Revista Entre Saberes - Volume II, Nº 3, AGO 2019

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Entre Saberes

Vol.2, nยบ3

RELATOS DE EXPERIร NCIA EM FOCO

Agosto/ 2019


Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)

Revista Entre Saberes [Recurso eletrônico]: Relatos de experiência em foco / Secretaria de Educação do Estado do Pará, Centro de Formação de Profissionais da Educação Básica do Estado do Pará. - Volume II, Número 3 (ago. 2019) - . - Belém: SEDUC/CEFOR, 2019 [on-line]. ISSN: 2596-0431 1. Educação – Periódicos. 2. História de pessoas em educação. 3. Estudos em educação. 4. Pesquisas em educação. I. Secretaria de Educação do Estado do Pará. II. Centro de Formação de Profissionais da Educação Básica do Estado do Pará. CDD:370 CDU: 37(05) Ficha catalográfica elaborada por Nathalya Marinho da Silva – CRB-2/1665


SUMÁRIO A PESQUISA NO ENSINO MÉDIO: UM ESTUDO DE CASO NO QUILOMBO BOM JARDIM. .............................................. 5 Cláudia Laurido Figueira SABERES CULTURAIS NA AMAZÔNIA: plantas medicinais e o ensino de Ciências Naturais com alunos da EJA Campo em Moju-PA ......................................................................................................................................................... 12 Eliezer Pereira Cavalheiro A CÉLULA: PROPOSTA PARA CONSTRUÇÃO DE MODELOS DIDÁTICOS ...................................................................... 27 Elisene Gonçala Rocha SURDOS E OUVINTES: UMA EXPERIÊNCIA INCLUSIVA A PARTIR DAS REDES SOCIAIS NA ESCOLA LUIZ NUNES DIREITO39 Ernesto Padovani Netto NOSSA HISTÓRIA DAS MULHERES: REPRESENTAÇÕES DO FEMININO NO CINEMA E NA SALA DE AULA ..................... 52 Helison Geraldo Ferreira Cavalcante PHILOSOFILMES: Revisitando uma experiência de cineclube na disciplina de Filosofia ............................................. 63 Ivys de Alcântara Silva e André Luis Pereira de Freitas INTENCIONALIDADES E CAMINHOS NA INICIAÇÃO CIENTÍFICA: PRÁTICA PEDAGÓGICA DA ESCOLA ESTADUAL PROF. DEUZUITA PEREIRA DE QUEIROZ ........................................................................................................................... 75 Josidalva de Almeida Batista, Maria da Conceição Ribeiro Troitinho e Aerton Francisco Lima TERRA FIRME: JUVENTUDE NEGRA PERIFÉRICA – DO EXTERMÍNIO AO PROTAGONISMO.......................................... 87 Lília Cristiane Barbosa de Melo A ARTE E CULTURA AFRO-BRASILEIRA E AFRICANA NA REALIDADE DO DISCENTE CONTEMPORÂNEO: UMA EXPERIÊNCIA DIFERENCIADA NA ESCOLA ESTADUAL DE ENSINO MÉDIO SÃO JOSÉ, NO MUNICÍPIO DE ÓBIDOS-PARÁ ...........................................................................................................................................................................101 Jaine Leila Ribeiro Filizzola, Lucas de Vasconcelos Soares e Maria Antonia Vidal Ferreira JUVENTUDES: COM A PALAVRA O JOVEM ESCRITOR!O QUE ESPERAR DA ESCOLA? ................................................114 Marcilene do Carmo de Oliveira Miranda TEMPO DE LEMBRAR: MEMÓRIAS DE VELHOS SOBRE O MUNICÍPIO DE IGARAPÉMIRI, PARÁ. .................................132 Marinaldo Pantoja Pinheiro OS SABERES E FAZERES DO MUNDO INSULAR NA CONSTRUÇÃO DO CURRÍCULO: UM RELATO SOBRE PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DOS PROFESSORES DO SOME NO MUNICÍPIO DE ABAETETUBA-PA. ................................................141 Merian Nascimento de Abreu eTatiana Monteiro Ribeiro MUSICALIZAÇÃO, APRENDIZAGEM E AVALIAÇÃO NA EDUCAÇÃO BÁSICA: Relato de Experiência em uma escola pública na disciplina de artes/música ...................................................................................................................154 Lucian José de Souza Costa e Costa ENSINO DE HISTÓRIA NO AMBIENTE VIRTUAL DE APRENDIZAGEM (AVA): ENTRE O LABORATÓRIO DE INFORMÁTICA E A SALA DE AULA ..................................................................................................................................................165 José Renato Carneiro do Nascimento

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EXPEDIENTE “Entre Saberes” é uma publicação online de periodiocidade semestral , destinada à publicação de experiências educacionais exitosas, concebidas e realizadas por professores das escolas da rede estadual de Educação Básica, com objetivo de valorização desse docente e ao socializar suas experiências, propiciar efeito multiplicador dessas práticas na rede de educação básica paraense. GOVERNO DO ESTADO DO PARÁ Helder Zahluth Barbalho VICE GOVERNADOR Lúcio Vale SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCAÇÃO Leila Carvalho Freire SECRETARIA ADJUNTA DE ENSINO Ana Paulo Renato CENTRO DE FORMAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO DO ESTADO DO PARÁ Francisco Augusto Lima Paes Autor Corporativo: Centro de Formação dos Profissionais da Educação do Estado do Pará Endereço: Rua Gama Abreu, 256 - Bairro de Nazaré Belém – Pará CEP: 66.015-130 Email: cefor.seduc@gmail.com Telefone: 091 3230 4050 EQUIPE ENTRE SABERES

PARECERISTAS AD HOC

EDITORES

Prof. Me. Esilene dos Santos Reis Arruda Prof. Dra. Elizabete Pereira Pires Prof. Me. Flávio Martins Machado Prof. Dr. Gesson José Mendes Lima Prof. Msc Gláucia de Nazaré Baía e Silva Prof. Dra. Maíra oliveira Maia Prof. Dr. Mauro Márcio Tavares da Silva Prof. Me. Missilene Silva Barreto Prof. Me. Raimunda Nazaré Fernandes Prof. Dr. Raimundo William Tavares Júnior Prof. Me. Roberto Pinheiro Araújo Prof. Dra. Rosineide de Sousa Jucá Prof. Me. Salier Juliene dos Santos Castro Prof. Dra. Sandra Lúcia Paris

Nádia Eliane Cortez Brasil Ocimar Marcelo Souza de Carvalho Conselho Editorial André Luís Pereira de Freitas Francisco Augusto Lima Paes Gláucia Nazaré Baía e Silva Nádia Eliane Cortez Brasil Ocimar Marcelo Souza de Carvalho Raimundo William Tavares Júnior Roberto Pinheiro Araújo

DIAGRAMAÇÃO E CAPA André Freitas Periodicidade: semestral Endereço eletrônico: https://issuu.com/entresaberes


APRESENTAÇÃO

Os periódicos tornaram-se cada vez mais um espaço privilegiado de socialização, difusão e compartilhamento de ideias, seja como resultado de pesquisa acadêmica ou como o resultado do conhecimento adquirido com a experiência, elementos que permitem reflexões inovadoras e múltiplas perspectivas e que, por sua vez, possibilitam novos gestos didáticos, uma forma significativa de produzir e apresentar o conhecimento. E esse é o claro objetivo da revista Entre Saberes. Já em sua terceira edição, temos observado o crescimento da revista, que reúne trabalhos de educadores paraenses de várias regiões do Estado sobre as mais diversas temáticas das áreas do conhecimento, apresentando metodologias diferenciadas em seu ato de educar, as quais possuem, como elemento central, a construção da autonomia, o incentivo ao protagonismo e, o mais importante, o pleno exercício da cidadania a partir da aplicação das ideias, conceitos e procedimentos debatidos em sala de aula. Foram vinte e quatro trabalhos submetidos à publicação e quatorze estão presentes nesta edição, o que demonstra o grande e crescente interesse dos educadores paraenses em terem suas experiências divulgadas. Algo que consideramos fundamental, pois entendemos que há em várias escolas da rede trabalhos incríveis que precisam ser vistos, valorizados e

incentivados, pois educação

também se

constrói por meio

do

reconhecimento daqueles que fazem do seu ato de educar um instrumento de libertação, sempre com muito sacrifício, mas com o ganho imenso em garantir que pessoas tenham voz e lutem para a concretização dos seus sonhos. Ainda

que

a

revista

seja

um projeto

em construção

e

em constante

aperfeiçoamento, o sentimento é de missão cumprida com esse Volume 2, Ano II, ao garantirmos a periodicidade semestral da publicação, consolidando o projeto da Secretaria de Estado de Educação do Pará em ter um periódico que tem como finalidade valorizar as experiências dos educadores e suas contribuições para o desenvolvimento ações pedagógicas inovadoras. Deixamos o convite à rede de ensino de Educação Básica para o desafio de consolidar metodologias em uma perspectiva diferente e inovadora e ao exercício constante e regular de registrar e divulgá-las a fim de que possamos construir uma rede de boas ideias, as quais podem ser aprimoradas sempre com o intuito de levar o aluno a condição de construtor de ideias, um agente de intervenção em sua realidade. Esse sonho é nosso e precisamos construí-lo juntos! Vamos juntos, então?


A PESQUISA NO ENSINO MÉDIO: UM ESTUDO DE CASO NO QUILOMBO BOM JARDIM. Cláudia Laurido Figueira1

Resumo

A experiência desenvolvida com alunos do 3º. ano da Escola São Raimundo Nonato no quilombo Bom Jardim possibilitou o exercício de habilidades investigativas sobre a história do movimento negro no Baixo Amazonas. Palavras-chave: História local. Quilombo. Memória.

Justificativa O Projeto de pesquisa intitulado “A trajetória do movimento quilombola em Bom Jardim” propôs discutir a história local na perspectiva dos descendentes de ex-escravos que hoje se autodenominam quilombola. Desse modo, abordar sobre quilombo é voltar o olhar para o passado e rever a história da escravidão, pois entre “1756 a 1788 foram introduzidos no Maranhão e Grão-Pará 28.556 escravos” 2 e parte deste enviados ao Baixo Amazonas onde foram empregados empregado na lavoura cacaueira, na agricultura de subsistência, na pecuária e em atividades domésticas.”3 Considerou-se importante o estudo da temática proposta neste projeto tendo em vista a percepção das lideranças e moradores antigos que participaram do movimento quilombola em Bom Jardim, pois foi necessário compreender as estratégias de lutas articuladas pelas lideranças do movimento. O interesse pela temática surgiu da necessidade de discuti-la na perspectiva dos descendentes de ex-escravos, pois na escola ainda persiste a visão do colonizador europeu. Além disso, justifica-se também devido a relevância da história e da cultura dos negros para a compreensão da história do Brasil como atesta a lei 11.645/2008 que amplia a obrigatoriedade da abordagem do tema “história da cultura afro-indígena” no currículo escolar.

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Professora da Escola Estadual São PUC/SP.figueiralaurido123@gmail.com 2 GOMES, 2005, p.30. 3 FUNES, 1995, p. 56.

Raimundo

5

Nonato.

Mestre

em

História

Social

pela


Neste sentido, o estudo do movimento quilombola em Bom Jardim possibilitou a reflexão sobre os conceitos: quilombo, memória e identidade no contexto do Baixo Amazonas. Geralmente, o quilombo de Palmares aparece nos manuais escolares como referência na história do Brasil, no entanto, é expressivo considerar que o movimento quilombola ocorreu em toda a América durante o período escravista. Nessa perspectiva, se faz necessário discutir o conceito de quilombo na contemporaneidade para compreender os significados atribuídos ao termo, visto que, diversas foram as formas que deram origem as comunidades quilombolas no Brasil, pois “(...) antes ou após a Abolição, comunidades negras formaram-se a partir da compra de nesgas de terras, de doações de terras feitas por ex-proprietários; de ocupação de terras devolutas ou pertencentes a fazendeiros falidos”.4 O quilombo Bom Jardim se constitui no caso de “doações de terras feitas por exproprietários”, ou seja “terra doada”. De acordo com Funes, o sítio Bom Jardim foi doado em testamento em 1807 pela “senhora Maria Joaquina da Silva Ferreira aos seus escravos, os quais ficaram livres após a morte de seu marido José Francisco Ferreira, quando deveria efetivar, também, a doação, que ocorreu em 1876”.5 No entanto, esse documento ficou perdido por muito tempo nos arquivos cartoriais e os moradores de Bom Jardim sabiam da existência do testamento através das histórias narradas por seus antepassados. A trajetória do movimento quilombola em Bom Jardim está diretamente vinculada aos encontros de Raízes Negras que ocorreram no Baixo Amazonas na década de 1980 que discutiam com as comunidades negras rurais da região o significado político do artigo 68 da Constituição brasileira que “modificou, parcialmente a história de uma parcela do campesinato brasileiro ao definir o reconhecimento a propriedade definitiva aos remanescentes das comunidades dos quilombo” 6 Em torno desse movimento foi possível repensar a história do quilombo em Bom Jardim considerando o envolvimento das lideranças nos debates acerca do direito à terra o que levaria a comunidade rever o passado a luz das lembranças fragmentadas de histórias contadas pelos antepassados. Por essa razão, a pesquisa valorizou as memórias individuais das lideranças que participaram ativamente do processo visto que foi importante compreender essas lembranças como versões do passado marcadas por experiências FIABANI, 2007, p.2. FUNES, 1995, p. 23. 6 FIABANI, 2007, p.5. 4 5

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pessoais as quais devem ser consideradas para compreender o processo de ressignificação da identidade quilombola em Bom Jardim. Portanto, trazer esse debate para o espaço escolar foi de fundamental importância, pois a história do movimento quilombola em Bom Jardim pode contribuir para o processo de formação dos discentes que de posse do conhecimento das lutas e desafios dos quilombolas podem compreender e ampliar suas percepções sobre a história dos negros na Amazônia.

Objetivos:

Neste sentido, o projeto objetivou refletir sobre a história do movimento quilombola em Santarém, em especial, do quilombo Bom Jardim; analisar as estratégias de luta do movimento quilombola; discutir o movimento quilombola contextualizando o conceito, quilombo, tendo em vista o passado e presente; identificar os quilombos existentes em Santarém; refletir sobre os desafios enfrentados pelos quilombolas atualmente. Considerando os objetivos os alunos foram instigados a levantar as seguintes problemáticas: Quais as marcas da cultura africana presente na nossa cultura? Como o negro é percebido na nossa sociedade? Por que ainda é presente a intolerância e o preconceito em relação a cultura negra no Brasil? Quais são as bandeiras de luta do movimento quilombola? Como os negros se organizavam e se organizam na sociedade brasileira? Como podemos combater o preconceito na escola?

Habilidades e componente curricular

Para inserir o debate e a pesquisa sobre o movimento quilombola em Bom Jardim foi imprescindível articulá-lo ao conteúdo programático do 3º. Ano que discute o movimento republicano e as lutas sociais. Desse modo, buscou-se trabalhar com os alunos a análise da atuação do movimento quilombola como movimento social que no processo de luta pela terra contribuiu para mudanças significativas na relação do movimento com o Estado e sociedade civil. Outra competência desenvolvida na pesquisa foi a compreensão da luta política do movimento quilombola contemporâneo na conquista de políticas públicas durante o processo da luta pela terra, identificadas na observação sistemática em Bom Jardim e na análise dos relatos dos entrevistados. 7


Além disso, foi possível compreender a memória como estratégia para resignificar a identidade quilombola em defesa dos direitos a terra, da educação e a visibilidade das histórias dos antepassados. Assim, através da pesquisa, os alunos envolvidos identificaram que as histórias dos quilombolas de Bom Jardim estavam registradas nas memórias atualizadas, no território ocupado e nas instituições construídas pelas lideranças no processo da luta quilombola.

Metodologia O projeto de pesquisa intitulado “A trajetória do movimento quilombola no Bom Jardim” tem como objetivo abordar a história local na perspectiva dos descendentes de exescravos que se reconhecem quilombolas. Nesse viés foi de suma importância adotar a metodologia da história oral, haja vista que o projeto baseia-se nas experiências e nas memórias individuais das lideranças de Bom Jardim pois “A memória é um processo individual, que ocorre em um meio social dinâmico, valendo-se de instrumentos socialmente criados e compartilhados”.7 Dessa forma, considerou-se relevante ouvir lideranças e moradores antigos do Bom Jardim, visto que, “é necessário selecionar os entrevistados que viveram, presenciaram, com o fito de fornecer depoimentos significativos”8 Na construção da fonte oral, é fundamental está disposto a ouvir os interlocutores, prestar atenção em cada detalhe de sua fala, seus gestos, a fim de que estes se sintam à vontade e a entrevista possa se desenvolver como um diálogo, pois “O sentido não é reproduzir o acontecido e sim construir o vivido através de palavras, imagens, discursos. Confere-se sujeito o poder de dizer e de resistir em sua singularidade, procurando apenas uma abertura dialógica”.9 Considerando essa perspectiva, optou-se por utilizar entrevista temática pois é fundamental versar prioritariamente a participação dos entrevistados sobre o tema proposta pela pesquisa. Dessa forma, três eixos orientaram o desenvolvimento das entrevistas: Lembranças do passado; Trajetória do movimento quilombola e Desafios no quilombo Bom Jardim.

PORTELLI, 1997, p. 16. ALBERTINI, 2005, p. 32. 9 FERREIRA;CROSSI, 2014, p.44. 7 8

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A pesquisa histórica oral possibilitou o contato direto dos discentes com os interlocutores, neste caso particular, os quilombolas de Bom Jardim que ao narrarem suas histórias instigam a reflexão sobre um passado que precisa ser conhecido e valorizado, pois a “arte de ouvir baseia-se na consciência de que praticamente todas as pessoas com que conversamos enriquecem nossa experiência. (...) Cada entrevista é importante, por ser diferente de todas as outras.”10 O projeto viabilizado através da metodologia da história oral proporcionou aos alunos desenvolverem a habilidade de pesquisa e capacidade de interpretação, escuta e comunicação. Segundo Thompson (2002) “a evidencia oral, transformando os “objetos” de estudo em “sujeitos”, contribui para uma história que não é só mais rica, mais viva e mais comovente, mas também mais verdadeira”.11 Para problematizar os dados empíricos, foi fundamental o levantamento bibliográfico de obras que abordam as marcas da cultura africana no Brasil e na Amazônia. Dessa forma, foram selecionados leitura sobre escravidão na Amazônia e formação de quilombos; quilombos contemporâneos; história oral e memória. Os alunos organizados em equipe de estudo produziram fichas de leituras seguindo as normas científicas dos seguintes autores: Eurípedes Funes; Hebe Matos; Edna Castros; Rosa Acervedo; Flávio Gomes; Carlos Eduardo Matos; Verena Alberti e Alessandro Portelli. Seminários foram organizados a fim de debater as leituras e levantar questões pertinentes à temática da pesquisa. Foram desenvolvidas duas rodas de conversa. A primeira intitulada: Pesquisa em comunidade quilombolas: desafios e perspectiva, conduzida pelo convidado José Williams da Silva Valentim - Mestre em Educação (UEPA); a segunda debateu-se sobre a trajetória do Movimento Quilombola em Santarém: conquistas e desafios, conduzida por Joilson Vasconcelos dos Santos – Vice-Presidente da Associação do Bom Jardim e Presidente da Malungo Jovem do Baixo Amazonas. As rodas de conversa foram articuladas tendo em vista: Discutir as etapas de pesquisa em comunidade quilombola; refletir a importância da pesquisa; debater sobre o conceito de quilombo contemporâneo; identificar as características do quilombo contemporâneo e elaborar um plano de pesquisa para estudo do movimento quilombola em Santarém. Oficinas de metodologia de história oral foram organizadas para produção de roteiro das entrevistas. Os alunos foram organizados em dupla para a produção do roteiro a partir

10 11

PORTELLI, 1997, p. 18. THOMPSON, 2002, p. 137.

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de três eixos: Lembranças do passado; trajetória do movimento quilombola e desafios no quilombo Bom Jardim. Também foram elaboradas fichas de coleta de dados e termos de concessão de entrevistas e imagens. As entrevistas foram realizadas com dez lideranças do quilombo Bom Jardim no dia 20 de outubro. Os alunos foram divididos em grupo para realizarem as entrevistas. As entrevistas foram transcritas e organizadas pelos alunos considerando os três eixo do roteiro e as recorrências nos relatos, que auxiliados pelas leituras realizadas anteriormente possibilitou a produção do texto que foi organizado no banner e exposto no Passo Cultural da escola em dezembro.

Resultados e discussão

A pesquisa realizada em 20 de outubro, no quilombo Bom Jardim, foi uma experiência significativa para os discentes envolvidos, pois, possibilitou o diálogo entre estes e os moradores do quilombo. As experiências e as memórias individuais das lideranças do Bom Jardim foram relevantes para a compreensão do movimento quilombola destacando suas estratégias de luta e os desafios que enfrentam atualmente. Desse modo, o exercício da pesquisa a partir da temática proposta viabilizou o debate na escola sobre a importância do movimento quilombola em Santarém e a necessidade de aprofundar o estudo da história dos negros na região. Além disso, os alunos envolvidos exercitaram as habilidades de pesquisa como a leitura de textos acadêmicos; produção de fichas de leituras; debates; produção de roteiro de entrevista e dialogo com lideranças do quilombo Bom Jardim. A experiência com a pesquisa no ensino médio é uma oportunidade para alunos e professores problematizarem os conhecimentos abordados em sala de aula tornando-os mais significativos. É uma estratégia que possibilita uma relação dialógica entre escola e a comunidade. Além disso, possibilita alunos e professores trazerem para a escola temas que precisam ser revistos, como a história de ex-descendentes de escravos em Santarém a partir da perspectiva de lideranças que no processo de luta pela terra se apropriaram das lembranças

do

passado

para

reafirmarem

sua

identidade

quilombola

na

contemporaneidade. Portanto, é possível criar estratégias de ensino a partir de projetos de pesquisa no ambiente escolar que viabilizem atividades diversificadas em que os alunos exercitem o 10


pensamento reflexivo sobre temas históricos tão relevantes para a formação de uma postura ética que valorize outras versões da história.

Referências

ALBERTI, V. Manual de História Oral. Rio de Janeiro: FGV, 2005.

FERREIRA, A. C; CROSSI, Y de S. A narrativa na trama da subjetividade: perspectivas e desafios. Economia & gestão, Belo Horizonte, n°3, p. 42-59, jan./jun.200 2004.

FIABANI, A. O quilombo antigo e o quilombo contemporâneo: verdades e construções. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA. 24, 2007, São Leopoldo. Simpósio. São Leopoldo: Associação Nacional de História, 2007, p.1-10. FUNES, E. A. “Nasci nas matas, nunca tive senhor”. História e memória dos mocambos do Baixo Amazonas. 1995. Tese (Doutorado) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, São Paulo.

GOMES, L; MARQUES, C. E. A Constituição de 1988 e a ressignificação dos quilombos Contemporâneos: Limites e potencialidades. Revista Brasileira de Ciências Sociais, n° 81, p. 137-153, fev.2013.

GOMES, F. dos S. A hidra e os pântanos: mocambos, quilombos e comunidades de fugitivos no Brasil (século XVII E XIX). São Paulo: UNESP, 2005.

PORTELLI, A. Tentando aprender um pouquinho. Algumas reflexões sobre ética na história oral. Projeto História, São Paulo, n◦15, p. 13-49, abr.1997.

11


SABERES CULTURAIS NA AMAZÔNIA: PLANTAS MEDICINAIS E O ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS COM ALUNOS DA EJA CAMPO EM MOJU-PA Eliezer Pereira Cavalheiro 12

Resumo O avanço do capitalismo, da ciência moderna e da alta cultura tem contribuído substancialmente para o desmerecimento da cultura do homem do campo. Desse modo, inúmeros saberes tradicionais campesinos correm o risco de serem esquecidos pelas novas gerações, ocasionando um grave prejuízo à identidade cultural do sujeito do campo. Nessa perspectiva, este trabalho objetiva contribuir para o fortalecimento da identidade cultural campesina, a partir da consideração dos saberes tradicionais respectivos ao cultivo de plantas medicinais. Este trabalho foi realizado em uma turma da Educação de Jovens e Adultos do Programa EJA Campo da Secretaria de Estado de Educação do Pará do município de Moju-PA. A metodologia utilizada foi a Pesquisa-Ação, pois buscou-se neste trabalho uma intervenção construtiva na realidade educacional dos sujeitos pesquisados. A coleta de dados consistiu em catalogar diversas plantas medicinais, pesquisando seu nome popular, nome científico, benefícios e modos de preparo. Os resultados mostraram que o cultivo de plantas medicinais é importante para manter viva a identidade cultural do povo do campo e que tais saberes podem ser utilizados pela ciência para a melhoria da qualidade de vida das pessoas. Palavras-chave: Plantas medicinais. Identidade campesina. EJA Campo.

Justificativa

O processo de globalização que vem ocorrendo no mundo, principalmente após as grandes revoluções industriais, tem trazido à sociedade muito avanços científicos e tecnológicos, tais como: energia elétrica, meios de transporte, desenvolvimento da medicina, internet, etc. Porém, tem trazido também alguns pontos negativos (guerras, surgimento de novas doenças, poluição da natureza, entre outros) e entres estes, pode-se citar: a desvalorização dos conhecimentos tradicionais de populações campesinas, em particular, do cultivo e fitoterapia de plantas medicinais. O conhecimento hegemônico, tanto filosófico quanto científico, produzido no Ocidente nos últimos 200 anos, assim como a consolidação do Estado Liberal na Europa e na América do Norte, as revoluções industriais, o desenvolvimento do capitalismo, colonialismo e imperialismo tem estabelecido um contexto sócio-político onde os saberes não científicos e

12

Mestrando em Ensino de Física, Especialista em Educação do Campo e Extensão Rural e Licenciado Pleno em Física, pela Universidade Federal do Pará. Licenciado Pleno em Ciências Naturais com habilitação em Biologia, pela Universidade do Estado do Pará. Professor de Ciências da Natureza do Programa EJA Campo da Secretaria de Estado de Educação do Pará.

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não filosóficos, como por exemplo, os saberes culturais de populações tradicionais campesinas, têm sido desconsiderados pela ciência moderna e pela alta cultura (SANTOS, 2002). Nesse

contexto

de

relações subalternas entre

conhecimento

científico

x

conhecimento tradicional, encontram-se inúmeras populações amazônicas campesinas (quilombolas, indígenas, ribeirinhos, seringueiros, etc.) que apresentam os mais diversos tipos de saberes culturais que têm sido repassados de geração em geração. Antigamente, quando a medicina moderna ocidental ainda não se encontrava tão desenvolvida como atualmente, era comum o tratamento de muitas doenças através das plantas que apresentam características medicinais. Isso ocorria principalmente em locais afastados dos grandes centros urbanos, como por exemplo, as comunidades do campo. Todavia, os conhecimentos tradicionais acerca da utilização das plantas medicinais começaram a perder importância devido aos avanços do capitalismo e da ciência moderna. O saber popular passou a ser visto como sinônimo de atraso e, nesse contexto, os remédios farmacêuticos produzidos em laboratórios ganharam espaço e, consequentemente, o cultivo de vegetais com propriedades de cura tornou-se uma prática obsoleta. Isso tem contribuído em muito para a desvalorização da cultura do homem do campo. Nesse sentido, este trabalho apresenta uma importância fundamental no que concerne à consideração dos saberes tradicionais do cultivo de plantas medicinais como forma de fortalecer a identidade cultural de alunos da Educação de Jovens e Adultos do Programa EJA Campo (município de Moju) da Secretaria de Estado de Educação do Pará.

Objetivos Geral •

Contribuir para o fortalecimento da identidade cultural de alunos do Ensino Médio EJA Campo do município de Moju-PA, por meio da consideração dos conhecimentos tradicionais do cultivo de plantas medicinais.

Específicos •

Conhecer como se dá o processo de transmissão de saberes culturais, referentes às plantas medicinais, com os alunos do EJA Campo; 13


Verificar quais as plantas medicinais cultivadas pelos estudantes do EJA Campo;

Compreender a relevância sociocultural e científica que o cultivo das plantas medicinais possui em relação à manutenção da identidade dos alunos do campo;

Competências •

Relacionar o conhecimento científico com os conhecimentos tradicionais sobre plantas medicinais de forma a promover uma aprendizagem significativa para o estudante oriundo do campo;

Mostrar a importância que os saberes culturais tradicionais apresentam para o desenvolvimento do saber científico;

Habilidades •

Reconhecer a importância do cultivo de medicinais para o fortalecimento da identidade cultural campesina;

Saber utilizar as diferentes plantas medicinais existentes no seu meio sociocultural;

Componentes Curriculares •

Biologia; Química; Física;

Objetos do Conhecimento •

Reino Plantae; Fotossíntese; Nutrientes; Substâncias Químicas; Princípio ativos químicos; Energia Térmica; Temperatura; Fluidos;

Metodologia

O método de pesquisa utilizado para o desenvolvimento deste trabalho foi o da pesquisa-ação. Trata-se de uma metodologia bastante utilizada em projetos de pesquisa de caráter educativo. Conforme Thiollent (2002, p. 75), “com a orientação metodológica da pesquisa-ação, os pesquisadores em educação estariam em condição de produzir informações e conhecimentos de uso mais efetivo, inclusive ao nível pedagógico”, o que pode contribuir para ações e transformações de situações dentro da própria escola. É dentro desta perspectiva metodológica que este trabalho se enquadra, pois, esta pesquisa foi realizada na forma de um projeto de caráter educacional que objetivou, entre 14


outros fatores, contribuir para o desenvolvimento da educação popular de jovens e adultos, por meio da consideração dos saberes culturais sobre plantas medicinais de populações do campo. Para Tripp (2005) a pesquisa-ação educacional é principalmente uma estratégia para o desenvolvimento de professores e pesquisadores de modo que eles possam utilizar suas pesquisas para aprimorar seu ensino e, em decorrência, o aprendizado de seus alunos. Segundo Elliott (1997, p.15), a pesquisa-ação permite superar as lacunas existentes entre a pesquisa educativa e a prática docente, ou seja, entre a teoria e a prática, e os resultados ampliam as capacidades de compreensão dos professores e suas práticas, por isso favorecem amplamente as mudanças.

Resultados e Discussões

Esta pesquisa ocorreu entre os meses de dezembro de 2018 a fevereiro de 2019, na turma 04 do Programa EJA Campo da Secretaria de Estado de Educação do Pará (SEDUCPA), na Escola Municipal de Ensino Fundamental e Médio Antônio de Oliveira Gordo, no município de Moju-PA. Vale ressaltar que o programa mencionado funciona com base nos princípios da Pedagogia da Alternância, onde os estudantes cumprem dois tempos pedagógicos distintos: Tempo Escola (TE) e Tempo Comunidade. O TE corresponde ao momento em que os alunos se encontram em ambiente escolar desenvolvendo atividades de ensino-aprendizagem correspondentes aos conteúdos curriculares escolares. Na escola, lócus deste trabalho, o TE ocorre aos sábados e domingos, nos turnos da manhã e da tarde, devido ao fato de que a grande maioria dos discentes possuem família e desenvolvem atividades laborais durante os outros dias da semana, isto é, de segunda a sexta. Assim sendo, antes do início das aulas do programa em questão, foi acordado com os estudantes, de forma democrática, que o TE seria executado somente aos sábados e domingos. Por sua vez, o TC constitui o período onde os educandos estão em suas comunidades, juntamente aos seus familiares, desenvolvendo suas atividades escolares, fazendo pesquisas, ampliando e aplicando os conhecimentos adquiridos no TE. Assim, “ocorre uma formação contínua na descontinuidade das atividades” (GIMONET, 2007, p. 29). Os sujeitos da pesquisa foram os estudantes da turma 04 do Programa EJA Campo, ao todo 36 alunos com idades entre 18 e 60 anos. Vale ressaltar que todos esses educandos 15


apesar de desenvolverem suas atividades discentes em uma escola localizada no espaço urbano de Moju, possuem ligações com o campo, sendo muitos deles moradores de comunidades tradicionais campesinas (quilombolas, ribeirinhos, estradas, ramais, etc.) que todos os fins de semana (sábado e domingo) vêm à cidade estudar na escola outrora mencionada. A coleta de dados procedeu-se da seguinte forma: primeiro, em sala de aula, em uma das aulas de Ciências da Natureza, foi feita uma discussão acerca da relevância dos conhecimentos populares para o desenvolvimento da ciência.

Assim, explicou-se aos

discentes diversas características científicas acerca do reino plantae, tais como: características gerais dos vegetais, fotossíntese (energia térmica, temperatura, fluidos), nutrientes necessários à fisiologia vegetal (princípio ativo (substâncias químicas) das plantas, etc. Em um segundo momento, no dia 13 de janeiro de 2019, foi realizada uma visita de campo na casa de uma das alunas do programa para introduzir junto aos alunos o assunto Plantas Medicinais. Participaram dessa visita 20 alunos. Desse modo, incialmente foi discutida a questão do preconceito que o homem do campo sofre quando vai morar na cidade. Em seguida, foi questionado junto aos discentes a relação deles com o campo, assim, muitos deles expuseram que nasceram no campo, mas depois se mudaram para a cidade e outros disseram que ainda moram no campo e vem à cidade apenas para estudar. Após esse momento, perguntou-se aos educandos se eles em algum momento já tinham ouvido falar em plantas que apresentam propriedades curativas (medicinais). Uma das alunas, a dona da casa onde estávamos, logo afirmou que sim e, inclusive, até comentou que em seu quintal havia um pé de coramina, uma planta medicinal que, segundo ela, serve para problemas cardíacos. Ademais, foi falado aos estudantes que o objetivo daquela visita era a realização de um projeto envolvendo o cultivo de plantas medicinais e que eles teriam um prazo de 03 semanas para realizarem uma pesquisa de campo, onde deveriam catalogar espécies de vegetais que apresentassem propriedades medicinais, tomando nota de seus respectivos nomes populares, científicos, benefícios e modo de preparo. Também foi dito aos alunos que esse trabalho resultaria em uma Feira de Plantas Medicinais, que ocorreria no dia 10 de fevereiro de 2019, no espaço recreativo da escola onde eles estudavam e que, para isso, eles deveriam trazer amostras dos vegetais pesquisados. Assim, estas informações foram repassadas aos demais educandos que não puderam estar presentes na visita de campo, para que todos os alunos realizassem a pesquisa, de modo individual ou em grupo. 16


Em suas pesquisas de campo, os alunos catalogaram diversas plantas com propriedades curativas. O Quadro 1 apresenta os vegetais coletados e seus respectivos dados: nome (s) popular (es), nome científico, benefícios e modo de preparo. Vale ressaltar que os dados foram colocados na tabela conforme as anotações dos alunos.

Quadro 1. Dados sobre as plantas medicinais coletadas pelos alunos do EJA Campo MojuPA. Nome(s) Popular(es)

Nome Científico

Benefícios

Modo de Preparo

Queimaduras, contusões,

Pirarucu

Bryophyllum pinnatum (ham.)

picadas de

Colocar em um

insetos, doenças

liquidificador uma folha

respiratórias,

da planta, juntamente

tosse,

com um copo de água,

inflamações,

bater e tomar em jejum.

hematomas e pedras no rins. Tem propriedades febrífugas, Erva-príncipe,

sudoríficas,

capim-cidreira,

Cymbopogon

analgésicas,

capim-santo,

citratus

calmantes,

capim-limão

antidepressivas, diuréticas e

Ferva a água, desligue o fogo, adicione as folhas, tampe e deixe abafado por 10 minutos, coe e sirva.

bactericidas. Marupazinho, palmeirinha, coquinho, marupa-

Tratamento de Eleuthere plicote

piranga, olho

problemas

-

gastrointestinais.

vermelho Cura tudo

Nasturtium

Indicada para

Lavar bem as folhas e

officinalis

emagrecer,

colocar em pequenas

17


gastrite, fígado,

porções em 1 litro de

varizes.

água e colocar para ferver. Tome 1 xícara 3x ao dia.

Tratamento de problemas digestivos, ansiedade, melhora na qualidade do sono, alivia dores de Erva-cidreira, campim-cidreira,

cabeça, combate Melissa officinalis

citronete e melissa

os gases, alivia as cólicas menstruais

Deve ser consumida na forma de chá.

e intestinais, previne distúrbios renais, promove o alívio da tosse, promove o bemestar e a tranquilidade. Para a coceira: esfregar as folhas do nim em 5 litros de água fria, deixar Repelente para afastar mosquitos, Nim

Azadirachta indica

serve também para coceiras no corpo e piolhos.

agir por 10 minutos e depois banhar o corpo inteiro, três banhos no máximo para você se sentir livre de qualquer coceira corporal.

Para o piolho: despejar em um recipiente um litro 18


de água fervendo, depois deixe descansar por 30 minutos e despeje sobre a cabeça, deixando o dia todo. Para o rosto: lave o rosto e o pedaço da babosa que será utilizado, corte a babosa ao meio e passe a parte interna da casca sobre a pele, deixe 15 ou 20 minutos, feito isso, lave o rosto com água A babosa serve para deixar o rosto mais limpo e macio, prisão de ventre, ajuda a Babosa

Aloe vera

emagrecer e combate pedra nos rins, apetite sexual, reduz a queda do cabelo e elimina as caspas.

limpa.

Para emagrecer e o combate às pedras nos rins: corte um pedaço de babosa, descasque bem que a casca é tóxica, esprema um limão inteiro e coloque pra bater no liquidificador, não precisa acrescentar água.

Para o apetite sexual: prepare a folha da babosa extraindo somente o gel, coloque o gel no liquidificador com um copo de água filtrada, é normal formar espumas. Acrescente o 19


suco de laranja e misture bem, conserve em uma garrafa na geladeira. Consumir um copo de suco pela manhã em jejum, durante 7 dias.

Para a queda do cabelo e eliminação da caspa: abra a folha de babosa e com uma colher raspe todo o gel de dentro dela. Pegue o gel e bata no liquidificador, depois retire do liquidificador e aplique no couro cabeludo, fazendo massagem leve com bastante água e aplique um condicionador de sua preferência, deve ser feito uma vez por semana.

Benefício cicatrizante, cura

Favaca ou

de inflamações

favaquinha

Tomar o chá ou sumo.

como: feridas, gripe, alergias.

Picão

Bidens alba

Hepatite,

Retirar a planta do solo

problemas de

com toda a raiz, lave

estômago, de

bastante a planta,

20


fígado, inflamação

coloque-a em uma

no útero e inchaço. panela contendo 1 litro de água e leve ao fogo, deixando ferver rapidamente. Em seguida, retire do fogo, deixe esfriar, coe e sirvase a vontade. Anti-inflamatório, ajuda na digestão, alivia náuseas, atua na prevenção da gripe e resfriado, é analgésico cardiotônico, ajuda Gengibre

Zinziber officinale

a emagrecer, azia, enjoo, gastrite, colesterol, pressão

As partes usadas do gengibre são suas raízes para fazer chá ou temperar as refeições.

alta, tosse, dores musculares, problemas de circulação sanguínea e artrite. Infecção urinária,

Canarana

Hymenachne amplexicaulis

úlceras, inchaço, dores reumáticas, câncer, doenças

Fazer o chá e tomar diariamente.

venéreas, etc.

Mastruz

Dysphania ambrosioides

Cicatrizante para machucados porque suas folhas 21

Bater em um liquidificador 1 copo de


carregam uma

folhas e 2 litros de leite e

grande quantidade

beber por 3 dias.

de óleos essenciais. O chá é feito adicionando

Pariri

Arrabidaea chica

Inflamações no

as folhas em 1 litro de

útero, conjuntivite

água fervente, em

e anemia.

seguida deixar esfriar e tomar.

Erva de jabuti

Peperomia

Colesterol

pelúcida

Lavar bem e pôr na salada. Deve-se preparar sua

Borboleta

Hedychium sp.

Usa-se em

raiz da seguinte forma:

cataplasma para

ralar, processar, deixar

dores musculares,

de molho na água e

embora não seja

depois secar. Com isso

uma das melhores

temos uma farinha para

plantas para essa

fazer bolachas, bolos e

finalidade.

outros produtos da culinária.

Fonte: Arquivo pessoal.

Os dados correspondentes às plantas medicinais apresentados no Quadro 1 foram coletados a partir de entrevistas com os próprios alunos, familiares e vizinhos dos alunos, assim como, internet. Assim, no dia 09 de fevereiro de 2019 os discentes se reuniram na escola para organizar a Feira de Plantas Medicinais que ocorreria no dia seguinte. Desse modo, todos os vegetais levados à escola pelos estudantes, foram organizados com suas respectivas informações. A Figura 1 mostra alguns alunos trabalhando na preparação das amostras de alguns dos vegetais coletados.

22


Figura 1. Preparação das amostras das plantas medicinais.

Fonte: Arquivo pessoal.

No dia 10 de fevereiro de 2019, a partir das 08h:00min, foi iniciado o evento sobre as Plantas Medicinais. A Figura 2 apresenta as plantas coletadas pelos alunos.

Figura 2. Plantas medicinais coletadas pelos alunos.

Fonte: Arquivo pessoal.

Deste modo, os alunos reunidos em grupo ou de forma individual apresentaram seu trabalho para os demais colegas e comunidade escolar. A seguir, a Figura 3 mostra alguns 23


educandos falando sobre os vegetais coletados por eles e suas respectivas características populares e científicas.

Figura 3. Alunos do EJA Campo falando sobre plantas medicinais.

Fonte: Arquivo pessoal.

A apresentação dos trabalhos ocorreu de forma satisfatória, todos os alunos participaram e falaram acerca das características dos vegetais pesquisados. Importante destacar que os conceitos científicos correspondentes à Física, Química e Biologia foram associados com os conceitos cotidianos dos alunos, isto é, aqueles aprendidos de forma espontânea, a partir das relações sociais dos educandos. Segundo Vygotsky (2001), os conceitos científicos se desenvolvem a partir dos conceitos cotidianos em uma relação interdependente. Durante todo o processo de pesquisa acerca das plantas medicinais, o professor deu todo o suporte acadêmico necessário aos alunos, tirando dúvidas, orientando e incentivando-os à busca do conhecimento cultural/científico. Assim, os estudantes puderam compreender diversos aspectos inerentes às ciências naturais. Conceitos tais como: fotossíntese, nutrientes, substâncias químicas, energia térmica, temperatura e fluidos, foram utilizados pelos educandos em suas pesquisas. Assim, o processo de ensino-aprendizagem desenvolveu-se de forma significativa, com os alunos relacionando saberes tradicionais e ciência. Nesse sentido, ressalta-se importância pedagógica do professor que agiu como um mediador do processo educacional escolar. 24


Sob esse aspecto, Cavalheiro (2018) destaca que a mediação docente é o principal fator educacional pelo qual se dá a aprendizagem de conceitos científicos. Além disso, o autor concluiu que o ensino de ciências é mais significativo quando relacionado com a realidade do aluno. Através deste trabalho foi possível relacionar teoria e prática, pois os conteúdos de ciências naturais estudados em sala de aula foram correlacionados de forma a beneficiar o processo de ensino-aprendizagem dos alunos, criando deste modo uma aprendizagem significativa, onde os educandos puderam relacionar seus conhecimentos prévios (saberes culturais sobre plantas medicinais) com novos conhecimentos, estes, por sua vez, aprendidos a partir da atividade escolar. O termo “aprendizagem significativa” é o conceito central da teoria da aprendizagem de David Ausubel. Segundo Moreira (2011 p. 2) “a aprendizagem significativa é um processo por meio do qual, uma nova informação relaciona-se, de maneira substantiva (não-literal) e não-arbitrária, a um aspecto relevante da estrutura de conhecimento do indivíduo”. Diante do exposto acima, conclui-se que este trabalho apresenta uma grande importância em relação à melhoria da qualidade do ensino de ciências na educação básica, em particular, na Educação de Jovens e Adultos oriundos do campo. Ademais, ressalta que o objetivo proposto foi alcançado, ou seja, por meio deste trabalho foi possível contribuir para o fortalecimento da identidade cultural dos sujeitos da pesquisa.

Referências

CAVALHEIRO, E. P. A importância da mediação social para a aprendizagem de conceitos científicos no ensino fundamental: uma leitura da psicologia históricocultural. 2018. Disponível em: <http://www.ixfiped.com.br/anais/301.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2019.

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SANTOS, B. de. S. Para uma sociologia das ausências e uma sociologia das emergências. Revista

Crítica

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<http://www.boaventuradesousasantos.pt/media/pdfs/Sociologia_das_ausencias_RCCS63. PDF>. Acesso em: 25 mar. 2019.

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31,

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set./dez.

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VYGOTSKY, L. S. A Construção do Pensamento e da Linguagem. São Paulo. Martins Fontes, 2001

26


A CÉLULA: PROPOSTA PARA CONSTRUÇÃO DE MODELOS DIDÁTICOS Elisene Gonçala Rocha 13

RESUMO Os conhecimentos da Citologia revelam-se como de fundamental importância para que os estudantes entendam os vários processos que envolvem a vida e assim compreenderem a dimensão da vida micro e macroscópica. No entanto, estudos têm apontado que as práticas de ensino que permeiam o estudo das células têm se mostrado de grande complexidade para os alunos. Com o objetivo de que os alunos sejam capazes de comparar o interior de uma célula viva a um micromundo complexo e funcionante, incorporado às visões do cotidiano através de modelos celulares representativos, realizou-se a sequência didática de modelo celular aplicando-se dois questionários, sendo o primeiro de diagnóstico para sondar o nível de conhecimento prévio dos alunos sobre o assunto e o segundo após a realização das atividades didáticas para comparar o nível de aprendizagem. Dessa forma, mediante análise dos dados dos questionários chegou-se à conclusão que a construção de modelos didáticos de células pelos próprios alunos é uma forma didática prazerosa de aquisição de conhecimento e que é ainda muito viável para a construção de uma aprendizagem significativa no tocante a área da citologia. Palavras chaves: Ensino. Aprendizagem. Didática. Célula. 1. INTRODUÇÃO A Biologia é uma ciência ampla, que abrange uma imensidão de nomenclaturas científicas não comuns aos termos utilizados no dia a dia dos alunos e fazer com que estes compreendam e reconheçam a existência de estruturas biológicas microscópicas, é sem dúvida um dos desafios para os professores que atuam em salas de aula. No entanto, o ensino-aprendizagem deste conteúdo é uma das problemáticas enfrentadas pela comunidade escolar (NIGRO, 2007). A grande maioria das escolas públicas não dispõem de laboratórios e muitas não possuem um microscópio óptico para observação de células. Dessa forma, o estudo citológico por ser tão complexo e de grandes dificuldades para os estudantes, que necessitam do uso de modelos didáticos para contribuir com a compreensão do estudo das células. Teixeira (2010), relata que o estudo da Biologia da célula se torna uma temática complexa, uma vez que poucos recursos podem ser utilizados em sala de aula para promover a interação do aluno. A apresentação oral de modelos de células confeccionados pelos próprios alunos em sala de aula contribui para a aprendizagem dos termos científicos levando-os há um

13

Mestranda do Programa de Mestrado Profissional em Ensino de Biologia (PROFBIO) da Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT), Campus Tangará da Serra. E-mail: elisenerocha@hotmail.com

27


resultando mais positivo em qualquer tipo de avaliação. Os modelos biológicos complementam o conteúdo descrito em livros didáticos, que na maioria das vezes são vistos pelos alunos, como uma obra composta por termos a serem decorados, ilustrados com imagens que não são compreendidas (ORLANDO, 2009). A construção do conhecimento da Citologia é necessária para a compreensão de vários outros conteúdos biológicos. Dessa maneira Mersan, (2015) destaca que o estudo da Citologia perpassa não apenas as áreas clássicas da biologia, como ecologia, microbiologia, zoologia e botânica, mas também abre espaço para a discussão de questões contemporâneas, como as implicações da manipulação genética.

2. JUSTIFICATIVA O trabalho com sequência didática permite ao professor diagnosticar as principais dificuldades dos alunos e gradativamente essas dificuldades são esclarecidas e o estudo muito mais prazeroso, onde auxilia na organização do professor em sala de aula, tornando o ensino mais significativo para o aluno. Quando a escola executa seu papel transformador e busca proporcionar aos alunos uma

aprendizagem

dinâmica

com

significado,

o

processo

ensino-aprendizagem

desenvolvido na escola e o aluno se assume como integrante de uma sociedade capaz de assumir responsabilidades sobre qualquer assunto em seu cotidiano. Nos últimos anos observou-se uma crescente dificuldade na assimilação dos conteúdos sobre citologia pelos alunos das primeiras séries do Ensino Médio. Esse fato chamou a atenção, pois, a aprendizagem de citologia é de fato importante para a aprendizagem dos demais conteúdos da disciplina de Biologia. Com base na problemática, de dificuldade no entendimento do conteúdo relacionado à célula pelos alunos, foi proposto a elaboração de uma sequência didática de construção de modelos de células para alunos das primeiras séries da Escola Estadual de Ensino Médio Waldemar Lindermayer, pois esta, complementa as ilustrações dos livros didáticos, possibilitam a visualização por vários ângulos das estruturas como também habilidades artísticas pelos estudantes. Esta sequência tem como objetivo comparar o interior de uma célula viva a um micromundo complexo e funcionante, que pode ser incorporado às nossas visões do cotidiano através de modelos celulares representativos,

28


3. OBJETIVO GERAL Comparar o interior de uma célula viva a um micromundo complexo e funcionante, que pode ser incorporado às visões do cotidiano através de modelos celulares representativos. 3.1. OBJETIVOS ESPECÍFICOS ✓

Compreender a célula como uma entidade tridimensional no interior da qual há

diferentes organelas, que funcionam integradamente no metabolismo celular. ✓

Associar corretamente a estrutura e a função principal dos componentes celulares.

Relacionar as principais diferenças estruturais entre células procarióticas e

eucarióticas, identificando os grupos de seres vivos em que cada tipo ocorre.

4. CONTEÚDOS, COMPETÊNCIAS E HABILIDADES No tocante ao ensino em Biologia ao que diz respeito à citologia, são indicadas pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC) as competências e habilidades descritas no quadro 01. Quadro 01. Conteúdos competências e habilidades em Biologia

• • •

CONTEÚDOS

COMPETÊNCIAS

CITOLOGIA:

Reconhecer e utilizar • Identificar a organização básica da célula,

As organelas

adequadamente,

celulares

forma escrita e oral, impressas e digitais, instrumentos ópticos;

As funções das

símbolos, códigos e Reconhecer

organelas

nomenclatura

Respiração

linguagem científica

celular

HABILIDADES

na organelas e funções, por meio de gravuras

seu

papel

como

unidade

da estrutural e funcional dos seres vivos unicelulares e pluricelulares; •

Identificar,

reconhecer

em

modelos

bidimensionais e tridimensionais, bem como em ilustrações físicas e/ou digitais, que a célula,

órgãos

e

sistemas

diferentes seres vivos e

compõem

concluir que

integram um complexo arranjos de sistemas com diferentes níveis de organização.

29


5. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS A sequência didática foi desenvolvida pela Professora de Biologia no mês de março e abril de 2018 e aplicada nas quatro turmas da primeira série do período matutino (M1MR01, M1MR02, M1MR03 e M1MR04), abrangendo um total de 136 alunos da Escola Estadual de Ensino Médio Waldemar Lindermayer no Município de Novo Progresso-PA. As turmas escolhidas foram da primeira série por serem turmas na qual o conteúdo de citologia é trabalhado. A montagem dos gráficos, bem como suas leituras foram obtidos através da professora de matemática da escola, que contribuiu com informações para os alunos em estudo e para com o desenvolvimento da sequência didática principalmente na análise dos gráficos. Aplicou-se inicialmente um questionário de diagnóstico (Questionário inicial) (Anexo A), antes da aplicação das atividades com os alunos e outro questionário (Questionário final) (Anexo A), com os mesmos questionamentos afirmativos após o desenvolvimento das atividades. O instrumento foi constituído por seis questões afirmativas, nas quais os estudantes assinalaram “concordo”, “discordo” ou “indeciso”. A elaboração do questionário diagnóstico baseou-se nos trabalhos de Oliveira e Bizzo (2011) e Reis et al. (2017), com adaptações as temáticas células, componentes celulares. Mediante as respostas dos questionários analisou-se comparando os resultados das respostas, antes da realização da sequência didática através do questionário de diagnóstico e depois da realização da sequência didática através do questionário final. Os procedimentos metodológicos foram realizados em um total de oito horas aulas e foram divididos em cinco momentos. 5.1. PRIMEIRO MOMENTO Aplicou-se um questionário de diagnóstico, às turmas nas quais foi desenvolvida a sequência didática (Anexo A). Através do questionário de diagnóstico, levantou-se as concepções prévias dos alunos envolvidos sobre citologia. 5.2. SEGUNDO MOMENTO Realizou-se aulas expositivas e dialogadas em cada uma das turmas, envolvendo conceitos relacionados aos tipos celulares, componentes celulares e núcleo celular, suas funções, respiração celular, células anucleadas e polinucleadas e conceitos relacionados ao ciclo celular.

30


Para a realização das aulas expositivas e dialogadas com as turmas utilizou-se de slides projetados em Datashow, na perspectiva de tornar a aula mais atraente aos estudantes e para evidenciar ilustrações características das temáticas, visando tornar a aprendizagem dos conceitos menos abstrata possível. Ao longo das aulas expositivas e dialogadas, foram passados alguns esquemas e anotações no quadro. Foram também pedidos aos alunos que para a próxima aula, deveriam trazer de casa materiais necessários para montagem das células que seria em grupo como (folha e bolas de isopor, sementes diversas, conchas, massa modelar, gel, areia colorida, E.V.A entre outros), materiais para montagem dos modelos celulares. 5.3. TERCEIRO MOMENTO Fez-se uma breve revisão sobre as temáticas trabalhadas nas aulas anteriores, de forma expositiva. Na sequência, os alunos de cada turma foram orientados a formarem cinco grupos na sala para a produção dos modelos didáticos celulares. Cada grupo se organizou e construíram sua célula eucarionte animal ou vegetal, sobre a orientação do professor. Foram disponibilizados aos alunos os recursos necessários para confecção do modelo celular. Ao final da terceira aula, os estudantes foram orientados a finalizarem a produção dos modelos celulares e se prepararem para a socialização na aula seguinte.

5.4. QUARTO MOMENTO Cada grupo de cada turma apresentou seu modelo celular, citando todos os componentes com respectivas funções e relações como apresentado na Foto-1 e 2 (Anexo B). Após as apresentações das células, fez-se uma breve revisão dos assuntos das aulas passadas até a contextualização com a temática dos modelos celulares. Ao longo de cada apresentação, os grupos foram avaliados pelo professor, que fez registros no caderno, bem como intervenções pertinentes nos assuntos trabalhados.

5.5. QUINTO MOMENTO Foi aplicado para turmas envolvidas na sequência didática, o mesmo questionário inicial. A aplicação do questionário final pós-intervenção serviu para verificar os avanços nos conhecimentos dos alunos com a realização das atividades pedagógicas desenvolvidas, além das lacunas que ainda persistem no entendimento dos alunos em relação às temáticas trabalhadas, permitindo algumas intervenções e feedbacks nas aulas posteriores. 31


6. AVALIAÇÃO Nesta sequência didática houve a utilização de três modalidades avaliativas a saber: diagnóstica, formativa e somativa. O interesse dos alunos observado durante a aplicação da sequência didática foi importante para avaliação. Uma das formas de avaliação proposta envolveu a modalidade diagnóstica, na qual. realiza-se à investigação dos conhecimentos prévios dos alunos sobre o assunto “Citologia” através do questionário. Uma outa avaliação para a temática envolveu a modalidade formativa, pois, ao longo do processo de ensino-aprendizagem das estruturas celulares, a leitura de textos e participação dos alunos foram constantemente avaliados. Por último, os estudantes foram avaliados pela modalidade somativa, ao fato de que fizeram uma apresentação oral e foram avaliados. Os resultados analisados pelos processos avaliativos foram satisfatórios, uma vez que através destas pode-se fazer uma análise dos conhecimentos adquiridos pelos alunos.

7. RESULTADOS E DISCUSSÕES Percebeu-se que durante o desenvolvimento das atividades propostas houve vários discussões em grupo por discordarem nas atribuições dos nomes e posições das organelas e que teve grupos que se destacaram tanto na compreensão do que foi proposto como na criatividade em representar seu tipo celular. O uso de material didático diferente foi importante para a compreensão de todo contexto celular pelos alunos. A aplicação da atividade de modelo de célula confeccionado pelos própios alunos da Escola Estadual de Ensino Médio Waldemar Lindermayer teve boa aceitação, percebeu-se o grande entusiasmo e motivação dos mesmos, por se constituir em aulas lúdicas e de criatividades e ainda pela demosntração da aprendizagem por parte das avaliações propostas como mostra os resultados obtidos a partir dos gráficos baseados nos questionários das afirmativas antes da realização da atividades propostas e após as atividades. O uso de modelos celulares fez uma diferença na aprendizagem dos alunos. Dos 136 alunos que responderam os dois questionários, na primeira afirmativa que todos os seres vivos possuem células, 50 alunos concordaram com a afirmativa, verificando assim que uma grande parcela já tinha a noção da presença de células nos seres vivos, enquanto que 60 alunos ficaram indecisos e 26 destes, discordaram. Já no segundo questionário após as 32


atividades realizadas, 123 alunos dos 136 concordaram com a afirmativa, 2 ficaram indecisos e apenas 2 discordaram (Gráfico 1).

Gráfico-1: Distribuição das respostas dos estudantes para a afirmativa “Todos os seres vivos possuem células” antes e depois das atividades

Em relação à afirmativa há células que apresentam mais de um núcleo, 20 alunos concordaram, 38 discordaram e 78 alunos ficaram indecisos no primeiro questionário, enquanto no segundo questionário 132 alunos já tinham a certeza que há células com mais de um núcleo, ficando apenas dois alunos indecisos e 2 que discordaram nessa afirmativa (Gráfico 2).

Gráfico 2: Distribuição das respostas dos estudantes para a afirmativa questão “ Há células que apresentam mais de um núcleo” antes e depois das atividades A respeito das respostas da afirmativa Célula eucariótica não possuem membrana nuclear (carioteca) e procariótica possuem membrana nuclear, 30 dos alunos concordaram com esta afirmativa, 8 discordaram e 98 mostraram-se indecisos no questionário inicial e já 33


no questionário final, após a aplicação do modelo celular, 8 alunos concordaram, 122 discordaram com a afirmativa e apenas 6 ficaram indecisos. demonstrando a aprendizagem com os modelos celulares (Gráfico-3)

Gráfico-3: Distribuição das respostas dos estudantes para a afirmativa “Célula eucariótica não possuem membrana nuclear (carioteca) e procarionte possuem” antes e depois das atividades Na resposta a afirmativa a célula procariótica está presente nas bactérias, 21 dos alunos concordaram, 30 discordaram e 85 ficaram indecisos no questionário inicial. Após as atividades, 106 alunos concordaram, 18 discordaram e apenas 2 ficaram indecisos (Gráfico4).

Gráfico-4: Distribuição das respostas dos estudantes para a afirmativa “A célula procariótica está presente nas bactérias” antes e após as atividades Dentro da perspectiva da aprendizagem significativa lançou-se a afirmativa, a função dos ribossomos é produzir proteínas. De acordo com as respostas dos alunos no 34


questionário inicial 20 alunos concordaram, 38 discordaram e 78 deles ficaram indecisos. No questionário final foram 128 alunos que concordaram com a afirmativa, enquanto que 2 discordaram e 6 ficaram indecisos (Gráfico-5).

Gráfico-5: Distribuição das respostas dos estudantes para a afirmativa “A função dos ribossomos é de produzir proteínas ” antes e após as atividades Na resposta ao questionário inicial, 10 alunos concordaram, 8 discordaram e 118 alunos dos 136, ficaram indecisos sobre a afirmativa, a célula vegetal possui cloroplasto e a célula animal não possui. No questionário final, 115 alunos concordaram, 7 discordaram e apenas 14 ficaram indecisos para a mesma afirmativa (Gráfico-6).

Gráfico-6: Distribuição das respostas dos estudantes para a afirmativa questão “A célula vegetal possui cloroplasto e a célula animal não possui” antes e depois das atividades

35


7.1 CONCLUSÕES Dessa forma, verifica-se que em todas as respostas houve uma aprendizagem significativa por parte dos alunos em desenvolver modelos didáticos celulares. Sendo assim fica evidente a importância do modelo didático no ensino, pois os alunos puderam compreender as estruturas que pertencem a cada célula. De acordo com Júnior (2010), Os recursos didáticos envolvem uma diversidade de elementos como suporte experimental na organização do processo de ensino e de aprendizagem.

Baseando-se nas análises dos questionários antes e depois da realização da sequência didática, encontrou-se resultados positivos tendo em vista o alcance dos objetivos que guiaram a construção da mesma. Verificou-se que houve uma evolução conceitual da compreensão do que são células; onde praticamente a quase totalidade dos alunos tiveram o reconhecimento da sua presença nos seres vivos, não apenas em humanos; reconhecimento que os vírus não possuem células. A maioria reconheceu que as células animais e vegetais possuem diferenças bem como que a membrana nuclear é uma membrana somente nos seres eucariontes. Apesar de algumas limitações, pois não houve respostas 100% do esperado, avaliouse positivamente as contribuições dos alunos após a sequência didática. Observando que os modelos celulares montados pelos próprios alunos lhes possibilitaram uma aprendizagem significativa. A real expectativa é que outros professores e licenciados apliquem a sequência proposta, em um contexto de trabalho colaborativo, tecendo críticas e sugestões, de modo a aprimorar a sequência e contribuir para a diminuição da lacuna pesquisa-prática no ensino de Biologia. Dessa forma uma sequência didática participativa de produção de modelos didáticos de células pelos próprios alunos se caracteriza por uma ação prazerosa e ainda muito viável para a construção de uma aprendizagem significativa no tocante a área da citologia.

8. REFERÊNCIAS.

BRASIL/Ministério da Educação (MEC). Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Brasília: Ministério da Educação, 1999.

36


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v.

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Acesso

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37


9- ANEXOS ANEXO A – Modelo questionário diagnóstico aplicado nas turmas. AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA DE BIOLOGIA E PÓS INTERVENÇÃO PEDAGÓGICACONHECIMENTOS SOBRE CÉLULA E SEUS COMPONENTES (A CÉLULA COMO MODELO) Analise as afirmativas abaixo e assinale concordo, discordo ou indeciso. 1) Todos os seres vivos possuem células. (

) Concordo

(

) Discordo

( ) Indeciso

2) Há células que apresentam mais de um núcleo. (

) Concordo

(

) Discordo

( ) Indeciso

3) Células eucariótica não possuem membrana nuclear (carioteca) e procariótica possuem membrana nuclear. (

) Concordo

(

) Discordo

( ) Indeciso

4) A célula procariótica está presente nas bactérias. (

) Concordo

(

) Discordo

( ) Indeciso

5) A função dos ribossomos é de produzir proteínas. (

) Concordo

(

) Discordo

( ) Indeciso

6) A célula Vegetal possui cloroplasto e a célula animal não possui. (

) Concordo

(

) Discordo

( ) Indeciso

ANEXO B- Fotos dos alunos e professora durante apresentação e exposição dos modelos celulares

Fotografia-1: Apresentação do Modelo Didático apresentado pelos alunos

Fonte: Elisene G. Rocha(2018) Fotografia-2: Apresentação do Modelo Didático apresentado pelos alunos

Fonte: Elisene G. Rocha(2018) 38


SURDOS E OUVINTES: UMA EXPERIÊNCIA INCLUSIVA A PARTIR DAS REDES SOCIAIS NA ESCOLA LUIZ NUNES DIREITO Ernesto Padovani Netto 14

Resumo: Este artigo pretende destacar as experiências vividas por alunos Surdos no interior da chamada escola inclusiva, especificamente na escola Luiz Nunes Direito, unidade regular considerada de referência na inclusão de alunos da chamada educação especial no bairro do Coqueiro, na cidade de Ananindeua-Pará. Desta forma propomos uma ampla leitura das questões que envolvem a aprendizagem dos sujeitos Surdos, assim como a percepção dos alunos ouvintes que convivem dentro deste contexto. Assim foi possível fazermos uma diagnose sobre as vivências dos alunos nas aulas de História, o que nos proporcionou a possibilidade de apontar estratégias metodológicas no sentido de potencializar a aprendizagem dos alunos Surdos em relação à disciplina História. O projeto foi trabalhado também a partir da concepção de espaços não formais de ensino, uma vez que construímos um canal no YouTube e uma página no Facebook intitulada História em Libras, onde disponibilizamos videoaulas de História em Língua de Sinais, desta forma todos os alunos tiveram oportunidade de socializarem suas experiências diante de uma aula em Libras, pelas redes sociais, assim como posteriormente em um encontro presencial no auditório da escola. Palavras-chave: Ensino de História. Inclusão. Libras YouTube. Facebook. O Brasil tem experienciado um acirrado debate sobre a inclusão de pessoas com deficiência na rede regular de ensino, o que possibilita o convívio de estudantes ouvintes com estudantes surdos. Podemos verificar isto a partir de uma série de leis aprovadas a partir da Constituição Federal de 1988 que dissertam sobre esta realidade, a qual é defendida como uma forma de retirar as pessoas surdas de um certo isolamento muito comum em décadas passadas e trazê-las a convivência, construindo e concretizando assim o aprendizado junto às pessoas ouvintes. Consequentemente, os alunos surdos devem dar conta do currículo comum a todos os estudantes, dentro do conjunto das disciplinas, tais como: História, Biologia, Português, etc. No entanto, é possível observarmos uma série de desafios para garantir a permanência destes estudantes no ambiente escolar, dentre os quais destacamos o 14

Docente da Secretaria Executiva de Estado de Educação (Seduc), lotado na Unidade Especializada Prof.º Astério de Campos. É Mestre pelo Programa de Mestrado Profissional em Ensino de História (PROFHISTÓRIA - 2018), polo da UFPA, - Campus Ananindeua. Atualmente é doutorando em História Social da Amazônia pelo PPHIST – UFPA. ntpadovani@gmail.com

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reconhecimento deles enquanto um grupo que possui suas idiossincrasias, e dentre as quais, uma língua própria, a saber: a Língua Brasileira de Sinais (Libras). A Libras é a primeira língua da comunidade surda no Brasil, sua utilização no ambiente escolar é importante para que seja estabelecida uma relação de alteridade, onde ocorram trocas e valorização dos diferentes saberes presentes na escola, e em especial nas aulas de História, a qual se caracteriza por ser uma disciplina que interpreta as ações dos homens a partir das mais diferentes narrativas no tempo histórico, assim, trata-se de uma área do saber de fundamental importância para construção de identidades, e também para a compreensão das relações entre os diferentes grupos que interagem na sociedade, e consequentemente, na comunidade escolar. Desta forma é importante superar a questão da surdez apenas como deficiência que deve ser tratada do ponto de vista médico, no sentido de buscar igualar grupos desiguais, o que se coloca agora é a ampliação dessa discussão para a questão das identidades, das culturas, das etnias, dos gêneros, das políticas. Se os surdos têm que ser “incluídos” em algum lugar, devem sê-lo no lugar e no espaço dos debates (SÁ, 2010, p. 25). Ao que concerne especificamente às aulas de História, observamos que a disciplina tem sido caracterizada pelo uso quase que exclusivo da oralidade, algo confirmado pela historiadora Ana Maria Monteiro, a qual indica que em suas pesquisas foi possível verificar que a aula ‘magistral’, a ‘exposição oral’, tem sido a forma predominante, e mais comum, utilizada por professores de História, que dificilmente dela conseguem escapar (MONTEIRO, 2007, p. 15). Isto inviabiliza a compreensão dos educandos surdos, sobretudo quando da inexistência de intérpretes de Língua de Sinais. Constatamos tais situações no espaço que se constituiu como lócus deste projeto, a saber, Escola Estadual Luiz Nunes Direito (LND), a qual foi fundada em 1980 no bairro do Coqueiro, no conjunto habitacional Cidade Nova IV, na cidade de Ananindeua-Pará, município pertencente a região metropolitana de Belém, pelo então governador Tenente Coronel Alacid da Silva Nunes. Ao longo dos anos esta instituição passou a absorver a maior parte dos educandos com deficiências da região, sendo muito comum ouvirmos de membros da comunidade escolar que trata-se de uma “escola de referência” em inclusão, sobre tudo em relação à alunos com surdez, tendo 19 surdos matriculados em 2015, 20 em 2016 e 28 no ano letivo de 2017.15 Sendo que a pesquisa teve como foco o turno da manhã, pois este concentrou 27 dos 28 surdos matriculados em 2017.16

15

Dados obtidos na secretaria da escola. No início do ano letivo de 2017 eram 27 surdos matriculados no turno da manhã, porém no final do primeiro semestre um aluno pediu transferência para outra escola, totalizando 26 alunos surdos. 16

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Visando uma educação bilíngue que oriente a produção de estratégias didáticas que deem conta das necessidades específicas dos educandos surdos, propomos a produção de vídeos com narrativas em Língua de Sinais, fazendo uso de um conjunto de imagens que dialogam com o tema proposto para a aula, justifica-se assim esta proposta pela Libras ser a língua materna do surdo, pela acessibilidade visual que melhor os contempla, e pela possibilidade de reflexão em um momento de culminância do projeto, quando surdos e ouvintes interagiram socializando suas impressões sobre as aulas tradicionalmente ministradas através da oralidade e da aula apresentada a partir do vídeo. Sendo que a videoaula possui legenda em Língua Portuguesa, o que busca dar conta de uma produção bilíngue. A opção de disponibilizarmos os vídeos produzidos nas redes sociais (YouTube – Canal História em Libras -, Facebook – Página História em Libras e Whatsapp), objetiva democratizar o máximo possível o acesso ao material produzido. Nosso objetivo central é propor uma intervenção pedagógica no campo do ensino de História, para desenvolver metodologias acessíveis de acordo com as necessidades educacionais dos alunos surdos e ainda proporcionar um amplo debate acerca das experiências que surdos e ouvintes vivenciavam dentro de uma escola considerada inclusiva. Neste sentido para Ana Maria Mauad e Fernando Dumas os historiadores necessitam incorporar novas possibilidades em seus ofícios, como podemos observar no seguinte trecho: O desafio que se coloca à oficina da história na incorporação de fontes orais e visuais é o de, justamente, abrir espaço para incorporar a visualidade, a oralidade e a sonoridade como substancias expressivas importantes para se compreender o passado. Nesse sentido, as estratégias de elaboração dessa nova modalidade de escrita da história se propõem a criação de uma linguagem audiovisual que incorpore os principais elementos definidores da historiografia acadêmica (Mauad & Dumas, 2011, p. 86).

Desta forma, partimos para “ouvir” os alunos surdos, sendo que todos os entrevistados serão identificados por nomes fictícios. Utilizamos a metodologia das narrativas sinalizadas, onde eu fiz as perguntas em Libras e os estudantes responderam também em Libras, sendo tudo filmado para posterior transcrição. Assim os alunos

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expressaram como se sentiam nas aulas de História. Observemos o relato da aluna Ana 17, do segundo ano do Ensino Médio: “Estudar na sala regular é complicado, os professores falam e eu não entendo, eu fico olhando os professores explicarem, mas não entendo, eu olho, mas é difícil, porque no Luiz Nunes tem surdos e tem ouvintes, os ouvintes sabem, mas eu não ouço nada. Eu estudo, tento ler, mas não entendo, eu pergunto, como explicar para o surdo? Mas os professores não sabem”.

A aluna Clara, concluinte do Ensino Médio em 2016 e aprovada no mesmo ano para o curso de Letras Libras da Universidade do Estado do Pará (UEPA), ao responder a mesma pergunta, destaca: “Minhas amigas ouvintes me ajudavam muito, me mostravam as páginas dos livros que tinham exercícios para fazer, havia uma troca entre a gente”. Se a resposta de Ana nos dá a dimensão da angústia sentida pela aluna em não compreender a aula, a respostas de Clara demonstra um aspecto fundamental da inclusão, que é o estabelecimento de relações entre pessoas diferentes, no caso entre surdos e ouvintes. Neste sentido, a produção de videoaulas em Libras mostrou-se uma alternativa viável para contemplar a compreensão dos surdos acerca dos conteúdos, assim como acabou por abrir um espaço de reflexão entre os ouvintes em relação ao cotidiano dos surdos nas aulas, principalmente pelo fato a disponibilizarmos inicialmente sem legenda, justamente para captarmos as impressões dos alunos ouvintes quando expostos a um conteúdo ministrado em uma língua desconhecida para eles. A primeira videoaula foi publicada nas redes sociais no dia 22 de abril de 2018, tanto no Facebook, no YouTube como no Whatsapp18. Além dos espaços criados para hospedarem o vídeo, fizemos uso de nossa conta pessoal no Facebook para divulgar a produção realizada e foi criado um link onde disponibilizamos o áudio da aula para possibilitarmos o acesso de deficientes visuais ao conteúdo postado no YouTube 19. Até a data de 28 de fevereiro de 2019, o vídeo já havia sido visualizado por mil setecentos e oitenta e uma pessoas no YouTube e por duas mil cento e quatro pessoas no Facebook. Demonstraremos a partir de agora a repercussão que a videoaula obteve através de outros espaços na internet, como sites e instituições que promoveram a divulgação de nosso

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Entrevista realizada em julho de 2017, na época a escola não possuía intérpretes de Libras, atualmente o Luiz Nunes conta com duas profissionais intérpretes. 18 https://www.youtube.com/watch?v=hblql8829Ec&t=73s. (Videoaula no Canal História em Libras no You Tube) e https://www.facebook.com/HistoriaEmLibras/videos/2090277114548182/. (Videoaula na página História em Libras no Facebook). 19 Disponível em: https://soundcloud.com/ederfm/historia-em-libras-aula-movimentos-sociais.

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trabalho, em seguida iremos pontuar alguns comentários de internautas para avaliarmos a recepção do vídeo. No dia 24 de abril de 2018 o site “Mídia Ninja”, o qual é seguido por cerca de um milhão e setecentos mil internautas em sua página no Facebook, fez uma matéria sobre o canal História em Libras, destacando o tema apresentado e a possibilidade de maior inclusão política para a população brasileira, disponibilizando-a em seu site e sua conta no Facebook20.

Fig. 01: Matéria da página Mídia Ninja Em 30 de abril de 2018 a SEDUC publicou em seu site uma matéria produzida a partir de uma entrevista proposta pela assessoria de comunicação do órgão, na qual prestamos esclarecimentos sobre o canal História em Libras. Foi dado destaque ao fato do projeto ter surgido a partir do curso no Programa de Pós-Graduação: Idealizado pelo professor Ernesto Padovani Netto, o projeto foi criado a partir da sua dissertação de mestrado. Intitulada “Ensino para diferentes sujeitos: o acesso de alunos surdos às aulas de História”, o programa de ensino sugere a produção de um recurso pedagógico.21 Matéria no site: http://midianinja.org/news/professor-da-aulas-sobre-movimentos-sociais-e-luta-emlinguagem-de-sinais/. E matéria no Facebook: https://www.facebook.com/MidiaNINJA/posts/1135373139954163. Acesso em 06 de maio de 2018. 21 Disponível em: http://www.seduc.pa.gov.br/site/seduc/modal?ptg=8507. Acesso em 30 abril de. 2018. 20

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No dia 01 de maio de 2018 a mesma matéria produzida pela SEDUC, foi divulgada no site “Agência Pará”.22 No dia 01 de maio de 2018, a SEDUC também publicou uma chamada sobre o canal História em Libras na conta que a secretaria possui no Facebook, disponibilizando o link para acessar a matéria anteriormente citada hospedada no site “Agência Pará”.

Fig. 02: Imagem postada pela SEDUC em sua conta no Facebook.23 Outro espaço que obtivemos para divulgação do canal História em Libras foi a Rádio Web da Universidade Federal do Pará, a qual nos convidou para compor uma mesa de debate sobre a educação de surdos no programa “UFPA Ensino”. O programa foi gravado no dia 02 de maio de 2018 e foi veiculado pela rádio no dia 16 de maio do mesmo ano24. Esta repercussão, sobretudo nas mídias digitais, possibilitou a manifestação de várias pessoas, surdos e ouvintes, as quais escreveram comentários acerca de suas impressões sobre a videoaula produzida, iremos destacar aqui alguns comentários postados no YouTube e no Facebook25, destaco aqui a fala do professor Marco Antônio Soares, vejamos: Trabalho fantástico. Nunca tinha conseguido entender os que os meus alunos surdos sentem nas minhas aulas. Até agora!! Achei o trabalho muito interessante mesmo. Recordei a primeira vez que entre em uma sala com alunos surdos. Duas moças que Disponível em: http://www.agenciapara.com.br/Noticia/166685/projeto-de-educacao-inclusiva-viabilizaaulas-de-historia-via-internet. Acesso em 01 de maio 2018. 23 Disponível em: https://www.facebook.com/SeducPara/photos/fpp.1410048495873567/2107344789 477264 /? type=3&theater. Acesso em 01 mai. 2018. 24 Programa disponível em: http://radio.ufpa.br/index.php/ufpa-ensino/metodologias-de-ensino-para-alunossurdos/. Acesso em 16 de maio de 2018. 25 Recebemos inúmeras manifestações pelo WhatsApp, mas optamos por citar os comentários publicados em redes sociais abertas, como o YouTube e o Facebook, uma vez que podemos citar os endereços eletrônicos de onde os comentários foram extraídos. 22

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em um dado momento da aula (quando eu estava mais empolgado) deram as costas para mim e começaram a conversar entre si. Lembro que na hora eu fiquei um pouco irritado. Depois, conversando com a professora da educação especial ela disse: " mas é claro, se elas não estão entendendo nada da aula a tendência é ignorar". Aquilo me marcou. Hoje, mesmo não entendendo patavinas de libras, faço tudo ao meu alcance para dar o máximo de suporte para os meus alunos surdos. Mesmo assim, as vezes ainda é angustiante para mim. 26

Muitos surdos também se posicionaram sobre a videoaula, observemos alguns comentários27: Micaela Mello comentou em 24 de abril de 2018 no Facebook: Caramba... desculpa por falar. Gostei disso!!! Parabéns, professor muito sucesso!!! Continue assim, saber por que os surdos precisar saber o que aconteceu na história... agora você sabe Libras como você é intérprete, aproveitar para mostrar história em libras. Mais uma vez, meus parabéns! Fiquei admirada. Vou compartilhar! 28

Ryan Henrique escreveu em 24 de abril de 2018: “Muito boa ideias, netto Padovani!”.29 Javan Moraes comentou em 24 de abril de 2018: “Parabéns excelente professor, tive a honra de ser seu aluno no Asterio de Campos excelente professor!!! Isso sim é inclusão”.30 Chaully Garcia escreveu “Parabáns excelente professor, que os saudos netto Netto Padovani”.31 De maneira geral os comentários dos surdos acerca do Canal História em Libras e da videoaula disponibilizada foram elogiosos, e alguns demonstram reflexão em torno da necessidade de acessibilidade das pessoas surdas às informações. Micaela Mello destaca que os surdos precisam saber o que aconteceu na História, provavelmente foi a maneira que ele encontrou para expressar que os surdos precisam ter acesso aos conhecimentos históricos. Javan Moraes dá ênfase para o caráter inclusivo do projeto, que por fim, se aproxima da mesma ideia de proporcionar acesso aos saberes escolares para as pessoas surdas.

Disponível em: https://www.facebook.com/netto.padovani /posts/1565412596891210. Acesso em 08 de maio de 2018. 27 Optamos por manter a escrita dos surdos tal qual eles a produziram nos comentários. 28 Disponível em: https://www.facebook.com/netto.padovani/posts/1562585517173918. Acesso em 08 de maio de 2018. 29 Disponível em: https://www.facebook.com/netto.padovani/posts/1562585517173918. Acesso em 08 de maio de 2018. 30 Disponível em: https://www.facebook.com/netto.padovani/posts/1562585517173918. Acesso em 08 de maio de 2018. 31 Disponível em: https://www.facebook.com/netto.padovani/posts/1562585517173918. Acesso em 08 de maio de 2018. 26

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A Aplicação da Videoaula na Escola Luiz Nunes Direito Para aplicar a videoaula propomos a atividade no auditório da escola, com os alunos do Ensino Médio onde houvessem surdos matriculados. No dia 14 de maio de 2018, em meio a um movimento grevista por parte dos professores da escola, vinte e quatro estudantes compareceram para participarem da atividade. Todos os alunos eram do Ensino Médio, haviam estudantes dos três anos deste nível de ensino, sendo dezessete ouvintes e sete surdos. A atividade ocorreu no turno da manhã no auditório da escola LND.

Fig. 03: Aplicação da videoaula na escola LND. A dinâmica adotada foi a de apesentarmos a videoaula duas vezes, a primeira sem legenda e em seguida com a legenda, após isto, abrimos para o debate, onde solicitamos que os alunos pontuassem a experiência que tiveram em relação à compreensão da aula, com e sem legenda, assim como estariam livres para tecer qualquer comentário acerca dos conteúdos trabalhados no vídeo. Os alunos, por iniciativa própria, se organizaram de uma forma em que os surdos ficaram todos juntos em um dos lados do auditório, e o restante do espaço foi ocupado pelos ouvintes. Acordamos com os alunos que uma câmera ficaria posicionada para os surdos, para que suas opiniões fossem registradas e posteriormente transcritas, enquanto que as participações dos ouvintes seriam registradas através do gravador de um aparelho de celular, também para posterior transcrição, a dinâmica seguiu este formato.

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Como sugerido, logo em seguida as duas visualizações da videoaula, os alunos começaram a solicitar a oportunidade de tecer considerações sobre o que havia sido apresentado32. Vejamos quatro comentários de alunos ouvintes: A estudante Luiza do segundo ano do Ensino Médio nos disse: Sobre o vídeo sem legenda, eu pensei sobre a desigualdade que os surdos estão vivendo diariamente nas escolas, assim como a gente não entendeu, só conseguimos perceber pontos referenciais, assim como na sala de aula acontece com os surdos. A gente só entendeu pela metade, e por que eles não podem entender por completo? Eu acho que tem uma certa desigualdade na sala de aula, assim como foi desigual aqui no primeiro vídeo, que só eles entenderam, a gente só estava pegando alguns pontos, assim acontece com eles aqui na escola. Eu acho muito bacana que os surdos tenham um movimento para reivindicar os seus direitos 33

O aluno Maurício do primeiro ano do Ensino Médio comentou: Quando eu vi o vídeo, tive a sensação de que eu não estava entendendo, e eu só conseguia me situar no assunto quando apareciam as imagens, então é como se a gente trocasse os papeis, como se eu fosse alguém que não entendesse. A gente sentiu na pele o que um surdo sente quando ele está vendo uma aula. 34

O aluno Rubens do terceiro ano do Ensino Médio nos disse: Em relação ao vídeo sem legenda, em alguns momentos a gente não prestava atenção no vídeo, parecia que ele era chato porque a gente não estava entendendo, é a mesma sensação que um surdo tem na sala de aula sem a inclusão da Libras, porque mesmo que o professor escreva no quadro, na hora da explicação ele não está entendendo nada do assunto, então eu achei bem interessante. Eu mesmo nunca havia visto ninguém, nenhum professor tomar a iniciativa de fazer um vídeo em Libras falando sobre a História. E sobre os movimentos sociais, muitas pessoas falam sobre os negros que sofrem muito preconceito, eu acho que tem que ocorrer mais inclusão social, negros, homossexuais, surdos e mulheres na sociedade, somos todos iguais, da mesma sociedade. 35

O estudante André do terceiro ano do Ensino Médio declarou:

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Para os alunos surdos e ouvintes que expuseram suas opiniões foram criados nomes fictícios para a identificação dos mesmos. 33 Depoimento coletado no dia 14 de maio de 2018 durante a aplicação da videoaula na escola LND. 34 Depoimento coletado no dia 14 de maio de 2018 durante a aplicação da videoaula na escola LND. 35 Depoimento coletado no dia 14 de maio de 2018 durante a aplicação da videoaula na escola LND.

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Quem é ouvinte não entendeu nada do vídeo sem legendas (...) somos acostumados com os falantes, não somos acostumados a falar com pessoas surdas ou gente com outras deficiências. Dá mesma forma que a gente tem inglês e espanhol, deveria ter a disciplina de Sinais, obrigatória. 36

Podemos observar que os quatro ouvintes que emitiram opinião, fizeram o exercício de se colocar no lugar dos surdos a partir da experiência de assistir ao vídeo sem legenda. Apareceram reflexões sobre o cotidiano dos surdos em sala de aula, sem entenderem o que os professores explicam devido à ausência de intérpretes, assim como os ouvintes não entenderam completamente a videoaula na primeira vez em que foi apresentada. Mauricio afirmou: “A gente sentiu na pele o que um surdo sente quando ele está vendo uma aula”. É comum professores reclamarem que os surdos não prestam atenção nas aulas e que ficam conversando entre eles, Rubens em seu comentário parece demonstrar o porquê esta situação costuma ocorrer, ele afirma: “(...) em alguns momentos a gente não prestava atenção no vídeo, parecia que ele era chato porque a gente não estava entendendo, é a mesma sensação que um surdo tem na sala de aula sem a inclusão da Libras”. Ao não compreender o que está sendo ensinado torna-se difícil para o aluno surdo manter a concentração na aula, e acaba sendo comum que fique disperso ou converse com outros surdos na sala de aula, Rubens parece ter se colocado neste lugar ao afirmar que não prestou atenção no vídeo sem legenda, por não estar entendendo. Luiza e André levantam uma questão muito importante para o debate, que é a questão do currículo. Aquela se preocupa com a formação dos professores, afirmando: “Eu tenho um amigo que está se formando em licenciatura em biologia e ele me disse que é a disciplina de Libras é muito curta, não dá para aprender tudo”, enquanto que este problematiza o fato da Libras não ser uma disciplina obrigatória na educação básica: “Dá mesma forma que a gente tem inglês e espanhol, deveria ter a disciplina de Sinais, obrigatória”. É importante enfocarmos também, que dois alunos (as) ouvintes conseguiram relacionar suas falas com a temática das lutas e movimentos sociais. Luiza falou em dado momento: “Eu acho muito bacana que os surdos tenham um movimento para reivindicar os seus direitos”. Rubens destacou a importância dos movimentos sociais para a inclusão de negros, homossexuais, surdos e mulheres, em uma clara alusão ao conteúdo trabalhado na videoaula. Dentre os surdos presentes, dois teceram comentários, vejamos: 36

Depoimento coletado no dia 14 de maio de 2018 durante a aplicação da videoaula na escola LND.

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Humberto, aluno do terceiro ano do Ensino Médio nos disse: Eu vi o vídeo, não tem fala, minha família não sabe Libras, eu desejo entender as coisas, mas eu fico com dúvidas, existe uma barreira na comunicação, eu quero saber, mas as vezes eu penso que não estou entendendo nada. Como surdo, eu preciso de ajuda, conteúdos em Libras para eu me desenvolver. Nós surdos temos inteligência, conseguimos aprender. 37

Rafael, estudante do segundo ano do Ensino Médio relatou: Primeiro o professor chega e explica, os ouvintes escutam, quando é a vez do surdo o professor não ensina. As vezes os professores nem sabem que têm alunos surdos na sala, já aconteceu comigo...eu fiquei sentado e o professor não sabia que eu era surdo, as vezes eu fico com vergonha, o professor chama a gente, mas não tem comunicação, aí eu não ligo, deixo o professor livre, mas sinto que existe preconceito com surdos. Fico pensando, como o surdo vai aprender? É verdade a aula no vídeo, os surdos precisam lutar, se não sempre vão pensar que os surdos não aprendem, que os surdos são burros. É preciso melhorar a relação entre surdos e ouvintes na escola, haver mais trocas, aprender Libras, escrever juntos, ter um conato verdadeiro.38

Os dois estudantes surdos demonstram bastante consciência da situação desfavorável em que estão inseridos no espaço escolar, afirmações como “nos surdos temos inteligência, conseguimos aprender” e “os surdos precisam lutar, se não sempre vão pensar que os surdos não aprendem, que os surdos são burros”, nos apresentam duas pessoas surdas se afirmando, compreendendo a condição de surdos, mas não aceitado que tal condição os diminua enquanto estudantes e principalmente enquanto seres humanos e cidadãos. Rafael ao afirmar que não tem comunicação com os professores e que sente que há preconceito em relação aos surdos, nos remete a Paulo Freire, quando este diz que aceitar e respeitar a diferença é uma virtude que só pode se dar a partir da escuta, se há discriminação em relação a pobres, negros, índios, mulheres, ricos, camponeses ou operários, logo não há como escutá-los (FREIRE, 2004, p. 120). O autor não destacou os surdos dentre os grupos sociais citados, mas sem dúvida, eles, assim como muitos outros grupos, estão representados neste texto.

37 38

Depoimento coletado no dia 14 de maio de 2018 durante a aplicação da videoaula na escola LND. Depoimento coletado no dia 14 de maio de 2018 durante a aplicação da videoaula na escola LND.

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Rafael toca ainda na questão da invisibilidade do sujeito surdo na escola, a ponto de ter vivido situações em que nem mesmo os professores ao ministrarem aulas em turmas em que era aluno, recebiam a informação ou mesmo percebiam que ele era uma pessoa surda, e por fim aponta para o que pode ser de fato o melhor caminho para a inclusão, ao dizer: “É preciso melhorar a relação entre surdos e ouvintes na escola, haver mais trocas, aprender Libras, escrever juntos, ter um contato verdadeiro”. Finalizamos a atividade dizendo aos alunos ouvintes que eles não precisavam se sentir as “piores pessoas do mundo”, se até aquele momento ainda não haviam se aproximado dos surdos nem aprendido Língua de Sinais, que a “fala” de Rafael era representativa, que a partir dali poderiam surdos e ouvintes buscarem uma relação verdadeira, baseada em trocas de experiências, e que para isso não era necessário os ouvintes se angustiarem em ter que aprender de imediato tudo sobre Libras, mas que poderiam aprender a dar “bom dia”, “oi”, “tudo bem?”, pequenos passos para construção de um melhor convívio entre todos os alunos.

Referências FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 30ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2004. MONTEIRO, A. M. F.C. Professores de História: entre saberes e práticas. Rio de Janeiro, Mauad, 2007. MAUAD, Ana Maria; DUMAS, Fernando. Fontes orais e visuais na pesquisa histórica: novos métodos e possibilidades narrativas. In: Introdução a História Pública. ALMEIDA, Juniele Rabêlo de; ROVAI, Marta Gouveia de Oliveira (org). São Paulo: Letra e voz, 2011. SÁ, Nídia Regina Limeira de. Cultura, poder e educação de surdos. 2º ed. São Paulo: Paulinas, 2010. Sítios na internet https://www.youtube.com/watch?v=hblql8829Ec&t=73s. https://www.facebook.com/HistoriaEmLibras/videos/2090277114548182/. https://soundcloud.com/ederfm/historia-em-libras-aula-movimentos-sociais.

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http://midianinja.org/news/professor-da-aulas-sobre-movimentos-sociais-e-luta

-em-

linguagem-de-sinais/. https://www.facebook.com/MidiaNINJA/posts/1135373139954163. Acesso em 06 mai. 2018. http://www.seduc.pa.gov.br/site/seduc/modal?ptg=8507. Acesso em 30 abril de. 2018. http://www.agenciapara.com.br/Noticia/166685/projeto-de-educacao-inclusiva-viabilizaaulas-de-historia-via-internet. Acesso em 01 de maio 2018. https://www.facebook.com/SeducPara/photos/fpp.1410048495873567/210734 4789477264 /? type=3&theater. Acesso em 01 maio 2018. http://radio.ufpa.br/index.php/ufpa-ensino/metodologias-de-ensino-para-alunos -surdos/. Acesso em 16 de maio de 2018. https://www.facebook.com/netto.padovani/posts/1565412596891210. Acesso em 08 de maio de 2018. https://www.facebook.com/netto.padovani/posts/1562585517173918. Acesso em 08 de maio de 2018. https://www.facebook.com/netto.padovani/posts/1562585517173918. Acesso em 08 de maio de 2018. https://www.facebook.com/netto.padovani/posts/1562585517173918. Acesso em 08 de maio de 2018. https://www.facebook.com/netto.padovani/posts/1562585517173918. Acesso em 08 de maio de 2018.

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NOSSA HISTÓRIA DAS MULHERES: REPRESENTAÇÕES DO FEMININO NO CINEMA E NA SALA DE AULA Helison Geraldo Ferreira Cavalcante 39

RESUMO: Durante o primeiro bimestre letivo do ano de 2018, desenvolvemos, no Centro Socioeducativo Feminino (CESEF), uma instituição que, vinculada à Fundação de Atendimento Socioeducativo do Estado do Pará (FASEPA), se dedica ao atendimento de adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas, uma experiência de ensino que consistiu na produção de um livro de caráter paradidático, intitulado Nossa História das mulheres: representações do feminino no cinema e na sala de aula. Nosso livro trata da história da luta das mulheres pela igualdade de oportunidades, assunto pertinente e apropriado ao público em questão. Foi produzido a partir da parceria entre o professor de história da instituição e as adolescentes internadas. O professor entregava às alunas um texto base, de sua autoria, às alunas, o discutia com elas, apresentava filmes sobre as temáticas trabalhadas e propunha questões sobre toda a sequência didática. A partir das respostas das discentes, enriquecia o texto original. Desse modo, o livro paradidático consiste em uma obra, de produção coletiva, que colaborou com a reinserção social de 21 adolescentes, que se perceberam enquanto produtoras de conhecimento e sujeitos de direitos. O livro em questão está disponível no endereço eletrônico nossahistoriadasmulheres.com. Palavras-chave: Medidas socioeducativas. História das mulheres. Produção Escrita. Ensino de História.

Justificativa: A Escola Estadual Antônio Carlos Gomes da Costa se localiza no município de Ananindeua, na zona metropolitana de Belém, no Estado do Pará, e atende a um público muito específico, composto por adolescentes que se encontram em privação de liberdade, no cumprimento de medidas socioeductivas, e que são atendidos na modalidade Educação de Jovens e Adultos. Podemos definir medidas socioeducativas como sendo medidas aplicáveis a adolescentes autores de atos infracionais, que estão previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e que representam uma resposta à prática de um delito, mas que vão além disso, pois possuem, necessariamente, um caráter de predomínio educativo e não apenas punitivo em sua execução. As medidas socioeducativas são aplicadas a pessoas na

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Professor da Escola Antônio Carlos Gomes da Costa (SEDUC-PA), possui mestrado em Ensino de História pela Universidade Federal do Pará (2019). E-mail para contato helison_his@yahoo.com.br.

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faixa etária entre os 12 e os 18 anos, podendo-se, excepcionalmente, estender a sua aplicação a jovens com até 21 anos incompletos. Nossa escola, que atende a este público, funciona em um espaço cedido pela FASEPA (Fundação de Atendimento Socioeducativo do Pará), na Unidade de Atendimento Socioeducativo de Ananindeua. Nossos alunos são atendidos em oito anexos, cada um deles possuindo uma especificidade própria. São eles: Centro Juvenil Masculino – CJM (unidade de atendimento socioeducativo de internação, que atende adolescentes do sexo masculino, sentenciados, com capacidade para 33 adolescentes, que devem ter entre 12 e 15 anos), Centro Socioeducativo Masculino – CSEM (unidade de internação, que atende adolescentes e jovens masculinos, sentenciados, com capacidade para 40 adolescentes, entre 16 e 17 anos), Unidade de Atendimento Socioeducativo de Benevides (se dedica à internação e atende adolescentes e jovens masculinos, sentenciados, com capacidade para 80 adolescentes, entre os 16 e os 17 anos), Centro de Internação Jovem Adulto Masculino – CIJAM (unidade de internação que atende adolescentes e jovens masculinos, sentenciados, com capacidade para 60 socioeducandos, que devem ter entre 18 e 20 anos), Centro de Internação Provisória Masculino – CIAM (unidade de internação provisória, com capacidade para 60 socioeducandos, com idade entre 12 e 18 anos), Unidade de Atendimento Socioeducativo de Ananindeua (trabalha com a internação, e atende adolescentes e jovens masculinos, sentenciados, com capacidade para 40 socioeducandos, de 16 a 17 anos), Centro Feminino de Internação Provisória – CEFIP (unidade de internação provisória, que atende adolescentes e jovens do sexo feminino, em cumprimento de medida provisória, com capacidade para 12 adolescentes, que devem ter entre 12 e 20 anos), Centro Socioeducativo Feminino – CESEF (unidade de internação, que atende adolescentes e jovens do sexo feminino, sentenciadas, com capacidade para 22 socioeducandas, entre os 12 e os 20 anos)40. A socioeducação é um dos poucos espaços da educação brasileira em que ainda existe segregação sexual entre os estudantes e, como podemos perceber, dos oitos anexos da Escola Antônio Carlos Gomes da Costa, somente dois tem como público alvo o sexo feminino, sendo um deles, o CEFIP, que atende adolescentes de forma provisória, por no máximo 45 dias, e o CESEF, que atende adolescentes efetivamente sentenciadas, por um período não inferior a seis meses.

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Informações contidas no CONVÊNIO Nº 237/2016: Convênio de cooperação técnica celebrado entre a Secretaria de Estado de Educação e a Fundação de Atendimento Socioeductivo do Pará – FASEPA, assinado em 14 de novembro de 2016, na cidade de Belém.

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Lecionando a disciplina História há nove anos no CESEF, notamos que nosso público alvo é composto por adolescentes que, em sua maioria, possuem um histórico de abandono escolar, abuso de álcool e de drogas e de ter sofrido ou presenciado práticas de violência doméstica. Muitas dessas alunas tem a sua autoestima abalada no que se refere aos estudos e não se sentem capazes de produzir conhecimento, o que dificulta o seu processo de aprendizagem. A maioria delas relata, durante as aulas e as atividades educativas, muitas vezes com naturalidade, já haverem sofrido violência física, psicológica e/ou sexual e, em alguns casos, revelam posicionamentos machistas, naturalizando a violência que alguns homens cometem contra suas companheiras, mas nunca os perdoando em caso de não arcarem com as despesas familiares. Em virtude desta realidade, acreditamos que nossas alunas, do anexo CESEF, da Escola Antônio Carlos Gomes da Costa, necessitavam conhecer a história de luta das mulheres pela igualdade de oportunidades. Levar estes conteúdos até elas não foi uma tarefa fácil, pois notamos que as mulheres permanecem silenciadas na maioria dos livros didáticos, apesar de haver uma extensa produção acadêmica sobre sua atuação nos diversos processos históricos. Neste sentido, em outubro de 2017, iniciamos o nosso projeto, que consiste na produção de um livro, de caráter paradidático, sobre a história das mulheres, que apresente a visão de historiadores (as) sobre a atuação das mulheres ao longo do tempo. Nosso livro, que já está escrito, mas que ainda não foi publicado, se chama “Nossa História das mulheres: representações do feminino no cinema e na sala de aula”, e foi desenvolvido a partir de uma parceria entre o professor de história e as alunas da escola Antônio Carlos Gomes da Costa. Sobre os referenciais teóricos que utilizamos para a produção dos capítulos, devemos destacar a obra de Michelle Perrot, historiadora francesa que inspirou até mesmo o nome de nosso livro. Ela é autora de vasta produção sobre a história da luta das mulheres pela igualdade de oportunidades, tendo escrito trabalhos como Mulheres públicas41, Os excluídos da história42 e, principalmente, Minha história das mulheres43. Esta última obra nasce a partir de um programa de rádio, transmitido na própria voz de Perrot, que falava sobre a história das mulheres, para um público composto por não especialistas, e que mais tarde se

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PERROT, Michelle. Mulheres públicas. São Paulo: UNESP, 1998. PERROT, Michelle. Os excluídos da história: operários, mulheres e prisioneiros. Rio de Janeiro / SãoPaulo: Paz e Terra, 2017. 43 PERROT, Michelle. Minha história das mulheres. São Paulo: Contexto, 2017. 42

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transformou em um livro, cujo próprio título deixa bem explícito ao leitor que nele existe uma visão pessoal da autora, a respeito deste tema. A linguagem simples e eficiente utilizada pela autora inspirou nossa produção e se mostrou muito adequada para o trabalho com as adolescentes do CESEF e, não à toa, nosso paradidático foi batizado como Nossa História das mulheres. Além de Michelle Perrot, apresentamos autores reconhecidos no campo da história das mulheres para as adolescentes, como Mary Del Priore 44, Carla Pinsky45, Margareth Rago46 e Christopher Lasch47. O trabalho que ora apresentamos foi desenvolvido durante o primeiro bimestre letivo do ano de 2018, em turmas de terceira e quarta etapa48 do ensino fundamental, e de primeiro ano do ensino médio, da escola Antônio Carlos Gomes da Costa. Antes de iniciar a produção dos capítulos, realizamos um questionário na turma, com perguntas que visavam mostrar o ponto de vista apriorístico das alunas sobre o universo feminino, o papel da mulher na sociedade e o machismo. A análise deste questionário deu origem à nossa Introdução. Depois, escrevemos, com as alunas, durante as aulas, os demais capítulos. Ao fim desta jornada, aplicamos um novo questionário, que visava verificar se houve alguma mudança na visão de mundo das alunas a partir do trabalho que desenvolvemos. A análise deste segundo questionário deu origem à nossa conclusão. Acreditamos que a nossa iniciativa apresentou um grande êxito, cumprindo os objetivos de apresentar a história de luta das mulheres a um público que necessitava conhecê-la, bem como elevar a autoestima das alunas, que passaram a se enxergar como produtoras de conhecimento. Tudo isso colaborou com a reinserção social dessas adolescentes, que estão ansiosas para verem o nosso livro impresso e publicado.

Objetivos de conhecimento e desenvolvimento: - Conhecer o papel da mulher enquanto elemento fundamental nas mudanças sociais; - Reconhecer a importância do voto como instrumento de transformação social; 44

DEL PRIORI, Mary (org.). História das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2017. PINSKY, Carla Bassanezi. Mulheres dos anos dourados. São Paulo: Contexto, 2014. 46 RAGO, Margareth. A aventura de contar-se: feminismos, escrita de si e invenções da subjetividade. Campinas: Editora da Unicamp, 2013. 47 LASCH, Christopher. A mulher e a vida cotidiana: Amor, casamento e feminismo. Rio de Janeiro: Brasileira, 1999. 48 Na modalidade Educação de Jovens e Adultos (EJA) trabalhamos buscando a aceleração escolar, sendo que a Terceira Etapa equivale ao sexto e ao sétimo ano, e a Quarta Etapa, ao oitavo e nono ano, da educação Regular. 45

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- Perceber a importância da luta social para o empoderamento das mulheres; - Compreender a importância das máquinas para o capitalismo e para a inserção da mulher no mercado de trabalho capitalista; - Perceber as mudanças que as guerras provocam no cotidiano das famílias; - Compreender o aspecto narrativo do conhecimento histórico;- Desenvolver a prática e a habilidade da escrita;- Desenvolver a percepção de si própria enquanto produtora de conhecimento, elevando a autoestima da aluna no que se refere aos estudos.

Competências,

habilidades,

componentes

curriculares

e

objetivos

de

conhecimento: - O papel da mulher na Grécia Antiga; - A virgindade, a violência, e o casamento na Idade Média; - A Revolução Francesa e seu papel na derrubada do Antigo Regime e na construção da contemporaneidade; - A luta das mulheres na Revolução Francesa, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, as conquistas civis e a frustração em relação a não conquista do voto feminino; - A Revolução Industrial e a construção de uma sociedade capitalista; - As grandes guerras do século XX e a transformação do cotidiano das populações envolvidas; - O cinema, a atualidade e a luta por direitos na sociedade contemporânea.

Metodologia: Na produção de nosso livro, que movimentou todo o anexo CESEF da Escola Antônio Carlos Gomes da Costa, deixamos cada uma de nossas turmas responsável por pelo menos um capítulo. As duas turmas de Terceira Etapa ficaram responsáveis pela produção de um capítulo sobre a virgindade, a violência contra a mulher e o casamento na Idade Média. A quarta etapa se encarregou da produção de dois capítulos, um sobre a luta da mulher pelo direito ao voto, no contexto da Revolução Francesa, e outro sobre a inserção da mulher no mercado de trabalho capitalista e sua relação com a Revolução Industrial e com as grandes guerras do século XX. A turma de primeiro ano do Ensino Médio escreveu um capítulo sobre o papel da mulher e seu silenciamento na Grécia Antiga. Nossa metodologia se baseou em uma sequência de procedimentos. Em primeiro lugar, realizamos a aplicação de um questionário que visava compreender a visão que as adolescentes possuíam sobre o universo feminino, o papel das mulheres na sociedade, e o 56


machismo. Em um segundo momento, o professor pesquisou obras acadêmicas sobre a atuação das mulheres em diferentes contextos históricos e produziu um texto base sobre cada um desses assuntos. Este texto base foi apresentado e discutido em sala de aula, com as alunas, que respondiam uma bateria de questões, que relacionavam os conteúdos do texto com o cotidiano das adolescentes. As respostas das socioeducandas eram adaptadas e incorporadas ao texto base. Na aula seguinte, apresentávamos um filme que dialogava com o texto base, as alunas o discutiam, conversavam sobre o papel das mulheres nestas obras e respondiam algumas questões, que relacionavam o filme com o texto base e com o cotidiano das socioeducandas. As respostas desta etapa também eram adaptadas e incorporadas ao texto base e, ao fim deste processo, o capítulo estava concluído. Por fim, apresentamos um segundo questionário, com o objetivo de compreender se o nosso projeto, de algum modo, mudou a visão de mundo das adolescentes sobre o papel das mulheres na sociedade, a importância do voto, o machismo, dentre outros assuntos. A respeito do trabalho com os filmes, recorremos a leituras de autores que desenvolveram metodologias pertinentes ao uso do cinema em sala de aula, sendo eles Marcos Napolitano49, Rosália Duarte50 e Maria Luiza Belloni51. Buscamos selecionar filmes que se adequassem aos nossos objetivos de ensino, mas também às expectativas de nossas alunas, que se encontravam em situação de privação de liberdade, sendo pouco tolerantes a filmes de narrativas muito lentas. Nesse sentido, nas terceiras etapas, que eram as turmas menos amadurecidas da escola, exibimos o filme A princesa prometida, uma comédia leve, produzida em 1988, dirigida por Rob Reiner, e vista atualmente como um símbolo cult, que reflete algumas das ideias que as pessoas atribuem ao modo de vida medieval. Neste filme, um avô lê para o seu neto um conto de fadas, em que existe uma linda princesa, lutas de esgrima, piratas e gigantes. Na obra, a princesa Buttercup (Robin Wright) é apaixonada por um jovem e simples camponês, que abandona seu povoado em busca do enriquecimento, para poder casar-se com a protagonista. A narrativa leva Buttercup a acreditar que, em suas aventuras, o camponês foi assassinado por um pirata e, por isso, aceita o noivado com um príncipe, que se mostra um perigoso vilão. No dia do seu casamento, a princesa é seqüestrada a mando de seu próprio noivo, e reencontra seu grande amor, o camponês. O filme narra as

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NAPOLITANO, Marcos. Como usar o cinema em sala de aula. São Paulo: Contexto, 2013. DUARTE, Rosália. Cinema & Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2002. 51 BELLONI, Maria Luiza. O que é mídia-educação. Campinas: Autores Associados, 2012. 50

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adversidades que os dois personagens principais tiveram de enfrentar para finalmente ficarem juntos. Neste filme, vemos a representação da mulher enquanto um ser frágil, em constante perigo quando sozinha, que só se destaca por características como a beleza e a fidelidade. Esse tipo de representação está de acordo com as ideias de DUARTE (2002, p. 54), que acredita que a maioria dos filmes representa as mulheres como dependentes e incapazes de tomar decisões acertadas, sobretudo em situações de perigo, e que elas estão sempre em busca de um complemento masculino, cuja presença, além de significar a realização pessoal, sugere segurança e proteção. A análise deste filme fez parte do terceiro capítulo de nosso livro, intitulado Preservar o corpo: mulheres na Idade Média, o casamento, a virgindade e a fé. Nas quartas etapas exibimos dois filmes, sempre seguindo o procedimento de apresentar cada um deles durante duas aulas, sendo a primeira aula dedicada à discussão da temática proposta, seguida pela resolução de uma bateria de questões discursivas, e a segunda dedicada à exibição do filme, mediante sua discussão e a resolução de questões pertinentes a ele. Essas seqüencias didáticas deram origem ao quarto e ao quinto capítulo de nosso paradidático, que receberam os nomes, respectivamente, de Serão mesmo humanas? A Declaração dos direitos do homem e do cidadão e seus impactos para as mulheres e, As mulheres, as máquinas e a guerra: o avanço na conquista de postos no mercado de trabalho. Na construção do quarto capítulo optamos pela exibição do filme Adeus minha rainha. Lançada em 2013, esta obra, dirigida por Benoît Jacquot, e estrelada por Léa Seydoux e Diane Kruger, tenta narrar a vida como ela era no Palácio de Versalhes, no momento da tomada da Bastilha, evento que levou muitos nobres, cortesãos e servos ao desespero. O filme retrata vários casamentos entre nobres, realizados por interesses familiares, em que não existia grande apego entre maridos e esposas. Além disso, é retratada a situação de profundos contrastes na França, onde vemos uma corte repleta de luxo e de extravagâncias, e o mundo fora do palácio, cercado por epidemias, pobreza e fome. O filme mostra, sobretudo, os excessos da rainha Maria Antonieta (Kruger), que em meio às moléstias e aos riscos que corria, após a tomada da Bastilha, parecia apenas se preocupar com a perda dos seus luxos e privilégios, assim como a maioria das mulheres do Palácio. No filme, a personagem principal é Sidonie Laborde (Seydoux), uma jovem que, assim como muitas cortesãs, nutria uma grande adoração pela rainha, mas era apenas utilizada por ela como um joguete em seus planos. Mostrar alguns episódios importantes do início da Revolução 58


Francesa sob o ponto de vista de uma mulher que não pertence à alta nobreza é, provavelmente, o grande mérito desta obra, segundo as alunas do CESEF. Na construção do quinto capítulo, de Nossa história das mulheres, optamos por exibir um filme que não trata necessariamente da Revolução Industrial, mas que revela algumas das mazelas que as mulheres sofriam no mercado de trabalho, em Londres, no Inicio do século XX. Tratasse do drama As sufragistas, um filme de 2015, dirigido por Sarah Gavron, estrelado por Carey Mulligan, que conta com a participação de Meryl Streep. O filme revela a luta da personagem principal, Maud Watts, uma simples trabalhadora de uma lavanderia, sem formação política, pelo direito ao voto feminino. Este filme mostra uma série de abusos que eram cometidos pelos homens, em um mundo de recente industrialização, contra as mulheres, no ambiente de trabalho, que incluíam abusos físicos, sexuais, psicológicos, além de uma jornada de trabalho exaustiva, que incluía a criação dos filhos, por mais que, à época, eles fossem vistos como uma propriedade do pai. O direito ao voto é visto pelas protagonistas como a grande esperança para uma mudança no mundo, e para a garantia da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres. Pelo sonho de um dia poder votar, as personagens desta obra fazem uma série de sacrifícios, como greves de fome, a perda do emprego, o encarceramento, o abandono da família, dentre outros mais. O final é chocante e vale à pena conferi-lo. No primeiro ano do ensino médio seguimos o mesmo roteiro de duas aulas por filme, sendo a primeira de apresentação da temática, com discussão e resolução de questões discursivas e a segunda de exibição do filme, entrega da ficha técnica e resolução de questões discursivas. Produzimos, nestas atividades, o segundo capitulo de nosso livro, batizado de Cidadania? A mulher e suas funções sociais na Grécia Antiga. Nele discutimos o filme Jasão e os Argonautas, filmado por Nick Willing, entre 1999 e 2000, na Turquia, uma versão da lenda em que, chamou atenção das adolescentes, dentre outras representações, o retrato feito do reino das Amazonas, que era composto somente por mulheres, que, nesta obra, receberam Jasão (Jason London) e os seus companheiros com muito luxo e diversos confortos, tramando usá-los para a reprodução e depois sacrificá-los. Uma figura feminina que rouba a cena neste filme é Medeia (Jolene Blalock), a bela guardiã do Tosão de Ouro, uma feiticeira temida que é oferecida em casamento ao destemido Jasão. As adolescentes notaram também que, as principais personagens femininas de Jasão e os Argonautas destoam, em grande medida, do ideal imaginado no mundo antigo para as mulheres, o que as tornava na narrativa perigosas e punha em risco as missões de Jasão e seus companheiros. 59


Avaliação do processo de aprendizagem dos alunos e do trabalho pedagógico do professor: Nossas alunas, a partir do momento em que entenderam a proposta da produção coletiva do nosso livro, se mostraram muito interessadas em desenvolvê-lo, durante as aulas. Isto se refletiu na qualidade dos textos que apresentaram, muito satisfatórios para a etapa que cursam. Podemos notar, com grande clareza, a mudança no discurso das socioeducandas que ocorreu em virtude do nosso projeto, pois comparando as respostas delas no primeiro e no segundo questionário, observamos um grande amadurecimento pessoal de cada uma. No questionário final, elas relataram mudanças em sua visão de mundo, pois antes desvalorizavam o voto e hoje, reconhecem a importância dele, e estão decididas a votar nas próximas eleições, ou a tirar o título de eleitora, no caso das que ainda não o possuem. Além disso, afirmaram saber aonde e como recorrer a socorro no caso de sofrerem ou presenciarem cenas de violência contra a mulher. Nossas alunas elogiaram a seleção dos filmes utilizados, bem como a iniciativa de analisá-los enquanto representações sobre as mulheres do passado.

Resultado e discussão: Os resultados de nossa experiência podem ser percebidos a partir da análise de nosso questionário final, que se tornou a conclusão de nosso paradidático. Verificamos que houve grande mudança na visão de mundo das alunas a partir do trabalho que desenvolvemos. Acreditamos que a nossa iniciativa apresentou um grande êxito, cumprindo os objetivos de apresentar a história de luta das mulheres a um público que necessitava conhecê-la, bem como elevou a autoestima das alunas, que passaram a se enxergar como produtoras de conhecimento. Tudo isso colabora com a reinserção social dessas adolescentes, que estão ansiosas para verem o nosso livro impresso e publicado. Algumas de nossas alunas demonstraram mudanças de comportamento a partir de nossa intervenção, principalmente no que se refere ao voto, e algumas de suas frases foram parar nas conclusões de nosso livro. Uma delas afirmou que “Hoje em dia eu quero sim (votar) porque eu não sabia que as mulheres tinham passado por tudo isso para poder votar (prisões, tortura, greves de fome e abandono familiar).” Outra aluna explicou a sua mudança de ideia afirmando que “Hoje tenho uma visão mais ampla sobre os acontecimentos que ocorreram nas últimas décadas e hoje tenho mais expectativas sobre o voto.” Uma terceira 60


aluna justificou sua mudança de opinião afirmando que “Hoje em dia eu quero votar porque é muito importante o voto e as mulheres lutaram pelo direito ao voto, por isso eu quero votar.” Questionadas se nosso trabalho valeu a pena, todas as adolescentes aprovaram a temática proposta e, uma delas afirmou que “valeu a pena e eu tenho outro olhar para as mulheres, pois hoje eu percebo como elas são importantes para a sociedade.” Outra aluna comentou que a nossa intervenção foi importante “com certeza, sim, me ajudou muito a querer mais os meus direitos pela igualdade dos sexos.” Uma terceira aluna avaliou que “valeu sim a pena. Percebi que a gente não deve ficar calada e nem contra os votos.” Nossa última indagação buscava perceber a expectativa que as alunas possuíam pelo lançamento do livro. Foi gratificante ler as respostas, que vieram em tom de agradecimentos. Nesse sentido, uma das alunas demonstrou ansiedade, pois afirmou que está tendo uma oportunidade que nunca teve. Outra aluna comentou estar muito feliz, dizendo ter sido muito gratificante para ela participar desta obra. Uma das adolescentes demonstrou grande entusiasmo e afirmou que está muito empolgada com a ideia de participar do lançamento do livro “Sim. Muito. Pretendo estar presente no lançamento e agradeço muito ao professor que nos deu essa oportunidade. Fico mais feliz que posso estar em liberdade neste lançamento. Só sucesso nosso livro, se Deus quiser.” Como podemos perceber, a produção de nosso livro contou com o engajamento das adolescentes e mudou hábitos, atitudes e pensamentos delas, sobre o mundo e sobre si mesmas. Elas passaram a se enxergar enquanto produtoras de conhecimento e elevaram a sua autoestima. Acreditamos que nossa experiência deve ser compartilhada com a sociedade, nesse sentido, ainda não conseguimos apoio para a edição do livro, que visa divulgar a história da luta das mulheres pela igualdade de oportunidades, mas também apresentar ao povo brasileiro a realidade de algumas meninas, que cometeram infrações graves, que cumprem medidas socioeducativas, mas que também possuem sonhos e esperanças. Acreditamos que nossa metodologia, bem como nossa produção, deve ser compartilhada e levada a diferentes sujeitos, pois parte da realidade e das experiências das alunas socioeducandas do município de Ananindeua, mas essas alunas comungam experiências e expectativas com muitas outras meninas e mulheres atendidas em todo o Brasil, na modalidade EJA. Desejamos que nossa experiência exitosa sirva de inspiração para muitas outras estudantes e, por isso, criamos um site nossahistoriadasmulheres.com no qual consta a versão completa de nosso texto, para que professores e alunos de todo o Brasil tenham acesso a ele. 61


Sobre as repercussões de nossa experiência, devemos mencionar que recebemos convites para apresentações da produção em várias instituições de ensino superior, bastante respeitadas no Estado do Pará, como a Universidade Federal do Pará (UFPA) e o Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Estado do Pará (IFPA). Além disso, em virtude desta experiência, concorremos ao Prêmio Educador Nota 10, a mais tradicional premiação conferida aos professores brasileiros, organizada pela Fundação Victor Civita, em parceria com a Fundação Roberto Marinho, conquistando grande reconhecimento, ao chegarmos até a Final Nacional, tendo visto nosso trabalho considerado, por uma academia competente de selecionadores, como uma das melhores iniciativas em educação, no Brasil, durante o ano de 2018.

REFERÊNCIAS:

BELLONI, Maria Luiza. O que é mídia-educação. Campinas: Autores Associados, 2012. DEL PRIORI, Mary. Apresentação. In: DEL PRIORI, Mary (org.). História das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2017. DUARTE, Rosália. Cinema & Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2002. LASCH, Christopher. A mulher e a vida cotidiana: Amor, casamento e feminismo. Rio de Janeiro: Brasileira, 1999. NAPOLITANO, Marcos. Como usar o cinema em sala de aula. São Paulo: Contexto, 2013. PERROT, Michelle. Minha história das mulheres. São Paulo: Contexto, 2017. ______Mulheres públicas. São Paulo: UNESP, 1998. ______Os excluídos da história: operários, mulheres e prisioneiros. Rio de Janeiro / SãoPaulo: Paz e Terra, 2017. PINSKY, Carla Bassanezi. Mulheres dos anos dourados. São Paulo: Contexto, 2014. RAGO, Margareth. A aventura de contar-se: feminismos, escrita de si e invenções da subjetividade. Campinas: Editora da Unicamp, 2013.

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PHILOSOFILMES: REVISITANDO UMA EXPERIÊNCIA DE CINECLUBE NA DISCIPLINA DE FILOSOFIA

Ivys de Alcântara Silva 52 André Luis Pereira de Freitas 53

RESUMO

O presente artigo pretende abordar a relação entre cinema educação, tomando como ponto de partida a experiência de cineclubismo realizada na disciplina de filosofia na Escola da rede tecnológica no município de Abaetetuba-pa. Para tanto, descreveremos a fundamentação teórica da composição do projeto a fim de construirmos uma compreensão mais ampla da utilização dos filmes em sala de aula e da ideia do cineclubismo, transcendendo a concepção dos filmes como um mero recurso e compreendendo-o como elemento da construção de nossa amálgama cultural. Este projeto tinha como metas principais, estimular a visão crítica, transformando o posicionamento passivo de espectador em posicionamento reflexivo diante de uma obra fílmica, promovendo, com isso, a conversão da concepção do filme como entretenimento para a concepção de filme como uma obra de arte que não pode ser tomada como mera distração e merece ser considerada um fruto da cultura a ser pensado e apreciado criticamente. Palavras-chave: Filosofia, filmes, cineclubismo.

JUSTIFICATIVA

O cinema, na denominação clássica das Belas-artes, foi a última forma artística assimilada, fato que lhe rendeu a alcunha de sétima arte. Com o advento de tecnologias com a televisão, Computadores, Smartphones, os filmes, longa ou curta metragem, passaram a ser mais presentes em nossas vidas, mormente a partir da geração X no Brasil. Com essa facilidade de acesso não seria mais necessário, para vermos filmes, temos que ir necessariamente a uma sala de projeção de cinema, sendo possível assisti-los na TV ou no computador. Fator este que, ao mesmo tempo que pode representar uma coisa boa, com a possibilidade de acesso mais fácil a uma obra, pode, outrossim, representar um aspecto negativo da arte em nossa época, com a massificação da arte e com a possibilidade de 52

Professor de Filosofia (SEDUC-PA), Mestre em educação (PPGED/UFPA)- ivys.alcantara@gmail.com. Professor de Filosofia (SEDUC-PA), Especialista em Tecnologias da educação (PUC-RIO) – andre.freitas@escola.seduc.pa.gov.br 53

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utilizar este com vistas à alienação da massa, fato preconizado pelo filósofo Walter Benjamin e pelos pensadores da Escola de Frankfurt. De acordo com Benjamin, a massificação do cinema não implica necessariamente em democratização da arte e não traria apenas perspectivas benfazejas à sociedade, pois que “com a representação do homem pelo aparelho, a auto-alienação humana encontrou uma aplicação altamente criadora” (BENJAMIN, 1987a, p.180). A percepção visionária e antecipada de Walter Benjamin e da Escola de Frankfurt, em relação a massificação da arte e, sobretudo, dessas características como sendo inerentes ao cinema, nos alerta, como professores, ao fato de que a facilidade de acesso a um recurso, a um bem ou a um serviço, pode gerar a banalização destes, como também pode levar a um uso irrefletido destes. Aqui, portanto, vemos um dos primeiros e mais fortes indícios da necessidade de avaliarmos os filmes com mais cautela e de modo mais crítico, porquanto, em nossa sociedade atual o acesso a filmes, séries, desenhos e animações, não ocorrem apenas por meio do cinema. Hoje, ainda com mais força do que na época de W. Benjamin ou do que há 10 anos atrás, ano de implantação do Philosofilmes, os filmes podem estar conosco em quaisquer lugares que formos, pois podemos levá-los na mochila notebook, ou mesmo no bolso, em um smartphone, e sacá-lo e reproduzir um filme a qualquer hora. E aqui, mais do que nunca, neste entrelaçamento entre massificação e alienação, surge a necessidade desta cautela na compreensão crítica, não apenas do conteúdo expresso nos filmes, mas nas potencialidades reflexivas que deles decorrem, isto é, do potencial alavanque de compreensão do mundo e do conhecimento e cultura humana que o cinema pode conceder a todos nós. Outra inegável relevância da criação de um cineclube na escola, reside na aproximação e apresentação aos discentes dos filmes (sejam eles clássicos, lançamentos, aclamados ou atuais) e de um embrião rudimentar da esfera criadas pelas salas de cinema, a experiência aurática de assistir um filme para muitos deles inédito, oportunizando, assim, o acesso de modo prazeroso e reflexivo ao cinema. Mesmo que a experiência de ver um filme projetado por um datashow em uma parede de sala de aula, seja apenas uma simulação da experiência de ir ao cinema, isso nos permite apresentar uma experiência similar e, mais que isso, contextualizar filmes clássicos, ou filmes famosos e aclamados, apresentando-os a discentes que, na maioria das vezes tiveram pouco ou nenhum contato com a experiência cinematográfica, ou mesmo com a experiência reflexiva de assistir um filme. 64


Na atitude da experiência reflexiva ante uma obra fílmica, surge um novo capítulo do filme há pouco assistido, pois, ao assistirmos um filme, na TV, por exemplo, vamos sentindo e guardando sensações e sentimentos provocados pela obra. Ao término do filme, ainda no exemplo de estarmos vendo em casa, ocorre geralmente que apenas guardamos essas impressões para nós, impressões que vão desvanecendo como um sonho ao longo do dia. Muitas das vezes essas impressões duram vividamente por dias, ou anos. Por meio de uma experiência refletida da obra fílmica, temos agora a possibilidade de debater a respeito dessas impressões deixadas, temos a possibilidade de expressar pontos de vistas e de conhecer pontos de vistas não percebidos no filme, atitude que muitas vezes não experimentamos ao nos posicionarmos como espectadores passivos e ingênuos de um filme de sessão da tarde em nossa casa. Aqui encontramos mais um ponto que revela a importância de um cineclube, isto é, a importância de uma experiência coletiva de assistir um filme e do debate do contexto, das impressões, dos subtextos e conhecimentos imbuídos na obra fílmica. O cineclube, como fenômeno atrelado à criação dos filmes, mostra a importância do debate conjunto que o fenômeno artístico chamado cinema criou, fenômeno que modificou drasticamente os fundamentos da arte e que, segundo Walter Benjamin, “o filme é uma criação da coletividade” (BENJAMIN, 1987a, p.172). Desde invenção do cinema e das primeiras exibições cinematográficas feita pelos irmãos Lumière, os filmes passaram a ser discutidos e refletidos não apenas em seus conteúdos expressos, mas também em seus significados latentes e no alcance futuro destas obras. Com efeito, diferente do que podemos pensar, a ideia e a prática de cineclubismo não é nova nem atual e surge quase que de modo concomitante com o desenvolvimento da cinematografia no mundo. No Brasil, conforme a Enciclopédia do cinema brasileiro, o primeiro cineclube com fundação oficializada foi o Chaplin Club, fundado em 13 de junho de 1928, no Rio de janeiro, surgindo com a intenção de “desenvolver o estudo do cinema como uma arte” (GATTI, 2000, p.119), gerando exibições e debates sobre os filmes, reflexões críticas que posteriormente eram materializadas no jornal O Fan, criado e publicado pelos próprios participantes do cineclube, mostrado que a atitude de criação de cineclubes é inerente ao ato de ver filmes e que, também, nos antecede de longa data. Assim, surgiu a necessidade de não apenas comentar e debater sobre o prazer e deleite que as impressões de um filme assistido nos causaram, surgindo também a necessidade de compreender mais a fundo as possíveis interpretações, referências, conexões e reflexões possíveis de um determinado filme. Estas conexões e reflexões permitiram aliar o cinema aos misteres educacionais. Todavia, o cinema e os filmes têm sido 65


utilizados apenas como mais um recurso pedagógico, tal como a lousa, uma fotografia, um cartaz ilustrado e isto significa um risco duplo pois, se o tratamento adequado, esta poderosa propedêutica que é o cinema, pode sofrer um novo tipo de banalização e, ainda ser considerado como entretenimento para a aula. O cuidado que devemos ministrar ao filme é proporcional ao poder que esse fenômeno artístico tem em nossa existência. Sabemos agora que o filme não é mais uma arte passageira e distante do povo, como indicavam os pensadores contemporâneos à criação do cinema e que ele é, já desde meados do século XX, parte indestrinçável de nossa existência. Sabemos, ainda, que a utilização do filme não representa apenas a introdução um novo recurso na aula, mas sim a percepção de um elemento que faz parte da linguagem atual do mundo, e que não há caminhos para reverter o processo de inter-relação entre essa expressão (o filme) e a nossa construção social, intelectual, moral, psicológica, estética, dentre muitas outras dimensões que compõem o ser humano. Isso acentua mais ainda nosso papel como professores ante a esses elementos atuais constituintes da nossa realidade atual, tal como os filmes, a internet. Destacamos também o papel específico da disciplina de Filosofia, na reflexão e compreensão desses elementos: Nas aulas de filosofia Podemos ir além do cinema como uma forma de arte e de experiência estética, levar aos alunos e com eles problematizá-lo e dar-lhe significação, dando a filosofia seu caráter de forma de pensamento autônoma, vivida e em transformação, pois através de um ou vários conceito-imagem se pode explorar o cotidiano do jovem na tela do cinema, em uma cena do filme, a qual assistem calados e estáticos diante das aflições humanas, do estranhamento e incômodo com a ordem vigente como ela nos aparece (COSTA, 2010, p.33)

O cinema, como as várias formas de expressão artística, reflete o ser humano e suas várias facetas existenciais, suas angústias, aflições, glórias, consolos. O grande diferencial do cinema em relação às várias formas de arte, mormente no que diz respeito às Belasartes, está em seu caráter de entrelaçamento à todas as camadas do fazer humano, pois, como já foi mencionado aqui, as obras fílmicas estão cada vez mais presentes a todo instante em nosso cotidiano, sendo este um processo progressivo e inevitável, devido ao entrelaçamento dessa forma de arte com a tecnologia. A questão agora para nós, professores de filosofia ou não, é perceber que este não apenas um recurso, mas uma parte de nossa construção social, mutatis mutandi como a escrita o é, como as criações de imagens o são, como os livros o são. Cada vez mais, todas essas tecnologias – e aqui incluo 66


as mais antigas tecnologias humanas como a escrita e os livros – irão entrelaçar-se umas às outras, convergindo para a catalisação de nosso processo de formação, seja esse processo de formação para autonomia ou para a alienação. O rumo da utilização destas tecnologias e o tipo de formação que faremos a partir delas, cabe a nós definir. Maira Norton, em seu artigo Diante do aparelho: a experiência pedagógica do cinema em Walter Benjamin, afirma a importância de trabalharmos criticamente a experiência do espectador e o papel educativo do cineasta. Segundo Norton, mesmo o cineasta, em sua pesquisa e construção técnica do filme assume um papel pedagógico de, mesmo à sua revelia, ensinar coisas, mostrar perspectivas, cativando o telespectador para que compreenda seu ponto de vista ou suas intenções, pois “para que o filme estabeleça essa relação de alteridade com o espectador é necessário que o cineasta esteja atento à maneira como sua obra se posiciona dentro do aparelho produtivo. (NORTON, 2012, p.48), assumindo assim aquele papel de formador outrora mencionado, um formador seja para a autonomia, seja para a alienação. E aqui, apontamos mais uma importância do debate crítico e da aproximação da escola à este fenômeno estético formativo, porquanto , sabemos desde a polêmica de Platão em relação à poesia educadora de sua época, que não convém nem é lícito para a formação humana (Paidéia), permitir que o poeta crie e apresente livremente seu ponto de vista sem a preocupação com o tipo de estórias que está contando e sem a orientação para aceitarmos as estórias boas e alertarmos acerca dos pontos problemáticos das estórias ruins (PLATÃO, República, 377b),

Por conseguinte, teremos de começar pela vigilância dos criadores de fábulas, para aceitarmos as boas e rejeitarmos as ruins. De seguida, recomendaremos às amas e às mães que contem a seus filhos somente as que lhe indicarmos e procurem amoldar por meio delas as almas das crianças com mais carinho do que por meio das mãos fazem com o corpo. A maioria das que estão presentemente em voga deve ser rejeitada. (PLATÃO, Rep.,377c )

Muda-se o contexto histórico de Platão até a nossa época, mas a ideia Universal permanece a mesma, posto que se na Antiga Grécia o que o filósofo ateniense indicava era o cuidado e análise crítica das criações poéticas de sua época, o que se indica aqui é a reflexão e o cuidado acerca das criações cinematográficas de nossa época. Do mesmo modo, se na época de Platão o poeta também era responsável pela educação do povo, e mesmo que não percebesse participava da formação do ser humano grego (paideia), na 67


nossa época o cineasta assumir esse papel que era do poeta na velha Grécia e, como vimos em Norton acaba por ter um papel pedagógico com seus filmes. Destarte, encerramos este pequeno apanhado em relação o papel do cinema e dos cineclubes na incorporação dos filmes como elemento pedagógico, com percepção apurada do filósofo Walter Benjamin que em seus primeiros contatos com o cinema conseguiu rapidamente perceber o potencial pedagógico e o entrelaçamento dos filmes com a formação humana, diz ele Mais uma vez, a arte põe-se a serviço desse aprendizado. Isso se aplica, em primeira instância, ao cinema. O filme serve para exercitar o homem nas novas percepções e reações exigidas por um aparelho técnico cujo papel cresce cada vez mais em sua vida cotidiana. Fazer do gigantesco aparelho técnico do nosso tempo o objeto das inervações humanas - é essa tarefa histórica cuja realização dá ao cinema seu verdadeiro sentido” (BENJAMIN, 1987a, p. 174)

Por fim, o papel dos cineclubes é promover o contato saudável do ser humano não apenas com o aparelho, mas com o filme, o enredo dinâmico que tem o poder de expressar a condição humana, como também aliená-la. Nosso papel diante deste inevitável e progressivo rizoma epistemológico criado pelo cinema (ou a partir dele), é justamente o de compreender e dar o melhor andamento quanto possível neste aspecto da relação homemtécnica, pois, como vimos há uma dialética de afecção entre o cinema e a sociedade: os seres humanos produzem o cinema como forma de expressão de suas perspectivas, os filmes e suas perspectivas afetam as pessoas, gerando novos pareceres da perspectiva social, e assim sucessivamente. Diante disso, o desafio agora é termos clareza e senso crítico ante às produções cinematográficas e não utilizar este elemento pedagógico ingenuamente, desconectado de sua função social ou despercebido de seus enormes impactos na vivência humana.

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OBJETIVOS Objetivo geral: Propiciar a análise e debate crítico-reflexiva diante de filmes e demais produções cinematográficas de curta ou longa metragens.

Objetivos específicos •

Apresentar obras cinematográficas, aproximando dos alunos filmes de curtametragem e longa-metragem, sejam estes filmes clássicos, aclamados ou, ainda, filmes atuais.

Auxiliar os discentes na compreensão de temas e assuntos da disciplina de filosofia, temas como ética, razão X opinião, política, trabalho, conhecimento, ideologia.

Instigar a postura crítico-reflexiva diante de filmes e demais produções cinematográficas, tais como novelas, propagandas, documentários etc.

Debater de modo interdisciplinar com discentes e docentes da escola e docentes convidados temas relacionados à filosofia e a outras disciplinas afins e/ou disciplinas relacionadas com a obra exibida.

COMPETÊNCIAS, HABILIDADES, COMPONENTES CURRICULARES (DISCIPLINA) E OBJETOS DO CONHECIMENTO (CONTEÚDO)

A intenção inicial do projeto era a de, a longo prazo formar um catálogo de filmes com sinopse que relação com os vários temas possíveis de serem debatidos, tudo isso feito pelos discentes que, com o auxílio dos professores envolvidos no projeto, iriam redigi-los. Esta redação de sinopses e conteúdos relacionados aos filmes, nos dariam uma base para perceber se os objetivos de analise reflexiva e compreensão dos filmes foram atingidos, bem como se as Competências e Habilidades foram concretizadas. Com efeito, subscrevemos aqui alguns filmes exibidos e suas correlações feitas com determinados temas por nós abordados durante a vigência do projeto, separando-os por temática, ressaltando-se ainda que essas temáticas são apenas indicações pois que muitos desses filmes permitem inúmeras reflexões e inúmeros conteúdos e temáticas não mencionadas abaixo.

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Filme

Conteúdos

A Guerra do História fogo

Disciplinas

humana,

evolucionismo, Filosofia, Biologia, História,

natureza e cultura, Estado de natureza, Sociologia conhecimento

O enigma de Estado de natureza em Rousseau, Filosofia,

sociologia,

Kaspar Hauser construção social humana, empirismo, Psicologia conhecimento. O

nome

rosa

da Aristóteles, Filosofia escolástica, idade Filosofia, História média, conhecimento.

Muito além do mídia jardim

e

impacto

sociedade, da

tv

conhecimento, Filosofia, existencialismo, Aspectos

massificação, A

Sociologia, da

vida

cidadã

(AVC)

Sociedade Ética e moral, padrões, rompimento de Filosofia, Sociologia, A.V.C.,

dos

poetas paradigma, literatura

Literatura.

mortos Esse obscuro Relações afetivas, conflito sociais, ética Filosofia, objeto

Sociologia,

AVC,

do e moral, moralidade X moralisimo, psicologia,

desejo

poder e dinheiro.

A onda

Ideologia,

regimes

totalitaristas, Filosofia, Sociologia, História,

ditaduras, manipulação, experiência Psicologia psicológica. The Wall

Doutrinação revolução,

política, ruptura

ideologia, Filosofia, Sociologia, História,

epistemológicas, Artes

contracultura. Lamarca

História do Brasil, Ditadura, militarismo, Filosofia, Sociologia, História. ética e moral, honra, política

Olga

História do Brasil, Ditadura, militarismo, Filosofia, Sociologia, História, ética e moral, honra, Política, violência. psicologia, AVC

Um

distinto Ética, política, corrupção, honra

cavalheiro

Filosofia,

sociologia,

Geografia (geopolítica)

Tempos

Trabalho, revolução industrial, técnica, Filosofia,

modernos

indústria

cultural,

massificação, Geografia

fordismo, cinema mudo, burnout. 70

sociologia, (geopolítica),

história, Artes, Psicologia


Frida

Política,

comunismo,

arte, Filosofia,

determinação. Ilha das flores

AVC,

História, Artes

Distribuição de renda, conhecimento, Filosofia, Sociologia, Biologia, política, evolução.

Planeta

Sociologia,

dos Preservação

História

ambiental,

macacos

sociais, racismo, tecnologia.

Blade Runner

Inteligência

artificial,

conflitos Filosofia, Sociologia, Biologia,

limites

da Filosofia, Sociologia, Biologia,

tecnologia, impactos da tecnologia, meio ambiente e tecnologia. Matrix

e Tecnologia,

ética

virtual,

teoria Filosofia, Sociologia, Artes.

Animatrix

platônica, mito da caverna, impactos da

(curta-

tecnologia.

metragem) Minority Report Liberdade direitos

e

determinismo,

humanos,

ética, Filosofia,

impactos

Sociologia,

da Psicologia, AVC.

tecnologia, tecnologia e ética Meninos

não Respeito

Choram

à

diversidade,

sexualidade,

homofobia,

corpo

e Filosofia, sociologia, Biologia.

direitos

humanos, homossexualidade.

METODOLOGIA Antes de tudo, é importante mencionar que este projeto foi aplicado na Escola em Regime de Convênio Cristo Trabalhador em Abaetetuba no período letivo de 2009, escola que, à época, fazia parte da rede tecnológica de ensino da SEDUC-PA, as chamadas EETEPA’s. A escola possuía, e ainda hoje possui, uma excelente estrutura física para o desenvolvimento do projeto, e a lotação em regime de jornada pela EETEPA permitia a nós, professores, desenvolver projetos complementares relacionados às nossas disciplinas. Os filmes eram escolhidos pelo professor responsável pelo projeto e, geralmente, estavam relacionados ao conteúdo corrente da disciplina de Filosofia. Para a apresentação dos filmes, escolhemos como dia fixo todas as últimas sextas-feiras dos meses letivos, exibindo os filmes em uma pequena sala de aula destinada às aulas esporádicas de contra-

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turno. Lá montávamos o Datashow ao notebook e projetávamos na parede do fundo, de costas para a porta. O cineclube e a exibição funcionavam efetivamente seguindo três passos básicos, dos quais descreveremos a seguir: 1º antes de começarmos a exibição do filme apresentávamos características técnicas do filme, tal como nome, ano de lançamento, gênero e uma pequena sinopse bem sintética do filme, sem dar pistas do enredo (spoilers). E caso houvesse um convidado de outra disciplina ou de uma área específica, como a psicologia, ou alguma área da saúde para abordar o filme, ou mesmo professores da escola de outras turmas e horários, seriam também apresentados antes da exibição do filme. 2º O segundo momento é a exibição efetiva do filme. Em alguns casos, foi necessário a edição prévia do filme para que não se estendesse muito e para que não ficasse cansativo para os discentes cineclubistas. 3º Após a efetiva exibição do filme, os professores responsáveis pelo projeto iniciavam Uma Breve interlocução com o filme e com os convidados quando houvesse. Esta interlocução teria como princípio comentar aspectos gerais do filme estimular os alunos a pensarem sobre esses aspectos e, em seguida, expressar seus próprios pontos de vista. um recurso muito útil para estimular a manifestação dos alunos era perguntar sobre algum ponto chave ou sobre algum ponto que ficara gravado em suas memórias, ou, ainda, perguntar aos alunos que eles já haviam vivido alguma experiência retratada pelo filme. Em alguns casos, utilizamos o produto do debate como parte da avaliação da disciplina de filosofia, pedindo para os alunos relacionarem o conteúdo debatido no Cine Clube com o conteúdo estudado na disciplina, fazendo isso por meio de trabalhos extraclasse.

RESULTADOS E DISCUSSÃO O projeto Philosofilme, perdurou durante um ano letivo inteiro nesta escola. No ano seguinte decidimos trabalhar com algo que também gostávamos e que também chamava muito atenção dos alunos, que era as histórias em quadrinhos. Percebemos, passados alguns meses após encerramento do primeiro ano letivo do projeto Philosofilme que os alunos que fizeram parte do Cine Clube passaram a perguntar constantemente quando iremos novamente ter cinema na escola e quando iremos discutir novamente sobre os filmes. Deste modo, após o encerramento do projeto percebemos que um dos resultados foi alcançado, Isto é, conseguimos aproximados discentes dos filmes e da linguagem 72


cinematográfica, apresentando a eles filmes de variados gêneros e épocas, filmes clássicos como Tempos Modernos de Charles Chaplin, filmes aclamados como Matrix das irmãs Wachowski ou, ainda, como o curta-metragem Ilha das Flores, excelente filme brasileiro em curta-metragem que trata de inúmeros assuntos em poucos minutos de vídeo. Conseguimos perceber também, que com auxílio dos filmes, o conteúdo de filosofia, muitas vezes abstrato, tornou-se mais palpável para maioria dos alunos que acompanharam o cineclube. Este fato ficou perceptível não apenas na redação dos trabalhos extraclasse que eram baseados na experiência do cineclube, mas no próprio desempenho dos alunos nas avaliações de Filosofia e Sociologia, revelando assim o alcance de um dos objetivos propostos. Por fim uma última percepção, talvez a mais valiosa, veio dos relatos dos próprios alunos durante a vigência do projeto. Percebemos que a partir da exibição de filmes clássicos e a partir do debate feito após o filme os alunos começaram a desenvolver realmente o senso crítico em relação aos filmes, posto que muitos deles relataram nos trabalhos extraclasses desenvolvidos para a disciplina de filosofia, que ao assistir um filme na TV eles passaram a pensar sobre o que poderia ser debatido a respeito desse filme. Muitos alunos relataram ainda que, ao ver um filme, sentiam a necessidade de debater elementos que tinham percebido no filme, muitas das vezes debatendo com seus colegas e algumas vezes com seus pais (muitos relataram também que eram ignorados ao tentar fazer o debate).

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REFERÊNCIAS

BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In: Magia e técnica, Arte e política. trad. Ser P. Rouanet. Brasília DF: Ed. Brasiliense, 1987a.

___________. Pequena história da fotografia. In: Magia e técnica, Arte e política. trad. Ser P. Rouanet. Brasília DF: Ed. Brasiliense, 1987b.

CABRERA, JULIO. O Cinema Pensa: Uma Introdução à Filosofia Através dos Filmes. Tradução de Ryta Vinagre. Rio de Janeiro: Rocco, 2000

COSTA, E.D.S. Cinema e filosofia: entre imagens e conceitos. Joinville: Ed. Clube de autores. 2010. GATTI, André. “Chaplin Club”. In: RAMOS, Fernão e MIRANDA, Luiz Felipe (orgs.) Enciclopédia do cinema brasileiro. São Paulo: Editora Senac, 2000.

NAPOLITANO, MARCOS. Como usar o cinema na sala de aula. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2005.

NORTON, Maíra. Diante do aparelho: a experiência pedagógica do cinema em Walter Benjamin. Revista Poiésis, n 19, p. 45-61, Julho de 2012.

PLATÃO. A república. Trad. Carlos A. Nunes. Belém: EdUFPA, 2000.

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INTENCIONALIDADES E CAMINHOS NA INICIAÇÃO CIENTÍFICA: PRÁTICA PEDAGÓGICA DA ESCOLA ESTADUAL PROF. DEUZUITA PEREIRA DE QUEIROZ

Josidalva de Almeida Batista54 Maria da Conceição Ribeiro Troitinho 55 Aerton Francisco Lima56

Resumo: Este artigo discute intencionalidades e caminhos na iniciação científica percorridos pelos discentes, docentes e equipe técnica da Escola Estadual Prof. Deuzuita Pereira de Queiroz, localizada em Redenção-PA. As propostas de trabalho descritas compõem um grupo de atividades desenvolvidas visando oportunizar aos discentes o fortalecimento da autonomia, bem como o prazer em investigar fenômenos ou objetos a partir da pesquisa, garantindo assim que esses atuem de forma mais ativa em sua aprendizagem, deixando de agir como meros repetidores de conhecimentos já existentes. A fundamentação teórica da prática pedagógica se baseia nos pressupostos teóricos de Ausubel, Freire, Chassot e Martins. Dentre as ações desenvolvidas, registra-se: formação de alunos e professores, planejamento e execução de feira de ciências, desenvolvimento e apresentação de projetos de iniciação científica, participação em feiras regionais e premiação de alunos. Os resultados encontrados indicam um caminho promissor na construção de novos saberes e no fortalecimento do protagonismo juvenil a partir de um trabalho multidisciplinar. Também se ressalta que os avanços nessa trajetória podem vir a incentivar outras unidades de ensino a priorizar a iniciação científica no âmbito escolar e consequentemente o pensamento científico, crítico e criativo. Palavras-chave: Iniciação Científica. Construção de saberes. Protagonismo juvenil.

1. Introdução O presente trabalho tem como objetivo descrever um relato de experiências vivenciado na Escola Estadual de Ensino Médio Professora Deuzuita Pereira de Queiroz, localizada na cidade de Redenção no Sudeste paraense, a qual surgiu a partir de inquietações da Equipe Pedagógica e dos docentes diante de certa apatia dos discente frente as práticas pedagógicas desenvolvidas. Ademais nas feiras cientificas escolares reproduziam-se trabalhos desconectados da realidade que não favorecia o fortalecimento

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Técnica em Educação vinculada a SEDUC/PA. Especialista em Educação em Ciências e Matemática pela UFPA. Aluna do Programa de Mestrado em Educação em Ciências e Matemática da UNIFESSPA. 55 Técnica em Educação vinculada a SEDUC/PA. Especialista em Gestão Escolar pela UFPA. Aluna Especial do Programa de Mestrado em Educação em Ciências e Matemática da UNIFESSPA. 56 Professor Vinculado a SEDUC/PA. Licenciado em Química e Especialista em Educação em Ciências e Matemática pela UFPA.

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do pensamento crítico, não proporcionavam reflexão sobre a produção do trabalho científico, bem como não traziam nenhum benefício significativo a comunidade local. Diante dessa realidade buscou-se motivar os discentes através de palestras, orientações em grupos e individuas sobre as etapas de construção do trabalho científico, o que ascendeu o desejo de buscar algo novo que trouxesse benefícios a si próprio e a comunidade escolar. A partir daí surgiram várias ideias apontadas pelos educandos, formaram-se os grupos de trabalho, e iniciaram as pesquisas sobre temas de interesses dos alunos. A cada etapa do trabalho, as dúvidas eram orientadas pela a equipe técnica e pelos professores regentes. As pesquisas foram realizadas ao longo do bimestre e após testada e aprovadas, foram demonstradas a comunidade através de exposições dos experimentos em uma feira de ciências na Escola. Assim, percebe-se a necessidade de repensar a educação paraense e refletir sobre as práticas desenvolvidas. Nesse contexto, faz-se necessário e relevante o debate sobre ações pedagógicas que garantam aprendizagem significativa aos adolescentes e jovens matriculados no Ensino Médio em nosso Estado. Conforme Chassot (2016), os educadores têm a responsabilidade de atuar de forma que os discentes se transformem em homens e mulheres mais críticos, agentes de transformações do mundo em que vivemos. Nessa dinâmica, observa-se que a globalização e os avanços tecnológicos, têm proporcionados a expansão e a facilidade de acesso ao conhecimento às mais diversas classes sociais e aqueles que estão em lugares mais longínquos, causando assim, uma ligeira variação na forma de aprender e ensinar, consequentes da complexidade informações disponíveis. Nesse contexto atual, a globalização configura-se como uma rede complexa de processos afetando diversas nuances da vida do indivíduo, tais como: a cultura, educação, comportamento, saúde, etc. (GIDDENS, 2000). Um desses processos é a democratização do conhecimento que está em constante falseamento de hipóteses, para parafrasear Karl Popper, garantindo a constante evolução do conhecimento e emancipação do indivíduo (FREIRE, 1999, SANTOS; MENESES, 2010). Dessa forma, a escola, compreendida como um espaço genuíno de produção do conhecimento, não pode executar suas ações de forma mecânica, sem considerar o potencial intelectual de cada educando, as necessidades locais e seu compromisso social. Acredita-se que uma das principais barreiras para a efetivação de uma prática significativa que promova a construção de novos saberes, é a ausência de incentivos ao educando para explorar todas as possibilidades intelectuais, além de fortalecer o sentimento de responsabilidade social a partir de suas descobertas. Para isso, a prática docente, deve 76


promover momentos em que os discentes possam verificar as necessidades da sociedade local e o quê estes podem criar para suprir tais necessidades. Além de promover esses espaços, os educandos devem ser orientados sobre as técnicas e normas de produção do conhecimento científico. Nessa perspectiva, a E.E.E.M. Professora Deuzuita Pereira de Queiroz vem desenvolvendo nos últimos anos atividades específicas de incentivo à iniciação científica, priorizando a construção de novos saberes e estimulando a sistematização de conhecimentos produzidos. Logo, esse trabalho justifica-se pela análise dos resultados apresentados nas Feiras de Ciências ou Mostras Científicas na unidade escolar dos últimos cinco anos, sendo verificado que as propostas desenvolvidas contemplavam de forma minoritária a produção e construção de novos saberes. Assim, o foco principal dos trabalhos expostos era a transmissão de conhecimentos e informações já produzidos. Além disso, registrou-se uma baixa sistematização dos trabalhos e das novas pesquisas produzidas na comunidade local. Dessa forma, percebeu-se como urgente a abertura de espaço produção e divulgação de novos conhecimentos neste espaço educativo.

2. Reflexão teórica sobre a pesquisa na aprendizagem significativa.

A criança, naturalmente é um ser curioso. Porém, na medida em que o indivíduo cresce, seja pela ausência de auxílio para encontrar respostas às suas indagações, ou pela gama de conteúdos programáticos a ser cumprido em cada ano/série estudado, ou ainda, em consequência da submissão a metodologias tradicionais, seu potencial investigativo tende a ser reduzido. [...] os indivíduos vão crescendo, deixam de fazer perguntas por medo de serem ridicularizados e, com isso, passam a ser menos curiosos. Aprender a pensar, então, teria a ver com “dar asas à imaginação”, “não impor limites ao pensamento”, “pensar qualquer coisa, por mais absurda que ela possa parecer”, pois, “como você já sabe, pensar sem bloqueios é muito importante para ser um cientista” (AZEVEDO, 2013, p. 5).

As práticas educacionais tradicionais tendem a moldar os aprendentes engessando assim, sua capacidade investigativa, na medida em que compreende o professor como detentor do conhecimento e o aluno como mero receptor. Nesse sentido, tendências pedagógicas discutem a necessidade de superar tal posicionamento, especialmente no 77


cenário atual, onde discentes precisam atuar como participativos e críticos ante as novas tecnologias de informação e comunicação. Portanto, é nosso entendimento que o conceito de gestão da aprendizagem traga o aprendente para o centro da cena da educação a partir do princípio de que o sujeito faz parte do mundo, desde o início da sua existência. Porém, o mundo não faz parte do sujeito sem que ele o perceba. Por meio da aprendência o mundo passa a fazer parte do sujeito. A existência do mundo não depende da existência do sujeito, mas a existência de cada coisa ou fenômeno do mundo para o sujeito depende de alguma aprendência (MARTINS, 2017, p.91).

Deste modo, aprender no contexto atual é mais do que reproduzir informações, é construir saberes numa relação dialógica com o mundo, dando sentido e significado a existência das práticas desenvolvidas. A aprendizagem nessa proposta pedagógica visa estimular a iniciação científica, a comprovação dos saberes empíricos e a construção de conhecimentos baseados na pesquisa e não na reprodução. Essa compreensão incitou no âmbito escolar a análise de ações pedagógicas desenvolvidas. Destacou-se como prática estimulante da construção de conhecimentos, a realização de trabalhos para apresentação na Feira de Ciências. Pois, compreende-se que não há construção de novos saberes sem aquisição de conhecimentos teóricos e experiências empíricas que proporcionem aos educados seu protagonismo estudantil. [...] não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses que-fazeres se encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade (FREIRE, 1999, p. 32).

Ausubel (2002) e Freire (1999) são aportes teóricos desse artigo por acreditarem que a aprendizagem significativa permitirá a construção de novos saberes tendo como base a ampliação das ideias e dos conhecimentos já existentes. O conceito de aprendizagem significativa, centrada na perspectiva construtivista, implica, necessariamente, o trabalho simbólico de ‘significar’ a parcela da realidade que se conhece. As aprendizagens que os alunos realizam na escola serão significativas à medida que conseguirem estabelecer relações substantivas e nãoarbitrárias entre os conteúdos escolares e os conhecimentos previamente

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construídos por eles, num processo de articulação de novos significados (MEC/SEF, 1997, p. 38).

Segundo Ministério da Educação – MEC (2006), as Feiras de Ciências são eventos sociais, científicos e culturais em que os discentes apresentam seus projetos e ao mesmo tempo dialogam com a comunidade, trocam experiências, oportunizando discussão sobre saberes e métodos realizados. Nesse mesmo sentido, a partir desse trabalho, houve também o estímulo a docentes que já desenvolvem pesquisas em salas de aulas, auxiliandoos no registro dessas produções a partir da sistematização do saber produzido. A nossa cultura é muito oral. Falamos muito e escrevemos pouco e incentivamos menos ainda nossos alunos a escrever. Entendo que à escola cabe ser, além de espaço de fala, um espaço de produção escrita, pois é isso que consolida o processo argumentativo. Se os alunos conseguem colocar adequadamente no papel as suas ideias com clareza e empregando razoavelmente os códigos da língua materna é porque essas ideias estão claras para eles. (MORAES, 2004, p. 46).

A escola, uma instituição social, tem como papel principal formar cidadãos atuantes, críticos e aptos a perceberem o mundo sentirem-se parte desse mundo e a partir desse sentimento de pertença, deve estimular os discentes a agirem de maneira a transformar a si mesmo e o outro. A linguagem escrita é fundamental para que as crianças, adolescentes e jovens possam colocar suas ideias no papel e a partir desses registros fortalecer a prática da cultura escrita no âmbito social. Dentre tantas possibilidades, destaca-se que a pesquisa teórica e prática se bem conduzidas oportunizam aos aprendentes a prática da escrita e a sistematização do conhecimento produzido.

3. Investigando e construindo novos saberes: metodologia na prática diária

A E.E.E.M. Professora Deuzuita Pereira de Queiroz encontra-se localizada na Rua 34, setor Oeste, na cidade de Redenção-PA, próxima a Avenida Santa Tereza, uma das principais avenidas da cidade. Atualmente atende aproximadamente 1.500 alunos nos turnos: matutino, vespertino e noturno.

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Figura 1- Fachada da Escola Deuzuita

Fonte: Arquivo da Escola

Inicialmente, na análise dessa ação pedagógica optou-se por relacionar seus resultados com os objetivos da unidade escolar delineados no Projeto Político Pedagógico. Conforme o Projeto Político Pedagógico da Escola Estadual de Ensino Médio Professora Deuzuita Pereira de Queiroz: a escola mantém relação estreita e dialógica com a sociedade. Desse modo, a formação dos educandos contempla a preparação para compreender e intervir em sua comunidade. Então, a aprendizagem deve partir de problemas reais. E, sobretudo, responder aos desafios da sociedade na busca da transformação. Entende-se ainda que os educandos constituam uma população diversificada, o que estimula a necessidade de atentar-se às diferentes percepções e vivências do mundo, do conhecimento e das relações sociais. (P.P.P. ESCOLA DEUZUITA PEREIRA DE QUEIROZ, 2017, p. 11 e 12).

Anualmente a escola desenvolve a Feira de Ciências com apresentações e exposições de trabalhos científicos e culturais à comunidade. Entretanto, a avaliação das práticas realizadas tem conduzido à comunidade escolar a desenvolver ações pedagógicas que primem pela iniciação científica e a sistematização dos conhecimentos produzidos. Logo, a intencionalidade dessa proposta esteve nas discussões do início do ano letivo e em outros encontros pedagógicos. As reuniões e encontros da comunidade escolar direcionavam as intencionalidades da inserção da pesquisa no fazer pedagógico, bem como do estímulo a aprender a aprender, especialmente a partir das experiências prévias do alunado. Nesse sentido, docentes e 80


equipe pedagógica planejaram em 2017 a proposta pedagógica da Feira de Ciências, com o tema: Ideias que geram conhecimento para um futuro melhor. Além de estimular a apresentação de práticas que podem melhorar o futuro, incentivou-se a iniciação científica ao propor a exposição de pesquisas e produções originais à comunidade. Inicialmente, realizaram-se nos três turnos a formação e a orientação sobre a proposta através de seminários e discussões sobre a importância do protagonismo juvenil na aprendizagem. Cada turma deveria iniciar sua proposta a partir de debates sobre percepções e indagações dos problemas da comunidade para pesquisar e construir soluções criativas e contextualizadas a sua realidade social. Assim, os temas e títulos dos trabalhos foram estabelecidos tendo como referência a contextualização e as potencialidades de iniciação científica. Em muitos casos testaram-se os conhecimentos populares dentro de métodos científicos. Em outros grupos, optou-se por construir aplicativos e soluções tecnológicas que facilitassem a vida diária e solucionasse as problemáticas encontradas. Para direcionar o trabalho, foi proposto o preenchimento do Plano de Pesquisa. Esse documento indicava elementos norteadores do trabalho a ser realizado: título, problematização, hipótese, objetivo, metodologia e bibliografia. Além disso, estimulou-se a utilização do “Diário de Bordo” pelos grupos de trabalho. Esse instrumento permite os registros – escrito e fotográfico – das pesquisas, dos encontros e dos debates de cada turma facilitando a avaliação da prática desenvolvida. Mantendo a perspectiva da sistematização do saber produzido, as turmas deveriam apresentar na data da exposição o relatório final do trabalho realizado. Nesse documento deveriam ser encontradas informações sobre a trajetória da pesquisa se houve ou não flexibilidade ao plano proposto, bem como as considerações do grupo sobre a temática estudada. Desde as reuniões iniciais até a entrega das propostas de trabalho verificou-se o anseio dos discentes em produzir, em conhecer, em saber mais sobre as mais diferentes temáticas. Os trabalhos desenvolvidos contemplaram diversas propostas: criação de aplicativos, estudos para implantação de uma praça sustentável, pesquisas sobre a construção de geradores alternativos de energia, estímulo à atividade física, reutilização da água em horta orgânica, reutilização de materiais, cuidado com o meio ambiente, entre outros. De forma que foram apresentados 38 experiências nas diferentes áreas do conhecimento. Todas desenvolvidas a partir da identificação da problemática, levantamento 81


bibliográfico, coleta e interpretação de dados, sistematização dos resultados em registros escritos e exposição oral sobre as etapas da pesquisa e o produto final. Cada turma apresentou um trabalho. Dentre esses, destacamos a seguir três projetos, orientados por três professores diferentes da escola. Projeto “Power Bike” , surgiu da necessidade de produzir uma energia sustentável pelos praticantes de ciclismo. Os discentes estudaram possibilidades para gerar energia elétrica a partir da rotação da roda da bicicleta. Os educando realizaram pesquisas bibliográficas e entrevistaram pessoas da comunidade e professores na busca de conhecimentos específicos para desenvolver sua proposta científica. Já o Projeto “Movimento é Vida”, focado nos conhecimentos explorados na disciplina de Educação Física buscou alternativas para iniciação esportivas em comunidades de baixa renda. Os alunos realizaram pesquisas de campo por meio de entrevistas com pais de crianças carentes. Posteriormente, os alunos analisaram materiais alternativos para a prática esportiva na comunidade visitada. Assim, orientados pelo professor responsável pelo projeto, os alunos confeccionaram bolas, redes e cordas elásticas a partir de materiais de baixo custo. Outro destaque foi o Projeto “Soluções Sustentáveis” para o ambiente escolar, onde foram observados problemas na Unidade de Ensino, tais como resíduos produzidos e desperdício diário de água expelida pelos climatizadores de ar das salas de aula. Essa pesquisa iniciou a partir de questionamentos sobre os procedimentos adotados e buscando alternativas tendo como foco o estímulo a adoção de condutas ecologicamente corretas nesse espaço educacional. . Sob orientação do professor, os alunos apresentaram uma proposta de construção de uma horta orgânica na própria escola a partir da reutilização da água expelida pelas centrais de ar e pelo reuso de garrafas de plástico que eram descartadas. No período que antecedeu a feira percebeu-se certa ansiedade por parte da maioria dos educandos no sentido de buscar informações sobre como realizar suas pesquisas, como diferenciar um conhecimento científico do conhecimento do senso comum, o quê seria um plano de pesquisa, um diário de bordo, como abordar o assunto pesquisado, entre outros. A cada etapa da pesquisa ficava evidente a construção da autonomia, o prazer pela investigação, dentre outras iniciativas inovadoras por parte dos membros de cada grupo. Sobre o trabalho desenvolvido, registram-se trechos dos depoimentos presentes nos documentos apresentados por alunos e professores: 82


“Identificamos ainda a relevância em investir na execução de ações e projetos de conscientização da comunidade escolar, principalmente dos alunos, no sentido de mudança de hábitos, incentivando o zelo para com o patrimônio escolar, e na compreensão de que a escola é um bem de todos e que deve ser cuidada por todos.”. (Trecho extraído de Relatório Final do 3º ano C Vespertino constando nos arquivos da Feira de Ciências da Escola Deuzuita Pereira de Queiroz, 2017).

Outro relatório final de pesquisa destaca que o aprender se torna mais eficaz quando o discente é protagonista da busca pelo conhecimento. “Esse projeto (a proposta dos discentes) poderá diminuir os gastos de água, e assim, gerar uma boa economia. A turma teve um grande aprendizado com o projeto, levando assim, para a sua vida, colocando em prática não só na escola, mas em casa.”.

(Trecho extraído de Relatório Final do 2º ano C Matutino constando nos

arquivos da Feira de Ciências da Escola Deuzuita Pereira de Queiroz, 2017).

Além disso, o projeto desenvolvido pela turma do 1° ano A vespertino, que fizeram pesquisa sobre geração de energia, cujo relato abaixo reforça a importância da autonomia na produção do conhecimento. “Pela euforia da turma em realizar o projeto, conclui-se que os objetivos foram atingidos, já a partir da execução, uma vez que os alunos foram instigados, durante o processo a buscarem conhecimentos na área de produção e distribuição de energia. Além disso, realizaram uma experiência direta com raios expandidos em gás argônio. O que resultou em acúmulo de conhecimentos que pode servir de base para futuros projetos, na área de energia. (Trecho extraído de Relatório Final do 1º ano A Vespertino constando nos arquivos da Feira de Ciências da Escola Deuzuita Pereira de Queiroz, 2017).

Nesse contexto, registra-se o envolvimento de professores de diferentes áreas no trabalho de pesquisa, na orientação aos discentes, já que a proposta da Feira de Ciências contemplou a participação direta de todas as áreas de ensino do Ensino Médio da Escola. Este trabalho proporcionou as ações pedagógicas a ultrapassarem os muros escolares. Em todas as pesquisas foram evidenciadas o envolvimento da comunidade externa à escola, desde os debates iniciais sobre a pesquisas ao patrocínio e a presença maciça na apresentação final do trabalho. Esse envolvimento é perceptível na análise dos Diários de Bordo produzidos, onde encontramos imagens, entrevistas e registros de pesquisa em diferentes locais de estudo e investigação.

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O trabalho não se limitou ao ambiente escolar e o espaço da sala de aula. Os alunos que visitaram fazendas, lixões, depósitos em busca de material para estudo e realização de seus trabalhos. Além disso, algumas turmas aplicaram questionários a grupos específicos e tais colaboradores retornaram a unidade escolar para compreensão e análise dos resultados da pesquisa realizada. Essa estreita ligação de pesquisa dos alunos com a comunidade permitiu a produção de saberes com conexões e aplicações em seu cotidiano, tal como indica os depoimentos citados acima. De acordo com Pozo (1997), o conceito de aprendizagem significativa evidencia-se quando um novo dado passa a ser incorporado à estrutura cognitiva do aluno. Ou seja, a nova informação, a nova descoberta encontra relação com o conhecimento que o discente já possui e assim passa a integrá-la. Dessa forma, o saber construído passa a ter significado e pode ser acessado pelo aluno em sua prática cotidiana na medida em que resolve problemas de seu entorno. Ou ainda, na medida em que usa esse conhecimento como base para aprender cada vez mais. Assim, refletindo sobre as impressões iniciais dessa prática, pudemos vivenciar no ambiente escolar a proposta de aprendizagem significativa ao estimular a construção de saberes a partir de temas relevantes ao cotidiano do educando. E, assim, envolver e instigar discentes nas busca de novos conhecimentos e soluções para um futuro mais digno e justo. Ainda como resultado dessa ação, outras atividades semelhantes foram desenvolvidas no ano de 2018 que instigaram a iniciação científica e a produção de novos saberes. Essas novas propostas bem como as pesquisas realizadas em 2017 foram submetidas à Mostra Científica do Sul e Sudeste do Pará – MOCISSPA, evento realizado em Marabá pela Universidade do Sul e Sudeste do Pará – UNIFESSPA. Em dupla de apresentadores orais, a escola concorreu em quatro categorias distintas, a saber: Ciências Exatas, Linguagem, Engenharias e Ciências Humanas. Sendo premiados nas quatro categorias, três primeiros e um segundo lugar, além de duas bolsas de iniciação científica do Capes. Destacando-se como projeto premiado evidencia-se o projeto Microscópio Caseiro, desenvolvido por discentes do 3º ano do Ensino Médio, orientados pelo professor P4. Nessa proposta foi desenvolvido um modelo de microscópio a baixo custo possibilitando sua utilização nas escolas públicas que normalmente não dispõem de tal instrumento nas aulas de Biologia. Tal ferramenta poderia permitir uma associação mais eficaz da teoria com a prática e consequentemente uma aprendizagem mais significativa aos discentes. 84


Em 2019, as atividades não se encerraram, continuam ainda mais fortes com o incentivo recebido. A divulgação das premiações, bem como o apoio a pesquisa motivaram demais discentes a engajarem nessa proposta e buscar novos caminhos para uma aprendizagem mais autônoma e significativa.

4. Considerações Finais. Ao analisar os caminhos percorridos no incentivo a iniciação científica, percebeu-se que os resultados constituíram uma oportunidade ímpar no estímulo, na construção de saberes e no estreitamento do conhecimento produzido na escola com sua aplicabilidade na sociedade. A análise dos relatos de experiências, das etapas dos trabalhos e tecendo uma breve comparação dos trabalhos apresentados nesse ano com práticas desenvolvidas nos anos anteriores são perceptíveis avanços no que tange a proximidade das propostas desenvolvidas com as necessidades da realidade vivenciada pelos discentes. Os trabalhos apresentados refletiram o exercício dos educandos na pesquisa sistematizada sobre o objeto a ser investigado. Desse modo, reforça-se o objetivo da Unidade Escolar em estimular a autonomia, o protagonismo estudantil e a busca por novos conhecimentos, a partir de uma aprendizagem significativa. Acredita-se que a execução de ações pedagógicas semelhantes a essas devem acontecer frequentemente, pois envolvimento dos discentes, a produção de conhecimentos nas descobertas realizadas, a participação da comunidade dentre outros aspectos apresentados indicam que se está no caminho certo. Sabe-se que ainda tem-se muito a fazer para que os índices de desenvolvimento educacional sejam considerados satisfatórios, por isso essa investigação não se encerra neste ponto. Pelo contrário, ficam registradas considerações parciais e os avanços desta trajetória como incentivo aqueles que anseiam em participar desse estudo e desejam priorizar a iniciação científica no Ensino Médio no Estado do Pará.

5. Referências AUSUBEL, David. Adquisicion y Retención del Conocimento: Una perspectiva congnitiva. Paidós: Barcelona, 2002.

AZEVEDO, Celicina Borges. Metodologia científica ao alcance de todos. 3. ed. Barueri: Manole, 2013. 85


CHASSOT, Ático. Alfabetização científica. Ijuí: Unijuí, 2017.

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GIDDENS, Anthony. O mundo na era da globalização. Tradução de Saul Barata. Lisboa: Editora Presença, 2000.

MARTINS, José Lauro. Enquanto uns ensinam, outros navegam. Porto Alegre: Editora Fi, 2017.

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MORAES, Roque; LIMA, Valderez. Pesquisa em sala de aula: tendências para a educação em novos tempos. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004.

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SANTOS, Boaventura de Souza & MENESES, Paula. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010.

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TERRA FIRME: JUVENTUDE NEGRA PERIFÉRICA – DO EXTERMÍNIO AO PROTAGONISMO Lília Cristiane Barbosa de Melo 57

Resumo: Estigmatizado pela mídia paraense como um bairro violento, de população predominantemente marginal, abandonado pela administração pública com a ausência de ações afirmativas para a diminuição da desigualdade, o bairro da Terra Firme sofre com a onda de extermínio de jovens negros da periferia. Entretanto, em meio a constantes problemas, há uma ativa e intensa produção cultural de grupos artísticos no bairro, os quais não interagiam com as escolas. Nesse sentido, este texto tem como objetivo apresentar o processo de construção e realização do projeto Juventude Negra Periférica: do extermínio ao protagonismo, desenvolvido na escola Brigadeiro Fontenelle. O projeto tem como meta proporcionar o reconhecimento e valorização da identidade sociocultural afroindígena e ribeirinha da juventude negra periférica do bairro supracitado. Para tanto, apresentamos as ações didáticas efetivadas, eventos de formação sobre memória, história e cultura, para exposição de dados obtidos via pesquisa bibliográfica e levantamento de dados. Houve, também, a realização de seminários, rodas de conversa, produção de material de divulgação on-line. No desenrolar das atividades, foi realizada, ainda, uma campanha em março de 2018, para que cerca de 400 estudantes fossem levados ao cinema, a fim de assistir ao filme Pantera Negra, dada à representatividade da obra para discussão acerca de questões afrodescendentes. Em decorrência disso, uma série de atividades didáticas foram efetivadas para propiciar que os alunos tivessem a oportunidade de debater, discutir, problematizar a obra, interligando-a às questões locais e globais. Consideramos que esta interação didática estabelecida foi de capital importância, para que estes jovens, por tantas vezes silenciados e invisíveis no contexto escolar, pudessem se posicionar e refletir sobre a realidade circundante (SANTOMÉ, 2009; ROJO, 2000, 2009; ROJO e CORDEIRO, 2004). Palavras-chave: Juventude negra. Periferia. Cinema. Identidades. 1. PALAVRAS INICIAIS

A escola Brigadeiro Fontenelle está localizada na Terra Firme, um dos bairros considerados mais populosos e violentos da região metropolitana de Belém. Neste bairro, há elevados índices de pobreza, falta de saneamento básico e diversos problemas, dentre eles, as constantes disputas de poder entre traficantes, policiais e milicianos, fazendo, muitas vezes, a comunidade refém dessa guerra silenciosa, cuja sua maior vítima é a juventude negra periférica. (IPEA, 2018; COUTO, 2010, 2014).

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Professora de Língua Portuguesa, AD4, efetiva da Secretaria Estadual de Educação do Pará. Lotada na E.E.E.F.M Brigadeiro Fontenelle. Possui graduação em Letras pela Universidade Federal do Pará (2003). Especialista em Ensino da Língua através dos Textos pela mesma instituição (2005). Vencedora da XI edição do Prêmio Professores do Brasil na etapa nacional em 2018. Ganhadora do título de Cavaleira da Ordem Nacional do Mérito Educativo concedido pelo Presidente da República Federativa do Brasil (2018). Email: letras_lilia@yahoo.com.br

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Neste território de extrema vulnerabilidade social, em que há extermínio da juventude, existem movimentos culturais de resistência e de enfrentamento a esta problemática, os quais atuam produtivamente - na ausência de políticas públicas - para ocupação das ruas do bairro com atividades de cultura, arte e lazer voltadas para os jovens. Nessa direção, meu entendimento e principal angústia foi perceber que, embora o bairro fosse um caldeirão de cultura, essas produções artísticas pouco se socializavam com as escolas do bairro. A insuficiente interação das ações dos coletivos culturais com as/os alunas/os e ausência de comunicação desses grupos entre si contribuíam, para que os estudantes desconhecessem, muitas vezes, a potencialidade cultural do bairro em que moravam, inviabilizando, dessa forma, a construção do senso de pertencimento nas produções culturais do seu lugar (o bairro da Terra Firme), ou seja, por desconhecerem sua própria identidade sociocultural, essas/es alunas/os não percebiam e, consequentemente, não valorizavam o poder transformador do fazer coletivo para uma comunidade periférica. Assim, seria necessário um mapeamento dos coletivos culturais do bairro e um estudo, concomitantemente, de projetos de outras comunidades que apresentassem resultados positivos na aplicação de estratégias de empoderamento da juventude negra periférica com arte, cultura e lazer no âmbito da ocupação de locais públicos. O conhecimento de projetos como "Proceder" (Mano Teko/RJ), "Blacktude" (Nelson Maca/ Salvador), "Cooperifa" (Sérgio Vaz/São Paulo) foram determinantes para o envolvimento e sensibilização de jovens que reconheciam nas letras de músicas e poesias desses projetos aspectos de sua realidade. Soma-se a isso a realização de pesquisas de campo, de seminários que essas/es jovens realizaram para apresentar o panorama de produções culturais existentes no seu bairro. Ao longo deste texto, este percurso disciplinar será detalhado.

2. EXPOSIÇÃO DA PROBLEMÁTICA E OBJETIVOS DO TRABALHO

A escola Brigadeiro Fontenelle está entre as três maiores escolas da rede estadual de ensino no estado do Pará. Ela é a maior escola do bairro da Terra Firme - um dos maiores bairros periféricos da região metropolitana de Belém- e por isso concentra jovens de diferentes lugares com diferentes realidades, porém, todos com algo em comum: a falta de recursos financeiros para atendimento básico de suas necessidades. Por ser muito pobre, populoso e violento, o bairro sofre com constantes ataques de extermínio de sua juventude . A ausência do Estado faz com que a comunidade invente 88


soluções criativas para resistir e enfrentar as dificuldades. Nessa direção, é possível perceber que a Terra Firme sedia vários coletivos culturais que atuam nas áreas do Teatro, Dança de rua, Grupos de Mcs, Rappers, Boi-bumbá, Quadrilhas malucas, Formação musical de percussão, Danças folclóricas, dentre outros. Esses coletivos não recebem apoio algum de políticas públicas e vários deles, por falta de suporte governamental, não têm sede própria e atuam do jeito que dá, ocupando as ruas com seus ensaios e eventos. Se, de um lado, os coletivos culturais precisam de espaço para seus encontros, reuniões, ensaios e eventos; por outro lado, a escola necessita dissolver seus muros para construir um diálogo franco com sua comunidade. Eis aqui uma boa razão de conciliar dois interesses: a comunidade ganha, pois as ações dos coletivos são fortalecidas com o uso dos espaços da escola para o funcionamento necessário de suas atividades, e a escola também ganha, pois as oficinas oferecidas pelos grupos envolvem (alunas e alunos) que necessitam de incentivo nas áreas de arte, cultura e lazer. Nesse sentido, o objetivo do projeto didático é (re)conhecer estas práticas socioculturais e a partir disso construir parcerias entre os coletivos culturais e a escola pública não só para a valorização destas práticas de letramentos situadas, construídas pelos moradores da referida periferia, mas também propor atividades de integração, participação e construção de ações letradas, situadas, mobilizando os diversos letramentos – vernaculares e dominantes- em espaços institucionais como a escola e em outros lugares sociais em que estes sujeitos podem e devem ocupar, a saber: cinema, teatro, praças públicas, universidades (ROJO, 2009; FREITAS, 2014). Nessa perspectiva, o público-alvo do projeto são jovens periféricas/os, alunas/os do ensino médio. Por conta disso, concentrei-me nas turmas de 1º e 3º anos, porque são as séries em que leciono desde 2008 na escola. Percebi, com o decorrer das aulas, que as/os aluna/os mais participativas/os - as liderança nas turmas - eram justamente aquelas/es que praticavam outras atividades no contraturno. As atividades eram as mais variadas possíveis, mas sempre com oficinas ministradas gratuitamente por coletivos culturais do bairro. Foi através de conversas e questionários aplicados que concluí que as/os jovens que se diferenciavam em comportamento e atitude já tinham liderança fora da escola e desenvolviam um trabalho no campo das artes e cultura. Então, passei a fazer um levantamento de quantos coletivos culturais o bairro possuía e quais as instituições de manifestações culturais pertenciam ao cotidiano das escolas do bairro. Surpreendentemente, por meio do banco de dados do Ponto de Memória da Terra Firme (pesquisa desenvolvida pelo IBRAM Instituto Brasileiro de Museus), constatei que o 89


bairro dispunha de uma lista com mais de 68 grupos que atuavam produtivamente na comunidade. Mas onde eles estavam? Por que as/os aluna/os não os conheciam? O que faltava para se estabelecer uma parceria com as atividades das escolas? Pensando nisso foi que desenvolvemos vários seminários nos três turnos com a temática: Os coletivos Culturais do Bairro da Terra Firme. Essa sondagem foi maravilhosa, pois a lista de coletivos que a priori ofereci como opção de pesquisa para as equipes foi ampliada, uma vez que os alunos apresentavam outros grupos e projetos em que eles atuavam e que ainda não tinham suas ações sendo reconhecidas no âmbito escolar, por exemplo. No desenrolar da construção deste percurso disciplinar, era angustiante perceber que um coletivo cultural como o Casa Preta, conhecido internacionalmente por atuar com jovens na valorização da cultura afro, jamais tivesse promovido uma roda de conversa nas escolas do seu entorno. Mais preocupante ainda era o fato da comunidade escolar, praticamente, seguir indiferente ao debate realizado nestas instituições sobre a condição do negro, do indígena, do periférico no contexto em questão. Também, lamentavelmente, constatei que a nossa escola chamava grupos de Capoeira e/ou de Dança de fora do bairro para participarem das festas do calendário letivo, quando, na verdade, tínhamos aluna/os que davam aulas de dança ou eram mestres de capoeira. Assim, com os questionários, sondagens orais, pesquisas e apresentação de seminários, realizamos um levantamento dos conhecimentos prévios das/os alunas/os esboçando um perfil da escola em que tínhamos e quais as principais demandas que deveríamos pautar nos futuros debates, convivências e rodas de conversa.

3. COMPETÊNCIAS E HABILIDADES

Considerando que o projeto desenvolveria atividades com alunas/os do Ensino Médio, em especial as turmas de 3º ano, as metas de aprendizagem deveriam apresentar consonâncias com as exigências do Enem para a disciplina escolar Língua Portuguesa, já que os resultados do IDEB\IDEPA(Índice de Desenvolvimento da Educação Básica/ Instituto de Desenvolvimento Educacional do Pará) e do Enem não tem sido satisfatórios no estado do Pará,o que não quer dizer que essas/es alunas/os não dominem outras formas de letramento não hegemônicas. Assim, as ações do projeto fortaleceriam as práticas de ensino da língua através de textos nos diferentes processos e dimensões: oralidade, leitura, análise linguística e produção escrita. 90


Não é de hoje que o binômio leitura/escrita está presente nas discussões dos encontros de educadoras/es do estado do Pará. O problema não é reconhecer a importância que tem cada uma, seja a leitura ou a escrita, dentro do processo aquisitivo da linguagem, mas sim reconhecer qual concepção de linguagem se trabalha em sala de aula para poder identificar e valorizar os avanços que almejam frente ao caminho traçado (BUNZEN e MENDONÇA, 2006). Partindo desse princípio da necessidade de mudança nas atividades didáticas em sala de aula é que se construiu esse projeto de promover debates com jovens acerca da sua realidade, com a preocupação de incentivar sua escrita, a partir de leituras, reflexões e debates de questões polêmicas que envolvem sua identidade sociocultural, considerando que compreender e produzir textos são atividades humanas que implicam dimensões sociais, culturais e psicológicas, além de mobilizar todos os tipos de capacidades de linguagem (habilidades e competências). O projeto pretende, assim, ampliar o nível de letramento dessa juventude periférica, potencializando capacidades linguísticas, discursivas com a finalidade de desenvolvimento do aspecto social do uso da leitura e da escrita nas atividades práticas cotidianas do fazer coletivo (MARCUSCHI, 2008). Dessa forma, reconhecer-se como comunidade afro-indígena ribeirinha transformaria o olhar da juventude da Terra Firme, transmutando-a do lugar de objeto na construção de narrativas alheias para lugar de sujeito que escreve e protagoniza a sua própria história (SOUZA, 2009).

4. METODOLOGIA

Reservava um momento em todas as minhas aulas para realizar uma sondagem oral sobre como as/os alunas/os se identificavam meio ao contexto socioeconômico e político. Geralmente quem mais se manifestava eram aquelas/es que desenvolviam algum trabalho coletivo no bairro com arte e cultura. Suas falas iniciavam-se quase sempre com afirmações tais como: “sou atriz e faço teatro em x coletivo”, “sou dançarino e desenvolvo a dança em y grupo”, “me entendo escritora de rimas”, etc. Automaticamente, aproveitava a deixa dessas afirmações para provocar reflexões por meio de perguntas como: O teatro pode mudar realidades? Seria possível intervir positivamente na comunidade com a dança? Quem toparia unir esses talentos? Enquanto 91


umas/uns compõem a letra, a poesia, outras/os dançam? Vamos apresentar tudo isso para mais pessoas em pontos estratégicos do bairro? Quem pode chamar mais gente? De imediato, essa estratégia fazia com que alunas/os se envolvessem e deliberassem suas ideias a outros grupos. Isso ocorreu em todas as minhas turmas de ensino médio, despertando a necessidade de interagir com professores de outras disciplinas (interdisciplinaridade). Foi quando decidimos realizar os seminários de apresentação dos coletivos do bairro. Cada turma deveria escolher um coletivo, visitá-lo, entender a importância de sua atuação, gravar um vídeo e apresentá-lo no dia do seminário. Após as apresentações, as equipes se responsabilizaram de divulgar esses coletivos em suas redes sociais, tendo como critério avaliativo o número de visualizações, curtidas e compartilhamentos. Essa etapa foi bastante dinâmica e deu supercerto. Porém, percebia que as/os aluna/os apresentavam dificuldade de materializar, como esse material ajudaria na transformação da sua realidade. Sempre que fazíamos debates em sala, as narrativas se construíam em 3ª pessoa do singular, como se elas/es não fizessem parte daquela produção. Embora muitas/os fizessem parte dos coletivos do bairro, ainda não sentia, em suas falas, esse senso de pertencimento. Era somente mais uma atividade da disciplina de língua portuguesa a ser cumprida. Conhecer projetos que atuavam em outros estados, influenciou esses/as jovens a acreditarem que era possível transformar suas comunidades. Os Estados com os quais tivemos contato maior foram São Paulo, Bahia e Rio de Janeiro, através de projetos de Sérgio Vaz (Cooperifa), Nelson Maca (Blacktude) e Mano Teko (Proceder). As/os jovens tiveram contato direto nas redes sociais com esses poetas e analisamos as poesias, letras de música e videoclipes por eles produzidos. A Gramática da Ira, livro de Poesias Pretas de Nelson Maca, chegou a ser lançado aqui no Pará em setembro de 2015, logo após uma grande chacina que o bairro enfrentou. Nesse momento, aluna/os da escola já tinham um envolvimento grande com o coletivo Casa Preta, através de oficinas de tambor realizadas aos fins de semana na escola. O coletivo atua na valorização da identidade afro e, à época, fez o convite ao autor do livro de visitar a escola. Ao recebê-lo com teatro e danças adaptadas de poesias do seu próprio livro que ainda seria lançado, a escola levou o poeta às lágrimas. Formamos um grupo com 55 aluna/os e adquirimos, em forma de coleta, 20 exemplares do livro, os quais ficaram na escola e que até hoje nos servem como fonte teórica do trabalho desenvolvido em sistema de empréstimo rotativo. 92


Com Mano Teko não foi muito diferente, embora essas/es alunas/os não o conhecessem pessoalmente, participaram de várias lives (transmissões ao vivo) com o cantor e tiveram a experiência de montar uma coreografia com a letra da música “Quilombo, Favela, Rua”, quase que concomitantemente ao lançamento do videoclipe. Essa metodologia de trabalho com autores vivos e de estabelecer contato real com o autor da obra estudada fez com que muitas/os alunas/os desmistificassem o ato criativo e percebessem que para ser poeta basta sentir e querer escrever o que sente. Assim, formaram-se grupos de estudos que passaram a atuar em diferentes expressões: teatro, dança, rimas, dentre outros. Figura 1 - Sarau com atuação de mãe e filha

Fonte: acervo pessoal da autora

Com o estudo aprofundado nesses projetos de outros estados e com o acompanhamento dos saraus da Cooperifa (Sarau realizado todas terças feiras na zona Sul de São Paulo com Poeta Sérgio Vaz), os grupos de estudo entraram em contato com poetas e poetizas do bairro para fazerem rodas de conversa. Foi articulado o primeiro minissarau e a escola ficou completamente ornamentada com poesias e letras de músicas. Detalhe: muitas das canções eram de autoria das/os próprias/os alunas/os. Agora, já se tinha senso de pertencimento, as ações eram constantes, dentro e fora da escola. Esses grupos passaram a interagir na comunidade com suas produções. Fazer a ocupação de um local público era menos complexo, já que cada um ajudava com o equipamento que tinha e através de uma rede de comunicação era mais fácil articular o que

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ainda não se tinha. Nossos eventos foram tomando forma e nossas produções (coreografias, recitação de poesia, rimas, etc.) já eram inseridas no calendário letivo da escola.

Figura 2 - Oficinas de convivência

Fonte: acervo pessoal da autora

Muitas apresentações saíram do bairro e foram para o centro da cidade. Recebíamos convites de outras instituições e, muitas vezes, ganhamos gratuidades em bilheterias e entradas em eventos situados em outros espaços. Mas, as chacinas não acabaram e lamentavelmente o projeto quase parou em abril de 2018 devido a uma grande atuação de policiais milicianos. Foi, talvez, a maior chacina que sofremos desde novembro de 2014, aquela que fez o poeta Nelson Maca nos visitar. Por inúmeras vezes, tivemos que parar nossas atividades para velar corpos de alunas/os e/ou parentes deles, pois a onda de extermínio intensificou no bairro (segundo bimestre de 2018), período em que os cinemas estreavam o filme Pantera Negra, da Marvel. Dada a relevância de representatividade do filme para as discussões de identidade e cultura afro e a impossibilidade financeira dessas/es jovens, promovemos uma campanha virtual que teve mais de 300 compartilhamentos e acessos, despertando a atenção de toda mídia paraense. Conseguimos levar mais de 400 jovens da periferia para o cinema com direito a pipoca e refrigerante. Muitos nunca haviam pisado na sala de um cinema. Esse fato fortaleceu ainda 94


mais as ações do projeto, abrindo portas para parcerias com universidades estaduais e federais do estado do Pará, museus, coletivos e instituições de ensino superior de outros estados. Iniciou-se, assim uma enorme agenda de bate-papos, roda de convivências interação dessa/as jovens com outras comunidades. Todos queriam ouvir como foi a experiência de ocupar o espaço do cinema? O que o filme representou para elas/es? Figura 3 - Ida ao cinema, exibição do filme Pantera Negra

Fonte: acervo pessoal da autora

A exibição de filmes transformou-se em uma forte ferramenta para o reconhecimento e valorização do fazer coletivo no bairro e devolveu, de certa forma, o ânimo que as mortes pela chacina e o sentimento de pânico haviam instaurado na alma das ações de nosso projeto. Houve necessidade de oferecer oficinas audiovisuais de bolso e discutir as etapas de produção. As parcerias com os coletivos do bairro intensificaram-se mais ainda e a escola transformou-se em um lugar de encontro para lançar estratégias para agregar ações produzidas nas ruas do bairro, como forma de reestabelecer o fluxo de jovens nas ruas da Terra Firme. Era a transformação de deslocamento em um espaço genuíno de socialização do fazer coletivo.

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Figura 4 - Aula de campo, exibição do filme Pantera Negra

Fonte: acervo pessoal da autora Foi assim que, a partir de toda a repercussão do filme Pantera Negra e a necessidade de socializar as produções artísticas do bairro como forma de ocupar a rua com arte e lazer, foi inaugurado o Cine Clube TF, um espaço coletivo itinerante, que objetiva contar a história do bairro Terra Firme sob a ótica de suas/seus moradoras/es na produção de pequenos vídeos, os quais serão exibidos em pontos estratégicos do bairro,em que a mídia insiste em propagar somente como local violento, situado em zona vermelha, mas acreditamos que falar de poesia em tempos sombrios é a melhor forma de resistir à morte!

5. RESULTADOS

Inegavelmente, percebe-se a desconstrução do estereótipo midiático de que a Terra Firme é somente um bairro violento e perigoso, de zona vermelha, onde só moram bandidos. Após uma intensa agenda de bate-papo e rodas de convivências, trabalhando o tema da identidade afro-indígena ribeirinha, já identificamos orgulho na fala das/dos jovens ao revelarem/reconhecerem/valorizarem sua identidade periférica, sua ancestralidade afro. Belém do Pará é conhecida pelo atributo de cidade morena, termo que, de alguma forma, carrega em si um receio sutilmente racista de se entender/reconhecer como uma cidade preta. Antes do projeto, muitas/os alunas/os tinham vergonha de ser da periferia e se ofendiam quando chamadas/os de preta/o, hoje já se identificam e se chamam orgulhosamente de preta/o da periferia. O senso de pertencimento adquirido pelas/os alunas/os não foi uma construção imediata, pelo contrário, foi um trabalho árduo de leitura, análise textual, produção textual 96


oral e escrita. A poesia preta de Nelson Maca (autor baiano e coordenador do projeto Blackitude em Salvador) foi determinante para o resgate dessa valorização étnico-cultural. Em parceria com o Coletivo Casa Preta, o projeto dedicou algumas de suas etapas para atender tal demanda. O ciclo de debates intitulado “Assumindo meu Black e trançando as ideias” resultou em várias alunas cortando seus cabelos alisados e iniciarem o processo de transição, socializando suas experiências em palestras para outras alunas da comunidade. Inevitavelmente, formaram-se diferentes grupos nas escolas de multiplicadores que atuavam em diversas expressões: poesia, música, esporte, dança, rimas, rappers, etc. Todo processo de construção era registrado nas redes sociais e em cartazes na escola, isso fez com que alunas/os se preocupassem mais com os registros no aspecto formal da língua. Muitas aulas minhas foram dedicadas exclusivamente para retextualização dos textos escritos e para correção ortográfica (MARCUSCHI, 2003). O lado positivo da flexibilidade na metodologia foi permitir que as/os jovens se encontrassem onde se sentiam mais confortáveis para atuar. Umas/uns gostavam de fazer registros com vídeos e fotografias, outras/os na organização dos debates e muitas/os participavam como palestrantes. No entanto, houve sempre o momento de reunir todos os grupos para avaliar aspectos positivos e negativos. Com isso, houve um amadurecimento na conduta dessas/es jovens dentro da escola. Quando queriam algo frente à direção, já oficializavam seu pedido formalmente. Essa etapa foi significativa para se estudar os gêneros textuais no seu aspecto formal, tais como: solicitação, requerimento, relatório, abaixo-assinado, dentre outros (ROJO e CORDEIRO, 2004). As temáticas polêmicas pertinentes à comunidade serviram para exercitar a tipologia dissertativa argumentativa, já que embora os debates fossem predominantemente orais, os textos escritos sempre pertenceram aos critérios avaliativos. Uma forma eficaz de preparar alunas/os para futuros processos seletivos a que se submeteriam. Uma grande dificuldade que enfrentamos foi no que diz respeito às visitações a outras instituições. Após a ida ao cinema, muitas portas se abriram para o projeto, aos menos no que diz respeito a parcerias externas, mas todas/os alunas/os que foram assistir ao filme Pantera Negra queriam participar dos debates fora da escola, e nada mais justo todas/os irem. Mas, levar todas as turmas de Ensino Médio para outra instituição implicaria ter a permissão de todas/os professoras/os daquele dia para liberarem essas turmas. 97


Infelizmente, nem todas/os concordavam. Sempre ficavam duas ou três turmas chateadas por não participarem da ação extraescolar. Somam-se a isso a dificuldade em garantir o deslocamento das/os alunas/os, já que os ônibus têm fretes caros e nem sempre são custeados pela instituição que faz o convite. A solução para ambos foi negociar previamente com professoras/es do horário das visitações e promover campanhas para subsidiar os ônibus. Outro ponto bem difícil foi lidar com as chacinas, já que um dos objetivos do projeto era a ocupação de ruas com as produções culturais, todavia em períodos mais tensos de matança, as ruas são locais proibidos de se permanecer. Nesse aspecto, tivemos que superar o medo de estar na rua e fortalecer a ação com presença de representantes dos direitos humanos e outras instituições que garantissem a realização das atividades em segurança. A inauguração do Cine Clube foi uma etapa recente que garante a continuidade desse projeto, pois oferece oficinas de audiovisuais tanto para professoras/es quanto para alunas/os, assim é possível a construção de minidocumentários sobre o bairro da Terra Firme na ótica de suas/eus moradoras/es. Assim, teremos jovens escrevendo sua própria história, atuando como sujeito que protagoniza a história que narra. Essa experiência não só pode como deve ser replicada por outras/os professoras/res, desde que sua escola esteja situada em um bairro periférico e que seja vítima de ausências de políticas públicas, não necessariamente vítima de extermínio. Para garantir a replicação, será necessária uma sondagem das principais demandas da comunidade do entorno da escola e da comunidade escolar. É imprescindível que a professora que coordene a replicação estude acerca de outros projetos premiados nacionalmente com a prática do fazer coletivo. Uma real dificuldade a ser enfrentada é a falta de compreensão da comunidade escolar sobre a didática, a dinâmica inovadora de ensinar a língua por meio da pedagogia de projetos. Há resistência das/os alunas/os, pais e mães de alunas/os e às vezes da própria direção da escolar. Lamentavelmente, serão necessários muitos momentos de justificar a importância de ensinar Língua Portuguesa fora dos moldes tradicionais, mas os PCNs e as matrizes de referências do Enem podem servir de documentos que validam essa prática de ensino (PCN, 1999). Garantindo tal prática inovadora de ensino, com as ações do projeto, a/o professor/a terá a garantia de alunas/os mais maduros, atuantes positivamente na escola e na comunidade em que vivem. 98


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A ARTE E CULTURA AFRO-BRASILEIRA E AFRICANA NA REALIDADE DO DISCENTE CONTEMPORÂNEO: UMA EXPERIÊNCIA DIFERENCIADA NA ESCOLA ESTADUAL DE ENSINO MÉDIO SÃO JOSÉ, NO MUNICÍPIO DE ÓBIDOS-PARÁ Jaine Leila Ribeiro Filizzola 58 Lucas de Vasconcelos Soares59 Maria Antonia Vidal Ferreira60

Resumo: A experiência apresentada, desenvolvida em uma instituição da rede pública de educação, a saber, Escola Estadual de Ensino Médio São José, situada no município de Óbidos no Estado do Pará, tem como finalidade relatar a implementação de um projeto realizado com estudantes do ensino médio, tendo como tema principal a Arte e Cultura Afrobrasileira e Africana na sociedade contemporânea, onde por meio das inúmeras manifestações artísticas, articularam-se os conteúdos a outras disciplinas por meio do processo da interdisciplinaridade. Dentre os objetivos, buscou-se contribuir na formação de uma postura ética no ambiente escolar, possibilitando o amadurecimento para a diversidade étnico-racial e cultural existente com vistas à diminuição das práticas de intolerância. As ações desenvolvidas se deram por meio de atividades práticas de cunho lúdico, onde os envolvidos tiveram a possibilidade de revelar/aprimorar suas potencialidades artísticas através do contato com a Arte, bem como crescer no sentido de discernir temas tão presentes e pouco discutidos em seu meio social. No que tange aos resultados obtidos, destaca-se a produção de materiais didáticos autorais, os quais revelam uma nova visão sobre os problemas encontrados, além de um maior rendimento nas disciplinas contempladas, o que já indica o êxito e o torna uma experiência significativa à realidade educacional. PALAVRAS-CHAVE: Diversidade étnico-racial. Manifestações artísticas. Interdisciplinaridade.

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Mestranda em Teologia. Professora efetiva de Língua Portuguesa e Literatura da rede Estadual de Educação / SEDUC-PA, lotada na Escola Estadual de Ensino Médio São José. E-mail: jaineleila@gmail.com 59 Graduando em Pedagogia pela Universidade Federal do Oeste do Pará. Estagiário de Apoio Escolar pela Secretaria Estadual de Educação – SEDUC/PA, lotado na Escola Estadual de Ensino Médio São José. E-mail: lu.cas.soares@bol.com.br 60 Doutora em Educação. Professora do Magistério Superior da Universidade Federal do Oeste do Pará / Campus Regional de Óbidos. E-mail: ferreira-mv@uol.com.br

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INTRODUÇÃO A experiência apresentada, desenvolvida em uma instituição da rede pública de educação, a saber, Escola Estadual de Ensino Médio São José, situada no município de Óbidos no Estado do Pará, tem como finalidade descrever a aplicação de um projeto, em parceria com a Universidade Federal do Oeste do Pará – UFOPA, Campus Regional de Óbidos, realizado com estudantes no período de março a dezembro do ano de 2018, tendo como tema principal a Arte e Cultura Afro-brasileira e Africana na sociedade contemporânea, onde por meio das inúmeras manifestações artísticas articularam-se os conteúdos a outras disciplinas por meio do processo da interdisciplinaridade. Dentre as ações desenvolvidas, destacam-se: 1) Cine debate étnico-racial; 2) Oficina de Produção de Literatura de Cordel; 3) Grupos de estudos sobre a temática; 4) Oficinas de músicas, batuques, danças e indumentárias da cultura afro-brasileira e africana; 5) Produção textual direcionada; 6) Produção de materiais didático-pedagógicos; 7) Pesquisa de campo com registros fotográficos e audiovisuais e 8) Apresentação de resultados em um evento aberto a comunidade local. Trata-se de ações que, a partir da usuabilidade de diversas manifestações artísticas, englobam temas crítico-reflexivos na realidade do aluno contemporâneo, de forma que possam dotar-se de conhecimentos teórico-práticos que contribuam a uma formação cidadã, baseada no respeito às diversidades existentes no meio social. Além disso, soma-se a perspectiva da interdisciplinaridade, buscando integralizar outros conhecimentos em outras áreas do currículo, contribuindo no melhor desempenho do estudante nas disciplinas usuais da rede. Portanto, o desenvolvimento do projeto se deu em parcerias com outros profissionais docentes, especificamente, das disciplinas de Língua Portuguesa, Literatura, História, Educação Artística e Educação Física. Ao tratar da Arte e Cultura Afro-brasileira e Africana como proposta pedagógica, buscou-se, antes de tudo, fazer uma conexão entre o passado e o presente, de forma que possamos refletir sobre enraizadas visões acerca da população negra, incitando os docentes à missão de desconstrução de conceitos errôneos e aos discentes uma nova abordagem sobre o tema. Em um cenário de desigualdades sociais, torna-se fundamental a recuperação e/ou formulação de discussões sobre um direito negado/cercado para muitos, assegurando que a ideia de diversidade não seja apenas ilusão, mas sim uma prática concreta na realidade de toda a comunidade escolar. Sobre essas mudanças, Gomes (2001) indica que:

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Pensar a articulação entre Educação, cidadania e raça é mais do que uma mudança conceitual ou um tratamento teórico. É uma postura política e pedagógica. É considerar que a Educação lida com sujeitos concretos. Por isso [...] é preciso estabelecer vínculos entre a vivência sociocultural, o processo de desenvolvimento e o conhecimento escolar do aluno (p. 90).

Assertivamente, o trabalho com as manifestações artísticas constitui-se um caminho de resgate a um direito usurpado. Esta deve ser a missão da escola em projetar os profissionais da educação como agentes envolvidos pela recomposição da cidadania de seus membros e garantir a igualdade de direitos a todos. No que tange ao contexto geográfico, o município de Óbidos está situado na região amazônica, cujo espaço povoa uma gama de culturas, crenças, saberes e, especificamente, uma variedade de populações, constituindo uma gigantesca pluralidade étnico-racial a nível local e, consequentemente, um crescente índice de conflitos entre os povos (SOARES; MELO, 2017, p. 88). De posse dessas informações, é viável o investimento em ações sobre o tema em questão, principalmente, com os alunos do ensino médio, já que tal modalidade está entrelaçada nos princípios da ética, da formação cidadã e na preparação para os desafios do mundo moderno, preceitos estes supracitados nas políticas públicas educacionais. Em se tratando do lócus da pesquisa, a Escola Estadual de Ensino Médio São José, situada a Rua Artur Bernardes no bairro de Santa Teresinha, com uma clientela de, aproximadamente, 2.500 alunos matriculados, apresenta-se como um espaço oportuno para a aplicabilidade da proposta, visto que, dispõe de uma grandiosa e propícia estrutura física e tecnológica. Assim, guiando-se na perspectiva da interdisciplinaridade, é possível, a partir das discussões sobre o tema, intermediar ligação com outras disciplinas por meio de atividades diferenciadas na realidade do aluno, como: formulação de ideias (produção textual) em Língua Portuguesa e Literatura; discussões territoriais em Geografia; reflexão sobre os contextos sociais em Sociologia; compreensão sobre as lutas e movimentos da população negra em História; utilização de manifestações artísticas em Educação Artística e Educação Física; problematização crítica-reflexiva em Filosofia, dentre outras possibilidades. Essa foi uma das apostas do referido projeto, cujos resultados demonstram êxito e apontam a eficiência das ações.

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JUSTIFICATIVA Mesmo com grandes avanços no campo das políticas públicas brasileiras, especificamente, as de abrangência educacional, ainda sim, não foi possível a eliminação total dos casos de discriminação sobre a figura da população negra e sua fragilizada história. Partindo desse entrave, podemos refletir sobre como será o futuro dessa sociedade que, apesar de todos os processos já ultrapassados, não se livrou de uma ponderada arrogância racial, a qual permanece oculta em discursos ideológicos que projetam a imagem de um país diversificado e harmônico, porém, tão distante desses valores na realidade social. Criticamente, Gomes destaca que: Todos nós sabemos que a Educação é um direito social. E colocá-la no campo dos direitos é garantir espaço à diferença e enfrentar o desafio de implementar políticas públicas e práticas pedagógicas que superem as desigualdades sociais e raciais. Essa é uma questão que precisa ser levada a sério pelos/as educadores/as e formuladores/as de políticas educacionais (2001, p. 84).

Por estarmos presentes em uma instituição educacional, cujo foco é a formação dos educandos e sua preparação para a sociedade na qual estão inseridos, buscou-se proporcionar momentos reflexivos a este público, bem como o desvelar de potencialidades ocultas, as quais passaram a ser estimuladas a partir do contato com as diversas manifestações artísticas, tais como pintura, desenho, canto, dança, escrita e outros. Assim, encontraram-se meios de fazer com que o aluno possa se expressar em seu tempo próprio por meio de metodologias favoráveis. Ressalta-se ainda que a intencionalidade de elaboração/aplicação do projeto surge por meio de uma pesquisa realizada no município de Óbidos, onde Soares e Santos (2017) indicam que os casos de discriminação “ocorrem com muita frequência, sendo o espaço escolar o lugar mais comum de propagação da chamada discriminação racial” (p. 502). Junto a isso, surge uma indagação sobre o que está sendo feito para frear esses ataques moralistas e ofensivos, já que não percebemos a presença do tema no dia a dia das escolas. Pelo contrário, somente ganham destaque em datas comemorativas e/ou outros eventos do calendário escolar. E, nesse caso, trabalha-se o tema somente direcionado ao processo da escravidão, descartando assim, a parcela significativa que o povo negro teve na formação de nossa sociedade e as heranças culturais que contribuíram na concretude de uma identidade própria e libertadora. É essa perspectiva que o projeto vem seguir, projetando os alunos como atores e não mais ouvintes, de forma que consigam desmistificar 104


visões arraigadas, direcionando o olhar para a tolerância, para o respeito e para a diversidade. Claramente, o projeto denota suma relevância à comunidade educacional e social, pois, além de desconstruir imagens estereotipadas, propõe-se a projetar um novo cenário de igualdade entre todos, onde a ideia de formação e valores sociais e éticos estejam salvaguardados perante os déficits existentes na sociedade contemporânea. Com isso, pretende-se abolir, definitivamente, na escola observada, problemas que causam enormes perdas, dentre elas: de motivação, de humor, de respeito e até a perda de sua própria identidade, assegurando que todos possam ter suas particularidades respeitadas e seu direito garantido no meio ao qual estão inseridos.

OBJETIVOS Contribuir para a formação de uma postura ética no ambiente escolar, possibilitando o amadurecimento para a diversidade étnico-racial e cultural, especificamente, do povo negro e sua história com vistas à diminuição das práticas de intolerância, bem como na projeção de novas visões, aquisição de habilidades e aprimoramento de um currículo interdisciplinar aos alunos do ensino médio. Promover a usuabilidade de metodologias diferenciadas na escola para a inserção de temas atuais e relevantes, as quais despertem o interesse do aluno e resultem em uma participação mais significativa dos envolvidos no processo educacional, estimulando novas perspectivas de ensino-aprendizagem e, assim, aumentando o rendimento do educando no que tange aos conteúdos trabalhados no dia a dia, além de incitar o desvelar de talentos artístico-culturais que podem auxiliá-los em sua expressão usual como meio de comunicação favorável ao conhecimento.

METODOLOGIA Em sua fase de elaboração, o projeto contou com investigações na instituição sobre a presença do tema, recorrendo ao Projeto Político Pedagógico – PPP e aos demais projetos desenvolvidos no decorrer do ano letivo como forma de verificação sobre a viabilidade de incorporação das ações delimitadas no calendário escolar. Além destes, utilizou-se com frequência um aporte teórico em referenciais bibliográficos, tanto em livros físicos, próprios da instituição, como em pesquisas realizadas no meio digital. Finalizada a proposta, partiu-se para a apresentação do projeto a comunidade escolar, dividindo-se em três momentos: 1) Conversa com a Gestão e a Coordenação 105


Pedagógica, onde, de início, discutiu-se sobre os objetivos e as ações pretendidas, recebendo uma resposta positiva desses setores; 2) Socialização do plano de ação com os professores e servidores durante o planejamento da escola, explicando o passo a passo da proposta, obtendo também êxito nessa divulgação, ficando aprovado para funcionamento no ano de 2018; e 3) Reunião com os estudantes, onde apresentamos e discutimos as possibilidades com os mesmos, recebendo grande aceitação. Aprovado o projeto pela comunidade educacional, deu-se início as ações, contemplando um cronograma anual de atividades e conteúdos, cujos encontros ocorreram mensalmente nos diversos espaços pedagógicos da instituição escolar. Na sequência apresentam-se as principais intervenções realizadas com os alunos. O cine debate étnico-racial, constituindo-se como a primeira ação, se deu pela exibição e discussão sobre o filme “Insurreição do Queimado”, cujo enredo apresenta uma rebelião de escravos na antiga província do Espírito Santo, apontando indícios sobre a persistência do problema no século XXI. A partir destes, solicitamos dos alunos uma produção textual autoral, onde os mesmos estivessem transpondo suas ideias e percepções sobre o tema. Ao total, recebemos cerca de, aproximadamente, 800 textos, os quais foram selecionados para a elaboração de um caderno de registros.

Imagem 1: Sessões de cine debate realizadas com os alunos no auditório da escola.

Fonte: Arquivo Pessoal. Ano: 2018.

Ainda nas ações do cine debate, outros filmes foram utilizados, dentre eles: o xadrez das cores e à procura da liberdade, visto que, foi uma metodologia de trabalho que permitiu 106


movimentar reflexões entre os estudantes do ensino médio sobre a história da população negra e sua contribuição para a formação desse país. As sessões abordaram questões mal resolvidas sobre o preconceito e a discriminação racial. Ao todo, foram realizadas três atividades de cine debate. Outra ação realizada foi o Grupo de Estudo Coletivo sobre o tema em questão, reunindo estudantes, professores e pesquisadores da área em discussões crítico-reflexivas acerca dos desafios enfrentados pela população negra no que tange ao acesso e garantia dos direitos consolidados nas leis de cunho protecionistas, utilizando situações reais da sociedade atual, onde os participantes deveriam formular possíveis soluções aos problemas apresentados, exercitando

assim o

pensamento, a

capacidade

inovadora

e o

amadurecimento para novos conceitos, até então, desconhecidos pelos mesmos. Das discussões em grupo, resultaram relatos e experiências de vida sobre o problema da intolerância racial, constituindo-se como um instrumento importante de reconhecimento da realidade escolar e social vivenciada pelos educandos. Nas oficinas de Produção de Literatura de Cordel, realizadas em maio e junho de 2018, contemplados 300 estudantes, ambos do 3º ano do ensino médio, buscou-se estimular o desvelar de uma potencialidade artístico-literária a partir de um tema relevante ao seu contexto social. A preferência pela Literatura de Cordel se justifica pela forma descontraída e envolvente que tal metodologia dispõe, utilizando as rimas e gravuras como forma de manifesto social.

Imagem 2: Oficina sobre Literatura de Cordel realizada com os alunos do 3º ano.

Fonte: Arquivo Pessoal. Ano: 2018. 107


Inicialmente, a partir de um breve histórico, mostraram-se os percursos da Literatura de Cordel, desde sua chegada ao Nordeste até a disseminação pelo país. Na sequência, foi apresentada a estrutura, literária e visual, para a confecção do material e, posteriormente, o público participante foi contemplado com várias declamações de cordéis, inclusive na forma cantada, recebendo dois músicos locais. Finalizando a oficina, os estudantes formaram grupos e cada um recebeu a tarefa de produzir um novo material sobre os desafios do negro na sociedade contemporânea. Com isso, percebeu-se o entusiasmo e o interesse dos alunos em criar algo inédito, onde realizaram pesquisas e entrevistas para a confecção de um material próprio, o qual foi socializado no mês de agosto, após a retomada das aulas. A oficina de músicas, batuques, danças e indumentárias da cultura Afrobrasileira e Africana, reuniu uma série de artefatos artístico-culturais do povo negro, demonstrando aos alunos a importância do resgate e da preservação de traços que originaram grande parte da cultura brasileira, desmistificando assim, qualquer opinião estereotipada sobre as manifestações populares apresentadas. Este foi um momento inspirador para muitos, os quais se sentiram livres para provarem estilos que, até então, não tinham sido contemplados em sua realidade, tornando-se uma ação bem significativa e diferenciada.

Imagem 3: Apresentação cultural realizada em oficina com os alunos.

Fonte: Arquivo Pessoal. Ano: 2018.

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Outra atividade foi a Pesquisa de Campo no município de Óbidos, onde foi realizada uma série de registros fotográficos sobre os traços estético-culturais do povo negro. Sob o olhar dos estudantes, a ação tem por finalidade verificar a visão que estes apresentam sobre a ideia de raça, inserindo-os em sua própria realidade para identificação e justificativa do contexto ao qual estão inseridos. Este, sem dúvidas, foi um dos momentos mais produtivo, pois, possibilitou a construção de um acervo digital sobre a cultura negra a nível local, o qual está sendo organizado em forma de documentário com data prevista de lançamento para o ano de 2019. Ao longo da aplicabilidade do projeto, desenvolveu-se pesquisa-ação com, aproximadamente, 850 alunos, todos oriundos das 22 turmas existentes na escola, contemplando assim, as séries do 1º ao 3º ano do ensino médio, nos turnos manhã, tarde e noite. Assim, em dezembro houve a avaliação do trabalho realizado com todos os envolvidos na proposta, criando-se um livro de registros com sugestões, falhas e ideias, além de apresentar resultados parciais obtidos no decorrer do ano. No que tange a socialização dos resultados com a comunidade educacional, destacam-se algumas ações, dentre elas: a) Apresentação cultural dos alunos em um evento sobre o dia da consciência negra; b) Participação em mesa redonda em um evento acadêmico sobre a experiência desenvolvida; e c) Apresentação de trabalho em um evento nacional, o Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino – ENDIPE, realizado em Salvador/BA, cujo foco trata do projeto em questão.

RESULTADOS E DISCUSSÕES Em se tratando das intencionalidades do projeto e suas perspectivas de desenvolvimento, foram inúmeras as conquistas obtidas no decorrer de sua aplicação, principalmente, no que tange a conscientização dos alunos e a decaída dos registros de ocorrências de casos de intolerância racial no ambiente escolar. Além disso, verificou-se que, por meio do processo da interdisciplinaridade, torna-se possível alargar as discussões a outras áreas do conhecimento, contribuindo significativamente no desenvolvimento educacional dos discentes e na construção de um trabalho exitoso aos docentes por meio de propostas diferenciadas que estimulem a aproximação entre as partes no processo ensino-aprendizagem. Concernente aos resultados obtidos destaca-se a produção de materiais didáticos autorais, os quais revelam novas visões sobre os problemas discutidos, além de um maior rendimento dos alunos nas disciplinas interligadas. Junto a isso, a interação destes 109


educandos com o público externo à escola sobre o tema trabalhado, mostra-se como um avanço benéfico ao processo de formação cidadã. A produção de Literatura de Cordel, por exemplo, resultou no protagonismo dos estudantes do ensino médio, os quais, com muito entusiasmo e criatividade mostraram seus talentos na arte literária, revelando seus sentimentos e percepções sobre a temática e, sobretudo, discutindo e desmitificando preconceitos velados e/ou adormecidos nas relações sociais estabelecidas no contexto da escola. Assim, os alunos produziram alguns materiais, com base na metodologia proposta, utilizando temáticas sobre o papel do negro na sociedade contemporânea.

Imagem 4: Exposição de Literatura de Cordel produzidas por alunos do ensino médio.

Fonte: Arquivo Pessoal. Ano: 2018.

Na parte literária, observa-se um grande avanço dos alunos no campo da escrita, onde, através da produção textual direcionada, os mesmos conseguiram aprimorar o vocabulário e formular novos pensamentos questionadores, utilizando a arguição dos problemas em evidência com o seu todo social, fato este que pode contribuir na realização de avaliações que exigem tais habilidades, como o Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM, por exemplo. Portanto, mais do que simples exercícios, o projeto é um meio de preparação do aluno para o mundo atual. Outra questão observada é o discernimento adquirido pelos alunos sobre o tema, principalmente, quando se questiona sobre a existência ou não da escravidão no século XXI, discussão essa na qual os mesmos demonstraram maturidade suficiente para analisar ao seu entorno, buscando identificar características comuns do dia a dia em que direitos sociais 110


estão sendo sucumbidos perante a ignorância. Sobre essa percepção, chama a atenção à fala de um aluno ao ressaltar que: Apesar de todo mundo falar que acabou, ainda existem muitas formas de escravidão, as pessoas que não conseguem enxergar, pois, estão cheias de ódio, de rancor, de ruins sentimentos, ou seja, estão cegas para olhar ao próximo, para se solidarizar. Quantas famílias em Óbidos estão submersas a precárias condições de vida? Quantas não padecem no lixão em busca de um punhado de comida? Quantos não trabalham igual burro de carga, em troca de um singelo prato de comida? Isso sim é uma escravidão, que é pior do que qualquer açoite ou algo assim. É para isso que nós precisamos abrir os olhos. Enquanto buscamos coisas lá de longe, a realidade está aqui no nosso nariz, basta querer olhar. E este é o problema (Aluno A, 2018).

O posicionamento descrito é muito interessante no que condiz a percepção/descrição da realidade que envolve este aluno, demonstrando uma enorme sensibilidade e, ao mesmo tempo, apontado causas e consequências críticas sobre as injustiças sociais expostas. Sobre a fala, gera uma leve certeza de que, mais do que perceber, o aluno começa a defender um ponto de vista próprio. No momento de socialização, outra participação fundamental se deu durante um evento temático sobre o dia da consciência negra, ocorrido na UFOPA/Campus de Óbidos, onde os alunos apresentaram para a sociedade os materiais didáticos produzidos sobre a população negra no município de Óbidos/PA.

Imagem 5: Alunos do ensino médio apresentando seus materiais didáticos produzidos.

Fonte: Arquivo Pessoal. Ano: 2018. Após a aplicação do projeto, observa-se nos alunos a elevação de maior autonomia quanto à exposição de suas ideias sobre qualquer tema, ampliação de sua bagagem cultural e valorização das diversidades existentes, aprimoramento da capacidade crítico-reflexiva 111


sobre o seu meio social e compreensão do seu papel enquanto agente transformador de uma sociedade corrompida. O alcance de tais potencialidades demonstram avanços no sentido de corroborar a uma vivência mais harmônica e saudável no espaço escolar. Com isso, espera-se envolver novos agentes por meio de novas intervenções e, desta vez, com alunos da rede municipal, especificamente, dos anos finais do ensino fundamental, de forma que, possamos estar contribuindo com outras instituições e, assim, diminuindo os casos de discriminação e preconceito existentes na realidade educacional do município de Óbidos/PA. Este foi apenas o primeiro passo, muita coisa ainda precisa ser feita e muitas pessoas envolvidas nesse caminho de recomposição social.

CONSIDERAÇÕES FINAIS A implementação do projeto, centrado na arte e na cultura Afro-brasileira e Africana, foi uma estratégia importante, primeiro para se repensar o valor da raça negra para a sociedade brasileira e amazônica ao longo dos anos, estando presentes em nossas vidas, através das manifestações artísticas e culturais do negro. Segundo, porque, pela própria natureza da arte de exaltação ao belo, foi possível dar visibilidade à arte afro-brasileira e africana, que a nosso ver consiste numa forma de neutralizar preconceitos e atitudes racistas na ambiência escolar. Do ponto de partida até a sua chegada, o projeto aplicado na Escola São José vem cumprir com êxito os objetivos delimitados, indicando a excelência da proposta no que tange a possibilidade de aplicação em outras realidades, podendo vim a ser um meio de propagação de ideais antirracistas e igualitários, pautados no respeito e na tolerância as particularidades humanas. Em um cenário de grandes desigualdades, torna-se fundamental a formação de agentes que lutem contra a disparidade social no meio educativo, principalmente, sendo estes, profissionais docentes, visto que, os mesmos estão diretamente ligados com os estudantes e, com isso, dispõe da possibilidade de reverter uma realidade corrompida, ajudando na retomada de direitos roubados aos seus verdadeiros usuários. Isso, sem sombra de dúvidas, foi à finalidade da referida proposta, a de estar contribuindo com um espaço mais oportuno e que se aproxime da tão sonhada equidade social. Essa luta não é só nossa, mas deve ser de todos os educadores brasileiros que se propõe a nobre missão de formar cidadãos e estejam comprometidos com uma educação em prol da igualdade, respeito e qualidade de vida a todos. 112


REFERÊNCIAS

GOMES, Nilma Lino. Educação cidadã, etnia e raça: o trato pedagógico da diversidade. In: CAVALLEIRO, Eliane (Org.). Racismo e anti-racismo na educação: repensando nossa escola. 6ª ed. São Paulo: Selo Negro, 2001, p. 83-96.

SANTOS, Adenilson dos; SOARES, Lucas de Vasconcelos; MELO, Wilverson Rodrigo Silva de. As escolas de Óbidos na luta contra a discriminação e o preconceito no espaço escolar. In: BUENO, André et al (Org.). Jardim de Histórias: discussões e experiências em aprendizagem histórica. União da Vitória, RJ: LAPHIS/Sobre Ontens, 2017, p. 501-504.

SOARES, Lucas de Vasconcelos; MELO, W. R. S. A educação na Amazônia no século XXI: um olhar crítico sobre as relações étnico-raciais na realidade escolar do município de Óbidos-Pará. In: COLARES, M. L. I. S.; COLARES, A. A.; RIBEIRO, A. A. M. (Org.). Educação e Realidade Amazônica: história, formação docente, tecnologia, política educacional e diversidade cultural. 1ª ed. Santarém, PA: UFOPA, 2017, p. 87-100.

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JUVENTUDES: COM A PALAVRA O JOVEM ESCRITOR! O QUE ESPERAR DA ESCOLA? Marcilene do Carmo de Oliveira Miranda 61

Resumo: No primeiro semestre de 2018, a Escola Estadual de Ensino Médio Júlia Passarinho apresentou e realizou um projeto de leitura e escrita proposto pela 2ª Unidade Regional de Ensino (URE) com o intuito de que escolas da região participassem de um Concurso de Redação, por ocasião da comemoração dos 50 anos de implantação da URE na região. O tema proposto foi “Juventudes: O que você espera da escola?”. O presente relato tem como objetivo promover um debate em torno da iniciativa, a qual contribuiu para o desenvolvimento de habilidades de letramento dos jovens estudantes envolvidos. Como referencial, utilizamos a leitura de estatutos e regimentos, aliada a pesquisas na Internet e outros conceitos interligados, a partir da visão de autores como Soares (2017), Ferrarezi e Carvalho (2015), Martín-Barbero (2014), Yin (2016). Ainda que as produções discentes não tenham alcançado as premiações finais, de acordo com o julgamento do concurso, que contou com a avaliação de docentes de Letras da UFPA/ Campus do Tocantins, finalizamos com eficácia a estratégia de proporcionar atividades de uso da língua escrita como prática social, frente ao complexo processo de aquisição da alfabetização.

Palavras-chave: Escrita. Letramento. Educação escolar. Alfabetização.

JUSTIFICATIVA Segundo estimativas62 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), até a segunda metade deste século, a faixa etária juvenil se manterá em torno dos 50 milhões. Entrementes, nessa perspectiva, daqui a dois anos esse grupo sofrerá súbito declínio com o consequente aumento da faixa etária idosa. Isso implica considerar que urge uma

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Docente de Língua Portuguesa na Escola Estadual de Ensino Médio Júlia Passarinho. Mestra em Ciências da Comunicação pela Universidade Federal do Pará. E-mail: marcilene.miranda@escola.seduc.pa.gov.br. 62 Disponíveis em: https://ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias /noticias/21256-mais-de-25milhoes-de-jovens-nao-estudavam-em-2017. Acesso em: 05.jan.2018.

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sociedade que se movimente para uma melhor proposta de educação voltada especialmente à juventude. Deste modo, julgamos importante quaisquer desafios que preparem nossos jovens à vida adulta com reconhecida qualidade, visto que é urgente a formação de seres humanos e cidadãos comprometidos com a construção do trabalho e da participação cidadã em uma sociedade mais ética e mais igual. Neste propósito, frisamos destaque à experiência organizada na Escola Estadual de Ensino Médio Júlia Passarinho a partir da iniciativa da 2ª Unidade Regional de Ensino, de modo a refletir com os jovens estudantes quais expectativas almejam e sonham para que o processo educacional, tão enfadonho e monótono em alguns de seus discursos, faça sentido e seja o diferencial em sua vida pessoal e profissional. A importância que atribuímos a tal experiência incide sobre o fato de que a voz do protagonista das iniciativas educacionais existentes nesta e em outras redes de ensino foi o próprio aluno. Jovens estudantes, em sua rotina, manifestaram suas inquietações, desejos, dificuldades, desesperanças, esperanças e verbalizaram a respeito de sua própria realidade. Um jogo recíproco de fala e escuta se firmou em todo o processo desencadeado desde o lançamento da proposta do concurso.

OBJETIVOS ● Incentivar a produção escrita de textos dissertativos e argumentativos como prática social, a partir das temáticas propostas; ● Refletir com os jovens estudantes sobre seu processo de formação cidadã e educacional frente à sociedade atual.

PRÁTICAS DE LETRAMENTO COM JOVENS PROTAGONISTAS

Inúmeras foram as reflexões surgidas em torno deste projeto desenvolvido na rotina docente de Língua Portuguesa na E.E.E.M. Júlia Passarinho. Dentre importantes competências e habilidades subjacentes à organização e delineamento desta iniciativa, destacamos a necessidade de os estudantes utilizarem diferentes reflexões em defesa dos direitos humanos, proporcionadas a partir de experiências que ampliaram as práticas de letramento, possibilitando discussões significativas e críticas. 115


Isto nos leva a referenciar o que prescrevem as competências gerais da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) no que corresponde ao exercício da empatia, do diálogo, da resolução de conflitos e da cooperação, “promovendo o respeito ao outro e aos direitos humanos, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de qualquer natureza” (BNCC, 2017, p. 7). Nesse exercício de autonomia, destacamos a discussão de outros fatores, como: as dificuldades que os alunos sentem, principalmente, em relação às práticas de letramento, prioritariamente à ação de redigir; os anseios e a realidade por eles vivida no cenário educacional da atualidade; o conceito de juventudes tendo como base a importância desse grupo etário na sociedade atual e futura; o papel desenvolvido e a iniciativa realizada pela 2ª URE, atribuindo relevância às perspectivas discentes, que merecem e sentem a necessidade de ser ouvidos, além de outros conceitos, especialmente os voltados às questões juvenis, traduzidos nos discursos dos jovens estudantes durante a leitura e reflexão de variados textos. De início, refletimos sobre a dificuldade sentida pelos alunos nas habilidades com a escrita. “Não sei escrever, professora”. “Nunca gostei de escrever”. “Nunca me motivaram a isso”. “Tenho medo de escrever bobagem e a senhora rir...”. “Nunca recebi de volta as críticas do meu texto” ... foram algumas declarações realizadas por eles. Ressalte-se que são estudantes em fase de conclusão do ensino médio regular e, nessa modalidade, o processo de escrita deveria constituir-se como uma prática natural e usual, mas infelizmente não é o caso, tampouco é o que verificamos também em outras experiências. Os estudantes, na maioria das vezes, nas práticas de escrita desenvolvidas na escola ou são indiferentes às atividades ou se recusam a realizar a produção dos textos (como acontecido em uma pequena parte de cada turma: aproximadamente 10 alunos não entregaram as primeiras produções). Em algumas situações, isso acontece porque não sabem o motivo de produzir um texto, não compreendem a importância, do motivo de a atividade ser importante. Devido a isso, é fundamental que, antes de toda atividade, possamos falar aos alunos por qual motivo estão fazendo a atividade. A esse respeito, Ferrarezi Júnior e Carvalho (2015) referenciam que o processo da escrita deve estar presente em todas as etapas da vida escolar do aluno, cuja postura didática precisa considerar dois fatores distintos:

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1. tudo o que se escreve passa a ser considerado “produção de texto” e passa a ser tratado com a mesma relevância que a prática tradicional de escrever as clássicas “redações”; 2. a redação passa do tradicional fim de si mesma, a ser considerada agora como um instrumento de desenvolvimento de habilidades específicas e estratégias particulares, que podem ser bem variadas: (a) redigir – incluídas as habilidades específicas e as correlatas; (b) ler – o que se escreve e o que os outros escrevem, criticamente, o que também pressupõe domínio de habilidades; (c) analisar a gramática – do próprio texto e de textos alheios; (d) expressar-se oralmente – lendo o texto produzido e comentando os alheios; (e) respeitar – os outros autores, suas ideias e seu trabalho; (f) cooperar – com a produção e na apresentação do texto alheio e aceitar cooperação na produção e na apresentação do próprio; (g) dialogar, discutir, debater – todos os aspectos presentes no próprio texto e no texto de outrem. (FERRAREZI JÚNIOR e CARVALHO, 2015, p.19-20).

Como vemos, tais estratégias devem merecer destaque nas práticas de escrita desenvolvidas em sala de aula, para que se aprimorem as habilidades da competência do ato de escrever. Os autores argumentam que apenas com o ensino clássico (tradicional) a maioria dos alunos mal sabe escrever, porque geralmente “não se ensina a escrever no Brasil” e deveria-se ensinar a escrever “desde o início da educação básica” (FERRAREZI JÚNIOR e CARVALHO, 2015, p. 15). Nesse aspecto, Antunes (2005, p. 26) bem enfatiza que: Além de escassas, as oportunidades de escrita limitam-se a uma escrita com finalidade escolar apenas; ou seja, uma escrita reduzida aos objetivos imediatos das disciplinas, sem perspectivas sociais inspiradas nos diferentes usos da língua fora do ambiente escolar. Por exemplo, a produção escrita, no ensino médio, é orientada especificamente para a dissertação, com vistas à redação do vestibular. Dessa forma, é comum a artificialidade das condições de produção, do que resulta uma falsa

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compreensão do que seja construir textos relevantes e ajustados a um contexto de comunicação social mais amplo.

Como vemos, é complexo e delicado o ato de redigir, muitas vezes direcionado exclusivamente às avaliações organizadas dentro da própria instituição escolar. Quando submetidos às avaliações externas – estaduais (como o Sispae), nacionais (como o Enem63), internacionais (como o Pisa) –, os resultados geralmente revelam o fracasso no uso das habilidades de letramento (leitura e escrita) e, principalmente, no processo de alfabetização (práticas de escrita)64. Desse modo, refletir sobre o ensino da escrita constante e sistemática, desde a alfabetização até o ensino médio, não nos permite o entendimento de que um aluno, tendo percorrido todas as etapas da Educação Básica, continue a construir frases desconexas, sem sentido, sem priorizar no processo avaliativo dos gêneros textuais produzidos somente critérios e aspectos tradicionais da gramática normativa (fator este comum nos processos de avaliação de textos nas escolas). Decerto, tais atividades exigem tempo e insistência desde o momento em que os alunos se alfabetizam até o final do ensino médio, o que seria linguisticamente complexo para obter um resultado satisfatório da habilidade de escrita apenas no último ano do ensino médio. Nesse aspecto, o que foi visível de observar na escrita de nossos jovens estudantes é que existe um processo de alfabetização “treinado” nas etapas iniciais da Educação Básica, mas percebemos precário o ensino das práticas de letramento. Acrescentemos à reflexão desses conceitos aparentemente complexos as considerações de Soares (2017), a qual pontua, a partir de um estado da arte acerca dessas temáticas, que “na produção acadêmica brasileira alfabetização e letramento estão quase sempre associados”. Acrescenta que em outros países a discussão entre os dois termos se delineia num processo de independência. No Brasil, ao contrário, apesar da tentativa de algumas produções em diferenciarem alfabetização e letramento, existe uma “inadequada” e “inconveniente” fusão dos dois processos, com ênfase ao processo de letramento.

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As competências exigidas no Enem também foram consideradas nas estratégias adotadas para o concurso de redação proposto pela 2ª URE. Dentre as competências avaliadas na redação do Enem, citamos: (1) Demonstrar domínio da modalidade escrita formal da Língua Portuguesa; (2) Compreender a proposta de redação a aplicar conceitos das várias áreas do conhecimento; (3) Selecionar e organizar informações, fatos, opiniões e argumentos em defesa do ponto de vista adotado; (4) Demonstrar conhecimento dos elementos coesivos e; (5) Elaborar interessante proposta de intervenção, respeitando os direitos humanos. 64 Soares (2017) esclarece as divergências e congruências entre os conceitos de letramento e alfabetização.

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A autora utiliza a expressão neologística “desinvenção da alfabetização” para discutir o exagero no apagamento do processo de alfabetização existente nas escolas brasileiras desde a década de 80. Diante de toda a problemática que envolve os dois conceitos, atravessada pelas sugestões de Emilia Ferreiro e de pesquisas realizadas dentro e fora do país, por exemplo, Soares (2017) sintetiza a importância de considerar quatro eixos principais:

Em primeiro lugar, a necessidade de reconhecimento da especificidade da alfabetização, entendida como processo de aquisição e apropriação do sistema da escrita, alfabético e ortográfico; em segundo lugar, (…) no que se refere à etapa inicial da aprendizagem da escrita, o desenvolvimento de habilidades de uso da leitura e da escrita nas práticas sociais que envolvem a língua escrita; em terceiro lugar, o reconhecimento de que tanto a alfabetização quanto o letramento têm diferentes dimensões, ou facetas, que a natureza de cada uma delas demanda uma metodologia diferente, de modo que a aprendizagem inicial da língua escrita exige múltiplas metodologias (...); em quarto lugar, a necessidade de rever e reformular a formação dos professores das séries iniciais do ensino fundamental, de modo a torná-los capazes de enfrentar o grave fracasso escolar na aprendizagem inicial da língua escrita nas escolas brasileiras (SOARES, 2017, p. 47).

Diante de toda a complexidade que exige o refletir sobre ambos processos, é tênue observar que a alfabetização precede o uso da expressão “letramento”. Nesse aspecto, as práticas de alfabetização insuficientes ao longo dos anos justificam a origem do letramento. Assim, Soares (2017) ratifica que é necessário reconhecer que alfabetização se distingue de letramento, mas embora distintos “são interdependentes e indissociáveis”, por isso justifica que “a alfabetização só tem sentido quando desenvolvida no contexto de práticas sociais de leitura e de escrita em um contexto de letramento” (SOARES, 2017, p. 64). Neste sentido é possível compreender a utilização do termo “facetas” em relação às questões que ainda circundam os polêmicos temas da alfabetização e do letramento. A própria autora indica um aprofundamento da distinção entre alfabetização e letramento proposta em “SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 1998” (SOARES, 2017, p. 63). Em todo caso, há de se concordar com as ideias expostas em Soares (2017) e argumentadas por Ferrarezi Júnior e Carvalho (2015), ao frisarem a necessidade de se pensar em práticas na Educação Infantil para além de considerá-las como meras atividades lúdicas seus desenhos, rabiscos ou garatujas. 119


Na educação básica, começamos a ensinar tudo isso lá na alfabetização. Quando os alunos já conseguem escrever suas primeiras combinações de palavras, já devemos iniciar um trabalho contínuo de ensino da competência de escrever que deve durar até o final do ensino médio. Mas para isso, é preciso que haja tempo, bastante tempo! (FERRAREZI JÚNIOR e CARVALHO, 2015, p. 20).

Reformular as estratégias utilizadas pelas secretarias de educação em relação à formação dos professores desde as séries iniciais do ensino fundamental de modo a enfrentar o grave fracasso do processo de aprendizagem da leitura e da escrita nas escolas públicas brasileiras consiste em interessante proposta para suprir tal necessidade no sistema escolar (SOARES, 2017). “Parece ser necessário rever os quadros referenciais e os processos de ensino que têm predominado em nossas salas de aula [e propor que] a alfabetização se desenvolva num contexto de letramento” (SOARES, 2017, p. 46-47). Nessa reflexão, a autora nos conduz a concordar que:

A plena inserção no mundo da escrita, pelo exercício competente da leitura e da escrita, envolve pelo menos três complexas dimensões que se articulam e se complementam: uma dimensão linguística – a conversão da oralidade em escrita; uma dimensão cognitiva – as atividades da mente em interação tanto com o sistema de escrita, no processo de aquisição do código, quanto com o texto em sua integridade no processo de produção de significado e sentido; e uma dimensão sociocultural – a adequação das atividades de leitura e escrita dos diferentes eventos e práticas em que essas atividades são exercidas (SOARES, 2017, p. 133).

É difícil enfrentar tal realidade, mas é algo que necessita ser superado, pois historicamente as estratégias educacionais dominantes que vêm sendo traçadas para os jovens reduzem cada vez mais os espaços de expressão e afirmação de suas identidades, o que acarreta ainda mais a possibilidade de eles se sentirem seguros em autoafirmar suas próprias convicções (ABRAMOVAY e ESTEVES 2007). Interessante, portanto, é apontar que, nesse processo, o estudante deve “primeiro aprender a ler e escrever, só depois realmente ler e escrever”, definindo o que é desejável, em termos educacionais, para o aluno, isto é, um processo de produção de significados que faça sentido e esteja articulado à realidade na qual está inserido (SOARES, 2017, p. 135). Um dos textos avaliados traz a voz da estudante de 17 anos que faz referência a sua realidade ao afirmar que “... o aprendizado em nossas vidas é a base de tudo, sabemos que 120


o estudo é essencial e a escola tem um papel fundamental na formação dos jovens” (A.E 65., M3TR0166). Como ela, outros alunos também argumentam e dão importância a um ensino que não se contenta apenas com a correção de ortografia, pontuação, concordância, regência ou colocação pronominal como a estratégia principal de correção dos textos escolares produzidos. Os componentes curriculares assumem, para os discentes, mais do que repasse de conteúdos, pois apostam em uma relação sociocultural humanizada.

“Fundamentamos a necessidade de uma educação em que a escola ofereça conteúdo que desenvolva a modalidade de pensar, mudar e transformar a realidade e que não desenvolva somente a apropriação do conhecimento acumulado mas também a formação do ser humano” (J.G.T, M3TR01, fem., 17 anos).

Retomando e ampliando a temática sobre o conceito de práticas de alfabetização e/ou letramento, trazemos à tona o que Martín-Barbero (2014) chamou de segunda alfabetização67, a que abre o mundo das múltiplas escrituras que hoje conformam o mundo do audiovisual e do texto. O autor colombiano tece duras críticas ao processo de formação dos jovens como meros consumidores de informação. “Os educadores acabam se esquecendo da complexidade do mundo adolescente ou juvenil, reduzindo-o à condição de consumidores de música e televisão” (MARTÍN-BARBERO, 2014, p. 52). Tais reflexões reforçam que as estratégias de leitura e de escrita só podem ter acolhida em uma escola que esteja prévia e autenticamente preocupada com o problema da leitura, isto é, aquela que souber ligar a leitura, desde os primeiros anos, à criatividade e ao prazer, ao gosto de descobrir e de escrever, em detrimento aos repetitivos exercícios mecânicos de tarefas e deveres. Estamos diante de sujeitos cuja autoconsciência é enormemente problemática porque o mapa de referência de sua identidade já não é um só, os referentes de seus modos de pertencimento são múltiplos e, portanto, é um sujeito que se identifica a

65 Referência

às iniciais do nome do(a) estudante. As demais referências deste tipo indicam o declarante. Referência da turma em que está matriculada a declarante. As demais referências deste tipo indicam a turma em que o aluno declarante está vinculado. 67 Autores da área da linguagem consideram essa ideia conceituando-a como multiletramento. 66

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partir de diferentes âmbitos, com diferentes espaços, trabalhos, gostos, estilos de vida (MARTÍN-BARBERO, 2014, p. 131).

Discutimos também em sala que a própria faixa etária que compreende o grupo juvenil resulta em diferentes conclusões. Uns estimam que o ser jovem compreende sujeitos de 15 a 29 (ESTATUTO DA JUVENTUDE, 2013 / UNESCO); alguns sinalizam que o novo conceito determina que jovem é todo aquele de 15 a 24 anos (Organização Mundial de Saúde); outros ainda que um grupo linguisticamente considerado jovem vai dos 25 aos 35 anos (PRETTI, 2004); enfim, não é possível precisar a faixa etária desse grupo de sujeitos. “Não há limitações para definir o “ser jovem”” (A.F.V.V., M3TR01, fem., 19 anos). A partir das teorias levantadas, os próprios alunos perceberam que não existe somente uma “juventude”, mas “grupos de juventudes” que constituem um todo heterogêneo, complexo, em diversificados grupos de classe, gênero, etnia, preferências que os distinguem e ao mesmo tempo os aproximam. Na realidade, as juventudes desejam ser ouvidas e foi o que realmente aconteceu nas aulas que resultaram nas produções para o concurso: os jovens estudantes foram ouvidos e traduziram suas inquietações, dificuldades, anseios, ou seja, seus discursos orais nos escritos, baseados vez por outra em leituras de teóricos consagrados no cânone literário das diversas áreas do conhecimento “O sociólogo polonês Zygmunt Bauman diz em seu livro Aprendendo com a Sociologia que há quem se sinta humilhado e ressentido se algo que domina e sente orgulho é desvalorizado. Indubitavelmente, a juventude se enquadra nessa visão haja vista que suas perspectivas na escola são esquecidas ou desconsideradas” (J.A.N.S., M3TR01, masc., 20 anos).

“Espero da escola mais respeito, mais educação, merenda boa, salas climatizadas, quadra poliesportiva etc.” (M.B.M.W., M3TR01, masc., 19 anos).

É com esse sujeito que a escola tem que lidar hoje: um adolescente cuja experiência da relação social passa cada dia mais por sua sensibilidade, seu corpo, já que é através deles que os jovens – que em sua maioria conversam muito pouco com os pais – estão dizendo muitas coisas aos adultos por meio de outros idiomas: os dos rituais de se vestir, tatuar e se enfeitar, ou de emagrecer conforme os modelos de corpo que lhes propõe a sociedade através da moda e da publicidade (MARTÍNBARBERO, 2014, p.131-132).

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Entre os relatos e as teorias, observamos que nesse contexto social emerge o jovem sujeito da educação, aquele que muitas vezes percebe distante a escola de sua realidade. E nesse sentido, Martín-Barbero (2014) nos move a concordar com a ideia de que tal sujeito habita outro mundo, menos o da escola. Da turma ou da seita em que desejam estar nos olham e nos escutam, nos amam e nos odeiam, nos desconcertam e nos assustam, nos ouvem e nos falam. “A juventude marca o tempo das amizades, das construções e dos relacionamentos.” (R.B.P., M3TR01, masc., 18 anos). Como observamos, a visão dos discursos e das teorias confirmam uma marca subjetiva dessa faixa etária. Como os próprios jovens se autoidentificaram, o conceito de “juventudes” ultrapassa a ideia de uma idade predefinida, antes desejam ser vistos, ouvidos e reconhecidos nas múltiplas culturas a que estão submetidos e que gradativamente vão construindo sua“s” identidade“s”.

METODOLOGIA Toda e qualquer proposta de atividade que visa o aprimoramento de habilidades leitoras e escritoras, com um alcance de discussão que rompe com as barreiras de sala de aula, deve assumir um viés predominantemente qualitativo, visto que, de acordo com Yin (2016, p.7), o desenrolar deste tipo de atividade “abrange condições contextuais – as condições sociais, institucionais e ambientais em que as vidas das pessoas se desenrolam”. Desta forma, a partir de uma proposta de práticas de alfabetização lançada pela 2ª URE, aproveitamos o ensejo para desenvolver a reflexão de velhos e novos conceitos articulados ao que pensam os nossos jovens sobre si mesmos, suas expectativas, seus sonhos, suas vontades e sua realidade no contexto situacional e, principalmente, educacional em que vivem. Processo que se desenvolveu especificamente num período de 06 meses. No início do ano letivo de 2018, a coordenação da escola Júlia Passarinho nos apresentou a proposta da 2ª URE. Após a leitura do regimento e posterior acordo com duas turmas de terceiro ano de ensino médio, assumimos o desafio de participar do certame. Aproximadamente em um período de 03 meses realizamos pesquisas e leituras de diversos gêneros textuais que abordassem as temáticas principais exigidas (juventudes, educação escolar, a participação da 2ª URE na região, entre outros conceitos interligados). 123


Em seguida, os alunos produziram a primeira redação com fins avaliativos exclusivos para as exigências prescritas no Regimento do Concurso. Aprimoradas as primeiras produções, alguns alunos foram selecionados pelos docentes de Língua Portuguesa da própria instituição (E.E.E.M. Júlia Passarinho), aptos a participar da etapa final sob a responsabilidade da 2ª URE e sob a avaliação dos docentes de Língua Portuguesa da UFPA/Campus do Tocantins Cametá.

Imagem 1: Alunos das turmas de terceiro ano da Escola Estadual de Ensino Médio Júlia Passarinho, no momento de suas primeiras produções. Fonte: Acervo da autora. Durante o percurso do concurso, em suas rotinas discentes nas aulas de Língua Portuguesa, os alunos visualizavam suas produções nas projeções de um datashow e isso mobilizava a concentração de toda a turma na produção analisada (ocultamos a identificação da assinatura do discente). Resumidamente, ainda que objetivássemos a premiação final (1º lugar: 01 netbook; 2º lugar: 01 tablet; 3º lugar: 01 celular; 4º lugar: 01 kit da empresa O Boticário; e 5º lugar: 01 prêmio surpresa), foi de extrema importância todo o processo desencadeado nas aulas de língua e de linguagem, visto que certamente contribuiu positivamente, como os próprios alunos mencionaram em momento avaliativo, ao término do processo, para o desenvolvimento das habilidades de letramento, especialmente no que tange ao ato de redigir, de nossos jovens alunos, que tanto carecem de incentivo nesse tipo de prática.

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RESULTADO E DISCUSSÃO

Este relato de experiência é resultado de discussões e reflexões acerca de 62 redações produzidas por jovens estudantes da E.E.E.M. Júlia Passarinho, regularmente matriculados em duas turmas concluintes de Ensino Médio. Para fins do certame proposto, analisamos que 10 produções alcançaram o conceito Excelente (oscilando entre as médias 10,0 a 9,5); 41 delas atingiram o conceito Bom (oscilando entre as médias 9,4 a 5,0) e; 11 obtiveram conceitos Regular e/ou Insuficiente (oscilando entre as médias 4,9 a 0,0) por apresentarem sérias dificuldades, especialmente no uso da habilidade com a escrita 68. Frisamos que foi realizado um trabalho de revisão dos critérios com maior incidência aos desvios da norma culta da língua portuguesa ao longo do cumprimento das estratégias curriculares na disciplina Português II (Redação). No entanto, tais critérios tiveram suas discussões desconsideradas neste texto, visto que tomamos como ponto de partida nas reflexões deste trabalho o principal questionamento proposto (O que você espera da escola?). “As instituições de ensino devem combater o machismo, o racismo, a homofobia, por intermédio de palestras que incentivem a não-prática de tais atitudes.” (N.C.C., M3TR01, masc., 18 anos) Destacamos nos discursos revelados pelos jovens escritores que os mesmos consideram a instituição escolar como extensão da família: “A escola deveria dar orientações sobre o sexo e o tóxico, através de especialistas (...) porque em casa muitas vezes os pais não sabem como lidar por falta de cultura.” (N.C.S., M3TR02, fem., 19 anos) Discursos também ratificaram a importância do concurso da redação no processo ensino-aprendizagem, visto que “o jovem não tem tido oportunidade de falar sobre as dificuldades que vem enfrentando na escola” (C.R.M., M3TR01, fem., 17 anos). As responsabilidades dos nossos representantes foram fatores que não escaparam às críticas discentes: “Muitas vezes a escola não nos oferece aquilo que precisamos para uma educação de qualidade. Sempre tem algo faltando, merenda, professores, uma biblioteca que tenha um bom funcionamento” (R.N.S., M3TR01, fem., 18 anos).

68

Em anexo ver tabela com os descritores avaliativos analisados no processo de escrita dos alunos.

125


“É necessário que haja um forte e eficaz apoio do Estado, com mais verbas para as instituições.” (M.O.C., M3TR01, fem., 17 anos). Os jovens escritores também articularam as necessidades a serem supridas de modo socialmente articulado a outros setores, sempre com o propósito de ir além dos anos finais da educação básica: “O jovem muitas vezes é uma pessoa incompreendida pela sociedade como um todo, pelos professores, pais e governos.” (C.B.L., M3TR01, fem., 25 anos). “O jovem está aberto às influências do meio, dos pais, do colégio, dos amigos, da igreja, da mídia... precisa enfrentar os dilemas nos estudos e na vida profissional (D.L.M., M3TR01, fem., 18 anos). Muitos discursos revelaram a maturidade crítica em relação aos níveis de ensino oferecidos pelos currículos escolares, que fizeram parte da discussão em sala de aula: “Espero uma escola adequada, porque sem dúvida o aprendizado é melhor, espero que os professores façam perguntas, pois prestamos mais atenção na aula; espero que todas as escolas sejam regulares e não modulares. Já estudei o 1º e o 2º ano no modular e estou estudando há um mês no regular e posso garantir que é ótimo em relação ao aprendizado.” (R.T.G., M3TR01, fem., 20 anos).

“Deveriam ser adotadas mais práticas de educação cultural e lazer, assistência aos estudantes de baixa renda que não conseguem ter acesso ou garantia de seus direitos.” (M.M.B., M3TR02, fem., 18 anos). Nossos estudantes também apresentaram leitura que ultrapassava o universo da língua e da linguagem muitas vezes pautado em conhecimentos curriculares fechados em si mesmos. Argumentaram, em suas redações, ideias com base em leituras que correspondem a uma vivência cultural, extraescolar: “Como nos lembrou Paulo Freire, o grande filósofo educador abre nossos olhos para a necessidade de a escola olhar os alunos como sujeitos e não como objetos (...). Se o professor não ama seus alunos no sentido fraterno que este termo possui, a relação pedagógica não existe.” (G.G.L.B., M3TR02, masc., 19 anos).

“O escritor Augusto Cury está certo quando diz que somos tímidos espectadores ao invés de ser ágeis atores.” (G.S.N., M3TR02, masc., 22 anos).

126


Decerto não poderiam escapar aos olhares e inquietudes discentes, a parceria com sujeitos que vivenciam e compartilham das mesmas angústias: seus professores. “A escola ideal garante segurança, infraestrutura, inclusão de pessoas com deficiência e professores sempre qualificados.” (A.V.M., M3TR02, fem., 18 anos). “Os profissionais da educação têm que ser valorizados, mais respeitados, pois é através deles que vamos aprender novas e boas ideias.” (A.S.B., M3TR02, masc., 21 anos). Eis uma reflexão que também não escapou à tinta crítica de nossos jovens:

“Espero um dia poder estudar em uma escola que possa passar o máximo de conforto e segurança a alunos e funcionários, que não seja invadida por ladrões e nem

tenha

funcionários

assediando

alunos

ou

alunos

assediando

funcionários... queria uma escola justa e ética.” (T.N.A., M3TR02, fem., 19 anos, grifo meu).

Nesse processo de empoderadas reflexões discentes sobre o que eles esperam da escola, destacamos que principalmente um aluno de escola pública deseja: “um ensino de qualidade, onde as aulas sejam mais interativas e divertidas, onde todos possam aprender com prazer. Espero que a escola ensine a nós, que formamos as juventudes do nosso país, o que é cidadania e como conquistá-la, mostre o poder que possuímos principalmente na escolha de nossos governantes.” (J.N., M3TR02, masc., 18 anos).

Como vimos, os discursos dos jovens escritores procedem de pontos de vista subjetivos, considerados relevantes no processo de avaliação das produções. Ratificamos que não intencionamos a estratégia de apontar ou abordar as questões específicas exigidas a nível teórico das habilidades escritas dos estudantes. As “vozes” oriundas da escrita dos jovens estudantes, dispostas nesta experiência, focalizaram não o gênero textual solicitado e produzido (texto dissertativo-argumentativo), mas nos conduziram a refletir sobre o funcionamento da escrita buscando acompanhar as expectativas, anseios, dificuldades, enfim, os recursos discursivos e os conhecimentos socioculturais, valorizando a habilidade de raciocínio e o desenvolvimento cognitivo-crítico dos alunos. Os discursos disseminaram a necessidade de combater o preconceito, a desigualdade social, a globalização no intuito de eliminar o racismo e a homofobia e não 127


consolidá-los; ficou claro que os jovens escritores da E.E.E.M. Júlia Passarinho anseiam por uma educação de qualidade, valorizam a futura carreira profissional e a vida estabelecida em uma sociedade mais justa, mais ética e mais segura, além de almejarem independência financeira e viver numa sociedade com menos desigualdade social. Apesar de frisarem que muitos jovens preferem estar à margem do cenário educacional, entregues à marginalidade, admitem que “uma juventude sem educação e sem conhecimento é uma juventude sem futuro” (A.R.P., M3TR02, masc., 19 anos). Todo o exposto estimula o desejo e a necessidade de nos empenharmos na formação intelectual dos discentes, superando os obstáculos presentes no setor educacional, causados, em sua maioria, pela má gestão dos recursos públicos ao longo de vários governos. Outrossim, como falta para esta geração interesse e engajamento político, precisamos conscientizar a ideia de que os jovens constituem relevância para o desenvolvimento do país, processo no qual as escolas públicas e as universidades necessitam desempenhar papeis estratégicos. Nelas é que será possível pensar e se criar soluções para as questões fundamentais do ser humano, sem importar-se com a origem social, a religião, a cor da pele, o grupo a que pertence o nosso jovem estudante.

REFERÊNCIAS

ABRAMOVAY, Miriam; ANDRADE, Eliane Ribeiro e ESTEVES, Luiz Carlos Gil. Juventudes: outros olhares sobre a diversidade. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade; Unesco, 2007.

ANTUES, Irandé. Lutar com palavras: coesão e coerência. São Paulo, Parábola Editorial, 2005.

BRASIL. Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Educação é a Base. Brasília, MEC/CONSED/UNDIME, 2017. Disponível em: < 568 http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_publicacao.pdf>. Acesso em: 02 jan. 2019.

FERRAREZI JÚNIOR, Celso e CARVALHO, Robson Santos de. Produzir textos na educação básica: o que saber, como fazer. 1. ed. São Paulo: Parábola Editorial, 2015. 128


MARTÍN-BARBERO, Jesús. A comunicação na educação. São Paulo: Contexto, 2014.

PRETI, Dino. Estudos de língua oral e escrita. Rio de Janeiro: Lucerna, 2004.

SOARES, Magda. Alfabetização e letramento. São Paulo: Contexto, 2017.

YIN, Robert K. Pesquisa qualitativa do início ao fim. Porto Alegre: Penso, 2016.

129


ANEXO

DESCRITORES DE AVALIAÇÃO TEXTO DO TIPO DISSERTATIVO-ARGUMENTATIVO

Autor do texto:

Turma:

Professor avaliador: CRITÉRIOS PARA PRODUÇÃO E AVALIAÇÃO DO TEXTO DISSERTATIVOARGUMENTATIVO

O texto narrativo atendeu aos critérios de:

Sim

Em parte

Não

10,0 –

9,4 – 5,0

4,9 – 0,0

(E)

(B)

(R)/(I)

(E)

(B)

(R)/(I)

9,5 1. Adequação à proposta •

Elaborou um texto adequado ao título proposto?

Iniciou

o

criticamente

texto a

contextualizando

temática

de

forma

genérica? •

Explicitou sua posição?

Apresentou mais de um argumento para sustentar as ideias expostas?

Recorreu a mais de um tipo de argumento (autoridade,

princípio,

exemplificação,

causa/consequência etc.)? •

Considerou posição contrária refutandoa?

No fim do texto, retomou a posição assumida ou apresentou uma conclusão?

2. Construção da coesão/coerência do texto (textualidade) •

Utilizou

adequadamente

alguns

dos

organizadores textuais estudados?

130


Utilizou adequadamente a pontuação e a paragrafação?

Demonstrou conhecimento do estilo de escrita do gênero textual escolhido?

Escolheu um título sugestivo?

3. Uso das regras e convenções da gramática normativa •

O texto está correto em relação às regras de concordância entre as palavras?

O texto está ortograficamente correto em relação

aos

padrões

da

gramática

normativa?

131

(E)

(B)

(R)/(I)


TEMPO DE LEMBRAR: MEMÓRIAS DE VELHOS SOBRE O MUNICÍPIO DE IGARAPÉMIRI, PARÁ. Marinaldo Pantoja Pinheiro 69

Resumo: Trata-se de uma experiência exitosa vivida por alunos da disciplina História do 3º ano “C”, turno da manhã, da Escola Estadual de Ensino Médio “Enedina Sampaio Melo”, Igarapé-Miri, Pará, cujo objetivo foi historicizar o cotidiano de idosos desse município. Os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas com dez idosos moradores de Igarapé-Miri utilizando-se o método de história oral. Os resultados evidenciaram saberes carregado de valores essenciais às gerações mais novas e demonstram que precisamos escutar e valorizar as memórias dos velhos, pois muitos se consideram “excluídos” socialmente. Palavras-chave: Tempo. Lembrança. Memória. Velho. Abstract: It is a successful experience by students of the discipline "History" of the 3rd year "C", morning shift, of the Enedina Sampaio Melo State High School, Igarapé-Miri, Pará, whose objective was to historicize the daily life of the elderly municipality. Data were collected through semi-structured interviews with ten elderly residents of Igarapé-Miri using the oral history method. The results showed knowledge loaded with essential values to the younger generations and demonstrate that we need to listen and value the memories of the old people, since many consider themselves socially "excluído". Keywords: Time. Memory. Memory. Old.

Justificativa: A sociedade brasileira a cada ano fica mais velha, entretanto não vem se preparando para isso. Envelhecer na sociedade capitalista, na maioria das vezes, deixa de ser considerada uma etapa natural da vida, e passa a ser encarado como uma doença que delega ao ser humano a incapacidade para viver produtivamente. Na sociedade em que vivemos os velhos são tratados, na maioria das vezes, como improdutivos, despojados, oprimidos, banidos do convívio social, como alguém à espera da morte, que já contribuiu e virou obsoleto, que não possui mais projetos, sendo impedido de lembrar e ensinar. Que é, pois ser velho na sociedade capitalista? É sobreviver. Sem projeto, impedido de lembrar e de ensinar, sofrendo as adversidades de um corpo que se desagrega à medida que a memória vai se tornando cada vez mais viva, a velhice, que não existe para si, mas somente para o outro. Este outro é um opressor (CHAUÍ, 1919, p. 18).

Professor de história na Escola Estadual de Ensino Médio “Enedina Sampaio Melo”, Igarapé-Miri, Pará. Mestre em Educação pela Universidade do Estado do Pará (UEPA) e membro da Academia Igarapemiriense de Letras (AIL), cadeira 16, patrono Raimundo Gomes Filho. E-mail: professormarinaldo@hotmail.com 69

132


A fase da velhice, não retira do idoso a capacidade de viver ativamente na sociedade. É a fase de maior conhecimento de uma pessoa, pois possui inúmero saberes experimentado socialmente, tornando-se os guardiões do passado, o que em sociedades indígenas seria algo extremamente valorizado e respeitado. O ancião possui a experiência dos tempos vividos, e uma de suas grandes contribuições para a sociedade é a narrativa de seus caminhos trilhados, de sua história de vida e o modo como às experiências de longas datas podem contribuir com as perspectivas contemporâneas. O velho é um patrimônio histórico e social, e suas experiências podem cooperar com os mais jovens para novas construções na família, sociedade e trabalho (BOSI, 2006). O idoso necessita de atenção e precisa ser ouvido, pois isso o estimula a reter os fatos. O mundo social possui riquezas e diversidades que podem chegar a nós pela memória do velho. A memória dos velhos pode deixar às claras um mundo com riquezas e diversidades que nem chegamos a conhecer. Através dessas memórias, podemos compreender momentos perdidos e, talvez, tornar mais humano o nosso presente (ALMEIDA, 2001, p.33).

Muitos idosos depois que perderam o sentido utilitário à sua família passaram a ser confinados aos espaços domésticos, não sendo sequer escutados. É como se suas experiências de vida, acumulada por décadas perdessem a validade, ficando restrita ao passado. Nesse sentido, este artigo é o resultado de uma pesquisa realizada por alunos do terceiro ano “C”, turno da manhã, da Escola de Ensino Médio “Enedina Sampaio Melo”, sediada na cidade de Igarapé-Miri, Pará, que objetivou trabalhar com a memória de velhos para resgatar suas lembranças vividas na referida cidade. O município de Igarapé-Miri foi fundado em 23 de maio de 1896 à 78 km de Belém, capital do estado do Pará. Essa localidade surgiu em torno da festividade de Sant’Ana e das atividades comerciais de exploração predatória de madeira, cultivo de urucum, extração do látex da seringueira, produção de aguardente de cana de açúcar, dentre outros. Atualmente a cidade de Igarapé-Miri é considerada a Capital Mundial do Açaí por ser a maior produtora desse fruto. No ano de 2016, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) o Pará extraiu 98,3% de todo o açaí exportado do Brasil, e o município paraense que mais produziu esse fruto foi Igarapé-Miri, com uma safra de 305,6 mil toneladas, o equivalente a 28,3%. 133


Segundo a Pesquisa Agrícola Municipal (PAM), divulgada hoje, de 2015 para 2016, a produção agrícola nacional de açaí aumentou de 1,0 milhão de toneladas para 1,1 milhão. Essa é a primeira vez que o IBGE investiga a cultura de açaí no âmbito da agricultura. O maior estado produtor foi o Pará, com 98,3% do total nacional. Os 20 maiores municípios produtores são paraenses, com destaque para Igarapé-Miri, o maior produtor mundial, com 305,6 mil toneladas, 28,0% da produção do país. Juntos, os cinco maiores municípios produtores (Igarapé-Miri, Cametá, Abaetetuba, Bujaru e Portel) representam 62,7% da produção do estado (IBGE, 2016).

O município de Igarapé-Miri expandiu a sua atividade comercial em torno do açaí, inúmeras famílias direta ou indiretamente melhoraram suas condições de vida através dessa atividade agrícola, mas o desenvolvimento não trouxe qualidade de vida para toda população, principalmente a da terceira idade. As calçadas da cidade não estão adaptadas para aqueles que possuem dificuldades de locomoção, o sistema de saúde pública é precário, transporte em ônibus intermunicipais são desumanos, esporte e laser são inexistente à terceira idade. Parece que não existem idosos nesse município. Conforme o IBGE, no último Censo Demográfico realizado em 2010, a população de Igarapé-Miri era de 58.077 habitantes e a estimativa para 2018 foi de 62.355 pessoas. Esse censo de 2010 também detalhou a faixa etária da população miriense, onde se constatou que a população com mais de 60 anos era de 4.235, sendo 2.044 homens e 2.191 mulheres. A faixa etária de 60 anos em diante pode ser observada no quadro (1). Idade

60 a 64 65 a 69 70 a 74

75 a 79 80 a 84

85 a 89

90 a 94

95 a 99

100 ou mais

Homens

634

509

347

257

137

80

54

22

4

Mulheres

589

542

393

274

157

89

90

45

12

1.223

1.051

740

431

294

169

144

67

16

Total

Quadro 1 - População de Igarapé-Miri com mais de 60 anos em 2010. Fonte: IBGE, 2010 Os dados demonstram que a população morre precocemente, pois menos de 10% da população tem mais de 60 anos. Essa população é desassistida pelo poder público e quando 134


perdem a utilidade para executar as tarefas domésticas, muitos idosos tornam-se invisíveis no convívio social, ficando confinados e abandonados dentro da própria casa, muitas vezes sendo rotulados como “caducos”. Para muitos idosos, a velhice é acompanhada pela falta de compreensão de sua família por essa nova fase da vida humana que exigem cuidados especiais, mas que não retira da pessoa a capacidade de socialização e de repasse de suas experiências às gerações mais novas.

Objetivo Geral: Analisar no registro das memórias de velhos as lembranças sobre o município de Igarapé-Miri, Pará.

Objetivos específicos: Conhecer a história de vida de velhos do município de Igarapé-Miri, Pará. Registar a voz e as lembranças de idosos sobre o município. Valorizar as experiências de vida desses velhos.

Competências, Habilidades, Componentes Curriculares (Disciplina) e Objetos do Conhecimento (Conteúdo): Competência: M1- Compreender os elementos culturais que constituem as identidades. Habilidade: H02 - Analisar a produção da memória pelas sociedades humanas. Componente Curricular: História Objetos do conhecimento: Cultura material e imaterial; Patrimônio e diversidade cultural no Brasil.

Metodologia Esse estudo envereda-se pela perspectiva da História Cultural, cuja metodologia de pesquisa é a história oral. Essa metodologia busca analisar as experiências de vida individual, que ao mesmo tempo são coletivas, haja vista que construímos e somos construídos pelo meio em que vivemos. Segundo o historiador Thomson (1997), “o trabalho com a História Oral pode auxiliar as pessoas a reconhecer e dar valor a experiências silenciadas, ou reconciliar com os 135


aspectos difíceis de seu passado” (p. 70). Portelli (1997) enfatiza que a História Oral tende a representar uma realidade que não pode ser encarada “como um tabuleiro em que todos os quadrados são iguais, mas como um mosaico ou colcha de retalhos em que os pedaços são diferentes, porém, formam um todo coerente depois de reunidos” (p.16). Essa metodologia de pesquisa consiste em realizar entrevistas gravadas com pessoas que possam dar testemunho de acontecimentos contemporâneo. Para Thompson (1998), a entrevista permite ao narrador expressar a sua interpretação da realidade, possibilitando a reconstrução da experiência vivida. Segundo Minayo (2012) a entrevista “tem o objetivo de construir informações pertinentes para um objeto de pesquisa, e abordagem pelo entrevistador, de temas igualmente pertinentes com vistas a este objetivo” (p. 64). A execução da metodologia de história oral compreende várias etapas de atividades anteriores e posteriores a entrevista, a saber: pesquisa e levantamento de dados para a preparação dos roteiros das entrevistas. Planejamento, execução, avaliação e socialização dos resultados com a comunidade. (FRANCO; SCHMIDT, 2014). A partir dessas instruções foram norteados os passos da pesquisa. Comecei a dialogar com meus alunos dos 3º ano “C”, manhã, da Escola Estadual de Ensino médio “Enedina Sampaio Melo”, sobre a problemática da invisibilidade das pessoas idosas, e se conheciam alguém nessa situação. A resposta quase sempre foi positiva, pois a maioria tinha idoso em casa. E lhes perguntei: qual era a situação desses idosos? A maioria respondeu que ficavam geralmente sem contato com a sociedade, ou seja, confinados em casa. Na continuação do diálogo lhe teci a seguinte pergunta: e vocês costumam escutá-los? A maioria disse que já estavam “caducando”, ou seja, falavam coisas desconexas e sem sentido. Houve a experiência de uma aluna que relatou que sua bisavó tinha problemas mentais e conversava sozinha, por isso não lhe dava atenção. Na aula seguinte eu discuti com os alunos sobre a importância que os velhos tinham nas sociedades antigas, onde eles eram os guardiões da história. As gerações mais novas paravam para aprender com as memórias dos velhos. Com o sistema capitalista veio à ideia de utilidade para ser mão de obra, e aquele que perde esse potencial, pode ser banido da sociedade e confinado em residências ou asilos. No final dessa aula propus um desafio para os alunos: fazer o registro da memória dos velhos da cidade de Igarapé-Miri. Essa atividade foi organizada da seguinte forma: 1. Em grupo de 4 (quatro) deveriam filmar uma entrevista semiestruturada com um idoso. O objetivo seria fazer uma biografia do entrevistado. 136


2. Além da entrevista deveriam coletar fotos, documentos etc. para ajudar na produção da biografia. 3. Escutar a entrevista, analisar as fontes coletadas e produzir a biografia. 4. Gravar todo o material em um DVD e entregar ao professor. 5. Socializar em sala de aula o resultado do trabalho produzido, enfatizando as suas impressões sobre o entrevistado.

Resultado e discussão Foram entrevistados dez velhos entre 75 a 105 anos, oito do sexo feminino e dois do sexo masculino. Todos moradores do município de Igarapé-Miri, Pará. A fim de ilustrarmos o imaginário social desses entrevistados, expomos aqui a experiência da entrevistada mais nova e da mais velha. O roteiro das entrevistas foi o seguinte: infância, família, valores, profissão, condições de vida atual e perspectivas para o futuro. Como forma de proteger a identidade dos entrevistados utilizaremos apenas as suas iniciais.:

Entrevistada 1: J.L.B., nasceu em 10 de março de 1944, tem 75 anos de idade. Possui 14 irmãos. Sua mãe J.B. tem 98 anos de idade e seu pai, que possui as mesmas iniciais da esposa, morreu com 70 anos. A entrevistada teve cinco filhos: o primeiro de uma experiência quando tinha 19 anos de idade e os outros quatro filhos adquiridos depois de um relacionamento relativamente curto. Ela praticamente criou os seus filhos sozinha, trabalhando em casa de família e vendendo refeições: “eu ia à feira comprar alimentos no horário que estavam mais barato, preparava e vendia a refeição e assim ganhava um dinheirinho para sustentar meus filhos”, assim comentou a entrevistada. Ela se orgulha de ter conseguido criar os seus filhos sem a contribuição do pai. Dona J.L.B. sabe somente assinar o seu nome, pois não teve chance de estudar. Na infância dedicou-se a ajudar os pais. O pai da entrevistada era pescador, caçador e cortador de madeira. Ela o acompanhava nas caçadas carregando armas, munições etc. O principal valor que J.L.B. adquiriu de seu pai foi à honestidade, pois não podia trazer nenhum objeto desconhecido para a sua casa, que o seu pai a interrogava e depois devolvia aos donos. Lembra-se que veio morar na cidade de Igarapé-Miri na década de 1980 e que nessa época a cidade era muito tranquila: as pessoas sentavam para conversar na frente da casa nos fins de tarde, as crianças brincavam na rua, tomavam banho de rio e igarapé etc. Não tinham medo de se aproximar do outro. Todos se conheciam e se respeitavam mutuamente. 137


Atualmente J.L.B. mora com um filho na cidade de Igarapé-Miri e tem sempre a casa cercada por seus filhos e netos. Sente dores reumáticas (artrose e artrite) e tem seus movimentos reduzidos em decorrência dessa doença. Mas ainda ajuda nas atividades domésticas. Sua perspectiva é que o futuro seja melhor à medida que os jovens invistam na sua educação (escolar). O seu recado para a juventude é o seguinte: Não deixem de estudar porque o futuro de vocês e é esse estudo. Não adianta dizer meu pai é rico, minha mãe é rica, eu tenho tudo. Não. O futuro dos jovens de hoje é o estudo. Por que se eu tivesse o meu estudo muitas coisas boas eu já tinha feito na minha vida, mas do que eu já fiz. Já tinha feito muito mais (J.L.B., 2019).

Entrevistada 2: O.M.C.B. de 105 anos de idade nasceu em 13 de agosto de 1913 no rio Caiá Capu, acima da Vila de Maiauatá, município de Igarapé-Miri, Pará. Era filha de E.M.C. Foi casada duas vezes e teve treze filhos, entretanto cinco já faleceram. Atualmente tem oito filhos: cinco mulheres e três homens. Nasceu e morou por muitos anos no interior de Igarapé-Miri e mudou-se na década de 1970 para a cidade a fim de mandar educar os seus filhos. Conta que nessa época a cidade era pequena e tinha poucos moradores. Viviam felizes, mas passavam necessidades econômicas, pois a cidade não oferecia oportunidade de emprego para a maioria da população. E os que trabalhavam na prefeitura ou no comércio local ganhar pouco. Dona O.M.C.B. foi extrativista (seringueira e catadora de produtos da floresta), trabalhou na roça fazendo farinha, capinou o cemitério, a rua etc. Teve uma vida dedicada ao trabalho para a manutenção da família e a criação dos filhos e netos. O valor que carrega na vida é o respeito pelas pessoas mais velhas. Conta que na sua época era comum o mais novo pedir a bênção do mais velho. Sua perspectiva para o futuro é que a educação possa ensinar às crianças o respeito pelas pessoas mais velhas, que hoje sofrem o preconceito social.

Conclusão: Este recurso didático possibilitou conhecer e valorizar a história de vida dos moradores antigos de Igarapé-Miri, assim como compreender como era a cidade e quais as aspirações de seus moradores no passado e no presente. Aprendemos com essa atividade 138


que os saberes não tem prazo de validade e todos são importantes para o desenvolvimento da humanidade. Os alunos perceberam a importância de ouvir, respeitar, valorizar e aprender com os mais velhos. Não podemos esquecer que nós também caminhamos para a velhice, e ao mesmo tempo em que nos preocupamos em valorizar os idosos, estamos também construindo um futuro melhor para nós mesmos.

Referências ALMEIDA, R. C. (2001). Memórias do rio do Monjolinho: o processo de urbanização e os impactos sobre os recursos hídricos. São Carlos, 2001. 120p. Dissertação (Mestrado). Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo.

BOSI E. Memória e sociedade: lembranças de velhos. São Paulo (SP): Companhia das Letras; 2006.

CHAUÍ, Marilena de Souza. Apresentação. 1979. In: BUFFA, Ester; NOSELLA, Paolo. Instituições Escolares: por que e como pesquisar. Campinas, SP: Editora Alínea, 2009, p. 17 – 33.

FERREIRA, M.M.; FERNANDES, T.M.; ALBERTI, V (orgs.). História Oral: Desafios Para O Século XXI. Rio de Janeiro: Editora Fio Crus/ Casa de Oswaldo Cruz/ CPDOC – Fundação Getúlio Vargas, 2000.

FRANCO, Bianca Liz Possebom; SCHMIDT, Maria Auxiliadora Moreira dos Santos. História Oral e aprendizagem histórica: uma experiência com a história das mulheres do bairro Jardim Cruzeiro. In: PARANA. Os desafios da escola pública paranaense na perspectiva do professor: PDE Artigos, 2014.

IBGE. Censo demográfico de 2010. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/. Acesso em: 20 de março de 2019.

______. Censo demográfico de 2016. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/. Acesso em: 20 de março de 2019. 139


MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio da pesquisa social. In: DESLANDES, Suely Ferreira; GOMES, Romeu; MINAYO, Maria Cecília de Souza. (Orgs.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 32. ed. Petrópolis: Vozes, 2012. pp. 9-30.

PORTELLI, Alessandro. Tentando aprender um pouquinho: algumas reflexões sobre a ética na história oral. Projeto História, São Paulo, n. 15, p. 13-49, abr. 1997.

THOMSON, Alistair. Recompondo a memória: questões sobre a relação entre a História Oral e as memórias. Projeto História, São Paulo, n. 15, p. 51-84, abr. 1997. THOMPSON, P. A voz do passado – História Oral. 2. edição. São Paulo: Paz e Terra, 1998.

140


OS SABERES E FAZERES DO MUNDO INSULAR NA CONSTRUÇÃO DO CURRÍCULO: UM RELATO SOBRE PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DOS PROFESSORES DO SOME NO MUNICÍPIO DE ABAETETUBA-PA. Merian Nascimento de Abreu1 Tatiana Monteiro Ribeiro2

Resumo: Este trabalho socializa os resultados do projeto DIMUAMA elaborado e executado por um grupo de professores do SOME que atuam nas ilhas de Abaetetuba e concebem que a diversidade do mundo amazônico deve nortear o processo educativo para que possamos construir uma educação de qualidade que promova a cidadania e a autonomia dos povos do campo. O referido projeto vem sendo executado desde o ano de 2016, mas neste artigo enfocaremos as experiências pedagógicas, desenvolvidas nas edições que aconteceram no Rio Xingu (ao norte) e no Rio Panacuera (ao sul), no ano de 2017, no intuito de refletir sobre práticas pedagógicas direcionadas

à

realidade dos educandos. Nesse

sentido,

consideramos que viver, perceber e aprender a diversidade amazônica é essencial dentro da Educação do Campo. Considerando o contexto sociocultural e geográfico onde essas realidades foram pesquisadas, adotamos o termo campo, não como contraponto à cidade, mas para marcar uma realidade concreta que se manifesta nas ilhas e florestas do Estado do Pará e das diversas comunidades rurais que apresentam diversidade ambiental, social, econômica e cultural.

PALAVRAS-CHAVES: educação do campo, diversidade, DIMUAMA.

JUSTIFICATIVA: O DIMUAMA - Diversidade do Mundo Amazônico é um projeto desenvolvido por uma equipe de professores do Sistema de Organização Modular de Ensino (SOME) no Município de Abaetetuba (PA), com o objetivo de apresentar uma proposta de educação do campo que leve em consideração a realidade das comunidades ribeirinhas do município dentro da diversidade da Região Amazônica. O SOME foi implantado no Município de Abaetetuba em meados de 1996, atendendo o Ensino Fundamental e Médio, e na atualidade atende 21 comunidades ribeirinhas com aproximadamente 2.700 alunos, com uma diversidade natural, social, econômica e cultural que se forem trabalhadas de forma contextualizada enriquecem o processo ensinoaprendizagem. 141


Como modalidade de ensino, o SOME funciona em quatro módulos durante o ano letivo, agrupando as disciplinas afins que, durante 50 dias, concentram suas atividades referentes ao ano. As equipes organizam suas atividades de modo a garantir à aprendizagem levando em consideração o currículo formal que é apresentado pela SEDUC. Todavia, o educador pode construir a partir da realidade encontradas nas diversas comunidades, um currículo que atenda às expectativas e necessidades locais e dê sentido à aprendizagem. As comunidades ribeirinhas do Município de Abaetetuba apresentam um universo cultural, social, econômico e ambiental singular, tendo a sua organização e dinâmica influenciada pelo regime das marés dos diversos rios que encontramos no município, os quais são cruciais para a população já que são as vias de acesso, fonte de alimentação, renda e lazer. O projeto DIMUAMA - Diversidade do Mundo Amazônico, foi elaborado com o intuito de construir um currículo real que contemple os saberes, sabores, cultura e cores das ilhas de Abaetetuba, para que os conteúdos trabalhados em sala de aula tenham significado para os educandos e os contemplem como construtores de conhecimentos e não meros expectadores de conhecimentos elaborados a partir de uma visão exógena à sua realidade. O DIMUAMA foi elaborado no ano de 2016 pelas professoras Merian Nascimento de Abreu e Tatiana Monteiro Ribeiro e vem sendo desenvolvido desde o primeiro módulo do ano letivo de 2016 pelas referidas professoras com a participação dos professores Edinaldo Costa e Roseildo da Costa Farias, que buscaram realizar um trabalho interdisciplinar entre os componentes Artes, Estudos Amazônicos, Filosofia, Geografia e Sociologia. O projeto foi desenvolvido em onze comunidades ribeirinhas do Município de Abaetetuba, sendo quatro no ano letivo de 2016, quatro durante o ano letivo de 2017 e três no ano letivo de 2018, abrangendo os seguintes rios: Rio Guajará de Beja, Rio Sapucajuba, Rio Caripetuba, Rio da Prata, Rio Doce, Rio Xingu, Rio Panacuera, Rio Sirituba, Rio Ajuaí, Rio Tucumanduba e Rio Urubuéua. Neste trabalho enfocaremos as edições que aconteceram na Escola Santo Afonso localizada no Rio Xingu (ao norte) e na Escola Frei Paulino (ao sul). As comunidades do Rio Xingu e Rio Panacuera apresentam semelhanças típicas das comunidades ribeirinhas da Amazônia, mas com peculiaridades que marcam as relações econômica e social, posto que, se em uma predomina a várzea baixa, o açaí e a pesca tornam-se os produtos principais, enquanto na várzea alta, como é o caso da ilha Xingu, seus moradores podem ainda ocupar-se de atividades agrícolas, como a produção de roças, e atividades extrativas. Todavia, os rios são os elementos determinantes na mobilidade e 142


mesmo no fluxo da vida, os quais aliados a outros elementos configuram a diversidade cultural da paisagem, manejadas a partir de conhecimentos que são repassados e atualizados a cada geração, e, portanto, devem ser respeitados e considerados no processo educacional, proposta a que nos propusemos no âmbito do DIMUAMA.

Figura 1: Localização dos rios Panacuera e rio Xingu.

Fonte: Laboratório de Cartografia Social e Geoprocessamento do Campus de Abaetetuba, 2019. Este trabalho tem como objetivo conhecer, compreender e valorizar a diversidade do mundo amazônico, especificamente das ilhas de Abaetetuba onde funciona o Sistema de Organização Modular de Ensino, proporcionando aos educandos uma educação de qualidade contextualizada a sua realidade a partir da integração dos conhecimentos científicos e dos saberes populares nas experiências educativas existentes nas escolas com as práticas socioeducativas vivenciadas pelos alunos, bem como incentivar a produção científica e cultural e promover uma educação com vistas à equidade e a justiça social.

COMPETÊNCIAS, HABILIDADES, COMPONENTES CURRICULARES E OBJETOS DO CONHECIMENTO. O DIMUAMA é um projeto interdisciplinar que envolve os componentes: Artes, Filosofia, Estudos Amazônicos, Geografia e Sociologia e buscou produzir o conhecimento de forma coletiva com a participação efetiva dos sujeitos do processo ensino-aprendizagem.

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Nesse sentido, buscou-se desenvolver nos alunos competências e habilidades que os prepare para a vida em sociedade. Ao longo do desenvolvimento do DIMUAMA nas aulas de Estudos Amazônicos, Filosofia, Geografia e Sociologia, nossas ações visaram associar os conteúdos do currículo formal com a realidade local e assim construirmos um currículo real, vivo e que proporcione aos educandos o desenvolvimento das seguintes competências e habilidades, (BNCC, 2017): ✓ Compreender os elementos culturais que constituem as identidades. ✓ Compreender as transformações dos espaços geográficos como produto das relações socioeconômicas e culturais de poder. ✓ Compreender a produção e o papel histórico das instituições sociais, políticas e econômicas, associando-as aos diferentes grupos, conflitos e movimentos sociais. ✓ Compreender a sociedade e a natureza, reconhecendo suas interações no espaço em diferentes contextos históricos e geográficos. No componente Artes trabalhamos com os eixos: Artes Visuais, Dança, Música e Teatros no intuito de que os alunos pudessem: ✓ Reconhecer as diferentes funções da Arte, do trabalho, da produção dos artistas em seus meios culturais. ✓ Reconhecer o valor da diversidade artística e das interpelações de elementos que se apresentam nas manifestações de vários grupos sociais e étnicos.

METODOLOGIA O DIMUAMA foi desenvolvido durante o período letivo do módulo e compreende as seguintes etapas: 1. Apresentação do projeto à comunidade em uma reunião organizada pela gestão escolar e professores do SOME, em que foram mostrados aos pais, alunos, membros do Conselho e demais funcionários da escola os objetivos do projeto, a metodologia e a importância da participação de todos os envolvidos no processo ensino aprendizagem para a construção do conhecimento; 2. Levantamento bibliográfico realizado em sala de aula de acordo com a disciplina ministrada;

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3. Levantamento histórico, cultural, social, geográfico, ambiental e econômico da comunidade realizado pelos alunos sob a coordenação dos educadores envolvidos no projeto; 4. Atividades de campo; 5. Realização de oficinas com os alunos e comunidade; 6. Produção de trabalhos escritos, artesanais, ensaio de danças e de outras manifestações culturais, as quais são apresentadas a comunidade; 7. Produção de alimentos a partir de produtos regionais; 8. E por fim, a Culminância do projeto com o Festival DIMUAMA, em que são apresentados todos os trabalhos realizados durante o módulo, os quais buscam retratar a integração do conhecimento formal com os saberes locais.

RESULTADOS E DISCUSSÕES DIMUAMA- Edição Rio Xingu O DIMUAMA edição Rio Xingu foi desenvolvido durante o segundo módulo do ano letivo de 2017 na E.M.E.F. Santo Afonso. Inicialmente fizemos uma reunião com a comunidade escolar, na qual estiveram presentes o gestor da escola, dois membros do Conselho Escolar, 26 pais de alunos, três representantes da comunidade e os alunos atendidos pelo SOME, apresentamos o projeto e falamos da importância dele na construção de uma proposta de educação contextualizada que respeite e valorize à realidade local e possa ser um instrumento de transformação social. Nesse debate, incentivamos a participação de todos os membros da comunidade para que pudéssemos ter o conhecimento prévio da realidade e assim iniciamos nossas atividades educativas, tendo nossos educandos como os agentes fundamentais dentro do processo. Nesse contexto, compreendemos que a: A educação do campo é a que valoriza os saberes da população do campo, saberes culturais e experienciais. Saberes produzidos nas práticas sociais, nos processos culturais, relações sociais e interpessoais. Saberes da terra, da mata, das águas. (OLIVEIRA, 2012, p. 9).

Buscamos trabalhar a história, a cultura, os saberes, as memórias, os fazeres, a religiosidade, a cartografia do lugar, sem perder de vista o diálogo, o respeito e a importância de todos no processo ensino-aprendizagem. As atividades em classe e extraclasse sempre estão associadas com a realidade e integradas nas diversas disciplinas. Dentro da sala de

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aula, associamos os conteúdos programáticos das diversas disciplinas trabalhadas durante o módulo à realidade da comunidade. A relação e integração com a comunidade aconteceu por meio de trabalhos de pesquisa sobre a história do lugar, no qual buscamos por meio de conversas informais e entrevistas com os moradores mais antigos, assim ao longo da execução do projeto dividimos os alunos em grupos e direcionamos as conversas formais e informais com pessoas que relataram os fatos e acontecimentos que constituem a memória do povo do Rio Xingu, cinco donos de embarcações que viajam diariamente para Abaetetuba transportando cargas e passageiros, dois líderes da comunidade, duas parteiras, duas rezadeiras, três contadores (as) de histórias do lugar, dois representantes das Igrejas Evangélica Assembleia de Deus e dois da Igreja Católica e os três moradores mais idosos da comunidade. Foram semanas de conversas, nos quais muitos reviveram momentos marcantes de suas vidas, se emocionaram em recordar tais fatos, nos dando elementos para compreender a identidade do povo daquele lugar e assim nos forneceram informações que enriqueceram e dinamizaram nossas aulas. Também promovemos oficinas de culinária regional para a comunidade aprender a fazer diversos pratos doces e salgados tendo como matéria prima o açaí, a mandioca e o miriti, produtos que fazem parte da cultura milenar da Amazônia. Em sala de aula, os conteúdos ganharam vida, novo significado e despertaram nos educandos um interesse maior pelas atividades desenvolvidas em sala de aula e fora do ambiente escolar. Nossas atividades priorizaram a troca de experiências, de saberes e fazeres e a construção de um conhecimento que valorize a cultura, a identidade e as peculiaridades da comunidade. Os alunos deixam de ser meros expectadores de um currículo dissociados de sua realidade e se transformam em sujeitos que constroem coletivamente o conhecimento. Não abandonamos o currículo formal, mas constituímos um currículo real com as dimensões da realidade amazônica e em especial, das ilhas de Abaetetuba que tem intrínseco os conhecimentos, saberes e fazeres de populações que habitam a Amazônia há milhares de anos. A educação ribeirinha não acontece somente no espaço e no tempo da sala de aula, mas envolve o modo de vida da população ribeirinha, bem como o pescar, plantar e colher como forma de manter a subsistência alimentar. (COELHO, et all 2015, p. 53).

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No final do segundo módulo do ano de 2017 que aconteceu no dia 31 de agosto do ano de 2017, tivemos a culminância do projeto o Festival DIMUAMA - edição Rio Xingu, momento que apresentamos para a comunidade local e comunidades vizinhas à produção de nossos educandos no decorrer daquele módulo. Esses trabalhos envolvem trabalhos escritos sobre a história do lugar com seus mitos e lendas, saberes, fazeres e sabores com as receitas de produtos feitos com açaí, mandioca e miriti que fazem parte da cultura regional e que podem gerar renda para a comunidade, trabalhos artesanais, levantamento cartográfico, apresentações culturais que valorizam a cultura local. Dentre os trabalhos apresentados nesta edição do DIMUAMA destacamos a produção de material cartográfico (maquetes e mapas) feitos de miriti, produção escrita sobre o histórico da comunidade, levantamento do capital natural do Rio Xingu, cartilha ambiental da comunidade, os movimentos sociais como forma de resistência e re-existência da comunidade, cartilha de memórias da comunidade, mosaicos feitos de caroço de açaí. Estes trabalhos foram expostos e apresentados pelos alunos e fazem parte do acervo da Escola Santo Afonso. Nesse contexto, compreendemos que: Na educação do campo na Amazônia, as relações entre os sujeitos, entre os saberes e as práticas sociais e culturais precisam ser construídas alicerçadas na dialogicidade, no compartilhamento dos sonhos e utopias de uma sociedade democrática e na luta política pela garantia de direito a toda população do campo. (OLIVEIRA, 2012, P.11).

Figura 2: Poesias produzidas pelos alunos do 1º ano do Ensino Médio nas disciplinas Artes e Geografia. Arquivo Merian Abreu. A efetivação do DIMUAMA traz um novo sentido ao nosso trabalho à medida que não apenas transmitimos conhecimentos, mas temos o desafio de construirmos uma proposta 147


educacional que permita a troca e construção de novos conhecimentos, que esteja envolvida com a luta dessas comunidades. Reconhecemos que não é fácil construir uma proposta deste nível, são muitos encontros e desencontros, mas com certeza, nos dá uma visão mais ampla das comunidades ribeirinhas do Município de Abaetetuba que possuem especificidades encantadoras que precisam ser valorizadas para dar significado a educação oferecida nessas comunidades. Assim acreditamos que:

São as lutas pela realização de uma educação como prática de liberdade, emancipatória e alicerçada na valorização e partilha dos saberes, sem hierarquização e com aprendizagens impregnadas de sentido, integradas com a realidade e centralizadas no diálogo, ao tempo que atentas para a relação de poder que perpassam as relações entre os sujeitos e suas expressões de luta na sociedade. São os confrontos e desencontros de um processo de ensinar e aprender, articulado na alternância de espaços e tempos e que apresentam desafios, como toda prática educativa, mas que se desenham como possibilidades educativas com no e dos sujeitos dos diferentes campos do território brasileiro. (CAVALCANTE e VERGUTZ, 2014, p. 386).

Esta edição do DIMUAMA no Rio Xingu tem caráter único por ser uma localidade com uma riqueza cultural imensa que era repassada de forma oral e que tivemos o prazer de fazer o registro através das falas de moradores antigos que se emocionaram durante as entrevistas e nas diversas apresentações que foram realizadas, destacamos a apresentação do Boi Bumba Campo Verde que faz parte da cultura centenária da Comunidade do Rio Xingu e que há muitos anos não se apresentava, foi revitalizado pelos educandos com o envolvimento dos membros da comunidade que socializaram o que tinham de registro escrito e resgate da memória através de histórias orais, bem como a apresentação realizada pelas mães dos alunos que destacou a biosociodiversidade da Amazônia.

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Figura 3: Produção cartográfica dos alunos do 6º ano do Ensino Fundamental nas disciplinas Artes e Geografia. Arquivo Merian Abreu. DIMUAMA- Edição Rio Panacuera

O DIMUAMA edição Rio Panacuera foi realizado nos meses de setembro e outubro de 2017 durante o terceiro módulo desse ano letivo na E.M.E.F. Frei Paulino. Na primeira semana de setembro realizamos a reunião com a comunidade escolar e após apresentarmos nossa proposta de trabalho para aquele módulo, definimos coletivamente a temática a ser trabalhada: ‘O Capital Natural do Rio Panacuera” e a partir de então iniciamos nossas atividades pedagógicas sempre relacionando os conteúdos de sala de aula com a temática definida. As turmas do sexto ao nono ano do Ensino Fundamental ficaram sob a coordenação das professoras Merian Nascimento de Abreu e Tatiana Monteiro Ribeiro que em suas aulas de Artes, Estudos Amazônicos e Geografia, trabalharam a paisagem, o lugar e o espaço geográfico como produtos da ação humana e que refletem a sociedade que o produziu, destacando a importância social, econômica e cultural da floresta e do rio para a comunidade. Destacamos a importância cultural do açaí que além de ser um produto básico na alimentação da população tem uma importância econômica gerando renda e trabalho no período da safra. O rio que é a única via de acesso a comunidade é fonte de alimentação e de renda para a comunidade, destacando-se a pesca do camarão e de vários tipos de peixes. Nas aulas os conceitos trabalhados na disciplina de Artes ganharam formas e cores, com os recursos naturais encontrados na floresta e no rio Panacuera presente nas aulas e sendo utilizados como matéria prima de produtos artesanais. Os alunos do sexto ano pesquisaram sobre os produtos que podemos fazer com o açaí e elaboraram um livro de receitas intitulado: “Gostosuras e doçuras de Açaí”; os alunos do sétimo ano elaboraram uma cartilha sobre a diversidade étnico racial do Rio Panacuera; a turma do oitavo ano pesquisou sobre a cultura da comunidade destacando as festas tradicionais e a diversidade religiosa; os alunos do nono ano elaboraram um trabalho escrito em forma de cartilha intitulado: “O capital natural do Rio Panacuera”.

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Figura 4: Cartilha sobre O capital natural do Rio Panacuera elaborada por alunos do 9º ano do Ensino Fundamental na disciplina Estudos Amazônicos.

As turmas do Ensino Médio ficaram sob a coordenação dos professores Edinaldo Costa, Merian Nascimento de Abreu, Roseildo Farias e Tatiana Monteiro Ribeiro, sendo que no primeiro ano a professora Tatiana relacionou o conteúdo programático da disciplina à produção de açaí e do miriti e durante as aulas práticas os discentes construíram mosaicos utilizando impressionismo e pontilhismo tendo como matéria prima o açaí e o miriti produtos abundantes na comunidade. Nas disciplinas de Geografia e Sociologia, os professores Edinaldo Costa e Roseildo Farias através de um estudo interdisciplinar elaboraram junto com os alunos o trabalho intitulado: “Um olhar sobre o Rio Panacuera no mundo globalizado”, destacando o uso das tecnologias e as repercussões para o homem do campo. As turmas do segundo e terceiro ano sob a coordenação da professora Merian Nascimento de Abreu construíram um cenário sobre os impactos ambientais no Rio Panacuera, pesquisaram como o açaí vem sendo cultivado na comunidade, pesquisaram sobre as outras fontes de renda dos moradores e fizeram um levantamento estatístico da população. Os alunos do terceiro ano e a comunidade participaram de uma oficina culinária ministrada pela professora Merian Nascimento de Abreu sobre como produzir as doçuras e gostosuras de açaí e miriti. Durante a execução do projeto DIMUAMA na escola Frei Paulino percebemos uma mudança positiva em relação à participação e aprendizagem dos alunos, pois à medida que percebiam que sua realidade tinha entrado nos conteúdos trabalhados em sala de aula

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participaram mais das discussões e das atividades propostas em sala de aula. Assim, reforçamos nosso pensamento que: [...] o currículo é um instrumento de confronto de saberes: o saber sistematizado, indispensável à compreensão crítica da realidade, e o saber de classe, que o aluno representa e que é resultado das formas de sobrevivência que as camadas populares criam. Valoriza o saber de classe e coloca como ponto de partida para o trabalho educativo. (VEIGA, apud LIMA 2001, pag. 4).

Figura 5: Mosaico produzidos com caroços de açaí, construídos pelos alunos do 1º ano do Ensino Médio, na disciplina de Artes. Arquivo Merian Abreu.

A culminância aconteceu no dia 31 de outubro de 2017 na qual apresentamos a comunidade escolar o resultado de tudo que trabalhamos durante o primeiro módulo com várias apresentações artísticas e culturais, gincanas, mostra dos trabalhos realizados em sala de aula, degustação de bolos, doces, cremes, brigadeiros e pudins feitos com açaí e miriti, e, principalmente demonstrar que a aprendizagem é um processo coletivo que deve envolver todos os sujeitos sociais e que o conhecimento é resultado dos saberes de várias gerações e de vários povos, portanto os saberes da comunidade são fundamentais no processo educativo. O projeto vem atender uma expectativa do grupo de professores que defendem a construção de um currículo específico para as escolas do campo que respeite e valorize os saberes locais, a especificidade das comunidades, relacione o local e o global e dê real significado ao processo ensino-aprendizagem. Todavia, tal proposta não é tarefa simples nem fácil de ser desenvolvida, pois dentre outros tantos, exige compromisso e contato 151


assíduo entre educadores e educandos, ao passo que a operacionalização do módulo tem duração de dois meses. Nesse sentido, é necessário que o currículo se constitua a partir das experiências locais, dialogando com as tecnologias e saberes que os educandos desenvolvem e vivenciam, em seu espaço de vivência (LIMA, 2011, p. 10).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O DIMUAMA é um projeto elaborado e executado por um grupo de professores que atuam no Município de Abaetetuba. No entendimento do grupo, a educação do campo deve ser um processo construído com e para os sujeitos do campo, tendo em consideração a diversidade socioambiental, os conhecimentos, saberes e fazeres dos povos que habitam esses espaços. Nesse contexto a educação se torna a principal alavanca no sentido de transformar positivamente realidades vividas, tendo em conta a riqueza socioambiental que permeia o mundo social dessas particularidades. Entendemos que tal proposta é apenas um pequeno passo rumo à um ideal de educação do campo, cuja efetivação se dê de forma democrática e participativa. No entanto torna-se imperioso entender a necessidade de se oferecer aos sujeitos do campo, oportunidades de participarem e contribuírem com seus conhecimentos, saberes e fazeres na construção e reconstrução de novos conhecimentos que proporcionem a transformação social, econômica e ambiental e a construção de uma sociedade com mais justiça e igualdade social.

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2017.

Disponível

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CAVALCANTE, Ludmila Oliveira Holanda. VERGUTZ, Cristina Luísa Bencke. As aprendizagens na Pedagogia da Alternância e na Educação do Campo. Revista Reflexão e Ação. Santa Cruz do Sul, v. 22 n 2, p. 371-390. Jul./dez 2014.

COELHO, W.N.B;SANTOS, R. A.; SILVA, R.M.N.B. Educação e Diversidades na Amazônia. São Paulo: Editora Livraria da Física, 2015.

GHEDIN, Evandro; BORGES, Heloísa da Silva. Educação do Campo: a epistemologia de um horizonte em formação. Manaus: UEA Edições, 2007. Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.

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TRIPP, D. Pesquisa-ação: uma introdução metodológica. Revista Educação e Pesquisa. São Paulo, v. 31, n. 3, p. 443-466, set./dez. 2005.

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MUSICALIZAÇÃO, APRENDIZAGEM E AVALIAÇÃO NA EDUCAÇÃO BÁSICA: RELATO DE EXPERIÊNCIA EM UMA ESCOLA PÚBLICA NA DISCIPLINA DE ARTES/MÚSICA Lucian José de Souza Costa e Costa70 Resumo: O presente trabalho visa construir um relato de experiência sobre trabalho com Arte / Música com alunos do 6º ano do Ensino Fundamental da E.E.E.F.M Brasília, localizada na ilha do Outeiro, Belém do Pará. A musicalização dentro da disciplina de Artes/Música torna-se um meio de acesso à linguagem musical, onde o educador pode abordar principais teóricos da educação musical de forma prática em seus métodos ativos, como: ORFF, DALCROZE, KODALY, entre outros que embasam o ensino musical a partir do ritmo, da melodia e harmonia. Neste sentido o processo da aprendizagem musical tem um viés importante dentro da educação básica como forma de musicalizar esses estudantes. Para isso o objetivo geral desdobra-se em instruir alunos do ensino fundamental através da musicalização aliado aos teóricos da educação musical avaliando o desempenho prático de cada aluno mediante sua percepção melódica e rítmica. Dessa forma a metodologia aplicada deu-se através das aulas na disciplina de Artes/Música onde o educador ensinou o termo de ritmo, seu conceito e algumas figuras musicais para se trabalhar a percepção rítmica. Conclui-se que desta maneira o aluno obteve um contato novo com a música, tendo desempenho rítmico e trabalhando a percepção auditiva por meio do ritmo. Palavras-chave: Ensino fundamental. Música na educação Básica. Ritmo. Prática musical. Introdução Em minha prática, como professor de Arte, há a necessidade de um ensino mais sólido para que os alunos possam observar o cotidiano e aplicar o conteúdo de sala de aula no seu convívio social. A música como linguagem artística possibilita esse viés de interação entre o corpo e o som resultando em movimento. Vale ressaltar que o ensino aprendizagem na educação básica através da música dá-se com conteúdos teóricos como forma de cada aluno aprender sua essência teórica e em seguida aplicar na sua forma prática, posteriormente o professor avalia o os procedimentos teóricos e práticos e a forma de fazer música em sala de aula na disciplina de artes/música.

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Professor na disciplina de Artes/Música pela SEDUC/PA nas seguintes Escolas: E.E.E.F.M Jorge Lopes Raposo; E.E.E.F.M Maria Antonieta Serra Freire; E.E.E.F. Nossa Senhora de Fátima II. Mestrando em Artes (PPGARTES/UFPA). E-mail: luciancosta51@yahoo.com.br.

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Dessa forma, a inserção de projetos educacionais e aulas a partir de métodos ativos... dinamizam o ambiente de ensino-aprendizagem e torna possível uma maior interação do aprendiz com a realidade da educação básica. O presente relato de experiência ocorreu na E.E.E.F.M. Brasília, localizada na ilha de Outeiro (município de Belém) no estado do Pará. A escola possui quatro turmas de fundamental maior pela manhã e cinco turmas de fundamental maior à tarde, a saber: 6º ano, 7º ano, 8º ano e 9º ano. Cada turma possui em média trinta e cinco alunos71 devidamente matriculados. Dentre as disciplinas da grade curricular, todas as turmas possuem o ensino de Artes/música com professor habilitado em licenciatura plena em música e que exerce o papel de professor de artes desenvolvendo não só conteúdos de artes, bem como especifico da linguagem da música. Ressalta-se que tanto o conteúdo voltado para a área música quanto a forma de avaliação são estratégias que o professor utiliza para o ensino aprendizagem de cada aluno que não tem contato com essa linguagem. Neste caso, este relato de experiência ocorreu com uma turma de fundamental maior com base no conteúdo aplicado em sala de aula e a prática através de uma música relacionada ao tema. Seguindo esse padrão de aprendizagem, desenvolveu-se ao longo das aulas a forma de avaliação que resultaria em nota avaliativa para cada aluno. O conteúdo aplicado em sala de aula foi o ritmo e consequentemente falou-se de pulso e andamento para que os alunos tivessem a noção de marcação, de movimento e de velocidade, tudo em um só lugar. Feito essa aplicação em quadro, utilizou-se as cartelas Kodály

72,

que trabalham apenas ritmos com figuras de colcheia, semínima e pausa de

semínima. Cada cartela73 tem quatro figuras, formando uma célula rítmica, quando apresentadas, os alunos falavam o ritmo. Para cada semínima apresentada falava-se “pé”, para cada duas colcheias juntas falava-se “bo-la” e para pausa de semínima fazia-se silêncio. Neste sentido, os alunos falavam e depois substituíam pelas palmas sempre marcando um pulso ao bater os ritmos apresentados na cartela Kodály. Outro momento criado em sala de aula foi que cada dupla de alunos ou até mesmo quartetos criavam uma ordem rítmica e depois falava e batia o ritmo para toda a turma. 71

Dados informados pela secretaria da escola, tomando como base o ano letivo de 2018. O objetivo do método de educação musical de Kodály é ensinar o espírito do canto a todas as pessoas, além da alfabetização musical para todos, [...]. O desenvolvimento curricular inclui leitura e escrita da música, treinamento auditivo, rítmica, canto e percepção musical. 73 Ver anexo ( Figura 2) 72

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Deste modo, criou-se uma forma de avaliação para os alunos em sala de aula, que foi a prova prática. Os alunos estão acostumados com provas de responder e marcar limitando-se a conteúdos que levam a decorar. Nesse momento de aula a avaliação mudou pra eles na disciplina de Artes/Música, pois o professor havia dito que teria uma prova prática. A avaliação seguiu desta maneira: (a) prova oral – em grupo de quatro alunos ou em dupla o professor fazia perguntas sobre o conteúdo (ritmo); (b) bater o ritmo na cartela Kodály – era colocado ao contrário às cartelas e um do grupo retirava uma cartela ao executar a célula rítmica (c) criar uma sequência rítmica a partir de três figuras musicais

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eram entregue figuras recortadas para os alunos e eles montava a própria sequência rítmica e posteriormente executava. Sendo assim em uma única disciplina construiu-se uma forma de avaliar os alunos, repassar o conteúdo de linguagem musical e fazer com que cada um aprendesse sobre o ritmo. a participação do professor junto aos alunos, de forma a criar meios de avaliar e fazer com que olhem seu cotidiano através da linguagem musical. Musicalização na Educação Básica dentro da disciplina de Artes/Música A disciplina de Artes engloba quatro linguagens, a saber: música, dança, teatro e artes visuais. Neste caso, o professor tem sua habilitação específica e direcionada a uma dessas linguagens mencionadas acima. Deste modo, os conteúdos a serem trabalhados em sala de aula tornam-se objetivos ao ensino musical. Musicalizar é desenvolver os instrumentos de percepção necessários para que o indivíduo possa ser sensível à música, aprendê-la, recebendo o material sonoro/musical como significativo (PENNA, 2008. p. 31).

Para este relato, verificou-se que o professor de Artes da escola em destaque da pesquisa possui licenciatura plena em música e formação em violão clássico no Instituto Estadual Carlos Gomes. Esses fatores influenciam na educação musical de cada aluno, onde o professor irá criar meios de abordar conteúdos da graduação ou até mesmo de um curso técnico em música na educação básica.

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Ver anexo (Figura 3)

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Segundo Brito (2003), a música é uma forma de linguagem que faz parte da cultura humana desde tempos remotos. É uma forma de expressão e comunicação onde se realiza por meio da apreciação e do fazer musical O objetivo do ensino de

música no ensino básico não é formar músicos ou

instrumentistas e cantores, mas cada aluno um ser pensante da arte. Quando se menciona a musicalização, não apenas se refere à prática de instrumentos ou voz, mas sim de recursos que já existem no cotidiano e com os quais os alunos podem ter contato em seu convívio social, de maneira a extraírem um som ou pensarem no objeto como fonte sonora, desde sua forma rítmica à sua forma melódica. Para as autoras Hentschke e Del Ben (2003, p. 181), “A educação musical escolar não visa à formação do músico profissional. Objetiva, entre outras coisas, auxiliar crianças, adolescentes e jovens no processo de apropriação, transmissão e criação de práticas músico-culturais como parte da construção da cidadania”. Para isso, a formação do professor de Artes possui influência em como o conteúdo é aplicado em sala de aula. Neste caso, o professor é de música, então facilita o processo de musicalização, que é diferente de um conservatório de música ou da graduação. Aqui neste momento, o professor realiza na sala de aula meios de articular um conteúdo ao cotidiano de cada aluno fazendo compreender a disciplina. Por exemplo, quando se trata de ritmo musical, alguns alunos até entendem em sala de aula e acabam dando exemplo de funk ou de músicas que eles estão habituados a ouvir, essa compreensão facilita o ensino-aprendizagem para o conteúdo abordado, que é o ritmo. Outro fator importante baseia-se em como esse ritmo é construído e nesse momento entra o conteúdo e o elemento prático que fundamenta este trabalho. De acordo com Brito (2003): É fato indiscutível que o ritmo se apreende por meio do corpo e do movimento. Partir dos movimentos naturais dos bebês e crianças, ampliando suas possibilidades de expressão corporal e movimento, garante a boa educação rítmica e musical, além de equilíbrio, prazer e alegria, pois o ser humano é – também – um ser dançante. Não é por acaso que, ao apresentarmos um repertório de canções da cultura infantil mostramos, na realidade, brinquedos musicais que, se envolvem o cantar, envolvem também o movimento. (BRITO, 2003, p. 145)

Deste modo, a musicalização na educação básica dentro da disciplina de Artes/música proporciona uma vivência entre o que se tem em sala de aula e o que se conhece no cotidiano. Essa interação é perceptível ao aluno a partir do momento que ele 157


começa a entender alguns meios de fazer som, de articular este som, tendo já os materiais em mãos do cotidiano para realizer a prática musical Justificativa Sabe-se que toda disciplina tem sua forma de avaliar o aluno e seu desempenho para obtenção de nota em cada bimestre. Tanto o processo de aprendizagem como o de avaliação está ligado na forma como o professor de música alcança seus alunos e propõem a disciplina. De acordo com Souza (2000, p. 17), “A tarefa básica da música na educação é fazer contato, promover experiências com possibilidades de expressão musical e introduzir os conteúdos e as diversas funções da música na sociedade, sob as condições atuais e históricas”.

A finalidade do ensino de música na escola, principalmente no ensino fundamental, não é a de transmitir uma técnica particular, mas sim de desenvolver no aluno o gosto pela música e a aptidão para captar a linguagem musical e expressar-se através dela, além de possibilitar o acesso do educando ao patrimônio musical que a humanidade vem construindo (CHIQUETO; ARALDI, 2009, p. 6).

O professor é o mediador entre conteúdo e aluno, de que forma esse aluno vai receber este conteúdo e como o professor fará para expor de forma objetiva e que o aluno entenda. Cada detalhe no processo de aprendizagem na forma de avaliar vai sendo desenvolvida em sala de aula ao longo dos estudos. Referindo-se ao processo de aprendizagem deste relato de experiência, obteve-se resultados, pois houve um passo a passo na maneira como o professor aplicou o conteúdo, a saber: primeiro, o professor escolheu o conteúdo na linguagem musical, o ritmo, e explicou de forma teórica sobre o assunto, além de adicionar conhecimento a cerca de pulso e andamento. Após esse momento, fez atividades rítmicas com cartelas Kodály e criação de células rítmicas com figuras musicais recortadas e no final apresentou uma música que envolvesse todos processo de ensino aprendizagem. Tratando-se de avaliação, o professor optou pela prova objetiva em dupla ou quarteto para trabalhar a percepção rítmica de cada aluno e observar se cada um adquiriu conhecimento com o assunto proposto. A avaliação do bimestre deu-se por meio de prova objetiva onde a dupla ou quarteto respondia pergunta relacionada ao assunto, depois

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executava o ritmo na cartela Kodály e por ultimo criava uma célula rítmica com quatro figuras para então executar. Sendo assim, torna-se importante a construção da avaliação em sala de aula mediante o processo de aprendizagem, pois o aluno fará aquilo que viu, ouviu e entendeu em sala de aula. O professor é a peça fundamental no processo de aprendizagem dando o caminho de acesso ao conhecimento até então não conhecido pelo aluno. A partir do momento que o aluno começa assimilar a teoria e prática, consegue fazer sozinho o seu ritmo e associa a outros ritmos ouvidos por ele no cotidiano. Objetivos Os objetivos que nortearam o desenvolvimento do trabalho pedagógico foram: Geral: Instruir os alunos do ensino fundamental através da musicalização e avaliar seu desempenho prático mediante sua percepção melódica e rítmica Específicos Ensinar o processo de musicalização por meio de cartelas e figuras rítmicas; Avaliar os alunos por meio da prática em sala de aula com o ensino de música; Construir células rítmicas através das figuras e cartelas Kodály colaborando para o processo de ensino aprendizagem em sala de aula. Conteúdos Curriculares a) Pulso b) Andamento c) Ritmo d) Figuras rítmicas Metodologia A escola estadual Brasília possui dois turnos (manhã e tarde), no total de nove turmas. Para aplicação do conteúdo, a turma escolhida foi o 6º ano 75 do turno da tarde. A princípio, o professor iniciou o processo de musicalização por meio do ritmo de uma maneira simples: dando exemplos de ritmos e o que seria ritmo. Em debate com os alunos em sala de aula, explicou que a arte possui quatro linguagens, sendo elas: dança, teatro, artes visuais e música, sendo que o ritmo está inserido na linguagem musical ou na dança de outra forma. A partir deste exposto, o caminho começou a ser percorrido de maneira que a turma entendesse o conteúdo. Para isso, as aulas foram divididas em duas partes: teórica e prática.

75

Ver anexo (figura 1)

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Na aula teórica, procurou-se explicar o conceito de ritmo, dando exemplos do cotidiano de situações que geram esse elemento musical, sendo assim, a partir dessa aula os alunos perceberam que ritmo é todo som que causa sensação de ação ao corpo, então denominaram de movimento. Qualquer pessoa pode fazer música e se expressar através dela, desde que sejam oferecidas condições necessárias para sua prática. Quando afirmamos que qualquer pessoa pode desenvolver-se musicalmente, consideramos a necessidade de tornar acessível, às crianças e aos jovens, a atividade musical de forma ampla e democrática. (LOUREIRO. 2004, p.66)

Antes de chegar a fundo na parte prática do ritmo, foram apresentados alguns elementos como pulsação e andamento. Conheceram nomes específicos que são utilizados na linguagem musical, por exemplo: para pulsação no cotidiano dos alunos é marcação; para ritmo é movimento e para o andamento é velocidade. Cada um desses três elementos tem um nome popular aos alunos que facilita a aprendizagem. Apartir dessa ideia o professor construiu um caminho musical para que os alunos compreendessem não apenas o ritmo, mas outros elementos da linguagem musical. Após a apresentação de conceitos, o professor mostrou três figuras musicais que davam para formar uma frase rítmica, eram elas: semínima, duas colcheias e uma pausa de semínima. Com essa apresentação foi colocado no quadro pelo professor algumas células rítmicas para que os alunos falassem o ritmo. Toda vez que os alunos visualizassem uma semínima deveriam falar a palavra “pé” (associando a uma sílaba), e quando visualizassem duas colcheias juntas deveriam falar a palavra “bo – la” (associando a duas sílabas) e, por fim, toda vez que aparecesse uma pausa de semínima, ninguém falaria nada, porém pensaria na palavra “pé” e só faria a pulsação. Figura 1 – Cartela Kodály de ritmo

Fonte: acervo do autor

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Figura 2 – figuras musicais recortadas

Fonte: acervo do autor

Aproximar um corpo de outro. Por a mão em; apalpar, pegar. Por-se em contato com; roçar em alguma coisa. Fazer soar, assoprando, tangendo ou percutindo. Produzir música, executar um instrumento. Bater palmas, os pés no chão. Estalar a língua, os dedos. Assobiar. Todas estas definições são possíveis para a palavra tocar (KRIEGER, 2007, p.29).

Feito esse processo em sala de aula, criou-se um meio de avaliar cada aluno desta maneira: cartela Kodály, a qual trabalha células rítmicas com apenas as figuras musicais ensinadas em sala de aula, ou seja, toda vez que o aluno visualiza cada cartela é motivado a falar o ritmo de maneira a estudar ritmo sem decorar. O sistema de educação musical a que Dalcroze chamou “Rythmique” (Rítmica) relaciona-se diretamente à educação geral e fornece instrumentos para o desenvolvimento integral da pessoa, por meio da música e do movimento. Além desse propósito mais amplo, atua como atividade educativa, desenvolvendo a escuta ativa, a voz cantada o movimento corporal e o uso do espaço. (FONTERRADA, 2008, p. 131).

No segundo momento, foi levada para sala de aula uma figura musical recortada como: semínima, colcheias e pausa de semínima. Cada dupla de alunos ou de quarteto escolhia as figuras que achava melhor para trabalhar e criava células rítmicas com quatro figuras musicais e em seguida, além de falar o ritmo, já começava a bater palmas dando ênfase ao ritmo proposto. Bater palmas nos tempos rítmicos acentuados, interromper ou recomeçar, subitamente, um movimento, expressar com um gesto o caráter anacrúsico de um trecho, ou criar um movimento expressivo que represente uma determinada frase

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musical, são exemplos do que se pode explorar numa aula dalcroziana. (FONTERRADA, 2008, p.135).

No final dessa sequência de aulas, observou-se o empenho dos alunos em estudar e assimilar o conteúdo de forma não a decorar, mas aprender de forma objetiva. Sendo assim, foi proposta a turma uma avaliação diferenciada das outras, que foi uma prova objetiva em dupla em que avaliasse os aspectos rítmicos e teóricos acerca do assunto proposto. A prova teve três etapas: a escolha de uma cartela rítmica para que a dupla executasse o ritmo. Em seguida, a criação de uma célula rítmica com figuras musicais recortadas e, em seguida, sua execução. Ao final, houve pergunta oral a respeito de ritmo, andamento e pulsação para avaliar o conhecimento teórico de cada aluno, a fim de verificar o que foi ensinado em sala de aula. Resultados e discussão Dentro de um âmbito escolar torna-se imprescindível o uso de práticas sociais principalmente em disciplinas que agregam valores e oportunizam a vivência em grupo, como é o caso das artes. Neste sentido, a linguagem da música traz consigo diversas possibilidades de o aluno expandir seu conhecimento e seu olhar sobre o mundo. Quando se entende que uma disciplina não precisa apenas passar um conteúdo, mas viver uma prática social, os alunos praticam e acostumam no dia a dia a perceber as coisas de uma outra maneira. A ideia de se ter musicalização na educação básica é para que cada aluno entenda o sentido e o valor da música em sociedade, não é para formar músicos ou muito menos instrumentistas, mas trazer a prática do cotidiano de forma avaliativa e que entendam o conteúdo de forma objetiva sem pensar em apenas no fazer prova teórica ou decorar um assunto. Além de levar a musicalização para sala de aula, vem aliado a tudo isso, a forma de avaliação feita pelo educador musical mediante a construção de aprendizagem da turma ao longo das aulas. É importante ressaltar que o ensino aprendizagem conduzida pelo professor deve ser a mais objetiva e com fácil entendimento, para que o aluno consigo chegar ao entendimento do assunto, além de sentir prazer pela disciplina . Deste modo, a disciplina de Artes/Música que possui um professor habilitado cumpre seu papel de educação musical, levando para sala de aula novas propostas de aprendizagem na música aos alunos. Com essa avaliação, muitos dos alunos aprimoraram 162


sua escuta musical e percepção rítmica, mesmo sem saber que possuíam tal prática, mas que pela disciplina encontraram novos meios de ser avaliados. Sendo assim, torna-se importante dentro da disciplina de artes/música o olhar do professor em relação a aprendizagem e sua avaliação, tornando o aluno sensível à música e mostrando novas práticas musicais presentes em seu cotidiano. Para que isso ocorra, educador musical precisa se qualificar e preparar suas aulas, de modo que enriqueçam a trajetória escolar dos alunos. Conclui-se que é importante buscar novos meios de avaliar os alunos não apenas em provas teóricas, mas em provas objetivas, as quais põe em evidência o papel fundamental de cada aluno em sala de aula, como sujeitos atuantes em sociedade.

REFERÊNCIAS BRITO, Teca Alencar de. Musica na educação infantil: propostas para a formação integral da criança. São Paulo: Peirópolis, 2003. CHIQUETO, Marcia Rosane; ARALDI, Juciane. Música na educação básica: uma experiência com sons alternativos. Plano de desenvolvimento da escola: 2008/2009. FONTERRADA, Marisa Trench de Oliveira. De tramas e fios: um ensaio sobre música e educação. São Paulo: Editora UNESP; Rio de Janeiro: FUNARTE, 2008. HENTSCHKE, Liane e DEL BEN, Luciana. Ensino de Música – Propostas para pensar e agir em sala de aula. Editora Moderna, 2003. KRIEGER, Elisabeth. Descobrindo a Música: Ideias para Sala de Aula. Ed. Sulinas, 2005. LOUREIRO, Alicia M. A. A educação musical como prática educativa no cotidiano escolar. Revista da ABEM, Porto Alegre, n.10, 2004. PENNA, Maura. Música(s) e seu ensino. Porto Alegre: Sulina, 2008. SOUZA, Jusamara. O cotidiano como perspectiva para a aula de música. In: SOUZA, Jusamara. (org). Música, cotidiano e educação. Porto Alegre: UFRGS, 2000.

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ANEXOS Figura 3 – Alunos do 6º ano em atividade prática de ritmo

Fonte: Acervo do autor com autorização dos alunos

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ENSINO DE HISTÓRIA NO AMBIENTE VIRTUAL DE APRENDIZAGEM (AVA): ENTRE O LABORATÓRIO DE INFORMÁTICA E A SALA DE AULA José Renato Carneiro do Nascimento76 Resumo: No presente trabalho apresentamos o ambiente virtual de aprendizagem do Moodle livre como ferramenta de ensino e aprendizagem na disciplina História. É possível desenvolver propostas pedagógicas em que os alunos não são meros receptores, mas operadores de conteúdos digitais em uma plataforma que pode unir conhecimento científico e saberes de informática acessíveis aos estudantes. O uso de fontes de informação é parte essencial nos modos de fazer pesquisa e produção do conhecimento histórico e a rede mundial de computadores disponibiliza uma infinidade de notícias, imagens, vídeos, mapas, etc., que podem ser selecionados e se tornarem objetos de investigação e análise pelo professor e alunos na sala de aula e no ambiente virtual. Essa ferramenta possui mecanismos virtuais capazes de favorecer aos professores de História e outras disciplinas na montagem de questões e reflexões em torno dos objetos a serem investigados. Entre os mecanismos indicamos o rótulo, o questionário de questões de múltipla escolha, a dissertação e o certo e errado. Na execução das tarefas e estudos propostos por essa metodologia percebemos maior envolvimento e interação dos envolvidos – professores e alunos – no processo de conhecer, fazer e saber.

Palavras-Chave:Aprendizado. Ensino de História. Sala virtual. Importância da proposta O uso de recursos tecnológicos como computador, internet, celular é uma realidade presente na rotina de nossos alunos. É notória a diversidade de funções que essas ferramentas proporcionam no sentido de chamar a atenção de crianças, jovens e adultos (MOURA, 2009). Entre elas estão a fotografia, redes sociais e aplicativos de mensagens de textos, vídeos e imagens. Nesse cotidiano é pouco perceptível a utilização dessas ferramentas para fins educacionais. Educação aqui entendida, na visão de Paulo Freire, como um processo em que os sujeitos devem superar a “captação ingênua” de sua realidade por uma “predominantemente crítica” que os levem a refletir sobre seu papel de criação e recriação da cultura na sociedade (FREIRE, 1967, p. 106-108).

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Secretaria de Estado de Educação. Doutor em História Social da Amazônia. E-mail: jnato1975@gmail.com.

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Dessa forma, as tecnologias fazem parte do cotidiano, mas seus usuários são apenas espectadores ou consumidores das culturas e linguagens difundidas à esmo pelas ferramentas virtuais que não apresentam, aparentemente, razões voltadas a uma aprendizagem de sistemas de conhecimentos necessários para atuação cidadã nos cenários políticos, culturais e sociais. No ambiente escolar percebemos a destreza dos alunos no manuseio de computadores, celulares, dentre outros, e comentando sobre postagens de fotos, vídeos, áudios e mensagens de texto nas redes sociais sem que haja uma integração do uso dessas tecnologias com o aprendizado escolar. O que os educandos aprendem em sala de aula parece estar dissociado desses ambientes virtuais. A razão de ser da presente proposta é integrar esses dois ambientes (a sala de aula e a sala virtual) por meio da manipulação dessas tecnologias no Ambiente Virtual de Aprendizado da Escola Maria Araújo de Figueiredo (AVA-MAF)77 criado na plataforma Moodlle livre, em parceria com o Núcleo Tecnológico de Educação de Ananindeua (NTE), no qual alunos e professores podem socializar e difundir experiências de pesquisa e produção do conhecimento científico, utilizando áudios, fotos, imagens, textos e aplicativos. Essas atividades envolvendo tecnologias proporcionam uma alteração da rotina espaço-tempo dos alunos, já que eles irão se deparar com esse envolvimento escolar para além do horário e ambiente da sala de aula. A intenção é fazer com que as ferramentas digitais dos computadores e celulares sejam ferramentas cotidianamente utilizadas para o aprimoramento e construção de saberes, bem como o de difundir as ações por eles desenvolvidas. Para o ensino de História o tempo e o espaço são conceitos entrelaçados a serviço de operações de pesquisa e produção científica em outras áreas das ciências humanas como Geografia e Sociologia. A duração das sociedades humanas no meio natural resume a importância de uma operação interdisciplinar que objetive a compreensão das sociedades no tempo e no espaço (BLOCH, 2001). Tal entendimento para a compreensão do conhecimento histórico aponta para um caminho de estudo e pesquisa no qual faz-se necessário o apego, por parte de aluno e professor, a métodos e fontes de análise que motivem a ler, entender e analisar as diversas temporalidades humanas nos espaços. Mas para isso, é preciso partir de fontes históricas.

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Disponível em: <https://escolamaf.gnomio.com/>.

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A rede mundial de computadores é repleta de fontes históricas, artigos, reportagens, imagens, gestos e uma infinidade de outros materiais com potenciais diversos para serem utilizados como recursos de pesquisa no processo de ensino e aprendizagem nas diferentes áreas do saber. Neste sentido, a presente proposta de intervenção educacional contempla o uso do ambiente virtual de aprendizagem como o meio de desenvolvimento de atividades e interações científicas que levem alunos e professores a processos de investigação e sistematização de ideias e aprendizado escolar. A obtenção e sistematização de conteúdos humanos dispersos na rede mundial de computadores devem ser observados, selecionados e analisados à luz dos percursos de construção do saber histórico para que alunos e professores possam manusear conteúdos educacionais de maneira crítica e sejam capazes de desenvolver autonomias de ideias e produções textuais (MOURA, 2009).

Objetivos - Motivar os alunos para o uso do Ambiente Virtual de Aprendizagem do MAF para fins pedagógicos. - Direcionar processos culturais da rede mundial de computadores aos propósitos cognitivos de ensino e aprendizagem da disciplina História78. - Organizar cursos no Ambiente Virtual incorporando links, imagens, vídeos, slides, etc., disponíveis na rede mundial de computadores para que o aluno interprete, analise e critique historicamente. - Promover envolvimento, interesse, interação, organização de ideias e maior uso de ferramentas tecnológicas como o celular e o computador para aprendizagem.

Competências, habilidades e objetos de conhecimento De acordo com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do ensino médio o componente curricular de História faz parte da área de ciências humanas e sociais aplicadas, que é também constituída de Filosofia, Geografia e Sociologia. Para esta área, a BNCC aponta para a ampliação e aprofundamento de estudos iniciados no ensino fundamental voltados para uma educação ética como o reconhecimento das diferenças, combate aos

No anexo 1 apresentamos um print dos tópicos em que direcionamos estudos e atividades em torno dotema “Nação e nacionalismos no século XIX. 78

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preconceitos e interculturalidade. Articulada aos conceitos de espaço, relações sociais, diversidade cultural tratadas nas disciplinas que compõe a área de ciências humanas e sociais, a História possibilita aos estudantes refletir sobre diversas noções de tempo e seus significados. Para isso, a presente proposta direcionou uma interpretação e reflexão a partir de fontes documentais (imagens, textos e vídeos) para compreensão da temática “Nação e nacionalismos no século XIX” para o segundo ano do ensino médio no ano de 2018 da Escola Estadual Maria Araújo de figueiredo buscando atingir os seguintes propósitos: - Identificação de processos de produção de linguagens associadas as identidades nacionais europeias; - Associação de mecanismos de poder político a formações econômicas e culturais das nações; - Identificação de ferramentas de pesquisa e captura de objetos digitais para estudos e produções textuais relacionadas a temática.

Metodologia As ferramentas disponíveis no ambiente virtual instigam e facilitam o processo de ensino e aprendizagem. Por exemplo, o fórum é um espaço de interação de ideais possibilitando um maior diálogo entre os alunos e, destes com o professor, em torno dos critérios para o uso das fontes históricas e os conteúdos que podem ser explorados a partir delas. Após assistir vídeos e tutoriais no youtube79, pudemos montar de maneira mais ágil as propostas de estudos e atividades para serem utilizadas com os alunos no decorrer de 2018 com o envolvimento das professoras de Química e Geografia (anexo 1) na montagem de propostas em suas disciplinas. Na disciplina História apontamos as ferramentas do ambiente (anexo 2) que mais foram utilizadas entre os anos de 2017 e 2018 no Laboratório de Informática da escola Maria Araújo de Figueiredo: o rótulo, questões de múltipla escolha, dissertação, fórum, certo e errado. O rótulo é um dispositivo dentro do ambiente que serve para inserirmos slides, textos em pdf, links, vídeos do youtube, imagens e diversos outros recursos digitais sobre os quais podemos propor uma série de reflexões, atividades e estudos.

Há diversos cursos e vídeos no Youtube que ensinam a manusear o AVA como por exemplo o que se encontra no link <https://www.youtube.com/watch?v=qR_lF5oOMhI>. 79

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O questionário de questões de múltipla escolha é uma ferramenta obrigatória dentro do ambiente virtual tendo em vista o reforço da experiência dos alunos para a prova do ENEM. Na dissertação observamos a capacidade de argumentação e reflexão dos alunos na resolução de problemas históricos que são colocados rotineiramente pelas diversas mídias (redes sociais, telejornais, telenovelas e cinema). No fórum há interações a respeito de diversos temas que compõem um eixo de discussão em uma unidade proposta. Além disso, o professor disponibiliza avisos e orientações a respeito de conteúdos e usos das ferramentas do ambiente. A atividade “certo e errado” pode parecer ingênua, mas nos revela as dificuldades ou facilidades de interpretação dos alunos a respeito de recursos digitais selecionados para servirem de fonte histórica. Acessando essas ferramentas e motivados por questões instigadoras a respeito dos nacionalismos na Europa do século XIX, os alunos adentraram em sites em busca para pesquisar em textos, imagens, slides e vídeos visando a resolução de problemas e produção textual. Essa habilidade de pesquisa na internet que os alunos possuem ajudou na desenvoltura das buscas e maior interação com o professor de História e coordenação do laboratório de informática da escola.

Resultado e discussão Nossa experiência nesse período com o ambiente virtual só fez aumentar a nossa vontade de intensificar e ampliar seu uso para nossa e outras disciplinas por algumas razões observadas na execução do projeto em 2017 e 2018. Entre as razões apontamos maior interação entre professor e aluno na resolução de problemas, maior socialização de saberes entre os alunos a partir de fóruns virtuais, melhor organização e disponibilização de recursos digitais para alunos e professores, facilidade de acessar links para realização de pesquisas. A partir dos estímulos sugeridos na ferramenta observamos uma relativa autonomia dos alunos no que se refere ao “espírito crítico e da criatividade” (MICELI, 2017) em relação aos conteúdos digitais. Outro ponto interessante é a facilidade de correção e acompanhamento das atividades e do próprio estudo dos materiais que os alunos fazem no ambiente virtual. As questões múltiplas escolha e certo e errado o cálculo das notas é automática. Já a dissertação é preciso um padrão de resolução que já serve para orientar e dar as notas individualmente. Tudo pode ser feito sem que seja necessário gastos com 169


impressão ou manuseio de canetas. Em cada curso há um gráfico de desempenho individual e resultado final com pontuação geral automática. Pretendemos difundir o uso do ambiente virtual em outras disciplinas, pois nele é possível montar atividades e fóruns interdisciplinares. Observamos que atenção do dos alunos é notória à tela do computador para mexer nos materiais digitais disponíveis no ambiente virtual. Neste sentido, é possível direcionar o acesso deles à internet voltada para os conteúdos escolares. Defendemos o ambiente virtual como uma ferramenta complementar ao processo de aprendizagem em que os estudantes não são meros espectadores, mas operadores digitais a medida em que interagem com os conteúdos trabalhados em sala de aula.

Referências BLOCH, Marc. Apologia da História ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. BRASIL. Base Nacional Comum Curricular: ensino médio. Brasília: MEC, 2018. FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1967. MICELI, Paulo. Uma pedagogia da História?. In: PINSKI, Jaime. O ensino de História e a criação do fato. 14ª ed. São Paulo: Contexto, 2017, p. 37-52. MOURA, Mary Jones Ferreira de. O ensino de História e as novas tecnologias: da reflexão a ação pedagógica. Disponível em: <http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/anpuhnacional/S.25/ANPUH.S25.0923.pdf >. Acesso em 23/03/2019.

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Anexos

Anexo 1: Print da página inicial do ambiente virtual da escola Maria Araújo. Disponível em: https://escolamaf.gnomio.com/

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Anexo 2: Print das ferramentas de atividades e recursos do ambiente virtual. DisponĂ­vel em: https://escolamaf.gnomio.com/

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Anexo 3: Print do curso “Nação e nacionalismos no século XIX” para o 2º ano do ensino médio. Disponível em: https://escolamaf.gnomio.com/

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