3 minute read
O espírito da filosofia de Shankara
Uma manhã, quando ia banhar-se no Ganges, encontrou um Chandala, um membro da mais baixa das castas, a dos intocáveis. O homem trazia consigo quatro cachorros, que bloqueavam o caminho de Shankara. Por um momento, o inato preconceito de casta se fez valer. Shankara, o Bruhmin, ordenou ao Chandala que saísse do seu caminho. Mas o Chandala retrucou: - Será um só Deus, como pode haver muitas espécies de homens?" Shankara encheu-se de vergonha e reverência, e prostrou-se diante do Chandala. Esse incidente inspirou um dos mais belos poemas de Shankara, o Manisha Panchaka, composto de cinco estrofes, cada qual terminando com o refrão:
Quem aprendeu a ver em toda parte a Existência única, Esse é o meu mestre, seja ele Brahmin ou Chandala.
Advertisement
Shankara começou a ensinar entre os eruditos do país, convertendo primeiro os professores, depois os alunos destes. Um deles era o famoso filósofo Mandan Misra. Mandan Misra afirmava que a vida do chefe de família era muito superior à do monge, e sua opinião era largamente respeitada e compartilhada em toda a índia. Shankara resolveu discutir com ele e dirigiu-se à sua casa. Ali chegando, encontrou as portas fechadas. Misra estava celebrando uma cerimônia religiosa e não queria ser incomodado. Shankara, com o espírito travesso de um adolescente, subiu numa árvore próxima e dali saltou para dentro do pátio. Misra percebeu-o no meio da multidão. Ele não gostava de monges - principalmente quando eram tão jovens - e perguntou sarcasticamente: - De onde vem essa cabeça raspada?" - O senhor tem olhos para ver -, respondeu Shankara com insolência. "A cabeça raspada vem do pescoço.- Misra ficou irritado, mas Shankara continuou a provocá-lo, até que os dois concordaram em travar um debate a respeito dos méritos concernentes às vidas do monge e do chefe de família. Ficou assentado que Shankara, se perdesse, se tomaria chefe de família, e que Misra, se fosse ele o perdedor, se tomaria monge. O debate durou vários dias. Bharati, a culta esposa de Misra, serviu de árbitro. Por fim, Shankara conseguiu convencer Misra da superioridade da vida monástica e Misra tomou-se seu discípulo. Foi ele quem más tarde anotou os comentários de Shankara sobre os Brahma-Sutras.
Shankara terminou seus dias em Kedamath, no Himalaia. Ao morrer, tinha apenas 32 anos. Durante esse breve período, fundara vários mosteiros e criara dez ordens monásticas. Foi essa a primeira vez em que se organizou o monasticismo na Índia, e o sistema de Shankara perdura até hoje. Shankara era mais um reformador que um inovador. Não pregou nenhuma nova doutrina ou credo. Mas deu um novo impulso à vida espiritual do seu tempo. Separados por intervalos de milhares de anos, como três picos formidáveis, Buda, Shankara e Ramakrishra avultam na cordilheira da história religiosa da índia.
A produção literária de Shankara foi enorme. Não só teceu comentários sobre os Vedanta-Sutras, os principais Upanishads e o Bhagavad-Gita como produziu duas importantes obras filosóficas, o Upadeshasahasn e o Vívekachuda (A Jóia Suprema do Discernimento). Deixou-nos também vários poemas, hinos, preces e obras menores sobre o Vedanta.
A Jóia Suprema do Discernimento foi escrito inteiramente em versos, provavelmente para facilitar sua memorização pelos discípulos. Os versos são longos e a métrica é complicada. Preferimos não tentar reproduzi-los em nossa tradução. A mensagem de Shankara é infinitamente mais importante do que sua forma literária: a clareza foi a nossa única preocupação. Por isso não hesitamos em parafrasear e ampliar o texto sempre que isso nos pareceu necessário. No todo, porém, a tradução permanece muito fiel ao original.
II A Filosofia do Não-Dualismo
O espírito da filosofia de Shankara
"Brahman - a existência, o conhecimento e a aventurança absolutos - é real. O universo não é real. Brahman e Atman (o eu profundo do homem) são unos.
Nestas palavras Shankara sintetiza sua filosofia. Quais as implicações dessa assertiva? Que entende ele por "real" e por “irreal"?