8 minute read
Coluna Vida
Vida
CELSO GUTFREIND
Advertisement
CACHORROS
Não há de ser enfadonho o nosso texto, porque foram só dois. Refiro-me aos cachorros, do título e da minha infância. Dois, mas decisivos, e os principais responsáveis pelo que houve de melhor na minha formação: empatia e força para o vínculo. Sem os meus cachorros, hoje eu seria um cachorro, no pior sentido.
O primeiro se chamava Bob e foi trazido do interior pelo meu avô caixeiro-viajante. Apresentado como um Fox, raça prestigiada na época, mas a cor, o tamanho e a quantidade de pulgas saltitantes punham certas dúvidas no ar. Meu avô morreu sem mostrar o papel do pedigree, mas o seu riso constante deixava claro que era mais um pícaro e pão-duro do que um mentiroso. Saudades do Bob! Saudades do avô!
Morávamos numa casa, em Petrópolis, e Bob só voltava à noite para comer, brincar e dormir. Ignorávamos onde almoçava. Dividia o harém das cadelas, nas redondezas, com Pirulito, o Fox legítimo de um vizinho calmo. Legítimo, mas sem a mesma categoria de viver.
Um dia, uma Cocker Spaniel, raça valiosíssima, pariu filhotes que custariam caro, não fossem tão diferentes dela. Seu dono, um vizinho brabo, pediu uma indenização para o meu pai, alegando a prova de que todos tinham a cara e o focinho do Bob. Até hoje não sei como a história terminou.
Bob foi atropelado quinze vezes, recolhido pela “carrocinha” umas dez e desapareceu por motivos ignorados, em outras tantas. Tínhamos passe livre no hospital veterinário da UFRGS, onde era costurado por jovens e talentosos cirurgiões, que o devolviam, quase intacto, à vida.
Achei que era imortal, mas não era. O derradeiro atropelamento atropelou-me também e até hoje o depuro em histórias infantis sobre cachorros e poemas sem cachorros para adultos. Nick, o cachorro seguinte, era um Fox oficial, como o Pirulito. Chegou malhado, sem pulgas, e sofreu o ambiente de uma família enlutada. Criado numa bolha à prova de acidentes, ele não teve culpa de ser o neurótico que sempre foi. Só fez sexo com almofadas, tinha tara por elas, especialmente uma malhada como ele. Mas jamais se expandiu nesse quesito.
Certa feita, uma mulher que passava pela rua, vendo-o dando voltas sobre si mesmo, iludiu-se de que havia ali um reprodutor e convidou-o para “cruzar” com a sua cadelinha. Lembro-me de tudo, infelizmente. Elas moravam na rua Silva Só, Nick e eu percorremos a pé a larga distância entre os bairros. A candidata era muito bonitinha, mas o noivo não aceitou nem a água oferecida pela dona. Língua de fora, arfando de tanto latir, não passou disso. A senhora insistiu que eu insistisse, mas considerei a atitude impositiva. E fomos embora, sob o eco de vaias e latidos.
Nick morreu virgem, de velho, na véspera de completar vinte anos, mas os seis de Bob foram mais intensos. Partiu jovem, no auge, como costuma acontecer com os heróis. Dentro de mim, Bob e Nick se complementam, como a vida e a morte, entre contrastes e diferenças.
CELSO GUTFREIND É PSICANALISTA DE CRIANÇAS E ADULTOS E ESCRITOR
Bebida
Preciosidades da
Campanha Gaúcha
POR BETE DUARTE
Bebida
OS PRECIOSOS VINHOS
DA CAMPANHA GAÚCHA
O ano de 2020, apesar da pandemia, vai ficar marcado como excepcional para os produtores de vinhos da Campanha Gaúcha. Além da excelente safra para todo o vinho brasileiro, os da Campanha acabam de conquistar o selo de Indicação de Procedência (IP), que atesta o caráter único da bebida elaborada na região. Responsável por 31% da produção brasileira, perdendo apenas para a Serra Gaúcha, foram mais de 5,6 milhões de litros vinificados em 2019.
O que torna a Campanha do Rio Grande do Sul tão particular são inverno e verão rigorosos, poucas chuvas, clima quente e seco, com boa variação térmica entre dia e noite, dias mais longos e solos que drenam bem a água, o que favorece a maturação e a sanidade das uvas. Grandes extensões de planícies e encostas pouco inclinadas favorecem a mecanização do trabalho agrícola, inclusive da colheita, apesar de muitas vinícolas investirem na colheita manual para preservar as uvas.
O selo de Indicação de Procedência garante que o vinho seja produzido dentro da área demarcada de 44.365 km2, de acordo com uma série de regras, e diz respeito a vinhos tintos, brancos, rosés e espumantes. Todas as uvas devem ser procedentes de vinhedos da Campanha Gaúcha. As áreas de uvas destinadas a vinhos tintos devem ter um rendimento máximo de 10 toneladas por hectare. Para vinhos brancos, 12 toneladas por hectare, e espumante, 15 toneladas.
Bebida
O presidente da Associação Vinhos da Campanha Gaúcha, Valter José Pötter, da Guatambu Estância do Vinho, ressalta que a IP é o reconhecimento de que a região produz vinhos de qualidade. “São 125 rótulos candidatos ao selo de Indicação de Procedência.”
Ainda não é possível falar em um vinho ícone da Campanha, como o Merlot é para a Serra. A região demarcada é muito extensa, são muitos terroirs e 36 castas viníferas registradas (18 brancas e 18 tintas). Aproveitando o conhecimento e a expertise adquiridos na Serra, empresas investiram em consultorias e análises de solo e passaram a experimentar diferentes castas. Um investimento alto que agora começa a mostrar resultados.
CAMPANHA X SERRA
Os vinhos brancos da região da Campanha, quando comparados com os da Serra, têm mais intensidade de cor, são mais alcoólicos e mais têm persistência em boca. Perdem apenas pela menor presença de acidez.
A Campanha está trabalhando muito bem os vinhos rosés, com diferentes uvas como Pinot Noir e Cabernet Sauvignon, por prensagem direta, o que resulta em um rosé de cor clara e muito aroma de frutas. Enquanto o vinho tranquilo (sem borbulhas) foi dando lugar aos espumantes rosés na Serra, a Campanha foi pioneira na recuperação desse estilo.
Os vinhos tintos, em relação aos da Serra, são mais aromáticos (lembram frutas maduras), são mais alcoólicos e mais encorpados, têm menos acidez e taninos mais redondos, mais macios. O que tem feito com que os tintos da Campanha ganhem muito destaque e conquistem cada vez mais apreciadores.
ENOTURISMO
Se já produziam vinhos de qualidade, o que muda com o novo selo? Clori Peruzzo, da Vinícola Peruzzo e que em junho deixou a presidência da Associação Vinhos da Campanha Gaúcha, diz que aumenta a credibilidade em relação aos produtos. E traz outro benefício: “O consumidor gosta de conhecer onde os vinhos são produzidos, com isso o enoturismo deverá receber um grande incremento”. Principalmente nas 10 vinícolas que possuem receptivo para turistas.
Clori, no entanto, ressalta que ainda há muito a fazer e que a pandemia veio atrasar os planos de desenvolvimento. Acredita, no entanto, que passado este momento, a Campanha deverá se tornar um importante destino turístico do país. Afinal, além de bons vinhos, o Pampa tem muito a contar das batalhas históricas de que foi palco e é berço das tradições, com gaúchos pilchados, comida campeira e churrasco em fogo de chão. INVERNO E VERÃO
RIGOROSOS, POUCAS
CHUVAS, CLIMA QUENTE E
SECO, COM BOA VARIAÇÃO TÉRMICA ENTRE DIA E NOITE,
DIAS LONGOS E SOLOS QUE DRENAM BEM A ÁGUA
Bebida
Campanha na taça
O sommelier Vinicius Santiago, diretor de degustação da Associação Brasileira de Sommeliers do Rio Grande do Sul, é especialista em harmonizações de vinhos com comidas. São dele as sugestões de como combinar alguns dos principais estilos de vinho da Campanha do Rio Grande do Sul.
BRANCOS
CHARDONNAY
Na Campanha, costuma ter destaque pela qualidade. Os vinhos têm bastante corpo, trazem aromas de frutas maduras, abacaxi, pêssego, nozes, castanhas. Passam por madeira, o que confere notas de manteiga.
HARMONIZA COM: frango com molho branco aves com molho cremoso filé ao molho de cogumelos salmão com molho de manteiga carnes vermelhas magras
GEWÜRZTRAMINER
Casta sensível, que não se dá muito bem com a umidade na Serra, está encontrando boa expressão na Campanha. Se mostra muito aromática, com exuberância de notas florais, como rosa e lichia. O vinho tem mais álcool, menos acidez e é bem equilibrado.
HARMONIZA COM PRATOS: aromáticos salgados bem temperados agridoces da cozinha tailandesa da cozinha vietnamita
SAUVIGNON BLANC
É uma uva bastante aromática, mas que perde os aromas muito rápido. Os vinhos de colheita noturna se destacam: são frescos e aromáticos, lembrando pera, maçã verde e um toque vegetal.
HARMONIZA COM PRATOS: saladas verdes ceviche sushi, sashimi pesto
Bebida
ROSÉS
ROSÉS
Costumam ser vinhos leves, frescos e muito frutados, remetendo a frutas vermelhas.
HARMONIZAM COM PRATOS: carreteiro carnes brancas risotos aves são um curinga, quando há dúvida se serve branco ou tinto
TINTOS
CABERNET SAUVIGNON
A uva está se dando muito bem na Campanha, onde consegue amadurecer muito melhor do que na Serra. O vinho apresenta taninos mais macios e boa acidez, com características de pimenta-do-reino, mentolado, frutas pretas (como cassis, cereja preta), especiarias. Diferentemente da Serra, onde remete mais a pimentão e tem muita adstringência (travando a boca, como quando se come um caqui verde).
HARMONIZA COM PRATOS: carnes com molho churrasco carne de panela ragu não muito gorduroso
TANNAT
O Tannat da Campanha é mais leve que o do Uruguai, mais redondo e mais macio. Utilizado em corte (combinação com outros vinhos), sem passar por barricas de carvalho, é mais leve e mais frutado. Com passagem por carvalho, tem mais estrutura e mais potência.
HARMONIZA COM PRATOS: rabada assados a lenha costelão assado no fogo de chão parrilla cordeiro
TEMPRANILLO
Uma das uvas que têm ganho muito destaque na região da Campanha, juntamente com as Castas Portuguesas.
HARMONIZA COM PRATOS: entrevero moranga caramelada escondidinho tubérculos (batata, aipim)