1
“Diálogos sobre a democracia”
desvio| junho 2018
desvio representatividade
desaba-se o direito
luiz benedito telles
O papel da arquitetura moderna na versatilidade de usos do espaço e seus significados na sociedade
Dialeto e as nocivas significações sobre o espaço público
A “democracia” na ditaduras
desvio| junho 2018 2
partido desvio| edição 2018
“Minha voz Uso pra dizer o que se cala O meu país É meu lugar de fala” 1 Nesta edição “Diálogos sobre a democracia”, a revista Desvio, traz quatro edifícios culturais que possuem grande significado para vida urbana. Balanço: cidade e ocupação. A principal matéria demonstra as incertezas da atual conjuntu‑ ra política e leva à pensar sobre as reais significações dos diálogos urbanos. Piloti: nações e representatividade. Segue‑se o ensaio sobre pós‑ocupação e a inserção de projetos culturais na cidade. Arquétipo: pessoas e espaços públicos. Com a apresentação do arquiteto Luiz Telles e seu principal projeto, buscase mostrar a visão de uma arquitetura voltada para cidade. Croqui: cadeiras e música. Discute a desvalorização da cultura brasileira. Clarabóia: linguagem e imagem. Contra‑ põe o elo entre arquitetura escultórias e personalista. Como de costume, a abordagem da Desvio conduz a discussão arquitetôni‑ ca para o campo da arte e cidade, contextualizando cada projeto com reflexões que vão além da arquitetura. Esta edição, não menos esperada, se relaciona com o conceito da revista abordando a arquitetura de forma que ela se entrega ao campo da arte e cidade buscando atuar como coadjuvante na construção urbana de modo justo e desviado do objeto de ego e personalidade que a ar‑ quitetura tem o costume de se colocar. 1. DOUGLAS, Germano. O que se cala. In.: Elza Soares. Deus é mulher. Local: Rio de Janeiro, 2018. 1 CD. Faixa 1.
módulo
balanço
8
desaba‑se o direito o projeto – praça das artes
21
antecedentes: a construção do pertencer representatividade – museu afro-brasil
30
luiz benedito telles o deleite do projeto – ccsp
42
gosto se discute? qual a obsessão do brasileiro por sentar? poltrona mole cadeira carpinteiro cadeira farofa
58
antagonismos ohtake, curvas e cores – instituto tomie ohtake
piloti
arquétipo
claraboia
desvio| edição 2018
croqui
02
balanço
Desaba‑se o direito
Dialeto e as nocivas significações sobre o espaço público
desvio| junho 2018
8
ERICA BORTOLETTO
A dificuldade em criar definições do que é a cidade e do que ela realmente re‑ presenta se estendem para muitos tipos de significações que abordam a relação da forma e sua filosofia. A forma não se resume a um mero desenho delimitado por contornos, mas se prolonga por manchas, traços e sobreposições de camadas existentes no meio físico. A filosofia, no caso, aborda qual é a compreensão e o escopo no contato com essa forma. A cidade se inclui nesse diálogo como a oposição entre a personificação e abstração da forma. Ao mesmo tempo em que ela – cidade – se apresenta fisicamente pelo conjunto de espaços, ela se pulveriza quando partirmos para a interpretação dos mesmos. Pode‑se associar à cidade, cheios e vazios que articulam a estrutura urbana que por sua vez é decifrada filosoficamente. A percepção e a vivência no espaço carrega essa leitura. Ao dizer que a cidade como palco de conflitos de forma e de filosofias busca se desenvolver para a boa convivência da sociedade, transforma‑ mos uma única palavra em uma expressão complexa que se torna responsável por uma gama de adversidades competentes ao indivíduo que a construiu. Partindo dessa teoria, o ideal de direito a cidade pode ser percebido por duas concepções que se encontram na linha tênue entre a similaridade e opo‑ sição. Quando é dito que é necessário o direito a cidade, esse direito cabe à alguém e é esse alguém que diferencia‑se em duas significações. Primeira, esse direito entra como posse da forma por um indivíduo que a molda com suas fi‑ losofias, fechando o direito à espaços individuais e privados. Segunda, procura abrir‑se o direito a cidade, que aparece como concessão do uso da forma por todas as filosofias presentes nesse campo. Ou seja, tal dicotomia sobre o direito a cidade que se resume em tê‑lo e dá‑lo, respectivamente. Entretanto, devido ao montante de cidadãos usuários dessa cidade, é utilizado um contrato social moldado por um governo que regula o uso da forma independente da filosofia desse uso – lembrando que forma e filosofia são significações de cidade. Atualmente, esse contrato afirma muito mais o direito da cidade privada do que a possibilidade de reinvenção do cotidiano por meio de uma vida mais livre dos aparatos de controle 1. Embora, o intuito aqui não seja validar qual o instrumento
balanço
apropriado para regulamentação de uma sociedade, compreende‑se que o correto seria criar um arranjo justo onde na prática todos os direitos fossem mantidos, incluindo a liberdade de observação, discussão e entendimento da forma. Em frente a dicotomia do direito a cidade e sua relação com o controle social, constata‑se que espaço privado e individual – forma – é fortalecido por lei e pela própria sociedade que se intitula individualista – filosofia. Entretanto, exercendo o jogo da digressão desperta‑se a curiosidade de saber quem de fato é esse con‑ junto de pessoas tão individuais. Nessa nuvem que agora desanuvia, se expõe que, na realidade, o individualismo e o privado só compete à quem tem o privilé‑ gio de zelar por tal propriedade enquanto à outra parcela da população resta crer nesse discurso enquanto subsiste amontoada em espaços superlotados. A tradução do objetivo deste ensaio se faz ao apontar o que podemos chamar de “ressaca de significações”. Sua existência se dá pela amplitude do compreendimento que palavras, expressões e conceitos possuem em sua inter‑ pretação. Ao reconhecermos que a sociedade é desigual e conflituosa, reitera ‑se uma indagação acerca da interação nessa sociedade, buscando definir o primordial canal de contato. É evidente que tal canal se define pela fala, que portadora dessas palavras, expressões e conceitos se torna crucial no momento em que necessita‑se compreender a forma a fim de traduzi‑la como filosofia. Deste modo, a má difusão e, muitas vezes, a ausência de significações gera em‑ bates de filosofia que fissuram a forma. Veja, a divergência de perspectivas é saudável para estender o pensamento à solos não tocados e enriquecer o argu‑ mento à ponto de torná‑lo um só, mas com a ressaca de significações, essas filo‑ sofias regressam à retórica contraditória onde com a recorrência de significados, por parte da mesma, reduz‑se a meras suposições.
9
desvio| junho 2018
03
balanço
“[…] instância do comum é a instância partilhada entre o público e o privado, essas formas de partilha, elas estão referidas à movimentos auto organizados, movimentos de gestão sobretudo do bem público […] 10 um pró‑ativismo da sociedade. Isso se revela muito positivo nos dias de hoje, porque a relação de uma sociedade que espera tudo do Estado é muito imobilista […]”
desvio| junho 2018
WISNIK, Guilherme 2
O emprego do conceito de “espaço público” é muito usual como mecanis‑ mo de supressão dos conflitos da sociedade. A noção romantizada desse espa‑ ço surge no momento em que a reivindicação do mesmo tem por idealização seu uso quase bucólico fundado na visão “típica de uma cultura ilustrada própria das regiões centrais, das classes médias e da elite. Na periferia, no entanto, há uma vida de rua inerente às comunidades que lá se estabelecem” 3. Nesse diálo‑ go, a aplicação do espaço público não se dá pela mesma natureza e por conse‑ quência a filosofia dos indivíduos do local faz tal significação da forma, de modo que não há uma forma que concebe a filosofia, mas uma filosofia que por sua vez desenha a forma. Percebe‑se, assim, que, quando concebida, a forma é di‑ tada pela filosofia e, quando existente, é interpretada por tal pois não há forma sem que sua significação seja feita por meio da filosofia.
balanço 11
02.Edifício Wilton Paes de Almeida, 1968 -2018 03. Capa do livro The Naked City que
trata sobre o urbanismo situacionista onde a forma da cidade é construída pela interpretação de seus usuários 04. Camiseta de militante
desvio| junho 2018
04
balanço
O centro e as legítimas manifestações de luta por moradia De certo, um ponto local determinante que se configura como cenário de todas essas dialéticas referentes a cidade é o centro urbano. Ao centro compete carre‑ gar as memórias tantos formais quanto filosóficas de uma cidade, de modo que sua composição se torne a significação de uma sociedade que ali convive. Tal convivência se fragmenta na pluralidade de realidades conservadas, para o bem ou mal, por uma estrutura capitalista de mercado liberal. Em meio as inúmeras problemáticas existentes no meio urbano, uma, em notoriedade, é o déficit de habitação legal – em São Paulo. A adição da atribuição “legal” à expressão não imputa seu uso como virtude mas se faz necessária por identificar a ausência de propriedades regulamentadas conforme a lei como habi‑ tação. Assim, seu déficit não se encontra na natureza da forma pois há a presença de edificações que suprem a demanda por moradia, entretanto, a filosofia do uso desse espaço não se faz como tal provocando a carência desse direito. “O princípio norteador do regime da propriedade urbana é a sua função social, permitindo que, por meio do Plano Diretor, o Poder Público Municipal possa exigir o cumprimento do dever do proprietário, o seu direito em benefício da coletividade, que implica numa destinação concreta do seu imóvel para atender um interesse social. Segundo Eros Grau, “… a propriedade dotada de função social, é justificada pelos seus fins, seus serviços, sua função.” 4 (Estatuto da Cidade, 2001, p. 46)
12
Em suma, compreende‑se que onde o espaço regido como privado não possui uso, sua função social não está cumprida. No entanto, a aplicação de tal instrumento do Estatuto da Cidade, na prática, se estagna no devido momento em que a notificação acerca do uso indevido da propriedade é feita ao proprie‑ tário. De modo que ao reivindicar o exercício de tal função em âmbito judicial constata‑se de imediato que constitucionalmente a propriedade privada é, em demasiado, assegurada em contraponto à sua função social.
“A ordem do sistema é nossa desordem e a desordem do sistema é nossa ordem.” SILVA, Carmen Acreditar em instrumentos de renovação como resposta aos obstáculos no caminho à democracia é, de maneira não celebratória, mera inocência. Mesmo que válidos e fundamentais, na nossa conjuntura, tais instrumentos não tem a proeminência de serem articulados sozinhos — em meio à um sistema estrutu‑ rado pelo poder do capital e pelo liberalismo desenfreado. Assim, faz‑se vital a presença de movimentos que agreguem força e lugar aos direitos da cidade e de seus cidadãos. Esses movimentos de luta por moradia buscam através de sua filosofia organizar a forma por meio da compreensão de que o direito a cidade é o ato de conceder o privado ao público – embora esse processo não seja uma concessão, mas, sim, uma luta. Os resultados de tal organização, no caso da habitação, são as famigeradas ocupações, que por sua vez, tem sua significação compreendida – ou não – de forma obnubilada.
desvio| junho 2018
balanço
Organizar. Fazer pressão política. Repovoar a cidade. 6 As frentes de luta abri‑ gam a cruel realidade das classes desassistidas pelo governo e principalmente pela sociedade. Seu exercício se dá pelo cuidado ao identificar um imóvel que está sem desempenhar sua função social de modo que, sendo claro o desam‑ paro político e judicial frente a tal condição, cumpra‑se a lei pelas mãos do povo que ocupa e designa seu uso. De longe, talvez, tal ação possa não ser com‑ preendida, embora a reflexão por parte dos indivíduos sobre sua significação e filosofia seja crucial para impulsionar a dinâmica das estruturas urbanas. No âmbito da forma, a legitimidade da ocupação se faz pela ausência de con‑ ceito e compreensão do espaço por parte dos indivíduos presentes na cidade. Mostrando que esse espaço não é e nunca foi individual, que a forma é pura abs‑ tração do que entendemos, aceitamos e validamos como tal. Essa validação vem por meio de estruturas físicas – muros, divisas, casas – para que uma percepção abstrata seja legitimada como imagem para usufruto de uma única filosofia – em sua maioria, privada. A cidade, então, se põe como um jogo de significados for‑ mais e filosóficos que juntos aplicam uma função ao espaço e vida cotidiana. NOTAS
1. WISNIK, Guilherme. Guilherme Wisnik | Direicidade. Culturas Histórias Cidades. 2017. Disponível em: <https://youtu.be/DVpuA8xBL9c> Acesso em: 31 mai. 2018. (1m52s) 2. WISNIK, Guilherme. Guilherme Wisnik |
Púbico, privado e gestão coletiva. Culturas Histórias Cidades. 2017. Disponível em: <https:// youtu.be/d_aEdV4JDds> Acesso em: 01 jun. 2018. (2m41s) 3. WISNIK, Guilherme. Guilherme Wisnik | Centro,
periferia e espaço público. Culturas Histórias Cidades. 2017. Disponível em: <https://youtu.be/ VciQjQNKp_I> Acesso em: 01 jun. 2018. (2m43s)
4. Instituto Pólis/Laboratório de Desenvolvimento
Local. Estatuto da cidade: guia para implementação pelos municípios e cidadãos: Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001, que estabelece diretrizes gerais da política urbana. – 2. ed. – Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2002. 273 p.
13
5-6. SILVA, Carmen. Carmen Silva e Flavio
Higuchi: Arquitetura da exclusão e os movimentos de moradia. Escola da Cidade. 2015. Disponível em: <https://youtu.be/KFOsyOWyLhI> Acesso em: 01 jun. 2018. (89 min)
desvio| junho 2018
05
desvio| junho 2018 14
06
balanรงo
balanço
O projeto
ERICA BORTOLETTO
“Concebido como simples edificação anexa ao Teatro Municipal, complexo cultural consolida‑se como intervenção urbana de requalificação da área central em São Paulo.” SAYEGH, Simone, 20121
A quadra 27 entre a Rua Formosa, Rua Conselheiro Crispiniano e Avenida São João se encontra em um importante ponto da cidade de São Paulo. O centro por onde vivem e passam os mais diversos perfis existentes também marca os confli‑ tos dessa sociedade. Os espaços públicos e privados delimitam relações de po‑ der e ordem que prejudicam a estrutura urbana e segregam a vivência na cidade. A Praça de Artes entra nesse contexto e nessa quadra para romper com a recorren‑ te construção de edifícios que criam obstáculos para os encontros na vida urbana. Em um miolo de quadra rodeado pela pluralidade, o projeto marca a necessidade de se possibilitar caminhos e desvios no passear tornando qualquer transeunte um flâneur, um caminhante. Além do térreo livre e permeável, o programa ainda abra‑ ça o estudo das artes da música e da dança criando um verdadeiro complexo “que mescla as atividades culturais e a vitalidade própria do centro urbano” 2. Tal relação com o espaço fez com que o projeto se afirmasse como parte da Operação Urba‑ na Centro como recurso de requalificação urbanística.
15
“… projetar é captar e inventar o lugar a um só tempo, em uma mesma ação.” BRASIL ARQUITETURA, 2006 Dentre tantas características intrínsecas ao local, o Conservatório Dramático Musical de São Paulo, o Cine Marrocos, dentre tantos outros edifícios tombados no centro como patrimônio cultural da cidade não foram esquecidos no desen‑ volvimento do projeto, pelo contrário, com muito êxito foi possível articular ob‑ jetos do passado com objetos do futuro tornando a Praça das Artes um espaço de narrativas da história da cidade.
desvio| junho 2018
3
balanço
A experiência
desvio| junho 2018
16
A vivência na obra já construída é única e transparece cada elemento projetual. Começando pela fachada da Rua Conselheiro Crispiniano, encontramos um vazio, um vazio não no seu sentido negativo, mas uma pausa no ritmo da fachada da rua, um convite a olhar ao que há dentro do terreno e a caminhar na permeabilidade do edifício. Adentrando o lote, somos surpresos pelos espaços que estão ocupados por músicos, artistas, transeuntes, espaços repletos de vida, de som, de dança. As aberturas de vidro na parede espessa de concreto revelam as luzes amarelas do in‑ terior que por sua cor parecem que aquecem o revestimento cru dado às fachadas. Chegando na Avenida São João, encontramos o antigo Conservatório Dramá‑ tico e Musical com seu exterior branco em contraste com o concreto avermelhado da Praça das Artes. O branco não foi uma medida fácil, Marcelo Ferraz em um bate‑papo no Projeto Marieta, comentou sobre as dificuldades de justificar para o Conpresp ‑ Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo ‑ a intenção de pintar o Conservatório dessa cor. O órgão de preservação não queria autorizar a mudança na cor do patrimônio mesmo o edifício estando anteriormente em situação de abandono. Com muito esforço e argumentos, o escritório conseguiu autorização para fazer o retrofit e pintar da cor branca, dando o destaque merecido à edificação em meio aos no‑ vos blocos que irão ser erguidos. O resultado da escolha pode ser compreendido claramente: o Conservatório e os novos edifícios se relacionam e não se excluem na paisagem urbana, um detalhe que hoje fez toda diferença. Na fachada da Rua Formosa, o projeto da grande praça que se encontra com o Vale do Anhangabaú não foi finalizado, hoje encontramos apenas as te‑ lhas e tapumes que escondem o restante da obra. Seja como for, a equipe que desenvolveu o projeto da Praça das Artes pen‑ sou na arquitetura como objeto multidisciplinar de intervenção na cidade tra‑ zendo detalhes que conversam em diversos níveis desde a escolha de materiais e cores até as sensações transmitidas através das luzes e passeios. Tornando o projeto uma referência contemporânea de respeito à história da cidade e dos cidadãos que nela vivem.
balanço 07
17
AUTORES
A Praça das Artes é projeto dos arquitetos Francisco Fanucci, Marcelo Ferraz, Luciana Dornellas e Marcos Cartum. Os dois primeiros formados pela FAUUSP são sócios‑fundadores do escritório Brasil Arquitetura. A terceira, formada pela FAU São Carlos, é arquiteta associada ao escritório. Abrindo parênteses, uma curiosidade é que o nome de Luciana é raramente citado nas chamadas sobre o projeto, sendo em grande maioria focadas nos nomes masculinos. E o último arquiteto, Marcos Cartum, formado pela FAUUSP, possui escritório próprio e foi envolvido através da Secretaria Municipal de Cultura na participação do projeto.
NOTAS
concebido-como-simples-edificacao-anexaao-276237-1.aspx>. Acesso em: 05 maio 2018. 2. GUERRA, Abilio (Ed.). Praça das Artes:
Complexo arquitetônico brasileiro começa a ser reconhecido no exterior. 05. Manifestação FLM
(Frente de Luta por Moradia) 06. Fachada virada para rua Conselheiro Crispiniano. Fotografia por Victor D’Agostino. 07. Interior da praça. Fotografia por Bárbara Catta
Minha Cidade, São Paulo, ano 14, 161.02, dez. 2013. Mensal. Disponível em: <http:// www.vitruvius.com.br/revistas/read/ minhacidade/14.161/4984>. Acesso em: 05 maio 2018. 3. Brasil Arquitetura. São Paulo, SP.
Disponível em: <http://brasilarquitetura. com/> Acesso em: 05 maio 2018.
desvio| junho 2018
1. SAYEGH, Simone (Ed.). Equipamentos Públicos: Praça das Artes. 2012. Disponível em: <http://infraestruturaurbana17.pini.com. br/solucoes-tecnicas/23/praca-das-artes-
piloti
que foi pra faculdade, que não tinha voz e agora tem. O Marielle, com esses projetos, reafirma a consciência que Nós carecemos de muitas políticas públicas pra tentar re analisamos os dados sobre o genocídio da população neg crimes racismo, do que a mulher. Na outra ponta, há mu você pesquisa o genocídio da mulher negra, percebe que do aborto é prioritariamente racial, também, porque são E também a violência obstétrica que sofremos durante o da saúde pública, não temos um programa de planejame consulta no posto de saúde, uma pílula anticoncepcional existe um racismo absurdo dentro das maternidades púb condição da mulher negra”, ressalta Joice Berth. “Enqua for pequeno, o resultado será esse: mortes emblemáticas o racismo for pequeno, o resultado será esse: mortes em a vida discutindo e propondo soluções para a atuação de Em um ano com perspectivas eleitorais, certamente influ atores políticos insatisfeitos com a presença de uma mul específico. A partir de agora, a disputa pela hegemonia d parte da possibilidade ou não da ampliação das discussõ exclusão social e da violência estatal. “Essa luta contra o chegar aonde chegou, tem tido seus resultados, é inegáve há uma camada da sociedade, que não é pequena, resisti opor a isso, que estão, inclusive, no campo progressista”, de não querer abrir mão disso. As mulheres negras estão amigas, companheiras de homens negros que morrem n para todas nós que estamos nessa luta. Agora, se a perda ainda é uma dúvida pra mim. Eu não sei até que ponto próprios monstros”, completa. “Terminei 2017 com a se um dos debates desse ano eleitoral. Quando o ano come conservador, e logo depois veio a intervenção militar. No seria uma agenda desse ano. Depois do assassinato da m potência”, afirma Antonia Pellegrino. “A Marielle era ra quer mais dar ré. Muita gente, que foi pra faculdade, que desvio| junho 2018
18
piloti
O Brasil está espremendo um furúnculo, e não dá mais “A ela tinha em relação às questões que atingem a mulher esolver grandes sofrimentos que a gente tem. Quando n egra, temos mais homens sendo executados pela polícia e mulheres negras morrendo que não são contabilizadas. Qu e ele ocorre pela negação do aborto seguro. A proibição o as mulheres negras que morrem mais nesse ambiente. o parto. Ou seja: nós não podemos abortar com respaldo mento familiar eficiente, pela dificuldade em conseguir um l, então a prevenção também não existe; quando a damo blicas e privadas. A Marielle era extremamente conscien anto o número de pessoas envolvidas na luta contra o ra s”. “Enquanto o número de pessoas envolvidas na luta c mblemáticas”. Como era o tempo todo, Marielle Franco e uma parcela da sociedade civil historicamente margin fluenciaria as demandas públicas, aumentando o mal-est lher fora dos padrões no espaço até então restrito a um do discurso que envolve o assassinato da vereadora cario ões acerca do feminismo, da mulher negra nesse contexto o racismo, contra o machismo, e que motivaram a Marie el. Há discussões acaloradas e oportunas. Ao mesmo tem indo muito a esse debate. São pessoas que não deveriam , critica Joice Berth. “Aí entra a questão do privilégio ra o à frente nesse combate ao racismo, porque somos mãe na mão da polícia. O assassinato da Marielle é uma respo a dela vai gerar algum tipo de mobilização mais aprofun o Brasil está amadurecido para criar coragem e encarar ensação de que o debate feminista, de mulheres no pode eçou, me parece que as conversas tomaram um rumo es o último mês, tinha a sensação que o debate de gênero n minha amiga, eu tenho certeza que volta a ser e com mu ara, mas não era a única. Há um Brasil que não pode e n e não tinha voz e agora tem. O Brasil está espremendo u desvio| junho 2018
19
desvio| junho 2018 20
08
piloti
piloti
Antecedentes: A construção do pentencer Ibirapuera desde o brejo, aos dias atuais BÁRBARA CATTA
Ônibus, metrô e uma caminhada longa. Um percurso de uma hora e meia para chegar, de muitas periferias de São Paulo, no ilustre cartão postal da cidade, o Parque Ibirapuera. Localizado na Vila Mariana, região central, está uma das prin‑ cipais opções de área verde, lazer e cultura para moradores de todas as regiões da capital. Mas por quê um parque representa tanto? Não é mistério algum que São Paulo lida com uma vasta produção desigual do espaço na cidade. A procura pelo Ibirapuera por moradores de todas as regiões nada mais é do que reflexo tanto de uma valorização demasiada ao que o espaço representa quanto falta de opção de espaços de qualidade distribuídos pela cidade. 1 Situado sobre um grande brejo afastado do centro da São Paulo do início do século XX, uma das afirmações iniciais para utilização do espaço era de se criar um ambiente para “higiene da população urbana”, como afirmava o prefeito Pires do Rio em 1926. Nasce, portanto, a essência do parque, visando extensos jardins europeus e até mesmo recebendo propostas de Prestes Maia, com seu Plano de Avenidas, que buscou dividir o parque “com mais arte e delicadeza” para parte rica e esportes e recreação, para a parte dos bairros mais pobre. 2 Entre 1890 a 1954, o parque Ibirapuera que conhecemos hoje foi concretizado através de vários projetos urbanos e arquitetônicos. Com intenções diferentes, cada gestão política desenvolveu e planejou um parque a sua maneira. Até que em 1951, Ciccillo Matarazzo, presidente da Comissão do IV Centenário da cidade de São Paulo, convida uma equipe de planejamento e logo em seguida uma equipe de arquitetura para idealizar um novo projeto. Na arquitetura, Oscar Nie‑ meyer, Zenon Lotufo, Eduardo Kneese de Mello e Hélio Uchoa, com colabora‑ ção de Gauss Estelita e Carlos Lemos, formavam a equipe. 3 Sessenta anos depois o parque se destacou em conjunto com o crescimento exacerbado da cidade, e hoje é localizado em área central. O projeto de 1954 exaltou o potencial daquela área da pequena São Paulo, cresceu o mercado imobiliário em seu entorno e também cresceu a procura pelo espaço de lazer por todos os moradores da cidade que, como dito anteriormente, pela má dis‑ tribuição da cidade tem o Ibirapuera como uma das únicas áreas verdes e de
21
desvio| junho 2018
piloti
lazer da cidade. Nasceu, portanto, um espaço de entretenimento que abriga no mesmo lugar muitos tipos de públicos, diverso e plural, que denuncia as de‑ sigualdades da cidade, mas que apesar dos esforços, é bem frequentado tam‑ bém pelo público mais pobre, diverso na questão econômica e também social. Destaca‑se então, movimentos de extrema importância para a cidade acon‑ tecendo dentro do parque. Como foi o caso dos Rolezinhos 4, onde os intitula‑ dos “rolezeiros”, formados em grande maioria por jovens de classe baixa, en‑ contraram no Ibirapuera a liberdade de se reunirem numa área central da cidade sem serem excluídos ou impedidos de promover suas atividades relacionadas a ostentação, música, e “primeiro beijo e depois whatsapp”. O mesmo acontece com os Encontrinhos LGBT’s. Novamente outra minoria se agarrando a plurali‑ dade do parque para usá‑lo como espaço de convivência com mínima seguran‑ ça e liberdade que muitas vezes não é conquistada nas ruas da periferia/ cidade. Nesse mesmo cenário também se encontra famílias fazendo piquenique, prati‑ cando esportes ou passeando com os cachorros. Ao longo do tempo, até 10 anos atrás, porém, os espaços antes destinados ao uso cultural, foram ocupados por outras funções. Foi sede da prefeitura de São Paulo e outros órgãos públicos como Prodam, Companhia de Processa‑ mento de Dados do Município. Desviado do seu objetivo projetual, o ponto de maior desonestidade que ainda habitaria o parque seria o distanciamento da recreação e o esporte da cultura e a arte. Rosa Kliass 5 em 1993 coloca que: Se a implantação desse projeto deu vida à área, transformando‑a em área de uso e recreação da população, ela também estabeleceu um conflito de funções que perdura até hoje. Sua concepção, muito mais arquitetônica que paisagística, dotou o parque de um conjunto de edificações, interligados por uma marquise. Inicialmente destinado aos pavilhões da exposição do IV Centenário, esse conjunto foi concebido para permanecer definitivamente ali, abrigando funções culturais. No entanto, a cidade ainda não estava preparada para dispor de tanto espaço construído reservado apenas às atividades culturais. Assim, a maioria dessas edificações tem sido utilizada por repartições públicas, o que exige uma dinâmica de circulação e estacionamento na área conflituosa com função de parque urbano. Mesmo que conseguisse manter as funções culturais pretendidas, a própria concepção do parque comprometeu o caráter e a escala de seus espaços devido ao tratamento subsidiário que lhes foi dado em relação às edificações (KLIASS, 1993: p. 165)
22
Cenário que só vem a mudar em meados dos anos 2000. Hoje, muito se dis‑ cute sobre a privatização do parque. O uso dos pavilhões mudaram, volta a ini‑ ciativa cultural, mas não se sabe ainda o desfecho desse debate e até quando essa nova onda durará com a possível privatização.
desvio| junho 2018
09
piloti 23
08 . Pilar que sustenta a rampa principal
do museu Afro-Brasil. Fotografia por Bárbara Catta. 09. Frames do vídeo: As Rolezeiras. Eu sou Rolezeira. Nós somos Rolezeiras. 10 . Lado direito do pavilhão. Mistura entre arquitetura e natureza. Fotografia por Bárbara Catta
desvio| junho 2018
10
piloti
Representatividade.
O papel da arquitetura moderna na versatilidade de usos do espaço e seus significados na sociedade
BÁRBARA CATTA
Espaço de luta, resistência e cultura brasileira. Temática necessária de ser discutida e difundida. A representatividade mais forte do povo, está dentro de um dos Pavilhões no Ibirapuera. Com a união de dois continentes e mundos culturais, museu Afro Brasil representa o conceito de não “isolamento” 6. Segundo Roney Cytrynowicz 7 em 2014:
desvio| junho 2018
24
África, para o Brasil, não é apenas uma origem, um passado, de onde viemos, mas um continente e um mundo com o qual seguimos em diálogo permanente, compromisso ontológico da condição de ser brasileiro.
Com o quadro atual brasileiro, o Museu é destaque. Cuida da memória afro ‑brasileira e de personalidades que foram representativas e importantes na forma‑ ção da identidade nacional. Revisita e evidencia, também, a ação e o protagonismo da população negra na luta pela liberdade e suas respostas sociais, culturais e políti‑ cas. Uma luta que muitas vezes é invibializada, no Museu é protagonista. É presente! Em 2004 é inaugurado o Museu Afro Brasil no pavilhão Padre Manoel da Nó‑ brega, antigo Pavilhão das Nações, antes ocupado pela Prefeitura. Localizado próximo ao Portão 10 e a Fonte Multimídia. Com 11 mil m² o prédio integra um conjunto arquitetônico tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artís‑ tico Nacional (Iphan) desde 1997. O museu ocupa o que anteriormente não foi projetado exclusivamente para este fim. Claro, os pavilhões da equipe de arqui‑ tetura do projeto de 1954 visavam exposições e espaços de arte. Quando entra‑ mos, porém, no âmbito de Museu com grande acervo o edifício deixa a desejar. Pavilhão que pode ser, de forma resumida, desenhado com poucos traços, é um grande bloco retangular branco. Possui as fachadas maiores em fita com sua exten‑ são inteira em janelas de piso a teto, com um desenho de caixilharia modular dinâ‑ mico, assistindo boa parte do edifício com iluminação de qualidade. A arquitetura moderna do desenho do edifício permite um layout versátil, nele pode‑se tudo. As possibilidades de uso são abrangentes e isso é refletido na monotonicidade empre‑ gada a planta livre que cumpre totalmente sua função. Liberdade para que qualquer uso seja empregado. Simples, com os pilares descolados da fachada, sem divisões internas na maioria de sua extensão.
piloti 25
desvio| junho 2018
O edifício possui três pavimentos: subsolo, térreo e um andar superior com projeção maior que o inferior, permitindo, por consequência, a criação de uma marquise e dando vida aos “queridinhos” do modernismo, simples pilares que se tornam elementos visuais do projeto. Ao lado direito do pavilhão, devido a marquise, forma‑se uma “rua interna” que visualmente proporciona o mais equi‑ librado fenômeno da arquitetura e natureza presentes ali: uma ruptura abrupta dos dois nichos de material, divididos pelo concreto do chão e pelo azul do céu. É sensitivo que aquele espaço formado intencionalmente por mundos tão dife‑ rentes demonstram o respeito estabelecido um pelo outro, deixando claro o li‑ mite ideal da arquitetura perante a uma natureza que por sua vez, com gratidão a esse respeito, se encarrega de proteger todo o prédio, liberando pequenas frestas de sol que não incomodam quem habita ali dentro. No interior, logo perto da entrada do museu, encontra‑se uma belíssima es‑ cada helicoidal. Fotogênica como a maioria das escadas na arquitetura, enquan‑ to elemento visual ganha notoriedade principalmente quando, em conjunto com o colorido das paredes do andar posterior, mostra‑se parte de um quadro só. Permitindo, dentro da escala humana, que se observe uma forma abstrata na simplicidade de uma troca de andares. Entre o subsolo e o andar térreo há uma rampa. Um ícone. Secciona o pa‑ vilhão com linhas duras e paralelas. Sua formação em “U” possibilita o andar e o observar. Subindo um andar, toma‑se ciência da magnitude da edificação enquanto obra moderna. Revela‑se as janelas em fita e a insolação que era blo‑ queada no andar inferior, agora está em todo o organismo do prédio, invade e aquece cada obra de maneira diferente. Traz a balançar das árvores para agregar a linguagem de cada manifestação artística ali presente. Em 2005 houve uma reforma e recuperação dessa arquitetura original. Fei‑ ta pelo Brasil Arquitetura, a conservação do pavilhão foi elencado como “um projeto de limpeza”. O edifício foi restaurado de acordo com o projeto de 1954, trocando elementos arquitetônicos degradados, como os caixilhos de ferro e as pastilhas de revestimento das fachadas e ganhou uma nova infra‑estrutura, insta‑ lada para atender ao novo uso. Todos os elementos visuais adicionados na refor‑ ma respeitaram o edifício deslocando seu uso e exaltando a arquitetura “antiga”. Obviamente, ao menos os cuidados mínimos foram tomados para o edifício transicionar de um uso de serviço público para museu. No entanto, elementos como o “grande e belo painel construído por sobras e pequenos retalhos de madeiras de diferentes tonalidades, colados em um suporte de compensado”, como se refere Valentina Figuerola 8, localizado na recepção do museu não são nada mais que de uma movelaria apática que cumpre bem com a função de não prejudicar o brilho do que realmente importa ali, as obras do museu. Apenas no segundo andar nota‑se um constante incômodo no que diz respeito aos su‑ portes desenhados para abrigar as obras. A sensação é de estar dentro de um labirinto, com móveis e prateleiras grandes demais que impedem o fácil referen‑ ciamento de onde se está no edifício. Tratando‑se de exposições com obras que geralmente gritam, com suas cores, formas e com o peso do que representam, a contribuição do Brasil Arquitetura, de primeiro momento, numa concepção rá‑ pida, em relação aos mobiliário mais atrapalha do que ajuda o uso como museu.
piloti
11
desvio| junho 2018
26
O edifício, hoje, abriga pelo menos seis mil obras relacionadas a arte brasileira e afro atlântica distribuídas nos três pavimentos como: exposições temporárias no subsolo; hall de entrada, reserva técnica inferior, marcenaria, copa, loja, ba‑ nheiros e almoxarifado além de exposições temporárias, no segundo pavimento, o térreo; e o terceiro, primeiro andar, destinado a exposição de longa duração, áreas administrativas, reserva técnica superior, banheiros, biblioteca Carolina Maria de Jesus e o teatro Ruth de Sousa. Em meio a todas as problemáticas no que se diz a respeito de manutenção e cuidados na intervenção de um patrimônio tombado 9, a união da arquitetura de 1954, o conceito do Afro Brasil e o que o parque representa pra cidade trans‑ forma a visita ao edifício uma experiência gratificante, que deixa um pressenti‑ mento raso de que algo muito correto está acontecendo. O número de negros que visitam o museu é majoritariamente alto e não é necessário nenhuma pes‑ quisa para fazer essa constatação, basta uma visita. De alguma forma, o projeto funciona e a arquitetura é satisfatória.
AUTORES DO PROJETO OSCAR NIEMEYER (Rio de Janeiro, 1907 – Rio de Janeiro, 2012) Nascido no Rio de Janeiro, Niemeyer estudou na Escola Nacional de Belas Artes (atual UFRJ) e durante seu terceiro ano estagiou com Lúcio Costa. Considerado figura essencial para o desenvolvimento do modernismo no Brasil, Niemeyer 10 teve grande ascensão com os projetos cívicos de Brasília, capital do país desde 1960. Sua exploração das possibilidades construtivas do concreto armado foi altamente influente na época, tal como na arquitetura do final do século XX e início do século XXI. Elogiado e criticado, Niemeyer foi um grande artista e um dos maiores arquitetos de sua geração. ZENON LOTUFO (Botucatu, 1911 – Botucatu, 1986)
Nascido em Botucatu, interior de São Paulo, Lotufo 11 foi admitido na Escola Politécnica do Rio de Janeiro mas transferiu‑ se para o curso de Engenheiro Civil da Politécnica de São Paulo. Dedicou toda a sua vida profissional à arquitetura e ao ensino, trabalhando também em órgãos públicos do estado de São Paulo. Em 1946 ganha o concurso para a sede do IAB‑SP, na rua Major Sertório, em conjunto com outras duas equipes.
EDUARDO KNEESE DE MELLO (São Paulo, 1906 – São Paulo, 1994). Paulista, em 1925, ingressa da Escola de Engenharia Mackenzie, formando‑ se engenheiro ‑arquiteto em 1931. Recém‑formado, abre um escritório de arquitetura e construção, produzindo residências particulares até os anos 1940, quando passa a se dedicar exclusivamente aos projetos, desenhando edifícios comerciais, residenciais, educacionais e de saúde, além de conjuntos habitacionais públicos e privados, dos quais se destacam: os Conjuntos Residenciais dos Institutos de Aposentadorias e Pensões dos Industriários (IAPI) (1947) e dos Comerciários (IAPC) (1947, não construído) e o Conjunto Residencial Ana Rosa (1952), todos em São Paulo. 12 HÉLIO UCHOA CAVALCANTI (Rio de Janeiro, 1913 – Rio de Janeiro, 1971). Nascido no Rio de Janeiro, Niemeyer estudou na Escola Nacional de Belas Artes (atual UFRJ). Participou ativamente do movimento de renovação da arquitetura brasileira. Parceiro de Oscar Niemeyer em diversos empreendimentos como o Hospital da Lagoa, no Rio de Janeiro, participou da construção de Brasília, além de ter assinado projetos de residências e hotéis no Brasil e no exterior. Reconhecido por sua importante contribuição para a história da arquitetura nacional, foi homenageado pelo Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) com a criação do Prêmio Arquiteto Helio Uchoa 13, oferecido anualmente aos profissionais que se destacam na produção de projetos arquitetônicos.
11.Fachada museu AfroBrasil.
Fotografia por Bárbara Catta 12. Escada helicoidal. Fotografia por Bárbara Catta.
piloti
NOTAS 1. MORTEAN, Camilla Kruke. A desigualdade socioespacial em São Paulo: O Parque
Ibirapuera e seus equipamentos de cultura. 2015. 37 f. TCC (Graduação)–Curso de Gestão de Projetos Culturais e Organização de Eventos, Celacc, Eca–usp, São Paulo, 2015. Disponível em: <http://paineira.usp. br/celacc/sites/default/files/media/tcc/ arquivo_1_–_camilla_mortean_artigo_ completo.pdf>. Acesso em: 05 maio 2018.
28
2. BARONE, Ana Cláudia Castilho. Ibirapuera: parque metropolitano (1926 –1954). 2007. 228
f. Tese (Doutorado) – Curso de Arquitetura e Urbanismo, Usp, São Paulo, 2007. Disponível em: <http://livros 01.livrosgratis.com.br/ cp 079439.pdf>. Acesso em: 05 maio 2018. 3. ANDRADE, Manuella Marianna. O parque do Ibirapuera: 1890 a 1954. Arquitextos, São Paulo, ano 05, n. 051.01, Vitruvius, set. 2004
<http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/ arquitextos/05.051/553> Acesso em: 05 maio 2018. 4. Vídeo: As Rolezeiras. Eu sou Rolezeira. Nós
somos Rolezeira. Disponível em: <https:// www.youtube.com/watch?v=RQxT381h7ac> Acesso em: 05 maio 2018.
desvio| junho 2018
5. MORTEAN, Camilla Kruke. A desigualdade socioespacial em São Paulo: O Parque
Ibirapuera e seus equipamentos de cultura. 2015. 37 f. TCC (Graduação) – Curso de Gestão de Projetos Culturais e Organização de Eventos, Celacc, Eca–usp, São Paulo, 2015. Disponível em: <http://paineira.usp. br/celacc/sites/default/files/media/tcc/ arquivo_1_–_camilla_mortean_artigo_ completo.pdf>. Acesso em: 05 maio 2018.
6. ARAÚJO, Emanoel. Diretor curador. Museu Afro Brasil: Um Conceito em Perspectiva.
Disponível em: <http://www.museuafrobrasil. org.br/o–museu/um–conceito–em– perspectiva> Acesso em: 05 maio 2018.
7. CYTRYNOWICZ, Roney. Museu AfroBrasil celebra dez anos. A celebração conta
com a mostra “Da cartografia do poder aos itinerários do saber”, em cartaz na Oca. Arquiteturismo, São Paulo, ano 08, n. 085.02, Vitruvius, mar. 2014 <http:// www.vitruvius.com.br/revistas/read/ arquiteturismo/08.085/5080> Acesso em: 05 maio 2018. 8. FIGUEROLA, Valentina. Herança restaurada:
Respeito pela arquitetura original e implantação de nova infra–estrutura norteiam a conversão do pavilhão Padre Manoel da Nóbrega no Museu Afro Brasil. Disponível em: <http://au17.pini.com. br/arquitetura–urbanismo/136/heranca– restaurada–22197–1.aspx> Acesso em: 05 maio 2018. 9. DIAS, Leonardo Gomes. Diagnóstico de conservação preventiva do museu afro brasil: verificação das áreas de risco e as
prioridades em relação ao edifício e às coleções. 2017. 25 p. São Paulo. 10. FRAZÃO, Dilva. Oscar Niemeyer:
Arquiteto brasileiro. EBiografia. Disponível em: <https://www.ebiografia.com/oscar_ niemeyer/> Acesso em: 07 maio 2018. 11. MANZANO, Eduardo. Conquista do espaço psicológico. AU. Ed. 76. Fevereiro/1988. Disponível em: <http://au17.pini.com.br/ arquitetura–urbanismo/76/conquista–do– espaco–psicologico–24126 –1.aspx> Acesso em: 07 maio 2018. 12. Enciclopédia Itaú. Eduardo Kneese de Mello. Biografia. Disponível em:
<http://enciclopedia.itaucultural.org.br/ pessoa286244/eduardo–kneese–de–mello> Acesso em: 07 maio 2018. 13. Enciclopédia Arte Brasil. Hélio Uchoa Cavalcanti. Biografia. Disponível em: <http://
brasilartesenciclopedias.com.br/nacional/ uchoa_helio.htm> Acesso em: 07 maio 2018.
desvio| junho 2018
piloti
12
29
Luiz Benedito Telles
1
(Garça, 26 de novembro de 1943 – São Paulo, 23 de fevereiro de 2014).
ERICA BORTOLETTO E VICTOR D’AGOSTINO
0
Vida
13
Sempre foi muito dedicado aos estudos. Seu pai era um fazendeiro rico e foi res‑ ponsável por grande parte do aprendizado do arquiteto que desde muito novo refletia sobre a vida nas fazendas de café. Sem informação, a família não con‑ seguia buscar novos caminhos de vida para além da fazenda. Por conta disso, Telles decidiu que não seguiria o ramo de seu pai já que não gostava da fazenda e sempre gostou mais do universo da arte e do desenho, praticava música, sabia francês, inglês e latim. Seus irmãos todos estudaram no colégio interno Cézanne, suas irmãs no Sion. Quando viajava para São Paulo gostava muito, adorava o Teatro já que em Garça
arquétipo 31
desvio| junho 2018
perto de Bauru onde morava havia apenas cinemas. Telles era o mais novo de 5 irmãos, sua mãe tinha uma doença no sangue e por conta disso acabou perden‑ do três filhos, fez uma promessa para que se o Luiz nascesse saudável ela coloca‑ ria o nome de Luiz Benedito e assim aconteceu. Seu pai era contador de histórias e trazia muitas leituras para seus filhos como Shakespeare e Guarani. Certo dia quando estava na quarta série, Luiz demonstrou ao seu pai o desejo de estudar em São Paulo, na época seu pai havia mandado apenas seus dois irmãos mais velhos para o centro da cidade para um colégio interno porque, segundo Telles, eles eram muito “vagais” 2 e por isso precisavam de mais atenção na escola. De‑ pois de muita insistência e esforço, seu pai o matriculou no Colégio Liceu Pasteur e lá continuou a treinar o francês passando a viver em São Paulo. Dentro do Pasteur reconheceu sua paixão pelo desenho. Uma amiga que fa‑ zia desenho artístico junto com ele desejava cursar arquitetura e foi através dela que Telles teve o primeiro contato com a sua futura profissão. Em meio a isso, morou numa pensão e segundo ele, conheceu o “outro lado da vida’’ 3. No co‑ légio, podia sair aos fins de semana se conseguisse arrumar um lugar pra dormir, então pegava um bonde e vinha para o centro da cidade, frequentava cinema, teatro e gostava muito disso porque ninguém o reconhecia, sentia‑se livre, dife‑ rente do interior. Dizia que ‘’a vida desabrocha nesse momento’’ 4, sabia que se fi‑ zesse bobagem teria que se virar sozinho. Desde então ficou em São Paulo e cur‑ sou arquitetura e urbanismo no Colégio Presbiteriano Mackenzie onde se formou. Procurava o tempo inteiro colocar em liberdade seus projetos. “Hoje em dia a arquitetura se tornou uma coleção de gavetas e caixinhas, e a hora que você pensa num espaço você pensa na pessoa que vai usar o espaço, você tem que andar pelo caminho, pra isso você precisa do conhecimento […] A vida da gente que é arquiteto sabe de muita coisa, a gente mergulha e saca de muita coisa de uma só vez’’ 5. Telles deixa bem claro que nós que somos arquitetos não pode‑ mos ser apenas especialistas em algumas coisas, temos que saber praticamente de tudo, por isso era contra a quantidade de assuntos que você aprende na faculdade sem estar conectado com projeto 6. Excesso de funcionalidade e cumprir programas ‑ a formação do arquiteto e a questão do criar. Para Telles 7, uma das suas maiores propostas era que o aluno precisa de motivação, de capacidade de errar inúmeras vezes porque somente assim ele poderá aprender. Luiz tinha uma forma de ensinar conhecimento mui‑ to interessante: a teoria do conhecimento nada mais é do que uma informação que chega até nós e que entendemos e transformamos em uma ideia, por isso a informação é uma fonte de conhecimento valiosa para todos e precisa ser ime‑ diatamente transmitida para que não se transforme em doença dentro de nós, “a gente se acha erudito ou sábio e isso faz mal, ou seja, passa logo isso’’ 8. E querendo ou não, traz uma compreensão maior da nossa sociedade. Com essa teoria ele sempre acreditava em como as pessoas podiam se reunir e pra onde elas podiam ir, faziam caminhos e fluxos funcionais. ‘’Arquiteto com preconceito é uma merda, nós fazemos desde o galinheiro ao palácio e as vezes o galinheiro é mais interessante’’ 9. Pra tudo que fazemos é ne‑ cessário ter respeito, para realizar o digno, porque, segundo Telles 10, é o básico.
arquétipo
Telles via a arte em si como marginal. Marginal que em princípio é o que está fora da vigência, o artista está culturalmente entre a dualidade entre o certo e o errado e está procurando o melhor saindo dos padrões, fugindo do comum. Para ele, o objetivo do pixo, o qual Telles se refere como grafite, é fugir do co‑ mum e por isso sempre será execrado no começo. O arquiteto começou a olhar o pixo e como ele estava nos espaços esquecidos da sociedade. Na arquitetura, não é diferente, ninguém olha pra pobreza, nós somos todos corresponsáveis por aqueles lugares, o pixo surgiu como vontade de se mostrar. Embora hoje a arte e o comércio tenham virado a mesma coisa, segundo ele 11.
A “democracia” na ditadura
desvio| junho 2018
32
Na época da ditadura, tudo era proibido, os lugares frequentados sempre pos‑ suíam “olheiros” que vigiam e repreendiam a liberdade de expressão na cidade. Pessoas carregavam armas no dia‑a‑dia e no fim a ditadura se afirmava como uma coisa elitista, “apadrinhado” pelos Estados Unidos, lembra Telles 12. Embo‑ ra, durante o período, músicas, livros, arte e cultura fossem constantemente cen‑ surados, tudo o que podia ser pensado e feito para um espaço que abrigasse o encontro de todos perfis para o desenvolvimento cultural no projeto, foi feito. De acordo com Telles 13, ou os arquitetos se mantinham projetando para elite ou “vamos propor, se não passar não passou” 14, falando sobre possibilidade do projeto do CCSP ser barrado na ditadura. “O CCSP tem que ser visto como um todo, o centro” 15. Nada disso seria impor‑ tante se sentido do centro de São Paulo nos fosse recomposto como um conjunto, como um centro de informação com uma abrangência maior, afirma o arquiteto 16. “A Casa (CCSP) nasceu pra ser um lugar onde todas as formas de arte convergem, a casa nasceu para ser um ponto de encontro para todo mundo […] para as pessoas virem se encontrarem e ficarem à vontade, é um lugar para se fazer pesquisa, para se experimentar, para fazer as coisas que o mercado não faz, para fazer as coisas que os jovens quer fazer, para inventar, para se exprimir de uma forma nova.” 17 “É um lugar onde São Paulo pode falar através das pessoas’’ 18. Com a grande gama de atividades socioculturais que a edificação proporciona são inúmeras as particularidades da obra que não só é relacionada ao entorno como se liga ao metrô, a calçada e a rua transmitindo a visão dos arquitetos e consequentemen‑ te de Telles sobre a importância de possuirmos espaços conectados, convidati‑ vos e lúdicos na cidade.
13. Retrato de Luiz Telles. 14. Utilização do espaço por um grupo de
mulheres. Fotografia por Steffany Rocha.
3
14
“Depois que nós formamos que começamos a ter e fazer parte do mesmo círculo social, retomamos a amizade aqui na Belas Artes, foi uma personalidade muito forte e responsável pelo Centro Cultural, que eu acho hoje uma das obras brasileiras mais importantes, é um arquiteto orgânico muito importante. Uma alma impressionante, extremamente humana’’ 19
Careca era o apelido de Telles na época de faculdade, não se sabe ao certo a origem do apelido, mas uma certeza existe: qualquer conhecido que hoje fale sobre Luiz Benedito Telles é tomado por emoção e saudade do profissional e pessoa que abrigava bom humor e grande felicidade na vida.
15
16
NOTAS 1. Homenagem dos Formandos da FAU Mackenzie. Falece Luiz Telles. Arquiteto
era coautor do Centro Cultural São Paulo. São Paulo, Brasil. Disponível em: <http://www.vitruvius.com.br/jornal/news/ read/1881> Acesso em: 30 mai. 2018. 2 - 16. TELLES, Luiz. Viva Telles. Entrevista de Novembro de 2011, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Mackenzie. Aline Rago. 2014. (43 min)
18. FLOREZ, Ricardo. Arquiteturas: Centro Cultural São Paulo. Série do SescTV. Publicado em 22 de fev de 2016. Disponível em: <https://youtu.be/tVplbN2–_qc> Acesso em: 30 mai. 2018. (28 min) 19. Entrevista com Jairo Moris Ludmer 20. Entrevista com Iracy Fortes Sguillaro
17. SCHMIDT, Pena. Arquiteturas: Centro Cultural São Paulo. Série do SescTV. Publicado em 22 de fev de 2016. Disponível em: <https://youtu.be/tVplbN2–_qc> Acesso em: 30 mai. 2018. (28 min)
15 -16. Retrato de Luiz Telles.
“Ele era irreverente, tinha muito bom humor e gostava muito dos alunos, se dedicava a sorrir e ensinar […] Telles era um grande amigo e eu tinha muito admiração por ele, era muito pra cima […] Ele adorava desenhar e cantar para divertir as pessoas.” 20
desvio| junho 2018
desvio| edição 2018
36
arquétipo
arquétipo
17
desvio| junho 2018
37
arquĂŠtipo
arquétipo
O deleite do projeto
Um espaço cultural que se entrega para sociedade
desvio| junho 2018
38
ERICA BORTOLETTO E STEFFANY ROCHA
O Centro Cultural São Paulo, é um edifício moderno, do ano de 1982, porém o projeto foi realizado em 1970 por Eurico Prado Lopes e Luiz Telles. Em meio a di‑ tadura militar, o Centro Cultural é um projeto que desafiava os conceitos básicos da política em vigor da época, instalando um lugar onde as pessoas poderiam ter acesso à cultura gratuitamente ou por um valor extremamente acessíveis. Além dessa rebeldia muito bem empregada, o projeto apresenta uma série de peculiaridades e um diálogo com o pedestre que começa já de fora do edi‑ fício. Ao observar o edifício na calçada, na frente da entrada principal, os arqui‑ tetos tiveram o cuidado de pensar na posição da árvore que seria plantada no jardim interno, deixando visível a copa da árvore e o tronco chegando na terra. Essa cena é apenas interrompida pela laje do terraço jardim, porém a mesma não tira o charme da vista muito menos da intenção e cuidado dos arquitetos ao propiciaram tal experiência ao observador. Uma outra peculiaridade do projeto, é quando um pedestre é atraído pelo edifício e observa a parede externa. Num primeiro ponto a parede do edifício é tomada por plantas e é possível observar apenas as luminárias e uma peque‑ na parcela do que acontece lá dentro, porém conforme vai avançando, a de‑ clividade da rua aumenta e consequentemente a parede vai se tornando mais aparente, até chegar num ponto em que, o que é destacado é uma parede de vidro totalmente exposta, do chão ao teto, permitindo que a curiosidade de saber o que tem dentro seja suprida e convide o pedestre a entrar e usufruir de tudo que o projeto oferece, tanto culturalmente, quanto arquitetonicamente. O cuidado de deixar o visitante curioso com o que acontece em volta, torna muito mais interessante cada centímetro do edifício. As pessoas que transitam pela rua são protegidas da chuva ou do sol pelo avan‑ ço da estrutura que sustenta o terraço jardim. No limite da calçada, o forro externo de fibra de vidro segue uma linearidade com as luminárias e com as vigas, indican‑ do o caminho até o átrio do edifício marcado por rampas, onde “se enxerga todo mundo buscando a cultura” 1. Esse caminho traçado pelo forro, passando pelas lu‑ minárias e vigas, leva o observador a prestar atenção na estrutura do projeto.
arquétipo 18
17. Curvatura do forro e sua relação com
as vigas. Fotografia por Steffany Rocha. 18. Extensão do terraço que cria um passeio coberto na calçada. Fotografia por Steffany Rocha
39
desvio| junho 2018
O próprio terreno lembra o formato de um barco. As curvas são marcadas pela Rua Vergueiro e Avenida Vinte e Três de Maio. Num barco, há duas curvas laterais que formam um desenho oval. Essas curvas, juntamente com um tra‑ ço central, são denominadas de vigas longarinas, e preenchendo esse desenho oval, há outros traços em orientação perpendicular às longarinas, que são as vi‑ gas transversais. Esse conceito foi adotado na estrutura do edifício. É facilmente perceptível esse cruzamento de vigas e se forem bem observadas, a curvatura configura um barco. As vigas de concreto são todas protendidas horizontal e verticalmente. Elas não são atrapalhadas pelos pilares de aço, que parecem se abrir para permitir a livre passagem delas entre seu afloramento na extremidade superior. A acústica foi muito levada em consideração em diversos detalhes, como na escolha do material das vigas, que são feitas de concreto. Foi escolhido o concreto por ser um material denso e pesado, e por esse motivo o som não é reverberado. Se fosse uma estrutura exclusivamente de aço, o som reverberaria e alteraria a qualidade da sua propagação no ambiente. Além do material das vigas, o material que há nas luminárias também é pensado para a qualidade acústica. Um tecido de fibra de vidro é encontrado por trás das luminárias, pois o tecido absorve o som, retornando para o ouvinte um tom menos agressivo. Mais uma peculiaridade destacada é a estrutura do elevador ser totalmen‑ te aberta, sem interrupção alguma, onde o usuário só é “protegido” onde re‑ almente precisa, ou seja, há vidro protegendo as pessoas até dois metros de altura, depois, em todo percurso até o andar de cima, a estrutura é aparente, voltando a ter vidro do chão ao teto no piso superior.
O conceito de ponto de encontro é muito preservado no edifício. Em todo o momento há pessoas dançando, lendo ou apenas descansando por todo o espaço do Centro Cultural, principalmente em seu jardim. O terraço jardim tem função também de um mirante para a cidade, onde as pessoas podem sentar, deitar e apreciar o contato agradável com a cidade pro‑ porcionado por esse local calmo, em meio à agitação da cidade grande. Funciona como um grande respiro para a vida cotidiana de um morador de uma cidade como São Paulo. Ali encontramos cinema por um preço baixo, ex‑ posições, teatro, biblioteca, laboratórios e oficinas 2, e tendo contado com as pessoas, o que é fundamental para a formação de uma sociedade. O edifício mantém um respeito com o público e com a cidade, dando espaço ao usuário e não se impondo arquitetonicamente com seu entorno, mantendo a sutileza e elegância em cada centímetro do projeto. NOTAS 1. TELLES, Luiz. 30 anos CCSP – Passeio CCSP com Luiz Telles. Centro Cultural São Paulo. Disponível em: <https://youtu.be/fn7vw_ utW14> Acesso em: 31 mai. 2018. (12m30 s)
19. Terraço jardim. Fotografia por
Steffany Rocha. 20. Escada que dá acesso ao terraço jardim. Fotografia por Steffany Rocha. 21. Encontro entre o pilar de aço e as vigas de concreto.Fotografia por Steffany Rocha.
2. CCSP. CCSP. Site do Centro Cultural
São Paulo. Institucional. Disponível em: <http://centrocultural.sp.gov.br/site/ institucional/> Acesso em: 31 mai. 2018.
croqui
9
Gosto se discute?
Considerações sobre como o brasileiro valoriza sua cultura.
42
1
desvio| junho 2018
0
BÁRBARA CATTA
Nós carregamos um mal‑estar histórico. Não foi descoberto ontem que algo de muito equivocado acontece conosco em relação ao que exaltamos e menospreza‑ mos. Em diversos nichos essa patologia é instaurada. Num âmbito geral, a valoriza‑ ção da cultura norte americana e européia é a percepção mais gritante do tema. É claro, fácil de ser percebida e ninguém tem vergonha. Qual o real problema, então, se tal fato é tão naturalizado há séculos e não parece passível de mudanças? Bom, a dificuldade é maior do que parece. O incômodo não está em reconhecer a fatalidade. Nós admitimos que até incons‑ cientemente o fato ocorre. Está incrustado na personalidade do nosso país. Não nos reconhecemos nem como latinos, por exemplo. Como é possível estar rodeados de países que têm como linguagem principal o espanhol e negarmos furiosamente esse idioma? Questões como estas nos indagam o tempo todo. O ponto é o quanto fala‑ mos sobre isso. O quanto essa discussão é rica ou desnecessária, inclusiva ou opres‑ sora. A luta não se caracteriza mais pelo combate e sim pela conscientização. Precisa‑ mos conversar, e gosto, dentro da realidade cultural do brasileiro, se discute sim. Na arte, arquitetura, design, política, em inúmeros contextos, estudar e valorizar o que nos está próximo, como os países latinos, por exemplo, é mais eficiente do que se espelhar em grandes potências que estão distantes da nossa realidade. Tra‑ balhar com a utopia é algo fundamental, mas direcioná‑la, nesse caso, é imprescin‑ dível. Por conta de todos os problemas, principalmente sociais que temos, os quais vivemos escondendo embaixo do tapete, muitos padrões foram estabelecidos. Nossa ânsia por ser um modelo, fomentou diversos preconceitos dentro da nossa própria sociedade. Divisões, más distribuições de recursos, relações abusivas de poder e inferiorização, bebem dessa mesma fonte. Tudo isso claramente não é um problema exclusivo do brasileiro, mas sim do ser humano. A questão é levantada quando a valorização de algum trunfo nacional também é comemorada da mesma forma. O Brasil transita abertamente entre fascismo e desdenho cultural. Tomando a música como exemplo, o reflexo desse momento quase intitulado como antidemocrático, é evidenciado quando grandes cantores criticam o cenário musical. Segundo Jorge Vercillo:
22
“Músicas de sucesso atual não tem qualidade nenhuma, isso reflete o nível baixíssimo de consciência da população” 1
Mas, então, o que é música de qualidade? Os últimos grandes prêmios interna‑ cionais foram dados a artistas que não tinham uma colossal letra, muito menos uma homérica melodia complexa. Shape of You de Ed Sheeran 2 é uma das músicas mais conhecidas no mundo todo. Ninguém questiona violentamente sua aptidão sonora que se faz presente com quatro simples tons que se repetem durante a canção inteira. O cenário atual da música brasileira aborrece, portanto, não pela qualidade em si das melodias. Ele é abominado pela sua representatividade. O Rock, por exemplo, não carrega mais tanto impacto social e político. Grupos que já fo‑ ram contracultura e subversivos, hoje são inofensivos e dão lugar a outros estilos. Atualmente temos três grandes pilares na música pop. Anitta, ex favelada, vulgar, funkeira 3. MC Loma, negra, nordestina, fora dos padrões de beleza 4. Pabllo Vittar, 22. Frame do videoclipe Na Vibe
da Mc Loma e as Gêmeas Lacração. 23. Frame do videoclipe Então Vai de Pabllo Vittar.
desvio| junho 2018
desvio| edição 2018
44
23
croqui
croqui
drag queen, pobre e gay. Discussão de causas importantes e desvio da norma está no cerne dessas personalidades. Muito mais politizados, hoje o Hip Hop, por exemplo, é mais Rock do que o Rock. O Funk é mais Rock do que o Rock 5. É a conexão que faz das músicas ditas vazias grandes hits da cultura popular. As pessoas sentem vontade de dançar. As músicas tocam. Isso é qualidade. Música de baixíssimo nível é música que oprime. Não é a valorização de estilos tradicionais e a inferiorização dos estilos da periferia que vai ofuscar as vontades do brasileiro. Esse estereótipo privilegia a elite, privilegia artistas ‑ tanto que são esses que blas‑ femam críticas não construtivas ‑ e ignora artistas populares. Essa é a única forma de deslegitimar quem realmente produz conteúdo popular, chamá‑los de ignoran‑ tes e colocar a cultura americanizada e européia em primeiro lugar. Nossa situação assusta principalmente os conservadores. Hoje há meios de se ter o mínimo de voz. Não se calarão, não deixarão de discutir, porque dentro do tabu do gosto não se discute existe um punhado de preconceito e privilégio que precisa ser quebrado.
45
NOTAS
culpa da má qualidade da música brasileira é do próprio público. Disponível em: < https://www.otvfoco.com.br/jorge-vercillodiz-que-culpa-da-ma-qualidade-da-musicabrasileira-e-proprio-publico/> Acesso em 30 maio 2018. 2. OLIVEIRA, Leandro. “Shape Of You”, de
Ed Sheeran, é a música mais tocada do mundo em 2017. Disponível em: <http:// showlivre.com/blog/shape-of-you-de-edsheeran-e-a-musica-mais-tocada-do-mundoem-2017> Acesso em 30 maio 2018. 3. o CHECKMATE da Anitta. Vídeo do canal do Youtube Quadro em Branco. Publicado em 25 de abril de 2018.
Disponível em: <https://www.youtube.com/ watch?v=20 w2Bl6Sdfc> Acesso em: 30 mai. 2018. (11 min) 4. MC LOMA, JORGE VERCILLO E A “MÚSICA DE QUALIDADE” –
SpartakusVLOG. Vídeo do canal do Youtube Spartakus Santiago. Publicado em 8 de fev de 2018. Disponível em: <https://www. youtube.com/watch?v= 6y 0 RyVIWZl8&t=58s> Acesso em: 30 mai. 2018. (7 min) 5. Daft Punk | Em homenagem à música. Vídeo do canal do Youtube Quadro em Branco. Publicado em 12 de mar de 2018. Disponível em: <https://www.youtube.com/ watch?v=3PPv4gkOkVs> Acesso em: 30 mai. 2018. (6 min)
desvio| junho 2018
1. ALMEIDA, João. Jorge Vercillo diz que
Qual a obsessão do brasileiro por sentar?
Independente da conotação, nunca foi uma novidade… 1930
1965
“…Todo mundo tá sabendo Que andam os dois batendo o pé Mas na cadeira só se senta Quem o povo bem quis é…”
“…Vê se para fique sentada Não levante e não saia Ainda não terminei Você chega e sai Não sei pra onde vai Não liga pra mim…”
FRANCISCO ALVES - CADEIRINHA
cadeira e bancos toscos
estilo moderno brasileiro
GILBERTO E GILMAR - DESABAFO
antes do moderno
d. josé I
modernismo
bahia e madeira
“…Lá vem o seu Noé, comandando o batalhão, Macaco vem sentado na corcunda do Leão…” MARCHA DE CARNAVAL - A ARCA DE NOÉ
apoio dos arquitetos “…Senta, senta, senta, senta porque em pé não dá pra ver, iaiá. senta, senta senta Senta que eu paguei quero sentar…” ADONIRAN BARBOSA - SENTA, SENTA
fim do século XVII 1940
cadeira e bancos toscos com estilos europeus. século XVII A utilidade dessas cadeiras era única, preencher os cômodos vazios e demonstrar a ostentação das enormes casas da época. O estilo do mobiliário variou também conforme o gosto das classes burguesas que por si eram influenciados pelos gostos europeus. No início, com estilo português, logo após, as formas portuguesas dão lugar ao barroco, surgindo até versões de misturas entre esses dois estilos. Em uma terceira fase, começam aparecer cadeiras barrocas com certo toque da arte chinesa, marcada por entalhes, palhinhas e encostos vazados. Era comum a combinação de vários estilos em uma peça só.
d. josé I a 1777
1750
Os estilos que eram produzidos até então, se fundem aos estilos franceses, ingleses e elementos típicos portugueses.
bahia e madeira após a metade do século XVII, aproximadamente 1777, até o fim do século XVII A Bahia tornara‑se grande produtora de cadeiras reproduzindo modelos ingleses como Thomas Chippendale, George Happlewhite e Thomas Sheraton. Servindo de referência os marceneiros atuantes no Brasil que passaram a adotar a simplicidade, as linhas retas do estilo, sendo a madeira ela mesma em tons claros e escuros, tomando como elemento decorativo o próprio contraste de cores de madeira. Dessa adaptação, segundo Tilde Canti surgiu o Sheraton Brasileiro. Durante as últimas décadas do século XVIII, o mobiliário se modifica
sugerindo a transição do rococó ao neoclassicismo, cujo nome adotado foi estilo D. Maria I. De um modo geral, os móveis passaram a apresentar corpos mais retangulares. Diminuem ou desaparecem completamente os entalhes; e a decoração com incrustações de madeira ou madrepérolas predomina (CANTI apud BRANDÃO, 2010).
estilo moderno brasileiro
1940 a 1980
Após essa primeira etapa fortemente ligada à influência moderna estrangeira, os arquitetos e designers brasileiros modernos passaram a desenhar móveis genuinamente nacionais. Na produção dos anos 1950, um dos grandes destaques foi Sérgio Rodrigues. Sua loja era ao mesmo tempo galeria de arte. “Retomar o espírito da simplicidade da casa indígena, integrar o passado e o presente na cultura material brasileira”. (MCB, p.30)
2018
2000
“…Esse hit é chiclete, Na tua mente vai ficar Sento, sento, sento, sento, Sento e quico devagar…”
“…Sentado embaixo do bloco sem ter o que fazer Olhando as meninas que passam Matando o tempo, procurando uma briga sem ter dinheiro nem pra um Guaraná…”
MC LOMA E AS GÊMEAS LACRAÇÃO - ENVOLVIMENTO
LEGIÃO URBANA - ANÚNCIO
nova geração
DE REFRIGERANTE
contemporâneo
mobiliário contemporâneo “…Vejo caminhões e carros apressados a passar por mim Estou sentado à beira de um caminho que não tem mais fim …”
“…Já que você me provocou, agora experimenta Senta que é de menta, senta que é de menta…” SENTA QUE É DE MENTA - CAVALEIROS DO FORRÓ
ERASMO CARLOS - SENTADO À BEIRA DO CAMINHO
2010 1970
apoio dos arquitetos
e das outras artes - a partir de 1950 ”O problema que eu encontrei no equipamento dos edifícios é que, muitas vezes, o mobiliário, o arranjo interno, prejudica completamente a arquitetura. A arquitetura prevê os espaços que devem ficar livres entre grupos de móveis, e às vezes, os móveis são colocados de uma maneira imprópria, os espaços se perdem e a arquitetura fica prejudicada. De modo que nós procuramos sempre marcar o lugar dos móveis, mas, mesmo assim, às vezes não estão de acordo com a arquitetura, e o ambiente se faz sem a unidade que a gente gostaria. Por isso tudo é que eu comecei.” (NIEMEYER apud SANTOS, 1995)
a nova geração 1980 à contemporaneidade
Por meio do caminho trilhado pelos modernistas, surge uma nova geração de profissionais que são fortemente envolvidos pela globalização. Influenciados pelo Modernismo, passando pelo Pós‑Modernismo, nos anos 1980, o conceito de criação e produção de móveis volta‑se para a tendência do design inovador com materiais diversificados, pela madeira e pela produção quase artesanal. A inovação da linguagem, especialmente, tem como princípio abolir o conceito modernista “a forma segue a função”
mobiliário contemporâneo Há algumas definições diferentes em relação ao estilo contemporâneo. Há quem diga que o contemporâneo não é um estilo definitivo, mas sim o estilo mais atual, mais recente. Esse termo se refere às tendências do momento, que podem ser levadas em consideração a partir da segunda metade do século XX. Porém, existe outra definição para este termo. É afirmado que o estilo contemporâneo tem como base o estilo moderno, mas que adiciona outros elementos em sua composição. O que é mantido do moderno é a simplicidade e o que é adicionado é a mistura entre linhas retas e sinuosas, principalmente no mobiliário.
croqui
Gosto se discute, de novo…
Poltrona Mole
BÁRBARA CATTA
“Se os desenhos que eu fazia eram considerados ‘futuristas’, aquilo, então, não teria qualificação. Um pastelão de couro sobre aqueles paus era demais. Os curiosos de vitrine diziam: pra cama de cachorro está muito caro.” 1
desvio| junho 2018
48
Amargada por uma desanimadora falta de interesse do público brasileiro no de‑ sign desenvolvido, a Mole, foi reconhecida em solo nacional apenas após ganhar o prêmio Concorso Internazionale Del Mobile, na Itália, em 1961. Os próprios sócios da Oca, desacreditaram da obra sugerindo que ela fosse colocada nos fundos da loja. Porém, Sérgio observava que pessoas com certo nível cultural admiravam‑a de modo a fazer com que ele não perdesse as esperanças. Passan‑ do o tempo, com o devido reconhecimento obtido pelo sucesso no concurso italiano a procura pela cadeira expandiu‑se rapidamente. Fato curioso que pode ser relacionado com o período colonial moveleiro do séc XVII, o qual é marcado pelo valor restrito a móveis europeus. No caso de Sérgio Rodrigues, foi preciso um impulso internacional para que uma peça produzida por um brasileiro fosse reconhecida como um ícone pelos pró‑ prios brasileiros. Conclui‑se, então, a escancarada cultura cíclica de desvalorização do trabalho nacional. Sérgio buscou a identidade brasileira e para isso burlou os padrões vigentes. Em contraposição aos pés de palitos, a grossura e parrudez do ja‑ carandá brasileiro. Uma revolução no aspecto visual do que era produzido até então. Esse obstáculo prejudicou, portanto, a expansão da obra no seu primeiro momento, já que nem quem tinha uma condição financeira relativamente alta entendia‑a. Era preciso estar a par do design internacional e do até então design de pouca identidade nacional. Estando, Sérgio Rodrigues, contextualizado, ele leva os interiores e os móveis com enfoque nitidamente nos moldes brasileiros para o domínio da cultura. Munido destes conceitos, ao criar a Mole, que ganhou esse nome através operários da fábrica onde era produzida, Sérgio busca a robustez, o conforto e o convite de um sentar totalmente informal, muito característico do comporta‑ mento cariocas, com uma poltrona se molda ao corpo do usuário. Sérgio explica que para Mole chegar na versão final houveram três versões. A primeira, projetada para o estúdio do fotógrafo Otto Stupakoff, na verdade era pra ser um sofá, mas com todo conceito do “novo sentar” traduziu‑se bem a intenção numa poltrona. O problema se deu quando o fotógrafo não pode pagar pela ca‑ deira. Ela tinha um valor exacerbado que impediu‑o de pagá‑la, trocando‑a por um ensaio fotográfico. A segunda versão foi a poltrona mandada para o concurso da Itália. Já a terceira, tendo em vista a questão do custo, teve modificações cruciais sendo desmontável, para reduzir o custo de embalagem e transporte. O mobiliário de Sérgio além de ser referência nacional também é caracteriza‑ da pela funcionalidade industrial que o autor tomou o cuidado de se preocupar. Todo projeto do designer pode ser facilmente adaptado para indústria, reduzin‑ do seus custos, mantendo sua qualidade e tornando‑os mais acessíveis.
croqui 49 24
Nascido em meio a uma família consagrada de jornalistas e artistas, Sérgio Rodrigues (Rio de Janeiro, RJ, 1927 — idem, 2014), tirou o design de interiores imagem de futilidade e da exibição do status social para impulsioná‑lo dentro do domínio da cultura. Formado pela Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil (FNA ) no Rio de Janeiro, Sérgio ainda aluno, atua como professor assistente de David Xavier de Azambuja que o convida, em 1951, a participar da elaboração do projeto do Centro Cívico de Curitiba, mudando‑ se do RJ para lá. Cria a Móveis Artesanal Paranaense, em sociedade com os irmãos Hauner e em 1954, por meio deles, comanda o setor de criação de arquitetura de interiores na Forma S.A., em São Paulo. Momento o qual conhece a produção de diversos designers europeus, conhece Gregori Warchavchik e Lina Bo Bardi. A partir de 1955, com o ideal de concretizar um espaço de produção e comercialização do design brasileiro, nasce a Oca no Rio de Janeiro. Sérgio passou a representar, no design de interiores, a empolgação que a bossa nova, o cinema novo, o concretismo e o abstracionismo das artes visuais, passavam ao núcleo intelectual e cultural do Rio. Aproveitando o sucesso da Mole, Sergio Rodrigues prossegue sua criação de novos produtos para os clientes e prêmios que se multiplicavam. Recebe, em 1987, o Prêmio Lapiz de Plata na Bienal de Arquitetura de Buenos Aires pelo conjunto de sua obra. Participa de exposições como a Falando de Cadeira no MAM/RJ e em 2006 obtém em o 1º lugar na categoria mobiliário na 20 ª edição do prêmio Design com a poltrona Diz.
NOTAS 1. ZAPPA, Regina. Sergio Rodrigues O Brasil na ponta do lápis. 1. ed. Rio de Janeiro: Instituto Sergio Rodrigues, 2005.
desvio| junho 2018
AUTOR DO PROJETO
desvio| junho 2018 50
25
croqui
croqui
Espreguiçadeira Carpinteiro, Triptyque e Deliart
ERICA BORTOLETTO
A espreguiçadeira Carpinteiro é uma releitura, adaptada para o mercado, do mobi‑ liário feito por carpinteiros no canteiro de obras. Tal projeto ficou a cargo do escritó‑ rio Triptyque com sua agência de interiores III Interior Design e da empresa Deliart. “Durante as obras, enquanto fazem as formas que receberão a concretagem, esses profissionais desenvolvem e constroem mobiliários úteis ao seu dia‑a‑dia de trabalho. Em geral, são peças de um design específico, possuindo como matéria‑prima os materiais próprios da construção, como ripas, tábuas e compensado naval fixado por pregos. Desejando suprir uma função, sua técnica de fabricação é rápida e própria.” (DELAQUA, 2014) 1
51
Apesar da interessante relação do mobiliário com as particularidades da roti‑ na do canteiro de obras, existem algumas questões de troca que deveriam ser le‑ vantadas. A apropriação do dia‑a‑dia de trabalho de uma classe de trabalhadores muitas vezes desvalorizada ou não‑especializada, nos leva a questionar qual o re‑ torno que a espreguiçadeira Carpinteiro dá para essas pessoas. O próprio nome da cadeira, de certa forma, ameniza a conjuntura que carrega. Possivelmente, esse peso seria representado com maior força por “espreguiçadeira pedreiro” ou até mesmo “espreguiçadeira operário”. Entretanto, mesmo tentado‑se contato com o escritório Triptyque, o silêncio na resposta para tais problemáticas, incita ainda mais a curiosidade de entender de fato qual é o diálogo presente no produto.
O processo criativo, ao que pode ser interpretado, girou em torno de repen‑ sar o material, trazendo materiais mais “esbeltos” e “limpos”; repensar a técnica para escala industrial; pensar nos detalhes e não repensar o design. Esse último mesmo não sendo “repensado”, é consequência dos outros três processos. As‑ sim, novamente, levanta‑se outra questão: como diferenciar o caráter visual e cul‑ tural da espreguiçadeira criada pelo escritório da espreguiçadeira criada pelo car‑ pinteiros operários no canteiro de obras? A conclusão final sobre isso só poderia ser feita pelos próprios criados que participaram ativamente do processo da relei‑ tura. Contudo, a partir de uma visão distanciada do processo criativo, a questão
desvio| junho 2018
“Aqui segue a espreguiçadeira. Repensar o material. Repensar a técnica. Pensar nos detalhes. Não repensar o design, é perfeito.” (DELAQUA, 2014) 2
croqui
é passível de ser compreendida dentro das demandas do mercado, por conta da estética e da necessidade de se oferecer produtos elegantes. “[…] fabricação própria e rápida consiste em duas tábuas verticalmente alinhadas e fixadas com pregos. Produzida na cor branca e na cor original da madeira, a peça possui ainda uma manta que serve tanto para encostar a cabeça quanto para cobrir todo o corpo do móvel.” (AMORIM, 2014) 3
52
O material utilizado como ripas, tábuas navais fixadas por pregos, relativamen‑ te acessíveis, se contrapõe, com a manta da linha Dinamarquesa Kvadrat 4, colo‑ cada tanto como apoio para a cabeça e cobrir o corpo da espreguiçadeira. Tal escolha da manta, como paralelo ao estofado de poltronas e cadeiras, encarece o produto. Dessa forma, a faixa de preço confirma o público‑alvo, corporativo, e se afasta da parcela de trabalhadores que inspiraram o móvel. Por fim, a linha de mobiliário Carpinteiro lançada, há 4 anos atrás, na Office Solution, hoje, visto sua pouca repercussão, não lançou a tendência que a maioria dos produtos e obras dos escritórios já lançou. Os outros produtos da linha como bancos, armários e mesas de trabalho se encontram na mesma posição. Tal situ‑ ação é percebida pela precária quantidade de informações e publicações acerca das peças. O que leva a analisar novamente, o distanciamento entre o conceito e o produto final de mercado pode descaracterizar o sucesso de um móvel?
“ […] lançadas tendências em mobiliário corporativo. Um dos destaques da feira [15ª edição Office Solution] será marcado pelo lançamento da linha corporativa assinada por dois grandes nomes do mercado: Deliart e Triptyque.” (TOLEDO, 2014) 5
26
OS AUTORES III INTERIOR DESIGN & TRIPTYQUE
Tendo em vista que o escritório III Interior Design é a mais recente agência dedicada à arquitetura de interiores criada pela Triptyque, podemos concluir que ambas carregam a mesma história. Desde 2000, Triptyque Architecture explora ferramentas para servir a arquitetura contemporânea e sustentável e contribuir para o desenvolvimento das áreas urbanas. Agora, com sede em São Paulo e Paris, a agência criada por Grégory Bousquet, Carolina Bueno, Guillaume Sibaud e Olivier Raffaelli completa 15 anos de criação. 6 DELIART
Localizada na cidade industrial de Curitiba, a Deliart nasceu como uma indústria de móveis e metais e, hoje, abrange diversas áreas de atuação. Com mais de 40 anos de know‑how, foi fundada pelo senhor José Oliveira, que até hoje permanece na administração dos negócios ao lado de seus filhos. Versátil e dedicada a prover soluções customizadas a cada um de seus clientes, atua em diversos tipos de projetos, sempre com grande flexibilidade e expertise. Desde 2005, por exemplo, a Deliart figura entre os principais fornecedores do mercado de luxo nacional e internacional. Como reconhecimento pela excelência do seu trabalho, conquistou a homologação de grandes marcas, inclusive sendo auditada por algumas delas frequentemente. 7
53
NOTAS
Triptyque. Disponível em: <https://www. archdaily.com.br/br/755142 /carpinteirotriptyque> Acesso em: 17 mar. 2018.
3. AMORIM, Kelly. Triptyque lança linha de móveis produzidos com matériaprima da construção civil. Revista AU. Disponível em: <http://au17.pini.com.br/ arquitetura-urbanismo/design/triptyquelanca-linha-de-moveis-produzidos-commateria-prima-da-construcao-327702-1.aspx> Acesso em: 17 mar. 2018. 4 - 5. TOLEDO, Laís. Hiper Básico. Deliart e Triptyque trazem novidades em 24. Poltrona Mole Lins Brasil. 25. Espreguiçadeira Carpinteiro 26. Espreguiçadeira Carpinteiro.dobrada
mobiliários corporativos na Office Solution. Disponível em: <http://www. hiperbasico.com.br/2014/09/deliart-etriptyque-trazem-novidades-em.html> Acesso em: 17 mar. 2018. 6. TRIPTYQUE. Agência. Disponível em:<https://www.triptyque.com/agency>. Acesso em: 16 de mar. 2018. 7. DELIART, Família. Conheça mais sobre
a Deliart. Disponível: <http://www.deliart.com.br/index.php/ quem-somos/> Acesso em: 16 mar. 2018.
desvio| edição 2018
1-2. DELAQUA, Victor. Carpinteiro/
desvio| junho 2018 54
27
croqui
STEFFANY ROCHA
A cadeira Farofa é caracterizada por conseguir criar um desenho diferente em cima de um design já conhecido pelo mercado. A base do desenho apesar de muito se assemelhar com a cadeira do casal Charles e Ray Eames – DSW Fibreglass Chair –, na criação de Paulo a ortogonalidade nas dobras das bordas e a utilização de aber‑ turas no corpo da cadeira, trazem um conceito diferente à Cadeira Farofa. A cadeira foi projetada juntamente como escritório de arquitetura FGMF para um restaurante em Miami e possui um gancho na parte traseira para pendurar bolsas. O desenho ortogonal é marcado principalmente pela estrutura da cadeira. Uma espécie de contraventamento nos pés destaca uma ideia de rigidez, o que faz o usuário criar confiança ao utilizar essa peça, além de quebrar a horizontalida‑ de comumente marcada em um desenho quando se pensa numa cadeira, como conceito de um objeto feito para sentar. Outro aspecto que a torna mais confortá‑ vel, é a perfeita exploração de seu desenho racional e simétrico que busca a orto‑ gonalidade, porém mantendo o conforto, já que as dobras promovem um encaixe do usuário na peça com as angulações do assento, encosto e dobras. As medidas compreendem uma cadeira confortável para o uso diário, com exceção para utilização em escritórios, já que a ausência de estofado pode com‑ prometer a confortabilidade a longo prazo. Entretanto, numa sala de reunião ou restaurante, a cadeira poderia ser muito bem empregada. Além de seu design muito bem pensado, o que marca essa cadeira é a sus‑ tentabilidade em todas as peças da coleção, que buscam um design atemporal, conforto, resistência e preço acessível. As medidas compreendem uma cadeira confortável para o uso diário, com exceção para utilização em escritórios, já que a ausência de estofado pode com‑ prometer a confortabilidade a longo prazo. Entretanto, numa sala de reunião ou restaurante, a cadeira poderia ser muito bem empregada. Além de seu design muito bem pensado, o que marca essa cadeira é a sustentabilidade em todas as peças da coleção, que buscam um design atemporal, conforto, resistência.
croqui
Cadeira Farofa
55
AUTOR
NOTAS 1. ALVES, Paulo. Sobre nós. Site do Estúdio
Paulo Alves. Disponível em: <https://pauloalves.com.br/sobre-nos/> Acesso em: 31 mai. 2018. 27. Cadeira Farofa
desvio| junho 2018
Paulo se formou em arquitetura na USP – São Carlos. No início de carreira, trabalhou no escritório de Lina Bo Bardi e também no Instituto Bardi e integrou a primeira equipe de pesquisa a inventariar os arquivos do escritório, para a produção do livro e da exposição sobre a mestra italiana logo após a morte da arquiteta em 1990. Essas experiências de Paulo contribuíram de forma fundamental para a consolidação de seu trabalho atualmente. Essas influências são presentes tanto em seus trabalhos de design de móveis, quanto nos projetos de arquitetura desenvolvidos paralelamente. 1
desvio| junho 2018 56
28
claraboia
desvio| junho 2018
57
claraboia
claraboia
Antagonismos: a leitura de formas como imagem na cidade Da arquitetura pós‑moderna à construção personalista
desvio| junho 2018
58
ERICA BORTOLETTO
É fato que ao falar da arquitetura contemporânea nos deparamos com algumas contradições de tempo, espaço e principalmente ideias. A diversidade de edifí‑ cios projetados dentro do contexto dito contemporâneo pede que sua inserção seja feita em um recorte de tempo e espaço, assim, sendo utilizada a contem‑ poraneidade como linguagem, cada projeto diverge entre si. Entretanto, é impor‑ tante compreender a memória que carrega a arquitetura como conceito e teoria que conhecemos hoje. Para isso, vamos voltar às últimas e mais recentes mani‑ festações da arquitetura: a moderna e pós‑moderna. O modernismo, apesar de concretizado, ainda é alvo de debates quanto a ter se estabelecido como uma causa e não propriamente como um perfil estru‑ tural ou estético. A viés do modernismo do ponto de vista político se baseia em projetar edifícios e equipamentos que sirvam a todos, e assim, não por acaso, contribuiu para o crescimento também do discurso sobre apropriação da cidade como espaço público de convivência e desenvolvimento coletivo. O ideal mo‑ dernista não focou em um servir um senhor, o movimento ampliou a discussão sobre arquitetura e encaminhou a atividade projetual para o pensamento da ci‑ dade e da responsabilidade que a construção de edifícios tem com a mesma. Em consequência, tantos arquitetos adeptos ao modernismo mantêm‑se firmes ao falar que o movimento não era apenas um “estilo” e sim uma causa. Essa causa, como dito, provinha de integrar o pensamento arquitetônico ao pensa‑ mento do que era e do que seria a cidade, tal reflexão promoveu o aparecimen‑ to de projetos de cidades modelos que pensavam na morfologia urbana como um instrumento de vida social e desenvolvimento. O uso do concreto aparente se tornou muito presente na linguagem moder‑ na de modo que fosse exterminado todo tipo de ornamentação caracterizando uma natureza funcionalista. Embora, a arquitetura tenha como resultado a forma que independente do partido projetual visar a função seu produto será formal. Deste modo essa forma se vestiu principalmente de composições planares 1 e ângulos retos ‑ alguns poucos curvos que se remetiam muito mais à perfis da arquitetura do que à linguagem em si.
29
claraboia 59
desvio| junho 2018
O tempo passou e toda atmosfera política do modernismo foi se pulverizan‑ do. As obras que o movimento trouxe tão diferentes do que era visto até então ampliaram as possibilidades estéticas e estruturais na arquitetura. Tal cenário abriu caminho para novas construções reconhecidas pela forma, o pós‑moderno. Veja bem, a intenção não será definir se tal produção arquitetura com resultados gritantemente estéticos é positiva ou negativa, mas sim, passar o fato de que: o pós‑moderno abrigou arquiteturas escultóricas que por seu valor formal dia‑ logavam e retratavam muito bem a cultura mass media crescente no período. Para contextualizar o pós‑moderno é necessário lembrar que no mesmo período acontecia a entrada da Terceira Revolução Industrial, a produção em massa na arquitetura possibilitava agora além de peças pré‑fabricadas, peças exclusivas para o desenvolvimento de construções únicas – no ponto de vista quantitativo. Tal contexto tornou a forma pós‑moderna símbolo de uma arquitetura de mer‑ cado onde o foco era vender uma imagem consequentemente personificada apresentada, principalmente, nas fachadas dos edifícios. O interessante da discussão é que a escala arquitetônica é grande e pouco mutável quando se integra culturalmente à manifestações transitórias com apelo visual denso. O caso do pós‑moderno não difere disso, as manifestações artís‑ ticas em pauta na época eram a pop art e a contracultura, ambas com grande apelo visual e um forte diálogo sobre a sociedade. Os embates sobre a conse‑ quência de tais arquiteturas na cidade é claro: tamanha antipatia traduzia o valor e a responsabilidade da arquitetura como instrumento urbano. Entretanto, se arquitetura é arte como é possível renunciar seus deveres para criar obras que com um discurso crítico neguem o espaço? Ou mesmo traduzam poéticas sem compromisso algum? Como é possível engolir uma arquitetura com finalidade contemplativa e nada mais? Afinal, arquitetura de fato é arte? Ela se comporta como tal? Mas o que é arte? A linguagem pós‑moderna trouxe inquietações na arquitetura complexas e difíceis de serem esclarecidas, o conceito de arquitetura se tornou mais e mais amplo e todo o cenário de divergências nos levou à atual linguagem contemporânea.
claraboia 60
30
desvio| junho 2018
Em resumo, na transição do moderno para o contemporâneo, o pós‑moderno marcou, generalizadamente, uma arquitetura imagética, onde a desfamiliariza‑ ção 2 era o ponto chave para triunfo da obra e um perfil que perdurou nesses dois últimos períodos da arquitetura e perdura o atual é o arquiteto Ruy Ohtake.
28. Detalhe da fachada do Instituto.
Fotografia por Steffany Rocha
29. Residência Tomie Ohtake, projeto de 1966 por Ruy Ohtake.
Fotografia por Nelson Kon
30. Terraços do Edifício Maison de Mouette, projeto de 1988 por Ruy Ohtake.
Fotografia por Sergio Castro/Estadão.
claraboia 61
desvio| junho 2018
Ruy Ohtake, ao lado de Carlos Bratke, Tito Lívio Frascino e Giancarlo Gasperini, faz parte de uma geração de arquitetos que se formou na escola moderna e, entre as décadas de 70 e 80, passou à arquitetura comercial. E o curioso é que o caminho para a negação do moderno, aqui, foi a liberdade individual, supostamente emprestada da arquitetura de Niemeyer. Uma curiosa inversão, pois se tomou uma liberdade da forma que funcionava no registro moderno, para amparar uma arquitetura vazia, sem substância. Portanto, a arquitetura pós‑moderna brasileira, ou paulista, resultante desse empréstimo, não deixou de ser moderna. Não há nela os “planos‑invólucros” informes que desmontam os volumes, da arquitetura contemporânea internacional. Não há desconstrução dos espaços. Mas, sim, um pastiche de materiais sobre uma base de raciocínio que ainda é o da estrutura. O pós está só no revestimento. Por exemplo, a ênfase simbólica do projeto do Instituto Tomie Ohtake, a carambola, nada mais é que um pilar encapado. Dentro do edifício, a planta é racional. Por isso é uma arquitetura que fica no meio do caminho. (WISNIK, Guilherme para Folha de S. Paula) 3
desvio| junho 2018 62
claraboia
31
desvio| junho 2018
63
claraboia
claraboia
Ohtake, curvas e cores
desvio| junho 2018
64
BÁRBARA CATTA E STEFFANY ROCHA
O Instituto Tomie Ohtake, projeto de Ruy Ohtake, foi concebido em 1995 e a con‑ clusão de sua obra se deu em duas fases, 2001 e 2004. O edifício integra o com‑ plexo Ohtake Cultural, um grande conjunto multifuncional concentra duas torres de escritórios e um espaço cultural que agrega salas de exposições e de reuniões, ateliês, livraria, teatro e auditório 5. As atividades culturais, debates, mesas redon‑ das realizadas no “Grande Hall”, assim chamado pelo próprio autor do projeto, Ruy Ohtake se reúnem no Instituto. 4 O edifício possui dois volumes principais, um mais alto, de aproximadamente trinta andares destinado ao uso de escritó‑ rios, e outro mais largo com seis andares que compensa com a gigante torre de cores análogas. Dentro do programa temos mais três grandes galerias para expo‑ sições, quarto salas menores para desenvolver outros tipos de exposições, livraria, teatro, restaurante e loja de itens ligados à arte e cultura. As cores análogas não ficam expostas apenas na fachada do edifício. Ele‑ mentos da parte interna também contemplam esse contraste. A escada que parte do “grande hall” para o pavimento superior é o elemento mais visível que possui essas características. Além desse elemento, peças de mobiliário co‑ lorido estão espalhadas por todo o ambiente que, assim como a fachada, leva um pouco de cor em meio ao cinza. A intenção de contraste de altura entre o prédio de trinta andares com o entorno dá a forte sensação de presença marcante por formas e cores. Partindo da sombra formada pela edificação, pode‑se concluir que em dado período, sua contribuição se dá, desde sua concretização, como fator de troca com o entorno. Ou seja, devido a gigantesca sombra, muitas residências foram prejudicadas e migraram para outros lugares, resultando que um bairro estritamente residencial fosse se transformado ao longo do tempo em um bairro misto e até mesmo focado no uso comercial.
31. Fachada Instituto Tomie Ohtake.
Fotografia por Bárbara Catta.
32. Detalhe do Mobiliário no Restaurante do
Instituto. Fotografia por Steffany Rocha.
32
desvio| junho 2018
65
claraboia
claraboia
33
desvio| junho 2018
66
É incontestável a visibilidade do projeto, principalmente do Edifício Aché, em meio a paisagem paulista. Localizado na Av. Brigadeiro Faria Lima, 201, em Pinhei‑ ros, deixa totalmente evidente suas lâminas curvas e coloridas em contraste com as fachadas envidraçadas e o cinza característico da região. A intenção de modificar o desenho comum encontrado na cidade foi alcançada com sucesso com esse com‑ plexo diferente de tudo que já foi visto e a justificativa dada por Ruy é: “um prédio dessa escala deve atrair o público” 6 e “é um ponto bastante estratégico, onde recebem gente de diferentes regiões da cidade e com diferentes status sociais.” 7 Ruy imprime em seus traços as curvas das obras de sua mãe, Tomie Ohtake, que também dá origem ao nome do edifício. As obras do arquiteto provavam opiniões divergentes. Choca negativamente em sua grande maioria. O Institu‑ to Tomie Ohtake, por exemplo, considerando apenas o exterior e não levando em consideração as intenções do arquiteto, mais parece uma obra aleatória, sem justificativa e kitsch. A experiência no interior do edifício, porém, é algo que con‑ trasta com tudo dito antes. O artista usa das boas e sólidas alternativas arquitetô‑ nicas para proporcionar bons ares. Ele desacelera o visitante, que vem carregado pela agitação da avenida, e logo no início da experiência, próximo a entrada en‑ contra uma escada que possui uma “quebra” intencional que obrigada o usuário a diminuir o ritmo de descida e subida assim contemplando o espaço.
33. Escada e guarda-corpo que descem
das galerias do Instituto.Fotografia por Steffany Rocha. 34. Escada que parte do “grande hall”. Fotografia por Steffany Rocha.
claraboia 34
AUTOR DO PROJETO RUY OHTAKE (São Paulo, 1938) Filho da artista plástica, Tomie Ohtake, Massashi Ruy Ohtake nasceu em 1938 na cidade de São Paulo. Formado na FAU‑ USP, onde foi aluno de Vilanova Artigas, e ligado à escola paulista, Ohtake é reconhecido por um arquitetura cenográfica que por muitas vezes trazem como referência as obras de sua mãe. Foi professor na USP, na Universidade Mackenzie e na FAU ‑Santos. Hoje suas obras mais conhecidas são: Parque Ecológico do Tietê, em São Paulo; a embaixada brasileira em Tóquio; os hotéis Renaissance; o hotel Unique e o Instituto Tomie Ohtake. Segundo Ruy, seus projetos procuram dar continuidade à arquitetura moderna brasileira, criando volumes de formas arrojadas, até mesmo polêmicas, projetadas de acordo com técnicas que ele incorpora e adapta às suas necessidades. 8
67
NOTAS
2. DUARTE, Rovenir Bertola. 6= 6? Caminhos, reflexões e o tempo da arquitetura contemporânea. Arquitextos, São Paulo, ano 11, n. 124.08, Vitruvius, set. 2010.
Disponível em: <http://vitruvius.com.br/ revistas/read/arquitextos/11.124/3573>. Acesso em: 27 mai. 2018.
3. WISNIK, Guilherme. Ruy Ohtake toma liberdade formal para amparar vazio. Pós–
moderno, nos projetos do arquiteto, fica só no revestimento. Arquitetura, São Paulo. Folha de S. Paulo, Ilustrada, mar. 2013. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/ fq 0803200324.htm> Acesso em: 30 mai. 2018. 4. Anual Design. Ruy Ohtake. Disponível
em: <https://anualdesign.com.br/saopaulo/ profissionais/ruy–ohtake/> Acesso em: 31 mai. 2018. 5 - 6. SERAPIÃO, Fernando. Ruy Ohtake: Ohtake Cultural, SP: Um Marco Urbano Para São Paulo. Projeto Design, edição 295. ArcoWeb. Disponível
em: <http://www.arcoweb.com.br/projetodesign/ arquitetura/ruy–ohtake–complexo–de–22– 09– 2004>. Acesso em: 30 mai. 2018. 7. OHTAKE, Ruy. Conheça o Instituto Tomie Ohtake. 2015. Disponível em: <https://www. youtube.com/watch?v=mFWyOl9mLPY> Acesso em: 21 mai. 2018. (6min) 8. MELENDEZ, A.; MOURA, E.; SERAPIÃO, F. Entrevista: Ruy Ohtake. “O Arquiteto Precisa
Ter Sua Postura Desde O Início”. ArcoWeb, publicada originalmente em Projeto Design. Edição 272. Disponível em: <http://www. arcoweb.com.br/projetodesign/entrevista/ruy– ohtake– 01–10 –2002> Acesso em: 31 mai. 2018.
desvio| junho 2018
1. WISNIK, Guilherme. Guilherme Wisnik: A Formação do Pós–Modernismo – Aula 1. 2014. Disponível em: <https://youtu.be/OCu7_b_ PTHY> Acesso em: 19 mai. 2018. (117 min)
desvio
“diálogos sobre a democracia” JUNHO 2018
CRÉDITO DAS IMAGENS
Capa: Obra do Artista Leonilson. 01. Fotomontagem por Vinicius Furukawa 02. Edifício Wilton Paes de Almeida, 1968 -2018. Reddit através do site Evil
68
Buildings. Disponível em: <http:// evilbuildings.com/index.php/2017/12/19/ abandoned-sao-paulo-1960s-office-buildingoverrun-with-squatters-edificio-wilton-paesde-almeida-it-was-most-recently-used-bybrazils-federal-police-until-they-left-in-20/#. WxD6G0iUvIU> Acesso em: 01 jun. 2018. 03. Capa do livro The Naked City que trata
sobre o urbanismo situacionista onde a forma da cidade é construída pela interpretação de seus usuários. Ilustração de L ’Hyphotése des Plaques. Disponível em: <https://mitrayectancia. wordpress.com/2017/03/21/perdidos-en-laciudad-de-valencia/> Acesso em: 31 mai. 2018. 04. Camiseta de militante. Felipe Prestes.
Disponível em: <https://andradetalis.wordpress. com/2012/01/31/massacre-do-pinheirinho-psdbde-sao-jose-dos-campos-recebeu-r427-mildo-ramo-imobiliario-em-2008/> Acesso em: 01 jun. 2018. 05. Manifestação FLM - Frente de Luta por Moradia. FLM. Disponível em: <https:// praxisteoria.wordpress.com/2016/10/31/semtetos-ao-combate/> Acesso em: 01 jun. 2018. 06. Fachada virada para rua Conselheiro
desvio| junho 2018
Crispiniano. Fotografia por Victor D’Agostino. 07. Interior da praça. Fotografia por Bárbara
Catta
08. Pilar que sustenta a rampa principal do museu Afro-Brasil. Fotografia por Bárbara Catta. 09. Frame do vídeo: As Rolezeiras. Eu
sou Rolezeira. Nós somos Rolezeiras. Disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=RQxT381h7ac> Acesso em: 20 maio
2018.
10. Lado direito do pavilhão. Mistura entre
arquitetura e natureza. Fotografia por Bárbara Catta
11. Fachada museu AfroBrasil. Fotografia por
Bárbara Catta
12. Escada helicoidal. Fotografia por Bárbara
Catta
13. Retrato de Luiz Telles. Foto de Divulgação.
Disponível em: <http://www.arquivo.arq.br/luiztelles> Acesso em: 31 mai. 2018.
14. Utilização do espaço por um grupo de
mulheres. Fotografia por Steffany Rocha.
15. Retrato de Luiz Telles. Fonte: Fran Parente.
Disponível em: <https://casa.abril.com.br/casasapartamentos/conheca-a-historia-do-centrocultural-sao-paulo/#5> Acesso em: 31 mai. 2018. Fotografia por Steffany Rocha.
16. Retrato de Luiz Telles. Fonte: Foto de
Divulgação. Disponível em: <http://www. arquivo.arq.br/luiz-telles> Acesso em: 31 mai. 2018.
17. Curvatura do forro e sua relação com as
vigas. Fotografia por Steffany Rocha.
18. Extensão do terraço que cria um passeio
coberto na calçada. Fotografia por Steffany Rocha.
19. Terraço jardim. Fotografia por Steffany
Rocha.
20. Escada que dá acesso ao terraço jardim.
Fotografia por Steffany Rocha.
21. Encontro entre o pilar de aço e as vigas de
concreto. Fotografia por Steffany Rocha.
22. Frame do videoclipe Na Vibe da Mc Loma e as Gêmeas Lacração. Foto de divulgação.
Disponível em: <https://www.otvfoco.com. br/apresentador-diz-que-mc-loma-exigiuhelicoptero-para-se-apresentar-na-tv-ecantora-se-pronuncia/> Acesso em: 31 mai. 2018.
Castro/Estadão. Disponível em: <http://fotos. estadao.com.br/galerias/divirta-se,divirtase-10 -edificios-iconicos-de-sao-paulo-e-oque-fazer-perto-deles,32084> Acesso em: 30 mai. 2018.
23. Frame do videoclipe Então Vai de Pabllo Vittar. Foto de divulgação. Disponível em: <http://www.purepeople.com.br/noticia/pabllovittar-beija-diplo-e-surgem-sem-producao-emclipe-entao-vai-assista_a214315/1> Acesso em: 31 mai. 2018.
31. Fachada Instituto Tomie Ohtake.
<http://www.linbrasil.com.br/site/portfolio/ poltrona-mole/?lang=p> Acesso em: 18 mar. 2018. 25. Espreguiçadeira Carpinteiro. Cortesia
de Triptyque para Archdaily. Disponível em: <https://www.archdaily.com.br/br/755142/ carpinteiro-triptyque> Acesso em: 21 mai. 2018. 26. Espreguiçadeira Carpinteiro dobrada.
32. Detalhe do Mobiliário no Restaurante do
Instituto. Fotografia por Steffany Rocha.
33. Escada e guarda-corpo que descem das galerias do Instituto. Fotografia por Steffany Rocha. 34. Escada que parte do “grande hall”.
Fotografia por Steffany Rocha. Fotografia por Steffany Rocha.
COORDENAÇÃO EDITORIAL
Bárbara Catta Erica Bortoletto
Cortesia de Triptyque para Archdaily. Disponível em: <https://www.archdaily.com.br/ br/755142/carpinteiro-triptyque> Acesso em: 21 mai. 2018.
DESIGN GRÁFICO
27. Cadeira Farofa. Lucas Rosin. Disponível em: <https://pauloalves.com.br/produtos/ assentos/cadeira-farofa/> Acesso em: 31 mai. 2018.
Erica Bortoletto
28. Detalhe da fachada do Instituto.
Fotografia por Steffany Rocha.
29. Residência Tomie Ohtake, projeto de 1966 por Ruy Ohtake. Nelson Kon. Disponível
em: <http://www.arquivo.arq.br/residenciatomie-ohtake> Acesso em: 30 mai. 2018.
30. Terraços do Edifício Maison de Mouette, projeto de 1988 por Ruy Ohtake. Sergio
69
Bárbara Catta REVISÃO
PRODUÇÃO EDITORIAL
Bárbara Catta Erica Bortoletto Fernando Ribeiro Steffany Rocha Victor D’Agostino
desvio é uma publicação independente que sai três vezes por ano: janeiro, junho e novembro. Este livro foi impresso em Papel Pólen Bold 90g/m2 pela gráfica Bm3 em 2018.
desvio| junho 2018
24. Poltrona Mole Lins Brasil. Disponível em:
Fotografia por Bárbara Catta.
desvio| junho 2018 70
desvio| junho 2018
71
desvio| junho 2018 72