Política Ética Cristã Cidadania

movimento Revista do Movimento Encontrão - Edição 09 - Ano 2016

EXPEDIENTE

Diante da situação econômica e política em que o Brasil se encontra,

e que vem causando preocupação a toda a população, trabalhamos esta edição sob um tema ao qual, como igreja, costumamos dar pouca atenção e, quando o fazemos, isso muitas vezes se dá com motivações partidárias.

Cada reflexão desta edição da revista Movimento nos leva a pensar nas atitudes que podemos tomar diante de cada situação, a fim de distinguir entre o que edifica e o que destrói.

Todas as nossas decisões têm consequências. Dessa forma,

podemos escolher o que convém e edifica, pensando no bem coletivo. Como cristãos, o que defendemos? O que podemos fazer? Podemos desenvolver

Revista Movimento Revista de circulação interna do ME Edição 9 Ano 2016/1 Tiragem: 4.000 exemplares Distribuição gratuita Diretor Executivo ME: Airton Härter Palm Coordenação Editorial: Jonatan Neumann Projeto Gráfico: Paulo Eduardo Sell Revisão: Simony Ittner Westphal Diagramação: Paulo Eduardo Sell

Movimento Encontrão Rua Francisco Caron, 630 CEP 82120-200 - Pilarzinho Curitiba/PR |41| 3302-5100 - me@me.org.br www.me.org.br

ações para trazer dignidade às pessoas, fazer a diferença na sociedade em que vivemos; servir a Deus por meio da nossa profissão, sendo competentes Temos trabalhado para que a revista

e honestos para exercermos a nossa cidadania.

Motivados pela situação do país, e pelo modelo assistencialista de

“entrega de serviços” para a população socialmente vulnerável, preparamos esta revista Movimento para ser um instrumento de edificação para você, sua família, seu grupo ou sua comunidade. Alguns dos autores serão preletores no Encontrão Nacional 2017, que, em comemoração aos 500 anos da Reforma protestante, tem como tema “Reformando para ser: igreja, discípulos e cidadãos”. Confira, portanto, esta última ênfase do tema nas próximas páginas.

Movimento seja um instrumento de comunicação e edificação do Movimento Encontrão, com seus líderes, doadores e demais identificados. Cabe aqui uma explicação: a revista é de distribuição gratuita, e os boletos que enviávamos com a revista eram usados para ofertas

que

cobriam

o

custo

de

edição, impressão e envio. Em 2016, passamos a pagar pela emissão de

Boa Leitura!

cada boleto, inclusive, mais ainda pelos não utilizados. Diante das mudanças

Elizete Jacobsen Administração ME

impostas e do alto custo, decidimos não mais anexá-los. No entanto, você pode ajudar, depositando o valor que estiver em seu coração, na agência 1808-2, do Bradesco, conta corrente 3216-6. Sua contribuição é muito importante para a manutenção deste trabalho.

ERRATA: Dieter Fertsch é de Vera Cruz/RS e não Cruz Alta/RS como mencionado na Edição 8, página 14.

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Ao criticarmos uma ideologia, poderemos, estar

questões justas. O problema está em o quanto as pessoas

defendendo outra. Adotar uma posição contrária a tudo

podem confiar sua lealdade a ponto de se tornarem

o que cheire a política ou, inadvertidamente, abraçar

cegas. É quando uma ideologia se torna um ídolo. Jesus

alguma proposta sem a devida crítica, são riscos que

nos adverte de que não se pode servir a dois senhores

corremos.

(Mt 6.24). Se tomarmos uma ideologia como digna

Quando se trata de ideologias políticas, a

representante, que dá conta de explicar toda a complexa

própria Bíblia tem sido utilizada para defender o

realidade da vida, então, estamos falando de um absoluto,

capitalismo liberal, o socialismo e o conservadorismo.

que substituiu o próprio Deus. E, para nós, cristãos, Deus

Com isso, perde-se o corpo de Cristo, a igreja, que se

é o único absoluto. Ele é o criador de todas as coisas.

vê fragmentada e, até mesmo, dividida por questões

Logo, tudo abaixo dele é relativizado e passível de dúvida

político-ideológicas. O risco é de agirmos pela lógica

e questionamento, especialmente depois da queda,

de uma crença pautada ideologicamente. E, assim,

realidade na qual nos encontramos todos (Rm 3.23).

sacrificamos os princípios e relativizamos os meios em

nome de um objetivo.

legitimamente, podemos reconhecer e valorizar. O

Como cristãos, costumamos dizer que a Bíblia

problema está em promover esse elemento como sendo

é o nosso parâmetro. A questão, no entanto, é: temos

aquele que confere sentido para tudo o mais. Sempre

lido a Escritura de modo que ela ilumine nossa vida ou

que atribuímos divindade a qualquer aspecto isolado

temos deixado que nossos próprios “óculos” culturais e

da criação de Deus, e fazemos a leitura da realidade a

ideológicos determinem a nossa leitura?

partir disso, corremos o risco de nos tornamos totalitários,

Não há como evitar que a nossa história e o

contribuindo para a injustiça. A história da humanidade está

nosso contexto influenciem a leitura da realidade e da

repleta de exemplos de como regimes, fundamentados

própria Bíblia. Como cristãos, no entanto, deveríamos,

numa ideologia radical, levaram desde a fragmentação

acima de tudo, ser desconfiados a respeito de nós

social até mesmo a grandes genocídios. O remédio está

mesmos. Vivemos um tempo em que parece ter ficado

em nos conscientizarmos de que Deus é Deus, e tudo o

muito fácil lançar “verdades” ao vento e nos comportamos

mais depende dele. Deus é o Criador, nós somos as suas

como donos dessas verdades. Essa mesma Bíblia, que

criaturas. Não vamos nos dobrar diante de ídolos feitos

prezamos tanto, porém, adverte que o coração é mais

por mãos ou mentes humanas! (Êx 20.3).

conscientemente

ou

inconscientemente,

Cada

ideologia

apresenta

aspectos

que,

enganoso que qualquer outra coisa, e sua doença é incurável. Quem é capaz de compreendê-lo? (Jr 17.9).

Uma ideologia pode, sim, ser capaz de

identificar questões legítimas e até mesmo defender

Rodomar Ramlow

FATEV

4

A humanidade é, inevitavelmente,

criação de Deus. Não somos nem feitura nossa nem produto de algum processo cósmico casual; a Bíblia afirma isso do início ao fim.

No relato da criação (Gn 1 e 2),

a humanidade foi investida, por Deus, de uma dignidade especial, considerada, não somente serva do Senhor, mas também representante

dele.

Assim

como

Deus

faz, seus representantes deveriam fazer, refletindo as características do Criador (“ter domínio” e “sujeitar” - Gn 1.28).

No relato de Gênesis 3, vemos o

homem e a mulher caindo no “conto da serpente”. Aquela criatura não lhes prometia nada novo, pois Adão e Eva já eram “parecidos com Deus”, criados à sua imagem

criação, com a humanidade, caiu.

e semelhança (Gn 1.26-27), feitos um pouco

menores do que Deus e coroados de glória

resultados e riqueza – a sacrificar a integridade. A corrupção nos torna

e honra (Sl 8.5). No entanto, eles erram o

insensíveis ao sofrimento alheio, ela nos conduz à indiferença e ao

alvo ao rejeitar a sua responsabilidade de

individualismo; a corrupção mata! A proposta do evangelho de Jesus de

controlar e dominar os seres viventes, falham

Nazaré vai em direção contrária: convida-nos para uma nova vida, uma

ao deixar de confiar no que Deus havia dito

nova forma de pensar e de agir. Por meio de Cristo, da sua Palavra e do

a respeito da sua identidade, tropeçam ao

seu Espírito, podemos voltar a ser solidários para com Deus, a criação e

não cumprir o mandato cultural, sob a direção

com os demais seres humanos.

Todos nós estamos sujeitos – na busca por reconhecimento,

de Deus e para a sua glória. Agora, os seres humanos explorariam o mundo para os seus próprios interesses. A corrupção, a falsidade e a desordem entram em cena, e a própria

Bebeto Araújo

Missão Aliança

5

O verso 12, do Salmo 33, é bem conhecido

derivam primordialmente da vontade humana ou de um

para a maioria de nós, especialmente, diante de

contrato social (Hobbes, Locke e Rousseau), tampouco

dois fenômenos recentes no contexto brasileiro: o

são meros mecanismos ideológicos de controle e

crescimento evangélico e a guinada de parte de sua

exploração social (Marx). Lembremos que, quando

liderança aos caminhos da política (partidária). Nessa

Pilatos diz a Jesus: “Não sabes que eu tenho autoridade

justaposição, já ouvi de tudo em termos da exegese

para libertá-lo ou crucificá-lo?”, mal sabia Pilatos que ele

desse verso. Sem ter tempo de entrar no mérito de

estava diante do Criador do céu e da terra, dos principados

diferentes interpretações, acredito que uma visão cristã

e potestades e das estruturas de poder. A resposta de

do Estado – e do poder – tem por princípio o seguinte: o

Jesus? “Não terias nenhuma autoridade sobre mim, se

Estado não é Deus.

esta não te fosse dada de cima” (Jo 19.11).

Portanto,

feliz

é a nação cujo Deus é o SENHOR é uma proteção contra qualquer tentativa de usurpação do poder absoluto que,

...feliz é a nação cujo Deus é o Senhor é uma proteção contra qualquer tentativa de usurpação do poder absoluto...

Ademais,

o

papel

do

Estado é carregar a espada (Lutero) e promover a justiça (Rm 13.2-7) e a de servir os seus irmãos (Dt 17.14-20), sem se colocar como a fonte absoluta

em última instância, não vem da criatura, mas do Criador.

de poder. Entretanto, isso só é possível se Deus for o

Na antiguidade, as figuras dos reis e imperadores

Senhor, ou seja, se ninguém ou nada quiser ocupar o que

estavam associadas a divindades, uma vez que eram

pertence exclusivamente ao Criador. Feliz é a nação cujo

identificadas como a fonte de poder. O problema com os

Deus é o SENHOR!

três amigos de Daniel, por exemplo, não dizia respeito, exclusivamente, à sua adoração a um deus estrangeiro, mas à sua não submissão completa a Nabucodonosor, ou seja, ao “Estado” (Dn 3). No entanto, essa forma idólatra de relação com o poder não se limita à estátua de ouro do monarca babilônico, ela pode ser vista no culto liberal ao indivíduo; no culto socialista ao líder e/ou ao partido; em governos totalitários; e, nas formas mais contemporâneas do anarco-capitalismo.

Entretanto, é importante ressaltar que as

estruturas governamentais de poder são esferas criacionais, legitimadas por Deus (Rm 13.1), e não

Josué Reichow L’Abri

Fazer o que é certo e não fazer o que é errado.

como uma vocação que liberta do jugo da lei, em direção

Essa poderia ser uma forma simples para explicar

a uma vida em liberdade com responsabilidade. Enquanto

do que trata a ética. No entanto, o que é “certo” e o

uns procuram a regra mais clara possível, que se aplique a

que é “errado”? A resposta a essa questão pode ser

cada situação dada, os outros procuram princípios gerais,

bem difícil, e ela depende de muito mais fatores do

que orientem as escolhas concretas. As duas formas

que normalmente se imagina. Neste pequeno texto,

de interpretar a Palavra de Deus têm sua legitimidade.

quero convidar você a refletir um pouco sobre o desafio

Mesmo que levem a formas bem diferentes de viver a fé,

de descobrir o que seria melhor fazer aqui e agora,

há boas razões para ver, em cada uma delas, esforços

tentando ser fiel ao evangelho de Jesus Cristo.

genuínos para levar uma vida orientada pelas Escrituras.

Com certeza, é muito mais fácil fazer o que é

Que o esforço genuíno não é suficiente para evitar que

certo e não fazer o que é errado do que descobrir o

ocorram equívocos, isso certamente fica claro quando se

que convém fazer em situações concretas! Por isso,

analisa suas consequências.

algumas pessoas se sentem mais confortáveis se

houver regras claras a seguir do que com a necessidade

tentando ser fiéis a Deus e ao evangelho de Jesus Cristo,

de avaliar as circunstâncias e decidir entre diferentes

ajuda-nos analisar algumas situações em que essa

alternativas possíveis, para agir com base em princípios

mesma pergunta estava colocada. Os Dez Mandamentos

evangélicos que as orientem.

(Êx 20) são provavelmente o testemunho mais eloquente

O conforto do caminho mais fácil, no entanto,

de uma resposta antiga a essa preocupação. Lendo-os

tem um preço: ele diminui em muito os graus da

atentamente, descobrimos que são nove proibições – e só

liberdade que o evangelho nos traz. Dentro da grande

um deles, o quinto, coloca uma orientação positiva para

família cristã, há muitos que estão convencidos de que

o agir: honrar pai e mãe. No judaísmo antigo, estudiosos

a fidelidade ao evangelho se cumpre melhor se, para

ampliaram essa ênfase nas regras proibitivas, muito mais

o maior número possível de situações da vida, forem

que a orientação relativa às coisas boas a se fazer. A

encontradas ou formuladas regras claras para o agir.

preocupação chegou ao ponto de se tornar polêmico se

Em algumas igrejas, isso chega ao extremo, a ponto de

um ovo botado no sábado, o dia de descanso, poderia

que, na mensagem por elas anunciada, parece que tudo

ser consumido sem desobedecer ao mandamento da

o que não é proibido é obrigatório. Os cristãos, dentro

santificação do dia de descanso. Afinal, botar um ovo

delas, não têm liberdade – mas também quase não têm

deve mesmo ser bem trabalhoso.

responsabilidade. Ao ter toda a sua vida regrada, até

nos mínimos detalhes, eles não são levados a sério;

quais, Jesus foi confrontado com regras proibitivas

são tratados como se fossem crianças.

detalhadas – e os impasses a que elas levam quando são

generalizadas. Marcos 12 reúne alguns exemplos. Já no

Outros percebem o evangelho de Jesus Cristo

Se nos perguntamos o que fazer, aqui e agora,

Os evangelhos relatam muitos episódios, nos

Sermão do Monte (Mt 5-7), promessas e orientações dadas

quando submetido ao duplo crivo do amor, ou poderá

por Jesus se intercalam com uma clara contraposição

ser inconveniente e até destrutivo para nós e para nossa

entre a antiga e a nova ética. Percebe-se ali que Jesus

coletividade.

incentiva os seus discípulos e interlocutores a pararem de

procurar regrinhas já prontas para cada situação da vida

da ética cristã. Obedecer é relativamente fácil; difícil é

e a tomarem suas próprias decisões sobre como agir,

escolher, com responsabilidade evangélica, o que convém

com base na mensagem da nova aliança, que ele estava

e o que não convém fazer em situações concretas;

ensinando. No episódio relatado em Marcos 12.28-34,

distinguir entre o que edifica e o que destrói. Interessante

ele inclusive coloca os dois mais elevados princípios para

que Paulo não diz que deveríamos fazer o que é “certo”

aqueles que querem ser fiéis a Deus: amar a Deus de todo

e deixar de fazer o que é “errado”. No dia a dia, essa

o coração, toda a alma, todo o entendimento e todas as

diferença nem sempre é tão clara. Talvez tenhamos que

forças – e amar ao próximo como a si mesmo.

escolher, frequentemente, entre alternativas das quais

Segundo esses relatos bíblicos, Jesus não impõe

nenhuma é totalmente “certa” nem totalmente “errada”;

nenhuma proibição a seus discípulos e interlocutores. Seu

apenas haverá umas mais convenientes e edificantes que

evangelho é a boa nova da libertação da escravidão do

outras.

pecado e da escravidão da lei.

decidir o que será adequado. Será necessário analisar

Os primeiros cristãos precisaram aprender, com

Talvez aqui esteja um dos maiores desafios

Em

muitas

decidir

e

só

nós

agir,

poderemos

muito esforço, como seria essa vida em liberdade. No

as

Novo Testamento, há diversos relatos sobre isso. Pedro,

consequências. Para isso, os seres humanos receberam

por exemplo, pensava inicialmente que seria necessário

o entendimento e, como cristãos, podem contar com

primeiro cumprir toda a lei judaica, para então experimentar

o discernimento do Espírito. Felizmente, no entanto, a

a libertação do evangelho de Cristo.

maioria das situações envolve outras pessoas, com as

Essa exigência está muito distante da boa nova

quais podemos compartilhar nossas decisões éticas.

do evangelho de Jesus, que simplesmente diz: “Ame a

Como cidadãos e membros de uma comunidade política,

Deus e ame ao seu próximo – e, com base nesse duplo

podemos discuti-las na esfera pública; como cristãos,

mandamento do amor, decida, em cada situação concreta,

podemos contar com o apoio da nossa comunidade

o que convém fazer!”. José Míguez Bonino, um teólogo

de fé. Juntos, temos muito mais chances de escolher

metodista argentino, escreveu, na década de 1970, um

corretamente, em situações específicas, aquilo que

interessante livro sobre ética, buscando atualizar essa

convém e que edifica, dando forma ao nosso amor a

mensagem de Jesus para nossos dias. Ele deu ao livro o

Deus e ao próximo. Juntos também poderemos encontrar

título: Ama e faze o que quiseres.

saídas mais adequadas, quando nosso agir anterior não

foi conveniente nem construtivo.

Poderia parecer então que tudo é válido, mas não

circunstâncias,

situações,

assumindo

as

é bem assim. O amor a Deus e o amor ao próximo fazem

com que a liberdade que nos é dada pelo evangelho venha

fé, em busca da melhor forma de agir, muitos descobrirão

acompanhada de um chamado à responsabilidade. Paulo

que é possível ser, ao mesmo tempo, um cidadão

interpretou muito bem essa mensagem, quando escreveu

dedicado e um cristão fiel ao evangelho, sem ter “dois

à comunidade de Corinto: Todas as coisas me são lícitas,

corações” (Tg 1.8).

mas nem todas as coisas convêm; todas as coisas me são lícitas, mas nem todas as coisas edificam (1Co 6.12).

O que fazemos ou deixamos de fazer quase nunca será certo ou errado em si. Será conveniente e edificante

Participando da vida pública e da comunidade de

Emil A. Sobottka PUC/RS

8

A política não está afastada da fé cristã. Pelo

outros deuses oficiais, era patrono da Pax Romanorum,

contrário: é possível utilizar diretrizes bíblicas para um

que foi estabelecida com a conquista das legiões sobre os

posicionamento político cristão. A começar por nossa

povos tidos por bárbaros. E, de fato, em geral, a situação

matéria básica, somos pó da terra, no qual Deus soprou

anterior à conquista era de disputas intermináveis entre

(Gn 2.7); portanto, somos feitos do mesmo chão em

tribos, imperava a bandidagem e, nos mares, a pirataria.

que vivemos. Temos que administrar a nossa vida aqui

O império, com eficácia considerável, trouxe alguma

na terra. E a gestão das nossas relações, enquanto

forma de paz, que foi celebrada em todas as partes.

comunidade humana, consiste na nossa política, que

Uma inscrição, na Ásia Menor, testemunha isto: “A

se aplica à nossa cidade (polis), ao nosso bairro, clã

Providência enviou-nos Augusto, como

e nossa família. Aquilo que não é politicamente administrado

está

em

estado de barbárie. Basta olhar

para

países

em

...devemos buscar os valores mais universais possíveis e devemos guiar-nos pela moral mais elevada (aquela proposta do Sermão do Monte).

Salvador, para

pôr fim à guerra e apoderarse de todas as coisas; o dia do seu nascimento foi, para o mundo, o começo da boa nova (evangelion)”.

Vemos,

guerra, ou recém saídos de uma, para se constatar o

portanto, que o César, líder político máximo do mundo

caos instaurado ali onde o aparelho de Estado tornou-

mediterrâneo, era um salvador que anunciava um

se frágil ou totalmente ausente. Até mesmo uma saída

evangelho e uma paz para seus súditos. Para nós,

de férias em família precisa ser negociada por meio

ele pode representar o esforço humano de resolver os

de política, para que ela não se rompa. É preciso que,

problemas do mundo (fome, miséria, insegurança, etc.).

bem ou mal, conjuguem-se as vontades e os poderes

de cada um em prol da unidade e do bem coletivo.

nossas tentativas de redimir o mundo com nossas

Tendo Cristo encarnado na terra, as relações

orientações políticas, variando entre esquerdas e

políticas foram levadas em conta pelo evangelho.

direitas, conservadores, progressistas e liberais, para

O preparo de Jesus advém, em grande medida, de

citar as mais comuns. Cada uma delas tenta dar seus

contextos políticos. Cristo é o Messias (o Rei futuro,

diagnósticos e propor soluções. E como ficam as pessoas

em Dn 9.25), que anuncia a chegada do Reino de

crentes em Cristo ante essas orientações? O evangelho

Justiça (não há reino sem rei, burocracia, ministros!).

é seguidamente submetido a ideologias. Ouvimos

O próprio termo “evangelho”, escolhido pelos autores

dizer que Cristo foi um socialista, ou que forneceu as

do NT, carrega uma conotação política, que está

bases para um pensamento liberal, mas a verdade é

profundamente enraizada no contexto da época. A Boa

que, desde o princípio da Era Cristã, passando pelo

Nova era a mensagem anunciada pelo império Romano,

advento do Estado Moderno, qualquer proposta política

na pessoa do César divinizado. Ele, juntamente com os

é devedora ou mera reação ao evangelho. Com isso,

Atualmente,

também

continuamos

com

1 Orientis Graeci Inscriptiones Selectae II.458.

temos de reconhecer a anterioridade da nossa fé, o

imperativo absoluto, considerando todos os indivíduos

que significa que não podemos ler o evangelho à luz

sempre capazes de saber o que fazer e como fazer,

do liberalismo ou do socialismo, nem nada semelhante.

e não pessoas “perdidas como ovelhas que não tem

O ensinamento de Cristo atravessa esses sistemas

pastor”, o cristão defende a liberdade verdadeira.

ideológicos, ora concordando, ora contradizendo-os.

Esta é a liberdade que Cristo nos dá: uma liberdade

Em Romanos 12.9-21, Paulo nos fala de virtudes que

relativa, condicionada, porque é contextualizada e

nos dizem muito sobre como devemos nos relacionar

está inserida numa realidade e não é uma gigantesca

com o outro. O apóstolo recomenda aos romanos “fazer

abstração, uma ideia. Somos libertos por Cristo para

o bem” e ter “paz com todos os homens”. Assim, nossa

sermos filhos de Deus. Nossa liberdade dá-nos uma

virtude cristã não pode limitar-se ao interior, mas resulta

identidade: é liberdade para sermos tudo aquilo o que

em sinais externos no mundo, do qual fazemos parte.

fomos criados por Deus para ser. Se a direita defende

A vida espiritual dá frutos na prática do bem. Sendo

valores e a moral, nós devemos buscar os valores mais universais possíveis e devemos guiar-nos pela moral mais elevada (aquela proposta do Sermão do Monte). E se a esquerda defende a justiça social, muito mais nós devemos defendê-la. Aquela defende a justiça com uma compreensão obtusa: é igualdade material e ponto. Já nós, temos que defender justiça social porque entendemos que cada indivíduo é imagem e semelhança de Deus, sendo, assim, bonito como foi criado, tendo valor em si mesmo e que deve ser celebrado como alguém especial. Então, muito

assim, nossos posicionamentos políticos são aqueles

mais do que a igualdade material, devemos buscar

que resultam no bem das pessoas. Isso guia nossa

a igualdade de dignidade e valor. O outro é tão digno

ação frente à miséria, à alienação, ao autoritarismo

e tem tanto valor quanto eu. O que a antropologia

dos governantes, à injustiça e todos os frutos da

chama de “o outro”, nós chamamos de “próximo”. O

maldade do ser humano caído. Há muitos terrenos

mandamento supremo que Jesus nos deu remete

que precisam ser ocupados pelos discípulos de Jesus:

a tal justiça social: “amarás o teu próximo”, sendo

conselhos municipais, projetos sociais e de diaconia

que este não é uma ideia abstrata como “povo” ou

e até cargos eletivos, sempre tendo como objetivo o

“classe”, mas alguém que vive perto de nós, com

bem de todos, não importando se há, nessa totalidade,

sua pobreza, depressão, desemprego, etc. Então,

pessoas pró-aborto ou contra, gays ou héteros, pagãos,

nossa missão de amar deve ajudar a ordenar a polis

neopentecostais ou umbandistas, nem mesmo se há

e instaurar o bem do Reino de Deus sendo, também,

anticristãos declarados. A boa política deve atingi-los

uma missão política.

igualmente.

O que o cristão defende? Quais são as nossas

orientações políticas? Acabam sendo atitudes mais à esquerda do que as da esquerda, mais à direta do que as da direita, e as que valorizam mais a liberdade do que os próprios liberais, e a colocam no lugar certo. Se estes buscam uma liberdade elevada ao patamar de

Leonardo Canali Kayser

Novo Hamburgo/RS

10

Será que a habilidade em tocar alguns

o auxiliar de escritório e o responsável pelos

acordes no violão pode ser uma ferramenta de

serviços gerais, quanto o músico que toca

transformação na sociedade? Depende de quem

seu instrumento musical. Todos nós, ao nos

o toca e onde o usa. Esse instrumento pode servir

desprendermos de nós mesmos para servir ao

apenas para embelezar algum cômodo da casa.

próximo com amor, podemos fazer a diferença

Pode, eventualmente, ser dedilhado de maneira

na sociedade, que sofre com inúmeras injustiças.

cômoda e confortável ou até mesmo ser utilizado

para incomodar outras pessoas.

ilustra essa verdade. Um sapateiro convertido

No entanto, quando pensamos no Projeto

perguntou-lhe o que deveria fazer para servir

Missão Morro do Meio, um projeto social da

bem a Deus. Ele, provavelmente, esperava que

Comunidade Evangélica de Joinville, em Santa

lhe seria sugerido fechar seu próprio negócio e

Catarina, não podemos esquecer que o violão

tornar-se pregador do evangelho, porém, Lutero

faz parte dos primeiros passos desse projeto,

lhe respondeu: “Faça um bom sapato e venda-o

e tem sido instrumento de transformação para

por um preço justo”. Ele serviria a Deus por

centenas de crianças, adolescentes, jovens e seus

meio de sua profissão, sendo um profissional

familiares. Os primeiros acordes foram tocados,

competente e honesto.

por trinta crianças, na biblioteca de uma escola

municipal. Hoje temos várias pessoas trabalhando,

melhor maneira possível! Não se acomode, até

em diversas áreas, e já alcançamos mais de mil

que haja transformação no meio em que você

crianças, em três escolas municipais diferentes.

vive. Sinta-se incomodado diante das injustiças.

Dentre

fato

acontecido

com

Lutero

O que você sabe fazer? Faça-o da

iniciativas

como,

por

Ore a Deus. Ele certamente mostrará a você

escoteiros,

oficina

de

os meios. Cristo morreu para nos salvar, e o

instrumentos musicais e idiomas, encontro com

Espírito Santo nos capacita a levar a salvação

jovens e adolescentes, jornal do bairro e entrega

na sociedade em que estamos inseridos.

exemplo,

outras

Um

grupo

de

de cestas básicas, também sentamos à mesa com diversas entidades para desenvolver ações que possam trazer dignidade às famílias. Um exemplo disso são as ações contra a violência infantil no bairro Morro do Meio.

Todos os profissionais podem dar o seu

melhor, em seu próprio ambiente de trabalho, a fim de dignificar os que estão à sua volta, tanto o médico, o professor, o engenheiro, o psicólogo,

Mario Angelo Pfutzenreuter

Joinville/SC

11 “Lancem sobre ele toda a sua ansiedade porque ele tem cuidado de vocês.” (1 Pe 5.7)

Em momentos de crise, somos frustrados em

nossos sonhos. Objetivos são frustrados, metas têm que ser revistas. Temos que racionalizar, ajustar, recortar. São tempos de purificação de nossas motivações, confiança e fé, que se veem desafiados, inclusive, abalados nestes tempos de escassez.

Muitas vezes, havíamos nos tornado arrogantes,

autossuficientes em nosso sucesso, perdendo nossa sensibilidade para com o que sofre ou experimenta desastres econômicos e pessoais. Na crise, percebemos que a bancarrota pode alcançar qualquer um de nós, aprendemos a nos sensibilizar com o outro, aprendemos a viver com menos e, assim mesmo, sermos gratos e felizes pelo que temos.

Felizes porque reaprendemos a confiar na bondade

de Deus, porque aprendemos a levar toda a nossa ansiedade e preocupação com o futuro a ele. A escassez

“ A escassez nos leva à criatividade, à busca de novos caminhos, a fazer as coisas de forma diferente.” nos leva à criatividade, à busca de novos caminhos, a fazer as coisas de forma diferente. É o momento de downsizing, sem abrir mão da integridade e de nossos sonhos e compromissos com a visão, missão e os valores. É o momento de reafirmarmos nossa fé e confiança, de que Deus tem cuidado de nós.

O importante na crise é encarar os fatos, com

realismo, sabendo que o amanhã poderá ser ainda pior e, mesmo assim, com confiança, buscar por caminhos alternativos,

preparando-nos

para

o

momento

de

retomada, que virá.

Dieter Brepohl

Lapa/PR

“

Quando comecei a exercer a medicina, havia poucos profissionais com formação gerontológica na cidade em que me estabeleci. Por isso, ao trabalhar com idosos, procurei exercer minha cidadania, aproveitando oportunidades para trazer informações em saúde à população, na área do envelhecimento, enfatizando primeiramente os cuidados preventivos com a saúde, os quais são sempre mais baratos e efetivos. Me dispus a dar entrevistas e a participar de reportagens para jornais e televisão, além de proferir palestras com frequência. Ajudei a fundar uma sub-regional da Associação Brasileira da Doença de Alzheimer, em Araçatuba, uma ONG que traz informação e apoio às famílias dos portadores da doença.

Junto à classe médica, participei da diretoria e até presidi, durante um mandato, a Associação Paulista de Medicina, regional Araçatuba, uma entidade que visa à atualização científica e à defesa profissional. Como cristãos, o mínimo que podemos fazer é exercer nossa profissão secular com a maior competência e honestidade possível. Isso já será um bom exercício de cidadania e glorificará a Deus.

“

Ricardo Wayhs - Araçatuba/SP

Muito se tem repetido, principalmente nos dias atuais, a frase dita por Abraham Lincoln: “Se quiser pôr à prova o caráter de um homem, dê-lhe poder”. Entretanto, para os cristãos que assumem o desafio de um concurso público, para carreiras que demandam alta carga de responsabilidade, poder de decisão e influência sobre pessoas, esse dito popular deve ser entendido como oportunidade de testemunho, em palavras e ações, no dia a dia profissional. O “quem somos” independe da atividade que é exercida por cada um. O testemunho é válido (e o seu alcance é maior do que imaginamos), mas, para vida de fé, o caráter do agente público cristão não deve mudar por se estar dentro ou fora do local de trabalho, antes ou depois do concurso público.

André E. Uba - Florianópolis/SC

Desde

o

Antigo

Testamento,

Deus

democráticos e num efetivo controle social. Isso não

estabeleceu uma ordem social a ser seguida que,

é à toa. A visão cristã de mundo, com os seus valores

caso fosse cumprida, traria prosperidade e justiça

de justiça, equidade, solidariedade e, especialmente,

para todos em Israel. Essa ordem social manifesta,

a distribuição de poder, considerando o mal inerente à

entre outras coisas, a sinalização do reinado de

condição humana e a sua tendência para a corrupção,

Deus na terra e traduz os elementos do seu caráter

estabelece o fundamento para a construção de

a das suas plenas intenções para a criação.

sociedades mais participativas e com uma efetiva

vigilância social sobre aqueles que exercem o poder.

O evangelho, por sua vez, não anulou as

implicações sócio-políticas do Reino de Deus. Ao

contrário, a própria palavra “evangelho” (euangelion,

abismo social e uma das maiores desigualdades do

no grego) traz profundas conotações políticas, uma

mundo; ao mesmo tempo, o país impõe uma das mais

vez que se trata de um termo com alto significado

altas cargas tributárias , com um Estado que se fortalece

político, não sendo um termo religioso usado

a cada dia. Nesse contexto, torna-se vital, para igrejas

primeiramente pelos seguidores de Cristo, mas

e organizações cristãs, que de fato almejam uma

uma palavra emprestada dos discursos de generais

influência no campo da reforma social, o exercício da

e césares romanos. Dessa forma, o “evangelho”

participação cidadã e da relação crítica com a cultura,

anunciava a vitória do imperador, a chegada do

os governos e a sociedade. No campo do terceiro setor,

“sóter”, o salvador, o realizador da paz (nesse

há muito devemos sair do mero modelo assistencialista

sentido, da “Pax Romana”). Quando os apóstolos e

de “entrega de serviços” para a população socialmente

primeiros cristãos mantiveram o termo “evangelho”,

vulnerável. Devemos migrar para o modelo da defesa

eles estavam tomando emprestado, da esfera

de direitos, empoderando a sociedade, especialmente

política, um termo que significava uma nova ordem,

os excluídos, rumo a uma participação cidadã efetiva,

não apenas “religiosa”, mas sócio-política, ou seja,

que toque nas estruturas de perpetuação das misérias e

um novo projeto civilizacional, o discipulado das

injustiças que ainda assolam o nosso país. O arcabouço

nações, diante do governo de um novo rei, conforme

jurídico e institucional do Brasil, felizmente, permite-

anunciado pelo anjo a Maria (Lc 1.31-33)

nos essa participação, fruto de uma luta histórica pelos

direitos civis e pela defesa da democracia. Resta-nos

O evangelho de Cristo nasce, então, num

No Brasil, ainda encontramos um enorme

contexto de abuso de poder, como esperança,

tomarmos o nosso lugar nessa jornada.

fé e plataforma de ação de uma comunidade

marginalizada, que sofria os efeitos da opressão,

participação popular e no controle social. Os espaços

anunciando um novo rei e uma nova realidade

garantidos

espiritual e temporal.

audiências públicas, consultas abertas, são espaços

legítimos de influência num país democrático, nos quais

Sabemos que culturas e países que

receberam uma maior influência cristã, histórica reformada, tendem a ter uma tradição de instituições mais

solidamente

arraigadas

nos

princípios

A base do sistema democrático está na como

fóruns,

conferências,

conselhos,

1 Segundo recente pesquisa, divulgada nos meios de comunicação e realizada em 30 países, o Brasil apresentou um dos piores desempenhos na avaliação do retorno que a população recebe na qualidade dos serviços públicos, em comparação com o nível da carga tributária.

11 os grupos podem militar por seu ideário e sua visão de

uma determinada gestão em exercício. Igualmente,

mundo, na busca maior pelo bem-estar da sociedade.

garantindo direitos para a população, e que podem

Desse modo, a participação cidadã deveria partir de

ser decorrentes ou não da pressão/proposição de

um compromisso do povo de Deus com o reinado de

movimentos sociais e de outros setores organizados

Cristo, com a justiça e com o próximo, e não apenas da

da sociedade. Esse trabalho de incidência em políticas

defesa dos interessas da própria igreja.

públicas poderá gerar a criação, implementação ou

A luta da igreja por sociedades justas, livres,

monitoramento de uma política, o fortalecimento de

solidárias e prósperas é uma luta histórica, e não

uma política já existente, ou mesmo o trabalho de

constitui nenhuma novidade na sua prática missiológica.

barrar algum retrocesso.

Há inúmeros exemplos de cristãos que foram agentes

de transformação e de reforma social, no seu contexto

natureza da realização da justiça – valor central

e na sua geração, nos mais variados aspectos e

do Reino de Deus – e aplicação da verdade do

dimensões da realidade social.

evangelho na dimensão do acesso aos direitos.

Para a realização de uma incidência política,

O exercício dessa competência não abre mão da

na perspectiva do Reino de Deus, todas as dimensões

identidade cristã, como motivador da iniciativa,

de atuação na sociedade devem ser abordadas, como

mas mantém a especificidade da ação, garantindo

esforço da Igreja de Jesus Cristo em santificar todas

a entrega legítima à sociedade, a saber, o direito

as coisas. Para o propósito de redenção de todas as

realizado à população.

coisas, em Jesus, todas as esferas da criação estão

sendo reconciliadas nele mesmo. Assim, a atuação em

custo, problemas históricos recorrentes da relação

incidência política, na perspectiva cristã, admite essa

dos evangélicos com a política: o messianismo

atividade, como ação em determinada esfera da criação

(segundo Paul Freston, “o projeto de mudar o

de Deus que, por sua vez, tem levantado homens e

homem no poder, em vez do conceito reformado

mulheres para cooperarem com ele na redenção dessa

de pecadores se controlando uns aos outros, num

dimensão da vida.

sistema de fiscalização mútua”); o triunfalismo

(a

Faz parte da missão da igreja realizar a defesa

A legitimidade de nossa ação está na

Da mesma forma, devemos evitar, a todo

crença,

absolutamente

não

comprovada

de direitos, falando contra a injustiça, defendendo a

historicamente, de que a presença dos evangélicos

causa dos pobres, responsabilizando as pessoas no

na arena política, automaticamente, de uma forma

poder e empoderando as pessoas para que falem

mágica – e não pela via do exercício da ética cristã,

por si próprias. Seu objetivo fundamental é trazer e

gerará bênçãos e transformações na sociedade); e

demonstrar as boas novas da vinda do Reino de Deus.

o corporativismo (a militância política apenas para

Vamos assumir o processo de incidência como

defender os interesses dos grupos evangélicos – e

aquele que busca “influenciar”, “alterar rumos”, “gerar

não do evangelho – ou para impor a sua visão de

impactos no processo de tomada de decisão” com

mundo à sociedade, pela via do poder, e não da

relação à criação, ao desenvolvimento, à avaliação, à

evangelização e do serviço). Nossa tarefa consiste,

correção e ao monitoramento de uma política pública.

portanto, na aplicação da verdade, no domínio social

Por política pública, entendemos aquela que, muito

das políticas públicas, orientados pela cosmovisão

além da política partidária, responde a interesses

e pela ética cristã, na busca pela sinalização do

públicos e que deve se constituir em política de Estado,

“oniabrangente” Reino de Deus.

de longo prazo, sintonizada e fundamentada pelo marco legal, ultrapassando as políticas de governo de

Mauricio Cunha

Aliança Cristã Evangélica Brasileira / CADI

14

13

Uma das expressões mais usadas, nos últimos

que autoridade e Estado, independentemente do nome

meses, no Brasil, é o Estado Democrático de Direito.

que levarem, não são a mesma coisa. Antes da queda,

Ela aparece, com frequência, na mídia televisiva, nos

Deus já havia concedido autoridade, ao ser humano, para

blogs da internet, nos comentários pessoais e nas

cuidar do jardim. Contudo, com a expulsão do Paraíso,

manifestações institucionais nas redes sociais, e assim

Deus traz à existência o Estado, para que, por meio dele,

segue. É possível ver, nessas múltiplas opiniões, que

a autoridade possa combater o caos que o pecado gera.

não há uma concordância acerca do que isso significa

Esse é o lado coercitivo do Estado. No entanto, cabe a ele

e qual a sua abrangência. Independentemente desse

ser também o guardião da justiça entre as pessoas, como

fato, a Constituição Brasileira, de 1988, estabeleceu

bem ensina Romanos 13.4.

o Estado Democrático de Direito como a realidade

Essa percepção, de que o Estado é o defensor da

jurídica a ser seguida pelos brasileiros. As raízes

justiça externa, desembocou, modernamente falando, no

para essa compreensão de Estado encontram-se no

Estado Democrático de Direito, como já mencionamos

pensamento do filósofo Immanuel Kant, no século 18,

acima. A maioria das teorias jurídicas de hoje, contudo,

quando de suas reflexões sobre a relação entre ética

não indica para o fato de que o Estado seja concebido a

e direito. A ideia fundamental era delimitar o poder

partir de cima, mas sim, de que ele é simplesmente um

dos príncipes absolutistas da época, criando, para

fruto da cultura e do “desenvolvimento moral” dos povos.

isso, uma divisão de poderes (executivo, legislativo

Essa noção secularizada de Estado, em boa medida,

e judiciário), bem como um conjunto de leis que

está bem presente na consciência de muitos cristãos. Por

protegessem os direitos fundamentais das pessoas.

isso, é nosso “tema de casa”, como Igreja, reconhecer,

A Bíblia, por sua vez, não conhece a expressão

no Estado de hoje, não apenas um produto do esforço

Estado Democrático de Direito. Como afirma o apóstolo

humano, mas sim uma instituição de Deus. Vale lembrar

Paulo, em Romanos 13, ela fala de autoridade que é

aqui que o Estado Democrático de Direito não é um

instituída por Deus. Nesse sentido, cabe lembrar aqui

sistema perfeito. Entretanto, quando delimita o exercício do poder, por intermédio da Constituição, ele abre espaço para o desenvolvimento individual da cidadania ética e responsável. Assegurar e aprofundar esse espaço são objetivos fundamentais da democracia. Por isso, como cristãos, queremos interceder pelo Estado (1Tm 2.1-4) e proceder com respeito e liberdade (1Pe 2.17), perante ele e seus representantes, apesar de toda a desconfiança que tenhamos hoje em relação ao sistema político e ao poder.

Mário F. Tessmann

FATEV