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Prefácio do autor

“Preserve a amizade! Não há nada mais belo no mundo do que ela; ela é um consolo nesta vida.” Ambrósio, falecido em 397

Existe um saudosismo a respeito do passado que lança sombras sobre o presente e bloqueia o futuro. Os israelitas, carcados junto ao Mar de Juncos, perderam todo o ânimo de viver porque seu foco estava no passado. Queixavam-se: Acaso não havia sepulturas no Egito? Desde o início não quisemos segui-lo, Moisés! Mais vale ser escravo que defunto! (cf. Êx 14.11s).

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Ao mesmo tempo vale dizer que todo recalque do passado conduz a uma crise de vida e de fé sem perspectivas. O presente e o futuro estão envoltos na mais profunda escuridão. O passado sempre nos acompanha. Os israelitas superaram seu passado ao levar consigo os restos mortais de José quando saíram do Egito (cf. Êx 13.19). Não haviam suplantado seu passado; antes, o ato de levar com eles a múmia de José remete-os ao término da história de José. Assim os israelitas tinham o passado bem no meio deles. Estavam decididos a cumprir sua promessa e a sepultar José na Terra Prometida (cf. Gn 50.24s). “O novo nunca existe sem conexão com o antigo” (L. M. Pákozdy).

Junto com minha esposa, Rosemarie, dedico este comentário do Êxodo dos israelitas do Egito ao meu amigo de muitos anos Georg Rudisile e sua esposa Ella.

Essa amizade iniciou-se há 38 anos e, graças às nossas esposas, nunca se rompeu. Tempos difíceis em que nos apoiávamos mutuamente uniram-nos cada vez mais. Nos últimos meses, Ella e Georg Rudisile acompanharam nossa mãe, Elise Bräumer, até o último instante através do escuro vale da morte. Em tudo que experimentamos juntos constatamos que o futuro nunca está atrás de nós.

Desejo a todos os leitores deste comentário que levem consigo o passado, que se firmem no presente e que deem corajosos passos em direção ao futuro.

Celle, outono de 1996 Hansjörg Bräumer

Introdução

I. A POSIÇÃO DO LIVRO DE ÊXODO NO PENTATEUCO

A tradução de “Pentateuco” é “estrutura dos cinco”. 1 Este nome foi introduzido no trabalho científico para mostrar que originalmente havia um único livro no lugar dos cinco. Para as comunidades judaicas, até hoje os cinco livros constituem uma unidade. No linguajar judeu, eles recebem a designação de “Lei” (torá). O sentido da palavra hebraica torá vai muito além do nosso conceito de “lei”. Na verdade, significa “instrução”, “ensinamento”, e muitas vezes significa antes um evento do que um documento fixo: “A lei está intimamente unida à História”. 2

Um olhar para o conteúdo dos cinco livros de Moisés ainda permite reconhecer facilmente a unidade original. Isso fica particularmente claro quando se examina a obra toda a partir do seu encerramento. Assim, o último capítulo do Deuteronômio relata como Deus mostra a Moisés a terra que prometeu ao seu povo: ... e o Senhor lhe mostrou toda a terra de Gileade até Dã; e todo o Naftali, e a terra de Efraim, e Manassés; e toda a terra de Judá até o mar ocidental; [...] Disse-lhe o Senhor [a Moisés]: Esta é a terra... (Dt 34.1-4).

Essas palavras expressam acontecimentos que começam em Êxodo 3 . Êxodo se inicia com a constituição dos descendentes de Jacó em povo no Egito. Em um contexto contí

nuo, de Êxodo até Números se relata a história de Israel desde o êxodo até a conquista da terra a leste do Jordão, incluindo a ampla inserção da lei sacerdotal. A meta é o abrangente discurso de Moisés em Deuteronômio. 4

Todavia, Êxodo não começa do zero, mas representa a continuação de tudo o que é relatado em Gênesis. A constituição do povo de Israel é o cumprimento da promessa de multiplicação que perpassa as histórias das origens e dos patriarcas desde o relato da criação. Assim, um arco se estende desde o início da criação até o relato da formação do povo. 5

As histórias patriarcais precedem imediatamente a história do povo. Representam a história do Israel anunciado e em formação. 6 O que originalmente “vale para todos, será dado a Israel de modo particular”. 7

II. MOISÉS E SUA ÉPOCA

Moisés, que Deus chamou para libertar Israel na escravidão egípcia, é um desconhecido para os textos não bíblicos da sua época. Não é citado nem em tabuletas de escrita cuneiforme nem em qualquer dos textos egípcios em pedra e papiro. Uma das razões disso é que o Egito era uma nação que não gostava de perpetuar em pedra suas derrotas, e outra é que a faixa de terra siropalestina ainda era muito pobre em documentos e inscrições naquela época. 8

Westermann, Bibelkunde, pg. 15. Weber, pg. 27. Cf. Westermann, Bibelkunde, pg. 15. Idem, pg. 48 Cf. Schmidt, Exodus, pg. 29. Cf. Preuß, Theologie, vol. I, pg. 39. Schmidt, Exodus, pg. 29 Cf. Cazelles, Moses, veja abaixo.

O nome Moisés é egípcio e sua tradução é algo como “a criança” ou “o filho”. 9 O nome é mais frequente na época da 19ª dinastia (1295 – 1188 a.C.). A fonte mais conhecida é a estela 10 do oficial Moisés, de aprox. 1250 a.C., originária da residência dos raméssidas no Delta. O oficial Moisés aparece duas vezes nela. Na parte superior da placa, Ramsés II lança-lhe de uma janela do seu palácio um prêmio em forma de adornos de ouro e prata, o chamado ouro de honra. Na parte inferior, Moisés se ajoelha diante do soberano entronizado e é homenageado e premiado diante dos soldados de Ramsés II em festa. 11

O que quer que possa ser dito sobre o Moisés que se tornou libertador dos israelitas terá a tradição bíblica como fonte. 12

1. Esboço da vida de Moisés

De Êxodo 2.10 a Josué 24.5, o nome de Moisés é citado 706 vezes. Nos livros dos Juízes até 2 Reis, Moisés é citado 16 vezes; 21 vezes em Daniel, Esdras, Neemias e Crônicas, além de oito vezes nos Salmos. 13

No Novo Testamento, Moisés é a personalidade veterotestamentária mais citada – 80 vezes. Nessas citações, não são raros os casos em que a imagem de Moisés no Novo Testamento transcende o relato do Antigo. 14 Onde isso acontece podem-se pressupor fontes antigas não preservadas.

Os pais de Moisés pertenciam aos hebreus oprimidos no Egito (Êx 1; Sab 10.15). Moisés era filho de uma família levítica (Êx 2.1; 6.16,19-20; Nm 26.59; 1Cr 6.1-3; 23.13s) que vivia sob o domínio de um faraó do qual se diz: ... que não conhecera a José (Êx 1.8).

Largado no Nilo, Moisés foi salvo de se afogar por uma filha do faraó (Êx 2.1-10; Sab 18.5; At 7.20s) e, educado na corte do faraó, foi educado em toda a ciência dos egípcios (At 7.22).

Enquanto Moisés vivia na corte do faraó, os hebreus – até então colonos independentes em Gósen – foram recrutados para obras públicas sem serem pagos por isso. E os israelitas edificaram a Faraó as cidades-celeiros, Pitom e Ramessés (Êx 1.11).

Com a idade de 40 anos (At 7.23), Moisés tornou-se testemunha da exploração e dos maus-tratos dos seus patrícios pelos egípcios. Moisés matou um feitor egípcio e enterrou seu cadáver na areia (Êx 2.12).

Repudiado pelos seus patrícios e temendo a ira do faraó, Moisés fugiu para uma tribo midianita. Casou-se com Zípora, filha de Jetro. Jetro era o sacerdote e líder da sua tribo. Com Zípora, Moisés teve dois filhos (Êx 2.22s; 18.3s).

Quando, depois de muitos anos, morreu o Faraó cuja vingança Moisés precisava temer (Êx 2.23), este retornou ao Egito (Êx 4.18-31). Sua missão, da qual Deus o tinha encarregado por ocasião do seu chamado, era libertar os hebreus da escravidão no Egito (Êx 3.1–4.17). Depois de várias intervenções junto ao Faraó, apoiadas por sinais e milagres – as “pragas egípcias” (Êx 7–12; Dt 34.11s; Sl 105.26-36; Sab 10.16; Sir 45.2s) – o êxodo do Egito teve sucesso. Por um milagre, os descendentes de Jacó foram salvos do exército egípcio que os perseguia (Êx 14–15).

Sobre as possibilidades de tradução e as interpretações judaicas do nome Moisés veja o comentário sobre Êx 2.10. Do grego stela, que significa “pedra erguida” ou “alçada”. Na arquitetura e na arqueologia, designa objetos em pedra, como monolitos, nos quais eram efetuadas esculturas em relevo ou textos. (N. de Revisão) Cf. Eggebrecht (ed.), pg. 72s. Cf. Cazelles, mösaeh, Col. 33. Cf. resumo em Odelain/Seguineau, pg. 249. Cf. Jeremias, Moses, pg. 868.

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