ISSN: 2526-0529
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v.3 n.1 janeiro/junho 2019
CONSELHO
Comissão Editorial Profª Ma. Elizane Andrade da Silva Profª Ma. Gislaine Vilma Vidal Kazeker de Siqueira Profª Ma. Noeli Pinto Steklain Prof. Me. Francisco Del Ducca Correa Profª Drª Fabiana Alves Mourão Prof. Dr. Hugo Moura Tavares Profª Ma. Franciele Cristina Manosso Profª Ma. Mirian Ramos Marques Pimentel Profª Ma. Lorete kossowski Mocelin Prof. Me. Joel Pereira Munhoz Junior Profª Ma. Cassiana Fagundes da Silva Prof. Me. Roberto Luis Renner Profª Ma. Edicléa Veiga Profª Ma. Flávia Brito Dias Profª Ma. Claudia do Carmo de Stefani Prof. Me. Diógenes Cogo Furlan Prof. Me. Evandro Alberto Zatti Profª Ma. Vera Lucia Costa da Silva
Comitê Científico Profª Drª Clélia Peretti – PUC – PR Profª Drª Kelen dos Santos Junger – UNESPAR – União da Vitória Profª Drª Rita de Cássia Gonçalves Pacheco dos Santos – Universidade Tuiuti do Paraná Profª Drª Valéria de Meira Albach – UEPG – PR Profª Drª Deisily de Quadros – UNINTER – PR Prof. Dr. Dorival de Stefani – UTFPR Prof. Dr. Carlos Eduardo Marquioni – Universidade Tuiuti do Paraná Profª Drª Claudineia Kudlawicz Franco - PUC - PR Profª Drª Elaine Turk Faria – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Prof. Dr. Érico Hack – Faculdades OPET Profª Drª Luana Priscila Wunsch – Centro Universitário Internacional UNINTER Profª Drª Maria Fani Scheibel – Universidade Federal do Rio Grande Profª Drª Maria Iolanda Fontana – Universidade Tuiuti do Paraná Profª Drª Marilene Weinhardt – Universidade Federal do Paraná Prof. Dr. Paulo José da Costa – Universidade Estadual de Maringá
DADOS CATALOGRÁFICOS
Ficha Catalográfica elaborada pela Fael. V857
Vivências educacionais / Faculdade Educacional da Lapa. v.3, n.1 (jan.- jun. 2019) - . – Lapa: Fael, 2019 Semestral ISSN: 2526-0529 1. Ensino superior 2. Formação 3. Educação a distância I. Faculdade Educacional da Lapa CDD 370
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Presidente do Conselho Profª Ma. Luciana Rocha de Luca Dalla Valle
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Editora Fael Diretoria de Operações Acadêmicas
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Coordenação Editorial
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Capa
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Revisão
Editora Coletânea
Tradução
Alexandre Scussel
Infraestrutura TI
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APRESENTAÇÃO
A Revista Vivências Educacionais, apresenta a sua 3ª edição e segue com o desafio de documentar as experiências de docentes e discentes dos cursos de Graduação e Pós-graduação da FAEL para todo o País. Amparada pelas linhas de pesquisa cultura, tecnologia e aprendizagem e sustentabilidade organizacional, a terceira edição da revista apresenta abrangência e pertinência com temas que dialogam com toda a realidade brasileira. Os artigos dessa edição, versam sobre temáticas que incluem vários desafios educacionais: ensinar outra língua levando em conta a afetividade, destacada no artigo A RELAÇÃO AFETIVA ENTRE A LÍNGUA ESPANHOLA E OS EDUCANDOS DA EDUCAÇÃO BÁSICA; a proposta de reflexões relevantes sobre a inclusão, tema com tanto destaque na educação brasileira, destacada em dois artigos, EDUCAÇÃO INCLUSIVA: REALIDADE E UTOPIA e BRINCANDO E APRENDENDO: O LÚDICO COMO FATOR DE INCLUSÃO NO ENSINO INFANTIL. O primeiro oferecendo tema para reflexões que precisam permear o universo de educadores e da sociedade como um todo e o segundo, tão caro ao mundo da educação das crianças pequenas, destacando a importância do brincar e do imaginar como elemento de integração e facilitação da inclusão. A vertente social da educação é lembrada no artigo O ENCONTRO ENTRE A DIALOGICIDADE EM PAULO FREIRE E A EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: CAMINHOS PARA A TRANSFORMAÇÃO SOCIAL; bem como um importante aspecto da caminhada de docentes, a necessidade de capacitação continuada, pode ser lida no artigo: A PRÁTICA REFLEXIVA E FORMAÇÃO CONTINUADA NO DESENVOLVIMENTO PESSOAL E PROFISSIONAL DO PROFESSOR (PEDAGOGO) NA EDUCAÇÃO BÁSICA. Duas abordagens específicas para a prática em sala de aula também são abordadas nessa edição: em SOFTWARE GEOGEBRA: UM ESTUDO DE CASO DE SEU USO PARA O ENSINO DE FUNÇÃO EXPONENCIAL NO ENSINO MÉDIO apresenta-se as vantagens e os benefícios da utilização da tecnologia para oportunizar aprendizagem significativa em sala de aula de Ensino Médio, nível educacional com tão necessária revisão metodológica em todo país. Em TENDÊNCIAS E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS PARA O ENSINO RELIGIOSO ESCOLAR apresenta-se uma leitura histórica dos contextos e legislações que ampararam as diversas práticas desta disciplina ao longo das décadas. A história apresentada, pode trazer luz aos ensinamentos da atualidade, em que a religiosidade se apresenta importante para o entendimento do mundo contemporâneo. O capital humano é valorizado no artigo A IMPORTÂNCIA DO CAPITAL INTELECTUAL PARA O DESENVOLVIMENTO DAS ORGANIZAÇÕES EMPRESARIAIS em que há destaque para o capital intelectual da empresa em consonância com o mercado de trabalho que exige cada vez mais profissionais criativos e práticos, que conhecedores de seu trabalho possam agregar ao patrimônio da empresa. A modalidade da Educação à Distância está presente nessa edição com uma importante revolução que acontece nas plataformas de educação: a biblioteca digital. No artigo: A ATUAÇÃO DO BIBLIOTECÁRIO NO ENSINO SUPERIOR EAD: REFLEXÕES SOBRE BIBLIOTECA DIGITAL E DIREITOS DO AUTOR se tece importantes considerações sobre a leitura e escrita de materiais, com respeito à direitos autorais. Em tempos de facilidade de tornar públicos diversos textos pela disseminação das plataformas e redes sociais, a preservação e respeito a autoria, é importante em todas as esferas, especialmente no campo da EAD, semeadora de muitas produções. Com temas tão vastos, tenho certeza que o leitor encontrará aqui um celeiro de informações que podem ajudar na sua formação pessoal e profissional. Fico também orgulhosa de apresentar mais essa produção intelectual da FAEL. Desejo uma ótima leitura e boas vivências educacionais. Uma ótima leitura! Lapa, 10 de junho de 2019. Prof.ª Ma. Luciana Rocha de Luca Dalla Valle Presidente da Comissão Editorial Faculdade Educacional da Lapa - FAEL
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO....................................................................................................................................................5 A IMPORTÂNCIA DO CAPITAL INTELECTUAL PARA O DESENVOLVIMENTO DAS ORGANIZAÇÕES EMPRESARIAIS.......................................................................................................................................................9 The Importance of Intellectual Capital for the Development of Business Organizations DIAS, Gessé Ferreira ZANETTI, Elizabeth A RELAÇÃO AFETIVA ENTRE A LÍNGUA ESPANHOLA E OS EDUCANDOS DA EDUCAÇÃO BÁSICA......18 The affective relation between the Spanish language and the students of basic education GONÇALVES, Fanael Bastos MATOS, Mara Eli de A ATUAÇÃO DO BIBLIOTECÁRIO NO ENSINO SUPERIOR EAD: REFLEXÕES SOBRE BIBLIOTECA DIGITAL E DIREITOS DO AUTOR.....................................................................................................................27 A The role of the librarian in Distance Higher Education: reflections on digital library and copyright SILVA, Thiago Leite Amaro da LEONARDI, Sandra Eleine Romais BRINCANDO E APRENDENDO: O LÚDICO COMO FATOR DE INCLUSÃO NO ENSINO INFANTIL............35 Playing and learning: the playful as an inclusion element in the children education ALBUQUERQUE, Judithe da Costa Leite DIAS, Gilmar EDUCAÇÃO INCLUSIVA: REALIDADE E UTOPIA.............................................................................................44 Inclusive education: reality and utopia OLIVEIRA, Eudeir Barbosa de WITHERS, Simone Weinhardt O ENCONTRO ENTRE A DIALOGICIDADE EM PAULO FREIRE E A EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: CAMINHOS PARA A TRANSFORMAÇÃO SOCIAL.................................................................................... ...........................58 The meeting between dialogicity in Paulo Freire and the university extension: ways for social transformation SANTOS, Felipe Imidio FARIAS, Maria de Lourdes Mazza de Faculdade Educacional da Lapa - FAEL
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SUMÁRIO
SOFTWARE GEOGEBRA: UM ESTUDO DE CASO DE SEU USO PARA O ENSINO DE FUNÇÃO EXPONENCIAL NO ENSINO MÉDIO.............................................................................................................................................67 GeoGebra Software: a case study for teaching exponential function in High School TOBIAS, Germano de Jesus DIAS, Gilmar TENDÊNCIAS E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS PARA O ENSINO RELIGIOSO ESCOLAR..................................74 Tendencies and pedagogical practices for religious school education GUSSO, Sandra de Fátima Krüger A PRÁTICA REFLEXIVA E FORMAÇÃO CONTINUADA NO DESENVOLVIMENTO PESSOAL E PROFISSIONAL DO PROFESSOR (PEDAGOGO) NA EDUCAÇÃO BÁSICA...............................................................................83 Reflective practice and continuous learning in the personal and professional development of the teacher (pedagogue) in basic education GREGÓRIO, Simone de França MARTINS, Edson
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DIAS, Gessé Ferreira1 ZANETTI, Elizabeth2
RESUMO A economia mundial vive um cenário de constantes mudanças e é preciso estar atento aos acontecimentos relacionados às tendências e aos comportamentos dos mercados globalizados atuais. O trabalho apresentado objetiva demonstrar o importante papel do capital intelectual frente às empresas, gerando desenvolvimento e agregando valor de mercado. O diferencial competitivo não está mais no tamanho da estrutura física ou na quantidade dos colaboradores que as empresas empregam, e sim no conjunto de conhecimentos, habilidades, experiências, capacidade de inovar, que, agregados e geridos de maneira correta, constituem importante capital (intelectual) capaz de transformar o valor de mercado das empresas dez vezes mais em relação ao valor financeiro. Este trabalho foi realizado por meio de pesquisa bibliográfica, com tema que surgiu da necessidade de mostrar a empresários que precisam dar maior atenção aos componentes do capital intelectual em busca de diferencial competitivo. Atualmente, o valor é criado pela capacidade de inovar e de produzir por meio de aplicações do conhecimento ao trabalho. Surgem novos grupos na sociedade, que são trabalhadores em busca de informação, profissionais que sabem como alocar conhecimento para usos produtivos. Palavras-chave: Capital intelectual. Conhecimento. Competitividade. Vantagem. Habilidade.
ABSTRACT The world economy is undergoing a constantly changing scenario and we must be aware of the events related to the trends and behaviors of today’s globalized markets. The present paper aims to demonstrate the fundamental role of intellectual capital in the companies, developing and raising value. The competitive advantage is no longer in the size of the physical structure or in the number of employees of the companies, but in the set of knowledge, skills, experiences, capacity to innovate that, when properly managed and put together, constitute an important capital (intellectual), capable of transforming the market value of companies ten times more comparing to the financial value. This study was carried out through bibliographical research, and it’s motivation came from the need to present to entrepreneurs who need to pay more attention to the components of the intellectual capital when looking for a competitive advantage. Nowadays, value is generated by the ability to innovate and produce through the applications of knowledge into work. New groups emerge in society, workers searching for information, professionals who know how to allocate knowledge for productive uses. Keywords: Intellectual capital. Knowledge. Competitiveness. Advantage. Ability. 1 Graduado em Administração de Empresas e Ciências Contábeis, especialista em Gestão Pública, Gestão de Processos Gerenciais, pós-graduando em Gestão Estratégica de Pessoas pela Faculdade Educacional da Lapa (Fael). 2 Mestre em Engenharia da Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (Ufsc), especialista em Psicologia de Recursos Humanos pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), bacharel em Administração de Empresas pela Fundação de Estudos Sociais do Paraná (Fesp) e especialista/EaD. Revista Vivências Educacionais
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A importância do capital intelectual para o desenvolvimento das organizações empresariais The Importance of Intellectual Capital for the Development of Business Organizations
A importância do capital intelectual para o desenvolvimento das organizações empresariais
1 INTRODUÇÃO Após a Revolução Industrial, vivemos uma acelerada transformação no modo de administrar empresas. A globalização da economia provocou uma acirrada competitividade entre os diversos setores econômicos e não existem mais distâncias entre grandes e pequenas empresas; o que move a economia moderna não são as máquinas, mas as habilidades intelectuais e o cérebro dos técnicos especialistas.
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O capital intelectual se tornou a fonte de riqueza tanto dos indivíduos como das organizações. Drucker (2003) aponta que o recurso econômico básico – os meios de produção – não é mais o capital nem são os recursos naturais ou a mão de obra: será o conhecimento. O tema tratado neste artigo surgiu da necessidade de mostrar a empresários que estamos vivendo na era do conhecimento, da informação e da capacidade de inovação, sendo o ser humano o mais importante elemento nesse processo, no qual a busca pelo desenvolvimento de novos produtos e serviços exige que a empresa empregue esforços para mapear, organizar, medir e fomentar seu capital intelectual. Cavalcanti, Gomes e Pereira (2001) mencionam que o capital intelectual se refere ao capital humano, estrutural, de relacionamento e ambiental. Para eles, a estrutura da empresa e o clima organizacional fazem parte do processo intelectual das organizações. Nas empresas, as pessoas são propulsoras para alavancar o desenvolvimento das organizações. Este estudo está focado no conhecimento como recurso capaz de gerar benefícios financeiros para empresa. Por se tratar de um tema bastante amplo e discutido no meio acadêmico e entre estudiosos, foi realizada uma pesquisada bibliográfica com análise e interpretação de livros, periódicos, textos legais, sites especializados, artigos e monografias sobre levantamento de informações referentes ao capital intelectual e sua importância no desenvolvimento das empresas, tendo o conhecimento como parte desse capital.
2 A IMPORTÂNCIA DO CAPITAL INTELECTUAL PARA O DESENVOLVIMENTO DAS ORGANIZAÇÕES EMPRESARIAIS A pesquisa bibliográfica, assim como a leitura de diferentes artigos e materiais disponibilizados na internet, forneceram subsídios necessários para o desenvolvimento do presente artigo.
2.1. Capital intelectual Na economia contemporânea, pequenas empresas, em sistemas de parcerias, cooperam umas com as outras em busca do desenvolvimento de novas tecnologias e para concorrer com grandes nomes do mercado. Segundo Chiavenato (2007), a partir do século XXI surgiu um paradoxo de que tamanho não é documento. O autor se refere à Era Industrial, período em que somente as grandes empresas tinham visibilidade no mercado e o tamanho físico das instalações significava ativos tangíveis que aumentavam o capital contábil e o valor da organização. Hoje, na era do conhecimento, o tamanho e a dimensão dos recursos tangíveis não mais significam um indicador de sucesso. Para os consumidores, não importa o tamanho físico das organizações, mas o que elas oferecem em benefícios e em atributos em seus produtos. O que mais importa são os recursos intangíveis e invisíveis, como conhecimento, habilidades, atitudes e, no conjunto, capital intelectual. Ainda segundo Chiavenato (2007), o capital intelectual promete criatividade, mudança e inovação, aspectos que o capitalismo moderno espera do mercado, transformando em possibilidades no desenvolvimento de novos produtos e serviços, possibilitando o surgimento de novos formatos de negócios, com responsabilidade social e ambiental resultando em proatividade frente aos desafios da competitividade acirrada.
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A importância do capital intelectual para o desenvolvimento das organizações empresariais
Com uma tese mais inovadora, Stewart (1998) cita que o capital intelectual é a soma dos conhecimentos de todos em uma empresa, o que proporciona vantagem competitiva. As modernas organizações buscam investir nos conhecimentos e nas habilidades das pessoas e se destacar em relação aos concorrentes, buscando antecipar o que os clientes desejam. Para isso, investem pesado em pesquisa de mercado pelas mídias eletrônicas. Para Antunes e Martins (2002), o capital intelectual é um conjunto de benefícios intangíveis que agregam valor às empresas – conhecimentos, habilidades e experiências são desenvolvidos pelos colaboradores, agregando valor à empresa. O ser humano é considerado capital por ter capacidade de gerar bens e serviços e de agregar valor à organização, levando conhecimento e valor que a empresa pode adquirir com o passar do tempo (ANTUNES, 2008). As empresas têm o maior ativo de que necessitam para melhorar seu desempenho financeiro: as pessoas – por meio do conhecimento que têm ou podem desenvolver, faz-se necessário perceber essa riqueza e agregar valor.
Sabe-se que o capital intelectual é considerado um ativo intangível. Neste trabalho, buscaremos demonstrar a importância e o valor desse capital. Muitas empresas não conseguem diferenciar essas questões, medindo apenas os ativos tangíveis (estruturas, equipamentos etc.), esquecendo-se de mapear, mensurar e desenvolver esse capital, separando o valor contábil do valor de mercado. Segundo Rezende (2002), o diferencial entre as empresas não são mais as máquinas utilizadas no processo produtivo, mas sim o somatório do conhecimento coletivo gerado e adquirido. As habilidades criativas e inventivas, os valores, as atitudes e a motivação das pessoas que as integram e o grau de satisfação dos clientes fazem a grande diferença em uma economia globalizada com competitividade acirrada. As empresas que investem mais nas pessoas, sem se preocupar com as estruturas físicas, passam a ser as mais valorizadas. Nike, Amazon, Microsoft, Apple, consultorias, agências de publicidade, auditorias, criadoras de softwares e de novas soluções informatizadas, bem como empresas de pesquisa e de desenvolvimento procuram valorizar cada vez mais os recursos humanos. Na sociedade pós-industrial, o último estágio é a sociedade do conhecimento, na qual a criação, a distribuição e a manipulação da informação constituem a principal fonte de geração de riquezas.
2.2 As três ondas de Toffler Buscando ilustrar as mudanças ocorridas na sociedade, apresentaremos um breve relato do estudo sobre as três ondas, do futurista Alvin Toffler, que afirma que a história humana pode ser dividida em ondas. A primeira foi a agricultura, já que, até do fim do século XIX, todas as economias eram agrárias. A segunda onda foi a industrialização, pois, do fim do século XIX até os anos 1960, a maioria dos países desenvolvidos se transformou de sociedades agrárias para sociedades com máquinas. A terceira onda chegou em 1970, baseada na informação. Toffler considera que essas ondas permitiram grandes mudanças no “modo de vida”, renovando drasticamente o comportamento das pessoas. Como exemplo, cita a fase de mudanças da terceira onda, a partir de 1970, em que afirma “que a terceira onda está eliminando cargos industriais de baixa qualificação e, ao mesmo tempo, criando abundantes oportunidades de trabalho para especialistas técnicos cultos e qualificados, profissionais liberais e outros ‘trabalhadores do conhecimento’” (ROBBINS, 2002, p. 07).
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Para Edvinsson e Malone (1998), capital intelectual é parte invisível da empresa em que se encontram o capital humano (conhecimento, inovação e habilidade dos colaboradores, mais valores, cultura e filosofia da empresa) e o capital estrutural. O capital intelectual, parte oculta, é identificado como um ativo intangível, imensurável e indispensável na estrutura empresarial. É o conjunto de conhecimentos, de habilidades e de experiências aplicadas pelos recursos humanos – pessoas somando esforços e agregando valores aos ativos da empresa.
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Figura 1 – Estudo sobre as três ondas de Toffler
Fonte: Robbins (2002, p. 7).
Estudiosos como Peter Drucker, Alvin Toffler, James Brian Quinn e Robert Reich, cada qual a seu modo, mas com foco no conhecimento, anunciam a chegada de uma nova economia ou sociedade, denominada “sociedade do conhecimento”. Drucker (apud NONAKA; TAKEUCHI, 1997, p. 05) argumenta que, na nova economia, o conhecimento não é apenas mais um recurso, ao lado dos tradicionais fatores de produção – trabalho, capital e terra –, mas sim o único recurso significativo atualmente. Estudiosos afirmam que o fato de o conhecimento ter se tornado o recurso, muito mais do que apenas um recurso, é o que torna singular a nova sociedade. Concordam que o futuro pertence às pessoas que têm conhecimento e que o trabalhador detentor do conhecimento é o maior ativo da empresa, afirmando que o futuro pertence a quem usa a cabeça ao invés das mãos. Como prova disso, percebe-se que a cada dia é mais comum o surgimento de empresa que buscam soluções visando ao compartilhamento de espaços físicos, nos chamados coworking, que significam a união de várias pessoas ou grupo de pessoas que desenvolvem atividades independentes, mas buscam a filosofia de compartilhar valores por meio da sinergia que acontece quando indivíduos talentosos dividem o mesmo espaço, gerando um fluxo de troca de ideias e de experiências. Os objetivos principais do coworking são: a) redução de custos para atrair novos perfis de empresas; b) oportunidade de crescimento por meio da troca de experiência de cada indivíduo; c) surgimento de novos negócios e oportunidades de trabalho;
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d) aumento da produtividade e melhores resultados.
2.3 As dez marcas mais valiosas do mundo No cenário atual da globalização e com a troca de informações cada vez mais rápida, as maiores empresas mundiais têm se destacado no investimento em talentos humanos, buscando agregar valor à marca não apenas com a matéria-prima mas também com capital intelectual capaz de desenvolver produtos cada vez mais voltados para atender aos desejos, às necessidades e aos sonhos dos consumidores. As principais marcas mundiais investem mais em pessoas do que em instalações físicas; a maior parte dessas grandes empresas terceiriza a produção para demandar mais esforços nos investimentos em pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias.
Corroborando com a afirmação de Stewart (1998), Vianna (apud MEDEIROS; OLIVEIRA, 2000), cita o exemplo da Microsoft, cujas ações são negociadas dez vezes mais do que seu valor contábil – 90% de seus valores são considerados intangíveis –, e diz-se que o valor real de uma empresa vai se deslocando dos estoques e da estrutura física para o capital intelectual, estabelecendo um novo cenário da contabilidade que marcou a Era Industrial. Para manter uma vantagem competitiva por um longo período Kaio (2006, apud BARNEY, 1991) relata que recursos como ativos, informação e conhecimento precisam ser valiosos e insubstituíveis, e a posse desses recursos pode levar a organização a obter lucros acima da média do mercado. Para melhor compreensão de como os ativos intangíveis são integrantes fundamentais nas empresas, a Tabela 1 mostra um comparativo de classificação das dez marcas mais valiosas do mundo em 2016 e 2017, respectivamente, de acordo com a pesquisa Brand Finance Global 500, realizada pela consultoria Brand Finance (2017). A classificação é feita pelo valor da marca, e não pelo valor de mercado. Tabela 1 – As dez marcas mais valiosas do mundo em comparativo dos anos 2016 e 2017
Posição 2017 1º 2º 3º 4º 5º 6º 7º 8º 9º 10º
Posição 2016 2º 1º 3º 6º 4º 7º 5º 17º 13º 9º
Valor da marca Valor da marca Variação em % (U$$ milhões) 2017 (U$$ milhões) 2016 Google 109,470 143,016 24% Apple 107,141 165,724 - 27% Amazon.com 106,396 154,324 53% AT&T 87,016 189,717 45% Microsoft 76,265 192,455 13% Samsung Group 66,219 120,195 13% Walmart 65,875 475,066 4% Facebook 62,211 244,381 16% ICBC 61,998 136,069 82% China Mobile 47,832 235,987 32% Marca
Fonte: adaptada de Brand Finance (2017).
Pode-se perceber que as marcas mais valiosas do mundo são empresas que desenvolvem pesquisas e investem pesado em novas tecnologias no ramo de softwares e de serviços on-line; oferecem aos clientes soluções
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Para Stewart (1998), quando o mercado de ações avalia empresas em três, quatro ou dez vezes mais do que o valor contábil de seus ativos, está contando uma verdade simples, porém profunda: os ativos físicos de uma empresa contribuem menos para o valor de seu produto ou serviço final do que os ativos intangíveis (os talentos dos funcionários, a eficácia dos sistemas gerenciais, o caráter dos relacionamentos com os clientes) que, juntos, constituem o capital intelectual.
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práticas no dia a dia com pesquisa e desenvolvimento de projetos audaciosos. Não queremos aprofundar a discussão sobre a atuação de cada empresa, pois sabemos que a maioria delas investe em competências, habilidades e atitude de pessoas e oferecem oportunidades de estágios buscando lapidar seu bem mais valioso: a mente das pessoas, a capacidade de inovação e de atitude de cada colaborador. Mas também pode-se notar que ocorreu uma mudança no ranking dos valores das marcas. A evolução mais impactante foi do Facebook, uma grande empresa que oferece opções de entretenimento para os clientes, possibilitando aproximar as pessoas por meio de suas ferramentas.
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Para Chiavenato (apud MEDEIROS; OLIVEIRA, 2000, p. 7), a moeda do futuro não será financeira, mas sim o capital intelectual, e aponta certa parte do cérebro humano como a riqueza do amanhã. O autor afirma que está na cabeça das pessoas o recurso mais importante das organizações: o conhecimento. A necessidade das organizações na busca e no reconhecimento desse diferencial se dá em virtude da concorrência acirrada dos produtos com pouca diferenciação entre si, pela facilidade, pela quantidade e pela rapidez com que as informações estão disponíveis. Esses recursos, que estão intrínsecos no capital intelectual, agregam valor aos produtos e consequentemente aumentam o valor financeiro e sobretudo o valor de mercado das organizações. Com o capital intelectual é possível iniciar uma caminhada em busca do desenvolvimento de novos produtos, serviços, processos e gestões. Sem o conhecimento tácito ou explícito dos recursos humanos, é impossível promover mudanças, inovar portfólio e manter relacionamento com clientes, principalmente em ambientes repletos de mudanças.
2.4 Avaliação e mensuração do capital intelectual Dentre vários estudos sobre a avaliação e a mensuração do capital intelectual, apresentamos o modelo Skandia, proposto pelos estudiosos Leif Edvinsson e Michael Malone. A empresa, que atua na área de seguros e de finanças, já é o quarto maior grupo financeiro do mundo e o maior da Escandinávia. O grupo Skandia despertou nos últimos anos o interesse por ser o primeiro a apresentar e realizar um relatório com todas as informações sobre como avaliar o capital intelectual. Os estudiosos identificaram alguns valores de capacidade indiscutível que deveriam ser maximizados e incorporados à estratégia organizacional, divididos em cinco áreas distintas (EDVINSSON; MALONE, 1998): 1. financeiro; 2. clientes; 3. processos; 4. renovação e desenvolvimento; 5. humano. O grupo desenvolveu um modelo para captar, avaliar e gerenciar os conhecimentos adquiridos, buscando aqueles que serão capazes de produzir benefícios em médio e longo prazos para as organizações. Tais conhecimentos se tornarão excelentes ferramentas à disposição da gerência e serão extremamente úteis nas tomadas de decisão. Esse modelo mostra que, na avaliação do capital intelectual, deve-se levar em consideração o capital humano e o capital estrutural, pois a interação desses elementos será atributo de valor a uma organização. Não adiantaria uma empresa ter um enorme potencial em capital humano e não ter um capital estrutural adequado, não disponibilizar ferramentas para que o trabalho seja executado de maneira adequada, pois não justificaria tal investimento.
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Figura 2 – Modelo Skandia
Com base no modelo apresentado e com o objetivo de criar uma equação que expressasse o valor do capital intelectual, Edvinsson e Malone (1998) estabeleceram os seguintes passos: 22 reconhecer que cada organização possa ter um capital intelectual adicional que necessite ser avaliado por outros índices; 22 identificar um conjunto de índices a serem aplicados em toda a sociedade com mínimas adaptações; 22 estabelecer uma variável que capte a perfeita previsibilidade do futuro, bem como dos equipamentos, das organizações e das pessoas que nela trabalham. Deve-se enfatizar que o capital intelectual tem algumas vantagens tanto do ponto de vista interno como externo, conforme apontado por Brooking (apud ANTUNES, 2000): 22 o conhecimento do capital intelectual identifica os recursos necessários em ativos intangíveis cujo desconhecimento, por vezes, impede a consecução de um planejamento estabelecido; 22 os relatórios com indicadores do capital intelectual são subsídios valiosos para analistas e financiadores, pela projeção da futura capacidade da geração de caixa pela empresa; 22 sua divulgação pode explicar a diferença entre o valor contábil e o valor de mercado de uma entidade, mesmo não sendo de maneira objetiva. Assim, a importância de avaliação do capital intelectual fica mais evidente, proporcionando vantagens para os usuários internos e externos. O capital intelectual identifica para a empresa seu potencial no presente e a perspectiva de benefícios futuros, contribuindo ainda mais para o crescimento da organização. É importante ressaltar que não existe nenhuma metodologia definitiva para mensurar o valor do capital intelectual, mas a conjuntura atual da economia mundial deixa clara a necessidade de verificação de todos os recursos referentes ao capital intelectual mantido pela empresa, já que têm valor e devem ser objeto de estudo nas áreas relacionadas com a gestão e o controle da empresa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS Verificou-se que, para uma empresa apresentar diferencial competitivo e estar à frente do mercado nos dias atuais, é necessário identificar, mapear, organizar, medir e proteger seu capital intelectual. Não é pretensão do
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Fonte: Edvinsson; Malone (1998, p. 60).
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presente artigo esgotar o assunto, mas servir de estímulo para que novos trabalhos sejam desenvolvidos. Para isso, propomos que o processo de análise e de avaliação do capital intelectual de uma empresa, entre outros aspectos importantes: 22 utilize os modelos existentes como apoio e referências teóricas; 22 confronte dados financeiros e não financeiros; 22 tenha flexibilidade, considerando os ambientes interno e externo, bem como as variáveis que possam interferir no segmento de mercado de cada organização; 22 sirva como ferramenta de apoio à gestão, capaz de fazer a diferença nas tomadas de decisão; 22 mapeie, meça e organize os elementos que compõem o capital intelectual de modo que gestores conheçam a posição em que as empresas se encontram, tendo um ponto de partida como referência.
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A globalização acelerada e a competitividade acirrada entre as empresas têm feito da informação e do conhecimento humano fatores importantes para geração de riquezas. Sem a devida gestão do capital intelectual, uma empresa que não disponibiliza esforços para o reconhecimento desse bem terá poucos dias de vida no mercado. O estudo realizado revelou que o capital intelectual pode auxiliar as empresas no processo de gestão organizacional e de tomada de decisões, uma vez que as empresas necessitam de bem intangível que influencie diretamente no ativo. Conclui-se, portanto, que o capital intelectual tem se configurado como base para um expressivo e importante diferencial competitivo frente às empresas cada dia mais enxutas. Sem uma correta gestão desse capital, nenhuma empresa permanecerá competitiva no mercado por muito tempo. Dessa maneira, sugere-se que empresários, bem como gestores e executivos, disponham ao máximo dos esforços, trabalhando com motivação em busca do reconhecimento profissional de seus colaboradores. É imprescindível que as organizações demandem mais de seus esforços e de seus recursos financeiros na condução de uma política voltada à captação de recursos humanos por meio da gestão estratégica de pessoas.
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GONÇALVES, Fanael Bastos1 MATOS, Mara Eli de2
RESUMO Estudar Espanhol é continuar quebrando o muro que separa o Brasil do restante da América Latina. Nesse sentido, este artigo se propõe a refletir como aproximar afetivamente os estudantes do ensino básico brasileiro da Língua Espanhola para, por meio de um fortalecimento de vínculos, tornar o processo de ensino-aprendizagem mais eficaz. Para tal, por meio de uma pesquisa documental, discorre-se sobre o histórico do ensino de Língua Espanhola no Brasil, algumas dificuldades e facilidades encontradas no estudo e no ensino e o uso de estratégias para aproximação do educando da variedade cultural no ensino de Espanhol como Língua Estrangeira. Palavras-chave: Espanhol. Ensino. Variedade cultural.
ABSTRACT Studying Spanish is to continue breaking the wall that separates Brazil from the rest of Latin America. In this sense, this article proposes to reflect how to affectively approach the students of the Brazilian basic education of the Spanish Language, approaching them in order to make the teaching-learning process more effective. To do this, through a documentary research, we discuss the history of Spanish language teaching in Brazil, some difficulties and facilities found in the study and teaching and the use of strategies to approach the student with the cultural variety in the teaching of Spanish as a Foreign Language. Keywords: Spanish. Teaching. Cultural variety.
RESUMEN Estudiar español es seguir rompiendo la barrera que aleja Brasil de los demás países de Latinoamérica. En este sentido, el presente artículo propone el pensar como acercar afectivamente el estudiante de la enseñanza básica brasileña a la lengua española para, de esta manera, por medio de este refuerzo de vínculos, convertir el proceso de enseñanza y aprendizaje más eficiente. Para eso, a través de una pesquisa documental, se discurre a cerca del histórico de la enseñanza de Lengua Española en Brasil, el español actual, algunas dificultades y facilidades en el estudio y enseñanza y el uso de estrategias en la enseñanza de Español como Lengua Extranjera. Palabras clave: Español. Enseñanza. Música. Variedad Cultural. 1 2
Graduando em Licenciatura em Letras – Língua Portuguesa/Espanhol pela Fael – fanael@live.com.mx Doutora em Engenharia de Bioprocessos e Biotecnologia, professora da Fael.
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A relação afetiva entre a língua espanhola e os educandos da educação básica The affective relation between the Spanish language and the students of basic education
A relação afetiva entre a língua espanhola e os educandos da educação básica
1 INTRODUÇÃO A relação afetiva entre o estudante e o objeto de estudo é algo que põe em xeque o sucesso ou não do ensino. A Língua Espanhola vem ganhando espaço nos últimos anos, por meio de séries, de filmes e, em especial, da música. Desse modo, é necessário que o professor de Espanhol como Língua Estrangeira (doravante ELE) encontre estratégias para estimular o crescimento desse vínculo.
O objetivo deste artigo é perceber, com pesquisa documental, o nível de relação e de afetividade dos educandos brasileiros com a Língua Espanhola; traçar breves possibilidades de ensino da língua; trazer reflexões para dinamizar o ensino e lançar vistas às maiores dificuldades e às facilidades dos educandos no processo de ensino-aprendizagem. Como ponto direcional, ancorou-se a pesquisa na hipótese de que a aproximação do educando com a variedade cultural por meio de textos, músicas e imagens dos diversos países hispanohablantes seja o caminho propício para o fortalecimento do vínculo com a língua. Para tal, inicialmente será traçado um breve panorama histórico do ensino de ELE no Brasil; em seguida, será abordado o fator da semelhança entre o Espanhol e o Português, as dificuldades e os facilitadores advindos dessa questão; será discorrido sobre a importância da motivação na sala de aula; em seguida será tratado sobre a imprescindível presença da variedade cultural nas aulas de ELE como fator motivacional e explicitador da língua como algo vivo e mutável; será explicada, a fim de expor a realidade do ensino de línguas estrangeiras no Brasil, a supremacia que aproveita atualmente a Língua Inglesa frente às demais línguas estrangeiras e ainda o prestígio que o Espanhol europeu tem sobre o Espanhol latino; por fim, serão traçadas algumas breves sugestões de caminhos para dinamizar o ensino. Com o intuito de tecer as relações e os embates possíveis entre as indagações propostas, optou-se pela pesquisa bibliográfica, descritiva, com enfoque em pesquisa qualitativa como metodologia na construção deste trabalho acadêmico.
2 ROMPENDO BARREIRAS Estudar Espanhol é ser amigo e vítima a la vez da similitude entre essas duas línguas, é entender melhor a própria língua a partir de outra. Mas o que é ser bilíngue? É possível chegar ao bilinguismo na educação básica? Weiss (1959, p. 20, apud GRÉVE; PASSEL, 1975, p. 112) define o bilinguismo como “o uso ativo e passivo imediato de duas línguas por um mesmo indivíduo”. Para saber uma L2, não basta compreendê-la, é preciso também ser capaz de expressar ideias no idioma. Thomas (1958, p. 60-61, apud GRÉVE; PASSEL, 1975, p. 111-112) corrobora com esse pensamento quando afirma que Saber utilizar uma segunda língua, chamada de língua estrangeira, é ter um conhecimento disponível desta língua, de forma que possamos utilizar os recursos de compreensão de expressão, principalmente orais, em função e na medida das necessidades cotidianas e com bastante desenvoltura para nos sentirmos independentes em relação à nossa primeira língua, chamada língua materna.
Podemos perceber que estar apto a fazer uso de uma segunda língua é mais do que decorar modelos gramaticais; é entender sua utilidade e sua finalidade a partir de uma perspectiva bastante pessoal e ser capaz de fazer escolhas de acordo com essa perspectiva. No caso do Português e do Espanhol, assim como ocorre com outras línguas de uma mesma família, há um fator facilitador e gerador de dificuldades ao mesmo tempo: a semelhança. Se por um lado a semelhança traz facilidade de compreensão e de produção de enunciados de maneira descompromissada, a semelhança pode levar a uma falsa compreensão da língua e à acomodação, gerando um sentimento de que o estudo e o aprofundamento são desnecessários. Faculdade Educacional da Lapa - FAEL
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Os estudantes da educação básica, sobretudo da educação pública, precisam perceber o estudo de uma segunda língua (doravante L2) como uma perspectiva. É uma possibilidade de ampliação da visão de mundo, de percepção e de aceitação do próximo por meio de um contato com a variedade cultural, e uma maior compreensão de sua própria língua pelo reflexo da outra. Estudar Espanhol no Brasil é se emancipar, estar aberto às possibilidades advindas da globalização; é conhecer a si mesmo na condição de povo latino por meio da cultura, da história e da língua.
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De acordo com Cruz (2001), a primeira impressão que os brasileiros têm ao iniciar o estudo de Espanhol é de que é uma tarefa fácil, justamente por conta da proximidade. Segundo a autora, as sutilezas entre as duas línguas muitas vezes não são captadas pelos estudantes, principalmente no início. Um bom exemplo é o fato de não perceberem que, apesar de ambas apresentarem vocábulos semelhantes, há variações significativas na frequência de uso; por mais que um hispanófono nativo entenda uma frase, não é a maneira como ele a construiria. Contudo, a autora ressalta que, nessa fase, apesar dos percalços, geralmente se consegue efetuar a comunicação desejada e isso “leva os usuários do ‘portunhol’ a um processo de acomodação, em que se convive com a inadequação formal que provoca, em não raros momentos, situações anedóticas.” (CRUZ, 2001, p. 01). Não obstante, é mister ponderar que se a semelhança por um lado é um obstáculo, por outro pode ter um papel positivo, já que pode ser o fator que influencia o estudante a optar pelo estudo dessa língua, uma vez que gera familiaridade. O conforto por navegar em um terreno que não é totalmente desconhecido pode estimular a exploração com mais segurança.
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No Brasil, o ensino de Língua Espanhola de modo formal teve início nos anos 1930 – mais precisamente 1934 –, com a criação da Universidade de São Paulo (USP). Nos anos 1940 e 1960, figurou como disciplina do Ensino Médio, ao lado de Inglês, Francês, Latim e Grego (KULIKOWSKI, 2000). No entanto, esteve adormecida por um longo período, até o início dos anos 1990, quando, com a criação do Mercado Comum do Sul (Mercosul), teve sua explosão no Brasil. Figura 1 – El Mercosur
BRASIL
PAÍSES MEMBROS
Fonte: Shutterstock.com/ Peter Hermes Furian/ Alexey Struyskiy.
Atualmente com quase três décadas de integração, o Mercosul foi criado em 1991 entre Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, tendo hoje os demais países do cone sul como estados associados (à exceção da Venezuela). Com ele, entre outros avanços, houve implantações de políticas públicas tanto para o ensino de Língua Espanhola no Brasil quanto de Língua Portuguesa nos países hispanófonos integrantes. Assim, a partir desse período, 20
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houve crescimento substancial na procura e na oferta do ensino da Língua Espanhola e o consequente o interesse na publicação de materiais didáticos no idioma. Cruz (2001, p. 02) expõe que em 1988 havia 22 Centros de Estudo de Línguas (CEL) em São Paulo; em apenas seis anos, esse número passou para 54, todos com ensino de Língua Espanhola no currículo. Se a criação do Mercosul impulsionou o crescimento do estudo da língua, a globalização e as novas tecnologias ratificaram a importância dela. Sobretudo no sul e no sudeste, há grande demanda no ensino de ELE.
Como mencionado, a semelhança entre o Português e o Espanhol, que parece ser um facilitador à primeira vista, é, na verdade, um gerador de dificuldades. É comum, na fase inicial e mesmo com algum tempo de estudo, os empréstimos de uma língua para outra. Para se estudar uma L2 é forçosamente necessário que tenha havido uma L1, e é a partir da perspectiva desta é que se chegará àquela. Quando começa a estudar uma Língua Estrangeira (LE), o estudante já passou por um processo de aprendizagem da Língua Materna (LM): “No podemos ignorar que quien se involucra en el aprendizaje de una segunda lengua, o lengua extranjera, cuenta ya en su bagaje con una experiencia lingüística previa.” (GARGALLO, 2004, p. 25, apud ANDRADE; SEIDE, 2016, p. 55). Gréve e Passel (1975, p. 114) atentam para o fato de que, durante o estudo de uma LE, tendo em vista essa questão, “pode-se considerar que há em quase todos os casos, interferências entre os dois sistemas, ou melhor, que um dos sistemas influi no outro.”. Isso significa que sempre haverá expressões e construções de períodos levadas de um idioma para outro. Seguindo esse pensar, os autores expõem que “quanto mais numerosas e profundas, porém, as semelhanças entre os dois sistemas linguísticos, mais numerosas serão as estimulações neurofisiológicas comuns […]” (GRÉVE; PASSEL, 1975, p. 115); portanto, essas transferências serão ainda mais acentuadas. É o que acontece com o Português e o Espanhol; a semelhança entre os dois idiomas leva o estudante a maiores ocorrências de transferências entre os idiomas. Durão (2004, p. 54, apud ANDRADE; SEIDE, 2016, p. 55), por sua vez, corroborando com o conceito de transferências, vai além e as divide entre ação favorável (transferência) e ação negativa (interferência), ilustradas no Quadro 1. A transferência é a utilização produtiva da LM no desempenho da LE, por exemplo, a percepção dos caminhos que o Latim percorreu para chegar até o Português e o Espanhol, onde se uniram e se bifurcaram. A interferência é o uso não produtivo da LM no desempenho da LE, como quando se constrói uma oração com palavras em Espanhol, organizadas na estrutura do Português. Quadro 1 – O conceito de transferência e de interferência
TRANSFERÊNCIA INTERFERÊNCIA utilização produtiva utilização improdutiva da LM no desempenho da LM no desempenho da LE da LE Fonte: elaborado pelo autor.
O estudante precisa perceber que, apesar de existirem vocábulos semelhantes, a maneira como são usados é diferente, já que se inserem em outra língua e em outro contexto. Conhecer uma língua não se trata apenas de dominar seu sistema fonético ou seu código escrito; isso não é suficiente para chegar à compreensão, “considerando que o leitor precisa executar um processo ativo de construção de sentidos e também relacionar a informação nova aos saberes já adquiridos” (VYGOSTKI, apud PARANÁ, 2008, p. 65). Dominar uma LE perpassa por conhecer o sistema fonético e o código escrito e perceber que nenhum se trata da representação do outro: “Uno de los problemas que plantea la enseñanza de la fonética y la fonología de una lengua es la tendencia que tienen los estudiantes a pensar que la escritura es una representación fiel de la pronunciación.” (BRISOLARA; SEMINO, 2014, p. 15). É preciso perceber que a grafia não é uma representação da fala, assim como a fala não está presa à grafia. Faculdade Educacional da Lapa - FAEL
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3 TOMA LÁ, DÁ CÁ: EMPRÉSTIMOS ENTRE AS LÍNGUAS
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4 SÚBEME LA RADIO: LA VARIEDAD CULTURAL EN LA CLASE DE ELE Quadro 2 – Frase de Pierre Jean de Beránger
“Su corazón es un laúd suspendido; apenas lo tocan, resuena”. Fonte: Poe (2003, p. 99).
Seguindo o pensar do poeta Pierre Jean de Beránger (Quadro 2), na tradução do conto de Edgar Allan Poe, às vezes tudo de que se precisa é um toque para ressoar. Os educandos, que à primeira vista podem parecer desinteressados, precisam de uma motivação para despertar o interesse pelo estudo – uma dose certeira pode ser a chave para o sucesso da aprendizagem. No livro Linguística e ensino de línguas estrangeiras, Gréve e Passel (1975, p. 126) compartilham o pensamento de que a motivação é um fator importantíssimo no estudo de outro idioma quando esboçam que
E discorrem sobre três tipos de motivação (Quadro 3) essenciais na sala de aula e que não devem passar despercebidas pelo olhar atento do professor: interna, externa e didática. A motivação interna é aquela proveniente do próprio estudante, em decorrência das vivências e da bagagem que traz, como se relaciona com a língua. A motivação externa é gerada, proveniente do meio em que está inserido e podemos dizer que se trata de uma coação social, como os amigos e os meios por onde circula prestigiam ou não o idioma. Naturalmente, elas não estão dissociadas uma influi em maior ou menor grau na outra. Por fim, a motivação didática está relacionada aos mecanismos que o professor utiliza para tornar o conteúdo relevante para os educandos, relacionando-o com a realidade em que estão inseridos e as necessidades, propondo um estreitamento da relação afetiva entre o estudante e o objeto de estudo (GRÉVE; PASSEL, 1975). Quadro 3 – Motivações, segundo Gréve e Passel
MOTIVAÇÃO
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As pesquisas que efetuamos em diversos meios e em diferentes países confirmaram, sem equívoco, a afirmação da maioria dos pedagogos: a vontade de se aprender é um elemento determinante para a obtenção de resultados positivos no ensino de línguas.
interna
traz consigo
externa
coação social
didática
propulsuionada pelo professor
Fonte: elaborado pelo autor.
Há muitas maneiras de aproximar o estudante do objeto de estudo. Para isso, o professor precisa estar atento às demandas e às situações que surgem, mesmo em comentários que às vezes parecem irrelevantes. Um dos pontos-chave para estreitar o relacionamento do estudante com a língua é a cultura. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), cultura é “um conjunto de características distintas espirituais, materiais, intelectuais e afetivas que caracterizam uma sociedade ou um grupo social.” (UNESCO, 2002, p. 02). Ela abarca, além da produção artística e escrita, os modos de vida, os sistemas de valores, as tradições e as crenças de um povo. Desse modo, nada mais certeiro do que a cultura para aproximar o educando da Língua Espanhola. De acordo com Auada e Fonseca (2008, p. 79), “é preciso que o professor leve em consideração os aspectos culturais de um povo como determinantes de significado para que os objetivos do processo de ensino-aprendizagem sejam atingidos”. A língua é “uma prática social, na qual os significados e sentidos são negociados, pelos falantes, no momento da interação”. (CARVALHO; SOUZA, 2015, p. 05). Caso os aspectos culturais sejam negligenciados, corre-se o risco de se estagnar em uma visão estereotipada da língua em questão, como a visão de que a variação peninsular do Espanhol é a mais recomendada para estudo, cristalizando o Espanhol europeu como homogêneo. 22
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Há uma crença – de professores e de alunos – de que, em algum momento, a Europa se uniu, sobretudo após 2002, quando houve a implantação do euro, o que fortificou e homogeneizou seus países e povos (CAMARGO, 2004). No entanto, não é inteiramente assim e a saída da Inglaterra da União Europeia é exemplo. Dentro da própria Espanha, há uma enorme diversidade cultural entre as comunidades autônomas, com regiões onde a língua oficial nem mesmo é o Espanhol; isso sem mencionar a luta pela independência da Galícia, da região Basca e da Catalunha.
Fonte: Saber es práctico (2018).
O idioma é uma das principais evidências da identidade de um povo (Figura 2), mas o próprio conceito de identidade não é algo que podemos definir como homogêneo. É algo que se transforma: “Não há identidades fixas e categóricas. Esta é uma ilusão” (ORLANDI, 1998, p. 204, apud CARVALHO; SOUZA, 2015, p. 04). Dessa maneira, “o ensino de língua estrangeira cumpre um papel importante na construção identitária do indivíduo e da comunidade de que faz parte, na compreensão do outro e sua alteridade […]” (ANDRADE; SEIDE, 2016, p. 51). O ensino também se torna identitário, dinâmico e complexo uma vez que as sociedades, de modo geral, são plurais linguística e culturalmente. Para Carvalho e Souza (2015, p. 02), “Língua e cultura são inseparáveis. Não podemos apenas ensinar as normas gramaticais e explorar as quatro habilidades de ler, falar, escrever e ouvir, uma vez que ela vai além disso.”. Podemos dizer que um alargamento do saber cultural traz a possibilidade de utilizar as quatro habilidades ao mesmo tempo. Enquanto se ouve também se pode ler o interlocutor; enquanto se escreve também se dá voz a si mesmo em sua individualidade etc. Fernández (apud ANDRADE; SEIDE, 2016, p. 52) é bastante assertivo quando diz que estudar espanhol “deve significar para o estudante uma ampliação de seu mundo, uma forma de conhecer o outro e, consequentemente exercer a tolerância diante das diferenças”. Para que isso aconteça, é preciso motivar o empoderamento do aluno no idioma que está estudando, motivando-o a utilizar a Língua Espanhola não de modo mecânico, “mas sim de modo criativo” (GOETTENAUER, apud ANDRADE; SEIDE, 2016, p. 53). Conforme Auada e Fonseca (2008, p. 71), A aprendizagem de uma língua estrangeira (LE) permite que o aluno estabeleça um distanciamento em relação à língua materna (LM), desenvolva comparações linguísticas e destaque as diferenças e as semelhanças existentes entre as duas línguas. O conhecimento de novas situações culturais favorece o conhecimento do outro e a diversidade de escolhas a serem efetuadas.
Corroborando com esse pensar, Maher (1996, p. 21, apud CARVALHO; SOUZA, 2015, p. 03) diz que “é na presença do outro, em oposição ao outro, no contraste com o outro que eu me defino e marco quem Faculdade Educacional da Lapa - FAEL
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Figura 2 – La lengua española en el mundo
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sou”. Para Carvalho e Souza (2015, p. 04), “Os alunos, ao entrarem em contato com os elementos culturais relacionados à nova língua podem passar por um processo de (re) definição de sua identidade, pois o contato com o outro, nos faz refletir sobre nós mesmos”. A variedade de fala e de cultura dos povos hispanófonos agrega conhecimento, amplitude de visão e modifica de maneira perene a vida daqueles que as estudam. A língua não é algo que está impassível no papel, ela atravessa vozes e pensamentos.
5 EL PERDEDOR: EXISTE UMA LÍNGUA MELHOR?
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No Brasil, há ainda uma preponderância, sobretudo da rede pública, no ensino de idiomas; o ensino de línguas estrangeiras modernas traz esse nome, pluralizado, justamente com o intuito de abranger as mais variadas línguas importantes no mundo moderno. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de 2000 para o Ensino Médio já atentavam para esse fato quando afirmavam que Vários pontos merecem atenção. Um deles diz respeito ao monopólio linguístico que dominou nas últimas décadas, em especial nas escolas públicas. Sem dúvida a aprendizagem da língua inglesa é fundamental no mundo moderno, porém, essa não deve ser a única possibilidade a ser oferecida ao aluno. Em contrapartida, verificou-se, nos últimos anos, um crescente interesse pelo estudo do castelhano. De igual maneira entendemos que tampouco deva-se substituir um monopólio por outro. Se essas duas línguas são importantes num mundo globalizado, muitos são os fatores que devem ser levados em consideração no momento de escolher-se a(s) Língua(s) Estrangeira(s) que a escola ofertará aos estudantes, como podem ser as características sociais, culturais e históricas da região onde se dará esse estudo. Não se deve pensar numa espécie de unificação do ensino, mas, sim, no atendimento às diversidades, aos interesses locais e às necessidades do mercado de trabalho no qual se insere ou virá a inserir-se o aluno. (BRASIL, 2000, p. 27)
Não se pode deixar de mencionar que dentro da própria Língua Espanhola há uma supremacia do Espanhol peninsular frente às variedades latinas. Assim como ocorre com outras línguas de países colonizados, a variedade do colonizador, mesmo depois de desfeitas as amarras, ainda continua sendo vista como modelar. No Brasil, essa prática é bastante nociva, pois, como expõe Camargo (2004, p. 144), nessas condutas se camuflam as diferenças locais para se impor uma “hegemonia linguístico cultural europeia que acaba apagando nossas ricas culturas (a cultura chilena, a peruana, etc.) e suas manifestações linguísticas particulares o que constitui a nossa diversidade identitária latino-americana.”. No Brasil, o ensino de Língua Espanhola na educação pública, infelizmente, não passa por uma fase áurea. Após anos de paulatina evolução, vive-se um momento de retrocessos com a eliminação do ensino de ELE do Ensino Fundamental e a desobrigatoriedade no Ensino Médio. Os PCN do Ensino Médio foram bastante norteadores quanto à perspectiva do ensino de Línguas Estrangeiras Modernas no ensino público, destacando que, naquela época, os estudantes não viam a possibilidade de adquirir uma L2 de qualidade no ensino regular, buscando cursos extracurriculares quando tinham esse objetivo. E afirmam ainda que “não é possível continuar pensando e agindo desta forma. É imprescindível restituir ao Ensino Médio o seu papel de formador.” (BRASIL, 2000, p. 27). Esse debate culminou com a Lei n. 11.161, de 5 de agosto de 2005, que torna obrigatória a oferta de Língua Espanhola nas escolas de Ensino Médio e facultativa nos anos finais do Ensino Fundamental. No entanto, a lei foi revogada pela Lei n. 13.415, de 16 de fevereiro de 2017, que tornou obrigatória apenas a Língua Inglesa, sendo opcional a oferta de outras línguas. Segundo o Instituto Cervantes, em 2010, quando a lei entrou efetivamente em vigor, o número era de 5 milhões de estudantes de Espanhol, três vezes maior do que em 2007 (PÉREZ; LASECA, 2009). Ao longo dos últimos anos, a Associação de Professores de Espanhol de São Paulo (Apeesp) promoveu diversos debates acerca da obrigatoriedade ou não do ensino de ELE no ensino público e, atualmente, posiciona-se de maneira desfavorável à obrigação. A associação defende que ela não deve ser imposta e que seu lugar e sua importância já estão conquistados. A associação é favorável, contudo, à obrigatoriedade do ensino de uma Língua Estrangeira Moderna sem que haja definição específica, possibilitando que cada escola escolha a que mais lhe apraz de acordo com o contexto, a comunidade e a disposição geográfica. 24
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6 ANTES DE QUE TE VAYAS: ALGUMAS SUGESTÕES A música, assim como literatura e o audiovisual, é uma das expressões artísticas que mais vem quebrando o muro entre Brasil e o restante da América Latina, muito em especial nos últimos cinco anos. Ritmos como “Mala” e “Sí o No” de Anitta, “Chantaje” de Shakira e Maluma e a icônica “Despacito”, de Luis Fonsi, certamente soam familiares aos ouvidos dos estudantes brasileiros. Nos anos 1990, bandas como Os Paralamas do Sucesso gravaram discos com versões em Espanhol para os países vizinhos, enquanto cantoras como a colombiana Shakira realizaram o percurso inverso, gravando em Português. No entanto, somente com a internet essa troca passou a ser mais efetiva, no sentido de evidenciar maior pluralidade de representantes. Conforme Carvalho e Souza (2015, p. 05), “a variedade linguística é um exemplo da heterogeneidade latino-americana”, e a música é uma excelente possibilidade de explorar essa variedade. Que diferença há entre um rap chileno e uma música ranchera mexicana?
No Brasil, em decorrência do Mercosul, os mais variados produtos têm informações também em Espanhol nos rótulos. Isso é uma excelente ferramenta de trabalho que propicia evidenciar que o Espanhol está presente no cotidiano. As receitas não vêm prontas, é necessário buscar o material que serve e como serve para cada situação. É preciso elaborar cuidadosamente esse material, estar atento ao contexto em que foi gerado e no qual será utilizado para assim estudar uma língua que seja viva, palpável e plurissignificativa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS Vários são os fatores que envolvem a aprendizagem de uma segunda língua, e utilizar a cultura para aproximar os estudantes das variedades dos países que falam essa língua parece ser um caminho acertado. Somente com motivação e exposição do estudante à relevância do estudo é que o ensino de idiomas poderá ser eficaz e duradouro. É importante aproximar afetivamente o estudante do objeto de estudo, e o próprio conceito de memória diz que só se guarda, em longo prazo, o que é relevante para si. Percebeu-se com esta pesquisa que o ensino de Espanhol de modo formal é consideravelmente recente no Brasil; no entanto, apesar de enfrentar algumas dificuldades, está em seu apogeu. A semelhança entre o Espanhol e o Português é, por assim dizer, uma faca de dois gumes, e o professor precisa saber manejá-la em seu favor. O posicionamento do professor, aliás, é fundamental para utilizar a língua em quedas de preconceitos, não só para com a língua, mas também para com os povos. É preciso evidenciar que a língua é viva, plural e recebe e é resultado das imbricações entre as mais diversas culturas ao longo do tempo. A variedade cultural é a chave para a percepção, por parte do estudante, de que a língua não é; a língua são. E nesse ser plural o estudante também faz parte da língua enquanto a estuda. Deixamos como possibilidade de aprofundamento do tema o desenvolvimento de um estudo de caso em uma ou mais escolas públicas, para perceber na prática como se dá a relação entre o estudante e a língua. Com a globalização e as Tecnologias da Informação e Comunicação, o muro que separava o Brasil do restante da América Latina segue sendo quebrado e, se por um lado há pontos que ainda nos dividem, por outro há um ponto que nos é inteiramente comum: a história de luta em favor da liberdade.
REFERÊNCIAS ANDRADE, D. W. de; SEIDE, M. S. Língua e cultura no ensino de espanhol como língua estrangeira: um estudo de caso com duas professoras do ensino público do oeste paranaense. Entreletras, Araguaína, v. 7, n. 1, p. p. 50-69, jan./jun. 2016. Disponível em: <https://sistemas.uft.edu.br/periodicos/index. php/entreletras/article/ download/2244/9005/>. Acesso em: 17 maio 2018. Faculdade Educacional da Lapa - FAEL
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Também é possível trabalhar com programas de TV, filmes ou comerciais de diferentes países, trazendo a característica global da língua e como se insere em diferentes contextos. Há muitas séries filmadas em versões em diferentes países, um prato cheio para comparação de variedades. Jornais e os tipos de notícias que veiculam, para quem são as notícias e como são abordadas, como um país faz referência a outro e como cada país se refere a si mesmo também são referências importantes.
A relação afetiva entre a língua espanhola e os educandos da educação básica
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SILVA, Thiago Leite Amaro da1 LEONARDI, Sandra Eleine Romais2
RESUMO O presente trabalho busca discutir como o Bibliotecário, um profissional da informação, pode contribuir para o ensino superior EaD (ensino a distância) no contexto educacional das instituições de ensino. Sabendo que existem poucas discussões na literatura sobre este assunto, a motivação é revisar, por meio de uma pesquisa bibliográfica, autores como Estabel, Moro e Santa Rosa (2006) e Vieira (2014), apresentando atividades e contribuições que este profissional pode desenvolver de acordo com a Ciência da Informação no contexto educacional, enfatizando o uso da biblioteca digital, dando especial atenção a questionamentos sobre propriedade intelectual. Palavras-chave: Ensino Superior. Ensino a Distância. Biblioteca digital. Bibliotecário.
ABSTRACT This study seeks to discuss how the Librarian, an information professional, can contribute to higher education (distance learning) in the learning institutions’ educational context. Being aware that there are a few discussions in the literature on this subject, the motivation is to review, through a bibliographical research, authors such as Estabel, Moro and Santa Rosa (2006) and Vieira (2014), presenting activities and contributions that this professional can develop according to the Information Science in the educational context, emphasizing the use of the digital library, paying special attention to questions about intellectual property. Keywords: Higher Education. Distance learning. Digital library. Librarian.
1 Bacharel em Biblioteconomia com Aperfeiçoamento em Gestão de Acervos Bibliográficos, Arquivísticos e Museológicos; Especialista em Comunicação Empresarial; Especialista em Metodologia do Ensino Superior e EaD. (thiagojeans@gmail.com) 2
Licenciada e Mestre em Letras; Doutora em Educação. (sandra.leonardi@fael.edu.br)
Revista Vivências Educacionais
ISSN: 2526-0529 | v.3 n.1
A atuação do bibliotecário no Ensino Superior EAD: reflexões sobre biblioteca digital e direitos do autor A The role of the librarian in Distance Higher Education: reflections on digital library and copyright
A atuação do bibliotecário no Ensino Superior EAD: reflexões sobre biblioteca digital e direitos do autor
1 INTRODUÇÃO O ensino a distância possibilita a formação de indivíduos por meio das plataformas virtuais de comunicação e aprendizagem, disponibilizadas pelas instituições de ensino superior (as IES), na intenção de oferecer materiais de estudo digitais e videoaulas, bem como por meio da interação professor-aluno, que gera uma troca de experiências com o intento de propiciar conhecimento ao aluno via web. A educação superior a distância garantiu ao longo de sua existência a evolução profissional dos indivíduos, possibilitando oportunidades e fomentando o conhecimento onde há dificuldade de estudo devido a estruturas físicas de ensino. Para que essa modalidade de ensino, ainda tão desconhecida por alguns, possa se tornar mais eficaz, diversos profissionais precisam estar envolvidos na cadeia de produção dessa forma de conhecimento, para que o aluno possa desfrutar do que a instituição de ensino oferece no suporte à informação.
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Assim como no ensino presencial, porém com ainda mais avidez, o bibliotecário necessita, no ensino a distância, estar alinhado aos professores em relação à elaboração de conteúdos e ao incentivo à pesquisa. A seleção de conteúdos digitais deve ser bem estruturada para que o aluno consiga obter acesso gratuito e contínuo a esses materiais disponibilizados pela instituição. O bibliotecário precisa conseguir chegar ao aluno para sanar eventuais dúvidas no uso de materiais digitais, disponíveis em repositórios digitais ou bases de dados da instituição de ensino. Para a expansão da informação e da criação de novos cursos de ensino superior EaD, é necessário garantir que os alunos tenham acesso a materiais que possam efetivamente contribuir para o desenvolvimento de pesquisas e para o andamento dos estudos. O professor deve indicar, junto ao bibliotecário, novas fontes de informação para pesquisa. Na constante escolarização dos indivíduos e com o alcance de estudos no ensino superior, a EaD contribui com esta transformação do ensino, trazendo novas contribuições científicas e acarretando a também constante e crescente expansão da informação em meios digitais. Um profissional da informação atuante no ensino superior EaD pode organizá-la para facilitar o uso pelos usuários, disponibilizando, dessa forma, diversos materiais do universo acadêmico para leitura digital. Compreendendo que a presença de um bibliotecário na escolha e na elaboração desses materiais, bem como o atendimento aos alunos, pode não estar acontecendo frequentemente no ensino superior EaD, o objetivo dessa discussão é reforçar, por meio de uma revisão da literatura, tal importância, pautando-se nas especificações conjuntas de autores que explicitam a necessidade de haver uma equipe multidisciplinar no ensino a distância e no uso de bibliotecas digitais.
2 CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO E ENSINO SUPERIOR A informação é um produto que não deve ser apenas estocado, seja nas estantes de uma biblioteca ou em um repositório digital; ela precisa chegar ao fim do ciclo informacional, que é o uso efetivo, para que possa gerar conhecimento. Le Coadic (1996) já explicava o surgimento das tecnologias eletrônicas (analógicas e digitais) e como a indústria da informação cresce significativamente, provocando mudanças sociais, de que emergem novas ciências, como a Museologia e Arquivologia, e que modificam outras, como a Biblioteconomia, englobada nas Ciências da Informação. A construção do conhecimento dá-se relativamente à medida da prática da comunicação da informação. Estes profissionais da informação têm a missão de apresentar os acervos aos usuários, aproximando-os. No ensino superior, bibliotecários fazem, junto ao corpo docente, a seleção dos títulos disponibilizados aos discentes. Assim, o bibliotecário é o mediador entre a leitura, o livro e os usuários. No âmbito educacional, Mostafa (2003, p. 1) destaca que: [...] a interação do bibliotecário com os professores e alunos possibilita desenvolver a metacognição, o teste de hipóteses, a argumentação. É uma interação que abre para o paradigma das múltiplas fontes. O bibliotecário nesse caso tem um trabalho que é o de um professor ensinando na biblioteca.
Uma das atribuições do bibliotecário atuante no ensino EaD pode ser a participação na organização e elaboração dos conteúdos informacionais, de forma que articule as necessidades de informação aos recursos 28
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tecnológicos oferecidos. Sobre essa atuação, Souto apud (SEMBAY, 2009, p. 57) lembra que “[...] a educação a distância de qualidade é resultante de fatores como o acesso à informação complementar, onde o mesmo defende os fatores de interação entre Biblioteconomia/biblioteca/bibliotecário e ensino a distância”. Estabel, Moro e Santa Rosa (2006) refletem sobre a nova forma de pensamento do profissional da informação a partir de um redimensionamento da profissão, face ao desenvolvimento tecnológico e à evolução das bibliotecas universitárias que acompanham estas modificações. Sabe-se que surgem, assim, novas competências aos bibliotecários para atuarem com práticas de ensino a distância, por exemplo, e para utilizarem novas TICs, onde novos espaços físicos e virtuais foram exigidos para comportar ferramentas tecnológicas.
Tal é a importância da atuação de bibliotecários no ensino a distância para uma completude do trabalho acadêmico e docente, uma vez que aproxima o EaD do ensino presencial, em que o bibliotecário pode solucionar dúvidas com os alunos, só que, nesse caso, de forma assíncrona ou síncrona por meio de chats online. Ribas e Ziviani (2007, p. 51) explicam melhor ao dizerem que estas atividades do bibliotecário “fazem emergir a modalidade de educação a distância como uma proposta de investigação que permitirá identificar, discutir, caracterizar e analisar a questão do papel do profissional da informação”. Oliveira (2009) explica que são complexas e coletivas as obras geradas para a educação a distância, pois envolvem a participação de vários profissionais de diferentes áreas de atuação, desde a elaboração até a disponibilização deste material. Importante ressaltar a existência de bibliotecas híbridas, tanto físicas quanto digitais, quando a instituição de ensino superior oferece cursos presenciais. Contudo, muitas instituições EaD terão apenas uma biblioteca digital, sem espaço físico para atender aos alunos de cursos totalmente à distância. Rusch-Feja (apud VIEIRA, 2014, p.14) define “a biblioteca híbrida como um modelo transacional entre a impressa e a digital, ou seja, ela deve integrar o acesso a diferentes tecnologias para facilitar o acesso à informação através de diferentes mídias”. Vieira (2014) comenta que é obrigação do bibliotecário assegurar novas formas de acesso à informação e que cabe a este profissional realizar a integração entre usuário e informação, orientando o uso de fontes confiáveis e facilitando o acesso às tecnologias de informação, atentando-se que nem sempre há bibliotecas totalmente digitais ou totalmente físicas. Sendo assim, as instituições de ensino precisam ficar atentas, a saber, à responsabilidade em oferecer este recurso informacional a seus alunos. Garcez e Rados (2002, p. 44) comentam que: [...] o acesso a novos bens e serviços de informação, inteiramente eletrônicos, está cada vez mais distante das tipologias e formatos tradicionais, confrontando um espaço virtual operado progressivamente pelas chamadas bibliotecas não convencionais, de modo a atender às necessidades específicas de informação de seus usuários.
O sistema de ensino a distância passa pelo conceito de inclusão social, uma vez que a sociedade acadêmica percebeu uma nova forma de educar fazendo uso das novas tecnologias de informação e comunicação. Ramal (2001, p.15) contextualizou que a EaD “processa-se em um contexto de novos sujeitos, resultado das mudanças nas relações entre trabalho, cidadania e aprendizagem”. Todos os envolvidos no desejo de fazer uma EaD de qualidade são os atores deste cenário que ganha espaço na sociedade, sendo professores, empresários, bibliotecários e os alunos que fazem uso deste recurso educacional. O livro é um dos materiais didáticos mais utilizados no ensino a distância e, apesar de haver outros recursos informacionais como videoaulas, multimeios (CDs e DVDs), o livro impresso ainda é o principal meio sendo utilizado. Nery (2000) explicitou que o livro é, pois, o produto de todo um processo, processo este no qual o bibliotecário deve estar inserido. Por muito tempo, existia apenas a versão impressa do livro; hoje, já existe uma versão digital. Algumas IES ainda disponibilizam a versão impressa para o aluno mesmo o curso sendo EAD. Por outro lado, a concepção do material digital reduz no custo de impressão e torna mais fácil a sua distribuição e o acesso a ele por parte do aluno. Faculdade Educacional da Lapa - FAEL
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[...] as mudanças e os ajustes às inovações tecnológicas e aos processos ligados às práticas destradicionalizadas, introduzidas nestes ambientes, trouxeram conflitos e tensões, alterando de modo significativo as práticas tradicionais dos profissionais nas bibliotecas. Elas afetaram também as representações dos bibliotecários sobre as suas práticas (ESTABEL; MORO; SANTA ROSA, 2006, p. 157).
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Nery (2000) também comenta sobre o conceito de biblioteca como um espaço que detém uma coleção pública ou privada de livros e documentos, organizados para consulta, a qual é regida por um bibliotecário – profissional com conhecimentos de Biblioteconomia – e que deve prestar serviço e auxílio aos usuários daquele espaço.
2.1 A educação superior A educação superior avançou no patamar da qualidade e da acessibilidade nos últimos anos. A quantidade de pessoas que obtiveram um diploma de graduação aumentou ao mesmo tempo em que novas instituições foram surgindo e garantindo o direito de especialização para quem, muitas vezes, nem conseguiria concluir o Ensino Médio. Vermelho (2012, p. 12) lembra que “é nesse contexto que as Instituições de Educação Superior (IES) mantêm relação com a sociedade, uma relação conflituosa, pois perpassa por uma prática social que coloca em cheque seu discurso”.
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Ainda em outro ponto, Vermelho (2012) comenta sobre a vocação profissional no ensino superior, que vai além dos docentes apesar de eles serem os que terão um contato principal com os discentes em sala de aula, pode-se estender estes preceitos ao profissional da informação, que precisa ter aptidão para lidar tanto com professores quanto com alunos em busca de um melhor uso dos materiais de informação, de forma lúdica e didática.
3 EAD E USO DAS NOVAS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO Por muito tempo o ensino a distância acontecia via correspondência por meio de postagem. A internet propiciou uma forma de ressignificação da educação, principalmente na modalidade de educação a distância e o modo como se configura no ensino superior, modalidade esta que vem se intensificado nas IES do país e ganhando notabilidade na sociedade. Rodero (2012, p. 4) explicita que [...] uma ação que pode reunir todas as tecnologias de informação e de comunicação e toda a metodologia didática e pedagógica é a EaD, que se apresenta por meio de sites, portais, plataformas colaborativas, salas interativas virtuais, aulas via satélite e entre outras.
Para tal, os ambientes virtuais de aprendizagem das instituições precisam sempre buscar melhores atualizações e apresentações para os usuários, em busca do objetivo principal, que é a interação. Porém, se faz primordial atentar para que se atinja concreta e satisfatoriamente este objetivo. Almeida (2012, p. 1) argumenta que [...] para organizar grupos que interajam e compartilhem informações, construindo conhecimento coletivamente, é necessário definir espaços virtuais de encontro, nos quais as interações possam acontecer e, preferencialmente, estejam registradas. Nesse sentido, é que os ambientes virtuais de aprendizagem são de grande utilidade, pois todos que tenham acesso a esses espaços podem participar ativamente e se reconstruir na interação com o outro.
Apesar de parecer bastante complexa a ideia da realização do ensino a distância, havendo o devido empenho dos profissionais envolvidos, tal complexidade deixa de ter tamanha magnitude, embora seja preciso utilizar-se de modelos diferenciados na confecção das atividades. Rodero (2012, p. 6) comenta que não é apenas transpor o que existe no presencial, pois “exige-se um design pensado e elaborado para essa modalidade”. É importante saber que cada público-alvo tem diferentes necessidades, sendo necessário modificar a linguagem, a abordagem dos conteúdos etc. Rodero (2012, p. 6) ainda explica que [...] a EaD tem sua identidade e isso deve ficar explícito. Cabe lembrar, porém, que não existe um modelo de educação a distância e que os programas podem demonstrar combinações múltiplas de recursos, diferentes designers, tecnologias e linguagens. Também pode haver diferença quanto à necessidade de polos de encontro para as aulas ou da escolha de aulas via web.
A interação acaba sendo o ponto-chave para a educação a distância ocorrer de forma digna e, para isso, faz-se necessário o uso das tecnologias de informação e comunicação. Segundo Costa (2012), a interação é a ação que um sujeito gera sobre os outros quando ambos estão disponíveis a interagir. As novas tecnologias possibilitam maior comunicação entre os indivíduos, de modo que ocorrem a troca de ideias, síncrona ou assíncrona, e a colaboração de saberes e de pensamentos. Costa (2012, p. 2) argumenta que “as TICs e a interação proporcio30
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nam a criação dialógica e a intersubjetividade entre pensamentos, conceitos, imagens, mídias e ideias. O sujeito está presente de forma consciente com os objetivos do conhecer”. As novas TICs interagem por sua vez com a internet e com hardwares sofisticados que consigam suportar os softwares educacionais. Ainda em relação à interação, os programas e softwares necessitam de uma linguagem básica para que qualquer tipo de usuário consiga fazer uso, além de serem autoexplicativas. Esta aprendizagem em rede, em ambientes virtuais, realizada por professores e alunos, é potencializada pela interatividade que propicia o conhecimento. O uso das redes de computadores na educação intensifica a comunicação entre alunos, professores e tutores. Um dos meios é a aprendizagem colaborativa, que proporciona a troca de informações entre alunos distantes uns dos outros. Essa troca de informações facilita a construção do conhecimento (COSTA, 2012, p. 2).
Para condensar o assunto de técnicas eletrônicas de informação, Le Coadic (1996, p. 99) argumenta sobre o futuro da informação tecnológica Depois de amanhã, no final desta década, a partir de nossa estação de trabalho, compulsaremos a esmo, à distância, as coleções de uma biblioteca, centro de documentação ou museu eletrônicos, que oferecerão, em linha, serviços de consulta e fornecimento eletrônico de informação. Armazenando informações selecionadas em diferentes fontes, os usuários formarão assim “manuais” personalizados.
4 PRODUÇÃO DA INFORMAÇÃO DIGITAL Muitas IES optam pela produção própria do material digital a ser disponibilizado no ensino a distância. Isto para conseguir abordar os conteúdos relevantes a serem utilizados nas disciplinas, fazendo dos professores autores destes materiais e tendo o cuidado de não ferirem os direitos autorais de obras que poderiam vir a ser digitalizadas em sua distribuição. Rodero (2012, p. 6) considera que “com o uso da tecnologia nos processos de ensino-aprendizagem, observa-se que apenas digitalizar os conteúdos não garante a excelência de um curso”. Lévy (1993, p. 103), sobre a digitalização dos materiais, argumenta que: [...] mais que nunca, a imagem e o som podem tornar-se os pontos de apoio de novas tecnologias. Uma vez digitalizada, a imagem animada, por exemplo, pode ser decomposta, recomposta, indexada, ordenada, comentada, associada no interior de hiperdocumentos multimídias. É possível trabalhar com a imagem e o som, tão facilmente quanto trabalhamos hoje com a escrita, sem necessidade de materiais de custo proibitivo, sem uma aprendizagem excessivamente complexa.
O autor ainda comenta que se faz necessário haver uma equipe multidisciplinar na elaboração e organização do conteúdo dos materiais instrucionais onde o professor geralmente é o autor, mas que depende da ajuda e interação de outros profissionais. O material didático pode ser inovador e motivador, porém pode nem sempre cumprir suas funções didáticas. Simão Neto (2012) argumenta que se pode afirmar não constatar material didático bom ou ruim, puramente didático ou não, mas que seu bom uso vai depender da situação onde o ele será aplicado. Continua argumentando que um software pode não ser bem aplicado se a rede de computadores de uma instituição não for boa; ou se este software obteve um conteúdo que foge da compreensão dos alunos ou se não foi ajustado à sua idade ou a seu nível de entendimento. O hipertexto é um grande aliado na educação a distância, pois possibilita que o estudante navegue por outras fontes, não se limitando àquela única leitura. Porém, é necessário que também as fontes impressas – material didático – sejam elaboradas de forma que ofereçam outras fontes de pesquisa. Mostafá (2003, p. 6) Faculdade Educacional da Lapa - FAEL
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Os computadores ainda servem não apenas para o ensino-aprendizagem de professores e alunos, como também para gerenciar e acompanhar o desenvolvimento dos alunos. Esta contribuição tecnológica ultrapassa as possibilidades de interação já conhecidas, sempre possível de surgirem outras. De acordo com o apresentado por Costa (2012), os ambientes virtuais precisam ser instrucionistas, interativos e cooperativos. Ou seja, que sejam centrados no conteúdo, que possibilitem a interação on-line e que esta interação seja colaborativa entre seus membros.
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destaca que a importância de que “os autores do material impresso construam seus textos com o paradigma das múltiplas fontes”. Santos et al. (2010, p. 7), acerca do uso do hipertexto na educação a distância, comenta que: [...] o estudante pode (re)construir a obra, (re)criar seus significados e ligações mentais. “O autor apenas cria uma proposta de interação com o leitor”. O estudante constrói os seus próprios ambientes utilizando recursos de multimídia, isto é, “ambientes de aprendizado de cunho construtivista e sócio-interacionista”.
Com o formato do uso digital para informação, Costa (2012, p. 6) conclui que: […] para utilizar essa modalidade em sala de aula, o professor não deve ser o detentor do saber, mas, sim, identificar-se como aquele que media um processo, que possibilita que seus alunos criem e façam, de forma que se sintam parte do processo de ensino e aprendizagem. Na era do hipertexto, o professor deve ser o provocador do conhecimento.
Sendo assim, o professor deve ser sempre um facilitador que utiliza de recursos a fim captar e estimular os alunos a sempre buscarem fontes externas de informação, com a devida atenção à veracidade dos conteúdos, mas que fuja da zona de conforto do material predisposto.
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5. USO DA INFORMAÇÃO DIGITAL Geralmente, como já foi abordado, o uso do livro didático impresso continua sendo um dos propulsores para a educação a distância. Tomaz (apud SIMÃO NETO, 2015, p. 5) ressalta a importância da utilização do livro quando comenta que, [...] no caso do livro didático, pode-se dizer que a grande diferença entre seu uso e de outros materiais didático, em especial os que se valem da imagem, como o filme, o vídeo, a foto e outros, está no fato de ele ser, antes de tudo, um legítimo produto da tecnologia da escrita. Por isso mesmo, é possível ter-se, por meio dele, um acesso efetivo à cultura letrada. Não que os outros materiais não propiciem esse acesso, mas a cultura da sala de aula faz com que o professor tenha mais conhecimento para lidar com esse material em específico, pois sua formação foi voltada para esse sentido.
Sabe-se que diversas instituições de ensino e de memória já se preocupam com o processo de digitalização de obras, sendo esta uma atividade que possibilita fácil acesso e protege materiais frágeis do uso excessivo que pode vir a degradá-los. Cunha (2010, p.52) explana que “a digitalização pretende garantir o livre acesso à memória social e coletiva”. Sobre o significado e uso, Lévy (1993, p. 102) explica que “a digitalização conecta no centro de um mesmo tecido eletrônico o cinema, a radiotelevisão, o jornalismo, a edição, a música, as telecomunicações e a informática”. Complementa ainda que [...] as diferentes categorias profissionais envolvidas enfrentávamos problemas de apresentação e contextualização de acordo com tradições próprias, com a especificidade de seus suportes materiais. Os tratamentos físicos dos dados textuais, icônicos ou sonoros tinham cada qual suas próprias particularidades. (LÉVY, 1993, p. 102.)
Ainda comenta sobre a Lei de Direito Autoral n. 9.610/98, que barra, ou ao menos dificulta, a questão da liberação do uso do material digitalizado. Sobre isto, Santiago (2006, p. 45) argumenta sobre direito autoral que este “[...] tem por objetivo a proteção das criações intelectuais formais, consideradas como bens autônomos, que nascem com o simples ato de sua criação, com independência de registros ou de outras formalidades”. A autora atenta para a diferença entre direito do autor e copyright e enfatiza que neste último “a proteção é dirigida à regulação de atividades comerciais, com alcance bem mais limitado no que se refere aos direitos individuais” (SANTIAGO, 2006, p. 47). Para instituições de cursos a distância, a elaboração do próprio conteúdo vem sendo a forma mais utilizada diante da consideração do uso de obras digitalizadas. Quando a instituição de ensino produz o material, pode, dessa forma, distribui-lo para os alunos matriculados sem se preocupar em ferir ou não o direito autoral; caso fosse utilizar uma obra que foi digitalizada ou que foi adquirida em formato digital, poderia ser distribuída ainda inadequadamente, desencadeando todos os entraves legais passíveis para a violação de direitos autorais. 32
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Mesmo assim, outros documentos digitalizados circulam na internet em repositórios institucionais e servem de fontes para pesquisas acadêmicas. É uma alternativa de exploração da internet com um bom propósito. Geralmente há documentos históricos digitalizados, já disponíveis para uso livre por já serem de domínio público, e que contribuem para a educação e parar fomentar pesquisas; normalmente esses arquivos digitais são disponibilizados por centros documentais e de arquivos. Koyama (2014, p. 83) noticia que [...] seria importante difundir, para um público mais amplo, o conhecimento sobre os instrumentos de busca criados pelos arquivos, os chamados guias de arquivo, inventários e afins. Esses conhecimentos são uma espécie de guia de leitura, como mapas da mina, que nos permitem encontrar, com autonomia, os documentos e as informações que procuramos nos acervos de arquivos. Se pudermos estreitar esses diálogos entre escolas e arquivos, estaremos estimulando a construção de novas possibilidades de criação de conhecimentos histórico-educacionais.
Assim, desenvolvida por uma equipe do Congresso dos Estados Unidos da América e instituições de outros países e com apoio da UNESCO, surgiu a Biblioteca Digital Mundial. Vieira (2014) explica que a biblioteca permite a pesquisa de documentos em diversos suportes na internet, gratuitamente e em formato multilíngue, objetivando reduzir as lacunas digitais dos países que participam, inovando na qualidade de projetos de bibliotecas digitais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS Por fim, como difundido neste artigo, o profissional da informação permeia o universo acadêmico enquanto construtor de bases informacionais, visando colaborar com o conhecimento. O bibliotecário é um incentivador da leitura e se articula junto aos docentes para propor incentivos de leitura e letramento informacional, selecionando fontes seguras e de conteúdos relevantes para que os alunos consigam suprir as necessidades relativas ao que se é estudado. Assim, no ensino a distância, com enorme foco na integração dos indivíduos, haver uma proximidade dos usuários com um bibliotecário garante sanar eventuais dúvidas do aluno e haver alguém para auxiliá-lo em pesquisas mais elaboradas. Para tal, o uso das TICs é imprescindível e propicia, assim, que o aproveitamento de bases informacionais seja mais utilizado, com o auxílio do hipertexto. A presença do bibliotecário na elaboração do material educacional, relativo à pesquisa de fontes, pode garantir que os professores saibam os materiais que ficam disponíveis na biblioteca, digitais ou não, incentivando o seu uso por parte dos alunos. A divulgação destes materiais informacionais é dever do bibliotecário, promovendo o uso e possibilitando a acessibilidade.
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Não apenas arquivos, como cita a autora, mas algumas bibliotecas já possuem material digital em repositórios; arquivos esses que contêm inclusive a produção acadêmica de discentes que realizaram pesquisas e concluíram cursos de graduação e pós-graduação naquela instituição, a qual disponibiliza estes trabalhos para servirem de base para próximas pesquisas ou para a difusão do conhecimento exteriormente à comunidade acadêmica. É nesse momento em que o bibliotecário se faz extremamente necessário, assumindo a função de disseminar de alguma forma estas obras, deixando-as disponíveis aos usuários.
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ALBUQUERQUE, Judithe da Costa Leite1 DIAS, Gilmar2
RESUMO O presente estudo almeja demonstrar que as atividades lúdicas contribuem significativamente no processo de ensino-aprendizagem e na socialização dos alunos com necessidades especiais. Pesquisar-se-á, para isso, o paradigma atual docente, bem como sua predisposição para superar os desafios da educação inclusiva, utilizando-se, consequentemente, as metodologias que tornam o processo produtivo e efetivo. Como objeto de estudo optou-se pela creche e berçário Recanto da Criança, situada no município de Natal, no estado do Rio Grande do Norte, a qual conta, atualmente, com 1 coordenadora e 3 professoras em sua equipe profissional e, em seu corpo discente, com 20 alunos. Pretende-se com esse trabalho, debater como deve ser feita a adoção dessa estratégia educacional inclusiva, assim como refletir acerca de sua relevância para o sistema educacional e para a comunidade em que se encontra inserida. A comunhão entre a análise documental e a pesquisa qualitativa do tipo estudo de caso, através da aplicação dos instrumentos questionário, entrevista e observação in loco, contribuirá para embasar a argumentação a ser construída, ou seja, de que a inclusão educacional dos estudantes com necessidades especiais exige a reflexão crítica e contínua das práticas pedagógicas. Palavras-chave: Práticas pedagógicas; Inclusão; Atividades lúdicas.
ABSTRACT This study aims to demonstrate that fun and game-based activities contribute significantly in the teaching-learning process and in the socialization of students with special needs. For this purpose, the current teaching paradigm will be researched, as well as its predisposition to overcome the challenges of inclusive education, using, consequently, the methodologies that make this a productive and effective process. As an object of study, we chose the nursery and day care center Recanto da Criança, located in the city of Natal, in the state of Rio Grande do Norte, which currently has 1 coordinator and 3 teachers in their professional team and 20 students. The purpose of this study is to discuss how the adoption of this inclusive educational strategy can be carried out, as well as to reflect on its relevance to the educational system and to the community it is inserted. The communion between the documentary analysis and the qualitative research of the case study type, through the application of the questionnaire, interview and observation instruments being held in loco, will contribute to support the argumentation to be constructed, that the educational inclusion of the students with special needs requires a critical and continuous reflection on pedagogical practices. Keywords: Pedagogical practices; Inclusion; Playful activities. 1 2
Especialista em Educação Especial e Inclusiva pela FAEL, Turismóloga pela UFRN e Assistente Administrativo na Editora da UFRN. judithealbuquerque@yahoo.com.br
Matemático, Tecnólogo em Processos Gerenciais, Pedagogo pela UFPR, Mestre em Educação, Especialista em Educação a Distância, Especialista em Adm. Financeira e Informatização e professor do curso de Pedagogia e da Pós-Graduação da FAEL. gilmar.dias@fael.edu.br
Revista Vivências Educacionais
ISSN: 2526-0529 | v.3 n.1
Brincando e aprendendo: o lúdico como fator de inclusão no ensino infantil Playing and learning: the playful as an inclusion element in the children education
Brincando e aprendendo: o lúdico como fator de inclusão no ensino infantil
1 INTRODUÇÃO A educação inclusiva, apesar de ser legalmente reconhecida há certo tempo, ainda constitui-se como um desafio para as escolas, seja por despreparo docente, seja por inacessibilidade estrutural; contudo, ela deve começar a ser priorizada na organização e planejamento pedagógicos. Com isso, a presente pesquisa analisa como a prática docente no Ensino Infantil, aliada ao lúdico, colabora para que esse processo se efetive. Para verificar a validade da proposta defendida, utilizou-se a instituição de Ensino Infantil Recanto da Criança, situada na cidade de Natal – Rio Grande no Norte, para analisar como seus educadores lidam com a inclusão e como eles podem (e devem) melhorar esse processo.
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Diante do exposto, almeja-se demonstrar que as atividades lúdicas contribuem para o processo de ensino-aprendizagem e para a socialização dos estudantes com necessidades especiais. Para isso, foi considerada uma série de questões que estruturam o ensino inclusivo: a compreensão docente quanto a sua relevância, a verificação de como as práticas lúdicas contribuem nesse processo, o exame da predisposição institucional em trabalhar as estratégias propostas, a análise dos fatores experiência e habilidades docentes nesse contexto, assim como a averiguação da relação estreita entre estratégias lúdicas e educação inclusiva. Como metodologia, optou-se pela pesquisa do tipo estudo de caso, tendo em vista que ela permite a aplicação do conhecimento apreendido em outros contextos, contribuindo sobremaneira para o fortalecimento e a disseminação da inclusão educacional. Foram utilizados para a coleta de dados os instrumentos análise documental, questionário, entrevista e observação in loco, aplicados ao corpo docente e estudantil, tendo sempre como objetivo verificar a influência de jogos e brincadeiras na melhoria do processo educativo dos alunos especiais. A relevância desse estudo deve-se à constatação de que a educação inclusiva ainda tem um longo caminho a trilhar, sendo imprescindível, pois, angariar todos os recursos disponíveis para atingir o fim a que destina, ponto em que observamos o papel indispensável das atividades lúdicas nesse processo, garantindo o acesso e permanência aos educandos especiais, bem como formando cidadãos conscientes de que a diferença não é um demérito.
2 EDUCAÇÃO INCLUSIVA EM FOCO A heterogeneidade é inerente à condição humana, porém, a sociedade encontra-se historicamente condicionada a rejeitar tudo o que foge do padrão de normalidade amplamente disseminado. Urge, portanto, a necessidade de se refletir acerca do papel da escola – uma instituição delegada da missão de formar os futuros cidadãos – e, principalmente, acerca das ações que ela deve empreender para garantir a construção de uma sociedade justa. É nesse contexto que se revela a importância da escola inclusiva, posto que auxilia os alunos com necessidades especiais a terem mais chances de tornarem-se membros ativos da comunidade, levando uma vida o mais autônoma possível, assim como contribui para que os demais alunos, ao conviver com as diferenças, percebam-nas como parte da normalidade e, por isso, adquiram uma visão mais empática e realista sobre a vida em sociedade. Martins pondera que: [...] a integração dessas crianças na escola regular não é benéfica apenas para as mesmas. [...] as crianças consideradas normais [...] aprendem que o mundo não é um lugar uniforme, onde todos são iguais; que tais pessoas [...] merecem respeito, amizade, afeto e, o que é mais importante, que existem muitas formas simples e acessíveis de ajudá-las em suas necessidades educacionais [...] (2003, p. 35).
A materialização desta proposta inclusiva depende, porém, da adoção de metodologias e recursos pedagógicos que contribuam para o alcance de suas metas. Reitera-se, ainda, que o acesso à educação é um direito legalmente reconhecido para todos, devendo, por isso, ser angariados os meios necessários para sua efetivação. Como proclamado pela Constituição Federal de 1988, deve-se visar sempre: “[...] ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1988). Nesse ínterim, acordos mundiais firmados pelo Governo promoveram avanços mais significativos na educação especial e inclusiva, sobretudo a partir de 1994, com a assinatura de documentos como a Declaração de Salamanca, que aborda, entre outros, o princípio básico e fundamental do ensino inclusivo: 36
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Todas as crianças devem aprender juntas, sempre que possível, independentemente de quaisquer dificuldades ou diferenças que elas possam ter. Escolas inclusivas devem reconhecer e responder às necessidades diversas de seus alunos, [...] assegurando uma educação de qualidade a todos através de um currículo apropriado, [...], estratégias de ensino, uso de recurso e parceria com as comunidades (BRASIL, 1994, p. 5).
Observa-se a ênfase dada ao fato de que são as escolas que devem se adaptar, fazendo uso das estratégias necessárias para tornar o aprendizado não só um processo natural, mas também prazeroso para todas as crianças. Nesse contexto, as atividades lúdicas revelam-se como fortes aliadas ao processo de inclusão das pessoas com necessidades especiais, sobretudo daquelas matriculadas no Ensino Infantil, que só pela natureza de sua faixa etária já demandam uma ação pedagógica diferenciada. Essas ações, por sua vez, segundo Martins, devem extrapolar: “as atividades convencionais realizadas apenas na sala de aula regular, envolvendo [...] recreação, recreio, passeios, teatro, dança, [...] atividades socializadoras com os alunos [...]” (2003, p. 108).
O principal desafio da Escola Inclusiva é desenvolver uma pedagogia centrada na criança, capaz de educar a todas, sem discriminação, respeitando suas diferenças; uma escola que dê conta da diversidade das crianças e ofereça respostas adequadas às suas características e necessidades [...]. (BRASIL, 1998, p. 36).
Os entraves que se apresentam não podem sobrepujar a capacidade humana de reconhecer quando se está seguindo por um caminho incorreto, ou, ao menos, improdutivo. A escola precisa compreender isso e, conforme coloca Silva et al., “[...] persistir, aceitar desafios, acreditar que a inclusão das pessoas com necessidades especiais é possível, embora se constitua, muitas vezes, num processo árduo” (2004, p. 35). Por isso, a presente pesquisa se constitui como uma aliada na construção desse futuro almejado, tendo sido utilizado, para isso, como estudo de caso, a creche e berçário Recanto da Criança, pois, conforme Streck et al.: “O que nos interessa discutir é a própria possibilidade de um projeto educacional alternativo que, em primeiro lugar, reivindique a politicidade da educação, pois a inscreve na viabilidade de construir uma sociedade melhor” (2001, p. 113). Nesse momento, necessário é analisar a importância da existência de um Projeto Político Pedagógico (PPP), bem como de um Regimento Escolar (RE), no intuito de nortear as práticas pedagógicas que venham a ser executadas, fornecendo os caminhos para se trabalhar efetivamente de forma inclusiva, com uma pedagogia verdadeiramente comprometida, pois, conforme Oliveira, o RE se constitui em: [...] um conjunto de regras que definem a organização administrativa, didática, pedagógica, disciplinar da instituição, estabelecendo normas que deverão ser seguidas para na sua elaboração [...]. Define os objetivos da escola, os níveis de ensino que oferece e como ela opera. Dividindo as responsabilidades e atribuições de cada pessoa [...]. (OLIVEIRA, s/d, s/p.)
A inexistência desses registros compromete o caráter participativo e democrático que a gestão escolar deve assumir, assim como enfraquece sua identificação enquanto instituição social, responsável pelo rol de papéis já elencados. A Lei n. 13.146, conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência, acrescenta que: “É dever do Estado, da família, da comunidade escolar e da sociedade assegurar educação de qualidade à pessoa com deficiência, colocando-a a salvo de toda forma de violência, negligência e discriminação” (BRASIL, 2015, Art. 27).
3 O LÚDICO COMO FERRAMENTA DE INCLUSÃO Analisar quais são as metodologias e recursos disponíveis para tornar o ensino realmente inclusivo, promovendo o efetivo aprendizado e a integração socioeducativa dos estudantes, é prerrogativa para uma educação de qualidade e imprescindível no desempenho das ações pedagógicas. Nesse ínterim, o material Brincar para Todos (BRASIL, 2006) reforça que, para as pessoas com necessidades especiais, a inserção do lúdico no ambiente e nas práticas escolares revela-se como agente facilitador na remoção Faculdade Educacional da Lapa - FAEL
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Constata-se, diante do supracitado, que a adoção do lúdico tanto motiva quanto contribui para a aprendizagem e para a integração socioeducativa desses sujeitos. Por isso, cabe à escola refletir continuamente e de forma crítica sobre sua prática, de modo a superar os desafios para a efetivação da educação inclusiva, como enfatiza o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil:
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de barreiras e na promoção de oportunidades, indicando, ainda, que os jogos e as brincadeiras são fundamentais para a aquisição de diversos conhecimentos, tais como o deslocamento autônomo, a noção de espaço e o desenvolvimento integrado dos sentidos. É possível constatar, com isso, que estudar e compreender a influência da ludicidade na prática de ensino e aprendizagem constitui-se como fundamental na condução das atividades pedagógicas. Vale frisar que essas atividades contribuem para que esse processo ocorra de forma prazerosa, além de fortalecer os laços afetivos entre as crianças. Mafra e Kempa apontam que “o jogo, portanto, é sem dúvida, uma atividade muito importante na educação. As atividades lúdicas são fundamentais na formação dos jovens e das crianças, e verdadeiras facilitadoras dos relacionamentos e das vivências em sala de aula” (s/d, p. 4). Diante do exposto, se constata que essas atividades devem ser consideradas como recurso pedagógico indispensável, posto proporcionarem a aquisição de conhecimentos e a interação social das crianças com seus pares, sem distinção, de forma agradável e benéfica para todos os atores envolvidos. Mafra e Kempa acrescentam ainda que
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ao brincar e jogar, diversos aspectos são estimulados [...]: a criatividade, a memorização, a cooperação e solidariedade, [...] a motricidade, a capacidade de discriminar, julgar, analisar, tomar decisões e aceitar críticas, a competitividade, a socialização, a confiança em si e em suas possibilidades [...] (s/d, p. 7).
Trabalhar com o lúdico, no âmbito educacional, não pode ser visto, portanto, como um mero apenso ao currículo pedagógico, pois seus efeitos são refletidos em diversas outras circunstâncias do desenvolvimento infantil. Toda criança precisa ser estimulada, para se desenvolver cognitiva, sensorial e fisicamente e com as que têm necessidades especiais isso não é diferente. Faz-se necessário, frente a isso, refletir acerca das estratégias educacionais que permitam que cada um se desenvolva, de acordo com seu ritmo. Diante do exposto, cabe à escola realizar uma reflexão contínua de sua práxis educativa, planejando-a com vistas a promover trabalhos de cooperação, respeito, socialização e exploração global dos sentidos de todos os alunos, mudando ou aperfeiçoando suas práticas, sempre que detectar que isso é preciso. Para Diaz et al.: [...] para que as escolas possam acolher a diversidade do alunado, reconhecendo e valorizando as diferentes capacidades, competências, habilidades que existem em uma sala de aula, elas precisam ser revistas inteiramente e mudar suas práticas usuais, marcadas pelo conservadorismo, excludentes e inadequadas para o alunado que já temos hoje nas escolas, em todos os seus níveis (DIAZ et al., 2009, p. 80).
A atuação escolar está sujeita a um rol de dispositivos legais, que impõem, entre outros, o acesso e a permanência de todos os indivíduos, instituindo a sua obrigatoriedade no ensino regular, público ou privado, visando, também, a que lhes sejam proporcionadas condições para que atinjam o maior patamar de aprendizado que sua condição lhes permita alcançar. Esses documentos oficiais mencionam, ainda, quais recursos e metodologias estão disponíveis para se atender a essa imposição, reforçando a importância das brincadeiras e dos jogos para o desenvolvimento da criança. O documento Saberes e Práticas da Inclusão: educação infantil (2006) convida toda a comunidade escolar a repensar suas práticas, com vistas a contribuir com a construção do ensino inclusivo, argumentando que as atividades lúdicas são indispensáveis no cuidado com quaisquer crianças, mas, principalmente, com aquelas que têm necessidades especiais. O manuscrito Critérios para um atendimento em creches que respeite os direitos fundamentais das crianças (2009) reitera o compromisso que deve existir dos educadores de cada creche com o atendimento de um patamar mínimo de qualidade, voltado para as necessidades fundamentais da criança, sendo o direito de brincar uma delas. Acrescenta-se a isso a necessidade de existir uma política escolar que oriente a condução das ações pedagógicas, norteando-se sempre pelo respeito ao direito infantil de ter suas características individuais respeitadas, e cuja admissão ocorra de forma democrática, transparente e indiscriminada. Em suma, os documentos oficiais direcionados à Educação Infantil assinalam a brincadeira como um dos eixos principais para o trabalho pedagógico e, consequentemente, para o adequado desenvolvimento das crianças, ressaltando a importância do brincar, nesse contexto. 38
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4 METODOLOGIA Realizou-se, no estudo em pauta, em um primeiro momento, uma revisão da literatura concernente à educação inclusiva, aprofundando-se, no entanto, no Ensino Infantil das crianças com necessidades especiais. Em seguida, coletaram-se os dados para análise, através de pesquisa de cunho qualitativo, do tipo estudo de caso, com a utilização das ferramentas questionário, entrevista e observação in loco, aplicadas na creche e berçário Recanto da Criança, em Natal(RN). Esse estabelecimento educacional atua exclusivamente no Ensino Infantil, agregando, no momento, cerca de 20 crianças, na faixa etária entre 0 a 6 anos, contando, ainda, com uma equipe composta por 1 coordenadora e 3 professoras, sendo que apenas a primeira e uma das professoras têm formação em Pedagogia; as outras duas têm o Ensino Médio completo.
Os instrumentos supracitados foram estruturados com o objetivo de verificar o nível de compreensão da coordenação e do corpo docente do que vem a ser o ensino inclusivo, tanto no que se refere à sua exigência legal, quanto nos benefícios colhidos por todos os envolvidos, assim como observar a contribuição do lúdico no processo de ensino-aprendizagem das crianças matriculadas no Ensino Infantil, sobretudo daquelas com necessidades especiais. Com relação aos alunos, observou-se sua percepção de como as atividades lúdicas tornam o aprendizado mais prazeroso e enriquecedor. De acordo com Vieira (2012), a entrevista transforma o entrevistado em uma importante fonte de dados, devendo, porém, os propósitos do pesquisador serem previamente esclarecidos, de modo a se obter respostas o mais verossímeis possível. Já o questionário serve como um guia para a interação entre as duas partes envolvidas no processo. A observação in loco permitiu, ainda, analisar se as respostas coletadas coadunam com a realidade, além de terem possibilitado a apreensão de outras situações não contempladas pelos instrumentos anteriores.
5 ANÁLISE DOS DADOS COLETADOS O contato com essa escola já vem sendo realizado há cerca de 4 anos, haja vista o filho da pesquisadora encontrar-se nela matriculado; contudo, a validade de utilizá-la como objeto de estudo se deu em virtude da constatação da matrícula, ao longo desse período, de alunos com necessidades especiais. A incerteza quanto à metodologia utilizada pela escola levou à preocupação em analisar como esse ensino vem sendo ministrado, de modo a verificar se, não apenas o aprendizado das crianças sem necessidades especiais, quanto o dos alunos que as têm, está ocorrendo adequadamente, tanto no que diz respeito à assimilação dos conteúdos curriculares, quanto à socialização entre esses dois grupos discentes, uma vez que aprender a conviver com as diferenças faz parte do aprendizado. Os questionários, as entrevistas e as observações in loco foram realizadas durante a execução de atividades rotineiras do corpo docente, possíveis devido ao seu pequeno contingente, conforme supracitado. O primeiro instrumento foi entregue aos professores, para que o respondessem com liberdade, opinando sem interferência da pesquisadora, o que permitiu delimitar, ao final, qual era sua idealização pedagógica. Já a entrevista ocorreu por meio dos diálogos em que a pesquisadora lia e explicava, quando necessário, os questionamentos ali apresentados, auxiliando, assim, a verificação da coerência entre as perguntas anteriormente respondidas, com estas. A observação in loco contribuiu para que a autora comparasse as respostas coletadas com a realidade ali vivenciada. As três ferramentas abrangeram questões pertinentes à forma como as atividades lúdicas são executadas, se são planejadas, se contribuem significativamente com o aprendizado e com a socialização dos educandos com Faculdade Educacional da Lapa - FAEL
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A escolha pela pesquisa do tipo estudo de caso deve-se à possibilidade de aplicar a informação aqui apreendida em outros contextos, pois ela, segundo Vieira: “se caracteriza por pretender estender os ensinamentos obtidos no acompanhamento sistemático de um caso individual para situações mais gerais” (2012, p. 44). Martins (2003) considera, nesse quadro, que o estudo de caso é legítimo, porque colhe informações em primeira mão, no local em que as crianças são educadas. Essa análise no locus permite a percepção das vivências, contribuindo para a investigação mais aprofundada do objeto de estudo.
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necessidades especiais, assim como se carecem do apoio de um especialista, ou de habilidades específicas por parte dos docentes. A aplicação dos instrumentos ocorreu em um único dia, mais precisamente no horário em que todos ficam à vontade no playground, tendo fluido sem transtornos, devido à já enfatizada facilidade decorrente do reduzido número de alunos e professores. Observou-se que, esse espaço configurava-se como sendo acessível, por seu acesso e deslocamento serem totalmente livres de obstáculos, contando, inclusive com o olhar atento das professoras.
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Segundo Lopes (2012), o espaço destinado ao lazer e, portanto, também ao lúdico deve ser de livre circulação, sem a presença de quaisquer obstáculos que possam tanto inviabilizar o deslocamento de alunos que possam ter comprometimentos físicos, quanto acarretar em acidentes com os transeuntes, devendo, inclusive, ser considerado como aspecto relevante ao se pensar na organização do espaço escolar. Esse raciocínio é reforçado pelo documento Parâmetros básicos de infraestrutura para instituições de Ensino Infantil, quando declara que “o espaço lúdico infantil deve ser dinâmico, vivo, ‘brincável’, explorável, transformável e acessível para todos” (BRASIL, 2006, p. 8). Pôde-se constatar, através das ferramentas de pesquisa utilizadas, que, apesar de todas as professoras terem experiência há mais de um ano com o ensino especial, apenas a coordenadora defendeu não ser necessária a presença de um especialista nesse ambiente, resumindo ser preciso apenas experiência, criatividade e gostar do que faz, enquanto as demais alegaram que essas características também são importantes, mas que o especialista em tempo integral, saberia lidar melhor com as possíveis crises ou dificuldades próprias de cada tipo de necessidade especial. Contudo, quando indagadas quanto às habilidades que o professor deve ter para trabalhar com esse público, todas disseram não serem necessários muitos recursos ou capacitações, bastando trabalhar com afeto, paciência e organização. O material Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (1998), no entanto, argumenta ser necessária uma formação sólida, seguida de uma capacitação permanente. Na sequência, as professoras foram questionadas sobre a relevância do lúdico para o aprendizado e socialização desses alunos, tendo sido unânime o reconhecimento de sua contribuição, mas afirmando que ele atua apenas como ferramenta para ministrar as disciplinas básicas (ciências, matemática, português e artes), tendo inclusive destacado que as crianças matriculadas já se encontram alfabetizadas aos 4 anos de idade, inclusive as que apresentam necessidades especiais. No entanto, o manual Brincar para todos (2006) alerta que as atividades lúdicas não são apenas um meio de se chegar a um fim, mas que elas têm, em si próprias, e, independentemente de qualquer coisa, um papel relevante para o desenvolvimento infantil global dos educandos, enfatizando as múltiplas possibilidades que elas oferecem para esse desenvolvimento. Prosseguindo, perguntou-se às docentes se existiam um PPP e um RE, os quais, segundo o documento mencionado em momento anterior, norteariam suas ações pedagógicas. Indagou-se, ainda, se as atividades lúdicas e disciplinares eram previamente planejadas. Nesse contexto, apenas a coordenadora demonstrou compreender ao que se estava referindo, tendo as demais declarado não saberem em que consistiam esses documentos. A primeira acrescentou, porém, que ele é criado apenas por imposição legal, principalmente nas escolas públicas, mas que, na prática, acabam ficando arquivados, não sendo considerados quando da elaboração das atividades diárias. Sobre planejar as aulas, todas afirmaram que o fazem apenas com as disciplinas básicas, sendo as lúdicas aplicadas espontaneamente, defendendo que trabalhar com crianças dessa faixa etária exige flexibilidade, porque esses alunos, independentemente da existência de necessidades especiais, costumam ter ritmos e anseios particulares. Para Díaz et al(2009), contudo, é necessário realizar um planejamento das atividades e do ambiente escolar, de modo a ter condições de dar a resposta adequada às necessidades dos alunos. Para isso o professor precisa conhecer quais são as particularidades do público com que trabalha. Quando solicitadas que tecessem comentários finais sobre o objeto de estudo, declararam que o papel do educador que atua no Ensino Infantil é o de preparar os alunos para a vida e para as próximas etapas do processo de escolarização e que um dos maiores problemas enfrentados, nesse tempo de atuação com o aluno especial, foi a não aceitação de alguns pais quanto à condição de seus filhos, não os encaminhando ao tratamento profissional, nos casos em que se faziam necessários, nem tampouco permitindo às professoras que aplicassem 40
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as metodologias que contribuiriam com seu aprendizado e com sua socialização. Apesar disso, o documento Saberes e práticas da inclusão: educação infantil(2006) atribui ao educador a função de mediador social, visando à promoção do avanço no desenvolvimento e na aprendizagem infantil. O aluno pesquisado demonstrou não fazer qualquer distinção entre seus colegas, alegando apenas gostar mais de uns do que de outros por uma questão de afinidade de brincadeiras. No tocante à maneira que prefere estudar, respondeu de forma veemente que acredita gostar e aprender de forma muito mais produtiva através das atividades lúdicas, acrescentando, inclusive, que interage com todos os colegas através dessa metodologia. Ao ser indagado se alguns alunos com os quais estuda aparentam ter alguma dificuldade de aprendizagem, respondeu que alguns fazem bagunça na hora das tarefas (apontou nesse momento para alguns colegas, que não têm necessidades especiais), e que esse seria o único motivo que atrapalharia sua aprendizagem.
6 PROPOSIÇÕES DE AÇÕES PARA SOLUÇÃO DOS PROBLEMAS LEVANTADOS COM A PESQUISA
Nesse ínterim, a atuação pedagógica exige que suas práticas sejam planejadas, considerando sempre as contribuições oriundas das atividades lúdicas, principalmente as referentes ao desenvolvimento cognitivo, motor, sensorial, acadêmico e social de todos os alunos, sobretudo na formação daqueles que apresentam necessidades educativas especiais. Na escola pesquisada, observou-se uma preocupação fidedigna com a qualidade do aprendizado dos seus alunos, embora tenha sido constatada, também, a inexistência de um PPP e de um RE que orientassem suas ações, demonstrando que elas ocorrem de forma um tanto simplória, sem uma metodologia norteadora. Com isso, a primeira proposição é a elaboração desses documentos, dando-lhes a devida importância, assim como passar a planejar regularmente tanto as aulas quanto as atividades lúdicas que serão ministradas, analisando como cada jogo e cada brincadeira resultarão na melhoria do aprendizado de seu corpo estudantil, sobretudo daqueles alunos que mais precisam dessas ferramentas para se desenvolver. Outro ponto a se considerar, nesse planejamento, é a utilização das estratégias lúdicas para se trabalhar, também, a socialização entre os alunos, onde a heterogeneidade seja vista como aliada ao fortalecimento desses laços, e não como obstáculo, posto que, conforme enfatiza o documento Saberes e práticas da inclusão: educação infantil: “[...] em um mundo heterogêneo, o encontro com o outro, [...] com o diferente é inevitável.” (BRASIL, 2006, p. 20).Em sendo a heterogeneidade parte da condição humana, cabe à escola repensar e refletir continuamente suas ações, ensinando seus alunos a respeitá-la, pois essa é a base da cidadania.
CONSIDERAÇÕES FINAIS A educação é um processo que, para se efetivar, depende da ação conjunta de diversas instituições, sendo a escola uma delas, assim como de uma reflexão contínua sobre as práticas pedagógicas e da mobilização de todos os recursos disponíveis. Necessário se enfatizar que, apesar das limitações oriundas das necessidades especiais, o processo de aquisição de conhecimento dessas crianças se dá seguindo o mesmo caminho que o das demais, variando apenas no tempo e na forma como esse processo se desenvolve; as crianças especiais têm também potencialidades, que devem ser precocemente estimuladas. As atividades lúdicas revelam-se como fortes aliadas nesse contexto, posto corroborar para que os demais alunos, ditos normais, vejam a diferença como parte da normalidade, mas, principalmente, porque elas promovem autonomia, desenvolvimento global dos sentidos e condições de usufruir dos direitos de cidadãos, sobretudo aos alunos com necessidades especiais. Faculdade Educacional da Lapa - FAEL
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Trabalhar com o Ensino Infantil, independentemente da existência de necessidades especiais, requer habilidades específicas por parte dos educadores, como formação sólida, capacitação contínua, flexibilidade e criatividade.
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Porém, para que elas sejam adequadamente utilizadas, é imprescindível que exista um Projeto-Político-Pedagógico e um Regimento Escolar que norteie as ações pedagógicas, assim como o planejamento regular das aulas, com vistas a se promover um ensino realmente inclusivo. Pelos benefícios relatados, assim como diante da imposição legal que existe, é que a escola deve compreender que utilizar o lúdico demonstra comprometimento com a sociedade e com o futuro da nação. Com essa pesquisa, pôde-se concluir que é importante que os educadores compreendam como se dá o desenvolvimento infantil, para que façam uso adequado e o mais produtivo possível das estratégias e metodologias que contribuem nessa empreitada, respeitando as distintas faixas etárias e os diferentes ritmos de aprendizagem.
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Brincando e aprendendo: o lúdico como fator de inclusão no ensino infantil
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Aprovado: 07/11/2017
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OLIVEIRA, Eudeir Barbosa de1 WITHERS, Simone Weinhardt2
RESUMO O artigo apresenta um estudo sobre a Educação Inclusiva no Brasil e o atendimento das pessoas com necessidades especiais nas escolas e tem como objetivo principal destacar o que há de realidade e utopia na educação que se propõe como inclusiva, distinguindo segregação, integração e inclusão, além de evidenciar barreiras e limitações encontradas na escola, para sugerir alternativas de superação dos limites. Para tanto, foi realizada uma análise da legislação e das mudanças sofridas ao longo dos anos, concomitantemente a uma análise bibliográfica com o intuito de compreender as possibilidades e limitações para uma escola inclusiva. O interesse surgiu da necessidade de compreender o papel e a responsabilidade de professores, alunos e familiares, em face da legislação e das políticas públicas. O Brasil tem sido cada vez mais um país de poucos, e a escola não consegue atender com a competência devida todos que chegam a ela. Atender uma pessoa com necessidades educativas especiais não é o mesmo que abrir-lhe as portas e fazer sua matrícula. As limitações da escola são muitas, inclusive as mais elementares, como as do espaço físico, e nem sempre ela está preparada para atender todos com efetividade. A superação das barreiras e, principalmente, do despreparo profissional, ainda levará tempo, o que não significa que seja necessário esperar adequações para estabelecer tal educação, mas sim que ela não será capaz de atender com qualidade todos os alunos inseridos no momento. Reconhecer isso é evitar que a inclusão seja falseada por mera inserção. Palavras-chave: Educação especial. Inclusão. Legislação. Atendimento.
ABSTRACT This article presents a study on Inclusive Education in Brazil and the care of people with special needs in schools. Its main objective is to highlight what is reality and utopia in education proposed as an inclusive practice, distinguishing segregation, integration and inclusion, besides to highlight barriers and limitations found in schools, suggesting alternatives to overcome of these difficulties. For this, it was carried out an analysis of the legislation and the changes undergone over the years, so as a bibliographical analysis with the purpose of understanding the possibilities and limitations for an inclusive school. The interest came up from the need to understand the role and responsibility of teachers, students and family, in the face of legislation and public policies. Brazil has been a country of just a few, and the school can not assist with the necessary competence all the ones who need it. Assisting a person with special educational needs is not just opening the doors and receiving the student. There are many school’s limitations, including the most elementary ones, such as the physical space, and the institution is not always prepared to welcome all the students properly. Overcoming the barriers and, especially, the professional unpreparedness, will still take time, which does not 1 Professora, pedagoga, pós-graduada em Psicopedagogia Institucional e Clínica. Mestranda em Psicologia pela Universidade Federal de Rondônia e Pós-graduada em Educação Especial e Inclusiva pela Faculdade Educacional da Lapa/FAEL.
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Educação inclusiva: realidade e utopia Inclusive education: reality and utopia
Educação inclusiva: realidade e utopia
mean that it is necessary to wait for adjustments to establish such education, but rather that it will not be able to assist with quality all the students inserted at the moment. Recognizing this means to prevent inclusion from being distorted by mere insertion.
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Keywords: Special education. Inclusion. Legislation. Attendance.
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Educação inclusiva: realidade e utopia
1 INTRODUÇÃO A educação é, além de um direito inalienável, uma necessidade para todos os indivíduos, independentemente de cor, raça, sexo, idade, aparência, economia, cultura e historicidade. Todo ser humano é imprescindível e tem a educação como sua aliada para que se prepare da melhor maneira para a vida presente e futura. A educação ocorre em vários âmbitos: na família, na escola, na igreja, em sindicatos, em clubes e, entre outros lugares, na nação como um todo. Não basta, portanto, apenas defender a educação, mas é preciso lutar por uma educação de qualidade e democrática, destinada a todas as pessoas. Todavia, esse princípio de qualidade e justiça não vem sendo comprovado, considerando-se o número de pessoas que ficam fora da escola, que acabam excluídas dela ou que não recebem as devidas atenções para o desenvolvimento de competências.
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O objetivo principal desta pesquisa é destacar o que há de realidade e utopia na educação que se propõe como inclusiva, além de distinguir segregação, integração e inclusão, bem como destacar barreiras e limitações encontradas na escola para, então, apresentar alternativas de superação dos limites. Para tanto, foi realizada uma análise da legislação e das mudanças sofridas ao longo dos anos, concomitantemente à analise bibliográfica da literatura vigente. O interesse surgiu da necessidade de compreender o papel e a responsabilidade de professores, alunos e familiares nesse contexto, em face da legislação e das políticas públicas. Sabe-se que a simples nomenclatura aplicada nem sempre corresponde à realidade de sua referência e que os conceitos de um termo podem ser polissêmicos. Contudo, quanto mais próxima a relação entre nome e sujeito, melhor a compreensão de determinadas temáticas, como a da educação inclusiva, abordada neste trabalho. Afinal, em que consiste a inclusão? Quais os incluídos? Os excluídos? Em primeiro lugar, foi feita uma explanação sobre essas questões, para que depois fosse possível trazer o assunto com uma fundamentação orientadora. A educação inclusiva consiste num discurso moderno, relacionado à visão holística3 do ser humano e ao sentido de globalidade com que se vive cotidianamente. Há limites e possibilidades para ela, opondo-se barreiras do espaço físico, profissionais e atitudinais, por exemplo, à adaptação curricular, à formação específica, à solidariedade, à afetividade e à competência no ensino. Assim, na fase final dessa pesquisa, foi realizada uma análise de contextos inclusivos para compreender o papel de profissionais e qual a responsabilidade de pais, políticos e membros da comunidade em geral sobre os novos caminhos a seguir para que as pessoas com necessidades especiais conquistem o seu espaço e a sua autonomia. Após análise da legislação e das angústias explicitadas pelos professores, foram apresentadas sugestões para modificações curriculares e pedagógicas, além da sugestão de mudanças nas mais diversas estruturas que compõem o ambiente escolar, no comprometimento familiar, na formação e prática docente, além da superação das barreiras atitudinais.
2 LIMITES E POSSIBILIDADES DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA NO BRASIL Todo tipo de educação é especial, e todo aluno tem necessidades educativas especiais. Todavia, o caminho não é tão simplista. A educação especial se realiza, conforme os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997, p. 21), “transversalmente, em todos os níveis de ensino, nas instituições escolares, cujo projeto, organização e prática pedagógica devem respeitar a diversidade dos alunos, e exigir diferenciações nos atos pedagógicos que contemplem as necessidades educacionais de todos”. Há, nesta perspectiva, a defesa de uma educação não massificadora, que esteja voltada não apenas para a maioria ou para a minoria, mas para todos com igualdade e equidade. Consiste, pois, numa forma de ruptura com o pensamento totalitarista que só vê a grande massa, esquecendo-se de que as pessoas são marcadas por peculiaridades que as modelam e remodelam a cada dia. Para desenvolver de maneira adequada a educação especial, é preciso compreender quem são as pessoas com necessidades educativas especiais. As terminologias em relação às pessoas que apresentam necessidades especiais sofreram modificações ao longo da história. Passou-se a considerar pejorativo definir a pessoa com necessidade especial como “portador de 3 Uma visão holística, sistêmica, global e integral do ser humano, estudo do homem de corpo, alma e espírito, em que essas três instâncias funcionam de maneira dinâmica e interdependente (GARDNER, Howard, 1994).
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necessidades especiais”, “excepcional” ou “deficiente”, de modo que houve um interesse, com o tempo, em minimizar o peso dos termos empregados para a identificação desse sujeito. Segundo o Caderno do MEC (BRASIL, 1998, p. 30), “a ordem das terminologias foi: excepcional, pessoa deficiente, pessoa portadora de deficiência, pessoa portadora de necessidades especiais, pessoa portadora de necessidades educativas especiais”. Quando relacionada com a educação, a ideia de “deficiência” ou necessidade educativa especial se ascende de diversas maneiras. O que não pode acontecer no contexto escolar é a pessoa que não é considerada especial à luz da legislação receber atendimento mais eficaz do que a pessoa que apresenta necessidades, isso em vista dos diagnósticos precoces ou rotulação que a criança recebe em razão do comportamento que apresenta. Um aluno que se torna rebelde, por exemplo, passa a ter “conduta típica”, e o que não fala, não escreve, não faz nada é considerado como anêmico, desinteressado ou “caso perdido” (OLIVEIRA, 2016, [s. p.]). É preciso depurar a concepção de necessidades educativas especiais de todo tipo de preconceito e, ao mesmo tempo, recorrer a algum tipo de especialidade ou preparo especial para lidar com o assunto.
A Declaração de Salamanca nasceu motivada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948; pela Conferência Mundial sobre a Educação Para Todos, de 1990; pelas Regras e Padrões sobre Equalização de Oportunidades para Pessoas com Deficiências, das Nações Unidas (1995); pelas discussões com vários envolvidos (governos, grupos de advocacia, comunidades, pais, organizações relacionadas a pessoas com necessidades especiais) e por meio da Conferência Mundial de Educação Especial, composta de 88 governos e 25 organizações internacionais, realizada em Salamanca, na Espanha, entre 7 e 10 de junho de 1994. Os princípios da Declaração, conforme mostra o Caderno do MEC (BRASIL, 1998, p. 104), designam uma “educação para todos”, mas, ao mesmo tempo, para cada um, o que significa que cada pessoa precisa de um tratamento que respeite as suas necessidades, principalmente as especiais. A pessoa é vista na perspectiva da diversidade (entendida como o holismo, que considera o sujeito como corpo, mente, espírito e emoção), das múltiplas inteligências4, das necessidades e interesses também múltiplos, conforme comprova o seguinte princípio da Declaração de Salamanca (UNESCO, 2004, p. 105): “Toda criança possui características, interesses, habilidades e necessidades da aprendizagem que são únicas”, mas a Declaração reconhece que as escolas não estão preparadas para tanto, conforme esta instrução: “Sistemas educacionais deveriam ser designados e programas educacionais deveriam ser implementados no sentido de se levar em conta a vasta diversidade de tais características e necessidades”. A escola precisa ter competência para um ensino-aprendizagem de fato a todos os seus alunos, sem negá-lo a ninguém. A Declaração de Salamanca (UNESCO, 2004, p. 1) determina que “aquelas [crianças] com necessidades educacionais especiais devem ter acesso à escola regular, que deveria acomodá-las dentro de uma pedagogia centrada na criança, capaz de satisfazer a tais necessidades”, mas não raro se veem as barreiras atitudinais (preconceitos, falta de atenção) e as de espaço físico (ausência de rampas, de corrimões, de instrumentos pedagógicos específicos, como livros em braile). Mesmo assim, existe a pressão, exercida pela Declaração de Salamanca, de que as escolas “adotem o princípio de educação inclusiva em forma de lei ou de política, matriculando todas as crianças em escolas regulares, a menos que existam fontes para agir de outra forma”, conforme o Caderno do MEC (BRASIL, 1998, p. 105). O máximo que se tem visto para superar as barreiras arquitetônicas, é a construção de rampas, alargamento de portas e, em raríssimos casos, a instalação de guia tátil. E o humano, o principal “material” educativo, vê-se a propagação de intérprete de Libras para atendimento aos surdos, mas a maioria dos professores regulares não está preparada, embora a Declaração sugira que haja preparação afim (BRASIL, 1998, p. 105).
2.2 A educação inclusiva segundo a LDB O artigo 58 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB, n. 9394, de dezembro de 1996, não é taxativa, ou seja, não obriga as escolas a promoverem a educação inclusiva em seu sentido pleno: Art. 4 “A Inteligência pode ser definida como uma habilidade cognitiva superior, como um comportamento adaptativo orientado por objetivos.” Em 1985, o psicólogo Howard Gardner apresentou a Teoria das Múltiplas Inteligências, propondo a existência de sete inteligências distintas. Mais tarde, acrescentou duas inteligências à sua teoria. Totalizando nove o número de inteligências, são elas: matemática, linguística, espacial, cinestésica, interpessoal, intrapessoal, naturalista e existencialista (ANTUNES, 2000).
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2.1 A educação inclusiva segundo a Declaração de Salamanca
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58 – “Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos com necessidades educativas especiais”. O termo “preferencialmente” é uma analogia ou consequência da expressão “a menos que” segundo a Declaração de Salamanca (1994, p. 6-7), sendo uma matrícula de ordem preferencial, o aluno especial talvez não seja matriculado na escola da rede regular, haja vista que podem haver princípios de interpretação de gestores, representantes de ensino, secretários de educação que deduzam um outro caminho que não a educação inclusiva.
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O parágrafo primeiro do artigo 58 da LDB 9.394/96 (BRASIL, 1996) também é questionável: “Haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola regular, para atender às peculiaridades do público atendido na educação especial”. Quando será necessário, de fato, promover a especialização de serviços? Existe novamente a abertura para o comodismo, haja vista que a lei é muito “aberta”, e as escolas podem se valer dela para se eximirem da responsabilidade de adotar uma “educação inclusiva para todos”, não somente para alguns. Com um discurso assim, fica a impressão de que os legisladores reconhecem o despreparo das escolas brasileiras – de outra forma, não haveria o termo “preferencialmente” para a matrícula dos alunos com necessidades educativas especiais nas escolas da rede regular, mas o termo “obrigatoriamente”, sempre que houver interesse dos pais ou dos próprios alunos em se matricularem nas escolas afins. Após a Declaração de Salamanca e a Lei 9.394/96, houve muitas outras discussões, ratificadoras do propósito de uma educação inclusiva, que é solidária na medida em que oferece oportunidades de desenvolvimento a todas as pessoas, incluindo-se cada uma com suas particularidades especiais. Outros documentos foram evidenciados como resultado do que a legislação aponta: Carta para o Terceiro Milênio (1999); Convenção de Guatemala (1999); Declaração de Washington (1999); Declaração Internacional de Montreal sobre Inclusão (2001); Declaração de Caracas (2002), Declaração de Saporo (2002) e Declaração de Madri (2002). Todos esses encontros e seus respectivos documentos reafirmam a necessidade do respeito aos direitos de todos e de uma preparação para o devido atendimento aos alunos com necessidades educativas especiais. É importante que muitas escolas superem as concepções antigas de segregação, rotulação, desencargo de responsabilidades e atinjam a concepção de educação inclusiva, com as pessoas todas assumindo seus papéis e apoiando aqueles com necessidades educativas especiais em suas dificuldades cotidianas, das mais simples às mais complexas.
2.3 Compreendendo segregação, integração, inclusão O princípio de “educação para todos”, compromisso global firmado por 164 governos reunidos na Cúpula Mundial de Educação, em Dakar (2000), e que foi categoricamente difundido nos últimos tempos, é absoluto, não deixa à margem ninguém da sociedade brasileira no que diz respeito à lei. Na prática, sabe-se que nem sempre isso é seguido. O Brasil tem um histórico de desigualdades que se opera em todos os campos: econômico, político, social, de saúde e, entre outros, educacional. Está na sua gênese, desde sua descoberta, e na sua pele, marcada por preconceitos, equívocos e oportunismos (muito mais sofridos do que vividos, haja vista que a elite favorecida constitui uma minoria no país) (CASTRO, 2009). Para compreender melhor a integração e a inclusão, é importante que não se perca de vista o esclarecimento que se faz sobre quem sejam as pessoas com necessidades educativas especiais: modernamente, não se trata apenas de deficientes físicos ou mentais, mas estes e todos aqueles que apresentam diferenças dentro de um grupo aparentemente hegemônico (BRASIL, 1998). É claro que uma atenção maior é devida aos que têm problemas mais graves de relacionamento, seja pela ação ou pela recepção e reação. Esse relacionamento, inclusive, não se prende no dialogismo, mas volta-se para todas as atividades, especialmente as relacionadas à educação. Assim, fala-se muito dos desafios educacionais para os novos tempos, quando se reconhecem muitos fracassos a respeito da educação especial. Fala-se muito dos “diferentes” e, de fato, em qualquer meio não existe a homogeneidade. Contudo, especificam-se aqueles alunos “diferentes” ou “diferenças” de maior complexidade, a ponto de necessitarem de uma reformulação ainda mais objetiva dos métodos e princípios pedagógicos. O Caderno do MEC demonstra que a pessoa com necessidades especiais passou da tragédia da eliminação para a conquista de direitos de cidadãos comuns, passando pela filantropia, antes e agora. É preciso verificar em que consiste ser “comum”: ou alguém que tem direitos e deveres compatíveis com sua natureza ou uma simples 48
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Educação inclusiva: realidade e utopia
generalização, como peça de um todo que não se destaca na dinâmica da sociedade. É com o primeiro princípio que lidamos ao defendermos a educação inclusiva (BRASIL, 1998).
Aos poucos, o indivíduo com necessidades especiais deixou de ficar preso à esfera da saúde para atingir a esfera educacional também. Em 1970, o MEC assumiu que a clientela da educação especial é a que “requer cuidados especiais no lar, na escola e na sociedade” (NOVA ESCOLA, 1999, p. 10-11), e em 1990, finalmente, o Brasil participou da Conferência Mundial Sobre Educação para Todos na cidade de Jomtiem, na Tailândia, quando foram lançadas as sementes da política de educação inclusiva. Isso revela que o mundo estava em sintonia com o problema/causa daqueles que precisavam de atendimentos educacionais especiais, o que força os países a se congregarem. Não se afirma aqui que o Brasil tenha se engajado apenas por isso, mas que é uma variável a considerar, especialmente quando estiver sendo discutida a validade das teorias e das leis. O documento A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2013) afirma que a Educação Especial deve oferecer Atendimento Educacional Especializado aos alunos. Segundo esse documento, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, de 2010, define alunos com deficiência como “[...] aqueles que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, intelectual, mental ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas” (p. 8). Tratam-se de alunos com deficiência mental, deficiência física, surdez, deficiência auditiva, cegueira, baixa visão, surdo-cegueira ou deficiências múltiplas. Para que haja inclusão, portanto, as atividades desenvolvidas no atendimento educacional especializado devem ser diferentes daquelas atividades diárias que constituem o cotidiano escolar em sala de aula, porém, não substituem essas atividades, apenas complementa e/ou suplementa a formação dos alunos, a fim de que eles possam se desenvolver como pessoas atuantes e participativas no mundo em que vivemos.
2.4 Limites e superação: estrutura, formação dos professores e família A estrutura de um ambiente educacional envolve a arquitetura, o corpo de funcionários, o projeto político-pedagógico e outros projetos, os quais demandam capital e conhecimento, mas não apenas isso. O artigo 59 da LDB 9.394/96, inciso I determina que sejam assegurados às pessoas com necessidades educativas especiais currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos para atender às suas necessidades. Um dos grandes problemas que se observa são as barreiras de espaço físico, como a falta de adaptação de banheiros (sem corrimão, com dimensões que não permitem entrada e/ou acomodação das cadeiras de roda), de rampas, pisos antiderrapantes etc., que se relaciona igualmente com a barreira da distância. As crianças com necessidades especiais também têm o direito de estudar próximo à sua residência, o que pressupõe a necessidade de educação inclusiva em todo o cenário nacional, numa geografia solidária, com pontos de aceite no lugar dos pontos de exclusão e em substituição à segregação. Diminuindo-se a distância entre a escola e a residência, há um menor sofrimento das pessoas com necessidades educativas especiais e maior facilidade de interação com os pais, que podem ser visitados com maior frequência ou ser recebidos da mesma maneira na escola. Todavia, mais perniciosas que as barreiras físicas (arquitetura e distância), são as barreiras atitudinais. A revista Mensagem da APAE (1999, p. 30) afirma que estas estão calcadas em estereótipos e preconceitos que levam muito tempo para serem modificados, mas nem por isso deve haver desânimo ou acomodação. Não existem tabus e preconceitos que não possam ser extirpados do meio social quando uma equipe de pessoas capacitadas assume o Faculdade Educacional da Lapa - FAEL
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É importante observar também que as mudanças de concepção não ocorrem automaticamente, deixando para trás tudo o que era negativo. Mas é certo que houve grandes melhorias no pensamento (e, por conseguinte, na própria natureza do ser humano) e um avanço no sistema legal de atendimento nas escolas. Segundo a revista Nova Escola (1999, p. 10), no Brasil, o atendimento especial às pessoas com deficiência começou oficialmente no dia 12 de outubro de 1854, quando D. Pedro II fundou o Imperial Instituto dos Meninos Cegos, no Rio de Janeiro. Em 1942, havia 40 escolas públicas regulares que prestavam algum tipo de atendimento a deficientes mentais e 14 que atendiam alunos com outras deficiências. No mesmo ano, ainda segundo a revista Nova Escola, o Instituto Benjamin Constant editou em Braile a Revista Brasileira para Cegos, inaugurando um gênero e reforçando a atenção sobre os excepcionais.
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compromisso de dar o melhor exemplo e exigir dos outros, dentro dos seus limites e de suas competências, também o mesmo. Essas pessoas devem ser professores, diretores, supervisores e outros profissionais de apoio cujas atitudes deixarão de ser barreiras para os que necessitam de atendimento educacional especializados, transformando-se em aberturas para o crescimento próprio e do outro, para a transcendentalidade de um modelo equivocado de concepção sobre o ser humano: o homem não será mais a unidade regular, que se homogeneíza com as outras dentro de características preestabelecidas. Ele, ao nascer, prescinde a todas essas características, supera-as com a riqueza da diversidade que empreende. Essa é a visão ideologizada sobre o diferente no caleidoscópio, passível de ser cumprida se houver consciência, boa vontade, competência e solidariedade. Além disso, o ser humano é um todo, não apenas uma parte que se ressalta: sua genialidade numa disciplina ou em várias, a ausência de um sentido, a perda de um membro etc. A concepção holística é sempre marcante numa conduta exclusivista, pois não há perda ou falta que imobilize o ser humano em suas realizações pessoais – o máximo que lhe ocorre é a dificuldade para a realização de atividades por processos comuns, mas não são apenas esses os necessários e possíveis. Um cego pode muito bem trabalhar em revelação de fotografias, assim como um surdo pode trabalhar em seções com grande barulho, que prejudicasse a audição. Ambos, aliás, fariam o trabalho melhor do que qualquer outro, pois suas deficiências, nesses casos, não são barreiras, mas condições naturais do trabalho. Há situações que se assemelham na escola, como maior concentração do aluno especial em momentos de tumulto da sala ou em um trabalho que exija mais o tato. Entretanto, não são apenas as habilidades especiais que interessam, mas também as habilidades múltiplas. Se não é possível ensinar a leitura através do visual, que se use o Braile; se não é possível escrever manualmente, que se use os pés, a boca. Em razão de todos aprenderem de uma maneira diferente, de um ritmo diferente (diferenças que são maiores ou menores, mas sempre existem), exige-se da escola que esteja sempre preparada para a sua clientela. O artigo 59 da LDB é fundamental, em seu inciso I, mas a revista Mensagem da APAE (1999, p. 30) denuncia a carência de materiais instrucionais, seja porque não são adquiridos, seja porque os que existem não estão em bom estado de conservação. Às vezes até há bons projetos (teoricamente), a exemplo dos que se referem à alta tecnologia. Também neste caso, a revista faz uma ressalva: Muitas de nossas escolas até receberam computadores, mas, nem todos os professores sabem manejá-lo (sic) e muito menos têm acesso às informações sobre programas educativos que poderiam estar empregados. Além de serem caros e os recursos escassos, o que pode inviabilizar sua aquisição, pelo menos em escolas do governo. (1999, p. 30).
Convive-se, pois, com dois problemas: a ausência de recursos ou a falta de seu domínio. Podemos dizer que isso ocorre não somente em relação à informática, embora nessa área se exija um estudo mais específico, aprofundado e atualizado: as tecnologias existentes nas escolas às vezes não são dominadas pelos professores, quanto menos instrumentos específicos para alunos com necessidades especiais. Comece-se questionando se há, por exemplo, o domínio da leitura em Braile, o número suficiente de profissionais para os atendimentos extracurriculares especiais (tratamento fisioterapêutico, educação física adaptada), dentre outras necessidades. Atualmente, é comum faltarem até psicólogos para o atendimento a alunos regulares (geralmente, há um ou dois psicólogos por representação da rede estadual em cada município, os quais “atendem” a todas as escolas). Até mesmo a área de supervisão e direção são falhos, na medida que são ocupadas mediante indicações partidárias, para cumprimento de promessas de campanha ou para se manter um grupo controlável, por serem “sujeitos ideológicos” que dirigem a escola como “um aparelho também ideológico” do Estado. Além das barreiras da distância, dos espaços físicos, atitudinais e profissionais, ressalvam-se as barreiras políticas, em vez das políticas serem aberturas para a transformação. Segundo a revista Nova Escola (1999, p. 12), o primeiro passo [para a preparação da escola inclusiva] é sensibilizar e treinar todos os funcionários da instituição: professores, orientadores e todo o pessoal que trabalha ali. É importantíssimo também sensibilizar os pais — sobretudo os dos não deficientes. Todos devem desempenhar um papel ativo no processo de inclusão.
A sensibilização está voltada para a aceitação e o respeito. É possível que alguns pais possam questionar à escola sobre uma mudança de programa, em função dos alunos com necessidades educativas especiais, como em relação aos conteúdos e ao tempo, mas é importante que não prevaleça o egoísmo (o que é fundamental em qualquer escola, principalmente na inclusiva). 50
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Há outros passos fundamentais, como no que se refere à adequação do espaço físico e funcional da escola, já comentados. A revista Nova Escola (1999, p. 13) comenta também sobre as atitudes quando alunos com necessidades educativas especiais ingressam na escola, as quais revelam, mais uma vez, que, de um modo geral, a escola não está preparada. Afinal, o texto afirma que o primeiro procedimento consiste no contato do diretor com a secretaria (SEDUC), que avalia se pode remanejar a criança para uma escola próxima que já esteja capacitada a acolher deficientes. Isso pressupõe que há escolas mais preparadas do que outras, perdendo-se de vista, em parte, o princípio de globalidade. O remanejamento, antes mais para a segregação, por alheação à causa das pessoas com necessidades especiais, agora se dá por despreparo.
Necessita-se sempre do “bom professor”, não somente em educação especial, como em qualquer situação e curso. Especificamente, o bom professor de educação especial conhece muito bem os fundamentos e as bases da educação comum, incluindo nela os fundamentos e bases da educação especial para que a aprendizagem não se limite a processos especiais, mas contemple processos que se utilizam do “especial” para o “comum”, universal e necessário para que a aprendizagem ocorra. Significa que se o professor se preocupar apenas com a educação especial, deixará de atender apropriadamente os alunos regulares e, ao mesmo tempo, que há fundamentos comuns entre os dois tipos de atendimento. O princípio da inclusão, portanto, permeia também a formação do professor. Entretanto, questiona-se que até mesmo as bases comuns não são dominadas pelos professores, conforme o histórico de fracassos que a escola vem apresentando na formação de seus alunos: antes, muito mais pelo número de reprovados; agora, muito mais pelo despreparo com que o aluno chega às séries subsequentes. Para Carvalho (2010, p. 121), o professor precisa dominar tanto os conteúdos disciplinares quanto as especificidades do ser humano, em seus campos emocional, mental, físico e psicológico. Somente assim é capaz de entender o ser humano na perspectiva holística e interferir de modo positivo diante das condutas ou interesses e necessidades dos alunos, para que atinjam patamares ótimos de desenvolvimento. Além disso, o professor precisa, ainda, saber elaborar aulas dinâmicas, organizar melhor o seu espaço, aplicar conteúdos significativos, saber reconhecer limites e possibilidades e ter profundo conhecimento das relações interpessoais, para que saiba, também ele, lidar com as diferenças, desprovendo-se de preconceitos e imbuindo-se de positivismo quanto ao potencial de cada um. Para isso, é importante que esteja ligado à concepção de Vygotsky sobre o interacionismo e o sujeito real e potencial em sua presença, ou seja, um sujeito cuja dificuldade, por maior que seja, é capaz de superar, se forem usados os métodos e técnicas apropriados. É claro que o professor não pode e não deve se afastar de suas atividades para a formação, porque faltam profissionais para suprir sua ausência, e os alunos sofrem com trocas sucessivas de professores, que necessitam de renda para a sobrevivência. A esse propósito, o artigo 87, § 4º, da LDB propunha que, até o final da década de 1990, somente seriam admitidos professores habilitados em nível superior ou formados por treinamento em serviço. Em 2013, o artigo foi alterado pela Lei n. 12.796, de 4 de abril de 2013, a qual define a educação especial e quem são os alunos considerados com necessidades educativas especiais. A lei determina ainda que esses alunos devem ser atendidos preferencialmente nas salas regulares de ensino. Encerra-se ali qualquer indicativo de segregação dos alunos, entretanto, os professores ainda não estavam preparados para atender esses alunos nas salas regulares de ensino. Até então, os governos estavam focados na formação em nível superior, na qual deveria estar inclusa uma preocupação maior com os alunos com necessidades educativas especiais. Se esta não existe, que sejam feitos cursos intensivos e destinados a todos os professores, uma vez que se pretende o atendimento aos alunos nesses moldes. Afinal, como atender à tão grande demanda e diversidade de necessidades educativas especiais se não há professores e outros profissionais capacitados para tanto? Se o Estado e os profissionais não se atentarem à sua Faculdade Educacional da Lapa - FAEL
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Em vista da situação disposta, poderia afirmar-se aqui a necessidade de reformulação na formação do professor, de modo que os programas de estágios atendam de maneira mais efetiva o viés da inclusão. De um lado, a solução para essa situação não está apenas no preparo do professor, de modo que de nada adianta os esforços político-pedagógicos por parte do MEC, das secretarias, das universidades ou das escolas onde ele atua, que geralmente podem aplicar cursos de especialização bastante motivadas pelo Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE). Por outro lado, qualquer tentativa de centralização do problema é arriscada, pois há muitos envolvidos no processo de formação: do Estado ao professor, passando pela sociedade.
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formação, a educação inclusiva não passará de uma utopia, de um verbalismo que se põe como enorme fosso entre a teoria e a prática. Exige-se muita competência do professor, que por sua vez exige muita competência das instituições para a sua formação. Quanto mais complexos os casos, maior será sua necessidade quanto à formação especial. Mantoan (s. d., p. 5) afirma que, “[...] a tendência [dos professores] é se refugiarem no impossível, considerando que a proposta de uma educação para todos é válida, porém utópica, impossível de ser concretizada com muitos alunos e nas circunstâncias em que se trabalha, hoje, nas escolas, principalmente nas redes públicas de ensino”.
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Nesse contexto, percebe-se que não há equívoco quando se diz que as escolas estão despreparadas, e não se preocupa com o “volume” de alunos, cuja densidade demográfica, por sala, é, muitas vezes, absurda. Como adotar a educação inclusiva para 40 alunos ao mesmo tempo, por exemplo? Essa é uma questão que os profissionais geralmente fariam com a educação inclusiva, porque é a que geralmente fazem com a regular. Entretanto, considerar a impossibilidade de se trabalhar com a diferença é sinal de pessimismo ou de desinteresse. É claro que apenas o professor não será capaz de mudar todo o sistema: secretarias, diretorias e profissionais são convidados a contribuir, melhorando a densidade de sala e a oferta de cursos de formação especial e de serviços de apoio, entre outras providências. Mantoan (s. d., p. 5) recomenda ainda a opção pelo construtivismo – corrente pedagógica atual que se volta para um ensino democrático e que ponha os indivíduos como sujeitos de sua ação –, além da formação de grupos de estudo e de parcerias, da investigação acadêmica, da valorização da diversidade, da autoavaliação, da cooperação e do trabalho conjunto, bem como da superação do processo sobre o resultado. Ou seja, o simples fato de se adotar a perspectiva construtivista já é um grande sinal de que a educação caminhará por melhores trilhas e campos de diversidade. A tríade família-escola-sociedade é sempre marcante, porque suas partes constituem dois macroespaços e um microespaço, dos quais praticamente todos participam (do primeiro e do último, ninguém se esquiva). As interligações entre ambos são frequentes e intensos, embora possam variar em intensidade e qualidade. Se se pretende melhorar o mundo, é preciso melhorar estes três espaços em primeiro lugar, porque é onde se formam as bases do indivíduo e onde ele se realiza econômica, histórica e socialmente, além de suas implicações mais íntimas (dentro da perspectiva holística). Quem pode fazer mais? Não é esta a pergunta ideal, mas quem pode fazer o que, quando, como, por que, com que, com quem, para quê? O importante é que todos façam sua parte e contribuam com o outro, incluindo-se aí outras instituições, a exemplo de igrejas, sindicatos, clubes etc. Se a sociedade esperar que a escola irá mudar o mundo, desperdiçará muitas oportunidades de contribuição; assim como se a escola esperar que a sociedade lhe envie seres perfeitos, prontos. Não existem perfeições nem imperfeições, mas dificuldades naturais na formação dos indivíduos que precisam ser discutidas e receber interferências para as modificações e aprimoramentos. Educacionalmente, a família pode contribuir imensamente para formação do aluno, assim como a escola na conduta do filho e a sociedade na assunção do cidadão. Se a família tem maior contato com a escola e vice-versa, os processos educativos tornam-se muito mais efetivos, porque há forças que se integram para a superação de dificuldades. Contudo, assim como as escolas e os professores, as famílias e os pais passam por muitas dificuldades. Por outro lado, há muitas possibilidades de agir criticamente e com competência para a promoção de uma educação melhor, democrática e inclusiva. Afinal, há coisas que somente a família pode fazer para a formação da criança; outras, apenas a escola; mas, principalmente, coisas que ambas podem fazer juntas, como discutir e interpretar as problemáticas dos alunos/filhos quanto à melhor formação ou preparação para a vida presente e futura. Nesse sentido, o indivíduo não é apenas ele, mas ele e todo mundo. É dessa forma que se consolida na sociedade. A família tem grande implicação porque é onde ocorrem as primeiras e mais intensas relações, as quais tendem a ficar marcadas para sempre. Se há afetividade e solidariedade, as boas memórias facultarão uma vida mais feliz. Não é apenas o que a família deve fazer, claro. Chama-se a atenção sobre sua importante relação com a escola, seja em vias de contribuição, seja em vias de afetação, na medida que o ser, ao se deslocar no espaço, não se desloca de sua cultura, de suas origens, de suas experiências. Valente (1995, p. 23, citado por MENSAGEM DA APAE, 1999), afirma que o fracasso escolar pode também ser compreendido como um sinal de saúde mental, pois expressa a revolta contra uma ordem familiar patogênica. O mesmo dir-se-ia em relação ao sucesso, 52
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que provavelmente esteja se consolidando em função das boas relações familiares. Outra importante observação corresponde à relação direta da família com o ensino-aprendizagem, como no que tange às tarefas de casa ou em orientações de reforço.
2.5 Superando as limitações: currículos, projetos, avaliação e promoção
Instituído para eliminar barreiras de aprendizagem e assegurar as condições da inclusão, o Atendimento Educacional Especializado (AEE), realizado nas Salas de Recursos Multifuncionais, caracteriza um conjunto de atividades, recursos pedagógicos e de acessibilidade, de modo que complemente e/ou suplemente a escolarização dos alunos público-alvo da Educação Especial e Inclusiva. Contudo, é necessário que as escolas incluam em seu projeto pedagógico essa e outras ações que vão da reforma dos espaços físicos para a eliminação das barreiras arquitetônicas, à aquisição de materiais, preparo básico do professor e busca de parceria junto às instituições especializadas (SILUK, 2012). Daí, novamente, a importância de abordar a inclusão na formação do professor. Contudo, é necessário que as escolas incluam em seu projeto pedagógico ações pontuais que vão da reforma dos espaços físicos para a eliminação das barreiras arquitetônicas, à aquisição de materiais, preparo básico do professor e busca de parceria junto às instituições especializadas. Assim, o Projeto Político-Pedagógico, em vez de funcionar como uma base de pesquisa, de contemplação de oportunidades, de orientação para novos projetos, acaba como um objeto elementar ou até mesmo uma barreira (limite) contra o desenvolvimento dinâmico e progressista por escola, série, classe e disciplina. Questiona-se, ainda, que tal projeto se disponha apenas como um mero objeto cumpridor de burocracias (porque a escola precisa tê-lo, conforme o artigo 12, inciso I da LDB) ou mera teoria incapaz de se vincular com a prática e, muito menos, favorecer à educação inclusiva. O trabalho com artes é muito importante pelo conteúdo abordado e pelas metodologias para a abordagem em outras disciplinas, além da afim. Através do teatro e da música, por exemplo, há uma infinidade de possibilidades, que inserem o indivíduo no plano real e no imaginário concomitantemente, abrindo-lhe caminhos para os sonhos e as grandes realizações. Permite-se, ainda, uma emoção nova ou renovada a cada dia, na medida em que estar num “palco” é uma forma de superação. A escola deve ter muitos palcos, dentro e fora da sala de aula, nos quais os alunos possam se realizar das mais diversas maneiras. Infelizmente, essas concepções não são muito valorizadas na escola, mas espera-se que o sejam com a educação inclusiva, que é muito mais exigente em termos de metodologias: devem ser dinâmicas e permissivas à transformação de cada um como sujeito de seu processo. Conforme os PCN (BRASIL, 1997, p. 39), as adaptações curriculares envolvem também o prolongamento de um ano ou mais de permanência do aluno na mesma série ou no ciclo (retenção), o que pode gerar algum tipo de dúvida quanto à simultaneidade dos estudos na educação inclusiva. Afinal, ficando retidos os alunos com necessidades educativas especiais numa série, enquanto os colegas regulares galgam as séries seguintes, não seria uma forma de desigualdade perigosa, redutora da autoestima dos alunos? Ao mesmo tempo, propõe-se a observância da importância da capacitação do aluno para chegar à nova série, considerando que educar não consiste em avanço temporal e organizacional apenas, mas sim em aprendizagem de requisitos básicos. A escola (seus profissionais, pais e sociedade) devem estar muito conscientes a respeito dos critérios de aprovação e reprovação no momento de darem início à educação inclusiva, em cada ano, para que não se percam na inoperância em função de dúvidas ou devaneios sobre o que seja justo ou não dentro do ensino-aprendizagem. Daí, novamente, a importância de abordar a inclusão na formação do professor. O Projeto Político-Pedagógico ou currículo escolar é uma obra não somente para ser visitada, mas também construída por todos os envolvidos na escola, especialmente os professores (geralmente, os que menos participam disso). Afinal, são eles que conhecem melhor a clientela com a qual trabalham e os que mais irão utilizar os Faculdade Educacional da Lapa - FAEL
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Para Carvalho (2010), a necessidade de currículos e projetos especiais, além dos comuns com abordagens especiais, é de grande importância para a educação inclusiva. Os primeiros correspondem a métodos (linhas de pensamento) e técnicas (especificidades práticas) que contemplem, dentro da diversidade, alunos com necessidades especiais; os outros, à base comum que serve tanto aos alunos sem deficiência quanto aos que a possuem. O mais proeminente é o Projeto Político-Pedagógico, uma vez que orienta (ou deve orientar) todos os outros, por conter a pedagogia escolhida pela escola, a filosofia, as considerações locais e os objetivos e metas a serem atingidos.
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pressupostos para a regulação da prática diária. Devem construí-lo com atenção e muita responsabilidade, a fim de que se crie uma integração também entre os profissionais na educação inclusiva, não somente entre os alunos ou entre estes e os professores. A inclusão não mede limites sobre a possibilidade de interação. Objetivamente, os PCN (BRASIL, 1999, p. 45-49) recomendam várias transformações nas escolas, das quais selecionamos algumas, livremente, e expusemos no quadro a seguir. Quadro 1 – Sugestões de recursos
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Recursos Materiais desportivos adaptados; sistema Braille; tipos escritos ampliaCom deficiência visual dos; ilustrações táteis; melhor disposição do mobiliário da classe; softwares educativos; bengala longa, livro falado. Prótese auditiva, treinadores de fala, tablado; leitura orofacial, gestos Com deficiência auditiva e língua de sinais; salas-ambiente para treinamento auditivo, de fala, rítmico etc.; posicionamento adequado. Auxílios físicos ou técnicos; adaptação dos elementos materiais; remoCom deficiência física ção de barreiras arquitetônicas; utilização de pranchas ou presilhas para não deslizar o papel. Evitar sentimentos de superioridade e outros; favorecer à pesquisa e à Com Altas Habilidades/ cooperação (projetos de enriquecimento curricular); criar laboratórios Superdotação de aprendizagem; oferecer materiais que estimulem a criatividade. Melhoria do ambiente para a aprendizagem; acesso à atenção do proCom deficiências múltiplas fessor; apoio para que os alunos percebam os objetos, demonstrem interesse e tenham acesso a eles. Encorajar relações com o ambiente físico e social; oportunizar e exerCom condutas típicas de citar as competências; estimular a atenção; evitar o “ensaio e erro”; síndromes e quadros clínicos favorecer o bem-estar emocional.
Fonte: Brasil (1999).
O quadro apresenta apenas algumas das inúmeras sugestões que existem quanto ao que pode ser feito para a construção de uma escola e educação inclusivas, que se consolidam conforme a realidade de cada turma. Tem a ver com os recursos materiais e, principalmente, atitudinais e pedagógicos. Tais adaptações envolvem às vezes custos altos, mas valem a pena, se considerarmos que a causa humana vale muito mais do que qualquer tipo de economia. É claro que algumas escolas encontrarão restrições, mas se os governos acreditarem que a educação é o melhor caminho para o desenvolvimento de uma sociedade e que todos têm o direito a ela, disponibilizarão mais verbas para as adaptações citadas. Basicamente, a avaliação na educação inclusiva tem o mesmo papel que na educação tradicional, regular, ou seja, deve ser contínua e se constituir de três modelos interligados: a diagnóstica, a formativa e a somativa. A primeira corresponde à observância de todos os aspectos pedagógicos, pessoais, instrumentais e metodológicos, em primeiro plano, a fim de que espelhe o grupo e a realidade com a qual se irá trabalhar; o segundo envolve a orientação sobre os caminhos a serem trilhados ou que estão sendo – é a forma mais importante de avaliação, porque orienta quanto às mudanças que devem ser feitas para a melhoria do ensino-aprendizagem e reconhece os avanços ou ausência no processo educacional. A somativa é consequente, ou seja, surge como uma ratificação de tudo o que foi feito, para a promoção ou retenção do aluno (a partir do que o sistema recomenda) e para uma visão do todo (a partir da concepção crítica final do avaliador). Não mudam os critérios de avaliação na educação inclusiva, mas as metodologias, os instrumentos e as especificidades. Entende-se que os professores avaliem a si mesmo e às escolas, bem como aos outros profissionais e aos próprios alunos. A avaliação, portanto, é um processo que se dá entre os sujeitos e por cada um dos quais, seja sobre o que fez, está fazendo ou fará; como introspecção ou extrospecção. Mantoan (s. d., p. 7) critica 54
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os sistemas que avaliam comparativamente e que se apoiam em tarefas pré-definidas e aplicadas exclusivamente para contabilizar o que o aluno aprendeu de uma lista de conteúdos curriculares [...], tem muito a ver com a ideia de que os ensinamentos que o professor transmite devem ser aprendidos e cobrados do aluno, como resposta necessária para que este ensino seja considerado de qualidade e o professor aprovado em suas funções.
É uma concepção tradicionalista de educação que foi criticada, posto que se apega apenas aos resultados, à quantidade. Essa concepção será profundamente prejudicial aos alunos com necessidades educativas especiais, uma vez que eles necessitam de um olhar diferenciado em termos de avaliação, porque apresentam características peculiares, as quais os olhos habituados a uma padronização do nível de aprendizado não conseguem enxergar.
CONSIDERAÇÕES FINAIS Na perspectiva de um processo democrático de admissão e favorecimento à permanência, entende-se que a pessoa com necessidades educativas especiais no âmbito escolar, dentro de uma concepção geral sob a ótica da educação inclusiva, é todo aluno que apresenta algum problema de ordem física, psicológica, neurológica, econômica, social, cultural e outras ordens porventura não descobertas, pouco consideradas ou que se relacionam com as dadas. Ele pode ter problemas congênitos, mas mesmo estes não são deflagradores de deficiência, e sim sofredores de um desvio provocado pela maioria ou por grupos supostamente hierárquicos – além do que, sabe-se que alguns problemas são decorrentes de má conduta médica, acidentes ou violências. O despreparo profissional, e às vezes até um descaso sobre as questões humanas, ou a acomodação na busca de facilitações, faz com que indivíduos sem deficiência grave sejam vistos como se a tivessem e os que a têm, como se não a tivessem. É uma visão duplamente distorcida, capaz de gerar a exclusão pela força da segregação ou pelo abandono relativo de causas especiais. Ou seja, pessoas com necessidades educativas podem ser bloqueadas em suas inquietações ou anuladas na própria necessidade, crendo-se que existem resoluções automáticas pela simples admissão de um sistema ou teoria. Visa-se uma escola que compreenda de maneira integral a educação inclusiva, mas desde que se eliminem suas barreiras atitudinais, arquitetônicas, curriculares e políticas, tanto situando-se nas novas tendências quanto superando o verbalismo pela ação eficaz. É possível estabelecer a educação inclusiva hoje, mas não completamente. A superação das barreiras citadas e, principalmente, do despreparo profissional, ainda levará tempo, o que não significa que seja necessário esperar adequações para estabelecer tal educação, mas sim que ela não será capaz de atender com qualidade todos os alunos inseridos no momento. Reconhecer isso é evitar que a inclusão seja falseada por mera inserção. Todavia, há muitos alunos com necessidades educativas especiais a serem atendidos desde já, o que depende apenas de uma revisão de princípios e algumas atividades de adequação, como a melhoria do Projeto Político-Pedagógico, da arquitetura da escola e do próprio processo ensino-aprendizagem, bem como da formação de professores. Exige-se uma compreensão o mais completa possível sobre a educação inclusiva, a qual não é uma substituição da integração, e sim o complemento desta. Não existe inclusão sem integração, uma vez que aquela se faz por meio das relações interpessoais. O grande avanço que a educação inclusiva traz consiste no combate à segregação, mas será que consegue fazê-lo plenamente? Por exemplo, como educar ao mesmo tempo ou em mesmas sessões de aula alunos regulares (sem necessidades especiais complexas) e os que apresentam problemas neurológicos geradores de excitação, convulsão, inquietude desmedida? Não se nega aqui a possibilidade, apenas ainda não vemos um desnudamento objetivo dos caminhos a serem seguidos em situações mais críticas. Inclusive os próprios órgãos e profissionais especializados defensores Faculdade Educacional da Lapa - FAEL
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Na concepção dos PCN (BRASIL, 1997, p. 57), a avaliação deve focalizar a totalidade, tanto de pessoas quanto de processos, sistemas, relações e instrumentos, considerando-se sempre as peculiaridades pessoais. Assim, o aluno é um indivíduo do mundo, está além do espaço restrito da sala de aula e da disciplina. Tudo é importante em sua conformação. O mesmo pode ser dito em relação ao professor e à escola. Para que aquele seja promovido ou retido, muitas questões devem ser levantadas, dentre as quais os PCN (BRASIL, 1997, p. 58) relacionam o progresso individual (tanto no que concerne à formação acadêmica quanto às outras questões próprias), as relações interpessoais, a construção de competências e o efeito emocional. Estar atento a isso é valorizar a pessoa.
Educação inclusiva: realidade e utopia
da inclusão não raro usam o termo “preferentemente”, ao se referirem à matrícula das pessoas com necessidades educativas especiais. Por outro lado, há outras questões, muito simples, como a inserção e a integração entre brancos e negros, pobres e ricos, cegos e não cegos, surdos e não surdos etc., sempre sob a perspectiva da cooperação e da durabilidade. Dessa forma, é necessário prover a escola de professores preparados e de estruturas adequadas para receber todos os alunos, sob pena de que, se o que está posto na lei não for cumprido, tudo não passe de utopia ou de falácia política no sentido de buscar um convencimento internacional de que as questões sociais são tratadas com prioridade no país, a fim de se obterem investimentos do capital estrangeiro. É uma forma típica de enganar os que têm menos poder/preparo para exigir direitos conquistados na consciência global para um mundo verdadeiramente solidário. Abrir as portas, aceitar e participar da vida das pessoas com necessidades especiais (além de deixar que estes participem da vida dos outros também) não consiste num favor nem pode se resumir em demagogia política no cenário internacional, mas na permissão para o exercício da cidadania de cada um. Daí a importância da visão holística e menos utópica, que permite uma consideração mais completa do ser em sua essência.
REFERÊNCIAS Revista Vivências Educacionais | ISSN: 2526-0529 | v.3 n.1
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Educação inclusiva: realidade e utopia
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Aprovado: 29/05/2018
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SANTOS, Felipe Imidio1 FARIAS, Maria de Lourdes Mazza de2
RESUMO A investigação da concepção freiriana de dialogicidade apresenta um caminho de possibilidades para o desenvolvimento de ações voltadas à transformação social. Buscar sua relação ou sua não relação com as ações de extensão universitária no Brasil apresenta possibilidades e potencialidades de seu emprego diante dos desafios encarados pela extensão universitária comprometida com a transformação social do País. A metodologia utilizada neste trabalho foi de análise e revisão bibliográfica de obras de Paulo Freire para compreender a concepção de dialogicidade e as razões de seu emprego e relacioná-la com o projeto político da extensão universitária que vem sendo desenvolvido no Brasil ao longo da história. Conclui-se que a extensão universitária no Brasil, apesar de seus avanços, principalmente no que diz respeito a seus marcos regulatórios, ainda apresenta muitos desafios para a efetivação de seu compromisso com a transformação social. A dialogicidade freiriana está em sintonia com tal meta, tendo grande relevância para a reflexão e a ação (práxis) de educadores e de educandos comprometidos com a luta pela humanização por meio da transformação social, o que provoca docentes e técnicos administrativos das universidades a encamparem essa luta. Palavras-chave: Dialogicidade. Extensão universitária. Transformação social.
ABSTRACT The investigation of the “freiriana” conception of dialogicity presents a path of possibilities for the development of actions directed to social transformation. To find its relation or its non-relation with the actions of the university extension in Brazil presents possibilities and potentialities of using it in face of the challenges faced by the university extension committed to the social transformation of the country. The methodology used in this work was the analysis and bibliographical review of Paulo Freire’s work in order to understand the conception of dialogicity and the reasons for using it and to relate it to the political project of the university extension that has been developed in Brazil throughout history. It is concluded that the university extension in Brazil, despite its advances, mainly in relation to its laws, still presents many challenges for fulfilling its commitment to the social transformation. “Freirean” dialogicity is aligned with this goal, having a major relevance for the reflection and action (praxis) of educators and students committed to the struggle for humanization through social transformation, making teachers and administrative technicians of the universities to refer this fight. Keywords: Dialogicity. University Extension. Social transformation.
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Pós-graduando em Educação, Diversidade e Cidadania pela Faculdade Educacional da Lapa (Fael) – felipeimidio@gmail.com
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ISSN: 2526-0529 | v.3 n.1
O encontro entre a dialogicidade em Paulo Freire e a extensão universitária: caminhos para a transformação social The meeting between dialogicity in Paulo Freire and the university extension: ways for social transformation
O encontro entre a dialogicidade em Paulo Freire e a extensão universitária: caminhos para a transformação social
1 INTRODUÇÃO Esta pesquisa buscou investigar possíveis encontros entre a dialogicidade em Paulo Freire e a extensão universitária no Brasil para pensar caminhos para a transformação social. A partir da compreensão de que a extensão universitária no Brasil pode ser um espaço de atuação em prol da transformação, a aproximação com a dialogicidade freiriana se apresenta como elemento central para apontar possíveis formas de ação de educadores comprometidos com esse desafio, uma vez que tal concepção envolve uma gama de elementos para problematizar a necessidade do emprego da práxis.
O educador-educando é um sujeito que exerce um trabalho de grande importância e de grande capilaridade para promover ações de transformação. Provocado por Paulo Freire a respeito de seu quefazer, é instigado a encontrar possíveis caminhos para percorrer em prol da transformação e da busca por “ser mais”, por via da práxis. A extensão universitária como espaço de possibilidade para a execução de ações engajadas com tal perspectiva é apresentada no trabalho dentro do processo histórico de formulação de seu conceito e de seus diferentes usos e significados em cada instituição e em cada período de sua história no Brasil, focando os marcos regulatórios que buscaram dar direcionamento às diferentes concepções de extensão, mas que muitas das práticas seguiram outros percursos. O trabalho buscou situar as possibilidades do encontro entre a dialogicidade freiriana e a extensão universitária no Brasil, enfatizando como a concepção vertical que ainda está muito presente no quefazer dos educadores no Brasil deverá ser superada por via das concepções de dialogicidade para que a transformação de fato se opere. Por fim, constatou-se que ainda há muitos desafios para a extensão universitária, na contemporaneidade, cumprir seu papel de contribuir para a transformação social do País e que a dialogicidade freiriana apresenta um caminho que muito contribui para o quefazer do sujeito envolvido com esse processo.
2 O DIÁLOGO EM FREIRE E SEU COMPROMISSO COM A TRANSFORMAÇÃO SOCIAL O diálogo, fundamental na existência humana, por vezes não é problematizado acerca de suas potencialidades e possibilidades de transformação do mundo. Paulo Freire traz em suas obras uma profunda reflexão crítica acerca do diálogo e de seu potencial em transformar o sistema social brasileiro, marcado por relações de desigualdade e de opressão. Em Pedagogia do oprimido, livro escrito em meados de 1968, enquanto Freire cumpria exílio no Chile, o autor aprofunda sua discussão sobre a dialogicidade da educação. Ao problematizar o diálogo como fenômeno humano, Freire dá destaque à palavra, que é o próprio diálogo; a palavra, que é constituída pelas dimensões da ação e da reflexão, carrega em si um poder transformador da realidade, pois “não há palavra verdadeira que não seja práxis” (FREIRE, 2005a, p. 89). A palavra verdadeira, para Freire (2005a), carrega em si elementos da realidade (o olhar do indivíduo para seu contexto e para seu agir) e da conscientização (que passa por constante exercício de revisão e de crítica das práticas que estão sendo realizadas) de quem a pronuncia. O ato de pronúncia da palavra pelos oprimidos carrega em si a vocação de ser revolucionário; ao pronunciar a palavra, o oprimido está denunciando o mundo da injustiça e da opressão, assumindo seu papel histórico de transformação do mundo pela luta. Freire (2005a) cita que se a palavra estiver distanciada da dimensão da ação, ficará impossibilitada de realizar uma reflexão crítica acerca da realidade, tornando-se “palavreria, verbalismo, blablablá. Por tudo isto, alienada e alienante” (FREIRE, 2005a, p. 90). Por outro lado, a ação realizada sem uma reflexão sobre o que Faculdade Educacional da Lapa - FAEL
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O trabalho deu destaque à importância da perspectiva da transformação social como necessidade existencial para homens e mulheres que, com seu trabalho, produzem o mundo e se afirmam como protagonistas de suas histórias e na atual fase de organização social enfrentam o grande desafio de reverter o processo de desumanização. Se a realidade que compreendemos é produto da ação humana e é histórica, cabe aos seres humanos encarar o desafio de mudar o mundo no sentido de humanizá-lo. Foi nesse caminho que se justificou a necessidade da promoção do encontro entre a dialogicidade freiriana e a extensão universitária.
O encontro entre a dialogicidade em Paulo Freire e a extensão universitária: caminhos para a transformação social
está sendo feito se transforma em “ativismo” – o agir por agir, muitas vezes, a reproduzir formas e estruturas de dominação e de opressão que condicionam o agir do indivíduo. Contudo, a ação e a reflexão não podem ocorrer de maneira fragmentada (FREIRE, 2005a). A práxis, em Freire, tem papel central na luta pela transformação social. É entendida como unidade dialética de agir e de pensar – subjetividade e objetividade – sobre o mundo. É a capacidade de estar no mundo, inserido em sua dinâmica, e de conseguir sair dele: estar fora para refletir sobre si e sobre ele. A capacidade de refletir sobre si, sobre seu estar e seu agir sobre o mundo conferem ao indivíduo a capacidade de transpor os limites impostos pelo mundo. Logo, a transformação pela superação das contradições existentes necessariamente deve passar pela práxis: “A práxis, porém, é reflexão e ação dos homens sobre o mundo para transformá-lo, sem ela, é impossível a superação da contradição opressor-oprimidos.” (Freire, 2005a, p. 36).
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A partir disso, seria possível pensar: por que lutar pela transformação da sociedade? A realidade inscrita sobre a vida dos seres humanos propõe um retrato de situações e de processos que atuam no sentido de promover a desumanização das relações sociais e da própria estrutura social em que vivem. Freire (2005a) define que refletirmos sobre nós mesmos já se faz como um problema: o problema da humanização. Esta, ao contrastar com a desumanização inscrita na realidade de seu tempo, faz questionar sobre a possibilidade da humanização. As duas, humanização e desumanização, apresentam-se como possibilidades, sendo a primeira uma vocação humana. O ser humano produz o mundo histórico-cultural a partir de sua práxis. Esse mesmo mundo histórico-cultural se volta sobre o homem para condicioná-lo. Logo, a maneira pela qual o sujeito está sendo no mundo condiciona sua consciência de estar. Freire (1983a) aponta que é preciso que o sujeito não tenha uma postura passiva frente aos limites que o mundo lhe impõe; é necessário que esteja na realidade e tenha a capacidade de se distanciar dela para que caminhe no sentido de transformá-la e de se sentir transformado pela própria criação. Conforme se dê essa postura, os sujeitos terão condições ou não de atingir o pleno exercício da maneira humana de existir, comprometidos com a realização das mudanças necessárias nesse processo. Se o compromisso para Freire (1983a) é práxis, tal postura exigirá dos sujeitos ação-reflexão sobre a realidade, em um constante engajamento com esta. O compromisso do sujeito o insere na necessidade de assumir uma visão crítica sobre a realidade e sobre os outros que nela estão, entendendo os processos dentro de sua completude. É fundamental o entendimento de que a transformação somente ocorre quando as ações são pensadas em sua totalidade, cujas partes se encontram em permanente interação. Somente ao transformar a totalidade é que as partes serão modificadas (FREIRE, 1983a). Se para ser há a necessidade de transformar o mundo para sua plenitude existencial e “se é dizendo a palavra com que, pronunciando o mundo, os homens o transformam, o diálogo se impõe como caminho pelo qual os homens ganham significação enquanto homens” (FREIRE, 2005a, p. 91). O diálogo é, portanto, para Freire, uma ferramenta fundamental no processo de reconquista da humanização e da possibilidade de transformar o mundo: “ele [o diálogo] é o encontro em que se solidarizam o refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a ser transformado e humanizado.” (FREIRE, 2005 a, p. 91). O diálogo em Freire (2005a) se constitui como um ato de comunhão entre sujeitos em busca de sua humanização. Nesse processo, há o compartilhar do atuar-pensar sobre o mundo em busca de sua transformação, sempre entendendo o diálogo como uma plataforma de criação: “Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão.” (FREIRE, 2005a, p. 58). Cabe destacar algumas condições que Freire aponta como fundamentais para o pleno exercício do diálogo. De início, o ato de dialogar nunca poderá ser um ato de doação de um indivíduo para outro, como em uma relação em que alguns têm algo que deva ser doado para outros que não o têm. Se assim for, não será um diálogo verdadeiro e com potencial transformador. O diálogo em Freire (2005a) se dá em uma plataforma de horizontalidade, na qual a relação é de junção em prol da transformação da realidade: Para o educador-educando, dialógico, problematizador, o conteúdo programático da educação não é uma doação ou uma imposição - um conjunto de informes a ser depositado nos educandos, mas a devolução organizada, sistematizada e acrescentada ao povo daqueles elementos que este lhes entregou de forma desestruturada. (FREIRE, 2005a, p. 96) 60
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Amor o mundo e os seres humanos, humildade no lugar de arrogância, fé na humanidade em seu poder de criar e de recriar, confiança nas reais e concretas intenções de mundo das pessoas, esperança na eterna busca pela restauração da humanidade e pensar crítico sobre a realidade também são elementos problematizados por Freire (2005a) a fim de apontar a fundamental importância da presença destes na práxis dos sujeitos comprometidos com a mudança do mundo. Sem tais elementos, a ação dos sujeitos não reunirá as condições necessárias para ser transformadora da realidade.
3 O DIÁLOGO E AS ATIVIDADES PEDAGÓGICAS
Nesse caminho, refletir sobre o ato de ensinar, que jamais deverá ser transferir conhecimento (FREIRE, 1996), implica uma constante revisão da maneira com o educador possibilita a construção de conhecimento. Freire (1996) aponta que ensinar está diretamente ligado a aprender, em uma constante relação de troca entre os sujeitos envolvidos no processo: Quando vivemos a autenticidade exigida pela prática de ensinar-aprender participamos de uma experiência total, diretiva, política, ideológica, gnosiológica, pedagógica, estética e ética, em que a boniteza deve achar-se de mãos dadas com a decência e com a seriedade.
Diante do exposto a respeito da necessidade existencial dos homens em lutar para modificar o mundo, encontram no papel de educadores uma grande possibilidade de se inscreverem como agentes de transformação da sociedade por meio de sua práxis. Com ensino e pesquisa, o docente e o técnico administrativo encontram grandes possibilidades de estar em sintonia com as demandas sociais nas universidades públicas brasileiras. Contudo, para que tal caminho seja de fato trilhado, é fundamental compreender e realizar a transversalidade da extensão universitária em sua atuação: na pesquisa, no ensino e em atividades administrativas, pois será por meio da extensão universitária que o “educador-educando” e os “educandos-educadores” terão condições concretas de compreender a realidade e de intervir sobre ela. Tal compreensão sobre a realidade que o povo está vivendo tem fundamental importância na atuação do educador comprometido com a transformação da sociedade. Investigar a situação em que estão vivendo os “educandos-educadores” possibilita ao educador tomar consciência sobre os elementos da visão de mundo e da forma de ação sobre o mundo desses indivíduos e deverá ser etapa inicial da ação pedagógica. Superar a “concepção bancária” que entende os educandos como coisas que devem ser preenchidas de informações depositadas pelo educador e que fundamenta a construção das atividades a partir das próprias finalidades do educador é fundamental para o desenvolvimento de uma ação pedagógica comprometida com a transformação social. A atividade pedagógica, aqui problematizada, deve estar em sintonia com as dinâmicas vivenciadas pelo povo: “A educação autêntica, repitamos, não se faz de A para B ou de A sobre B, mas de A com B, mediatizados pelo mundo.” (FREIRE, 2005a, p. 97). O papel do educador nesse processo é diferente do que prega a educação bancária e deve ocorrer por meio do diálogo verdadeiro, que possibilitará a reflexão e a tomada de consciência sobre a ordem construída e articulada pelos opressores e que aprisiona os oprimidos.
4 HISTÓRICO DA EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA NO BRASIL A extensão universitária se constitui como fundamental campo de ação institucional da universidade no Brasil; junto ao ensino e à pesquisa, forma o que alguns chamam de “tripé da universidade”. Tal concepção faciFaculdade Educacional da Lapa - FAEL
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Em pedagogia da autonomia (1996), Freire problematiza elementos acerca da atuação docente em suas práticas educativas. Ao se referir aos professores, enfatiza a necessidade da responsabilidade ética do exercício de suas tarefas. Essa ética é bem discutida e evidenciada a partir de sua perspectiva humanista, que se contrapõe à ética de mercado tão difundida nos tempos atuais. A atuação docente e sua coerência ética devem passar pela constante reflexão crítica de suas ações, entendimento que está em perfeita sintonia com o conceito de práxis em Freire (1996): “a reflexão crítica sobre a prática se torna uma exigência da relação Teoria/ Prática sem a qual a teoria pode ir virando blábláblá e a prática, ativismo.”.
O encontro entre a dialogicidade em Paulo Freire e a extensão universitária: caminhos para a transformação social
lita a visualização dos elementos constituintes da universidade; entretanto, provoca uma divisão em partes que, como bem aponta Freire (2005a), ao discutir a apreensão da realidade por homens e mulheres, impede a compreensão de sua totalidade em entender um processo a partir de suas partes. De modo semelhante, a compreensão da universidade em sua totalidade envolve enxergar todos os elementos que a compõem em uma constante interação. É justamente nessa perspectiva, de entender a extensão indissociável do ensino e da pesquisa, que este trabalho problematiza e compreende a realização da ação de extensão universitária. Nogueira (2001) aponta que o surgimento das primeiras atividades de extensão universitária ocorreu na Inglaterra, por volta da metade do século XIX, caracterizada pela destinação de cursos à população adulta em geral. Mais tarde, foi observada em universidades estadunidenses a realização de atividades de extensão, marcadas pela prestação de serviços. No Brasil, a extensão universitária surgiu abarcada pelos dois modelos. Ao longo da história, diferentes concepções teóricas e metodológicas desenvolveram ações de extensão universitária.
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De início, essas ações estiveram voltadas para manter os benefícios da produção universitária às camadas que já tinham acesso ao ensino superior e propagar os ideais das classes dominantes, excluindo dos processos as camadas populares (NOGUEIRA, 2001). Os primeiros marcos regulatórios no País se distanciavam das práticas adotadas pelas universidades, que continuavam a encarar a extensão como cursos ou prestação de serviços. Na década de 1960, instigada por parte dos estudantes, a extensão universitária passou a se desenvolver em algumas universidades por meio de ações vinculadas ao povo. Tais ações não eram desenvolvidas de modo institucional, mas pela atuação e pelo engajamento dos estudantes em outros espaços, como a União Nacional dos Estudantes (UNE). Nogueira (2001) destaca que a UNE tinha uma metodologia de trabalho que promovia atuação interativa entre estudantes e comunidade e integrativa entre as diferentes áreas de conhecimento. Destaca que tal metodologia tinha como maior contribuição a possibilidade de “reflexão sobre as ações realizadas”. Nogueira (2001) ainda destaca que, pela análise de registros documentais da UNE, naquele período se encontrava a intenção do desenvolvimento da universidade vinculada e de compromisso com o povo, no qual a extensão universitária teria um papel fundamental. Após o golpe militar de 1964, o Governo instaurou uma nova política em relação à extensão universitária, voltada à prática de ações assistencialistas para as camadas populares. Os estudantes nesse modelo eram tidos como meros executores e o povo era tido como receptor. Exemplos dessas ações foram os projetos Crutac e Rondom (Nogueira, 2001); este, vinculado ao Ministério do Interior e com apoio das Forças Armadas, realizava o intercâmbio de estudantes entre as diversas regiões do País, principalmente deslocamento do sul e do sudeste para as regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste. O caráter das ações não previa continuidade nem eram articuladas. Esse período foi marcado pela execução de ações de extensão desarticuladas do ensino e da pesquisa e com relação vertical com a sociedade, que esteve sendo entendida como objeto, portanto mera receptora dos saberes produzidos na universidade, estando os dois modelos iniciais – de realização de cursos e de prestação de serviços – ainda presentes. Em meados de 1980, após a criação do Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras, a extensão universitária ganhou nova dimensão na política institucional da educação superior no País e impulsionou as instituições a adotarem novas práticas de extensão. Criado a partir de uma demanda das universidades públicas, pela ausência de políticas específicas para a extensão nas instituições, o Fórum tem buscado definir rumos para a extensão a partir de discussões e de encaminhamentos construídos em seus encontros. Destacam-se a busca pela institucionalização da indissociabilidade entre a extensão, o ensino e a pesquisa e a relação com os movimentos sociais. Em 1987, I Encontro Nacional de Pró-Reitores de Extensão, definiu extensão universitária como o processo educativo, cultural e científico que articula o Ensino e a Pesquisa de forma indissociável e viabiliza a relação transformadora entre Universidade e Sociedade. A Extensão é uma via de mão-dupla, com trânsito assegurado à comunidade acadêmica, que encontrará, na sociedade, a oportunidade de elaboração da práxis de um conhecimento acadêmico. No retorno à Universidade, docentes e discentes trarão um aprendizado que, submetido à reflexão teórica, será acrescido àquele conhecimento. Esse fluxo, que estabelece a troca de saberes sistematizados, acadêmico e popular, terá como consequências a produção do conhecimento resultante do confronto com a realidade brasileira e regional, a democratização do 62
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O encontro entre a dialogicidade em Paulo Freire e a extensão universitária: caminhos para a transformação social
conhecimento acadêmico e a participação efetiva da comunidade na atuação da Universidade. Além de instrumentalizadora deste processo dialético de teoria/ prática, a Extensão é um trabalho interdisciplinar que favorece a visão integrada do social. (FORPROEX, 1987)
Ainda no percurso da institucionalização da extensão, é notável destacar que a Constituição Federal de 1988 faz menção à “indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão” e estabelece que “as atividades universitárias de pesquisa e extensão poderão receber apoio financeiro do poder público” (BRASIL, 1988). A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) – Lei n. 9.394, de 20 de dezembro 1996 – estabelece a extensão universitária como uma das finalidades da universidade (BRASIL, 1996). O Plano Nacional de Extensão foi elaborado em 1988; o Plano Nacional de Educação para o decênio 2014-2024 (BRASIL, 2014) foi aprovado em 2014 e estabelece a responsabilidade de as universidades assegurarem “no mínimo, 10% do total de créditos exigidos para a graduação em programas e projetos de extensão universitária, orientando sua ação, prioritariamente, para áreas de grande pertinência social” (Meta 12).
A Extensão Universitária tornou-se o instrumento por excelência de inter-relação da Universidade com a sociedade, de oxigenação da própria Universidade, de democratização do conhecimento acadêmico, assim como de (re)produção desse conhecimento por meio da troca de saberes com as comunidades. Uma via de mão dupla, ou, como se definiu nos anos seguintes, uma forma de “interação dialógica” que traz múltiplas possibilidades de transformação da sociedade e da própria Universidade Pública. (PNEU, 2012, p.17)
Dessa maneira, supera-se a visão assistencialista que vinha sendo incorporada a suas práticas e se recuperam propostas colocadas pelo movimento estudantil em meados dos anos 1960 que culminam no estabelecimento de marcos que entendam a extensão como um “processo orgânico e contínuo produzido coletivamente” (NOGUEIRA, 2001, p. 69), mas que ainda tem um longo caminho a percorrer e muitos desafios a superar. Apesar disso, as diretrizes e os objetivos do Plano Nacional de Extensão Universitária ainda estão distantes da realidade vivida pelas universidades brasileiras. Práticas que permeiam o quefazer da extensão nas universidades ainda guardam características do histórico de desenvolvimento da extensão universitária no Brasil.
5 O ENCONTRO Para evidenciar as possibilidades de encontro entre a dialogicidade em Paulo Freire e a extensão universitária no Brasil, cabe apontar, primeiramente, elementos que impossibilitam o encontro com a concepção freiriana. Freire define como a própria semântica da palavra extensão já vem carregada de elementos que atuam na perspectiva de “coisificar” os educandos. Extensão é uma palavra que tem como um dos seus significados estender algo a alguém, o que é algo incompatível com uma prática educativa libertadora (FREIRE, 1983b). Nessa perspectiva há um sujeito que executa a ação de estender e um objeto que recebe a doação. Nessa situação, estão implícitas as intenções de dominação, de subordinação e de superioridade ou inferioridade, que são completamente antagônicas às práticas educativas libertadoras pretendidas pela dialogicidade em Paulo Freire: Para o educador-educando, dialógico, problematizador, o conteúdo programático da educação não é uma doação ou uma imposição - um conjunto de informes a ser depositado nos educandos -, mas a devolução organizada, sistematizada e acrescentada ao povo daqueles elementos que este lhe entregou de forma desestruturada. (FREIRE, 2005a, p. 97)
É por isso que o autor defende que a ação pedagógica na extensão universitária se relaciona muito mais com o conceito de comunicação do que com o de extensão que “se encontra em relação significativa com transmissão, entrega, doação, messianismo, mecanicismo, invasão cultural, manipulação, etc.” (FREIRE, 1983b). A transmissão vertical do conhecimento ainda é uma realidade muito presente nas ações educacionais nas instituições de ensino do País, e dentro disso a própria extensão universitária se vê diante da adoção dessas práticas. Faculdade Educacional da Lapa - FAEL
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A partir daí se constata a institucionalização da extensão ancorada a uma nova mudança no entendimento sobre o caráter de suas ações. Os marcos regulatórios solidificaram o entendimento da extensão como compromisso com a sociedade e inserida em permanente interação com a pesquisa e o ensino:
O encontro entre a dialogicidade em Paulo Freire e a extensão universitária: caminhos para a transformação social
Na ação pedagógica fundamentada na transmissão vertical do conhecimento, o sujeito educando se transforma em objeto de depósito de informações, quase uma “coisa”. Isso é totalmente contrário à perspectiva traçada por Freire a respeito do diálogo verdadeiro e com potencial transformador. O antagonismo já é evidente na própria maneira como a ação é desenvolvida, em que uma é realizada de forma vertical e a outra de forma horizontal. Adicione-se aí como tal prática promove uma invasão cultural que não respeita a visão particular de mundo de cada sujeito ao impor concepções distantes de sua realidade e sem significado diante das subjetividades das pessoas.
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Somado a isso, o autor rejeita qualquer ação que não considera como ponto de partida para reflexão à prática social. O próprio homem só tem interesse em conhecer quando esse processo tem significado como transformador de sua realidade. Dentro das práticas verticalizadas de ações em extensão universitária, há de se destacar o assistencialismo, que também se situa em um projeto antagônico ao da ação dialógica de Freire. Nas ações de extensão universitária de caráter assistencialista há a negação do sujeito como protagonista de sua história; reduz-se a prática do outro à consciência do educador como se este estivesse habilitado a atropelar a subjetividade do outro em uma relação de dominação que se manifesta pela depreciação da subjetividade do educando em prol da valorização absoluta do conhecimento comunicado pelo educador. O ato de pensar, que é peça fundante do fenômeno da práxis, nunca se dá de maneira isolada, mas sim pela comunhão entre os sujeitos pelo diálogo verdadeiro, em que o ato de conhecer está ligado a um processo de trocas. É uma relação intersubjetiva, na qual se estabelece uma comunicação entre sujeitos a propósito de um objeto, nunca um pensar determinado por um sujeito que será comunicado a outro: O sujeito pensante não pode pensar sozinho; não pode pensar sem a co-participação de outros sujeitos no ato de pensar sôbre o objeto. Não há um “penso”, mas um “pensamos”. É o “pensamos” que estabelece o “penso” e não o contrário. (FREIRE, 1983b)
Sendo assim, não há comunicação sem o estabelecimento de uma relação horizontal de construção coletiva de conhecimentos em sintonia com a realidade social. O que há, quando se estabelece uma relação vertical, são apenas sujeitos que transformam outros em pacientes de seus comunicados. Dentro desse quadro, Freire destaca a necessidade de um “acordo” entre os sujeitos para que o ato comunicativo tenha eficiência. Isto é, a mensagem transmitida por um, por meio de sua expressão verbal, deve conter elementos que possibilitem o entendimento pelos outros. Tal dimensão incorpora a importância do diálogo problematizador de Freire, pois possibilita a superação do distanciamento entre a expressão significativa do docente e a percepção das informações pelos “educandos-educadores”: “A educação é comunicação, é diálogo, na medida em que não é a transferência de saber, mas um encontro de sujeitos interlocutores que buscam a significação dos significados.” (FREIRE, 1983b). Os condicionamentos socioculturais dos educandos devem ser refletidos para que se compreenda a realidade. É um equívoco considerar os educandos incapazes de realizar diálogos. O que há é um falso argumento que legitima a dominação sobre eles por meio de atos de invasão cultural; e como bem aponta Freire (1983b), “conhecer é tarefa de sujeitos e não de objetos”. Sendo os homens seres com a vocação de serem sujeitos, faz-se necessária a superação dessas relações amparadas por entendimentos tradicionais das práticas educativas para o livre exercício do pensar e do fazer do homem comprometido com a transformação da sociedade. O diálogo que embasa a ação pedagógica de potencial transformador jamais poderá ser de dominação. Sua concretização se dá pelo encontro e pela comunhão entre homens e mulheres que têm como necessidade existencial “ser mais” (FREIRE, 1983b). O diálogo em Freire trilha o caminho para que os sujeitos produzam sua história a partir de seu protagonismo. Diferente do animal, que tem a sua existência ligada a um processo de adaptação, o ser humano se realiza a partir da transformação que opera no mundo com seu trabalho, e este deverá sempre possibilitar o caminho para “ser mais”. Não será por via da coisificação dos sujeitos, da transformação dos sujeitos em objetos, implícita na transmissão de conhecimento de forma vertical, que as pessoas terão condições de se desenvolver. A transformação social promovida pela educação deverá abarcar a superação da intencionalidade de dominação, tão presente nas práticas educativas tradicionais, passando a encarar o homem como ser de transformação e dando centralidade ao diálogo verdadeiro. 64
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O encontro entre a dialogicidade em Paulo Freire e a extensão universitária: caminhos para a transformação social
CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante do exposto, fica evidente a existência de um grande desafio para pensar e realizar práticas extensionistas em sintonia com a concepção freiriana de diálogo. Apesar disso, este estudo aponta grandes contribuições de Paulo Freire para pensar e executar ações de extensão universitária de viés transformador da realidade social brasileira. Para tanto, é necessário que o educador, neste caso, docentes e técnicos de universidades, esteja em constante processo de reflexão sobre suas práticas, buscando enveredar suas ações amparadas por valores humanistas, mas não distante da realidade que está presente em sua vida e na vida dos educandos com os quais se relaciona.
Os modelos tradicionais de educação que pormenorizaram a figura dos educandos nas ações pedagógicas muito contribuíram para o estabelecimento de hierarquias que dificultam e até mesmo impedem o processo de “ser mais”, uma necessidade existencial humana, que acaba sendo substituído pelo processo de “coisificação”, tão presente na atual fase da sociedade brasileira. A constante reflexão das práticas pedagógicas dos educadores-educandos comprometidos com uma práxis revolucionária será o que garantirá um quefazer que supere a transmissão vertical do conhecimento e possibilitará aos sujeitos um protagonismo sobre sua história. As instituições universitárias devem abarcar esse projeto de ensino principalmente no que diz respeito à extensão universitária se quiserem contribuir para a transformação da sociedade. Transversalizar a extensão no ensino e na pesquisa, além dos setores administrativos das instituições, ampliará em muito os campos de atuação da comunidade acadêmica como um todo e garantirá contribuições significativas para o desenvolvimento dos territórios com que se relacionam. Todavia, encampar essa luta é fundamental no processo de humanização da sociedade, e os agentes envolvidos nesse processo se lançam na jornada do “ser mais”, pois compreendem que os condicionamentos que os cercam os colocam em posição de “estar sendo”, mas que a luta em prol da transformação os desenvolve e os humaniza.
REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição (1988). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 1988. ________. Lei n. 13.005, de 25 de junho de 2014. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 26 jun. 2014. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/ l13005.htm>. Acesso em 25 de fev. 2017. FORPROEX – Fórum de Pró-reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras. Plano Nacional de Extensão Universitária. Ilhéus: Editus, 2001. (Coleção Extensão Universitária; v. 1). FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. 41. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005a. _____. Educação e mudança. 12. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983a. _____. Extensão ou comunicação? 7. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983b. _____. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 25. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. _____. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. 3 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. _____. Pedagogia do oprimido. 42. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005b.
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Conhecer a realidade social dos educandos antes de propor qualquer intervenção é fundamental para uma práxis coerente com o caminho da humanização, pois só quando nos lançamos nesse desafio é que conseguimos compreender as razões do agir e do pensar do outro, com o qual ficamos em comunhão a fim de edificar caminhos para a transformação da sociedade.
O encontro entre a dialogicidade em Paulo Freire e a extensão universitária: caminhos para a transformação social
SOLON FREIRE, P. Pedagogia da práxis: o conceito do humano e da educação no pensamento de Paulo Freire. 191 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2010. NOGUEIRA, M. D. P. (Org.). Fórum Nacional de Pró-reitores de Extensão das Universidades Públicas (Brasil). Extensão universitária: diretrizes conceituais e políticas. Belo Horizonte: UFMG, PROEX, 2000. _____. Extensão universitária no Brasil: uma revisão conceitual. In: FARIA, D. S. (Org.). Construção conceitual da extensão universitária na América Latina. Brasília: Universidade de Brasília, 2001. p. 57-72. Recebido: 01/09/2017
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TOBIAS, Germano de Jesus1 DIAS, Gilmar2
RESUMO O presente artigo pretende abordar as razões para se utilizar o GeoGebra no ensino de funções exponenciais no ensino técnico, sendo este um desafio para o professor de Matemática da 2ª série do Curso Técnico em Informática, integrado ao Ensino Médio da Escola Técnica Estadual (Etec) Rodrigues de Abreu. Por meio de revisão bibliográfica, entrevista e observação in loco, é evidente a necessidade de novas práticas pedagógicas na escola e aos educadores; o objetivo é apresentar as vantagens e os benefícios da utilização desse recurso para a produção de uma aprendizagem significativa para o ensino de funções exponenciais no Ensino Médio. A aplicação do estudo ocorreu em sala de aula, durante a execução de atividades com o GeoGebra. Posteriormente, com a finalização da pesquisa, realizou-se a tabulação dos dados, o que indicou que o software pode ser utilizado como ferramenta auxiliar para o ensino-aprendizagem de funções exponenciais. A revisão da bibliografia proporcionou referências teóricas para as discussões acerca do tema, contribuindo para a análise dos dados coletados em pesquisa de campo. Palavras-chave: GeoGebra. Aprendizagem. Matemática. Função exponencial. Ensino Médio.
ABSTRACT This article aims to address the reasons for using GeoGebra in teaching of exponential functions in technical education, which is a challenge for the Mathematics teacher of the Technical Computer Science Course, integrated to the High School of the State Technical School (Etec) Rodrigues de Abreu. Through bibliographic review, interview and on-site observation, the need for new pedagogical practices in the school and for the educators is evident; the objective is to present the advantages and benefits of using this resource to produce meaningful learning for teaching exponential functions in High School. The application of the study occurred in the classroom, during the execution of activities with GeoGebra. Then, when finished the research, the data was tabulated, which indicated that the software can be used as an auxiliary tool for exponential functions’ teaching-learning process. The literature review provided theoretical references for the discussions about the topic, contributing to the analysis of data collected in field research. Keywords: GeoGebra. Learning. Mathematics. Exponential function. High school.
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Pós-graduando em Metodologia do Ensino da Matemática, licenciado em Matemática pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) – gerjtobias@yahoo.com.br
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Software GeoGebra: um estudo de caso de seu uso para o ensino de função exponencial no Ensino Médio GeoGebra Software: a case study for teaching exponential function in High School
Software GeoGebra: um estudo de caso de seu uso para o ensino de função exponencial no Ensino Médio
1 INTRODUÇÃO Esta pesquisa se justifica pela necessidade de utilizar o software para diminuir os crescentes casos de dificuldades de aprendizagem de funções exponenciais no Curso Técnico em Informática, integrado ao Ensino Médio da Etec Rodrigues de Abreu. Acredita-se que esse tipo de ferramenta pode propiciar a criação de uma oportunidade mais assertiva de aprendizagem com o desenvolvimento do próprio aluno ao manusear aplicativos e dispositivos colaborativos de Matemática. Tendo em vista tais registros e considerando que a utilização do GeoGebra não acarreta custos, pois o software é gratuito e oferece site oficial com fórum dedicado exclusivamente a seus aspectos tecnológicos. Este projeto indica o uso do recurso tecnológico para aprimorar a aprendizagem do aluno no que tange principalmente às funções exponenciais e logarítmicas dentro da sala de aula.
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2 AS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM O Projeto Político Pedagógico (PPP) é um instrumento de democracia e de autonomia dentro das escolas, mediador de mudanças educacionais em âmbito estadual. Veiga (2003) explica que o PPP deve ser entendido como uma ação consciente e organizada que deve acabar com o fragmento presente na instituição educativa e com a burocracia, propiciando a reflexão, a problematização e a compreensão de questões colocadas frente a sua prática pedagógica. O autor defende que “A legitimidade de um projeto político-pedagógico está estreitamente ligada ao grau e ao tipo de participação de todos os envolvidos com o processo educativo, o que requer continuidade de ações” (VEIGA, 2003, p. 276). Essa realidade pressupõe uma corresponsabilidade de toda a equipe, o que leva a escola a um cenário diferenciado, visto que garante autonomia para seus processos. Essa autonomia deve ser entendida no sentido sociopolítico e estar direcionada para a composição da identidade institucional, definindo critérios para a vida escolar e acadêmica. Ainda segundo Veiga (2003), a autonomia e a gestão democrática representam o processo pedagógico; a gestão se refere à relação da escola com o PPP, sendo que a postura adotada culmina no caráter do projeto e define a identidade da escola. A gestão democrática não é burocrática, fragmentada e excludente; pelo contrário, a construção do PPP visa ultrapassar essas práticas. Consta no art. 4 da Resolução n. 2, de 30 de janeiro de 2012 – que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCN) –, que o papel da escola é estruturar seu PPP alicerçada na Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN). O projeto representa a estratégia da escola para lidar com as várias dimensões do trabalho, da ciência, da tecnologia e da cultura, e o currículo se torna significativo quando a escola, por meio de seu PPP, envolve os professores em um processo constante de elaboração, reelaboração, acompanhamento e avaliação. A formação do aluno é hoje pautada pela nova LDBEN (Lei n. 12.061, de 27 de outubro 2009), que garante no Ensino Médio a consolidação dos conhecimentos recebidos no Ensino Fundamental. Cabe ao professor ser o mediador desse processo, utilizando recursos e ferramentas necessárias para a formação cognitiva e social do aluno: Falar de ensino e aprendizagem implica a compreensão de certas relações entre alguém que ensina, alguém que aprende e algo que é o objeto de estudo – no caso, o saber matemático. Nessa tríade, professor-aluno-saber, tem-se presente a subjetividade do professor e dos alunos, que em parte é condicionadora do processo de ensino e aprendizagem. (BRASIL, 2006, p. 80)
O PPP da Etec Rodrigues de Abreu trabalha para atender à comunidade local, desenvolvendo trabalhadores e colaborando com a qualidade de vida destes. Não há preconceito, de modo que todos têm direitos iguais quanto ao acesso à escola e à qualificação profissional. A gestão escolar é “realizada de forma participativa e colaborativa, a Direção e o grupo de coordenadores, Ata, Diretor Acadêmico e Diretor de Serviço têm reuniões semanais onde são discutidos os procedimentos e medidas referentes às ações e diretrizes escolares.” (ETEC, s/d.). Essa escola se preocupa em aprimorar sua ação na realização de recuperação, de progressão parcial e de certificação de competências, com diversos recursos e metodologias para garantir o domínio dessas competências. Com o uso da tecnologia, o corpo docente espera ampliar a eficiência e inovar seu plano de trabalho. 68
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Software GeoGebra: um estudo de caso de seu uso para o ensino de função exponencial no Ensino Médio
Chagas (2013) faz referência à Matemática como uma atividade de resolução de problemas, socialmente compartilhada, uma linguagem simbólica e um sistema conceitual logicamente organizado. Davis e Hersh (2012) afirmam que a Matemática se refere à análise de situações reais e aos processos para representá-las de maneira simbólica abstrata adequada. Assim, a educação matemática baseada em procedimentos e em manipulação de símbolos (por vezes sem sentido), com pouca relação com conceitos, formas, raciocínio e aplicações individuais e não compartilhadas entres os alunos é um poderoso obstáculo que dificulta compreender o valor e a utilidade da Matemática na vida. A Matemática é uma das disciplinas mais complexas para se ensinar de modo significativo ao aluno. Segundo Morin (2000, p.16), Seria preciso ensinar princípios de estratégia que permitiriam enfrentar os imprevistos, o inesperado e a incerteza, e modificar seu desenvolvimento, em virtude das informações adquiridas ao longo do tempo. É preciso aprender a navegar em um oceano de incertezas em meio a arquipélagos de certeza.
É valido destacar que o uso das inovações tecnológicas no contexto escolar em conceitos matemáticos não acarreta a perda da característica tradicional da Matemática, pois cálculos mentais, construção e formulação de gráficos e de figuras geométricas com o apoio de ferramentas tecnológicas como o GeoGebra auxiliam o raciocínio e o desenvolvimento de competências. Para Cardoso, Azevedo e Martins (2013, p. 03), a implantação do programa de informática na educação no Brasil iniciou-se com o primeiro e segundo Seminário Nacional de Informática em Educação, realizado respectivamente na Universidade de Brasília em 1981 e na Universidade Federal da Bahia em 1982.
O GeoGebra é um software de Matemática que facilita o estudo de Geometria, Estatística e Álgebra, possibilitando a criação de tabelas, de gráficos e de representações geométricas. Segundo Hohenwarter (2014, p. 11), “por um lado, o software facilita a visualização de fatos e conceitos matemáticos. Por outro lado, GeoGebra apoia a interação de formas diferentes de representação de objetos matemáticos […]”.
3 O SOFTWARE GEOGEBRA O software é resultado do doutorado de Markus Hohenwarter, executado em 2001, utilizado em 190 países e discutido em várias comunidades por meio das redes sociais. (NASCIMENTO, 2012). O GeoGebra acompanhou a evolução tecnológica e apresenta versões para várias plataformas, até mesmo smartphones e tablets. Nele, é importante entender que uma expressão em Álgebra corresponde a um objeto concreto na Geometria e vice-versa, colaborando com diversos conteúdos que podem ser explorados do Ensino Médio à pós-graduação (BORTOLOSSI, 2012). De acordo com Bortolossi (2012), podem ser simuladas e vistas animações tanto de gráficos como de figuras geométricas, já que o software reúne Geometria, Álgebra e Cálculo. Avaliando os argumentos positivos acerca do uso do GeoGebra, além das funcionalidades básicas que visam criar estratégias, fazer conjecturas, deduzir propriedades matemáticas, entre outras ações necessárias ao ensino da disciplina, há uma interface dinâmica entre os sistemas algébricos e geométricos que permitem o estudo das funções reais. Segundo Silva (2015a, p. 09), No GeoGebra, pontos podem ser criados sobre gráficos de funções de modo que, ao movê-los, eles continuem sempre sobre o gráfico da função. Os valores das coordenadas desses pontos podem ser então recuperados e usados em cálculos ou na criação de outros elementos geométricos (pontos, segmentos e retas).
O software tem sido usado para estudos relacionados a funções, permitindo visualizações gráficas, algébricas e numéricas com pontuações de taxas de variação média e instantânea que correspondem à posição do ponto sobre o gráfico da função estudada. Para Silva (2015a, p. 09), Faculdade Educacional da Lapa - FAEL
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Morin (2000) também menciona uma “incerteza” quando trata da utilização da tecnologia, visto que a finalidade do uso da ferramenta matemática é servir como estratégia para desenvolver o saber. Com esse saber, é possível admitir a tecnologia no que tange a sua produção e a seu desenvolvimento, e é responsabilidade da educação trabalhar com o aprender a ser, a viver, a dividir e a comunicar com os indivíduos.
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No GeoGebra, funções podem ser definidas em termos de parâmetros. Estes, por sua vez, podem ser alterados dinamicamente através de controles deslizantes (sliders). Esse tipo de recurso permite ao usuário visualizar e perceber, por exemplo, como características variacionais da função (crescimento, concavidade e extremos) mudam de acordo com esses parâmetros.
Fundamentando-se nas bibliografias mencionadas, é nítida a importância de estar atento e atualizado quanto às transformações que ocorrem na sociedade. Para Aguiar e Passos (2014), é preciso filtrar as informações, separando-as em quais têm e quais não têm utilidade. Bairral (2010) complementa que, com a presença constante da internet na vida das pessoas, a educação tem o desafio de utilizar as tecnologias como mediadoras da aprendizagem. Entretanto, ainda há escolas que não utilizam o ambiente tecnológico para agregar e acrescentar conhecimento a professores e alunos. Amaral e Frango (2014) realizaram um estudo a respeito do GeoGebra e constataram que ele, assim como outros softwares, não é utilizado com afinco nas escolas, o que representa um grande atraso para o ensino.
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4 METODOLOGIAS UTILIZADAS NA PESQUISA O presente estudo investigou como 35 alunos, entre 16 anos e 18 anos, estudantes de Matemática da 2ª série do Curso Técnico em Informática Integrado ao Ensino Médio da Etec Rodrigues de Abreu utilizam o GeoGebra para aprimorar conhecimentos sobre funções exponenciais, conteúdo em que apresentam dificuldades de aprendizagem. Para iniciar, foi realizado um estudo de caso para demonstrar a importância da utilização do software como ferramenta de auxílio à educação por meio de uma revisão bibliográfica com aplicação de instrumentos de coleta de dados, como entrevista, questionário e observação in loco para obter informações do professor regente e dos alunos. O objetivo era perceber a utilização, o conhecimento e a utilidade do programa durante as aulas. Segundo Yin (2005), o estudo de caso envolve uma investigação profunda que responde a “como” e “por que” em eventos contemporâneos; trata-se de um estudo empírico dentro de um contexto real com limites e fenômenos estabelecidos. Silva e Menezes (2001, p. 22) mencionam que o estudo de caso pode ser associado a “quando envolve o estudo profundo e exaustivo de um ou pouco objetos de maneira que se permita o seu amplo e detalhado conhecimento”. Foi realizada também uma entrevista com o coordenador de curso, que lida com 12 turmas do Ensino Médio (seis do Ensino Médio regular, três do Curso Técnico em Informática Integrado ao Ensino Médio e três do Curso Técnico em Administração Integrado ao Ensino Médio). Sua finalização proporcionou enriquecimento de informações, como conhecimento sobre experiências, metodologias e resultados do dia a dia em sala de aula com alunos com diferentes graus de dificuldade com funções. Para Silva (2017), “O questionário constitui hoje uma das mais importantes técnicas disponíveis para a obtenção de dados nas pesquisas sociais […]” e “a construção do questionário consiste basicamente em traduzir os objetivos específicos da pesquisa em itens bem rígidos […]” (SILVA, 2017). Na sequência, foi realizada uma observação in loco em três visitas semanais com a duração de três horas-aulas cada, das 7h50 às 10h40, na 2ª série do Curso Técnico em Informática Integrado ao Ensino Médio da Etec Rodrigues de Abreu, com o objetivo de observar o desempenho dos alunos durante uma aula prática evidenciando dificuldades, discussões, assimilações e reflexões quanto às melhores práticas para o ensino-aprendizagem de cada aluno. Conforme Gil (1995), “A observação apresenta como principal vantagem, em relação a outras técnicas, a de que os fatos são percebidos diretamente, sem qualquer intermediação. Desse modo, a subjetividade, que permeia todo o processo de investigação social, de a se reduzir […]”. Esse método permite ao professor obter uma das melhores maneiras de utilizar o GeoGebra durante as aulas, interpretando os motivos que sugerem sua utilização, bem como em que colabora para a superação dos problemas de aprendizagem. 70
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5 ANÁLISE DOS DADOS COLETADOS A pesquisa foi realizada na Etec Rodrigues de Abreu, na 2ª série do Curso Técnico em Informática Integrado ao Ensino Médio, em Bauru (SP). A escola atende a alunos de Ensino Médio e técnico, com turnos matutino, vespertino e noturno. Sua estrutura é composta por diretor, coordenador pedagógico e professores de áreas específicas. Em seu PPP existe a preocupação de aprimorar sua ação para garantir que os alunos dominem as competências estudadas, tanto que menciona, em um dos parágrafos do projeto, a seguinte informação: “A tecnologia da informação vem sendo progressiva e intensamente incorporada ao cotidiano escolar de forma a ampliar a eficiência e inovar as ações de inovação do trabalho consolidando o papel desta instituição como referência para a melhoria da qualidade de vida da região.” (ETEC, s./d.).
A classe estudada conta com 35 alunos, com idades entre 16 anos e 18 anos, em sua maioria meninos e com diversidade muito grande de cultura, comportamento e bagagem de conhecimento prévio de Matemática. A primeira coleta foi obtida da coordenadora, que declarou que o uso do GeoGebra facilita a aprendizagem, pois é mais fácil realizar marcações de pontos em plano cartesiano; além disso, quando a base é maior do que dois e há a necessidade de montar escalas, a precisão do software é maior. De acordo com a coordenadora, não é adequado fazer a construção geométrica manual de um gráfico de função exponencial, o que indica a necessidade do GeoGebra em sala de aula. Para ela, o software garante maior precisão, rapidez e facilidade ao realizar testes de parâmetros A, B e C em funções do tipo
, além de prender a atenção dos alunos.
Continuando as investigações, os alunos responderam ao questionário após serem informados do procedimento e terem concordado com a entrega anônima, para garantir melhor qualidade nas respostas. Esse procedimento durou cerca de 30 minutos, resultando em uma tabulação que indicou que apenas um aluno prefere criar manualmente os gráficos de funções; os demais destacaram que o GeoGebra é uma ferramenta notoriamente capaz de facilitar a criação de gráficos de funções e de economizar tempo, pois é interativa e oferece maior precisão; porém, metade desses mesmos alunos acredita que é importante não deixar de usar o papel quadriculado/ milimetrado, régua e lápis. Vale destacar que, durante a realização do questionário, vários alunos exercitaram seu conhecimento no GeoGebra para evidenciar a facilidade de criar gráficos de funções exponenciais e não houve dificuldades na execução da atividade. Por fim, houve o relato da observação in loco, o que repercutiu três cenários importantes. No primeiro dia, com a utilização de papel quadriculado/milimetrado, os alunos tiveram de realizar marcações de pontos e traçar e
gráficos das funções e como
; em seguida, foi solicitado que construíssem gráficos das funções
, que gerou maior dificuldade ao realizar marcações dos pontos, pois havia valores e
e não havia espaço no papel para tal.
No segundo dia, construíram funções exponenciais do tipo
para verificar a influên-
cias dos parâmetros a, b e c. Houve dificuldade em visualizar as diferenças nas seguintes funções: ; cada para os alunos.
;
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;
, visto que realizar as marcações dos pontos foi a ação mais compli71
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Frente ao objetivo e ao problema apresentados, foram utilizados três instrumentos de coleta de dados: entrevista e questionário para o coordenador e observação in loco durante aulas com utilização do GeoGebra. O primeiro passo foi entrevistar a coordenadora em um diálogo informal; na sequência, os alunos responderam a um questionário para avaliar o software em quesitos como vantagens, qualidade e dificuldades. Nesse mesmo aspecto, foi realizada uma observação in loco durante três dias em três visitas com duração de três horas-aula. No período diurno, foi possível observar a rotina dos alunos com o uso do GeoGebra.
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No terceiro dia, foi iniciada a construção no GeoGebra dos gráficos antes definidos no papel. Rápida e precisamente, os alunos marcaram os pontos no plano, traçaram o gráfico e passaram a realizar testes com os parâmetros a, b e c. De maneira dinâmica, demonstraram importantes aspectos e diferentes comportamentos para os parâmetros a, b e c, tornando a aprendizagem significativa. O cenário observado foi significativo e demonstrou o quanto a adoção do software pode facilitar e agilizar a assimilação do conteúdo. Ferreiro (2001, p. 43) destaca que “as estratégias para trabalhar com alunos na aprendizagem da leitura e da escrita tem de ser significativas e próximas. É preciso retomar com eles a leitura do seu mundo, para levá-los à leitura da palavra.”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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A aprendizagem depende da aquisição de conhecimento, que geralmente parte de um processo de dificuldades, dúvidas e incertezas. O trabalho do educador com o aluno é primordial e deve ser pautado em uma prática didática que colabore com o ensino-aprendizagem, então as estratégias e as metodologias precisam ser significativas e o mais concretas possível. O professor deve ser desafiador e incorporar em seu plano de aula ferramentas como o software GeoGebra como recurso de assimilação, minimizando as dificuldades durante a criação, a execução e a observação de gráficos de funções exponenciais. As vantagens de utilizar essa ferramenta são facilmente percebidas pelos alunos, os quais demonstram autonomia e facilidade ao manusear e criar testes de parâmetros. Com base nesta pesquisa, pode-se concluir que esse tipo de ferramenta pode propiciar a criação de uma oportunidade mais assertiva de aprendizagem com o desenvolvimento do próprio aluno, que terá práticas significativas.
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Software GeoGebra: um estudo de caso de seu uso para o ensino de função exponencial no Ensino Médio
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GUSSO, Sandra de Fátima Krüger
RESUMO O Ensino Religioso é ainda uma área de muitos desafios e descobertas. Esse artigo tem como objetivo apresentar um estudo reflexivo sobre as tendências pedagógicas do Ensino Religioso trabalhado nas escolas públicas do Paraná nas décadas de 1960, 1970 e 1980. Para tanto, a seguinte questão norteou o processo investigativo: quais legislações, tendências e práticas educativas eram utilizadas em diferentes décadas para dar suporte às aulas do Ensino Religioso no Estado do Paraná? Por meio da pesquisa bibliográfica e do diálogo com autores como Junqueira, Caron, Bherens e Silva, os quais tratam do assunto com propriedade, foi possível perceber os desafios e as conquistas das práticas pedagógicas nessa área. Ficou evidente que: as mudanças nas legislações foram em função das necessidades de organização da disciplina e acabaram influenciando, também, nas práticas pedagógicas; essas foram marcadas pelas tendências conservadoras, tecnicistas e de crítica social. Em relação aos conteúdos do Ensino Religioso, eles deixaram de ser doutrinários para dar ênfase na religiosidade por meio de ações interconfessionais. Palavras chave: Religião; Educação; Tendências.
ABSTRACT Religious Education is still an area of many challenges and discoveries. This article aims to present a reflective study on the pedagogical trends of Religious Education worked in the public schools of Paraná in the 1960s, 1970s and 1980s. Therefore, the following question guided the investigation process: which legislations, tendencies and educational practices were used in different decades to support the classes of Religious Education in the State of Paraná? Through bibliographic research and dialogue with authors such as Junqueira, Caron, Bherens and Silva, who dealt with the subject with proficiency, it was possible to notice the challenges and achievements of pedagogical practices in this area. It was evident that: changes in legislation happened because of the organizational needs of the discipline and ended up influencing pedagogical practices; these ones were marked by conservative, technicist, and social criticism tendencies. Regarding the contents of Religious Education, they have ceased being doctrinal in order to emphasize religiousness through interfaith actions. Keywords: Religion; Education; Tendencies.
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Tendências e práticas pedagógicas para o ensino religioso escolar Tendencies and pedagogical practices for religious school education
Tendências e práticas pedagógicas para o ensino religioso escolar
1 INTRODUÇÃO Surgem por décadas, no cenário educacional brasileiro, inúmeros debates institucionais e legais com a finalidade de se chegar a um ponto de equilíbrio no que diz respeito às práticas pedagógicas do Ensino Religioso em sala de aula. Para adequar o cumprimento da Lei em vigor nas décadas selecionadas, era preciso fazer sempre uma reorganização no planejamento escolar. A ação docente, em conformidade com a equipe pedagógica das escolas, era realizada em parcerias, mas nem sempre eram eficientes. O assunto é amplo, mas a delimitação da temática permite apresentar, nesse artigo, uma análise do percurso do Ensino Religioso nas décadas de 1960, 1970 e 1980, como disciplina integrante do currículo escolar. Para uma melhor compreensão dos assuntos relacionados à prática pedagógica no cotidiano escolar das escolas públicas, em especial nas escolas do Paraná, nas décadas selecionadas, serão apresentados, a seguir, quadros contendo as sínteses dos elementos que compunham a disciplina por categorias e legislações. Em seguida será feita a análise da prática educativa.
Para fazer a análise das práticas pedagógicas do Ensino Religioso nas décadas selecionadas, optou-se por apresentar as Leis que regulamentam a presença do Ensino Religioso no currículo escolar e as categorias que compõem a disciplina. Pretende-se, com isso, evidenciar as práticas pedagógicas que sustentaram as aulas de Ensino Religioso e deram embasamento metodológico para as atividades escolares nessas décadas.
2.1 Década de 1960 CATEGORIAS LEI ESCOLA
PROFESSOR
DÉCADA 1960 Lei de Diretrizes de Bases da Educação Nacional (LDB) nº 4.024/61 – Artigo 97. Tradicional. Tem como função preparar intelectual e moralmente os alunos. O compromisso social é a reprodução da cultura (BHERENS, Marilda Aparecida. O paradigma emergente e a prática pedagógica. 2. ed. Curitiba: Champagnat, 2000. p. 45.). Voltada a uma educação popular. É o transmissor dos conhecimentos, detém a verdade, age com autoridade, apresenta os conteúdos de maneira fragmentada (BEHERENS, 2000, p. 45.).
É o missionário (JUNQUEIRA, 2002a, p. 39.). É receptivo e passivo. É visto como único e isolado. Deve memorizar; copiar e repetir ALUNO (BEHERENS, 2000, p. 45.). Relacionados aos do catecismo: sacramentos, elementos fundantes da fé, história CONTEÚDOS sagrada. Desvinculados da realidade do estudante (JUNQUEIRA, 2002a, p. 39.). “Levar o educando a se encontrar diretamente com Deus” (JUNQUEIRA, 2002a, OBJETIVOS p. 39.). Aulas expositivas pelo professor e memorização pelo aluno (JUNQUEIRA, 2002a, METODOLOGIA p. 40.). Método indutivo, visão cartesiana, fundamenta-se em quatro pilares: escutar, ler, decorar e repetir (BHERENS, 2000, p. 45.). Confessional e catequético com enfoque teológico (Para ampliar os conhecimentos CARÁTER ver em: JUNQUEIRA, 2002a, p. 38-39.). NOMENCLATURA Aula de Religião (JUNQUEIRA, 2002a, p. 39.). Diante dessa configuração e da análise da prática educativa no contexto da década de 1960, fica evidente que a nova Lei de Diretrizes de Bases da Educação Nacional (LDB) n. 4.024/61 – Artigo 97, gerou dificuldades em relação à aplicabilidade da disciplina de Ensino Religioso no cotidiano escolar por se caracFaculdade Educacional da Lapa - FAEL
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2 O ENSINO RELIGIOSO NAS DÉCADAS DE 1960, 1970 E 1980 E AS TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS
Tendências e práticas pedagógicas para o ensino religioso escolar
terizar modelo confessional. Sobre isso, Oliveira mostra que, com a promulgação da nova Lei, algumas dificuldades surgiram em relação aos procedimentos da prática pedagógica, “tanto por causa do interesse das tradições religiosas de ampliar seu quadro de fiéis quanto pela influência exercida pela autoridade eclesial da região” (OLIVEIRA et al., 2007. p. 53). Mas também, no Paraná e Santa Catarina, “pela indicação de representante evangélico para exercer a função de professor, em razão do número de denominações protestantes, situação que se tornou ainda mais complexa com a chegada das igrejas pentecostais americanas” (OLIVEIRA et al., 2007, p. 53). Outro fator relevante, segundo os autores, é que nesse período foram feitas várias discussões sobre a reforma proposta pelo Concílio Vaticano II. Todas essas ações foram em prol de melhorias para a prática pedagógica da disciplina e da sua permanência nas escolas (OLIVEIRA et al., 2007).
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Sobre a relação professor-aluno, o que caracteriza essa década são condutas de autoridade e passividade. Junqueira (2002a), ao analisar a disciplina em relação à Lei de Diretrizes de 1961, destaca que os professores usavam métodos expositivos, memorizações e conteúdos considerados verdades absolutas, com predomínio da autoridade do professor e passividade do aluno. A proposta educacional da década de 1960 pode ser caracterizada como conservadora. Dessa forma, o paradigma tradicional que norteou as práticas pedagógicas visava à reprodução dos conhecimentos. Essa forma de ensinar e aprender, segundo Behrens (2004, p. 43), “caracteriza-se por uma postura pedagógica de valorização do ensino humanístico e da cultura em geral”. Nesse contexto, a escola funciona como “local de apropriação do conhecimento, por meio da transmissão de conteúdos e confrontação com modelos e demonstrações” (SILVA, 1986. p. 86). Diante de uma prática pedagógica conservadora, a abordagem metodológica que pode ser evidenciada nesse período é da aula expositiva. Para Behrens (2004), essa estratégia metodológica fundamenta-se na transmissão, memorização e reprodução dos conhecimentos. É feita pelo professor através da exposição oral dos conteúdos visando a um comportamento disciplinar baseado na obediência por parte do aluno. Os procedimentos didáticos restringem o estudante a apenas escutar, decorar e repetir os conteúdos propostos. As categorias descritas para caracterizar a educação dos anos 1960 também serviram de modelo para o preparo das aulas de religião. Segundo Junqueira (2002, p. 47), “em consequência do movimento catequético e da renovação pedagógica, os que atuavam dentro das escolas progressivamente se preocupavam em melhor estruturar o trabalho. O texto da Lei de n. 4.024, simplesmente ratificou uma realidade já existente”. Assim, ao final da década de 1960, com as mudanças sociais e políticas ocorridas na sociedade brasileira – como as ações de grupos hippies com o lema “paz e amor”; a ânsia de liberdade; a mobilização dos militares, pautada no autoritarismo; os movimentos populares reivindicando melhorias na educação –, a própria educação foi a mais atingida e, consequentemente, o Ensino Religioso (JUNQUEIRA, 2002a). Diante desse cenário, a escola trabalhava com propostas pedagógicas conservadoras e o Ensino Religioso acontecia a partir de esforços de voluntários que se colocavam a disposição para dar aulas de religião1. A prática pedagógica do Ensino Religioso, nos moldes da escola tradicional, utilizava uma metodologia centrada no repasse e na reprodução dos conhecimentos e da evangelização.
2.2 Década de 1970 A religião é um dos assuntos tratados pela escola, com base em planejamentos sistemáticos e organizados por etapas. Desta forma, a proposta educativa a nível nacional viabiliza e oportuniza uma educação igualitária para todos, porém, não pode interferir nas práticas pedagógicas realizadas em sala de aula, onde cada contexto organiza suas ações docentes. O quadro a seguir ilustrará os procedimentos que nortearam a ação educativa da década de 1970, em relação à disciplina de Ensino Religioso. CATEGORIAS LEI 76
DÉCADA 1970 Lei de Diretrizes de Bases da Educação Nacional (LDB) n. 5.692/71 – artigo 7º. Faculdade Educacional da Lapa - FAEL
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CATEGORIAS ESCOLA PROFESSOR ALUNO CONTEÚDOS OBJETIVOS METODOLOGIA
DÉCADA 1970 Modelador do comportamento humano (BEHRENS, 2000, p. 52.). Tem o papel de treinar os alunos. Tecnicista (BEHRENS, 2000, p. 52). Tem a função de repassar os conhecimentos (BEHRENS, 2000, p. 52.). Um espectador, condicionado e responsivo (BEHRENS, 2000, p. 53.). De ética e de valores, com enfoque na religiosidade (VIESSER, 2005, p. 52.). Tornar as pessoas mais religiosas (VIESSER, Lizete Carmem. Ensino Religioso na escola pública. Curitiba: IESDE, 2005. p. 52). Instrução programada. O ensino é repetitivo e mecânico (BEHRENS, 2000, p. 53.).
Ver, julgar, agir e celebrar (VIESSER, 2005, p. 52.). CARÁTER Pastoral com enfoque na Religiosidade (VIESSER, 2005, p. 52.). NOMENCLATURA Ensino Religioso
[...] maneira de obter apoio para suas determinações, a Lei 5.692/71 reinseriu o Ensino Religioso nos horários regulares, compondo a área de estudos que agregava as aulas de Moral e Cívica, Artes e Educação Física – todas com direcionamento para a formação dos alunos para um civismo e uma moral afinados com os interesses dos militares. Entretanto, no âmbito de muitas escolas nos diferentes Estados da nação brasileira, tal configuração estimulou o surgimento e a prática de uma proposta de Ensino Religioso de perspectiva ecumênica, ensejando, dessa forma, a integração das tradições cristã (OLIVEIRA, 2007, p. 53-54).
Com a nomenclatura de “Ensino Religioso” a prática educativa era realizada pelos diferentes agentes das organizações religiosas. Eles definiam e organizavam os conteúdos a serem trabalhados em sala de aula. Cada região do Brasil tinha liberdade para propor os encaminhamentos para as aulas. Ao longo dos anos 1970, as Secretarias Estaduais e Municipais da Educação, incentivadas e assessoradas pelas entidades religiosas interessadas, buscavam uma nova estrutura para a disciplina. Nos estados, as coordenações do Ensino Religioso passaram a publicar resoluções, decretos, portarias, instruções, a fim de nortear o encaminhamento da disciplina (JUNQUEIRA, 2002a). O esforço na articulação da disciplina foi o que levou à mobilização de movimentos em prol do Ensino Religioso nas escolas públicas. Desses, destaca-se no Paraná a ASSINTEC. Os grupos oriundos desses movimentos propunham para a prática pedagógica do Ensino Religioso um ensino interconfessional. No Paraná o Ensino Religioso teve início em 1954, mas só no século XXI, a proposta deixa de ser doutrinária. As denominações religiosas credenciadas aos movimentos a favor do trabalho ecumênico nas escolas são: Católica, Evangélica, Luterana, Metodista, Episcopal e Presbiteriana (JUNQUEIRA, 2002a, p. 86). O tratamento metodológico dado aos conteúdos a partir dessa lei foi para atividades, áreas de estudo e disciplinas. “As atividades compreendiam experiências a serem vividas, ao passo que as áreas de estudo constituíam a integração de áreas afins e as disciplinas abrangiam os conhecimentos sistemáticos.” (OLIVEIRA, 2007). Na década de 1970 a trajetória do Ensino Religioso foi caracterizada pela educação tecnicista2. Na abordagem tecnicista a escola privilegia o planejamento e a organização para garantir a produtividade: “a ênfase da prática educativa recai na técnica pela técnica” (BEHRENS, 2000, p. 51). Foram acrescentadas dinâmicas de grupo com a finalidade de dinamizar os conteúdos e permitir a integração entre os alunos frente aos temas desenvolvidos. Segundo análise do material produzido pela ASSINTEC no Paraná (apostilas tipo cadernos), as atividades eram dirigidas reforçando o tema de estudo, com cânticos, músicas, teatros e outros recursos. 2
Segundo Behrens, “A tendência tecnicista fundamenta-se no positivismo e propõe uma ação pedagógica inspirada nos princípios da racionalidade, da eficiência, da
eficácia e da produtividade”. BEHRENS, 2000, p. 51.
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Ao analisar a Lei de n. 5.692/71 percebe-se que esta foi aprovada diante de um contexto sociopolítico regido por um regime militar autoritário. Oliveira esclarece o contexto mostrando que:
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Como a finalidade do ensino era a religiosidade, o tratamento didático era à base de celebrações e dinâmicas (VIESSER, 2005). Para tanto, era necessária uma nova concepção. Predominou nessa época a de “religare”, que está relacionada ao religamento das pessoas a si mesmas, aos outros, à natureza e a Deus, tudo com a finalidade de tornar as pessoas mais religiosas (VIESSER, 2005). “Nesse contexto, o Ensino Religioso caracterizou-se como pastoral, aula de ética e valores e o conhecimento veiculado foi o da formação antropológica da religiosidade, pelo saber em relação a si próprio, aos outros, ao mundo, à natureza e a Deus” (VIESSER, 2005, p. 51). No Estado do Paraná, a década de 1970 foi um marco para o Ensino Religioso nas escolas públicas, pois, inspirados pelo movimento ecumênico, líderes de diversas denominações religiosas organizaram uma Associação para implantar um Ensino Religioso mais ecumênico nas escolas a (ASSINTEC)3.
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Conforme consta na introdução do Caderno 54, elaborado pela ASSINTEC, “Crescer em Cristo”, o Ensino Religioso deixa de ser radiofônico para se tornar encontros reflexivos em sala de aula. A apostila de Ensino Religioso é reelaborada e o desafio de tornar as aulas mais dinâmicas e criativas fica por conta de professores capacitados para realizar a missão. Nesse caderno constam orientações pedagógicas, metodologia aplicada no desenvolvimento do material, pautada no ver, julgar e agir, de acordo com experiências, reflexões, celebrações e integração com outras áreas. Desta forma, a partir da análise do material didático, constata-se que as práticas educativas pautadas em atitudes pastorais, nos valores humanos e na ética vão norteando as aulas5. A década de 1970 foi marcada pela organização de entidades que, de acordo com o paradigma educacional da época, elaboraram propostas pedagógicas para a disciplina de Ensino Religioso no intuito de que, nas escolas, ela fosse tratada de igual modo às demais disciplinas do currículo. A finalidade, então, era que os alunos se tornassem mais religiosos ao aprenderem sobre o Reino de Deus.
2.3 Década de 1980 Na sequência, apresenta-se o quadro com os elementos que caracterizaram as práticas pedagógicas do Ensino Religioso nos anos 1980. O contexto desse período revela a busca pela ressignificação e pela mobilização por grupos interessados em repensar o Ensino Religioso. Com isso, o tratamento didático dado à disciplina levou em consideração os conteúdos, agora elaborados sequencialmente, buscando a lógica e o nível cognitivo do processo de aprendizagem. CATEGORIAS LEI ESCOLA PROFESSOR ALUNO CONTEÚDOS
DÉCADA 1980 Lei de Diretrizes de Bases da Educação Nacional (LDB) n. 5.692/71 – artigo 7º. Libertadora, democrática, dialógica e crítica (BEHRENS, 2000, p. 80.). Mediador dos conhecimentos (BEHERNS, 2000, p. 81.). É participante da ação educativa (BEHERNS, 2000, p. 82). Ativo. Temas bíblicos e afins que eduquem para a religiosidade (JUNQUEIRA, 2002a, p. 77.). Proporcionar experiências, informações e reflexões para entender o sentido da vida OBJETIVOS (JUNQUEIRA, 2002a, p. 74.). METODOLOGIA Base no diálogo e na crítica (BEHRENS, 2000, p. 83.). CARÁTER Interconfessional NOMENCLATURA Ensino Religioso A legislação que ampara a permanência da disciplina na década de 1980 é a mesma Lei n. 5.692/71 – artigo 7º, sem alterações. Porém, as mobilizações por meio das associações fizeram com que o Ensino Religioso estivesse em evidência durante os anos 1980. Sobre isso Junqueira mostra que: [...] com o crescimento dos diferentes grupos religiosos, organizações foram criadas para favorecer o diálogo entre as mesmas, desde pequenos grupos de estudo ou para outras ações no campo da solidariedade. Neste movimento o Ensino Religioso fará a sua busca de identidade, a fim de melhor responder aos novos tempos6.
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JUNQUEIRA, 2002a, p. 14.
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Em vários estados, surgiram projetos de grupos interconfessionais que se propunham a repensar o papel do Ensino Religioso. Os projetos eram encaminhados por equipes interconfessionais, tais como a Associação Interconfessional de Educação de Curitiba (ASSINTEC), o Conselho de Igrejas para Educação Religiosa (CIER) e o Instituto Regional de Pastoral de Campo Grande (IRPAMAT). Esses grupos marcaram forte presença nos debates da Constituição de 1988. O foco da mobilização foi a garantia do Ensino Religioso nas escolas em caráter interconfessional. Segundo Caron: “O que antes era feito somente pela Igreja Católica, agora é assumido, de modo especial, pelos próprios educadores, graças ao incentivo da própria Igreja em devolver à sociedade as suas funções por dever, na conquista de seus direitos de cidadania”7. As conquistas por parte dos educadores para que o Ensino Religioso continuasse sendo tratado em caráter interconfessional resultou na alteração do artigo 210, parágrafo 1o da Constituição de 1988. Contudo, o Ensino Religioso ficou com a mesma redação das Constituições anteriores, para descontentamento de diversos grupos sociais envolvidos: “O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental”8.
Nesse contexto, Libâneo, ao refletir sobre as tendências educacionais, mostra que nos anos 1980 elas estavam mais voltadas para os interesses da população e tinham como finalidade desenvolver uma educação crítica a serviço das transformações sociais e econômicas, tendo em vista a superação das desigualdades. A atividade escolar é centrada na discussão de temas sociais e políticos; poder-se-ia falar de um ensino centrado na realidade social. [...] O trabalho escolar não se assenta, prioritariamente, nos conteúdos de ensino já sistematizados, mas no processo de participação ativa nas discussões e nas ações práticas sobre questões da realidade social imediata9.
Diante das inovações pedagógicas, a escola progressista procurou estabelecer um clima de troca, de diálogo e de inter-relação. Na visão de Silva, a escola é valorizada como agência difusora dos conteúdos vivos, concretos, indissociáveis das realidades; enquanto espaço específico em que dará a apropriação do saber, integrada no todo social, econômico e politicamente; capaz por outro lado, de trabalhar visando a transformação dos interesses populares.10
Nesse sentido, a escola transforma-se em um ambiente propício para discussão de temas relevantes de serem debatidos nas aulas de Ensino Religioso. No que diz respeito à relação professor-aluno, sob o ponto de vista da tendência progressista libertadora, ambos tornam-se agentes participantes ativos do processo educativo. Segundo Behrens, “o docente, por ter mais experiência acerca das realidades sociais, assume o papel de mediador entre o saber elaborado e o conhecimento a ser produzido”11. O aluno na abordagem progressista “caracteriza-se como sujeito ativo, sério e criativo”12. O aluno passou a ser valorizado e a precisar estar constantemente se preparando para poder intervir na realidade social de forma consciente. Ações humanitárias e o resgate dos valores humanos faziam parte da sua formação. Na disciplina de Ensino Religioso, buscava-se trabalhar com temas da realidade social. Na prática pedagógica, o diálogo e a discussão eram elementos essenciais, utilizados como estratégias de aprendizagem. Segundo Behrens, o diálogo “leva a uma formação do indivíduo como ser histórico e contempla uma abordagem dialética de ação/reflexão/ação”13. Como essa dimensão metodológica buscava 7 8 9 10 11 12 13
CARON, Lurdes (Org.). Equipe do GRERE. O ensino Religioso na Nova LDB: histórico, exigências, documentário. Petrópolis: Vozes, 1998. p. 16. CARON, 1998, p. 17. LIBANÊO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez, 1994. p. 69. SILVA, 1986, p. 126. BEHRENS, 2000, p. 81. BEHRENS, 2000, p. 82. BEHRENS, 2000, p. 84.
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Em relação às práticas pedagógicas, a década de 1980 foi marcada pelas inovações educacionais oriundas das tendências progressistas. Alicerçada em uma educação que leva em conta o indivíduo como sujeito da história, a tendência progressista propõe uma educação mais libertadora para as escolas. Destacam-se a Pedagogia Libertadora e a Crítica Social dos Conteúdos.
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a participação ativa dos sujeitos envolvidos no processo educacional, os temas e os conteúdos deveriam contemplar os aspectos sociais. Os conteúdos de Ensino Religioso, elaborados para operacionalizar esses objetivos, na opinião do Pe. Gruen eram os que estavam voltados para a prática a ser vivida e, por isso, diversos temas poderiam ser aplicados ao Ensino Religioso escolar. Os conteúdos deveriam estar direcionados ao educar para religiosidade. “Ir além da superfície das coisas, acontecimentos, gestos, ritos, normas e formulação, para interpretar toda a realidade em profundidade crescente e atuar na sociedade de modo transformador, libertador”14. Com a perspectiva interconfessional, os conteúdos eram organizados a partir de questões existenciais e de temas bíblicos15. Nesse caso, o objetivo do Ensino Religioso escolar deveria proporcionar ao aluno experiências, informações e reflexões que o ajudem a cultivar uma atitude dinâmica de abertura ao sentido mais profundo de sua existência em comunidade, e em encaminhar, a uma organização responsável do seu projeto de vida, acreditando que esta disciplina ajudará a vivenciar práticas transformadoras, removendo eventuais obstáculos da fé; desta forma, compreendidas as diversas expressões religiosas, para tal é importante valorizar a própria crença, assim como respeitar a dos outros16.
A partir das análises dos Boletins17 da ASSINTEC relativos aos anos 1980, será descrito, a seguir, uma síntese do que ficou evidente da prática pedagógica do Ensino Religioso realizado nas escolas públicas do Estado do Paraná nesse período: Revista Vivências Educacionais | ISSN: 2526-0529 | v.3 n.1
a) Propostas pedagógicas com conteúdos voltados para os valores religiosos do amor ao próximo e da fé nas Escrituras; b) Orientações para os professores por meio dos boletins, com um espaço denominado “Para onde vai a Educação”. Nele constam textos de como ser um orientador do povo, tendo em vista uma educação libertadora com enfoque na conscientização. Um exemplo disso é a reflexão: “todo ato pedagógico é um ato político e o professor com sua atuação ou reforça o sistema injusto existente, ou se coloca ao lado do povo, promovendo solidariedade, favorecendo práticas libertadoras que ajudam o povo a se descobrir, a se expressar, a se organizar”18. c) Sugestões de livros, tais como O senso crítico e O método, ambos de Jorge Boran; Conversas com quem gosta de ensinar, de Rubem Alves; Uma escola para o povo, de Maria Tereza Nidelcoff; Conscientização, de Paulo Freire; Formação da consciência crítica, de J. B. Libâneo. Essas literaturas indicam as tendências pedagógicas que deveriam ser trabalhadas na disciplina de Ensino Religioso nas escolas; d) Elaboração de apostilas – livros, como Crescer em Cristo, com atividades práticas para serem trabalhadas nas escolas; e) Programas de rádio, como o “Diga Sim”, transmitido pela Rádio Estadual do Paraná: ondas médias (AM) 680 khz. Nesse programa eram oferecidas orientações sobre os temas das apostilas. Também, as escolas tinham a disposição a recursos didáticos como fitas cassete, que eram emprestadas pela ASSINTEC. Outro programa de rádio à disposição dos professores foi o “Educar, Eis a Questão”; f ) No destaque do boletim, “Fatos que marcam”, encontram-se em forma de depoimentos os resultados dos trabalhos realizados nas escolas do Paraná. Vale ressaltar o da Escola Tibagi com alunos da 1ª série, que fizeram reflexões próprias sobre o Natal por meio de desenhos e frases demonstrando sensibilidade e conhecimento; g) Para a capacitação docente eram realizadas atividades extras. A equipe da ASSINTEC procurava respostas para os questionamentos da época, refletindo e conversando com teólogos, sociólogos e pedagogos sobre a educação libertadora. Alguns temas eram discutidos: a formação do professor, o papel da mulher na educação, a Bíblia na escola e outros; 14 15 16 17 18 80
JUNQUEIRA, 2002a, p. 76. JUNQUEIRA, 2002a, p. 77. JUNQUEIRA, 2002a, p. 74. Conforme relato dos BOLETINS da ASSINTEC, de março de 1982 a 1989. Arquivos da Instituição. Conforme relato dos BOLETINS da ASSINTEC, de março de 1982 a 1989. Arquivos da Instituição.
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h) Como sugestões para a prática pedagógica, com base na educação aberta, democrática, libertadora, a orientação dada aos professores era de que permitissem exercitar a autocrítica sobre a maneira de pensar e agir. Nesse sentido, era preciso melhorar o processo de ver, julgar e agir, visando à transformação. Aos educadores, o desafio era de assumir o Ensino Religioso na escola por meio da conscientização e usar o espaço da sala de aula para exercitar a reflexão crítica, tais como: Onde? Como? Quando? Por quê? O Ensino Religioso aliado à educação humana libertadora contribuiu para a formação de pessoas conscientes diante do exercício da cidadania19. Os embates em torno do Ensino Religioso, durante a década de 1980, continuaram. Na prática pedagógica vários métodos foram usados para dinamizar a disciplina. Em geral utilizavam a estratégia do trabalho em grupo, “de modo a tornar uma experiência comunitária cristã, com uma relação interpessoal de autêntica fraternidade (socialização)”20. Com essa perspectiva, Junqueira mostra que “a ideia inicial não era de substituir o ensino bíblico e doutrinal com o estudo de problemas do homem em perspectiva cristã, mas pensava-se em um ensinamento integrado e complementar”21.
Contudo, para dinamizar a prática educativa, na década de 1980, utilizou-se a metodologia do ver, julgar e agir por meio da interação e diálogos. Os conteúdos eram levantados a partir dos contextos com a finalidade de que, a partir das reflexões e discussões, pudessem, tanto os professores como os alunos, chegar a novas posturas e ações sociais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS As análises em materiais como: legislações, assuntos relacionados às tendências pedagógicas e às práticas educativas trabalhada nas décadas de 1960, 1970 e 1980 revelaram que o Ensino Religioso foi caracterizado por embates e lutas para permanecer no currículo das escolas públicas. A década de 1960 foi marcada pela doutrinação e pela prática conservadora dos conteúdos; a de 1970 se caracterizou pelos métodos de instrução programada, repetição, proposta do ver, julgar, agir e celebrar pelo conteúdo interconfessional e pela tendência tecnicista; e, por fim, a de 1980 pelo enfoque na religiosidade e pela metodologia do diálogo e da crítica. Atualmente, mudanças significativas ocorrem no que diz respeito às propostas metodológicas, aos conteúdos e, também, à formação profissional, tendo em vista a valorização desta área do conhecimento e da necessidade de se ampliar suas concepções e seus princípios humanos. É uma área do conhecimento que ainda precisa ser levada em consideração e ser reorganizada para que os objetivos tragam transformações na maneira de agir e pensar, e não apenas se pautem na transmissão de uma cultura religiosa e/ou um fenômeno religioso. É preciso mudar de comportamento no ver, agir e julgar, e ainda, estimular o respeito e tolerância por parte de todos os envolvidos.
19 20 21 22
Conforme relato dos BOLETINS da ASSINTEC, de março de 1982 a 1989. Arquivos da Instituição. JUNQUEIRA, 2002a, p. 77. JUNQUEIRA, 2002a, p. 77. JUNQUEIRA, 2002a, p. 77.
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Ele ainda complementa dizendo que, na prática, as questões antropológicas monopolizaram as aulas. Falava-se sobre nascimento, morte, esperança, amor, amizade, felicidade, culpa, perdão, sofrimento, “responsabilidade, opressão, festa, celebração, pobreza, fome, guerra, paz e tantas outras”22.
Tendências e práticas pedagógicas para o ensino religioso escolar
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GREGÓRIO, Simone de França1 MARTINS, Edson2
RESUMO Este estudo visa apresentar a importância da formação continuada e da prática reflexiva para os professores (pedagogos) na educação básica. Muitas mudanças têm ocorrido na sociedade atual, porém observou-se que os professores e a escola como um todo não estão amplamente preparados enfrentá-las, seja por desvalorização da profissão ou por não receberem a devida atenção das instâncias superiores no que diz respeito à formação continuada. Percebeu-se, assim, a necessidade de escola, professores e gestores adaptarem-se a este novo cenário. Através de pesquisa bibliográfica com autores como Freire, Libâneo, Nóvoa, Perrenoud, e demais citados neste artigo, notou-se que a prática reflexiva, em conjunto com o professor que constrói sua própria formação continuada e permanente com gestores, pode melhorar a qualidade do ensino-aprendizagem e também desenvolver competências nos profissionais docentes. Para tanto o professor precisa transformar diariamente sua práxis e refletir sobre sua ação. Com esse estudo procurou-se demonstrar também o papel importante que gestor, supervisor e orientador desempenham na formação continuada e permanente do professor (pedagogo) na Educação Básica. Palavras-chave: Educação. Professor. Prática reflexiva. Formação continuada.
ABSTRACT This study aims to present the importance of continuous learning and reflective practice for teachers (pedagogues) in basic education. Many changes have taken place in today’s society, but it has been observed that teachers and the school are not fully prepared to face them either because of a devaluation of the profession or because they do not receive attention of the higher authorities regarding continuous learning. Therefore, it’s been observed the need for schools, teachers and managers to adapt to this new scenario. Through a bibliographic research with authors such as Freire, Libâneo, Nóvoa, Perrenoud and others, it was noticed that reflective practice, along with the teacher who builds his own continuous and permanent formation with managers, can improve the quality of teaching-learning and also develop skills for the teaching professionals. For this, the teacher must transform his praxis on a daily basis and think on his action. This study also demonstrates the important role that managers, supervisors and professors play in the teacher’s continuous and permanent learning in Basic Education. Keywords: Education. Teacher. Reflective practice. Continuous education.
1
Licenciada em Pedagogia pela Universidade Anhanguera/UNIDERP de Campo Grande/MS. Técnico em Assuntos Educacionais naEsan(Escola de Administração e
Negócios) – UFMS. simone.gregorio@ufms.br
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A prática reflexiva e formação continuada no desenvolvimento pessoal e profissional do professor (pedagogo) na educação básica Reflective practice and continuous learning in the personal and professional development of the teacher (pedagogue) in basic education
A prática reflexiva e formação continuada no desenvolvimento pessoal e profissional do professor (pedagogo) na educação básica
1 INTRODUÇÃO Esta pesquisa teve como principais objetivos examinar a importância da prática reflexiva do pedagogo nas salas de aula do ensino básico, identificar como a prática reflexiva em conjunto com a formação continuada pode contribuir no desenvolvimento pessoal e profissional do professor (pedagogo) e descobrir como o gestor escolar pode colaborar na busca de meios para que ocorra o desenvolvimento pessoal e profissional dos docentes nas escolas de ensino básico.
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Partindo do pressuposto de que a competência docente é uma ação contínua que não acaba com a formação acadêmica e que é um processo em constante desenvolvimento, em que o educador deve exercer uma prática consciente e reflexiva, entende-se que o docente deve buscar meios de desenvolvimento pessoal e acadêmico incessantes, pois, “para serem profissionais de forma integral, os professores teriam de construir e atualizar as competências necessárias para o exercício, pessoal e coletivo, da autonomia e da responsabilidade” (PERRENOUD, 2002, p. 12). Sendo assim, qualquer processo de desenvolvimento será significativo, contribuindo para resultados positivos, se os docentes (pedagogos) envolvidos assumirem uma postura reflexiva de sua prática, ou seja, devem estar em um processo de constante “metamorfose”. Para essa pesquisa, partiu-se do seguinte questionamento: os professores estão sendo preparados para lidar com a mudança que sociedade contemporânea trouxe às salas de aula? Como a prática reflexiva e a formação continuada podem contribuir para o desenvolvimento pessoal e profissional do pedagogo? Como a formação continuada pode auxiliar na melhoria da prática docente na educação básica? Outrossim, como o gestor escolar cumpre seu papel nesse contexto? O presente estudo é fruto de uma pesquisa bibliográfica pautada em autores que discorrem sobre a importância do desenvolvimento profissional nos professores da educação básica, assim como da formação continuada. Diante das novas políticas educacionais, vários autores como Libâneo (2010), Perrenoud (2000 e 2002) e Nóvoa (2002) têm se preocupado com processo de trabalho nas escolas. Por isso, é apropriado e indispensável aprofundar a discussão sobre a contribuição da prática reflexiva e sobre a formação continuada no exercício docente e em seu desenvolvimento profissional.
2 METODOLOGIA De acordo com Gil (2002), uma pesquisa bibliográfica é baseada em materiais já elaborados, como livros e artigos científicos; além disso, ele menciona que “a vantagem da pesquisa bibliográfica está no fato de permitir ao investigador a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla do que aquela que poderia pesquisar diretamente” (GIL, 2002, p. 44). Na leitura do material pesquisado surgiram alguns questionamentos, e como afirma Gil (2002, p. 62) “somente a partir do momento em que o pesquisador tem uma ideia clara daquilo que pretende fazer a respeito do assunto escolhido é que está em condições de iniciar seu trabalho”. Menga confirma tal afirmação ao dizer que para se realizar uma pesquisa é preciso promover o confronto entre os dados, as evidências, as informações coletadas sobre determinado assunto e o conhecimento teórico construído a respeito dele. Em geral isso se faz a partir do estudo de um problema, que ao mesmo tempo desperta o interesse do pesquisador e limita sua atividade de pesquisa a determinada porção do saber, a qual ele compromete a construir naquele momento (MENGA, 2014, p. 1).
Por isso, foram analisados de forma sistemática os dados obtidos das leituras, assim como os métodos de organização e elaboração da pesquisa até sua escrita, com o objetivo de que ela possa ser clara, concisa e principalmente um ponto de partida sólido para outros que se interessem pelo tema. Dessa maneira, Menga (2014) ressalta que o pesquisador deve estar atento quanto à veracidade das informações que vai obtendo e quanto ao conhecimento que vai construindo.
3 TRANSFORMAÇÕES NA SOCIEDADE E PRÁTICA DO DOCENTE Pode-se notar que por muitos anos apenas a formação básica dos professores fazia-se suficiente para toda a sua vida profissional; porém, houve uma mudança significativa em todo sistema educacional que acompanhou 84
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as transformações ocorridas na sociedade. Isso trouxe à tona novas perspectivas e novas necessidades, uma vez que “as transformações sociais, políticas, econômicas e culturais do mundo contemporâneo afetam os sistemas educacionais e os de ensino” (LIBÂNEO, 2010, p. 195). Sendo assim, o sistema educacional precisou adequar-se frente a esta realidade transformada. Libâneo (2010, p. 195) ainda reflete que a educação, mormente a escolar, precisa reciclar-se para assumir seu papel nesse contexto como agente de mudanças, geradora de conhecimento, formadora de sujeitos capacitados a intervir e atuar na sociedade de forma crítica e reflexiva.
A realidade vista por todos, porém, são governos pouco preocupados com a qualidade da educação escolar, o que torna as escolas em espaços sucateados e os docentes em profissionais desmotivados, pouco conscientes do papel ou da possibilidade de formação continuada. Libâneo (2010, p. 196) mais uma vez confirma, notando que
Lamentavelmente, nota-se que muitos professores não têm as habilidades, a motivação e os meios necessários para um ensino de qualidade, seja por falta de interesse, por se sentirem desmotivados, sobrecarregados ou devido à negligência dos órgãos gestores. Shor (1987, p. 38) confirma isso ao afirmar: O desgaste do professor e a resistência dos alunos fazem com que os professores se perguntem por que estão na educação... muitos professores ingressaram na profissão inspirados pelo bem que poderiam fazer, até mesmo como serviço público, buscando fazer com que seus estudantes experimentassem a alegria de aprender. Mas agora, mais do que nunca, os professores estão recebendo menos recompensas e mais dissabores.
Outrossim, Libâneo (2010, p. 196) transcende a realidade perceptível da sala de aula, colocando em pauta o descaso do governo: Os planejadores da educação brasileira atual, impregnados pela proposta neoliberal podem estar iludindo com seu utopismo tecnopedagógico. De certa forma alinhados com a crítica pós-moderna, tenderiam a considerar a Pedagogia corrente demasiadamente dedicada a objetivos humanistas mais do que ações concretas, isto é, a tarefas mais imediatas de desenvolvimento de um sistema educacional moderno. Resultaria daí a ideia de que o professor não precisa ser envolvido com teorias, com reflexão sobre sua prática, uma vez que seu trabalho requer sobretudo desempenho técnico, ou seja, ser capaz de dominar modos de fazer, técnicas didáticas, procedimentos; não precisa de teoria, precisa de oficinas.
Porém, o autor acrescenta que o diagnóstico supracitado é correto com relação ao despreparo dos professores, mas errado no que diz respeito às soluções, como explicitado em: [...] nossos professores nem sequer dispõem dos requisitos de formação geral, habilidades de raciocínio flexível, visão estratégica etc.[…]competências necessárias para dominar procedimentos tecnológicos. A atividade pedagógico-docente é um tipo de trabalho em que coexistem práticas marcadas pela precariedade profissional, pela improvisação. (LIBÂNEO, 2010, p. 197)
Comumente, percebe-se a indiferença das esferas educacionais gestoras, embasadas por um lado pelo discurso de formar cidadãos críticos, e, por outro, relegando a educação cada vez ao segundo plano. Sobre isso, Paulo Freire (1994, p. 27) menciona: Esta violência, como um processo, passa de geração a geração de opressores, que se vão fazendo legatários dela e formando-se no seu clima geral. Este clima cria nos opressores uma consciência fortemente possessiva. Possessiva do mundo e dos homens. Fora da posse direta, concreta, material, do mundo e dos homens, os opressores não se podem entender a si mesmos. Não podem ser. Deles como consciências necrófilas, diria Fromm que, sem esta posse, “perderiam el contacto con el mundo”. Daí que tendam a transformar tudo o que os cerca em objetos de seu domínio. A terra, os bens, a produção, a criação dos homens, os homens mesmos, o tempo em que estão os homens, tudo se reduz a objeto de seu comando.
Neste sentido, a educação acaba transformando-se em um processo de mera transmissão e assimilação. Em lugar de comunicar-se, o educador faz “comunicados” e depósitos que os educandos, meras incidências, recebem pacientemente, memorizam e repetem. Eis aí a concepção “bancária” da educação, em que a única margem de ação que se oferece aos educandos é a de receberem os depósitos, guardá-los e arquiFaculdade Educacional da Lapa - FAEL
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o descaso dos governos tem como consequência a baixa qualidade de ensino, na qual se opera um círculo vicioso em que a degradação do produto é, ao mesmo tempo, o ponto de partida e o resultado da desqualificação do educador escolar. Ou seja, a desqualificação da educação básica provoca a desvalorização econômica e social da profissão e, por sua vez, a desvalorização da prática docente. Consequentemente, provoca também o desprestigio acadêmico da área.
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vá-los. Margem para serem colecionadores ou fichadores das coisas que arquivam. No fundo, porém, os grandes arquivados são os homens, nesta (na melhor das hipóteses) equivocada concepção “bancária” da educação. Arquivados, porque, fora da busca, fora da práxis, os homens não podem ser. Educador e educandos se arquivam na medida em que, nesta distorcida visão da educação, não há criatividade, não há transformação, não há saber. Só existe saber na invenção, na reinvenção, na busca inquieta, impaciente, permanente, que os homens fazem no mundo, com o mundo e com os outros. Busca esperançosa também (FREIRE, 1994, p. 33).
Por outro lado, Freire (2001) declara que “O ser humano jamais para de educar-se”. Ademais, se o conhecimento daquilo que é ensinado e de como é ensinado são essenciais para um bom exercício docente, não se pode deixar para trás a seriedade de dar sentido à docência. Freire (2001) ainda aponta que o educador tanto pode saber o que ainda não sabe como pode saber melhor o que ele já sabe e isso apenas é possível se ele construir sua autonomia.
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Por sua vez, Libâneo (2010, p. 149) nos lembra que “O mundo contemporâneo não apenas se apresenta como sociedade pedagógica como pede ações pedagógicas mais definidas, implicando uma atuação que os profissionais da Pedagogia não estão capacitados a dar”. Desta maneira, verificou-se que a modernidade da sociedade contemporânea exige dos professores novas competências e nesse sentido o autor acrescenta que para o enfrentamento de exigências colocadas pelo mundo contemporâneo são requeridos novos objetivos, novas habilidades cognitivas, mais capacidade de pensamento abstratoe flexibilidade de raciocínio, capacidade de percepção de mudanças. Para tanto, repõe-se a necessidade formação geral e profissional implicando o repensar dos processos de aprendizagem e da forma do aprender a aprender, a familiarização com os meios de comunicação e o domínio da linguagem internacional, o desenvolvimento de competências comunicativas e capacidades criativas para análise de situações novas e cambiantes (LIBÂNEO 2010, p.151).
Similarmente, Freire (2002) menciona que “o professor que não leve a sério sua formação, que não estude, que não se esforce para estar à altura de sua tarefa não tem força moral para coordenar as atividades de sua classe”, ou seja é fundamental que o educador possa buscar novos conhecimentos modificando a si mesmo, à sua prática e, consequentemente, à realidade a sua volta.
4 A PRÁTICA REFLEXIVA E O EXERCÍCIO DOCENTE Muitos pesquisadores têm buscado reflexões mais profundas acerca da formação e atuação destes profissionais e esses estudos têm nos mostrado a importância da prática reflexiva do professor para seu desenvolvimento como docente. Neste sentido, Perrenoud (2002, p. 30) cita: [...] a prática reflexiva pode ser entendida, no sentido mais comum da palavra, como a reflexão acerca da situação, dos objetivos, dos meios, do lugar, das operações envolvidas, dos resultados provisórios, da evolução previsível do sistema de ação. Refletir durante a ação consiste em perguntar o que está acontecendo ou o que vai acontecer, o que podemos fazer o que devemos fazer, qual a melhor tática, que desvios ou precauções temos de tomar, que riscos corremos, etc.
O professor reflexivo pode transformar sua prática, visto que ele estará o tempo todo focado em si mesmo e em como pode transformar no dia a dia o ensino. Nessa lógica Perrenoud (2002 p. 121) destaca que quando visa à transformação das pessoas, de suas atitudes, de suas representações e de seus atos, a análise das práticas exige que todos realizem um trabalho concreto sobre si mesmos; ela exige tempo e esforços, expõe ao olhar alheio, estimula o questionamento e pode ser acompanhada de uma crise ou uma mudança de identidade.
Para tanto, o professor deve administrar sua própria formação continuada, pois “saber administrar sua formação contínua, hoje, é administrar bem mais do que saber escolher com discernimento entre diversos cursos em um catálogo” (PERRENOUD, 2000, cap. 10). Além disso, segundo o autor (Perrenoud, 2000, cap.10), administrar sua própria formação requer cinco principais componentes:
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Saber explicitar as próprias práticas;
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Estabelecer seu próprio balanço de competências e seu programa pessoal de formação contínua;
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Negociar um projeto de formação comum com os colegas (equipe, escola, rede); Faculdade Educacional da Lapa - FAEL
A prática reflexiva e formação continuada no desenvolvimento pessoal e profissional do professor (pedagogo) na educação básica
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Envolver-se em tarefas em escala de uma ordem de ensino ou do sistema educativo;
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Acolher a formação dos colegas e participar dela.
Outrossim, Perrenoud (2000) expõe que “uma vez construída, nenhuma competência permanece adquirida por simples inércia. Deve no mínimo, ser conservada por seu exercício regular...”, ou seja, o professor deve buscar constantemente a inovação e transformação de sua prática e aplicar os métodos aprendidos, para que ocorra o desenvolvimento profissional e pessoal. Em consonância a isso, Gómez (1995, p. 111) menciona:
Nesta perspectiva, Nóvoa (1995, p. 151) relata que “A formação não se constrói por acumulação [de cursos, de conhecimentos ou de técnicas], mas sim através de um trabalho de reflexividade crítica sobre as práticas e de (re)construção permanente de uma identidade pessoal”. Para isso, os educadores precisam tanto perceber a necessidade de reinventar suas práticas pedagógicas, como também, segundo Thurler (2002, p. 151) “reinventar suas relações profissionais com os colegas e a organização do trabalho no interior da escola”. Pode-se presumir, assim, que aqueles educadores capazes de analisar seu exercício docente conseguirão sobressair-se nas novas modalidades de formação continuada. Segundo Perrenoud (2002) “a prática reflexiva é uma fonte de aprendizagem e de regulação”, porém a análise da prática por si só não é suficiente, deve-se ter consciência do que se faz. Segundo o mesmo autor, a lucidez profissional consiste em saber igualmente quando se pode progredir pelos meios que a situação oferece (individualmente ou em grupo) e quando é mais econômico e rápido apelar para novos recursos de autoformação: leitura, consulta, acompanhamento de projeto, supervisão, pesquisa ação ou aportes estruturados de formadores, suscetíveis de propor novos saberes e novos dispositivos de ensino-aprendizagem (PERRENOUD, 2002, p. 163).
Além disso, uma prática pedagógica de sucesso visa À transformação das pessoas, de suas atitudes, de suas representações e de seus atos, a análise das práticas exige que todos realizem um trabalho concreto sobre si mesmos; ela exige tempo e esforços, expõe ao olhar alheio, estimula o questionamento e pode ser acompanhada de uma crise ou de uma mudança de identidade. Portanto, ninguém empreende esse caminho se não espera algum benefício; uma ajuda para se tornar mais perspicaz, eficaz, coerente ou em paz consigo mesmo; “encontrar seus limites”; fortalecer sua identidade ou seu equilíbrio (PERRENOUD, 2002, p. 28).
Ou seja, apenas analisar a prática não é um fim em si, mas um começo para o educador poder dominar sua vida profissional e, assim, sentir-se adaptado à nova realidade educacional, na esperança de que a mudança esperada seja simplificada pela elucidação das práticas e limites. Por sua vez, Gomèz menciona que a prática reflexiva depende do conhecimento implícito que o educador elabora na sua ação, salientando que a reflexão não é apenas um processo psicológico individual, passível de ser estudado a partir de esquemas formais, independentes do conteúdo, do contexto e das interações. A reflexão implica a imersão consciente do homem no mundo da sua experiência, um mundo carregado de conotações, valores, intercâmbios simbólicos, correspondências afetivas, interesses sociais e cenários políticos. O conhecimento acadêmico, teórico, cientifico ou técnico só pode ser considerado instrumento dos processos de reflexão se for integrado significativamente, não em parcelas, isoladas da memória semântica, mas em esquemas de pensamento mais genéricos ativados pelo individuo quando interpreta a realidade concreta em que vive e quando organiza a sua própria experiência (GOMÈZ, 1995, p. 103).
Por isso, o processo de reflexão na ação pedagógica é um componente salutar do processo ensino-aprendizagem. Gòmez (1995) também afirma que a partir do momento em que o professor reflete sobre sua ação transforma-se em um investigador na sala de aula, e elabora uma estratégia de ação adequada à sua realidade. Por Faculdade Educacional da Lapa - FAEL
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A prática como eixo do currículo de formação do professor deve permitir e provocar o desenvolvimento das capacidades e competências implícitas no conhecimento-na-ação, próprio desta atividade profissional; das capacidades, dos conhecimentos e atitudes em que assenta tanto a reflexão-na-ação, que analisa o conhecimento-na-ação, como a reflexão sobre a ação e sobre a reflexão-na-ação. Todas estas capacidades, conhecimentos e atitudes não dependem da assimilação do conhecimento acadêmico, mas sim da mobilização de um outro tipo de conhecimento produzido em diálogo com a situação real.
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sua vez, o pensamento prático do professor é de suma importância para que ocorra uma mudança dos programas de formação e para promover a qualidade do ensino sob uma ótica inovadora. Para Freire (1987), o professor deve pesquisar seu campo de ação para ver os resultados e os limites de suas intervenções, e então poderá descobrir até onde consegue ir ou se ultrapassou os limites. Isto posto, o professor precisa conscientizar-se de que é uma parte de um todo, e assim como a sociedade vem evoluindo com o passar dos anos, ele também deve buscar meios para sua evolução pessoal e profissional, e fará isso através na reflexão de sua ação, transformando o ambiente à sua volta e sendo transformado por ele; deve-se lembrar de que esse processo é contínuo e permanente, e principalmente que a qualidade da educação depende de sua prática.
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5 ESCOLA, GESTOR E EDUCAÇÃO CONTINUADA As escolas e seus gestores devem também contribuir na formação continuada dos professores, dando condições para que estes possam estar renovando sua prática continuamente com cursos de formação bem estruturados, os quais não apenas sejam transmissão de conhecimentos, mas principalmente um terreno fértil para debates e enfrentamentos dos problemas do cotidiano desses profissionais. Sendo assim, a prática tende a ser um processo de investigação na ação. Neste sentido, Pimenta (1999) ressalta que “a formação continuada, a par de ser feita na escola a partir dos saberes e experiências dos professores adquiridos na situação de trabalho”, em que deve haver interação entre as práticas formativas e os contextos de trabalho, e as escolas devem ser consideradas espaços para a inovação. Em razão disso, Libâneo (2010, p. 197) aponta: Se quisermos enfrentar as exigências do pós-industrialismo aliadas a formação do cidadão-crítico – formação geral e técnica ampla, pensamento abstrato e abrangente, flexibilidade intelectual, capacidade responder criativamente a situações novas etc. –, é preciso que os professores sejam preparados nos mesmos requisitos propostos aos alunos.
Neste pensamento, percebe-se a necessidade de investimento na formação dos professores, tanto a inicial quanto a continuada. Libâneo (2010 p. 198) reforça essa precisão quando defende que os professores não conseguem superar formas de ensino baseadas em exposições verbais e prescrições em boa parte desprovidas de qualquer sentido. Podem assumir esta ou aquela tendência pedagógica, podem intitular-se professores críticos, construtivistas, interdisciplinares, mas no dia-a-dia, tendem a ser maus veiculadores do que se espera que inculquem, resultado em muitas formas de resistência por parte dos alunos.
Para tanto, Garcia aponta exemplos de algumas necessidades que podem inspirar a estratégia de aperfeiçoamento de professores nos centros de formação permanente de professores: “Necessidades relativas aos alunos; necessidades relativas ao currículo, necessidades dos próprios professores, necessidades da escola” (GARCIA, 1995, p. 69). Ainda nessa perspectiva Schön (1995, p. 86) investiga que o desenvolvimento de uma prática reflexiva eficaz tem que integrar o contexto institucional... Os responsáveis escolares que queiram encorajar os professores a tornarem-se profissionais reflexivos devem tentar criar espaços de liberdade tranquila onde a reflexão-na-ação seja possível.
Por isso, é necessário, também, uma reflexão coletiva a respeito de toda a prática do sistema escolar. Sendo assim, Schön (1995) ressalta que “quando os professores e gestores trabalham em conjunto, tentando produzir o tipo de experiência educacional, a própria escola pode tornar-se uma prática reflexiva para os professores”. No entanto, Thurler (2002) afirma que as atuais modalidades pelas quais os sistemas escolares organizam a formação contínua dos professores mostram-se bastante ineficazes. Ainda que sejam complementados, na melhor das hipóteses, por algum tipo de acompanhamento, ainda que estejam inseridos em um projeto de formação coletiva no âmbito de um estabelecimento escolar ou de uma rede ampliada, esses dispositivos atuais restringem-se, na maioria das vezes, a algumas seções de formação, concentradas em três ou quatro dias, ou seis a oito jornadas 88
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A prática reflexiva e formação continuada no desenvolvimento pessoal e profissional do professor (pedagogo) na educação básica
parciais durante o ano escolar, e visam, quase que exclusivamente, à adoção por parte dos professores de modelos didático e pedagógicos pontuais e precisos que, ou não correspondem nem às suas prioridades, ou exigiriam um esforço, sustentando para evitar a mera “colagem” sobre práticas preexistentes.
Por sua vez, estes dispositivos de formação continuada não conseguem por si só fazer as transformações necessárias, visto que são baseados em transmissão de conhecimentos e não em análise de situações e problemas do cotidiano escolar e no incentivo à reflexão sobre a ação. Desta forma, segundo Thurler (2002), para que ocorra o processo de desenvolvimento escolar discente, como também o desenvolvimento profissional docente, é imprescindível: 22 obter os meios para melhor identificar e levar em consideração as conquistas e os recursos materiais e humanos existentes, em vez de reinventar a roda (criar redes); 22 conseguir comprometer o conjunto de atores envolvidos em uma exploração coletiva e cooperativa, fundada na análise e no desenvolvimento de práticas; O estabelecimento escolar só pode tornar-se um lugar onde a mudança é construída, coletiva e progressivamente, se os atores que dele fazem parte dispuserem de margens de manobra suficientes para conceber seu projeto e para inventar dispositivos suscetíveis de resolver os problemas encontrados. Essas margens de manobra, no início individuais (a autonomia de cada professor) e mais recentemente institucionais (autonomia do estabelecimento), devem ser coletivizadas para aumentar o poder de ação. Imediatamente, a responsabilidade individual, transforma-se em responsabilidade coletiva, e todos se veem diante da obrigação de prestar conta de sua ação a seus colegas, do mesmo modo que o estabelecimento deve prestar conta ao sistema de uso de sua autonomia relativa.
Em decorrência disso, os sistemas de ensino devem assegurar que a autonomia concedida às escolas não leve a redução da qualidade de formação. Sendo assim, as escolas que tem professores preparados para a incertezas e os conflitos existentes que vem com as mudanças das práticas, tem um desempenho melhor como também desenvolve competências coletivas, que reforçam as competências individuais das pessoas envolvidas nesses processos. Em contrapartida, para Perrenoud (2000, cap. 10), a gênese de um projeto de formação não pode, então, apoiar-se em hábitos de trabalho conjuntamente já construídos. É preciso que alguém tome a iniciativa e consiga convencer seus colegas de que seria interessante formular um projeto de formação comum no âmbito da instituição.
Além disso, Perrenoud (2000, cap.10) acredita que “uma formação comum, no estabelecimento, faz evoluir o conjunto do grupo, em condições mais próximas do que uns e outros vivem cotidianamente”. Todavia, a escola deve buscar elementos para enfrentar as exigências que a modernização da sociedade impõe a ela, e uma forma de fazer isso é preparar os professores para o exercício docente de qualidade, em que possam ser desenvolvidas as suas competências. Visto que, de acordo com Libâneo (2010), uma maior qualidade de ensino requer investimento prioritário na profissionalização dos professores, implicando formação pré serviço, e formação continuada no trabalho, salários dignos e plano de carreira... a revisão dos salários precisa ser acompanhada de programas de aperfeiçoamento profissional, conjugando o reforço dos conteúdos com o desenvolvimento da capacidade de reflexão sobre a prática na prática e novas metodologias de avaliação.
Ademais, é preciso melhorar a prática dos gestores nas escolas, que devem investir em processos democráticos de gestão, pois, como Libâneo (2010, p. 37) indica, “a qualidade de ensino requer uma garantia de uma unidade organizacional, pedagógica, curricular e metodológica e apoio ao trabalho do professor na sala de aula”, tarefas essas que pertencem ao governo, aos gestores, aos coordenadores pedagógicos, ou seja, o professor deve receber suporte quando ele se mostrar necessários. Uma forma de darem esse apoio é preparando o profissional docente para a modernidade, investindo em formação continuada e no desenvolvimento de habilidades contemporâneas para a sua prática em sala de aula, para que eles possam ser transformadores de seu processo de trabalho e possam também avaliar sua prática a partir reflexão. Além disto, Libâneo (2010, p. 201) complementa que Faculdade Educacional da Lapa - FAEL
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De acordo com isso, Thurler (2002, p. 90) acrescenta que
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é preciso melhorar as práticas de gestão da escola. A gestão do sistema de ensino e da escola envolve duas instâncias: uma de formulação de políticas, diretrizes e planos; outra, de viabilização operacional, dessas políticas no sistema de ensino e nas escolas [...] temos diretores de escola que não sabem não sabem administrar, supervisores de ensino que não conseguem orientar competentemente as escolas e os professores. Dirigente e dos sistemas de estaduais e municipais perderam o hábito do planejamento, dos planos e diretrizes e dos mecanismos de acompanhamento e avaliação.
Assim, as novas realidades do mundo contemporâneo exigem mudanças de todas as esferas educacionais, não basta apenas a boa vontade do professor para mudar se ele não tem o devido suporte tanto da gestão escolar, quanto do governo.
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Portanto, percebe-se que, para que haja o desenvolvimento profissional do educador, a formação continuada e a prática reflexiva são indispensáveis, e o gestor, assim como toda a esquipe administrativa (supervisores e coordenadores pedagógicos), deve estabelecer um ambiente autônomo para o docente, no qual tenha toda a equipe pedagógica como suporte. Assim, o professor pode desenvolver competências coletivas e grupo de formação coletivas no ambiente escolar, no qual poderão discutir situações e problemas, recriando e repensando sua prática contínua e permanentemente, lembrando que a sociedade está em constante mudança e que a escola deve estar preparada para receber os alunos oriundos dessas mudanças, para que os fins da educação atinjam seus objetivos, um ensino-aprendizagem de qualidade e formar cidadãos críticos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante do exposto, percebeu-se que a sociedade em constante transformação exige que a escola, professores e todo sistema educacional possam também estar se modificando em suas práticas. Ratifica-se a importância da prática reflexiva para que haja o desenvolvimento pessoal e profissional do professor (pedagogo), para o que faz-se necessário que o professor administre sua própria formação continuada. Vale ressaltar que a formação em questão, por sua vez, deve ser contínua e permanente, em que o docente possa refletir sobre sua ação, adequando-a, se necessário, e não apenas refletindo-a por refletir, sendo capaz de modificar-se a si mesmo e adicionar qualidade ao ensino-aprendizagem. Além disso, o professor deve ser perceptivo e atento às falhas decorrentes desse processo dinâmico, e corrigi-las quando necessário. Por sua vez, os gestores, supervisores e orientadores, devem incentivar e promover o diálogo entre os professores e o pessoal administrativo, criando na escola um ambiente de formação permanente. É fator indiscutível que as pessoas de modo geral não gostam de mudanças repentinas, resistem às novidades, têm dificuldade de adaptação, e por isso barreiras podem ser criadas nesse processo, mas cabe aos gestores das escolas perceberem as necessidades dos professores, proporcionando novas ideias, desenvolvendo programas para o incentivo de amenizar a carga da responsabilidade maçante que é despejada sobre eles, muitas vezes sem capacitá-los para a realidade das salas de aula e da sociedade contemporânea; por isso há este esforço em proporcionar um espaço educativo e de formação continua e permanente nas escolas. É necessário atentar-se que o objetivo da educação é formar, por meio de um ensino-aprendizagem de qualidade, cidadãos críticos e bem informados, e, portanto, é preciso preparar os docentes para tal tarefa. Por fim, conclui-se que a prática reflexiva e formação contínua expostas neste artigo são meios para o professor se aprimorar em sua prática, tornando possível um melhoramento do processo educativo.
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