AS BIBLIOTECAS DE BRASÍLIA DIANTE DA EVOLUÇÃO TECNOLÓGICA DO SÉC. XXI
Lucas Feijão
LUCAS DE FREITAS FEIJÃO
As Bibliotecas de Brasília diante da Evolução Tecnológica do Séc. XXI .
Ensaio Teórico em Arquitetura e Urbanismo Professora Orientadora: Sylvia Ficher
Brasília 21 de Novembro de 2016 FAU - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Universidade de Brasília
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Agradeço a minha família e meus amigos pelo apoio dado a mim durante esse processo. Agradeço a minha orientadora por ter me ajudado e me acompanhado nesse trabalho. E agradeço também aos responsáveis pelas bibliotecas estudadas pela prestatividade e atenção, que permitiram que esse ensaio chegasse ao fim.
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Sumário Sumário ............................................................................... 4 Resumo ............................................................................... 6 Introdução ............................................................................ 8 Análise Histórica ................................................................ 11 Da Babilônia à Idade Média ............................................ 11 Idade Moderna e a Multiplicação dos Livros .................. 15 Idade da Informação - Séculos XX e XXI ....................... 25 A Problemática do Século XXI ........................................... 31 A Questão da Tecnologia ............................................... 31 As Bibliotecas e a Tecnologia ......................................... 34 As Bibliotecas de Brasília .................................................. 37 Biblioteca do Senado Federal ......................................... 38
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Biblioteca Central da UnB ............................................... 43 Biblioteca Nacional de Brasília ....................................... 48 Análise ............................................................................... 53 Conclusão ......................................................................... 56' Bibliografia ......................................................................... 60 Referências de Imagens .................................................... 62
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Resumo A biblioteca é um programa milenar e que, portanto, tem sido um grande espelho das evoluções tecnológicas que a humanidade passou. Como um programa complexo que visa guardar, arquivar, a produção intelectual da humanidade, as bibliotecas têm visto nos últimos anos um de seus maiores desafios: a revolução digital, com a massificação dos computadores e da internet. Diante de um decreto do fim das bibliotecas e dos livros como se conhece, elas têm buscado novas formas de se posicionar nesse novo mundo, e sua arquitetura, nova ou reformulada, é uma demonstração disso. O mesmo, portanto, pode ser dito das bibliotecas de Brasília, tantos as mais antigas como a Biblioteca Central da UnB e a Biblioteca do Congresso, como a mais recente, a Biblioteca Nacional de Brasília.
Palavras chaves: Biblioteca, Bibliotecas de Brasília, Tecnologia, Bibliotecas Contemporâneas
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“Mas por que ela tem que ir à biblioteca? ” “Porque é isso que a Hermione faz, Harry, ” disse Rony, encolhendo os ombros. “Quando tiver dúvida, vá à biblioteca. ” J.K. Rowling – Harry Potter e A Câmara Secreta
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Introdução Segundo o dicionário Aurélio, biblioteca é: 1-Coleção pública ou privada de livros e documentos congêneres, para estudo, leitura e consulta. 2-Edifício ou recinto onde ela se instala. A biblioteca é um programa muito antigo, alguns podendo dizer que tanto quanto a própria escrita. Registros de espaços usados para armazenar arquivos, ou livros, existem desde o período babilônico, porém seu espaço e seu uso foi se modificando, aperfeiçoando e evoluindo com o tempo. Dos grandes templos da sabedoria, onde se esperava armazenar todo o conhecimento da humanidade, como a Biblioteca de Pérgamo, na Grécia Clássica e atual Turquia, ou de Alexandria no Egito Helênico até as Bibliotecas Públicas de Nova York, a British Library ou a Biblioteque Nationale de Paris, onde se procura armazenar ao máximo as publicações existentes, muitas mudanças ocorreram. As bibliotecas têm, por tradição, a fama de serem consideradas um monumento aos avanços tecnológicos, científicos e intelectuais de um povo, nação ou comunidade, ou então um sinal em busca desses avanços. Fosse na Grécia Antiga, nos templos religiosos da Idade Média ou na alta Renascença, as bibliotecas formavam parte da identidade cultural e intelectual de uma população.
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Como estruturas arquitetônicas, as bibliotecas são um sinal de seu tempo. Assim como as igrejas modernas demonstram um avanço tecnológico diante das góticas, e essas diante de templos romanos, por exemplo, bibliotecas também demonstram isso, pois os avanços tecnológicos afetaram suas estruturam e suas formas diretamente. No entanto, indiretamente, diversos avanços contribuíram também, alguns à primeira vista não muito imagináveis. O surgimento do códice, o termo que denomina o formato dos atuais livros, duas capas com o “recheio” de páginas, a prensa de Gutemberg, a eletricidade e os computadores estão entre os principais. Cada um, no seu tempo, afetou a arquitetura das bibliotecas e continuam atuando sobre elas. Não apenas têm afetado a concepção arquitetônica, desde a fase inicial de projeto, como têm afetado a manutenção das mesmas. Assim como as casas nos últimos 50 anos viram a massificação da energia elétrica, o surgimento de computadores ou a popularização das televisões e tiveram de se adaptar, o mesmo vem ocorrendo com bibliotecas do mundo inteiro, centenários ou não. Um programa como o da biblioteca tem enfrentado então, nos últimos anos, talvez o maior de seus desafios: a Revolução Digital. Diante do surgimento e popularização em massa dos computadores e internet, as bibliotecas têm visto o surgimento de bibliotecas digitais, livros digitalizados
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e acesso quase irrestrito à produção bibliográfica mundial e, com isso, a frequência de usuários tem diminuído e já se decreta o fim dos livros e das bibliotecas, ao menos como às conhecemos. Essas modificações têm sido motivos de muitas discussões entre bibliotecários e arquitetos especializados na área pois, ao mesmo tempo que bibliotecas têm que que continuar se renovando, elas têm, por visão primordial, que guardar a história e isso tem criado diversos problemas específicos do programa. O mesmo pode ser visto em bibliotecas brasileiras e brasilienses. Mesmo sendo uma cidade nova, pouco mais de meio século se passou desde a inauguração, as bibliotecas da cidade têm passado pelo período de maiores e mais rápidas mudanças na história da humanidade. Bibliotecas como a Biblioteca Central da Universidade de Brasília, a primeira fundada na cidade, ou a Biblioteca do Congresso Nacional, trazida do Rio no período da mudança de capital, podem ser grandes exemplos de como o programa tem agido diante disso. Outras, como a Biblioteca Nacional de Brasília, já é o maior exemplo de uma biblioteca contemporânea, com visões e infraestrutura totalmente diferente do consagrado e pode dar um possível olhar do que pode ser o futuro desse tipo de arquitetura.
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Análise Histórica Da Babilônia à Idade Média “Escrever significa partilhar. É parte da condição humana querer compartilhar as coisas, pensamentos, ideias e opiniões. ” Paulo Coelho
Os registros arqueológicos mais antigos de uma biblioteca, ou aquilo que podemos entender como biblioteca: um espaço de armazenamento de livros e registros, foi encontrado na região da antiga Babilônia, atual Síria.
Figura 1 Exemplar de tábua de registros babilônica
Foram encontradas cerca de 20 mil tábuas com registros que podiam variar de leis a contabilidade de trocas comerciais e produção agrária a textos de cunho mais literário. No entanto, foi durante o período clássico grego que houve uma grande profusão de bibliotecas ao redor do mundo ocidental à época.
Alexandria A biblioteca mais famosa desse período ficava no Egito Helênico, na cidade de Alexandria. A cidade, fundada por Alexandre, o Grande, e batizada em sua homenagem, era uma cidade tipicamente grega, mesmo
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após a fragmentação do império Alexandrino e estando no norte da África. Os reis do Egito Helênico tinham grande apreço pelo conhecimento e pelas escrituras produzidas, portanto queriam ter um local onde pudessem armazenar todo o conhecimento escrito. A construção da Biblioteca de Alexandria é incerta, não se sabe a época de sua fundação ou destruição, nem o local exato em que se encontrava e nem mesmo qual seria seu tamanho ou sua forma. Todos esses dados ainda são alvo de discussões, mas segundo estudos atuais, pode se dizer que a biblioteca ficasse localizada próxima ao porto ou no
Figura 2 Representação da Biblioteca de Alexandria
centro da atual Alexandria, o que impossibilitaria escavações, que foi construída entre os anos de 323 e 246 aC e que seu acervo devia variar entre 10 mil e 15 mil rolos. Seu fim, assim como as suposições anteriores, é muito discutido, porém acredita-se que, devido ao seu tamanho e posição geográfica (cidade portuária), a Biblioteca pode ter sofrido de abandono devido aos custos e seu acervo destruído pelo clima mediterrâneo. Ainda assim, mesmo depois de tantos anos, a Biblioteca de
Figura 3 Atual Biblioteca de Alexandria, 2002
Alexandria serviu de grande exemplo de uma biblioteca clássica deveria ser: um grande depósito de todo o conhecimento disponível, no caso, para os seus reis.
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Roma As bibliotecas romanas sofreram grande influência das gregas, deveriam se um ambiente onde se poderia encontrar todo o conhecimento disponível e também ser aberto ao público, podendo ocorrer até mesmo eventos em seus salões. O maior exemplo de Biblioteca Romana é a Biblioteca de Celso (155 d.C.), no Éfeso, atual Turquia. Era um edifício de grandes proporções, que
Figura 4 Ruínas da Biblioteca de Celso
deveria surpreender os moradores da cidade. Era uma biblioteca pública, com um grande salão central e nichos em suas paredes, onde provavelmente ficavam os armários com livros. Mesmo tendo esse grande tamanho, seu acervo deveria ser muito pequeno devido aos diminutos espaços para livros. Isso era uma característica muito comum em Roma, pois o acesso a pergaminhos ainda era muito difícil e caro. Foi durante essa época que surgiu então uma das grandes evoluções na produção de livros: o codex. O codex ou códice era uma nova forma de condicionamento das páginas de um pergaminho, que antes podia ser enrolado ou dobrado como “sanfona”. O códice é a forma como conhecemos o livro hoje, duas capas com “recheio” das páginas do livro, que ainda eram
Figura 5 Exemplo de Codex
feitos de pergaminho. Esse método passaria a mudar para sempre a forma como se armazenaria os livros.
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Idade Média A Idade Média, conhecida como Idade das Trevas, foi um período de grandes transformações no entendimento das bibliotecas. Enquanto na Europa Continental, fortemente influenciada pela Igreja Católica, as bibliotecas passaram a se restringir em monastérios e grandes templos, muitas vezes de uso restrito aos religiosos, na Inglaterra passou-se a construir bibliotecas universitárias. Esses espaços em geral eram bem diminutos se comparados aos
Figura 6 Vista Interna da Biblioteca Malatestiana
romanos, afinal, a produção de livros era demorada e muita cara. Os livros eram tão caros que passaram a ser guardados em estantes ou mesas (ou atris, como eram chamados) com correntes presas em sua lombada, a fim de evitar roubos. A Biblioteca Malatestiana (1452, Césena, Itália), de Matteo Nuti, é um dos maiores exemplos das bibliotecas que remontam a essa época. Construída por um tirano local dentro de um monastério, era uma biblioteca já renascentista, porém de aspectos medievais. Ficava no primeiro andar do
Figura 7 Banchis e livros acorrentados
prédio, evitando a umidade e os roubos, os bancos possuíam uma mesa acoplada atrás, chamado de banchi, aonde descansava um livro acorrentado. Cada banchi possuía um livro diferente e que ficava preso enquanto fosse necessário. Sua forma arquitetônica era simétrica, um
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grande corredor com duas fileiras de bancos dispostas nas laterais, juntos às janelas que ofereciam a luminosidade para a leitura. Foi então, entre o fim da Idade Média e o início do Renascimento que ocorreu talvez a maior revolução em séculos na literatura: a Prensa Móvel de Gutenberg. Se antes a produção de livros era cara, demorado, feito a mão e tinha um público muito restrito, a partir de 1440 isso passou a mudar. Começou a haver uma explosão na produção de livros, e começou a surgir novas necessidades para as bibliotecas.
Idade Moderna e a Multiplicação dos Livros “O que a pólvora fez pela guerra, a prensa móvel fez pela mente” Wendell Phillips
Alto Renascentismo Como muitos dos fatos que ocorriam na época, tais como notícias, ideias ou descobertas tecnológicas, a Prensa de Gutemberg não causou uma revolução imediata. Por muitos anos a produção de livros se manteve
Figura 8 Ilustração de um exemplo de prensa móvel
igual aos séculos anteriores: manual, restrita e produzindo poucos e caros livros.
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Portanto, não seria de admirar que as bibliotecas inicialmente não sentiram a pressão de uma produção em massa de livros. As primeiras bibliotecas do período renascentista pouco ou nada diferem das medievais: pequenas, quase corredores, com poucas e pequenas estantes. O uso de correntes nos livros ainda era comum e a consulta continuava sendo feita numa mesa acoplada à estante, o que reduzia ainda mais o espaço de armazenamento. Dessas primeiras bibliotecas, uma das mais influentes foi a Biblioteca
Figura 9 Biblioteca Laurenciana
Laurenciana (1571, Florença, Itália), de Michelangelo, e as bibliotecas universitárias inglesas, como a Biblioteca de Queens College, em Cambridge, de meados do século XVII. A Biblioteca Laurenciana teve como grande inovação um dos primeiros sistemas de catalogação dos seus livros, localizadas na lateral dos atris em que os usuários se sentavam, idealizadas pelo papa à época e realizadas por Michelangelo, assim como todo o projeto final. Sua forma ainda muito semelhante às bibliotecas anteriores, simétrica e com duas fileiras de banchis. A Queens College foi uma das primeiras, e das mais influentes, a
Figura 10 Biblioteca da Queen's College
usar então o sistema de baias, sem mesas ou atris, o que permitia um maior armazenamento de livros e também certa privacidade à pessoa que estivesse procurando um. A leitura se realizaria então nas laterais das baias,
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junto ao corredor. Sua forma de corredor e simétrico confirma a típica formação das bibliotecas da época. Essas bibliotecas foram de grande importância, pois serviram como modelo básico para o tipo biblioteca pelos próximos anos em suas regiões.
Século XVII Após mais de um século, o sistema de prensa de Gutenberg começou a surtir um efeito maior na Europa. O fim do monopólio e o surgimento de novas prensas em diversos países e cidades, não só na Europa como também nas Américas, permitiu um salto ainda maior na produção de livros, porém, aos poucos. A produção crescia vertiginosamente, porém, a quantidade global ainda poderia ser considerada pequena. Entre 1450 e 1500 teriam sido produzidos cerca de 10 mil livros em toda a Europa Ocidental, esse número saltou para 220 mil no século XVI e 530 mil no século XVII, número ainda quase 100 vezes menor do que havia sido vendido em 2013 apenas no Brasil, segundo reportagem de O GLOBO de 01/06/2016. Porém, mesmo com um aumento da produção, surgia uma nova forma de armazenar os livros nas bibliotecas que se tornaria muito popular e essencial para as bibliotecas moderna: o chamado “Sistema de Paredes”. Esse sistema consiste em colocar estantes verticais com o tamanho do pé-
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direito de um ambiente, encostada na parede, mas permitindo ainda a existência de janelas, muito comum ao que ainda se encontra em muitas bibliotecas modernas. O aumento da produção de livros também criou um fato inédito: o surgimento de uma grande variedade de tamanhos de livros. As estantes passaram a ser móveis e permitiu-se variar o espaço entre elas, permitindo o aumento da quantidade de livros armazenados. Mudanças nas tecnologias construtivas permitiram a criação de bibliotecas em pavimento térreo, ainda que muitas vezes sendo elevado ao
Figura 11 Fachada da Biblioteca Ambrosiana
solo, com um mezanino contornando o espaço com um vão central, aumentando ainda mais o espaço de armazenamento. O aumento na produção de livros veio junto com o aumento da alfabetização da população europeia. O aumento do número de leitores fez se popularizar, ainda que aos poucos, a ideia de bibliotecas públicas, com bibliotecários que recebiam os visitantes e buscavam pelos títulos nas estantes, muitas vezes ainda restritas. Talvez o maior representante desse tipo de biblioteca seja a Biblioteca Ambrosiana (1609, Milão, Itália), de Lelio Buzzi e Francesco Maria Richini e reconstruída após a II Guerra Mundial. Construído com os fundos de um cardeal que queria um local para guardar sua imensa coleção de
Figura 12 Interior da Biblioteca Ambrosiana
manuscritos adquiridos ao longo da vida, cerca 45 mil livros e manuscritos.
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A Biblioteca Ambrosiana foi também uma das primeiras bibliotecas da Europa a serem públicas. Sua arquitetura é bem característica da tipologia das bibliotecas da época e por mais algumas décadas posteriores: um grande salão quadrado central, com estantes cobrindo as paredes, aumentando a capacidade de armazenamento. Acima, encontra-se um mezanino que circunda o salão criando mais um pavimento de armazenagem de livros, acessível apenas pelo bibliotecário. Salas de leitura, como conhecemos hoje, ainda não eram comuns à
Figura 13 Vista Interna da Biblioteca Bodleiana
época. As bibliotecas eram constituídas de um grande salão, como uma verdadeira exposição de livros e artes, que deveria ser bonito aos olhos e, de certa forma, criar a ilusão de haver muito mais livros do que realmente existiam. A Biblioteca Bodleiana (1612, Oxford, Reino Unido) foi um exemplo de biblioteca que quebrou essa tradição. Ela serviu como uma extensão da Sala Duke Hemfrey, do século anterior, e seria a sede da área de literatura das artes. Usou-se do sistema de paredes, tal qual na Europa continental, porém criou diversos mezaninos separados acessíveis por escadas secretas e também espaços de leitura, unidos às estantes como tradição na Inglaterra. Esses espaços eram formados por uma conjunção das estantes e bancos virados para elas, pilares saíam então dos bancos e criavam uma cobertura para eles e um piso para um pequeno mezanino. Seu formato em
Figura 14 Vista da Biblioteca Bodleiana
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corredor permitia uma maior quantidade de janelas para a iluminação, porém seu layout interno foi e é uma configuração bem incomum para sua época. Bibliotecas circulares, como domos, passavam a ser construídas como um tipo de solução, tal qual a Câmara Radcliffe, Oxford, finalizada em 1748, e que passariam a ser um tipo muito comum nos séculos seguintes, aproveitando-se da solução de estantes nas paredes e um layout radial das mesas de estudo. As bibliotecas do final do período renascentista formaram a base para as bibliotecas modernas, que passariam pelas últimas grandes modificações nos próximos séculos, com a chegada da energia elétrica, do metal e do aumento maciço na produção de livros.
Pós Revolução Francesa Figura 15 Câmara Radcliffe
Os séculos XIII e XIX passaram a ver um aumento cada vez maior na publicação de novos livros. Não apenas se publicava mais como eles custavam mais barato e a porcentagem de população alfabetizada aumentava sem parar, principalmente na Europa e nos Estados Unidos. Essa conjuntura fez com que houvesse um aumento no número de construções feitas com o único objetivo de serem grandes bibliotecas, e não apenas salas ou anexos em templos religiosos ou universidades como até
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então era comum. O século XIII viu o surgimento do Rococó e de grandes, monumentais e extremamente ornamentadas bibliotecas por toda a Europa. Portugal construiu duas de suas mais importantes bibliotecas durante esse período: as Bibliotecas Joanina (1728, Coimbra), e a Biblioteca de Mafra (1771, na cidade de mesmo nome), de Johann Friedrich Ludwig, e principal e mais renomada instituição bibliotecária do país durante o império português. As duas bibliotecas são um exemplo da grande riqueza que Portugal extraía do Brasil e do grande apreço e respeito que se tinha pelo programa Biblioteca, afinal, tantos ornamentos, pedras, ouro e materiais
Figura 16 Biblioteca Joanina
nobres eram gastos apenas nos prédios mais importantes. A biblioteca Joanina, construída não apenas como um anexo da Universidade de Coimbra, mas como uma biblioteca real de João V, possui um formato simétrico e uma subdivisão não muito comum à época: o grande salão era dividido em três pequenas salas com temas diferentes para seus livros e com decorações temáticas. Isso permitiu criar mais espaços para estantes e esconder escadas para o andar superior, que não ornariam com o ambiente projetado. A Biblioteca de Mafra, anexo do palácio real e monastério de Mafra, fica localizado no pavimento nobre do palácio-monastério, aos fundos. Sua forma arquitetônica é de uma cruz, com suas naves laterais muito reduzidas,
Figura 17 Biblioteca de Mafra
criando as entradas, e seu centro extremamente alongado, criando espaço
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amplo para estantes nas paredes e muito espaço para imensas janelas. Um mezanino ao redor do grande salão, sem mesas, continua existindo como no renascimento, logo, o espaço é apenas de apreciação dos livros, e não de uso ou estudos. Outras bibliotecas muito ornamentadas são as das abadias de Melk (1752), de Carlo Antonio Carlone, Jakob Prandtauer e Josef Muggenast, e Altemburg (1744), do mesmo Josef Muggenast, que mesmo sendo muito menores, anexos de seus templos, são um grande exemplo do tempo e dos recursos gastos para criar espaços imponentes e majestosos, ornamentados e espetaculares. Figura 18 Biblioteca de Altemburg
O século XIX chegou com uma nova grande mudança nos paradigmas arquitetônicos, a luz elétrica. Bibliotecas podiam ser usadas de noite, não precisavam de imensas janelas, e, portanto, podiam ter mais livros, o acervo estava mais seguro contra o fogo do gás usado para iluminação e novos meios de guardar o acervo surgiram. Conforme o século foi passando, cada vez aumentavam a quantidade de livros e usuários de bibliotecas, principalmente em países europeus e nos Estados Unidos. Bibliotecas como a Rotunda da Universidade de Virgínia (1826, Charlottesville), de Thomas Jefferson, e a Biblioteca do Congresso
Figura 19 Biblioteca de Melk
(1897, Washington DC), de John L. Smithmeyer e Paul J. Pelzm ambas nos Estados Unidos, e a Biblioteque Nationele de Paris (1867, França), de Henri
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Labrouste, e a Biblioteque Saint-Genevieve (1850, Paris, França), também de Labrouste, são alguns dos maiores exemplos da época. A Rotunda da Universidade de Virgínia, idealizada por Thomas Jefferson, destruída e reconstruída no século XX, foi, talvez, a mais influente e respeitada biblioteca universitária da América. Sua forma que remete propositalmente ao Panteão de Roma, reverberando a arquitetura clássica em que os Estados Unidos se embasavam para construir a parte pública e institucional do país, criava um ambiente imponente, mesmo que permitisse um acervo muito pequeno para o seu tamanho.
Figura 20 Rotunda da Universidade de Virgínia
A Biblioteca do Congresso, uma das mais respeitadas instituições bibliotecárias do mundo hoje, tendo à época da inauguração um acervo de 840 mil livros e hoje mais de 38 milhões de livros catalogados, excluindo outros tipos de publicação. Sua forma, mesmo não sendo revolucionária no final do século, é um espelho do típico espaço construído numa biblioteca do gênero. Formato em domo, tirando proveito de câmaras laterais para aumentar a capacidade de armazenamento, disposição radial das mesas de estudos e estantes, proporcionando ao bibliotecário, no centro, visão total do espaço, e uma arquitetura grandiosa, sua altura é maior que 48 metros, e bem ornamentada. Figura 21 Biblioteca do Congresso
Os dois exemplos de bibliotecas francesas, a Nationele e a SaintGevieve, mostram a proliferação do uso de metal na arquitetura, garantindo
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estruturas mais leves, espaços livres maiores e mais segurança contra o fogo, o metal sendo usado também nas estantes de livros. A SaintGenevieve, ainda existente, mostra como o padrão da arquitetura ainda não era muito diferente do renascimento, com simetria, formato de corredor, mezanino circundando o espaço e estantes de paredes. No Brasil independente, tomava forma a institucionalização das bibliotecas brasileiras. A primeira delas, a Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro. Fundada em 1810 nas catacumbas do Hospital da Ordem Terceira
Figura 22 Biblioteca de Saint Genvieve
do Carmo, foi criada com os livros e manuscritos trazidos com a corte portuguesa em fuga das invasões Napoleônicas em 1808. Conforme foi crescendo, com a vinda de mais livros de Portugal e outras coleções adquiridas, seu prédio atual, inaugurado em 1910, projetado por Francisco Marcelino de Souza Aguiar, constitui um bom exemplo de renascimento tardio. Hoje é a instituição bibliotecária mais respeitada do Brasil, com mais de 9 milhões de obras catalogadas. Outra biblioteca de grande importância é o Real Gabinete Português de Leitura, também no Rio de Janeiro. Fundada em 1847 por um grupo de intelectuais da cidade, o atual edifício foi inaugurado em 1887 e possui um
Figura 23 Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro
estilo neomanuelino. Seu interior é um verdadeiro exemplo da tipologia arquitetônica reinante das bibliotecas na época: o grande salão com mezanino em volta e paredes de estantes.
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As bibliotecas, todas elas públicas, com a opção de estudo dentro delas e com o aluguel de livros, demonstram como as bibliotecas avançaram em todo esse período no tocante aos seus usos e como o público interage com elas, de uma sala de exposição a ambiente de leitura propriamente como conhecemos hoje, porém o tipo biblioteca ainda se manteve imóvel, com pouca ou nenhuma modificação real. Mas não por muito tempo.
Idade da Informação - Séculos XX e XXI Figura 24 Real Gabinete Português de Leitura
Século XX A chegada do século XX pode ser dividida, na arquitetura, entre o período pré-moderno e o moderno, essencialmente, pois configuram dois olhares muito particulares e bem diferentes entre si, um reflexo da política mundial. Até a primeira metade do século, o maior exemplo de biblioteca construída foi, possivelmente, a Biblioteca Pública de Nova York (1911, EUA), do escritório Carrère and Hastings. Mesmo tendo uma arquitetura que remete muito ainda ao século anterior, fachada clássica com frontão e pilares no estilo romano, seu interior foi revolucionário. Abaixo da sala de
Figura 25 Entrada da Biblioteca de NY
leitura, no terceiro pavimento, encontravam-se oito andares de acervo, indo além do subsolo. Para o usuário, e os bibliotecários, terem acesso a acervo
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tão grande, usou-se pela primeira vez um sistema de esteiras rolantes para os livros passarem pelos ambientes e chegarem ao destinatário final. Atualmente, a Biblioteca de Nova York possui mais 140 quilômetros de estantes e 50 milhões de itens, entre livros, revistas, cds, imagens e outros. O período do entre guerras foi muito ruim para a arquitetura das bibliotecas, gerando nenhum grande exemplo, porém, após os horrores da II Guerra Mundial, a ascensão do movimento modernista e seus ideais de reconstrução e quebra de paradigmas mudaram para sempre a forma como
Figura 26 Sala de Leitura da Biblioteca de NY
as bibliotecas eram projetadas,
Movimento Moderno Figuras famosas da arquitetura moderna, como Alvar Aalto (Finlândia, 1898-1976) e Louis Kahn (Estônia/EUA, 1901-1974), fizeram alguns dos exemplares mais proeminentes de bibliotecas modernas. A Biblioteca Pública de Seinäjoki (1965, Finlândia), e a Biblioteca da Phillips Exeter Academy (1971, Exeter, EUA), de Aalto e Kahn, respectivamente, são alguns dos maiores exemplos do período. Aalto fez em sua pequena biblioteca, apenas um pavimento térreo que fechava a face de uma praça da pequena cidade, um espaço muito Figura 27 - Biblioteca de Seinäjoki
maior por dentro do que aparenta ser de fora. O rebaixo no centro do ambiente, que se passou a ser comum durante o período, criava a sensação
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do leitor estar rodeado de livros. Sua divisão entre bibliotecários e leitores passou a ser diferente, como a forma mais vista hoje: um bibliotecário recepciona o usuário na entrada e não mais fica no centro em posição vigilante, como era mais comum antes. Sua planta demonstra uma nova divisão dos usos das bibliotecas, com espaços diferentes para estudos individuais, em grupo, juntos ou não do acervo, não existindo mais um grande salão de leitura. A biblioteca de Louis Kahn, muito maior e que serve como biblioteca central na universidade, teve como base de projeto as antigas salas de leitura medievais e uma busca pelo uso da luz natural. A planta quadrada, com um grande vão central, divide o acervo em diversos ambientes
Figura 29 Biblioteca de Exeter
diferentes e cria diversas pequenas salas de leitura, próximas às janelas, mudando completamente a definição de ambientes que existia antigamente. No Brasil, o maior exemplo de biblioteca na época foi a Biblioteca Mário de Andrade (1946, São Paulo), de Jacques Pilon. Sua arquitetura moderna foi muito modificada com o tempo, sendo muito difícil diferenciar o que é intervenção, como o grande prédio para armazenar seu acervo, do original, como a grande entrada da biblioteca. Essas modificações deixam claro que a problemática do século, o armazenamento, seria grande e exigiria mudanças na forma como as bibliotecas são projetadas.
Figura 28 Biblioteca Mário de Andrade
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Século XXI - A Computação e o Acervo Infinito Mesmo tendo sido construída em 1997, pode-se declarar que a Biblioteca Nacional da França, em Paris, de Dominique Perrault, é considerada hoje o tipo básico do programa biblioteca no mundo. Ao menos, naquilo que se restringe às bibliotecas de depósito legal e bibliotecas de grande porte. Depósito legal é toda biblioteca que serve como arquivo público de todo tipo de documento que seja considerado de importância, por uma
Figura 2930 Biblioteca Nacional da França
universidade, cidade, estado, nação ou de âmbito global. Essas bibliotecas catalogam livros, revistas, jornais, figuras, cds, dvds, entre outros, e os guardam, a princípio para sempre. A Biblioteca Nacional tem como ponto focal em sua arquitetura quatro grandes torres que servem como acervo dela, guardando todo os documentos importantes catalogados por ela, sendo algumas para acervo público. No entanto, a área aberta ao público para estudos se resume ao térreo e o primeiro pavimento. Esses espaços possuem uma planta claramente complexa, com diversos usos e ambientes restritos ou não. Salões de leitura, espaços de acervo, auditório, entre tantos outros, e um
Figura 30 Interior da Biblioteca
vão central que abriga uma área verde para o grande espaço construído.
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No mundo, hoje, não faltam grandes exemplares de bibliotecas públicas de boa arquitetura e que demonstrem como o programa biblioteca pode ser interpretado de diversas formas, tendo os mais diferentes objetivos. A Biblioteca Nacional da China (2008, Pequim), do escritório KSP Jürgen Engel Architekten, pode ser descrita como um verdadeiro exemplo das novas bibliotecas do chamado “mundo em desenvolvimento”: países que começaram seu processo de industrialização tardia e que apenas recentemente têm buscado construir bibliotecas para catalogar seus acervos Figura 31 Biblioteca Nacional da China
bibliográficos. A possibilidade de fazer uma grande cobertura translúcida permite a entrada de luz constante e sua planta quadrada, com vão central (semelhante à ideia da Biblioteca de Exeter) cria vários ambientes de acervo e leitura separados. A biblioteca também possui espaços para usos diversos, como área para acesso aos computadores, estudos em grupo ou individuais, entre outros. Um grande exemplar de biblioteca universitário no mundo hoje pode ser a da Universidade de Utrecht (2004, Holanda), de Wiels Arets. Sendo hoje a maior biblioteca da Holanda, seu grandioso prédio, preto e de
Figura 32 Biblioteca de Utrecht
arquitetura arrojada, a biblioteca possui um programa bem complexo, como se vê sendo comum: diversos espaços separados de acervo, estudos, individuais ou em grupos, auditório, espaços para reuniões, entre outros.
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Tantos outros exemplos como esses podem ser encontrados no mundo inteiro, como a Biblioteca José de Vasconcelos (2006, Cidade do México), de Alberto Kalach, e a Biblioteca Centro Grimm (2009, Berlim, Alemanha), de Max Dudler, entre tantas outras. No entanto, uma pequena biblioteca no interior da China é que tem chamado muita atenção no meio arquitetônico. A Biblioteca Liyuan (2012, Jiaojiehe, China), de Liu Xiadong, é uma pequena biblioteca pública desse pequeno vilarejo a duas horas de carro de Pequim. A pequena biblioteca funciona mais como uma pequena sala de leitura, bem íntima, com uma pequena coleção de livros. Junta a uma nascente, a biblioteca tira proveito da paisagem bucólica para criar esse ar intimista, e sua arquitetura também se aproveita desse espaço. Mesmo não
Figura 33 Biblioteca José Vasconcelos
sendo um grande exemplo de praticidade, pela localização e tamanho, é um bom exemplo de que uma biblioteca não precisa ser imensa para ser.
Figura 34 Biblioteca de Liyuan
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A Problemática do Século XXI A Questão da Tecnologia As bibliotecas no mundo, ao longo da história, refletiram as modificações que as tecnologias exerceram em sua arquitetura e na forma como elas foram sendo usadas. Desde o início da prensa móvel, que junto à cada vez maior alfabetização da população, criou bibliotecas cada vez maiores e com acesso ao público, até a chegada da energia elétrica, que permitiu que as bibliotecas ficassem abertas a noite e pudessem ter menos janelas, abrindo mais espaço ao acervo e permitindo novas formas arquitetônicas. O século XXI, desde o final da segunda metade do século XX, vem encontrando uma nova revolução, a da informação, sendo essa considerada por alguns estudiosos como uma nova revolução industrial no mundo. A Revolução da Informação, ou Revolução Digital ou Terceira Revolução Industrial. Essa revolução pode ser vista de duas formas: 1- A chegada das máquinas como o computador e de tecnologias como a internet têm criado um aumento na produtividade humana, a busca por dados de pessoas, instituições, econômicos ou comportamentais, cria
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um ambiente que proporciona uma nova forma de produzir e atender às demandas da população. 2- A internet, o computador, o celular, a televisão, e tantas outras tecnologias permitem que uma parcela cada vez maior da população tem acesso à informação, seja jornalística ou de entretenimento, de conhecimento específico ou não, mas garante que cada vez mais a população mundial tenha acesso à toda informação produzida, hoje ou anterior, no mundo. Essa revolução digital afeta desde a indústria automobilística, com a automação da produção, até o ensino, com o surgimento de aulas a distância, por exemplo. Portanto, não é exagero afirmar que se vive hoje uma verdadeira revolução da sociedade. No entanto, essa revolução acontece de forma muito rápida, o que pode ser constatado com a população no dia a dia. As mudanças de tecnologia, constantes atualizações de programas virtuais, novas formas de se fazer alguma ação online, são alguns exemplos de como a tecnologia exerce essas mudanças numa velocidade cada vez maior, mais do que a mente humana pode ser capaz de processar. No universo da leitura, a tecnologia vem proporcionando o surgimento de livros digitais, acervos online, acesso a livros gratuitos pela internet, novas mídias para se ter acesso à leitura tradicional além de novas formas
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de entretenimento e busca por conhecimento e informação. A leitura tradicional, física, portanto tem se tornado apenas mais uma opção em uma miríade de possibilidades.
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As Bibliotecas e a Tecnologia Se podemos afirmar que a tecnologia vem mudando, evoluindo, num passo acelerado, maior até do que a mente humana pode ser capaz de processar, a biblioteca, um tipo que tem como parte de seu cerne ser uma instituição clássica, histórica, quase parada no tempo, sofre com esse processo de renovação constante. Muitas bibliotecas no mundo buscaram se atualizar com as novas tecnologias. O fim do fichamento físico de livros, onde um visitante tinha que procurar em imensas paredes de gavetas o livro que buscava em meio a um mar de fichas de livros, e o surgimento de terminais centrais de catalogação, um computador em prédio central que permitia acessar a ficha virtual de todos os livros naquele sistema de bibliotecas, são um exemplo. Arquivos guardados em disquetes, alguns ainda gigantes (8’’ contra os de 3”) e que necessitavam de leitores específicos, leitores de microfilme para jornais antigos e rolos de filmes e documentários, também são exemplos de mídias diferentes que muitas bibliotecas armazenavam e que hoje são consideradas ultrapassadas e praticamente impossíveis de se ter acesso. Junto a isso, o surgimento dos livros digitais, ou e-books, e os acervos virtuais, de muitas bibliotecas, têm feito com que o movimento de usuários em bibliotecas, assim como o empréstimo de livros, diminuído consideravelmente. Muitas bibliotecas passaram a ter que buscar outras
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formas de garantir que não apenas leitores e pesquisadores fossem a seus prédios, mas usuários diversos. As bibliotecas passaram então a buscar novas formas de oferecer serviços ao público. Como diz Marilyn Deegan em seu livro: “Assim como o método de registro humano mudou da pena para a prensa móvel há 500 anos, agora ela muda do impresso para o digital. A biblioteca deve continuar a oferecer livros e materiais impressos, mas também imagens, textos e sons para os computadores de estudantes, faculdades e público. ” DEEGAN, Marilyn
Isso é visível nos exemplos de bibliotecas contemporâneas, surgindo com o modernismo e se intensificando ainda mais após os anos 90. As bibliotecas têm buscado oferecer espaços de estudo dos mais variados, em grupo, individual, em espaços amplos ou em cubículos separados. Oferecem auditórios para palestras ou eventos, espaços para exposição, salas de reunião, espaços com computadores, entre outros, o que faz com que o acervo da biblioteca, muitas vezes, se torne apenas um ponto secundário. Das bibliotecas contemporâneas, percebe-se que elas têm buscado se especializar em três pontos essenciais, convergentes ou não entre eles: bibliotecas de estudo, bibliotecas de depósito legal e bibliotecas
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comunitárias. Esses ambientes bibliotecários podem se misturar, mas nunca agregar os três pontos, e isso é visível nas bibliotecas que se mantêm ativas hoje, inclusive no Brasil. As bibliotecas de estudo são as bibliotecas voltadas para oferecer um espaço para estudantes essencialmente, espaços calmos, silêncio, grande oferta de mesas e cadeiras e internet de qualidade, garantindo que esses estudantes possam acessar outras mídias em seus estudos. As bibliotecas de depósito legal, como explicado anteriormente, são bibliotecas cujo propósito é catalogar toda e qualquer publicação produzida no país. No Brasil, as bibliotecas que possuem esse fim, devem receber uma cópia de todo o livro produzido no Brasil. Esses livros são catalogados, adicionados ao acervo e podem então estar acessíveis ao público em geral, além disso, essas bibliotecas buscam concentrar acervos históricos e raros para o país ou humanidade. Bibliotecas comunitárias são essencialmente bibliotecas de pequeno porte, que visam oferecer livros de forma gratuita para empréstimo a pequenas populações, garantindo o acesso à leitura à população em geral de forma mais rápida e próxima. Se as bibliotecas estão sofrendo com uma diminuição do seu público e com o aumento dos acervos e livros digitais, essas bibliotecas podem ser a resposta mais momentânea a esse problema.
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As Bibliotecas de Brasília Brasília possui atualmente uma rede de bibliotecas públicas (Rede de Bibliotecas Públicas do Distrito Federal - RBP/DF) gerenciadas pela Secretaria de Estado de Cultura do DF. Essa rede é composta por 26 bibliotecas públicas, espalhadas por todo o Distrito Federal, que oferecem livros para empréstimo gratuitamente, além de outras ações. Além dessa rede, Brasília conta com mais 50 universidades e faculdades, públicas e privadas, que possuem seus próprios sistemas de bibliotecas universitárias, e um número ainda maior de escolas, públicas e privadas, que têm suas próprias bibliotecas escolares. Junto a esse enorme número de bibliotecas, ministérios, secretarias, o governo do DF, o governo federal, a Câmara e o Senado, além de diversos órgão públicos e centros religiosos também possuem suas próprias bibliotecas especializadas em suas áreas. Dentro dessa infinidade de bibliotecas, de todos os tamanhos e tipos de acervo, para realizar os estudos de caso foram selecionadas três bibliotecas representantes dessas três divisões básicas: a Biblioteca Nacional de Brasília, a Biblioteca Central da Universidade de Brasília e a Biblioteca do Senado Federal. Esses três exemplos são provavelmente os
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mais proeminentes de suas especificidades (pública, universitária e institucional).
Biblioteca do Senado Federal “Missão: Fornecer o suporte informacional necessário às atividades desenvolvidas no âmbito do Senado Federal e do Congresso Nacional. ” Site da Biblioteca do Senado
Figura 35 Entrada da Biblioteca
História A Biblioteca do Senado foi fundada ainda em 1826, durante o império de Dom Pedro I. Fundada ainda com o nome de Livraria do Senado, a forma como as bibliotecas eram então chamadas na língua portuguesa. A Biblioteca se originou como uma proposta do Barão do Cairu, um dos senadores à época, ao presidente do Senado, Visconde de Santo Amaro, de formar um acervo de livros que ajudassem nas atividades do legislativo. Entre a Monarquia e a construção de Brasília, a Biblioteca do Senado teve diversas casas: Palácio Conde dos Arcos, em sede própria e no antigo Palácio Monroe. Com a transferência da capital, em 1960, a biblioteca foi realocada para dentro do Congresso Nacional. Atualmente a Biblioteca se
Figura 36 Biblioteca do Senado
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encontra no anexo do Senado Federal, desde 1979, e se denomina Biblioteca Acadêmico Luiz Viana Filho.
A Biblioteca Tendo seu acesso pelo anexo do Senado, a biblioteca possui acesso com horário restrito ao público externo. A biblioteca se caracteriza como um “espaço de biblioteca” dentro de outro maior, tal qual as bibliotecas de abadias, universidades ou do Palácio de Mafra em Portugal. Sua arquitetura, portanto, se adequa ao espaço construído.
Figura 37 Biblioteca do Senado
Sua planta retangular profunda tem como acesso uma pequena recepção com o acervo ao fundo, tomando a maior parte da área. Espaços para consulta no sistema são inexistentes, se resumindo a uma bancada lateral aonde se deve pedir a um funcionário para realizar a busca. Áreas de estudo e leitura estão localizados próximo à entrada, dando uma intenção de leitura mais informal, e ao longo do corredor lateral ao acervo, dando uma intenção mais formal, de estudo. Há espaços de acervo de periódicos, de microfilme e cds, não possuindo nenhum espaço para outras mídias. Nas laterais existem os espaços administrativos e de acervo
Figura 38 Biblioteca do Senado
mais restrito, fechando o espaço da biblioteca. O acervo é composto essencialmente de literatura voltado para direito, como legislações e livros voltados para a essa área, e política, no
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entanto o acervo também é vasto em diversos campos, contendo obras de áreas como sociologia, psicologia, estatística, geografia, história, marketing e também literatura, nacional e internacional. Seu acervo atual é de cerca de 208 mil itens, em junho de 2016, com crescimento constante.
Biblioteca do Senado no Século XXI A biblioteca do senado é a mais antiga das bibliotecas estudadas e seu acervo pode remontar a dois séculos atrás, desde sua fundação. Mesmo assim, sendo a biblioteca mais tradicional e tendo um bom acervo físico, é uma pequena biblioteca institucional. Atualmente a biblioteca encontra um grande problema no que se trata do constante aumento de acervo, pois como biblioteca institucional do senado, ela deve receber e catalogar todo e qualquer documento lá produzido, além de receber doações e adquirir livros e coleções, o que leva a um aumento constante de 5 mil itens anualmente segundo o site. Isso faz com que a biblioteca sofra com seu diminuto espaço físico, que atualmente já se encontra em ocupação quase máxima das estantes.
Figura 39 Planta da Biblioteca
A Biblioteca do Senado foi a única estudada que possui um acervo digital pronto, disponível e público, com um total de 288 mil itens em outubro de 2016, contando com obras disponíveis em domínio público, a produção legislativa da casa, artigos e documentos produzidos pelo senado e toda
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publicação em livro do Conselho Editorial do Senado. Esse acervo possui um número anual de 2 milhões de acessos, o que o caracteriza como um dos sites mais acessados do Congresso Nacional. Seu público atualmente se concentra nos próprios trabalhadores do Congresso Nacional, servidores e políticos, sendo esse seu público alvo, e alunos de áreas como direito, ciências sociais e políticas e concurseiros, pela vasta bibliografia para esse público. Também existem muitos pesquisadores que buscam a biblioteca para terem acesso a obras raras e muitas vezes exclusivas, graças a disponibilização dos dados do acervo no
Figura 40 Biblioteca do Senado
site da biblioteca. Esse público usuário da biblioteca tem diminuído devido não apenas ao acesso do acervo online geral disponível na internet, mas também devido ao uso de banco de dados que a biblioteca disponibiliza aos servidores do senado, ofertando toda a produção legislativa para a casa por meio online, facilitando o trabalho dos mesmos. A Biblioteca do Senado, sendo a mais tradicional das estudadas e sendo a de menor espaço físico, possui uma pequena quantidade de oferta de tecnologias para uso do público: computadores para acesso aos dados
Figura 41 Biblioteca do Senado
do acervo e leitoras de microfilme para acesso a jornais históricos. A maior parte da tecnologia empregada no ambiente se divide em segurança,
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controle do acervo com barreira eletrônica na porta e chips nos livros, e oferta do acervo digital, scanner para cópia dos livros. O futuro da biblioteca passa por alguns problemas que vêm afligindo toda máquina pública federal, a falta de recursos. A população brasileira vê com maus olhos os gastos do governo para sua própria manutenção e a biblioteca, que já vem sofrendo com recursos escassos, busca cada vez mais diminuir o dinheiro gasto e ainda manter e melhorar a oferta de serviços. Existem diversas discussões do corpo administrativo da biblioteca para definir o futuro da mesma e como sobreviver a tempos de contenção de gastos sem perder a excelência e mantendo a sua existência, porém ainda sem prognósticos finais e disponíveis ao público. Em compensação, já há diversos investimentos na área de biblioteca digital, como a compra de scanner próprios para livros raros e antigos, além de melhoria dos servidores, fazendo com que a Biblioteca do Senado se especializa cada vez mais na sua área digital.
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Biblioteca Central da UnB “Missão: Atender a comunidade acadêmica, sustentadas pelos pilares da Universidade: ensino, pesquisa e extensão. ” Vice-diretora Marília
História Figura 42 Vista Externa da BCE
Com a criação da Universidade de Brasília se fez necessário a criação de uma biblioteca que pudesse reunir os livros que dariam apoio às atividades da universidade e que pudesse receber e catalogar toda a produção bibliográfica lá produzida. Inicialmente a ideia seria a existência de diversas bibliotecas setoriais nas várias faculdades, conversando com a ideia de uma universidade multidisciplinar, em que todos os alunos poderiam ter acesso aos outros cursos. No entanto, acabou por se criar e fundar a Biblioteca Central da UnB, inicialmente em 1962 no edifício do MEC na Esplanada do Ministérios e em
Figura 43 Vista Externa da BCE
1964 no atual SG-12, onde se encontra a faculdade de Engenharia Civil atualmente. O edifício que atualmente abriga a biblioteca foi projetado por José Galbinski e Miguel Pereira em 1968 e inaugurado em 1973.
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A Biblioteca Localizada na região chamada de Praça Maior do campus Darcy Ribeiro, na Asa Norte, da UnB, a biblioteca compõe parte dos prédios principais da universidade e forma, junto à reitoria, a “escala monumental” da área. Seu prédio foi alocado na parte mais baixa do terreno da praça, próximo à Reitoria, e possui acesso pela rua paralela à L4 Norte e por calçadas que saem das ruas, do prédio do ICC (Instituto Central de Ciências) e Reitoria.
Figura 44 Entrada da BCE
Sua arquitetura moderna e brutalista é compartilhada com os outros prédios que compõem o mesmo espaço, todos construídos no mesmo período, e cria uma unidade visual. Seu prédio é composto por três blocos, um central e mais vertical, e dois laterais mais horizontais. O prédio é semienterrado, o que permitiu uma maior horizontalidade e também uma menor ação da luz e do som sobre as áreas de acervo e estudo.
Figura 45 Planta Térreo
Sua divisão interna se configura bem complexa, com diversas subdivisões que se espalham e se repetem por todos os blocos e pavimentos. De forma simplificada, o bloco central serve como espaço administrativo, hall de entrada, circulação horizontal e vertical, acervo raro, ambientes para estudos individuais e outras atividades como sala de
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exposição, espaços multimídia e lanchonete. Os blocos laterais comportam essencialmente os espaços de acervo e estudos em grupo e a faculdade de Biblioteconomia. Essa divisão configura um ambiente de uso complexo e garante que haja usuários em todos os seus blocos e pavimentos, além de garantir uma grande oferta de espaços para usos diferenciados para toda a sorte de
Figura 46 Planta Pavimento Superior
usuário. A biblioteca é pública, tendo acesso irrestrito à toda a população, seja acesso ao acervo seja aos espaços de estudo ou multimídia, no entanto os empréstimos são realizados apenas à comunidade acadêmica, o público visado pela biblioteca. Seu acervo é composto por obras acadêmicas, produzidas por professores e alunos, livros especializados nas mais diversas áreas ofertadas como faculdades na universidade, literatura nacional e estrangeira, partituras de músicas e também periódicos, cds, imagens, jornais, cassetes e muitos outros, totalizando cerca de 1,5 milhão de itens catalogados. Desse acervo existe uma seção de obras raras, com acesso mais restrito à comunidade. Figura 47 Planta Subsolo
BCE no Século XXI Tendo sido fundada em 1973 e possuindo o maior acervo entre as bibliotecas públicas de Brasília, a BCE é um grande exemplo de biblioteca
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de grande porte que cresceu demais e hoje já não suporta mais a própria demanda. Seus 16 mil metros quadrados de área hoje não comportam mais o acervo em constante crescimento, tanto que hoje a biblioteca recusa oferta de doação de livros e não adquire mais coleções. No que tange o público usuário da universidade, esse público tem se mantido fiel à biblioteca, com um número de 4,2 mil pessoas passando por ela diariamente, tendo esse número se mantido constante ao longo dos anos. Entretanto, a quantidade de livros emprestados do acervo tem
Figura 48 Área de acervo e estudos
diminuído ano após ano, mesmo assim sendo considerado alto e satisfatório para a biblioteca. A BCE hoje busca criar um acervo digital público, ofertando parte do seu acervo de obras raras e partituras, acervos esses de desconhecimento do público e baixos níveis de consulta. No entanto, ainda é um assunto que passa por discussões e tem que ter estudos com relação aos direitos autorais que podem ser aplicados a parte desse acervo. A biblioteca oferece uma grande gama de máquinas disponíveis para o público, sendo uma grande biblioteca, entre laboratórios de computadores, reprodutores de dvd, videocassetes e outros, leitoras de microfilme, e passará a contar com tablets para usuários. Alguns mobiliários e
Figura 49 Laboratório de computadores
equipamento mais antigos, como as estantes de fichamento, são mantidos
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na seção de obras raras por caracterizar parte histórica da biblioteca, o que acarreta também em aumento de acervo. Um dos maiores problemas enfrentados hoje na biblioteca, além da impossibilidade de aumento de acervo por falta de espaço, é a precária estrutura física, que exige constante manutenção, e gastos de dinheiro para investimento, e rede elétrica deficiente, que hoje não aguenta a instalação de ar-condicionado ou novos equipamentos eletrônicos. Além disso, a falta de verbas e investimentos na biblioteca acaba por eliminar muitas
Figura 50 Gavetas de fichamento
possibilidades de aquisição de equipamentos modernos e prestação de mais serviços. Como parte da solução para a questão do acervo, foi aprovado em 2015 a criação de um sistema de bibliotecas da universidade, unindo a BCE às bibliotecas dos outros campi da cidade e também às bibliotecas independentes de outras faculdades, como as da arquitetura e do hospital universitário. Passando agora por um processo de normatização para a criação de novas bibliotecas setorizadas entre os cursos, a Universidade de Brasília poderá passar a conter com um sistema de bibliotecas como outras universidades do Brasil, como a Universidade de São Paulo ou a
Figura 51 Baias de estudo individual
Universidade Federal de Uberlândia. A biblioteca possui planos de oferecer novos serviços à comunidade, acadêmica ou pública, com a criação de atividades de extensão, delegando
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novas funções à biblioteca e abrindo-a mais ao público, porém ainda não projeções concretas no que tange o espaço físico.
Biblioteca Nacional de Brasília “Missão: Desempenha e enfatiza as funções de acesso e atendimento ao público usuário, principalmente as camadas menos favorecidas da população, por meio de ações que beneficiam o Sistema de Bibliotecas Públicas do Distrito Federal, inserindo-se, assim, na moderna perspectiva de Biblioteca Nacional. ” Site da Biblioteca Nacional Figura 52 Vista Externa da BNB
História Idealizada como parte do Plano Piloto de Brasília desde sua construção, junto ao Museu Nacional, a Biblioteca Nacional de Brasília só foi ser inaugurada em 2008 com o projeto de Oscar Niemeyer (1907-2012), quase finalizando os espaços disponíveis ao longo do Eixo Monumental. Nomeada de Biblioteca Nacional de Brasília Leonel de M oura Brizola, ou apenas BNB, a Biblioteca nasceu com o intuito de ser um espaço moderno
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com uma nova visão de biblioteca, promovendo um espaço com mais tecnologias e menos voltada para o espaço de acervo. Sua inauguração foi muito conturbada, sendo motivo de piadas e chamada de “A Biblioteca Sem Livros”, afinal, por muito anos a biblioteca esteve fechada a visitação por não poder colocar seu acervo a mostra por questões arquitetônicas e financeiras.
A Biblioteca Localizada no Eixo Monumental, via S1, entre a rodoviária e o Museu Nacional, a Biblioteca possui uma localização privilegiada para o público, com fácil acesso de ônibus, metrô e também por carro. Sua área externa é muito visitada por turistas a caminho do museu, por skatistas que usam a
Figura 54 Figura 53,54 e 55 – Plantas dos Pavimentos
praça para praticar o esporte e pelos mais diversos passantes da região. Sua arquitetura é bem típica de Ni emeyer, grande bloco em fita branco, com cobogós formando as aberturas, suspenso por pilotis, se encaixando inteiramente na temática modernista da cidade. Seu térreo é formado exclusivamente por área de recepção e segurança, laboratórios de computadores, espaço de exposição e sala de conferência e treinamento. O prédio possui outros quatro níveis acima, separados em administrativo (1º), acervo público e espaços para estudos (2º) e acervo restrito e espaço para estudos (3º e 4º).
Figura 55, 54 e 55 Plantas dos pavimentos
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Os pavimentos com acervo e áreas de leitura são divididos ao meio, paralelamente ao eixo maior, tendo ao centro, aonde se encontra a circulação vertical, um pequeno espaço de exposição e leitura informal, com sofás e revistas. O acesso ao acervo se dá por uma bancada com bibliotecário e segurança, permitindo a entrada e saída, além do empréstimo, e a busca no sistema se encontra nesse corredor. Os ambientes de estudos são em sua grande maioria individuais, tendo apenas algumas poucas salas fechadas espaço para grupos, com isolamento sonoro. Figura 56 Plantas dos Pavimentos Superiores
O acervo da biblioteca ainda se encontra em processo de catalogação e crescimento, a partir essencialmente de doações, e se encontra numa quantidade de cerca de 30 mil publicações, exclusivamente livros, revistas e partituras, porém nem todos catalogados ainda. Existe mais uma grande quantidade de livros em processo para entrar no acervo público, e, portanto, ainda existe um espaço de acervo restrito.
BNB no Século XXI A BNB é a biblioteca mais nova entre as estudadas, tendo nem mesmo dez anos de existência. Sua estrutura física ainda é muito recente e
Figura 57 Hall dos pavimentos
seu pequeno acervo ainda possui muito espaço para crescimento. No que concerne o espaço físico, a Biblioteca Nacional não tem grandes problemas, pela sua idade e sua diminuta quantidade de livros.
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Não existem dados públicos da quantidade de público atendido diariamente ou anualmente, nem quantos livros são emprestados, porém, por ser um espaço ainda muito recente não haveria um histórico de diminuição ou não nesses números. No entanto, ao entrar nas salas de estudos um visitante vai se deparar com uma grande quantidade de pessoas usando seus laptops e estudando ou usando apostilas, que provavelmente não são do acervo. O site da BNB possui uma área de acervo digital, porém o link ainda não oferece acesso a nenhum acervo disponível. Esse acervo está em
Figura 58 Ambiente de estudos
processo de criação junto aos órgãos do Governo do Distrito Federal (Fundação de Apoio a Pesquisa/FAP-DF e Secretaria de Cultura) e o Arquivo Público, porém ainda sem previsão de início de funcionamento, portanto o acervo digital não será produzido pela BNB e nem contará diretamente com o acervo físico que lá se encontra. Além do empréstimo de livros, a biblioteca oferece laboratórios de computador (51 máquinas ao todo), auditório, poltronas multimídia e ainda oferta atividades para o público externo, como sarau de leituras, apresentações de músicos, cineclube e cursos de inclusão digital. Isso faz
Figura 59 Espaço CLIC e suas 51 máquinas
com que a biblioteca não dependa exclusivamente de seu acervo e também tenha uma maior proximidade com a população.
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Mesmo sendo uma estrutura tão recente, a falta de investimentos na biblioteca acabou por criar diversos problemas físicos, como a falta de funcionamento dos aparelhos de ar-condicionado, o que impossibilita o pleno funcionamento dos laboratórios ou do auditório, fazendo com que esses e outros serviços fiquem em suspenso. Elevadores quebrados, falta de licitação para funcionamento da cafetaria e falta de seguranças e bibliotecários também acabam por comprometer a funcionalidade plena da biblioteca e impedem o acesso pleno da população.
Figura 60 Oficina de animação na BNB
A entrada desses investimentos, portanto estão impossibilitando a catalogação e disponibilização do acervo ao público e a interrupção dos serviços ofertadas a população. A BNB ainda busca melhorar e ampliar a oferta de seus serviços, sempre buscando atender a população mais carente, e melhorar sua infraestrutura.
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Análise “Em meio a uma ilha fria e chuvosa, a biblioteca é o único espaço abrigo onde não somos consumidores, mas sim cidadãos. ”
Caitlin Moran As bibliotecas estudadas colocam em xeque, ao menos no cenário brasiliense, a ideia de que as bibliotecas passam por uma crise generalizada, com falta de usuários, redução drástica de empréstimos e falta de atenção do público. O cenário desolador que se mostra nas publicações,
Figura 61 Biblioteca de Bradenburgo
principalmente estrangeiras, de que “bibliotecas estão morrendo” não se demonstram verídicas, ou pelo menos não tão catastróficas. Bibliotecas como o da Universidade de Tecnologia de Bradenburgo, simbolizam um ponto que se vê nas bibliotecas atuais, como diz o autor de A Biblioteca - Uma História Mundial: “O fato de a Universidade de Tecnologia de Bradenburgo nomear a nova biblioteca de ‘Centro de Informação, Comunicação e Mídia’ é um triste reflexo da
Figura 62 Vista externa da biblioteca
falta de prestígio da palavra biblioteca” CAMPBELL, William.
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O mesmo pode ser visto na manchete do jornal EL PAÍS: “As bibliotecas já não são mais igrejas”. As bibliotecas nos últimos anos têm perdido sua aura imaculada e sagrada e hoje buscam, cada vez mais como visto nas bibliotecas estudadas, oferecer serviços e espaços variados e que não se assemelham em nada à típica ideia de uma biblioteca: um espaço silencioso para leituras e estudos apenas. As bibliotecas, portanto, não só as estudadas, mas diversos casos vistos no mundo, estão buscando oferecer ambientes lúdicos para crianças, espaços digitais para as pessoas que buscam conexão à internet ou acesso a outras mídias, eventos educativos e culturais para o público em geral além de acervos de livros e espaços para estudos. Isso tem garantido que as bibliotecas ainda recebam usuários e se aproxime da comunidade de suas cidades. Devido à falta de apelo que os acervos físicos têm apresentado às novas gerações, hoje conectadas à internet, lendo livros em e-books e buscado mais músicas, filme e jogos de consumo mais rápido e mais atraente, as bibliotecas têm, em geral buscado oferecer seus acervos de forma gratuita e online. Bibliotecas no mundo inteiro têm feito uso desses sistemas com grande sucesso, como a Biblioteca Pública de Nova York, com um acervo online de livros antigos impressionante e de grande valor para estudiosos do mundo e de diversas áreas. A Biblioteca do Senado por
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exemplo é um bom exemplo entre as estudadas que sua biblioteca digital vem dado muito certo. Deve-se deixar claro o problema brasileiro da falta de investimentos que o poder público oferece às bibliotecas brasilienses, tanto do governo do Distrito Federal (para a Biblioteca Nacional) como do governo federal (para a BCE da UnB e a Biblioteca do Senado). As bibliotecas, como foi atestado em entrevistas a diretores de todas elas, sofrem com o descaso dos administradores, sempre sendo relegadas a segundo plano e impossibilitando melhorias de seus serviços e estrutura física. Esse problema, especialmente, é a maior entrave das bibliotecas da cidade e a que demonstra ser o maior desafio para o futuro delas. Os três casos estudados são bem diferentes em seus objetivos e sua infraestrutura, o que obviamente decorre de diferentes visões de futuro. Enquanto a Biblioteca do Senado, a mais tradicional, possui uma pequena gama de tecnologias ofertadas ao usuário, outras como a BCE busca uma constante renovação e a BNB tem isso como base para seu funcionamento. A Biblioteca do Senado funciona muito bem dentro do seu sistema, afinal, seu público é mais restrito e não tem como foco a população no geral. A BCE, mesmo com entraves financeiras e físicas, tem buscado oferecer o máximo possível a seus usuários e tem muitos planos de aquisições, porém sem previsões devido à estrutura. Já a BNB, tendo a tecnologia como base
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de sua missão, acaba por demonstrar a mais fraca entre elas, principalmente devido à falta de investimentos. É uma biblioteca com muitas possibilidades de melhorias e sua busca por oferecer os mais diversos eventos à população a colocam bem no cenário. Portanto, dentro dos casos estudados, apesar de todas as bibliotecas terem planos de melhorias e busca por novas tecnologias, adequações ao novo século e mais usuários, a maior entrave para elas é a falta de investimentos públicos para suas manutenções e melhorias.
Conclusão “Nós não temos que destruir as bibliotecas do passado. Só precisamos de fazer uma plástica. ” Scott Douglas
Ao longo da história, as bibliotecas mudaram muito, passando de salas aonde se buscava guardar todo o conhecimento escrito da humanidade no período clássico a ambientes multiuso nas últimas décadas, de grandes ambientes de exposição de livros a prédios que buscam uma maior interatividade com o público. As bibliotecas passaram e passam por mudanças e isso simboliza que apesar de tudo, elas não apenas resistindo, mas existindo.
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Todas as entrevistas realizadas com os diretores das três bibliotecas foram categóricas em afirmar que as bibliotecas não irão desaparecer, ao menos não dentro de um médio prazo. No entanto, para que elas continuem trazendo usuários e sendo relevantes na sociedade elas não podem mais ser apenas uma “caixa de livros”, mas sim buscar uma oferta cada vez maior de atividades e espaços para a população. Portanto, pode-se se dizer que as bibliotecas como conhecemos atualmente não resistam ao tempo, as bibliotecas do futuro podem se tornar instituições muito diferentes, quase irreconhecíveis para o nosso tempo.
Figura 63 Biblioteca Cooroy
Espaços lúdicos e coloridos para crianças, ambientes mais animados e barulhentos criando espaços de convivência, espaços informais para leitura, ambientes diversos para práticas variadas (de música a culinária), programação variada ao longo do dia e tudo isso junto aos elementos clássicos de uma biblioteca. Bibliotecas australianas como a Cooroy Library e escandinavas como a Ørestad Library, na Dinamarca e a Vennesla Library and Cultural Centre, na Noruega, apontam alguns caminhos que as bibliotecas no mundo estão seguindo para esse futuro ainda incerto. Deve-se deixar claro também que
Figura 64 Biblioteca de Vennesla
as bibliotecas hoje existentes têm pouca chance de deixarem de existir assim como podemos ter acesso a bibliotecas medievais ainda em funcionamento hoje com seus acervos originais em muitos casos.
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Nas pesquisas realizadas também pode ser constatado que as bibliotecas já não conseguem mais atender a tantas demandas ao mesmo tempo. Bibliotecas de depósito legal exigem espaços muito grandes para poderem guardar todo o acervo que lá é catalogado e muita logística para que toda essa estrutura funcione, o que acaba por diminuir o espaço para o público e a oferta de serviços à população. Bibliotecas de estudo exigem ambientes calmos, silenciosos, bem iluminados e uma considerável bibliografia disponível, mas também, essencialmente, internet e computadores para aqueles que lá buscam espaço para suas atividades. Biblioteca públicas, ou bibliotecas comunitárias, no entanto tem acervo ainda mais reduzido mas acabam tendo uma busca de serviços à comunidade muito maior, pela maior proximidade com a população, o que exige espaços variados e informais. Além desses exemplos, ainda existem as bibliotecas especializadas em determinados assuntos e temas, o que especializa mais o seu público alvo mas garante uma estrutura maior de acervo e uma melhor especialização da oferta de serviços ao seu público específico. As bibliotecas podem unir alguns desses objetivos, porém o desempenho de todas já não é mais possível. Cada biblioteca, portanto, deverá ter um objetivo, uma missão, bem definida e suas especializações
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deverão ser definidas a partir disso, o que já é uma busca atual delas em Brasília. Apesar de uma percepção cada vez maior de que as bibliotecas estão perdendo espaço na sociedade contemporânea, o que se percebe é que as pessoas ainda possuem um apego ao tradicional e as bibliotecas continuam buscando se adequar aos novos tempos. A partir de investimentos, sejam eles públicos ou privados, objetivos bem definidos e uma busca por bons exemplos no mundo e no país, as bibliotecas ainda terão muito tempo de vida e muitas novas poderão surgir.
“A mera existência de bibliotecas dá a melhor evidência de que talvez possamos ter esperança no futuro do homem. ” T.S. Elliot.
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