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julio césar blanco francis paniego dani garcia teresa paim martín berasategui
pedro subijana frédéric bau claude troisgros helena rizzo mara salles pau arenós
josean martínez alija carlos alberto dória andoni luis aduriz christian escribà
sergio y javier torres nandu jubany belarmino iglesias juan mari arzak
angel léon marcos morán ferran adrià alex atala paco roncero joan roca rodrigo oliveira ana luiza trajano beto pimentel eduardo duó
parte integrante da edição nº 66 de Prazeres da Mesa, não pode ser vendido separadamente
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online por Marco Merguizzo
prazeresdamesa.com.br
MESA TENDÊNCIAS 2008 Clique e acesse os vídeos exclusivos desse evento histórico, que complementam o conteúdo dessa edição especial de Prazeres da Mesa COZINHA TECNOEMOCIONAL: MITOS E VERDADES Acompanhe os melhores momentos do debate que reuniu ninguém menos que Ferran Adrià, o chef brasileiro Alex Atala, os jornalistas Josimar Melo, o espanhol Pau Arenós e Ricardo Castilho, diretor editorial de Prazeres da Mesa. Na pauta desse encontro de titãs, os inícios do movimento, o mito criado em torno da gastronomia molecular e os bastidores do Jantar do Século, entre outros temas suculentos. Um encontro histórico e imperdível para se ver uma, duas, muitas vezes e guardar na memória. CHEF-EMBAIXADOR DE QUATRO COSTADOS Ao lado da de Ferran Adrià, a apresentação do chef Alex Atala foi uma das mais aguardadas pelo público na edição deste ano do Mesa Tendências. O mais festejado chef do país – reverenciado pela trupe espanhola como “o maior embaixador da gastronomia brasileira” – desmistificou a glamourização da profissão, revalorizou os ingredientes brasileiros e compartilhou com a platéia momentos inesquecíveis, como o jantar que ofereceu aos colegas espa-nhóis em que serviu o turu, um ingrediente brasileiro pouco conhecido e que encantou seus ilustres convidados. REVOLUCIONÁRIO DOS SENTIDOS Uma superapresentação de Andoní Luis Aduriz, chef estrelado do restaurante Mugaritz, de Renteria, no País Basco. Com teses desafiadoras e preparações para comer e pensar, o chef aguçou a mente e o paladar do público do Mesa Tendências, durante sua elogiadíssima aula, que teve como tema Os Limites do Sabor. LIÇÕES DE UM VELHO MESTRE Uma das mais aplaudidas performances do Mesa Tendências 2008, o pai da moderna cozinha espanhola, o carimástico Juan Mari Arzak, do restaurante basco Arzak, três estrelas no Guia Michelin, hipnotizou a platéia com suas teses gastronômico-filosóficas e os comentários rascantes e bemhumorados. Um vídeo que surpreende e emociona – como os óculos coloridos moderninhos desse velho mestre e sua comida intrigante.
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Uma cozinha franco-brasileira e humorística 12 DANI GARCÍA Contraposição de sabores e temperaturas 14 MARA SALLES Os sabores do Cerrado e da Amazônia 16 Debate Em defesa da cozinha tecnoemocional 20 Francis Paniego Tradição e inovação na Rioja 22 Martín Berasategui Culinária de raízes, mas sem fronteiras 24 Javier e Sergio Torres O uso de ingredientes brasileiros na Espanha 25 Pedro Subijana Receitas lúdicas e inesperadas 26 Feira de negócios De produtos a equipamentos, as novidades do mercado 30 Joan Roca A importância dos aromas voláteis no processo criativo 32 Rodrigo Oliveira e Ana Luiza Trajano Cozinha sertaneja e queijos brasileiros 34 Frédéric BaU De doces e salgados, as mil possibilidades do chocolate 36 Trabalhos acadêmicos Apresentação de estudos gastronômicos do Senac-SP 39 Homero Souza Óleo de palma: produção, características e curiosidades 40 Juan Mari Arzak Gastronomia, filosofia e globalização do paladar 43 Nandu Jubany Os aromas do bosque 44 Paco Roncero Propostas inusitadas para o azeite de oliva
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sumário 45 Belarmino Iglesias Filho
Como montar um restaurante de sucesso 46 Juan fra Valiente
Técnicas para reconstruir iguarias 47 Josean Martínez Alija De volta à valorização do produto 48 Dolores Freixa e Guta Chaves Cozinha regional x alta gastronomia 49 Washington Oliveira A gestão dos negócios na área alimentar 50 Carlos Alberto Dória Reflexões sobre o conceito de culinária brasileira 52 Andoní Luis Aduriz Limites do sabor: para comer e pensar 55 Marcos Morán Por uma gastronomia sem desperdícios 56 Beto Pimentel e Tereza Paim O DNA da cozinha baiana 58 Ángel León Receitas inventivas: de peixes sem valor comercial a caroço de azeitona 59 Sabores da Andaluzia Más Que Tapas: chefs de todo o mundo interpretam, em livro, a rica região espanhola 60 Christian Escribà Show doce: a quebra de paradigmas da confeitaria clássica 62 Alex Atala Hora de reacender a chama dos ingredientes brasileiros 66 Ferran Adrià Desmitificando a cozinha do El Bulli 72 Helena Rizzo Terroir da memória: receitas que nascem do dia-a-dia e das lembranças
seções 7 Carta do editor 8 Carta ao leitor
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editor SONHO REALIZADO Há três anos, conversando com o chef Alex Atala, eu falava da vontade e do sonho em fazer um grande evento de gastronomia no Brasil, com a presença dos grandes nomes mundiais. Vínhamos fazendo o Prazeres da Mesa Ao Vivo com muito êxito, mas faltava um evento que discutisse os rumos da culinária no país e mostrasse as tendências do mercado pelo mundo. Lembro que, à época, o olhar e as palavras do Atala não foram muito encorajadora, mas nossa conversa terminou com a seguinte frase: “É difícil, mas estou nessa”. Em 2008, o time de Prazeres da Mesa – não só com a colaboração do Atala, mas de diversas equipes, caso do Grup GSR e da Sibaris e, claro, com a boa vontade dos chefs espanhóis e brasileiros – conseguiu conceber e organizar o maior evento de gastronomia que já ocorreu na América Latina. Reunir, nessa segunda edição do Mesa Tendências, nomes como Ferran Adrià, Juan Mari Arzak, Martín Berasategui, Ana Luiza Trajano, Rodrigo Oliveira, Beto Pimentel e muitos outros, só foi possível graças à união dessas várias equipes. Também é importante é também frisar que a organização impecável e a grande repercussão do evento só foram possíveis em razão do trabalho em conjunto que vem sendo desenvolvido nos últimos anos entre Praz er es da Mes a e Senac-SP, que, brilhantemente abrigou o Mesa Tendências no Centro Universitário do Campus Santo Amaro. Das recepcionistas, passando pelos locutores, até chegar aos consa grados palestrantes, todos deram o máximo para o êxito do Fórum. Nosso próximo encontro já tem data marcada para acontecer. Portanto, se você não quer perder nenhum detalhe dessa festa da gastronomia, anote na sua agenda: entre os dias 26, 27, 28, 29 e 30 de outubro de 2009, o Mesa Tendências e o Prazeres da Mesa Ao Vivo estarão esperando por você. Forte abraço e até lá, Ricardo Castilho, diretor editorial rcastilho@prazeresdamesa.com.br
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ao leitor UM MARCO NA GASTRONOMIA DO PAÍS É um grand e praz er comp art il har com voc ê, nest a ediç ão de dez emb ro, as del ic ios as sens aç ões e idéia s que aguç ar am pal ad ar es e est im ul ar am ment es dur ant e o Mes a Tend ênc ias – 2o Fórum Internacional de Gastronomia de São Paulo, ocor rido nos dias 4 a 6 de novembro. O fórum compôs a programa ção do Semana Mesa SP, consolidado como o maior evento gastronômico da América Latina. A parceria de sucesso entre o Senac-SP e a revista Praz er es da Mes a tem dado frutos. Neste ano, além da realização do fórum a e da 5 edição do já tradicional Praz er es da Mes a Ao Vivo, uma verdadeira constelação de 15 chefes espanhóis veio ao Brasil para o beneficente Jantar do Século que, como o nome diz, foi um momento memorável, desfrutado por 80 privilegiados que arremata ram os ingressos em leilão. Composto por profissionais e gourmands, um seleto público lotou, nos três dias, o auditório do Centro Universitário Senac – Campus Santo Amaro, que tem capaci dade para 500 pessoas. Foi uma oportunidade única de conhecer as tendências do mercado e os conceitos inovadores, presenciando demonstrações de tecnologias que valorizam e reinventam os sabores e as texturas dos alimentos, inclusive com delicio sas degustações. A missão do evento, de proporcionar a troca de experiências entre especialistas, promover discussões sobre produções científicas e disseminar conheci mento, foi novamente atingida com louvor. A presença marcante do chef espanhol Ferran Adrià, considerado o melhor do mundo, ajudou a colocar o evento no centro das atenções. Além disso, os brasilei ros tiveram a chance de conviver com peritos como Juan Mari Arzak, Frédéric Bau, Martín Berasategui, Andoní Luis Aduriz, entre outros. E os alunos do Senac, ao asses sorá-los, puderam experimentar a adrenalina que contagia os bastidores de um acon tecimento desse porte, vivência que certamente enriquece o aprendizado e estimula o crescimento na profissão. Pioneiro na capacitação de profissionais para a área, o Senac tem trabalhado nos últimos anos para o desenvolvimento de um pensar gastronômico que contribua com a consolidação científica e acadêmica do segmento de alimentação. Esses resultados extraordinários auxiliam o aprimoramento da cultura gastronômica no país e nos desafiam a buscar uma excelência crescente. A todos os participantes, profissionais, patrocinadores, apoiadores e parceiros, nosso agradecimento pela colaboração preciosa para cravar esse marco na história do setor no país. Ficam todos convidados, desde já, para as próximas viagens que va mos empreender pelos territórios do fazer e do fruir gastronômico. Cláudio Luiz de Souza Silva Gerente de Desenvolvimento do Senac São Paulo
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dias 26, 27, 28, 29 e 30 de outubro
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BEM-HUMORADOS ECOS DA NOUVELLE CUISINE Com os holofotes mundiais voltados para a cozinha tecnoemocional, o chef “franco-carioca” traça um paralelo com a gastronomia espanhola de vanguarda e apresenta sua “cozinha humorística”
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om simpatia e bossa tipicamen te cariocas, o chef “franco-bra sileiro” Claude Troisgros, do restaurante Olympe, Rio de Janeiro, RJ, conquistou o público do Mesa Tendênci as, logo no primeiro dia do evento. Com piadas e pausas em tempos perfeitos, ha bilidade de quem está acostumado a con duzir grandes espetáculos, o herdeiro da nouvelle cuisine – revolução gastronômica
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POR ROBERTA MALTA FOTO RICARDO D’ANGELO
proposta por seu pai, Pierre Troisgros, e por outros chefs franceses como Paul Bo cuse – iniciou s ua apresentação, relatan do a primeira fase de seu trabalho, nos anos 80, quando havia recém-chegado ao Brasil. “Naquele tempo, a vida de todo chef estrangeiro não era nada fácil. Vale lem brar que a importação de produtos im portados só ocorreria dez anos depois”,
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PUPUNHA RECHEADO DE FOIE GRAS
afirmou. À época, Troisgros começou a freqüentar feiras-livres cariocas e a se apai xonar pelos produtos brasileiros. Com isso, ele mudaria os rumos culinários do país, ao tornar nossos legumes, verduras e fru tas protagonistas na cozinha. Nos dias de hoje, passadas mais de duas décadas, e com os holofotes mundiais voltados para a co zinha tecnoemocional, o chef, ao traçar um paralelo à gastronomia espanhola de vanguarda, apresenta a chamada “cozinha humorística”, como definiu. A proposta de Troisgros é criar novos pratos com base em formatos consagrados, visando não só a aguçar os cinco sentidos, mas, de acordo com ele, “introduzir um sexto no genoma do homem moderno”: o humor, ingredi ente fundamental na receita de vida desse chef francês de alma brasileira. Com tal proposta inusitada, Trois gros, na companhia de seu filho Thomas, apresentou ao público quatro receitas. A primeira delas foi o caviar de tapioca (bo linhas à base de sagu, que são escurecidas
p or molho de soja até adquirir a coloração de ovas de esturjão). O destaque ficou por conta da embalagem em que foram servi das: uma lata idêntica à de caviar, com pei xinho pintado e tudo! Outra idéia bem-humorada apresenta da por ele, e que também faz sucesso em seu restaurante no Rio, brinca com as sen sações do gourmet: “O garçom rala o palmi to sobre o risoto, num cortador de trufas”, conta Claude às gargalhadas, garantindo que o efeito visual é o mesmo do requisi tado e caríssimo tartufo de Alba, cidade pi emontesa onde essas jóias são encontradas. A seguir, o chef supreendeu a platéia com o criat ivo pupunha rechead o de foie gras e um petit four feito à base de cho colate derretido e polvilhado de prosaicos sucrilhos. “É perfeito para assistir o Fantás tico, domingo à noite”, brincou. Claude e Thomas, respectivamente a segunda e a terceira gerações dos Troisgros, deixaram o palco do auditório do Senac-SP sob aplau sos, c om o público pedindo b is. •
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TÉCNICAS DE VANGUARDA O chef Dani Garcia, do restaurante Calima, em Marbella, baseia sua cozinha na contraposição de sabores e temperaturas
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onsiderado uma das sensações da nova geração da gastronomia espanhola, o chef Dani Garcia, do restaurante Calima, em Marbella, já ostenta uma estrela no Guia Michelin. Seu trabalho se baseia na contraposição de sa bores e temperaturas, e utiliza técnicas de vanguarda para resgatar os sabores tradi cionais da cozinha andaluza. Esse empre go de recursos modernos para recuperar sabores clássicos pode até parecer contra ditório. Mas ao demonstrar algumas de su as criações, o jovem chef provou que a gastronomia tecnoemocional nada mais é do que uma forma diferente de cozinhar,
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POR LUCIANA LANCELLOTTI FOTOS RICARDO D’ANGELO
utilizando os princípios e sabores da cozi nha de sempre. O resultado são pratos des concertantes, como o tomate Raf rechea do com pipirrana, que ele preparou diante de uma platéia curiosíssima. A proposta é reconstruir o tomate, a partir da pipirra na, salada espanhola à base de tomates e pimentões verdes, que, após ser proces sada, ganha consistência de merengue e formato redondo. Congelada, a massa é banhada em nitrogênio e mergulhada em um gel obtido da água do tomate, produ zindo uma capa rubi-cintilante. Surpresa na platéia: o resultado é um tomate que, ao toque do garfo, explode em mousse.
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“O nitrogênio nos permite sonhar com pra tos e torná-los realidade”, justificou. Seguindo a mesma proposta, Dani Gar cia encantou o público ao preparar pipocas de tomate e azeite de oliva, com interior cremoso, que derretem na boca. O preparo é simples: a massa, à base de gelatina, to mate, água e azeite de oliva, é processada em um sifão e mergulhada em nitrogênio líquido. Garcia quis familiarizar a platéia com a utilização do nitrogênio na gastro nomia e derrubar alguns mitos que cercam essa prática. O chef chamou ao palco du as pessoas da platéia, para mergulharem a mão no produto. “Parecem borbulhas de água com gás”, disse um dos voluntários. Nada de grave aconteceu, como era espe rado. Assim, ele explicou: “É preciso ter respeito pelo nitrogênio líquido, mas há produtos presentes em nossa vida muito mais perigosos, como o azeite fervente”. E concluiu: “Uma técnica nunca pode ser criada apenas pelo show. Ela precisa estar sempre a serviço do sabor”. •
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SHOW DE AMAZÔNIA Comandante do paulista Tordesilhas, a chef Mara Salles deu uma palestra espetacular, na qual brilharam os aromas e sabores do Cerrado e da Amazônia
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ara Salles foi recebida pela platéia com muitos aplausos, retribuídos de forma descon traída. “Preciso desse apoio, gente, estou muito nervosa, mas vai passar.” Assim é o jeito da chef que comanda o restaurante Tordesilhas, em São Paulo, SP: espontâ neo, divertido, cativante. E ainda que se confesasse tensa, Mara não demonstrou a menor dificuldade em discorrer, com hu mor, sobre o que mais entende – os sabores e os aromas brasileiros. Nesse caso, espe cificamente, os do Cerrado e os da Ama zônia. “Diferentemente da Amazônia, o Cerrado é calado, uma área de que você precisa ter paciência para entendê-la.”
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Apaixonada por ingredientes brasileiros, Mara cresceu em Penápolis, no oeste do Estado de São Paulo, “em uma área de cerrado, com vegetação, pôr-do-sol e co quinhos”. Ela demonstra muita familiari dade com esse bioma intenso, de árvores tortuosas, que se esforçam para dar frutos. “Por isso, eles são extremamente doces ou amargos, muito gordurosos.” Dentre os 58 frutos nativos, Mara destacou o pequi como o rei do cerrado. “Ele é uma alegria, porque é ocasional, não dá durante todo o ano. O bom pe qui cai, precisa ser colhido imediat amen te”, explicou. Para a chef, o fruto ainda é pouco explorado, especialmente na con
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feitaria: “Ele pode ser usado como uma espécie de baunilha”, sugeriu. A chef ainda citou ingredientes como cajuzinho do campo, baru, guariroba e jurubeba: uma festa proporcionada pela biodiversi dade do cerrado. “São plantinhas minús culas, diferentes entre si, flores, pétalas, uma profusão incrível de matizes.” À essa altura, Mara já estava bas tante tranqüila e familiarizada com a platéia, que se mostrou interessadíssi ma no contraponto à cozinha de van guarda: a chef expôs uma comida sim ples e interessante, que também causa surpresa, sem necessariamente passar pelas técnicas modernas. Foi quando o assunto mudou para a Amazônia. “A primeira vez que fui a Belém, o que me chamou atenção foi o tamanho dos pei xes”, relembrou. Ela mostrou à platéia várias fotos de peixes da Bacia Ama zônica, que, normalmente, se alimen
tam de frutos que caem na água. Na bancada, um filhote de pirarucu, com mais de 1,50 metro, chamava atenção. “Existe um preconceito muito grande com relação aos peixes brasileiros, mas eles são extremamente saborosos”. A produção de farinha-d’água, da mandioca-brava fermentada também foi citada durante a apresentação. Mara des tacou a cozinha paraense, genuinamente brasileira, formada principalmente pela técnica indígena e pela presença portu guesa, o que se evidencia nos caldos, um deles muito importante, o tacacá, à base de goma de mandioca, tucupi e jambu, verdura que provoca dormência na boca. A chef, aliás, levou muitas sementes de jambu – mais potentes do que as folhas – para a platéia experimentar. E, com o bom humor de sempre, ela aconselhou: “Não fiquem loucos, por favor, provem só um pouquinho”. •
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NA ERA DO TECNOEMOCIONAL Tema dominante em todas as conversas do Mesa Tendências, Ferran Adrià, o seu criador e principal divulgador, falou sobre esta e outras questões que permeiam o mundo da gastronomia atual
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o palco do auditório do Se nac-SP, uma mesa de cra ques formada por Ferran Adrià, o chef brasileiro Alex Atala e os jornalistas Josimar Melo e o espanhol Pau Arenós, mediado por Ricardo Cas tilho, diretor editorial de Prazeres da Mesa. Arenós abriu os diál ogos contex tualizando os 200 anos de domínio da
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culinária francesa no mundo, abordou a nouvelle cuisine (movimento culinário ocorrido nas décadas de 70 e 80, no qual o s cozinheiros franceses passaram de meros reprodutores de receitas a criado res) e a contribuição dos chefs espanhóis que, a partir da década de 90, lançaram novos conceitos e técnicas que muda ram o foco d a gastronomia mundial.
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Arenós ressaltou ainda o tempera mento irrequieto dos chefs Pedro Su bijana e Juan Mari Arzak, patriarcas da cozinha espanhola, que “abraçaram a re novação, permitindo-se a novos desafi os”, sublinhou. “Não se contentaram em permanecer imóveis, em seus próprios louros”, disse para em seguida acrescen tar: “Como na arte, o erro é necessário, pois ele possibilita a abertura de novos caminhos e descobertas.” A seguir, Adrià tomou a palavra e falou sobre a origem do nome do seu restaurante -- o El Bulli: “Um nome, apenas um nome”, disse. Desmistificou também a gastronomia molecular, cunhada pela mídia interna cional para denominar sua cozinha. “Não sabíamos como chamar a cozinha criati va espanhola, até que passamos a definila como Cozinha Tecnoemocional”, afir mou. A mudança propõe a desassociação da imagem que a gastronomia espanhola criou: a de um processo unicamente ci entífico, repleto de engenhocas tecnoló gicas, em que a emoção é subtraída. O mais famoso chef da atualidade, porém, se curvou ante a importância da França neste cenário: “A minha dúvida é em que medida o que fazemos é uma ruptura com a nouvelle cuisine ou uma evolução dela?”, indagou, tomando como exemplo as artes plásticas: “O cubismo de Picasso não é gratuito, ele saiu de algum lugar”, completou. No fim, o desabafo: “Quando falam do El Bulli, parece que essa van guarda tem cinco ou seis anos. O que es távamos fazendo, então, em 1994, quan do o inauguramos?”, desafiou.
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Ultra-atenta, a platéia ouviu emocio nada estas palavras do mito Adriá. Alex Atala completou a catarse: “Vocês estão vendo quem está falando isso? E quem está sentado logo aí embaixo? Arzak, de um lado, e Claude Troisgros, de outro”, provocou. O mais festejado chef brasi leiro falou daquele momento histórico e a revolução que a platéia estava presen ciando. No final, revelou os bastidores do Jantar do Século. “Lá, não tinha um líder e, sim, uma equipe trabalhando. É isso que os espanhóis nos ensinaram e o exemplo que o Brasil deve seguir”, afirmou. O desenvolvimento tecnológico, ou tra contribuição espanhola, foi abordado por Josimar Melo. “Temos que fugir des se estigma de supervalorizar os aparelhos. O que é fundamental é a visão de mundo que cada um tem, e não importa se isto é traduzido por um sifão ou uma faca”, disse. “Na equação tecnoemocional, o termo “tecno” tem que ser coadjuvante do emocional. Se não for uma produção autêntica, pode usar a máquina que for que vai ser um fracasso!”, observou. O debate prosseguiu. Adrià chamou seus pares ao palco. Um a um, os chefs saíram em defesa da Cozinha Tecnoe mocional, que não deixa de representar as raízes de todos eles. No final, Claude Troisgros, o herdeiro da nouvelle cuisine, festejadíssimo pela entourage espanho la, subiu ao palco. Emocionado, o “chef franco-carioca” engrossou o coro e deu a última palavra: “Obrigado, Alex, por me chamar de brasileiro”. A platéia consen tiu e o aplaudiu durante vários minutos.
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RESGATE DE SABORES Primeiro chef da região da Rioja a conquistar uma estrela do Guia Michelin, Francis Paniego mostrou que tradição e inovação podem caminhar juntos sempre
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rancis Paniego afirmou sentirse em uma posição difícil, ao se apresentar logo após o debate sobre a Cozinha Tecnoemocional, com Ferran Adrià, Alex Atala e os jornalistas Pau Arenós e Josimar Melo. Mas dar prosseguimento a trabalhos de peso nunca foi dificuldade para esse representante de uma verdadeira dinastia gastronômica. Primeiro chef de La Rioja a receber uma estrela no Michelin, Paniego é filho de Ma-
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risa Sánchez, que já faturou, na Espanha, o prêmio nacional de gastronomia de melhor chef em 1987. Foi dela que ele herdou a paixão pela cozinha. São seis gerações dedicadas à gastronomia. O orgulho de pertencer à família ficou evidente logo no início da palestra, quando ele mostrou ao público várias fotos do hotel-restaurante Echaurren, fundado pelos antepassados em 1898, em Ezcaray. O lugar abriga dois restaurantes – Echaur-
CAVIAR À BASE DE VINHO TINTO, COM AGAR-AGAR E ÓLEO DE GIRASSOL
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ren, que representa a tradição, e El Portal, a modernidade. Ambos sintetizam a filo sofia defendida por Paniego: a cozinha de vanguarda deve resgatar os sabores da me mória. “É preciso agregar valor à cozinha tradicional”, insistiu. Nessa busca pelo sabor, ele aproveita produtos mediterrâneos de forma inova dora e utiliza elementos da natureza, como a madeira, para defumar ingredientes co mo o azeite de oliva, trazendo mais vigor a carnes e a pescados. O chef mostrou o preparo da merluza, um clássico da cozi nha espanhola, “prato considerado insípi do, mas com muita textura”. Para ganhar sabor, ela é selada em óleo de oliva puro, a 180 ºC e, imediatamente após, imersa em azeite defumado, por 7 minutos, a 45 ºC. A parte interna se mantém em 37 ºC. “Pa rece frio, mas não é. A carne fica suculen ta e saborosa e nunca ninguém devolveu esse prato”, brincou. O chef também foi meticuloso ao de monstrar sua forma de preparar um caviar à base de vinho tinto, com agar-agar e óleo de girassol. Utilizando uma seringa, ele criou bolinhas de vinho ao pingá-las sobre o óleo, obtendo uma solidificação imediata. O caviar, coado e seco em pa pel absorvente, é servido com uma coa lhada de foie gras, preparada com creme de leite, gelatina e redução de vinho tin to. E, pela primeira vez no evento, ouviuse da platéia: “Bravo!”.
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BUSCA DA ESSÊNCIA Ao definir seu trabalho como “uma gastronomia na qual não há fronteiras e, sim, raízes”, o estrelado chef basco defendeu a pesquisa de ingredientes e a importância do Brasil nesse contexto e na cena gastronômica mundial
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palestra do diplomático Martín Berasategui, do res taurante basco que leva seu nome, três estrelas no Guia Michelin, na cidade de Lasarte, foi permeada de elogios ao Brasil. Segundo ele, o gru po de chefs que veio especialmente da Espanha teria comentado, na véspera, que voltaria ao país “muitas e muitas vezes”. A declaração foi suficiente para arrebatar a simpatia da platéia que as sistiu com interesse extra a seus vídeos e exp lan aç ões sob re o tem a A Com plex id ad e da Perf eiç ão – A Pais ag em Lev ad a à Máx im a Exc el ênc ia Cul in á ria Contemp orân ea.
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Berasategui definiu seu trabalho como “uma gastronomia na qual não há fronteiras e, sim, raízes”. Isso ficou explícito, não só por meio das imagens exibidas em um vídeo sobre San Sebas tian – a cidade de sua infância e ado lescência, localizada a poucos minutos de seu restaurante – como na propor ção da casa que comanda: dos 500 me tros quadrados de área útil, 350 metros quadrados são ocupados por uma espa çosa e ultra-equipada cozinha. E o que para muitos poderia ser um despropó sito, para o estrelado chef é absoluta mente natural. “Passo muitos dias do ano lá dentro”, justificou.
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Com medidas precisas, suas receitas fo ram, na maioria, apresentadas no grande telão do auditório do Senac-SP. Detalhes como “a temperatura de 38 oC é importante para manter o sabor da erva-doce” eram su cedidos por comentários e explicações des mistificadoras: “Aqui, não há mágica. Tudo é resultado da inteligência e do conheci mento dos ingredientes”, afirmou. Apesar de toda a pesquisa, Martín Berasategui su blinhou que em sua culinária “a maioria dos pratos tem como ponto de partida caldos, cebola e alho picadinho”. Portanto, nada muito diferente das receitas de toda donade-casa brasileira – uma lição preciosa, de simplicidade, do chef espanhol.
O ponto alto de sua palestra ficou por conta do filé de salmonete que viajou 12000 quilômetros até chegar ao palco do Mesa Tendências. Apenas com generosas conchas de azeite quente coadas numa pe neira, o chef deixou o peixe com as escamas eriçadas, formando cristais comestíveis, co mo num verdadeiro ritual de magia. “Esse processo proporciona um sabor maravilho so de iodo”, relatou o “mago” a um público de olhos vidrados e água na boca. Como última lição, o cozinheiro declarou: “Se respeitarem os ingredientes que vocês têm à mão, o Brasil terá, em pouco tempo, a me lhor cozinha e a melhor saúde do mundo. E todos poderão desfrutar isso”.
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CONQUISTA PELAS RAÍZES Javier Torres, um dos comandantes do Eñe, em São Paulo, mostrou sua paixão pela mandioquinha e como as raízes brasileiras estão conquistando a Espanha
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uando conheci a man dioquinha, fiquei apa vorado. Nunca tinha visto nada tão aromático. Sempre que volto à Espanha, levo uma mala cheia dessa raiz.” A afirmação, de Javier Tor res, do restaurante Eñe, em São Paulo, traduz o fascínio comum aos chefs van guardistas pelos ingredientes brasileiros. Ele abordou a adaptação desses produtos à cozinha espanho la e demonstrou ao público a utilização, na prática, da Gas trovac – ferramenta compacta que permite a cocção a vácuo, desenvolvida por ele e o irmão, Sérgio, em parceria com a Uni versidad Politécnica de Valên cia, na Espanha. Javier explicou que o prin cipal mérito do equipamento é respeitar o produto e suas pro priedades: vitaminas, proteí nas, estrutura e consistência. Tal façanha é obtida graças ao vácuo, que reduz a pressão e permite cocções em baixas temperaturas, a no máximo 60 ºC. “Sa bemos que o excesso de calor prejudica o ingrediente e, cozido dessa forma, ele fica mais próximo de suas características originais.” O chef lembrou, também, que até mesmo o azeite, quando utilizado na
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Gastrovac para fritar alimentos, mantém suas propriedades. Com o equipamento, ele preparou um agulhão, peixe comum no Brasil e na Es panha, mas com características diferentes nos dois países. “É curioso termos produ tos aparentemente iguais, mas o Atlân tico e o Mediterrâneo conferem sabores e aromas distintos a peixes idênticos.” Ao preparar o pescado, Javier chamou a atenção para o resultado da cocção: a diferença de cor e textura entre o agu lhão em seu estado original e já cozido é mínima. Como acompanhamento, ele usou outro ingrediente produzido no Bra sil, o arroz negro, pelo qual se declarou um apaixonado. “Tem uma textura boa e sabor intenso, com aroma espetacular. É um produto surpreendente.” Ainda sobre os produtos brasileiros, Javier demons trou o preparo de um creme à base de raí zes, “com textura e cremosidade impres sionantes”. O prato, segundo o chef, faz sucesso na Espanha, por ter “o aroma da mandioquinha, a cremosidade do cará e um leve acento adocicado, conferido pe la batata-doce”. Inhame e batata também integram a receita, além de manteiga e creme de leite. Os ingredientes ganham textura de creme após serem processados em termomix. Para finalizar, caviar de sa gu e azeite de oliva. Um belo exemplo da tecnologia utilizada a serviço do sabor.
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SURPREENDER O COMENSAL Em vídeo, o chef Pedro Subijana se desculpa por não estar presente, e encanta com preparações de ostra e lagosta na cafeteira
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guardado para abordar o tema Manipulações e Espelhismos de Caráter Lúdico e Inesperado, o chef basco Pedro Subijana, do restauran te Akelarre, em San Sebastián, não pôde comparecer ao Mesa Tendências. Mas nem por isso deixou de surpreender. La mentando a ausência, ele gravou um ví deo, que foi exibido a uma platéia atenta, “uma amostra do que eu havia prepara do”. Apaixonado por ostras, “preparadas a qualquer hora e por qualquer motivo”, o chef criou uma versão do molusco, que explode na boca. As “ostras que se comem com a casca” são extraídas da concha e marinadas no próprio suco – água do mar filtrada. Utilizando ingredientes típicos para banhá-las, como cebola queimada, pão negro tostado e manteiga de cacau, é criada para o molusco uma nova casca, de textura crocante e cor escura. “A surpre sa é colocar a ostra inteira na boca, sem mordê-la, para que se desfrute totalmente o sabor, até que aconteça uma explosão de mar em sua boca.” Subijana tem para si que sua missão é encontrar sabores e texturas originais. Defende que os clientes não vão a um
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restaurante para simplesmente comer, querem ser surpreendidos. E, nessa bus ca, ele cria pratos como a inusitada la gosta cozida em cafeteira globinho, cuja apresentação cativou a platéia. A lagos ta, ainda viva, tem a carne extraída da própria casca por inteiro. É cortada crua, em medalhões, e disposta no comparti mento de cima da cafeteira, acompanha da por ingredientes aromáticos, como aspargos selvagens, manjericão, cebola e pétalas de flores comestíveis, que dei xam a apresentação ainda mais bonita. No globo inferior, vai um caldo vigoro so, obtido da cabeça do crustáceo. Assim que o líquido sobe, o calor cozinha a la gosta, de forma perfeita. O chef também explicou como é fei ente to o serviço: à mesa, o caldo, previam aquecido, é colocado na base da cafeteira, para que suba rapidamente, cozendo a la gosta diante do cliente. Um procedimen to divertido, que permite sentir o sabor natural e verdadeiro da lagosta. “É preci so perceber que quando vamos embora, o que fica na mente é uma forte lembrança”, concluiu o chef, que é mestre em provocar essa façanha. •
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AO ALCANCE DOS OLHOS E DO PALADAR Os produtos, equipamentos e comidinhas que fizeram sucesso entre os gourmets, chefs de cozinha e participantes do Mesa Tendências de valência para o brasil Os representantes do Instituto Valencia no da Exportação (Ivex) marcaram presença no Mesa Tendências para di vulgar os produtos e a cul tura da região espanhola de Valência. Chocolates de altíssima qualidade e torrones de sabor irresis tível, arroz e temperinhos – foram alguns dos desta ques das empresas daque la parte da Espanha que buscam espaço no mer cado nacional e no co ração dos consumidores brasileiros. Dentre eles, o sal de rosa de Himalaia e flor de sal com wasabi. Al guns produtos já estão nas prateleiras brasileiras. O Ivex, que tem 28 escritórios espalhados por vários paí ses, incluindo o Brasil, é responsável por promover a internacionalização da eco nomia valenciana, oferecendo serviços, programas e ferramentas que ajudam a levar as empresas da região para o mer cado externo.
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POR JULIA ZILLIG FOTO CAROL GHERARDI
com a grife adrià Prestes a desembarcar no Brasil, a em presa espanhola Solé Graells (www.so legraells.com) representa os produtos que levam a assinatura de Ferran Adrià. São duas linhas que incluem produtos para fazer gelatinas quentes, caviar de melão, raviólis esféricos, entre muitos. A linha Texturas é composta por três sublinhas: emulsificação, esterificação e gelificação. A primeira, por exemplo, responsável por criar as espumas, traz o Lecite, responsá vel por esse processo. Já o kit Gelificação, inclui os produtos Gellan, Kappa, Iota e Agar, para fazer gelatinas com consistên cia firme e elástica.
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Outra linha que se destaca é a Lyo Sabores, assinada também pelo paste leiro Albert Adrià, irmão de Ferran, composta por produtos liofilizados, sem água, que mantém o sabor, aroma e co res originais. Está disponível em seis ti pos: manga, morango, abacaxi, groselha, pêssego e framboesa. Podem ser usados em pratos doces e salgados – saladas, sor vetes e sobremesas. Também com a grife da dupla, o Croquanter traz um jogo de modelos para criar lâminas de diversas formas, com base em cremes de frutas, verduras, frutas secas, entre outros in gredientes, dando um acabamento dife renciado a qualquer tipo de prato.
jamon, azeites e vinagre de jerez A Agênc ia da And al uz ia de Com érc io Ext er io r, Ext end a (www.ext end a.es), troux e alg uns prod ut os de emp res as esp an hol as que já cont am com dist ri bui d or es no paí s. É o caso da Bod eg a Sanchez Rom ate, que prod uz o vin a gre de Jer ez, e da Arb eq uin o And al uz, com seus aprec ia d os azeit es de oliv a. Mas a est rel a do est and e foi o Jam on, presunto cur ad o feit o pel a Sanc hez Romero Carv aj al, e que hoj e é imp or tado pel a Mio l o. O prod ut o, ext raíd o da parte tras eir a – pern a e cox a – do cerdo 100% ibéric o puro, rend e um presunto art es an al, com sab or, arom a e texturas dif er enc iad os. Além diss o, possui gord ura sem col esterol.
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rápidos e versáteis Os fornos de alta velocidade da fabricante americana Tur boChef foram os destaques do estande da Emplarel (em plarel.com.br). Os modelos i5, C3 e El Tornado, combinam rapidez, versatilidade e rendi mento. Graças ao sistema de microondas instalado em sua cavidade interior, o i5 é com patível com bandejas metáli cas de aproximadamente 15 centímetros de profundida de. Além disso, possui um sistema de autodiagnóstico integrado para controlar o rendimento do forno e um cardápio inteligente com ca pacidade de armazenamento de até 200 receitas. O modelo C3 assa alimentos com até dez vezes mais rapidez e qualida de superior ao processo por outros tipos de forno. Tem um sistema integrado de recir culação de ar com conversor catalítico e espaço para gravar 128 receitas. O forno El Tornado doura e tosta alimentos de ma neira uniforme e constante, 12 vezes mais rápido do que os métodos tradicionais de cocção, gerando alto nível de produtivida de sem comprometer a qualidade. Tem sis temas diferenciad os de cocção, dourador com controle independente, entre outras características. comida quente, panela fria Especializada em equipamentos profissi onais para cozinhas, a empresa brasilei ra Engefood está trazendo da Alemanha uma linha de produtos de indução tér mica da marca Rieber. Apesar de ser algo
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novo no Brasil, a indução já é utilizada na Europa em cozinhas de bistrôs. No cozi mento feito por indução, apenas a pane la e a comida são aquecidas. Mas quando ela é removida do fogão, o equipamento se torna praticamente frio ao toque. O fogão por indução atinge a temperatura desejada em menos tempo, ou seja, ocu pa somente 10% do tempo utilizado por uma boca de fogão convencional.
praticidade em alta Na mesma linha de equipamentos de cozimento por indução, a Mallory e a holding espanhola Taurus apresentaram o equipamento My Cook. Processador de alimentos de alta velocidade, cozi nha por indução e agrega o conceito de cozinha fácil, substituindo vários outros utensílios. Possui balança integrada e três velocidades: amassar, refogar e tur bo. Cozinha ao vapor, prepara caldos e sopas, cozinha macarrão, pica, tritura, mói, prepara massas, refoga, engrossa mingaus e cremes, bate claras em neve e ainda rala queijo. Vem acompanhado de um livro com 230 receitas para ser feitas com o equipamento. para os olhos Aproveitando a vinda do chef espanhol Marcos Morán ao Brasil, o Principado de Astúrias apresentou um pouco de su as riquezas em várias publicações, dentre elas o Guia Mesas de Asturias – Excelên cia Gastronômica (infoasturias.com), que relata um pouco das tradições da cida de e seus produtos como carnes, favas, queijos, embutidos. A publicação, nos idiomas espanhol e inglês. traz ainda um roteiro com os principais restaurantes de alta gastronomia da região.
bolhas com sotaque O Institut del Cava, que reúne os pro dutores do espumante espanhol, veio ao Brasil com o intuito de estreitar seu relacionamento com empresas brasilei ras e fazer um trabalho no país para di vulgar a bebida. A idéia é ampliar sua presença no mercado, já que a venda de cavas vem aumentando significa tivamente entre os consumidores bra sileiros. Na ocasião, o Institut del Cava mostrou os produtos de algumas vinícolas que ainda não estão nos catálogos das im portadoras e nas prateleiras dos supermercados ao lado de outras já conhecidas, como é o caso da Raventós Rosell (Gran Heretat), Gramona (Gramona Imperial Gran Reserva Brut), Pere Ven tura (Trésor Brut Nature), Juvé y Camps (Gran Juvé y Camps Brut), Pinord (Pinord Marruga Grand Reserve Brut Nature) e Codorniu, com destaque para a Codorniu Pinot Noir Brut.
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DESTILADOR DE AROMAS Joan Roca contou alguns dos segredos que fazem El Celler de Can Roca um dos melhores restaurantes do mundo
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oan Roca é um incansável na busca por criar estados de ânimo que resgatem vivências pessoais e recordações de infância. Junto aos ir mãos, Josep e Jordi, o chef catalão rea liza um trabalho de investigação – com destilados, vinhos, fumo e até perfumes – que garantiu a El Celler de Can Roca, em Girona, duas estrelas no Michelin e a 11a posição no ranking dos melhores restau rantes do mundo, publicado anualmente pela revista britânica Restaurant Maga zine. Roca se apóia na importância dos aromas voláteis e utiliza técnicas surpre endentes, como a obtenção de destilados, que permite, por exemplo, levar ao prato aromas naturais, como o de terra. Pode
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POR LUCIANA LANCELLOTTI FOTOS ANDRÉ PENICHE E RICARDO D’ANGELO
a té soar estranho, mas durante a apresen tação, ele conseguiu despertar o fascínio da platéia com os fundamentos de sua téc nica. “O mundo dos destilados começou com o desejo de captar os aromas que se desprendem, para transformá-los em mo lhos que trazem diversidade ao prato.” A idéia da destilação é separar “o cor po e a alma” dos ingredientes. O chef de monstrou o procedimento para se obter um de seus principais destilados: água e terra ficam em infusão por 24 horas e se guem para o destilador a vácuo a 45 ºC. A ebulição em baixa temperatura sofre um processo mínimo de cocção e, dessa for ma, o destilado obtido concentra os aro mas da terra. A ele se adiciona a xantana
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(espessante em goma que não modifica o sabor do ingrediente), obtendo-se um molho com sabor de terra, mais límpido do que se fosse obtido em alta tempera tura. A técnica é utilizada em sugestões reverenciadas mundo afora, como a ostra ao Chablis. No prato, não há terra, mas o aroma está presente e fiel no gel que en volve o molusco. “É interessante chegar ao sabor de terra, como um passeio por um bosque úmido. Foi a maneira de levar esse sabor a o prato”, explicou. Outra demonstração interessante fo ram as ostras ao Cava. “Procuramos fa zer um prato sem ter de reduzir a bebida, o que provocaria a perda de várias carac terísticas originais.” A solução foi incor porar xantana diretamente ao Cava, ain da na garrafa, na fase final da elaboração da bebida. O espumante é despejado so bre o prato, já com consistência espessa, preservando suas propriedades, inclusive o gás carbônico. A vantagem: “Quando se bebe o Cava, o prazer é instantâneo, mas com a textura, ela pode ser aprecia da mais lentamente”. Por fim, Roca apresentou seu traba lho com perfumes em forma de sobre mesa. Não se trata de utilizar essências famosas nos pratos. A intenção é captar o aroma volátil do perfume, tendo como ponto de partida as notas que formam a essência. Para exemplificar, o chef tomou por base o perf ume Eau de Té Blanc, de Bvlgari, com notas de chá, açafrão e lavanda. O açafrão foi destilado, com a técnica já apresentada, e convertido em molho. Utilizou-se, também, uma inf u são de chá branco e azeite, para buscar contraste. E viu-se, portanto, que o pro cedimento nada mais é que uma adapta ção para que o comensal busque, na me mória, o aroma do perf ume. Com isso, Roca fez a platéia extasiar-se. prazeres da mesa
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O QUEIJO NA “ALTA COZINHA SERTANEJA” Ana Luiza Trajano e Rodrigo Oliveira, dois profissionais brasileiros que resgatam e valorizam cada vez mais os produtos de nosso país, deram um show com nossos queijos
POR ROBERTA MALTA FOTOS ANDRÉ PENICHE E RICARDO D’ANGELO
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dueto formado por Ana Luiza Trajano e Rodrigo Oliveira, dos restauran tes paulistanos Brasil a Gosto e Mocotó, respectivamente, se debruçaram sobre o tema “Queijos Brasileiros” em sua apresentação no Mesa Tendên cias. A dupla, cujo trabalho tem como foco principal a cozinha nacional de raiz, faz sucesso investindo na simplicidade que, de tão sutil, vira sofisticação à mesa. Quando receberam o desafio de falar ao público, no ano em que a vanguarda espanhola lidera da por Ferran Adrià galvanizava todas as atenções, os dois trataram de se aprofundar no assunto. “Trouxemos, aqui, para vocês a ‘alta gastronomia sertaneja’”, brincou Ana Luiza, logo no início dos trabalhos.
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A jovem chef explicou em seguida, etapa por etapa, toda a produção do queijo arte sanal. “Para se ter qualidade, é determinante que se observe desde a raça do gado até os fatores ambientais que influenciam a produção de leite”, enfatizou. Além disso, levantou a bandeira da qualidade do leite cru – o tipo não-pasteurizado –, que, segundo ela, é res ponsável por queijos mais ricos em textura e complexidade. “Mas sua comercialização é dificultada por questões burocráticas, que o tornam inviável”, reclamou. “Essa questão deveria contar com o apoio das autoridades. Precisamos valorizar mais nossos ingredien tes”, bradou com a força e paixão de sua juventude. Em suas pesquisas, Ana Luiza Trajano descobriu, por exemplo, que, quase um único Estado brasileiro, Minas Gerais, é responsável por 90% da produção nacional, e que pra ticamente está nas mãos de pequenos produtores. Sua distribuição, precária na maioria das vezes, mais as barreiras impostas pela legislação do setor, dificultam que essas iguarias cheguem aos consumidores de outras regiões do país. Isso fez com que a dupla mobilizasse esforços e energias em prol de um projeto pela preservação do queijo artesanal, e no qual estão atualmente empenhados. O objetivo de ambos é catalogar todos os queijos produzidos no país, contribuindo para dissemi nar seu consumo. “As leis que regem o setor são o maior impeditivo. Elas determinam 60 dias de maturação, mas três semanas são tempo suficiente para se garantir sua qua lidade”, afirmou. A seguir, a chef explicou as características e as peculiar idades dos tipos hoje produ zidos no país, como o queijo de coalho, queijo manteiga, canastra, entre outros. Rodrigo Oliveira fez coro às palavras da colega e preparou uma receita com farofa que leva queijo manteiga. Após a apresentação, a dupla, que cunhou a expressão “alta cozinha sertaneja”, saiu aplaudida, angariando simpatizantes para sua causa. •
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ALQUIMISTA DO CHOCOLATE A iguaria feita de cacau é a estrela em pratos doces e salgados na mão do francês Fréderic Bau
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azer do chocolate a estrela de um prato não é tarefa das mais complicadas quando o assunto é sobremesa. Mas tratá-lo como protagonis ta em pratos principais ainda é um desafio. Terrines, carnes, peixes, molhos e várias outras especialidades podem ganhar tex turas, aromas e sabores com a presença do cacau. Quebrar esse tabu e descobrir as possibilidades gastronômicas dos chocola tes de alta qualidade faz parte do trabalho do francês Frédéric Bau, diretor da L’Éco le du Grand Chocolat Valrhona, em Tain l’Hermitage, na França. Em sua apresenta
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ção, o chef demonstrou várias formas de aplicação desse ingrediente à cozinha de vanguarda. “Podemos ir mais longe com o chocolate do que costumamos ir como confeiteiros”, garantiu. Com base nesse conceito, Bau execu tou duas receitas: a primeira, um torrone de foie gras, em que ele utiliza, como base, o chocolate Araguani (Valrhona, com 72% de cacau). Para transformar o ingrediente, Bau emprega uma técnica fundamental da confeitaria, a emulsão, “o único caminho para se adquirir texturas muito finas, com toque de seda”.
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Nesse caso, o foie gras assume o papel da manteiga para baixar o ponto de fusão (temperatura em que um sólido se transfor ma em líquido), sem prejudicar a emulsão. Ao final, foie gras e chocolate adquirem a mesma textura. A receita é um exemplo de como o chocolate atua para abrilhantar uma comida, sem sobrepor o próprio sabor aos demais ingredientes. “Os clientes ficam surpresos: se fecharmos os olhos, não se po de notar a presença do chocolate.” A segunda receita teve um toque de humor: um bombom de galinha-d’angola. O objetivo é reproduzir, com o chocolate,
a textura do chaud-froid – molho becha mel ao qual se acrescenta gelatina de car ne. Bau preparou bombons com suprême de galinha, aromatizados com baunilha e endro. Espetados em um palito e mergu lhados em chocolate, eles resultam em um aperitivo inusitado. No entanto, por mais inovadoras que possam parecer as receitas, o chef demonstrou um apuro técnico impecável, ref lexo de sua filoso fia, que valoriza as bases clássicas da gas tronomia. “Para mim, é muito importan te ir longe, mas sem esquecer os passos fundamentais da cozin ha.”
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O TRABALHO DOS ACADÊMICOS Os alunos do curso de vivências culturais do Senac apresentaram bons trabalhos na Semana Mesa São Paulo
POR WANESSA ASFORA FOTO RICARDO D’ANGELO
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s pesquisas desenvolvidas nos cursos de pós-graduaç ão lato sensu da área de Gastronomia do Senac abordam diferentes temáticas relacionadas à alimenta ção e à gastronomia. Os trabalhos preparados pelos alunos do curso e que foram apresentados no Mesa Tendências: Gastronomia – Vivências Culturais procuram, de maneira geral, compre ender certos fenômenos do universo alimentar na sua relaç ão com a especificidade dos contex tos socioculturais históricos aos quais se acham atrelados. É o caso, por exemplo, de Os Mo vimentos Gastronômicos a Partir da Segunda Metade do Século XX, de Paula de Paiva Do mingues, que discute como as transformaç ões sociais daquele período, na verdade, um con tinuum histórico do panorama das revoluç ões industrial e tecnocientífica do século XIX, pos suem estreitas ligaç ões com os novos posicio namentos diante da alimentaç ão. Ref letindo especificamente sobre a Europa, Paula dedica especial atenç ão ao aparecimento do movimen to Slow Food, mostrando como é necessário en tender que ele se instaura como reaç ão não só a uma alimentaç ão composta essencialmente por itens industrializados, o fast food, mas princi palmente a um modo de viver e consumir fast bastante próprio das sociedades capitalistas. O trabalho de Isabela Fabre, Da Alimentaç ão no Mundo Contemporâneo ao Retorno das Cul turas do Campo, insere-se no mesmo cenário estudado por Paula. A preocupaç ão, no entan to, é mostrar o processo pelo qual as práticas alimentares foram transformadas a partir da in
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dustrializaç ão e da crescente urbanizaç ão do século XIX em diante. Para a autora, a indústria tem um papel significativo em propor às populaç ões uma alimentaç ão que homogeneiza hábitos sociais e cultu rais. A contraposiç ão ao apagamento das identidades promovido por essa alimen taç ão industrializada estaria, de acordo com o estudo, na revivificaç ão da cha mada cultura do campo. A questão da identidade examinada sob a perspectiva de casos brasileiros per meará outros trabalhos. Vânia Hermeto, em A Estética e o Conforto da Cozinha Mineira na Obra de Pedro Nava, procu ra demonstrar como o uso recorrente de descriç ões dos sabores e odores de comi das da infância pelo memorialista do mo dernismo exercem papel importante na circunscriç ão de suas memórias ao ter ritório das Gerais e, conseqüentemente, na construç ão de uma idéia de “minei ridade”. Vânia Hermeto opta por traba lhar com o conceito de confort food que, embora cunhado posteriormente à época de Pedro Nava (1903-1984), oferece um caminho interessante para tornar mais inteligível a compreensão do processo de aproximaç ão do autor mineiro com a co mida. Por sua vez, Regiane Aparecida da Silva, em Identidade Cultural Alimentar Brasileira, discute a pertinência da rela ção entre identidade cultural alimentar de um país e a eleiç ão de pratos nacio nais ou regionais. Apontando a dificul dade dessa forma de tratar a questão, es tuda casos nos quais a cozinha nacional e a cozinha regional constituem constru ções socio culturais historicamente refe rendadas e não, como se poderia pensar, aspectos universais e imutáveis. A ref lexão sobre as implicaç ões de transformaç ões históricas na alimen taç ão de homens e mulheres do nosso
Vânia Hermeto
Regiane Aparecida da Silva
Eduardo Duó
tempo é preocupaç ão ainda de outros dois trabalhos. O problema é examinado de maneira mais geral em Alimentaç ão e Comportamento, de Bianca Damásio Nonato. A autora procura mostrar co mo a idéia de tradiç ão alimentar está relacionada a processos socioculturais de escolha e descarte de certos tipos de alimento. Além disso, avanç a no desen volvimento do tema, mostrando como, com o advento dos transportes e das cir culaç ões globalizadas, algumas tradiç ões alimentares antes restritas a determina das localidades ou regiões são acolhidas em territórios distintos de seus originais e podem transformar os padrões de con sumo alimentar. Ao pensar em uma questão mais es pecífica, Eduardo Duó, em A Guerra Contra a ‘Globesidade’: as Cifras Que Estão Movimentando a Luta contra a Epidemia Global de Obesidade, mostra que incidem sobre o tratamento dado ao problema da obesidade aspectos que não estão necessariamente ligados a preocu pações com saúde ou estética, mas sim financeiros. A pesquisa realizada pelo au tor aponta que nos países desenvolvidos as iniciativas de conscientização acerca dos males causados pela obesidade – que,
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Renata Zambon Monteiro
Nivaldo Aparecido Monteiro
Tatiane dos Santos
na atualidade, atinge metade da popu lação do planeta – aparecem bastante ligadas aos interesses dos governos e das seguradoras de saúde que gastam cada vez mais dinheiro para combater o problema, bem como das indústrias alimentícias que começam a enfrentar batalhas judiciais contra processos em diversos países. Finalmente, o curso propiciou a pro duç ão de dois estudos que propõem a investigaç ão de manifestaç ões bastante particulares do universo brasileiro, em especial o paulistano. Aline Luiza Al ves, em Gastronomia em Jornais, Re vistas e Rádios de São Paulo, apresenta um panorama de três veículos da mídia gastronômica (jornais, revistas e rádio), descrevendo e analisando suas principais publicaç ões e quadros. A autora ref lete sobre o enraizamento do interesse pela gastronomia e assuntos afins na socieda de brasileira, com contornos específicos na cidade de São Paulo, e o aparecimen to de uma mídia especializada, tecendo consideraç ões acerca do crescimento de sua atuaç ão e cobertura. E Carmen Lúcia Saito Lelli, em No vas Tendências Gastronômicas Apli cadas a Restaurantes de Coletividade, oferece uma outra perspectiva do mer cado gastronômico brasileiro ao estudar
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o espraiamento das propostas e técnicas da gastronomia para o mundo dos restau rantes de coletividade. Partindo da pre missa de que se trata de um tema novo no país, Carmen identifica e analisa as dificuldades da implantaç ão das tendên cias gastronômicas em espaç os comer ciais que servem um grande número de pessoas, bem como apresenta casos nos quais algum sucesso nesse sentido pode ser verificado. Vinculadas aos cursos Gestão de Ne gócios em Serviç os de Alimentaç ão e Docência para o Ensino Superior com ênfase em gastronomia, turismo e hote laria, foram realizadas pesquisas acerca de aspectos mercadológicos do negócio gastronômico. Tatiane dos Santos, em Aspectos Determinantes na Escolha de Alimentos, apresenta sondagem reali zada com alunos do curso de fonoaudi ologia e biomedicina da Umesp sobre a importância de aspectos como sabor, consistência, cor e apresentaç ão dos ali mentos nos pratos, no processo de es colha e consumo alimentar. O trabalho não se resume à divulgaç ão de dados es tatísticos, a autora discute e analisa os re sultados da investigaç ão à luz de aspectos fisiológicos, psicológicos e socioculturais. E Nivaldo Aparecido Monteiro e Renata Zambon Monteiro apresentam, em Tec nologia em Equipamentos para Cozinhas Profissionais, um panorama do processo de criaç ão e transformaç ão dos equipa mentos de cozinha através dos tempos, destacando sua importância na quali dade dos serviç os prestados na área de preparo de alimentos. É preocupaç ão dos autores mostrar como o conhecimento sobre equipamentos, dimensionamento e funç ão é indispensável para a área de gastronomia, como se apresenta configu rada na atualidade.
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O MAIS CONSUMIDO Você sabia que o óleo de palma é o mais consumido do mundo? Descubra outros segredos desse produto peculiar
O
óleo de Palma é o óleo vegetal mais produzido e consumido no mundo. Sua composição peculiar permite a aplicação nos mais diversos setores da produção de alimen tos. Esse produto dis pensa o processo de hidrogenação, sendo dessa forma livre de ácidos graxos trans tão maléficos à saúde. A Agropalma, o mai or produtor de óleo de palma do Brasil, garante a produção de óleos e gorduras de palma da mais al ta qualidade, com ex Homero Souza celente estabilidade oxidativa. São produtos livres de organis mos geneticamente modificados. A em
POR HOMERO SOUZA FOTO RICARDO D’ANGELO
presa mantém uma produção responsável, respeitando o meio ambiente e cuidando da saúde e segurança do ser humano. Da palma se obtêm dois tipos de óleo: o da palma (extraído da polpa) e o de palmiste (extraído da amêndoa), ambos com compo sições químicas e características físicas dife rentes. O de palma é o melhor. Como é pos sível dividi-lo em uma variedade de frações, sua utilização pode acontecer em diversos alimentos, tais como margarinas, massas de sorvetes, achocolatados, gorduras para fritu ras, panificação, biscoitos, entre outros. Vale lembrar tamb ém, que, como uma das fontes mais ric as em vit amin a E, a palm a é tid a como um alimento funcion al, pois permite a reduç ão do colesterol circulante e cont ribui par a manter a saúde da pele e dos cab elos, asseg ur ando a propried ade de cresci mento e permitindo ao corp o mel hor ar a absorç ão de vit amin as.
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Realização
Organização Espanha
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Patrocínios Espanha
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O PAI DE TODOS Carismático, genial, desassombrado, o patriarca da moderna cozinha espanhola critica a globalização do paladar, defende a “cozinha de raiz” feita para os sentidos e arrebata a platéia, com suas teses gastronômico-filosóficas
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imagem que se faz de um gê nio poucas vezes corresponde à realidade. Assim aconteceu com Juan Mari Arzak, que fechou com chave de ouro o segundo dia de debates
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do Mesa Tendências. Quem esperava um senhor arrogante, ou um homem excên trico, se surpreendeu com o carismático e atrapalhado cozinheiro de óculos colo ridos moderninhos e humor pulsante. O
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garotos no mercado. “É importante ver o mundo com olhos de cozinheiro e ter a capacidade de se surpreender com o olhar de criança”, ensinou. Em seu restaurante, no País Basco, é possível degustar desde pratos feitos com argila branca até receitas tradicionais da quela região. “Cozinha de raiz, mesmo, e contrária à onda globalizante dos sabo res”, definiu. Arzak acredita que o fast food substituiu nos dias de hoje a comida da mãe: “A gente come porque tem de co mer”, lamentou. Contra essa corrente, o mestre espanhol propõe uma alimentação calcada em conceitos e idéias: “Quando vamos a um restaurante hoje deparamos com as espumas. São bobagens? Não, elas
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comandante do Arzak, de cozinha basca – primeiro restaurante espanhol a ganhar três estrelas do rigoroso Guia Michelin –, discorreu sobre questões gastronômicas, filosóficas e sobre a vida, enfim, cativan do de imediato o público. Na primeira fila do auditório do Se nac-SP, sorriso estampado no rosto e atenção absoluta, ninguém menos que Ferran Adrià, discípulo e mestre a um só tempo do patriarca da moderna cu linária espanhola. “Sem Adrià eu não teria voado tanto”, reverenciou mo destamente o gênio do El Bulli. Para ele, a principal premissa da criação é sair para perceber a vida, em que tudo pode ser sugestivo: aldeias, tabernas,
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MERLUZA NA ARGILA BRANCA
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representam idéias e sem elas não tería mos nada”, observou enfático. Para ele, o prato tem de estar saboroso, mas se tiver magia e diversão ficará ainda melhor. É nesse contexto que entram os de mais sentidos: além do aspecto visual e gustativo, Arzak afirmou buscar per manentemente a acidez, o amargor e a textura em suas receitas. Quase no final da apresentação, o cozinheiro se deu conta de que havia perdido os pa péis em que delineara o conteúdo da palestra. Despreocupadamente, Arzak continuou a falar, enquanto a platéia se divertia. Quando enfim os encon trou, Adrià levantou-se e, às garga lhadas, puxou uma salva de palmas da platéia, que mal acreditava ser teste munha desse momento de descontra ção dos dois maiores ícones da atual gastronomia mundial. Prontamente, Arzak percebera que não precisava de papel algum – suas idéias estavam extremamente claras e alinhadas. Tudo havia sido dito e compreendido. Os aplausos, ultracalo rosos, ecoaram naquela noite inesque cível, para fora do auditório e por todo o campus do Senac-SP. •
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O MAIS CLÁSSICO ENTRE OS MODERNOS Além da hereança gastronômica do avô, Nandu Jubany se formou com feras como Arzak e Berasategui e mostrou os aromas e os sabores do bosque
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andu Jubany representa a ter ceira geração de cozinheiros da família – uma trajetória iniciada por seu avô em 1946, no Ma sia del Solà de Monistrol, em Calders. Jubany, “catalão, mas espanhol primei ro”, cresceu passeando de bicicleta pela cozinha dos pais, trabalhou como aju dante no restaurante do avô, aprendeu técnicas culinárias com a tia e receitas, com a mãe. À herança gastronômica, foi som ad a a exp er iê n cia c om Arz ak, Be ras at eg ui e Carl es Gai g. Atua lm ent e, e le com and a o pró prio rest aur ant e, o Can Jub any, aber to e m 1995, q ue ost ent a u ma est re la n o Mic helin. Logo no início da apresentação, o jovem chef quis transportar o públi co ao Can Jubany: uma casa restaurada, com decoração ele gante, localizada em Calldetenes. “Esta mos no interior, em uma região onde o verão é muito quente e o inverno, muito frio”. As condições climáticas, aliás, fo ram determinantes para que Jubany op tasse pelo caminho da alta gastronomia
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tradicional, utilizando produtos locais. No calor, quando a oferta de ingredien tes não é tão pródiga, ele consegue extrair ao máximo os sabores dos pescados e das frutas regionais. Mas é durante o inverno que a cozinha de Jubany encontra seu es plendor, “a sublimação dos produtos do bosque”, quando começam a aparecer os primeiros cogumelos, as trufas, as carnes de caça, especialmente a lebre, “um de nossos manjares mais autênticos”. Em vídeo, o chef demonstrou como limpá-la. “É um animal do qual se apro veita o sangue, os pulmões, o coração.” O procedimento resultou em uma terrine de lebre, obtida como se fosse de foie gras. No preparo, entraram, também, verdu ras flambadas. Por fim, um molho den so, preparado com o sangue do animal e vinho. “Um prato trabalhoso, mas muito fácil de fazer.” As trufas, outra especialidade do Can Jubany, também mereceram destaque, preparadas e m papillote, com “trinxat” – uma combinação de legumes com batata, amassados – e pancetta “um dos nossos pilares”. E, novamente, utilizando técni cas tradicionais, ele se propôs a explorar ao máximo o sabor dos ingredientes do bosque. Uma cozinha humana, ancorada nas raízes da região, que rendeu a Jubany o reconhecimento como “o mais clássico entre os c hefs modernos espanhóis”.
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MUITO ALÉM DA SALADA
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Uma esfera esfumaçante de azeite com água de tomate e parmesão. Um soba japonês. Essas foram algumas das inusitadas aplicações do azeite de oliva propostas pelo chef madrilenho Paco Roncero
espanhol Paco Roncero, do restaurante Terraza del Ca sino, em Madri, trouxe com exclusividade para o público do Mesa Tendências seu estudo inovador sobre azeites. A proposta do chef, uma estre la no Guia Michelin, é fazer com que as pessoas se debrucem mais sobre o óleo de oliva e suas peculiaridades. “Quero de senvolver a idéia de que o azeite não é só para temperar e fritar”, afirmou, lem brando que habitualmente estamos acos tumados a fazer comentários quanto à pureza do produto (que determina se ele é virgem, extravirgem ou comum) mas não nos preocupamos com o tipo de azei tona com o qual ele foi feito. Roncero propôs pratos divertidos, nos quais o produto milenar entra como protagonista e ingrediente definitivo. Exemplo disso foi a experiência que pre parou com o soba japonês: no conhecido processo tecnoemocional, que caracteri za a cozinha espanhola de vanguarda, ele criou um macarrão que é servido ao cli ente dentro de uma seringa, cujo líquido, à base de metilcelulose emulsionada com azeite, é injetado no prato que contém um caldo fumegante. Ao chegar à mesa, dispara-se a injeção e o líquido se gelifica com a temperatura da sopa, transforman do-se num lámen perfeito.
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A performance de Roncero emocio nou a platéia que suspirou sonoramente. Mas, apesar da modernidade das receitas, o chef mostrou-se muito mais seguro com o uso das mãos do que com o de apare lhos: “Sou péssimo para isso, superdesa jeitado”, confessou humilde, enquanto se entendia com um sifão. Já com as panelas e os bowls, o manejo era tão ligeiro quan to um liquidificador. Na recriação da tradicional sopa de alho espanhola chamou a atenção do público o uso de um ingrediente tipica mente brasileiro: a tapioca, que serviu de liga a um caldo de presunto. Nele foram adicionados pequenos nhoques fritos, feitos de pão, farinha, azeite e água. Na finalização, toques de gema de ovo, páprica, alho negro e comple tando o prato, flor de alho. Outro momento que encantou a platéia foi quando a esfera de azeite com água de tomate e parmesão, fei ta dentro de um balão, passou pela platéia. Os curiosos não resistiram, e quem conseguiu chegar ao palco ga rantiu uma provinha da bola branca esfumaçante que se abria, revelando seu recheio. Para muitos dos presen tes, a iguaria valeu como um manjar, que mereceria estar entre as receitas do Jantar do Século.
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SUCESSO, DE GERAÇÃO EM GERAÇÃO Conhecimento do negócio, administração moderna e trabalho duro são a receita para fidelizar os cada vez mais exigentes clientes de restaurante
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omo Montar um Restaurante de Sucesso foi o tema da apresenta ção de Belarmino Iglesias Filho, da rede paulista de restaurantes da grife Rubaiyat. O empresário, que cresceu den tro da primeira casa montada pelo pai, o imigrante espanhol Belarmino Fernandez Iglesias, herdou as rédeas do negócio, po rém não dormiu um minuto sequer sobre os louros do patriarca. Hoje, comanda quatro estabelecimentos em São Paulo, dois na Espanha e um sétimo, na capital argenti na. “A genialidade é 1% de inspiração e 99% de transpiração.” Esta frase, cunha da pelo inventor da lâmpada, o america no Thomas Edson, conduziu toda a linha de pensamento do restaurateur paulistano. “Nosso negócio é diferente do dos outros, temos uma indústria dimensionada para picos. Para se alcançar o sucesso é preciso pensar alto”, enfatizou Iglesias Filho. Tu do isso, claro, sem esquecer os detalhes e a padronização que, para Iglesias, são fatores fundamentais para fidelizar o cliente. “O guardanapo de todas as nossas casas é de linho e mede 70 por 70 cm. A faca pesa 125 gramas e não pode ser de serra, mas de lâmina”, informou à platéia. Isso é tão rígido que a clientela mais fiel da rede consegue identificar essa característica em todos os seus sete restaurantes. Para ilus trar sua tese, Iglesias relatou que um casal brasileiro em visita ao Cabaña Las Lilas,
POR ROBERTA MALTA FOTO RICARDO D’ANGELO
e m Buenos Aires, que pertence ao grupo, te ria feito o seguinte co mentário à mesa: “Foi daqui que copiaram tu do: é igualzinho ao Ru baiyat de São Paulo”, contou, divertindo-se com o fato. Para explicar o “es tilo Rubaiyat” de tra balho, Iglesias Filho usou a imagem da Ma triuska, a bonequinha russa de madeira na qual há sempre outra menor dentro de uma maior, e assim por diante. “Fazemos exata mente isso: somos verticalizados. Produzi mos nossos pães e doces e grande parte das carnes provêm de nossa fazenda em Mato Grosso do Sul.” Para Iglesias Filho, o grande desafio é fazer toda essa megaestrutura funcionar – mesmo que ele não esteja presente. “Como administro simultaneamente todos os res taurantes, não estou em nenhum como do no”, afirmou. Mas qual então seria o pulo do gato de Iglesias? O restaurateur prepara gerentes e maîtres, dando-lhes autonomia para que atuem como seus sócios no negó cio. Toda essa engrenagem garante o su cesso de sua rede. •
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RECONSTRUIR IGUARIAS Juan Fra Valiente, chef do El Poblet, mostrou que as aparências enganam e ensinou suas técnicas de “construir iguarias”
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idade de Dènia, Espanha. À mesa, no restaurante El Poblet, o comensal aguarda o menudegustação. Para seu espanto, a seqüên cia de pratos é iniciada com um trio de trufas brancas. Ele comemora a própria sorte: trufas, abrindo o menu! Mal ima gina que a surpresa maior vem logo em seguida: ao tocar as iguarias, descobre que elas são construídas com base num creme de queijo parmesão, gela tina e creme de leite fresco, imer so em nitrogênio líquido e corante. O aroma é con ferido por azeite trufado e a finali zação é dada com um pó de funghi porcini, triturado em termomix, que envolve as “tru fas” e dá a elas um acento terroso. “É nosso prato mais dec epc ion a nt e. Não pelo sabor, mas simplesmen te porque não são trufas”, brincou o chef criativo do El Poblet, Juan Fra Valiente, que representou o chef Quique Dacosta no evento. O assunto divertiu o público, surpreso c om a aparência fiel das trufas falsas, cujo preparo foi demonstrado por
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Valiente. O prato é um marco na histó ria do El Poblet, porque representa o iní cio do desenvolvimento de um conceito. “Descobrimos como é importante a su gestão por meio do aroma”, explicou. Mas nem só iguarias são reconstruídas com o intuito de emocionar o comensal. A construção minimalista, marca forte do trabalho de Dacosta, é utilizada para recriar, também, a natureza, por meio de transparência, gel e terrosidade. E, dentro dessa proposta, ele cria verdadeiras paisa gens comestíveis: ingredientes como co gumelos, trufas e ervas são utilizados para reproduzir texturas e acentuar aromas de elementos como areia e terra. As prepa rações são ultra-elaboradas e produzem um resultado surpreendente, como se vê no bosque animado, outro prato emble mático do El Poblet – exibido ao público em vídeo –, que reproduz “um passeio por todos os aromas encontrados no bosque”. Atualmente, a dupla trabalha com uma grande variedade de algas, o que se evidencia no prato “Rocha 2008”. A idéia é representar um molusco dentro de seu hábitat, uma rocha. Na receita, entram ingredientes como crustáceos e mexi lhões cozidos, diferentes tipos de alga, gel de água de ostras e tintura de lula. O con junto é coberto por uma cúpula conge lada – efeito obtido ao se mergulhar uma concha de cozinha em nitrogênio líqui do. Ao toque do garfo, a rocha se rompe e dá o efeito de liberar água do mar, proeza que surpreendeu o auditório do Senac. •
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A SOFISTICAÇÃO DO SIMPLES Abrigado em um dos museus mais arrojados do mundo – o Guggenheim, de Bilbao –, o chef basco defendeu receitas descomplicadas e a revalorização dos ingredientes, em especial legumes e verduras. “Esse será o futuro”, previu
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ara melhor explicar sua proposta de cozinha, Josean Martínez Alija, do restaurante Guggenheim Bilbao, em Bilbao (uma estrela Michelin), propôs ao público do Mesa Tendências uma viagem rumo ao passado. Um tempo, aliás, que está cada vez mais presente na alta gastronomia mundial: a revalorização dos produtos, em que o sabor e a qualidade são essenciais. Chef de vanguarda, Alija perpetra, por exemplo, uma salada cuja base, ultra-sofisticada, necessita de 6 horas para estar pronta e, ao mesmo tempo, pratica uma cozinha baseada em sucos e caldos, por mais paradoxal que isso possa parecer. Uma frase dele define bem essa característica: “Tudo o que fazemos é simples, com uma com plicaç ão anterior”. Não por acaso seu requisitado restaurante está abrigado num dos museus de arte contemporânea mais arrojados do mundo: o Guggenheim. “A existência desse espaço gerou um momento de mudança e provocação na cidade – o que tem muito a ver com a cozinha que procuro fazer”, disse o chef, que prefere trabalhar com verduras e legumes a usar carnes e peixes. “Acredi to que o futuro está mais associado a esses ingredientes. Pelo menos é com os que eu sempre mais me identifiquei”, revelou.
POR ROBERTA MALTA FOTO RICARDO D’ANGELO
Exemplo dessa escolha de Alija é a re ceita em que ele desconstrói uma ervilha para depois remontá-la em seu formato original. Segundo o chef, esse conhecido vegetal é um dos produtos mais valori zados no País Basco – e a receita por ele apresentada propôs que ela fosse degusta da com as mãos. “É uma volta no tempo. Explico: o sentido tátil, ao contrário dos talheres que hoje uti lizamos, amplia a sensação daquilo que estamos comendo”, afirmou. Alija acredi ta que com isso a pu reza dos ingredientes possa ser melhor per cebida quando a co mida é levada à boca. “É preciso trabalhar o ingrediente com inteligência, respei tando e ressaltando na receita suas virtu des culinárias e gas tronômicas”, enfati zou ainda. Não por acaso, na cozin ha desse chef basco a textura dos produtos gan ha, além de seus aromas e sabores, destaque todo especial. •
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COZINHA REGIONAL
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ALTA GASTRONOMIA
As lembranças do paladar estão impregnadas na nossa memória e é por isso que os chefs as resgatam na criação de seus pratos
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eja a Cozinha Tecnoemocional ou aquela de outras tendências contemporâneas, no fundo, os chefs estão sempre buscando suas ori gens. Quem esteve Semana Mesa SP e ouviu o depoimento de grandes che fs espanhóis, entre eles, Ferran Adrià e Juan Mari Arzak, pode perceber que todos ressaltam as cozinhas regionais e valorizam seus produtos. Mesmo que se rendam também à diversidade e aos in gredientes únicos do Brasil. Uma das formas de se conhecer a alma e a cultura de um povo é por sua gastronomia. Como já observava o escritor e gourmet francês Bril lat-Savarin, em seu livro Fisiologia do Gosto, no começo do século XIX. Assim, a gastronomia é um patrimônio cultural que se expressa por meio Dolores Freixa Guta Chaves dos hábitos alimenta res de cada povo, legado que passa de geração em geração desde a Pré-História. Desde os tempos remotos, nossos ancestrais foram selecionando in gredientes, desenvolvendo técnicas, cri ando assim suas cozinhas, cuja escolha de alimentos era ditada pela tradição e pela
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cultura de cada comunidade. No Méxi co, por exemplo, a tortilla feita de milho, consumida até hoje, era um dos pratos mais representativos das civilizações PréColombianas Maias e Astecas. No Brasil, a mandioca, tão fundamen tal na nossa alimentação, vem carregada de simbologia e de mitos preservados pelos indígenas muito antes de Cabral aportar por aqui. Atualmente, temos várias iniciativas no sentido de preservar as tradições ali mentares do Brasil, como a atitude do Ins tituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacion al (Iphan), que nomeou quitutes como o acarajé, o bolo-de-rolo, o bolo Souza Leão e o queijo-de-minas como pa trimônios culturais e imateriais. Para preservar nossa memória e iden tidade gastronômicas, precisamos nos predispor a conhecê-la a fundo, inves tindo em pesquisas e transmitindo esse conhecimento adquirido. E aos amantes e profissionais da boa comida, é impor tante abrir o coração para deixar entrar em suas cozinhas essa imensidão de pro dutos brasileiros carregados de múltiplas tradições culturais. * Dolores Freixa é historiadora e guia de turismo cultural; e Guta Chaves é jornalista gastronômica, criadora do site gutachaves.com.br
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SEGREDOS PARA O SUCESSO Montar e gerir um restaurante, bar, enfim, qualquer negócio na área de alimentação, requer ainda mais atenção do empreendedor
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gestão equilibrada do negócio é o caminho para o sucesso. O empreendedor explora um ta lento ou experiência anterior para abrir um negócio próprio. Esse talento, ou experiência, está ligado às áreas de pro dução, comercial ou de recursos huma nos e, por isso, recebe atenção freqüen te. Com a evolução da operação se torna imprescindível a aplicação das ferramen tas de gestão financeira. O comércio de alimentação sofre constante pressão com o crescimento da concorrência e o aumento dos custos; em decorrência, as margens de lucro tendem a diminuir. Os problemas mais freqüentes, hoje, nos restau rantes são: a falta de ficha técnica (85% não a usam); a concorrência; a formação er rada de preço (90% se basei am apenas nos preços dos concorrentes); custos fora de controle; falta de capital de giro; mão-de-obra em desacordo com as necessidades e com pouca qualificação. Além de tornarem a operação mais difícil de administrar, esses problemas são fontes de prejuízo. Com a rotina diária da operação, o em presário deixa de registrar regularmente todos os dados e informações financeiras,
POR WASHINGTON OLIVEIRA*
vendo-se em dificuldades quando necessi ta obter um empréstimo, em fiscalização, na avaliação para a venda da empresa e, o mais importante, para saber qual o objeti vo estratégico a ser perseguido. Para os empresários, especialmente para os do segmento de alimentação, re comendo seguirem o passo-a-passo abaixo para a implantação e manutenção da ges tão financeira. • Aquisição de um software de controle financeiro para registrar as en tradas e as saídas de valores. • Acompanhar os preços de venda. • Manter os recursos da em presa em constante observa ção. Elaborar fluxo de caixa de 90 dias. • Criar um planejamento or çamentário mensal e compa rar o realizado e o projetado. • Analisar a lucratividade. • Otimizar os recursos. • Evitar o cheque especial. Com a aplicação de todas essas ferra mentas, os empresários poderão tomar de cisões de qualidade e seguras, confiantes quanto ao futuro de seu negócio. * É cons ult or da Medz o Cons ult or ia Emp res ar ia l, tel. (11) 2772-8455; washington@medzo.com.br
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OLHAR ATENTO AO PRESENTE O professor Carlos Alberto Dória faz uma reflexão sobre o conceito da culinária brasileira
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alar sobre comida não é somen te tratar de receitas e técnicas. O professor Carlos Alberto Dória, estudios o da ciência e da cultura da alimentação, abriu o terceiro dia do Mesa Tendências fazendo uma reflexão sobre como se forma o conceito de culi nária brasileira. Segundo Dória, que tam bém é autor de vários livros, entre eles Com Unhas, Dentes & Cuca (Senac, SP, 2008), com Alex Atala, há várias incon
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POR LUCIANA LANCELLOTTI FOTO RICARDO D’ANGELO
sistências na construção histórica do ma pa da culinária regional, dividido em três momentos: • Séculos XVI a XIX, com a forte tran sação internacional de espécies nativas entre os continentes. • Séculos XIX e XX, quando se elabora a idéia de uma cozinha nacional misci genada, formada pelas contribuições de índios, negros e brancos. • Século XXI, em que as referências são
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globalizadas e enfatizam ingredientes e produtos, com a adoção de técnicas in ternacionais e modernas. De acordo com Dória, para enten der como se deram os enraiz amentos da cozinha brasileira, é preciso considerar também: • O período anterior à colonização, com a partida dos índios da Amazônia em direção ao sul do país, portando a mandioca pelas fronteiras oeste e in corporando a cultura do milho, influ enciados pelos índios da cordilheira. • A ampliação das trocas, proporciona da pela colonização, que trouxe cen tenas de espécies – principalmente as botânicas – de Índia, China, Europa, África, Antilhas e Caribe. • Os movimentos de bandeirantes e tro peiros, que supriam os engenhos e as minas de mantimentos e ocuparam o Brasil central, difundindo pratos à ba se de milho. O resultado desse longo processo, de acordo com o professor, foi um mosai co culinário traçado por produtos como milho, mandioca, charque, erva- mate e coco. Com isso, o fluxo de ingredien tes torna-se fundamental para a com preensão dos enraizamentos da cozinha brasileira. Quanto ao futuro, ele ainda está apoiado em um repertório nacional pou co explorado, especialmente na Ama zônia. De acordo com Dória, para que o Brasil se torne, de fato, uma referência gastronômica, é preciso um olhar mais atento ao presente do que à história. De ve-se, portanto, abandonar o conceito de cozinha brasileira baseado em traços étnicos. “O que eu proponho é encarar o desenvolvimento da alimentação co mo um campo de transações globais que nunca termina”, concluiu. • prazeres da mesa
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REVOLUÇÃO DOS SENTIDOS Com teses desafiadoras e preparações para comer e pensar, o chef basco do estrelado restaurante Mugaritz, de Renteria, aguçou a mente – e o paladar – do público do Mesa Tendências POR ROBERTA MALTA FOTOS ANDRÉ PENICHE
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s limites do sabor.” Com esse tema desa fiador, o chef basco Andoní Luis Aduriz, do restaurante Mugaritz, duas estrelas Michelin, agu çou a mente do público do Mesa Ten dências. Sua curiosidade em esmiuçar o assunto surgiu quando um jornalis ta gastronômico classificou a cozinha espanhola de “insossa”. O chef foi ao dicionário e achou os sinônimos: “in sípido; aquilo que não tem sabor; de sinteressante; monótono; tedioso”. A partir dali, Andoní traçou o caminho que passaria a nortear seu trabalho: “Quando você faz o que sente e não se trai, há um sexto sentido que aponta o rumo correto a ser seguido”. Mais: tal pensamento tornou-se a mola propul sora de seu estudo culinário.
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A seguir, o chef basco falou ao pú blico sobre a importância da visão, como um dos cinco sentidos que in fluenciam a percepção de prazer ao se comer algo. E exemplificou, citando o jantar da véspera, no qual Alex Ata la serviu turu à trupe espanhola. O ingrediente desconhecido conquistou o paladar e a aprovação de todos. Só no fim da noite, o chef brasileiro teria aberto um tronco no meio do salão do restaurante, de onde saíram os turus, vermes assemelhados a minhocas. “Se a primeira mensagem tivesse sido visu al, e não de gosto, não teríamos comi do”, ponderou Andoní. “O sabor da maçã está no contato com o paladar”, disse o chef espanhol, reproduzindo a frase do escritor argen tino Jorge Luiz Borges. A metáfora su gere que o sentido do tato nos integra à experiência, uma vez que a fruta sem sabor perde a razão de ser. “Quando falo do insosso, estou reivindicando o tato”, enfatizou, defendendo produtos como a merluza, mais atraentes por sua textura do que pelo sabor. “A ausência de gosto possibilita a percepção de ou tros sentidos”, emendou. Sobre o olfato, denominado por Andoní como “o tato da boca”, o chef queixou-se de que atualmente há mui tos elementos intermediários que nos afastam das experiências olfativas. Ou seja, temos pudor em cheirar pratos ou mesmo em comer com as mãos. Para ilustrar sua teoria, o chef basco apre sentou, dentre outras criações intri
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REQUEIJÃO DE LEITE DE OVELHA E FENO TEMPERADO COM FOLHAS DEFUMADAS DE SAMAMBAIA E ABÓBORA EM CALDA NÃ DOCE
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gantes, bolhas de mel produzidas com o mecanismo de um motorzinho de aquário. A carne de vitela e grissini de aparência carbonizada. E o carpaccio de melancia, servido com exclusivida de aos privilegiados participantes do Jantar do Século (leia a reportagem em Praz er es da Mes a). Neste último prato, a fruta ganhou propositadamente a aparência de carne bovina, numa tentativa de Andoní de mudar a percepção que se tem do pro duto. O grito revolucionário do chef veio logo a seguir: “Por que não usa mos frutas no refogado de alho-poró? Por que não buscamos fazer diferente? Por que não mudamos o mundo?”, de safiou, para em seguida despedir-se. “A fronteira entre Brasil e Espanha se rompeu – e não apenas nestes poucos dias. Nós nos sentimos como irmãos. A partir de agora, estaremos sempre juntos”, disse ao final, emocionando o público, que o aplaudiu efusivamente.
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MIÚDOS DE PEIXES COMO IGUARIAS Marcos Morán, da centenária Casa Gerardo, em Prendes, mostra como fazer uma culinária rica e sem desperdícios
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ma gastronomia sem desper dícios. E, nem por isso, com menos sabor. O conceito do trash cooking, que utiliza partes de pes cados normalmente não aproveitadas, foi um dos destaques da apresentação do chef espanhol Marcos Morán, da cente nária Casa Gerardo, em Prendes – uma estrela no Guia Michelin. Descendente de uma família de cozinheiros e apaixo nado pela cozinha enraizada nos sabores das Astúrias, Marcos vem sendo treinado pelo pai, Pedro Morán, para assumir o co mando do restaurante. O chef provou ser possível fazer um aproveitamento erudito dos miúdos dos peixes, com novos sabo res e texturas. Em outras palavras, o que seria considerado dispensável passa a ser útil como potencializador de sabor. A utilização de miúdos de pescados na cozinha não é uma prática nova, mas seu estudo vem se intensificando nos últimos anos, principalmente com relação ao uso desses ingredientes na alta gastronomia. “Espinha, escamas, cabeça, bochechas, pescoço e bexiga acabam ficando com o peixeiro”, explicou Morán. Para modi ficar essa realidade, é preciso um olhar mais generoso às partes consideradas me nos nobres. Como exemplo, o chef esco lheu os chamados pescados azuis – que apresentam maior porcentagem de gor dura. No preparo do robalo, ele empre gou as bochechas e as tripas do peixe. Do
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bonito, aproveitou o fígado, “que deve ser grelhado como se fosse de pato”, e o san gue do peixe, “para intensificar o sabor”. E perguntou à platéia: “Alguém quer comer o coração do bonito?” Não faltaram vo luntários. O resultado foi aprovado. A gordura presente nos pescados também tem muito sabor e rende óti mos efeitos, “principalmente a parte pe gada à pele”. A das sardinhas, segundo o chef, é um dos melhores exemplos. Com elas, Morán preparou um prato utilizan do café e queijo curado. Como finaliza ção, usou um ponto de espuma de leite queimado. O peixe, escaldado em óleo de girassol aquecido a 60 ºC, ganha sa bor mais intenso e textura leve, a ponto de poder ser degustado com a colher. Nome do prato: sardinhas nos novos horizontes do café. E, dessa forma, além de mais sabor, a simples sardinha ga nhou ares de alta gastronomia.
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MISCIGENAÇÃO DE TEMPEROS O hibridismo da população baiana foi crucial no DNA da culinária desse Estado nordestino, ao misturar aromas e sabores do Velho Continente e da mamma África
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inguém melhor do que a in cansável dupla baiana Beto Pimentel e Tereza Paim para levar os sabores e o axé da Boa Terra para o público gourmet. A palestra da dupla foi uma das mais aplaudidas e deixou aquele gostinho de quero mais. Os respectivos chefs dos restaurantes Paraíso Tropical, em Salvador, e Terreiro Bahia, na Praia do Forte, surpreenderam a platéia logo na abertura, oferecendo frascos de dendê e fi tas do Senhor do Bonfim. A dublê de chef e agitadora gastro nômica destacou o apelo cultural que a comida regional representa para o povo baiano. De acordo com ela, as influências religiosas do candomblé, por exemplo, de monstradas por meio de temperos e cores típicos da mamma África, dão o tom da culinária local. A chef acredita que o hi bridismo da população, que inclui a forte presença dos colonizadores portugueses, que, à época do descobrimento, desem barcaram no país pela Bahia, juntamente com judeus e africanos, foi determinante na formação da etnia miscigenada, pre sente naquele Estado brasileiro, acentu ando a predileção do baiano por misturar à mesa aromas e sabores. Beto Pimentel relatou a seguir que to do ritual de purificação tem na comida um de seus principais itens. E mais: que cada santo tem seu próprio prato e restrições alimentares. Sem contar, ainda, a influ ência européia presente nas 365 igrejas católicas de Salvador, que se mistura à tra dição dos orixás. “Prova disso é que no dia
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de São Lázaro, se benze com pipoca e no de São Cosme e Damião, com caru ru – receita típica do candomblé, que é servida nas ruas em clima de festa”, diz Pimentel. “Para nós, o ponto de cocção é o cheiro”, completou Tereza Paim, de monstrando a ligação instintiva do bai ano com a culinária. A chef aproveitou a assistência e a grande exposição do evento para fazer uma denúncia: “A Petrobrás instalou uma indústria de biodiesel na melhor área para o plantio do dendê. A empre sa está comprando as terras de pequenos produtores para fazer o combustível. Isso está gerando naquela região um problema social gravíssimo: o alcoolismo entre os pequenos produtores que, em troca de al guns trocados, acabam abandonando suas terras e perdendo seu sustento”, protes tou. “Não se produz energia alternativa em um lugar em que se produzem alimen tos!”, reiterou Tereza. Hoje, a Malásia lidera o mercado mundial de dendê. No Brasil, o Pará é nosso maior produtor. “O dendezeiro da Bahia produz muito pouco, porque não tem processo de manejo. Mas temos o melhor terroir do mundo para is so”, defendeu Tereza. Beto Pimentel fez coro com a chef, e, ao encerrar os trabalhos, recordou os tempos em que morava na Pauli céia: “Enquanto Gilberto Gil diz que a Bahia deu a ele régua e compasso, eu digo que São Paulo me deu a bússola, a direção”, poetizou o bem-humorado chef baiano. •
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UM CERTO “CHEF-PESCADOR” O cozinheiro do restaurante espanhol Aponiente declarou seu amor ao mar e defendeu uma linha de trabalho que resgata os peixes de descarte e sem valor comercial
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urante a meninice, o progra ma predileto de Angel León, do restaurante espanhol Apo niente, em Puerto Sta. Maria, era sair para pescar com o pai. O hobby despertou no garoto a paixão pelo mar e pelas diferentes espécies de pescado. No palco do Mesa Tendências, o “chefpescador” relatou um pouco de suas vi agens e como utiliza determinados peixes e frutos do mar, por vezes desprezados, em receitas inven tivas e cheias de sa bor, e nas quais até o caroço da azeitona tem um papel, vital, a desempenhar. Para fazer o público navegar (literal mente) nesse oceano de sensações, o chef levou um vídeo sobre uma de suas saídas a bordo de seu barco. O roteiro começa cedo: a tripulação parte rumo ao mar às 3h30 da madrugada, e só às 6, quando o sol surge no horizonte, ele lança a primei ra rede. Nessa leva inicial, há de tudo, mas a atenção do cozinheiro concentra-se nos peixes de descarte, sem valor comercial. “Em minha cozinha, busco privilegiar esse tipo de pescado, pouquíssimo conhecido e
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menos valorizado. O marinheiro o devolve ao mar, pois com ele não poderá sustentar sua família”, diz. Angel León, porém, não esmoreceu diante da dificuldade e acabou encontrando uma maneira de conseguir trabalhar com esses ingredientes: fez um acordo com alguns barcos de sua cidade e, hoje, recebe os produtos regularmente e sempre frescos. León demonstrou ao público, em sua palestra, como elabora uma massa homo gênea com vários tipos de peixe e alginato de alga. A mistura parece virar um só in grediente, como num passe de mágica. Pa ra conferir aroma de azeite ao prato, uma novidade inusitada: em vez de usar carvão para assar o alimento, o cozinheiro lançou mão de caroços de azeitona. “É uma técni ca simples, que traduz o que defendemos, já q ue buscamos ver as coisas de um ponto de vista diferente”, afirmou. Com a tranqüilidade de quem está em perfeita harmonia com a natureza, León demonstrou ainda, com uma fra se contemplativa, sua devoç ão à causa dos peixes menosprezados pelas “leis de mercado” e pelos cozin heiros e consumi dores: “Meu melhor mestre é o mar. Eu gostaria de ser uma gaivota, mas a mu taç ão está ainda distante e sou simples mente um homem”, finalizou o chef-pes cador, c om alma de poet a. •
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PRODUTOS DA ANDALUZIA Em livro luxuoso, 30 chefs de várias partes do mundo, incluindo o brasileiro Alex Atala, interpretam receitas com ingredientes andaluzes
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m liv ro de culinária com sa bor andaluz. Azeite de oliva, vin hos, queijos, frutas secas, azeitonas e mais uma infinidade de pro dutos que instigam o paladar formam a lista de ing redientes de receitas inédi tas, assinadas por chefs internacionais. O resultado está no liv ro Más que Tapas – Los Grand es Int ern ac ion ales int erp re ten And aluc ia, publicado em espan hol e em inglês, que foi lanç ado no Brasil du rante o Mesa Tendências, pela Extenda, a Agência Andaluza de Promoç ão Exte rior. Participam do projeto 30 chefs, que somam nada menos que 43 estrelas no Michelin. O prefácio é assinado pelo ca talão Ferran Adrià. “É um instrumento sem precedentes na literat ura gastronô mica, uma fusão perfeita entre o mel hor da gastronomia mundial e o mel hor de nossa oferta agroalimentar”, afirmou Teresa Sáez, diretora-geral da Extenda.
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Teresa lembrou que o Brasil é o seg undo maior destino para os produtos anda luzes na América Latina, uma relaç ão que vem se fortalecendo a cada ano. “O volume de exportaç ões agroalimentares andaluzas para o mercado brasileiro do brou entre 2003 e 2007”, comemorou. Onze países estão representados no liv ro: Argentina, Chile, Japão, China, Aleman ha, Reino Unido, Franç a, Bél gica, Estados Unidos, México e Brasil, por Alex Atala. “Quando você tem a possibilidade de estar em um liv ro acompan hado de grandes pessoa s, você eterniza sua obra e mel hora sua auto-es tima, e talvez a do seu país”, disse o chef do D.O.M., que criou para o projeto um prato que combina os sabores exóticos da Amazônia e os produtos andaluzes: queijo de castan has-do-pará com sopa de vin ho oloroso de Córdoba e uvaspassas de Málaga. •
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O ARTISTA DO DOCE A paixão pelo açúcar está no sangue de Christian Escribà. O chef catalão representa a quarta geração de uma dinastia de confeiteiros. O pai, Antoni Escribà, é considerado um mago do chocolate. O avô, o francês Etienne Tholoniat, foi outra grande referência no mundo do açúcar
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hristian Escribà tomou para si a missão de romper com todos os padrões do que se conhece por confeitaria. E criou verdadeiros espetáculos açucarados, com idéias que transcendem o sabor. “Não só fazemos bolos, criamos ilusões”, diz o lema da Confeitaria Escribà, fundada em 1820, em Barcelona. Nessa onda, ele já vestiu noivas com doces, pintou murais com paisagens de açú-
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car, ergueu coberturas de bolos com balões de gás. “O doce vira tecido, presente, o que você imaginar”, provoca. O espírito revolucionário do chef veio à tona logo no início da apresentação. Ele entra com um bolo enorme, decorado de glacê azul e verde, e diz que tem uma surpresa para o auditório. Mas, antes, exibe à platéia um vídeo em que tortas e doces explodem. Entre o público, fica a pergunta:
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o que vai acontecer com o bolo do palco? Escribà sabe que já gerou suspense. E diz: “Mudei de idéia, depois eu faço isso”. O público prende o fôlego e assiste, atento, às explicações do confeiteiro, que trouxe, como assistente, seu filho, a quinta gera ção de uma saga dedicada ao açúcar. Autor de bolos gigantescos, Christi an afirma que, na confeitaria, tamanho é o que menos importa. Ele lança uma questão: por que dar de presente 1 quilo de bombons, quando se pode impressio nar com apenas um? Foi assim que sur giu a idéia de desenvolver uma confeita ria voltada ao mercado de presentes. Ele mostrou um exemplo à platéia: um mi crobolo colorido, em forma de anel, com direito a velinha. “É só soprar e fazer um pedido.” Impossível não se deixar surpre ender pela idéia. Há também sapatos de chocolate, jóias de caramelo, objetos de decoração confeccionados de cristal de açúcar e mais um mundo de “regalos”.
Em vídeo, Escribà também mostrou que o serviço é parte fundamental desse tra balho: exibiu trechos de performances encenadas por atores e, o mais emocio nante, a reação dos convidados em bo das e festas, diante dos doces-surpresa. “Somos transmissores de sentimentos, é preciso chegar a um final feliz.” Mas para sustentar criações tão inu sitadas, é fundamental contar com prá tica apuradíssima. “O inimigo número 1 do chocolate é o calor. O do caramelo, a umidade.” E driblar as adversidades é tarefa simples para Escribà, para quem técnica, arte e emoção caminham lado a lado. Ao fim da apresentação, ele retoma a surpresa para o público, o bolo gigante. Música de suspense. Há quem tampe os ouvidos. Não, o bolo não explode, tratase de uma pegadinha. Mas todos ali en tendem que a grande surpresa já havia acontecido: conhecer a explosão de geni alidade impressa no trabalho de Escribà.
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SUCESSO FORJADO À FACA O mais festejado chef do país destacou a hierarquia e a disciplina na cozinha, revalorizou os ingredientes brasileiros e compartilhou com a platéia o lado menos glamouroso da profissão POR ROBERTA MALTA FOTOS ANTÓNIO RODRIGUES
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o último dia do Mesa Tendências, com o auditório totalmente tomado por chefs ta rimbados, estudantes de gastronomia, cozi nheiros iniciantes e imprensa – o chef Alex Atala, do restaurante D.O.M., de São Paulo, SP, foi logo ao pon to: a busca do sucesso e da fama na profissão. “Muitos fa zem, poucos recebem luzes”, disse. Para ele, limpar bem uma cozinha e desfolhar um molho de salsinha com as mãos não é preciosismo, mas uma disciplina fundamen tal e hierárquica. “Sem uma grande base, não há uma grande construção”, ensinou. Sobre o pretenso glamour que envolve nos dias de hoje a profissão, foi categórico: “Chefs são forjados como uma faca: à pancada, fogo e água”, desmistificou. Interrompeu os aplausos, comentando que, ao con trário do que vivenciou em sua carreira, na qual a in tensa competição e a intriga por vezes se tornaram im perativas, o Jantar do Século, do qual participou ao lado de Adrià, Arzak & cia. – estreladíssima, diga-se –, foi para ele uma verdadeira lição de vida. “Éramos 15 co zinheiros trabalhando juntos, com o mesmo objetivo”,
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contou, elogiando a atitude generosa “desses homens que colocam sua missão, seu país, sua bandeira acima de qualquer coisa”. Ao polêmico confronto que Santi Santamaria declarou a Ferran Adrià, o chef paulista no alfinetou o primeiro: “Pode uma pessoa estar certa e o mundo errado?”, questionou, afirmando sem citar nomes que “os reacionários não tirem só espumas e produtos químicos de sua vida – mas também os tele fones celulares”. Ânimos e emoções controlados, voltou à gastro nomia brasileira, convocando os profissionais de co zinha a reacender a chama em favor dos ingredientes de nossa terra, ainda pouco conhecidos do grande público. “Em 1994, não conseguia vender shiitake, cordeiro, magret de prato – isso tudo hoje é lugarcomum”, destacou, demonstrando a evolução do pa ladar do consumidor brasileiro. “Em pouco tempo, estaremos comendo turu, priprioca e jambu com a mesma naturalidade”, profetizou, emocionando-se e ao público, que o ovacionou uma vez mais.
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Não sem razão, a defesa e a valorização q ue vem fazendo dos produtos brasileiros lá fora, conferem hoje a Atala – de fato e de direito – o título de embaixador da gastronomia brasileira. A referência re quer uma série de qualificações, e o chef paulista provou estar totalmente prepara do para a merecida honraria, ao chamar a atenção da profissão de cozinheiro co mo fator de inclusão social. Para ilustrar sua tese citou seu atual subchefe, o baiano Geovane Carneiro, que começou na co zinha como lavador de pratos. “No início do ano 2000, ele pediu demissão porque acreditava que o mundo iria acabar e ele queria morrer ao lado da mãe”, relatou. De volta tempos depois, Geovane seria reintegrado à equipe de cozinha e galga ria posto a posto até se tornar o primeiro subchefe de Atala. “No jantar que prepa ramos no D.O.M. para os chefs espanhóis, Geovane cozinhou com a serenidade que me faltava”, elogiou. Entre filosofias e receitas que enchiam os olhos do público, como a de um ri soto líquido e um pudim com priprioca, Atala encerrou os trabalhos, com uma outra lição preciosa: “Sejam exigentes com chefs, garçons, restaurantes e, prin cipalmente, com vocês. É muito simples cozinhar”, afirmou no final. •
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O MITO DESCONSTRÓI SEUS MITOS Considerado por muitos como o melhor chef da atualidade, Ferran Adrià encantou o público e mostrou que é muito mais do que apenas um profissional tecnológico
POR LUCIANA LANCELLOTTI FOTOS ANTÓNIO RODRIGUES E ANDRÉ PENICHE
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oi a palestra mais aguardada do evento. Com auditório completamente tomado pelo público, Ferran Adrià subiu ao palco para encerrar o Mesa Tendências. Falou por 1h30. Durante toda a apresentação, era claro o desejo de fazer a platéia se aproximar de seu trabalho. Para isso, ele utilizou diversos vídeos. O primeiro foi uma viagem ao El Bulli: com imagens em preto-e-branco, aparece a cozinha do restaurante, na região da Catalunha. Nada de trilha sonora, apenas o burburinho do ambiente. Vê-se uma equipe trabalhando em perfeita cooperação. Cada prato recebe a atenção de vários cozinheiros, do preparo à finalização. Adrià prova e aprova cada um deles. Dali saem espumas, texturas, flores delicadas, formas inusitadas. Silêncio. Aplausos. E Ferran derruba o primeiro mito: “Vocês podem ver que é a cozinha mais artesanal do mundo: são 45 cozinheiros para 50 comensais. E a equipe só utiliza as mãos”.
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Logo em seguida, ele exibe outro fil me, intitulado Uma Comida Inesquecível. Tendo os Beatles como trilha, um casal, sentado à mesa do El Bulli, começa a ser servido. A dupla se olha com cumplici dade. E têm início as reações: risos in contidos, olhos que se reviram, sustos, incredulidade, diversão. Uma seqüência de emoções meticulosamente planejada por Adrià. A essa altura, a platéia já es tá completamente envolvida com o ca sal – todos desejam estar àquela mesa. Mais aplausos. Ele arremata: “El Bulli é paixão. A gastronomia, para mim, é feita com a cabeça e com a alma”. E dispara: “A cozinha criativa precisa ser tratada com respeito e concentração”. O chef mais aclamado do mundo comentou a linguagem que define suas técnicas, o alfabeto que ele criou. Mas deixou claro que seu trabalho vai muito
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além das denominações dos procedimentos vanguardistas. Tudo é emoção, já que “na vida, é preciso ter provocações”. Começou, então, a demonstrar vários processos, como a esferificação, criada para reter líquidos com sabores diversos, em esferas tênues que explodem ao toque. Ele também apresentou a esferificação inversa, em que um líquido com cálcio é submergido em um banho de alginato. E admitiu: “Existem quatro tipos de esferificação. Para os entender, precisamos de dois dias, porque é um assunto muito complexo”. Sim, é ciência pura. Mas Adrià lembrou que a ciência está em tudo, até mesmo na paella e no churrasco. Foi quando derrubou o maior mito de todos: “Eu uso a ciência e dizem que faço gastronomia molecular. Eu nunca utilizei esse termo ”. Nem todas as técnicas são ultramodernas.
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O chef catalão, mais uma vez, desmiti ficou seu trabalho: “Comenta-se que só utilizo a alta tecnologia em meus pratos, mas uso bastante o sifão e o microon das, ambos inventados há muitos anos”. E, valendo-se dos dois equipamentos, ele preparou um pão-de-ló de gergelim ne gro e miso, “o bolo mais leve do mundo”, que tem a textura de uma esponja. Voltam os vídeos: na primeira técni ca, morangos são mimetizados com base numa gelatina feita com o próprio suco da fruta. O líquido é enformado, em um processo semelhante ao dos bombons e a finalização ganha sorbet de morango. O resultado é surpreendentemente na tural. Em seguida, ele apresenta a últi ma novidade do El Bulli – a série criada pelo irmão Albert Adrià, que ganhou o nome de Natura, com sobremesas ins piradas nas cores e nos sabores da na tureza. Folhas secas, terra, flores, frutas e sementes reproduzem paisagens com um realismo impressionante, apoiado em tons pastel, cores intensas e formas harmonios as. A platéia fica extasiad a diante de tanta beleza. Adrià deixou claro que seus métodos, formadores do que conhecemos hoje por cozinha de vanguarda, ou tecnoemocio nal, são um capítulo no desenvolvimen to da gastronomia. “Se eu não observar meu passado, não consigo ir para a fren te.” Ele recordou o início da década de 1990, um momento em que sua proposta ainda era incompreendida. “Foram anos difíceis, mas continuamos acreditando em nosso trabalho.” E, do alto de sua ge nialidade, deixou uma mensagem para os jovens. “Vocês não precisam correr. As coisas acontecem pouco a pouco. É pre ciso digeri-las. Quando o sucesso chegar, vocês estarão prontos.” E ele foi ovacionado.
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FÉRTIL TERROIR DE IDÉIAS E MEMÓRIAS A chef gaúcha do restaurante Maní, de São Paulo, SP, cativou o público com sua filosofia de trabalho e preparações originais e instigantes
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emoç ão e o f rio n a barr ig a confess os de Helen a Rizz o, do rest aur ante Maní, SP, ao subir ao palc o do Mes a Tendênci as em nad a comprometeu o des emp e nho dess a chef – comprovad amente u ma est rel a em asc ens ão no cen ár io d a gast ronom ia paulist a e brasileir a. Particul armente comov id a c om a pre senç a n a primeir a fil a do aud itór io do Sen ac-SP de Joa n Roc a, do El Celler de C an Roc a, s eu mest re e inspir ador, e la declarou: “A Espan ha me abriu no vos hor iz ontes e u ma aquarel a de cores e sab ores”, afirmou mir ando s eu ídolo. Além dess as inf luência s, a chef enfa tiz ou que seu trab al ho é permeado de lembranç as, preferência s ou mesmo de
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s ua labut a diá r ia. “Cavo sab ores que aparec em num cen ár io ou determ in a do clim a. Chamo iss o de terroir d a me mór ia”, cun hou em tom recit ativo. Ao públic o, Helen a apres entou u ma releit ur a d a famos a sal ad a Wal dorf, prato q ue sab oreava n a cas a dos avós, quando era cria nç a. A chef justi fic ou s ua esc ol ha: “Ess es ing red ientes faz em parte d a min ha infância”, con tou defendendo a brasilid ade d a rec ei ta, em que pes e seu sobrenome alem ão: “Est a n ão é u ma com id a típic a do nos so paí s, m as como faz parte d a min ha vid a n ão consigo enxerg á-la de out ra form a”. Na vers ão de Helen a, a m açã e o aip o aparec em num aspic e a s noz es, car ameliz ad as, ass emel ham-se àqueles
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ped acin hos de coc o fresc o, vend idos em port a de cinem a. Levez a e simplicid ade tamb ém de ram o tom a sua palest ra. Todo o tem po, a chef fal ava baixo e sorr ia, cati vando o públic o pres ente. Até mesmo quando ela s e atrapal hou c om a cen tríf uga e arr isc ou conc eit ua r s eu estilo de trab al ho. “Hoje, interess a-me pas sea r liv remente p or idéia s e filos of ia s. Não acred ito em verd ades pront as. O imp ort ante é est ar n a vid a acompa nhando a s mod if ic aç ões do mundo, d a nat urez a”, filos ofou. Enquanto a m açã vir ava cons omê, a chef gaúcha leu par a a platéia O Ato Cria d or, texto do célebre artist a plás
tic o franc ês Michel Duchamp, cujo mote enfatiz a “a nec essid ade de o ar tist a ser imprecis o em rel aç ão aos ca min hos esc ol hidos, em prol d a lib er dade e fluência d a criaç ão”. Seg undo Helen a Rizz o, t al pens amento foi de term in ante ao conc eb er s eu estilo de cozin ha. “Gosto de partir de u ma téc nic a, u m princípio, s em sab er onde vai term in ar”, diss e ela, que arreb atou o s olhares e a aprovaç ão de Ferr an Adrià e Jua n Mar i Arz ak. A chef fin aliz ou s ua apres ent aç ão, salpic ando alg um as ervas arom átic as e brotos em u ma sa lad a estiliz ad a. E c om o mesmo fresc or e graç a de s ua criaç ão, deixou o palc o muito aplaud id a. •
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