![](https://static.isu.pub/fe/default-story-images/news.jpg?width=720&quality=85%2C50)
3 minute read
A natureza da aparência de mundo
Shankara só aceita como "real" aquilo que não muda nem cessa de existir. Ao formular essa definição, ele segue os ensinamentos dos Upanishads e de Gaudapada, seu predecessor. Nenhum objeto, nenhum tipo de conhecimento pode ser absolutamente real se sua existência for meramente temporária. A realidade absoluta implica a existência permanente. Se considerarmos nossas múltiplas experiências durante os estados de vigília e de sono, verificaremos que as experiências durante o sono são negadas pelas experiências no estado de vigília e vice-versa - e que ambos os tipos de experiência cessam durante o sono sem sonhos. Noutras palavras, qualquer objeto de conhecimento, externo ou interno - pois um pensamento ou idéia é um objeto de conhecimento tanto quanto o mundo exterior -, está sujeito a modificação e, portanto, segundo a definição de Shankara, é "irreal".
Qual é, então, a Realidade subjacente às nossas experiências? Só existe uma coisa que nunca nos abandona - a consciência profunda. Este é o único aspecto constante de toda experiência. E essa consciência é o Eu real, o Eu absoluto. Mesmo no sono sem sonhos o Eu real está presente como uma testemunha, ao passo que a consciência do ego a que chamamos "nós mesmos", nossa individualidade, ficou temporariamente submersa na ignorância (avidya) e desapareceu.
Advertisement
A filosofia Vedanta ocupa uma posição central entre o realismo e o idealismo. O realismo e o idealismo ocidentais assentam ambos na distinção entre mente e matéria; a filosofia indiana colocou a mente e a matéria na mesma categoria - ambas são objetos do conhecimento. Não se deve, porém, considerar Shankara como um precursor de Berkeley: ele não diz que o mundo é irreal simplesmente porque sua existência depende da nossa percepção. O mundo, de acordo com Shankara, "é e não é”. Sua realidade fundamental só pode ser compreendida em relação à experiência mística final, a experiência da alma iluminada. Quando a alma iluminada mergulha na consciência transcendental, ela percebe o Eu (o Atman) como pura beatitude e pura inteligência, o “Um sem um segundo “. Nesse estado de consciência, toda percepção da multiplicidade chega ao fim, toda distinção entre “meu e seu” deixa de existir; o mundo como usualmente o conhecemos desaparece. Então o Eu resplandece como o único, a Verdade, o Brahman, a base desta aparência de mundo.
A aparência de mundo tal como a experimentamos no estado de vigília pode ser comparada, diz Shankara, a uma suposta cobra que, examinada mais de perto, revela ser um simples rolo de corda. Quando a verdade é conhecida, deixamos de ser iludidos pela aparência - a aparência de cobra desaparece na realidade da corda, o mundo desaparece em Brahman.
Outros sistema de filosofia hindu - Shankya, Yoga ou Nyaya - afirmam que o mundo fenomenal possui uma realidade objetiva, muito embora esta possa não ser visível aos olhos de uma alma iluminada. O Advaita Vedanta difere desses sistemas neste ponto vital: ele nega a realidade última do mundo do pensamento e da matéria. Mente e matéria, objetos finitos e suas relações, são uma compreensão errônea de Brahman, e nada mais - eis o que Shankara ensina.
A natureza da aparência de mundo
Quando Shankara afirma que o mundo do pensamento e da matéria não é real, não está querendo dizer que ele não existe. A aparência de mundo é e não é. No estado de ignorância (nossa consciência de todos os dias) ele é vivenciado, e existe tal como nos aparece. No estado de iluminação ele não é vivenciado, e deixa de existir. Shankara não vê nenhuma experiência como inexistente enquanto ela é vivenciada, mas deduz naturalmente uma distinção entre as ilusões particulares do indivíduo e a ilusão universal ou ilusão do mundo. À primeira ele chama pratibhasika (ilusória); à segunda, vyavaharika (fenomenal). Por exemplo, os sonhos de um homem são as suas ilusões particulares; quando ele acorda, elas deixam de existir. Mas a ilusão universal - a ilusão do mundo fenomenal - persiste durante toda a vida de vigília do homem, a não ser que ele se conscientize da Verdade mediante o conhecimento de Brahman. Além disso, Shankara estabelece uma distinção entre esses dois tipos de ilusão e as idéias que são totalmente irreais e imaginárias, que representam uma impossibilidade total ou uma flagrante contradição de termos - como o filho de uma mulher estéril.