................................213 Tópicos Importantes........................................................................................221 Abreviaturas........................................................................................................240 Termos Português/Inglês..............................................................................243 Jangadeiros..........................................................................................................259 Agradecimentos.................................................................................................263



Apresentação

O Avoante nas águas cristalinas de Noronha

Este relato não segue o clássico diário de bordo, nem é um livro técnico. Mas o assunto é pura e simplesmente barco. Ele mostra a progressão e a lógica de preparação da “grande viagem” num veleiro, desde o planejamento e a construção do barco, passando por comentários de cruzei- 13 -


Licio Maciel

ros, até a programação da navegação como uma das atividades normais do velejador. A escolha do barco, suas características essenciais, as atividades normais do velejador em ação, além de grande número de comentários sobre situações diversas no mar, demonstrando a simplicidade dos conceitos básicos, para melhor compreensão e melhor domínio do barco. Foi escrito e organizado nos intervalos entre cruzeiros de longa duração, geralmente em períodos de manutenção do barco, ou aproveitando dias de chuva; sempre em atividade, sempre com barco. Procura ressaltar que não é suficiente o mero desejo de realizar a viagem, adquirir um veleiro e zarpar, após dotar o barco do que julgar necessário: há uma longa jornada a pautar... e é justamente este caminho que é ressaltado ao longo do livro. O leitor vai descobrindo o cabedal de coisas importantes que terá de assimilar, além de tomar conhecimento da existência de locais maravilhosos bem ao alcance de uma velejada, ao longo do nosso vasto litoral. O barco ideal é aquele que a gente acredita que é: alia tudo o que desejamos ao que realmente podemos; é o barco no qual velejamos com total confiança e completa satisfação, como hipnotizados pela beleza de tudo que nos cerca.. É descobrindo a nossa “grande barreira de corais”, as ilhas, os abrigos fantásticos do nosso litoral, suas vilas de pescadores, os locais de mergulho, que o livro vai despertando o interesse, incentivando, de forma concisa e direta. O sistema global de posicionamento vem propiciando um sempre crescente número de barcos a se lançarem a grandes travessias, pela facilidade e rapidez da determinação da posição. A cada dia aumenta rapidamente a quantidade dos que o adotam, inclusive em cruzeiros relativamente curtos e até mesmo em passeios de fim de semana. Mas o bom senso indica que ele apenas, sozinho, não é suficiente para um sistema consistente de navegação. Além do equipamento obrigatório, alguns poucos instrumentos colocarão o barco em condições de zarpar. O comandante e a tripulação deverão estar na mesma situação. Cada um deve procurar responder intimamente esta questão. E a leitura deste pequeno resumo servirá, por - 14 -


Roteiro Costa Leste

certo, para mostrar o que realmente interessa. Aí entra em cogitação toda uma sucessão de assuntos necessários que a lógica indica, começando pela escolha e preparação do barco, pelo sentido de orientação, navegação, logística, filosofia de vida, desde uma maneira simples de viver, trabalhando efetivamente no barco nas horas de folga, em todos os setores, velejando e praticando a técnica de vela, observando o tempo com olhos de meteorologista, identificando o céu, praticando e vivendo de forma simples, sadia e ativa. Assim, o barco se transformará num ente fantástico, cheio de vida, com suas manhas e características que devem ser bem conhecidas. É o nosso elo de ligação com o mar, origem da vida no planeta... é o barco ideal. No final, é sugerido um currículo de curso, referente às partes mais importantes para o velejador: navegação, vela e meteorologia. E a prática no barco será realizada mais conscientemente, com muito melhores resultados. Desse modo, a progressão será muito mais rápida. A maioria das respostas do questionário “Tópicos Importantes” está contida ao longo do livro e as perguntas servem para incentivar o leitor a repetir a leitura, a pesquisar, o que só lhe trará benefícios.

Saída do porto da Aracruz Celulose (Barra do Riacho), rumo ao largo, para os Abrolhos

- 15 -


Licio Maciel

Embora possa parecer, numa primeira vista, um livro para velejadores iniciados, na realidade ele engloba desde os rudimentos até a parte avançada necessária ao mínimo desejável de conhecimentos. Ninguém aprende sem dedicação e sem uma abordagem teóricoprática adequada. Por isso, é bem mais fácil formar a tripulação incluindo um bom navegador, alguns experientes velejadores, uma equipe de timoneiros com qualidades extras (mecânico, eletricista, rádio-operador, etc.) e um bom cozinheiro. Mas, aí, o barco deverá ser um quarenta pés, no mínimo. E é isso o que é mais comum: barco não muito grande, com uma tripulação grande... Em qualquer situação, porém, o comandante deverá estar em condições de levar sozinho o barco ao destino. Este é o ponto principal, o objetivo a atingir do esporte da vela de cruzeiro. Em todo iate clube, é comum existir uma pequena turma que realmente sabe velejar; é ela que ganha as regatas e, portanto, eleva o nome do clube, recebendo o devido reconhecimento através algumas pequenas e merecidas regalias, como título de sócio atleta, etc. Naturalmente, como parte da estratégia para manterem estas regalias, eles procuram guardar determinados “segredos” da atividade a sete chaves, principalmente aqueles que podem decidir o vencedor da regata. São, assim, grupos fechados, frontalmente contrários à difusão normal dos ensinamentos avançados para uma boa prática de vela. E é bastante compreensível este procedimento. Além destes, geralmente jovens, iniciantes ou veteranos, existe o grupo dos antigos e experientes velejadores, que transmitem seus conhecimentos quando solicitado, muitas vezes publicando artigos em revistas náuticas, em palestras ou em simples conversa no clube. No entanto, só eles sabem realmente como aprenderam, quanto tempo perderam, por falta de uma fonte de referência, etc. Conversando com outros velejadores e apanhando em treinamentos improdutivos até chegar a alguma conclusão? Ao longo de vários anos de regatas? Em algum curso? Em algum livro? Sem dúvida, mas os livros de que se utilizaram eram estrangeiros, porque os existentes aqui são em número irrisório, quase inexistentes. Além de alguns diários de bordo, - 16 -


Roteiro Costa Leste

alguns artigos de revistas, algumas poucas traduções, muito pouco o que ler sobre náutica. Principalmente da parte técnica...

Com a família, em Angra dos Reis

- 17 -



Prefácio

No Mestre Rosalino, na Urca (Gb)

Realizar um longo percurso num veleiro, uma travessia de oceano ou mesmo uma volta ao mundo, é o sonho de todo velejador, o coroamento de uma vida de dedicação ao esporte. O prazer de velejar livremente em contato íntimo com a natureza, em vários dias vendo apenas céu e mar, com o barco adernado, bem ajustado, cortando as ondas num marulhar fantástico, é uma experiência inesquecível. - 19 -


Licio Maciel

Acredito mesmo que em solitário, em determinados trajetos, em condições fantásticas de vento e de mar, ficamos hipnotizados por tudo o que nos cerca. As melhores praias, os melhores lugares que o progresso ainda não conseguiu destruir, os mais belos passeios, estão em locais de difícil acesso, em ilhas distantes, protegidas naturalmente pelo mar. O barco representa, então, a possibilidade de poder alcançá-los, poder usufruir toda a sua pureza e tranqüilidade. O nosso vasto litoral apresenta locais de grande beleza e que oferecem abrigos seguros, ideais para longos cruzeiros. O extenso trecho entre Bertioga e Natal, que vamos detalhar, passando pelos melhores abrigos, corresponde a um exemplo de cruzeiro de grande duração, que deve ser efetuado por etapas, sem pressa, conhecendo demoradamente todas as baías, todas as vilas de pescadores e os atrativos de cada área. As nossas ilhas oceânicas, que poucos conhecem, estão praticamente intocadas, preservadas; são verdadeiros paraísos e merecem uma velejada até lá. A partir da região dos Abrolhos para N, a costa é acompanhada por extensa linha de recifes, com abrigos que podem ser alcançados por intermédio das “barretas”, aberturas entre eles. É a nossa “grande barreira de corais”, que pode ser prolongada até o Atol das Rocas e Fernando de Noronha, sob o aspecto meramente esportivo ou turístico, claro. Aí encontraremos uma infinidade de locais excelentes para velejar, mergulhar, pescar, etc. A nossa grande barreira, ainda não tão grande e majestosa como a correspondente australiana, se constitui numa atração semelhante, com uma pujança de vida marinha comparável. Ela é bem mais jovem, estimando-se o seu início em menos de dez mil anos. Nela existe uma quantidade enorme de recifes de corais, com águas cristalinas, mornas e será necessário um largo período de tempo para conhecê-la pelo menos em seus melhores e mais atraentes aspectos. Em frente à Nova Viçosa, litoral Sul da Bahia, vamos encontrar grandes formações de recifes de corais, como a Coroa Vermelha e o recife de Viçosa. Trinta milhas mais para E, mar adentro, estão os extensos parcéis e o arquipélago dos Abrolhos, de águas mornas, cristalinas e que será motivo de muitas outras referências ao longo do livro. Em frente à ponta da Baleia, desenvolvem-se os recifes das Paredes, - 20 -


Roteiro Costa Leste

o das Areias, o Aranguera, o Timbebas e o de Guaratibas, em frente a Alcobaça. Continuando para N, vamos encontrar os parcéis de Itacolomís, Patachos, Cumuruxatiba, o das Sororocas, o da Coroa Alta, Coroa Vermelha já em frente a Porto Seguro e Baía Cabrália. É uma área imensa com uma infinidade de pedras espalhadas por um mar de águas mornas e transparentes, em sua maior parte. Porto Seguro, Baía Cabrália, seus inúmeros recifes. Ilhéus, agora com um iate-clube. A região de Camamu, com manguezais imensos, áreas de recifes de corais, suas vilas de pescadores em cada ilha, região ainda sem grande nível de poluição. Até Morro de São Paulo e ilha de Itaparica, vamos encontrar sempre extensos cordões de recifes paralelos à praia. Salvador, baía de Todos os Santos, uma região fora de serie para ser velejada. A permanência lá é sempre grande; não se sente vontade de prosseguir. De Salvador para o Norte, após uma interrupção até o início do litoral alagoano, vamos reencontrar as linhas de recifes; o Tacis, os recifes da barra de São Miguel (Gunga), os do Porto Francês. As enormes formações de corais de Ponta Verde, incluindo os recifes de Pajuçara, já tão famosos entre os turistas que vão lá de jangada alugada na praia. O litoral NE é uma região de praias sem fim, praias de areias brancas acompanhadas por coqueirais em toda a sua extensão, onde o vento sopra constantemente. Ela é, sem dúvida, uma das regiões mais interessantes do nosso litoral. Difícil achar semelhantes no exterior... No meio desse verdadeiro paraíso, vamos encontrar as cidades de Maceió e Recife, cujos nomes já dizem tudo... As pedras Galés, em frente a Maragogí; os recifes de São Bento, Marceneiro, todos oferecendo bons abrigos. A baía de Tamandaré, rodeada de recifes, já no litoral pernambucano, um enorme viveiro de peixes... Recife, um lugar excepcionalmente bom para o esporte náutico: abrigo seguro, com três iate-clubes para o apoio do barco, clima ameno, sem grande poluição, águas mornas, lugares ótimos bem próximos, Noronha e Rocas bem ali a uma velejada de dois a três dias, etc. - 21 -


Licio Maciel

Prosseguindo, o canal de Olinda, mais de quinze milhas de velejada até a ilha de Itamaracá por águas abrigadas, com duas linhas de recifes paralelas à praia, amortecendo a força do mar (mas é preciso conhecer bem este canal para velejá-lo com barco de bolina; quem não conhece deve ir por fora, longe das pedras). Chega-se a Ilha de Itamaracá, que pode ser demandada pelo canal de Santa Cruz ou pela barreta de Catuama, abertura entre os recifes, dando acesso ao pequeno porto de Itapessoca, ainda litoral de Pernambuco. Os extensos recifes de Ponta de Pedras, Cabo Branco e Ponta Seixas, uma área espetacular para o mergulho, com destaque para as pedras Galés (as verdadeiras), em frente à praia de Carne de Vaca, quase no limite entre Pernambuco e Paraíba, ainda em águas pernambucanas. A entrada do rio Potengí, acesso ao Porto de Natal, capital do Rio Grande do Norte, entre os recifes. Já no rio, antes do Porto, vamos encontrar o Iate Clube. O canal de São Roque, entre os recifes, até o cabo Calcanhar. O Atol das Rocas e o Arquipélago de Fernando de Noronha, para finalizar... Quanto tempo poderemos destinar a esta enorme área? E ela está aí mesmo, bem ao nosso alcance, um verdadeiro paraíso, difícil de encontrar em outros países; impossível, nas mesmas condições, uma vez que estamos em nosso próprio país. Lá, somos apenas fornecedores de dólares... Viver perto do mar e não ter barco é pior que morar em cidade grande e não ter carro. Sem barco não podemos fazer quase nada, a não ser ficar na praia, o que é até bom, de certo modo, mas com o continuar vai ficando monótono. Cumpre lembrar que barco é qualquer meio flutuante, desde uma simples jangada até ao mais sofisticado iate.

- 22 -


Roteiro Costa Leste

Velejando com o amigo Newton Carvalho, o “Paiol�: dois jovens de 70 anos em plena forma (2001)

- 23 -


Preparação

Descansando nos Abrolhos

Para realizar um longo cruzeiro, uma longa travessia num veleiro, é necessário preparar um bom barco; poder manobrá-lo e mantê-lo com a mais ampla auto-suficiência possível; poder efetuar uma navegação se- 24 -


Roteiro Costa Leste

gura, bem planejada, precisa, cômoda e tranqüila, além de mais algumas características desejáveis (como por exemplo; boa forma física e saúde, equilíbrio emocional, força de vontade, boa dose de rusticidade e de audácia, desprendimento, paciência, espírito de aventura, inspiração, filosofia de vida adequada, gosto pelas coisas do mar e independência dos problemas de terra). Sobre cada um destes itens, poderíamos tecer muitos comentários, mas vejamos apenas alguns, considerados de maior importância. Preparar um bom barco pode significar um longo período, um ano ou dois de muita dedicação, desde a escolha do projeto até o lançamento do barco n´água; um pouco mais, um pouco menos, não muito. Também no caso de opção pela compra do barco, devemos efetuar antes um planejamento detalhado do que realmente é desejado. Poder manobrá-lo bem depende de muito empenho, muita prática, muito treinamento, muitas horas velejando. E, naturalmente, tudo feito com muita satisfação e alegria. Velejar não é um mero passatempo, um simples esporte; é uma atividade mental, envolvente, que exige muita dedicação, muita perseverança. A auto-suficiência é uma questão de tempo, de experiência e de bom senso. A manutenção de um barco é trabalhosa, contínua. Temos de poder executá-la pessoalmente, talvez até sem ajuda . Desde a parte elétrica, a parte hidráulica, passando pela mecânica do motor, até à pintura. A navegação é de fundamental importância: uma navegação confiável, bem planejada, com os detalhes que realmente melhoram a precisão sem complicações, a rapidez da determinação da posição com desembaraço, o que requer uma boa preparação para a operação dos instrumentos, naturalmente muitas horas “queimando as pestanas” e que por isso é evitado por muitos. Aí entra o computador para descomplicar e auxiliar. Boas forma física e saúde, correspondem a manter sempre hábitos saudáveis, atividade esportiva contínua, sem vícios, adotando uma alimentação correta, racional. Ninguém alimenta atletas apenas com arroz (ou com alpiste, como diria o meu amigo Maya Pedrosa). Não adianta ir saudável para um longo cruzeiro, relegar a alimentação a um regime quebra-galho e adoecer. - 25 -


Licio Maciel

Um dos problemas mais incômodos no barco é o enjôo; a forma física e algumas regras simples facilitam a adaptação ao balanço do barco. Quando estou destreinado, enjôo no começo dos cruzeiros, mas em poucos dias estou acostumado. Entre os longos cruzeiros, quando estou velejando seguidamente nos fins de semana, ao iniciar o cruzeiro, já estou livre da readaptação. E isto acontece com a maioria dos cruzeirista, mesmo os mais famosos, como podemos ler em seus relatos. Não se deve desistir por causa deste problema. Conheci poucas pessoas que não enjoam normalmente; mas é muito raro; cada um tem o seu limite, inicialmente, antes de acostumar. O comum é enjoar, pois é uma reação do organismo a uma condição diversa da que normalmente estamos habituados. Certa vez conheci um operário de uma firma que construía no clube e que me viu no barco no píer; pelas perguntas ele revelava conhecer bem o mar, o assunto barco, inclusive sobre o problema do enjôo; respondi-lhe exatamente tudo isto, acrescentando os procedimentos e remédios cada vez melhores que iam surgindo. E ele me contou sua própria experiência: tendo perdido o emprego, foi levado a aceitar vaga no barco de pesca de um tio; enjoava demais e não foi desembarcado porque era o barco do tio. Sofreu o diabo, por força da necessidade, durante trinta dias seguidos no mar, mas terminou por acostumar e nunca mais teve problema. É claro que este é um caso difícil de encontrar, uma exceção. O normal é acostumar em bem menos tempo. Ele resolveu desembarcar após vários anos na profissão, por achar a vida no mar muito dura, sem perspectiva, sem férias nem folgas, sem o amparo de leis normais em vigor para outras categorias, etc. Conheci muitos candidatos a cruzeirista, bons velejadores, que desistiram dos longos cruzeiros, porque não quiseram sofrer na fase de adaptação. Hoje, estou propenso a acreditar que o melhor procedimento é acostumar, sem tomar remédio, ou deixá-lo para os momentos de muito mar; mas isto fica a critério de cada um: se o sofrimento for grande, amenizar com algum remédio. Na realidade, o homem moderno tem que sofrer uma real readaptação aos costumes naturais que abandonou, para poder enfrentar a vida num pequeno veleiro, como veremos ao longo das - 26 -


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.