Rede2020v3n1

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Rede2020 GESTÃO GESTÃO • E▪STRATÉGIA ESTRATÉGIA • MARKETING ▪ MARKETING V O L U M E

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N Ú M E R O

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J A N E I R O — F E V E R E I R O

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COMPETITIVIDADE HOSPITALAR

Vasco Eiriz Natália Barbosa José Figueiredo

A LIBERALIZAÇÃO DOS MEDICAMENTOS

Manuel Gomes Auto-Retrato num Grupo Almada Negreiros 1925

THE BRAZILIAN JEITINHO

Fernanda Duarte

E AINDA DA COOPERAÇÃO EM URBANISMO Daniel Carrapa

CORRECTO POLITICAMENTE INCORRECTO Pedro Chagas Freitas

SUBJECTIVIDADE NO CONHECIMENTO Miguel Gonçalves

PÚBLICO E PRIVADO Vasco Eiriz


Rede2020 GESTÃO ▪ ESTRATÉGIA ▪ MARKETING

Rede2020

Rede2020@gmail.com groups.yahoo.com/group/rede2020/ Assinatura Rede2020 é distribuída electronicamente. Para subscrever gratuitamente a Rede2020 envie um e-mail em branco para Rede2020-subscribe@yahoogroups.com . De seguida receberá

Running Man, Kasimir Malevich, 1932-1934

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Colaboradores Para colaborar com a Rede2020 poderá extrair o ficheiro “Colabore com a Rede2020” na coluna do lado direito de www.empreender.blogspot.com. Edição

Vasco Eiriz, vasco.eiriz@gmail.com www.vascoeiriz.googlepages.com Empreender

www.empreender.blogspot.com Empreender é um projecto editorial associado à Rede2020. Contribuíram para este número

Natália Barbosa Professora

Auxiliar

da

Universidade

do

Minho.

Email:

Sydney.

Email:

Santarém.

Email:

natbar@eeg.uminho.pt

Daniel Carrapa Arquitecto. Email: danielcarrapa@gmail.com

Fernanda Duarte Professora

da

University

of

Western

f.duarte@uws.edu.au

José Figueiredo Docente

do

Instituto

Politécnico

de

Com este número, a Rede2020 entra num novo volume, o terceiro volume correspondente a 2007. Neste número assinalam-se algumas mudanças, havendo a registar, entre outras inovações, um aumento significativo do número de páginas. Há ainda a registar vários aspectos de continuidade e persistência. A Rede2020 ensaia um salto para o futuro. Não é certamente um salto tão arriscado como o capturado na capa deste número mas é, em todo o caso, uma aposta redobrada em conteúdos que pretendemos inovadores tanto na sua mensagem como na sua forma, suporte e canal de comunicação. Como sempre, a Rede2020 mantém as suas páginas abertas a textos inteligentes e com argumentos claros que, de forma não necessariamente sintética e apressada, nos ajudem a compreender melhor a forma como são geridas as organizações com que convivemos diariamente. Nas páginas que se seguem poderá ler um conjunto diversificado de textos que vão desde hospitais às festas do jet-set, desde as farmácias portuguesas e do urbanismo ao jeitinho brasileiro de fazer as coisas.

jose.antonio.figueiredo@gmail.com

Pedro Chagas Freitas Escrito, linguista, jornalista. Email: criativa.escrita@gmail.com

Manuel Gomes Mestrando na Universidade do Porto . Email: mgomes@egi.ua.pt

Miguel Gonçalves Técnico Superior do Instituto de Emprego e Formação Profissional. Email: miguelfreitasgoncalves@clix.pt

Vasco Eiriz


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ENSAIO

Competitividade hospitalar O sector hospitalar é um contexto válido para comparar o comportamento e desempenho de entidades com diferentes formas de organização. Este artigo sugere que se avalie a relação entre modelos de organização hospitalar, comportamento, e desempenho dos hospitais. O artigo propõe sinteticamente um modelo exploratório para analisar a competitividade dos hospitais que se encontra desenvolvido num outro texto dos autores (Eiriz, Barbosa e Figueiredo, 2006). Compreender a competitividade hospitalar inclui três dimensões de análise: organização, comportamento, e desempenho. Trata-se de um modelo inspirado na relação entre estratégia e estrutura (Chandler, 1962; Mintzberg, 1990; Amburgey e Dacin, 1994), mas que se distingue por incorporar o desempenho como uma dimensão de análise com existência própria. Competitividade hospitalar é a capacidade que um hospital tem em desenvolver um desempenho positivo e superior que lhe confira uma posição de vantagem competitiva em relação aos restantes hospitais. O conceito de organização surge implicitamente na existência da entidade hospital. A organização refere-se aos diferentes modelos de organização que um hospital pode adoptar. Por comportamento hospitalar referimo-nos às opções estratégicas e decisões tácticas e operacionais tomadas por cada hospital, com vista a alcançar um desempenho superior. O desempenho de um hospital diz respeito às medidas de eficiência e eficácia de cada hospital, sendo que existem múltiplos indicadores e formas de medir o desempenho. Para cada uma destas três dimensões, propomos três sub-dimensões para analisar a competitividade hospitalar. Na análise da organização sugerimos que se pondere a sua personalidade jurídica, complexidade e capacidade. No caso do comportamento, importa compreender os grupos de interesse, oferta de serviços, e relações interorganizacionais. Finalmente, o desempenho requer a análise de vários tipos de indicadores, custos, e "benchmarking".

A personalidade jurídica dos hospitais portugueses tem merecido a maior atenção por parte dos decisores públicos. Os hospitais públicos estavam integrados no Sector Público Administrativo, mas em 2002, 34 hospitais foram transformados em 31 Sociedades Anónimas de Capitais Públicos. Em 2005, a personalidade jurídica destes hospitais foi alterada para Entidades Públicas Empresariais. A complexidade organizacional de um hospital refere-se a variáveis como a dispersão territorial, aferida pelo número de unidades territoriais que possui. A capacidade instalada de um hospital pode ser calculada através de diferentes indicadores, como sejam: número de camas, número de médicos, e número de enfermeiros. Além da capacidade instalada, importa considerar a capacidade utilizada. Os grupos de interesse são indivíduos ou grupos de indivíduos que possuem interesse na forma como uma organização desenvolve as suas actividades. Cada grupo exerce, directa ou indirectamente, influência sobre a organização, contribuindo para a formação de estratégias mais ou menos emergentes. No caso do sistema de saúde, Eiriz e Figueiredo (2004) identificaram quatro grupos de interesse – proprietários, pessoal de saúde, fornecedores, e clientes/ utentes – e proposeram uma abordagem genérica à avaliação da qualidade dos serviços de saúde que reflicta as expectativas e percepções de todos estes grupos. Na oferta de serviços de saúde de um hospital importa analisar e compreender individualmente cada um dos serviços e a forma como eles se articulam entre si na carteira de serviços do hospital. Tratandose de serviços de saúde, deve atender-se que são serviços caracterizados por uma elevada complexidade, ambiguidade, e heterogeneidade (Eiriz e Figueiredo, 2005). A oferta de um hospital pode ser muito diversificada (por exemplo, pode disponibilizar todos os tipos de serviços de saúde) ou especializada (por exemplo, hospitais(Continua na página 4)

Vasco Eiriz Universidade do Minho Natália Barbosa Universidade do Minho José Figueiredo Instituto Politécnico de Santarém

“a competitividade dos hospitais públicos portugueses, qualquer que sejam os seus modelos de organização, comportamento estratégico, e desempenho, merece ser analisada recorrendo às nove sub-dimensões propostas neste artigo”


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ENSAIO (Continuação da página 3)

maternidade). As relações interorganizacionais entre hospitais incluem diferentes formas de relacionamento. No limite, essas relações podem levar à integração e fusão de hospitais como, aliás, tem acontecido em Portugal. É importante também ponderar o papel das relações entre hospitais e outras organizações. Entre essas organizações destacamos a rede de cuidados de saúde primários e a rede de serviços de saúde continuados. O desempenho de um hospital depende da complementaridade na prestação de serviços com estes prestadores e com outras entidades como sejam os fornecedores de medicamentos, equipamento médico, e serviços variados. O desempenho de uma organização pode ser avaliada através de vários tipos de indicadores. Estes indicadores podem ser quantitativos ou qualitativos, ou ainda classificados como objectivos ou subjectivos e recorrer ao uso de medidas em termos absolutos ou em termos relativos. Os custos de um hospital incluem várias rubricas, como sejam: custos com recursos humanos, aquisição de materiais clínicos, serviços externos e, entre outros, amortizações dos investimentos em equipamento médico e outro imobilizado. O "benchmarking" consiste num processo de comparação sistemática de indicadores e fontes de desempenho. Existem diferentes tipos de comparações que podem ser feitas entre hospitais ou entre hospitais e outras organizações. De acordo com a Direcção-Geral da Saúde (2005), em Portugal continental existiam, no final de 2004, 92 hospitais públicos. A capacidade instalada destes 92 hospitais era de 25832 camas, 16121 médicos, 29304 enfermeiros e 45739 profissionais diversos. Dependendo do indicador utilizado (número de camas, médicos, consultas), a capacidade instalada dos 31 hospitais empresarializados representa entre 45 e 51% do total da capacidade da rede pública. Relativamente à empresarialização dos hospitais, há indícios na política governamental de que a experiência de criação de hospitais-empresa será progressivamente aplicada a outros hospitais públicos.

Apesar de não existir evidência empiríca que sustente de forma inequívoca que o modelo de empresarialização aplicado aos hospitais produz melhores resultados de desempenho, os gestores e decisores públicos acreditam que esta mudança gera benefícios. Neste sentido, a competitividade dos hospitais públicos portugueses, qualquer que sejam os seus modelos de organização, comportamento estratégico, e desempenho, merece ser analisada recorrendo às nove sub-dimensões propostas neste artigo. O modelo de análise proposto fornece um enquadramento original para analisar os factores de competitividade hospitalar, permite comparar diferentes formas de organização, e facilita a avaliação do desempenho hospitalar. Referências Amburgey, Terry L.; Dacin, Tina (1994), "As the Left Foot Follows the Right? The Dynamics of Strategic and Structural Change", Academy of Management Journal, Vol. 37, N.º 6 (December), pp. 1427-1452. Chandler, Alfred D. (1962). Strategy and Structure: Chapters in the History of the American Industrial Entreprise, MIT Press, Cambridge, MA. Direcção-Geral da Saúde (2005), Centros de Saúde e Hospitais: Recursos e Produção do SNS 2004 (Novembro), Lisboa. Eiriz, Vasco; Barbosa, Natália; Figueiredo, José (2006), "Dimensões de Análise da Competitividade Hospitalar em Portugal", Revista Portuguesa de Gestão e Saúde, N.º 1 (Junho), pp. 26-33. Eiriz, Vasco; Figueiredo, José (2005), "Quality Evaluation in Healthcare Services Based on the Customer-provider Relationship", International Journal of Health Care Quality Assurance, Vol. 18, N.º 6, pp. 404-412. Eiriz, Vasco; Figueiredo, José António (2004), "Uma Abordagem em Rede à Avaliação da Qualidade dos Serviços de Saúde", Revista Portuguesa e Brasileira de Gestão, Vol. 3, N.º 4 (Outubro-Dezembro), pp. 20-28. Mintzberg, Henry (1990), "The Design School: Reconsidering the Basic Premises of Strategic Management", Strategic Management Journal, Vol. 11, N.º 3 (Mar/Apr), pp. 171195.

Vasco Eiriz é docente da Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho.

Natália Barbosa é docente da Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho.

José Figueiredo é docente do Instituto Politécnico de Santarém.

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ANÁLISE

A liberalização dos medicamentos Volvido um ano após a liberalização do mercado dos medicamentos não sujeitos a receita médica (MNSRM), ainda não existe um estudo devidamente fundamentado e quantificado, reportando os efeitos da medida no sector farmacêutico. A avaliar pela informação disponível, a indústria farmacêutica e o mercado de distribuição grossista não parecem ter sido afectados pela medida tomada pelo Governo, cujos objectivos centrais são permitir uma maior acessibilidade dos consumidores aos medicamentos não sujeitos à prescrição e potenciar a concorrência no mercado retalhista de MNSRM. Racionalmente, é neste mercado que se tem centrado a atenção da investigação científica, do Governo, das entidades inerentes ao sector farmacêutico e do público em geral. Embora seja previsível que o aumento da intensidade concorrencial propicie a redução dos preços, as características particulares do retalho farmacêutico português parecem não conduzir a um resultado tão linear. Com efeito, e porque diferentes fontes e métodos foram usados, o relatório oficial do Observatório Nacional dos Sistemas de Saúde publicado no passado mês de Julho e o relatório do INFARMED, divulgado no início de Agosto, não conduzem a uma conclusão consensual. O relatório elaborado pela Universidade Católica Portuguesa para a Autoridade da Concorrência e que serviu de base à liberalização do mercado retalhista de MNSRM, baseou-se num modelo de concorrência espacial, anteriormente usado na Austrália e em Espanha. Perante um lucro excessivo das farmácias, as conclusões do relatório eram claras: a liberalização dos preços potenciaria uma maior concorrência no retalho farmacêutico e a abolição das barreiras à entrada transferiria o excedente para o consumidor via maior proximidade de uma farmácia. Todavia, o estudo apresentado exibe duas grandes limitações para caracterizar a situação actual: não faz distinção entre mercado de prescrição e o de venda livre e não contempla a entrada dos novos retalhistas (parafarmácias). A entrada das parafarmácias proporciona um cenário para o retalho de MNSRM bastante peculiar, com dois tipos de retalhistas. As farmácias continuam a ter a sua entrada regulada, enquanto que as parafarmácias têm livre entrada. Além disso, as farmácias vendem dois tipos de produtos, medicamentos prescritos e não prescritos, ao passo que, as parafarmácias vendem apenas MNSRM. Face a este panorama, podemos descartar algumas justificações possíveis para a situação actual. Os consumidores vão tentar maximizar o seu benefício líquido tendo em conta o preço dos medicamentos e o custo de deslocação ao retalhista mais próximo, e no limite, quando os retalhistas se encontrarem à mesma distância, farmácias e parafarmácias concorrerão em preços. Isto significa que em zonas mais densamente povoa-

das, vão verificar-se a entrada de mais parafarmácias e os preços dos medicamentos tenderão a descer, via concorrência. Em zonas com uma densidade populacional menor, a entrada de novas parafarmácias poderá não induzir à redução de preços. Uma vez que a procura é menor, a necessidade de cobrir os custos fixos associado às (des)economias de escala podem mesmo implicar um aumento dos preços. Por outro lado, as farmácias poderão não ter incentivos a baixar o preço dos MNSRM ao mesmo nível das parafarmácias devido ao “efeito do pacote”. A exclusividade na venda de medicamentos prescritos, pode permitir às farmácias persuadir os consumidores que vão “aviar” uma receita a comprarem os MNSRM, baixando ligeiramente o preço, de modo a desincentivar os consumidores a comprarem nas parafarmácias (a diferença de preços não compensaria o custo de deslocação à parafarmácia). Finalmente, o aumento do número de parafarmácias poderá ter repercussões no comportamento da automedicação, podendo induzir a um “efeito substituição” de medicamentos prescritos por MNSRM. Na verdade, para doenças “ligeiras”, a maior acessibilidade dos MNSRM poderá induzir à substituição da recorrência a uma consulta médica por actos de automedicação. Este “efeito substituição” traria um maior peso ao mercado de MNSRM (cuja quota, p. ex. na Inglaterra ultrapassa os 20%, contra 7% em Portugal), com efeitos na dinâmica concorrencial do retalho farmacêutico. Embora o modelo com estas novas características ainda não tenha sido testado empiricamente, os dados do relatório do INFARMED parecem ir de encontro às previsões teóricas enunciadas anteriormente. Os distritos mais densamente povoados (por exemplo, Porto, Lisboa e Braga) foram os que registaram uma maior entrada de parafarmácias e uma redução dos preços face ao período homólogo do ano anterior. Com a excepção de Castelo Branco e Viseu, os distritos com uma densidade populacional menor verificaram um nível geral de preços dos MNSRM mais elevado. Todavia, este relatório apenas contém a avaliação dos preços praticados nas parafarmácias, desconhecendo-se, portanto, os preços médios praticados nas farmácias. Porém, e a avaliar por algumas sondagens tornadas públicas, são apontados preços superiores aos das parafarmácias, eventualmente explicados pelo "efeito pacote". A heterogeneidade dos retalhistas e as estratégias por eles usadas continuam a perpetuar uma conclusão convincente. Em breve, espero vos poder dar uma resposta. Manuel Gomes é licenciado em Economia pela Universidade de Aveiro, onde foi também Assistente Estagiário no Departamento de Economia. Actualmente é Bolseiro de Investigação na Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho, e está a terminar a dissertação do Mestrado em Economia na área do sector farmacêutico, na Faculdade de Economia da Universidade do Porto. As suas áreas de interesse são a economia da saúde e microeconometria, politica da concorrência e regulação.

Manuel Gomes

“Embora seja previsível que o aumento da intensidade concorrencial propicie a redução dos preços, as características particulares do retalho farmacêutico português parecem não conduzir a um resultado tão linear”


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COMUNIDADES

Performance Measurement Association “The Performance Measurement Association (PMA) is a global network for those interested in the theory and practice of performance measurement and management - was launched at the 2nd international PM Conference, PM 2000, Cambridge, UK. The PMA seeks to be the world's foremost academicpractitioner association devoted to advancing knowledge and insight into the fields of performance measurement and management. Our princepal roles are: To encourage the development of a multi-disciplinary community centred around performance measurement and management; To provide networking opportunities for members of that community so that individuals can better understand the research that has been undertaken into the field of performance measurement and management on a worldwide basis; To facilitate the exchange of information and ideas about the-

ory and practice in the emerging field of performance measurement and management; To encourage the exchange and joint development of teaching and education materials designed for practitioners in the field of performance measurement and management; To enable the rapid transfer of ideas, concepts and insights in the field of performance measurement and management from academia to business and vice-versa.” Performance Measurement Association www.performanceportal.net

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URBANISMO

Da cooperação em urbanismo A nossa sociedade tem a capacidade técnica e financeira para promover a urbanização de vastas áreas em curtos períodos de tempo. Conseguimos hoje urbanizar em dez anos áreas equivalentes às que antes demoravam séculos a crescer. A compreensão deste fenómeno devia incutir-nos uma grande responsabilidade. Desejamos que as novas extensões de cidade retenham o mesmo sentido de humanidade, de vivência, de comunidade, que aquelas partes de cidade que se foram consolidando ao longo de muito tempo. Mas isso não acontece por acaso. Para que a cidade nova crie o seu sentido de lugar, mantenha carácter e coesão, é necessário que exista uma intenção que a promova desde o início. O urbanismo incide sempre sobre o território da complexidade. Todo o planeamento urbano é pluridisciplinar por natureza, integrando-se no planeamento estratégico do conjunto do território; que evidentemente se relaciona com o seu planeamento económico, jurídico, ambiental, habitacional, do património histórico, da mobilidade, infra-estruturas, equipamento. Isto significa que é uma área de trabalho carregada de consequência política: o urbanismo pode ser incompetente mas não é inocente; ele permite conformar objectivos concretos e promover visões específicas sobre a ordem social, a dinâmica económica, a regulamentação jurídica do espaço de acção do cidadão entre tantos exemplos possíveis. Com isto presente, é fácil compreender que o verdadeiro urbanismo só pode resultar da cooperação de vários domínios do saber: na área do “desenho urbano” e das disciplinas de “não-desenho”. Entre os primeiros estão necessariamente o arquitecto paisagista, o engenheiro civil, o arquitecto; eles constituem o motor dos aspectos relativos à concepção e materialização das ideias no espaço. Entre os segundos, deverão estar os técnicos do ambiente, da gestão urbana, do financiamento e análise financeira, membros do planeamento local, grupos de interesse da comunidade e até indivíduos particulares. Evidentemente, o tamanho de uma equipa deverá resultar da importância e escala do projecto. O exercício da elaboração de planos locais, como da restante prática do urbanismo em Portugal, não tem uma verdadeira doutrina que resulte de uma tradição ou do fruto de boas práticas. Não parece existir

sequer um espírito de cooperação ou um consenso em torno da ideia de serviço público que lhe está subjacente. Na verdade, estamos ainda no tempo da reivindicação de competências, cada área técnica querendo emancipar-se frente às outras. O planeamento urbano no nosso país está ainda longe da maturidade. Enquanto os vários intervenientes digladiam os seus interesses próprios, o urbanismo continua a produzir-se segundo os mesmos velhos paradigmas e a insensibilidade técnica que sempre o caracterizou. O problema, claro está, é que o urbanismo resulta de uma conjugação de saberes e não de um mero agrupamento de técnicos de mentalidade mono-funcional. O simplismo tem sido o nosso caminho para a insustentabilidade. A desvalorização da cooperação neste processo resulta grandemente da incompreensão da urgência do saber dos outros; de que cada vez que olhamos o problema por um diferente ponto de vista técnico vemos coisas diferentes e encontramos necessidades diferentes. De facto, no desenho urbano a própria criatividade não resulta tanto do talento individual mas da capacidade adquirida para resolver problemas muito diversos. O urbanismo resulta de fazer as perguntas certas que permitem obter a visão global e começar a identificar as soluções. Nesse processo, a criatividade é a faísca que dá vida aos elementos brutos, quando elementos antes desconexos da pesquisa e inventário começam a tomar forma e revelar padrões. Quando tudo parece tomar forma e começa a fazer sentido, maravilhamo-nos com a sua simplicidade: a solução tinha mesmo de ser assim; mas para lá chegar são precisas muitas reformulações que ocorrem para conjugar as diferentes prioridades que sobre ela actuam.

Daniel Carrapa é arquitecto formado na Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa em 1996. Tem obra construída a título de co-autoria em Angra do Heroísmo, São Miguel, Palmela, Loures e Sintra. Actualmente exerce as funções de Técnico Superior na Câmara Municipal de Montemor-o-Novo onde se dedica às áreas de projecto e planeamento urbano. É autor do blogue A Barriga De Um Arquitecto que mantém desde Dezembro de 2003.

Daniel Carrapa A Barriga de um Arquitecto

“Para que a cidade nova crie o seu sentido de lugar, mantenha carácter e coesão, é necessário que exista uma intenção que a promova desde o início.”

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ENSAIO

The Brazilian jeitinho The jeitinho (pronounced jaytcheenyoo) is a social mechanism widely used in Brazilian society to deal with difficult situations that emerge in different social contexts. The word jeitinho literally means a ‘little way’– a little way of breaking the rules to achieve a certain outcome. The term has been roughly translated by Brazilian anthropologist Roberto DaMatta as a ‘clever dodge’. An example of a jeitinho transaction goes like this: Renato is a clerk in the information technology unit of a large public service organization. He urgently needs the written approval of the senior manager in order to purchase a new computer software package. He is told nevertheless that the manager is overseas and will not return for two weeks. Renato cannot wait this long and resorts to the Brazilian jeitinho, taking advantage of his social ties with Miguel, a senior clerk in the finance department. Renato gently persuades Miguel to waive the signature of the divisional manager. Miguel decides it is worth it to break the rules for his friend and approves the requisition for purchase without the signature of the senior manager. As the jeitinho invariably entails breaking the rules, informal networks of people who trust each other are essential. It can be thus suggested that the jeitinho is closely linked to social capital, a notion popularized in the work of Robert Putnam. According to him, social capital refers to ‘norms of reciprocity, trust and networks of civic engagement’. The link between the jeitinho and social capital emerged as a salient theme in a qualitative study I carried

in Belo Horizonte, Brazil, in December 2002. This study focused on an urban sustainability partnership program (which I will call ‘Greenery’) whose purpose was to provide agroecological courses and workshops for four communities located in low socio-economic areas of Belo Horizonte. The idea of these courses was to equip these communities with basic skills to deal with socioenvironmental problems created by uncontrolled migration and overpopulation. However, it became clear early in the study that Greenery was not performing well, as a result of funding deficiencies and bureaucratic constraints. More than half of the fifteen people I interviewed had a ‘story’ to tell about the use of jeitinhos to counteract these obstacles. For example, following receipt of a document that outlined Greenery’s small budget for 2001, project officer ‘Mauricio’ (not his real name) realised that the allocated funds would not be sufficient to pay the environmental NGO involved in the Program to run the planned ‘agro-ecological’ workshops at the four branches of the Program. Unable to address the problem through the formal channels of the local council (the organisation he worked for), Mauricio resorted to his informal networks to request a jeitinho. In his own words: I had to give a jeitinho to solve the situation. I knew the guy who managed [the environmental NGO nominated to provide the technical expertise for the courses]; he was a childhood friend. I managed to talk him into reducing the course fees in (Continua na página 9)

Fernanda Duarte University of Western Sydney

“The jeitinho is a social mechanism widely used in Brazilian society to deal with difficult situations that emerge in different social contexts”


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ENSAIO (Continuação da página 8)

exchange for some free workshops on project management that I was prepared to give at his NGO. With the reduction in price, we would be able to run the courses at the four Branches. This was highly irregular and I never told Prefeitura about it.

In the above example, Mauricio created his own informal course of action to address the problem of lack of funds through a jeitinho. He relied on his friendship with the NGO manager (social capital) to help him with a short-term solution for an economic problem. Reciprocity and trust were crucially important elements in this jeitinho transaction: Mauricio proposed free tutoring at the environmental NGO in exchange for a reduction in the price of the workshops. As the solution to the problem in question entailed breaking organizational rules, a relationship of trust between Mauricio and his friend was essential. In another story, ‘Osvaldo’, an office manager in one of the communities associated with Greenery, resorted to a jeitinho to ensure that coffee supplies would not run out at his office. Here, the obstacle was the time taken to approve petty cash funds due to a time-consuming and convoluted set of bureaucratic protocols. Osvaldo knew the owner of the local corner shop (‘an old acquaintance’) and asked him for a jeitinho in the form of an informal arrangement that would enable council employees to obtain small items as required, and pay for them later when the official funds from Prefeitura were made available. As this was a nonapproved, informal transaction, trust between the two parties was essential. This situation once more illustrates the connection between the Brazilian jeitinho and social capital: Osvaldo relied on his personal networks to enable him to solve a work-related problem. As the situation entailed breaking the rules, trust was an essential element which existed as part of the social capital prevalent in that particular community of people. It was clear from the many stories I heard in the course of my research that

the goodwill of Greenery’s generous and committed staff and their informal networks were crucial for the survival of the Program; and so were the jeitinhos used to deal with the financial and bureaucratic problems that emerged in their day-today.

“As the jeitinho invariably entails breaking the rules, informal networks of people who trust each other are essential. It can be thus

Fernanda Duarte was born in Brazil, but has lived in Australia since 1974. She has a PhD in Sociology from the University of New South Wales, and is currently a lecturer and researcher at the School of Management, University of Western Sydney. This article is based on an article entitled “Exploring the Interpersonal Transaction of the Brazilian Jeitinho in Bureaucratic Contexts”, published in Organization, 13 (4), June 2006: pp. 509-527.

suggested that the jeitinho is closely linked to social capital”

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REVISTAS ORGANIZATION

ORGANIZATIONAL DYNAMICS

ORGANIZATION SCIENCE

The principal aim of Organization is to foster dialogue and innovation in studies of organization. The journal addresses a broad spectrum of issues, and a wide range of perspectives, as the foundation for a 'neodisciplinary' organization studies relevant to the 1990s and beyond. In doing so, it promotes an ethos which is explicitly: theorydriven; international in scope and vision; open, reflective, imaginative and critical; interdisciplinary, facilitating exchange amongst scholars from a wide range of current disciplinary bases and perspectives. The journal encompasses the full range of key theoretical, methodological and substantive debates and developments in organizational analysis, broadly conceived, identifying and assessing their impacts on organizational practices worldwide. Alongside more microprocessual analyses, it particularly encourages attention to the links between intellectual developments, changes in organizational forms and practices, and broader social, cultural and institutional transformations. In addition to established themes of continued significance to the development of the field, topics and themes addressed by Organization include: issues of gender, race and ethnicity in organizations; globalization and its discourses; organization and disorganization; consumption and organization; organizational space and time; organizational identities; organizational imagery in organizations; ecology and organization; moralities of organization; power/knowledge and managerial discourses; law and organization; organization and postmodernism.

Organizational Dynamics' domain is primarily organizational behavior and development and secondarily, HRM and strategic management. The objective is to link leading-edge thought and research with management practice. Organizational Dynamics publishes articles that embody both theoretical and practical content, showing how research findings can help deal more effectively with the dynamics of organizational life.

Organization Science publishes fundamental research about organizations, including their processes, structures, technologies, identities, capabilities, forms, and performance. Research from different disciplines, such as organizational behavior and theory, strategic management, psychology, sociology, economics, political science, information systems, technology management, communication, and cognitive science, is represented in the journal. We welcome research at different levels of analysis, including the organization, the groups or units that constitute organizations, and the networks in which organizations are embedded. Diverse methods and approaches are also welcome. Creative insight often occurs at the boundaries between traditional research approaches and topic areas. The editors are especially interested in manuscripts that break new ground rather than ones that make incremental contributions. In addition to the original research reports that are the core of the journal, we occasionally publish essays in our “Perspectives” section that direct attention to an important new organizational phenomenon or redirect a line of research. We also publish essays in our “Crossroads” section that capture a current debate about organizations.

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FÁBRICA

O correcto politicamente incorrecto Há um fenómeno que assola, cada vez com maior intensidade – qual tempestade revestida a sol –, a sociedade e todos os seus contornos. Até há bem pouco tempo – sensivelmente até ao momento em que passou a ser notícia alguém ficar fechado dentro de uma casa durante quatro meses – poderíamos distinguir dois tipos de integrantes da estrutura social do nosso país: os politicamente correctos; e os politicamente incorrectos. Debrucemo-nos, antes de mais, nos dois espécimes em análise. O politicamente correcto é alguém que se rege, com extremo cuidado e quase obsessivo pormenor, por aquilo que lhe é incutido como correcto. Qualquer movimento é pensado com exaustão, preparado com método e executado com doentia perfeição. Para o politicamente correcto, vale mais um bolso vazio com aparência de cheio do que o contrário. Poder-se-á, talvez, falar em futilidade de hábitos. É uma forma de o colocar. A outra é simplesmente vaidade. Porque, para um politicamente correcto puro, pouco importa o que está certo ou errado; o que interessa é o que ele acredita que os outros acreditam estar certo ou errado. O politicamente incorrecto, por seu turno, é a exacta antítese do politicamente correcto. Não respeita o que lhe é imposto, rebela-se contra o instituído e sente-se amarrado sempre que é obrigado a cingir-se a regras e a protocolos de circunstância. Normalmente, este tipo de indivíduos é mal visto pela sociedade, que tende a colocá-lo num recanto esconso e aonde poucos o podem ver. Um bom local para conhecer alguém assim é – por exemplo – um sanatório. Fica a sugestão. Mas – e aqui reside o busílis deste texto – assistimos à entrada em cena de um novo tipo de (passe a expressão) pessoa: o correcto politicamente incorrecto. Esta faina de gente caracteriza-se por ser dotada de uma imensa capacidade de imitação daquilo que é perpetrado pelos politicamente incorrectos puros; mas com o senão de tudo fazerem para serem aceites dentro do grupo a que pertencem. Na prática, o correcto politicamente incorrecto vai contra o status quo – mas dentro do status quo. Confuso?

Explicitemos com maior acuidade para tudo ficar límpido. O correcto politicamente incorrecto faz questão de ser diferente do correcto – mas fá-lo de uma forma correcta. No fundo, é dono de uma rebeldia aceite, uma rebeldia domada. Uma rebeldia por rebelar. Se o politicamente incorrecto puro é capaz de arrotar em plena cerimónia fúnebre, o correcto politicamente incorrecto limita-se a insinuar que alguém o fez. Dessa forma, estará a ser diferente do correcto; mas diferente do incorrecto. Alturas há, porém, em que o correcto politicamente incorrecto vai ainda mais longe que o seu congénere verdadeiro. Por exemplo, quando alguém lhe pergunta se é rebelde e que tipo de coisas já fez, o puro politicamente incorrecto não corresponde às expectativas: limita-se a esboçar um sorriso e a negar ser diferente – no fundo, para ele, aquilo que faz é normal, tão natural como respirar. O correcto politicamente incorrecto, ao invés, faz alarde de todo o seu carácter diferenciador e discorre com mestria sobre actos que – na maioria dos casos – não tiveram a sua assinatura. Para se distinguir um correcto politicamente incorrecto de um politicamente incorrecto puro-sangue, bastará fazer o teste da flatulência. Se, numa festa do jet-set, experimentar libertar um ar malcheiroso, verificará duas coisas: 1) alguém perguntará, com o ar mais descontraído do mundo, quem foi que libertou uma flatulência; 2) alguém responderá, com o ar mais descontraído do mundo, “fui eu”. Fica simples de perceber quem é quem.

Pedro Chagas Freitas Fábrica de Escrita

“o correcto politicamente incorrecto. Esta faina de gente caracteriza-se por ser dotada de uma imensa capacidade de imitação daquilo que é perpetrado pelos politicamente incorrectos puros; mas com o senão de tudo fazerem para serem aceites dentro do grupo a que pertencem.”

Pedro Chagas Freitas acredita reunir características que lhe permitam, um dia, vir a ser chamado de humano. Entretanto, vai exercendo actividades perfeitamente irrelevantes, todas elas relacionadas com a escrita. Há quem diga que estudou Linguística durante quatro anos. Há quem jure a pés juntos que um dia o viu ser jornalista. Há, ainda, boatos que o dão como capaz de exercer funções criativas e redactoriais em agências de publicidade. Até ao momento, contudo, nenhuma das possibilidades foi devidamente comprovada. Fontes próximas dão como certo somente um facto: não gosta de conduzir.


REDE2020 VOLUME 3 NÚMERO 1

LEITURA Desgraça J. M. Coetzee Dom Quixote, 1999

"Desgraça valeu a J. M. Coetzee o seu segundo Booker Prize, em 1999. É um romance sombrio, da África do Sul pósapartheid. David Lurie, 52 anos, professor universitário na Cidade do Cabo, é expulso da Universidade por causa de um affair sexual com uma aluna. Decide então ir viver para a quinta da sua filha Lucy, uma ex-hippy que se convertera à terra. É ela que tratada herdade e tenta viver o melhor que pode a sua relação com os vizinhos negros. A determinada altura, a quinta é assaltada por três homens que violam Lucy, fecham o pai na casa-de-banho, vandalizam a casa e pegamlhe fogo. O mundo de David Lurie desaba por completo. Como irá ele sobreviver-lhe? Apesar de passado na África do Sul e de alguns dos episódios descritos nos trazerem à memória a actual crise do Zimbabwe, da qual o romance foi como que uma espécie de presságio, Desgraça é uma metáfora ácida sobre o mundo dos nossos dias escrito sem moralismos de qualquer espécie." Sinopse da editora Dom Quixote "Há bastante tempo que não lia um romance assim, tão profundo no que conta e tão magistral no estilo. A escrita é económica, limpíssima, como só a maturidade de um grande autor pode produzir. Pese embora o valor relativo das distinções, reconheçamos que este ano o Booker Prize foi bem entregue." L. M. Faria, Expresso "Senhor de uma obra trabalhada, densa, culta, inteligente, atenta ao mundo em que vivemos e morremos, tem sabido dar testemunho dos problemas do apartheid e do pósapartheid como ninguém, sensível que foi e é aos direitos humanos violados por todos os lados, aos privilégios do poder, da cor e da riqueza onde quer que eles se situem, e ao maior perigo que afecta a humanidade de hoje, que é o da incultura, da iliteracia e do acesso simulado ao conhecimento, a partir da confusão que se estabeleceu entre escola e informação, por um lado, e experiência cultural autêntica, por outro." Maria Alzira Seixo, Jornal de Letras, 15 de Outubro de 2003

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REDE2020 VOLUME 3 NÚMERO 1

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CONHECER

Subjectividade no conhecimento Numa das minhas viagens ao blogue Empreender, descobri um ícone denominado citador. Ao fazer um clique, em escassos segundos fui parar a um site. Naveguei durante alguns minutos e quando dei por mim, estava eu no século XVII, algures em Inglaterra, onde encontrei um poeta chamado John Milton, que dizia: “onde há uma grande vontade de aprender, haverá necessariamente muita discussão, muita escrita, muitas opiniões; pois as opiniões de homens bons são apenas conhecimento em bruto”. Compreender o misto de opiniões constitui um marco importante na gestão do conhecimento. Entender que existem diversos pontos de vista, interpretações diferentes, distintas abordagens no mesmo contexto, assegura que a empresa não ignore este facto. Pelo contrário, ao haver uma percepção clara, objectiva e precisa de tais divergências, a organização terá uma perspectiva mais elucidativa no combate à subjectividade, por forma a criar um entendimento comum, que visa ultrapassar eventuais constrangimentos com o objectivo de alcançar ganhos. A existência de divergências poderá prejudicar ganhos potenciais; a não resolução deste "handicap" potencia uma heterogeneidade de interpretações, uma completa desarrumação do conhecimento, que poderá influenciar negativamente a vantagem competitiva e o sucesso empresarial. Por exemplo, os diferentes pontos de vista poderão advir das múltiplas experiências profissionais ou de posições hierárquicas distintas. Ou seja, os gestores terão uma perspectiva prática, direccionada para determinados aspectos empresariais, a qual será, certamente, divergente, com a experiência dos trabalhadores de uma linha de montagem. No entanto, ambas as perspectivas são essenciais e vantajosas para o sucesso da empresa. O conhecimento é gerado pelo entendimento comum de diversos pontos de vista.

Para se atingir os objectivos da empresa, é necessária uma comunicação eficaz ao longo das diferentes hierarquias da organização. Gerar este fluxo de comunicação por vezes pode ser complicado. Assim, a comunicação deverá ser feita nos dois sentidos. É primordial que a mensagem não sofra distorções resultantes de potenciais ambiguidades, e que a mesma, ao fluir de níveis hierárquicos superiores para níveis inferiores seja compreendida de forma objectiva, exacta e rigorosa. Por outro lado a valorização ou a sobreavaliação do estatuto e/ou nível hierárquico poderá criar e alargar fossos entre os colaboradores de diferentes níveis hierárquicos, potenciando débeis entendimentos, frágil partilha de conhecimento e ineficácia na comunicação. Em suma, para que a subjectividade não influencie de forma nefasta o conhecimento, dever-se-á ter capacidade de compreendê-la, evitar interpretações de vários níveis, existir um fluxo de comunicação transparente e multi-direccional, agrupar as várias experiências subvalorizando as posições hierárquicas e sincronizar os objectivos da empresa com o intuito de possibilitar um entendimento comum por forma a permitir a criação de valor e conhecimento eficaz.

Miguel Gonçalves Instituto de Emprego e Formação Profissional

“Para que a subjectividade não influencie de forma nefasta o conhecimento, deverse-á ter capacidade de compreendê-la, evitar interpretações de vários níveis, existir um fluxo de comunicação transparente e multidireccional, agrupar as várias experiências e sincronizar os objectivos da empresa com o intuito de possibilitar um entendimento comum por forma a permitir a criação de valor e conhecimento eficaz.”

Miguel Gonçalves, licenciado em Gestão de Empresas pelo Instituto Superior de Línguas e Administração de Santarém, é Técnico Superior no Instituto do Emprego e Formação Profissional, possui um mestrado em Contabilidade e Administração promovido pela Universidade do Minho, onde apresentou a dissertação intitulada "Redes Institucionais de Conhecimento: Estudo de uma Rede na Indústria Têxtil e do Vestuário".


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Dê-nos a sua opinião Não, não vamos sortear este Aston Martin. Mas se desejar receber o “Estudo das Mudanças na Distribuição Automóvel na Europa” da autoria de Vasco Eiriz e Natália Barbosa, então envie-nos uma análise critica com sugestões de melhoria da Rede2020 em aproximadamente uma página para Rede2020@gmail.com. Não se esqueça de indicar o seu nome e endereço postal.


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SOCIEDADE ANÓNIMA Por Vasco Eiriz

Público e privado Quando há dias estacionei a viatura junto dum parquímetro, proporcionouse uma breve troca de impressões com o "fiscal" que inspeccionava a máquina. Simpático, explicou-me quanto teria que pagar. Demasiado simpático, deume ainda a entender que não colocasse mais do que dois euros porque, mesmo que passasse o tempo correspondente, não teria problemas. A farda deste "fiscal" era estranha. Não era um polícia municipal, mas a farda azul tinha um distintivo que mais fazia lembrar uma empresa de segurança. Perguntei-lhe para que entidade trabalhava porque imaginei que estivéssemos perante alguma concessão. Cordialmente, respondeu que se tratava duma empresa municipal. Mas quando entendeu avançar explicações procurando elucidar-me que a empresa tinha a "parte pública e a parte privada" fiquei confuso. Pensei que não teria moedas suficientes para sustentar uma conversa clarificadora sobre as partes públicas e as partes privadas daquela empresa. Vem isto a propósito do público e do privado. Entrou em vigor em Novembro passado legislação que permite às concessionárias de autoestradas multar os condutores faltosos no pagamento de portagens. Numa primeira leitura, esta forma de privatização não parece ser de todo descabida. De facto, parece fazer todo o sentido que sejam as concessionárias a gerir integralmente o serviço prestado, incluindo a penalização dos faltosos. Medidas destas levantam, no entanto, questões bem mais profundas. Para abreviar, fiquemo-nos pelas autoestradas e suscitemos só algumas dessas questões: a quem compete prestar a assistência médica ou outra em caso de acidente? São as concessionárias que asseguram este serviço? E de quem é a autoridade de levantar um auto de acidente de viação? Será que as concessionárias de auto-estradas estarão também dispostas a desenvolver estas acti-

vidades e suportar os respectivos custos? E mesmo que pudessem faze-lo, seria legítimo? E nos casos em que a própria concessionária é uma das partes interessadas num conflito com o consumidor, como não é raro suceder, que garantia tem o cidadão de que se faz justiça? Ou estarão as concessionárias só interessadas em actuar nas ocorrências em que se verifica uma perda de receitas?! E tudo o resto que só acarreta custos e despesas, fica para o Estado? Como explicar o paradoxo de haverem tantas e tantas actividades exercidas pelo Estado, muitas das quais

parece não fazer qualquer sentido que seja ele a desenvolver e, simultaneamente, haver outras actividades em que estranhamente o Estado abdica do seu papel? Com estas questões não se pretende advogar sobre as virtudes ou defeitos do papel do Estado. Mas há questões que parecem cada vez mais incontornáveis. Quais os limites do público e do privado? O que são hoje as actividades públicas e privadas? Que fronteiras as distinguem? Este é um debate urgente e actual que nos deve preocupar a todos.


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