Jornal do Commercio 2014-2015

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Recife I 1º de fevereiro de 2015 I domingo

economia

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Caruaru por cima

IMÓVEIS Mercado imobiliário da capital do Agreste reflete o avanço da economia da cidade, com ofertas para todos os segmentos Emídia Felipe

emidiafelipe@jc.com.br

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as raízes na Fazenda Caruru, no século 17, até se tornar referência de negócios no interior de Pernambuco, Caruaru viu muita coisa acontecer sobre suas terras. Nos últimos cinco anos, porém, o desenvolvimento da cidade se acelerou: a oferta de muitos dos confortos das grandes cidades aumentou vertiginosamente, do café expresso ao curso de ensino superior. Mas quando se chega ao município, o que primeiro salta aos olhos é a grande quantidade de edifícios, reflexo direto da demanda por novas moradias, tanto por parte de moradores quanto de forasteiros. Além da paisagem, como se vê no alto desta página, o desenvolvimento do mercado imobiliário caruaruense pode ser constatado nos números (veja infográfico). Somente os financiamentos feitos pela Caixa Econômica Federal para compra de imóveis na cidade movimentaram R$ 100,5 milhões no ano passado, referentes a 1.179 moradias, 48,6% a mais do que no ano anterior. Considerando apenas residências que usaram crédito com recursos do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) – ou seja, foram vendidas por mais de R$ 650 mil –, o avanço na quantidade de unidades foi de 71,6%. O perfil encontrado na estrutura é semelhante ao que se vê no Recife, com apartamentos a partir de 55 metros quadrados. De acordo com as empresas ouvidas pelo JC, há demanda de investidores, mas a maior parte é vendida para o consumidor que vai usar a unidade para morar, permanentemente ou temporariamente – por viver em outra cidade e só trabalhar ou estudar em Caruaru. Essas informações não consideram as habitações enquadradas no Minha Casa, Minha Vida, do governo federal. Contudo, de acordo com a Prefeitura de Caruaru, nos últimos dois anos foram mais de duas mil unidades enquadradas no programa nas faixas comerciais (vendidas no mercado imobiliário como quaisquer outras) e estão em construção mais 3.800 casas na faixa 1, de habitação social, em que o valor é praticamente todo subsidiado pelo governo. Outro dado do executivo municipal é que, fora os 80 prédios em construção, há mais 30 na fase de análise de projetos. A prefeitura se diz atenta a esse movimento e, este ano, vai fazer a segunda revisão em seu Plano Diretor, criado em 1977. Hoje os gabaritos da cidade variam entre 3 e 4,5 – o que significa que, numa área de mil metros quadrados, é possível ter entre três e 4,5 mil m² de área construída. Hoje, encontram-se edifícios de mais de 30 andares na cidade. Pelos cálculos do presidente da Câmara de Construção Civil da Associação Comercial e Empresarial de Caruaru (Acic), João Bezerra, cerca de 20 empresas se instalaram em Caruaru nos últimos cinco anos para trabalhar na área da construção civil. Entre elas, está a Brapor, construtora de origem portuguesa que começou a investigar Caruaru ao mesmo tempo em que chegou ao Recife, em 2007. Naquela época, o mercado imobiliário caruaruense ainda era dominado pelo regime de condomínio fechado, em que o empreendimento é vendido para um grupo de investidores que tem que pagar à construtora até a entrega das unidades. Atualmente, a incorporação tem uma presença muito forte. Somente a Brapor já entregou ou está para entregar 1.054 unidades, com previsão de lançar mais 285 este ano. Marcas já consolidadas no Recife também garantiram seu espaço entre os caruaruenses. A Moura Dubeux implantou na cidade não apenas um projeto residencial de 360 apartamentos, o Cosmopolitan Shopping Park, mas também lançou no ano passado o primeiro flat com operação hoteleira na cidade, da linha Beach Class, a mesma que usa no Recife. A Maxplural está em seu segundo empreendimento: o Alto Indianópolis deverá ser lançado oficialmente em fevereiro, com 320 apartamentos em 10 torres e preços a partir de R$ 215 mil.

Nossa economia é diversificada e o crescimento da cidade vai respaldar principalmente o crescimento do Minha Casa, Minha Vida. Mas o sentimento daqui é o mesmo do Recife: precaução.” João Bezerra, da Acic

CASAS Vilar Pontual oferece moradias entre 58 m² e 80 m² em Caruaru (foto) e Garanhuns


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Recife I 1º de fevereiro de 2015 I domingo

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HORIZONTE Paisagem urbana da “capital do Agreste” mudou muito nos últimos 5 anos com a verticalização, fruto da demanda de novos moradores e de quem trabalha ou estuda na cidade

Confiantes, porém precavidos

Vim pelo desafio de estar em uma cidade nova, tocando projetos em que acredito. Claro que, antes de vir, fiquei me questionando se me acostumaria com Caruaru. Mas é uma cidade muito bem servida de tudo e eu ainda consigo ir em casa almoçar.” Marília Soares, 24, engenheira

Os indícios de que Caruaru cresce mais do que o Recife estão na contagem populacional: enquanto a “capital do Agreste” atraiu 8,7% mais moradores entre 2010 e 2014, na capital oficial esse percentual foi de 4,6%. Dentro do próprio mercado da construção há diversos exemplos de pessoas que se mudaram permanentemente, como a engenheira da Moura Dubeux Marília Soares, 24 anos; e o corretor de imóveis Fabiano Carvalho, 40, diretor da imobiliária que leva seu nome. Há ainda casos como o do sócio-diretor da Maxplural, Júlio Souza, 43, que passa a maior parte da semana em Caruaru (saiba mais ao lado). O que ocorre com eles se repete em diversos segmentos consolidados ou emergentes. Pautada principalmente pela indústria e comércio têxtil, a economia caruaruense também cresceu através dos serviços. Há menos de 10 anos, havia só dois cursos de ensino superior. Hoje, são mais de 34, sem contar os tecnólogos, os técnicos e as pós-graduações. O comércio fora das confecções avança pelos dois shoppings que a cidade já tem. Outro indicador que se houve muito entre os empresários é o do cafezinho: há cinco anos, era praticamente impossível achar um café expresso na cidade; hoje, 17 cafeterias oferecem o produto. Fatores que levaram o Produto Interno Bruto da cidade a crescer 5% em 2014, acima das médias estadual e nacional. Os empresários da construção civil se mostram confiantes na continuidade do desenvolvimento econômico de Caruaru, mas olham para 2015 com cautela quando se fala especificamente de mercado imobiliário. Diretor da CP Cons-

truções, uma das maiores empresas da área no Agreste, Cláuston Pacas diz que os sinais de arrefecimento começaram em 2014, por isso sua empresa não fez lançamentos no ano passado e tem planos de colocar no mercado só um empreendimento este ano – mesmo assim, em Tamandaré (Litoral Sul do Estado). “O mercado está muito travado. Por isso, estamos focando em nichos de mercado e sempre baseados em pesquisas”, diz o empresário. Para João Bezerra, um dos sócios da Bezerra Engenharia, fundada há 28 anos, o crescimento demográfico vai sustentar a produção, porém mais voltado para habitações populares. Ele acredita que haverá menos lançamentos em 2015 na cidade. “O ânimo daqui e da capital é o mesmo, de precaução”, diz Bezerra, que também faz parte da Acic. Presidente da Brapor, José Castro compara os mercados de Recife e Caruaru e diz que, se por um lado a pressão dos preços é menor na cidade do Agreste, por outro a capacidade de absorção é menor do que no Recife. “Não temos dúvida de que a demanda continua, mas se não houver cuidado por parte das construtoras, poderá se tornar difícil a absorção de novas unidades”, analisa. Por outro lado, há vozes mais otimistas. Fabiano Carvalho, que foi do Recife para Caruaru há quatro anos, assegura que 2014 foi um ano de ótimos resultados, com avanço de 15% nos seus negócios. “Aqui há muita coisa crescendo, como nas áreas médica e jurídica”, diz o corretor, que tem pelo menos quatro lançamentos para trabalhar no mercado caruaruense nos próximos dois meses.

COMÉRCIO Vista da Av. Agamenon Magalhães, no bairro de Maurício de Nassau, área nobre da cidade

Mudei-me há cerca de quatro anos e trouxe também minha família. Continuarei apostando em Caruaru porque, apesar desse cenário macro desfavorável, as particularidades da região vão manter o desenvolvimento econômico.” Fabiano Carvalho, 40, empresário

Casas ainda fazem sucesso

Sou sócio de uma trading que chegou em um nível em que posso me retirar do dia a dia. Por isso abracei esse projeto. Minha família ainda fica no Recife e eu estou aqui quatro dias por semana. Morar aqui é ótimo porque há tempos deixou de ser uma típica cidade do interior.” Júlio Souza, 43, empresário

Como o peso de um terreno é muito importante para o preço final de um empreendimento, a disponibilidade de áreas em Caruaru é o principal fator que contribui para o valor menor do metro quadrado em relação ao do Recife (veja no infográfico). Todavia, o aumento da demanda elevou os valores cobrados pelos proprietários. De acordo com João Bezerra, da Acic, há menos de 10 anos, a taxa de permuta – entrega de unidades prontas em troca do terreno – representava ente 10% e 15% do preço do terreno; hoje varia entre 15% e 20%. Outra característica da produção caruaruense fomentada pela disponibilidade dos terrenos é a oferta de casas. Fora dos bairros mais nobres, como Maurício de Nassau e Indianópolis, há fartura de lançamentos de casas para perfis diversos de público. A construtora Vilar Pontual atua nesse segmento há quatro anos e tem no portfólio 150 casas entregues, com plano de construir mais 450 nos próximos três anos. No ano passado, o crescimento da empresa superou os 100%. Para um dos diretores, Emmanuel Vilar, esse percentual invejável se dá porque a construtora é jovem – o que faz a referência anterior ser menor – e está em um mercado em franca expansão. “O meu público é o que compra para morar, que não se retraiu. O que faz o mercado ficar mais sensível hoje quando se

fala em retração do consumo diz respeito aos investidores que saíram”. Além disso, a empresa tem um modelo de negócios diferenciado: investidores se associam à Vilar Pontual a cada projeto, colocando capital em vez de comprar a casa. “Outro diferencial é que, quando a gente fala de construir um edifício, a entrega depende de todo o prédio, enquanto as casas se entregam uma a uma, o que aumenta a velocidade do retorno”, acrescenta. A construtora gerencia as obras e as vendas. As casas da Vilar Pontual custam entre R$ 145 mil e R$ 280 mil, em condomínios e em loteamentos abertos. “O produto mais desejado ainda são as casas individuais”, diz Emmanuel. Outro projeto de casas que chama a atenção em Caruaru é o Condomínio Monteverde, uma área de 50 hectares, com 110 lotes de 2.400 m² cada, dos quais 35 ainda estão à venda a partir de 396 mil. Empreendimento da Montenegro Negócios Imobiliários, a área conta com bosque, área de lazer e lago. “É um conceito de moradia diferente que ainda está sendo absorvido”, diz o empresário Ricardo Montenegro. Segundo ele, a relação custo-benefício é bem aceita, mas o fato de estar fora do centro (a 5 km), mesmo a menos de um quilômetro de um dos shoppings, ainda gera resistência.


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Recife I 10 de agosto de 2014 I domingo

economia

Alexandre Gondim/JC Imagem

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VÍNCULO Sarah (esq) e Vana cultivaram amizade que começou com respeito à lei

Elas estão indo embora

DOMÉSTICAS Apesar do crescimento da legalização, profissão não é renovada devido aos estigmas sociais e barreiras do mercado emidiafelipe@jc.com.br

V

ana é uma raridade. Para a sua patroa, Sarah, isso se reflete na relação pessoal que as duas cultivaram em mais de 20 anos de convivência. Para Vana, a exceção começou quando, ainda nos anos 1980, ela encontrou uma empregadora que assinasse sua carteira de trabalho, respeitasse todos os direitos e ainda lhe pagasse três vezes mais do que o praticado no mercado. Números compilados pelo Dieese mostram que a situação das duas também tende a virar raridade: embora a formalização esteja aumentando, a quantidade de pessoas dedicadas ao trabalho doméstico na Região Metropolitana do Recife está em declínio. Baseado em dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), o Diesse de Pernambuco aponta que no primeiro semestre deste ano, 113 mil pessoas estavam ocupadas em serviços domésticos na Região Metropolitana do Recife (RMR). O contingente é 12,3% menor do que no mesmo período de 2012 e ainda 4,4% mais baixo do que no ano passado. “As mais moças não querem mais ser empregadas. As pessoas me pedem indicação, referência e eu não consigo dar porque não tenho”, conta Ahedyvone Barbosa de Santana, a Vana, que tem 65 anos e hoje, aposentada, é diarista. Mas só atende uma cliente, Sarah Bailey, intérprete e tradutora inglesa que a contratou décadas atrás, cumprindo a lei e pagando três salários mínimos, apesar dos protestos de conhecidos. “Eles diziam que, assim, eu estava desequilibrando o mercado. Mas ela fazia praticamente o serviço de três pessoas e não merecia ganhar menos”, relata Sarah. A “hostilidade” que Sarah sentiu ao tratar Vana como uma empregada legalizada é um dos estigmas que pesam sobre a profissão e que são cada vez mais expostos e discutidos desde a promulgação da PEC das Domésticas, que permitiu à categoria direitos já garantidos a outras classes trabalhadoras. “Ainda assim, o desrespeito é muito grande. Estamos há mais de um ano esperando a regulamentação de diversos itens”, lamenta a presidente do Sindicato das Trabalhadoras Domésticas do Estado de Pernambuco (Sindomésticas-PE), Luiza Batista. Um exemplo da disparidade entre as domésticas e as demais classes tra-

balhadoras é a jornada de trabalho. Segundo o Dieese, em 2013, enquanto a jornada média semanal da mulher da RMR era de 41 horas e a do homem, de 47 horas, a da empregada doméstica ficava entre 48 e 51 horas. E, embora as domésticas que durmam no emprego sejam poucas, para elas, a carga pode ser até 13 horas maior do que a da que não dorme, de acordo com o Ipea. Coordenador do Dieese, Jairo Santiago avalia que essas barreiras desleais no mercado de trabalho, as raízes na escravidão e outros motivos fazem com que o “status” da profissão seja baixo, o que leva a mulher de baixa renda, principal perfil entre os empregados domésticos, a preferir outros segmentos, como comércio e serviços. A filha de Vana, por exemplo, trabalhou apenas dois meses como doméstica e desistiu: agora é assistente de serviços gerais em um restaurante. Jairo acrescenta ainda que a atividade não oferece perspectiva de progressão na carreira. Outro ponto desfavorável é a ausência de formação específica para a área – não existem cursos técnicos ou mesmo de aperfeiçoamento voltados ao empregado doméstico. São mais elementos que afastam os jovens da profissão. “Às vezes o jovem prefere um trabalho tão árduo quanto o doméstico, mas no comércio, apenas para não ter que se apresentar como empregado doméstico, mas sim como comerciário”, pontua o especialista. “Por isso mesmo precisamos valorizar o trabalho doméstico, para que as pessoas não tenham vergonha”, crava a fiscal da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego (SRTE PE) Felícia Mendonça. Ela integra o grupo que foca na promoção do trabalho doméstico decente, em que diversas instituições tentam dissolver os obstáculos que pressionam as trabalhadoras. “Somente equiparando as domésticas às demais categorias vamos diminuir esse fosso e tirar essa visão de valor social reduzido.” Para Felícia, quando a qualidade do trabalho dessa classe melhora, força a evolução das demais. “Sem ter alguém o tempo todo disponível para cuidar de seus filhos, as pessoas terão que cuidar elas mesmas e vão exigir melhores condições do mercado”, acredita.

q Mais na web Baixe a cartilha do MTE sobre o assunto no www.jconline.com.br/economia

Formalização aumenta 17,5% Eles ainda são minoria, mas estão avançando: no primeiro semestre de 2011, a Região Metropolitana do Recife tinha 40 mil empregados domésticos com carteira assinada, 33,4% do total de pessoas envolvidas com a atividade. Este ano, foram 47 mil, 17,5% a mais do que há quatro anos e 41,5% de todo o grupo. Com a multa mínima de R$ 805,06 que começou a vigorar na quinta-feira passada, a tendência é que esse grupo cresça com maior rapidez. Com esse movimento, o contingente de trabalhadores domésticos sem carteira assinada, onde estão inclusas as diaristas, caiu de 66,6% para 58,5% do total. Mesmo sem a proteção da Previdência Social e outros benefícios como férias e 13º salário, a opção pela atividade de diarista atrai não só pela redução da carga horária semanal – que é de 23 horas – mas também pelo valor maior da remuneração por hora. Enquanto a doméstica assalariada recebia, em 2013, R$ 3,27; a diarista recebia R$ 4,22. Felícia Mendonça, da SRTE PE, informa que o órgão já está investigando denúncias de desrespeito à lei que podem culminar em aplicação de multa. Ela lembra que a falta de acesso à emissão e renovação de carteira de trabalho que está ocor-

Tom Cabral/JC Imagem/31-01-2008

Emídia Felipe

O governo federal desonera a folha de pagamento de diversos setores. Deveria fazer o mesmo com o empregador doméstico, um empregador frágil que não aufere lucro com esse empregado. E este deve ter seus direitos garantidos” Jairo Santiago, Dieese

rendo em Pernambuco não pode ser usada como desculpa para não formalizar a doméstica, já que pode ser feito um contrato (saiba como no link http://bit.ly/sem-carteira). “O importante é fazer esse documento e começar a fazer as contribuições”, orienta a fiscal, referindo-se à obrigatória para a Previdência Social e a ainda opcional para o FGTS (que ainda carece de regulamentação). Jairo Santiago, do IBGE, pondera que o empregador doméstico é um empregador frágil. Para ele, da mesma maneira forma que desonera a folha de pagamento de grandes setores, o governo federal não deveria resistir a desonerar o trabalho doméstico, sem prejuízo para o empregado. Mesmo sendo entusiasta do avanço dos direitos das domésticas, ele reflete ainda sobre o tempo de absorção dessa nova realidade pelos empregadores. “Não vai ser de uma hora pra outra que essa cultura vai mudar”, avalia Jairo, ao lembrar que a melhoria das condições do trabalho doméstico e consequente aumento de custo pode até começar a se assemelhar com o que ocorre em países desenvolvidos. “Mas, nesses países, a estrutura de apoio a famílias, com escolas e creches, é muito melhor”.


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HORIZONTE Os vinhedos e seu verde estão por toda parte

Emídia Felipe

emidiafelipe@jc.com.br

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Divulgação

ão sou especialista em vinhos e, mesmo assim, fui enviada à Serra Gaúcha, para uma visita de jornalistas e blogueiros às vinícolas, a convite do Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin). Leigos no mundo das uvas, como eu, estão na mira desse mercado, para popularizar a bebida produzida no Brasil, mostrando que nossa mercadoria é de boa qualidade e de preço acessível. De todo modo, preciso confessar que o que aprendi sobre vinhos nem de longe supera o encanto deixado por tudo que cerca as videiras. Do aeroporto em Porto Alegre seguimos direto para o Hotel Spa do Vinho, em Bento Gonçalves – menos de duas horas de carro. Eu nunca tinha visitado o Rio Grande do Sul e o clima, tanto no sentido figurado quanto no literal, era novo para mim. Na estrada, colinas e serras cobertas de árvores, mata densa ou gramados. Casinhas de madeira. Sotaques carregadíssimos, como em qualquer interior, que, às vezes, eu, nordestina de capital, não entendia e pedia para a pessoa repetir a mensagem. Visitamos diversas vinícolas em lugares diferentes, todas construídas sobre tradições familiares. De uns três anos para cá, muitas delas começaram a investir no enoturismo. A experiência proporcionada ao visitante acaba fazendo dele um novo e recorrente cliente dos vinhos, incluindo a via do comércio eletrônico. A Cristófoli (www.vinhoscristofoli. com.br), uma pequena empresa familiar do distrito de Faria Lemos, recentemente abriu uma cantina para refeições e deu início ao irresistível Edredom nos Parreirais. Por valores a partir de R$ 190, casais, grupos de amigos ou famílias são acomodados sobre edredons colocados entre as videiras, cobertos por um teto de tecido. De acordo com o tipo de serviço contratado, é servida uma determinada refeição, com os alimentos e vinhos produzidos ali mesmo, na propriedade da família. Se você tiver sorte, algumas das mulheres estarão fazendo uma deliciosa figada, que cai muito bem na focaccia caseira que servem por lá. A única ressalva é quanto ao almoço no verão: pode ficar quente demais e desconfortável para o programa ao ar livre. Pena que não tive oportunidade de experimentar o jantar nessa delicada tenda. Durante a estada, é bom passar por marcas como Dal Pizzol e Larentis. Entre outras atividades, por quantias simbólicas de R$ 10, R$ 20, é possível fazer degustações orientadas de vários rótulos e passear entre as parreiras. Quantias semelhantes se pagam em vinícolas maiores, como a Garibaldi e a Salton. A Salton é uma das maiores indústrias do setor no País, mas sua fábrica é totalmente alcochoada em uma estrutura suntuosa e alinhada ao cenário campal. Paga-se apenas para provar as bebidas, mas a visita guiada por diversos espaços é gratuita. Lá é possível ver as uvas chegarem em caixas nos caminhões e serem transportadas e transformadas até chegarem às garrafas. Um restaurante no subsolo, cavado na pedra, dá um tom medieval e charmoso à refeição. Foi onde eu provei pela primeira vez

OUTROS SENTIDOS Degustação às cegas na Vinícola Garibaldi (esq.), no município homônimo, e cantores nos parreirais de uva Isabel da Villa Valduga (dir.)

EM FAMÍLIA Enquanto os visitantes se deliciam no Edredons no Parreiral (esq.), as mulheres no comando da Cristófoli cozinham uma figada (dir.)

INDISPENSÁVEL Fábrica da Salton tem passeio gratuito à produção e às caves onde o vinho descansa em barris

Fotos: Gilmar Gomes/Ibravin

Recife I 22 de junho de 2014 I domingo


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Recife I 22 de junho de 2014 I domingo

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Design: Vladimir Barros/Editoria de Artes JC

COLHEITA Quase enchi meu cesto e meu estômago de uva

COMO ANTIGAMENTE Hora de tratamento VIP para os pés

um centenário brandy, destilado feito a partir da uva: fantástico! Fomos em fevereiro, verão e época de vindima, a colheita das uvas. Fazia sol e só caiu chuva forte em uma das noites. Então, o clima estava agradável, por volta dos 25 graus durante o dia, na maior parte do tempo. A combinação era ideal para um passeio indispensável: a Villa Valduga (www.villavalduga.com.br), da Casa Valduga, para colher uva direto do parreiral, ao som de música regional cantada por senhores e senhoras, cuja simpatia transborda em suas canções, sorrisos e gestos. Depois, dá para sentir a inigualável sensação de ter milhares de uva amassadas sob os pés descalços. Extremamente relaxante. E o restaurante da Valduga é um prazer à parte. Outros dois lugares onde tivemos experiências interessantes foram a Dal Pizzol (www.dalpizzol.com.br) e a Luiz Argenta (www.luizargenta. com.br). Na Dal Pizzol, eles têm vários equipamentos turísticos: a Enoteca, um vinhedo com mais de 100 variedades de uvas de diferentes partes do mundo, um amplo e convidativo parque temático, um restaurante e equipamentos e outras peças antigas da cadeia produtiva. Da Enoteca, tive a oportunidade de beber um vinho de 1985, quase tão velho quanto eu. Muito bom! Na Luiz Argenta, a palavra é sofisticação. Do design das garrafas à adega, o apuro estético moderno é fascinante. Se fosse para me hospedar por lá novamente, provavelmente escolheria a pousada da vinícola Don Giovanni (www.dongiovanni.com.br). No casarão construído em 1930, são apenas sete apartamentos, atenciosamente decorados com móveis típicos e cercados por bucolismo. As diárias atualmente ficam entre R$ 300 e R$ 450 para um casal. O site www.rotaserragaucha.com.br reúne essas dicas e outras. Em geral, achei os preços semelhantes ou mais baixos do que se encontram em Pernambuco e Estados vizinhos.

GRATIDÃO E PAIXÃO

DELEITE Mesmo quem não é um conhecedor de vinhos pode aproveitar, e muito, a Serra Gaúcha e a calorosa acolhida de seus moradores

ENCONTRO Modernidade da Luiz Argenta (acima) e enoteca da Dal Pizzol (abaixo)

Depois de cinco dias, eu já tinha provado mais rótulos de vinhos do que posso me lembrar, pisado em uvas numa tina de madeira, passeado de trator entre videiras, visto e participado do processo de produção dos vinhos e, principalmente, sido conquistada pela paisagem e pela hospitalidade gaúcha. Era muito evidente a diferença do tratamento com o turista em relação a serviços de capitais do Nordeste e do Sudeste. Mais parecidos com os sertanejos, aqueles gaúchos transpareciam o orgulho que têm pelo que fazem, o que deixa o contato com eles ainda mais agradável. Além disso, a cuidadosa caracterização dos espaços, com resgate histórico, valorização das tradições e dos cenários locais são irresistíveis. Em seus discursos, eles demonstram gratidão e paixão pelos vinhedos, algo que se aprende em casa, tomando vinho desde pequeno e entendendo o quanto ele é importante para a família. Posso ser leiga em enologia, mas não sou inocente a ponto de acreditar que eles não têm seus problemas. Mas problemas temos todos, não é mesmo? Os meus eu gostaria de esquecer em outra viagem igual a essa.


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Recife I 26 de janeiro de 2014 I domingo

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Eles estão cada vez menores

MORADIA Tamanho médio dos apartamentos caiu 32% nos últimos dez anos e cresce oferta de unidades com dois quartos e até 46 m² Edmar Melo/JC Imagem

Emídia Felipe

emidiafelipe@jc.com.br

“A

pertamento” é uma palavra que definitivamente não faz parte do mundo das construtoras e imobiliárias, mas é muito popular entre quem não tem dinheiro suficiente para comprar um imóvel acima de 45 metros quadrados. O tamanho, quase que sempre distribuído em unidades de dois quartos, tem sido cada vez mais comum na Região Metropolitana do Recife (RMR) e reflete uma tendência que deve se fortalecer nos próximos anos: com o déficit habitacional das camadas mais populares, as moradias compactas têm sido a saída encontrada pelas construtoras para atender essa demanda. Os consumidores, por sua vez, precisam ficar atentos às medidas mínimas exigidas pelas prefeituras e avaliar bem a compra antes de fechar o negócio. Segundo fontes do mercado, os apartamentos pequenos são opção para quem está comprando o primeiro imóvel, especialmente do programa Minha Casa, Minha Vida, que tem limite máximo de preço de R$ 170 mil dentro do Recife e de R$ 145 mil nas cidades da região metropolitana. Mas, além desse perfil, há também quem está migrando de moradias maiores, como a assistente social Marylene Maymone, 58 anos. Com previsão de ficar pronto em abril, o novo apartamento dela tem 49 m², metade do tamanho do atual. “Agora nós moramos sozinhos e a casa ficou grande demais”, comenta Marylene, que está se preparando para a adaptação. Esse processo vai incluir a compra de novos móveis: “Não vou levar nada. Vai ter que ser tudo novo, porque os móveis que tenho hoje são muito grandes”. Os números do Índice de Velocidade de Vendas (IVV), medido pela Federação das Indústrias (Fiepe) para o mercado imobiliário e que traz diversas informações sobre a

COMPACTO Apartamento decorado do Candeias Ville, da QGDI, que aparece no vídeo desta matéria na web, tem 45 m² comercialização de imóveis novos na RMR, demonstram o movimento de diminuição dos apartamentos nos últimos 10 anos. A média de espaço por unidade, que era de 92,7 metros quadrados em 2003, está chegando a 60 m² (veja quadro). É verdade que o crescimento da oferta de moradias estilo home service/flat também contribuiu isso. Esses empreendimentos têm apartamentos de até 22 m² e, somente no ano passado, foram vendidas 1.030 unidades, 89,8% delas entre 22 e 40 m². Contudo, o peso das habitações de dois quartos ainda é bem mais significativo - em 2013, essa estrutura foi vendida em 4.642 apartamentos, 46,7% deles com até 46 m². Nessa categoria compacta de dois quartos, a influência do MCMV é forte. Segundo o IVV, o programa foi o maior canal de vendas em 2013, com 39,1% da origem dos recursos. Com custos maiores, unidades menores garantem preços

mais acessíveis ao consumidor, como lembra o presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sinduscon), Gustavo de Miranda. Ele esclarece que atualmente o principal item na planilha de formação de preços é o terreno. Segundo o presidente, há alguns anos o índice de troca de apartamentos na permuta com o dono do terreno ficava entre 10% e 25% e hoje fica a partir de 55%. “Isso quer dizer que se você tiver um terreno onde é possível construir 20 unidades, 11 serão para pagar o terreno e os outros nove vão pagar toda a obra”. Todavia, ele reforça uma regra de mercado sobre o assunto: “No dia em que estiverem fazendo apartamentos que o mercado não absorva, tudo muda”.

q Mais na web Veja dicas de decoração para 45 m²: www.jconline.com.br/ economia

Não confunda dependência com depósito Responsáveis pela autorização dos empreendimentos imobiliários, as prefeituras definem tamanhos mínimos dos cômodos para que uma moradia seja habitável. No caso da Prefeitura do Recife, elas estão determinadas na Lei Municipal 16.292/97. Nessa legislação, está determinado o tamanho mínimo que o diâmetro de uma circunferência deve ter para cada espaço (veja quadro) - definindo dessa forma, e não com um limite por metro quadrado, a regra garante a circulação livre dentro do cômodo. Assim evita-se que sejam construídos quartos com paredes de tamanhos muito diferentes, deixando um lado muito curto e outro muito comprido, por exemplo. Dentre as medidas determinadas, está a de depósito, que, se a comunicação da construtora não for clara, pode ser confundido com dependência de empregada - isso ocorre quando a emprensa abrevia o rótulo para “dep.”. Enquanto o depósito tem que comportar o diâmetro de 80 centímetros, em um quarto o tamanho é 2,4 metros, além de ter regras de circulação de ar e iluminação. Preocupada em deixar claro para seus clientes que tinha uma acomodação correta para os empregados domésticos no empreendimento Espinheiro Family Class, a construtora Carrilho incluiu no anúncio a referência “dependência completa”, ressaltando o quarto próximo ao banheiro de serviço. “Como é um apartamento com perfil adequado a famílias com filhos, esse item faz diferença para o cliente”, explica a superintendente da Carrilho, Adriana Côrte Real. Coordenador do Procon Estadual, José Rangel esclarece que se o cliente se deparar com a palavra “dep.” sugerindo que ali é uma dependência de emprega e não deixando claro que, na verdade, é um depósito, deve denunciar o caso às entidades de defesa do consumidor. “Quando falta informação adequada e transparente, deixando margem para dupla interpretação, fere um dos direitos essenciais do consumidor”, alerta Rangel, que aconselha que a pessoa que se sentir prejudicada pode levar o caso à Justiça. “Só o fato de não estar claro já gera o motivo da denúncia ou da ação, não é necessário nem haver a compra”.


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Recife I 3 de agosto de 2014 I domingo

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Fotos: Michele Souza/JC Imagem

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CENTRO Irmãos Haluli e MJ Bandeira vão na contramão do declínio do comércio tradicional Emídia Felipe

emidiafelipe@jc.com.br

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endedor de “brebotes” na Rua Nossa Senhora do Carmo há mais de 20 anos, o homem a quem eu perguntei sobre as mais antigas lojas dos arredores acabou por fazer uma análise do que vem acontecendo com o comércio tradicional do Centro do Recife: “Estão fechando. É preciso muito investimento hoje em dia pra deixar a loja bonita. Tem muito imposto pra pagar e funcionário é muito caro. Aí os filhos preferem passar pra frente e alugar o ponto”. De fato, são poucas as empresas com 40, 50 anos ou mais que ainda estão em plena atividade. Mas elas resistem. E insistem. O meu analista econômico de ocasião não quis se identificar, temendo um tipo de represália que nem ele mesmo soube explicar. Essa postura não está restrita à timidez ou a simplicidade do vendedor. Uma grande loja que enfrenta o ocaso não quis falar com a reportagem, pediu que nem o nome fosse citado. Em outra, a Casas Maia, um simpático senhor de seus 60 anos conversou muito rapidamente com o JC, mas sem parar o que estava fazendo quando foi abordado, dentro da loja de lustres e outros artigos de iluminação. Ele embalava duas peças para presente, das quais não desviou o olhar enquanto dizia que a empresa completa sete décadas este ano, mas que não tinha interesse na matéria. Como estava atrasado para uma ida ao banco, eu o acompanhei na caminhada, sem sucesso na tentativa de que conversasse um pouco mais ou mesmo que dissesse como se chamava. No entanto, transpareceu sua insatisfação com o abandono que o Centro vem sofrendo. Seu discurso sugeriu que talvez a próxima geração da família – o negócio começou com o pai dele – talvez deixe a marca para o passado.

GERAÇÕES Sob o retrato dos pais, David posa ao lado dos filhos Paulus (esq) e David (dir), que estão implementando a nova fase do negócio, com comércio eletrônico e classificados online para os clientes divulgarem seus serviços de festas e eventos

VAMOS EM FRENTE

Perto dali, na Rua de Santa Rita, os irmãos Paulus, 32 anos, David, 34, e Soraia, 52, seguem num caminho contrário. Eles são filhos de David Haluli, um dos fundadores da Irmãos Haluli, referência principalmente em matérias-primas e insumos para artesanato e confeitaria. “Se não tiver em Haluli não tem em canto nenhum. É como o povo diz”, orgulha-se o patriarca, de 83 anos e que ainda dá seu expediente na loja. Filho de uma libanesa e de um sírio, ele nasceu no Bairro de São José e, assim como aconteceria com os filhos anos mais tarde, ajudava no comércio do pai no horário inverso ao da escola. David Haluli abriu a loja com os irmãos quando o pai morreu, há 52 anos. Com o tempo cada um foi cuidando do próprio negócio e ele ficou com a Irmãos Haluli. Desde então, muita coisa mudou. O fluxo de pessoas, que vinha da rodoviária (hoje Terminal Cais de Santa Rita) era de comerciantes de outros Estados, que compravam no atacado. Agora, a Haluli é varejista. O consumidor ficou mais exigente e informado, o que requer mais treinamento da equipe e diversificação do mix. Hoje, a loja oferece também cursos gratuitos nos segmentos envolvidos pelos produtos que vende e prepara um site que vai divulgar os serviços que seus clientes oferecem para festas e eventos. Vieram também os chineses, sobre os quais David, o pai, só comenta: “Isso aconteceu com os árabes, 100 anos atrás. Vieram, moravam no prédio onde tinham as lojas. Curioso... agora são os chineses”. Em maio deste ano, a Haluli deu outro passo à frente: colocou no ar seu comércio eletrônico. “Até então tínhamos um site institucional. Recebíamos muitos emails perguntando sobre como comprar”, conta Paulus. Cerca de 95% das vendas pelo site são para outros Estados, incluindo Amazonas e Rio Grande do Sul. Para o futuro, a família considera a exportação, uma vez que hoje a Haluli já recebe clientes de Portugal, Espanha e Argentina – muitos deles brasileiros que moram nesses países e vendem artesanato por lá. Se a Haluli é referência para artesãos, a MJ Bandeira é conhecida por chefes de cozinha e amantes da culinária natural. Entre grãos, temperos e raízes, encontram-se Inaldo Domingues, 64 anos, e Manoelina Ferreira, 33. Tio e sobrinha atendem os clientes enquanto “Dona Sílvia”, apelido que ela usa por não gostar do nome verdadeiro, está no caixa. Mesmo com as marcas de expressão indicando que ela sorri muito, Dona Sílvia, 68 anos, afirma que é arengueira. Parece muito mais ser elétrica. Ela assumiu o negócio aos 27, quando o pai morreu e se viu como chefe da família: a mãe e os nove irmãos mais novos dependiam do comércio. Hoje, sua rotina começa às 5h: de Candeias, segue para um haras que mantém em Boa Viagem, de onde parte para a loja. “Estou fechando o haras, é muito trabalho”, revela a empresária, que bateu o pé e disse que não queria nenhuma foto dela no jornal. O perfil do mix de produtos da MJ Bandeira foi se adequando com o tempo: começou basicamente com fumo trazido de Chã Grande e, a partir da tendência da vida saudável, migrou aos poucos para o que é hoje. Além do marido e da sobrinha, Sílvia conta com a filha, que estudou medicina natural e cuida dessa área na empresa. Já Manoelina fez faculdade de administração para abrigar seu talento para o comércio, que deve guiar o futuro da empresa. Dona Sílvia, incansável, diz que não tem o mesmo gosto pela atividade, mas “já que entrou, não tem como sair”. De todo modo, seja por gosto ou necessidade, a Irmãos Haluli e a MJ Bandeira mostram que parte da história do comércio do Centro deverá se manter na rotina dos consumidores por muito tempo.

Eles resistem

em família

TALENTO Manoelina, sobrinha de “Dona Sílvia”, fez administração para profissionalizar o tino comercial que desenvolveu ao lado do tio, Inaldo. Junto com a filha Vânia, ele vem adequando o mix de produtos à tendência da vida saudável


Recife I 18 de fevereiro de 2014 I terça-feira

economia

jornal do commercio 9 www.jconline.com.br

Afrouxe a corda do pescoço DÍVIDAS Sair do vermelho para o azul nas finanças pessoais pode ser difícil, mas é possível. Tudo começa com pequenas mudanças Emídia Felipe

emidiafelipe@jc.com.br

C

ompradores compulsivos, endividados em excesso e inadimplentes estão se tornando categorias cada vez mais comuns entre os consumidores. Apesar disso, quem tenta sair do vermelho pode se sentir solitário na hora de resolver os problemas trazidos pelas dívidas: enquanto o estímulo ao crédito e às compras vêm do governo e das empresas, a ajuda a quem precisa sair do vermelho é mais escassa. Mas especialistas garantem que, após assumir que precisa de ajuda, é possível driblar essas dificuldades, sair das armadilhas do consumo e passar a conviver bem com o dinheiro que ganha. Segundo dados da Fecomércio-PE, a inadimplência em Pernambuco – pessoas com débitos atrasados há mais de 90 dias – era de 23% em 2012 e chegou a 31,1% este ano. Consultor da Fecomércio-PE, Osmil Galindo avalia que esse número ainda não é alarmante, mas está bem próximo de ser: um índice de 40% a 50% é considerado grave. “Esse processo de endividamento em excesso (acima de 30% da renda, onde estão 46% dos pernambucanos) afeta a produtividade das pessoas, afeta o resultado delas nas empresas onde trabalham e a família”, diz o economista. Ele pondera que a falta educação financeira é uma falha da nossa sociedade e que o poder público deveria encarar isso com mais seriedade. Soma-se ao despreparo para lidar com dinheiro a imersão do consumidor em mensagens que incitam a compra – especialmente conectando esse ato ao bem-estar, ao status e autoestima. Não é à toa que uma equipe ideal de apoio a quem quer organizar as contas inclui psicólogos. “As bases dessas dificuldades estão principalmente na falta do autocontrole do consumo. As pessoas não controlam o desejo e ficam nessa busca por compensações através da compra, como um alívio para os sentimentos negativos”, pontua a especilalista em neurociência do consumidor Remédios Antunes. “Em geral, essas pessoas estão muito fragilizadas, envergonhadas, entendendo a situação como de fracasso; e ela não pode se impor esse tipo de barreira. Por isso, primeiro se pergunta qual relação dela com o dinheiro. Temos que perguntar: por que você está usando o dinheiro como o sentido da sua vida? O primeiro passo do tratamento é corrigir essa distorção”. Entre as principais orientações de Remédios e dos economistas Osmil Galindo e Amanda Aires, destaca-se uma pergunta que pode demarcar uma nova postura de quem está devendo: “Eu realmente preciso disso?”. Eles ressaltam que os primeiros passos rumo às contas “azuis” podem ser dolorosos, mas são suportáveis com a perspectiva de melhora em um futuro breve. Para isso, orientam foco na organização das receitas e das despesas; na conscientização da relação que se tem com o dinheiro; e na realização de sonhos – que podem ser metas grandes ou pequenas, para si mesmo ou para a família (veja jogo ao lado). “A maior dificuldade é ter consciência e aceitar que inevitavelmente vai baixar o padrão de vida”, comenta Amanda Aires, “isso não quer dizer que você vai cortar todos os seus gastos, mas é preciso cortar alguns e, se possível, aumentar a receita. É preciso entender que é um sacrifício temporário”.

Ir atrás de ajuda é o 1º passo Para a especialista Remédios Antunes, independentemente da causa, o endividamento em excesso exige que a pessoa busque ajuda, especialmente quando esse problema está comprometendo a sua qualidade de vida, as relações pessoais, familiares e profissionais. “Esse é o sinal vermelho. Tanto para tratar a angústia e depressão, o que é muito comum porque há preocupação excessiva, quanto as finanças.” Depois de mapear todas as dívidas, saber quanto ganha e quanto gasta por mês, é hora de partir para a negociação com os credores. Esses processos podem ser facilitados com ajuda de órgãos de defesa do consumidor e do programa Proendividados, do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) – algumas das poucas instituições que ajudam quem está tentando negociar junto às empresas O coordenador do Procon Estadual, José Rangel, diz que o consumidor deve levar as propostas dos credores para análise do órgão, mesmo que elas pareçam vantajosas. Ele alerta que, em geral, as empresas aplicam juros e correções monetárias abusivas, além de já terem omitido informações importantes na hora da venda do produto ou da concessão do crédito.

Perfis dos devedores são variados Em seu doutorado, dra. Remédios Antunes trabalhou com uma categoria cada vez mais encontrada entre quem está devendo: a dos compradores compulsivos. Eles são endividados, embora nem todo endividado seja, necessariamente, um comprador compulsivo. Apesar de ainda não ser reconhecida como uma doença, essa vontade descontrolada de comprar está subclassificada dentro dos transtornos do controle dos impulsos (assim como os por comida, sexo e internet) e já afetam de 5% a 8% da população de consumidores no mundo, o mesmo índice da depressão. Independentemente do tipo de problema com as dívidas, dra. Remédios comenta que o público de baixa renda é mais afetado pela falta de suporte para contornar a situação, especialmente por parte do poder público. “Infelizmente os mais pobres, os idosos e os jovens são bem mais vulneráveis”. Segundo a pesquisa da FecomércioPE, os maiores índices de inadimplência estão nas famílias com renda até cinco salários mínimos (R$ 3.620), com percentuais entre 31,9% e 36,4%. No entanto, as classes A e B também estão entre as que mantêm dívidas atrasadas, com índices de até 26,1%. A economista Amanda Ayres acompanhou o caso de um funcionário público que passou a andar de ônibus depois que seus dois carros novos foram apreendidos por falta de pagamento. “O salário dele gira em torno de R$ 15 mil, mas ele havia elevado a vida a um padrão insustentável. Depois de dois anos, ele conseguiu acertar as contas”, relata Amanda.

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