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ENSINO DE LIBRAS NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL COMO FERRAMENTA DE INCLUSÃO
SILVA, Yara Oneida Reis da
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RESUMO
O presente artigo trata do ensino de Libras nos anos iniciais do ensino fundamental como meio de inclusão educacional de alunos surdos. Para sua elaboração, foi realizada pesquisa exploratória com base na revisão da literatura. O objetivo geral deste trabalho foi verificar a importância da presença da Libras desde o início da escolarização. Os objetivos específicos buscaram traçar um breve histórico de como o surdo vem sendo visto no Brasil, comentar sobre como ocorre o processo de inclusão escolar dele e a importância da Libras como língua identitária da comunidade surda, por isso, a ser aprendida e utilizada no espaço escolar. Através do referencial teórico utilizado, pôde-se verificar que é necessário que a escola e os educadores conheçam as especificidades educacionais das pessoas surdas, pois a educação inclusiva requer uma mudança do que é realmente entendido como ensino escolar. Para que isso ocorra, o estudante surdo deve ter acesso a todo o conteúdo disponibilizado pela escola, respeitando a sua condição, ou seja, de um falante da língua de sinais. Se o estudante passar a trabalhar com a Libras e a língua portuguesa desde os anos iniciais do ensino fundamental, contar com professores especializados, tradutores e intérpretes, será possível fazer com que a educação escolar torne-se um espaço efetivo para a formação integral desse indivíduo, tornando possível que se torne um cidadão atuante na sociedade.
Palavras-chave: Surdez; Inclusão; Libras.
ABSTRACT
This article deals with the teaching of Libras in the early elementary years, as a means of educational inclusion of deaf students. For its elaboration, exploratory research was carried out based on the literature review. The general objective of this study was to verify the importance of libras’ presence since the beginning of schooling. The specific objectives sought to trace a brief history of how the deaf have been seen in Brazil, to comment on how his school inclusion process occurs and the importance of Libras as an identity language of the deaf community, so to be apprenticed and used in the school space. Through the theoretical framework used, it was possible to verify that it is necessary for the school and educators to know about the educational specificities of deaf people, because inclusive education requires a change from what is actually understood as school education. For this to occur, the deaf student must have access to all the content made available by the school, respecting their condition, that is, a sign language speaker. The student must use Libras and the Portuguese language since the early years of elementary school, have specialized teachers, translators, and interpreters, thus, it will be possible to make school education effective for the integral formation of this individual, making it possible for him to become an active citizen in society. Keywords: Deafness; Inclusion; Libras.
1. INTRODUÇÃO
A partir da linguagem, o ser humano tem a oportunidade de se comunicar com seus semelhantes, o que o diferencia dos animais. Também é através do contato com a língua que o homem tem a possibilidade de se integrar socialmente. Contudo, para as pessoas surdas, tal contato é prejudicado, uma vez que a língua oral é percebida pelo canal auditivo, o qual é diferente nos surdos.
A inclusão social e educacional de estudantes com necessidades especiais tem causado diversas discussões e muita polêmica entre estudiosos e interessados de diferentes áreas. Com isso, há a busca pela melhoria na qualidade de ensino direcionada a esses indivíduos, porém, divergências com relação ao melhor caminho para alcançar esse objetivo comum.
O debate acerca da inclusão educacional vem sendo discutido desde a década de 90, a partir da Declaração de Salamanca (1994), em que ficou decidido que as escolas de ensino regular receberiam alunos com necessidades educacionais especiais. Todavia, o que se observa na prática é que nem todas as instituições estão preparadas para atender ao que reza o documento. Quando a necessidade se refere à surdez, o despreparo das instituições mostra-se mais evidente, pois não há intérpretes de Libras ou professores bilíngues suficientes para atender a esse público. Assim sendo, não há o respeito à individualidade do surdo, que tem a Libras como primeira língua.
No Brasil, a educação de surdos foi sempre focada na linguagem. Por muito tempo, foi tentado oralizá-los e somente a questão da linguagem era levada em consideração, deixando de lado o processo educacional integral. Existiam, e permanecem até hoje, também, serviços de reabilitação oral, que são prestados e desenvolvidos por fonoaudiólogos. Todavia, o enfoque na oralidade e no ensino de língua portuguesa não foi o suficiente ao longo do tempo tanto no que diz respeito à qualidade da aprendizagem quanto às especificidades dessa comunidade, que tem uma língua, a Língua Brasileira de Sinais (Libras).
Ademais, há que se considerar que, geralmente, as crianças chegam à escola sem ter adquirido uma língua, ao contrário dos não surdos. Seja pelo desconhecimento da família, seja por falta de normatização da língua, cabe à escola promover a aquisição da linguagem através de uma língua visual-espacial, isto é, a Libras.
Desse modo, este breve estudo trata do ensino de Libras nos anos iniciais do ensino fundamental como meio de inclusão educacional de alunos surdos. Para tanto, estabeleceu-se como objetivo geral verificar a importância da presença da Libras desde o início da escolarização. Como objetivos específicos, elencou-se: traçar um breve histórico de como o surdo vem sendo visto no Brasil, comentar sobre como ocorre o processo de inclusão escolar dele e a importância da Libras como língua identitária da comunidade surda. Para cumprir os objetivos propostos, foi realizada pesquisa exploratória com base na revisão da literatura acerca do tema.
A SURDEZ
A existência de pessoas surdas se dá desde o início da existência humana. Para a comunicação, os indivíduos com surdez congênita expressavam-se por sinais, devido ao fato de sentirem dificuldades em se comunicar. Como a dificuldade da audição acaba comprometendo a articulação das palavras na fala, por muito tempo, os surdos foram denominados como surdos-mudos (SÁNCHEZ, 1993).
A ausência da fala está relacionada ao fato de que existe uma ausência de audição e não a falta de um aparelho fonoarticulatório. Isso significa que o surdo possui, de fato, condições de funcionamento para a produção vocal (SÁNCHEZ, 1993). No entanto, o desconhecimento fez com que, durante um longo período, fossem vítimas de uma ideia errônea de que sua inteligência era inferior à dos demais (SÁNCHEZ, 1993). Esse pensamento influenciou as práticas sociais durante toda a Antiguidade e grande parte da Idade Média, sendo os surdos privados do acesso à instrução, que significava ler, escrever e calcular à época. Comunicavam-se utilizando poucos sinais e gestos rudimentares, já que, na família, não havia comunicação sistematizada. Com isso, eram isolados do convívio da comunidade de seus iguais (SACKS, 1990).
Justamente por conta do desconhecimento, e influenciados pelo pensamento mitológico de que a surdez era um castigo dos deuses, diferentes civilizações cometeram atos desumanos contra os indivíduos surdos, muitas vezes, deixando-os sem auxílio a sua própria sorte (SACKS, 1990).
De acordo com Góes (1996), devido à defasagem auditiva, os surdos possuem uma série de problemas para se comunicar através da linguagem dos grupos sociais em que estão inseridos. Essa falta de comunicação não vem sozinha, traz consigo problemas sociais, cognitivos e até mesmo emocionais, pois a pessoa surda, muitas vezes, é excluída, tendo sua interação com os demais prejudicada, o que culmina no seu sentimento de solidão. Em poucas palavras, sabe-se que a atividade psíquica do ser humano é regulada através da linguagem, uma vez que ela é responsável pela estruturação dos diferentes processos cognitivos. Dessa forma, pode-se entender que é a linguagem a principal constitutiva do sujeito, através da qual é possível realizar as interações fundamentais para a aquisição e efetiva construção do conhecimento (VIGOTSKI, 2001), cabendo à escola o papel de auxílio.
Educação do Surdo no Brasil
Independentemente do país, a educação dos surdos merece ser discutida. A surdez, enquanto dificuldade, deixa de ser uma limitação por meio da educação especializada, no que diz respeito aos recursos, educadores preparados e, principalmente, à utilização das línguas de sinais. Segundo Sá (2006, p. 70), “a história dos surdos é a história das relações entre as comunidades surdas e as ouvintes. É, portanto, uma história que expõe uma luta por poderes e saberes”.
As Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, Resolução CNE/CEB n. 2/2021, no Artigo 2º, determinam que:
Os sistemas de ensino devem matricular todos os alunos, cabendo as escolas organiza-se para o atendimento aos educadores com necessidades educacionais especiais, assegurando as condições necessárias para uma educação de qualidade para todos. (BRASIL, 2001)
Isso mostra que houve uma grande evolução no atendimento ao aluno com necessidades especiais.
No que diz respeito ao surdo, a primeira instituição especializada no atendimento da pessoa surda é o atual Instituto Nacional de Educação dos Surdos (INES), fundado no Rio de Janeiro em 1857. Seu início se deu sob a supervisão do professor surdo Ernest Huet, de origem francesa. O atendimento aos alunos é feito por meio do uso da língua de sinais como forma de acesso aos conteúdos curriculares, dentre os quais se pode citar as disciplinas de Língua Portuguesa, de Aritmética, de Geografia, de História do Brasil, de Escrituração Mercantil, de Linguagem Articulada, de Leitura sobre os lábios e de Doutrina Cristã (LODI, 2013).
É importante mencionar que, à época, no país, ainda não existia uma ideia comum no que diz respeito à educação de surdos. Da mesma forma, muitas famílias eram resistentes em educá-los, já que ainda consistiam em um grupo segregado da sociedade.
No ano de 1911, após passar por inúmeras modificações pedagógicas e administrativas, o Instituto estabeleceu o oralismo como metodologia oficial, fazendo uso dela como forma de ensinar aos surdos (LODI, 2013). Entretanto, até meados de 1957, a língua de sinais sobreviveu no ambiente escolar, mas fora da sala de aula, onde era proibida. Dessa forma, acabou por condicionar-se aos banheiros, pátios e corredores de escolas, ou seja, fora dos olhares docentes (LODI, 2013).
De acordo com Duffy (1987 apud QUADROS, 1997, p. 23), mesmo exposta ao processo de oralização, uma criança surda capta somente 20% do que é transmitido através da leitura labial. Ademais, na sua produção oral, dificilmente é compreendida pelas pessoas com as quais não tem convívio.
A partir do final da década de 1990, progressivamente, a língua de sinais foi sendo incorporada às políticas públicas nacionais, sendo resultado de um conjunto de reflexões e práticas originadas nos movimentos sociais. Um dos principais movimentos pela mudança culminou devido à grande insatisfação de pais e educadores acerca do desenvolvimento global dos alunos surdos. De acordo com Lodi (2013, p. 55), “apesar dos esforços e da seriedade do trabalho desenvolvido pelas instituições especializadas, até então os resultados obtidos na escolarização e na integração social não foram os esperados”.
Nesse viés, Souza (1998, p. 90) assevera que os movimentos por parte dos surdos, em busca do “direito de um ensino em Língua de Sinais”, foi um marco importante entre surdos e ouvintes. Dessa forma, a inclusão do
surdo na escola regular exigiu a presença de meios que pudessem colaborar com sua participação no processo de aprendizagem, sendo o aperfeiçoamento da escola importante para todos os alunos.
Com o movimento de inclusão educacional, por exemplo, percebe-se que há desconhecimento sobre a singularidade linguística dos alunos surdos no que diz respeito aos professores do ensino regular. As pessoas surdas utilizam duas estratégias, isoladamente ou de forma combinada, na comunicação. Utilizam da linguagem gestual, que se desenvolve sem dificuldade, mesmo isolada do contato com outros surdos, por meio da qual interagem relativamente bem em situações cotidianas mais simples.
Língua Brasileira de Sinais (Libras)
De acordo com Goldfeld (2002), as línguas de sinais são línguas consideradas naturais e utilizam o canal visuo-manual, e foram criadas por comunidades surdas através de gerações. Embora as línguas sejam diferentes nas comunidades, assim como as línguas orais, possuem estruturas gramaticais próprias, independentes das línguas orais dos países onde são utilizadas. Sendo assim, uma língua de sinais deve ser compreendida como uma língua de modalidade visual-espacial que faz uso da visão como forma de significação, utilizando-se de sinais e movimentos. Utiliza-se o termo Libras como forma de designar a Língua Brasileira De Sinais.
Do ponto de vista cognitivo, a língua de sinais é o sistema simbólico privilegiado para o desenvolvimento da linguagem pelo fato de sua modalidade visual-espacial não oferecer barreiras à aprendizagem desde a infância. Assim, sua produção ocorre por meio de signos gestuais e espaciais e sua percepção realiza-se por intermédio de processos visuais (LODI, 2013). Para que essa aprendizagem ocorra, deve estar inserida desde os primeiros anos de escolarização.
A Libras é utilizada pela maioria das comunidades surdas brasileiras, as quais se encontram concentradas principalmente nos grandes centros urbanos do país. Aqueles que residem em áreas mais afastadas tendem a criar/desenvolver um sistema gestual diferenciado, uma vez que o contato com as demais comunidades é mais escasso.
A Libras foi oficializada em território nacional pela Lei Federal n. 10.436, de 24 de abril de 2002, regulamentada em 22 de dezembro de 2005. A partir de então, foram possíveis avanços no que diz respeito à cidadania bilíngue das pessoas surdas, uma vez que acabou por ampliar os domínios da língua de sinais dentro de diferentes segmentos sociais.
Todavia, faz-se necessário que ela seja entendida como componente curricular obrigatório nos cursos de formação de professores, de nível médio e superior, além de profissionais de fonoaudiologia, visto que acaba por preparar os profissionais para a reflexão sobre formas alternativas de comunicação e de interação como requisito de acesso aos conteúdos acadêmicos.
De acordo com o Artigo IV da Lei de Libras:
O sistema educacional federal e sistemas educacionais estaduais, municipais e do distrito federal devem garantir a inclusão nos cursos de formação de educação especial, de fonoaudiologia e do magistério, em seus níveis médios e superiores do ensino da língua brasileira de sinais-Libras, como parte integrante dos parâmetros curriculares nacionais PCNS, conforme legislação vigente (BRASIL, 2005).
A inclusão educacional dos surdos
Quando se fala em educação de surdos, fala-se, de alguma forma, sobre inclusão escolar. O termo inclusão conta com vários significados. Por um lado, algumas pessoas afirmam que a inclusão é uma aula normal que todos os alunos frequentam sem o apoio de uma educação especial. Outros afirmam que o termo é usado apenas para renomear integração, pois é melhor colocar os alunos com deficiência em uma aula regular, pensando no contato com seus pares, desde que eles possam se adaptar à aula.
Conforme Voivodic (2004), “a educação inclusiva não reflete o momento presente, mas evidencia o problema social em relação à forma como os deficientes têm sido tratados”. Isso possibilita dizer que a educação inclusiva surgiu com o objetivo de amenizar a exclusão vivida durante muito tempo pelas pessoas com necessi-
dades especiais. Sendo a escola um ambiente auxiliar na formação da cidadania dos indivíduos, é por lá que essa superação excludente deve começar.
Segundo Damázio (2007), é preciso entender o movimento político cultural e educacional que quer extinguir a exclusão, procurando esclarecer os equívocos existentes, buscando soluções para os seus principais desafios. De acordo com o mesmo autor, é preciso modificar as práticas pedagógicas no que diz respeito às condições de acessibilidade, em especial às relativas às comunicações. Isso fará com que o aluno surdo não creia que as dificuldades que tem acerca da leitura e da escrita sejam oriundas da surdez. Para tanto, não são necessárias metodologias específicas para auxiliá-los.
Da mesma forma, deve-se criar situações motivadoras e estimuladoras, que possam explorar as capacidades de todos os alunos. Segundo Damázio (2007):
A organização didática desse espaço de ensino implica o uso de muitas imagens visuais e de todo tipo de referências que possam colaborar para o aprendizado dos conteúdos curriculares em estudo, na sala de aula comum. Os materiais e os recursos para esse fim precisam estar presentes na sala[...], quais sejam: mural de avisos e notícias, biblioteca da sala, painéis de gravuras e fotos sobre temas de aula, roteiro de planejamento, fichas de atividades e outros. (DAMÁZIO, 2007, p. 20)
O ambiente escolar, como uma instituição da sociedade, deve adaptar-se, metodológica e estruturalmente, a fim de proporcionar aos estudantes com necessidades especiais a oportunidade de conviver socialmente com os demais alunos.
Ainda de acordo com Damázio (2007), o sistema educacional deve proporcionar aos educadores meios para que possam prestar um bom atendimento ao aluno em processo de inclusão. Dessa forma, os professores devem atender aos alunos com a aula planejada, pensando nos recursos e momentos didáticos que oferecerão para o atendimento educacional especializado em Libras e em língua portuguesa.
Segundo Sassaki (1997), a igualdade entre as pessoas é o valor fundamental quando se trata de escolas para todos. A escola deve ser um espaço que considera aspectos da natureza política, social, econômica da sociedade, preparando os estudantes para ela.
Ao discorrer sobre a educação dos surdos, sabe-se que, inicialmente, a educação do surdo era pautada na aquisição da oralidade, seguindo os preceitos da área da fonoaudiologia. Marschark (2001) explica que é rara a exposição do surdo apenas à língua oral ou apenas à língua de sinais, mesmo que essa seja a intenção dos pais ou professores. Na prática, mesmo que a língua oral seja a predominante no ambiente, muitas crianças surdas são expostas a algum tipo de comunicação sinalizada ou gestual, ainda que espontaneamente.
Hoje, embora ainda haja abordagens que se utilizam dessa estratégia, já se sabe que o bilinguismo é uma proposta inclusiva utilizada nas escolas, pois possibilita ao surdo o acesso e aprendizagem às duas línguas: a língua portuguesa e a Libras.
Para Kozlowski (2000), “a proposta bilíngue não privilegia uma língua, mas quer dar o direito e condições ao indivíduo surdo de utilizar as duas línguas: o surdo poderá escolher a língua que irá usar diante do contexto linguístico em que estiver inserido”. Não se pode pensar como sendo diferente, já que o indivíduo surdo transitará entre a sua comunidade e a dos não surdos.
Por meio da educação bilíngue no ambiente regular de ensino, desenvolve-se o conteúdo escolar na língua portuguesa e na língua de sinais. É promovido o ensino do português como segunda língua na modalidade escrita para alunos surdos. Além disso, há a necessidade dos serviços de tradutor/intérprete de Libras e língua portuguesa e o ensino da Libras para os demais alunos da escola.
De acordo com Santos, Diniz e Lacerda (2016, p. 150), “[...] a presença do intérprete nas escolas é indispensável, pois, é ele quem vai possibilitar o acesso às informações e aos conteúdos ministrados ao aluno surdo, traduzindo e interpretando da língua de sinais para a língua portuguesa, e vice-versa”.
De acordo com o Ministério da Educação:
Para a inclusão dos alunos surdos, nas escolas comuns, a educação bilíngue/língua portuguesa/Libras, desenvolve o ensino escolar na língua portuguesa e na língua de sinais, o ensino da língua portuguesa
como segunda língua na modalidade escrita para alunos surdos, os serviços de tradutor/intérprete de libras e língua portuguesa e o ensino da Libras para os demais alunos da escola. O atendimento educacional especializado é ofertado, tanto na modalidade oral e escrita, quanto na língua de sinais. Devido à diferença linguística, na medida do possível, o aluno surdo deve estar com outros pares surdos em turmas comuns na escola regular (BRASIL, 2008, p. 16).
A inclusão de pessoas com surdez na escola comum requer que sejam buscados meios para beneficiar sua participação e aprendizagem na escola. Para tanto, conforme Dorziat (1998), o aperfeiçoamento da escola comum em favor de todos os alunos é primordial. Dessa forma, professores devem conhecer e saber utilizar a língua de sinais e a instituição deve implementar ações que tenham sentido para os alunos em geral e que esse sentido possa ser compartilhado com os alunos com surdez.
O fato de o processo ser concretizado através de línguas visuais-espaciais, garantindo que a faculdade da linguagem se desenvolva em crianças surdas, exige uma mudança nas formas como esse processo vem sendo tratado na educação de surdos.
ENSINO DE LIBRAS NOS ANOS INICIAIS
A criança surda deve estar inserida no processo de aprendizagem regular de estudo para que possa se comunicar com a sociedade, de uma maneira geral. Por meio do letramento, processo de alfabetização dos indivíduos surdos, evidencia-se a Língua Brasileira de Sinais (Libras) como fundamental no método de aprendizagem no Brasil.
Conforme já mencionado neste estudo, diante do fato das crianças surdas ingressarem na escola sem conhecer uma maneira de comunicação linguística, a instituição precisa buscar apoio em programas que garantam o acesso à Libras. Conforme Damázio (2007), na escola regular, um professor especializado acompanha o aluno surdo, explicando os diferentes conteúdos curriculares através da língua de sinais. Além disso, esses alunos devem ter aulas de Libras, com vistas à aquisição de vocabulário e conhecimento da língua. As aulas devem ser mediadas por imagens visuais e referências que possam colaborar para a aquisição da língua. Preferencialmente, os alunos são instruídos quanto à Libras, de acordo com o conhecimento que já tem sobre ela.
Muitos pesquisadores têm debruçado seus estudos sobre a melhor maneira de alfabetizar os alunos surdos, entendendo que a língua portuguesa deve ser considerada como segunda língua da comunidade surda. Assim sendo, “uma forma de escrita da Língua de Sinais torna-se emergente para a comunidade no processo de alfabetização” (QUADROS; SCHMIEDT, 2006, p. 29). Tal afirmação justifica-se pelo fato de a língua portuguesa não captar as relações inerentes à linguagem visual, sequer realiza algum tipo de associação e significação natural do processo linguístico. De acordo com Fernandes (2015), melhores resultados na alfabetização dos surdos seriam obtidos se as instituições entendessem a língua portuguesa como segunda língua. Quadros e Schmiedt (2006, p. 30) afirmam que “a criança surda brasileira deve ‘pular’ o rio de um lado para o outro sem ter uma ponte. Assim, a criança vai ser alfabetizada na língua portuguesa sem ter sido ‘alfabetizada’ na língua de sinais”.
Um bom encaminhamento das aulas fará com que o indivíduo surdo possa se sentir motivado e seguro no processo de aprendizagem. Essa aprendizagem deve ser integral. Além dos conteúdos relacionados à linguagem, deve também trabalhar com os demais conteúdos escolares.
Dessa maneira, a leitura e a escrita em Língua de Sinais são de relevante importância, pois a “alfabetização de crianças surdas enquanto processo; portanto, só faz sentido se acontece na Libras” (QUADROS, 2000, p. 3). Ela se constitui como padrão para que o surdo consiga adquirir a linguagem, compreenda os conteúdos educacionais, consiga interagir com seus pares, bem como para que lhe seja possível a aquisição da língua portuguesa.
As Diretrizes e Bases da Educação Nacional Lei n. 9.394/96 estabelecem, no Artigo 59, garantias de que crianças com necessidades especiais terão: “currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos, para atender as suas necessidades”, buscando assegurar um ensino vasto de possibilidades.
Partindo das questões abordadas até o presente, quando se reflete sobre a língua que a criança surda usa, a Libras, e o contexto escolar, é importante pensar também na alfabetização.
Alfabetização
A alfabetização é um processo que ocorre durante a vida do ser humano. Em especial, as crianças passam por esse processo assim que adentram o sistema educacional ou antes, quando inseridas em um meio que propicie a interação com o mundo escrito. Inicialmente, são formuladas hipóteses e há o estabelecimento de significado para que, então, se possa dizer que houve a aquisição da escrita.
De acordo com Soares (2003), a “alfabetização em seu sentido próprio, específico: processo de aquisição do código escrito, das habilidades de leitura e escrita.” A alfabetização pode ser compreendida como um processo de aprendizagem baseado na codificação e na decodificação de sinais gráficos.
Kramer e Abramovay (1985) entendem a alfabetização como:
[...] um processo ativo de leitura e interpretação, onde a criança não só decifra o código escrito, mas também o compreende, estabelece relações, interpreta. Desse ponto de vista, alfabetizar não se restringe à aplicação de rituais repetitivos de escrita, leitura e cálculo, mas começa no momento da própria expressão, quando as crianças falam de sua realidade e identificam os objetos que estão ao seu redor. Segundo nosso enfoque, pois, alfabetização não se confunde com um momento que se inicia repentinamente, mas é um processo de construção. (KRAMER e ABRAMOVAY, 1985, p. 104)
Conforme Cagliari (1998), o processo de alfabetização se realiza quando o indivíduo descobre como o sistema de escrita funciona. Nesse momento, ele aprende a decifrar a escrita e a ler. Sendo assim, para que um aluno seja considerado alfabetizado, é necessário que ele saiba identificar as letras do alfabeto, consiga juntar sílabas, formar palavras, elaborar frases e textos. Ainda, para que a leitura seja considerada significativa, é necessário que o aluno tenha a capacidade de interpretar aquilo que lê.
Como a alfabetização é considerada um processo que faz parte da vida do ser humano, com as crianças surdas não deve ser diferente. No entanto, como não é possível estabelecer a relação fonema-grafema, as relações entre significado e significante a serem estabelecidas devem ser visuais. Isso significa que o enfoque da alfabetização do surdo será na autonomia da escrita.
Conforme Ferreiro e Teberosky (1985), os níveis de alfabetização se dão com base em sistemas escritos. São eles: pré-silábico, silábico, silábico-alfabético e alfabético (com suas respectivas subdivisões). No que diz respeito à alfabetização do indivíduo surdo, tais níveis acabam não sendo seguidos. Isso se deve à maior dificuldade encontrada por eles no momento de estabelecer as relações de sentido entre as palavras.
Os estudos de Ferreiro e Teberosky (1985) sobre a alfabetização denominam que o nível silábico, relação entre as representações escritas e sonoras, para o surdo, deve ser visual. Nesse caso, a leitura labial faria o papel da representação sonora.
Para o aluno surdo, a dificuldade inicial é a respeito da escrita alfabética da língua portuguesa no Brasil, que não serve para representar significação com conceitos elaborados na Libras, visto ser uma língua visual-espacial. Os grafemas, sílabas e palavras na língua portuguesa acabam não apresentando relação com o que é apresentado na Libras, que se relaciona com a língua falada.
Para tanto, há a necessidade de adaptação e aprimoramento dos termos científicos a serem ensinados, especialmente pelos professores de áreas específicas, que não a de língua, como História, Matemática ou Geografia. Quando não há algum termo científico dentro da Libras, seja a partir de outros surdos ou dicionários, cabe aos educadores a criação de um novo sinal.
Da mesma maneira, há alguns anos, o estudo da língua de sinais revolucionou as perspectivas de aquisição da linguagem por crianças surdas e o reconhecimento de que a língua de sinais não é uma linguagem ágrafa, ou seja, sem escrita. Isso mudou o processo de alfabetização dessas crianças.
A escrita em língua de sinais registra a relação natural entre crianças e a língua visual-espacial. Se as crianças puderem usar essa forma de escrita para estabelecer hipóteses sobre a escrita, então a alfabetização será o resultado desse processo.
O uso de materiais auxiliares pode ajudar os alunos a completar o desenvolvimento da escrita, registrando informações de aprendizagem relevantes. Para Damázio (2007, p. 23), “o caderno expressa sua compreensão
sobre os termos representados em Libras. Os alunos recorrem sempre a esse caderno, como se fosse um dicionário particular.”
Considera-se que o letramento é indispensável para a aprendizagem da criança com perda total de audição. Portanto, somente após as crianças surdas estarem alfabetizadas na escrita da Libras, sugere-se iniciar a aquisição formal da língua portuguesa, nesse caso, a segunda língua das crianças.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desde os tempos mais remotos, os surdos e outras pessoas com deficiência têm sofrido uma série de desrespeitos e discriminações. Por muito tempo, essas pessoas nem mesmo foram consideradas seres humanos, foram consideradas “anormais” e sofreram várias atrocidades.
Algumas civilizações consideravam os surdos como pessoas sem inteligência, outras acreditavam que o fato da pessoa nascer surda estava relacionada a algum castigo vindo dos deuses. Dessa forma, esses indivíduos deviam ser isolados para que sua “praga” não contaminasse os demais. Muitas dessas civilizações escravizavam seus surdos como forma de castigá-los.
No Brasil, não foi diferente. Durante séculos, o surdo foi visto de forma pejorativa e a ele nenhuma importância era dada. Apenas em 1857, a pessoa com surdez passou a ser vista pela sociedade, fato que ocorreu com a criação de um instituto que visava a educação voltada para aqueles que não eram ouvintes.
A existência de uma língua de sinais, no caso, a Língua Brasileira de Sinais (Libras) foi uma grande conquista para os surdos. A partir dela, é possível que a pessoa surda se comunique com o mundo. Contudo, ainda há poucas pessoas com conhecimento pleno de tal língua, inclusive dentro dos espaços escolares.
Outro fator bastante importante para os surdos é a inclusão. A partir da Declaração de Salamanca (1994), ficou decidido que todos os alunos com necessidades especiais deveriam ser matriculados em salas de aula de ensino regular. Essa seria uma estratégia para que quaisquer alunos tivessem a oportunidade de socializar com outros alunos, independentemente de necessidades especiais. Porém, a inclusão enfrenta alguns obstáculos, pois, para que ela ocorra, é necessário que exista, em salas de aula, professores capacitados.
A alfabetização é entendida como a aquisição de códigos linguísticos, mais precisamente, a aquisição do alfabeto e sua utilização. No entanto, a alfabetização de crianças surdas deve ocorrer de maneira diferente, uma vez que a língua portuguesa deve ser compreendida como segunda língua para eles e a Libras possui diferenças da língua oral.
Nesse ponto, não se pode negar que a presença da Libras desde o processo de alfabetização é essencial dentro das escolas. É por meio dessa língua que os indivíduos surdos poderão se comunicar e, a partir dela, terem o conhecimento da língua portuguesa, pertencendo totalmente à sociedade grafada que existe.
Todavia, ainda há um longo caminho a ser trilhado pela educação inclusiva. As leis já estão prontas, porém as escolas devem ser preparadas para receber estes alunos e lhes oferecer um ensino de qualidade que vise seu pleno desenvolvimento e sua plena inclusão.
Ressalta-se que este estudo é bastante superficial, exigindo um maior aprofundamento acerca da temática. Entretanto, visa contribuir para estudiosos da área dando-lhes um norte acerca daquilo que pode ser analisado referente ao conteúdo estudado.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Declaração de Salamanca e Linha de Ação sobre Necessidades Educativas Especiais. Brasília: Corde, 1994. BRASIL. Decreto n. 5626, de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei n. 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras, e o art. 18 da Lei n. 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Diário Oficial da União, Brasília, 23 dez. 2005.
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