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Rede2020 NESTA EDIÇÃO

GESTÃO • ESTRATÉGIA • MARKETING V O L U M E

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Abertura

♦Educação em empreendedorismo em Portugal ♦European Council for Small Business and Entrepreneurship ♦Calçado descalça a bota ♦Revistas ♦Valorizar o empreendedor ♦Empreendedorismo em revista

O tema em destaque neste número da Rede2020 é o empreendedorismo. Trata-se, aliás, de um tema relevante que já mereceu a nossa atenção em números passados e que no futuro continuará a ter o devido destaque nestas páginas. Além das rubricas habituais da Rede2020 — comunidades e revistas — terem sido dedicadas ao tema, o leitor poderá ler três peças que, de uma forma ou outra, também se relacionam com o empreendedorismo. No primeiro artigo, Dana T. Redford apresenta o estudo que vem conduzindo sobre o estado da educação em empreendedorismo em Portugal. Na rubrica empresas, retratam-se empresas de calçado que na sua história demonstraram possuir capacidades empreen-

Auto-Retrato num Grupo Almada Negreiros La chambre de Van Gogh à Arles 1925 Vincent van Gogh 1889

dedoras adequadas para vencer os desafios difíceis que se colocaram nos seus percursos. Finalmente, no último dos três artigos referidos, Elisabete

Sá conta a sua experiência pessoal de empreendedora e gestora à frente da empresa Bragacom.

Empreendedorismo e pequenos negócios A RENT XX — Research in Entrepreneurship and Small Business, conferência organizada pelo European Institute for Advanced Studies in Management (EIASM) e European Council for Small Business and Entrepreneurship (ECSBE, ver página 3) terá lugar em Bruxelas, entre 23 e 24 de Novembro próximo. De acordo com a organização,

foram submetidos 255 artigos, mas a primeira lista dos artigos aceites identificava apenas 139. A conferência deste ano, subordinada ao tema “Entrepreneurship: a driver for sustainable growth in a global and knowledge-based environment”, é presidida por Eddy Laveren (Universiteit Antwerpen, Bélgica) e Hans Crijns (Vlerick

Leuven Gent Management School, Bélgica). A Rede2020 terá enviados especiais ao local. EIASM

www.eiasm.org


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ANÁLISE

Educação em empreendedorismo em Portugal A educação em empreendedorismo constitui uma temática relativamente recente no currículo das instituições de ensino superior em Portugal sendo que 41% das disciplinas foram pela primeira vez leccionadas em 2003 ou 2004. A recente consciencialização para a importância da educação em empreendedorismo revela-se, simultaneamente, reactiva, face às necessidades do mercado, mas também pró-activa, atendendo aos interesses dos professores. À medida que o fenómeno da educação em empreendedorismo se tem vindo a desenvolver, tem-se assistido a uma necessidade crescente para uma melhor compreensão desta área de estudo, através de investigação científica. A pedagogia, os conteúdos das disciplinas, o uso de tecnologia, entre outras iniciativas relacionadas com a educação em empreendedorismo constituem o foco primordial do meu artigo, recentemente publicado, intitulado “Entrepreneurship Education in Portugal: 2004/2005 National Survey” in Comportamento Organizacional e Gestão (COG), vol. 12, nº 1, no número especial “New Challenges in Entrepreneurship”. O “Empreendedorismo” representa um conjunto de competências (mindset) e aptidões (skills) que os indivíduos utilizam para criar valor para si próprios e para a sociedade. Para mim, a educação em empreendedorismo pode assumir, pelo menos, três papéis legítimos no desenvolvimento de uma sociedade empreendedora. Primeiro, além de um suporte geral para o conjunto de competências (mindset) e para o tipo de criatividade aplicados à iniciativa empreendedora, representa a possibilidade de uma escolha profissional. Segundo, pode ajudar os estudantes a desenvolver as suas aptidões (skills) técnicas e empresariais, necessárias a uma carreira empreendedora bem sucedida. Em terceiro, acredito vivamente que os educadores necessitam de assumir a responsabilidade de avançar com o conhecimento associado ao fenómeno empreendedor. Os resultados das suas investigações deveriam ser, não só disseminadas para os estudantes mas também para os decisores políticos e para o público, em geral. Verificam-se duas vagas distintas no que concerne a educação do empreendedorismo em Portugal. Uma já chegou até nós e é a principal descoberta da minha investigação. Poucas pessoas sabem que existem já 27 disciplinas. A minha pesquisa abrange 22 dessas disciplinas e 17 diferentes instituições de ensino superior de norte a sul do país. A segunda vaga, que está a chegar, corresponde ao desenvolvimento de centros de empreendedorismo. A maioria dos professores inquiridos (76,5%) indicou que a sua

universidade tem intenção de criar um centro de empreendedorismo/inovação. Contudo, acredita-se que os papéis e as actividades que estão inerentes a um funcionamento eficaz destes “centros” não se encontram, ainda, bem definidos no contexto Português. Para o efeito, estou neste momento, a colaborar com a Universidade dos Açores e a ISCTE Business School, no sentido de transferir para Portugal algum do conhecimento dos centros de empreendedorismo Americanos, tais como o Lester Center, em Berkeley. Existem muitas organizações empenhadas em transferir o conhecimento de países que possuem sólidas tradições na educação em empreendedorismo para Portugal. Organizações como a Fundação Luso-Americana, COTEC e a PortugueseAmerican Postgraduate Society (PAPS), e são apenas algumas as que me ocorrem, estão a tentar fazer algo nesta área que contribua e sustente o desenvolvimento de Portugal. À semelhança dos Estados Unidos, os métodos pedagógicos utilizados pelos professores portugueses assentam, sobretudo, no ensino teórico e no desenvolvimento de planos de negócios, raramente utilizando simulações de negócios em suporte informático, role-playing ou estágios. Em Portugal, o uso crescente da Internet enquanto método para a disseminação de informação pelos estudantes e empreendedores pode contribuir para o desenvolvimento do “mercado” da educação em empreendedorismo, assim como para a melhoria da percepção dos estudantes que ainda não frequentam os cursos de empreendedorismo. Tal como esperado, todas as disciplinas em Portugal abordam as áreas “identificação de oportunidades” e “avaliação de oportunidades”. Assuntos como “controlo e prevenção de falências” e “competências em relações interculturais” são raramente abordados nas disciplinas leccionadas. No entanto, considero que num país em que “falhar” é raramente aceite como uma experiência de aprendizagem positiva, o ensino de áreas como “controlo e prevenção de falências” poderia contribuir para mudar esta ideia de que correr riscos e falhar são estigmas para o indivíduo

Dana T. Redford é Principal da Redford Research International, uma empresa de pesquisa de Mercado e internacionalização sedeada em Lisboa e Nova York. É investigador de doutoramento no ISCTE e Visiting Scholar da University of California at Berkeley (EUA), onde estuda educação, política e infraestruturas de fomento do empreendedorismo na União Europeia e em Portugal.

Dana T. Redford Redford Research International e ISCTE Business School

“Verificam-se duas vagas distintas no que concerne a educação do empreendedorismo em Portugal. Uma já chegou até nós e é a principal descoberta da minha investigação. A segunda vaga, que está a chegar, corresponde ao desenvolvimento de centros de empreendedorismo”


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COMUNIDADES

European Council for Small Business and Entrepreneurship “The European Council for Small Business and Entrepreneurship (ECSB) is a non-profit organization whose main objective is to advance the understanding of entrepreneurship and to improve the competitiveness of SMEs in Europe. ECSB facilitates the creation and distribution of new knowledge through research, education and the open exchange of ideas between professions and across national and cultural boarders. ECSB organises for its members high-quality conferences, such as the RENT conference in co-operation with EIASM, in order to facilitate and enhance the exchange of knowledge within the ECSB membership. The exchange and creation of knowledge is also possible at the internet platform. Another important field of activity of ECSB is cooperation with various governmental institutions interested in improving the understanding and development of small businesses and entrepreneurship in general. ECSB offers several benefits for its members: The Journal of Small Business Management (four issues annually); The ICSB Bulletin, which carries information about member activities, interest group issues, conference programmes, and organisational developments from around the world; The ECSB Newsletter, which contains information regarding research, education and other activities in

Europe; Access to International Conferences at reduced registration fees, for example the ICSB World Conference, RENT Conference, etc.; Access to knowledge of small business and entrepreneurship experts all over the Europe through the internet platform (www.ecsb.org). The internet platform also enables the development of joint projects within the membership.; Other small business journals (e.g. International Small Business Journal) at reduced rates; Participation in the European Doctoral Programme on Entrepreneurship and Small Business Management.”

European Council for Small Business and Entrepreneurship

www.ecsb.org

Logótipo da European Council for Small Business and Entrepreneurship

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EMPRESAS

Calçado descalça a bota Quando no fim do século XIX, o senhor Bata começou a produzir sapatos na pequena vila de Zlin, na actual República Checa, estava longe de imaginar os tempos turbulentos que a sua empresa iria viver. Logo em 1918, após a desagregação do império austro-húngaro, foi-lhe negada a hipótese de abrir lojas na Hungria e Áustria. Confrontada com barreiras à concentração industrial e medidas proteccionistas de vários países, após a I Grande Guerra a empresa tinha reduzido a sua produção em mais de um terço. Já na década de 30, antes que a ameaça Nazi se transformasse num feito consumado, Thomas Bata, filho do fundador, transfere o centro de operações da empresa de Zlin para o Canadá. Para o novo centro de operações "tão longe quanto possível da Europa", envia máquinas e algumas centenas de gestores, operários e suas famílias. Como se não bastasse a destruição imposta pela II Guerra Mundial, com a paz de 1945 veio também a expropriação de bens decretada pelo novo poder da Europa do Leste. Apesar de tudo, a Bata é hoje uma das maiores empresas de calçado do mundo com uma produção anual de aproximadamente 300 milhões de pares de sapatos repartida por 40 fábricas em 26 países. A sua presença no retalho traduz-se em 4600 lojas distribuídas por mais de 50 países. Se pensarmos que Portugal, também um grande produtor, produz menos de 100 milhões de pares por ano, ficamos com uma ideia da dimensão da Bata.

Sapatos em saldo A Bata é tão só um dos nomes que nos últimos anos perceberam as oportunidades disponíveis no retalho de calçado em Portugal. Contudo, da mesma maneira que a sua

história prima por ser única, também a sua presença no retalho português não pode ser considerada como representativa da realidade do sector. Ao contrário de outros países, a estrutura de retalho de calçado em Portugal continua a ser dominada por pequenos retalhistas independentes, raramente associados a marcas da dimensão da Bata. Na maior parte dos casos, tratam-se de lojas únicas. Noutros casos, mais raros, são lojas integradas em pequenas redes de propriedade familiar que estão longe de equacionar as virtudes duma estratégia de marca. Apesar do sector não ter sido varrido de forma tão intensa pela entrada de concorrentes estrangeiros como aconteceu, por exemplo, no vestuário com as omnipresentes cadeias de distribuição espanholas, nem por isso a concorrência deixa de ser intensa. Por exemplo, no NorteShopping "além de 13 sapatarias há para aí 80 lojas de roupa a vender sapatos, não há quase loja nenhuma de roupa que não tenha sapatos", diz-nos um empresário do sector. Mas não são só as cadeias de vestuário a vender calçado. É também conhecida a tendência de grandes distribuidores procurarem aumentar continuamente os seus volumes de vendas através da diversificação de produtos ou a introdução de novos formatos de distribuição.

Industriais viram comerciantes No sector, Portugal continua a ser reconhecido a nível internacional sobretudo como um país produtor e abastecedor de calçado em pele, predominantemente de homem, para distribuidores europeus como as inglesas Marks & Spencer, Clarks e Kickers, a dinamarquesa Ecco, as alemãs Gabor (Continua na página 5)

Vasco Eiriz Universidade do Minho


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EMPRESAS (Continuação da página 4)

e Rohde, a francesa Mephisto ou a americana Rockport. Talvez isso explique porque, com raras excepções como a Campeão Português, os industriais portugueses tenham sempre privilegiado grandes clientes em detrimento de se aventurarem no mercado doméstico. Ou seja, entre produzir diariamente milhares de pares para um único comprador externo ou vender algumas centenas em Portugal a outros tantos clientes, a escolha no passado foi sempre pela primeira opção. Hoje, as coisas evoluíram e há já vários industriais que desafiam a convicção de muitos dos seus colegas. Esses empresários deixaram de tratar o mercado doméstico como residual ou para escoamento de sobras e segundas escolhas. É que afinal de contas, por paradoxal que pareça, as estatísticas mostram que mais de 30 por cento do consumo doméstico provém de fornecedores externos, particularmente da Ásia, mas também de concorrentes produtores como Espanha, Itália e cada vez mais Europa de Leste.

representação da marca Aerosoles para a Europa e outros mercados fora dos EUA, a empresa dá um passo de gigante que irá marcar para sempre o seu futuro, ainda que só a partir de 1999 o acordo comece a ter efeitos mais visíveis com a abertura de algumas lojas em Portugal. A marca Aerosoles possui actualmente mais de 90 lojas e projectos de expansão ambiciosos que envolvem a distribuição em vários países e a internacionalização da produção. Posicionada no segmento do calçado de conforto, a Aerosoles representa a modernidade do sector de calçado português. Tenha ela e demais empresas portuguesas do sector a mesma capacidade empreendedora que a Bata e outros demonstraram há já mais de um século.

Em 1992, ao negociar o exclusivo da

“Entre produzir diariamente milhares de pares para um único

Vasco Eiriz é Professor Auxiliar do Departamento de Gestão, Escola de Economia e Gestão, da Universidade do Minho. É editor da Rede2020 e do blogue Empreender. O empreendedorismo é um dos seus tópicos de interesse de investigação e docência, tendo sido responsável pela criação da disciplina de Empreendedorismo na Universidade do Minho.

comprador externo ou vender algumas centenas em Portugal a outros tantos clientes, a

Internacionalização A julgar pelos projectos com maior visibilidade, o exemplo mais arrojado entre os produtores portugueses é o do grupo Aerosoles, no qual se agregam várias empresas industriais e comerciais localizadas na zona de Ovar, a sul do Porto. À semelhança de muitas outras empresas portuguesas, a origem do grupo começa por ser exclusivamente industrial e remonta a 1987, a década dourada do calçado português. Durante os primeiros anos a produção teve como principal destino um cliente norte-americano, Aerosoles, também ele uma empresa de formação relativamente recente.

Imagem obtida em www.aerosoles.com

escolha no passado foi sempre pela primeira opção”

Imagem obtida em www.batashoemuseum.ca


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REVISTAS ENTREPRENEURSHIP THEORY AND PRACTICE

Entrepreneurship Theory and Practice (ET&P) is a leading scholarly journal in the field of entrepreneurship studies. The journal's mission is to publish original papers which contribute to the advancement of the field of entrepreneurship. ET&P publishes conceptual and empirical articles of interest to scholars, consultants, and public policy makers. Most issues also feature a teaching case. Article topics include, but are not limited to: National and International Studies of Enterprise Creation; Small Business Management; FamilyOwned Businesses; Minority Issues in Small Business and Entrepreneurship; New Venture Creation; Research Methods; Venture Financing; Corporate and Non-Profit Entrepreneurship.

INTERNATIONAL ENTREPRENEURSHIP AND MANAGEMENT JOURNAL

Potential manuscript topics include but are not limited to the following: Entrepreneurship and its relation to management and strategy, International studies on the creation of new enterprises, New venture creations, creative business ideas and the financing of new firms, Entrepreneurship in SMEs and large companies, Interfaces between entrepreneurship and technological innovation issues, Capital firm ventures, Intrapreneurship and corporate venturing, Knowledge, learning, and skills for entrepreneurs and SMEs, Entrepreneurship in the non-profit sector, Franchising , Family-owned businesses, Entrepreneurship and minority groups (female, rural, ethnic...), Marketing vs. entrepreneurship, New business incubators, Networks in entrepreneurship, On-line entrepreneurs - Information technologies, The impact of public policy on entrepreneurial ventures, Interdisciplinary approaches to the study of entrepreneurship and cultural evolution, Comparisons between models for international entrepreneurs in the US/UK/EU/Japan/ Australia/LEDCs, Research methods, Links between entrepreneurship and consultancy, Entrepreneurship and sustainable development.

ENTREPRENEURSHIP AND REGIONAL DEVELOPMENT

Entrepreneurship and Regional Development is unique in that it addresses the central factors in economic development - entrepreneurial vitality and innovation - as local and regional phenomena. It provides a multi-disciplinary forum for researchers and practitioners in the field of entrepreneurship and small firm development and for those studying and developing the local and regional context in which entrepreneurs emerge, innovate and establish the new economic activities which drive economic growth and create new economic wealth and employment. The journal focuses on the diverse and complex characteristics of local and regional economies which lead to entrepreneurial vitality and endow the large and small firms within them with international competitiveness.


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Valorizar o empreendedor Há cerca de 10 anos atrás tomei uma das mais importantes decisões da minha vida. Decidi inventar o meu futuro. O desafio é aliciante, a responsabilidade é avassaladora, a recompensa é agridoce. Em 1996, uma parte muito considerável dos meus colegas recém-licenciados, como eu, em Sociologia das Organizações optava por ingressar na Função Pública. Algum por falta de oportunidades, no âmbito da área de formação, no sector privado, a maioria por acreditarem tratar-se da opção mais vantajosa. Os argumentos que suportam esta ideia resumem-se a dois factos muito simples: baixo risco e elevado retorno. Por um lado, a inconstitucionalidade dos despedimentos na Função Pública e a progressão com o tempo quase anulam o risco. Por outro lado, a implementação, entre 1989 e 1993, do novo sistema retributivo, e consequente aumento do nível salarial, permitiu um retorno apetecível. A combinação desafia a lógica financeira, mas cria um atractivo ao qual é difícil resistir e com o qual é difícil competir nos outros sectores. A acrescer a isso, no período de 1996 a 2001 o número de admissões de funcionários elevou-se grandemente, com mais de 20 mil pessoas, em termos líquidos a serem contratadas por ano nesse período. Tirar partido desta conjugação favorável seria, então, a decisão mais racional. A capacidade para aproveitar tal oportunidade era socialmente valorizada, descrevendo aquilo que, para muitos, seria o protótipo do sucesso. Todos procuramos, em última análise, o conforto do reconhecimento e valorização dos outros. A procura desse objectivo é aquilo que tem movido o Homem ao longo da história. Constata-se, porém, que o objecto de admiração é hoje, em substância, muito diferente daquele que inspirava, no passado, comportamentos mais arriscados. Platão considerava que, impelido pelo desejo, o Homem procura coisas externas a si para se satisfazer e encontra, pela razão, a forma de o conseguir. É, no entanto, pelo thymos, que obtém uma consciência do seu valor próprio e é por ele que manifesta sentimentos de orgulho ou de indignação e revolta quando esse valor lhe é ou não reconhecido. O Homem ‘thymótico’, como depois o descreve Hegel, está disposto a arriscar o seu sentido de sobrevivência e o seu conforto material para se envolver numa luta perigosa com vista à concretização dos seus empreendimentos. Historicamente este comportamento seria recompensado com o reconhecimento da sua superioridade e da sua verdadeira e elevada humanidade. A história mostra também que o thymos estimula períodos de prosperidade e progresso. Uma visão em perspectiva é igualmente reveladora de que a estes se seguem períodos de decadência, como se os herdeiros do sucesso e das conquistas já não tivessem razões para correr riscos. Apesar do que se diz, considero que os tempos de hoje são suficientemente prósperos para travar a audácia. E

os audazes fora do tempo não são reconhecidos ou elogiados. Actualmente, em Portugal, empreender não é uma opção valorizada, nem social, nem institucionalmente. Existem, assim, poucos incentivos, para aqueles que hoje decidam transcender as suas inclinações de sobrevivência e empreender acções arriscadas. Pese embora o empreendedor – que arrisca por vezes muito mais do que o seu património – contribua para o desenvolvimento e melhoria da qualidade de vida de uma sociedade, à opinião pública chegam mais notícias de falências fraudulentas e despedimentos em massa. As palavras patrão e empresário estão, por isso, ainda envolvidas numa carga muito negativa. Do lado das instituições, à parte os discursos politicamente correctos e as notas de intenções, também muito pouco do que é feito constitui reconhecimento suficiente que incentive uma decisão tão arriscada como a de empreender. O primeiro desafio, sobretudo de um projecto de pequena dimensão, consiste em lidar com as exigíveis prestações ao Estado. Apesar de, ao gerar emprego, estar a contribuir objectivamente para a sociedade, incluindo por via dos impostos e prestações sociais que serão cobrados por conta e aos empregados, o empreendedor suporta ainda uma carga fiscal acrescida. Ao dinheiro que investe num projecto já foram deduzidos impostos; a sua remuneração, como as dos demais cidadãos, também será taxada; e aos lucros do seu empreendimento vão também ser subtraídas as partes do Estado, mesmo que os ditos lucros não se venham a verificar. Para além dos impostos, o empreendedor que gere a sua empresa, paga prestações sociais, embora não se possa reconfortar com o facto de poder receber apoio do Estado no caso de ficar desempregado ou doente. Consequentemente, na avaliação do risco que fazem dos seus clientes, os bancos consideram que a actividade do empreendedor oferece menos garantias do que a do indivíduo que trabalha por conta do mesmo. A procura do reconhecimento não poderá ser, assim, a principal motivação que leva alguns a trocarem o certo pelo inseguro, o conforto pela dúvida, a estabilidade pelo desafio, o adquirido pelo adiamento da recompensa. A satisfação e realização pessoal, a vontade de materializar os sonhos, o desejo de pôr em prática aquilo em que se acredita e de assumir a completa responsabilidade por êxitos e falhas constituem motivo mais forte.

Elisabete Sá é sócia da empresa Bragacom com actividade na área das tecnologias de informação e comunicação, é Mestre em Gestão de Empresas e colabora com a Universidade do Minho e Universidade Católica Portuguesa como docente convidada na área do marketing e gestão estratégica.

Elisabete Sá Bragacom

“Em Portugal, empreender não é uma opção valorizada, nem social, nem institucionalmente”


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Empreendedorismo em revista

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groups.yahoo.com/group/rede2020/ Assinatura Rede2020 é distribuída electronicamente. Para subscrever gratuitamente a Rede2020 envie um email em branco para Rede2020subscribe@yahoogroups.com . De seguida receberá um e-mail de confirmação ao qual deverá simplesmente responder também em branco. Números atrasados Para obter números anteriores da Rede2020 pode aceder a www.empreender.blogspot.com e efectuar a extracção dos respectivos ficheiros na coluna do lado direito da página. Colaboradores Para colaborar com a Rede2020 extraia o ficheiro “Colabore com a Rede2020” na coluna do lado direito de www.empreender.blogspot.com. Edição

Vasco Eiriz, vasco.eiriz@gmail.com www.eeg.uminho.pt/gestao/veiriz Empreender

www.empreender.blogspot.com Contribuíram para este número

DANA T. REDFORD Principal

da

Redford

Research

International.

A revista Small Business Economics tem previsto lançar em 2009 um número especial sobre a globalização do empreendedorismo nas pequenas organizações. Os editores deste número são Domingo Ribeiro e Salvador Roig, ambos da Universidade de Valência, Espanha, e o prazo de submissão de artigos termina em 30 de Junho de 2008. Entre os tópicos de interesse identificados pelos editores convidados para este número da revista destaca-se, desde logo, a relação entre empreendedorismo e pequenos negócios no contexto do mercado global. Outros tópicos incluem a educação em empreendedorismo e pequenos negócios, apoios públicos e iniciativas públicas de promoção do empreendedorismo, redes empreendedoras de pequenas empresas, inovação em pequenas organizações lucrativas e não lucrativas e, entre outros, novas tendências nesta área de pesquisa. Entretanto, uma outra revista de pequenos negócios e empreendedorismo, o Journal of Small Business and Enterprise Development, tem também planeado um número especial dedicado à educação em empreendedorismo. Para este número, cujo tópico central é “Entrepreneurship Education in the 21st Century: Opportunities, Obstacles and Observations”, são aceites artigos até 1 de Março de 2007. O editor convidado é George T. Solomon, director do Center for Entrepreneurial Excellence da George Washington University.

Email:

Dana.Redford@RedfordResearch.com

ELISABETE SÁ Sócia da empresa Bragacom. Email: elisabete.sa@bragacom.pt

Obtenha os números anteriores da Rede2020 na coluna do lado direito de

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