Revista Entre Saberes - Volume IV, N° 7, DEZ 2021

Page 1

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)


Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Sistema Estadual de Bibliotecas Escolares - SIEBE / SEDUC – PA Entre saberes / Secretaria de Estado de Educação. Cefor. - v. 05 .-- n. 07 .–Belém, PA : SEDUC, CEFOR, Dezembro 2021. Semestral ISSN: 2596-0431 Revista de relatos de experiência em foco do Centro de Formação dos Profissionais da Educação Básica do Estado do Pará (Cefor). 1. Educação – Ensino e Aprendizagem. 2. Metodologia. I. Secretaria de Estado de Educação do Pará. Cefor. CDD - 22. ed

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

2


Expediente “Entre Saberes” é uma publicação online de periodiocidade semestral, destinada à publicação de experiências educacionais exitosas, concebidas e realizadas por professores das escolas da rede de Educação Básica do estado do Pará, com objetivo de valorização desse docente e de propiciar o efeito multiplicador dessas práticas na rede.

GOVERNO DO ESTADO DO PARÁ GOVERNADOR Helder Zahluth Barbalho SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCAÇÃO

EQUIPE ENTRE SABERES AUTOR CORPORATIVO Centro de Formação dos Profissionais da Educação do Estado do Pará Endereço: Rua Gama Abreu, 256 - Bairro de Nazaré Belém – Pará CEP: 66.015-130 E-mail: ceforrevista@gmail.com

Elieth de Fátima Silva Braga SECRETARIA ADJUNTA DE ENSINO (SAEN) Regina Lucia de Souza Pantoja SECRETARIA ADJUNTA DE GESTÃO DE PESSOAS (SAGEP) Cleide Maria Amorim de Oliveira Martins SECRETARIA ADJUNTA DE PLANEJAMENTO E GESTÃO (SAPG) Delciene Loureiro Corrêa SECRETARIA ADJUNTA DE LOGÍSTICA ESCOLAR (SALE) Alexandre Buchacra

DIRETORIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA (DEB) Regina Celli dos Santos Alves

(Secretária Adjunta de Ensino em exercício)

CENTRO DE FORMAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO DO ESTADO DO PARÁ

EDITORES Nádia Eliane Cortez Brasil Sandra Lúcia Paris CONSELHO EDITORIAL Esther Maria de Souza Braga Francisco Augusto Lima Paes Nádia Eliane Cortez Brasil Sandra Lúcia Paris DIAGRAMAÇÃO Paulo Roberto Sousa David CAPA Edilberto José Figueiredo Silva Periodicidade: semestral Endereço eletrônico: https://issuu.com/entresaberes PARECERISTAS AD HOC Profª Ma. Esther Maria de Souza Braga Profº Me. João Amaro Ferreira Neto Profº Dr. Josivan João Monteiro Raiol Profª Dra. Maíra Maia Oliveira Profº Dr. Mauro Márcio Tavares da Silva Profª Dra. Míriam Matos Amaral Profª. Ma. Raimunda Nazaré Fernandes Profª Dra. Sandra Lúcia Paris Profª Ma. Valena Rodrigues Miranda REVISÃO GERAL Profª Ma. Esther Maria de Souza Braga

Francisco Augusto Lima Paes

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

3


Sumário APRESENTAÇÃO ................................................................................................................................

5

PRÁTICAS DE MULTILETRAMENTOS EM ESTRATÉGIAS DE ENSINO REMOTO À LUZ DA BNCC: LIMITES E POSSIBILIDADES DE APRENDIZAGEM NAS SÉRIES FINAIS DA EDUCAÇÃO BÁSICA ................................................................................................................................................ Marcilene do Carmo de Oliveira Miranda

8

TECNOLOGIAS EDUCACIONAIS NO SERVIÇO DE ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO: INTERATIVIDADE E PRÁTICA PEDAGÓGICA PARA A INCLUSÃO ........................................................................................................................................... Edinelza de Souza Caetano, Naia Lúcia Costa Martins e Dilene de Jesus da Silva

17

SABERES E PRÁTICAS NA ESCOLA: CONSTRUÇÃO DE CONHECIMENTO EM ESPAÇO MULTIDISCIPLINAR .......................................................................................................................... Neila de Jesus Ribeiro Almeida, Natália Karina Nascimento da Silva e João Alves Farias Filho

28

PROJETO ASTRONOMIA MAKER: UM RELATO EDUCACIONAL NO MUNICÍPIO DE ORIXIMINÁ/ PA ........................................................................................................................................................ Heitor Wilker Silva Barros

37

INTÉRPRETE DE LIBRAS: DA SALA DE AULA À SECRETARIA DE EDUCAÇÃO .......................... Walace de Souza Almeida e Walber Gonçalves de Abreu

44

A IMPORTÂNCIA DAS TECNOLOGIAS ASSISTIVAS PARA O ENSINO E A APRENDIZAGEM DOS ALUNOS COM DEFICIÊNCIA VISUAL ....................................................................................... Kemle Senhorinha Rocha Tuma

53

DESVELAR: O CUIDAR DA CURADORIA, COMO PROCESSO EDUCATIVO, NA ESCOLA PADRE EDUARDO, EM MOSQUEIRO-PA ......................................................................................... Gláucia de Nazaré Baía e Silva e Marcélia Monteiro de Carvalho

64

ACALANTO: DA CONSTITUIÇÃO DO GRUPO ÀS VIVÊNCIAS NO ATO DE CONTAR HISTÓRIAS .......................................................................................................................................... Adriana Duarte de Oliveira Gaia, Lucia Helena Alfaia de Barros e Melissa da Costa Alencar

73

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

4


Apresentação Quanto tempo de vida temos? Quando pensamos nesse questionamento, não nos vem à mente exatamente a ideia do quanto nos falta, mas do quanto o nosso percurso tem sido preenchido de vida, de significado. Sempre buscamos um sentido para a nossa existência e há vários percursos que podem trazer à tona esse significado. Uma das respostas possíveis para a indagação acima pode ser o quanto nos dedicamos para transformar a vida dos que nos cercam, seja em sua vida profissional ou pessoal, um fator de soma em sua comunidade. Esse é o objetivo da Revista “Entre Saberes”, que chega a sua 7ª edição. A revista é uma publicação do Cefor (Centro de Formação de Profissionais da Educação Básica do

Estado do Pará), que visa dar publicidade e valorizar práticas educacionais exitosas, concebidas e realizadas por professores das escolas da rede de Educação Básica do estado do Pará que querem e vivenciam uma educação transformadora; além disso, a revista busca promover reflexões a respeito dessas práticas e inspirar outras ações que tenham também como intuito o desenvolvimento da Formação Integral do Ser Humano. Na educação, como na vida, a mudança é um estado permanente, afinal, temos a possibilidade de reconstruir ideias, remodelar concepções, propor caminhos para ideias cristalizadas, esse é o sentido que nos move. Como educadores, movimentamos esse processo ao construir com os nossos alunos novos questionamentos e essas indagações, parafraseando Kafka, devem ser como “um machado para o mar gelado dentro de nós”[1]. Da inquietação é

que nos movemos e preenchemos de vida a vida. Não se trata de viver muito tempo, mas de fazer algo de significativo com o tempo que nos é dado. Ao refletir acerca desse processo constante de reconstrução, não posso deixar de pensar nos educadores que fazem parte desta edição da revista Entre Saberes. Relatos como o da professora Marcilene do Carmo de Oliveira Miranda, da Escola Estadual de Ensino Médio Júlia Passarinho, da cidade de Cametá, que em seu trabalho “Práticas de multiletramentos em estratégias de ensino remoto à luz da BNCC: limites e possibilidades de aprendizagem nas séries finais da educação básica”, propõe estratégias, com turmas da 3ª série do Ensino Médio, que envolvem práticas de multiletramentos, a fim de desenvolver habilidades em leitura e escrita, mesmo em um contexto adverso (o pandêmico). A autora motivou em seus alunos a

cultura da investigação, de modo que eles pudessem também partilhar conhecimento, além de valorizar o letramento local, integrando-os ao uso ético e responsável de tecnologias digitais em práticas do campo do saber Língua Portuguesa. Apresentamos também outro relato que envolve o uso de ferramentas digitais, mas na perspectiva da inclusão, intitulado “Tecnologias educacionais no serviço de atendimento educacional especializado: interatividade e prática pedagógica para a inclusão”, das professoras Edinelza de Souza Caetano, Naia Lúcia Costa Martins, Dilene de Jesus da Silva. O relato é fruto do projeto Além da Sala de Aula: Tecnologias e interatividade no SAEE, que tem Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

5


como objetivo criar aproximações e promover o trabalho cooperativo com alunos da Educação Especial da E.E.E.F. Nossa Senhora da Saúde, pertencente ao Município de Juruti-PA Já os educadores Neila de Jesus Ribeiro Almeida, Natália Karina Nascimento da Silva e João Alves Farias Filho também procuraram, em seu relato de prática, valorizar as experiências culturais locais como forma de estimular nos estudantes o protagonismo e a autonomia. Para isso, apresentam o relato “Saberes e práticas na escola: construção de conhecimento em espaço multidisciplinar”, da escola E.E.E.M Simão Jacinto Reis, município de Tucuruí-PA. Encabeçado por uma professora de Biologia com alunos da 1ª série do Ensino Médio, o projeto traz as vivências (e nelas as dificuldades) em reativar com os alunos um laboratório multidisciplinar há anos sem uso. Ao falarmos em práticas criativas de promoção à investigação científica, não podemos deixar de mencionar o trabalho do professor Heitor Wilker Silva Barros, no município de Oriximiná-PA, com três estudantes do Ensino Médio da escola E.E.E.M Padre José Nicolino de Souza. Ao oportunizar aos discentes um conjunto de ações didáticas (rodas de conversa e oficinas), por meio da conexão entre conhecimentos astronômicos e impressão 3D, o projeto “Projeto Astronomia Maker: um relato educacional no município de Oriximiná/PA” permitiu aos alunos projetar e construir um relógio solar digital. Todas as ações foram registradas em um diário de bordo, o qual permitiu um acompanhamento dos impactos das ações no desenvolvimento das habilidades dos alunos. O registro e o acompanhamento também foram os recursos empregados pelos pesquisadores Walace de Souza Almeida e Walber Gonçalves de Abreu para a produção do

relato “Intérprete de Libras: da sala de aula à Secretaria de Educação”. Nele, os professores relatam as experiências e dificuldades (como a sobrecarga de trabalho frente à significativa demanda da rede estadual) de um tradutor e intérprete de Libras-Português (TILSP) de uma turma de 8º ano de uma escola do município de Tomé-Açu. Além disso, os pesquisadores demonstram a importância do fortalecimento da legislação como fator relevante para a melhoria na qualidade da educação para surdos; além de evidenciarem o trabalho colaborativo que deve existir entre o intérprete de Libras e o professor como o primeiro passo para uma educação verdadeiramente inclusiva. E inclusão também é a palavra-chave do relato “A importância das tecnologias assistivas para o ensino e a aprendizagem dos alunos com deficiência visual”, da

professora Kemle Senhorinha Rocha Tuma. Em seu trabalho, ela ressalta a importância da construção de estratégias e ferramentas de auxílio para o ensino e a aprendizagem com intuito superar dificuldades e barreiras existentes e assim garantir os direitos de aprendizagem de três alunos com deficiência visual da E.E.E.F.M Alexandre Zacharias de Assumpção, do município de Belém. Também movidos pelo sentimento de alteridade, a escola E.E.M. Padre Eduardo teve a iniciativa de construir o projeto “Desvelar”, uma ação que prioriza a aprendizagem discente, por meio da pedagogia do cuidado, a partir de um trabalho colaborativo e integrado. As Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)


educadoras Gláucia de Nazaré Baía e Silva e Marcélia Monteiro de Carvalho conduzem-nos por esse percurso a partir do seu relato “Desvelar: o cuidar da curadoria, como processo educativo, na escola Padre Eduardo, em Mosqueiro-PA”. As educadoras mostram a mobilização, de professores e coordenação técnica e comunidade escolar, em garantir os direitos de aprendizagem dos educandos, a partir de uma avaliação formativa e qualitativa, mesmo diante de um devastador contexto. Ao pensar no poder transmutador da narrativa (em suas dimensões pessoais, sociais e afetivas) e em seu fortalecimento pela oralidade que as guardiãs das palavras Adriana Duarte de Oliveira Gaia, Lucia Helena Alfaia de Barros e Melissa da Costa Alencar nos apresentam o relato “Acalanto: da constituição do grupo às vivências no ato de contar histórias”, que conta as ações do Grupo Acalanto, uma forma de expressão e ressignificação dos afetos pela escuta calma, em um pleno exercício da alteridade, explorando em seu percurso a cosmovisão africana por meio da leitura de contos do escritor nigeriano Sunday Ikechukwu Nkeechi. Aproveitamos e agradecemos a todos os nossos professores autores, que gentilmente disponibilizaram seus trabalhos para esse momento. Agradecemos também aos pareceristas que avaliaram com respeito e critério os trabalhos aqui apresentados e, ainda, agradecemos aos professores convidados pelo apoio e disponibilidade. O CEFOR acredita no trabalho coletivo e que somente unindo forças nos modificamos e ao mudarmos, mudamos o mundo. A todos uma excelente leitura Comissão Editorial

[1] MANGUEL, Alberto. Uma história da leitura. 1º Ed. São Paulo: Companhia de Bolso, 2021.

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

7


PRÁTICAS DE MULTILETRAMENTOS EM ESTRATÉGIAS DE ENSINO REMOTO À LUZ DA BNCC: limites e possibilidades de aprendizagem nas séries finais da Educação Básica Marcilene do Carmo de Oliveira Miranda1 RESUMO Este relato apresenta reflexões baseadas em atividades delineadas na realidade educacional em turmas do Ensino Médio da E.E.E.M. Júlia Passarinho (Cametá-PA). Nesse contexto, foram analisados os limites e as possibilidades que se apresentaram nas estratégias de ensino remoto, o qual priorizou o uso de tecnologias digitais em salas de aula virtuais, durante o primeiro semestre letivo de 2021 nas aulas de Língua Portuguesa. Refletir e colocar em prática propostas de multiletramentos que evidenciaram, especialmente, as atividades avaliativas levaram a instituição a assumir alguns riscos como a evasão, por exemplo. Como suporte teórico foram usadas propostas e reflexões com base nas discussões de Rojo (2013) sobre letramentos, multiletramentos e tecnologias digitais de comunicação e informação, além de outras leituras importantes cujo movimento levava a imergir a uma realidade “inovadora” de sujeitos da educação abordando atividades que operacionalizaram e vivenciaram conceitos discutidos em sintonia com práticas sociais a partir de realidades de comunicação multiculturais em consonância aos aspectos abordados na Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2018). O processo permitiu compreender a necessidade de implementar ações de aprendizagem voltadas às mudanças pelas quais o mundo passou e vem passando neste cenário hipermoderno que pressupõe novas maneiras de ser, de fazer, de informar e de comunicar, aprendendo e ensinando em novos tempos. Palavras-chave: Ensino Remoto. Multiletramentos. TDIC. Cenário Hipermoderno.

INTRODUÇÃO Resultado de um complexo e delicado esforço para atravessar os limites impostos pela pandemia da Covid-19, o cenário educacional da atualidade nunca representou de forma tão intensa a realidade vivenciada nas instituições escolares. Apesar de toda a intimidade que os alunos “supostamente” apresentavam dominar quanto ao uso dos diferentes e “líquidos” aparatos tecnológicos, foi imprevisível supor que seria tão difícil e complexo um processo educacional prioritariamente mediado pelos telefones celulares, tablets, computadores e notebooks. A necessidade de estratégias de ensino cada vez mais eficazes atravessava a realidade de um cenário amazônico no qual os alunos (e até mesmo professores) não disponibilizavam

desses e de outros recursos multimidiáticos que pudessem assistir às atividades traçadas pelas coordenações das escolas. Esse, de toda e de certa forma, foi o principal entrave vivenciado por

1

Mestre em Ciências da Comunicação pelo programa de Pós-Graduação Comunicação, Cultura e Amazônia (UFPA); e especialista em Língua Portuguesa: Uma Abordagem Textual (UFPA); especialista em Gestão Escolar (UFPA). Integrante do Grupo de Pesquisa em Processos de Comunicação (PESPCOM/UFPA); do Projeto “A ciência no cotidiano: território propício à transversalidade”, submetido para Chamada CNPq/MCTI Nº 06/2021 - Linha A - Eventos de Abrangência Estadual ou Distrital; da equipe do projeto “Divulgação Científica e Inteligência Artificial: conhecimentos estratégicos para resolução de problemas e transformação social no Estado do Pará”, submetido para Linha A - Eventos de Abrangência Estadual ou Distrital: e docente de Língua Portuguesa na rede estadual e municipal da Educação Básica do Estado do Pará, em Cametá (PA).

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

8


boa parte dos profissionais docentes nestas plagas onde são escassos e limitados os sinais da internet, quer disponibilizados pelos dados móveis dos aparelhos ou pela conexão via wi-fi. Utilizados como estratégia considerada fundamental para a formação integral do jovem estudante, os temas que serão abordados neste projeto são oriundos de um processo de reflexão e posicionamento crítico para ações organizadas nas séries finais da Educação Básica de acordo com a Base Nacional Comum Curricular – BNCC (BRASIL, 2018). A intenção era definir temáticas com pressupostos e atitudes voltados a incentivar o estudante na formação de sua identidade e na dinâmica de se relacionar com o ambiente e a natureza que o cerca, de forma ética, crítica e cidadã. Todavia, não era possível escapar à nova realidade apresentada há alguns anos, antes mesmo de toda essa sobrevivência pandêmica: havia em nossas salas de aula um novo modelo

de leitor. Segundo Rojo (2013), não podemos mais falar de leitor-autor, mas de lautor. De certa forma, isso vem exigir de todo o processo de ensino-aprendizagem previamente pensado: [...] “novos escritos” [que] obviamente dão lugar a novos gêneros discursivos, quase diariamente: chats, páginas, twits, posts, ezines, epulps, fanclips etc. E isso se dá porque hoje dispomos de novas tecnologias e ferramentas de “leitura-escrita”, que, convocando novos letramentos, configuram os enunciados/textos em sua multissemiose ou em sua multiplicidade de modos de significar (ROJO, 2013, p. 20).

Diante da “aparente” contradição apresentada, foi necessário adentrar em leituras e experiências que pudessem auxiliar de forma menos complicada o processo ensinoaprendizagem, sem desconsiderar a necessidade de serem implementadas as propostas de multiletramentos que sempre fizeram parte de um quefazer teórico educacional no ensino de língua/linguagem; afinal, nessa instituição se busca adaptar na rotina docente estratégias que reúnam atividades de leitura com posicionamentos e análises críticos, orientando os jovens estudantes a produzir textos multissemióticos vivenciados em seu universo multicultural. Com esse propósito, a pretensão deste trabalho é refletir sobre as práticas de multiletramentos vivenciadas em 6 (seis) turmas da 3ª série do ensino médio na Escola Estadual de Ensino Médio Júlia Passarinho, na cidade de Cametá, no Pará, partindo das abordagens propostas prioritariamente por Rojo (2013), que, alinhada a um ideal freireano (FREIRE, 1989), supõe a proposta de uma leitura da realidade que precede a leitura da palavra. A instituição mencionada atende aproximadamente uma clientela de mil alunos, oriundos

de várias realidades: rural, ribeirinha e urbana; desse modo, é possível prever a complexidade que o projeto assumiu em tempos de ensino emergencial remoto, de modo a operacionalizar estratégias que pudessem garantir o básico e o mínimo do processo ensino-aprendizagem aliado às questões mundiais da pandemia, em uma região geograficamente complexa no que tange ao acesso de recursos tecnológicos com o uso de internet. Na esteira dessas abordagens, as reflexões teóricas vêm orientar os movimentos conceituais apreendidos nas dinâmicas e estratégias docentes traçadas no ensino remoto na escola mencionada, objetivando: Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

9


Acentuar e analisar práticas de multiletramentos adotadas nas estratégias docentes de seis turmas de 3ª série de ensino médio na cidade de Cametá-PA;

Identificar os limites, dificuldades e possibilidades de aprendizagem possíveis durante o primeiro semestre letivo do ano de 2021;

Sugerir alternativas que possibilitem o refinamento de futuras estratégias docentes.

Assim, este trabalho está organizado de modo a referenciar três tópicos principais: 1. Práticas de multiletramentos nas estratégias docentes; 2. Limites e possibilidades de aprendizagem

em

atividades

remotas;

3.

Proposta

híbrida

de

ensino-aprendizagem:

inquietações na sala de aula. O primeiro tópico conduz o leitor a (re)pensar sobre práticas de (multi)letramentos evidenciadas de maneira genérica e articulada à realidade apresentada, propostas no ensino e

na aprendizagem de língua portuguesa; o segundo revela, de forma bem sucinta, as estratégias utilizadas no início do ano letivo de 2021 a fim de garantir o currículo mínimo proposto pela Secretaria da Educação do Pará. Nesse tópico incide a reflexão de que a inexistência dos aparelhos tecnológicos não pode servir de impedimento para o trabalho docente que precisa fazer parte da cultura dos estudantes; e, por fim, o último tópico relata brevemente a utilização de alguns recursos (produtos culturais) que os alunos organizaram e construíram de modo a evidenciar gêneros, mídias e linguagens por ele conhecidos e, que de certa forma, vêm valorizar o processo de uso da língua/ linguagem a que eles estão imersos sem desconsiderar a variante da norma-padrão ensinada somente nos ambientes formais escolares.

Nessa dinâmica, foi essencial conduzir os estudantes a assumirem uma postura de pesquisador: tornaram-se sujeitos ativos interessados em investigar e obter respostas aos desafios que lhes foram apresentados, com o propósito crucial de acolher as diversidades existentes e apresentadas por eles. Considerar que há juventudes implica organizar uma escola que acolha as diversidades e que reconheça os jovens como seus interlocutores legítimos sobre currículo, ensino e aprendizagem. Significa, ainda, assegurar aos estudantes uma formação que, em sintonia com seus percursos e histórias, faculte-lhes definir seus projetos de vida, tanto no que diz respeito ao estudo e ao trabalho como também no que concerne às escolhas de estilos de vida saudáveis, sustentáveis e éticos (BRASIL, 2018, p. 463).

Como bem sugere ROJO (2013), que esse protótipo possa servir de inspiração para que outras estratégias sejam remodeladas dentro dos universos escolares e tornem o processo ensino-aprendizagem mais significativo e pautado dentro de um quefazer crítico, coletivo e multicultural. PRÁTICAS DE MULTILETRAMENTOS NAS ESTRATÉGIAS DOCENTES Conceituar multiletramentos “por meio do prefixo “multi”, para dois tipos de “múltiplos” que as práticas de letramento contemporâneas envolvem: por um lado, a multiplicidade de Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

10


linguagens, semioses e mídias [...] e, por outro, a pluralidade e a diversidade cultural” é considerar um complexo e importante desafio dentro das instituições escolares: “trazer aos alunos projetos de futuro que considerem [...] a diversidade produtiva, o pluralismo cívico e as identidades multifacetadas” (ROJO, 2013, p. 14). Assim entendido, urge então a necessidade de embasar as estratégias docentes por meio de perspectivas híbridas e críticas de ensino e de aprendizagem. O caráter normalizador e doutrinador das práticas de letramentos exigidas em todos os livros didáticos precisam estar articulados a um saber que faça sentido e faça parte do universo cultural do aluno, pois “as escolas brasileiras também precisam considerar os letramentos locais de um alunado diversificado” (LIMA; DE GRANDE, 2013, p.39). Além disso, Se os textos da contemporaneidade mudaram, as competências/ capacidades de leitura e a produção de textos exigidas para participar de práticas de letramento atuais não podem ser as mesmas. Hoje, é preciso tratar da hipertextualidade e das relações entre diversas linguagens que compõem um texto, o que salienta a relevância de compreender os textos da hipermídia (LIMA; DE GRANDE, 2013, p. 44).

Fica nítida a necessidade do desprendimento das práticas tradicionais de letramento, as quais são isentas de debates e posicionamentos críticos, e que anulam a criatividade e a realidade discente. Nessa perspectiva, consideramos pertinente as decisões pedagógicas orientadas na BNCC, levando em conta o [...] que os alunos devem “saber” (considerando a constituição de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores) e, sobretudo, do que devem “saber fazer” (considerando a mobilização desses conhecimentos, habilidades, atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho) (BRASIL, 2018, p.13).

O processo, então, deve ir além da leitura e da escrita predominantemente pragmáticas, pois o mundo contemporâneo e a escola precisam estar integrados. Não significa negação de práticas já existentes, mas que a elas seja acrescida a democratização da qualidade educacional, por meio de projetos ousados, no sentido da imersão em um mundo cada vez mais multi (multicultural, multimodal), diante de um processo comunicacional multissemiótico. Trabalhar nessa abordagem, de modo a fazer com que o aluno se perceba um indivíduo crítico diante de suas produções escritas e nas experiências de leitura, foi o objetivo primordial traçado durante a experiência docente/ discente; estratégias que não estão distantes do cotidiano dos estudantes, mas que, muitas vezes, não costumam frequentar a sala de aula de forma legítima. Assim, o que se pretende apresentar é a relação existente entre diversos saberes, fruto dos interesses dos próprios alunos e que pode ser manifestado nas rotinas de sala de aula. Percebe-se, nesse ínterim, uma postura de engajamento colaborativo entre as áreas que contemplam a última série na etapa da Educação Básica, levando os alunos a perceberem um contexto não linear e não fragmento dos conhecimentos.

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

11


Ao compartilhar com as turmas parceiras as ações previamente pensadas, os recursos e os procedimentos pedagógicos que seriam necessários para desenvolver o trabalho rumo a um processo investigativo e dialógico permitimos adotar práticas novas nas quais aprender poderia constituir algo vivo e dinâmico, pois: O essencial da ação educativa é que os docentes entendam os novos desafios e repensem sua prática pedagógica, uma vez que atividades dinâmicas e colaborativas requerem um educador pesquisador que desenvolva uma visão de mundo holística, que atue levando em conta a diversidade cultural e social de seus alunos, contribuindo para que a educação transforme vidas ampliando horizontes de um fazer fragmentado, para práticas profissionais e educacionais compartilhadas, de maneira a construir um novo mundo, onde significados sejam compreendidos e postos a favor de um saber democrático e cidadão (CARPIM, 2014, n.p.).

Dessa forma, é valioso pontuar que os jovens estudantes que participaram das atividades

têm familiaridade com as práticas de multiletramentos, variadas e cheias de significado, visto que, mesmo de forma inconsciente, experimentam inúmeras práticas de letramentos, as quais se engajam todos os dias: leem textos de whats app e e-mails, frequentam salas de bate-papo, visitam portais de busca, outros até participaram de cursos extracurriculares; enfim, nosso papel foi dar visibilidade em determinadas experiências vivenciadas em situações não formais de aprendizagem. Considerando uma abordagem conceitual mais complexa de toda essa experiência, é válido pontuar o arcabouço conceitual apresentado por Soares (2017) a respeito do alfabetismo2. A pesquisadora pontua que nessa abordagem são desprezadas as peculiaridades e dessemelhanças entre leitura e escrita, o que leva à compreensão de que “alguém pode ter o

domínio da leitura sem ter o domínio da escrita – pode saber ler sem saber escrever; pode ser um leitor fluente e um mau escritor” (SOARES, 2017, p. 152), pois cada uma dessas atividades engloba habilidades muito diferentes. Da produção de atividades utilizando recursos audiovisuais, nos quais os alunos precisaram lançar mão de gêneros textuais entrevistando sujeito que, em sua maioria, não tinham nível de escolaridade completo, foi possível ratificar a abordagem conceitual apresentada em Soares (2017). Façanha complexa, sobretudo porque o necessário a quem se dedica à promoção do alfabetismo, como é o caso dos que militamos na área da educação, é a articulação dessa multiplicidade de perspectivas em uma teoria coerente, que concilie resultados, combine análises provenientes de diferentes ciências, integre estruturadamente estudos sobre cada uma das facetas desse denso e emaranhado fenômeno que é o alfabetismo (SOARES, 2017, p. 164).

Na esteira dessas considerações, na qual se pretende experienciar o alfabetismo (SOARES) apresentando propostas de multiletramentos (ROJO, 2013), considera-se de extrema importância

a

dinâmica

pedagógico-curricular

desenvolvida

em

estratégias

remotas

emergenciais em uma instituição pública educacional.

2

MOURA E ROJO (2012) abordam questões dessa natureza temática na obra “Multiletramentos na Escola”.

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

12


LIMITES E POSSIBILIDADES DE APRENDIZAGEM EM ATIVIDADES REMOTAS

As reflexões encontradas em Rojo (2013) permitem a reflexão sobre um grande questionamento: “o que fazer daqui por diante nas escolas de um mundo tecnológico e conectado”? Nesse sentido, novas práticas de letramentos não são simplesmente oriundas dos avanços tecnológicos. Desse modo, além de as instituições estarem predispostas a encontrarem seu lugar no ciberespaço, elas precisam se encontrar nos ambientes digitais “de maneira crítica, com diferenças e identidades múltiplas” (ROJO, 2013, p.7). Apreciar, compreender e avaliar a leitura e/ou a escrita considerando a produção de textos multissemióticos que evidenciam aspectos sociais e culturais do aluno não consistem em tarefa fácil. Desafio que se intensifica ainda mais ao imaginar a forma abrupta a que foram

“convidados” todos os agentes educacionais deste país a pensar e realizar a educação em tempos de pandemia. Ensino remoto, Ensino Remoto Emergencial, Ensino Híbrido, Novas Tecnologias de Informação e Comunicação, Internet, Recursos multidimiáticos, foram e são termos que, sem prévias explicações ou busca por interesse, conduziram ações nessa e em outras instituições educativas desde março de 2019. O mundo parava e o professor se agitava, pois a educação não podia parar. Grupos de WhatsApp, Telegram, google classroom, vídeos de apresentação e de conteúdos, áudios, podcasts, google forms, imagens, documentários, provas digitais, atividades em pdf, além de outros recursos, eram ensinados/aprendidos a qualquer custo em tempo recorde. Sem mencionar detalhes sobre os problemas de conexão por meio da internet, especialmente advindos de alunos sem recursos para a aquisição da rede nos dados móveis ou no wi-fi, muitas vezes “emprestado” de alguém próximo. Nesse conturbado contexto, as mudanças exigiam alterações no quefazer educativo; o letramento digital foi a válvula de escape às dificuldades eventualmente surgidas. De certa forma, ele funcionou como garantia das estratégias de multiletramentos pensadas para desenvolver as ações no ensino remoto emergencial exigido na instituição mencionada. Seguindo a mesma direção, tal perspectiva nos possibilitou contribuir com uma “abordagem integrada dessas habilidades e de suas práticas”, propondo que os estudantes

pudessem [...] vivenciar experiências significativas com práticas de linguagem em diferentes mídias, situadas em campos de atuação social diversos, vinculadas com o enriquecimento cultural próprio, as práticas cidadãs, o trabalho e a continuação dos estudos (BRASIL, 2018, p. 485).

Os alunos, então, foram convidados a pensar e a desenvolver suas produções munindose de recursos tradicionais de ensino/aprendizagem, como: papel, lápis, caneta, livro didático etc., incorporados a ferramentas como: áudio, vídeo, imagem, diagramação etc.

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

13


PROPOSTA HÍBRIDA DE ENSINO-APRENDIZAGEM: INQUIETAÇÕES NA SALA DE AULA No mundo contemporâneo em que vivemos, marcado pelo encontro de culturas diversas, entre as relações sociais e digitais, faz-se emergente despertar o interesse dos estudantes para desenvolver o desenvolvimento de habilidades, atitudes e valores que possam contribuir na vida cotidiana e promover transformações positivas no mundo em que vivem. De uma forma bem generalizada, as propostas definidas para suprir a ausência da interação presencial entre professora e alunos consistiram na utilização de recursos como: a criação de grupos de WhatsApp e as turmas no Google Sala de Aula. Neles, eram depositados materiais de conteúdos e análises/discussões subjetivas e objetivas dos currículos mínimos a serem apreendidos pelos alunos. Por turma, era possível contar, em média, com 70% dos alunos mediados, especialmente, nos grupos de WhatsApp, criados exclusivamente para a

disciplina de Língua Portuguesa. Sempre que possível eram solicitadas chamadas de vídeo pelo Google Meet mas, em número demasiadamente reduzido, pois muitos alunos compravam pacotes de WhatsApp para ter acesso às atividades na maioria das disciplinas. Pelo Google Meet buscavam uma aproximação “presenvirtualmente”, o que ratificara a impossibilidade de substituir a relação face to face tão cara à qualidade do processo educativo. Vez por outra atividades de gravação do lugar onde eles viviam eram propostas aos alunos a fim de que eles percebessem e analisassem este ou aquele componente curricular aliado à realidade em que estavam obrigados a permanecer. Alguns produziram excelentes registros fotográficos e interessantes documentários, armazenados nas memórias do computador da professora-pesquisadora. Outras estratégias consistiram em gravação de áudios, na produção dos famosos podcast. Assim, as práticas letradas se iam delineando de forma múltipla e multicultural. Foram produções

interessantíssimas

de

opiniões

discentes

sobre

o

componente

curricular

“Modernismo”, além de emocionantes áudios com as gravações das poesias prediletas seguidas de justificativas das escolhas. Alguns alunos organizaram produções poéticas autorais, o que ressignificou de forma produtiva todo o processo. É válido ressaltar que todo o processo conduziu a um quefazer educativo, no qual mesclou-se ações do ensinar e do aprender, visto que é preciso pontuar que a ação docente se

tornou discente junto com os alunos. Na maioria dos casos, o professor não pode ser especialista devido à própria natureza das coisas. Disso decorre que ele deve adotar o papel de aprendiz. Do ponto de vista pedagógico, tal papel, na realidade, é preferível ao de especialista. Implica ensinar mediante métodos de descoberta e pesquisa (ELLIOT, 2003, p. 148).

A parceria adota entre professora e estudantes, deslocando-a do lugar de detentora e transmissora do conhecimento para o de sujeito, que orienta e dinamiza o processo educativo, estimula que, diante de todos os desafios e (im)possibilidades apresentados, permanece vivo o verbo esperançar, na esperança de que a proposta de multiletramentos em tempos de ensino Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

14


remoto garantiu a qualidade educacional planejada e desejada em um lugar no qual era possível se relacionar, e aprender mais que ensinar, numa interação virtual, crítica, diferente e múltipla. CONSIDERAÇÕES FINAIS Imersos na sociedade e nas múltiplas linguagens líquidas, foi e sempre será preciso ultrapassar as estratégias tradicionais de letramento, sem desprestigiá-las, mas considerando que, em tempos hipermodernos e diante de todo o cenário assistido e vivenciado, a nova sala de aula trouxe o aluno nativo digital, o qual, na maioria das vezes, foi ignorado pelo professor. Hodiernamente surge a necessidade de mudarmos e/ou adaptarmos as condições de produção e de leitura, pois nossos lautores constituem-se como sujeitos que protagonizam e intervêm na construção de conhecimentos significativos, atuam como editores de áudio e vídeo

em suas próprias casas, constroem recursos tridimensionais com objetos que são combinados com textos de diferentes estruturas; o que eram meras práticas de letramento agora passam a ser estratégias de multiletramentos. As produções dos áudios, vídeos e as reflexões registradas nos materiais disponibilizados pelos links de acesso ao Google Forms e/ou ao Google Meet evidenciaram a importância de uma educação linguisticamente multiletrada, por meio de atividades sistematicamente organizadas com autonomia e criatividade, objetivando alcançar o pensar e o fazer críticos no processo reflexivo dos jovens estudantes. Contudo, mesmo diante da aplicação das estratégias de ensino/ aprendizagem da disciplina Língua Portuguesa assumindo a proposta dos multiletramentos com as turmas de 3ª

série do ensino médio em uma escola pública na cidade de Cametá (PA), observou-se algumas limitações, especialmente na realidade dos estudantes que não disponibilizavam dos aparatos tecnológicos. Nesses casos, os alunos precisaram se deslocar até à coordenação da escola para realizar as atividades que eram desenvolvidas no sistema online de forma impressa, considerando a importância destes no processo inclusivo educacional em tempos de pandemia. De certa forma, esse conjunto de estratégias planejadas e executadas de leitura e de escrita ganharam novo sentido no processo de imersão dentro da própria realidade de cada turma, em cada conteúdo. Ler e escrever em processos de pré-pandemia sempre consistiram em intensos e complexos desafios. Em plena pandemia, tudo se intensificara em proporções inimagináveis. Quiçá seja uma preocupação das políticas públicas educacionais vindouras a produtiva e eficiente inclusão de circuitos de tecnologias digitais em nossas escolas, indo além da mera aquisição de aparatos tecnológicos, como laboratórios com computadores e/ou tablets, mas que possamos, todos, usufruir de estratégias de interação e colaboração proporcionada por tais ferramentas, compatíveis com a própria realidade.

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

15


REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC/SEB, 2018. CARPIM, Lucymara. Formação continuada e a prática pedagógica do professor universitário: um fazer colaborativo. Petrópolis, Vozes, 2014. ELLIOT, John. A docência como aprendizagem. In: CARBONELL, Jaume Sebarroja (org.). Pedagogias do século XX. Trad. Fátima Murad. Porto Alegre: Artes Médicas, 2003. cap. 11, p. 146-148. FREIRE, Paulo. A importância do Ato de Ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Autores Associados. Cortez, 1989. LIMA, Mariana Batista de; DE GRANDE, Paula Baracat. Diferentes formas de ser mulher na hipermídia. In.: ROJO, Roxane H. R. (Org.). Escol@ conectada: os multiletramentos e as TICs. São Paulo: Parábola Editorial, 2013. ROJO, Roxane H. R. (Org.). Escol@ conectada: os multiletramentos e as TICs. São Paulo: Parábola Editorial, 2013. SOARES, Magda. Alfabetização e Letramento. São Paulo: Contexto, 2017.

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

16


TECNOLOGIAS EDUCACIONAIS NO SERVIÇO DE ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO: INTERATIVIDADE E PRÁTICA PEDAGÓGICA PARA A INCLUSÃO Edinelza de Souza Caetano1 Naia Lúcia Costa Martins2 Dilene de Jesus da Silva3

RESUMO

Este relato de experiência denominado, tecnologias educacionais no serviço de atendimento educacional especializado: interatividade e prática pedagógica para a inclusão”. O referido trabalho é resultado do projeto Além da Sala de Aula: Tecnologias e interatividade no SAEE, desenvolvido com alunos público alvo da Educação Especial da EEEF Nossa Senhora da Saúde no Município de Juruti, PA, o qual objetivou implementar recursos de tecnologias educacionais no Serviço de Atendimento Educacional Especializado-SAEE, na pretensão de tornar as aulas mais interativas. Com isso, procurou-se pesquisar tecnologias educacionais voltadas para aprendizagem interativa no SAEE; criar atividades pedagógicas de modo que os recursos de tecnologias facilitassem o processo ensino aprendizagem; e por último, orientar os pais como utilizarem os recursos de tecnologia educacional para auxiliarem os alunos no feedback das atividades pedagógica. Para o referido trabalho usou-se a pesquisa-ação com abordagem qualitativa de análise documental e bibliográfica de embasamento teórico tais como: Franco e Guerra (2018), Lira (2016), Masetto (2013), Oliveira, Fonseca e Reis (2018), Perrenoud (2000). O respectivo trabalho relata a experiência de aplicação de atividades mediadas pelo uso de tecnologia com alunos público alvo da Educação Especial em contexto de inclusão. Palavras-chave: Tecnologias. Prática Pedagógica. Inclusão.

INTRODUÇÃO

Este relato de experiência intitulado “Tecnologias Educacionais no Serviço de Atendimento Educacional Especializado: interatividade e prática pedagógica para a inclusão” é resultante de muitas reflexões quanto ao uso das tecnologias educacionais, as quais contribuíram para a elaboração do projeto “Além da Sala de Aula: Tecnologias e interatividade no SAEE” como meio de aproximação entre docente-aluno-escola-família. Para tal, elegeu-se o respectivo problema: Como o professor pode tornar as aulas mais interativas no Serviço de Atendimento Educacional Especializado? A pretensão com o referido trabalho é compartilhar o resultado da experiência educacional na qual objetivou implementar recursos de tecnologias educacionais no Serviço de

1

Professora do Serviço de Atendimento Educacional Especializado-SAEE/SEDUC/PA. Professora de Educação Infantil e Ensino Fundamental I - SEMED/Juruti-PA, Graduada em Pedagogia pela Universidade da Amazônia – UNAMA; Especialista em Educação Especial e Educação Inclusiva – UNINTER, Especialista em Língua Brasileira de Sinais – Libras pela Faculdade Cruzeiro do Oeste - FACO. Especialista em Atendimento Educacional Especializado e Educação Especial - UCAMPROMINAS. Especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional UCAMPROMINAS. E-mail: edinelza.scaetano@escola.seduc.pa.gov.br 2 Especialista em Educação – SEDUC/PA. Professora de Educação Infantil e Ensino Fundamental I - SEMED/ Juruti-PA, Graduada em Pedagogia pela Universidade da Amazônia – UNAMA; Especialista em Coordenação Pedagógica – UFOPA. E-mail: naia.martins@escola.seduc.pa.gov.br 3 Professora de Educação Infantil e Ensino Fundamental I - SEMED/Juruti-PA, Graduada em Pedagogia pela Universidade da Amazônia – UNAMA; Especialista em Língua Brasileira de Sinais – Libras pela Faculdade Cruzeiro do Oeste - FACO. Especialista em Psicopedagogia Institucional–Instituto de Teologia Aplicada- INTA. Email: dilenesilva.cefor@escola.seduc.pa.gov.br

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

17


Atendimento Educacional Especializado-SAEE para tornar as aulas mais interativas com alunos público alvo da Educação Especial da EEEF Nossa Senhora da Saúde no Município de Juruti, PA. Para isso foram necessárias estratégias de desdobramentos como: Pesquisar tecnologias educacionais voltadas para aprendizagem interativa no SAEE; criar atividades pedagógicas de modo que os recursos facilitassem o processo ensino aprendizagem; e por último, orientar os pais como utilizar os recursos de tecnologia educacional para auxiliar os alunos no feedback das atividades pedagógica. No período em que fomos assolados por uma pandemia, o cenário educacional precisou se reinventar, por isso, uso de tecnologia no SAEE, se deu pela necessidade de aproximação entre professor, alunos e pais, e com isso, tornar os atendimentos mais interativos, pois com a

pandemia parte dos alunos se distanciaram do respectivo serviço e o uso da tecnologia no contexto do SAEE foi a alternativa encontrada para garantir a continuidade do processo de ensino aprendizagem. Franco e Guerra (2018, p. 48), apontam que “no cotidiano, o professor do SAEE atua de maneira flexível, dinâmica, estabelecendo interlocuções provocando movimento ao bom trabalho”. A partir do posicionamento dos autores, é perceptível a necessidade do professor do SAEE dinamizar o seu trabalho, planejando e organizando ações educativas para a eliminação das barreiras educacionais. O contexto escolar em que foi desenvolvido o referido trabalho está localizado no Município de Juruti, Oeste do Pará, mais precisamente na EEEF Nossa Senhora da Saúde.

Fundada em 13 de maio de 1957, a referida escola foi construída na época em alvenaria no estilo colonial europeu, possuía duas salas de aula, com 2 professoras e 1 diretora. Na década de 1980, passou a funcionar de 1ª a 4ª séries com Ensino do Primeiro Grau; já na década de 1990, foi ampliado o ensino para a oferta da Educação Especial sob os moldes de Classes Especial com 7 alunos, funcionando em uma sala anexa, denominado Centro Catequético, pertencente à Paróquia Nossa Senhora da Saúde ao lado da escola 4. Nesse período, o ensino para pessoas com deficiência no ensino regular era regido pela Política Nacional de Educação Especial (BRASIL, 1994)5. Durante muito tempo a Educação Especial deixou de ser ofertada na escola por falta de profissional contratado pela Secretaria Estadual de Educação do Pará (SEDUC). Somente em 2019 a Educação Especial volta a ser ofertada como Serviço de Atendimento Educacional Especializado-SAEE, com profissional especializado, amparado pela nova Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. 4

Informações retiradas do Projeto Político Pedagógico da Escola Estadual Ensino Fundamental Nossa Senhora da Saúde. 5 O referido documento faz referência ao ambiente dito regular de ensino/aprendizagem, no qual também estão matriculados, em processo de integração instrucional, os portadores de necessidades especiais que possuem condições de acompanhar e desenvolver as atividades curriculares programadas do ensino comum, no mesmo ritmo que os alunos ditos normais.

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

18


A referida escola possui, atualmente, uma demanda de 517 alunos matriculados no ensino regular e destes, 8 são matriculados na turma EETAE01, distribuídos nas seguintes categorias: Surdez (1), baixa visão (1), deficiência intelectual (4), transtorno do espectro autista (2), conforme dados gerais da matrícula para o ano letivo de 2021 6. DISCUSSÃO TEÓRICA O ensino por tecnologias está ganhando cada vez mais espaço. O docente é desafiado a cada dia a buscar novas formas de usar a tecnologia para inovar suas aulas tornando-as favoráveis à aprendizagem dos alunos. Segundo Masetto (2013, p. 30), “a chegada das novas tecnologias traz tensões, novas possibilidades e grandes desafios” e, de acordo com Perrenoud (2000, p.129), os docentes que não se envolvem nesse processo “disporão de informações e

fontes documentais cada vez mais pobres àqueles com informações mais avançadas”. O Serviço de Atendimento Educacional Especializado de acordo com o Decreto nº 7.611/2011 (BRASIL, 2011), é compreendido como o conjunto de atividades, recursos de acessibilidade e pedagógicos organizados institucional e continuamente, prestado de formas complementar e suplementar à formação dos alunos com deficiência, transtornos do espectro autista, altas habilidades/superdotação, sendo ofertado no contra turno como segunda matrícula. No SAEE, a tecnologia é importante aliada na prática docente é imprescindível para o desenvolvimento de estratégias pedagógica, pois segundo Masetto (2013, p.15) o uso de tecnologia produz “importantes mudanças na escola, e o professor precisa incorporar a utilização das tecnologias tais como: Internet e ferramentas que compõem o virtual”.

O SAEE na perspectiva inclusiva é parte integrante do processo e ofertado pelas escolas em contra turno. Assim, escola e família na perspectiva da educação inclusiva constituem importante elo no fazer pedagógico. A parceria estabelecida corrobora na implementação de adaptações necessárias aos alunos. Com isso, o uso de tecnologias assume [...] um papel preponderante, ao proporcionar adaptações e acesso dos estudantes ao currículo, não podemos ignorar que os estudantes de hoje apresentam características e comportamentos diferenciados, que são influenciados pelo enorme fluxo de informações disponíveis na internet e a interatividade imediata proporcionada pelos recursos digitais; assim, toda a equipe escolar deve refletir sobre a sociedade da informação e a cultura digital que afetam a nossa vida e buscar estratégias e recursos que favoreçam o desenvolvimento de todos os estudantes, com o objetivo de maximizar as potencialidades de cada um (OLIVEIRA; FONSECA; REIS, 2018, p. 82).

No SAEE, o uso de tecnologia exige formação e atuação diferenciada dos professores, como afirmam as Diretrizes estabelecidas pela Resolução nº 4/2009, Art. 12 (BRASIL, 2009), que o professor deve ter formação inicial e específica que o habilite para o exercício da docência. O referido documento menciona que esse serviço deve integrar a proposta pedagógica da escola, envolver a participação da família para garantir pleno acesso e participação dos alunos, 6

Fonte da secretaria da escola de matrícula do ano letivo de 2021.

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

19


atender às necessidades específicas do público-alvo da educação especial, e ser realizado em articulação com as demais políticas públicas. PERCURSO METODOLÓGICO Este relato de experiência é resultado da pesquisa-ação com abordagem qualitativa de análise documental e bibliográfica de embasamento teórico, assim como pesquisa em sites, YouTube, Lojas de App, objetivando implementar recursos de tecnologias educacionais no Serviço de Atendimento Educacional Especializado mais acessíveis a realidade dos alunos. A escolha pela pesquisa-ação se deu por se constituir um meio pelo qual há “interação e envolvimento ativo entre pesquisadores e membros das situações investigadas, a partir de uma ação planejada, de caráter social, educacional, técnico ou outro” (GIL, 2017, p. 56) ; assim, a

abordagem qualitativa possibilita ao pesquisador “recorrer a conhecimentos e experiências pessoais como auxiliares no processo de compreensão e interpretação do fenômeno estudado'' (LUDKE; ANDRÉ, 2018, p.26). A síntese deste trabalho envolveu elementos técnicos de análise documental (Leis, Decretos e Resoluções), bem como a análise bibliográfica de embasamento teórico de autores como: Franco e Guerra (2018), Lira (2016), Masetto (2013), Oliveira, Fonseca e Reis (2018), Perrenoud (2000). O trabalho envolveu a participação direta do professor do SAEE, técnico educacional da escola e professor colaborador no desenvolvimento do projeto e na pesquisa dos recursos tecnológicos para serem utilizados com os alunos público alvo da Educação Especial da EEEF

Nossa Senhora da Saúde.

ANÁLISE DOS RESULTADOS A etapa inicial da proposta de intervenção do projeto de ação apresentada como resultado neste relato partiu primeiramente da pesquisa por recursos de tecnologias educacionais em sites, voltados para aprendizagem interativa que pudessem ser utilizadas no SAEE. Em segundo, a criação de atividades pedagógicas de modo que os recursos de tecnologias facilitassem o processo de ensino aprendizagem. Em terceiro, foram direcionadas orientações aos pais de como utilizarem esses recursos de tecnologia educacional auxiliando os

alunos no feedback das atividades pedagógicas. As ações que nortearam o respectivo trabalho foram organizadas de acordo com as necessidades específicas dos alunos. Nas palavras de Lira (2016, p. 36), “é de suma importância que o professor saiba o que exatamente deseja ensinar e para isso recorra, além dos livros ao mundo digital”. Assim, os Quadros 1, 2 e 3 destacam pontos relevantes das ações do Projeto.

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

20


Quadro 1- Recursos de tecnologias pesquisados usados na organização das atividades

Quadro 2 - Atividades interativas e o uso de tecnologias

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

21


Quadro 3 - Recursos materiais básicos de mídia da organização e edição das atividades

Fonte: Material pessoal da professora do SAEE.

Os recursos pesquisados foram analisados de forma sucinta para garantir a interatividade em todas as atividades propostas a todos os alunos. Para fomentar a aprendizagem de forma lúdica e significativa, favorecendo o processo ensino aprendizagem foram imprescindíveis a

articulação pedagógica entre professor do SAEE, coordenação pedagógica e os pais/ responsáveis dos alunos, assegurando ao máximo acessibilidades nas atividades planejadas. Foram selecionadas e encaminhadas aos alunos três tipos de atividades (Quadro 4). Quadro 4- Atividades encaminhadas aos alunos

Essa etapa se refere à organização das atividades que foram elaboradas de acordo com a série/ano e necessidade dos alunos conforme já descrito anteriormente quanto ao público matriculado na escola.

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

22


É importante ressaltar que o exemplo especificado no quadro 4, atividade 1, as mesmas foram organizadas em forma de tutorial, orientando passo a passo como os alunos realizassem as atividades. A atividade 2, foi organizada no google forms, sendo encaminhado o link de acesso para o aluno. Na atividade 3, foi utilizado como estratégia a gamificação com o uso da plataforma Wordwall para criação dos jogos, em seguida foram gerados os links e encaminhados para os alunos. O quadro 5, foi o momento em que colocamos em prática todas as atividades planejadas. Esta etapa foi muito importante, pois tínhamos diferentes realidades em meio aos alunos. Lira (2016, p. 37) aponta que, “é nesse intercâmbio entre ensino e aprendizagem que a troca dos saberes torna um momento privilegiado”. O momento privilegiado como menciona o autor, foi encontrar realidades distintas,

àquelas em que os alunos estavam munidos de todo um aparato tecnológico (celular, computador, wifi, tablet) para acessar as atividades e, realidades em que os alunos nunca tiveram o contato com tais aparelhos, sendo que 2 dos 8 alunos não possuíam suporte para receber os links das atividades, dessa forma, foram gerado arquivo em PDF para cada atividade e posteriormente impresso para os mesmos, ficando sob responsabilidade dos responsáveis a busca do material na escola. O feedback por parte dos alunos e dos pais foram de extrema importância na avaliação das ações do projeto, como mostram os relatos abaixo: “Gostei muito dos recursos utilizado, achei bem inovador e dinâmico, chamou atenção do meu filho que sempre pergunta dessas atividades. A princípio desafiador, pois eu também era aprendiz em tecnologias, mas aprendi junto com meu filho” (Cidelane Santarém de Souza – mãe).

“Gostei das tarefas mais no tablete e notebook, porque parecia jogos normais” (F.A.S.S. – aluno). Quadro 5 - Aplicação e Feedback das atividades

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

23


Nessa etapa, os pais tiveram importante colaboração, tanto no recebimento das atividades quanto na execução das mesmas. Com os pais, o referido projeto abordou as seguintes estratégias: Interação com os pais e alunos por meio do aplicativo de celular WhatsApp; a importância da criação e uso do e-mail pessoal (gmail) para recebimento e acesso ao link das atividades no google forms; como acessar os jogos do WordWall usando o celular e o computador. CONCLUSÃO Os resultados descritos neste relato de experiência denotam a persistência de um

trabalho colaborativo em contexto de inclusão, o qual objetivou implementar recursos de tecnologias educacionais no Serviço de Atendimento Educacional Especializado-SAEE. A ideia foi motivada não apenas pela necessidade de construir práticas pedagógicas que facilitassem o acesso às atividades, mas pela necessidade de interatividade como os alunos e pais. Com o referido trabalho foi possível concluirmos que o uso de tecnologia no contexto escolar de inclusão é possível, mas apesar de vivermos em uma era tecnológica, ainda assim nem todos os alunos fazem parte desse contexto. Com isso, é preciso elencar estratégias para garantir que estes alunos que não tem acesso aos meios tecnológicos não sejam impedidos de realizar as atividades. É claro que não realizarão com o mesmo aporte, mas novos objetivos devem ser traçados, afinal, é sempre pertinente que ao pensar um projeto, tenhamos ciência do público que será beneficiado pelas ações. Por isso, é importante frisar a parceria com as famílias dos alunos como um dos fios condutores do ato educativo. Com o uso de tecnologias foi possível perceber, por meio do feedback, um interesse maior pelas atividades. Assim, é papel fundamental da escola e do SAEE elevar as potencialidades dos alunos, devendo contemplar a transversalidade, complementaridade e interlocuções nas práticas pedagógicas ofertadas.

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

24


REFERÊNCIAS

BRASIL. Secretaria de Educação Especial. Política Nacional de Educação Especial: livro 1/ MEC/SEESP- Brasília: a Secretaria, 1994. BRASIL. Resolução 4/2009. Diário Oficial da União, Brasília, 5 de outubro de 2009.Brasília: CNE/CEB, 2009. BRASIL. Ministério da Educação. Decreto n°. 7.611/2011 - Dispõe sobre a educação especial ao atendimento educacional especializado e dá outras providências. Brasília: MEC, 2011. FRANCO, Marcos Antonio Melo; GUERRA, Leonor Bezerra (Orgs). Práticas Pedagógicas de Inclusão: situação de sala de aula. – 1. ed.- Jundiaí, SP: Paco, 2018. GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 6. ed. - São Paulo: Atlas, 2017. LIRA, Bruno Carneiro. Práticas Pedagógicas para o Século XXI: A sociointeração digital e o humanismo ético. Petrópolis, RJ: Vozes, 2016. LUDKE, Menga., ANDRÉ, Marli E. D. A. Pesquisa em Educação: Abordagem Qualitativa. 2. ed. Rio de Janeiro: E.P.U., 2018. MASETTO, Marcos T. Novas Tecnologias e Mediação Pedagógica. 21. ed. rev. e atual. Campinas, SP: Papirus, 2013. OLIVEIRA, Anna Augusta Sampaio de; FONSECA, Katia de Abreu; REIS, Marcia Regina dos (Orgs.). Formação de Professores e Práticas Educacionais Inclusivas. Curitiba: CRV, 2018. PERRENOUD, Philippe. Dez novas competências para ensinar. Tradução de Patrícia Chittoni Ramos. Porto Alegre: Artmed, 2000.

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

25


SABERES E PRÁTICAS NA ESCOLA: CONSTRUÇÃO DE CONHECIMENTO EM ESPAÇO MULTIDISCIPLINAR Neila de Jesus Ribeiro Almeida1 Natália Karina Nascimento da Silva2 João Alves Farias Filho3 RESUMO Este relato tem como objeto de estudo o projeto “Etnociência na escola: construindo saberes e práticas na E.E.E.M. Simão Jacinto dos Reis, Tucuruí/PA”. Tem como objetivo principal desenvolver conhecimentos a partir dos saberes e das práticas de alunos de 4 turmas da 1ª série do ensino médio em espaço multidisciplinar. Para isso, traz vivências de uma professora do campo de saberes do ensino de Biologia, vinculada à Secretaria de Estado de Educação do Pará. Trata-se de experiências como supervisora do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) ligado ao curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da Universidade do Estado do Pará (campus de Tucuruí). O projeto divide-se metodologicamente em 3 etapas: planejamento e organização; escuta por meio de entrevista a partir de questionário, culminando na busca por um espaço para desenvolver as ações do projeto; e práticas pedagógicas (construção de herbários por intermédio da preparação de exsicatas, terrário e microscopia óptica) que estão em desenvolvimento. Como marco de resultados temos a reabertura do laboratório multidisciplinar desativado há anos e o processo de ensino e aprendizado através da “etno”, considerando os saberes e as práticas dos alunos para o desenvolvimento das ações nesse espaço escolar. Assim, ressalta a importância de considerar a cultura dos alunos, tendo os mesmos como protagonista do processo de conhecimento, pois pela escuta dos alunos foi possível identificar um espaço para o desenvolvimento das atividades do projeto e considerar os seus saberes e suas práticas para a efetivação da aprendizagem significativa, reforçando a necessidade de parcerias entre a escola básica e as instituições de ensino superior. Palavras-chave: Multidisciplinar; Práticas pedagógicas; Laboratório.

INTRODUÇÃO Espaços multidisciplinares são necessários para desenvolver conhecimento em consonância com a Base Nacional Comum Curricular – BNCC (BRASIL, 2018), quando considera-se que ensino das ciências da natureza é desafiador pela complexidade dos estudos dos fenômenos, bem como por se distanciar da realidade dos alunos e que por focar em um ensino puramente teórico, distancia a efetividade do ensino e da aprendizagem. Nessa ótica, destaca-se a importância de buscar parcerias com as instituições de pesquisa, ensino e extensão para o desenvolvimento de práticas que podem reduzir essa lacuna na educação, principalmente nesse momento da efetivação do novo Ensino Médio 4 (BRASIL, 2017).

1

Doutora em Ecologia Aquática pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Docente da Secretaria de Estado de Educação – SEDUC/PA neila.almeida@escola.seduc.pa.gov.br; 2 Doutora em Biologia Molecular pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Docente da Universidade do Estado do Pará – UEPA, nataliakarina.silva@uepa.br 3 Graduando do Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da Universidade do Estado do Pará – UEPA, joao.filho@aluno.uepa.br

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

26


É nesse foco, que esse relato de uma professora da educação básica, vinculada à Secretaria de Estado de Educação do Estado Pará (SEDUC/PA), da 16ª Unidade Regional de Ensino (16ª URE), traz como objeto de estudo o projeto “Etnociência na escola: construindo saberes e práticas na E.E.E.M. Simão Jacinto dos Reis, Tucuruí/PA”, tendo como foco principal a valorização dos conhecimentos dos alunos do ensino médio para o processo de ensino e aprendizagem. Esse projeto foi desenvolvido para atender a demanda da função de professora supervisora do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), vinculado ao curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da Universidade do Estado do Pará (campus Tucuruí). O PIBID traz incentivo à formação de professores no Brasil. Primeiro pela oportunidade

favorecida aos estudantes de licenciatura em vivenciar as aulas no ensino básico e segundo pela parceria entre a educação básica e as instituições de nível superior em que abre um leque de oportunidades para ações futuras. Esse incentivo à carreira do magistério na área de conhecimento das ciências da natureza e da matemática, traz grandes oportunidades tanto para os futuros professores em formação, quanto para os docentes que já estão atuando na educação básica, pois mesmo diante dos inúmeros desafios enfrentados na formação de professores e consequentemente na prática docente cotidianamente, com a aplicação do PIBID, pode-se ter grandes sucesso nessa parceria. Assim, esse relato percorre os caminhos metodológicos traçados no projeto em 3 etapas:

a primeira diz respeito ao planejamento e organização do projeto que ocorreu de forma remota; a segunda trata dos primeiros contatos com o espaço físico da escola, as observações em sala de aula e as entrevistas com os alunos por meio de questionários; e a terceira com a experiência exitosa da reabertura de um laboratório multidisciplinar, fechado há anos na escola. Após a etapa de reabertura do laboratório, ocorre de fato as ações das práticas pedagógicas, sendo elas: a produção de exsicatas para a construção de herbário, a microscopia óptica para o aprofundamento dos estudos que envolvem o os saberes e as práticas dos alunos e preparação de terrários que desenvolvem técnicas que se pautam no saber científico e no saber tradicional. Dessa forma, fundamenta-se a importância do desenvolvimento do projeto, que já abre um leque para parceria e múltiplos usos para as práticas de ensino e aprendizagem, estimulando a multidisciplinaridade e a interdisciplinaridade na escola, pois os laboratórios nas 4

Lei nº13.415, de 16 de Fevereiro de 2017. Altera as Leis nºs 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e 11.494, de 20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, a Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e o Decreto-Lei nº 236, de 28 de fevereiro de 1967; revoga a Lei nº 11.161, de 5 de agosto de 2005; e institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/ legin/fed/lei/2017/lei- 13415- 16-fevereiro-2017-784336-publicacaooriginal-152003-pl.html Acesso: 9 de dezembro de 2021.

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

27


escolas de educação básica é um espaço fundamental para o ensino, não apenas das Ciências da Natureza, mas para todas as áreas de conhecimento. MARCO TEÓRICO Na contemporaneidade são muitos os exemplos da presença da Ciência e da Tecnologia, e principalmente de toda essa influência no nosso cotidiano. No entanto, poucas pessoas aplicam os conhecimentos e procedimentos científicos na resolução de seus problemas diários, e é nesse foco que existe a necessidade de a Educação Básica – em especial, a área de Ciências da Natureza – comprometer-se com o letramento científico da população (BRASIL, 2018). Na tentativa de se conectar com a BNCC (BRASIL, 2018), o projeto “Etnociência na

escola: construindo saberes e práticas na E.E.E.M. Simão Jacinto dos Reis, Tucuruí/PA”, busca favorecer o ensino e aprendizagem dos alunos da Escola Estadual de Ensino Médio Simão Jacinto dos Reis, localizada na cidade de Tucuruí/PA, por intermédio do fomento para a proteção ambiental através de seus saberes e suas práticas adquiridas tradicionalmente com seus familiares. Considerando que esses alunos são oriundos de bairros da cidade que desenvolvem atividades da agricultura familiar, bem como de moradias com quintais onde tradicionalmente são cultivadas diversas espécies de vegetais, existe a necessidade de estimular o etnoconhecimento sobre essas práticas. Assim, levando em conta as orientações da Base, esse projeto busca aplicar na prática os

conhecimentos dos discentes sobre os vegetais, fazendo o elo entre o conhecimento científico e o conhecimento tradicional desses alunos, pois aprender Ciências da Natureza vai além dos dados conceituais. Assim, esse trabalho faz uso de duas competências específicas de Ciências da Natureza e suas tecnologias para o ensino médio: Analisar fenômenos naturais e processos tecnológicos, com base nas interações e relações entre matéria e energia, para propor ações individuais e coletivas que aperfeiçoem processos produtivos, minimizem impactos socioambientais e melhorem as condições de vida em âmbito local, regional e global (BRASIL, 2018). Analisar e utilizar interpretações sobre a dinâmica da Vida, da Terra e do Cosmos para elaborar argumentos, realizar previsões sobre o funcionamento e a evolução dos seres vivos e do Universo, e fundamentar e defender decisões éticas e responsáveis (BRASIL, 2018). Levando em consideração essas competências específicas, temos as seguintes habilidades: Analisar os ciclos biogeoquímicos e interpretar os efeitos de fenômenos naturais e da interferência humana sobre esses ciclos, para promover ações individuais e/ ou coletivas que minimizem consequências nocivas (EM13CNT105).

Analisar as diversas formas de

manifestação da vida em seus diferentes níveis de organização, bem como as condições ambientais favoráveis e os fatores limitantes a elas, com ou sem o uso de dispositivos e Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

28


aplicativos digitais (como softwares de simulação e de realidade virtual, entre outros) (EM13CNT202). Avaliar e prever efeitos de intervenções nos ecossistemas, e seus impactos nos seres vivos e no corpo humano, com base nos mecanismos de manutenção da vida, nos ciclos da matéria e nas transformações e transferências de energia, utilizando representações e simulações sobre tais fatores, com ou sem o uso de dispositivos e aplicativos digitais (como softwares de simulação e de realidade virtual, entre outros) à vida (EM13CNT203). E discutir a importância da preservação e conservação da biodiversidade, considerando parâmetros qualitativos e quantitativos, e avaliar os efeitos da ação humana e das políticas ambientais para a garantia da sustentabilidade do planeta (EM13CNT206) (BRASIL, 2018). Dessa maneira, considerando as competências e as habilidades, no projeto está sendo

trabalhado os seguintes Temas Contemporâneos Transversais (TCT’s) da Base:

Educação

Ambiental, Diversidade Cultural, Educação para a valorização do multiculturalismo nas matrizes históricas e culturais brasileiras, Vida familiar e social, Educação alimentar e nutricional (BRASIL, 2018). A educação ambiental por trazer o conhecimento da diversidade dos vegetais, junto com esse conhecimento engloba-se a etnoecologia que trata da relação entre fatores bióticos, abióticos e culturais trazendo o meio ambiente como foco; a diversidade cultural é tratada por considerar os conhecimentos tradicionais dos alunos sobre os vegetais, dessa forma já traz a valorização do multiculturalismo quando se leva em conta esses saberes; a vida familiar e social é englobada quando os pais, tios e avós respondem junto com os alunos os questionários

utilizados nas entrevistas; e a educação alimentar e nutricional é trabalhada a partir da investigação sobre o uso das plantas pela família dos alunos, onde pode ser observado que essa utilização também é para fins culinários. Embora esse projeto ainda seja embrionário, tem-se uma perspectiva grande de ampliação para trabalhar no novo modelo do ensino médio (BRASIL, 2017), buscando as bases da BNCC (BRASIL, 2018), bem como seguindo as diretrizes da versão preliminar do Documento Curricular do Estado do Pará - DCE/PA (PARÁ, 2020)5, e consequentemente fomentando uma educação significativa para os estudantes. PERCURSO METODOLÓGICO A metodologia trata de observações e vivências na execução do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), da Universidade do Estado do Pará (UEPA), desenvolvido na Escola Estadual Simão Jacinto dos Reis localizada no município de Tucuruí no estado do Pará.

5

Documento Curricular do Estado do Pará Etapa Ensino Médio (Versão Preliminar) Volume II . Coordenação de etapa ProBNCC – ensino médio / Coordenação de Ensino Médio (COEM) / Secretaria Adjunta de Ensino (SAEN) / Secretaria de Estado de Educação do Pará (SEDUC/PA). Disponível em: http://www.seduc.pa.gov.br/ site/probncc/modal?ptg=10856 Acesso: 9 de dezembro de 2021.

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

29


Os procedimentos metodológicos se desenvolvem em 3 etapas: a primeira etapa ocorreu de forma online através de reuniões via google meet, trata da construção de um projeto realizado pela professora supervisora e pelos alunos bolsistas do PIBID, a segunda etapa traz os primeiros contatos com o espaço escolar, bem como a aplicação de entrevistas através de questionários aos alunos da educação básica (uma espécie de “escuta” aos conhecimentos dos alunos) e a terceira etapa é a reabertura do laboratório para as práticas do projeto. A etapa 1 começou no mês de Setembro de 2021, com reuniões online com os alunos do PIBID/UEPA, houve a organização e o planejamento das atividades do programa, que culminou na construção do projeto intitulado” “Etnociência na escola: construindo saberes e práticas na E.E.E.M. Simão Jacinto dos Reis, Tucuruí/PA”, esse projeto levou em conta os objetivos do projeto da Universidade do estado Pará que é a importância de considerar a cultura dos alunos

no ensino, e não distanciá-los do conteúdo. Para essa etapa foi necessário um levantamento prévio na sala de aula com os alunos 6 para saber qual tema do conteúdo curricular biologia mais se aproximava das suas realidades, em seguida foi levantada a problemática, justificativa para o projeto, a construção dos objetivos e da metodologia e finalmente os resultados esperados. A etapa 2 ocorreu no mês de Outubro de 2021, buscou a aproximação dos alunos bolsistas do PIBID com o espaço físico da escola, bem como a observação das aulas e também a aproximação com os alunos do ensino básico, bem como vivências da educação básica em escola pública estadual. Nessa etapa, foi possível diagnosticar previamente, vários desafios, entre eles o espaço para execução do projeto Etnociências, pois o único lugar seria a sala de

aula, o que se tornaria inviável pela quantidade de alunos para o espaço. Nesse momento, houve uma espécie de “tour” pela escola, entre a professora supervisora e os alunos bolsistas, à procura de um espaço para desenvolver as ações do projeto. Foi quando “descobriram” o espaço do laboratório multidisciplinar, fechado há anos, mas com uma estrutura boa, a exemplo: sala ampla, bancadas, bancos, torneiras, quadros, centrais de ar em funcionamento, e até microscópio óptico guardados. A partir desse ponto, uma conversa com a diretora da escola, que muito solícita, acatou a ideia da reabertura do laboratório. Já a etapa 3 trata da reabertura do laboratório que iniciou dia 8 de Novembro de 2021 e ainda está em andamento. Trata-se das 3 práticas pedagógicas do projeto (produção de exsicata, microscopia óptica e construção de terrário), realizado no laboratório multidisciplinar, práticas essas desenvolvidas pela professora supervisora da Seduc/PA, os alunos do curso de Biologia bolsistas do PIBID/UEPA e 150 alunos de 4 turmas da 1ª série do ensino médio da E.E.E.M. Simão Jacinto dos Reis.

6

Nesse período a Secretaria de Estado de Educação do Pará (SEDUC/PA), estava retornando às aulas presenciais de forma gradual.

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

30


RESULTADOS PARCIAIS Os resultados se deparam com as etapas desenvolvidas na metodologia. Na etapa 1, foram aplicadas entrevistas através dos questionários para 150 alunos de 4 turmas da 1ª série do ensino médio (Figura 1). Figura 1 - Orientações para a entrevista, através do preenchimento de questionários

Fonte: Acervo dos autores, outubro/2021.

Desse total, 110 alunos responderam que têm interesse em saber sobre o tema da Botânica, pois o bairro onde residem, tem um foco para o desenvolvimento de hortas e 40 responderam que não tem ligação com plantas, mas tem interesse em conhecer sobre a temática. Mesmo as plantas não sendo foco do conteúdo da 1ª série do ensino médio, optou-se por desenvolver práticas que levasse ao conteúdo de Citologia Vegetal e Biodiversidade, onde são assuntos que contemplam essa série.

O preenchimento dos questionários foi realizado com a ajuda da família, o que vem ratificar o tema contemporâneo transversal da BNCC (cidadania e civismo), com a vida familiar e social, bem como desenvolver as diretrizes propostas pelo DCE/PA (PARÁ, 2020f2011), onde os saberes e práticas dos alunos passados de geração a geração foram considerados para a efetivação desse aprendizado a partir do desenvolvimento das práxis. Com a ajuda de familiares, os alunos levaram para escola vegetais para a construção das práticas (Figura 2).

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

31


Figura 2- Vegetal oriundo da residência de aluno, para as práticas no laboratório

Fonte: Acervo dos autores, novembro/2021

Na etapa 2, sobre o espaço para desenvolver as práticas do projeto Etnociências, traz a importância da aprendizagem significativa no laboratório (Figura 3). A reabertura do laboratório na escola Simão Jacinto dos Reis no município de Tucuruí/PA, é considerado um marco, para todo o corpo escolar, pois a partir desse dessas ações, o laboratório irá funcionar não apenas para as aulas de biologia, mas para química, física (área das Ciências da Natureza) e outras disciplinas, a exemplo que já existe um caminho para interdisciplinaridade com a disciplina de educação física, onde poderá usar o laboratório para aulas do corpo humano e também já há uma ideia de trazer os avós desses alunos para a escola, para aulas de educação física, pessoas essas que estão em casa, geralmente aposentados, e muitas vezes até ociosos. Figura 3 - Reabertura do laboratório multidisciplinar.

Fonte: Acervo dos autores, Novembro/2021.

A etapa 3 está em desenvolvimento, houve a primeira fase das práticas no laboratório, onde foram produzidas as exsicatas (Figura 4), foi realizado a visualização de células vegetal em microscopia óptica e a construção de terrários, esse material foi trazido pelos alunos de suas casas, trata-se de vegetais utilizados pela família dos alunos, para fins ornamentais, medicinais e culinários. Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

32


Figura 4- Produção de exsicats

Fonte: Acervo dos autores, novembro/2021.

Essas práticas estão em seu segundo momento, teremos a construção dos herbários a partir das exsicatas, um feedback sobre a visualização das células dos vegetais, através da microscopia óptica (Figura 5) e a observação das alterações ocorridas nos herbários construídos pelos alunos (Figura 6), em seguida a busca por sistematizar as interações entre os saberes tradicionais (alunos) e os saberes científicos (escola). Figura 5- Microscopia óptica – visualização de célula vegetal

Fonte: Acervo dos autores, novembro/2021. Figura 6- Construção de terrário no laboratório multidisciplinar.

Fonte: Acervo dos autores, dezembro/2021.

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

33


Esses são resultados prévios, porém muitíssimos motivadores; em pouco tempo de

retorno das aulas presenciais (apenas 4 meses de volta as aulas presenciais na rede estadual do Pará), e já temos resultados riquíssimos, e o que é melhor, perspectivas para a interdisciplinaridade na escola, fortalecimento da educação através de parcerias e a implementação do novo ensino médio na escola. CONCLUSÕES Considerando as experiências do projeto “Etnociência na escola: construindo saberes e práticas na E.E.E.M. Simão Jacinto dos Reis, Tucuruí/PA”, ainda considerado embrionário, pode -se esperar um leque de oportunidades através da interdisciplinaridade que o mesmo pode favorecer aos estudantes da escola pública, aos bolsistas do PIBID e a todos envolvidos direta e indiretamente. Portanto, até o momento, temos os seguintes tópicos alcançados: a valorização do conhecimento dos discentes; aproximação dos estudantes do universo das plantas e do estudo da botânica, o aluno como protagonista do conhecimento, interação entre cultura, meio ambiente e sociedade e o fortalecimento para a implementação do novo ensino médio na E.E.E.M. Simão Jacinto dos Reis.

REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018. BRASIL. Lei nº13.415, de 16 de Fevereiro de 2017 que institui a Política de Fomento à Implementação do Novo Ensino Médio. Disponível em: https://www2.camara.leg. br/legin/fed/ lei/2017/lei-13415-16-fevereiro-2017-784336-publicacaooriginal-152003- pl.html Acesso em 9 de dezembro de 2021. PARÁ. Secretaria de Estado de Educação do Pará. Documento Curricular do Estado do Pará – Etapa Ensino Médio: versão preliminar. Volume II. Belém: SEDUC-PA, 2020.

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

34


PROJETO ASTRONOMIA MAKER: UM RELATO EDUCACIONAL NO MUNICÍPIO DE ORIXIMINÁ-PA Heitor Wilker Silva Barros1 RESUMO Este relato discute o projeto educacional “Astronomia Maker2” realizado no município de Oriximiná-PA, durante o 2° semestre do ano letivo de 2021, tendo como principais expoentes da atividade pedagógica três estudantes do ensino médio da E.E.E.M Padre José Nicolino de Souza. Os alunos participaram de uma série de ações em uma experiência significativa de iniciação científica; avaliando assim, a junção dos conhecimentos astronômicos e de impressão 3D como proposta de iniciação científica. Foi feito o registro das percepções dos estudantes em todas as etapas do projeto que duraram aproximadamente quatro meses por meio de um diário de bordo que, juntamente com um questionário ao final do projeto, possibilitaram avaliar o impacto dessas ações no desenvolvimento dos alunos. A análise dos resultados permitiu observar que o projeto proporcionou experiências positivas aos alunos e que a junção do conhecimento astronômico com a impressão 3D são propostas atrativas de disseminação do conhecimento científico, pois envolve, desperta e estimula o interesse dos mesmos.

Palavras-chave: Astronomia. Conhecimento Maker. Impressão 3D.

INTRODUÇÃO A pandemia provocada pelo novo coronavírus SARS-CoV-2, vírus causador da COVID-

19, promoveu mudanças significativas nas áreas sociais e de saúde, especialmente no Brasil. Nunca se falou tanto sobre ciência ou se observou tão de perto os processos científicos. Igualmente, nunca houve tantos questionamentos e opiniões sobre os resultados de uma pesquisa científica (SILVA, 2021). Um dos motivos para tal, é a circulação de notícias falsas e o pouco conhecimento da sociedade sobre a ciência, seus métodos e processos. Diante disso, fomentar ações de iniciação científica e aproximar o conhecimento da sociedade em geral e especialmente dos alunos da educação básica é imprescindível. Nesse cenário, a astronomia tem posição relevante e privilegiada no processo de comunicação e desenvolvimento científico. Engloba diferentes áreas do conhecimento, como a matemática, física, química, geologia, biologia e até áreas mais técnicas como engenharia

1

Professor de Física da E.E.E.M. Padre José Nicolino de Souza (Oriximiná/PA); Licenciado Pleno em Física/IFPA (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará); Mestre em Física/UDESC (Universidade Estadual de Santa Catarina). 2 O movimento maker tem o início da sua popularização no ano de 2005, com o lançamento da revista norteamericana Maker, e desde então tem sido difundido e fortalecido como importante ferramenta no processo educacional. Na cultura maker, do ideário “faça você mesmo” (DIY - Do It Yourself), os participantes criam, constroem, modificam e desenvolvem projetos de interesse com as próprias mãos. O protagonismo no processo de construção do conhecimento, permite que os envolvidos aprendam com seus erros e acertos e sejam estimulados a ser criativos, proativos e a trabalharem colaborativamente na resolução de problemas. Para tal, utiliza recursos como impressoras 3D, cortadoras a laser, robótica, placas Arduino e diversas outras ferramentas (SILVEIRA, 2016; PAULA; OLIVEIRA; MARTINS, 2019; RODRIGUES, 2021).

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

35


(PEIXOTO, 2018), portanto, pode ser uma excelente porta de entrada para o mundo científico, tendo papel importante na formação e desenvolvimento de jovens cientistas. Trevisan e Lattari (1995), diz que com o estudo da astronomia, criam-se possibilidades de interação entre os conteúdos científicos com a nossa realidade natural, promovendo a observação da natureza, o desenvolvimento do senso crítico, o despertar da curiosidade, do interesse e a participação ativa e consciente no âmbito social e ambiental dos envolvidos. Do mesmo modo, o contato com a cultura maker, do ideário “faça você mesmo” pode despertar de modo ainda mais acentuado o interesse pela ciência, por envolver diretamente o aluno no processo de uma descoberta. Segundo Paula, Oliveira e Martins (2019), o movimento maker está diretamente relacionado à prática na qual o aluno é o protagonista no processo de construção do seu conhecimento, explorando assuntos de seu interesse e estimulando a

criatividade. Neste contexto, diante da necessidade de discutir e promover a ciência nas escolas e na sociedade, especialmente no município de Oriximiná, é que foi desenvolvido o projeto “Astronomia Maker”. O projeto foi realizado com estudantes do ensino médio da E.E.E.M. Padre José Nicolino de Souza e aliou a astronomia com o conhecimento maker para investigar se a construção de um relógio solar digital via impressora 3D, juntamente com um conjunto de atividades teórico experimentais são uma proposta possível de estimular a iniciação científica. DESCRIÇÃO METODOLÓGICA O trabalho foi realizado no segundo semestre do ano letivo de 2021, no município de

Oriximiná-PA, predominantemente nas dependências do laboratório de matemática da E.E.E.M. Padre José Nicolino de Souza. Tendo como objetos da atividade pedagógica três estudantes da escola, dois da segunda série do ensino médio e um da terceira série. Também integraram o projeto o professor orientador e um aluno voluntário do Clube de Ciências da escola. Diante do contexto pandêmico vivenciado no ano de 2021, todas as atividades realizadas durante o projeto respeitaram os protocolos vigentes de prevenção a Covid-19. O número restrito de integrantes, uso de máscaras e álcool em gel, além da ciência e autorização dos alunos e seus responsáveis sobre as ações que seriam realizadas, foram algumas das condutas adotadas. As atividades propostas (Figura 1), foram pensadas e estruturadas com o foco do ensino centrado em uma participação efetiva e ativa dos alunos em todos os processos de desenvolvimento do projeto (BACICH, 2018; PAULA; OLIVEIRA; MARTINS, 2019). Foram levadas em consideração as percepções e o conhecimento prévio dos estudantes em cada etapa das atividades, com o intuito de proporcionar o protagonismo e a aprendizagem significativa

no

processo

de

construção

do

conhecimento

(AUSUBEL;

NOVAK;

HANESIAN,1980).

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

36


Figura 1- Etapas desenvolvidas no projeto

Fonte: Os autores.

O relógio solar é um instrumento milenar que mede a passagem do tempo conforme a projeção da luz solar em superfícies (AMARO, 2015). Utilizando esses princípios, a releitura do relógio foi produzida pelos alunos por meio da impressão 3D, projetando a passagem do tempo, horas e minutos, em formato digital. A impressora usada é do modelo 3D Creality Ender-3 (Figura 2-b), de código aberto, com dimensões da mesa de impressão 220 x 220 x 250 mm e pertencente a um dos integrantes do projeto, com notório saber sobre o tema 3. O filamento escolhido para impressão do relógio é do

tipo ABS (Acrilonitrila Butadieno Estireno), pois consegue resistir a temperaturas de até 95 °C sem danos ao produto4. Figura 2 – Oficinas, rodas de conversa (a) e Processo de impressão e análise do relógio solar (b)

(b)

Fonte: Os autores.

3

CREALITY. Disponível em: https://www.creality.com/br/goods-detail/ender-3-3d-printer?gclid=Cj0K CQjwwYLBhD6ARIsACvT72OQlhS0OisLldL4i5UTI0iugERZYvfUAYSGafPkWZ4zhD4pTpKyluwaAuj8 EALw_wcB. Acesso em: 11 out. 2021. 4 3DLAB. Disponível em: https://3dlab.com.br/ categoria-produto/filamento-abs- premium/?gclid=CjwK CAjw8K LBhB8EiwAQbqNoA6HV4hxcSWbmQ0Tp5LQCyw1udebD -mjszWkc0_h72HegutczRsx9xoC U0QQAvD_BwE. Acesso em: 11 out. 2021.

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

37


O projeto utilizado na impressão está disponível na plataforma Thingiverse de acesso livre aos interessados e tem como um requisito importante, que a mesa de impressão tenha como dimensões mínimas a da citada neste trabalho 5. Foi utilizado o software Ultimaker Cura para realizar a configuração e adequações necessárias às características da impressora. O tempo total de impressão foi de 26 horas e os registros das atividades conforme figuras deste relato. Após a confecção do relógio e realização das oficinas e rodas de conversa, os alunos realizaram uma mostra científica em uma das escolas do município. A atividade foi pensada para que os alunos colocassem em prática todos os conceitos trabalhados anteriormente e pudessem contribuir, compartilhando o conhecimento construído com outros alunos. A exposição contou com um público aproximado de cem alunos, divididos em duas apresentações e os próprios alunos do projeto foram os expositores neste evento. Os temas

abordados na exposição foram os mesmos discutidos durante a formação dos alunos, método científico, sistema solar, terra plana, movimento aparente do sol, impressão 3D e relógio solar (Figura 3). Figura 3 – Questionário aplicado aos alunos no final do projeto

Fonte: Os autores.

O registro das percepções e influências das experiências proporcionadas por cada atividade foram anotados pelos alunos em um diário de bordo e ao final deste primeiro momento do projeto, foi aplicado um questionário para avaliar de que modo a realização destas atividades influenciou na formação dos alunos (OLIVEIRA, GEREVINI; STROHSCHOEN, 2017).

5

THINGIVERSE. Disponível em: https://www.thingiverse.com/thing:1068443. Acesso em: 11 out. 2021.

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

38


RESULTADOS E DISCUSSÕES O diário de bordo permitiu acompanhar de maneira mais próxima o aprendizado e dificuldades dos alunos. Durante o processo de impressão do relógio solar, por exemplo, fizeram observações importantes sobre as condições necessárias para que a impressora conseguisse confeccionar o relógio. O aluno “A” relata que: “...Descobri que para realizar uma impressão, a máquina precisa aquecer o ABS (material utilizado para imprimir) a uma temperatura média de 180 graus, podendo redefinir no painel da própria máquina. Além disso, é necessário um computador para baixar o arquivo escolhido para impressão (este deve ser encontrado em sites próprios de impressora 3D), em seguida, jogar em um programa para ocorrer o “fatiamento do modelo”, o qual divide o objeto em várias camadas a fim do reconhecimento da impressora...” (ALUNO A).

Outras observações citadas como situações que dificultam o processo de impressão são

a limpeza da área de impressão do aparelho, vento e a temperatura do local. Ambientes com temperatura mais baixas devido ao ar-condicionado ou com correntes de ar, podem dificultar a fixação do filamento na mesa de impressão, causando desperdício de material. Além do registro de informações referentes ao uso da impressora, do funcionamento do relógio solar e suas descobertas durante as oficinas e rodas de conversa. Os alunos também registraram como se sentiam em cada etapa do projeto. O entusiasmo, preocupação, ansiedade e o medo de falar em público, foram algumas das experiências relatadas, como declara o aluno “B”. “...Eu e meus colegas tivemos um problema hoje quando descobrimos que os planos de pesquisa da FECITBA precisam ser entregues até o dia 18. Um grande problema para nós já que o material do relógio solar ainda não chegou e não sabemos se irá dar tempo. [...] Eu estou tendo algumas dificuldades com relação à apresentação nas escolas, sofro com ansiedade e interagir com o público é um dos meus maiores medos..” (ALUNO B).

Oliveira, Gerevini e Strohschoen (2017), ressaltam a importância desse tipo de registro através do diário de bordo, pois, além de descrever as metas, dados e descrição das atividades. Esse recurso permite que tanto os alunos como o professor tenham um momento para refletir, discutir e analisar as práticas desenvolvidas, seja no desenvolvimento de pesquisa ou no próprio contexto da sala de aula. Dentro desse contexto de reflexão e dos ideários do conhecimento maker discutidos por Paula, Oliveira e Martins (2019), os alunos também propuseram soluções para superar os

problemas apontados por eles durante o processo de impressão. Uma dessas propostas, foi envolver a impressora 3D com uma caixa grande de papelão durante a impressão (figura 2-b) para impedir a influência de correntes de ar. A realização deste tipo de atividade, proporciona o protagonismo estudantil e estimula os alunos a encontrarem soluções para os problemas práticos em seu cotidiano. A análise do questionário permitiu observar de forma qualitativa as impressões dos alunos sobre as atividades e temas de estudo desenvolvidos. Além disso, concedeu informações sobre

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

39


o conhecimento prévio que os estudantes têm sobre ciência, astronomia e impressão 3D. Quando perguntados sobre seu interesse em astronomia e como avaliam o estudo do relógio solar. Todos os envolvidos externaram o fascínio e curiosidade sobre o tema. O aluno “A” relata: “Não conhecia e foi um grande prazer aprender sobre. Para mim, o estudo geral sobre coisas do passado são fundamentais para compreendermos as tecnologias atuais, com o relógio solar não é diferente. Entender as observações e estudos dos nossos antepassados para datar o tempo, criando não só o relógio solar, mas outros objetos usados para marcar o tempo, como calendários, tudo isso a partir das passagens dos astros é surpreendente, pois reconhecemos a importância da astronomia para a humanidade e como ela acompanhou o homem durante sua evolução..”. (ALUNO A)

Na pesquisa, os alunos também avaliaram as atividades desenvolvidas e a junção dos conhecimentos de astronomia e impressão 3D em seu processo de aprendizagem. O aluno “C”

considera que o uso desse tipo de recurso traz mais interesse e proporciona um melhor entendimento na elaboração de projetos de investigação. Já os estudantes “A” e “B” destacam o desenvolvimento do senso de trabalho em equipe e da escrita de um artigo científico, além dos conhecimentos astronômicos, como importantes na sua formação, especialmente na sua preparação para a universidade. Destaca-se também como fruto desse trabalho, a submissão do projeto na IV Feira de Ciências e Tecnologias Educacionais da mesorregião do Baixo Amazonas - Pará (IV FECITBA). Participação esta, que proporcionou aos alunos a conquista do quarto lugar no evento, na categoria Ciências Exatas e da Terra. Além disso, a produção e apresentação de um artigo científico no VIII Simpósio de Educação em Ciências da Universidade de São Paulo (USP). CONCLUSÃO Os resultados supracitados permitem inferir que as propostas do projeto foram atingidas com êxito. A construção do relógio solar e a realização das oficinas e rodas de conversa proporcionaram uma experiência positiva aos participantes, como pôde ser observado nos dados coletados com o questionário e o diário de bordo. O registro das descobertas, informações e aflições dos alunos em cada etapa do projeto permitiu

acompanhar

o

desenvolvimento

dos

alunos,

mesmo

diante

dos

desafios,

proporcionando à eles, o conhecimento de que ciência não é algo pronto, acabado, mas que cada percalço apresenta novas possibilidades. Acredita-se, portanto, que a imersão ao conhecimento astronômico, aliado a impressão 3D mostraram-se uma proposta atrativa de iniciação científica, pois envolve, desperta e estimula o interesse dos alunos. Ressalta-se, porém, que o ambiente de impressão e a obtenção da própria impressora podem ser um fator dificultoso. O projeto ainda tem a perspectiva de realizar ações de divulgação científica com os materiais produzidos pelos alunos nas atividades, além de produzir 1

Jacqueline Fernandes de Sá Xavier. Licenciada em Educação Física-Uepa. Especialista em Educação Física/ Uepa. Especialista em Tecnologia da Educação- Puc /Rio. Graduando em Administração pela Universidade Leonardo da Vinci – UNIASSELVI.

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

40


novos materiais e expandir a abrangência do projeto para mais alunos no futuro.

REFERÊNCIAS AMARO, Pedro Biral Radica. Construção de um Relógio Solar para o Museu de Ciências Naturais. TCC (Graduação) - Curso de Licenciatura em Ciências Naturais, Universidade de Brasília, 2015. Disponível em: https://bdm.unb.br/bitstream/10483/ 13837/6/2015_PedroBiralRadicaAmaro.pdf. Acesso em: 16 out. 2021. AUSUBEL, D. P., NOVAK, J. D., HANESIAN, H. Psicologia educacional. Tradução Eva Nick. Rio de Janeiro: Interamericana, 1980. BACICH, Lilian; MORAN, José. Metodologias ativas para uma educação inovadora: uma abordagem teórico-prática. Penso Editora, 2018. Disponível em: https://curitiba.ifpr.edu.br/wpcontent/uploads/2020/08/Metodologias-Ativas-para-uma-Educacao-Inovadora-Bacich-eMoran.pdf. Acesso em: 11 set. 2021.

OLIVEIRA, A. M. DE; GEREVINI, A. M.; STROHSCHOEN, A. A. G. Diário de bordo: uma ferramenta metodológica para o desenvolvimento da alfabetização científica. Revista Tempos e Espaços em Educação, v. 10, n. 22, , 8 maio, 2017, p. 119-132. PAULA, Bruna Braga de; OLIVEIRA, Tiago de; MARTINS, Camila Bertini. Análise do Uso da Cultura Maker em Contextos Educacionais: Revisão Sistemática da Literatura. Renote, v. 17, n. 3, p. 447- 457, 2019. Disponível em: https://seer. ufrgs.br/renote/article/view/99528/55672. Acesso em: 12 set. 2021 PEIXOTO, Denis Eduardo. Astronomia como disciplina integradora para o ensino de ciências. Tese de Doutorado. Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2018. Disponível em: http://repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/ REPOSIP/332140/1/ Peixoto_DenisEduardo_D.pdf. Acesso em: 11 set. 2021. RODRIGUES, Greice Provesi Paes; PALHANO, Milena; VIECELI, Geraldo. O uso da cultura maker no ambiente escolar. Revista Educação Pública, v. 21, nº 33, 31 de agosto de 2021. Disponível em: https://educacaopublica. cecierj.edu.br/ artigos/21 /33/o-uso-da-cultura-maker-noambiente-escolar. Acesso em: 2 fev. 2022. SILVA, P. S. R. da. A pandemia da COVID-19 e os conflitos entre ciência e opinião: desafios para o conhecimento formal. Simbiótica. Revista Eletrônica, [S. l.], v. 8, n. 1, p. 133–151, 2021. DOI: 10.47456/simbitica.v8i1.35436. Disponível em: https://periodicos.ufes.br/simbiotica/article/ view/35436. Acesso em: 11 set. 2021. SILVEIRA, F. Design & Educação: novas abordagens. In.: MEGIDO, V. F. (Org.). A Revolução do Design: conexões para o século XXI. São Paulo: Editora Gente, 2016. p. 116-131. Acesso em: 2 fev. 2022. TREVISAN, R. H.; LATTARI, C. J. B. Observando o Eclipse Solar de 1994 na Escola de Primeiro Grau. Atas do XI SIMPÓSIO NACIONAL DE ENSINO DE FÍSICA. SBF, 1995, p. 170-174.

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

41


INTÉRPRETE DE LIBRAS: DA SALA DE AULA À SECRETARIA DE EDUCAÇÃO Walace de Souza Almeida1 Walber Gonçalves de Abreu2 RESUMO A atuação do profissional tradutor e intérprete de Libras-Português (TILSP) é um dos pilares para garantir a educação bilíngue para surdos, assim como outros direitos, como o acesso à informação. Dessa forma, o objetivo desse estudo foi relatar o percurso profissional de intérprete de Libras do 8º ano do ensino fundamental à Secretaria Municipal de Educação de Tomé-Açu no Pará. A metodologia utilizada foi o relato de experiência e observação, com abordagem descritiva segundo a ótica de Oliveira (2011) para descrever os achados da problemática. Como referencial teórico apontamos: Quadros e Schimedt (2006) e Guedes (2020). Como resultados destacamos: a função do profissional TILSP é importantíssima para a educação de surdos; sua presença em sala ou em qualquer outro espaço educacional e social é relevante para assegurar os direitos linguísticos do educando surdo; a profissão de TILSP é necessária na rede de ensino fundamental, tanto em escolas quanto secretarias. Há muitas dificuldades enfrentadas por esses profissionais, entre elas: quando trabalham sozinhos por longos períodos, ocorrem prejuízos cognitivos e físicos como consequências e, por fim, a pouca valorização em relação a remuneração e dignidade para a categoria. PALAVRAS-CHAVE: Educação bilíngue. Tradutor e Intérprete de Libras. Surdos.

INTRODUÇÃO A atuação do Tradutor Intérprete de Libras – Português (TILSP) na rede de ensino fundamental, assim como em outras esferas colaborativas e espaços da sociedade é uma das ações que desenvolvem acesso às informações cotidianas para os professores, alunos, comunidade escolar e, em especial, para a comunidade surda. O trabalho desse profissional é de súbita importância para garantir direitos linguísticos, assegurar uma educação bilíngue, respeito e comunicação entre ouvintes e surdos no espaço escolar. Na educação, é fundamental o trabalho colaborativo do professor da sala regular, coordenação, direção e demais funcionários da instituição de ensino com o intérprete de Libras para contribuir com a instrução do aluno e, principalmente, para evitar práticas exclusivas e metodologias de ensino ineficazes para surdos, como aponta Strobel (2009) em seus estudos sobre a história dos surdos. Portanto, baseado nos estudos de Libâneo (2013), sobre organização e planejamento em conjunto, o trabalho do intérprete de Libras precisa ser efetuado em parceria com os profissionais da instituição.

1

Discente do curso de especialização em Libras pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci (UNIASSELVI). Licenciado em Letras – Língua Portuguesa pela Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA). Professor membro da equipe multidisciplinar da Secretaria Municipal de Educação de Tomé-Açu (SEMED). E-mail: senhorwalace@gmail.com 2 Doutorando e mestre em Letras: estudos linguísticos pela Universidade Federal do Pará – (PPGL/UFPA). Licenciado em Letras – Libras/Língua Portuguesa L2 para surdos. Tradutor e intérprete de Libras (PROLIBRAS/MEC). Professor assistente da Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA) E-mail: walber.abreu@ufra.edu.br

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

42


Dessa feita, o objetivo deste estudo é relatar o percurso profissional de intérprete de Libras do 8º ano do ensino fundamental à Secretaria Municipal de Educação de Tomé-Açu no Pará, apresentando reflexões sobre o trabalho, experiências, dificuldades e particularidades da sala de aula e da secretaria municipal de educação durante a atuação profissional entre os anos de 2020 e 2021. Além disso, destacamos outras metas relacionadas à atuação do intérprete na sala de aula e na secretaria de educação, destacamos: observar os tipos de serviços solicitados para o profissional intérprete, comparar as dificuldades encontradas e dissertar sobre a experiência profissional. Um trabalho dessa natureza é, sem dúvida, muito importante por muitos motivos, gostaríamos de destacar três: divulgação das experiências vivenciadas para os demais colegas de profissão para que possam compartilhar do saber enquanto classe profissional, orientar a comunidade escolar sobre o trabalho do intérprete, pois muitos, infelizmente, ainda não conhecem e informar para a comunidade em geral sobre a atuação do intérprete de Libras, permitindo que conheçam como é feito este serviço e passem a valorizar mais. Este relato foi escrito com base nas experiências adquiridas durante a atuação profissional enquanto intérprete de Libras no 8º ano do ensino fundamental em 2020 e na secretaria municipal de educação em 2021, possibilitando reflexões sobre as responsabilidades que o cargo compõe e os tipos de metodologias/ práticas para a realização dos trabalhos. O trabalho está dividido em cinco partes: discussão teórica, percurso metodológico, análise dos resultados, considerações finais e referências, sendo fundamental para o nosso entendimento e desenvolvimento da problemática.

FORMAÇÃO DO TRADUTOR INTÉRPRETE DE LIBRAS – PORTUGUÊS O tradutor e intérprete é o profissional responsável por intermediar a comunicação do par linguístico Português – Libras entre ouvintes e surdos. “O tradutor e intérprete terá competência para realizar interpretação das 2 (duas) línguas de maneira simultânea ou consecutiva (...)” (BRASIL, 2010, n.p.); lLogo, este profissional é o canal comunicativo entre duas línguas de modalidades diferentes. A Lei nº 12.319/10 regulamenta a profissão do Tradutor intérprete de Libras no Brasil. As legislações são um dos muitos fatores importantes para melhorias na educação de surdos. A presença desse profissional poderá fazer toda a diferença no que se refere à comunicação; sendo assim, é fundamental que tanto o estudante quanto o profissional da área conheçam a legislação. É do nosso conhecimento que há muitas maneiras de formar tradutores e intérpretes de Libras, seja por curso de graduação, curso de extensão e cursos credenciados e reconhecidos por secretarias municipais de educação ou pelo Ministério da Educação (MEC); entretanto, o artigo 17 do capítulo cinco do Decreto nº 5.626/05 (BRASIL, 2005) discorre que a formação do tradutor intérprete de Libras – Português ocorrerá por meio de curso superior de Tradução e Interpretação, com habilitação em Libras - Língua Portuguesa. Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

43


Nesse momento, a reflexão presente foi sobre a ausência de cursos de nível superior e pós-graduações nos municípios e estados para atenderem a necessidade de intérpretes em sala de aula e demais espaços sociais, a fim de assegurar a comunicação e, em especial, os direitos linguísticos dos surdos. A formação a nível médio pode ser considerada uma vantagem em primeiro momento para a contração dos profissionais, entretanto, tal formação tem causado muitas discussões, movimentos e revoltas por parte da categoria no que se refere às condições de trabalho e remuneração da classe. Com isso, “o mesmo documento estabelece que essa seja efetivada por meio de curso superior de Tradução e Interpretação com a possibilidade dessa formação profissional ocorrer também em nível médio (...) (GUEDES, 2020, p. 36)”. Assim, a formação de nível superior que contemple conhecimentos e saberes adequados para a atuação profissional é uma abordagem efetiva, pois: [...] um curso de língua de sinais não deve confundir-se com um curso de formação de intérprete. Referimo-nos, nesta afirmativa, à necessidade de um curso de formação de intérpretes em nível profissional, com todas as características de curso profissionalizante. Isso porque um curso de formação de intérpretes não é suficiente senão se for um curso de formação de intérpretes que inclua módulos básicos com disciplinas gerais e módulos de especialização, nos quais se permita a opção específica da função de intérprete em sala de aula [...] (FERNANDES, 2003 apud MELO, 2013, p. 68-69).

A formação do intérprete de Libras é um dos pontos muito discutido atualmente, tanto na academia. Um outro ponto importante é a falta do reconhecimento popular da categoria, pois infelizmente muitas pessoas ainda não fazem ideia do que faz um TILSP e outras têm um entendimento básico sobre a área.

Por fim, a instrução do TILSP ainda enfrenta dificuldades para haver qualidade na formação, os tipos de formações necessitam ser fiscalizadas atentamente, assim como a criação de mecanismos para uma validação da qualidade do serviço.

ATUAÇÃO PROFISSIONAL DO TRADUTOR INTÉRPRETE DE LIBRAS NO CONTEXTO EDUCACIONAL O trabalho do intérprete de Libras é muito importante no que se refere à educação de surdos, é por meio dele que o educando poderá contribuir e aprender com a turma. Guedes (2020) discute sobre o desenvolvimento do trabalho e, principalmente, das estratégias utilizadas para promover um serviço de tradução efetivo, o autor destaca que: [...] o profissional da tradução deve ter o conhecimento específico sobre o texto científico, técnico, jurídico etc., que irá traduzir. Trata-se, portanto, sobretudo, da capacidade de compreensão do tema e não apenas da tradução do texto em si, e isto irá diferenciar o tradutor especializado. Caso o profissional não tenha os conhecimentos necessários à realização de determinada tradução, ele deve ser capaz de obtê-los por meio de pesquisas documentais, com o intuito de suprir essa carência (ALBIR, 2001 apud GUEDES, 2020, p. 36).

Com isso, no contexto educacional é necessário que o tradutor intérprete tenha formação ou conhecimentos específicos sobre o conteúdo que interpretará. Quadros e Schimedt (2006),

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

44


reforçam a atuação do professor com base em aspectos tradutórios, ou seja, por meio da utilização da língua de sinais para o ensino; logo, o trabalho do intérprete de Libras será planejado de acordo com o conteúdo da aula, ele estudará, se organizará para promover um excelente serviço interpretativo da disciplina. É importante termos em mente as funções e responsabilidades de cada um, professor e intérprete, pois de acordo com os estudos de Lacerda (2006), às vezes o intérprete por obter formação em alguma licenciatura, ensina assuntos relacionados ao conteúdo para o educando. A autora ainda destaca que “o interpretar e o aprender estão indissoluvelmente unidos e o intérprete educacional assume, inerentemente ao seu papel, a função de também educar o aluno” (Lacerda, 2006 apud MELO, 2013, p. 78). Com isso, reforçando a ideia apresentada anteriormente por Quadros e Schmiedt (2006) sobre o trabalho colaborativo entre os conteúdos da disciplina e a Libras, a fim de um aproveitamento educacional melhor. Zampieri (2006), discorre sobre a colaboração entre professor e intérprete de Libras durante as atividades escolares, essa parceria pode ser considerada o primeiro passo para a inclusão, logo, o intérprete ao se preparar/estudar para o objeto do conhecimento do componente curricular, poderá desenvolver suas escolhas tradutórias de melhor forma. A autora destaca que: [...] ao necessitarem de uma explicação, os alunos surdos recorrem ao professor ouvinte, em alguns momentos, porém o fazem com maior freqüência para o intérprete. Às vezes, o intérprete assume a função docente, seja pela pouca fluência da LIBRAS por parte do professor ou por este delegar sua função ao intérprete. Assim, as significações produzidas na relação pedagógica professor ouvinte-aluno surdo perpassam pelo intérprete que também assume o fazer pedagógico em alguns momentos. (ZAMPIERI, 2006, p. 100).

Consideramos esse momento em que os educandos surdos têm suas dúvidas sobre o conteúdo é uma ótima oportunidade para professores e intérpretes melhorarem sua comunicação e trabalho, pois será preciso que haja um trabalho em conjunto. Lodi e Lacerda (2014) contribuem para esse fato e reforçam a necessidade da abordagem bilíngue o quanto antes, a fim de assegurar melhores desempenhos linguísticos.

MÉTODOS E INSTRUMENTOS UTILIZADOS Os mecanismos metodológicos escolhidos para a realização do trabalho foram dois: relato de experiência e abordagem descritiva na ótica de Oliveira (2011). Selecionamos estes métodos por acreditarmos que foram eficientes e suficientes para o desenvolvimento da problemática apresentada neste estudo. E inspirado nos estudos de Almeida (2021), o relato de experiência teve a meta de descrever os procedimentos e experiências realizados durante determinado trabalho, informando para terceiros as experiências e saberes adquiridos. Logo, para os demais profissionais poderem vir a somar em suas reflexões o acesso à informação que poderá contribuir gradativamente com a aprendizagem e trabalho desses TILSP, além de apresentar dados sobre a qualidade do serviço prestado e seus avanços.

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

45


A abordagem descritiva, como o nome sugere, teve o objetivo de explanar detalhadamente sobre um determinado assunto. Logo, para fins de pesquisa e estudo, foi fundamental organizar e aplicar os conhecimentos presentes no fenômeno estudado por meio dessa abordagem, uma vez que: [...] as pesquisas descritivas têm como finalidade principal a descrição das características de determinada população ou fenômeno, ou o estabelecimento de relações entre variáveis. São inúmeros os estudos que podem ser classificados sob este título e uma de suas características mais significativas aparece na utilização de técnicas padronizadas de coleta de dados. (GIL, 1999 apud OLIVEIRA, 2011, p. 21).

Descrever as particularidades de um contexto de sala de aula para um mais geral e abrangente causou muita curiosidade durante a escrita do trabalho, criando assim reflexões e questionamentos que auxiliaram o desenvolvimento desse estudo. Consideramos que o trabalho do intérprete de Libras foi muito importante, independente da área em que o serviço ocorreu. A presença desse profissional é relevante para o processo de ensino-aprendizagem. Os aspectos metodológicos presentes nesse estudo foram desenvolvidos com base na experiência e resultados que foram surgindo com as discussões.

Observação e organização Observar o fenômeno durante seu estudo foi uma técnica utilizada para ter mais confiabilidade, pois notamos que seria possível manusear este método para validar os resultados obtidos nas análises posteriormente. Podemos concluir que: [...] a observação também é considerada uma coleta de dados para conseguir informações sob determinados aspectos da realidade. Ela ajuda o pesquisador a “[...] identificar e obter provas a respeito de objetivos sobre os quais os indivíduos não têm consciência, mas que orientam seu comportamento” (MARCONI; LAKATOS, 1996, p. 79). A observação também obriga o pesquisador a ter um contato mais direto com a realidade. (OLIVEIRA, 2011, p. 38).

Dessa forma, os fenômenos observados em um outro momento poderão passar por uma análise mais detalhada ou comparação ou qualquer outro procedimento metodológico, a fim de verificar a veracidade dos dados coletados. A organização e aplicação da pesquisa se deu durante a atuação profissional no 8º ano do ensino fundamental em sala de aula em 2020 e na secretaria municipal de educação em 2021; em cada espaço foi feito uma preparação de estudos (seja de vocabulário ou de estratégias) para a atuação profissional Nas análises dos dados entraremos com mais detalhes sobre este percurso. Por fim, na próxima seção, discutiremos os resultados da pesquisa, buscando esclarecer como foi a experiência profissional enquanto intérprete de Libras nos dois espaços determinados. Nesse processo, abordaremos as dificuldades, características da profissão, algumas estratégias utilizadas, como e de que forma é a participação e interação em sala com os demais e, posteriormente, as considerações finais sobre as principais experiências.

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

46


EXPERIÊNCIAS ENQUANTO INTÉRPRETE DE LIBRAS

Em sala de aula, o trabalho do Tradutor Intérprete de Libras podem ser muitos, pois vão desde a interpretação até o ensino. Os demais profissionais da instituição de ensino acreditam (grande parte) que o TILSP precedeu de uma licenciatura ou que tem formação para atuar enquanto professor3. Este fato foi observado constantemente em sala pelo motivo de muitos terem este profissional como um colega de trabalho. Um outro ponto importante a destacar foi o trabalho colaborativo entre os professores das disciplinas e o intérprete de Libras, pois pela quantidade de disciplinas foi necessário que ambos organizassem e discutissem os conteúdos que seriam ministrados. Lodi; Lacerda (2014), discutem a proposta da educação bilíngue para surdos nos anos iniciais com o objetivo de construir uma base educacional sólida para o desenvolvimento educacional dos alunos. Os professores gostam da presença do intérprete em sala de aula. O intérprete contribui imensamente para o ensino do aluno surdo, para a comunicação e discussão da disciplina. Logo, foi relevante estabelecer para a coordenação e para a direção escolar a necessidade da contratação de mais intérpretes de Libras para que o trabalho desse profissional seja melhor. Esse trabalho em dupla é, sem dúvida, umas das propostas-ações verdadeiramente inclusivas para a educação de surdos. “Ao optar-se em oferecer uma educação bilíngue, a escola está assumindo uma política linguística em que duas línguas passarão a coexistir no espaço escolar” (QUADROS; SCHMIEDT, 2006, p. 18). Com isso, uma abordagem bilíngue efetiva como uma metodologia deverá ser composta de saberes e profissionais aptos e experientes no assunto para desenvolverem a educação de surdos. Em meio ao trabalho desenvolvido, as dificuldades são muitas e notamos que precisariam ser feitas mudanças e melhorias para o trabalho em sala. A seguir, abordaremos as dificuldades constantes encontradas no contexto educacional.

Dificuldades experienciadas no contexto da sala de aula As principais dificuldades que podemos destacar foram a falta ou baixíssima contratação de intérpretes para atuarem no contexto da sala de aula, o que sobrecarrega os que estão atuando no quadro, pois a demanda de escolas em que há alunos que necessitam dos serviços de tradução e interpretação são muitas. O trabalho interpretativo exigiu habilidades e, principalmente, estratégias para um trabalho efetivo. Os métodos utilizados por esses profissionais; em grande parte são frutos das experiências enfrentadas e que posteriormente proporcionaram uma aprendizagem melhor. E por fim, notamos que foi necessário dialogar muito com os professores sobre os conteúdos das disciplinas, pois era necessário estudá-lo antes da atuação em sala. Quando nos deparamos em uma situação sem uma preparação específica, o trabalho pode ser comprometido dependendo do assunto e da experiência do intérprete, portanto, as dificuldades sempre vão existir e a necessidade de se preparar precisa ser um costume, pois caso contrário, só estaremos fingindo que estamos ensinando, interpretando e aprendendo. 3

Por observação, notamos que a maioria dos intérpretes são graduados em alguma licenciatura.

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

47


O trabalho na Secretaria Municipal de Educação de Tomé-Açu

As atividades na secretaria de educação são muitas, desde interpretação ao ensino de Libras. A quantidade de serviço e a demanda são enormes por conta dos grandes números de alunos surdos matriculados na rede e do pouco conhecimento sobre Libras por parte dos professores e demais servidores do município. As experiências adquiridas nesse ambiente mais amplo para a atuação são riquíssimas e possibilitam a observação, organização e aplicação de muitas atividades, a fim de alcançar um desenvolvimento educacional melhor.

1 Interpretações em eventos e formações Ao atuar na secretaria de educação foi possível participar de muitos eventos culturais, escolares e formativos em abundância. A quantidade desses eventos transforma-se em um “problema” ou “dificuldade” por conta do pouquíssimo número de intérpretes de Libras atuantes no quadro, o que sobrecarrega os que estão atuando e exige que se tenha a contratação de mais TILSP para um serviço de qualidade.

2 Cursos, oficinas e formações de Libras Um fato curioso observado foi a alternância entre interpretação e ensino de Libras para os professores da rede de ensino. Os servidores acreditam que um intérprete pode e deve promover formações que visem à aquisição da língua como L2 mesmo se não for formado em licenciatura. E quanto às formações são pontos positivos para se pensar. Entretanto, caso houvesse surdos no momento, seria necessário a presença de mais dois intérpretes para que fosse possível o acesso à informação pelo público surdo. Foram muitas as formações solicitadas para o intérprete de Libras no que se refere à língua. Porém, a quantidade de trabalho interpretativo não permitiu de forma efetiva um tempo para organizar e aplicar formações, pois a demanda principal foi a interpretação do par linguístico Português – Libras.

3 Solicitações à Secretaria para atuação em sala de aula

Em alguns momentos foram solicitados por meio de ofício a presença do intérprete para acompanhamento de alunos surdos da rede de ensino municipal. Esse momento foi caracterizado como aulas de reforço ou preparação para provas importantes. Infelizmente há pouquíssimos intérpretes para atuarem em sala de aula, o que dificulta gradativamente o ensino e a comunicação para surdos. Um outro fator foi o reconhecimento da profissão que, ainda, não possui o prestígio que deveria ter, devido a pouca valorização salarial e da qualidade das condições de serviço.

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

48


CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho de TILSP na rede de ensino fundamental não é nenhuma novidade ou não deveria ser desconhecida por parte dos servidores. A função desse profissional é importantíssima para a educação de surdos. Sua presença em sala ou em qualquer outro espaço educacional e social foi relevante para assegurar os direitos linguísticos do educando surdo. Na interpretação ou tradução em sala de aula, ela foi a base para o desenvolvimento educacional por meio do diálogo entre professor – intérprete – aluno, esse momento precisa ser constante dentro do processo de ensino-aprendizagem. As atividades desenvolvidas em sala com a presença do TILSP possibilitam a interação com todos durante a aula, criando assim, a ideia da proposta de acessibilidade tanto defendida.

A atuação na secretaria municipal de educação possibilitou ter um campo de atuação mais amplo e propor novos projetos para contribuir com a educação de surdos. Nesse sentido, foi possível ministrar aula, organizar formações, participar de eventos e ter acesso direto às informações sobre temáticas referentes à rede de ensino municipal. Os trabalhos interpretativos são cansativos, pois exigem um esforço cognitivo constante para a compreensão e transposição da mensagem da língua fonte para a língua-alvo, logo, é necessário a contratação de mais TILSP para garantir a qualidade do trabalho e preservar a saúde mental e física de cada profissional. Concluímos que a profissão de TILSP ainda é necessária na rede de ensino fundamental, tanto em escolas quanto secretarias. Há muitas dificuldades enfrentadas por esses profissionais, entre elas: quando trabalham sozinhos por longos períodos, ocorrem prejuízos cognitivos e físicos como consequências e, por fim, a pouca valorização em relação a remuneração e dignidade para categoria.

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

49


REFERÊNCIAS

ALMEIDA. W. de S. Práticas de educação inclusiva no ensino da Língua Portuguesa com alunos surdos no município de Tomé-Açu. 2021, 80f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Letras) – Licenciatura plena em Letras - Língua Portuguesa. Universidade Federal Rural da Amazônia. Tomé-Açu, 2021. Disponível em: http://bdta.ufra.edu.br/jspui/ bitstream/123456789/1777/4/PR%c3%81 TICAS%20DE%20EDUCA%c3%87%c3%83O% 20INCLUSIVA%20NO%20ENSINO %20DA%20L%c3%8dNGUA%20PORTUGUESA%20COM% 20ALUNOS%20SURDOS%20NO%20MUNIC%c3%8dPIO%20DE%20TOM%c3%89-A%c3% 87U%20%282%29.pdf. Acesso em: 22 de agosto de 2021. BRASIL. Casa Civil. Decreto nº 5.626/05. Brasília: Casa Civil, 2005. Disponível em: http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/decreto/d5626.htm. Acesso em: 25 de novembro de 2021. BRASIL. Lei Nº 12.319. Regulamenta a profissão de tradutor intérprete da língua brasileira de sinais – Libras. diário oficial da união, Brasília, 1º de setembro de 2010, 2010. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/ l12319.htm. Acesso em: 25 de novembro de 2021. GUEDES. F. E. Tradução de provas para Libras em vídeos. 2020, 147f. Dissertação (Mestrado em Comunicação) – Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução. Centro de Comunicação e Expressão. Universidade Federal de Santa Catarina, Santa Catarina, 2020. LACERDA. C. B. F. de. A Inclusão Escolar De Alunos Surdos: O que dizem alunos, professores e intérpretes sobre esta experiência, 2006. Disponível em: http:// www.cedes.unicamp.br. Acesso em: 26 de novembro de 2021. LIBÂNEO. J. C. Didática. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2013. LODI. A. C. B; LACERDA. C. B. F. Uma escola, duas línguas: letramento em língua portuguesa e língua de sinais nas etapas iniciais de escolarização, (organizadoras). 4. Porto Alegre: Mediação, 2014. MELO. A. V. S de. Formação e atuação do tradutor intérprete de Libras em sala de aula. 2013, 179f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de pós-graduação em Educação. Diretoria de pesquisa e extensão. Universidade Tiradentes: Aracaju, 2013. OLIVEIRA. M. F de. Metodologia científica: um manual para a realização de pesquisas em administração. Catalão: UFG, 2011. QUADROS, F. R. M; SCHMIEDT. M. L. P. Ideias para ensinar Português para surdos. Brasília: MEC, SEESP, 2006. STROBEL. K. História da educação de surdos. Universidade Federal de Santa Catarina Licenciatura em Letras-LIBRAS na modalidade a distância: Florianópolis, 2009. ZAMPEIRI. M. A. Professor ouvinte e aluno surdo: possibilidades de relação pedagógica na sala de aula com intérprete de Libras – Língua Portuguesa. 2006, 211f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação. Faculdade de Ciências Humanas. Universidade Metodista de Piracicaba: SP, 2006.

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

50


A IMPORTÂNCIA DAS TECNOLOGIAS ASSISTIVAS PARA O ENSINO E APRENDIZAGEM DOS ALUNOS COM DEFICIÊNCIA VISUAL Kemle Senhorinha Rocha Tuma¹ RESUMO O ensino e aprendizagem de alunos com deficiência visual a partir da inclusão deve atender às necessidades, superar barreiras dentro do contexto educacional e conhecer as especificidades de cada educando. O objetivo geral da pesquisa é descrever a importância das tecnologias assistivas como ferramentas de auxílio ao ensino e aprendizagem de alunos com deficiência visual. Para a consolidação deste estudo, buscou-se reunir teóricos que pudessem contribuir significativamente para os objetivos desta pesquisa, tendo como procedimentos metodológicos a abordagem de uma pesquisa qualitativa, do tipo descritiva, na qual a amostra foi constituída por 3 alunos da 3ª série do turno da tarde da E.E.E.F.M Alexandre Zacharias de Assumpção em Belém-PA. Os resultados da pesquisa mostrou que os docentes estão adaptando as atividades para os alunos e participando de cursos de formação para conseguir atender às necessidades desses educandos e a escola oferece atendimento especializado para recebêlos, porém vale salientar a importância de estrutura adaptada com corredores planos e desobstruídos e piso adequado para a inclusão de alunos com deficiência visual, pois o ambiente escolar deve ser acessível para mobilidade estudantil. Palavras-chave: Ensino e aprendizagem. Deficiência visual. Inclusão. Tecnologias assistivas.

INTRODUÇÃO

É relevante abordar sobre as tecnologias assistivas na mediação da inclusão social de alunos com deficiência visual, para a reflexão e discussão sobre a importância dos recursos para a realização das atividades no processo de ensino e aprendizagem que permitem assim o acesso para uma educação com autonomia. Ao se falar em deficiência visual, precisa-se saber que temos uma classificação que afirma que esta deficiência pode ser: cegueira e baixa visão. Esta classificação está de acordo com as definições clínicas e educacionais. Do ponto de vista clínico são diagnosticadas como cegas, pessoas que tenham uma acuidade visual2 igual ou inferior a 0,05 no melhor olho, após todas as correções ópticas realizadas (BRASIL, 2004). Já a classificação em baixa visão é conceituada e diagnosticada quando a acuidade visual esta medida após as correções ópticas em 0,3 a 0,05 no melhor olho (BRASIL, 2004). Ressalta-se que alguns teóricos e pesquisadores na área não aceitam estas definições que são baseadas em acuidade visual, uma vez que para eles seria analisar o todo desde a morfologia ocular até a fisiologia e como esta visão se comporta. Para tanto, se faz necessário 1

Professora de espanhol da rede estadual de ensino- SEDUC PA. Brasil, Belém- Pará. Email: kemletuma@outlook.com ID Lattes: 507789968075968. Doutora em Ciências da Educação pela Universidade Autónoma de Asunción/ UFRJ. 2 Acuidade visual depende de fatores ópticos e neurais, da nitidez que a imagem chega na retina, da saúde das células e da capacidade de interpretação do cérebro.

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

51


um acompanhamento clínico para saber de fato se o aluno nasceu cego ou se a cegueira evoluiu com o tempo, de forma gradativa, ocasionada por algum tipo de patologia ou trauma, seja na fase infantil ou adulta, pois as causas que explicam a cegueira de um aluno determinarão também em como ele vai se desenvolver cognitivamente. Este tema é bastante relevante para o conhecimento dos docentes, pois com a inclusão nas escolas, deve-se saber e entender as diversas deficiências que podem estar envolvidas dentro da sala de aula, e para os educadores é fundamental saber as especificidades de cada aluno. Devem perceber como o deficiente enfrenta seus problemas no cotidiano escolar, possibilidades e limites, para assim criar estratégias de desenvolvimento dentro da sua realidade e a escola assim ofertar formações continuadas aos profissionais para troca de experiências pedagógicas.

Nessa perspectiva, o acesso às tecnologias assistivas tornam-se de grande importância ao aluno deficiente dentro deste processo. Diante deste contexto neste relato de experiência, emergiu-se a pergunta norteadora de investigação que é: Quais as contribuições das tecnologias assistivas para o ensino e aprendizagem de alunos com deficiência visual? O relato tem como objetivo geral descrever a importância das tecnologias assistivas como ferramentas de auxílio ao ensino e aprendizagem de alunos com deficiência visual; e como objetivos específicos do estudo: Identificar as dificuldades enfrentadas pelos alunos com deficiência visual, analisar o processo de ensino e aprendizagem e refletir ações de melhorias para o ensino.

A DEFICIÊNCIA VISUAL COMO MARCO TEÓRICO Sabe-se que a classificação supracitada até a década de 70 era realizada a partir de um diagnóstico oftalmológico e, como afirma Amiralian (1997), esse diagnóstico, a partir da comprovação de que as crianças liam em Braille com os olhos, fez com que os especialistas proporcionassem uma reestruturação conceitual levando em conta a forma como o sujeito interage e aprende o mundo que está ao seu redor. Essas incursões permitem então trazer ao debate uma definição fomentada pela educação que diz que alunos cegos que: [...] não têm visão suficiente para aprender a ler em tinta, necessitam, portanto, utilizar de outros sentidos (tátil, auditivo, olfativo, gustativo e sinestésico) no seu processo de desenvolvimento e aprendizagem. O acesso à leitura e escrita dar-se-á pelo sistema Braille (BRASIL, 2002, p. 13).

Em relação à baixa visão, mediante um olhar educacional pode-se afirmar: “[...] são aqueles que utilizam do seu pequeno potencial visual para explorar o ambiente, conhecer o mundo e aprender a ler e escrever” (BRASIL, 2002, p. 13). As concepções reafirmadas pelo olhar educacional permitiram o surgimento de um novo paradigma para o tratamento do aluno com deficiência visual, e passaram a acreditar que os alunos que apresentavam baixa visão deveriam poupá-la para que não caminhassem para uma cegueira no futuro.

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

52


Durante muitos anos pensou-se que as pessoas deficientes visuais graves deveriam ser tratadas como cegas totais, baseando essa afirmação na crença de que a visão deveria ser poupada, pois seu uso poderia ser prejudicial, já que aceleraria o processo da enfermidade ocular; por conseguinte, exigia-se que os deficientes graves agissem como cegos, sem considerar seu potencial visual, criando neles vários desajustes e atitudes negativas (PIÑERO; QUERO; DÍAZ, 2003). Outro aspecto relevante está relacionado a quando a deficiência visual “aparecia” ou evoluía. Para algumas pessoas, principalmente pelos “tabus” construídos culturalmente, a cegueira estaria relacionada com a faixa etária. Sem dúvida, o sujeito que nasce cego, que estabelece as suas relações objetais, estrutura o seu ego e organiza toda sua estrutura cognitiva a partir da audição, do tato, da cinestesia, do olfato e da gustação, difere daquele que perde a visão após seu desenvolvimento já ter ocorrido (AMIRILIAN, 1997, p. 32).

Para tanto se faz necessário uma reflexão e até mesmo um acompanhamento clínico para se saber de fato se o aluno nasceu cego ou se a cegueira evoluiu com o tempo, de forma gradativa, ocasionada por algum tipo de patologia ou trauma, seja na fase infantil ou adulta, pois as causas que explicam a cegueira de um aluno determinarão também em como ele vai se desenvolver cognitivamente. Assim, Rodrigues (1997) destaca as principais causas da deficiência visual (Quadro 1). Quadro 1 - Principais causas da Deficiência Visual

Fonte: Rodrigues, 1997, p. 85, adaptado.

3

O tracoma consiste em uma inflamação crônica da conjuntiva e da córnea, sendo que se ocorrerem infecções repetidamente pode levar a cicatrizes na conjuntiva palpebral. Casos mais graves acarretam em lesões corneanas, causando a cegueira. 4 A oncocercose consiste em uma infecção parasitária que ocorre após a picada de um mosquito preto que fica próximo de rios e águas correntes. Um verme parasita entra no corpo hospedeiro, produzindo inúmeras larvas que infectam a pele e os olhos. Quando esses vermes morrem, dão origem a substâncias tóxicas, o que ocasiona fortes irritações e lesões nos olhos 5 A xeroftalmia, também conhecida como cegueira noturna, consiste em um termo médico utilizado para um conjunto de sintomas e sinais oculares que são atribuídos à falta de vitamina A. 6 A Degeneração Macular Relacionada com a Idade (DMRI) consiste em uma doença degenerativa da retina que ocasiona uma perda progressiva da visão central. Ela é a causa mais comum de perda da visão em pessoas com mais de 55 anos. 7 A retinite pigmentosa consiste em um conjunto de doenças hereditárias que acarreta a degeneração da retina, ocasionando perda gradual da visão. Ela não possui cura.

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

53


Outro ponto importante a ser observado é a importância do acompanhamento pré-natal também enfatizado por Rodrigues (1997), pois em alguns casos a deficiência visual torna-se congênita, ou seja, adquirida na vida intrauterina ou até mesmo a necessidade de aconselhamento genético que seria capaz de prevenir a retinite pigmentosa 3, o glaucoma e a catarata congênita. Enfatiza-se que a realização de um pré-natal de qualidade diminui a má formação do feto. Quanto às causas congênitas da deficiência visual, podemos destacar: gestação na adolescência, desnutrição da mãe, mãe usuária de drogas lícitas ou ilícitas como é o caso do uso de tabaco e álcool, doenças virais como rubéola, sífilis, AIDs e também as ocasionadas por protozoários como a toxoplasmose e as doenças por citomegalovírus (BRASIL, 2006.) Com o acompanhamento médico ambulatorial e a realização de exames laboratoriais

específicos seria possível prevenir possíveis casos de deficiência visual ainda na gestação. Ressalta-se também, a necessidade de alguns cuidados no momento do parto, bem como após o nascimento, uma vez que doenças virais como rubéola, sarampo e a meningite viral podem causar a deficiência visual. Deve-se também ser repensada a possibilidade de diagnóstico precoce a fim de evitar um agravamento da deficiência visual, pois há casos que com tratamento precoce a deficiência estagna. Carlo (2001) afirma que qualquer profissional que queira assistir uma pessoa deficiente precisa primeiramente investigar as especificidades de seu desenvolvimento, para não correr o risco de generalizar. Deve também, perceber como o deficiente enfrenta seus problemas, possibilidades e limites, para assim criar estratégias de desenvolvimento em qualquer que seja

a área de atuação. Neste sentido, os alunos com deficiência visual devem ser contemplados com propostas pedagógicas e curriculares que atendam suas necessidades. Em 2003, uma equipe do Núcleo de Estudos e Pesquisas da Fundação Nacional da Arte em São Paulo promoveram discussões acerca da deficiência visual, em que grandes filósofos tratam da fenomenologia do olhar (TRIVIÑOS, 2012) esmiuçando interpretações e significados do que de fato significa VER; isso traz ao debate a relação do que significa Ver e Conhecer e questiona se estas ações são de fato relevantes para a aquisição de conhecimento (Figura 1). Figura 1 - O Olho Humano

Fonte: https://www.google.com.br/search?q=o+olho+humano&source=lnms&tbm=isch&sa.

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

54


Quando esse olho não funciona corretamente, pode estar acometido com alguma patologia; nesse sentido, podemos ter cinco tipos de situações que caracterizam deficiência visual: I- Condições do Olho: Miopia – visão curta, condição que permite ver os objetos próximos e não distantes. Hipermetropia – visão distante, condição que permite ver os objetos a distância, mas não os objetos próximos. Astigmatismo – uma patologia ocular que produz imagens na retina com diferentes focos. II- Condições dos Músculos do Olho: Estrabismo – alinhamento impróprio dos olhos causando duas imagens que são recebidas pelo cérebro, provavelmente resultando na não funcionalidade de um olho. Nistagmo – movimentos rápidos e involuntários dos olhos que interferem na focalização dos objetos. III- Condições da Córnea, Íris e Lentes: Glaucoma – diminuição do líquido nos olhos, causando pressão para se desenvolver e danificando a retina. Anirídia – Íris não desenvolvida, consequência da falta de pigmento (albinismo), resultando em sensibilidade extrema à luz. Catarata (opacidade das lentes cristalinas) – uma película nublada sobre as lentes do olho. IVCondições da Retina: Retinopatia diabética – alterações nos vasos sanguíneos do olho causado pela diabete. Degeneração macular – danos em uma pequena área próxima ao centro da retina que resulta na restrição da visão central fina e dificuldades na escrita e na leitura. Retinite pigmentosa – doença genética dos olhos que conduz à cegueira; a cegueira noturna é o primeiro sintoma. Retinoblastoma – tumor (SMITH, 2008, p. 333).

PERCURSO METODOLÓGICO O estudo apresenta uma abordagem qualitativa com enfoque descritivo, como técnica de coleta de dados a observação direta realizada nas duas turmas da 1ª série (101 e 103), turno da tarde do Ensino Médio da Escola Estadual Alexandre Zacharias de Assumpção, escola lócus de pesquisa, situada em Belém- Pa no bairro do Guamá. Para Minayo (2015) a pesquisa qualitativa trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, do processo dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis. Sobre a pesquisa descritiva Triviños (2012, p. 110) afirma que “os estudos descritivos exigem do pesquisador uma série de informações sobre o que se deseja pesquisar”.

O período da coleta de dados aconteceu durante as aulas nos meses de outubro e novembro de 2021, nas quais fiz o acompanhamento com os três alunos da escola lócus de pesquisa, pensando no processo educativo dos alunos com deficiência visual emergiu esta investigação. A pesquisa se organiza na construção de elementos constitutivos ligados à temática, através da estruturação de tópicos que abordam sobre a deficiência visual e a importância das tecnologias assistivas como ferramenta de auxílio ao ensino e aprendizagem. Esta investigação é indiscutível para o encaminhamento adequado de um problema de pesquisa e para fazer um campo de estudos se expandir ou modificar (LAKATOS; MARCONI, Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

55


2017). Para a construção do marco teórico foram utilizados como critérios de pesquisa: artigos na base de dados Scielo e PubMed e literaturas disponíveis que tivessem em língua portuguesa; foram utilizados na pesquisa os seguintes descritores para a seleção dos artigos: ensino e aprendizagem, deficiência visual, inclusão, tecnologias assistivas. O relato de experiência traz a vivência e a prática do cotidiano escolar enfrentada por nossos alunos e profissionais, desta forma, utilizamos a técnica da observação para descrever os fenômenos e relatar as estratégias de aprendizagem. Os docentes participaram de uma formação para o enfrentamento de dificuldades e melhorias em suas práticas pedagógicas para atender os alunos com deficiência visual, em busca de um ensino voltado a sua realidade. TECNOLOGIAS ASSISTIVAS COMO FERRAMENTA DE APRENDIZAGEM PARA ALUNOS COM DEFICIÊNCIA VISUAL

AUXÍLIO

AO

ENSINO

As tecnologias assistivas servem para garantir ao aluno com deficiência um suporte ao ensino aprendizagem de forma a garantir sua permanência no ensino regular. Nesse sentido, Mello (2006, p. 36) cita que as tecnologias assistivas “referem-se a todo o arsenal técnico utilizado para compensar ou substituir funções quando as técnicas reabilitadoras não são suficientes para resgatar a função em sua totalidade, além do desenvolvimento e da aplicação de aparelhos/instrumentos”. O objetivo maior da TA é proporcionar à pessoa com deficiência maior independência, qualidade de vida e inclusão social, através da ampliação de sua comunicação, mobilidade, controle de seu ambiente, habilidades de seu aprendizado e trabalho. Os autores afirmam que as tecnologias assistivas garantem aos deficientes a capacidade de construir sua autonomia em suas atividades de vida diária e também no que concerne a construções de novas habilidades para aprender. As incursões também trazem ao debate que estas tecnologias suprem técnicas de reabilitação em várias dimensões: linguagem, mobilidade, qualidade de vida, enfim ferramentas de inclusão social que visam a melhoria de vida em todos os aspectos inerentes à condição humana na sociedade principalmente no ambiente de trabalho e na educação. Tecnologia Assistiva é uma área do conhecimento, de característica interdisciplinar, que engloba produtos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que objetivam promover a funcionalidade, relacionada à atividade e participação, de pessoas com deficiência, incapacidades ou mobilidade reduzida, visando sua autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social (CORDE, 2007, p. 2)8.

Essas estão dispostas apenas aos deficientes visuais, mas para os deficientes físicos, auditivos, visuais e mentais, todavia para esta investigação trataremos de enfatizar estas ferramentas de melhoria de qualidade de vida e inclusão social para os deficientes visuais, uma vez que são o objeto de estudo aqui proposto no que concerne a inclusão desses alunos. 8

TÉCNICAS – CAT CORDE / SEDH / PR, 2007. Disponível em: www.assistiva.com.br/Ata_VII_Reuni ão _do_Comite_de_Ajudas_Técnicas.pdf. Acesso em março de 2022.

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

56


Foram criados vários recursos tecnológicos para os alunos com deficiência visual na escola estadual Álvares de Azevedo, desde ao aluno com baixa visão até para os que apresentam o comprometimento total de sua visão, é a escola especializada ao atendimento do alunos com deficiência visual, permitindo assim que o conhecimento para estes alunos pudessem chegar facilitando, assim, o ensino e aprendizagem através do Atendimento Educacional Especializado (AEE), por meio das complementações curriculares específicas necessárias à educação, no que se refere às vivências de Orientação e Mobilidade (OM), Atividades da Vida Autônoma e Social (Avas). Dessa forma, os alunos matriculados pela SEDUC que apresentam deficiência visual, são direcionados a esta escola para o apoio suporte a sua necessidade. Os alunos da Escola Estadual Alexandre Zacharias de Assumpção recebem além do

apoio ofertado a escola Álvares de Azevedo, o apoio do atendimento especializado das professoras dos turnos da manhã e tarde que orientam os alunos em suas atividades e avaliações. Trazer a temática para o debate aqui proposto é demonstrar que as instituições de ensino devem repensar suas práticas pedagógicas, lócus de aprendizagem, enfim todos os espaços que a compõem a partir do uso destas tecnologias. A Figura 2 apresenta um fluxograma das tecnologias assistivas e quais são as principais etapas desde ao entendimento da situação até ao acompanhamento do uso das ferramentas. Figura 2 - Tecnologias assistivas

Fonte: MEC/SEESP, 2013. O Quadro 2 expõe as categorias e funções da tecnologia de acordo com a função específica para cada situação. Apresenta como as tecnologias assistivas devem ser percebidas como recursos aos usuários, ou seja, são aparatos que irão facilitar a vida em diferentes espaços.

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

57


Quadro 2 - Tecnologias assistivas e categorias

Fonte: Bersch (2013, p. 5-11). Os alunos são acompanhados pelo atendimento especializado da escola, para auxiliar em seu processo de aprendizagem, visto que as atividades devem ser adaptadas para sua realidade. Os docentes participam de cursos de formação de professores, realizados e oferecidos pela Secretaria de Educação do Pará-SEDUC para dar suporte aos docentes que enfrentam diversos desafios em sala de aula.

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

58


A Figura 3 demonstra uma atividade de química que foi realizada pelo aluno da 1ª série (103), que tem a máquina de braille e realiza as suas atividades em sala de aula. A professora Anielem Oliveira de Souza ministra a disciplina de química no turno da tarde na Escola Alexandre Zacharias de Assumpção e prepara o material de suas aulas, no qual é adaptado em braille pelos professores da escola Álvares de Azevedo. Figura 3 - Atividade de química adaptada para os alunos cegos

Fonte: Dados da pesquisa. Podemos ver o estudo do átomo, conteúdo ministrado na aula de química pela professora, ela realiza a atividade e encaminha para o atendimento especializado, que devolve ao aluno com as adaptações e o material de atividades é repassado a docente, para a sua correção e devidas orientações das aulas, isso acontece durante todo o período para cumprir o conteúdo curricular. Já na Figura 4, temos uma atividade realizada pela pesquisadora durante as aulas de espanhol, aqui fizemos a leitura em espanhol, depois fiz a tradução para o aluno para que ele na hora fizesse em sua máquina de braile, colocando as suas respostas da atividade realizada. A atividade foi para o atendimento especializado para que o professor de braile passasse para o português as respostas do aluno e assim ser devolvida para a correção. Figura 4 - Atividade de espanhol

Fonte: Dados da pesquisa. A Figura 5 mostra o aluno em sua rotina diária na escola, ao assistir às aulas e ao acompanhar fazendo o uso da máquina de braille.

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

59


Figura 5 - Aluno com a máquina de escrever Braille durante as aulas

Fonte: Dados da pesquisa CONCLUSÕES A escola deve estar preparada para receber estes alunos que apresentarem quaisquer deficiência e assim, organizar os objetos com o aluno, para facilitar o acesso e a mobilidade.

Manter carteiras, estantes sempre na mesma ordem, comunicar as alterações. O aluno cego tem direito a usar materiais adaptados, como livros didáticos transcritos para o braile para escrever durante as aulas. Antecipe a adaptação dos textos junto dos educadores responsáveis pela sala de recursos, que deve contar com máquinas braile, impressora e equipamentos adaptados. A alfabetização em braille das crianças com cegueira total ou graus severos de deficiência visual é simultânea ao processo de alfabetização das demais crianças na escola, mas com o suporte essencial do Atendimento Educacional Especializado (AEE). Essa norma está prescrita de acordo com o Decreto 6.571, de 17 de setembro de 2008, o Estado tem o dever de oferecer apoio técnico e financeiro para que o atendimento especializado esteja presente em toda a rede pública de ensino, mas cabe ao gestor da escola e às Secretarias de Educação a administração e o requerimento dos recursos para essa finalidade. Oferecer ambientes adaptados, corredores desobstruídos e piso tátil, é mais uma medida importante para a inclusão de deficientes visuais. O entorno da escola também deve ser acessível, com a instalação de sinais sonoros nos semáforos e nas áreas de saída de veículos próximas da escola. Todos os padrões de adaptação física da escola para receber alunos com deficiência estão no documento elaborado pela Associação Brasileira de Normas Técnicas -NBR 9050.

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

60


REFERÊNCIAS

AMIRALIAN, Maria Lúcia Toledo Moraes. Compreendendo o cego: uma visão psicanalítica da cegueira por meio de desenhos-histórias. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1997. BERSCH, Rita. Introdução a Tecnologia Assistiva. Porto Alegre: CEDI, 2013. BRASIL. Ministério da Educação. Deficiente visual: educação e reabilitação. Brasília: MEC/ SEESP, 2002. BRASIL. Decreto nº 5.296 de 02 de dezembro de 2004. Regulamenta as Leis nos 10.048, de 8 de novembro de 2000, que dá prioridade de atendimento às pessoas que especifica, e 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Brasília: Câmara dos Deputados, 2004. BRASIL. Educação infantil. Saberes e práticas da inclusão: dificuldades de comunicação sinalização: deficiência visual. 4. ed. Brasília: MEC/SEESP, 2006.

CARLO, Marysia Rodrigues do Prado. Se essa casa fosse nossa: instituições e processos de imaginação na educação especial. São Paulo: Plexus, 2001. LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Fundamentos de metodologia científica. 8. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2017. MINAYO, M.C.S. O desafio do conhecimento. São Paulo: Editora Hucitec, 2015. MELLO, Maria Aparecida Ferreira de. A tecnologia assistiva no Brasil. In.: Fórum da tecnologiaassistiva e inclusão social de pessoa deficiente. Anais. Belém: UEPA, 2006, p. 30 -42. PIÑERO, Dolores Maria Corbacho; QUERO, Fernando Oliva; DÍAZ, Francisco Rodríguez. O sistema Braille. In.: MARTÍN, Manuel Bueno; BUENO, Salvador Toro (Orgs.). Deficiência visual: aspectos psicoevolutivos e educativos. São Paulo: Santos Editora, 2003, p. 227-246. RODRIGUES, Maria de Lourdes Veronese. Prevenção de perdas visuais. Revista Medicina. Ribeirão Preto, v. 30. 1997, p. 84-89. SMITH, Deborah Deutsch. Introdução à educação especial: ensinar em tempos de inclusão. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2008. TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação, o positivismo, a fenomenologia, o marxismo. São Paulo: Atlas, 2012.

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

61


DESVELAR: O CUIDAR DA CURADORIA, COMO PROCESSO EDUCATIVO, NA ESCOLA PADRE EDUARDO, EM MOSQUEIRO PA Glaucia de Nazaré Baía e Silva1 Marcélia Monteiro de Carvalho2 RESUMO Este Relato de Experiência traz as evidências de um trabalho educacional realizado na Escola Estadual de Ensino Médio Padre Eduardo (tempo integral), localizada no Distrito de Mosqueiro (PA). O Projeto “Desvelar” foi desenvolvido no ano letivo de 2020/2021 por um grupo de professores e pela coordenação pedagógica e foi assumido com o cunho de “Curadoria”, quando realizamos a busca ativa dos alunos a fim de virem à escola buscar as atividades obrigatórias em cumprimento do currículo mínimo determinado pela SEDUC-PA. O momento histórico não era motivador, estava havendo muitas perdas e o afastamento social nos impedia de realizar o que havíamos proposto enquanto escola, que sofreu os impactos devastadores desse processo pandêmico, porém o Desvelar nos deu um aporte satisfatório para aprender a cuidar, a distância, dos alunos e afinar as relações com suas famílias. Nesse período, tivemos que “aprender a aprender”, aprender a fazer o ensino remotamente, a fazer materiais impressos mais condizentes com o cuidar da formação dos alunos e aprender a lidar com as ferramentas tecnológicas e superar os desafios da estranheza à tecnologia; assim, passamos a estudar com mais afinco. Como resultado, implementamos um caminho do Curador no trabalho educativo da escola Padre Eduardo, construindo de uma rede pessoas que cuida no Ensino Médio, etapa de ensino em que jovens querem sonhar com uma educação integral, inclusiva e acolhedora. Palavras-chave: Educação omnilateral. Curadoria. Cuidar.

INTRODUÇÃO O presente relato de experiência trata das etapas desenvolvidas em 2021, no Projeto “Desvelar”, realizado na Escola Estadual de Ensino Médio Padre Eduardo, escola de tempo integral, localizada no Distrito de Mosqueiro, no Município de Belém, capital do Estado do Pará. O trabalho, corpus deste projeto, foi desenvolvido no ano letivo continuado de 2020/2021, com a execução do grupo de professores e com a colaboração coordenação pedagógica da referida escola. Assim, temos como objetivo apresentar todo o desenrolar do referido projeto no ano de 2021 e demonstrar os ganhos pedagógicos que foram elevados por meio desta ação na escola, com o atendimento focado no aluno e na família. Como nos ensina a poeta Clarice Lispector (1920-1977): “um amigo me chamou para

cuidar da dor dele, guardei a minha no bolso... e fui”3. Essa foi a chamada para começarmos o projeto na Escola Padre Eduardo. Como demonstraremos, a escola tem se configurado com um trabalho em busca de uma educação pública de qualidade, pelo que foi e vem sendo desenvolvido, pelos professores e a coordenação pedagógica, com o acompanhamento e 1

Especialista em Educação da Secretaria de Educação do Estado do Pará, Mestra em educação, Diretora da E.E.E.M. Padre Eduardo. 2 Especialista em Educação da Secretaria de Educação do Estado do Pará, Professora da E.M. Remígio Fernandez – SEMEC/Belém- PA, Coordenadora Pedagógica da E.E.E.M. Padre Eduardo. 2 Disponível em: https://bfrases.com.

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

62


assessoria aos alunos, em um cenário de Pandemia, que deflagrou inúmeros problemas à escola e à educação do Distrito de Mosqueiro, desde março de 2020. Esse desafio tem se mostrado hercúleo, visto que todos tem trabalhado muito, mas com a certeza de que é o mínimo que pudemos fazer. No ano de 2021, tivemos a satisfação de contar com o ingresso de muitos alunos novos. Mantivemos o mesmo número de turmas, porém com o número de alunos superior a 2020, pois decidimos manter uma média de 45 alunos por turma, o que facilitou a inclusão de matrículas novas. Isso pode ser reflexo do trabalho organizado, realizado desde 2019, com a virada da proposta pedagógica assumida na escola em questão e, especialmente, com a Curadoria. O projeto Desvelar foi assumido com o cunho de “Curadoria” quando decidimos fazer uma busca ativa dos alunos, para que viessem à escola buscar as atividades de aprendizagem

obrigatórias, ao cumprimento do currículo mínimo determinado pela SEDUC-PA, com a estratégia de ensino remoto; para tal, refletimos na frase adaptada de Chaplin (1889-1977), quando considerava que “um dia sem cuidar (sorrir) é um dia perdido”4. Buscamos compreender como seria o trabalho dos curadores, pois etimologicamente, a palavra curadoria originária do latim "curator", quer dizer "aquele que administra", "aquele que tem cuidado e apreço"5. Assim começamos mais um trabalho de inovação na escola Padre Eduardo, os professores passaram a cuidar das aprendizagens dos alunos, de várias formas e possibilidades, por atividade impressa, atividades digitais, por grupo de Telegram, Whatsapp, google meet, Zoom, via celular e computador. Aqui nos pautamos nas diretrizes oficiais para o ensino médio, porém nossa base

interdisciplinar

convergiu:

arte,

filosofia,

linguagem

e

competências

socioemocionais,

especialmente; contudo, a natureza humana reverbera pelo social, como parte intrínseca a todo processo formativo, e o Desvelar perpassou pelas ciências como importante mecanismo: cuidar de si, do outro e do meio ambiente. O momento histórico, que vivemos naquele período, era de muitas perdas e de isolamento físico, mas não social e não precisamos nos ater aos detalhes do agravamento desse efetivo afastamento que nos afetou diretamente. A escola sofreu os impactos devastadores desse processo pandêmico. Hoje, defendemos que a ideia do Desvelar nos deu um aporte satisfatório de aprender a cuidar, a distância, dos alunos e afinar as relações com as famílias mosqueirenses. Enfrentar os desafios dessa doença, uma incógnita que age diferentemente dependendo de cada organismo, foi muito assustador, contudo, talvez não consigamos mensurar os impactos que este momento conturbado deixará nos nossos alunos, mas procuramos minimizar os efeitos que potencialmente esse cenário vai trazer para a educação.

4 5

Disponível em: https://bfrases.com Disponível em: www.significados.com.br/curadoria.

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

63


Tivemos que “aprender a aprender”; aprender a fazer o ensino remotamente; a fazer materiais impressos mais condizentes, com o cuidado que a formação dos alunos requer; e a lidar com as ferramentas tecnológicas e a superar os desafios da estranheza à tecnologia. Os bons reflexos é que passamos a estudar com mais afinco, pois não dava para fazer sem planejamento unificado, organização curricular e uma efetiva avaliação formativa. DESENVOLVIMENTO DO DESVELAR – A CURADORIA EM AÇÃO Sabendo que somos instrumentos de transformação para um movimento de reconquista da escola, como processo de cuidar do outro, de cuidar do saber, do fazer, do aprender, do encontro com o conhecimento, decidimos investir na construção desse projeto, com mais qualidade. Estamos a chamá-lo de “DESVELAR”, como processo de curadoria. Para Castro

(2010), em português, ainda ressoa em desvelo não só a intensidade do velar o que é digno de ser velado e cuidado, mas, ao mesmo tempo, a intensidade no deixar ser, isto é, o deixar eclodir no que é, no desvelamento. Seguindo essa linha, entendemos que o Projeto Desvelar, consiste na Operação que não impõe uma perspectiva nem uma vontade subjetiva nem objetiva, é que Heidegger denomina Bewahrung. Nós escolhemos uma palavra portuguesa aproximada, pois toda tradução é sempre um aproximar: desvelo. Desvelo: grande cuidado, carinho, vigilância, dedicação sem impor, deixando ser, aguardar o que é próprio e persiste, resguardar o deixar acontecer. Nela ressoa o cuidado e doação amorosa como ocorre, por exemplo, no desvelo da mãe para com o filho, o que pressupõe também no leitor o desvelo para com o que na obra Se dá, presenteia (CASTRO, 2010, p. 237).

Como complemento ao que foi apresentado, buscamos Boff (2002), quando assume que o descuido e o descaso têm como oponente o cuidado. Para ele, cuidar é mais que um ato; é uma atitude. Portanto, abrange mais do que um momento de atenção, de zelo e de desvelo; nesse cenário que estamos vivendo “representa uma atitude de ocupação, preocupação, de responsabilização e de envolvimento afetivo com o outro" (BOFF, 2002, p. 33). Kahlmeyer-Mertens (2008) traz excelentes contribuições para este projeto, quando afirma que é preciso rever os fundamentos da educação. Assim, para o autor, “presenciamos o conceito de cuidado ganhar relevo em diversas áreas do conhecimento, inclusive naquelas que buscam pensar o homem em sua relação com o mundo e com os outros” (KAHLMEYERMERTENS, 2008, p. 211). Esse caminho é trilhado pela “pedagogia do cuidado”, que com muita efervescência tem se tornado interdisciplinar ou multiprofissional, pois perpassa pela área da saúde, do meio ambiente, do mercado de trabalho, etc. Com Heidegger o cuidado (Sorge) é pensado como traço constitutivo da existência humana, na medida em que este se empenha a cada instante em cuidar de si mesmo, de sua existência, em um processo de “singularização” apontando o modo de ser do indivíduo, mediante o esforço continuado de compreensão de seu ser e do ser das coisas em geral (KAHLMEYER-MERTENS, 2008, p. 211).

Dessa forma, ensaiamos um trabalho desafiador e inédito nas escolas da Seduc-PA, visto que não há registro deste tipo de ação, apresentada até o presente momento; entendemo-lo como Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

64


um processo de uma convivência que está pautada no comprometimento com o outro, por outro e pelo outro, com ética e responsabilidade. Não defendemos um trato individual, pelo ser individualista, mas pelo trato que o cuidar é essencial para a boa convivência e para o fazer educacional. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS A organização deste projeto se pautou na ambição de atingir 100% dos alunos matriculados na Escola Padre Eduardo, no ano letivo de 2021, mas o gratificante foi que chegamos com a busca ativa, realizada por todos, a mobilizar 98% dos discentes, assim tivemos que declarar 2% como desistentes. As situações foram ocorrendo e passamos a buscar várias estratégias pedagógicas, para o efetivo acompanhamento e assessoria aos alunos.

As atividades projetadas foram assumidas por 15 professores inicialmente e finalizamos com 13, para atender a cerca de 319 alunos neste ano letivo. Algumas estratégias de trabalho foram sendo definidas ao longo das atividades e tarefas executadas pelos grupos, assim podemos apresentar as iniciativas empreendidas: Tivemos como estratégias iniciais a implementação do projeto Desvelar, com a Curadoria, na escola Estadual de Ensino Médio Padre Eduardo no ano de 2021; a realização da busca ativa dos alunos, pela coordenação e curadores; a organização das relações nominais por professor; a distribuição dos grupos de alunos aos professores; e o zelo pela aprendizagem dos alunos. Nossas estratégias processuais se pautaram na realização diária de contato com os

alunos e suas famílias; na manutenção do contato com as famílias e envolvê-las na educação dos seus filhos; na realização do acompanhamento individualizado, efetivo e qualificado dos alunos da escola; na criatividade dos professores quanto às estratégias para a sua curadoria; na verificação de em quais disciplinas estavam com maior dificuldade de aprendizagem; na organização dos registros individualizados; na manutenção do contato com a coordenação pedagógica, a fim de dirimir os problemas encontrados; e no repasse ao professor da disciplina que o referido aluno não estava conseguindo aprender. Como estratégias finais foram elaborados registros e relatórios qualitativos dos alunos, sob sua Curadoria; encaminhamento à coordenação e à direção os documentos finalizados; organizado estudo de caso para conhecer melhor a situação do aluno e garantir a aprendizagem deles; e realizada uma avaliação formativa e processual dos alunos em processo de aprendizagem, com um quadro de gestão de aprendizagem. As atividades projetadas foram assumidas por 15 professores inicialmente e finalizamos com 13, para atender cerca de 300 alunos neste ano letivo. Algumas estratégias de trabalho foram sendo definidas ao longo das atividades e tarefas executadas pelos grupos; percebeu-se que as iniciativas empreendidas por alguns docentes foram mais adequadas que outras.

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

65


Nesse tipo de ação, pode-se afirmar que o atendimento personalizado traz ganhos para os dois lados, da escola e da família e a responsabilização se dá de forma compartilhada e esse foi o maior mérito do projeto. A CURADORIA NO ENSINO REMOTO O desenvolvimento do Projeto Desvelar, no período do ensino remoto, consistiu no acompanhamento escolar por cada professor, inicialmente com uma média de 20 alunos. Isso se deu no primeiro semestre de 2021. As atividades eram pré-definidas com a coordenação, na turma onde cada docente estava lotado. Contudo, aos professores que tinham responsabilidade com todas as turmas, a estratégia foi a escolha aleatória (Quadro 1). Quadro 1- Distribuição por Curador

Esse formato de trabalho dispensou um olhar especializado para a pessoa do aluno, o que favoreceu a dinâmica qualitativa de avaliação do trabalho docente e discente; além disso, fortaleceu a comunicação com os alunos e passamos a fazê-la por meio dos professores curadores e da coordenação pedagógica. O e-mail e o aplicativo de comunicação instantânea, ou presencial, no momento de retirada das atividades impressas foram as mais comuns formas de contato com os alunos e suas famílias.

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

66


A estratégia do projeto Desvelar, como curadoria, foi muito bem acertada, pois a coordenação passou a ter mais um apoio no acompanhamento do trabalho educativo dos alunos; por esse motivo, passamos a defender as ações de uma avaliação formativa dos alunos e do trabalho da escola, os quais passaram a ser projetada no Projeto para o ano letivo de 2022. Para que todo o trabalho remoto das escolas estaduais fosse possível, a Secretaria de Estado de Educação (SEDUC) disponibilizou o e-mail institucional para os alunos, professores, coordenação, secretaria e direção escolar. O acesso à plataforma google sala de aula, como canal oficial foi garantido, uma vez que esse acesso só seria possível mediante a esse e-mail. Todos os e-mails dos alunos foram ativados pela coordenação pedagógica e validados pelos estudantes, quando maiores de 18 anos e, por seus responsáveis quando o estudante ainda não tinha maioridade.

As escolas de tempo integral também receberam internet via chip em 2021, porém o acesso à internet foi cancelado pelo governo do estado rapidamente e, assim, poucos alunos puderam continuar acessando a plataforma e participando das atividades online oferecidas. A CURADORIA NO ENSINO PRESENCIAL Quando recebemos a autorização para atender os alunos presencialmente, tivemos de reorganizar o trabalho quando chegamos em agosto de 2021, com o retorno das aulas. Foi necessário aumentar o número de alunos por professores, porque tivemos a saída de três professores. Um acidentou-se e dois precisaram sair por questões de saúde também. Por esses fatos redistribuímos os alunos aos outros colegas (Quadro 2). Quadro 2 - Distribuição por Curador

Nesse momento, pudemos perceber o quão o projeto passou ser o foco do trabalho da escola e que precisava ganhar maior aderência, quando alguns professores assumiram muitos alunos ao mesmo tempo. Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

67


Os professores mantinham um efetivo contato diário com o seu grupo de alunos, principalmente com os que estavam sob sua assessoria. Esse procedimento foi conduzido com muito sucesso, por alguns professores; necessitávamos também criar insumos para acompanhar as aprendizagens discentes e estabelecer uma leitura qualificada do trabalho realizado pela Escola. Com essa estratégia buscamos defender o que alguns profissionais passaram a entender, que a escola não era um prédio em si, mas um trabalho de quem cuida do conhecimento e das formas de aprender, individualmente dos discentes. A AVALIAÇÃO FORMATIVA E PROCESSUAL DA CURADORIA Vale ressaltar, que ao darmos efetividade ao trabalho do projeto “Desvelar”, apontamos

como objetivo zelar pelas aprendizagens dos alunos, através da ação da Curadoria. Neste, os alunos distribuídos pelos professores, passaram a ter um maior contato com seus curadores e assim facilitou a realização de um acompanhamento individualizado (Quadro 3), efetivo e qualificado dos alunos, tanto dos professores quanto da coordenação. Quadro 3 - Instrumento de Acompanhamento e Avaliação

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

68


Ao realizar esse acompanhamento (Quadro 3), cada professor precisou fixar esforços em manter um relatório qualitativo individual, que subsidiou os demais colegas a efetivar suas avaliações por alunos; o trabalho organizado, por grupo de alunos, precisou ser proativo e criativo, visto que os insumos criados na curadoria serviram de base para os outros professores. Dito isso, tivemos a efetivação do processo avaliativo, por meio de uma avaliação formativa e qualitativa por aluno e por ano de cada professor. Esse foi o maior desafio, manter as informações adequadas e a tempo para que todos pudessem acessá-las, na coordenação e na secretaria. Lima (2017), ao trabalhar “Curadoria e Educação”, embora seu trabalho esteja com foco no trabalho em Museus, a coloca institucionalmente no mesmo patamar decisório e de curador como facilitador, decerto ressignifica a própria construção curatorial, ou seja, a construção do

discurso do

ser

curador. Defende

que

um

trabalho

de

Curadoria

deve

envolver,

fundamentalmente, a educação quando diversifica e multiplica os lugares e as forças instituintes de legitimidade, do cuidar e do olhar qualificado. A ideia inicial foi de implementarmos um caminho do Curador no trabalho educativo da escola Padre Eduardo. Nós decidimos construir uma rede de pessoas que cuida para essa etapa de ensino: Ensino Médio. Etapa de ensino, em que jovens querem sonhar com uma educação integral, inclusiva e acolhedora. Estaremos a sonhar por uma educação que encanta e acredita na emancipação, na omnilateralidade, como direito do ser humano. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como cronograma, para 2021, definimos pela escrita do Projeto no mês de março, a distribuição dos alunos para cada professor, no mesmo mês. Quanto ao contato com os alunos, pelo cronograma, deveria acontecer até dezembro, além dos relatórios individual, mensal e final, pensou-se no estudo de caso sempre que houvesse necessidade, reunião com a coordenação bimestralmente e a avaliação do projeto semestral. As primeiras atividades impressas entregues aos alunos fizeram parte do nosso trabalho desde o primeiro bimestre de 2020, o que pôde alimentar o sistema de registro de relatórios de rendimentos dos alunos. Àqueles alunos que por algum motivo não podiam comparecer à escola para retirada de suas atividades, a faziam via arquivo digital, postados nos grupos e na plataforma, sob o monitoramento de cada Curador. Ainda assim, àqueles com os quais não conseguimos contato por meio do telefone informado, encaminhamos ao Conselho Tutelar, para que nos ajudassem com a busca ativa dos alunos, realizando visita domiciliar, estratégia esta que a escola não podia assumir. Como relato de uma ação educativa com evidências de um bom trabalho, o Projeto “Desvelar” está sendo de grande valia para a escola Padre Eduardo. O projeto foi assumido com o objetivo de acolher os alunos e garantir assessoria aos que mais precisavam.

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

69


Sabe-se que a escola sofreu muito com os impactos devastadores desse processo pandêmico; com isso a organização do Desvelar nos deu um aporte satisfatório de aprender a cuidar dos alunos e afinar as relações com as famílias mosqueirenses. Tivemos que “aprender a aprender”, aprender a fazer o ensino remotamente, a fazer materiais impressos mais condizentes com o cuidar da formação dos alunos, aprender a lidar com as ferramentas tecnológicas e superar os desafios da estranheza à tecnologia. Desse modo, reafirmamos o caminho do Curador no trabalho educativo da escola Padre Eduardo como uma rede de pessoas que cuida e que sonha com uma educação integral, inclusiva e acolhedora e que aconteceu de fato e de direito na nossa escola. REFERÊNCIAS

BOFF, Leonardo. “Cuidado: o ethos do humano”, In: BOFF, Leonardo Saber cuidar - ética do humano, compaixão pela terra. 8 ed. Petrópolis: Vozes, 2002. CASTRO, Manuel Antônio de. “Notas”. In: HEIDEGGER, Martin. A origem da obra de arte. Tradução de Idalina Azevedo da Silva e Manuel Antônio de Castro. São Paulo: Edições 70, 2010. KAHLMEYER-MERTENS, Roberto S. Cuidado, educação e singularidade: ideias para uma filosofia da educação em bases heideggerianas. Princípios: Revista de Filosofia. v.15, n.24, jul./ dez. 2008, p. 209-223. LIMA, Rafaela Gomes Gueiros Rodrigues de. Curadoria e Educação: a Ciência da Informação como abordagem para construção de uma prática dialógica. 2017. 154f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade de Brasília, Brasília, DF, 2017.

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

70


ACALANTO: DA CONSTITUIÇÃO DO GRUPO ÀS VIVÊNCIAS NO ATO DE CONTAR HISTÓRIAS1 Adriana Duarte de Oliveira Gaia2 Lucia Helena Alfaia de Barros3 Melissa da Costa Alencar4 RESUMO Este texto objetiva relatar as experiências e vivências do Grupo Acalanto, cuja formação foi constituída no exercício das práticas de contar histórias. Procuramos compreender o processo de constituição do contador de histórias, discorrer acerca das experiências desse grupo, enfatizando a importância das histórias africanas e afro-brasileiras para a escolha do repertório do grupo. A metodologia aplicada tem como base o relato de experiência, coadunado com o enfoque de Zumthor (1993; 2000), Bosi (1994), Silva (2013), Cozzi (2015), Fares (2015) e Farias (2016). Com a prática de contar histórias, compreendemos a necessidade do aprofundamento teórico proposto; o exercício da escuta sensível e atenta de narrativas cotidianas que moram em outros territórios orais e escritos; a importância da autoavaliação diante das atividades desenvolvidas em sala e a escolha dos repertórios literários para o fortalecimento do Grupo e sua participação em movimentos, eventos ou atos de fomento às histórias orais e escritas, que alinhavam e criam verdadeiros rizomas protetores das palavras. Foram experiências e descobertas marcantes durante o processo, fortalecendo a habilidade da arte do contar. Este relato é parte iniciante de um movimento contínuo e em constituição de forma inconclusa, por conta da profundidade e da transformação que as histórias provocam em nós. Palavras-chave: Contação de histórias. Relato de experiências. Contos africanos.

INTRODUÇÃO O presente texto pretende relatar o processo de constituição e vivências do grupo Acalanto, na prática de contar histórias, bem como, compreender o processo de constituição do contador de histórias, discorrer sobre as experiências das contações de histórias do grupo Acalanto e enfatizar a importância das histórias africanas para a constituição do repertório do referido grupo. Nossa motivação adveio da necessidade de relatar as experiências de um grupo formado por seis mulheres, que energicamente lançaram-se no “desconhecido” mergulho das narrativas, e encantaram-se com as múltiplas vivências e possibilidades de transformação 1

Estudo apresentado à disciplina Leitura e Produção de Texto científico, como requisito para obtenção de avaliação final, para a conclusão do curso de Pós-Graduação em Formação de Contadores de Histórias e Mediadores de Leitura - ESAMAZ/2019, sob a orientação da Profa. Dra. Sônia Maria Fernandes dos Santos. 2 Licenciada Plena em Pedagogia (UFPA), Especialista em Educação Inclusiva sobre diferentes enfoques (UEPA). Pós-Graduanda em Formação de Contadores de Histórias e Mediadores de Leitura (ESAMAZ). Professora e Especialista em Educação (SEDUC/PA). E-mail: adrianagaia30@gmail.com. 3 Licenciada Plena em Pedagogia (UFPA). Mestranda em Diversidade Sociocultural pelo Programa de PósGraduação em Diversidade Sociocultural (PPGDS) do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) na linha de pesquisa Povos Indígenas e Populações Tradicionais. Professora Alfabetizadora (SEDUC/PA). Pós-Graduanda em Formação de Contadores de Histórias e Mediadores de Leitura (ESAMAZ). E-mail: luhalfaia@hotmail.com. 4 Licenciada Plena em Letras – Língua Portuguesa e Alemã (UFPA). Mestre em Letras - Teoria Literária e Doutoranda em Letras pela Pós-Graduação de Letras/Estudos Literários (UFPA). Pós-Graduanda em Formação de Contadores de Histórias e Mediadores de Leitura (ESAMAZ). E-mail: melissaalencar@gmail.com.

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

71


pessoal, social, afetiva e educativa que as histórias podem trazer tanto para nós contadoras, quanto para os ouvintes. Acreditamos as experiências vividas pelo grupo Acalanto, que se lança na “pororoca” de forma corajosa, somarão às discussões sobre o surgimento de grupos, movimentos e redes de pessoas que almejam o fortalecimento da palavra, entendida como inerente à tríade oralidade, leitura e escrita. Nesse sentido, é importante fazer circular este relato, pois contar histórias é educar a si e aos outros, é comprometer-se com as ancestralidades que nos constituem e funciona como papel transformador nas práticas pedagógicas do compartilhar histórias e memórias individuais e/ou coletivas. E os que tecem e contam histórias? Aqueles que multiplicam suas vozes, nos mais diversos grupos de contadores de histórias? A leitura atenta da sociedade atual, em qualquer parte do mundo, permite observar, com grande prazer, o conto e o canto dos re-citantes que invadem universidades, congressos, espaços culturais, circos e ruas. Uma urgência de palavras sentidas e vividas paira entre ouvintes e contadores. Um pacto tácito de palavras se instala para transcender finitudes e religar o tecido milenar do saber primordial. Como não saboreá-lo? (KIRINUS, 2008, p. 96).

Para cada história contada surgia um novo Acalanto dentro do repertório das narrativas escolhidas, e diante disso, experimentamos a performance individual e coletiva da arte de contar para compartilhar o tempo e os espaços por onde transitaram nossas histórias, o que nos ensinaram as vozes ancestrais, assim como os ventos vindos da África, que nos atravessaram por meio dessas narrativas.

PARA ALÉM DO TEMPO E DO ESPAÇO Quando colocamos o “pé direito” num território novo, é inevitável que o corpo, guardião de nossas memórias e de tantas histórias vividas, reaja com insegurança, timidez, curiosidade e variadas emoções, afinal, ao longo de nossa história de vida, como mulheres da Amazônia, muitas marcas nos constituíram e nos constituem até hoje. O Acalanto surgiu dentro de um cenário desafiador, não foi intencional, planejado, ou até mesmo previsto, que as linhas que cada uma de nós carregamos, com cores, tamanhos e formas diferenciadas, num alinhavo calmo, iriam costurar um tecido que não tem fim. Foram as histórias que nos convidaram de forma afetiva, quase que perfeita a estar onde estamos. É nessa calmaria “ansiosa” que nossa concepção de contadoras de histórias germinou via afeto feminino que habita em nós, não apenas como gênero, mas como força do pulsar e da possibilidade de perpetuar nossa voz para outras mulheres, em nossas casas, espaços de trabalhos, para nossos filhos e filhas e tantos outros. Afirmamos essa condição com satisfação, pois ocupamos a posição de aprendizes errantes, dentro de um território livre que criamos, com liberdade de escolha, do silêncio quando Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

72


necessário, do enraizamento para que sintamos um eternizar. Certamente, essa concepção afetiva demarca nossa origem como grupo e nos liga fortemente. Toda experiência de aprendizagem se inicia com uma experiência afetiva. É a fome que põe em funcionamento o aparelho pensador. Fome é afeto. O pensamento nasce do afeto, nasce da fome. Não confundir afeto com beijinhos e carinhos. Afeto, do latim affetare, quer dizer ir atrás. O “afeto” é o movimento da alma na busca do objeto de sua fome. É o eros platônico, a fome que faz a alma voar em busca do fruto sonhado (ALVES, 2004, p. 20).

Essa “fome” provocada pelas narrativas nos invadiu e tem conduzido aspirações e sonhos, em manter viva a oralidade, a escuta calma, o exercício do olhar, e da alteridade. Entendemos que cada história contada se assemelha com o ritual de preparação de um alimento para ser servido em um banquete. A intenção é sempre que o “faminto” se satisfaça, saciando sua fome ao mesmo tempo que deseje repetir. Assim se faz o exercício de contar histórias:

queremos que os ouvintes saboreiem até perceber o grau de importância que elas têm para a humanidade e assim não mais sobreviver sem elas; é dessa forma que vamos costurando novas possibilidades de gerar esse alimento. Segundo Farias (2006), circulando de memória em memória, mas também de livro em livro, aprendemos por meio das histórias, as primeiras noções de afetividade, ética, justiça, solidariedade, partilha, amizade e tantos outros valores fundamentais à existência humana; nesse sentido, se o que nos une é o afeto, sempre que dizemos sim para a contação de história, assumimos um compromisso responsável e particular com a narrativa, para tanto, é imprescindível, encontros, estudos, ensaios e avaliações. Para o Grupo, contar histórias é um ato de coragem, um ato político de construção do exercício do pensar e contribuição para o futuro, pois como guardiãs da palavra, geramos impacto positivo (ou não) para o ouvinte; politicamente, defendemos a condição de não deixar com que os livros e as histórias desapareçam e embora saibamos que as nossas vivências transformam nosso olhar, a proposta é sempre questionar e defender a palavra, nas histórias que habitam nos livros dos vários espaços que frequentamos. Emprestamos um poético verso da música “Reconvexo” de Caetano Veloso5: “Sou o cheiro dos livros desesperados” para retratar nosso afã, quando em reuniões para ensaios ou escolha do repertório, os desejos pelas narrativas brotam desesperadamente. Essa é nossa essência que, para além do afeto, acredita em livros e entende o ato contar histórias como cultural e educativo,

composto de múltiplas vozes, instrumentos, corpos, musicalidades, singularidades, saberes, tempos e espaços que já ocupamos ou não. Aportamos na compreensão de cultura de Laraia (1993, p. 50) que a vê como “um processo acumulativo, resultante de toda a experiência histórica das gerações anteriores”, assim é impossível mensurar os saberes adquiridos ao contar histórias, tanto quanto alcançar a dimensão de como chega ao ouvinte, mas presumimos que exista um entrelaçamento forte de aprendizado para ambos num estado de “bem-viver” e de cura. 5

Disponível em: https://www.letras.mus.br/caetano-veloso/201526/

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

73


Os sufis6 acreditam que a sabedoria se aloja nas histórias, por entenderem que nelas estão armazenados e preservados os conhecimentos e as ideias antigas importantes para a humanidade. Por esta singular razão, quando uma pessoa enlouquecida, chamava um contador de histórias para curá-la. Muitas histórias eram narradas ao louco até ele recuperar a capacidade de reconstituir a memória e pensar o mundo (FARIAS, 2006, p. 31).

Para o Acalanto, a cada descoberta e vivência, aprimoramos a costura de um tecido ensinante, poético, particular, por vezes trazendo questionamentos e preocupações sobre o nosso “estado de presença”, conceito apresentado por Machado (2015) nas diversas leituras realizadas na pós-graduação feita, pois estar presente é poder presentear. Será que de fato, estamos presenteando? A intenção, o ritmo e a técnica constroem passo a passo a possibilidade da presença, a capacidade de responder de forma criadora a tudo que ocorre no instante da narração, com vivacidade e confiança. Confiança na potencialidade de seus recursos externos e internos, confiança na história como um presente que ele oferece a si mesmo e a sua audiência (MACHADO 2015, p. 119).

Adiante, será relatado o nosso caminhar; aqui não há preocupação com o rigor de uma “receita” de formação de grupo, tampouco estabelecer comparações, com outros grupos; queremos deixar emergir nesses escritos, a sensibilidade. A humanidade tem precisado bastante disso, pois, se nos unimos para contar histórias, mais uma vez ratificamos, foi com um propósito político, cultural, educativo, curativo e pessoal. Enquanto não reaprendermos (ou será que um dia aprendemos?) a educar pelo sensível, através da criação, da percepção e da sensibilidade, em contraposição ao pensamento cartesiano, binário, homogeneizador, com verdades únicas e paradigmas imutáveis, não seremos capazes de desconstruir os discursos opressivos, que nos aprisionam sob a égide de conhecimento científico legitimado! (COZZI, 2015, p. 157).

Ainda que haja ciência desse “pé direito” colocado no território do contar, precisamos passar pela pedagogia do desentortamento do pensamento, defendida como necessária (MUNDURUKU, 2019), pois a escola e o pensamento ocidental criaram muitas gerações descomprometidas, o momento agora é de buscar origens; este tem sido nosso compromisso. VENTO NORTE A origem do nome e da formação do Grupo iniciou no 1º dia da Especialização, em 2019, numa dinâmica aplicada pela professora, Lenice Gomes7 que possibilitou o encontro do grupo inicial: Lúcia Helena Alfaia, Rosimar Baena, Rosana Fusco e mais duas colegas de classe, que não permaneceram. A escolha do nome surgiu num sorteio com títulos de gêneros literários; os grupos se organizaram, havendo o sorteio com gêneros para pesquisa e produção de uma proposta que os contemplasse. Foi nesse clima bastante festivo e criativo que o grupo Acalanto foi sorteado com tal gênero literário e, desde então, foi criado um grupo de whatsapp e, resolvemos nomeá-lo com a palavra simbólica pela qual acalentamos e somos acalentadas, nas histórias que contamos e 6 7

O sufismo está ligado à tradição esotérica do islamismo (FARIAS 2006, p. 31). Professora de História e especialista em Literatura Infanto-Juvenil, de Pernambuco.

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

74


nos encantamos, enfatizando que acalanto 8, apresenta uma diversidade de significados e intenções, não necessariamente um gênero feito para dormir. Nas disciplinas posteriores, foram integradas ao grupo novas componentes: Melissa Alencar, Herondina Brasil e Adriana Gaia, sendo ela a última a entrar no grupo, momento este em que a professora Andréa Cozzi solicitou que nos misturássemos um pouco mais e nos permitíssemos dialogar com outras pessoas, para além do grupo original. Sendo assim, as duas colegas da formação inicial buscaram articulação com outros grupos e, nossa formação se estabeleceu com as seis mulheres citadas acima. No segundo momento, foram sorteadas as propostas temáticas das histórias que cada grupo iria contar. Para nossa grata surpresa, fomos presenteadas com o tema que gostaríamos de trabalhar: os contos africanos. Foram disponibilizadas diversas obras e elegemos “Contos da

lua e da beleza perdida” do nigeriano Sunday Ikechukwu Nkeechi (o Sunny9), dos cinco contos, selecionamos para nosso exercício o “Ikeputa Obuluele – A força que destrói”. A narrativa nos conquistou, pois fala da experiência de vida de Ikeputa Obuluele: um garoto corajoso e destemido, que acreditava na sua força de luta e não temeu o desafio de enfrentar um famoso lutador, conhecido por Nwaeze. A história descreve as características mais marcantes do menino e do que gostava de fazer, a principal era assistir às lutas na praça da aldeia, local onde aprendeu rapidamente a observar os golpes e os movimentos dos lutadores, logo tornou-se um campeão, até o ponto de não encontrar nenhum adversário para enfrentá-lo... e se lança rumo ao desconhecido, em busca do invencível lutador referendado na letra da canção cantada pelo pai, sinalizando o

perigo de um dia enfrentar Ikeputa Obuluele. A narrativa surpreendente e instigante carrega a força da palavra cantada, na língua original do escritor, sua canção foi entoada no idioma ibo e foram traduzidas para o português, conforme ele ouvia durante os invernos africanos. [...] a chuva é torrencial e quase não permite que as pessoas saiam de casa. Os campos já foram semeados e as plantações começaram a crescer. Não há muito para fazer, a não ser esperar que a natureza complete a dádiva da multiplicação. Essa estação era o cenário perfeito para reunir as famílias em volta da fogueira, para assar o milho, ainda verde, ceifado da primeira colheita, e comê-lo com ube – uma fruta típica da África. Um par perfeito! Nesses tempos, de dia ou de noite, histórias vão e histórias vêm contadas, cantadas e dançadas ao ritmo da palma da mão ou dos batuques (SUNNY, 2013, 29).

A questão da linguagem no idioma do escritor foi um grande desafio, porque não

sabíamos como pronunciar as palavras e nem o ritmo da canção. Foi então, que Andréa Cozzi 8

Acalanto, para além do significado encontrado nos dicionários da língua portuguesa definido como o ato de acalentar, ninar para dormir, acrescentaram-se outros sentidos para o grupo conforme fomos nos constituindo como tal: o acolhimento. Aprendemos com Winandy (2002, p. 4) que “Acalanto, ou cantiga de ninar (como são conhecidos popularmente), são canções utilizadas para adormecer crianças, que geralmente vêm acompanhados do ato de acalantar ou embalar a criança. Encontramos esta expressão musical presente nos cinco continentes, independente de suas línguas, raças, culturas ou níveis socioeconômicos. Podemos dizer que a prática dos acalantos é algo próprio do humano”. 9 Sunny, como é conhecido o autor, nasceu em 1974, na cidade de Nkalagu. Cresceu e estudou na cidade de Oba, ambas na Nigéria. É professor de educação física, e atualmente cursa Letras, em São Paulo. Publicou pelas Paulinas as obras, como: “Ulomma, a casa da beleza e outros contos”; “As aventuras de Torty, a tartaruga” e “O Natal de Nkem”.

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

75


nos oportunizou falar diretamente com o autor do livro, via whatsapp. Sunny foi a gentileza em pessoa, orientando-nos e ensinando-nos a respeito da pronúncia das palavras e do ritmo de cantar a canção de advertência do pai de Ikeputa Obuluele. O grupo se sentiu privilegiado pela atenção e retorno do autor. Outro desafio foi pensar nos arranjos sonoros da flauta que o pai de Ikeputa Obuluele tocava e fazia as forças dele triplicarem quando o ouvia tocar. A integrante, Adriana Gaia, é quem tem noção musical e assumiu os arranjos e notas do instrumento de sopro que preparava a plateia para o início da narrativa; o canto também é um elemento de força e Lúcia Helena foi quem cantou a letra da canção e com auxílio de seu esposo percursionista, Délio Aquino 10, construíram os arranjos. IKEPUTA OBULUELE!

Ikeputa Obuluele. KPARANUMA IKEPUTA BULUELE! Ikeputa Obuluele, KPARANUMA! ASIKWAM GI AGBANA NWAEZE MGBA NA NWAEZE GA EGBUGI EGBU NA NWAEZE GA ERI ANU GI (SUNNY, 2013, p. 26-27, adaptado)

No entanto, como erámos seis pessoas, resolvemos escolher outra narrativa, para contemplar a participação de todas na avaliação da disciplina, com isso, selecionamos “Três mercadorias muito estranhas” (BARBOSA11, 2017) que conta a história de um camponês ancião que precisava atravessar o Rio Niger com um leopardo, uma cabra e um saco de inhames; prestes a desistir, surge o lavrador de cabelos grisalhos e o ajuda a solucionar o caso, atravessando as mercadorias estranhas uma de cada vez. Para abertura da sessão, pensamos também na necessidade ou não de se ter um cenário, já que teríamos um contador mais contemporâneo; decidimos por uma estrutura mais simples, com um tecido ao centro, um vaso com espada de São Jorge, o estandarte do grupo produzido pela integrante Rosana Fusco, os livros onde moram as histórias escolhidas, e uns

pufes cobertos com tecido de juta natural, dispostos em semicírculos. A padronização das

10

Professor de História, Especialista em Educação Ambiental e Sustentabilidade, pelo Núcleo de Meio Ambiente – NUMA/UFPA (2017). Em 2014, publicou o livro de textos em versos “Puxirum da Terra” com temática socioambiental das várzeas do Rio Amazonas; em 2019, publicou o livro “Puxirum Urbano: tempo, sonho e sofia nos úberes da urbe”. 11 Escritor, palestrante, contador de histórias, professor de Literatura Africana (UCM/RJ) e ex-voluntário das Nações Unidas na Guiné-Bissau. Graduado em Letras (UFFRJ) e Pós-Graduado em Literatura Infantil Brasileira (UFRJ). Trabalha com Literatura Afro-Brasileira e programas de incentivo à leitura, proferindo palestras e dinamizando oficinas sobre a cultura africana. Tem diversas obras publicadas com a temática africana. Para mais informações, acessar a página do autor: https://www.rogerioandradebarbosa .com.br.

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

76


roupas foi também avaliada, a importância de uma identificação que representasse os contos africanos, assim, usamos blusas brancas com a imagem de um contador africano e calças pretas para que pudéssemos harmonizar cenário e narrativa. Na sequência, pensamos na escolha de uma música de abertura, para a preparação dos dois contos. A música “Saudação às Deusas”, de Melissas – Vozes da Deusa, por Monica da Sousa da Fonseca, Marisilda Brochado, Adriana Camilo. Depois do processo avaliativo feito em sala, tivemos o primeiro aceite para participar do evento da Fundação Cultural do Pará, a Festa Literária do ParáLer e nos inscrevemos para contar o mesmo conto no evento. Nossa estreia foi realmente mágica; fomos selecionadas para o dia 30/10 às 20h, na Casa das Artes (antigo IAP). Na plateia, contadores veteranos e experientes do Pará e de outros estados. Tivemos uma feliz recepção e retorno de cada uma das pessoas daquela plateia.

Na sessão no ParáLer12, usamos as mesmas sequências aplicadas em sala, mas diferente de lá nos apresentamos num palco, com estrutura sonora de microfones e a plateia em formato de arena; tivemos também quatro ensaios em espaços diferentes, experimentando as vozes e as disposições adaptativas da narrativa. Recebemos ainda convite da Livraria Fox Belém 13 para um público cativo de bebês de colo, crianças (de 2 a 12 anos) e pais. A apresentação ocorreu na sala Clarice Lispector e ficamos bem mais perto da plateia, com cenário organizado com o estandarte do grupo, vasos, tecidos (uma saia de retalhos) e os pufes com o tecido de juta. Nessa ocasião, tivemos a preocupação de adaptar a linguagem da narrativa, em virtude do público, e a necessidade de fazê-los participar das histórias, com perguntas direcionadas e permissões para interferências.

Depois participamos da Semana da Consciência Negra, no Colégio Equipe; lá tivemos duas sessões: a primeira com cerca de quatro turmas dos anos iniciais no playground da escola – plateia ávida e participativa; eles deram opiniões e sugestões criativas pra narrativa, durante as pausas que resolvemos aplicar. A outra sessão, para a Educação Infantil, sentimos dificuldade por conta da escolha do nosso repertório; não houve como contar a história do Ikeputa Obuluele pelo tamanho da narrativa e pela linguagem complexa; apresentamos apenas o conto de adivinhação, mas não foi tão positivo, pois não tínhamos repertório adequado para a faixa etária. Desde então, refletimos muito na importância de construirmos nosso repertório visando a atender a todas as faixas etárias. O efeito desse estudo foi aplicado, no último evento do ano de 2019, no Boulevarte, fomos novamente surpreendidas com a diferença de idades: bebês, crianças de 2 a 12 anos e pais/responsáveis. Na ocasião, contamos a história “O Filho do

12

Evento, realizado pelo Governo do Estado por meio da Fundação Cultural do Pará de 30 de outubro a 3 de novembro de 2019, com o objetivo de celebrar o universo da literatura em suas mais variadas manifestações e exaltar a identidade paraense. Mais informações, no site: http://www.nossafestaparaler .com.br/sobre/. 13 A Fox Belém, localizada na Tv. Doutor Moraes, Bairro Batista Campos, possui um espaço com cafeteria, livraria, locadora de filmes. Desenvolve projetos na Sala Clarice Lispector, com diversas programações culturais, educacionais, artísticas e entre elas, todo sábado, cede o horário de 17h30min às 18h para Contação de Histórias.

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

77


Vento” (Rogério Barbosa14), conto africano longo, mas bem dinâmico; nele, dois garotos resolvem brincar de jogar futebol; um deles é o misterioso filho do vento, cujo nome não podia ser revelado, antes que o pai de Nakati pudesse construir o cercado de sua casa, para proteger sua família da fúria do vento. É uma história de valores africanos que se relacionam diretamente com as forças da natureza. Escolhemos outra canção para dialogar com a narrativa, “Vento do Norte” (toada de Ariosto Braga e José Augusto Cardoso). Usamos também uns adereços feitos de palitos de picolé e tiras de cetim, para fazer alusão à narrativa, do filho do vento, cada uma do grupo segurou e balançou com a ajuda do vento original do espaço, onde ocorreu a sessão de contação de histórias, na beira do rio Guamá15. Preparamos ainda o cenário, com o estandarte, o tecido ao centro, um vaso, e uma bola (referência ao jogo de futebol da narrativa), mas como

tinha muitas crianças soltas, sem assistência dos responsáveis, elas se direcionavam aos objetos ali dispostos. No evento do Boulevarte, tivemos que reduzir a narrativa, em virtude da sua extensão e do tempo reduzido de atenção das crianças ali presentes. Adaptamos também porque como era um espaço aberto, muitas pessoas em trânsito, uma paisagem de beira de rio, barracas de vendas de diversos produtos. Enfim, o espaço exigia outro formato para contarmos a história, apesar de corresponder com o tema da narrativa. VOZES ANCESTRAIS As histórias africanas apresentam o universo da tradição oral em diferentes sociedades

históricas que, por meio da palavra, compõem símbolos, linguagens, práticas sociais, crenças e tradições; contá-las nos conduz a uma pluralidade de personagens, imagens e lugares, demanda leituras e um aprofundamento sobre cultura e história da África e possibilita conhecer outras formas de explicar o mundo e as situações vividas, aguçando memórias coletivas e individuais. A voz é o fio condutor: apresenta-se como território para se juntar a outras e ressoar as ancestralidades presentes nessas narrativas. Alojada no útero da ancestralidade está a cosmovisão africana, isto é, sua epistemologia própria que, por ser absolutamente singular e absolutamente contemporânea, partilha seus regimes de signos com todo o mundo, enviesando sistemas totalitários, contorcendo esquemas lineares, tumultuando imaginários de pureza, afirmando multiplicidade dentro da identidade. Fruto do agora, a ancestralidade ressignifica o tempo do ontem (OLIVEIRA, 2012, p. 39).

Com a presença viva da ancestralidade africana, os griôs são a inspiração do Acalanto, suas memórias fazem da palavra o elo com as histórias desfiadas por meio da oralidade; eles também guardam saberes sagrados e milenares, carregados de tradições e culturas que 14

No dia 15/12 pela manhã participamos da 5º edição do Projeto Boulevarte, contando a História “O filho do Vento”, de Rogério Andrade Barbosa. O evento foi idealizado pelo produtor executivo, Ney Messias sob a ótica: “Pontuando a economia criativa em Belém”. O Boulevarte, evento com extensa programação, realizou-se no Espaço Náutico Marine Club, às margens do rio Guamá, próximo a UFPA. Informações no site:https:// holofotevirtual.blogspot.com/2019/12/boulevarte-realiza-sua-5-edicao-em-novo.html. 15 O espaço Náutico Marina Club, fica ao lado da Universidade Federal do Pará, à beira do rio Guamá.

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

78


atravessam gerações e exercem função social em diferentes tempos e lugares. Na Amazônia brasileira, eles recebem outras denominações: pajés, curandeiras, benzedeiras, pescadores etc. e seus saberes são herdados por seus descendentes. Os griôs, os condutores do rito do ouvir, ver, imaginar e participar, são os artesãos da palavra. São os que trabalham a palavra, burilam, dão forma, possuem essa especialidade de transformar a palavra em objeto artístico. Há registros da atuação desses artistas desde o século XIV, onde já atuavam no Império Mali. São eles os mantenedores da tradição oral africana, nos últimos setecentos anos, sem dúvida (SILVA, 2013, p. 3).

Na arte de contar histórias, África e Brasil têm muito em comum: naquele, as histórias são contadas em lugares amplos, ao ar livre, de forma circular onde todos se veem e escutam atentos sobre o passado redesenhado pela habilidade da palavra narrada; neste, as conversas e escutas acontecem nas varandas, nos quintais ou até mesmo numa viagem de canoa,

testemunhada pelo rio. Dessa forma, “a palavra proferida pela voz cria o que ela diz” (ZUMTHOR, 1993, p. 75). Inspiradas nesse vasto mundo da oralidade, o Acalanto se constitui de seis vozes femininas com o intuito de propagar a tradição oral africana via histórias narradas e escritas, tendo como principais ferramentas a escuta, a palavra e a leitura: os livros. Imbuídas da palavra, priorizam as diferentes sonoridades presentes nos enredos lidos, percebem a valoração da voz que conta e canta, sabem que as histórias nutrem o coletivo e semeiam novos olhares. É preciso lembrar que os contos tradicionais africanos atravessaram os tempos sem serem escritos. O registro escrito é coisa dos tempos modernos e foi feito, primeiramente, por não africanos (mercadores, expedicionários, missionários que atravessaram o continente durante anos), em especial americanos e europeus (SILVA, 2013, p. 6).

Nesse sentido, nutrir-se dos contos africanos expande o olhar para questões sociais – poder, racismo, preconceito, morte, intolerância, bullying, símbolos sagrados – presentes nos espaços culturais brasileiros (escolares ou não) que promovem a leitura e a escrita e dialogam com diversas maneiras de educar, ainda pendentes de políticas públicas viáveis, as categorias descritas são assuntos presentes em diferentes coletivos sociais que urgem discussões e mudanças de atitudes para o enfrentamento da intolerância e a promoção do bem viver entre as pessoas; por intermédio da leitura e das contações, esses temas podem/devem ser abordados como norteadores de ações efetivas de mudanças de comportamento humano. Nessa direção, as narrativas apresentam desdobramentos que não encerram ao final da história, fomentam novas discussões e a procura por escritores e leituras alinhadas aos Contos Africanos. Promovem, inclusive, mudanças efetivas em nós, na organização dos gêneros textuais em nossos ambientes de trabalho e na qualidade leitora dispensada, movimento indicado por Rosimar Baena que narra sobre sua permanência na especialização e na promoção de leitores por meio de seu ofício de bibliotecária.

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

79


“Eu acredito na força do universo e, através de uma amiga, eu senti como uma alavanca para descobrir possibilidades de se trabalhar a formação de leitores e potencializar a mediação de leitura dentro da perspectiva que já atuo, no âmbito da biblioteconomia. Por isso escolhi essa pós-graduação, mas ela era tudo isso e muito mais... aí vieram os motivos secundários, foi terapêutico, redescobertas, decolonizador e abertura de novas possibilidades dentro da arte de contação de histórias e mediação de leitura. Foi um encontro do eu, comigo mesma. É transcendental e difícil de explicar também os motivos de permanência, porque os desdobramentos dos motivos da permanência nos estudos da especialização foram, são e serão extremamente desafiadores a cada encontro com os públicos que acolhem as palavras” (BAENA, 2019, relato pessoal)16.

Acolher as palavras orais e escritas ajuda a compreender os encontros possíveis com a vastidão de enredos discursivos, desafia leitores e colabora com o direito e o acesso à leitura. Com essa perspectiva, enveredamos no universo das histórias da África e seus personagens com enredo e final diferentes dos contos de fada clássicos, direcionando o olhar para novas e importantes possibilidades de efetivação da diversidade literária e, paulatinamente, agregando ao seu repertório a leitura desses gêneros, para a vivência e sustentação do grupo diante da diversidade presente nas tradições orais no universo amazônico, lugar de onde falamos. A filosofia da ancestralidade tem como elementos primários o movimento e o encantamento. As civilizações africanas assim o fizeram ao longo dos tempos e lugares. A ancestralidade é vivida a partir da singularidade da experiência do corpo e do mito desde a cultura de matriz africana. O corpo como tecido escritural e simbólico para conhecermos o mundo (SÃO BERNARDO, 2018, p. 230-231).

A ancestralidade presente nas narrativas promove o intercâmbio entre diferentes sociedades e permite a autores e leitores nova configuração para as histórias do lugar; acrescenta à história brasileira compreender o continente, despido do olhar colonizador; intensifica as memórias coletivas e identitárias de quem somos e nossas influências; ajuda a entender a coletividade de tradição oral que, semelhante à Amazônia brasileira, apresenta explicações para esses universos, a partir do simbólico e do imaginário. Também apresenta, para além das vozes, as suas “escrituras” (ZUMTHOR, 1993). São contos, cantos, adivinhações que apresentam a África sob o olhar da Geografia, das Ciências Naturais, Antropologia, Arqueologia, História, Linguística, etc., para nos ensinar como os/as autores/as africanos enxergam seu continente e como os afro-brasileiros narram suas histórias; contá-las presume a relação com a fala consciência salutar do contador, que imbuído dessas narrativas deve ter consciência sobre o que antecede a história: lugar, pessoas, contexto, símbolos e significados. Corpo e voz são conectados e dão fluxo à narrativa; transmitem

ancestralidade; narram o tempo passado no presente, pois “o corpo é ao mesmo tempo o ponto de partida, o ponto de origem e o referente do discurso. O corpo dá a medida e as dimensões do mundo” (ZUMTHOR, 2000, p. 77). Nessa direção, compreender-se que objetiva contar histórias é envolver-se do coletivo para as escolhas, para os ensaios, para entender os limites e aventurar-se nas possibilidades;

16

Na ocasião desta escrita, conversamos com as demais integrantes do Grupo que autorizaram o compartilhamento de seus relatos quanto à formação e à constituição do ser contadoras de histórias. Selecionamos os relatos pessoais das componentes do grupo Acalanto: Rosimar Baena e Rosana Fusco.

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

80


um exercício que nos faz pensar em outros imaginários existentes dentro da cultura oral, que também é literatura e constrói, a cada história e narrativa, os desdobramentos e as abordagens para cada público e em todas essas dimensões a palavra está presente e contribui para despertar as memórias, ressignificar lembranças e promover a conexão com as pessoas através dos tempos. Com essa compreensão, é evidente que as lembranças revolvem nossas memórias a cada história lida, ensaiada, conectada com a intimidade de quem conta e com a pluralidade de quem ouve. “Conheci a Andréa Cozzi e a cada módulo aprendi um pouco das histórias... Fui percebendo que muitas dessas histórias faziam parte da minha infância. Comecei a ter vagas lembranças do que havia ouvido, quem contava, os gostos, cheiros e sensações que cada momento me proporcionava e fizeram querer continuar esta jornada de descobertas” (FUSCO, 2019, relato pessoal).

Com essa entrega, Fusco enfatiza as etapas de continuidade em ouvir e contar histórias e

une os tempos passado e presente como demarcadores de suas descobertas. Diante do tempo narrado, contadores e interlocutores ajustam-se a momentos e a histórias que alcançam a cadência de uma ciranda, vão e vêm sintonizados à atualidade, mostram o antigo e o novo, o ontem e o hoje, as infâncias e as velhices para acompanhar essa dança em que corpos desafiam tempo e idades. A voz-corpo narrativo vive a intensidade da história como “ato de presença no mundo e em si mesma. Nela o mundo está presente” (ZUMTHOR, 2000, p. 67). A cada narração surge uma nova experiência para quem fala e para quem ouve; a mesma história pode ser narrada com infinitas possibilidades acrescida de gestos, impostações vocais e corporais com elementos essenciais e complementares à história. Nessa relação, a tradição griô inspira pessoas e grupos de contadores de histórias contemporâneos que bebem na fonte ancestral para construir suas práticas narrativas. Assim, o processo de transmissão afeta os indivíduos e as culturas de maneiras diferentes. O narrador dá o tom, mas não sabe como vai ser a recepção nos ouvidos particulares e nos ouvidos de uma nação; por esse motivo, a variação do texto expressa o momento interior, o tempo histórico, o espaço vivencial do narrador e a memória coletiva rolam permeados de individualidades (FARES, 2015, p. 47-48).

Há um processo de transmissão das histórias que definem clãs familiares, grupos sociais e territórios simbólicos para que haja a continuidade das narrativas em forma de contos, lendas, mitos, brincadeiras, cantigas, orações etc. Nesse processo, é peculiar que cada contador de histórias faça sua viagem interna e conecte as histórias ouvidas, lidas e contadas com algo vivido ou visto para que a familiaridade com a sociedade oral, onde vive, seja o elo para definição de suas escolhas. O Acalanto é afluente dos rios de palavras que inspiram sua constituição, pois as escolhas das histórias africanas fluem como o ciclo das águas e se renovam a cada encontro, com as escolhas das narrativas, a leitura dos livros e o compromisso com a palavra que acolhe e informa. Nossos sentidos, na significação mais corporal da palavra, a visão, a audição, não são somente as ferramentas de registro, são órgãos do conhecimento. Ora, todo conhecimento está a serviço do vivo, a quem ele permite perseverar no seu ser. Por isso a cadeia epistemológica continua a fazer do vivente um sujeito; ela coloca o sujeito no mundo (ZUMTHOR, 2000, p. 81).

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

81


A prática de contar histórias africanas significou conviver em diferentes espaços geográficos e culturais, numa relação permanente de trocas entre samaúmas e baobás, ambas guardiãs de histórias que atravessam e encantam gerações. Um grupo que vira verbo numa constante atividade de aprender e contar; olhar e conhecer; ler e se encantar. Acalenta sons, imagens e palavras através do objeto livro e das narrativas ouvidas ao som do cheiro do café; expressa a Amazônia presente em nossas vozes e gestos; saboreia as palavras coletadas e impressas que aproximam África e Brasil e as potencialidades elas nos fornecem em suas diversas fontes e se distingue-se pelas relações de afeto entre ouvintes e narradoras. Entre o ouvinte e o narrador nasce uma relação baseada no interesse comum em conservar o narrado que deve ser reproduzido. A memória é faculdade épica por excelência. Não se pode perder, no deserto dos tempos, uma só gota da água irisada que, nômades, passamos do côncavo de uma para outra mão (BOSI, 1994, p. 90).

Seja contando ou ouvindo histórias somos fonte de imaginação e potencializamos nossa incompletude a cada desejo de aprender mais. Grupo coletivo que também é individual com experimentações do certo e errado, do tentar e recuar a cada narrativa aprendida e contada. Mulheres, mães, estudantes, profissionais, leitoras, políticas e contadoras de histórias, eis nossa essência e nosso processo formativo – evolutivo. “Como é potente a contação de histórias para o narrador e para o ouvinte. A certeza que não podemos mudar as pessoas porque achamos que precisam mudar, mas a grande possibilidade de mudarmos a nós mesmos e isso gera uma reação em cadeia de mudanças que acontece naturalmente para todos que estão em sua volta. Isso é fantástico!” (FUSCO, 2019, relato pessoal).

Um processo gerador de um grupo feminino que partilha e constrói conhecimentos em

diferentes lugares de atuação. Feminino como a terra que gera vida, somamos potencialidades vocais, visuais, imaginárias, impregnadas de leituras de mundo, de si mesmas e dos outros. Possibilidades para aprender, ler, compreender e narrar. Arte ancestral e potente que vibra em nós e nos acolhe. CONSIDERAÇÕES: “A FORÇA QUE DESTRÓI” A força que nutre uma contação de histórias direciona contadores e ouvintes para narrativas desconhecidas e, ao mesmo tempo, para situações familiares contidas nos enredos apresentados; seja por meio da palavra falada ou escrita, as histórias provocam em cada sujeito reflexões, posicionamentos e∕ou desapontamentos que direcionam seu repertório literário,

linguístico e cultural para a descoberta de novas histórias, de outros narradores. Ao utilizar a expressão “a força que destrói” (SUNNY, 2013), o Grupo Acalanto percorre metaforicamente os tempos vividos pelo personagem que observava os passos dos mais experientes para adaptarse ao espaço de suas lutas, aos gestos de seus antecessores para repeti-los quantas vezes fossem necessárias e, ainda, conectar-se diariamente com seu objetivo primordial: ser um lutador e vencer. Com as cenas descritas, lemos as narrativas, compreendemos o enredo pulsante da história e nos envolvemos diariamente no vasto mundo desses contos compreendendo quem Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

82


eram seus escritores e como as narrativas poderiam ser contadas para diferentes públicos. Para esse processo acontecer, foi de fundamental importância a constituição afetiva, oral e literária dos estudantes∕narradores que integraram a primeira turma de Formação de Contadores de Histórias e Mediadores de Leituras da Esamaz. Nos módulos em que foram apresentadas as disciplinas e suas possibilidades, a tríade oralidade, leitura e escrita percorreu tempos históricos que apontaram os narradores tradicionais, suas práticas e seus locais de origem, assim como mostraram as inúmeras possibilidades de contar sob o olhar e a performance dos contadores contemporâneos. Nesses contextos plurais, aprendemos a narrar a Amazônia perto de nós: nas ruas, nos ônibus, nas viagens de barco e de canoa, nos igarapés, no almoço nos quintais, nas infinitas histórias orais que definem quem somos, o que temos e como podemos utilizá-las. Elas variam

conforme o contexto: ensinam banhos, apresentam amuletos, curam enfermidades, falam com o sagrado das ervas, dos encantados, dos santos de devoção, narram os silêncios do rosário e despem olhares crentes de fé e proteção. A Amazônia que nós somos dialoga cotidianamente com o estrangeiro e apresenta nomenclaturas de mercadinhos, restaurantes, ruas, cidades e pessoas. Apresenta-se portuguesa, israelita, africana, italiana e proporcionalmente nativa. Move-se por diferentes percursos – ruas, vilas, rios, furos e igarapés – e compreende um celeiro gigantesco de narrativas orais que necessitam ser visibilizadas e sentidas como parte essencial de todos nós. Ao sermos atravessadas pelas histórias fizemos a travessia para novos e desafiadores mundos, mudamos nosso olhar leitor e para cada novo livro, um mundo de possibilidades de acalentar

olhos e ouvidos em diferentes espaços. Para cada narrativa escutada, a nutrição basilar para nossa constituição de contadoras. Eis a “força que destrói”, que provoca mudanças, olhares e atenções. Que assegura escutas mais atentas e desafiadoras. Que destrói o olhar singular e o deixa plural de símbolos, signos e significados. Que destrói o corpo ermo e o deixa performático. Ganhamos o exercício do refinamento para ler, compreender e interpretar outros mundos; processo longo, íntimo e necessário para a escolha de repertórios. Nos permitimos experimentar contos sobre vida e morte, rodeados de simbologias próprias do lugar narrado. Vimos o nascimento coletivo de potencialidades ainda desconhecidas para nós e que continuam a ser aprimoradas a cada encontro. Somos também o resultado dos encontros formativos da turma de especialização da Esamaz, pois a cada aula, outros caminhos eram mostrados assim como as maneiras criativas de contar histórias. Descobrimos que precisávamos superar e romper com vários pré-conceitos em nós; o de que contar histórias, por exemplo, é muito fácil. Em cada mergulho, víamos que as histórias nos exigiam questões atitudinais, emocionais e fortalecimento do nosso corpo que carrega uma alma ancestral, com vontade de aprender com o passado e com o presente. Para todas, foi sem dúvida um processo de transformação pessoal, pois a necessidade do aprofundamento teórico proposto pela pós-graduação definitivamente rompeu com o que é contar histórias e o quanto

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

83


essa responsabilidade é grande, demandando planejamento, escuta, escuta e leitura, muita leitura. Por meio da contação, o Grupo também descobriu as potências que as narrativas trazem, as possibilidades de mudança no outro, de cura, saberes, imaginários, humanidade, como pode ainda tantos silenciarem as narrativas e memórias? Os questionamentos se multiplicavam como um vento forte e isso durante nossa trajetória é muito evidente. Afinal, somos mulheres escreventes que foram ouvintes desde o ventre e reconhecer e despertar o processo de escuta foi elementar para o grupo. Eis que o portal foi aberto e pulsa em nós uma ansiedade por vezes natural, por outras, turbulenta, feito o rio, nossa rua, tão nosso. Sem julgamentos, conseguimos juntas ou “incompletas”, sentir o acolhimento e, ao mesmo tempo, protagonizar essa narrativa, o que

permitiu acordar sentimentos adormecidos, ressignificando as camadas de cultura que permeiam as memórias dos nossos ancestrais. Adentramos a embarcação, sentimos necessidade de nos conectar com outros que também acreditam e defendem a palavra, ainda somos e sempre seremos incompletas, escolhemos ficar com o que transforma, convida olhares curiosos, arrepia, dá abertura para imaginação, inclui, preserva memórias, nutre sonhos e afina a escuta mais sensível: as histórias. Vamos contar? REFERÊNCIAS ALVES, R. O Desejo de Ensinar e a Arte de Aprender. Editora Fundação EDUCAR DPaschoal, 2004. BARBOSA, R. A. Três Contos africanos de adivinhação. Editora Paulinas, 2017. BOSI, E. Memória e sociedade: lembrança de velhos. 18. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. COZZI, A. L. S. Tessituras poéticas: educação, memória em saberes e narrativas da Ilha grande/ Belém-PA. 2015, 156 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade do Estado do Pará, Belém, 2015. FARES, J. A. Um memorial das Matintas Amazônicas. Belém: Fundação Cultural do Estado do Pará, 2015. (Prêmio Vicente Salles 2014, Ensaio). FARIAS, C. A. Alfabetos da Alma: histórias de tradição na escola. Editora Sulina, 2006. KIRINUS, G. Criança e poesia na Pedagogia Freinet. 3. ed. São Paulo: Paulinas, 2008. LARAIA, R. B. Cultura: um conceito antropológico. 7 ed. Jorge Zahar Editor, 1993. MACHADO, Regina. A arte da Palavra e da Escuta. São Paulo: Editora Reviravolta, 2015. MUNDURUKU, D. Das coisas que aprendi: ensaios sobre o bem viver. 2. ed. São Paulo: UKA editorial, 2019.

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

84


OLIVEIRA, E. D. Filosofia da Ancestralidade como filosofia africana: educação e cultura afrobrasileira. Revista Sul-Americana de Filosofia e Educação. Número 18, maio-out∕2012, p. 28-47. Disponível em: https://issuu.com/sedsc/docs/artigo-filosofiadaancestr_ alidade. Acesso em: 5 fev. 2020. SÃO BERNARDO, A. S. S. A lenda e a lei: a ancestralidade afro-brasileira como fonte epistemológica e como conceito ético-jurídico normativo. Odeere: Revista do Programa de PósGraduação em Relações Étnicas e Contemporaneidade, Volume 3, número 6, Julho – Dezembro de 2018. Disponível em: https:∕∕atlante.eumed.net>wp-content>uplouds> pedagogia 1. Acesso em: 5 fev. 2020. SILVA, C. S. Do griô ao vovô: o contador de histórias tradicional africano e suas representações na literatura infantil. Nau Literária: críticas e teorias de literatura. Porto Alegre: v. 9, n. 2, jan∕jun 2013. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/NauLiteraria/article/vie w/43352. Acesso em: 5 fev. 2020. SUNNY. Contos da lua e da beleza perdida. Ilustrações: Denise Nascimento. 4. ed. São Paulo: Paulinas, 2013. WINANDY, P. Acalanto: um embalo para a vida. Revista de Musicoterapia do Conservatório Brasileiro de Música – Centro Universitário – Rio de Janeiro, 2002. p. 1-12. Disponível em: http:// www.revistademusicoterapia.mus.br/wp-content/uploads/2016/11/7-Acalanto-um-embalo-paravida.pdf. Acesso em: 3 mar. 2020. ZUMTHOR, P. A letra e a voz: A “literatura” medieval. Tradução: Amálio Pinheiro e Jerusa Pires Ferreira. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. ______. Performance, recepção, leitura. Tradução de Jerusa Pires Ferreira e Suely Fenerich. São Paulo: EDUC, 2000.

Revista “Entre Saberes” - Vol. V, Nº 7 (dez.2021)

85


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.