Zee Griston e os olhos do Armagedom
Thalys Eduardo Barbosa
Zee Griston e os olhos do Armagedom
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Para Maria e JĂşlio que sempre acreditaram em mim e fizeram com que Zee nascesse.
1 A Tapera das Aranhas
J
á era noite quando o jovem Zee Griston girava em seu balanço de pneu ao som de um poderoso vendaval que pairava sobre toda a Tapera das Aranhas na antiga 5, no Jardim Ipanema, onde o esbelto garoto de cabelos louros e extremamente ondulados vivia. Sobre o brilho dos seus olhos fortemente castanhos, como se mudasse para o verde como o das folhas de amora que ali havia juntamente com aquelas enormes árvores de baba timão; seus olhos refletiam nada mais que uma grande fumaça que subia sobre uma chaminé de um pequeno fogão a lenha, no qual borbulhava um aroma delicioso vindo de um caldeirão grande e negro de um saboroso ensopado de galinha. – Saia deste balanço, saia deste monte de terra, Zee. E não jogue barro no tapete. E peça para essa maldita gata Xandoca parar de arranhar os meus pés, menino idiota. E não ouse me lançar algum olhar insolente – disse Caveirinha. Caveirinha era o padastro de Zee Griston. Muito rude e um bêbado que não se sentia nem um pouco culpado em castigar a família do garoto de doze anos que vivia em um sobrado ao meio de muitas árvores em pleno cerrado Brasileiro. – Desculpe-me senhor – disse o garoto em um tom de respeito e medo. 9
Logo se ouvia o arrastar de chinelinhos costurados com várias pedrinhas de miçangas por todo o quintal dos aposentos. Uma senhorinha vesga, simpática, de cabelos grisalhos, zarolha de um olho, carregando consigo um copo de vidro rachado com uma substância que exalava um forte cheiro de conhaque. – Olá, vovó, por onde esteve por todo este tempo? Fiquei tonto em girar tanto naquele pneu. – Fui ao bar do velho Alaor, querido Zee. Precisava de um pouco de conhaque de gengibre, sabe que apenas isso tira as dores desse maldito reumatismo, meu pequeno. E você, já fez sua lição de matemática? – Hum... Sim, claro que fiz – disse o garoto olhando para seus pés. A vida em Cansville era sempre a mesma. Pessoas saindo para as igrejas todos os dias, meninos e meninas embarcando a grande Avenida Sideral rumo ao colégio de Torminel com seus uniformes bordados sempre com um colibri dourado e, às quintas, todos os adolescentes se encontravam na feira Senegal onde faziam seus encontros às escondidas – na maioria das vezes, jovens pervertidos que adoravam roubar o dinheiro de crianças e pichar muros; e outros, apenas buscavam encontros amorosos. Ao meio dia, o ônibus escolar passava para levar todos os alunos até o colégio de Torminel. A mãe de Zee, Keila Griston, preparava o almoço, enquanto seu padrasto não fazia nada. Às vezes, ou sempre, estava apenas bêbado, brigando e gritando, sempre no meio de uma coleção de discos velhos que fazia ruídos assustadores. Sua doce avó não o suportava, mas, também, nem o via; estava sempre dormindo depois de tomar tanto conhaque para seu reumatismo. No Colégio, Zee nunca foi muito popular, era um garoto quieto e muito estudioso, sempre tirava um belo A e nunca 10
desgrudava de seus amigos. Eles eram os “ZLOD”, um grupo de amigos formados desde o quarto ano. Zee, o garoto pobre e diferente; Loryn Scatena, a garota gordinha e legal; Otávio Oliver, o menino rico e engraçado; e, por fim, Douglas Miller, o misterioso e alegre do grupo. Os quatro se reuniam sempre ao fundo da casa de Loryn na antiga 3 para ver filmes, fazer brincadeiras, jogos ou apenas fugir da realidade de garotos de doze anos que só queriam se sentir especiais. Uma coisa selava essa amizade: um pacto de sangue em um baú enterrado sobre o capim de um terreno baldio com a mecha do cabelo de cada um deles. Em plena terça-feira, Zee calçou seu par de All Star, colocou seu jeans e foi ate o empório central comprar ovos para sua mãe preparar aqueles deliciosos pães de queijo. Na volta, o céu estava lindo, coberto de estrelas e estampando uma linda lua muito cheia e bem alaranjada cortada pela fiação na antiga Rua 5. Mas, de repente, o vento assoprou forte e não havia ninguém ali. Zee estava com medo e correndo quando uma coruja grande e acinzentada com enormes olhos vermelhos puxou-o pelo capuz de seu moletom e tirou-o do chão. Quando, ele acabara de acordar de um pesadelo onde o pacote de papel pardo que o trazia consigo cheio de ovos se quebrara por inteiro. Zee contou sobre seu sonho para Loryn. A garota gordinha de jardineira elegante riu e disse: – Zee, você precisa parar de ler tanto esses livros de magia. Mas os dias se passavam e o garoto não conseguia tirar esse sonho inquietante de sua mente. Seus amigos estavam todos concentrados para as provas finais do ano letivo, com aquelas inúmeras páginas de toda a Oceania, nada contra a Nova Zelândia, mas quarenta páginas sobre vegetação, para turma de Zee, era um pouco doloroso demais. – Vamos à Avenida Ocidental hoje, Zee? – perguntou Dou11
glas Miller, um menino de cabelos compridos aos ombros e muito negros. – Não Doug, ainda não terminei minhas quarenta páginas sobre as plantas canibais verdes da Oceania que possivelmente o professor Oscar acha que existem. – Tudo bem então. Eu, a Loryn e o Otávio estaremos lá, caso queira colar mais cartazes pra sacanear aquele idiota do Erick. Liga, tá? – Ok, até logo. Zee ficou a tarde toda escrevendo seu trabalho escolar; a tinta de sua caneta acabou toda, seus dedos já haviam criado calos. Levantou-se do sofá e espreguiçou-se da sala de jantar até o jardim. Não havia ninguém em casa, uma sombra se punha contra a luz. Zee se aproximou, acabara de encontrar uma bicicleta estranha, vermelha e muito brilhante com várias penas e com um bilhete todo verde, escrito apenas “Com cuidado, senhor Griston.” O garoto subiu na bicicleta e começou a pedalar levemente até uma grande decida. Descendo da antiga 5, passando velozmente até a antiga 1, caindo em meio a uma larga pista de terra em meio ao cerrado dos mineiros gritando com toda suas forças: “SOCORRO”. A bicicleta não tinha nenhum freio, nada além do bilhete que lá jazia. O menino foi descendo, descendo, quando houve uma grande derrapagem. A bicicleta foi parar longe e o menino espatifou-se no chão, o que lhe causou um feio e grande machucado no joelho. Ninguém estava ali para socorrê-lo, quando, de repente, abriu-se uma grande caverna meio ao morro de cupins e dali saiu uma senhora com vestes extremamente vermelhas e uma bengala cravejada de esmeraldas. – Quem é a senhora? – perguntou o pequeno Zee, extremamente assustado e tremendo de dor. 12
– Ora bolas, quem acha que sou, senhor Griston? Sou a Senhora Bilba Dark, a fada responsável por sonhos, dentes e fantasias equivalente a 12 aniversários do senhor. Vim levá-lo ao encontro de suas realidades, cheia de descargas de jovens sonhadores mágicos, meu caro. Sou sua sombra – disse Bilba Dark. – Isso não é real. Como pode ser real? Sou apenas um menino pobre, caído sobre a terra, com um grande ferimento. Preciso ir ao hospital, se puder ligar pra minha mãe, ficaria muito grato, senhora. – Meu lindo rapaz, não seja tão modesto. Não há ferimento algum, apenas imaginação. Você ainda tem três anos, acha mesmo que já viveu um milênio? – Como posso ter três anos? Impossível! No meu último aniversário, senhora, comi melancia e ganhei de presente um calendário do Pequeno Príncipe. Sou um pobre idiota que suplica para ligar para o número do telefone da minha casa. A fada aproximou-se do garoto, dando-lhe um lento beijo em seu machucado e ele se fechara em um uma luz roxa, e ouviu-se apenas ela murmurar: Lavirum. – Wow – disse o garoto com seus olhos castanho-esverdeados muito arregalados. – Agora vamos, meu caro, hora de irmos. – Irmos pra onde, senhora? Não posso fugir de casa, minha família precisa de mim, nem tenho roupas pra viajar e tenho que pedir permissão. – O sangue derramado de um menino normal, nada além de normal, o torna especial, meu caro senhor Griston. Isso basta para o meu, e agora seu, mundo. Primeiro, precisamos acordá-lo. Aquele cão bobão esta passando dos limites. – Senhora, que cão? Do que está falando? 13
Um grande furacão começou a soprar em sentido anti-horário de dentro da caverna e os dois foram sugados. Apenas uma pena caía sobre uma árvore de Ipê ali presente, tudo se tornara escuro com alguns lampejos em lilás e verde. Zee estava girando sobre a gravidade em um espaço mágico e obscuro quando apareceu uma porta com o numero 45 e a seguinte inscrição “abra com o espirro.” – Como vou abrir a porta? – Por sorte, quando você tinha dois anos, guardei esse pedaço de fumo negro dos cachimbos de sua vó, Zee. Bilba pegou um pedaço de fumo muito negro e esfregou sobre as narinas de Zee Griston, que deu um forte e barulhento espirro. A fechadura logo se dissolveu, formando uma estrela inversa. Zee apenas esfregou o sangue de seu machucado e a porta abriu-se. Ele caiu de uma vez em um quarto de bebê. Estava ali ele com três anos, dormindo dentro de uma bolha que um cão grande e marrom arrotava várias bolhas pela boca. Um cão engraçado, com um chapéu de festa de aniversário, com a seguinte inscrição: “Mr. J.”. Bilba pegou um grande espeto de limoeiro, furou a bolha e o bebê caiu rápido no berço. Logo apareceu escrito sobre a madeira de carvalho nobre: “viva um sonho” e o pequeno Zee adormeceu. Em seguida, o outro Zee, que acabara de acordar, saiu correndo para frente do espelho e gritou: – Esse foi o maior sonho da minha vida! Havia a marca de um batom bronze sobre o espelho em seu quarto. O garoto tocou a marca e rapidamente foi engolido pelo próprio espelho, indo parar em uma sala onde uma cadeira balançava sem parar. – Quem é você? – perguntou o garoto. Um senhor velho, de longos cabelos brancos e olhos tão azuis 14
como o céu, com um cachecol de raposa, disse: – Sou Merlin, meu caro Zee Griston. O senhor delicadamente apanhou uma cesta cheia de chicletes e guloseimas e trouxe uma cadeira apenas com os olhos até Zee Griston. O menino estava absolutamente assustado, sem ideia alguma de onde estava naquele momento. – Desculpe-me senhor Merlin, mas onde exatamente estou? – O senhor está no eixo da Magia Kim, senhor Griston. Certamente Bilba, aquela sombra travessa, o trouxe até mim, seis minutos atrasada, eu presumo. – Mas, senhor, em que posso lhe ajudar? Eu não sou nada, sou apenas um menino de doze anos, complicado e com muita lição escolar a fazer, senhor. – Pequeno Zee, já era tempo de lhe dizer que você, quando rodopiava sobre aquela goiabeira, exalou inúmeros sonhos e isso vem junto com encantamentos muito poderosos, rapazinho. E, no meu mundo, isso é um requisito importante para considerá-lo um kimbulo. Eu sou um velho kimbulo de vários séculos, mas, morto, e, mesmo assim, continuo a exercer meu ofício. – Kimbulo? O que exatamente é isso, senhor? Como posso ser um kimbulo? – Um kimbulo, senhor, na minha época, eram as pessoas mais inteligentes e essencialmente sonhadoras. É uma magia antiga e muito poderosa que exala sobre o universo mágico, o poder de viver seus sonhos mais profundos de uma forma concreta. Descobri que era um kimbulo aos seis anos de idade e entrei para a escola de Kimbulândia aos doze e, se não me engano, o senhor está atrasado. Devo crer que aquele pacto de sangue entre seus amigos os tornam iguaizinhos ao senhor, Zee Griston. O balão o espera, senhor – disse Merlin 15
– Mas, e minha mãe e minha família, como saberão? Como vou dizer que sou uma coisa que nem sabia que era, senhor? Como posso dizer? Vão achar que estou louco ou coisa pior. – Tive a audácia de conversar pessoalmente com a sua avó, meu caro Zee. Deu trabalho convencê-la. Ela teme o nosso mundo, acha que você ainda não está preparado, mas, disse que quando ela tinha quatorze anos, ela murmurou um sonho obscuro que colocou fogo em toda a minha barba e isso era mais que estar preparada; então, ela sentiu-se mais confortável sabendo que me devia essa. – Minha avó era uma kimbulo, senhor? – Sim, e muito famosa. Derrotou três grandes feiticeiros kimbulos do mal usando a magia preferida dela: as nuvens tibérias. – Wow!! Mas que balão é esse, senhor? Eu não tenho absolutamente nada para Kimbulândia. – Como não tem nada? Seus sonhos, no Mundo Kim, são o seu dinheiro, senhor Griston. E, pelo que sei, o senhor tem o suficiente. O que precisa encontrará no Deserto dos Queijos. Acho que Bilba já o aguarda. Até logo, senhor Griston. Ah, e boa sorte. As paredes e cortinas viraram areia. O fogo da lareira se apagara por inteiro e todos os aposentos caíram como areia cobrindo completamente os tênis de Zee Griston. Ele notara que aquilo era areia movediça e sentia que estava sendo puxado lentamente para baixo. Ele gritou e, de repente, caiu em pleno deserto. Ao longe se avistavam as pirâmides do Egito. Zee já havia visto em fotos, ele sabia onde estava. – Bilba cadê você? – Ora bolas, estou aqui, senhor Griston. Sua sombra pulou de seu corpo em um salto único, rodopiando por toda a areia, e logo a forma de Bilba Dark formou-se nova16
mente, agora com vestes peroladas, sobre um enorme tapete persa. Zee Griston subiu rapidamente até o tapete, que perfurou toda a areia do deserto até um empório cheio de pessoas com roupas épicas e muito elegantes. Todos andavam com muita pressa e o sol sumiu sobre a superfície, dando espaço a um grande olho amarelo de luz que aquecia tanto quanto o próprio sol. No solo, o piso era todo quadriculado em preto e branco, como em um jogo de xadrez. – Finalmente chegamos, senhor Griston. Bem-vindo ao Subterrâneo Mágico de Kim. Bilba Dark entregou um pedaço de pergaminho surrado e sujo com algumas inscrições luminosas, uma grande lista de objetos, contendo as seguintes informações: O Senhor Zee Griston Kimbulo deve trazer consigo à Kimbulândia: – Uma ampulheta com areia harmoniosa; – Vestes do primeiro ano; – Luvas encantadas; – Velas de Lua; – Frascos com arco-íris líquido; – Besouros mensageiros cintilantes; – Um gato egípcio ou um cão reduzível; – Canetas oculares que se adaptam ao couro de animais; – Um par de sapatos para Kimboll; e – Os livros Kimbulos: “Magia principiante”, “Fogo de dragão a pesadelos”, “Herbokim”, “Jogando Kimboll Aquático e Solar” e, por fim, “Os famosos Kimbulos dos Séculos”. – Bilba, onde encontrarei luvas encantadas? – Bem, senhor Griston, devemos ir ao lugar certo. Não imagino lugar melhor se não a Igreja Kim St. Zedom. Lá são fabricadas as melhores luvas para suas magias. Tenho certeza que encon17
traremos algo bem especial lá, querido. Quem sabe asas de fadas ou seda de casulos de borboletas da Pensilvânia, são as melhores, meu bem. Logo os dois entraram em um gigantesco castelo todo em diamantes rodeados de fadas e duendes. Entrando por uma porta com cortinas muito verdes; ali havia vários meninos correndo e se empurrando. O jovem Zee, no meio da poeira, ouviu um murmúrio, “Cabra limpa”, e uma gosma azul saiu em meio às caixas. Um velho gordo e com o aspecto de javali com óculos de átrio saiu dando uma grande olhada a Bilba e logo perguntou: – O que precisa cara, Bilba? – Olá, Oripus. Precisamos de um par de luvas encantadas para o jovem Zee Griston. – Ora bolas, Zedom, que nos perdoe esse pestinha em Kimbulândia, mas já não basta todos aqueles vômitos de amoras caindo sobre minha soneca à tarde? Bem, já sei o que lhe pertence, Zee Griston – disse o velho kimbulo em tom ríspido. Saiu e voltou logo com uma caixa negra e cintilante. – Abra, senhor Griston. O menino, assustado, abriu delicadamente a caixa na qual havia um par de luvas extremamente reluzentes do branco ao azul, muito lindas e brilhantes. Colocou o par nas mãos e disse: – Tok Tok. O nariz do velho kimbulo se partiu ao meio – Oras, e agora, senhor Griston? Deverei consertar sozinho esse estrago? Já bastam aquelas malditas aranhas daquela sua tapera me enviarem aqueles avisos de “as luvas de Zee estão quase prontas”, agora essa? – gritou o Kimbulo. – Zedom tenha pena da Escola de Kimbulândia. Acaba de chegar um grande trapalhão. 18
– Desculpe-me, senhor – disse o menino em um tom hostil. – Mas sempre fui um bom aluno, jamais colei em provas e sobre as aranhas, bem não sei o que dizer. – Pague-me e vá embora, kimbulo delinquente. Bilba tirou uma bolsa de couro e arrancou uma nota que dizia “20 Gold Dreams” e os dois saíram rápido da grande igreja transparente que reluzia sobre todos aqueles pisos quadriculados iluminados por um grande e majestoso olho de ouro, mais lindo que a última aurora Kim. Durante aquele passeio para fazer compras, Zee observava várias coisas mágicas, estranhas e diferentes, como jovens vampiros brigando com lobisomens mirins em becos, morcegos multicoloridos, lojas com roupas excêntricas lampejando luzes que soltavam faíscas pelos fios, e havia, em uma das vitrines, um bando observando alguns jovens kimbulos de dezesseis anos flutuando em skates sem rodas em torno das esculturas, bem no alto, perto daquele gigantesco olho que tudo via. Em uma das lojas uma placa com a inscrição “Consolem” para Kimbulos exclusivos,”Não entre” totalmente tampada por cortinas escuras como se houvesse algo a se esconder lá dentro, Zee olhou intrigado tentando imaginar o que havia lá dentro. – Bilba, o que há naquela loja na Consolem? – Bem, Zee, aquela loja é pra kimbulos maus. Há, na verdade, artefatos que causam pesadelos que afetam tanto neste como no outro mundo, objetos extremamente perigosos, feitiçaria das trevas, como Goétia, e alquimia de alto grau, como um pedaço dos pesadelos de crianças. É um lugar proibido para menores como você, mantenha-se distante. Kimbulos honrados não se metem com essas coisas. Eles praticam artes monarcas, um veneno mágico para os olhos dos Reinos de Kim. Devo lhe contar uma histó19
ria, há muito, muito tempo, quando os grandes magos guardiões criaram os Mil Mundos, Zedom, o mago de nossa dimensão, o nosso Deus, deixou anjos e um casal selando um jardim protegido por encantamentos e total equilíbrio e magia para viverem eternamente em perfeita harmonia e prosperidade. Adão e Eva, eles eram kimbulos incríveis que viviam um eterno amor mantendo seu jardim em uma imensa paz. A felicidade de Zedom foi tanta que certo dia ele chorou de tanta felicidade e dessa gota caída no jardim selado por anjos brotou uma semente. Essa semente tinha uma sombra, essa sombra era a sombra de um broto, deste broto nasceu um bebê, que foi acolhido e criado pelo casal de kimbulos. Este bebê era o futuro rei, o Kim Magnus. Ele foi se fortalecendo tanto, mas tanto que teve poder suficiente para viajar sobre os outros mundos. Ele foi enganando e mentindo para os grandes kimbulos mestres, obtendo cada vez mais sombras e poder suficiente para tomar todo o nosso mundo, matando Zedom, seu próprio pai. Dali ele cuspiu nuvens, nas quais nasceram criaturas obscuras que tomaram nosso mundo. Essas criaturas, chamadas de Sortunus, alimentavam-se dos sonhos bons de Adão e Eva, fazendo com que eles deixassem os lados do mau os tomarem por inteiro. Mas ele não sabia que do olho que Zedom chorou aquela lágrima não poderia ser destruído então, daquele olho se fez brotar uma árvore, a árvore das luzes com maçãs douradas como proteção de Zedom para todo o nosso mundo e graças a essas maçãs estamos hoje aqui. A luz foi tão forte e poderosa que Magnus se tornou apenas, e novamente, a sombra de nosso mundo controlado pela luz dessa árvore. Alguns kimbulos em nosso mundo acreditam e são fiéis a Magnus e são os Magnistas, kimbulos dominados e adoradores das trevas. Diz a lenda que apenas um kimbulo nascido em um broto de jasmim com o coração mais puro dos mundos pode sal20
var por total nosso mundo das sombras. É um kimbulo do sangue dourado, o símbolo do sangue e do próprio líquido de Zedom, o chamado Kimbulo Proibido. Mas é claro que isso é só uma lenda, os mil reinos usaram detectores em todos os kimbulos nascidos há séculos, desde o começo do mundo, e, até hoje, nenhum kimbulo chorou ouro, apenas prata e, algumas vezes, bronze. Esse é modo como se mede o poder e a pureza real dos kimbulos e o grande olho detecta rapidamente tal poder de magia, mas os kimbulos que choram trevas são fiéis a Magnus e adoram destruir sonhos e matar qualquer um que cruze o caminho deles. Todos os anjos morreram, hoje só se sabe dos mestiços, como elfos, fadas, duendes, gigantes e os perigosos vampiros e criaturas das sombras, como os demônios, os fantasmas e zumbis, mas estes não nos fazem mal algum, porém são bastante desprezíveis. Zee, sua mãe o ama tanto, mas tanto que a cada sorriso seu há luz, e a luz sempre vencerá as trevas e esse é sua maior chance de vencer este ano: o amor. E seu pai, mesmo tendo morrido, foi um kimbulo que cuidou do vidro; e vidro é pedaços de um coração e tenho certeza que formam um espelho em sua alma, um espelho que nunca, nunca se quebrará. Você, Zee, é o beijo de bronze de sua mãe em um espelho. Este é o maior presente que sua família tem, tenho certeza que sempre os dará orgulho tanto como homem, quanto com kimbulo. Na dúvida, seu maior poder mágico é o amor, e isto vale mais que as lágrimas de ouro magico do próprio olho de Zedom. Você é grande e será mais ainda assim que estiver totalmente kimbolizado. A primeira mordida em sua maçã provará isso. Até lá “Genesum”. E grandes corvos começaram a formar com suas penas o nome de Kimbulândia. Zee ficou extremamente impressionado que aquilo tudo existisse, não passava por sua cabeça que tudo isso fosse real. 21
– Encontraremos tudo isso aqui, em pleno Egito, senhora? – Oh, sim, senhor Zee, claro que encontraremos. Eles entraram em uma livraria formada por vários tijolinhos de fogo, saíram dali com punhado de pacotes com todos os livros da lista e, por fim, passaram por um bazar trazendo consigo um pequeno cão roxo, peludo e pequenino, que cabia na palma da mão. – Você vai se chamar Futrica – disse Zee ao simpático e saltitante cãozinho. Traziam também um grande besouro rubi engaiolado que fazia inúmeros zumbidos. Bilba Dark murmurou: – Levita. E o tapete levitou carregando, Zee e todos os seus pertences, desaparecendo sobre o céu até a ponta das patas da esfinge, onde havia vários garotos e garotas todos vestidos com uniformes bonitos e engraçados com o emblema de um Dragão e com as costas e capuzes em forma de vel. Todos estavam à ponta de um gigantesco balão carmim com várias cabines. Todos espetaram seus dedos na ponta de uma roca, que dizia em auto e bom tom “Jovens Kimbulos, sangue, por favor”. Zee sentiu uma picada dolorosa em seu dedo indicador e correu pra uma cabine vazia no gigantesco balão. A cabine tinha cortinas estreladas que cantavam: “Kim-Kim-Kim Kimbulândia é assim”. Bilba Dark voltara a ser uma sombra. Ao longe, viam-se os últimos garotos e garotas kimbulos entrarem no balão, mas, mesmo assim, Zee sentia-se muito, muito solitário; a única coisa que se passava por sua mente naquele momento era como sua família estava, se realmente aquilo tudo não era mais um daqueles sonhos estranhos e que seria da sua lição do professor Oscar. Será que toda aquela vida em seu mundo fora deixada para trás? Será que nunca mais ele voltaria? Para onde aquele enorme balão o levaria? 22
E seus amigos, onde eles poderiam estar? Por que tantas perguntas sem resposta? Nada o confortava naquele momento, apenas os latidos e zumbidos de suas criaturas encantadas que ele trazia consigo. Naquele momento, as portas de sua cabine abriram-se e Zee arregalou seus olhos. Não acreditava no que estava vendo ali na sua frente. Era nada menos que seus amigos. Loryn que estava absolutamente linda e, agora, magra, com luvas negras extremamente luminosas. Douglas Miller estava com o capuz de suas vestes cobrindo a cabeça e dizendo: –Zee, Zee, nosso amado Zee. E Otavio Oliver, que recebeu o amigo com um grandioso sorriso. Zee não imaginava que seus amigos também eram kimbulos, até se lembrar do pacto de sangue ao qual Merlin havia se referido. – É muito bom ver vocês – disse Zee sorrindo e muito, muito feliz. – É muito bom te ver também! – disse Loryn com os olhos cheios de lágrimas que rolavam como chuva sobre a madeira da cabine. Eles colocaram suas luvas, abriram seus livros na página 10 e murmuraram: –“Gagal”. Logo, camas surgiram do chão e eles deitaram-se. Loryn deitou-se junto a Zee, acariciando seus cabelos até o menino adormecer. A viajem só estava começando naquele gigantesco balão com todas aquelas cabines cheias de kimbulos de vários anos. Eles estavam indo nada menos que para Firenze, na Itália, rumo à Kimbulândia, onde seriam devidamente kimbolizados. As estrelas cobriam o céu e a vegetação se tornara cada vez mais verde, os pinheiros ali era absolutamente lindos. Morcegos multicoloridos voavam sobre os corredores, corvos e os animais dos alunos faziam 23
vários e vários ruídos. Na manhã seguinte, o sol batia com força sobre a face aveludada de Zee. Douglas deu um grande bocejo e disse que estava com muita, muita fome. Atrás das camas havia um armário cheio de panetone com pedaços de frutas cristalizadas, luvinhas de abóbora do restaurante Abóbora Mágica, guarda-chuvas de chocolate nos sabores amor, amizade, saudade e alegria e refrigerante de pêra. Os garotos brincaram a tarde toda, sem sair de suas cabines, treinando alguns encantamentos com suas luvas. As luvas de Doug eram de raiz de ameixas amarelas; as de Otávio eram de pelo de girafa; as de Loryn, de pó de chifres de mamute impregnadas em um tecido negro bastante reluzente. Naquela mesma tarde um rapaz com cara de bulldog entrou. Era ninguém menos que Erick Vilarinho, o inimigo número um de Zee Griston. Todos os quatro não tinham a mínima ideia de como ele parara ali, nem de como um bobão daquele fosse um kimbulo. A sombra dele, na opinião de Zee, com certeza era um palhaço assassino. Ele fez aparecer um monte de espinhas com uma magia estranha saídas de suas luvas azuis no rosto de Loryn. Doug tentou colocar gelo, mas Otávio abriu seu livro e disse um encantamento “Nuc Nuc” e a pele da jovem e bela kimbulo voltou ao normal. Já era noite mais uma vez e eles tinham total certeza de que estavam chegando. Ao longe, já se via Roma; Firenze não ficava tão longe dali. O balão desceu exatamente à meia-noite. As ruas estavam desertas naquela cidade com muros de pedras e todos os garotos e garotas estavam correndo para dentro de uma loja de brinquedos. Os quatro amigos foram juntos. – Estranho – disse Loryn. – O que é estranho? – perguntou Otávio. 24
A garota percebeu que não havia passagens pelo ambiente, nada comum. De repente, apareceu uma menina que se transformou em fumaça e foi sugada pelos tubos de ar deixando os quatro de boca aberta. – Precisamos virar fumaça, é óbvio, pessoal – disse Douglas. Zee abriu um dos seus livros no qual encontrou um selo com a seguinte inscrição “Forma de Davi” e, ao murmurar isso, eles transformaram-se rapidamente em um monte de vapor azul que foi sugado por um cano na loja de brinquedos. Um lápis com cabeça de Pinóquio disse algo como: – Idiotas Kim. Os meninos foram pairar sobre um monte de poeira em cima de um armário em um hotel. Todos estavam descendo uma escada em um alçapão, havia um porão ali e uma kimbulo negra absolutamente linda e elegante que dizia: – Rápido, garotos, rápido, antes que os vejam. Todos escorregaram em um escorregador de mármore em um grito exaltado e caindo sobre um monte de algodão verde. – Essa é uma das três passagens para Kimbulândia, alunos. Essa escola foi fundada há séculos com o seguinte propósito: kimbolizar todos os alunos. Por trás dessas paredes de mármore está situada a grande mesa Kim, onde todos vocês encontrarão seus amigos e professores. Seus bens serão levados ao sonho do primeiro dia para o quarto de cada um de vocês e nada, nada de magia obscura é aceita aqui. Os portões já foram selados e a Grande Árvore de Zedom espera vocês para definir para qual turma serão levados cada um de vocês. As turmas dividem-se entre Luminarius e Americus. Cada kimbulo aqui presente morderá sua maçã e se sentará junto aos grandes kimbulos que aqui estão. Qualquer irregularidade aqui será monitorada pelo grande olho e, por fa25
vor, jovens alunos, cuidem de suas criaturas, nada de travessuras e pegadinhas catastróficas. Iremos agora até a Sala Primordial e, cuidado! Se saírem da linha, levarão uma expulsão. Por favor, não arranquem o gramado do saguão e meu nome é professor Linde Frow, de Kimbologia Egípcia – disse um kimbulo de meio metro com vestes negras como as escadarias em mármore ali presentes. Os alunos seguiram o pequenino kimbulo até o saguão de iniciação perante a Grande Árvore de Zedom. Uma menina engraçada dizia a sua amiga: – Comprei a coleção completa de Regina Crash, a kimbulo que tem as canções mais poderosas deste século do pop magic. Outros alunos mastigavam chocolates que deixam a língua em forma de pedra. Pelo caminho, Zee percebia como Loryn estava encantada com os truques de mágica em maquiagem e com sua boneca falante. Era apenas um feitiço. O chão do gigantesco saguão já se via ao fim daquela gigantesca escada em mármore em forma de espiral. A grama do local fazia cócegas pelo solado dos sapatos dos alunos, o teto era um gigantesco espelho central e as paredes do enorme salão circular eram todas em mármore, rodeadas por vidraças negras. Isso fez Zee lembrar-se de seu pai, que era um kimbulo Vidraceiro. Doug deu um berro alto e incomodante apontando para seus amigos e os tantos outros que ali estavam. A Grande Árvore era uma árvore grande e muito linda, com folhas em forma de corações e torta de tantas maçãs douradas. Cada maçã havia o nome de um kimbulo. As maçãs estavam flutuando com uma magia estranha. Linde Frow apanhou a primeira maçã com o seguinte nome: Erick Vilarinho. O kimbulo todo sorridente deu um passo a frente, apanhando a maçã em uma de suas mãos e dando-lhe uma forte mordida. De seus olhos escorreu uma grande lágrima prateada formando a palavra “Americus”. O garo26
to deu um violento sorriso e correu para sentar-se à redonda mesa central, uma mesa linda com um grande porco e uma maçã vermelha à boca. Cumprimentando todos os kimbulos do penúltimo ano de uma maneira como se quisesse fazer amigos influentes. O pequenino professor gritou o próximo nome, “Douglas Miller”, e o garoto extremamente assustado aproximou-se muito devagar do degrau maior da escada. Ali, e com uma leve mordida em sua maçã dourada, viu-se escorrer uma gota bronze de seu olho esquerdo. Houve um som e a neve mágica que sempre caía do teto não escondeu a palavra “Luminarius”. Kimbulândia era dividida em dois grupos: os Americus e os Luminarius. Os Americus eram extremamente poderosos e inteligentes, nunca repetiam o ano, encorajavam-se a praticar encantamentos perigosos e sempre traziam consigo seus cães; diferente dos Luminarius, que veneravam os felinos e eram fiéis e incríveis, mesmo que alguns tenham certo hábito de tropeçar nas armadilhas dos Americus, os Luminarius nunca levavam um desaforo para casa, nem no Mundo Kim e nem fora dele, sempre competiam entre si no kimboll e essa era a forma de se kimbolizar rapidamente, enfrentando-se. Logo, o jovem Doug sentou-se à mesa redonda ao lado de alguns pequenos garotos do segundo ano saboreando morangos japoneses, fritas e entre outras milhares de delícias do mundo todo que se concentravam ali, naquela redonda e gigantesca mesa. Agora, o professor apanhara mais uma maçã em uma de suas mãos, uma maçã muito dourada, grande e absolutamente viçosa que trazia consigo o seguinte nome: Zee Griston. O menino sentiu calafrios por todo corpo, sua mão suava como toda a sua pele por baixo do uniforme. Ele sabia que tinha acabado de chegar o seu momento. Ele parou e começou a lem27
brar-se do seu antigo mundo e a pensar naquele que agora estava vivendo, como se pudesse sair correndo e não fazer aquilo, poder, por uma vez, acordar e aquilo tudo voltar a ser apenas um sonho. Entretanto, não hesitou, colocou-se à frente e deu uma forte mordida na maçã misteriosa.
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