Danilo Angrimani
(ilustrações Wilma Darienzo)
Fumeta, o dragão herói
Copyright 2010 by Danilo Angrimani Ilustrações: Wilma Darienzo Diagramação: Francis Jonatan de Lima Dados internacionais de Catalogação: Angrimani, Danilo Nome do Livro: Fumeta, o dragão herói São Bernardo do Campo: Escritório de Mídia, 2010. ISBN: 978-85-60891-12-2 Literatura Brasileira 2010 Todos os direitos desta edição reservados a Danilo Angrimani EDITORA ESCRITÓRIO DE MÍDIA Rua Jônio, 12, sala 17 – CEP. 09750-340 - São Bernardo do Campo – SP Telefone: (11) 4123-8159
Fumeta, o
her贸i
CapĂtulo 1
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ra uma vez, há muitos e muitos anos atrás, quando os bichos falavam e os sonhos se transformavam em realidade, um dragão que se chamava Fumeta. Tinha um longo rabo. Uma cabeça grande, dentes afiados e uma língua bem comprida, dividida em duas partes na ponta, igual a essas línguas que a gente vê nas cobras. Sua cor era meio esverdeada-avermelhada, como uma manga. Os olhos vermelhos pareciam o Sol no final da tarde.
Fumeta vivia na floresta. Ele era um dragão bem amistoso, gostava das pessoas, mas não podia viver na cidade, porque cada vez que ele falava saía muito fogo pela boca. A comida preferida de Fumeta era pimenta vermelha, daquelas bem ardidas. O sonho de Fumeta era viver na cidade, perto das pessoas e das crianças, mas todo mundo tinha muito medo dele. Os humanos não confiavam nos dragões.
Até que um dia apareceram duas crianças na vida de Fumeta. 7
Manezinho e Margarida eram irmãos e passeavam na floresta para apanhar margaridas. Margarida era uma menina que gostava da flor margarida. As duas margaridas não eram parentes, porque gente é gente e flor é flor, embora possam ter o mesmo nome. Manezinho andava sempre de calça curta, camisa listrada, óculos redondos e usava o cabelo bem aparado. Ele era muito esperto, mas fazia muitas perguntas. Ele queria saber tudo. Por exemplo, se alguém falava que tinha escovado os dentes, ele começava a perguntar:
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- Por que você escovou os dentes?
- Por que você tem dentes?
- Quantas vezes você escova os dentes por dia?
- Por que sua escova é azul?
E era assim, sem parar, até deixar a outra pessoa muito irritada.
Já sua irmã, Margarida, gostava muito de flores, principalmente, de colher margaridas na floresta. Ela pegava margaridas de todos os tamanhos: pequenas, médias e grandes. Margarida usava vestidos cor-de-rosa. Tinha duas trancinhas e óculos que também eram cor-de-rosa, para combinar com o vestido. Margarida era mais velha que Manezinho. Ela tinha 10 anos, dois a mais que o irmão, que tinha oito. Os dois iam andando pela floresta, fazendo um barulho de “plesh, plesh, plesh”, quando pisavam nas folhas secas que forravam o chão. Manezinho perguntava para a irmã uma porção de coisas, sem dar tempo para ela responder:
- Porque as árvores têm folhas? 9
- Por que as folhas caem?
- Quem coloca outras folhas no lugar?
- Por que a cidade estĂĄ na cidade e a floresta, na floresta?
- Quem plantou a cidade na cidade?
Margarida nem ligava e ia colhendo margaridas.
De repente, os dois irmĂŁos viram um bicho estranho, muito estranho, aparecer entre as ĂĄrvores.
CapĂtulo 2
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O
bicho era grande. Tinha olhos arregalados e se moviam bem devagar, como um ônibus no meio do congestionamento. O bicho olhou para Manezinho e Margarida e disse:
- Oi, quem são vocês?
O problema é que, quando ele falou, saiu uma baforada de fogo. Os dois precisaram pular para o lado, enquanto o fogo queimava a vegetação.
- Eu sou o Manezinho – disse o menino.
- E eu, a Margarida – disse a menina.
O dragão deu um sorriso de contentamento ao ver que eles não fugiam e também se apresentou:
- Meu nome é Fumeta. Quando eu era pequeno, minha mãe me chamava 13
de Fumeta, o dragão capeta.
Depois, mudando de assunto, o dragão quis saber:
- Vocês não têm medo de dragão?
- Não – disse a menina – a gente está cansada de ver dragão na televisão. Você não assiste televisão?
O dragão virou o focinho para o lado e disse:
- Aqui, na floresta, não tem TV, nem rádio, nem videogame.
- E como você se diverte? – perguntou Manezinho.
- A gente dá risada com os peixes, fazendo acrobacias no rio, com os ursos fugindo das abelhas e com os passarinhos dançando no fim da tarde. Mas, eu acho que a televisão deve ser muito legal. 14
As crianças conversaram bastante com o dragão Fumeta. Elas saltavam de um lado para o outro, fugindo do fogo que saía da boca do dragão.
- O que você come, Fumeta? – se interessou Manezinho.
- Pimenta – disse Fumeta – Eu só como pimenta vermelha.
- Bleh! – fez uma careta Margarida.
- Adoro pimenta – completou o dragão.
Margarida estava com a cestinha cheia de margaridas. Ela ofereceu algumas para o dragão. - Por que você não prova uma margarida? Deve ser gostosa – disse a menina.
- Você já comeu? – perguntou Fumeta. 15
- Não, seu bobo. Eu sou criança. E criança não come flor, nem bebe detergente e nem bebida de gente grande. Fumeta aceitou a oferta da menina e provou uma margarida. Seus olhos se iluminaram. Ele adorou o petisco. Pediu mais e mais. Acabou comendo todas as margaridas do cestinho de Margarida. No final da tarde, as crianças foram embora, prometendo voltar no dia seguinte.
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E
foi o que aconteceu.
Manezinho e Margarida vinham toda tarde e conversavam bastante com o dragão, que agora tinha trocado sua dieta de pimentas e só comia margaridas.
Uma tarde, ele começou a contar uma história para as crianças, quando, ao invés do fogo, saiu um perfume agradável de flores de sua boca. O dragão lembrava um carro alegórico de escola de samba, lançando perfume nos carnavalescos.
Manezinho foi o primeiro a notar e foi logo perguntando:
- Por que não sai mais fogo da sua boca?
- Por que você solta perfume agora e não aquele fogaréu?
O dragão não entendia o que estava acontecendo. Margarida deu uma 19
explicação provável para o fenômeno: - Talvez seja porque você parou de comer pimentas e agora só come margaridas. O dragão, passado o espanto, ficou feliz com a novidade. Agora, ele podia ir para a cidade, onde conversaria bastante com as pessoas, veria televisão e se divertiria contando histórias para as crianças. - Será que eu poderia ir para a cidade com vocês? – ele perguntou para Manezinho e Margarida.
A menina respondeu :
- É claro, venha junto com a gente. Nós apresentaremos você para os nossos amigos e você vai ver como é divertida a vida na cidade. 20
E ela insistiu:
- Venha! Acompanhe a gente! Venha logo.
Fumeta achou a ideia boa e se pôs a caminho da cidade, junto com as crianças. Ele estava ansioso e bastante feliz.
Ia cantando pelo caminho:
“Eu sou o dragão capeta
Vou ao lado do pirata perneta/
Rumo à ilha do tesouro encanto/
Tomar bastante chocolate gelado”.
ele.
Manezinho e Margarida gostaram da música e também cantavam com
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Assim, em pouco tempo, eles se aproximaram da cidade.
Estavam felizes e despreocupados. Não imaginavam, porém, os problemas que enfrentariam quando chegassem lá.
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umeta era grande como um caminhão carregado com outro caminhão por cima.
Por isso, o primeiro problema aconteceu quando eles foram atravessar um túnel. O dragão entalado. Não ia nem para frente, nem para trás. Com muito esforço, ele conseguiu se mexer e derrubou metade da parede do túnel. Depois, afundou uma ponte. Entrou no jardim da dona Joana e comeu todas as margaridas. Na rua, ficou cansado e sentou. Em cima do carro do prefeito. O carro virou uma miniatura e o prefeito quase desmaiou, quando viu o que tinha acontecido.
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Mas o pior estava para acontecer. Todas as pessoas, quando viam o dragão, ficavam apavoradas. Saíam correndo. Gritavam muito, se escondiam dentro das casas e fugiam como se nunca tivessem visto um dragão. Manezinho e Margarida não saíram de perto do dragão, com medo de que ele fosse embora. Os dois irmãos levaram Fumeta para casa. Tentaram colocá-lo dentro da sala, mas ele não passou pela porta. O pai de Manezinho e Margarida colocou os óculos e, quando viu que tinha um dragão com a cabeça enfiada na porta da frente de sua casa, vendo televisão, deu um grito tão forte, mas tão forte, que derrubou até a vizinha que cochilava em uma poltrona, na varanda da casa ao lado.
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A mãe de Manezinho lia um livro. Quando ela viu o dragão, atirou o livro em direção ao bicho. Errou o alvo. Atingiu a cabeça de Manezinho, que caiu estatelado no chão e começou a fazer pergunta atrás de pergunta, como um gravador com defeito:
- Qual é o meu nome?
- Quem são vocês?
- Como eu vim parar aqui?
- Quem é esse sujeito esverdeado?
Depois se lembrou de tudo.
O pai não conseguia falar e a mãe queria gritar, mas a voz não saía. Demorou muito até que Margarida explicasse para os pais que o dragão era bonzinho. 28
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- Ele se chama Fumeta – disse a menina – É um dragão que quer ver televisão, gosta de flores e de crianças. A vizinha, que tinha caído da poltrona, havia chamado a polícia, os bombeiros e o exército. Em poucos minutos, havia milhares de pessoas na frente da casa de Margarida e Manezinho. Veio a TV, o rádio e a imprensa. O prefeito estava irritado, porque o dragão tinha destruído seu carro. Mas ele era político e os políticos geralmente mudam de opinião e de lado, com a mesma constância das estações do ano. Quando ele viu que o dragão era realmente um dragão, em carne e escamas, todo colorido, e não um simples efeito especial gigantesco, ficou amigo de Fumeta e, em nome dos moradores, disse que o dragão era bem-vindo na cidade. 30
Fumeta virou uma atração.
Todos queriam vê-lo.
Passar a mão em suas escamas.
Seu Dorival mudou o nome de seu supermercado que passou a se chamar Superfumeta. Seu Andrade, dono do banco, construiu um abrigo para o dragão e, com o apoio do dono do supermercado e do prefeito, passou a cobrar dos turistas que queriam conhecer o dragão.
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A
cidade, que não era muito grande, viu sua população triplicar. Vinha gente de todo o país e de outros lugares do mundo para conhecer o dragão. Muita gente descobriu que o dragão era também uma forma de ganhar dinheiro. Vendiam-se brinquedos, canecas, pratos, camisetas, chinelos e muitas outras coisas com a marca do dragão.
Enquanto alguns ficavam ricos com a visita do dragão, Fumeta era o único que parecia infeliz nessa história.
A vida dele ficou chata.
Ele ficava acorrentado, como se fosse um elefante de circo. Não podia mais passear pela floresta e nem tinha tempo de conversar com as crianças. Seu Dorival, seu Andrade e o prefeito estavam cada dia mais ricos e barrigudos. Os turistas não eram muito de conversar. Só queriam saber de bater fotos e logo iam embora. 35
Fumeta estava quase cego de tantos flashes que batiam diante de seus olhos, o tempo inteiro. As crianças que apareciam por ali eram muito malcriadas e atiravam pipocas, bolas de papel e latas de cerveja no dragão, que não podia se defender, porque estava com os pés acorrentados. Só podia assistir TV à noite, quando exibiam jornais, programas chatos e nenhum desenho animado. Fumeta ficava irritado. Queria derreter as correntes e fugir dali. Mas de sua boca saía apenas um hálito agradável de flores.
Todas as noites, ele chorava.
Tinha saudades da calma da floresta. Sentia falta de tomar banho de rio e comer pimenta vermelha. Sentia falta da dança dos passarinhos no final 36
da tarde, do malabarismo dos peixes no fundo do rio e sorria triste quando se lembrava dos ursos fugindo das abelhas. Uma noite, enquanto ele derramava grossas lágrimas esverdeadas, Margarida e Manezinho apareceram na tenda, que lhe servia de abrigo. Margarida se sentia culpada pela infelicidade do amigo e manezinho fazia muitas perguntas, como de costume;
- Por que você está chorando?
- Por que seus pés estão acorrentados?
- Por que você não foge?
Margarida chorou junto com o dragão.
Quando tentava consolar o amigo, teve uma ideia. 37
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- Espera aí, eu já volto – ela gritou, enquanto arrastava o irmão pela mão e saía correndo para fora da tenda.
O dragão só podia mesmo esperar, acorrentado do jeito que estava,
Naquela noite e nas seis noites que se seguiram, ela e Manezinho trouxeram milhares de pimentas vermelhas para Fumeta, que comia com prazer e ficava mais forte e mais corajoso. Uma semana depois, ele se sentia tão bem disposto que nem mesmo os flashes das máquinas fotográficas dos turistas conseguiam acabar com seu bom humor. Macedo, o filho do prefeito, era um menino muito mal-educado. Ele sentia prazer em provocar o dragão e deixá-lo furioso. Macedo tinha um estilingue e, sempre que podia, ia até a tenda onde o dragão estava acorrentado, para disparar pedradas em Fumeta, que não podia se defender. 39
Aquele dia foi quase igual aos anteriores. Macedo acertou uma pedrada na cabeça de Fumeta e, quando preparava a atiradeira para disparar a segunda pedrada, Fumeta abriu a boca, gritou de dor e aà aconteceu um fato surpreendente.
O fogo queimou a corrente que o prendia e derreteu o ferro.
Fumeta se libertou das correntes e fugiu para a floresta. Antes disso, porĂŠm, sentou em cima do novo carro do prefeito, queimou o dinheiro do banco do seu Andrade e acabou com o estoque de pimentas vermelhas do supermercado do seu Dorival.
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CapĂtulo 6
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prefeito ficou furioso mais uma vez. Só que agora ele queria tirar a pele do dragão. Seu Andrade e seu Dorival juntaram um grupo de caçadores e prometeram dar muito dinheiro para aquele que trouxesse o dragão:
- Vivo ou morto! – esbravejavam.
Os caçadores se armaram com rifles, pistolas, metralhadoras, lançafoguetes e até canhões. Entraram na floresta, dispostos a qualquer coisa para conseguir capturar o dragão e conquistar a recompensa oferecida por seu Andrade e seu Dorival. Enquanto isso, Margarida e Manezinho ajudavam o dragão a se disfarçar e conseguir assim escapar dos caçadores, que já o procuravam por todo canto da floresta.
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Manezinho e Margarida disfarçaram Fumeta de árvore, de pedra e até de elefante. Para transformar o dragão em elefante, eles adaptaram uma mangueira de água no nariz do dragão. Quando os caçadores passaram pelo dragão disfarçado de elefante, pararam e perguntaram para as crianças se elas tinham visto o dragão. Margarida e Manezinho disseram que não com um movimento de cabeça e acrescentaram:
- Só achamos esse elefante passeando.
- Belo elefante – disse um dos caçadores.
- É mesmo – disse outro.
Fumeta ficou escondido por muitos dias.
Os caçadores acertaram tiros em macacos, leões, girafas e até em outros caçadores. Na verdade, tudo que se movia era confundido com o dragão. Os 44
caçadores, de olho no dinheiro da recompensa, não pensavam duas vezes antes de disparar suas armas. Era tiro pra tudo quanto era lado. Depois, o tempo passou. Os caçadores foram voltando aos poucos para casa e a cidade retornou a sua rotina de sempre. Seu Dorival mudou o nome do supermercado, que deixou de se Superfumeta e passou a se chamar Supermercado do Dorival. Seu Andrade mandou desmontar o abrigo que tinha construído e o prefeito lastimou a fuga do dragão, porque sem dragão, não havia turistas, e sem turistas a cidade deixava de arrecadar muito dinheiro.
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CapĂtulo 7
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umeta estava feliz de volta à floresta. Dormia sob a sombra das árvores. Tomava banho de rio e passeava por campos cobertos de margaridas e pimentas vermelhas.
Mas o dragão, ás vezes, sentia falta das crianças e de ver televisão. Então, ele se disfarçava de elefante e ia visitar Margarida e Manezinho lá na cidade.
Foi numa dessas visitas que aconteceu uma coisa terrível.
As crianças estavam brincando de pega-pega na rua, quando apareceu lá no alto da montanha um pterodáctilo gigante. O dinossauro de asas e bico comprido mergulhou com suas garras afiadas, agarrou duas crianças e saiu voando, gritando “crau, crau, crau”, que em linguagem de dinossauro significa: “Hum, que lanche gostoso”. O dinossauro retornou lá para o alto da montanha, onde tinha feito seu ninho.
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Um dos meninos raptados pelo pterodáctilo era Manezinho e o outro, Macedo, o filho malcriado do prefeito. A cidade ficou em polvorosa. Todo mundo correu para a casa do prefeito, onde também estavam os pais de Margarida e Manezinho. Margarida chorava em desespero e falava: - Coitadinho do meu irmãozinho, vai virar comida de dinossauro. Buá! Buá! Buá! Os caçadores se reuniram novamente e tentaram subir a montanha, mas ela era muito íngreme, muito alta, cheia de pedras que se soltavam e tornavam a subida praticamente impossível. Somente um alpinista muito experimentado conseguiria escalar aquela montanha, onde o dinossauro tinha feito seu ninho.
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Depois de muitas tentativas, os caçadores desistiram de subir.
Não havia mais nada para se fazer.
Nada, a não ser chorar e sentir pena das duas crianças que estavam lá em cima no ninho do pterodáctilo.
Fumeta também chorava, coitado, ele que gostava tanto do Manezinho.
Fumeta chorava e se engasgava, com o disfarce do elefante.
O prefeito lastimava a perda do filho e lembrava a falta que fazia o dragão para cidade: - Ah, meu filho querido, a essa hora já deve estar no bico daquele dinossauro terrível. Se pelo menos aquele dragão estivesse aqui para nos defender, isso não teria acontecido... Aí Margarida se lembrou de algo importante: o elefante que estava ao lado dela não era elefante coisa nenhuma, mas um dragão, o Fumeta, o dragão 51
capeta. E se lembrou também de outra coisa importante: dragão tem asas e, com um pouco de prática, aprende a voar. - Gente! – ela gritou – o dragão está aqui! Ele pode salvar o meu irmão e o filho do prefeito.
As pessoas olharam com desconfiança para ela:
- Aqui não tem dragão, menina – disse seu Dorival – você não está vendo que é só um elefante. - Não, ele não é elefante. Ele é o Fumeta – assim dizendo, Margarida tirou o disfarce do focinho do dragão e todos viram que Fumeta estava ali mesmo, junto deles. 52
- Oooooooohhhhhh! – as pessoas exclamaram, admiradas e surpresas.
Fumeta se preparou. Tirou as asas para fora. Bateu várias vezes as asas. Saiu correndo, correndo, até pegar bastante velocidade para decolar com segurança.
Correu pela rua.
Correu bastante e foi levantando voo. Aos poucos. Bem devagarinho. Fumeta não estava acostumado a voar. Por isso, ele passou bem perto de uma casa, tão perto, que arrancou a antena de televisão, que, naquela época, tinha formato de espinha de peixe e era colocada no alto dos telhados das casas. A antena caiu em pedaços no chão. Em seguida, Fumeta foi ganhando altura, ganhando altura, subindo bem alto, tão alto, tão longe que as casas e as pessoas e as árvores ficaram desse tamanhinho, assim, como se fossem de brinquedo, bem pequenininhas. Fumeta subiu perto das nuvens e foi se aproximando da montanha, onde estava o pterodáctilo. 53
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dinossauro voador estava se preparando para almoçar Manezinho. Tinha lavado as mãos. Colocado um guardanapo no peito e posto uma pitada de sal no irmão de Margarida. Pôs também pimenta, o que fez Manezinho espirrar. Abriu o bico. Ia morder, morder bem forte, com vontade de quem tem muita fome, quando, de repente, surgido sabe lá de onde, apareceu Fumeta, o dragão herói. O pterodáctilo, surpreso com a visita inesperada, saiu também voando, deixando seu almoço para depois. Aí o que se viu foi uma luta muito violenta. O dragão e o pterodáctilo lutaram para valer, se enroscaram, se morderam, numa luta de vida ou morte. Manezinho assistia a briga e perguntava para Macedo, que estava mudo e não falava de tanto medo que sentia. 56
- Por que eles estão lutando?
- Quem está ganhando?
- O que a gente faz aqui em cima?
- Por que estou coberto de sal e pimenta?
- Essa briga vai aparecer na TV?
Macedo nada dizia. Os olhos esbugalhados parecia não acreditar no que estava vendo.
A luta durou horas e horas.
Cansado de tanto bater suas asas para se manter no ar, ainda não acostumado com as alturas, Fumeta foi cedendo espaço para o dinossauro comedor de criancinhas. 57
Numa de suas investidas cruéis, o pterodáctilo deu uma mordida profunda no pescoço de Fumeta.
O dragão sentiu que ia morrer.
Mesmo assim, continuou lutando e conseguiu acertar uma rabada na cabeça do pterodáctilo que ficou tonto e quase desmaiou. Com muito esforço, o dragão reuniu todas as suas forças e – mais que isso – se lembrou que era um dragão e que os dragões cospem fogo pela boca. Fumenta, então, respirou fundo, encheu os pulmões de ar. Olhou bem nos olhos cruéis de seu inimigo e lançou a maior labareda que já tinha saído de sua boca.
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O fogo foi tão forte que parecia vir de uma estrela.
O pterodáctilo desapareceu nas chamas.
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Caiu, como se fosse um avião de guerra, abatido em combate que vai para o chão irremediavelmente, em meio a uma nuvem de fumaça escura. Depois de derrotar o dinossauro, o dragão voou até o ninho e agarrou Manezinho com a boca, tomando muito cuidado para não machucar o menino. Desceu e foi recebido com muitas palmas e ovações pelos moradores, com exceção do prefeito que ordenava:
- Volte lá na montanha e pegue meu filho, sua solda ambulante esverdeada.
E da dona Joana que ainda não tinha esquecido a destruição do seu jardim:
- E tome cuidado quando descer, seu comedor de margaridas.
Com muito esforço, ferido, Fumeta foi voando, voando e chegou mais uma vez, onde era o ninho do pterodáctilo. Pegou Macedo, que tremia de medo, 60
e o conduziu com segurança até o vilarejo.
As pessoas gritavam.
Aplaudiam.
Vibravam muito com a chegada do herói que tinha salvado as duas crianças.
- Viva o Fumeta! Viva o dragão herói! – as pessoas gritavam, emocionadas.
- Fumeta! Fumeta! Fumeta! – diziam outros.
- O Fumeta é o maior! – aplaudiam as crianças.
O pobre Fumeta estava muito ferido. Não conseguia mais se mover de tanta fraqueza.
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Foi fechando os olhos, fechando os olhos, enquanto Margarida e Manezinho e todas as crian巽as o rodeavam e pediam, chorando muito:
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- N達o morra, Fumeta. N達o nos abandone, por favor.
- N達o morra!
CapĂtulo 9
M
argarida providenciou um curativo à base de cogumelos verdes, cascas de árvores e creme de menta. O dragão chorava muito.
Margarida dizia:
- Não adianta chorar, porque é para seu próprio bem. Logo, logo, você vai estar melhorzinho. O dragão reclamava. Chorava. Mas Margarida agia com firmeza e cuidava direitinho de Fumeta. Daniel, o veterinário, costurou o pescoço machucado do dragão com linha de pesca.
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Seu Ribeiro, o farmacêutico, forneceu remédios.
Toda a cidade ajudou a cuidar do dragão herói.
Um trazia comida. Outro dava ganho. Tinha sempre alguém que vinha lhe fazer companhia. Fumeta foi se recuperando, ficando bom, ganhando apetite e disposição. O prefeito, seu Andrade e seu Dorival já faziam planos para o futuro. Planejavam construir uma cidade – a Dragolândia – que seria um parque de diversões temático gigantesco. Construiriam também um Dragotel, que abrigaria milhões de visitantes por ano; além de um restaurante que iria se chamar apropriadamente de Au Dragon Gourmand. Milhares de lojas iriam vender lembranças, eletrodragos (aspiradores, ventiladores, liquidificadores, com a forma de um dragão), dragogames, dragocomputadores, dragoalimentos para cães, gatos e morcegos. 65
Não havia limites para os sonhos milionários dos três homens.
Já Fumeta se recuperou depressa. Ficou novo em folha, ou melhor, em escamas depois de comer muitas verduras e frutas, além de suas inestimáveis pimentas vermelhas. Assim que Fumeta soube dos planos dos três personagens ilustres da cidade, não perdeu tempo e foi embora para a floresta. Fumeta não queria mais se sentir um bicho de zoológico, preso, acorrentado, infeliz. Estava a fim de passear. Gozar as boas coisas da vida, que são grátis, como tomar banho em uma cachoeira refrescante, acordar cedo e passear pelos campos desertos. Ser feliz. As crianças ficaram muito tristes, especialmente Macedo, o filho do prefeito.
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Macedo parecia arrependido de ter atirado pedras no dragão indefeso. Agora, queria o dragão por perto. Na verdade, ele tinha medo de ser atacado novamente por outro pterodáctilo comedor de criancinhas. Macedo reclamou tanto, pedindo que o dragão voltasse, mas tanto, que o pai mudou de ideia e resolver esquecer seus planos mirabolantes, que visavam explorar o dragão herói.
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CapĂtulo 10
A
ssim, o vilarejo ficou muito feliz e até deu uma festa, quando Fumeta fez uma visita à cidade, convencido por seus amigos Margarida e Manezinho de que não havia mais perigo dele ser usado como atração de uma futura Dragolândia.
Fumeta combinou com seus amigos: quando houvesse gente estranha na cidade, ele se disfarçaria de elefante, desta maneira ninguém saberia que havia um dragão na cidade.
O pacto foi cumprido.
Cada vez que aparecia um visitante, Fumeta se disfarçava e não era reconhecido.
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- O que faz esse elefante aqui? – perguntava o visitante.
- Qual?
- Esse...Esse elefante grande e esverdeado.
- Ah, esse aí... – a pessoa respondia, com satisfação de enganar o curioso.
- Um circo o abandonou e nós ficamos com ele.
- Ah, bom.
E desta forma Fumeta viveu feliz por muito e muitos anos, vendo bastante televisão, passeando pelos campos e florestas com seus amigos, comendo muita pimenta vermelha e, de vez, em quando, aquelas margaridas polpudas, gostosas, que ele amava tanto.
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Se na sua cidade também houver um elefante, preste atenção.
Se ele gostar de comer pimenta vermelha ou margaridas, pode ser que seja o próprio Fumeta.
Mas não diga para mais ninguém.
Um segredo só é gostoso, quando é muito bem guardado.
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Acabou.
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