Revista Vivências Educacionais - 7ª edição

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ISSN: 2526-0529

v.7 n.1 janeiro/junho 2021

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CONSELHO

Comissão Editorial Professor Doutor Allan Kardec Carlos Dias Professora Doutora Clélia Peretti Professora Doutora Elaine Turk Faria Professor Doutora Rosana Sohaila Teixeira Moreira Professora Doutora Maria Fani Scheibel Professor Doutor Paulo José da Costa Professora Doutora Valéria de Meira Albach

Comitê Científico Professora Mestra Ariadna de Oliveira Santos Professora Mestra Adriana Camila Machado da Rocha Professora Doutora Ana Cristina Zadra Valadares Professora Doutora Ana Maria Soek Professora Mestra Andrea do Carmo Bruel de Oliveira Professor Mestre Anizio Viana da Silva Professor Doutor Antonio José Fontoura Júnior Professora Mestra Caroline Subirá Pereira Professora Mestra Cassiana Fagundes da Silva Professora Mestra Claudia do Carmo de Stefani Professora Mestra Cristiane de Fátima Budek Dias Professor Doutor Cristiano Mello de Oliveira Professora Doutora Eliana Claudia Graciliano Professor Mestre Evandro Alberto Zatti Professora Doutora Fabiana Alves Mourão Professor Doutor Flávio Alves Pozzi Professor Doutor Flávio Miranda Marteleto Professora Mestra Franciele Cristina Manosso Professor Mestre Gilmar Dias Professor Doutor Guilherme Augusto Pianezzer Professor Mestre Guilherme Fonseca de Oliveira Professor Mestre Joel Pereira Munhoz Júnior


Professor Doutor José Carlos Mariano do Carmo Professora Mestra Karen Cristine Uaska dos Santos Couceiro Professora Doutora Liliam Maria Born Martinelli Professora Doutora Lorena Zomer Professora Mestra Lorete kossowski Mocelin Professor Doutor Luiz Alberto Vivan Professora Doutora Marcia Regina Mocelin Professor Mestre Marcio Francisco Rodrigues Filho Professora Mestra Maria Luiza Sobreira de Oliveira Professora Mestra Marjulie Merini Alberton Professora Mestra Mirian Ramos Marques Pimentel Professora Mestra Mônica Cristiane David Professora Mestra Noeli Pinto Steklain Professora Mestra Patricia Vicente Dutra Professora Mestra Priscila Mossato Rodrigues Barbosa Professor Mestre Rafael Gemin Vidal Professor Doutor Rafael Schilling Fuck Professora Mestra Renata Christovão Bottino Professor Doutor Renato Mauro Richter Professora Mestra Rita de Cássia Turmann Tuchinski Professora Mestra Rosana Schwansee Romanó Professora Doutora Silvana Elisa de Morais Schubert Professora Mestra Susana Pitol Guasti Professor Mestre Sweder Souza Professora Doutora Taísa da Motta Oliveira Professor Mestre Thiago Burda Mayer Professora Doutora Veridiana Almeida


DADOS CATALOGRÁFICOS

Ficha Catalográfica elaborada pela Fael. V857

Vivências Educacionais / Faculdade Educacional da Lapa v.7, n.1 (jan.- jun. 2021) Lapa: Fael, 2021 Semestral ISSN: 2526-0529 1. Ensino Superior 2. Formação 3. Educação a distância 4. Gestão CDD 370

Direitos desta edição reservados à Fael. É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Fael.

Diretores Diretoria Executiva Diretoria Operacional Diretoria Acadêmica

Luiz Borges da Silveira Filho Marcelo Antonio Aguilar Francisco Carlos Sardo

Editora Fael Diretoria de Inovação, Desenvolvimento e Qualidade Coordenação Editorial

Valmera Fátima Simoni Ciampi Angela Krainski Dallabona

Projeto Gráfico

Evelyn Caroline Betim Araujo

Arte-Final

Evelyn Caroline Betim Araujo

Capa Revisão Infraestrutura TI

Rafael Luis Blanski de Menezes Editora Coletânea Alexssandro Domingues de Lima Claudio Ney Lins Goslar



APRESENTAÇÃO

A Revista Vivências Educacionais apresenta seu sétimo volume e segue com o desafio de documentar as experiências de docentes e discentes externos e dos cursos da FAEL para todo o País. Amparada pelos grupos de pesquisa: Cultura, cidadania, tecnologia e aprendizagem, vinculado à área de ciências humanas; e Estratégia, sustentabilidade organizacional e empreendedorismo, vinculado à área de gestão, apresenta abrangência e pertinência com temas que dialogam com diversos aspectos da realidade brasileira. Vale destacar que a Revista conta com duas equipes de grande importância: a Comissão Científica, formada pelos docentes da FAEL, e o Comitê Editorial, formado por professores doutores de instituições externas, que são responsáveis pela avaliação e aprovação/reprovação dos artigos que serão publicados na Revista Vivências Educacionais. Neste volume, temos o prazer de apresentar a vocês, caros leitores, artigos com temas vastos. Temos certeza de que o leitor encontrará aqui diversas informações que, certamente, contribuirão para a sua formação pessoal e profissional. A Comissão Editorial se orgulha de apresentar mais essa produção intelectual da FAEL. Desejamos-lhes uma ótima leitura e boas vivências educacionais!

Comissão Editorial

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO................................................................................................................................................... 5 A CAPOEIRA COMO MEIO DE DIFUSÃO DA CULTURA AFRO-BRASILEIRA NAS AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA............................................................................... 9 VIDAL, Rafael Gemin A PROBLEMÁTICA HISTORIOGRÁFICA NO ROMANCE CONSPIRAÇÃO BARROCA, DE RUY REIS TAPIOCA..................................................................................... 15 OLIVEIRA, Cristiano Mello de COMPREENDER QUALIDADE EM EDUCAÇÃO............................................................................................. 27 MOREIRA, Célia GOUVEIA, João DO CONCEITO DE INOVAÇÃO PEDAGÓGICA.............................................................................................. 36 MARQUES, Helena GONÇALVES, Daniela ENSINO A DISTÂNCIA VERSUS ENSINO REMOTO, CONTEXTO HISTÓRICO, BASES LEGAIS E DIFERENÇAS NA APLICAÇÃO: UMA REVISÃO CRÍTICA.............................................. 45 PEDROZA, Karine MATOS, Mara Eli de ENSINO DE LIBRAS NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL COMO FERRAMENTA DE INCLUSÃO................................................................ 52 SILVA, Yara Oneida Reis da ESTRATÉGIAS PARA MAXIMIZAR A APRENDIZAGEM POR MEIO DOS FÓRUNS DE DISCUSSÃO EM EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA....................................................... 62 MARTELETO, Flávio Miranda VEIGA, Edicléa PERFIL DOS ESTUDANTES DO CURSO DE LICENCIATURA EM GEOGRAFIA DA FAEL NA MODALIDADE DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA (EAD).................................... 72 MOURÃO, Fabiana Alves KUKOLJ, Monika Christina Portella Garcia Faculdade Educacional da Lapa - FAEL

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SUMÁRIO

PERFIL DE COMPETÊNCIAS DE UM SUPERVISOR: UM ESTUDO DE CASO EM EQUIPAS EDUCATIVAS..................................................................................... 82 CRAVEIRO, Clara LARANJEIRA, Carla PROPOSTA PARA A REDUÇÃO DO CONSUMO DE PAPEL A4 NA ANÁLISE E EXECUÇÃO DOS PROCESSOS DE PROGRAMAÇÃO DE FÉRIAS DO IFPA A PARTIR DA UTILIZAÇÃO DO MASP: UM ESTUDO DE CASO.................................................................. 95 MALCHER, Danielle de Cássia da Silva SANTOS, Margarete UM OLHAR INTERTEXTUAL NA OBRA O CHALAÇA, DE JOSÉ ROBERTO TORERO..................................................................................................110 PASQUAL, Camila Marcelina

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VIDAL, Rafael Gemin

RESUMO O presente estudo apresenta como objetivo uma discussão sobre o uso da capoeira como meio de difusão da cultura afro-brasileira, utilizando-se da prática esportiva como meio interdisciplinar, relacionando-se com a história, sociologia e filosofia. Trata-se de uma pesquisa aplicada, qualitativa, descritiva e de campo. A amostra do tipo não probabilística intencional foi composta por 30 alunos do 6º ano do ensino fundamental, sendo 17 do sexo feminino e 13 do sexo masculino, com idade média de 11,87±1,12 anos. A proposta de trabalho teve como finalidade desenvolver conteúdos teóricos e práticos da capoeira, nas aulas de educação física, com as turmas do 6º ano do ensino fundamental, no sentido de dinamizar as aulas da disciplina e também garantir a visibilização da cultura afro-brasileira. As atividades foram desenvolvidas com uma frequência semanal de três dias, e cada encontro teve duração de uma hora, durante cinco semanas, totalizando 15 horas ao decorrer do projeto. Como instrumento para coleta de dados, utilizou-se a observação participante, explorada através de um diário de campo. A prática utilizada neste estudo apresentou importantes inferências quando o assunto é a ligação percebida entre a capoeira, a cultura afro-brasileira e suas relações com as relações sociais apresentadas pela comunidade. O despertar do interesse pela vivência prática de uma modalidade pouco difundida nas aulas de educação física escolar fez com que os participantes fossem protagonistas de ricas discussões relacionadas a temas que mantêm sua atualidade desde sua origem na escravidão. Palavras-chave: Cultura afro-brasileira; Capoeira; Educação física escolar; Discriminação racial.

ABSTRACT The present study aims to use capoeira as a means of disseminating Afro-Brazilian culture in physical education classes, using sports as an interdisciplinary means relating to history, sociology and philosophy. It is an applied, qualitative, descriptive and field research. The intentional non-probabilistic sample consisted of 30 students in the sixth year of elementary school, 17 of whom were female and 13 were male, with an average age of 11.87 ± 1.12 years. The purpose of the work proposal was to develop theoretical and practical content of capoeira, in physical education classes, with the classes of the 6th year of elementary school, in order to streamline physical education classes and also ensure the visibility of Afro-Brazilian culture. The activities were developed with a weekly frequency of three days, where each meeting lasted one hour, for five weeks, totaling 15 hours during the project. As an instrument for data collection, participant observation was used, explored through a field diary. The practice used in this study showed important inferences when it comes to the perceived connection between capoeira, Afro-Brazilian culture and its relations with the social relations presented by the community. The awakening of interest in the practical experience of a modality that is not very widespread in school physical education classes made the participants protagonists of rich discussions related to themes that maintain their relevance, since their origin in slavery. Keywords: Afro-Brazilian culture; Capoeira; School physical education; Racial discrimination. Revista Vivências Educacionais

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A Capoeira como Meio de Difusão da Cultura Afro-Brasileira nas Aulas de Educação Física


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INTRODUÇÃO Para entender melhor este trabalho, devemos saber o que é a cultura afro-brasileira. Segundo Vidor e Sousa Reis (2013), ela pode ser denominada como um conjunto de manifestações culturais que ocorreram no país, que foram alteradas ou influenciadas pela cultura vinda da África, podendo ter acontecido desde a época do Brasil Colônia ou até mesmo nos dias de hoje. Com essa base, sabe-se, assim, que a capoeira faz parte deste grupo cultural afro-brasileiro e é de origem escrava, mas, para Lussac e Tubino (2009), a origem exata não pode ser dada. São apresentadas hipóteses, no entanto, algumas são tendenciosas ou até mesmo romantizam o seu início com uma história controversa. Fontoura e Azevedo Guimarães (2002) afirmam que grande parte da documentação da época da escravatura foi queimada a mando de Ruy Barbosa, que era o ministro da Fazenda durante o governo de 1890, de Deodoro da Fonseca.

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Apesar de sua origem específica não ser certa, os indícios são de que a capoeira tem sua origem na África e que o começo de sua prática aconteceu durante a escravidão que ocorreu no Brasil. Entretanto, não é algo simples, sendo carregada de uma vasta história. Ela pode ser chamada de “esporte brasileiro” ou “arte marcial brasileira”, pois se trata de uma forma de expressão, misturando a dança e a luta, fato que justifica o porquê é considerada um patrimônio cultural afro-brasileiro. A capoeira é, portanto, uma manifestação criada pelos escravizados que era usada para se defender da opressão, feita fisicamente ou em sua cultura, onde, no seu universo, existem vários elementos importantes, como a música, a religião, a capacidade física e outras peculiaridades que a diferencia de outras práticas, podendo ser considerada uma luta, jogo e dança (MELLO, 2002). A capoeira, assim como as demais lutas, é prevista como conteúdo estruturante da educação física escolar segundo a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Sua prática deve ser trabalhada em um contexto interdisciplinar sobre aspectos físicos, histórico e social (BRASIL, 2017). Lançanova (2007) ressalta que as lutas, como um ramo da educação física escolar, reúnem um conjunto de conhecimentos e oportunidades que contribuem para o desenvolvimento integral do educando. Se considerado o seu potencial pedagógico, é um instrumento de enorme valor nas mãos do educador por sua ação corporal exclusiva, sua natureza histórica e o rico acervo cultural que traz dos seus povos de origem. Uma maneira eficiente, dinâmica e interdisciplinar de trabalhar o conteúdo de lutas está na relação que elas têm no decorrer da história da humanidade e no desenvolvimento da arte. Adotar contextos históricos para reproduzir acontecimentos marcantes, sendo, para tal, desenvolvido material artístico, como cenário, armas e vestimentas, dentro dos contextos de luta pela sobrevivência (comida, luta com animais), luta territorial (guerras) e até mesmo as lutas sociais (por ideais), torna a visão dos alunos e da sociedade perante as lutas uma maneira atrativa de desenvolvimento físico, psicológico e social. Apresentada a importância histórica da capoeira e sua introdução no ambiente escolar, pode-se afirmar que a sua difusão na sociedade seja benéfica, agregando aqueles que a conhecem como uma nova prática esportiva ou como conhecimento sobre a cultura afro-brasileira, destacando que 53,92% da população brasileira que é composta de negros e pardos. Na mídia televisiva e em redes sociais, é comum o aparecimento de casos revoltantes de discriminação racial contra pessoas negras. Esse preconceito, na sociedade atual, em que mais da metade da população brasileira é parda e preta, é inadmissível. Dados apontam que, entre jovens brancos de 15 a 29 anos, são assassinados 34 a cada 100 mil habitantes, e já entre pretos e pardos, esse número sobe para 98,5, quase o triplo. Essa diferença gritante entre um e outro ocorre devido a anos de preconceito presente na sociedade e de uma desigualdade social (OLIVEIRA; TORRES; TORRES, 2018). Frente a essa realidade, devem ser tomadas medidas que mudem e melhorem a vida dessas pessoas. Uma das melhores formas de fazer isso é através da educação, pois, através dela, novas perspectivas são abertas, abrindo o entendimento sobre uma sociedade que deve ser construída com justiça e igualdade. O meio que se buscou usar para lidar com essa temática foi a capoeira na educação física escolar por causa da gama de benefícios que ela apresenta ao aluno. 10

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A capoeira, além de trazer as lutas e a dança para dentro da educação física, algo deixado para trás e não trabalhado por muitos professores, também apresenta o conhecimento de uma cultura que deve ter seu destaque frente à riqueza de informações. Com o aprofundamento na parte histórica durante a prática da capoeira, consegue-se fixar melhor o conteúdo, além de aprender sobre uma cultura nova que o aluno vivencia, apresentando, assim, uma noção maior da capoeira (FALCÃO, 2015). A educação física pode ser e é mais que a simples prática esportiva, ela tem muitos outros pontos positivos a agregar que podem ser devidamente explorados, ganhando, assim, seu espaço na comunidade científica e mostrando seus valores à sociedade como um todo. Frente ao exposto, o presente estudo apresenta como objetivo uma discussão sobre o uso da capoeira como meio de difusão da cultura afro-brasileira, utilizando-se da prática esportiva como meio interdisciplinar, relacionando-se com a história, a sociologia e a filosofia.

MATERIAL E MÉTODOS

A pesquisa foi aplicada em uma escola da rede municipal de ensino do município de Canoinhas, em Santa Catarina. A população da pesquisa foi composta por alunos de uma escola da rede municipal de ensino do município de Canoinhas. A amostra do tipo não probabilística intencional foi composta por 30 alunos do 6º ano do ensino fundamental, sendo 17 do sexo feminino e 13 do sexo masculino, com idade média de 11,87±1,12 anos. A proposta de trabalho teve como finalidade desenvolver conteúdos teóricos e práticos da capoeira, nas aulas de educação física, com as turmas do 6º ano do ensino fundamental, no sentido de dinamizar as aulas de educação física e também garantir a visibilização da cultura afro-brasileira. As atividades foram desenvolvidas com uma frequência semanal de três dias, e cada encontro teve duração de uma hora, durante cinco semanas, totalizando 15 horas ao decorrer do projeto. Para responder ao objetivo da pesquisa, as atividades foram executadas em dois momentos: atividade teórica, em que foram apresentadas informações sobre a história da capoeira e sua evolução até os dias atuais; e, no segundo momento, a prática da atividade física em que os alunos vivenciaram essa cultura corporal através dos movimentos da capoeira com o intuito de desenvolver as habilidades motoras e também atividades referentes à musicalidade como cânticos e utilização de instrumentos. O planejamento de execução de conteúdos está exposto no Quadro 1, desenvolvido com base no estudo de Kerber e Almeida (2018). Quadro 1 – Desenvolvimento dos conteúdos relacionados à prática da capoeira

Momento 1º 2º 3º 4º 5º 6º 7º 8º

Conteúdo Teórico História da capoeira Escravidão Quilombos Libertação dos negros escravizados Mestre Bimba e Mestre Pastinha Evolução da capoeira Luta, dança ou arte Roda de capoeira

Conteúdo Prático Roda e ginga Ginga e defesa Ritmos e cânticos Movimentos de ataque Continuação dos movimentos de ataque Circuito de habilidades motoras com movimentos da capoeira Musicalização com instrumentos musicais

Fonte: Kerber e Almeida (2018). Faculdade Educacional da Lapa – FAEL

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Trata-se de uma pesquisa aplicada, qualitativa, descritiva e de campo. Segundo Gil (2008), a pesquisa aplicada visa gerar conhecimentos para problemas específicos, como os destinados por esse projeto. O enquadramento como pesquisa descritiva e de campo se dá pelo fato de o estudo desenvolver a temática da capoeira no âmbito escolar, proporcionando relação entre as variáveis da prática esportiva e cultural.


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Devido ao tamanho da população envolvida e à natureza comportamental e social dos fenômenos estudados, de difícil objetivação e avaliação, optou-se pela adoção de um instrumento qualitativo de aferição de resultados. A observação refere-se a uma estratégia básica e fundamental de pesquisa, tendo em conta que o próprio método experimental tradicionalmente se utiliza dela. Existem diferentes modalidades de observação, variando conforme seu nível de estruturação, envolvendo maior ou menor participação do pesquisador, possibilitando diferentes arranjos conforme objeto e estudo. No caso em questão, optou-se por uma postura participante, uma vez que o pesquisador ocupa também o lugar de aplicador do projeto de capoeira, em contato direto com o grupo e os sujeitos envolvidos e, ainda, por um baixo nível de estruturação da observação, definindo focos de atenção em termos de comportamentos individuais, atitudes sociais e relações grupais e interpessoais ao longo do desenvolvimento do programa. Em termos de registro de informações, nesse período, adotou-se uma técnica de “diário de campo”, anotando atitudes e comportamentos, com foco individual e grupal, assim como a relação social entre os participantes da pesquisa e deles com o instrutor/pesquisador. O diário foi transcrito pelo próprio pesquisador imediatamente após o término de cada sessão do projeto de capoeira.

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Após a aplicação do projeto e o levantamento de dados realizado através do diário de campo, uma análise qualitativa dos textos foi realizada, destacando pontos positivos e negativos do desenvolvimento do projeto. Aos indivíduos que aceitaram participar deste estudo, foi dada uma explicação verbal sobre os objetivos da pesquisa, bem como um esclarecimento sobre todos os procedimentos que seriam realizados, dando-lhes total liberdade e resguardando o sigilo das suas respostas, da sua identidade, assim como a privacidade do seu anonimato. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi entregue em duas vias, assinado tanto pelo pesquisador quanto pelos responsáveis dos colaboradores, firmando, assim, o vínculo ético necessário para a realização desta pesquisa. A metodologia proposta foi formulada respeitando as resoluções 466/12 do Conselho Nacional de Saúde e aplicado após ser aprovado pelo Núcleo de Ética e Bioética do Centro Universitário Vale do Iguaçu – Uniguaçu sob o protocolo 2020/054.

RESULTADOS E DISCUSSÃO A realização desta atividade, cujo objetivo foi incluir uma discussão sobre o uso da capoeira como meio de difusão da cultura afro-brasileira em escolares do 6º ano do ensino fundamental em uma escola no município de Canoinhas (SC), foi bastante significativa. Primeiramente, inferimos que, por meio da capoeira, é possível implementar um ambiente favorável ao entendimento da cultura afro-brasileira e, mais do que isso, aprofundar a temática racial, debatendo preconceitos e injustiças. Segundo a filosofia da capoeira, à luz de atividades teóricas e práticas, são possibilitados aprendizados para a vida. Referente ao projeto, pode-se dizer que os jovens apresentaram evolução técnica, social e afetiva no decorrer das aulas. A fase inicial contou com grande empolgação dos alunos, sobretudo para a parte prática. O objetivo inicial foi embasar o surgimento da capoeira, fato que culminou na curiosidade dos participantes. A capoeira, em si, tem mitos diferentes a respeito do seu surgimento, e eles são três: um que diz que a capoeira foi trazida da África Central por africanos e permaneceu aqui intacta, outro diz que ela foi criada aqui nos por escravizados dos quilombos, e o último diz que foi criada por indígenas e, por isso, a capoeira é chamada assim, devido à palavra indígena que significa “mato ralo” (IPHAN, 2008). As três hipóteses apresentadas anteriormente ainda geram dúvidas, porém estudos dizem que há danças guerreiras similares à capoeira na África Central. No entanto, não se pode excluir o fator da mudança que sofreu em solo brasileiro. Nos centros urbanos, acredita-se que a capoeira se desenvolveu mais com base na parte que foi trazida da África. A questão indígena é algo que não há como provar, não há relatos de indígenas a respeito disso e nem documentações. A própria capoeira é algo difícil de conhecer a origem exata, uma vez que ela se desenvolveu em muitos lugares simultaneamente e sua origem é incerta (IPHAN, 2008). Estudos históricos dizem que o início da capoeira, aqui no Brasil, acontece devido a inúmeros casos de injustiça social vinda da enorme violência sofrida pelos escravizados. Sendo assim, por causa disso, foi surgindo 12

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de uma maneira escondida, camuflada e quase imperceptível de criação e, hoje, ela é uma das maiores manifestações culturais (FALCÃO, 2015). A abordagem da origem da capoeira implementou, no ambiente educacional, a reflexão sobre as condições vividas pelos negros na época da escravidão, gerando ricas discussões sobre como as injustiças raciais e sociais estão presentes até os dias atuais. Exemplos não faltaram. Esse momento foi oportuno para conceitualizar características da sociedade que nutrem a desigualdade.

Sendo assim, é considerado preconceito racial uma disposição ou atitude negativa direcionada culturalmente aos membros de um grupo, estigmatizados pela forma como são fisicamente ou pela sua origem, sua etnia. Quando esse preconceito é mais voltado para a aparência da pessoa, seus traços físicos, fisionomia, o gestual, modo de falar, trata-se, portanto, de um preconceito de marca, e quando se deve à etnia, em si, do indivíduo, de onde ele vem, denomina-se, assim, preconceito de origem (NOGUEIRA, 2007). Já engajados sobre a temática da origem da capoeira, e vivenciados os gestos característicos de sua prática, como a ginga, a roda, os movimentos de ataque e de defesa, foram apresentados os instrumentos e sons que compõem a luta (ou dança). O contato com os instrumentos despertou curiosidade e momentos de maior participação. Esse momento foi utilizado para relacionar a origem e o significado de cada um. A roda de capoeira começa com o som do berimbau, e todos se agrupam em círculo, logo após começa o som de outros berimbaus, a viola e a violinha com o seu som mais agudo. Então, começa o atabaque com som pesado, e aí o agogô, o reco-reco, o pandeiro e o ganzá, aí está feito o início de uma roda de capoeira (ADORNO, 2010). O berimbau é o carro-chefe dos instrumentos da capoeira, ele é o protagonista, podendo, assim, trabalhar sozinho ou junto com outros instrumentos. No entanto, ele não foi feito somente para a capoeira, já era conhecido em festas afro-brasileiras e nas rodas de samba, como, às vezes, ainda se vê (TAVARES, 2018). Por revelar fatos históricos que marcaram uma época, a capoeira como educação física pode ser considerada uma atividade transformadora. Através da musicalidade, dos movimentos, dos cantos, a capoeira como educação física pode transmitir aspectos marcantes da sociedade brasileira, como as preferências dos negros, seus romances, trabalhos, crenças, amigos e inimigos, costumes, sofrimentos, características notáveis em suas cantigas. A capoeira vem sendo valorizada e ocupando vagarosamente o seu espaço em várias partes da sociedade pelas suas características próprias e fixas de harmonia de movimento e beleza de uma roda de capoeira. Dá-se a entender que há outras coisas que entrelaçam a capoeira ao ambiente escolar por ser uma atividade brasileira bem ajustada aos alunos, por ser uma manifestação popular cheia de movimentos e música, com muita cultura e bastante difundida na sociedade brasileira (CAMPOS, 2010). Para Reis (2001), a capoeira provavelmente é um dos caminhos para a total democratização da escola. A capoeira se apresenta como algo importante para uma formação completa de um aluno porque desenvolve o físico, o caráter, a personalidade e proporciona mudanças de comportamento, além do aumento do autoconhecimento e da habilidade de analisar melhor os seus limites e capacidades (CAMPOS, 2010).

CONSIDERAÇÕES FINAIS A prática utilizada neste estudo apresentou importantes inferências quando o assunto é a ligação percebida entre a capoeira, a cultura afro-brasileira e suas relações com as relações sociais apresentadas pela comunidade. Faculdade Educacional da Lapa – FAEL

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Para Guimarães (2017), nós recebemos da cultura grega e da cristã a polaridade do branco e do preto como um sendo algo puro e outro infernal. O véu negro de Teseu foi símbolo de derrota, quando usou o branco, foi a vitória, quando há eleitos no cristianismo, eles vestem roupas brancas, pois as negras são do diabo. Isso é presente até mesmo em jogos de cartas e quase ninguém percebe. Sem perceber essa visão de que negro é algo negativo, ligado a algo ruim, como a morte, trevas, pecado e coisas do tipo, acaba-se colocando uma visão no povo de pele negra, os africanos, como se um povo tivesse a sua pele amaldiçoada.


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O despertar do interesse pela vivência prática de uma modalidade pouco difundida nas aulas de educação física escolar fez com que os participantes fossem protagonistas de ricas discussões relacionadas a temas que mantêm sua atualidade desde sua origem na escravidão. Decerto, não é fácil, no mundo demarcado pela desigualdade e discriminação racial, implementar programas que debatam o assunto. Todavia, a educação se mostra como a melhor vertente para mudar a sociedade, sendo a educação física parte da formação integral do aluno, apresentando a capoeira como ferramenta no debate da cultura afro-brasileira.

REFERÊNCIAS ADORNO, C. A arte da capoeira. Copyright. 2010. BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular: A educação é a base. Brasília, 2017. CAMPOS, H. J. B. C. de. Capoeira na escola. Salvador: EDUFBA. 2010.

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FALCÃO, J. L. C. O jogo da capoeira em jogo e a construção da práxis capoeirana. 2015. FONTOURA, A. R. R; AZEVEDO GUIMARÃES, A. C. História da capoeira. Journal of Physical Education, v. 13, n. 2, p. 141-150, 2002. GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. ed. São Paulo: Editora Atlas SA, 2008. GUIMARÃES, A. S. A. Preconceito racial: modos, temas e tempos. São Paulo: Cortez Editora, 2017. INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL (IPHAN). Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira. Brasília, 2008. KERBER, C; ALMEIDA, A. C. S. Arte na Escola: caminhos. São Paulo: LiberArs, 2018. LANÇANOVA, J. E. D. S. Lutas na educação física escolar: alternativas pedagógicas. São Paulo: Ática, 2007. LUSSAC, R. M. P.; TUBINO, M. J. G. Capoeira: a história e trajetória de um patrimônio cultural do Brasil. Journal of Physical Education, v. 20, n. 1, p. 7-16, 2009. MELLO, A. D. S. A história da capoeira: pressuposto para uma abordagem na perspectiva da cultura corporal. In: VIII Congresso Brasileiro de História da Educação Física, Esporte, Lazer e Dança, 2002. NOGUEIRA, O. Preconceito racial de marca e preconceito racial de origem: sugestão de um quadro de referência para a interpretação do material sobre relações raciais no Brasil. Tempo social, v. 19, n. 1, p. 287-308, 2007. OLIVEIRA, C. B. F.; TORRES, E. N. S.; TORRES, O. Vidas negras: Um panorama sobre os dados de encarceramento e homicídios de jovens negros no Brasil. Revista Trama Interdisciplinar, v. 9, n. 1, p. 86-106, 2018. REIS, A. L. T. Educação física & capoeira: saúde e qualidade de vida. Brasília: Thesaurus Editora, 2001. TAVARES, L. C. V. O corpo que ginga, jogo e luta: a corporeidade na capoeira. 2018. VIDOR, E.; DE SOUSA REIS, L. V. Capoeira: uma herança cultural afro-brasileira. São Paulo: Selo Negro, 2013.

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OLIVEIRA, Cristiano Mello de1

RESUMO O presente artigo realiza uma leitura dos trechos que comportam características da história tida como problema no romance Conspiração Barroca, de Ruy Reis Tapioca. Ao longo das considerações, pretendemos averiguar como se instrumentaliza o escritor baiano para manejar alguns componentes históricos marcantes no enredo do romance em questão. A contribuição maior desta investigação é comprovar que o Novo Romance Histórico Brasileiro também se utiliza de estratégias da história-problema, objetivando interrogar os procedimentos da historiografia praticada pelos historiadores factuais. Ao longo das 332 páginas, é possível averiguarmos uma voz que resgata os episódios da Inconfidência Mineira de forma problemática, evidenciando as relações polêmicas travadas pela História oficial. Em linhas gerais, o enredo se ambienta geograficamente nas cidades mineiras e narra a vida das figuras históricas de Aleijadinho e Tiradentes, as ideias dos enciclopedistas iluministas, a questão do ciclo do ouro em Minas Gerais, a saga da Inconfidência Mineira (1785-1789), a vida dos mentores da Inconfidência. Como lastro teórico, cada qual ao seu modo, dialogaremos com os autores: Nietzsche (1874); Doblin (2006); Weinhardt (1994); Burke (1990), entre outros para a contemplação do tema. Palavras-chave: Novo Romance Histórico Brasileiro; Problemática historiográfica; Conspiração Barroca, Ruy Reis Tapioca.

ABSTRACT This article intends to carry out a reading of the excerpts that contain characteristics of the story considered as a problem in the historical novel Conspiração Barroca, by Ruy Reis Tapioca. Throughout the considerations, we intend to investigate how the Bahian writer is used to handle some important historical components in the plot of the aforementioned novel. The greatest contribution of this investigation is to prove that the New Brazilian Historical Novel also uses problem-history strategies, aiming to interrogate the historiography procedures practiced by factual historians. Over the 332 pages, it is possible to discover a voice that rescues the episodes of the Inconfidência Mineira in a problematic way, highlighting the controversial relations held by official History. In general terms, the plot is geographically set in the cities of Minas Gerais and narrates the life of historical figures of Aleijadinho and Tiradentes, the ideas of encyclopedists, the issue of the gold cycle in Minas Gerais, the saga of the Inconfidência Mineira (1785-1789), the life of the Inconfidência mentors. As a theoretical basis, each in its own way, we will dialogue with the authors: Nietzsche (1874); Doblin (2006); Weinhardt (1994); Burke (1990), among others for the contemplation of the theme. Keywords: New Brazilian Historical Romance; Historiographical problems; Baroque Conspiracy, Ruy Reis Tapioca. 1

Professor da área de Humanas da Faculdade Educacional da Lapa. Sob supervisão do Prof. Dr. Godofredo de Oliveira Neto, é pós-doutorando em Letras Vernáculas pela UFRJ. Doutor em Literaturas pela Universidade Federal de Santa Catarina. Sob orientação da Profa. Dra. Zulmira Santos, realizou estágio PDSE-Capes na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Portugal. E-mail do autor: crisliteratura@yahoo.com

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ISSN: 2526-0529 | v.7 n.1

A Problemática Historiográfica no Romance Conspiração Barroca, de Ruy Reis Tapioca


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INTRODUÇÃO O presente artigo realiza uma análise acerca da identificação dos trechos que comportam algumas características da história tida como problema2 no romance Conspiração Barroca, de Ruy Reis Tapioca. Ao longo das considerações, pretendemos averiguar como se instrumentaliza o escritor baiano para manejar alguns componentes históricos marcantes no enredo do romance em questão. A contribuição maior desta investigação é comprovar que o Novo Romance Histórico Brasileiro também se utiliza de estratégias estilísticas para compor uma história questionadora (ligada ao fazer histórico), objetivando interrogar os procedimentos da historiografia praticada pelos historiadores factuais. Começamos este texto observando algumas partes estruturantes do romance histórico analisado para buscar compreender como são organizadas as diferentes versões problematizadas da história da Inconfidência Mineira. Antes de iniciarmos a nossa abordagem, algumas questões orquestram a nossa problemática, apontando em que medida este estudo desdobra outras possíveis indagações para os futuros pesquisadores interessados. São elas: será que Ruy Tapioca tinha conhecimento das ideias dos historiadores que propagavam o conceito de história-problema e agiu de forma deliberada? Como o professor de História pode trabalhar o romance Conspiração Barroca levando os alunos a pensarem nas diversas formas de produção do discurso historiográfico? Quais são os elementos linguísticos e estilísticos utilizados por Tapioca para forjar uma história-problema? Como as versões da Inconfidência Mineira foram estilizadas literariamente e poeticamente na prosa do autor baiano? Enfim, é através dessas questões mobilizadoras que movimentaremos a evolução do artigo, respondendo-as, na medida do possível, e deixando algumas contribuições acadêmicas. É importante ressaltarmos que, neste estudo, acrescentaremos alguns desdobramentos acerca da História Crítica e Problemática, observando em que medida o ensaio de Friedrich Nietzsche (um dos principais precursores)3, publicado no início do século XX, entre outros, pode funcionar de forma alusiva na decodificação da leitura de alguns outros romances históricos publicados no Brasil nas duas últimas décadas. Basicamente, os termos definidores da História, formulada como problemática, são estabelecidos pela Escola de Anais, fundada pelos teóricos franceses Lucien Febvre e Marc Bloch.4 A partir desse movimento, criado em 1929, o rigor historiográfico foi rompido por novas mudanças de paradigmas, tais como: a representação pelo olhar dos marginalizados, a problematização dos fatos e dos acontecimentos, o abandono da linearidade cronológica dos episódios históricos, o aprofundamento da história privada das autoridades, a ampliação dos métodos pluridisciplinares, o uso de outras formas de narrativa factual, o questionamento dos valores universais, entre outros. Por conseguinte, adentrando no primeiro quartel do século XX, temos a publicação oficial da revista Annales d’Historie Économique et Sociale (1929-1989)5 e, consequentemente, a História passa a ser contaminada por questões interdisciplinares6. Em outros termos, o discurso da História Tradicional, linear e pragmática (carregada pelos efeitos filosóficos do positivismo), repleto de floreios e ornamentos retóricos, passa a ser visto como característica ultrapassada, exigindo, imediatamente, um rompimento que visasse revolucionar os seus meios teóricos. Ao voltar no espaço e no tempo, temos o famoso texto “Considerações Extemporâneas”, de Friedrich Nietzsche, que tece, entusiasticamente, formulações pertinentes acerca da escrita da História no fim do século XIX. O ano de formulação do ensaio, 1873-1874, aponta para repensarmos, de forma profética, novos paradigmas historiográficos já saturados ou não devidamente superados naquele período. Em especial, a alínea “Da Utilidade da História para a Vida”, na qual o autor examina, por meio de frases imperativas, eximindo-se do pensamento positivista, sobre o conteúdo prático da História para o pensamento da atualidade e, sobretudo, às práticas do 2

A respeito do conceito de história-problema e suas repercussões no ambiente acadêmico da História, ver: BARROS, J. de A. Os Annales e a história-problema – considerações sobre a importância da noção de “história-problema” para a identidade da Escola dos Annales. História: Debates e Tendências, v. 12, n. 2, jul./dez. 2012, p. 305-325.

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Citando os autores François Dosse e Johann Benjamin Erhard para comprovar suas hipóteses, o autor José de Assunção Barros (2012, p. 307) defende a ideia de que outros filósofos defenderam precocemente o advento da história-problema, a saber: Voltaire, Guizzot e Thierry. Os dois últimos foram historiadores franceses que se manifestaram interesse pelo advento após o período da Restauração.

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A esse respeito, ver: BURKE, P. A Escola dos Annales (1929-1989): a Revolução Francesa da Historiografia. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1997.

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A esse respeito, ver: BURKE, P. A Escola dos Annales (1929-1989): a Revolução Francesa da Historiografia. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1997. A respeito dessa questão das Ciências Sociais contaminando o objeto histórico, temos as reflexões do crítico Hayden White. Nas palavras do autor: “En Francia, la crítica de ‘la historia narrativa’ lanzada por el grupo Annales fue llevada adelante por Braudel em los ’50 en gran medida en el interés de unificar los estúdios históricos con las ciências sociales, especialmente la etnografia y la demografia, pero también la geografia y lo que podria ser llamado la historia de los ‘entornos’, más que aquella sobre los agentes humanos y las instituiciones políticas.” (WHITE, 2010, p. 53).

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conteúdo historiográfico nos países europeus. Embora o estudo de Nietzsche tenha sido escrito há mais de um século, essas reflexões conservam muitas contribuições proféticas importantes para compreendermos o efeito operatório da história-problema nos romancistas históricos da contemporaneidade. De acordo com nossa leitura, o filósofo alemão advoga que o excesso de informações históricas prejudica a prática histórica mais libertária e imaginária. Para o autor, o historiador, ao acompanhar detalhadamente o ano de nascimento e morte de muitos acontecimentos do passado, acaba permanecendo num posicionamento cético em relação à problematização da História. Citando frases do filósofo escocês David Hume, Nietzsche tenta provar que, ao se prender aos episódios do passado, ou seja, àqueles engavetados e empoeirados, o “pensador supra-histórico” acaba acumulando informações desfavoráveis ao crescimento intelectual histórico ligado ao lastro temporal contemporâneo. Dentre várias passagens, uma das partes do ensaio que faz sentido à discussão aqui empreendida (mesmo sendo condenada pelo autor) é o repensar da escrita da História Crítica – a qual investiga, interroga, julga e condena o passado. Em alusão ao texto de Nietzsche, ao servir como a nossa premissa, assimilando essa exposição com alguns dos fragmentos selecionados (principal proposta de leitura) do romance histórico brasileiro Conspiração Barroca (2008), apontaremos os trechos que iluminam a história-problema formulada aos moldes do pensador alemão.

326. A diagramação é simples em papel reciclado e a encadernação da capa é mole, aumentando as chances de o leitor adquirir o romance, tendo em vista o aproveitamento desse material. Cabe lembrarmos que o volume não possui orelha crítica de apresentação, porém possui um longo depoimento na última capa, contendo algumas informações, que, provavelmente, foram acrescentadas pelo júri do Concurso Nacional de Literatura de Belo Horizonte. Abaixo do código de barras da edição, aparece o gênero: romance histórico, possivelmente atribuído pela editora.8 Uma curiosa epígrafe entre as relações temporais do passado com o futuro do historiador Lúcio José dos Santos subscreve o romance em forma de mote inspirador para o desenvolvimento do enredo. Referimo-nos, destarte, à frase: “Os acontecimentos que vão surgir no futuro são a consequência lógica dos que já se vão perdendo na caligem do passado” (TAPIOCA, 2008, p. 15). Tal frase condiciona o leitor a raciocinar sobre os acontecimentos e fatos da Inconfidência Mineira com o desenvolvimento atual da nossa forma de governo político. Portanto, acreditamos que o desfraldar das características tecidas a respeito da materialidade interna e externa desse romance histórico implica num posicionamento mais interessado acerca da sua escritura. Figura 1 – Capa da edição portuguesa do romance Conspiração Barroca (2008).9

DESENVOLVIMENTO O romance Conspiração Barroca foi publicado em território português por Ruy Tapioca no ano de 2008 pela editora portuguesa Saída de Emergência.7 O hiato de apenas nove anos entre ambos os romances não desfavorece o estilo de Ruy Tapioca, mas o engrandece para efeitos comparativos. Pouco explorado no meio acadêmico, o romance histórico publicado no ultramar possui um forte conteúdo investigativo para o angariamento de teses, dissertações, monografias e artigos, perfazendo interesses diversos na área das Ciências Humanas e Sociais. O livro, ainda inédito no Brasil, fora escrito entre os meses de março de 2004 a outubro de 2005, conforme anuncia o autor na página

Fonte: Editora Saída de Emergência (2008).

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A Editora Saída de Emergência também possui filial no Brasil. Juntando-se ao grupo da editora brasileira Sextante, em outubro de 2013, é presidida pelos autores e irmãos portugueses António Vilaça Pacheco e Luís Corte Real. Em uma breve consulta no dia 2 de janeiro de 2014 no site da Editora Saída de Emergência, verificamos que a quantidade de romances históricos publicados nos últimos anos chegou a 154 livros.

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Em linhas anteriores, já tivemos a oportunidade de discutirmos a problemática de gênero e subgênero atribuída aos romances de natureza histórica. Disponível em: http://www.saidadeemergencia.com/produto/conspiracao-barroca Acesso em: 20 dez. 2020.

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Em linhas gerais, o enredo do romance Conspiração Barroca gira em torno da temática histórica ocorrida entre os anos de 1785 e 1789, “[...] no tentame de sublevação contra a Coroa Portuguesa que ficou conhecido como Inconfidência Mineira” (TAPIOCA, 2008, p. 327). Numa visão de conjunto, esse período histórico é o mais significativo, enquanto os demais se colocam num plano subalterno naturalmente ofuscado pela naturalidade dos eventos ocorridos. Basicamente, o lastro temporal é narrado durante quatro anos de acontecimentos históricos, permeados geograficamente por Brasil e Portugal, sendo esses espaços distintos devidamente reconfigurados diante de um painel que obedece a paisagem de época.

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É importante salientar que o signo do Brasil em construção é uma grande metáfora da criação literária de Ruy Reis Tapioca. Historicamente falando, devemos lembrar que foi durante esse paradigmático século XVIII, das descobertas auríferas narradas pela pena de Tapioca, que muitos acontecimentos ficaram perenes no seu tempo, assim como na penumbra das estantes dos centros de pesquisa. Em formato de denúncia, o narrador provoca: “É a sina dos nacionais desta terra: covardia e cobiça por ouro e pedrinha branca: aqui só se pensa nisso.” (TAPIOCA, 2008, p. 159). Em suma, no romance em questão, a história é narrada em terceira pessoa diante de várias perspectivas de visão histórica dos fatos, ou seja, existe um narrador ideológico que compactua com os eventos e fatos. Sem embargo, desde essa posição privilegiada do narrador, o discurso do romance acaba coadunando com as diferentes versões historiográficas sobre a Inconfidência Mineira. Não por acaso, a busca pelo factual se oferta de forma problemática e questionadora, rompendo a linearidade das cenas figuradas no enredo. Com efeito, há variados acontecimentos e episódios – a Corrida do Ouro nas Minas Gerais, as obras em pedra sabão esculpidas pelo artesão Aleijadinho, os pormenores dos logradouros de época, os mentores da Inconfidência Mineira, o enfoque na vida privada dessas autoridades, o crime de lesa majestade cometido por Tiradentes, entre muitos outros. Salienta o narrador: “A corrupção e o ouro sempre mandarão nesta terra infeliz, arrematava, vociferando uma imprecação”. (TAPIOCA, 2008, p. 14). Novamente, sublinha: “À distância, a dupla era observada por um grupo de negros quilombolas, escondidos num beco escuro, ali chegados, furtivamente, para cumprir arriscada missão”. (TAPIOCA, 2008, p. 14). Assim, o enredo de Conspiração nos força a pensarmos a respeito de como alguns aspectos de época foram reconstituídos à maneira documental, atingindo patamares de uma pintura histórica e retratista, formulando possibilidades de leitura, tampouco exploradas por outros romancistas. Conforme nossa leitura, é importante mencionarmos que, em muitas partes do romance, o autor Tapioca sacrifica o estilo poético em detrimento da fidelidade histórica (gozando privilégio de credibilidade perante a obra A República dos Bugres, de sua autoria), ou seja, a carga de historicidade é mais densa do que poética. Em síntese, um olhar que sondasse as características poéticas e históricas (por efeito comparativo) que preenchem ambos os romances, certamente, renderia bons frutos no meio acadêmico. Não obstante, a frase “malograda tentativa de organização de um levante insurrecional” (TAPIOCA, 2008, p. 327), tecida no posfácio pelo autor, também marca o efeito empreendedor e, ao mesmo tempo, frustrante dos inconfidentes que não lograram êxito, mas deixaram muitas sementes para outros líderes. Nessas notas elaboradas pelo escritor baiano, no fim do romance, percebemos sua preocupação em apontar as fontes utilizadas, assim como o caráter sério, profissional e amistoso diante do público leitor. Assim, essas observações apontam também o caráter documental e realista que Tapioca desejou promover neste romance, sem deixar de perder a áurea literária e estética. Em cores históricas, é sabido que o malogro da conspiração foi causado pela denúncia de um dos integrantes da Coroa Portuguesa, a figura de Joaquim Silvestre dos Reis. Devemos salientar que a personagem histórica tinha o conhecimento do levante organizado pelo inconfidente Visconde de Barbacena (Afonso Furtado de Castro do Rio de Mendonça).10 Isso explica as considerações tecidas pelo crítico Flávio Kothe: “A literatura foi tornada história para que a história fosse transformada em literatura e se pudessem inventar alguns heróis.” (KOTHE, 2005, p. 41). Não apenas personagens históricas permeiam a narrativa, há ainda as que são consideradas coadjuvantes da história, sendo boa parte delas de origem fictícia. De igual modo, o estilo narrativo composto de elaborações eruditas é caracterizado pela inserção das referências filosóficas e históricas contidas nas variadas páginas do romance. Além de tudo, o romance mescla três gêneros literários diversos – romance, ensaio e História, conforme salienta o narrador no início do segundo capítulo – que se combinam de forma equilibrada durante o desenrolar do enredo. Portanto, não é fácil enqua10 Ver: MAXWELL, K. A devassa da devassa. A Inconfidência Mineira: Brasil e Portugal 1750-1808, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. 18

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drar as principais características que definem o estilo de subgênero histórico trabalhado nesta obra, tendo em vista que esse estilo não é sumariamente histórico, ou seja, é permeado por inúmeros apetrechos híbridos, tornando as duas narrativas demasiadamente complexas.

Desse modo, o vocábulo “conspiração” também mantém uma postura plurissignificativa. Segundo o dicionário Aurélio (1986, p. 459), o vocábulo possui acepção voltada ao “latim [Do lat. Conspiratione] 1. Ato ou efeito de conspirar; maquinação, trama. 2. Conluio secreto.” Em outras palavras, o movimento da própria Inconfidência Mineira, partindo do vocábulo de não confidenciar, foi regido historicamente por autoridades que não aprovavam a questão da exploração do ouro pelos portugueses da maneira que estava ocorrendo.11 Por outro lado, o adjetivo “barroco”, que caracteriza a palavra “conspiração”, provém, como é sabido, do estilo artístico de época. Por meio de efeito operatório comparativo, é curioso notarmos que o pesquisador brasilianista Kenneth Maxwell também utiliza o mesmo vocábulo para intitular o quinto capítulo do ensaio A devassa da devassa (1985). Em suma, a exploração desses termos, assim como a comunicação deles com o nosso presente, faz desses significados valores interpretativos ao longo da leitura.

A HISTÓRIA COMO UM PROBLEMA NO ROMANCE HISTÓRICO CONSPIRAÇÃO BARROCA Ao representar algumas articulações entre “passado” e “presente”, o romance histórico Conspiração Barroca faz com que o leitor mergulhe no tempo pretérito sem esquecer o presente. No primeiro romance de Ruy Tapioca, intitulado A República dos Bugres (1999), o leitor poderá averiguar uma crise nas instituições públicas, a começar pelo Exército Brasileiro. Em Conspiração, verá uma crise na instituição católica romana. Por esse e alguns outros motivos, o leitor é quase sempre convidado a uma tomada de consciência crítica em relação a esses fatos e eventos históricos. Nessa manobra, várias estratégias estilísticas são utilizadas com a finalidade de interrogar os fatos históricos, funcionando como uma história-problema, tais como: a reescrita do discurso historiográfico, a inversão frasal da lógica dos fatos, a releitura e a interpretação dos acontecimentos factuais, a constante troca de vocábulos e expressões por meio das figuras de linguagem, do tom discursivo denunciante, do discurso humorístico e sarcástico, etc. No decorrer do enredo, as palavras, em tom de desabafo, do ministro Martinho de Mello e Castro são: “Considero o Brasil, senhor visconde, um caso peculiar de vocação das gentes que lá nascem e vivem, e também dos que lá chegam, de rara afeição à corrupção e às práticas ilícitas, adoptadas como meio natural de vida.” (TAPIOCA, 2008, p. 72). Tal constatação parte de reflexos da falta de organicidade administrativa postulada pelo atraso do jogo do “empurra para frente”, sem, ao menos, refletir se essa caoticidade pode ser reformada para melhor. A rigor, conforme delineamos na chave de leitura estabelecida na tese “O Novo Romance Histórico Brasileiro em Travessias: A República dos Bugres e Conspiração Barroca, de Ruy Reis Tapioca” (OLIVEIRA, 2016), são passagens que dialogam com amplas questões: a corrupção exagerada, o jeitinho brasileiro, as enchentes na cidade do Rio de Janeiro, a falta de pagamento dos militares portugueses e brasileiros, o atraso sociológico e econômico, o conluio entre o público e o privado, o abandono da memória institucional museológica, o descrédito de algumas instituições, a falta de consciência política do brasileiro, o jogo do empurra, a exagerada burocracia na administração pública, entre outros assuntos correlatos. 11

Em entrevista, Ruy Tapioca sugere uma possível acepção ao termo. Nas suas palavras: “Deu no que deu: o único supliciado foi o mais ignorante, falastrão e ‘desapadrinhado’ dos ‘inconfidentes’(assim eles passaram para a História: ‘inconfidentes’, isto é, fofoqueiros, desleais, e não ‘conjurados’). Portugal quis humilhar o Brasil com essa pecha de ‘inconfidência’, e o ‘povo’, acarneirado aceitou” (TAPIOCA, 2005, p. 263).

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Não devemos esquecer, em particular, que outro assunto pertinente a respeito do romance Conspiração Barroca merece atenção. Trata-se da questão da origem inspiradora do título escolhido por Ruy Tapioca. Sob este aspecto, tal acepção facilita a compreensão do romance, assim como o direcionamento de leitura que o leitor mais preocupado executará nas múltiplas páginas do livro. Ademais, a carga linguística que esse romance absorve é significativa, pois, de fato, o autor fez diversas pesquisas para recorrer aos dizeres de época, conforme assinala a pesquisadora Marilene Weinhardt. Caberia um estudo mais aprofundado acerca de tal tarefa empreendida pelo autor, o que fugiria da pretensão deste breve artigo.


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Sem mencionar outras referências da sua biblioteca particular, podemos conjecturar que o escritor Ruy Tapioca, no romance Conspiração Barroca, alude a várias autoridades que ensaiaram episódios da história brasileira do século XIX. Em outras palavras, o escritor baiano ficcionaliza a história dos grandes intérpretes brasileiros (historiadores, cientistas sociais, antropólogos, filósofos, educadores, entre outros), aglutinando informações pesquisadas por aqueles que ajudaram a colocar o Brasil nos trilhos do progresso, seja pelo alicerce da memória, seja pela leitura dos principais problemas nacionais. Guardadas as seguintes proporções: o local do discurso do autor, a natureza da apropriação desses discursos, a temporalidade exercida sobre os mesmos, Tapioca examina esse fundo histórico de época e leva à tona os principais acontecimentos políticos da nação brasileira. Ao interpretar as diferentes versões da Inconfidência Mineira junto a seus protagonistas e coadjuvantes, a vida e a obra de Aleijadinho, a vida dos conspiradores, o cotidiano político da Corte Portuguesa e as circunstâncias históricas da Europa, Tapioca aguça a curiosidade do leitor pelo romance histórico e pelo imaginário de uma nação em seu desenvolvimento. A bem da verdade, a biblioteca particular de Tapioca se torna algo bastante proveitoso quando utilizada comparativamente com outras obras e versões. Qualquer leitor desavisado pode verificar que alguns episódios e fatos da história da Inconfidência Mineira estão impressos na obra de outros intelectuais. Diante do exposto, isso se torna algo útil em relação ao nosso argumento principal que é a história-problema. Dentre eles, poderíamos brevemente citar: Kenneth Maxwell, no seu livro a Devassa da devassa (1977), José Murilo de Carvalho, nos seus livros Imaginário das Almas (1999) e Os Bestializados (1987), Lilia Moritz Schwarz, em As Barbas do Imperador (1998), entre muitos outros historiadores. Tais obras podem ter se tornado alusivas para consultas sobre alguns desses acontecimentos.12 Essas considerações se ancoram nas palavras da pesquisadora Marilene Weinhardt quando diz: “Apreender que tipos de textos históricos são chamados para o diálogo e como se dá o trânsito é papel da crítica.” (WEINHARDT, 2011, p. 31). Cada qual ao seu modo, esses autores citados propuseram vertentes diferenciadas no olhar da História oficial. De igual modo, a garimpagem arqueológica realizada por Tapioca fornece ao leitor mais curioso uma série de ensinamentos acerca de fatos históricos pouco aprofundados por pesquisadores da linhagem acadêmica. Examinando o contexto realista dos clássicos romances franceses, o crítico Amado Alonso reconhece esse aspecto: “Cuanto más arqueologista sea la actidud del autor, menos probabilidade tendrá de crear este modo de poesia de entre líneas.” (ALONSO, 1984, p. 19). Portanto, o alijamento dessas especulações arqueológicas ou o exame da biblioteca particular do escritor torna-se ainda mais concreto quando o leitor percebe o grau de intertextualidade que o romancista baiano incorpora ao seu romance, estimulando possíveis comparações alusivas. A essa altura, se pudéssemos rotular uma única frase que atravessasse, do começo ao fim, a ficção histórica de Ruy Reis Tapioca estabelecida em Conspiração Barroca, poderíamos, sem receios, dizer que faz parte de uma: literatura que refaz uma leitura crítica da realidade política brasileira junto ao passado com fortes nuances comunicativas com o contemporâneo. Dessa maneira, ao lermos esse romance sob essa ótica, implicaria admitir que Tapioca se aproxima da atual realidade histórica, ensejada por diversos marcadores ideológicos.13 A esse respeito, os autores Enrique Cartelle e Maria Ingelmo (1994, p. 32) advogam que muitos romancistas históricos aproveitam o manancial narrativo de época para postularem posições subjetivas a respeito da história narrada, isto é, sua própria visão de mundo. Por contraste, diferenciando História e romance histórico, o escritor Alfred Doblin, em seu artigo intitulado “O romance histórico e nós”, traduzido por Marion Brepohl de Magalhães, problematiza a seguinte questão por ele formulada: “O romance é acima de tudo um romance e não História. É um romance, por quê?” 12 É importante relatar que não se pode comparar livro de História com romances históricos. A esse respeito, a pesquisadora Maria Cristina Pons reflete que: “Es importante

aclarar, sin embargo, que si bien la comparación del historiador con el escritor de novelas históricas no es pertinente para dar cuenta de las pecualiridades de la novela histórica, de ninguna manera significa que la novela histórica no haya evolucionado a la par de la historiografia (o que la historiografia evoluciona influída por la literatura), ni mucho menos significa que ciertas novelas específicas puedan requerir dicha comparación” (PONS, 1996, p. 54).

13 A respeito da atualização da leitura feita pelo leitor, é importante assinalar que: “O leitor de um romance ocupa uma posição extensa no tempo, e dentro desta coloca-se a data da sua leitura do romance. Essa data pode não corresponder de perto à data dos eventos a respeito dos quais está lendo. Onde a diferença é considerável, como ao ler um romance histórico, talvez seja exigido dele um forte esforço de imaginação se ele mesmo deve projetar-se dentro do período tratado e penetrar intimamente no espírito daqueles tempos distantes” (MENDILOW, 1977, p. 96).

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E, para responder essa indagação que não retoricamente, o autor não mede esforços para dizer: “Porque ele narra do começo ao fim das coisas, que certamente não podem ser reprovadas, porquanto o autor não possui provas documentais.” (DOBLIN, 2006, p. 22). Dessa maneira, a resposta em si é questionável e fonte de polêmica perante muitos romancistas históricos, especificamente os tradicionais, que tiveram forte embasamento documental na criação e na formulação dos seus romances.

Formuladas essas premissas, resta ainda defendermos que a literatura do baiano Tapioca mantém-se engajada num movimento articulador de enxergar o passado como algo vivo no contemporâneo. Esse realismo engajado, ou melhor dizendo, essa reflexão referencial da realidade de época não fica isolada no tempo e no espaço, mas cria especulações e considerações ligadas ao tempo de escritura do romance. Portanto, 2008 (ano de publicação oficial da obra) foi um período fértil para a inserção de alguns acontecimentos de época, assim como a ênfase na lógica estética realista já esboçada e revitalizada. Conforme assevera o autor Peter Gay: “Há um tipo de ficção realista que faz exigências particularmente rigorosas tanto a seu autor como a seus leitores: o romance histórico, em especial o tipo que inclui atores históricos em seu elenco de personagens. ” (GAY, 2010, p. 20). Com base nessa reflexão, podemos depreender que Tapioca não pretende apenas enaltecer a ficção histórica realista mantida no escopo do romance publicado, mas fazer dele uma releitura da nação brasileira acerca do tempo e do espaço de época. É necessário, contudo, insistir que se ambos os romances são obras representativas do passado sem esquecer o presente, são eles também responsáveis por reerguer a característica realística do romance histórico no Brasil da atualidade. “Conspiração Barroca é uma obra de ficção, não obstante retrata episódios históricos realmente ocorridos, no Brasil colônia de Portugal, entre os anos de 1785 e 1789, no tentame de sublevação contra a Coroa Portuguesa que ficou conhecido como Inconfidência Mineira.” (TAPIOCA, 2008, p. 327). Com essa assertiva de caráter informativo, o autor Ruy Tapioca descortina o posfácio, que serve como bastidores da criação do próprio romance, ensejando uma espécie de demarcação cronológica acerca dos episódios e fatos históricos que foram desenvolvidos durante a formulação do livro. É interessante notarmos que, nessa passagem, Tapioca discorre reflexivamente, estimulando o leitor a respeito da importância desse acontecimento para as letras e a cultura brasileira. A preocupação que referencia esse trecho anuncia também a postura do autor em relação ao grau de intromissões fictícias dentro da trama histórica, conforme alguns pesquisadores alertaram.14 Ao que tudo indica, pelo estilo textual aplicado por Tapioca, o tom histórico narrativo contamina as próximas páginas do mesmo posfácio. Desse modo, a linguagem perde o efeito dramático e literário, ao ensejar olhares ensaísticos acerca desses episódios tão importantes. Assim, visando estimular o raciocínio do leitor acerca da formulação do romance, Tapioca não mede esforços para ensejar alguns dizeres, conjecturando possíveis desdobramentos para aqueles romancistas que desejam navegar em outras empreitadas criativas. Além disso, é curioso o fato de que o posfácio formulado funciona como uma espécie de autorreflexão da própria linguagem historiográfica. Nas palavras do autor baiano: “A sentença – inclusa ispis litteris no final do romance – foi lida na madrugada do dia 19 de abril de 1792, no Rio de Janeiro, e dela constam vinte e quatro condenados [...]” (TAPIOCA, 2008, p. 329). Em síntese, essas informações condensadas deixam algumas contribuições afugentadas da leitura dramática que a narrativa histórica se propõe, revelando um forte desfecho documental acerca dos eventos históricos inseridos no fundo de época. 14 Ver: CARTELLE, E. M.; INGELMO, M. C. H. De Virgilio a Umberto Eco. La novela histórica latina contemporânea. Ediciones del Oro: Madrid, 1994, p. 24. Faculdade Educacional da Lapa – FAEL

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Em certa medida, Doblin atende a uma determinada demanda de escritores que distorciam a realidade ou, simplesmente, inventavam esse fundo de verdade atribuído artisticamente ao escopo do romance histórico. No entanto, a atitude de “reprovação” de algum leitor é passível de ser marcante caso ele não se convença da qualidade documental realizada por qualquer romancista. Para tentar convencê-lo, o romancista histórico Doblin argumenta persuasivamente: “Ele empresta dos fatos a semblância de uma realidade. E finalmente, ele trabalha com tensão, procura atrair nosso interesse, satisfazer-nos, abalar-nos, prender nossa atenção, desafiar-nos.” (DOBLIN, 2006, p. 22). Em outras palavras, é condizente refletirmos acerca de que todo romancista histórico busca elementos de tensão para prender aquele leitor menos paciente a ler romances históricos nem sempre atraentes.


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A bem da verdade, o tom didático aplicado por Ruy Tapioca no romance Conspiração Barroca transcreve à semelhança de um documento que fora observado em detalhes e minúcias realísticas. Guiando o leitor pelo viés também pedagógico, cujo conhecimento histórico é ensinado gradativamente, Tapioca transforma acontecimentos estáticos e monótonos em dramatizações lúdicas. Assim, o esforço tautológico evocado por Tapioca nesta obra chega a cansar o leitor menos preparado a não preencher as lacunas com a sua imaginação. Acreditamos na hipótese de que o docente de História da educação básica pode incrementar o trabalho de leitura do romance nas aulas, ampliando a margem didática do texto literário.

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Em outras palavras, o leitor não fica preso somente ao enredo dos romances, que já são interessantes, mas atinge outros graus de leitura à medida que a contemplação desses episódios atinge algo civilizador. Por outro lado, no livro Conspiração, teremos: “A justiça em Portugal, e por cópia a do Brasil, cumpre prazos, tempo e modus operandi dos cágados, talvez do bicho-preguiça.” (TAPIOCA, 2008, p. 47). Em suma, o ponto fulcral dessas duas atitudes exemplificadas serve para reconhecermos o grau instrutivo do romance pela inserção de algumas questões políticas arraigadas ao excesso de problemas enfrentados por Brasil e Portugal. A galeria de autoridades romanceadas no livro Conspiração Barroca é composta por: Tomás Antônio Gonzaga, Cláudio Manuel da Costa, Silvério dos Reis, Padre Rolim, Padre Toledo, Freire de Andrade, Coronel Malheiro, Alvarenga Peixoto. Como sabemos, faz parte de uma imensidão histórica considerada ilustre por representar a alta casta social das Minas Gerais.15 Afronham-se alguns nomes consagrados nos livros de história compostos por: altos figurões militares, comerciantes locais, figuras do clero, que são encontradas nos compêndios literários, pinturas clássicas, velhas apostilas, documentos empoeirados, obras ficcionais, ou seja, tiveram trajetória emblemática enquanto pensadores das nações brasileira e portuguesa. Cabe ressaltar que essas personagens históricas permeiam o romance histórico unidas ao universo ficcional, sem apresentarem muitas rupturas que comprometam o jogo da verossimilhança. A nosso ver, o único problema é que, relativamente, tais personagens mantêm um comportamento e uma psicologia satíricos e, logo, são apresentadas de forma anacrônicas, indicando um toque ideológico por parte de Tapioca. A questão surge naturalmente: como ficcionalizar a vida dessas autoridades de forma generalizada? Por alusão, o autor Peter Gay, examinando o contexto histórico biográfico dos autores europeus, responde: “Os autores dos romances históricos devem lutar entre a fidelidade a fatos biográficos indiscutíveis e os voos de sua imaginação literária.” (GAY, 2010, p. 21). São trajetórias políticas, percursos culturais e intelectuais, biografias, que já foram escritas por vários escritores e historiadores. Assim, todas essas categorias agrupadas conjugam histórias já escritas nas páginas dos livros da história oficial. Trata-se de uma cadeia estilística da linguagem que visa realizar a leitura de seus diálogos e compararmos a veracidade dos seus discursos. O próprio narrador, logo no início do romance, desconcerta essa questão. Vejamos os detalhes: “Há de se perdoar o leitor essa confusão de personagens, introduzidas no texto sem dizer água vai, metidas a súbitas na narrativa [...]” (TAPIOCA, 2008, p. 12). Sabemos que, por trás de cada uma dessas personagens históricas emblemáticas citadas, existe um grau de hierarquia linguística ainda não solucionada. Ao embaralhar autoridades da Inconfidência Mineira com anônimos daquele período, Tapioca também promove uma verdadeira miscelânea de pessoas, assim como uma quebra na rigidez hierárquica. Em Conspiração Barroca, é possível identificarmos esse nível de reflexão, servindo como algo profético aos dias atuais, na leitura do fragmento sobre a discussão entre o uso do patrimônio público e o privado. Ora, como sabemos, a discussão é pertinente ao discurso já aplicado por muitos historiadores, como é o caso de Sergio Buarque de Holanda, no quinto capítulo “O homem cordial”, estabelecido no livro Raízes do Brasil. A discussão ocorre entre o coronel Alvarenga Peixoto e o cônego Luís Vieira, na cidade de Vila Rica, na residência do advogado Cláudio Manuel da Costa, no mês de julho de 1788. Nas palavras do Cónego: “Deixai os santos fora dessa lista, coronel: o problema maior da capitania, quiça da colônia, cada vez mais me convenço 15 A esse respeito, conforme palavras do pesquisador brasilianista Kenneth Maxwell, esse grupo fazia parte de uma elite ilustrada. “Os membros do círculo de Vila Rica,

pela qualidade de sua poesia e por sua posição, influência e riqueza situavam-se na cúpula da sociedade de Minas, tendo laços familiares, de amizade ou de interesses econômicos a vinculá-los com uma rede de homens do mesmo nível, embora menos organizados em toda a capitania. Em sua qualidade de advogados, juízes, fazendeiros, comerciantes, emprestadores de dinheiro e membros de poderosas irmandades leigas eles tipificavam os interesses diversificados, mas intensamente americanos da plutocracia mineira.” (MAXWELL, 1985, p. 119)

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O que se confirma nesse desenvolvimento didático e problemático, em particular, no percurso do romance Conspiração Barroca, é a especificação cada vez mais objetiva de que o desencadear pedagógico não serve apenas para entreter o leitor. Isto é, a História praticada por historiadores acaba se tornando uma via de problematizar o passado. Em várias passagens, o texto narrativo histórico de Tapioca ensina saberes, por meio de muitos circunlóquios historicistas, interdisciplinares ao leitor, tais como: História, Literatura, Sociologia, Antropologia, Linguística, Filosofia, entre outros. Nesse sentido, o resultado dessa cadeia humanística é que o leitor possa adentrar naquilo em que o professor de ensino fundamental, médio e superior tenha deixado lacunas. Ou mesmo naquilo que os livros didáticos de História e Literatura não tenham conseguido cumprir o seu devido papel na instituição escolar. Como resolver esse problema ou lacuna? A esse respeito, a pesquisadora Maria Teresa de Freitas assevera: “Essas lacunas podem ser preenchidas de forma relativamente adequada pelo romancista – sem esquecer jamais o caráter subjetivo da forma narrativa – sobretudo se sua imaginação está submetida a um conhecimento direto do objeto histórico [...]” (FREITAS, 1985, p. 189). É curioso notarmos que o narrador do romance Conspiração também frisa a importância desse preenchimento quase obrigatório por parte do romancista ou mesmo pelo historiador.16 Nas suas palavras: “[...] sem que nos furtemos a acrescentar-lhe, sempre que as lacunas da História permitam, e não se arranhe a verdade dos factos históricos [..]” (TAPIOCA, 2008, p. 18). Em uma conferência intitulada A história como ficção. A ficção como história (2000), proferida no ano de 2000, na Universidade Federal de Santa Catarina, o escritor lusitano José Saramago versa sobre as principais características que deveriam possuir os historiadores no trato com os documentos históricos. Dessa maneira, a inversão gramatical das sentenças propostas pelo título da conferência insinua novas provocações acerca do que será trabalhado pelo escritor português. Nessa intervenção, Saramago, de forma humilde e prosaica, conduz o leitor a uma profunda reflexão sobre os possíveis vasos comunicantes entre a história e a ficção. A nosso ver, os vocábulos “história, historiador, imaginação” marcam diversas frases do seu discurso, evidenciando o desejo do escritor lusitano na busca de uma possível articulação entre a disciplina, o ofício e a fuga da verdade ligada ou não aos documentos. Em outras palavras, Saramago exerce o fazer filosófico historiográfico, regendo técnicas que já foram exploradas por outros especialistas no assunto. Segundo o autor de Memorial do Convento, “[...] a primeira tarefa do historiador seria selecionar fatos, trabalhando sobre aquilo que denominarei o tempo informe, o que quer dizer, esse imenso passado que apetecia chamar puro e simples, se isso não fosse uma outra contradição de termos.” (SARAMAGO, 2000, p. 12). Nesse fragmento, Saramago expõe uma reflexão a respeito de que outros pesquisadores já haviam delineado com a devida motivação e causa, embora nem sempre tenham conseguido aplicá-la da melhor forma. Por conseguinte, o autor lusitano salienta que a segunda tarefa do historiador seria juntar todas essas informações históricas de forma plausível, concatenada e coerente, tendo a vontade de sustentá-las e problematizá-las de forma relutante, sem interesses pessoais ou ideológicos, embora o escritor concorde que sempre haja tais peculiaridades. História e ficção, realidade e imaginação, verdade e mentira, documento e invenção, referência e especulação se confundem na escrita de Conspiração Barroca, tornando bastante claro o que Tapioca deixou subentendido: trata-se de um romance que, mesmo mesclando arte e documento, não esquece o presente no enredo. Em outros termos, a articulação por meio dessas várias dualidades citadas serve para demonstrar que o texto do romancista histórico estará quase sempre oscilando entre a referência e a fantasia. Logicamente, essas modalidades apontadas fogem de uma audiência absoluta na qual os séculos XVIII e XIX sejam representados. Desse 16 De acordo com a pesquisadora Elisabeth Wesseling, os romancistas históricos necessitam preencher as lacunas do passado via ficção. Isso seria ponto cabal durante

o desenvolvimento do enredo. De acordo com suas palavras: “As writes of historical novels, postmodernists novelists are certainly not the firts large to do largely without documents in their recreations of the past. Traditionally, it has been the prerrogative of the novelista to fill in the gaps in documentar history by relying solely on imagination” (WESSELING, 1991, p. 169).

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disso, está no promíscuo concubinato existente entre a coisa pública e a coisa privada” (TAPIOCA, 2008, p. 91). Notamos que, por meio desse excerto, ligado à história-problema, o lado “dúbio” e “promíscuo” entre o público e o privado sempre foram alvos de análises por parte de muitos sociólogos e historiadores, sendo ininterruptamente praticado, em termos estratosféricos, pela política nacional, desde os primórdios do Brasil Colônia, Império e República.


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modo, ao incidir sobre tempos históricos como o passado e o presente – por meio de instâncias narrativas distintas –, que soam estrategicamente articulados, superpostos entre si, exigindo um leitor mais atento para decodificar, Tapioca envereda nos problemas cancerígenos da realidade popular brasileira de época, outorgando uma nova fórmula capaz de levar o leitor a outros questionamentos. Desse modo, um exemplo contundente disso está nas variadas críticas em relação a instituições nacionais, assim como a falta de uma urdidura organizativa da classe popular brasileira. “O Brasil, amigo Gonzaga, como uma lúcida cabeça já disse no passado, é purgatório dos brancos, inferno dos pretos e paraíso dos mulatos!” (TAPIOCA, 2008, p. 167), assevera, em tom polêmico, Cláudio Manuel da Costa em diálogo com Tomaz Antonio Gonzaga. Ademais, juntamente de suas economias de traços distintas, o romance pertence à discussão contemporânea dos problemas ligados à nação brasileira. Em outras palavras, são questões da miscigenação racial que assola os fatos corriqueiros do nosso ressurgimento político democrático da década de 1980. Em última análise, o movimento histórico proposto por Ruy Tapioca no seu romance, como vimos na leitura desses fragmentos selecionados, demonstra que a representação histórica não é algo objetivo ao que lhe é peculiar. No artigo Literatura e História: Convergências Possíveis (1999) do pesquisador Luís Alberto Brandão Santos, é possível notarmos um forte resgate da polaridade entre o discurso histórico e literário. Navegando horizontes por meio de excertos do escritor argentino Ricardo Piglia e dos autores Hayden White, Jacques Le Goff, Michel Foucault, entre outros, Santos percorre seu ensaio problematizando tais leituras, esquematizando seu raciocínio. Ao refletir sobre um fragmento do livro Respiração Artificial, do escritor argentino Ricardo Piglia, Brandão discorre: Ler documentos do passado com o intuito de escrever história, assim como constituir uma palavra a partir das letras, um discurso a partir de fragmentos da linguagem, pressupõe estabelecimento de elos, articulação entre elementos separados: atribuição de uma congruência. (SANTOS, 1999, p. 47)

Compartilhamos com o autor a ideia de que, tendo em vista que todo discurso, seja histórico, seja poético, busca compor uma narrativa daquilo que deseja representar e, para isso, deve encadear cronologicamente, como é o caso do historiador, uma representação verbal que, ao menos, faça constituir um discurso coerente. Por esse viés refletido, mesmo não tendo o compromisso de ligar acontecimentos de forma cronológica, podemos fazer uma leve alusão literária ao engenho criativo praticado por Tapioca no romance Conspiração Barroca. No capítulo XXXIV, localidade de Cachoeira do Campo, ano de 1788, uma passagem identifica os diferentes vieses que interferem na forma de recontar os episódios históricos. As palavras mantidas entre o diálogo do doutor Álvares Maciel e o padre José Eugênio reforça tal questão: “Ensina a História que, ordinariamente, são circunstâncias econômicas que provocam decisões políticas, raramente o inverso.” (TAPIOCA, 2008, p. 169).

CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao concluirmos o nosso estudo, é possível afirmar que o romance Conspiração Barroca ainda permanece longe de ser esgotado por inúmeras razões. Sua fortuna crítica, ainda escassa, faz com que muitos pesquisadores acabem desistindo de investigá-lo. No entanto, vários ângulos interdisciplinares podem alavancar outras análise e interpretações. Por fim, o objetivo deste artigo perpassou algumas discussões de que os episódios da Inconfidência Mineira e suas variadas circunstâncias não são cristalizados e petrificados, ou seja, são passíveis de serem questionados e recontados por uma nova perspectiva. Ao longo deste trabalho, comprovamos, por meio do recorte dos fragmentos, que a história-problema percorre boa parte dos acontecimentos sobre a Inconfidência Mineira. Convenhamos que, um tipo de análise realizada, com base nos teóricos da Crítica Literária e da Teoria Historiográfica, também pode servir de forma resultante a outros tipos de estratégias oferecidas pela leitura na pesquisa histórica e literária. É curioso notarmos que essa constatação de encarar a História oficial como se fosse algo problemático e questionável, fugindo do tão desgastado teor factual, tema da nossa abordagem, contrasta com as técnicas de narratividade do escritor baiano, que, como vimos, abastece o romance com novos instrumentos da historiografia. Alguns deles poderiam ser enumerados: o autor dá voz aos sujeitos esquecidos, utiliza a multiplicidade de 24

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narradores, formula o entrecruzamento de personagens reais e fictícias, amplia as histórias privadas de algumas autoridades como são os casos de Tiradentes, Aleijadinho, entre outras figuras históricas. Sem receios, o que se reconhece e se lê na prosa histórica de Tapioca é uma modernização das técnicas de narrativa historiográfica outrora anunciadas pelos teóricos filiados à escola francesa mencionada na introdução, tomando como empréstimo a evolução da metodologia de se escrever a própria História. Em resumo, se pegássemos carona nesse gancho, é possível identificarmos, na prosa de Tapioca, um seguimento investigativo que pudesse sondar tal questão, descortinando análises, entre algumas, a comparação das técnicas de escrita do romance histórico com as conformidades historiográficas do historiador. Portanto, cabe ao próximo pesquisador interessado lançar outros olhares sobre tais hipóteses de investigação comparativa.

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Compreender Qualidade em Educação

MOREIRA, Célia17 GOUVEIA, João18

RESUMO Tendo em conta as constantes preocupações com a qualidade em educação, procuramos, com o presente artigo, compreender a crescente importância da implementação de um sistema de gestão de qualidade nas escolas, assente numa forte articulação entre os diferentes stakeholders e no desenvolvimento, monitorização, avaliação e melhoria contínua do serviço educativo prestado. Nessa perspectiva, procuramos, ainda, identificar fatores críticos de sucesso, designadamente no que diz respeito ao papel desempenhado pelas lideranças, enquanto estruturas de coordenação educativa e supervisão pedagógica, e peças fundamentais para a construção de uma competência docente coletiva alicerçada no fortalecimento das relações interpessoais e direcionada para a concretização dos objetivos e metas do projeto educativo da escola. Palavras-chave: Educação; Sistema de Gestão de Qualidade, Stakeholders, Monitorização; Avaliação.

ABSTRACT Taking into account the constant concerns with quality in education, we seek, with this article, to understand the growing importance of implementing a quality management system in schools, based on a strong articulation between different stakeholders and in the development, monitoring, evaluation and continuous improvement of the educational service provided. In this perspective, we also seek to identify critical success factors, namely the role played by leaders, as structures of educational coordination and pedagogical supervision, and as fundamental pieces for the construction of a collective teaching competence based on the strengthening of interpersonal relationships and directed towards the achievement of the objectives and goals of the School Educational Project. Keywords: Education; Quality Management System; Stakeholders; Monitoring; Evaluation.

INTRODUÇÃO As preocupações com a qualidade sempre existiram, pois fazem parte da natureza humana. No entanto, nas últimas décadas, o termo “qualidade” passou a ser cada vez mais frequente no nosso vocabulário. Fala-se muito em qualidade de um produto, qualidade de um serviço, qualidade de vida, mas também em qualidade de ensino. Assim como as sociedades, as escolas também foram evoluindo para dar resposta aos constantes desafios, chegando a uma consciência organizacional em que a noção de qualidade, bem como os esforços desenvolvidos para a alcançá-la, poderão fazer toda a diferença na missão das próprias instituições (DAVOK, 2007). 17 Escola Superior de Educação Paula Frassinetti , Centro de Estudos em Desenvolvimento Humano da Universidade Católica Portuguesa, Instituto de Investigação em Arte, Design e Sociedade da UP.

18 Escola Superior de Educação de Paula Frassinetti , Centro de Estudos Interdisciplinares em Educação e Desenvolvimento da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias. Revista Vivências Educacionais


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Não obstante as diferentes políticas educativas dos últimos anos, mantém-se a preocupação dos governos em relação à qualidade da educação. A reorganização da administração pública, baseada na New Public Management, e o objetivo de oferecer serviços públicos da forma mais econômica e eficiente possível têm sido matéria de discussão política, fazendo com que o setor público evoluísse de um modelo burocrático impessoal, centralizador e hierarquizado para um modelo flexível, descentralizado e cujo principal foco é o cliente (MARTINS, 2012). As novas diretrizes da New Public Management introduziram, no setor público, princípios e instrumentos, normalmente utilizados na gestão privada, com o objetivo de melhorar a eficiência, a eficácia e a estabilidade financeira do Estado. É nessa perspectiva, aliada à ideia de accountability, que surge a necessidade da gestão da qualidade nas instituições públicas.

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Segundo Garvin (1992), a grande maioria das abordagens modernas da qualidade foram surgindo gradualmente não resultando de inovações marcantes ou pontuais. Uma das primeiras etapas no desenvolvimento da área da qualidade aconteceu no final do século XIX, em que o sistema de produção, até então artesanal, dava lugar a um sistema de produção em massa e, gradualmente, ao aumento da competitividade e da importância que é atribuída à qualidade (FONTOURA, 2016). Com o aparecimento em todos os domínios de produtos cada vez com melhor qualidade, as pessoas adquiriram uma nova cultura e tornaram-se mais exigentes e sensíveis para pormenores anteriormente negligenciados. A necessidade de implementar um sistema que facilitasse às organizações o gerenciamento e, simultaneamente, o aperfeiçoamento da qualidade dos seus bens e serviços foi considerada a melhor solução para conseguir a melhoria contínua e um melhor desempenho e, consequentemente, uma melhor representatividade nos mercados. Assim, a qualidade deixou de ser um diferencial competitivo e passou a ser uma necessidade básica das organizações, a fim de que consigam maior eficiência e eficácia, acompanhando, dessa forma, o crescimento do mercado (FONTOURA, 2016). A ideia de que tudo pode e deve ser avaliado no sentido de melhorar a qualidade do produto ou do serviço prestado vem ganhando terreno no nosso cotidiano e alargando-se a outros domínios como, por exemplo, o da educação.

EM TORNO DO CONCEITO DE QUALIDADE Apesar de não possuir uma delimitação semântica precisa, por se tratar de um conceito amplo, os dicionários definem “qualidade” como o grau de utilidade esperado ou adquirido de qualquer coisa, verificável através dos seus elementos constituintes e pelo resultado do seu uso. Nessa perspectiva, o conceito suscita várias interpretações desde a satisfação do cliente até a busca da excelência para todas as atividades de um processo. Sendo a qualidade um conceito amplamente subjetivo, existem vários fatores que interferem na sua definição como, por exemplo, a cultura, o tipo de produto ou o serviço prestado, as necessidades e as expectativas. Algumas organizações internacionais como a Associação Portuguesa para a Qualidade, a Association Française de Normalisation, a American National Standards Institute e a American Society for Quality convergem na forma como definem o conceito de qualidade remetendo para as características de um determinado produto ou serviço que satisfazem as necessidades dos clientes (COSTA, 2013). Ao longo da história, a definição de qualidade apresenta pontos de vista distintos, que vão desde a cultura das empresas e o desenvolvimento socioeconômico da região onde elas estão situadas até outros fatores como a concorrência e a obrigatoriedade da exigência, que fazem com que a gestão de topo se decida por implantar um Sistema de Gestão de Qualidade (SGQ) com base em indicadores de desempenho que possam ser continuamente mensurados a partir da avaliação realizada aos processos administrativos e técnicos. “É inviável avaliar sem dispor de escala de contraste; não se pode afirmar que se vai bem ou mal, sem medição interna e externa” (DEMO, 2009 apud FONTOURA, 2016, p. 67). Sabendo que a avaliação da qualidade no sentido de melhoria contínua é um processo que se desenvolveu nos meandros da economia e migrou para a educação, deve-se ponderar muito bem o processo utlizado para medi-la, bem como o destino a dar e as motivações que a justificam (CABRITO, 2009). Em outras palavras, exige-se que a meçamos em relação a uma qualidade padrão, que tem de ser perfeitamente compreendida e estabelecida, o que nos remete para um processo de monitorização e avaliação sistemático. Quando se mede 28

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algo, estamos necessariamente a entrar num processo de comparação em relação a um referente entendido como padrão de qualidade. Importa, inicialmente, definir uma estratégia de monitorização sistemática que permitirá medir/avaliar o serviço educativo prestado com base em indicadores de qualidade. Enunciado de várias formas, o conceito de qualidade na área educacional, de maneira geral, abarca as estruturas, os processos e os resultados educacionais. É uma forma de estar e de atuar no sentido de haver uma procura permanente de obtenção de melhores resultados a partir de um melhor desempenho de cada elemento interveniente no processo. Davok (2007) remete à expressão “qualidade em educação” para a eficiência, a eficácia, a efetividade e a relevância do setor educacional e, ainda, dos sistemas educacionais e de suas instituições. Falar de qualidade em educação é complexo, porque são muitos os fatores que condicionam os processos sociais e individuais, complexidade agravada por conta da natureza subjetiva de alguns fatores e, logo, difíceis de avaliar (CABRITO, 2009). Nem tudo é passível de ser medido sem se reduzir, de alguma forma, o objeto avaliado. Não podemos ignorar um conjunto alargado de fatores que condiciona a qualidade da e em educação, tais como a localização geográfica, a origem social e econômica dos alunos, a mobilidade docente, a organização dos horários ou os recursos existentes na escola.

Pires (2010) reconhece que a educação é o setor mais determinante para o nível de desenvolvimento do país ou da região, principalmente porque a competitividade exige níveis de qualificação mais elevados, que não são possíveis de alcançar sem que os sistemas de ensino-aprendizagem obtenham a eficácia de satisfazerem as necessidades da comunidade em quantidade e em qualidade das suas saídas, com custos adequados aos recursos envolvidos. Desse modo, um Sistema de Gestão de Qualidade (SGQ) deve ser entendido como algo que vem ajudar uma organização, que a implementa, a ter mais qualidade e as ações de melhoria são, para esse efeito, a peça fundamental. Trata-se de um compromisso renovado com a qualidade que passa pela atribuição de responsabilidades e pela definição de um processo cíclico de melhoria contínua, em que as atividades supervisivas e pedagógicas deverão servir os propósitos de indagar e melhorar a qualidade da ação educativa. Numa abordagem reflexiva e dialogante entre todos os atores educativos, a supervisão tem um papel decisivo na implementação dos processos e dos métodos de organização, no controle de qualidade e na eficiência processual, sendo imprescindível para o crescimento e a qualificação das organizações escolares. Um SGQ é um sistema dinâmico que, através do controle de gestão, permite planejar, implementar, verificar e atuar (COSTA, 2013). Esse processo, inspirado em Walter A. Shewhart (1891-1967) e, posteriormente, aperfeiçoado por William Edwards Deming (1900-1993), conhecido como PDCA (Plan, Do, Check, Act), nunca tem fim, pois o seu objetivo é manter a melhoria contínua dos processos como dos produtos, ajudando as organizações a ter uma visão a longo prazo. Em Portugal, a preocupação com a qualidade e com a autoavaliação surgiu nas escolas como imperativo legal, e não apenas devido à necessidade de prestação de contas e responsabilização das instituições educativas e dos seus agentes. A Lei n.º 31/2002, de 20 de dezembro, alterada pelo Art.º 182 da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, que aprova o sistema de avaliação da educação e do ensino não superior, estabelece que o controle de qualidade deve se aplicar a todo o sistema educativo com vista à promoção da melhoria, da eficiência e da eficácia, da responsabilização e da prestação de contas, da participação e da exigência e de uma informação qualificada de apoio à tomada de decisão. Nos termos da lei, a avaliação estrutura-se com base na autoavaliação, a realizar em cada escola ou agrupamento de escolas e na avaliação externa. Cada escola, na busca da garantia da qualidade, assume a capacidade de autorregulação institucional e define estratégias de autoavaliação que, tendo caráter obrigatório e permanente, fundamenta-se na análise dos seguintes critérios de avaliação: 2 grau de concretização do projeto educativo e modo como se prepara e concretiza a educação, o ensino e as aprendizagens das crianças e alunos, tendo em conta as suas características específicas; 2 nível de execução de atividades proporcionadoras de climas e ambientes educativos capazes de gerarem as condições afetivas e emocionais de vivência escolar propícia à interação, à integração social, às aprendizagens e ao desenvolvimento integral da personalidade das crianças e alunos; Faculdade Educacional da Lapa – FAEL

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IMPLEMENTAÇÃO DE UM SISTEMA DE GESTÃO DA QUALIDADE


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2 desempenho dos órgãos de administração e gestão das escolas ou agrupamentos de escolas, abrangendo o funcionamento das estruturas escolares de gestão e de orientação educativa, o funcionamento administrativo, a gestão de recursos e a visão inerente à ação educativa enquanto projeto e plano de atuação; 2 sucesso escolar, avaliado através da capacidade de promoção da frequência escolar e dos resultados do desenvolvimento das aprendizagens escolares dos alunos, em particular dos resultados identificados através dos regimes em vigor de avaliação das aprendizagens; 2 prática de uma cultura de colaboração entre os membros da comunidade educativa.

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Apesar de ser um procedimento obrigatório, concordamos com Pacheco (2011) que reconhece que a avaliação externa tem desempenhado um papel importante na consolidação do processo de autoavaliação através de um sistema interno de regulação fundamentado na implementação de procedimentos de previsão e monitorização de resultados alicerçadas numa cultura de avaliação abrangente. É inequívoco que avaliar a qualidade em educação é indispensável, sobretudo quando se pretende implementar estratégias de melhoria. Dessa forma, é fundamental definir o processo utilizado para avaliá-la e o destino a dar a essa avaliação. Cabrito (2009) destaca que só faz sentido se houver um objetivo formativo, ou seja, se contribuir para encontrar problemas ou, até mesmo, oportunidades, e sugerir possíveis respostas a cada situação. Nesse sentido, torna-se essencial a definição clara de indicadores de natureza quantitativa, mas também qualitativos, diferentes de escola para escola. O Modelo Integrado CAF19 Educação, Referencial da Avaliação Externa e EQAVET, destinado a todas as instituições de ensino e formação de nível não superior abrangidas pela Lei nº 31/2002, de 20 de dezembro que aprovou o Sistema de Avaliação da Educação e do Ensino Não Superior, afigura-se como uma importante ferramenta de gestão de um processo de autoavaliação organizado e sistemático, pois tem como principal objetivo promover a realização de um processo de autoavaliação agregador, através da avaliação integrada dos indicadores relativos ao modelo CAF Educação, Referencial da Avaliação Externa (Terceiro Ciclo de Avaliação Externa das Escolas) e EQAVET20, possibilitando uma economia de recursos e de tempo, bem como uma visão de conjunto sobre os vários processos avaliativos. Com a implementação da CAF Educação, além das organizações educativas atuarem dentro do quadro legal, legislativo e regulamentar, é possível gerir a pressão colocada pela avaliação externa, monitorizando e ajustando os processos de qualidade da organização. Sendo uma metodologia simplificada do Modelo de Excelência da European Foundation for Quality Management (EFQM), a CAF Educação permite realizar a autoavaliação através da qual uma organização procede ao diagnóstico do seu desempenho, numa perspectiva de melhoria contínua. Apresenta-se como um poderoso modelo de autoavaliação para as organizações educativas, fundamentado numa estrutura de nove critérios que correspondem a aspetos globais estratégicos para uma análise holística da organização. Na figura seguinte, está representada a estrutura da CAF Educação. Figura 1 – Estrutura do Modelo CAF Educação

Fonte: CAF Educação (2018).

19 CAF: Common Assessment Framework. 20 EQAVET: European Quality Assurance in Vocational Education and Training. 30

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Como objetivos específicos, o modelo pretende: 2 introduzir uma cultura de excelência e os princípios da Gestão da Qualidade Total nas organizações da administração pública, em particular nas organizações educativas; 2 orientá-las progressivamente para um ciclo completo e desenvolvido de PDCA “Planejar – Executar – Rever – Ajustar”; 2 facilitar a autoavaliação das organizações com o objetivo de obter um diagnóstico e identificar ações de melhoria; 2 servir de ponte entre os vários modelos utilizados na gestão da qualidade, no setor público e privado; 2 facilitar o bench learning; 2 otimizar a gestão e o funcionamento dos serviços da escola; 2 promover e facilitar a mudança organizacional na cultura escolar; 2 fomentar o planejamento, a definição de estratégias e a orientação dos serviços públicos para resultados; 2 gerir por processos, em que cada atividade traga valor acrescentado para a escola. A utilização do modelo permite à organização escolar implementar uma metodologia de autorregulação, isto é, identificar os seus pontos fortes, identificar as áreas de melhoria, implementar um plano de ações objetivando a melhoria e, por fim, atingir a certificação dos padrões de qualidade da escola. O instrumento de autoavaliação, que permite identificar e analisar pontos fortes, pontos fracos e oportunidades de intervenção, permitirá à instituição definir estratégias para reforçar o que está bem e intervir sobre as áreas de melhoria, fortalecendo complementarmente o envolvimento e o compromisso dos stakeholders com base nas prioridades de intervenção e nas oportunidades que foram detectadas. Segundo Fontoura (2016), a implementação de um SGQ leva a um aumento motivacional dos colaboradores e promove uma participação mais ativa, o que conduz ao aumento da produtividade (eficiência) e à melhoria dos resultados (eficácia) da instituição, resultando em vantagens competitivas da organização. Além disso, estimula o trabalho colaborativo e o desejo de aperfeiçoamento contínuo, assim como um maior rigor na definição das responsabilidades, a melhoria do controle administrativo e técnico, o aumento de competências pessoais através da experiência monitorizada e refletida e que, em conjunto, fazem toda a diferença na melhoria nos serviços prestados. Desse modo, afigura-se como relevante a forma como são formadas as equipes de autoavaliação. A sua constituição deve garantir a representatividade dos vários agentes que compõem a escola enquanto organização. Ademais, elementos da comunidade educativa, tais como autarquias, empresas, organismos públicos locais, instituições do ensino superior poderão, ainda, ser consultados, de forma a oferecer importantes contribuições no processo de autoavaliação. Embora se saiba que são vários os benefícios conquistados pelas organizações quando decidem implementar um SGQ, se o sistema escolhido não for devidamente apresentado, conduzido, monitorizado e avaliado, poderá assistir-se a um retrocesso (FONTOURA, 2016). Dessa forma, a definição clara de indicadores de qualidade em educação constituiu uma proposta metodológica de autoavaliação participativa capaz de mobilizar e envolver os diferentes stakeholders. Nota-se que o uso dos indicadores de qualidade depende de escola para escola e ajuda a monitorizar, avaliar e melhorar a qualidade do serviço educativo prestado pela instituição. Caberá a cada instituição definir os indicadores de medida que considere mais adequados, tendo em conta o contexto em que se insere, além daqueles considerados obrigatórios e utilizados para comparar o desempenho das escolas, tais como os resultados da avaliação interna e externa ou a taxa de desistência (absentismo e abandono precoce) ou, no âmbito da implementação de sistemas de garantia da qualidade na educação e formação profissional (EFP) em alinhamento com o Quadro EQAVET, a taxa de conclusão em cursos de EFP, a taxa de colocação no mercado de trabalho após conclusão de cursos de EFP e a utilização das competências adquiridas no local de trabalho. Faculdade Educacional da Lapa – FAEL

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2 apostar no desenvolvimento das competências do pessoal docente e do pessoal não docente;


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Ao corroborar a ideia de Gouveia (2015), o nível de maturidade dos sistemas de gestão é diretamente proporcional ao nível de utilização das ferramentas de avaliação e desenvolvimento de sistemas de indicadores verdadeiramente úteis, permitindo traçar e definir objetivos mensuráveis, capazes de prever tendências e identificar ações remediativas e preventivas, bem como promover a melhoria contínua. O autor defende que os indicadores-chave de desempenho ou Key Performance Indicators constituem-se como uma ferramenta de gestão essencial no planejamento estratégico das escolas, pois permitem identificar, organizar e monitorizar o que é realmente importante no seu desempenho, em resultados como em processos, de forma a poder alocar melhor esforços e recursos.

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Por sua vez, Moura (2019) considera que a validação de uma estratégia de meta-avaliação das organizações escolares potencia às próprias equipes de autoavaliação a monitorização e a autorregulação tendo em conta os processos implementados, de modo a aferir a qualidade do trabalho desenvolvido e os resultados decorrentes da autoavaliação. Assim, a autora propõe um instrumento de meta-avaliação organizado em quatro dimensões, em que a participação da direção é absolutamente decisiva, nomeadamente no que diz respeito à coordenação e à constituição da equipe de autoavaliação. É consensual a vantagem da inclusão de um elemento da Direção, pois isso comunica a importância que esta atribui às funções de autoavaliação, maximiza os efeitos das decisões tomadas, facilita o trabalho a desenvolver (nomeadamente, ritmos de trabalho e suas exigências, assim como eficácia e eficiência na sempre difícil tarefa de recolha de dados) e credibiliza o impacto das conclusões. (GOUVEIA 2015, p. 105)

PAPEL DAS LIDERANÇAS No processo de implementação de um SGQ, é necessário que as lideranças encontrem uma razão para o fazer, o que requer uma forte componente motivacional que estimule os stakeholders a explorar as suas potencialidades e, simultaneamente, reconhecer o seu mérito (FONTOURA, 2016). Segundo Costa (2013), pessoas motivadas são aquelas que, ao exercerem as suas funções, são capazes de estimular e explorar as potencialidades das suas organizações. É a partir das lideranças que devem ser emanadas todas as orientações estratégicas para a qualidade, bem como as metas estabelecidas para a instituição. Um clima organizacional positivo, alicerçado em formas de comunicação eficazes, potencia a qualidade dos desempenhos, daí a importância das competências pessoais e sociais por parte das lideranças de topo e intermédias, sobretudo no nível das estruturas de coordenação educativa e supervisão pedagógica. Liderança, em contexto escolar, requer a existência de uma visão forte e partilhada, e implica colaboração e supervisão, numa interação positiva, com vista aos resultados a atingir (MOURA, 2019). Nesse sentido, a supervisão deve ser entendida como um meio e uma área de conhecimento que permite desenhar uma estratégia de avaliação formativa, decisiva para a renovação da organização (MOURA, 2019). Cabe às estruturas de coordenação educativa e supervisão pedagógica apoiar a implementação de um sistema de gestão de qualidade, envolvendo os diferentes agentes, num processo supervisivo constante, ao objetivar melhoria contínua do serviço educativo prestado. Fullan e Hargreaves (2000) descreveram que a forma com que se obtêm melhoria na escola ocorre quando os professores estão envolvidos. Para Fontoura (2016), a gestão da qualidade só passará a ser uma realidade nas escolas quando a direção e os docentes se articularem de forma harmoniosa no alcance das finalidades patentes no projeto educativo, encontrando, colaborativamente, respostas para a resolução de problemas. A implementação e o desenvolvimento de estratégias organizacionais bem estruturadas, a partir de um diagnóstico sistémico, permitem alcançar patamares qualitativos superiores (FONTOURA, 2016). Para tal, torna-se necessário que os diferentes stakeholders, a par das lideranças, assumam um papel reflexivo e transformador da escola, aprendendo a conhecer-se melhor e colaborando para a concretização dos objetivos estratégicos da instituição. Todos devem questionar, reflectir e manter um diálogo (democrático) que promova a co-participação e a co-responsabilização de vários actores – professores, supervisores, gestores, alunos, pais, (...) –, benefi32

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ciando os diálogos da escola e contribuindo para que os ambientes escolares sejam auto-dirigidos, auto-organizados, auto-construtores e auto-avaliadores. (SANTOS et al. 2008, p. 35)

A adoção de um SGQ em educação procurará com que a liderança da instituição faça uma gestão eficaz do planejamento, dos processos a implementar e da respectiva monitorização, de modo a assegurar a melhoria contínua do desempenho da organização e, consequentemente, a qualidade educativa. Sendo assim, a constituição das equipes de trabalho, e respectivos coordenadores, nomeadamente da equipe de autoavaliação, afigura-se como fator decisivo na implementação de um SGQ eficaz e eficiente, e cabe aos diretores definir os seus elementos, garantindo a representatividade dos diferentes stakeholders. Lopes (2011 apud FONTOURA, 2016) reforça a ideia de que, quando o diretor de uma instituição reconhece a importância da constituição de equipes de trabalho e se conscientiza dos benefícios da participação de todos no processo de elaboração do planejamento estratégico, consegue definir os objetivos, estabelecer as metas e implementar as ações com maior facilidade. Dessa forma, consegue-se uma maior responsabilização por parte dos stakeholders e o planejamento estratégico é fundamental na tentativa de alcançar a excelência, tendo em conta os seguintes fatores: capacidade de operacionalização dos diferentes setores, tendo em vista a eficácia das práticas; adequação dos procedimentos técnicos e administrativos; e avaliação do grau de inserção da instituição na comunidade envolvente. De acordo com Gouveia (2015, p. 111), “[...] disseminar a cultura avaliativa significa capacitar e conferir empowerment aos agentes para problematizarem e encontrarem respostas a questões como a de saber o que está a correr bem/mal e porquê”. No processo evolutivo do estudo da liderança, passou-se de modelos estáticos para os modelos que têm em conta as variáveis do contexto e as relações entre líderes e liderados. Além disso, as evidências sugerem que as lideranças têm um papel fundamental na criação de uma cultura escolar positiva, incluindo a mentalidade pró-ativa da escola e apoiando e aumentando a motivação e o compromisso necessários para promover melhorias e o sucesso dos alunos (AMORIM et al., 2019).

CONCLUSÃO A revisão bibliográfica realizada com o presente artigo permitiu-nos compreender melhor o conceito de qualidade em educação e a crescente importância de implementar um SGQ nas escolas. Entendido como um sistema de gestão dinâmico, um SGQ eficaz e eficiente deve passar pela atribuição de responsabilidades e pela definição de um processo cíclico de melhoria contínua em que as lideranças, enquanto estruturas de coordenação e supervisão pedagógicas, desempenham um papel fundamental na concretização dos objetivos e metas do projeto educativo. Qualidade requer envolvimento e compromisso dos agentes educativos e da própria organização, como um todo, com o processo de aperfeiçoamento contínuo. Faculdade Educacional da Lapa – FAEL

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No entanto, e corroborando a opinião de Senge (1990), torna-se necessário o envolvimento dos outros stakeholders na edificação de uma cultura de aprendizagem coletiva, sabendo que o papel das lideranças é fundamental para os implicar nas decisões e práticas da organização. É preciso ouvir com muita atenção todos os atores educativos para conhecer as suas necessidades e expectativas, o seu grau de satisfação e motivação, assim como é necessário especificar clara e objetivamente o que se espera deles para que se possa garantir a melhoria do serviço prestado. Quando as pessoas se envolvem verdadeiramente, a resistência é menor e o processo torna-se mais partilhado e significativo. Uma “organização que aprende” é uma organização que desenvolve processos de reflexão, que organiza, avalia e reflete sobre a sua ação como uma oportunidade para aprender (SENGE, 1990). É nesse sentido que a qualidade na educação está diretamente relacionada com a qualidade da gestão educacional. Reconhecer que a melhoria contínua é fundamental para atingir patamares de excelência conduz à conscientização da necessidade de alteração da cultura escolar, ou seja, da necessidade de reorganizar e redirecionar estrategicamente a própria organização (FONTOURA, 2016). Nesse sentido, a gestão de topo tem um papel decisivo na medida em que formaliza o compromisso da organização em garantir que a qualidade seja a principal prioridade, articulada com a missão, visão, valores e a estratégia da instituição explanados no seu projeto educativo.


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Práticas de gestão, coordenação e supervisão saudáveis, baseadas na confiança, na liderança partilhada, na autonomia e na abertura para a participação crítica de todos são essenciais no desenvolvimento da organização, sobretudo num mundo em constante mudança. Nesse sentido, a implementação de um SGQ, assumido por todos os stakeholders, afigura-se como uma mais-valia para uma escola que se quer inovadora e comprometida com a construção de um lugar partilhado, capaz de dar resposta aos constantes desafios do cotidiano escolar.

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Nas últimas décadas, a investigação sobre as escolas eficazes e sobre a melhoria das escolas revelou que uma boa liderança por parte dos diretores das escolas é um fator importante para o sucesso dos processos de melhoria e eficácia. Dessa forma, a liderança constitui uma variável importante para o seu desenvolvimento organizacional e para a melhoria dos resultados escolares, sendo o fator interno da escola que, depois do trabalho dos professores nas aulas, mais contribui para que os alunos aprendam (AMORIM, 2019). Além das competências pessoais e sociais necessárias para uma eficiente e eficaz intervenção das lideranças, na implementação de um SGQ, é fundamental a promoção de um clima organizacional positivo, fundamentado em formas de comunicação, com uma forte componente motivacional, que estimule, por um lado, o envolvimento dos vários stakeholders e, por outro, os incentive a explorar as suas potencialidades. Ademais, as lideranças devem garantir a representatividade dos vários agentes educativos na constituição das equipes de trabalhos e assegurar-se que as orientações estratégicas vão ao encontro da missão, da visão e dos valores da instituição. As lideranças devem garantir, ainda, que os processos de monitorização e avaliação sejam sistemáticos e baseados em indicadores de qualidade, mas também que as atividades pedagógicas e supervisivas sirvam os propósitos de melhorar a qualidade da ação educativa. Não obstante a análise teórica apresentada, alguns aspectos evidenciados ao longo do artigo merecem um estudo mais aprofundado, nomeadamente no que diz respeito aos estilos de liderança e seu impacto na implementação de um SGQ e à forma como a liderança influencia a cultura organizacional, o clima de escola e a organização escolar.

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Do conceito de Inovação Pedagógica

MARQUES, Helena21 GONÇALVES, Daniela22

RESUMO Num contexto em que a inovação é percecionada como imprescindível quer para enfrentar os desafios atuais, quer para o crescimento econômico e o desenvolvimento social, neste trabalho, procura-se compreender o conceito de inovação pedagógica, integrado num campo mais vasto do que o da educação. Para isso, é realizado um enquadramento teórico que permita uma aproximação à definição do conceito, etapa essencial para a identificação e para a definição de critérios de qualidade de inovação pedagógica. Face a uma suficiente consensualidade encontrada na literatura da área relativamente a critérios de identificação da inovação em geral e da inovação pedagógica em particular, apresenta-se uma (re)definição de inovação pedagógica. Palavras-chave: inovação pedagógica; referencial; definição.

ABSTRACT In a context where innovation is perceived as indispensable both for meeting the challenges facing us today and for economic growth and social development, this work seeks to understand the concept of pedagogical innovation, integrated in a broader field than education. For this purpose, a theoretical framework is established which allows an approach to the definition of the concept, an essential stage for the identification and definition of quality criteria of pedagogical innovation. Faced with a sufficient consensus found in the area’s literature regarding criteria for identifying innovation in general and pedagogical innovation in particular, a (re)definition of pedagogical innovation is presented. Keywords: pedagogical innovation; referential; definition.

INTRODUÇÃO Se no presente quadro do sistema educativo português, cujos mais recentes normativos, enquadrados no projeto de autonomia e flexibilidade curricular lançado às escolas a partir de 2017, têm procurado dar resposta aos desafios de uma sociedade em mudança, em geral, e às necessidades de cada contexto escolar, em particular, o conceito de inovação pedagógica tem estado na ordem do dia. A verdade é que, no atual contexto de pandemia causada pelo vírus SARS-CoV-2, mais pertinente se tornou a discussão em torno desse tema. Com efeito, no mundo como o conhecemos hoje, em que é preciso encontrar novas soluções e resolver problemas num contexto desconhecido e adverso, em que as tecnologias digitais, desenvolvidas ao longo das últimas décadas, mas cuja ampla difusão foi catalisada pela premente necessidade de meios eficazes de comunicação, de alternativas na 21 Colégio de Santa Doroteia; CIPAF da ESEPF. E-mail: helena.marques@csdoroteia.info 22 ESE de Paula Frassinetti; CIDTFF da UA; CIPAF da ESEPF. E-mail: dag@esepf.pt Revista Vivências Educacionais


execução de muitas tarefas e na aquisição de produtos e serviços, são vistas como panaceia para os desafios que se nos colocam, nunca foi tão clara a percepção da relevância e da imprescindibilidade da inovação. Por si só, as políticas educativas não são garantia de inovação na sala de aula, mas podem ajudar a construir e a comunicar a mudança ao desempenharem um papel fundamental como estimulador e facilitador, concentrando recursos, definindo um clima propício e usando a responsabilidade para favorecer inovação em vez da conformidade, tal como é apontado na literatura (GUERRA, 2018; GONÇALVES et al., 2017). Também na área da educação, sobretudo na fase de confinamento, em que, em poucas semanas, foi necessária uma enorme adaptação do ensino e da aprendizagem, facilitada pelos meios digitais, a temática da inovação pedagógica tem estado em destaque, quer no que diz respeito às exigências sentidas no terreno pelas escolas e seus respetivos professores, quer no que concerne às necessidades percebidas pelos alunos e pelas famílias.

Nesse sentido, vemos interesse em compreender o conceito de inovação pedagógica, seguindo uma metodologia qualitativa, a partir da análise documental. Para isso, faremos uma revisão teórica do conceito, que nos permita uma aproximação à definição de inovação, em geral, e de inovação pedagógica em particular. Os objetivos deste trabalho são, portanto, conhecer o enquadramento teórico do conceito de inovação pedagógica e propor uma (re)definição do conceito.

DO CONCEITO DE INOVAÇÃO PEDAGÓGICA O termo inovação, derivado do verbo latino innovare a que se juntou o sufixo «–tio», «-ção» em português, designando a ação de inovar, significa trazer uma inovação para um contexto, alterando-o, revolucionando-o, num contexto político. A questão, porém, permanece: o que entendemos por inovação? Etimologicamente, o termo “novo” (do adjetivo novus, a partir do qual surge novare, só depois innovare, e, por fim, innovatio, como explicamos) traz consigo a polissemia com a qual nos confrontamos atualmente, podendo significar algo desconhecido ou original, mas também recente e, ainda, renovado. No entanto, a falta de consensualidade relativa ao conceito não se deve principalmente à sua história etimológica, embora tal fato não deixe de ser propício à diversidade de sentidos que se atribuem ao termo “inovação”, pelo que nos parece necessário analisar os contextos em que ela se tem revelado decisiva, de forma a compreender as razões que levam especialistas a divergir relativamente à definição de inovação. A inovação vem desempenhando cada vez mais um papel central na “economia do conhecimento”, na expressão popularizada por Drucker em 1969, sendo vista como um fator determinante no crescimento econômico e no desenvolvimento social dos países desenvolvidos e em desenvolvimento. Como explicam Dantas e Ferreira (2019, p. 84), “o atual reconhecimento da inovação enquanto fator crítico para a vantagem competitiva das empresas e para o crescimento económico dos países […] tem justificado uma vasta literatura sobre o tema”. Ora, a centralidade do conhecimento como base do crescimento econômico levou ao aumento do investimento em Investigação e Desenvolvimento (I&D) como forma de melhorar os níveis de inovação e, portanto, de produtividade e sucesso das empresas. Não obstante, cedo se compreendeu que não havia uma correlação direta garantida entre a Investigação e Desenvolvimento e a inovação, como defendiam as abordagens lineares da inovação (ARAÚJO-JORGE; CONDE, 2003), que não davam conta das interações dos diversos agentes dos processos de inovação, como preconizaram, nos anos 80, Kline e Rosenberg (2009) no seu estudo de referência em que apresentam o modelo interativo de inovação. De fato, estes autores vêm assinalar que, apesar do papel significativo da I&D no processo de inovação, deve-se considerar ainda como fatores decisivos as habilidades organizacionais, o desenvolvimento e o acumular Faculdade Educacional da Lapa – FAEL

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No entanto, a face polissêmica do termo, potenciada pelas circunstâncias que acabamos de expor, torna-se acentuadamente mais visível, na medida em que, dependendo do paradigma que lhe está subjacente, bem como do contexto em que se insere ou da forma que assume, assim também é variável o conceito implícito ao seu uso, sendo que, na educação, tal como noutras áreas, os termos inovação e tecnologia são, muitas vezes, indissociáveis.


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de competências técnicas, bem como a análise do mercado, pelo qual a inovação deve ser perspetivada à luz do sistema complexo em que se insere.

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Precisamente, dois dos poucos aspectos em que há convergência de perspectivas na literatura são a complexidade e a natureza interativa da inovação. Trata-se do caso de Manual de Frascati (2015), cuja origem remonta à década de 60, que, procurando estabelecer as fronteiras entre atividades de Investigação & Desenvolvimento (I&D) e inovação, mostra que a I&D pode, de fato, fazer parte da inovação, integrando-se numa série de atividades de inovação, em várias dimensões como a aquisição de conhecimento, as máquinas, equipamentos e outros bens de capital, o treinamento, o marketing, o design e o desenvolvimento de software, resultantes das interações internas ou externas à empresa, mas deixa claro que, apesar da relevância das atividades de pesquisa científica e tecnológica para a inovação, não há uma correlação positiva garantida entre as primeiras e a última. A respeito disso, julgamos ser importante destacar, sobretudo no contexto atual, o fato de que o desenvolvimento tecnológico ou a expansão do uso dos meios tecnológicos digitais não garante e, muito menos, significa inovação, aspecto sublinhado por vários autores (PERRIN, 2002; FINO, 2008; POGGI, 2011; WAHEED, 2012; FERNANDES, 2014; WALDER, 2014; BRUYCKERE, KIRSCHNER, HULSHOF, 2015; PEDRÓ, 2018), que, à semelhança do Manual de Frascati (2015), identificam a tecnologia como meio motor ou promotor da inovação, mas não seu sinônimo. No que diz respeito ao conceito de inovação, o Manual de Frascati (2015) apresenta uma perspectiva similar à edição de 2005 do Manual de Oslo, referência internacional de inovação na área empresarial, que agrega alguns dos principais tipos de inovação (produto, processo, de marketing e organizacional) estabelecidos por Schumpeter, que, na primeira metade do século XX, foi pioneiro dos estudos sobre o impacto da inovação no desenvolvimento econômico. No entanto, atualmente, o Manual de Oslo (2018), reduzindo a complexidade da definição da edição anterior (2005) a dois tipos principais de inovação (de produto e de processo), define inovação como “a new or improved product or process (or combination thereof ) that differs significantly from the unit’s previous products or processes and that has been made available to potential users (product) or brought into use by the unit (process)” (Manual de Oslo, 2018, p. 20). Portanto, a inovação é aqui perspetivada seja como algo novo, original, seja como uma renovação ou, ainda, como uma mistura de ambos, sendo que, em qualquer dos casos, se distingue significativamente dos produtos ou processos anteriores. Verifica-se que, a par da utilidade, a novidade, ainda que o seu sentido possa ser, como vimos, diversificado, é um elemento distintivo da inovação. Salienta-se, ainda, que a edição atual (Manual de Oslo, 2018) opta por usar a expressão “atividades de inovação” para se referir ao processo e “inovação” para designar o produto, justamente para evitar que, com um único termo – inovação –, não seja clara essa distinção. A implementação é requisito essencial, é o que diferencia a inovação de outros conceitos, como invenção (leia-se criatividade), sublinhando-se no referido manual que a inovação deve ser colocada em uso. O critério da implementação está igualmente presente na definição de Theodore Levitt na sua famosa distinção entre invenção e inovação: “ideation and innovation are not synonyms. The former deals with the generation of ideas; the latter, with their implementation” (Levitt, 2002, p. 3). Sendo assim, a criatividade gera novas ideias e, estando no nível do pensamento, é algo subjetivo e difícil de avaliar. Por sua vez, a inovação, na medida em que implica realização, como, aliás, prenuncia o seu sufixo, é mensurável, critério sublinhado pelo Manual de Oslo, o que o diferencia de outros documentos que concetualizam a inovação. Por outro lado, vários estudos conceitualmente afins das correntes neo-schumpeterianas (DOSI, 1982, 1984; FREEMAN, CLARK E SOETE, 1982; PAVITT, 1984; MALERBA; ORSENIGO, 1995; PEREZ, 2003 apud DANTAS; FERREIRA, 2019) destacam a natureza cíclica da inovação, já que, historicamente, períodos de recessão possibilitaram que as empresas ou novos empreendedores introduzissem inovações radicais para dar resposta a uma diminuição de procura. Além disso, e, paralelamente, sublinham a cumulatividade dos processos de inovação, na medida em que podem resultar de uma base de conhecimento que, reunida ao longo do tempo, favoreceria o processo de inovação. Na mesma ótica, sublinhando que o conhecimento é a base da inovação, o Manual de Oslo (2018) destaca também a criação ou a preservação de valor como objetivo presumido da inovação. Não obstante, Levitt (2002) chama a atenção para o fato de que nem sempre a inovação é implementada 38

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com sucesso, dada a imprevisibilidade no que diz respeito a resultados definidos e esperados, mas não garantidos. Independentemente daqueles dois tipos ideais de processos de inovação, a inovação é vista, nessa ótica, como a capacidade de as organizações produzirem valor, melhorando a qualidade do seu produto ou serviço.

Com efeito, são muitos os autores que se referem à inovação em contextos educativos não como um fim, mas como um meio, cuja finalidade de melhoria é uma componente fulcral (CARDOSO, 1997; JACOBS, 2000; MESSINA, 2001; POGGI, 2011; WALDER, 2015; PEDRÓ, 2018), ainda que condicionada à ideia de novidade, como sugere Barraza (2005), já que, segundo o autor, pode existir melhoria sem inovação. E, na verdade, uma constatação semelhante está presente no recente documento da OCDE (VINCENT-LANCRIN, et al., 2019) para a medição da inovação pedagógica, cujos autores advertem o seu pressuposto de base: “we do not assume that innovation is necessarily an improvement” (VINCENT-LANCRIN, et al., 2019, p. 25), sendo que, procurando responder à questão que aí lançam: “Is innovation necessarily ‘innovative?’”, afirmam que veem a inovação “as a significant change in selected key practices in education (and mix thereof )” (VINCENT-LANCRIN, et al., 2019, p. 23). Portanto, inovação é aqui uma mudança evolutiva de determinadas práticas, independentemente de serem inovadoras ou não, ao contrário da visão predominante da literatura. Autores como Cardoso (1997), Messina (2001) ou Poggi (2011) chegam mesmo a proferir explicitamente que a inovação não é uma mera mudança, mas antes resulta de determinada intencionalidade, aspecto com o qual concordamos, opondo a nossa posição à do referido documento (VINCENT-LANCRIN, et al., 2019). Torna-se, nesse momento, imprescindível, por um lado, mencionar o que se entende por novo, quando se fala de inovação pedagógica e, por outro, referenciar as duas principais razões apontadas para o desencadear de processos de inovação pedagógica. Pela mesma ordem, no que diz respeito ao conceito de novidade, a maior parte dos autores, entende-a como uma prática nova, ou seja, como algo inédito em ação (CARDOSO, 1997; MESSINA, 2001; BARRAZA, 2005; FINO, 2008; GUERRA, 2018; PEDRÓ, 2018), original (WALDER, 2014) ou mesmo marginal (JACOBS, 2000). Todavia, alguns estudos contemplam também a possibilidade de o conceito de novo se estender a algo já conhecido, mas novo em dado contexto ou com uma finalidade diferente (POGGI, 2011). Em segundo lugar, verifica-se que a inovação surge normalmente da discrepância entre o que se faz e o que se poderia fazer, isto é, entre a situação real e a desejada (OLIVEIRA; ROCHA; ORVALHO, 2018), em relação a objetivos, metas e resultados esperados em determinada conjuntura ou organização (BARRAZA, 2005), caraterizando-se por um processo de indagação que procura resposta para problemas do contexto (MESSINA, 2001; BARRAZA, 2005; FULLAN, 2007; LOPES, 2017; CRUZ, ESCORZA; RAMIREZ, 2018). Advogamos, no entanto, que a inovação pode e deve resultar do reconhecimento de oportunidades, numa lógica proativa e não apenas reativa. Da perspectiva desses autores, ressalta-se, ainda, além da intencionalidade já posta em evidência, a natureza contextual da inovação (VEIGA, 2003; POGGI, 2011), aspecto de grande consenso na literatura relativa à inovação pedagógica. Ora, justamente, na medida em que nasce enquadrada em contextos educativos, sociais e até políticos distintos, a inovação pedagógica, tal como outras áreas, engloba uma grande variedade de atividades (KLINE; ROSENBERG, 2009), quer de produtos, quer de processos, quer de novas formas organizacionais ou, ainda, de marketing ou das relações com os stakeholders (VINCENT-LANCRIN, et al., 2019), caraterizando-se, assim, por uma enorme diversidade (FULLAN, 2007). À condição multifacetada da inovação, acresce o seu caráter multidimensional (VIEIRA, 2016), uma vez que são vários os âmbitos em que podemos situar a inovação pedagógica, a título de exemplo, o currículo, o processo de ensino e de aprendizagem, os recursos e a alteração de crenças (BARRAZA, 2005; FULLAN, 2007), Faculdade Educacional da Lapa – FAEL

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Na mesma linha de pensamento, Fullan (2007) distingue “inovação” de “capacidade de inovação”, que seria justamente a capacidade de as organizações se envolverem numa melhoria contínua, finalidade que está largamente presente na literatura do tema, tanto no que diz respeito ao meio empresarial, de que são exemplos consagrados Kline e Rosenberg (2009), como relativamente à educação, área de estudo deste trabalho e na qual nos focaremos de agora em diante.


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a que poderíamos, sem grandes hesitações, acrescentar outros aspectos do desenvolvimento profissional docente, tal como todas as alterações na estrutura e processos organizacionais.

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Ora, a complexidade que daqui decorre não deixa de estar refletida no modo como se perspetiva o impacto da inovação, que só quando é significativo (BARRAZA, 2005; POGGI, 2011; LÓPEZ; HERÉDIA, 2017; GUERRA, 2018) ou duradouro (MEIRA, 2016 apud LOPES, 2017; VIEIRA 2016) é verdadeiramente inovador, seja nas práticas de sala de aula, seja nas mudanças da profissionalidade docente, que, muitas vezes, implicam compromisso e transformações pessoais (ALARCÃO; CANHA, 2013), seja a nível organizacional. Determinados autores defendem inclusivamente que a inovação implica uma ruptura no nível dos processos, visível sobretudo nas práticas, mas também nos papéis dos atores envolvidos e na gestão organizacional (CARDOSO, 1997; VEIGA, 2003; FINO, 2008; FERNANDES, 2014), posição que nos remete para a mudança de paradigma educativo a que temos assistido na educação em Portugal, de teor construtivista, quer ao nível da abordagem teórica predominante, quer do sistema político vigente. No entanto, inovação e reforma, embora afins, não devem confundir-se (BARRAZA, 2005), já que a primeira ultrapassa largamente a segunda (CARDOSO, 1997) e que a inovação é vista como um processo autogerado (CARDOSO, 1997; MESSINA, 2001; VEIGA, 2003), não decretado de cima de baixo (muito embora a mudança do sistema educativo possa propiciar a inovação), postulado até como transgressão, e, portanto, contrário a uma ideia de inovação instituída (FINO, 2008). Todavia, autores como Carbonell (2008), por oposição, defendem que a inovação deve ser sistêmica. Justamente no que diz respeito à questão da mudança educacional em larga escala, Fullan (2007) utiliza o termo reforma, e não inovação ou capacidade de inovação, que dizem respeito a uma inovação específica, em nível micro, e à capacidade de inovar de uma organização, em nível macro. A esse respeito, revemo-nos também nesta perspectiva predominante da literatura. Ora, o caráter contextual, e, por conseguinte, multifacetado e diverso da inovação pedagógica leva alguns autores, como é o caso de Barraza (2005), a considerar que os processos de inovação não são transferíveis para outra conjuntura, já que são planificados em função de objetivos e metas precisos para determinado enquadramento. Opostamente, autores como Poggi (2011) ou Pedró (2018) consideram que um dos critérios para falarmos de inovação é precisamente ser transferível para outros contextos. O primeiro carateriza a transferibilidade enquanto recriação adaptada ao novo contexto, e não replicação, como se poderia alegar; o segundo, refere a adoção generalizada como critério de inovação, à semelhança do Manual de Frascati (2015), cujos critérios de inovação incluem justamente o fato de ser transferível, apesar da natureza incerta da inovação. Em estreita relação com esse último aspeto, Perrin (2002) chama a atenção para a imprevisibilidade da inovação no que concerne resultados, contudo sublinha que tal natureza não implica que não se faça uma avaliação do impacto da inovação. Defende, ao invés, que, à semelhança dos capitalistas de risco, se faça uma análise do risco calculado, sem pressa de medir o impacto por natureza de longo prazo. Afirma, assim, que o foco da avaliação a curto e médio prazo deve ser a aprendizagem que daí se retira, mais do que o sucesso, e que devem ser estabelecidos níveis de inovação. Por outro lado, lembra que é preciso considerar o contexto e a interação com muitas outras atividades, de modo a compreender em que medida há melhorias observáveis e, portanto, em que a inovação acrescenta valor ao terreno em que se insere como sugerem autores da área da educação (LOPES; HERÉDIA, 2017; PEDRÓ, 2018). Tal perspectiva, diretamente relacionada com o entendimento da inovação pedagógica enquanto conjunto de processos e estratégias planejadas para a mudança (CARDOSO, 1997; MESSINA, 2001; BARRAZA, 2005; POGGI, 2011), que, de forma sistematizada, se implementa, tem subjacente o pressuposto de que a inovação cria valor e é mensurável, aspectos que se explicitam assertivamente no Manual de Oslo (2018), na medida em que é vista como ação cujo objetivo primordial é a melhoria. Chegados ao ponto em que claramente se verifica que determinados traços distintivos da inovação se entrecruzam, quer explicitamente na literatura, quer implicitamente na leitura que dela fazemos, entendemos ser necessário sintetizar os principais aspectos aqui revistos. 40

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Ainda que seja bastante reconhecida a diversidade de aceções semânticas do termo inovação, encontramos certos traços dominantes nas várias áreas aqui referidas – Negócios, I&D e Educação – por um lado, e algum consenso no que não é inovação, por outro. Em síntese, decisivamente, a inovação não é um fim, mas um meio (MESSINA, 2001; VINCENT-LANCRIN, et al., 2019), não se circunscrevendo, além disso, a uma mera mudança ou a uma ideação criativa, pois está indissociavelmente ligada à finalidade de melhoria e à ação, à implementação. Distingue-se, ainda, do conceito de inovação tecnológica, visto que, apesar de o desenvolvimento tecnológico ser um dos fatores-chave que promovem a inovação, como vimos, não garante, por si só, a inovação empresarial, científica ou pedagógica. Por fim, de modo geral, a inovação, pela sua natureza contextual, é distinguida do conceito de reforma, atribuído ao nível mais amplo das políticas educativas, que compreendem a produção de normativos legais, decisões curriculares nacionais, aspectos da formação e avaliação de desempenho de professores ou a avaliação do próprio sistema educativo (BARRAZA, 2005).

Em relação a divergências, a par da definição da inovação como produto ou processo, predominando na área da educação a perspetiva de processo, e nas restantes a consideração de que pode assumir uma ou outra forma, a discussão centra-se sobretudo em dois aspectos: a mensurabilidade da inovação, que, para muitos autores, é difícil, senão impossível de avaliar, dada a sua imprevisibilidade, por um lado; e o conceito de novidade, que, para alguns especialistas, é sinônimo de algo inédito ou original, mas, para muitos, assume também o sentido de novo num dado contexto, por outro. Em suma, verificamos que, na área da educação, domina a percepção de que é difícil fixar o conceito de inovação pedagógica, dada a sua natureza, mas também dada a polissemia etimológica do termo “novo”, sendo que, não raras vezes, surgem teses contrárias em muitos dos aspectos analisados, constatando a fragilidade teórica do conceito de inovação pedagógica (MESSINA, 2001; TAVARES, 2018). A respeito disso, vários autores sublinham a necessidade de mais investigação na área, sobretudo através de estudos centrados nos resultados a longo prazo das aprendizagens (HOFMAN, et al., 2012; PEDRÓ, 2018; FERNANDEZ, 2019).

CONSIDERAÇÕES FINAIS Não obstante a fragilidade teórica do conceito de inovação pedagógica, que revela a necessidade de mais investigação na área, neste trabalho, procuramos compreender o conceito de inovação pedagógica, visando integrá-lo num campo mais vasto do que o da educação, o que nos permitiu responder ao primeiro objetivo. De fato, ao conhecer o enquadramento teórico do conceito, ainda que haja divergência de posições acerca do conceito de novo, bem como da mensurabilidade da inovação, encontramos elementos que, pela sua predominância na literatura da área, constituem uma base de suficiente concordância para arriscarmos uma (re)definição de inovação pedagógica. Destaca-se a natureza contextual e multifacetada da inovação pedagógica, que se revela em várias dimensões, embora se centre sobretudo nas práticas de ensino e de aprendizagem, cuja implementação implica uma mudança significativa e duradoura face ao que existia anteriormente. A nosso ver, a inovação pedagógica é efetivamente mensurável, na medida em que é indissociável de uma ação, que resulta da necessidade de resolver um problema ou de uma oportunidade de desenvolvimento. Assim, em relação ao segundo objetivo, definimos inovação pedagógica como um meio, cuja finalidade é a de melhoria, não como um fim, sendo um processo estruturado e intencional, que não se circunscreve a uma mera mudança, tal como é apresentada na mais recente publicação da OCDE (VINCENT-LANCRIN et al., 2019), o que pressupõe um processo de (re)criar e/ou (re)orientar, de forma coletiva e sistemática, uma finalidade, exigindo critérios e mensurabilidade, a partir de um foco deliberado. Faculdade Educacional da Lapa – FAEL

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Há também predominantemente a visão de que a inovação implica uma mudança significativa e duradoura com impacto no conhecimento, no mercado, nas práticas pedagógicas. Tais mudanças ocorrem em várias dimensões, raramente numa só, pelo que a inovação não só é multidimensional, como multifacetada, assumindo diversas formas, constatando-se o seu caráter complexo.


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PEDROZA, Karine23 MATOS, Mara Eli de24

RESUMO Ao considerar a atual conjuntura da educação brasileira, este artigo tem por objetivo geral conhecer o percurso histórico do ensino a distância no Brasil e a legislação que o respalda, mas, principalmente, os aspectos que o diferem do ensino remoto. Para isso, tem-se como objetivos específicos compreender o processo de construção do ensino a distância no Brasil; conhecer a legislação que respalda o ensino a distância no Brasil; compreender os aspectos que definem o ensino remoto utilizado como medidas emergenciais durante o período de pandemia. Diante disso, este estudo conta com uma pesquisa exploratória e uma metodologia que consiste no levantamento bibliográfico acerca do tema proposto na tentativa de traçar um histórico sobre o objeto de estudo e também de identificar as contradições e respostas sobre a pergunta formulada, além de contar ainda com a metodologia de revisão crítica, uma vez que o estudo analisou e sintetizou, a partir de uma avaliação crítica e discussões aprofundadas sobre o assunto, as informações e o conhecimento construído a partir de literaturas e produções científicas disponíveis. Realizada a pesquisa, constatou-se os aspectos que diferem o ensino remoto do ensino a distância e, ainda, apresentou-se as suas respectivas relevâncias para o processo de ensino-aprendizagem e para o desenvolvimento do estudante. Esta pesquisa contribuiu também para a desmitificação do ensino remoto, uma vez que muito se falou sobre a sua ineficácia por ter sido uma decisão emergencial que se deu mediante a situação pandêmica que se encontrava o país. Em síntese, este estudo constatou que não há um ensino melhor e outro pior, até porque esta não era a questão da pesquisa, mas ficou evidenciado que tanto o ensino remoto quanto o ensino a distância só tendem a contribuir para o desenvolvimento dos estudantes. No entanto, para isso, é necessário que professores, estudantes, equipe pedagógica e sociedade estejam receptivos a estes novos processos de ensino. Palavras-chave: Ensino a distância; Ensino remoto; Educação brasileira.

ABSTRACT Considering the current conjunctureof Brazilian education, this article has as a general objective to know the historical path of distance learning in Brazil and the legislation that supportsit, but mainly the aspects that differentiate it from remoteeducation, for this purpose is to understand the process of construction of distance learning in Brazil; to know the legislation that supports distance learning in Brazil; to understand theaspects that define remote education used as emergency measures during the pandemicperiod. Therefore, this study has an exploratory research and a methodology that consists of the bibliographic survey on the proposed theme in an attempt totrace a history about the object of study and also to identify the contradic23 Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Linguística (PPGL), ofertado pela Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT), 2021. 24 Professora Doutora da FAEL – Faculdade Educacional da Lapa. Curitiba/PR. Revista Vivências Educacionais

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Ensino a Distância versus Ensino Remoto, Contexto Histórico, Bases Legais e Diferenças na Aplicação: uma Revisão Crítica


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tions and answers about the questionformulated, besides having the methodology of criticalreview, since the study analyzed andsynthesized, from a critical evaluation and in-depth discussions on the subject, the information and knowledge constructed from available literature and scientific productions. After the research, we found the aspects that differ the remote teaching of distance learning and also presented their respective relevance for the process of teaching-learning and student development. This research also contributed to the demystification of remote education, since much has been said about its ineffectiveness because it was an emergency decision that occurred through the pandemic situation that was in the country. In summary, this study found that there is no better teaching and a worse one, because this was not the issue of research, but it was evidenced that both remote teaching and distance learning only tends to contribute to the development of students, but for this it is necessary that teachers, students, pedagogical staff and society are receptive to and stes new teaching processes. Keywords: Distance learning; Remote teaching; Brazilian education.

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INTRODUÇÃO Em 2020, o Brasil foi acometido por um vírus que fez o mundo parar, literalmente. Diante disso, os líderes de Estados junto aos seus gestores estudais e municipais, entre outros setores, viram-se obrigados a tomar decisões emergenciais para que a vida da população pudesse retornar, mesmo que de forma limitada. Nesse sentido, normas e regras foram estabelecidas na tentativa de manter o país minimamente ativo, mas também de forma que mantivesse a população em segurança. Alguns setores conseguiram retornar às suas atividades de forma limitada, no entanto, em outros setores, o retorno se tornou inviável e até impossível, como foi o caso da educação. Diante de toda esta questão sanitária que envolveu o Brasil e vários outros paises, foi impossível o retorno às aulas, principalmente, no ensino público, uma vez que a maioria das escolas não possuem estrutura que torne possível colocar em prática as normas emitidas pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Desse modo, medidas emergenciais foram tomadas para que as aulas não ficassem suspensas durante o período pandêmico. Para isso, os gestores dos estados, bem como suas secretarias, entraram com a proposta do ensino remoto. Trata-se de uma forma de ensino pouco utilizada pelos professores pela má estrutura das escolas públicas e pela falta de acesso (internet e computadores) de qualidade para os estudantes. Porém, foi a única forma possível e salutar a ser utilizada para que os estudantes não perdessem totalmente o ano e também para que a evasão escolar não acontecesse em massa. Essas medidas foram tomadas e oficializadas em 1º de junho de 2020, mediante um documento emitido pelo Conselho Nacional de Educação (CNE). A pandemia ainda permanece em 2021, mas com uma melhora. A vacina se faz presente e apresenta resultados satisfatórios, porém, para que o mundo volte ao normal, levará tempo. Sendo assim, manter as medidas emergenciais ainda é necessário. Desse modo, considerando todas as questões citadas acima e a importância do ensino remoto para a educação brasileira, este estudo tem como objetivo geral conhecer o percurso histórico do ensino a distância no Brasil e a legislação que o respalda, além dos aspectos que o diferem do ensino remoto. Além disso, dispõe também de três objetivos específicos que consistem em: compreender o processo de construção do ensino a distância no Brasil; conhecer a legislação que respalda o ensino a distância no Brasil; compreender os aspectos que definem o ensino remoto utilizado como medidas emergenciais durante o período de pandemia, buscando traçar a diferença entre o ensino a distância e o ensino remoto. Para isso, como procedimento para o levantamento de dados, foi realizado um estudo bibliográfico acerca do ensino a distância no Brasil até o ensino remoto, apresentando suas características, definições e relevância para a educação brasileira, mediado sempre pela seguinte indagação: Qual é a diferênça entre o ensino a distância e o remoto? Em suma, é importante ressaltar que esta pesquisa é relevante, pois há uma certa confusão no que se refere à definição de ensino a distância e o ensino remoto, e, de acordo com estudiosos, uma coisa não tem nada a ver com a outra, mesmo tendo em comum os instrumentos tecnológicos. 46

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É importante ressaltar que a elaboração deste estudo consistiu em uma pesquisa exploratória que busca “proporcionar maior familiaridade com o problema, com vista a torná-lo mais explícito ou a construir hipóteses” (GIL, 2002, p. 41). Nesse sentido, a metodologia utilizada consiste no levantamento bibliográfico acerca do tema proposto, na tentativa de traçar um histórico sobre o objeto de estudo e também de identificar as contradições e respostas sobre a pergunta formulada, isso porque a pesquisa bibliográfica “é desenvolvida com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos”, conforme exposto por Gil (2002, p. 44). Desse modo, para a elaboração deste estudo, foi realizada a revisão de literatura acerca do ensino a distância e do ensino remoto, na qual fez-se a seleção de autores que desenvolveram conteúdos pertinentes à temática e, também, o levantamento bibliográfico a partir de livros, artigos, documentos oficiais disponibilizados via internet para que conseguíssemos estabelecer um diálogo com autores/pesquisadores buscando responder o problema da pesquisa. Além disso, primou-se também pela metodologia de revisão crítica, uma vez que o estudo analisou e sintetizou, a partir de uma avaliação crítica e discussões aprofundadas sobre o assunto, as informações e o conhecimento construído a partir de literaturas e produções científicas disponíveis.

Levando em conta que a educação é “direito de todos e dever do Estado e da família, [...]”, conforme exposto no caput do artigo 205, da Constituição Federal de 1988, um “processo de formação humana, cujas finalidades podem ser resumidas no preparo do estudante para o exercício da cidadania” (GIUSTA, 2003, p. 26) e que “[...] o conhecimento é processo que implica na ação-reflexão do homem sobre o mundo” (FREIRE, 2003, p. 79), a educaçao a distância se faz necessária. Porém, essa modalidade de ensino mediada por tecnologias, ou seja, a educação a distância não é algo tão novo como se imagina. De acordo com registros, o primeiro curso a distância se deu via correpondência, em 1904, e consistiu em um curso de Datilografia que dispunha de um material impresso e enviado ao estudante pelo correio. Em 1920, as pessoas podiam estudar escutando rádio, tendo em mãos um material impresso. Os estudantes poderiam aprender línguas estrangeiras e aperfeiçoar o português. Em 1960 e 1970, havia os cursos transmitidos pela televisão, os telecursos, que dispunham de assuntos voltados para a educação e contavam com a participação de atores que ministravam o conteúdo. Desse modo, no decorrer dos anos, com o aumento das políticas de acesso e a inclusão ao ensino superior, visando a democratização do ensino superior, além do avanço tecnológico e do acesso à internet, a procura pela educação a distância tornou-se bastante significativa e não parou mais de crescer. Sua procura foi tão intensa que, em 1996, tivemos o grande marco do ensino a distância no Brasil, que foi a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, Art. 80, no qual: O Poder Público incentivará o desenvolvimento e a veiculação de programas de ensino a distância, em todos os níveis e modalidades de ensino, e de educação continuada. § 1º A educação a distância, organizada com abertura e regime especiais, será oferecida por instituições especificamente credenciadas pela União. § 2º A União regulamentará os requisitos para a realização de exames e registro de diploma relativos a cursos de educação a distância. § 3º As normas para produção, controle e avaliação de programas de educação a distância e a autorização para sua implementação, caberão aos respectivos sistemas de ensino, podendo haver cooperação e integração entre os diferentes sistemas [...]. (BRASIL, 1996)

Depois disso, a educação a distância teve sua última atualização mediante o Decreto n.º 5.622, de 19 de dezembro de 2005. Com isso, o acesso à internet e o desenvolvimento tecnológico, a educação a distância pode alcançar ainda mais pessoas, possibilitando o acesso à educação de qualidade e a possibilidade de formação para os mais variados perfis de estudantes. Faculdade Educacional da Lapa – FAEL

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O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO ENSINO A DISTÂNCIA NO BRASIL


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ASPECTOS QUE DEFINEM O ENSINO REMOTO UTILIZADO COMO MEDIDAS EMERGENCIAIS DURANTE O PERÍODO DE PANDEMIA No dia 1º de junho de 2020, o Ministério da Educação se pronuncia quanto à pandemia que assola o país e publica no Diário Oficial da União o seguinte texto:

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Nos termos do art. 2º da Lei nº 9.131, de 24 de novembro de 1995, o Ministro de Estado da Educação homologa parcialmente o Parecer CNE/CP nº 5/2020, do Conselho Pleno, do Conselho Nacional de Educação – CNE, o qual aprovou orientações com vistas à reorganização do calendário escolar e à possibilidade de cômputo de atividades não presenciais, para fins de cumprimento da carga horária mínima anual, em razão da pandemia do novo coronavírus – Covid-19, e deixa de homologar o item 2.16 do referido Parecer, o qual submete para reexame do Conselho Nacional de Educação, considerando as razões constantes na Nota Técnica nº 32/2020/ASSESSORIA-GAB/GM/GM, conforme consta do Processo nº 23001.000334/2020-21. (BRASIL, 2020)

A partir dessa publicação, tem-se início ativo do processo de volta às aulas sob orientação dos órgãos competentes. Nessa linha, o Conselho Nacional de Educação (CNE), sob o parecer nº 05/2020, apresenta um conjunto de diretrizes que orienta as escolas da educação básica e instituições de ensino superior em como proceder durante a pandemia do coronavírus. O documento tem por objetivo orientar estados, municípios e o Distrito Federal, escolas e instituições de ensino superior sobre quais práticas devem ser seguidas durante a pandemia, além de sugerir diretrizes gerais. Nessas diretrizes, encontram-se propostas acerca do sistema de ensino e a autorização para o aceite de atividades não presenciais para cumprimento de carga horária. Para isso, o CNE enumerou uma série de atividades não presenciais que poderiam ser utilizadas pelas redes de ensino durante a pandemia, ou seja, “os meios digitais, videoaulas, plataformas virtuais, redes sociais, programas de televisão ou rádio, material didático impresso e entregue aos pais ou responsáveis são algumas das alternativas sugeridas” (BRASIL, 2020). No parecer emitido pelo CNE, foram feitas diversas recomendações para todos os níveis de ensino visando evitar a evasão e o déficit no processo de ensino-aprendizagem dos estudantes. Desse modo, em linhas gerais, para a educação infantil, por exemplo, os gestores foram orientados para que buscassem manter a proximidade com os professores e, principalmente, familiares dos estudantes na tentativa de mantê-los vinculados à escola. Para isso, foram sugeridas atividades que envolvessem as crianças, pais e responsáveis. Para o ensino fundamental – anos iniciais, foi sugerido que as escolas dispusessem às famílias um “roteiro prático e estruturado” para que pudessem acompanhar o desenvolvimento e a atuação de seus filhos/estudantes. Já para o ensino fundamental – anos finais e ensino médio, foi sugerido que os pais fossem orientados a supervisionar a realização de atividades de seus filhos e que os estudantes teriam o apoio de planejamentos, “metas, horários de estudo presencial ou on-line, já que nesta etapa há mais autonomia por parte dos estudantes” (BRASIL, 2020). Para o ensino técnico, a ideia foi “ampliar a oferta de cursos à distância (EaD) e criar condições para realização de atividades pedagógicas não presenciais de forma mais abrangente a cursos que ainda não se organizaram na modalidade a distância” (BRASIL, 2020). Quanto ao ensino superior, foi sugerido que as instituições disponibilizassem atividades não presenciais. Já a educação de jovens e adultos (EJA) ficou em aberto, devendo-se considerar a vida de cada estudante, sua rotina de estudos e trabalho. Na educação especial, primou-se pela acessibilidade a todos os estudantes com deficiência mediante uma organização e regulação definidas pelos estados e municípios. E, por fim, a educação indígena, do campo e quilombola puderam “ofertar parte das atividades escolares em horário de aulas normais e parte em forma de estudos dirigidos e atividades nas comunidades, desde que estejam integradas ao projeto pedagógico da instituição, para garantir que os direitos de aprendizagem dos estudantes sejam atendidos” (BRASIL, 2020), entre outros aspectos. De modo geral, o documento buscou atender a todos os níveis e modalidades de ensino. 48

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Como citado anteriormente, o ensino a distância não é o mesmo que ensino remoto. Nesse sentido, qual seria a definição de ensino remoto e o que o difere do ensino a distância?

Particularidades do ensino remoto e o que o difere do ensino a distância Com a inserção abrupta do ensino remoto nos ensinos básicos, superior e técnicos presenciais, houve uma certa preocupação de como iriam proceder as aulas, uma vez que o ensino remoto era algo novo para os professores, equipes pedagógicas e estudantes. A falta de conhecimento sobre o ensino remoto levou alguns profissionais, pais e estudantes a entender o ensino remoto como ensino a distância. No entanto, de acordo com alguns estudiosos, uma coisa não tem nada a ver com a outra. De acordo com Garcia et al. (2020), apesar de estarem diretamente relacionados, o ensino a distância não é o mesmo que o ensino remoto ou vice-versa. Para os autores citados acima:

Além disso, o ensino remoto é compreendido como uma educação síncrona25, isto é, que ocorre ao mesmo tempo e apresenta uma educação que utiliza plataformas para a adaptação e mediação didática e pedagógica. Já o ensino a distância é apresentado como uma educação que “tem como pressuposto desenvolver-se a distância assíncrona26, ou seja, que não ocorre ao mesmo tempo”, conforme exposto no Artigo 80 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (9.394/96), em seu inciso 4º. Nesse sentido, o ensino remoto e o ensino a distância possuem suas especificidades e sua contribuição para o desenvolvimento no processo de ensino-aprendizagem de qualidade dos estudantes, porém, cada modalidade ou forma de ensino possui suas características e exige olhares e manuseios diferentes. Vejamos: O ensino remoto não se constitui apenas de aparatos tecnológicos e acesso à internet. De acordo com o CNE/CP, Parecer n.º 05/2020, o ensino remoto consiste também em atividades não presenciais que podem se dar mediante “material impresso e entregue aos pais ou responsáveis”, primando também por aquele estudante que não dispõe de acesso à internet de qualidade e muito menos instrumentos tecnológicos, conferindo-lhe o direito à educação conforme o caput do Artigo 205, da Constituição Federal de 1988. Já o ensino a distância, de acordo com a nota técnica emitida por “Todos pela Educação”27, “o estudante estuda e faz as atividades no computador (também é possível estudar em tablets ou smartphones), que pode estar em sua casa, trabalho ou em um polo de ensino” (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2020, p. 5). Essa modalidade de ensino propõe a todo e qualquer estudante a possibilidade de acessar seu ambiente virtual de qualquer lugar do país, democratizando, assim, o ensino de qualidade. Já o ensino remoto se deu mediante situação emergencial que exigiu a tomada e a aplicação de medidas a demandas urgentes e que trouxessem resultados eficazes. Outro aspecto que difere o ensino remoto do ensino a distância é a forma como são estruturadas as aulas e cronogramas de estudo. Enquanto no ensino remoto o parecer emitido pelo CNE deixa claro as medidas a serem tomadas em cada nível de ensino, tais como: planejamentos dos estudos, metas, horários de estudo presencial ou on-line, entre outras recomendações, demonstrando um certo “controle” sobre o que e como será ensinado aos estudantes, o ensino a distância exige de seu estudante que estabeleça sua própria rotina de estudos para que consiga aproveitar, satisfatoriamente, o conteúdo disponibilizado. Nessa modalidade de ensino, o estudante é estimulado a desenvolver a sua autonomia e disciplina, já no ensino remoto, fica claro no parecer do CNE, que se deve manter o contato entre pais, estudantes, professores e escola mesmo com o distanciamento social 25 “As ferramentas que exigem a participação simultânea dos usuários” (RAMOS; LEITE, 2018). 26 “As ferramentas que não exigem a participação simultânea dos usuários” (RAMOS; LEITE, 2018). 27 É uma organização da sociedade civil, sem fins lucrativos, plural e suprapartidária, fundada em 2006. Com uma atuação independente e sem receber recursos públicos, seu foco é contribuir para melhorar a educação básica no Brasil.

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O ensino remoto permite o uso de plataformas já disponíveis e abertas para outros fins, que não sejam estritamente os educacionais, assim como a inserção de ferramentas auxiliares e a introdução de práticas inovadoras. A variabilidade dos recursos e das estratégias bem como das práticas é definida a partir da familiaridade e da habilidade do professor em adotar tais recursos (Idem). (GARCIA et al., p. 5)


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proposto pela OMS. Isso é demonstrado quando é proposto no Parecer n.º 05/2020 que creche e pré-escola e gestores devem buscar “uma aproximação virtual dos professores com as famílias, de modo a estreitar vínculos e fazer sugestões de atividades às crianças e aos pais e responsáveis” (BRASIL, 2020), por exemplo. Além disso, o ensino a distância possui uma estrutura e uma metodologia organizada para garantir todo o ensino e uma educação a distância. Já o ensino remoto é um recurso utilizado em um curto período de tempo ou enquanto houver a necessidade (em casos de situação de pandemia, por exemplo) para solucionar um problema rapidamente e que seja acessível para as instituições. Em linhas gerais, o ensino remoto nasceu como opção para atender as demandas de escolarização e formação acadêmica de forma rápida e eficaz e o ensino a distância começou devido à instituição da Lei n.º 9.394 de 1996, que validou a educação a distância para todos os níveis de escolarização. Portanto, entre esses e outros aspectos, não se deve jamais confundir ensino remoto com ensino a distância, pois trata-se de processos de ensino diferentes tendo em comum (ou não) apenas os instrumentos tecnológicos.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Com esta pesquisa, foi possível demonstrar alguns dos aspectos que diferem o ensino remoto do ensino a distância e apresentar as suas respectivas relevâncias para o processo de ensino-aprendizagem e para o desenvolvimento do estudante. Além disso, esta pesquisa contribuiu também para a desmitificação do ensino remoto, uma vez que muito se falou da sua ineficácia. Neste estudo, a partir da leitura e exposição do Parecer n.º 05/2020, ficou evidente que o ensino remoto, apesar de ter sido proposto “às pressas”, não foi algo decidido de forma irresponsável, pois foram trazidas recomendações e orientações de como deveriam ser desenvolvidas as atividades escolares, primando pela sua rápidez e eficácia e pela a segurança de todos. Este estudo também colocou em discussão a diferença entre o ensino remoto e o ensino a distância e contribuiu para os esclarecimentos acerca do ensino a distância que, ora por falta de conhecimento, ora por preconceito, foi, por muito tempo, considerado inferior ao ensino presencial. Além disso, ficou claro que o ensino a distância não nasceu do nada, mas que veio se constituindo aos poucos, de acordo com as possibilidades da época, até chegar ao que é hoje, uma modalidade de ensino que dispõe de legislação própria e que se estabeleceu como uma modalidade de ensino de prestígio e eficiência, que vem tomando espaços ainda maiores na sociedade, no que se refere ao acesso de qualidade ao ensino superior e contribuindo com o desenvolvimento profissional e pessoal de muitas pessoas. De modo geral, com este estudo, é plausível afirmar que não há um ensino melhor e outro pior, tanto o ensino remoto quanto o ensino a distância só tendem a contribuir para o desenvolvimento dos estudantes, mas para isso é necessário que professores, estudantes, equipe pedagógica e sociedade estejam receptivos a estes novos processos/modalidades de ensino, pois o ensino remoto pode até deixar de acontecer depois que a pandemia for controlada, mas, levando em conta todo o percurso histórico da educação a distância, fica claro que essa modalidade de ensino veio para ficar.

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GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1999.


SILVA, Yara Oneida Reis da

RESUMO O presente artigo trata do ensino de Libras nos anos iniciais do ensino fundamental como meio de inclusão educacional de alunos surdos. Para sua elaboração, foi realizada pesquisa exploratória com base na revisão da literatura. O objetivo geral deste trabalho foi verificar a importância da presença da Libras desde o início da escolarização. Os objetivos específicos buscaram traçar um breve histórico de como o surdo vem sendo visto no Brasil, comentar sobre como ocorre o processo de inclusão escolar dele e a importância da Libras como língua identitária da comunidade surda, por isso, a ser aprendida e utilizada no espaço escolar. Através do referencial teórico utilizado, pôde-se verificar que é necessário que a escola e os educadores conheçam as especificidades educacionais das pessoas surdas, pois a educação inclusiva requer uma mudança do que é realmente entendido como ensino escolar. Para que isso ocorra, o estudante surdo deve ter acesso a todo o conteúdo disponibilizado pela escola, respeitando a sua condição, ou seja, de um falante da língua de sinais. Se o estudante passar a trabalhar com a Libras e a língua portuguesa desde os anos iniciais do ensino fundamental, contar com professores especializados, tradutores e intérpretes, será possível fazer com que a educação escolar torne-se um espaço efetivo para a formação integral desse indivíduo, tornando possível que se torne um cidadão atuante na sociedade. Palavras-chave: Surdez; Inclusão; Libras.

ABSTRACT This article deals with the teaching of Libras in the early elementary years, as a means of educational inclusion of deaf students. For its elaboration, exploratory research was carried out based on the literature review. The general objective of this study was to verify the importance of libras’ presence since the beginning of schooling. The specific objectives sought to trace a brief history of how the deaf have been seen in Brazil, to comment on how his school inclusion process occurs and the importance of Libras as an identity language of the deaf community, so to be apprenticed and used in the school space. Through the theoretical framework used, it was possible to verify that it is necessary for the school and educators to know about the educational specificities of deaf people, because inclusive education requires a change from what is actually understood as school education. For this to occur, the deaf student must have access to all the content made available by the school, respecting their condition, that is, a sign language speaker. The student must use Libras and the Portuguese language since the early years of elementary school, have specialized teachers, translators, and interpreters, thus, it will be possible to make school education effective for the integral formation of this individual, making it possible for him to become an active citizen in society. Keywords: Deafness; Inclusion; Libras. Revista Vivências Educacionais

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Ensino de Libras nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental como Ferramenta de Inclusão


1. INTRODUÇÃO A partir da linguagem, o ser humano tem a oportunidade de se comunicar com seus semelhantes, o que o diferencia dos animais. Também é através do contato com a língua que o homem tem a possibilidade de se integrar socialmente. Contudo, para as pessoas surdas, tal contato é prejudicado, uma vez que a língua oral é percebida pelo canal auditivo, o qual é diferente nos surdos. A inclusão social e educacional de estudantes com necessidades especiais tem causado diversas discussões e muita polêmica entre estudiosos e interessados de diferentes áreas. Com isso, há a busca pela melhoria na qualidade de ensino direcionada a esses indivíduos, porém, divergências com relação ao melhor caminho para alcançar esse objetivo comum.

No Brasil, a educação de surdos foi sempre focada na linguagem. Por muito tempo, foi tentado oralizá-los e somente a questão da linguagem era levada em consideração, deixando de lado o processo educacional integral. Existiam, e permanecem até hoje, também, serviços de reabilitação oral, que são prestados e desenvolvidos por fonoaudiólogos. Todavia, o enfoque na oralidade e no ensino de língua portuguesa não foi o suficiente ao longo do tempo tanto no que diz respeito à qualidade da aprendizagem quanto às especificidades dessa comunidade, que tem uma língua, a Língua Brasileira de Sinais (Libras). Ademais, há que se considerar que, geralmente, as crianças chegam à escola sem ter adquirido uma língua, ao contrário dos não surdos. Seja pelo desconhecimento da família, seja por falta de normatização da língua, cabe à escola promover a aquisição da linguagem através de uma língua visual-espacial, isto é, a Libras. Desse modo, este breve estudo trata do ensino de Libras nos anos iniciais do ensino fundamental como meio de inclusão educacional de alunos surdos. Para tanto, estabeleceu-se como objetivo geral verificar a importância da presença da Libras desde o início da escolarização. Como objetivos específicos, elencou-se: traçar um breve histórico de como o surdo vem sendo visto no Brasil, comentar sobre como ocorre o processo de inclusão escolar dele e a importância da Libras como língua identitária da comunidade surda. Para cumprir os objetivos propostos, foi realizada pesquisa exploratória com base na revisão da literatura acerca do tema.

A SURDEZ A existência de pessoas surdas se dá desde o início da existência humana. Para a comunicação, os indivíduos com surdez congênita expressavam-se por sinais, devido ao fato de sentirem dificuldades em se comunicar. Como a dificuldade da audição acaba comprometendo a articulação das palavras na fala, por muito tempo, os surdos foram denominados como surdos-mudos (SÁNCHEZ, 1993). A ausência da fala está relacionada ao fato de que existe uma ausência de audição e não a falta de um aparelho fonoarticulatório. Isso significa que o surdo possui, de fato, condições de funcionamento para a produção vocal (SÁNCHEZ, 1993). No entanto, o desconhecimento fez com que, durante um longo período, fossem vítimas de uma ideia errônea de que sua inteligência era inferior à dos demais (SÁNCHEZ, 1993). Esse pensamento influenciou as práticas sociais durante toda a Antiguidade e grande parte da Idade Média, sendo os surdos privados do acesso à instrução, que significava ler, escrever e calcular à época. Comunicavam-se utilizando poucos sinais e gestos rudimentares, já que, na família, não havia comunicação sistematizada. Com isso, eram isolados do convívio da comunidade de seus iguais (SACKS, 1990). Justamente por conta do desconhecimento, e influenciados pelo pensamento mitológico de que a surdez era um castigo dos deuses, diferentes civilizações cometeram atos desumanos contra os indivíduos surdos, muitas vezes, deixando-os sem auxílio a sua própria sorte (SACKS, 1990). Faculdade Educacional da Lapa – FAEL

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O debate acerca da inclusão educacional vem sendo discutido desde a década de 90, a partir da Declaração de Salamanca (1994), em que ficou decidido que as escolas de ensino regular receberiam alunos com necessidades educacionais especiais. Todavia, o que se observa na prática é que nem todas as instituições estão preparadas para atender ao que reza o documento. Quando a necessidade se refere à surdez, o despreparo das instituições mostra-se mais evidente, pois não há intérpretes de Libras ou professores bilíngues suficientes para atender a esse público. Assim sendo, não há o respeito à individualidade do surdo, que tem a Libras como primeira língua.


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De acordo com Góes (1996), devido à defasagem auditiva, os surdos possuem uma série de problemas para se comunicar através da linguagem dos grupos sociais em que estão inseridos. Essa falta de comunicação não vem sozinha, traz consigo problemas sociais, cognitivos e até mesmo emocionais, pois a pessoa surda, muitas vezes, é excluída, tendo sua interação com os demais prejudicada, o que culmina no seu sentimento de solidão. Em poucas palavras, sabe-se que a atividade psíquica do ser humano é regulada através da linguagem, uma vez que ela é responsável pela estruturação dos diferentes processos cognitivos. Dessa forma, pode-se entender que é a linguagem a principal constitutiva do sujeito, através da qual é possível realizar as interações fundamentais para a aquisição e efetiva construção do conhecimento (VIGOTSKI, 2001), cabendo à escola o papel de auxílio.

Educação do Surdo no Brasil

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Independentemente do país, a educação dos surdos merece ser discutida. A surdez, enquanto dificuldade, deixa de ser uma limitação por meio da educação especializada, no que diz respeito aos recursos, educadores preparados e, principalmente, à utilização das línguas de sinais. Segundo Sá (2006, p. 70), “a história dos surdos é a história das relações entre as comunidades surdas e as ouvintes. É, portanto, uma história que expõe uma luta por poderes e saberes”. As Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, Resolução CNE/CEB n. 2/2021, no Artigo 2º, determinam que: Os sistemas de ensino devem matricular todos os alunos, cabendo as escolas organiza-se para o atendimento aos educadores com necessidades educacionais especiais, assegurando as condições necessárias para uma educação de qualidade para todos. (BRASIL, 2001)

Isso mostra que houve uma grande evolução no atendimento ao aluno com necessidades especiais. No que diz respeito ao surdo, a primeira instituição especializada no atendimento da pessoa surda é o atual Instituto Nacional de Educação dos Surdos (INES), fundado no Rio de Janeiro em 1857. Seu início se deu sob a supervisão do professor surdo Ernest Huet, de origem francesa. O atendimento aos alunos é feito por meio do uso da língua de sinais como forma de acesso aos conteúdos curriculares, dentre os quais se pode citar as disciplinas de Língua Portuguesa, de Aritmética, de Geografia, de História do Brasil, de Escrituração Mercantil, de Linguagem Articulada, de Leitura sobre os lábios e de Doutrina Cristã (LODI, 2013). É importante mencionar que, à época, no país, ainda não existia uma ideia comum no que diz respeito à educação de surdos. Da mesma forma, muitas famílias eram resistentes em educá-los, já que ainda consistiam em um grupo segregado da sociedade. No ano de 1911, após passar por inúmeras modificações pedagógicas e administrativas, o Instituto estabeleceu o oralismo como metodologia oficial, fazendo uso dela como forma de ensinar aos surdos (LODI, 2013). Entretanto, até meados de 1957, a língua de sinais sobreviveu no ambiente escolar, mas fora da sala de aula, onde era proibida. Dessa forma, acabou por condicionar-se aos banheiros, pátios e corredores de escolas, ou seja, fora dos olhares docentes (LODI, 2013). De acordo com Duffy (1987 apud QUADROS, 1997, p. 23), mesmo exposta ao processo de oralização, uma criança surda capta somente 20% do que é transmitido através da leitura labial. Ademais, na sua produção oral, dificilmente é compreendida pelas pessoas com as quais não tem convívio. A partir do final da década de 1990, progressivamente, a língua de sinais foi sendo incorporada às políticas públicas nacionais, sendo resultado de um conjunto de reflexões e práticas originadas nos movimentos sociais. Um dos principais movimentos pela mudança culminou devido à grande insatisfação de pais e educadores acerca do desenvolvimento global dos alunos surdos. De acordo com Lodi (2013, p. 55), “apesar dos esforços e da seriedade do trabalho desenvolvido pelas instituições especializadas, até então os resultados obtidos na escolarização e na integração social não foram os esperados”. Nesse viés, Souza (1998, p. 90) assevera que os movimentos por parte dos surdos, em busca do “direito de um ensino em Língua de Sinais”, foi um marco importante entre surdos e ouvintes. Dessa forma, a inclusão do 54

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surdo na escola regular exigiu a presença de meios que pudessem colaborar com sua participação no processo de aprendizagem, sendo o aperfeiçoamento da escola importante para todos os alunos. Com o movimento de inclusão educacional, por exemplo, percebe-se que há desconhecimento sobre a singularidade linguística dos alunos surdos no que diz respeito aos professores do ensino regular. As pessoas surdas utilizam duas estratégias, isoladamente ou de forma combinada, na comunicação. Utilizam da linguagem gestual, que se desenvolve sem dificuldade, mesmo isolada do contato com outros surdos, por meio da qual interagem relativamente bem em situações cotidianas mais simples.

Língua Brasileira de Sinais (Libras)

Do ponto de vista cognitivo, a língua de sinais é o sistema simbólico privilegiado para o desenvolvimento da linguagem pelo fato de sua modalidade visual-espacial não oferecer barreiras à aprendizagem desde a infância. Assim, sua produção ocorre por meio de signos gestuais e espaciais e sua percepção realiza-se por intermédio de processos visuais (LODI, 2013). Para que essa aprendizagem ocorra, deve estar inserida desde os primeiros anos de escolarização. A Libras é utilizada pela maioria das comunidades surdas brasileiras, as quais se encontram concentradas principalmente nos grandes centros urbanos do país. Aqueles que residem em áreas mais afastadas tendem a criar/desenvolver um sistema gestual diferenciado, uma vez que o contato com as demais comunidades é mais escasso. A Libras foi oficializada em território nacional pela Lei Federal n. 10.436, de 24 de abril de 2002, regulamentada em 22 de dezembro de 2005. A partir de então, foram possíveis avanços no que diz respeito à cidadania bilíngue das pessoas surdas, uma vez que acabou por ampliar os domínios da língua de sinais dentro de diferentes segmentos sociais. Todavia, faz-se necessário que ela seja entendida como componente curricular obrigatório nos cursos de formação de professores, de nível médio e superior, além de profissionais de fonoaudiologia, visto que acaba por preparar os profissionais para a reflexão sobre formas alternativas de comunicação e de interação como requisito de acesso aos conteúdos acadêmicos. De acordo com o Artigo IV da Lei de Libras: O sistema educacional federal e sistemas educacionais estaduais, municipais e do distrito federal devem garantir a inclusão nos cursos de formação de educação especial, de fonoaudiologia e do magistério, em seus níveis médios e superiores do ensino da língua brasileira de sinais-Libras, como parte integrante dos parâmetros curriculares nacionais PCNS, conforme legislação vigente (BRASIL, 2005).

A inclusão educacional dos surdos Quando se fala em educação de surdos, fala-se, de alguma forma, sobre inclusão escolar. O termo inclusão conta com vários significados. Por um lado, algumas pessoas afirmam que a inclusão é uma aula normal que todos os alunos frequentam sem o apoio de uma educação especial. Outros afirmam que o termo é usado apenas para renomear integração, pois é melhor colocar os alunos com deficiência em uma aula regular, pensando no contato com seus pares, desde que eles possam se adaptar à aula. Conforme Voivodic (2004), “a educação inclusiva não reflete o momento presente, mas evidencia o problema social em relação à forma como os deficientes têm sido tratados”. Isso possibilita dizer que a educação inclusiva surgiu com o objetivo de amenizar a exclusão vivida durante muito tempo pelas pessoas com necessiFaculdade Educacional da Lapa – FAEL

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De acordo com Goldfeld (2002), as línguas de sinais são línguas consideradas naturais e utilizam o canal visuo-manual, e foram criadas por comunidades surdas através de gerações. Embora as línguas sejam diferentes nas comunidades, assim como as línguas orais, possuem estruturas gramaticais próprias, independentes das línguas orais dos países onde são utilizadas. Sendo assim, uma língua de sinais deve ser compreendida como uma língua de modalidade visual-espacial que faz uso da visão como forma de significação, utilizando-se de sinais e movimentos. Utiliza-se o termo Libras como forma de designar a Língua Brasileira De Sinais.


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dades especiais. Sendo a escola um ambiente auxiliar na formação da cidadania dos indivíduos, é por lá que essa superação excludente deve começar. Segundo Damázio (2007), é preciso entender o movimento político cultural e educacional que quer extinguir a exclusão, procurando esclarecer os equívocos existentes, buscando soluções para os seus principais desafios. De acordo com o mesmo autor, é preciso modificar as práticas pedagógicas no que diz respeito às condições de acessibilidade, em especial às relativas às comunicações. Isso fará com que o aluno surdo não creia que as dificuldades que tem acerca da leitura e da escrita sejam oriundas da surdez. Para tanto, não são necessárias metodologias específicas para auxiliá-los. Da mesma forma, deve-se criar situações motivadoras e estimuladoras, que possam explorar as capacidades de todos os alunos. Segundo Damázio (2007):

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A organização didática desse espaço de ensino implica o uso de muitas imagens visuais e de todo tipo de referências que possam colaborar para o aprendizado dos conteúdos curriculares em estudo, na sala de aula comum. Os materiais e os recursos para esse fim precisam estar presentes na sala[...], quais sejam: mural de avisos e notícias, biblioteca da sala, painéis de gravuras e fotos sobre temas de aula, roteiro de planejamento, fichas de atividades e outros. (DAMÁZIO, 2007, p. 20)

O ambiente escolar, como uma instituição da sociedade, deve adaptar-se, metodológica e estruturalmente, a fim de proporcionar aos estudantes com necessidades especiais a oportunidade de conviver socialmente com os demais alunos. Ainda de acordo com Damázio (2007), o sistema educacional deve proporcionar aos educadores meios para que possam prestar um bom atendimento ao aluno em processo de inclusão. Dessa forma, os professores devem atender aos alunos com a aula planejada, pensando nos recursos e momentos didáticos que oferecerão para o atendimento educacional especializado em Libras e em língua portuguesa. Segundo Sassaki (1997), a igualdade entre as pessoas é o valor fundamental quando se trata de escolas para todos. A escola deve ser um espaço que considera aspectos da natureza política, social, econômica da sociedade, preparando os estudantes para ela. Ao discorrer sobre a educação dos surdos, sabe-se que, inicialmente, a educação do surdo era pautada na aquisição da oralidade, seguindo os preceitos da área da fonoaudiologia. Marschark (2001) explica que é rara a exposição do surdo apenas à língua oral ou apenas à língua de sinais, mesmo que essa seja a intenção dos pais ou professores. Na prática, mesmo que a língua oral seja a predominante no ambiente, muitas crianças surdas são expostas a algum tipo de comunicação sinalizada ou gestual, ainda que espontaneamente. Hoje, embora ainda haja abordagens que se utilizam dessa estratégia, já se sabe que o bilinguismo é uma proposta inclusiva utilizada nas escolas, pois possibilita ao surdo o acesso e aprendizagem às duas línguas: a língua portuguesa e a Libras. Para Kozlowski (2000), “a proposta bilíngue não privilegia uma língua, mas quer dar o direito e condições ao indivíduo surdo de utilizar as duas línguas: o surdo poderá escolher a língua que irá usar diante do contexto linguístico em que estiver inserido”. Não se pode pensar como sendo diferente, já que o indivíduo surdo transitará entre a sua comunidade e a dos não surdos. Por meio da educação bilíngue no ambiente regular de ensino, desenvolve-se o conteúdo escolar na língua portuguesa e na língua de sinais. É promovido o ensino do português como segunda língua na modalidade escrita para alunos surdos. Além disso, há a necessidade dos serviços de tradutor/intérprete de Libras e língua portuguesa e o ensino da Libras para os demais alunos da escola. De acordo com Santos, Diniz e Lacerda (2016, p. 150), “[...] a presença do intérprete nas escolas é indispensável, pois, é ele quem vai possibilitar o acesso às informações e aos conteúdos ministrados ao aluno surdo, traduzindo e interpretando da língua de sinais para a língua portuguesa, e vice-versa”. De acordo com o Ministério da Educação: Para a inclusão dos alunos surdos, nas escolas comuns, a educação bilíngue/língua portuguesa/Libras, desenvolve o ensino escolar na língua portuguesa e na língua de sinais, o ensino da língua portuguesa 56

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como segunda língua na modalidade escrita para alunos surdos, os serviços de tradutor/intérprete de libras e língua portuguesa e o ensino da Libras para os demais alunos da escola. O atendimento educacional especializado é ofertado, tanto na modalidade oral e escrita, quanto na língua de sinais. Devido à diferença linguística, na medida do possível, o aluno surdo deve estar com outros pares surdos em turmas comuns na escola regular (BRASIL, 2008, p. 16).

A inclusão de pessoas com surdez na escola comum requer que sejam buscados meios para beneficiar sua participação e aprendizagem na escola. Para tanto, conforme Dorziat (1998), o aperfeiçoamento da escola comum em favor de todos os alunos é primordial. Dessa forma, professores devem conhecer e saber utilizar a língua de sinais e a instituição deve implementar ações que tenham sentido para os alunos em geral e que esse sentido possa ser compartilhado com os alunos com surdez. O fato de o processo ser concretizado através de línguas visuais-espaciais, garantindo que a faculdade da linguagem se desenvolva em crianças surdas, exige uma mudança nas formas como esse processo vem sendo tratado na educação de surdos.

A criança surda deve estar inserida no processo de aprendizagem regular de estudo para que possa se comunicar com a sociedade, de uma maneira geral. Por meio do letramento, processo de alfabetização dos indivíduos surdos, evidencia-se a Língua Brasileira de Sinais (Libras) como fundamental no método de aprendizagem no Brasil. Conforme já mencionado neste estudo, diante do fato das crianças surdas ingressarem na escola sem conhecer uma maneira de comunicação linguística, a instituição precisa buscar apoio em programas que garantam o acesso à Libras. Conforme Damázio (2007), na escola regular, um professor especializado acompanha o aluno surdo, explicando os diferentes conteúdos curriculares através da língua de sinais. Além disso, esses alunos devem ter aulas de Libras, com vistas à aquisição de vocabulário e conhecimento da língua. As aulas devem ser mediadas por imagens visuais e referências que possam colaborar para a aquisição da língua. Preferencialmente, os alunos são instruídos quanto à Libras, de acordo com o conhecimento que já tem sobre ela. Muitos pesquisadores têm debruçado seus estudos sobre a melhor maneira de alfabetizar os alunos surdos, entendendo que a língua portuguesa deve ser considerada como segunda língua da comunidade surda. Assim sendo, “uma forma de escrita da Língua de Sinais torna-se emergente para a comunidade no processo de alfabetização” (QUADROS; SCHMIEDT, 2006, p. 29). Tal afirmação justifica-se pelo fato de a língua portuguesa não captar as relações inerentes à linguagem visual, sequer realiza algum tipo de associação e significação natural do processo linguístico. De acordo com Fernandes (2015), melhores resultados na alfabetização dos surdos seriam obtidos se as instituições entendessem a língua portuguesa como segunda língua. Quadros e Schmiedt (2006, p. 30) afirmam que “a criança surda brasileira deve ‘pular’ o rio de um lado para o outro sem ter uma ponte. Assim, a criança vai ser alfabetizada na língua portuguesa sem ter sido ‘alfabetizada’ na língua de sinais”. Um bom encaminhamento das aulas fará com que o indivíduo surdo possa se sentir motivado e seguro no processo de aprendizagem. Essa aprendizagem deve ser integral. Além dos conteúdos relacionados à linguagem, deve também trabalhar com os demais conteúdos escolares. Dessa maneira, a leitura e a escrita em Língua de Sinais são de relevante importância, pois a “alfabetização de crianças surdas enquanto processo; portanto, só faz sentido se acontece na Libras” (QUADROS, 2000, p. 3). Ela se constitui como padrão para que o surdo consiga adquirir a linguagem, compreenda os conteúdos educacionais, consiga interagir com seus pares, bem como para que lhe seja possível a aquisição da língua portuguesa. As Diretrizes e Bases da Educação Nacional Lei n. 9.394/96 estabelecem, no Artigo 59, garantias de que crianças com necessidades especiais terão: “currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos, para atender as suas necessidades”, buscando assegurar um ensino vasto de possibilidades. Partindo das questões abordadas até o presente, quando se reflete sobre a língua que a criança surda usa, a Libras, e o contexto escolar, é importante pensar também na alfabetização. Faculdade Educacional da Lapa – FAEL

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ENSINO DE LIBRAS NOS ANOS INICIAIS


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Alfabetização A alfabetização é um processo que ocorre durante a vida do ser humano. Em especial, as crianças passam por esse processo assim que adentram o sistema educacional ou antes, quando inseridas em um meio que propicie a interação com o mundo escrito. Inicialmente, são formuladas hipóteses e há o estabelecimento de significado para que, então, se possa dizer que houve a aquisição da escrita. De acordo com Soares (2003), a “alfabetização em seu sentido próprio, específico: processo de aquisição do código escrito, das habilidades de leitura e escrita.” A alfabetização pode ser compreendida como um processo de aprendizagem baseado na codificação e na decodificação de sinais gráficos. Kramer e Abramovay (1985) entendem a alfabetização como:

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[...] um processo ativo de leitura e interpretação, onde a criança não só decifra o código escrito, mas também o compreende, estabelece relações, interpreta. Desse ponto de vista, alfabetizar não se restringe à aplicação de rituais repetitivos de escrita, leitura e cálculo, mas começa no momento da própria expressão, quando as crianças falam de sua realidade e identificam os objetos que estão ao seu redor. Segundo nosso enfoque, pois, alfabetização não se confunde com um momento que se inicia repentinamente, mas é um processo de construção. (KRAMER e ABRAMOVAY, 1985, p. 104)

Conforme Cagliari (1998), o processo de alfabetização se realiza quando o indivíduo descobre como o sistema de escrita funciona. Nesse momento, ele aprende a decifrar a escrita e a ler. Sendo assim, para que um aluno seja considerado alfabetizado, é necessário que ele saiba identificar as letras do alfabeto, consiga juntar sílabas, formar palavras, elaborar frases e textos. Ainda, para que a leitura seja considerada significativa, é necessário que o aluno tenha a capacidade de interpretar aquilo que lê. Como a alfabetização é considerada um processo que faz parte da vida do ser humano, com as crianças surdas não deve ser diferente. No entanto, como não é possível estabelecer a relação fonema-grafema, as relações entre significado e significante a serem estabelecidas devem ser visuais. Isso significa que o enfoque da alfabetização do surdo será na autonomia da escrita. Conforme Ferreiro e Teberosky (1985), os níveis de alfabetização se dão com base em sistemas escritos. São eles: pré-silábico, silábico, silábico-alfabético e alfabético (com suas respectivas subdivisões). No que diz respeito à alfabetização do indivíduo surdo, tais níveis acabam não sendo seguidos. Isso se deve à maior dificuldade encontrada por eles no momento de estabelecer as relações de sentido entre as palavras. Os estudos de Ferreiro e Teberosky (1985) sobre a alfabetização denominam que o nível silábico, relação entre as representações escritas e sonoras, para o surdo, deve ser visual. Nesse caso, a leitura labial faria o papel da representação sonora. Para o aluno surdo, a dificuldade inicial é a respeito da escrita alfabética da língua portuguesa no Brasil, que não serve para representar significação com conceitos elaborados na Libras, visto ser uma língua visual-espacial. Os grafemas, sílabas e palavras na língua portuguesa acabam não apresentando relação com o que é apresentado na Libras, que se relaciona com a língua falada. Para tanto, há a necessidade de adaptação e aprimoramento dos termos científicos a serem ensinados, especialmente pelos professores de áreas específicas, que não a de língua, como História, Matemática ou Geografia. Quando não há algum termo científico dentro da Libras, seja a partir de outros surdos ou dicionários, cabe aos educadores a criação de um novo sinal. Da mesma maneira, há alguns anos, o estudo da língua de sinais revolucionou as perspectivas de aquisição da linguagem por crianças surdas e o reconhecimento de que a língua de sinais não é uma linguagem ágrafa, ou seja, sem escrita. Isso mudou o processo de alfabetização dessas crianças. A escrita em língua de sinais registra a relação natural entre crianças e a língua visual-espacial. Se as crianças puderem usar essa forma de escrita para estabelecer hipóteses sobre a escrita, então a alfabetização será o resultado desse processo. O uso de materiais auxiliares pode ajudar os alunos a completar o desenvolvimento da escrita, registrando informações de aprendizagem relevantes. Para Damázio (2007, p. 23), “o caderno expressa sua compreensão 58

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sobre os termos representados em Libras. Os alunos recorrem sempre a esse caderno, como se fosse um dicionário particular.” Considera-se que o letramento é indispensável para a aprendizagem da criança com perda total de audição. Portanto, somente após as crianças surdas estarem alfabetizadas na escrita da Libras, sugere-se iniciar a aquisição formal da língua portuguesa, nesse caso, a segunda língua das crianças.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Desde os tempos mais remotos, os surdos e outras pessoas com deficiência têm sofrido uma série de desrespeitos e discriminações. Por muito tempo, essas pessoas nem mesmo foram consideradas seres humanos, foram consideradas “anormais” e sofreram várias atrocidades.

No Brasil, não foi diferente. Durante séculos, o surdo foi visto de forma pejorativa e a ele nenhuma importância era dada. Apenas em 1857, a pessoa com surdez passou a ser vista pela sociedade, fato que ocorreu com a criação de um instituto que visava a educação voltada para aqueles que não eram ouvintes. A existência de uma língua de sinais, no caso, a Língua Brasileira de Sinais (Libras) foi uma grande conquista para os surdos. A partir dela, é possível que a pessoa surda se comunique com o mundo. Contudo, ainda há poucas pessoas com conhecimento pleno de tal língua, inclusive dentro dos espaços escolares. Outro fator bastante importante para os surdos é a inclusão. A partir da Declaração de Salamanca (1994), ficou decidido que todos os alunos com necessidades especiais deveriam ser matriculados em salas de aula de ensino regular. Essa seria uma estratégia para que quaisquer alunos tivessem a oportunidade de socializar com outros alunos, independentemente de necessidades especiais. Porém, a inclusão enfrenta alguns obstáculos, pois, para que ela ocorra, é necessário que exista, em salas de aula, professores capacitados. A alfabetização é entendida como a aquisição de códigos linguísticos, mais precisamente, a aquisição do alfabeto e sua utilização. No entanto, a alfabetização de crianças surdas deve ocorrer de maneira diferente, uma vez que a língua portuguesa deve ser compreendida como segunda língua para eles e a Libras possui diferenças da língua oral. Nesse ponto, não se pode negar que a presença da Libras desde o processo de alfabetização é essencial dentro das escolas. É por meio dessa língua que os indivíduos surdos poderão se comunicar e, a partir dela, terem o conhecimento da língua portuguesa, pertencendo totalmente à sociedade grafada que existe. Todavia, ainda há um longo caminho a ser trilhado pela educação inclusiva. As leis já estão prontas, porém as escolas devem ser preparadas para receber estes alunos e lhes oferecer um ensino de qualidade que vise seu pleno desenvolvimento e sua plena inclusão. Ressalta-se que este estudo é bastante superficial, exigindo um maior aprofundamento acerca da temática. Entretanto, visa contribuir para estudiosos da área dando-lhes um norte acerca daquilo que pode ser analisado referente ao conteúdo estudado.

REFERÊNCIAS BRASIL. Declaração de Salamanca e Linha de Ação sobre Necessidades Educativas Especiais. Brasília: Corde, 1994. BRASIL. Decreto n. 5626, de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei n. 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras, e o art. 18 da Lei n. 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Diário Oficial da União, Brasília, 23 dez. 2005. Faculdade Educacional da Lapa – FAEL

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Algumas civilizações consideravam os surdos como pessoas sem inteligência, outras acreditavam que o fato da pessoa nascer surda estava relacionada a algum castigo vindo dos deuses. Dessa forma, esses indivíduos deviam ser isolados para que sua “praga” não contaminasse os demais. Muitas dessas civilizações escravizavam seus surdos como forma de castigá-los.


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MARTELETO, Flávio Miranda28 VEIGA, Edicléa29

RESUMO O presente artigo tem como objetivo central apresentar estratégias de animação e fomento da participação dos alunos em fóruns de discussão em educação a distância (EaD), que favoreçam situações de aprendizagem e troca de conhecimento entre alunos e professores. Como objetivos específicos, apresentam-se: compreender a importância do uso do fórum de discussão na EaD; minimizar a distância transacional, reforçada pela distância física promovida pela educação a distância; discutir estratégias que possam promover maior interação de alunos com professores e dos alunos entre si. Desse modo, falar de EAD é pensar na oferta de um processo de aprendizagem dinâmico e eficiente por intermédio de ferramentas tecnológicas. Pode-se dizer que a educação a distância funciona a partir de uma inserção virtual entre um estudante e um tutor EaD, separados por tempo e espaço. Partindo desse pressuposto, convém indagar: como tornar o fórum de discussão uma ferramenta de interação dinâmica e atrativa que venha favorecer o processo de ensino aprendizagem de forma significativa no contexto da EaD? Ao ter em vista que, na modalidade EaD, tanto professor quanto aluno não estão no mesmo espaço físico, todavia, ambos se relacionam a partir de uma plataforma virtual de aprendizagem (AVA). Nesse sentido, conhecer as dificuldades dos alunos se faz necessário para construção de um ambiente de aprendizado eficiente. Entender o que os estudantes esperam de uma ferramenta pedagógica pode ser um ponto de partida interessante para a construção de fóruns de discussão eficazes para a aprendizagem. Discorreremos, no presente artigo, a percepção das fragilidades dos cursos de graduação no que se refere às ferramentas de interação, como o fórum, para a construção e reconstrução do conhecimento. Palavras-chave: Aprendizagem a distância; Interação virtual; Ferramentas de aprendizagem virtual; Comunicação em EAD.

ABSTRACT The main objective of this article is to present strategies for the enhancement of student participation in discussion forums in Distance Education (DE) favoring learning situations and exchange of knowledge among students and teachers. Specifically, we aim to understand the importance of using the discussion forum in DE; and how to minimize the transactional distance reinforced by the physical distance promoted by DE, and also point out how discussion forums can promote greater interaction between students and teachers and students with each Other. Therefore, to promote distance education we need to offer a dynamic and efficient learning process through all technological tools involved. Usually, distance education works from a virtual interaction between a student and a DE tutor, separated by time and space. Based on this assumption, it is worth asking: 28 Doutor em Ecologia e Conservação – UFPR. Professor do curso de Pedagogia da Faculdade Educacional da Lapa – PR. E-mail: flavio.marteleto@docentes.fael.edu.br 29 Doutoranda em Educação – PUCPR. Coordenadora do Curso de Licenciatura em Pedagogia da Faculdade Educacional da Lapa – PR. E-mail: ediclea.veiga@docentes. fael.edu.br

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Estratégias para Maximizar a Aprendizagem por meio dos Fóruns de Discussão em Educação a Distância


How to make the discussion forum an interactive, dynamic, attractive tool that will favor the teaching-learning process in a significant way in the context of DE? Bearing in mind that, in the distance learning methods, both teacher and student are not in the same physical space, however, both are connected through a virtual learning environment (MLE). In this sense, knowing the students’ difficulties is necessary to build an efficient learning environment. Understanding what students expect from a pedagogical tool can be an interesting starting point for Building effective communication tools for learning. This article discusses the importance of understanding the weaknesses in communication of undergraduate courses regarding their interaction tools, focusing on the discussion forum and its importance for the construction and reconstruction of knowledge. Keywords: Distance learning; Virtual interaction; Virtual learning tools; DE communication.

Entre todos os desafios presentes na educação a distância, pode-se apontar que o maior obstáculo para sua eficiência está além da separação geográfica e temporal entre o professor e os alunos e dos alunos entre si, mas principalmente na distância dentro do espaço comunicativo e psicológico entre eles, o que Moore (1997, apud BEZERRA, 2011; ALBUQUERQUE, et al., 2017) denomina “distância transacional”. Nesse sentido, as estratégias de interação aplicadas na educação a distância (EaD) têm como objetivo tentar minimizar a distância física superando a distância transacional entre os envolvidos (BEZERRA, 2011). Nesse contexto, um fórum virtual de discussões em EaD pode ser definido como: Uma modalidade de conversação assíncrona, intencional, dirigida a uma finalidade pedagógica de construção / reconstrução de saberes, composta por segmentos interlocutivos que constituem, a um só tempo, objetos de leitura e indicadores da pessoalidade de seu locutor. (OLIVEIRA; LUCENA FILHO, 2006 p. 3)

Nesse sentido, pode funcionar como uma ferramenta de interação eficiente para diminuir a distância transacional, reforçada pela distância física promovida pela educação a distância. Porém, o formato do fórum faz com que os alunos precisem acompanhar muitas postagens, geralmente sem uma sequência linear, dificultando a participação de muitos estudantes nesses ambientes e o seu envolvimento no curso on-line (PEDRO; RAZERA, 2018). Outros problemas dos fóruns, que levam à diminuição da sua participação, citados por alunos de EaD, são a constante presença de discussões impertinentes aos temas, poucos participantes nas discussões, postagens muito longas, censura de outros colegas, pouco tempo para a produção de um comentário, insegurança sobre o conteúdo discutido e distância da sua realidade cultural e social (OLIVEIRA; LUCENA FILHO, 2006). Para uma gestão mais eficiente desse processo comunicacional, surge, com frequência, a figura do tutor on-line ou e-moderador (PEDRO; RAZERA, 2018). Uma interação clara e eficiente entre aluno e professor é importante para que o processo de ensino-aprendizagem seja bem-sucedido. As interações são marcadas pela busca do professor em estimular o interesse do aluno pelo conteúdo trabalhado, motivando o seu aprendizado. Entretanto, Koç (2017) reforça a ideia de que mais importante que a interação aluno-aluno é a presença do professor nos fóruns, facilitando e direcionando a aprendizagem e discussão do conteúdo e das informações. Após algumas décadas de educação a distância, e com o aumento tanto do número de instituições quanto de cursos oferecidos, muitas estratégias didáticas foram desenvolvidas e implementadas ao longo do tempo. Os fóruns de discussão permanecem presentes em praticamente todos os cursos de EaD, e os problemas para vincular os alunos para sua participação continuam. O objetivo desse trabalho foi levantar, na literatura, estratégias de animação e fomento da participação dos alunos em fóruns de discussão em EaD, que favoreçam situações de aprendizagem e troca de conhecimento entre alunos e professores e de estratégias que promovam maior interação dos alunos entre si e com o conteúdo. Para tal, foi feita uma revisão bibliográfica priorizando tanto trabalhos teóricos quanto estudos de caso. O intuito final é que esse texto possa ajudar profissionais e instituições a desenvolver estratégias e procedimentos metodológicos claros, que incrementem a participação de seus alunos nos fóruns de discussão, de forma a enriquecer o processo de ensino e aprendizagem. Faculdade Educacional da Lapa – FAEL

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INTRODUÇÃO


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UM NOVO OLHAR SOBRE O FÓRUM DE INTERAÇÃO O papel do tutor on-line deve funcionar como o de um professor presencial, que atua como mediador entre os conteúdos elaborados para um curso e as atividades interativas que permitem sua aplicação. Sua função é providenciar a assistência necessária ao processo de aprendizagem, auxiliando os estudantes a aprender de forma mais efetiva. Para ser eficiente, é necessário que os tutores desenvolvam uma gama variada de competências para o trabalho e a comunicação on-line que possui particularidades distintas da comunicação presencial (PEDRO; RAZERA, 2018). Al-Husban (2020) defende que os professores devem se certificar de que os estudantes tenham uma ideia clara sobre o que precisam fazer em cada atividade de um fórum de discussão, especialmente se estiverem promovendo feedback contínuo às atividades dos alunos nos fóruns.

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Koç (2017) defende que, quanto maior a participação e a presença dos alunos no fórum, de uma forma geral, melhor será a sua nota ao final do curso. Percebe-se que os fóruns de discussão, como ferramenta didática, ajudam os estudantes a criar publicações que podem servir como resumos ou sínteses do conteúdo lido e produzido por eles. Segundo Stelzer et al. (2014), a aplicação de ferramentas de ensino e aprendizagem na EaD exige planejamento prévio, uma orientação de processo e uma avaliação que permita retroalimentação e acompanhamento direto por parte do tutor. Ao tornar o estudante protagonista de sua própria aprendizagem, o ensino a distância torna o aluno o responsável pelo ritmo e realização de seus estudos, mas deve-se dar a ele o suporte necessário para atingir os objetivos de aprendizagem. Para tal, certos requisitos são básicos e inerentes a essa modalidade de ensino, como: propiciar a relação entre docente e aluno em espaço e tempo compartilhados e não compartilhados, elaborar um plano educacional multidisciplinar, construir um suporte para o curso com ferramentas tecnológicas e a elaboração de materiais que provoquem desafios para os alunos. A EaD concentra, em larga escala, estudantes adultos com experiência de vida e no mundo de trabalho, muitas vezes com famílias constituídas, mas, ao contrário do que se possa imaginar, eles também apresentam ansiedade quando ingressam na modalidade a distância. Essa ansiedade decorre, em geral, da preocupação que o aluno sente em não ser capaz de atender às suas expectativas de aprendizagem. Cabe ao tutor on-line tranquilizar esse estudante e acolhê-lo nesse espaço, mostrando inúmeras possibilidade, usando ferramentas de interação, como o fórum, para troca de ideias, experiências, conhecimentos, que enriquecem a sua aprendizagem. De acordo com Al-Husban (2020), os estudantes, com frequência, compartilham experiências pessoais e conhecimentos prévios ao curso em suas intervenções nos fóruns interativos. Além disso, eles são capazes de ligar fatos e ideias, porém o foco da discussão não extrapola a informação retirada do livro da disciplina. Justificativas e análises críticas são raramente presentes nos comentários. O autor defende que: De acordo com a Taxonomia de Bloom, do domínio cognitivo, a aplicação, a justificação e a avaliação estão no topo da taxonomia, e os alunos precisam usar essas habilidades de pensamento de nível superior. Esses resultados revelam que os fóruns de discussão são considerados uma ferramenta eficaz para estimular as habilidades de raciocínio dos alunos. No entanto, os resultados também revelaram que os alunos carecem de alguns indicadores de alto nível de pensamento crítico, necessários no ensino superior, como justificativa, utilidade prática e avaliação. (AL-HUSBAN, 2020, p. 123)

Portanto, para facilitar a comunicação, é fundamental que o professor foque em avaliar e questionar o conteúdo do comentário, sendo mais permissivo na linguagem, uma vez que uma característica dos fóruns on-line é a fluidez da comunicação. Diminuir a distância linguística entre fóruns educacionais e fóruns não educacionais pode ser o caminho para dinamizar a interação e, consequentemente, a aprendizagem em cursos de EaD (BEZERRA, 2011). Fóruns de discussão em EaD estão limitados pela tecnologia dos ambientes virtuais de aprendizagem (AVA) em que estão inseridos, o que pode limitar sobremaneira as possibilidades de atendimento das necessidades apresentadas pelos estudantes. Por outro lado, só é possível que o professor ou a instituição façam escolhas ou tomem decisões que favoreçam a interação caso conheçam os anseios de seus estudantes. 64

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Conhecer os anseios e dificuldades dos seus estudantes é ideal para construção de um ambiente de aprendizado eficiente. Entender o que eles esperam de uma ferramenta pedagógica, em especial alunos jovens e adultos, que são o principal nicho do mundo da EaD, pode ser um ponto de partida interessante para a construção de fóruns de discussão úteis para a aprendizagem. Oliveira e Lucena Filho (2006) fizeram um questionário de perguntas objetivas avaliando o que os alunos esperavam ou gostariam que fosse respeitado dentro do fórum de discussão e descreveram, de forma concreta, os principais problemas e soluções esperados pelos estudantes da utilização dos fóruns de discussão: a) falar sobre temas de relevância para a turma e para o curso (98%): os alunos têm consciência da significação educacional do fórum, e conseguem perceber a pertinência ou não dos temas propostos, seja para si próprios seja para o curso, em seus aspectos teórico-práticos. Portanto, temas que parecem desconectados do contexto maior do semestre e do curso despertam menos interesse no grupo de discussão;

c) não ter postagens muito longas (94%): uma postagem longa repercute no ambiente virtual como um discurso prolixo, uma fala cansativa que não se consegue acompanhar a contento. Além disso, a própria mancha gráfica de um registro escrito longo provoca uma espécie de rejeição à leitura, pois o espaço de repouso visual necessário fica prejudicado; d) sentir/perceber que seu espaço de fala está resguardado, e que não há preponderância de ninguém no ambiente virtual (92%): esse desejo está estreitamente vinculado à necessidade de aceitação e acolhimento de si pelo grupo. Sentir que o colega ou o tutor tentam “se mostrar”, sobressair-se em relação ao restante da turma, provoca um desejo de represália, fazendo com que os participantes procurem apresentar também uma sapiência ou competência exagerada a respeito de algum aspecto do tema em foco, ou, por outro lado, desperta o clássico desejo do “silêncio como resposta”, reduzindo ou extinguindo a quantidade e a qualidade das intervenções individuais. Ambas as consequências afetam negativamente os resultados que se podem obter durante a discussão e após ela, em termos de construção e consolidação de conhecimentos; e) não ver o “fórum vazio” (83%): Assim como o faz o ambiente muito cheio e congestionado por muitas intervenções, sejam da turma ou de uma pessoa em especial, o fato de se verem poucas postagens também afeta o grau de motivação de tutores e alunos para participar da discussão em andamento. Esse mesmo princípio é bastante explorado pelo marketing: prateleiras vazias não incentivam o consumo; f ) não durar muito tempo (82%): a métrica de duas semanas foi a mais indicada pelos entrevistados. A partir desse tempo, a quantidade de intervenções, segundo eles, fica muito grande, principalmente quando a turma é mais participativa, o que dificulta o acompanhamento das postagens e enfraquece as linhas de discussão, que tendem a esgotar-se ao longo do tempo de vigência do fórum; g) ter mais de uma linha de discussão, ao longo do período de vigência do fórum (79%): quanto maior o tempo, maior também deve ser a arte de aprofundar os tópicos de discussão pela apresentação de novas possibilidades de exploração do tema, pois trabalhar sempre o mesmo enfoque torna-se cansativo e tende a criar a repetitividade das abordagens e o esvaziamento gradativo dos comentários. O desdobramento do tema central em linhas derivadas foi indicado como possível de ser realizado tanto por alunos quanto por tutores, desde que haja comunicação e consenso entre os segmentos a esse respeito; h) “sentir firmeza” nas colocações do tutor e dos colegas (78%): A expressão “sentir firmeza” traduz um desejo de que as informações e comentários apresentem consistência conceitual, exatidão e coerência com o assunto em foco, tanto por parte do professor-tutor quanto por parte dos alunos. Se tal não ocorre, isso afeta negativamente a confiabilidade da tutoria e do grupo de colegas, enfraquecendo o desejo de interação; i) presença de atualidades e de informações que ampliem os horizontes científico-culturais dos participantes (68%): além de procurarem a base teórico-conceitual ligada ao conteúdo específico, os alunos também apresentaram interesse recorrente por elementos culturais, que se apresentam em uma indicação de leitura ou de filme, no comentário de um evento ligado ao contexto em discussão, na análise de elementos da comunidade da qual fazem parte, bem como todo movimento que amplie os “horizontes livrescos” do tema em foco; j) sentir que são feitas abordagens humanísticas dos temas propostos (64%): não ficar “preso ao conteúdo específico”, propondo e facilitando as chances de extrapolação com a adoção de abordagens mais Faculdade Educacional da Lapa – FAEL

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b) não ter muitos participantes no grupo de discussão (96%): tanto quanto o fórum longo, o número grande de alunos que compõe o grupo de discussão dificulta o acompanhamento das ideias apresentadas e de suas ramificações, bem como induz a poucas postagens, justamente pelo receio de aumentar em demasia a extensão textual que deve ser lida a cada acesso;


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filosóficas e integradoras dos temas, foram consideradas como atitudes bastante desejáveis (tanto por alunos quanto por tutores) em ambientes virtuais de discussão, em especial aqueles que se desenvolvem por um tempo mais longo (duas semanas ou mais). Desse modo, o aspecto teórico-conceitual específico se amplia, permitindo ao aluno a percepção holística da sua área de estudo; l) não ver demonstrações de personalismo (62%): admira-se a firmeza, e não a rigidez. Os participantes esperam, uns dos outros, a capacidade de acolhimento das novas ideias e pontos de vista que se apresentam no ambiente da discussão, sem a defesa acirrada de um determinado aspecto ou crença pessoal. (OLIVEIRA; LUCENA FILHO, 2006, p. 6)

Podemos discutir a pertinência de cada uma das sugestões apontadas pelos alunos descritas pelo estudo em questão. Analisando as quatro primeiras opções mais marcadas na avaliação, a opção “a)” e a opção “d)” parecem bastante coerentes com o que se espera de um fórum. Tanto os temas propostos pelo fórum quanto as inserções dos professores devem ser coerentes com o curso que estão fazendo.

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As sugestões “b)” e “c)” são bastante subjetivas e, a depender do curso, da instituição ou do formato do fórum, podem ser difíceis de serem contempladas no seu planejamento. Muitos cursos não têm como separar um número de alunos mínimo ou máximo para subgrupos de discussão tanto por motivos logísticos quanto pelo tipo e a formatação do AVA utilizado ou mesmo pela quantidade de postagens dos alunos. O problema das postagens muito longas, descritas na sugestão “c)”, pode ser lidado, seja com a limitação dos caracteres permitidos em cada postagem, através do software, ou sugestão do próprio professor, seja com a própria capacidade de argumentação dos alunos. Definir, de antemão, qual será o tamanho mínimo de uma postagem em um fórum, pode não ser um caminho muito democrático para a discussão. O aluno que for muito prolixo corre risco de ser ignorado pelos seus colegas por melhor que seja o seu argumento. O problema apontado em “e) Não ver o ‘fórum vazio’” pode ser solucionado com ações motivacionais, seja do ponto de vista do aprendizado, relacionando os temas dos fóruns diretamente com os das atividades avaliativas, o que pode ser uma motivação acessória, ou mesmo ao utilizar a participação dos fóruns dentro da nota final da disciplina. A educação tradicional, desde a educação infantil e fundamental, nos moldes como foi construída, fez com que a motivação dos alunos para realizar as atividades seja, quase que em sua totalidade, focada nas médias das disciplinas. Isso reflete muito na postura dos alunos jovens e adultos. A satisfação do aprendizado pelo aprendizado, pelo acúmulo do conhecimento e pela cultura infelizmente não motiva os estudantes a aprender. Então, sugerimos, como forma de motivação primária, a valoração direta ou indireta dos fóruns de aprendizagem como parte do processo de avaliação. A motivação pode vir da necessidade de colocar o conhecimento à prova, debatendo com os colegas e com o tutor. Lima et al., em 2019, e Al-Husban, em 2020, apontam que, na visão de tutores experientes, comunicação e cooperação entre os estudantes são pontos fundamentais que devem ser fomentados pelos tutores em um fórum de discussão. E isso pode ser bastante eficiente na motivação caso os pontos defendidos nas opções “a)”, “d)”, “h)”, “i)” e “j)” forem garantidos. As opções “a)” e “d)” já foram discutidas. Lima et al. (2019) apontam para a falta de motivação dos alunos em fóruns em que os professores/ tutores não participam da mediação da conversa. Se não há fomento da discussão, os estudantes se desmotivam com facilidade. Em avaliação da opinião dos alunos sobre a pertinência dos fóruns de discussão, Stelzer et al. (2014) ressaltam que a maioria dos discentes admitiu gostar de participar do fórum, mas apontaram alguns fatores que consideraram negativos. Os alunos entendem que, ao término do tempo estabelecido para a discussão no fórum, o tutor ou o próprio professor deve proceder a um fechamento do tema, sintetizando o que foi discutido, evidenciando os principais tópicos debatidos e esclarecendo a ideia abordada e apresentando uma conclusão do tema (STELZER et al., 2014). Mazzolini e Maddison (2007, apud PEDRO; REVERA, 2018) analisaram como a percepção e a participação dos estudantes em fóruns de discussão on-line é afetada: quanto maior foi a taxa de intervenção do tutor, menor a frequência de postagem dos alunos e mais curtos eram os tópicos de discussão. Esse resultado sugere que o excesso de ação do tutor pode não oferecer incremento à discussão. 66

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Pequeno et al. (2014) buscaram quantificar o relacionamento entre a participação de tutores e alunos em conjunto de mil fóruns avaliados com o intuito de estabelecer padrões de relacionamento entre o número de postagens e a participação dos tutores. Alguns resultados sobressaem, em especial, o estudo aponta que a participação dos alunos é diretamente ligada à participação dos professores, o que favorece a necessidade de que os tutores mantenham o fomento da discussão ao longo dos períodos de postagens. Pequeno et al. (2014) também avaliaram a efetividade das interações, dependendo do período em que as atividades eram deixadas ativas para interação, compararam atividades do tipo modular ou semestrais. Os resultados das análises mostraram que, nos cursos das áreas de Linguística, Letras e Artes, é ideal ofertar fóruns modulares em suas disciplinas, pois a participação dos alunos e tutores é maior nesse modo de oferta. Já os cursos de Ciências Exatas e da Terra demonstraram que, no modo de oferta semestral de disciplinas, a participação dos alunos nos fóruns é maior.

Portanto, o professor da disciplina deve estar sempre envolvido com as postagens dos estudantes e estar sempre presente no fórum, interagindo e observando se a participando dos alunos estão sendo produtivas, valiosas para o seu aprendizado. Como dito anteriormente, fóruns são considerados ferramentas propícias para a construção de conhecimento de forma compartilhada, mas, para isso, é preciso que neles ocorram processos interativos efetivos. Nos ambientes virtuais, atividades síncronas e assíncronas são utilizadas para o engajamento do aluno em atividades que envolvam a discussão de temas relativos aos cursos, como os fóruns de discussão e a avaliação de sua participação e interação, que caracterizam a presencialidade, demarcando sua Presença Social (PS) nesses ambientes. A maioria das plataformas educacionais utilizadas em cursos a distância provê um dispositivo capaz de ser utilizado como um local concentrador de mensagens para a troca de ideias e debates. Este dispositivo concentra informação resultante de discussões realizadas pelos estudantes durante as atividades educacionais e pode ser utilizada para avaliação de desempenho. (ELIA; CHAMOVITZ, 2009, p. 1)

Uma avaliação concreta da aprendizagem num contexto on-line deve extrapolar as ferramentas utilizadas em um modelo tradicional de avaliação na sala de aula presencial. Segundo Oliveira e Lucena Filho (2006), para descobrir e desenvolver novas possibilidades de uso do fórum de discussão como ferramenta eficiente de ensino aprendizagem e como recurso que favoreça a permanência do aluno no curso, é necessário que se programem “rodas de conversa” constantes entre professores/tutores, coordenadores e técnicos de programação e design instrucional. Essa estratégia promove o encontro entre as propostas pedagógicas do curso e as possibilidades tecnológicas das ferramentas, já que, em EaD, esses processos são indissociáveis. Segundo Rodrigues e Borges (2013), antes dos alunos começarem a utilizar um fórum de discussão, é preciso que esteja explícito quais são os critérios de avaliação. Os autores sugerem três critérios básicos que podem guiar a avaliação: a participação dos alunos, o conteúdo e os procedimentos de comunicação. A participação dos alunos, segundo os autores, deve acontecer de forma disciplinada, respeitosa e coerente com o tema. O conteúdo avaliado deve contemplar a análise da qualidade das postagens dos alunos. Nessa etapa, observa-se a coerência do conteúdo exposto pelo aluno, o nível de compreensão que ele demonstra, a articulação entre o tema proposto pelo fórum e o que foi postado, além da autonomia do aluno na busca do conhecimento. O trabalho de Elia e Chamovitz (2009) criou um sistema de avaliação quali/quantitativo denominado CSQm (Classificador e Qualificador de mensagens), também baseado num processo de qualificação de critérios previamente selecionados. A ideia é atribuir valores às mensagens em relação a cada critério, clicando em um de quatro botões que apontam se aquela interação está entre pouco relevante a muito relevante, dentro de cada critério selecionado. Segundo os autores: Faculdade Educacional da Lapa – FAEL

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É necessária a definição de padrões de correção, estabelecidos pelo professor da disciplina, pois somente estes poderão dizer o que esperam que seus alunos aprendam com a atividade proposta no fórum. Os padrões gerais de correção utilizados, tais como observar se o aluno teceu comentários dentro do assunto em discussão, ou se ele ao colar algum texto extraído da internet, emitiu comentários, mostrando seu entendimento sobre aquilo que trouxe, podem e devem ser estabelecidos, pois não dependem somente das disciplinas e sim da compreensão que o aluno possa obter sobre o tema. (STELZER et al., 2014, p. 12)


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A ferramenta CQMsg permite que os avaliadores consigam produzir avaliações com consistência interna (entre os aspectos avaliados e entre eles próprios, avaliadores). Tal fato se verifica inclusive nos estudos em que os avaliadores são os próprios alunos de uma turma que avaliam seus pares: o professor apresenta uma mesma tarefa para ser trabalhada em grupo usando um fórum virtual como lócus de interlocução e de trabalho, solicitando, dentre outros, que os alunos avaliem as mensagens trocadas pelos seus colegas de outros fóruns usando um protocolo definido pelo professor através do CQMsg. O professor em questão denomina esta tarefa de “Pimenta nos olhos dos outros é refresco”, pois coloca os alunos ora no papel de avaliador, ora no papel de avaliado. (ELIA; CHAMOVITZ, 2009, p. 123)

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No entanto, os autores ressaltam que, apesar da consistência dos resultados ser grande quando comparada às lógicas internas da ferramenta, a relação com os indicadores externos, como a nota final registrada pelos professores da disciplina, não é satisfatória. Apesar de defenderem a adoção de critérios claros e objetivos para a avaliação, o trabalho sugere que se invista na utilização da lógica nebulosa (fuzzy) (ZADEH, 1965) no lugar da estatística clássica para a análise das avaliações feitas a partir dos fóruns. Dessa forma, além de uma avaliação somativa, que requer uma correlação direta com os critérios do professor, deve ser possível promover uma avaliação formativa. Nesse sentido, a lógica nebulosa trabalha com uma função de participação flexível e permite considerar (i) valores para alunos que vão além das expectativas e (ii) alunos que não atingiram as expectativas, mas que são competentes em algum grau, pois (iii) os alunos, ao avaliarem mensagens de colegas em um fórum sobre o mesmo assunto que já discutiram, também aprenderam. E, desta forma, também receberam determinado valor que qualifica o seu desempenho. (ELIA; CHAMOVITZ, 2009, p. 76)

Já Albuquerque et al. (2017) utilizaram modelos de lógica nebulosa (fuzzy) para avaliação da presencialidade de alunos em um Fórum LV (learning vectors). O uso da lógica difusa permite uma maior flexibilidade para determinar a presencialidade, baseada em critérios bem definidos, permitindo a construção de uma avaliação quantitativa, de forma coerente, mensurando a participação dos alunos nos fóruns de discussão em um AVA. O estudo utilizou os critérios: tempo, quantidade de interações entre os alunos, nota atribuída pelos tutores e quantidade de citações pelos colegas (de uma ou mais postagens feitas por um aluno) para verificação das interações discursivas feitas no Fórum LV. O resultado apontou que os critérios e objetivos selecionados fizeram uma aproximação fidedigna da nota real atribuída pelos professores. Wander et al. (2020) avaliaram um fórum on-line de um curso de medicina de família com o intuito de quantificar e qualificar o relacionamento entre as interações dos tutores com os alunos e dos alunos entre si. O modelo classifica a qualidade da interação e da interatividade como alta, moderada e baixa, pontuando de um a cinco em cada um de cinco elementos que definem a qualidade das interações, gerando um escore total que varia de cinco a vinte e cinco. Tais elementos seriam essenciais para determinar a qualidade da interação nos cursos a distância, são eles: - Design de interação social – diz respeito à possibilidade de interações com troca de informações pessoais não relacionadas especificamente ao conteúdo do curso. - Design instrucional para a interação – inclui as atividades relacionadas ao conteúdo que permitem interação entre os participantes. - Interatividade das tecnologias – diz respeito às características das tecnologias utilizadas no curso e aos tipos de interação que elas permitem. - Evidência de engajamento do aluno. - Evidência de engajamento do tutor (WANDER et al., 2020, p. 4).

O estudo avaliou qualitativamente a relação entre as interações a partir de uma sequência ou cadeia enunciativa, que é uma série de turnos sucessivos de interações que se ligam por alguma razão. Nesse sentido, as mensagens de cada fórum foram organizadas em cadeias com base nos seguintes critérios: envolvimento de, pelo menos, três interlocutores diferentes, incluindo o tutor, mas desconsiderando a postagem de abertura e a coerência entre o assunto enfocado nas mensagens e o assunto do fórum de discussão. O fórum possibilita a aprendizagem colaborativa, uma vez que todos colaboram na busca pelo conhecimento. Essa colaboração ocorre quando um aluno discute com o outro, quando concorda, discorda, ajuda o outro, tira dúvidas, ou seja, eles se ajudam conjuntamente com o intuito principal de obter o conhecimento. (RODRIGUES; BORGES, 2013, p. 7) 68

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No entanto, muitos alunos não têm interesse substancial em aprender determinado conteúdo presente nos fóruns e, por isso, acabam colocando contribuições que não dialogam com o tema. Isso pode ocorrer, também, quando o aluno não entende o que o professor intenciona com aquela discussão. Nesse caso, o professor tem a obrigação de analisar as respostas e contribuições de forma crítica, pedagógica, cautelosa, respeitando as diferentes opiniões e posturas dos participantes no processo de aprendizagem (RODRIGUES; BORGES, 2013). A criação de fóruns não avaliativos também é necessária para melhorar a qualidade das interações entre os alunos e tutores. Esses espaços permitem que os alunos falem mais o que gostariam de dizer e menos o que se espera que eles digam.

Khlaif et al. (2017) avaliaram a quantidade e a qualidade das interações em um fórum de discussão de um curso on-line. Foram avaliadas as postagens semanais obrigatórias para a avaliação dos alunos. Os resultados mostraram que, na maioria dos casos, os estudantes postaram as duas mensagens obrigatórias por semana requeridas pelo curso. O que corrobora com a discussão de Al-Husban (2020) de que, na grande maioria dos fóruns on-line, os alunos fazem o mínimo solicitado e, naqueles em que a participação não é obrigatória, nem o mínimo eles fazem. Lima et al. (2019) fizeram um estudo exploratório através de entrevistas semiestruturadas (teoria fundamentada – grounded theory) com o intuito de identificar e categorizar os benefícios, as dificuldades, as estratégias e as melhorias implementadas por professores experientes em promover fóruns de discussão on-line. Foram entrevistados profissionais de três diferentes instituições, em que as atividades dos fóruns eram, em uma delas, obrigatória, e, nas outras duas, facultativas. Os resultados apontam para a necessidade de sanar ou evitar alguns cenários de dificuldade apresentados nos fóruns, entre eles estão: aspectos estruturais da ferramenta que dificultam a leitura das mensagens, formatação, dificuldade de saber para quem a resposta estaria indo e como se responde à mensagem do professor ou do colega. Os mesmos autores identificaram oito estratégias que emergiram das entrevistas que fizeram com os professores responsáveis pelos fóruns de discussão, que podem ajudar na mitigação das dificuldades mais comuns que são encontradas na moderação dos fóruns de discussão nos cursos da modalidade EaD, são eles: 1. O tutor deve entrar e checar as interações no fórum ao menos uma vez por dia. Os alunos notam e valorizam quando percebem que o tutor está presente na ferramenta. Debater, questionar e fomentar os pontos mais relevantes de discussão do fórum é fundamental. 2. Monitorar a participação ou não dos alunos presentes no fórum, quando possível, por que se a falta de participação é por alguma dificuldade técnica, a falta de ajuda é um forte desmotivador. 3. As interações do tutor devem ser claras e objetivas. 4. É preciso checar se os alunos estão acessando o fórum. Idealmente é preciso saber quantos e quais alunos estão entrando na ferramenta. Quantos participam ativamente, e quantos apenas entram e observam a discussão sem interagir. 5. Categorizar as mensagens ajuda a ter uma ideia da quantidade e da qualidade da participação dos alunos naquele fórum. Ajuda na avaliação. 6. Fornecer feedback e fomentar a interação favorece que os alunos deixem sua zona de conforto e comecem a participar. 7. Promover a interação entre os alunos faz com que eles experimentem situações de troca de conhecimento. 8. Criar um ambiente acolhedor de ideias usualmente faz com que os alunos se sintam seguros e mais motivados a participar. (LIMA et al., 2019)

Percebe-se que tais estratégias são de grande relevância para o bom funcionamento do fórum de interação, porém a figura do professor/tutor tem papel fundamental dentro desse espaço, pois deve atuar de forma dinâmica, efetiva, propondo padrões individualizados para a necessidade individual dos estudantes. As oito estratéFaculdade Educacional da Lapa – FAEL

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Entretanto, Stelzer et al. (2014) apontam para resultados em que 63% dos alunos entrevistados, participantes de fóruns do curso de administração em EaD, disseram que só participariam de um fórum não avaliativo caso o assunto fosse interessante. O interesse dos alunos, no entanto, é uma característica subjetiva, pois o conteúdo de uma disciplina depende da relevância do assunto para o aprendizado e não das necessidades pessoais do aluno em questão.


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gias apresentadas, com simples ações dentro dos fóruns, possibilitam fomentar participações mais eficazes, mais conteudistas, mais interessantes por parte dos estudantes, repercutindo, de forma significativa, no processo de ensino e aprendizagem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

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Este artigo mostrou a importância do uso de ferramentas de comunicação, interação nos espaços de EaD, apontando a importância da presença do professor/tutor como um facilitador da aprendizagem. No entanto, percebe-se a necessidade de novas estratégias, novos caminhos para que tais ferramentas nos espaços em EaD sejam construtivas, principalmente quando falamos do fórum, nosso foco de estudo. A figura do professor/tutor tem primordial importância ao criar possibilidades para que os estudantes passem a participar do fórum de interação como se fosse algo prazeroso, troca de conhecimentos, de experiências, de vivências e não apenas servisse para cumprir protocolo da disciplina em que está vinculado. No entanto, para que isso seja possível, deve-se utilizá-las de forma pedagogicamente adequada e contextualizada aos propósitos de formação de cada curso. Além disso, ao final da discussão, é possível identificar alguns pontos fundamentais para a construção de ferramentas virtuais de aprendizagens eficientes. É possível concluir que o ponto de partida para a realização dessa estratégia é unir as necessidades educacionais do curso e do conteúdo que se quer oferecer com a expectativa do aluno. E, para tal, é preciso conhecer, de forma ampla, os anseios do público-alvo, para que se possa manter atualizado o enfoque da discussão dos fóruns, estabelecer uma comunicação direta com os alunos através de pesquisas de satisfação sobre as ferramentas, de forma a manter uma constante formulação e reformulação do conteúdo. Assim, pode ser favorecida a ampliação da presença destes alunos nas ferramentas de aprendizagem. Muitos são os desafios exibidos no contexto da EaD. Conseguir lidar com a velocidade da informação, os paradigmas, as transformações é algo que faz parte desse cenário, pensar o fórum de discussão como uma “sala de aula”, contemplar assuntos atuais e atrativos ajuda na sua promoção. De uma forma geral, atribuir valor às interações, como fazer parte das notas responsáveis pelas médias finais, apesar de ser um desafio em cursos com muitos alunos, é uma estratégia utilizada para o fomento da participação e deve ser considerada. A manutenção do aluno nas ferramentas de aprendizagem, no entanto, está diretamente ligada às estratégias comunicacionais utilizadas, em especial, pelos professores, mas também pela instituição. O que se propõe aqui é que os cursos ergam a bandeira da interação como estratégia crucial para a aprendizagem. É preciso que se desenvolva uma forma de comunicação institucional, que chame os alunos a irem ao fórum, seja através de e-mail, mensagens de texto no celular ou outros mecanismos que a instituição de ensino tiver para comunicar-se com os alunos. Essa estratégia deve conscientizar o estudante de que participar daquela ferramenta é crucial para o seu aprendizado e favorecerá na qualidade do seu resultado acadêmico. Do outro lado, na ferramenta em si, é papel do professor investir na qualidade da sua interação, pesquisando com frequência os assuntos mais atuais que possam ser discutidos a partir do conteúdo daquele fórum, que sejam interessantes do ponto de vista do estudante, mas que se relacionem, de forma abrangente, às expectativas de aprendizagem daquele conteúdo. É preciso trazer material adequado para discussão, mediado pela interação com os alunos participantes e do que pode ser observado das suas contribuições. A dinâmica de ensino e aprendizagem é como o próprio termo aponta, não estática, e precisa de esforço coletivo no cenário da EaD. As ferramentas de interação fundamentais nos ambientes virtuais de aprendizagem não podem ser barreiras entre alunos e professores/tutores. É preciso tirar o máximo de proveito de cada uma delas, utilizando-as da melhor forma para que o aprendizado se torne efetivo e real na EaD.

REFERÊNCIAS AL-HUSBAN, N. A. Critical Thinking Skills in Asynchronous Discussion Forums: A Case Study. In: International Journal of Technology in Education, v. 3, n. 2, p. 82-91, 2020. 70

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MOURÃO, Fabiana Alves30 KUKOLJ, Monika Christina Portella Garcia31

RESUMO O trabalho ora apresentado analisa o perfil dos estudantes do curso de Licenciaturam em Geografia, na modalidade a distância, da FAEL, e os objetivos centrais foram: 1) identificar as regiões brasileiras com maior número de estudantes matriculados no curso de licenciatura em Geografia da FAEL e verificar se o espaço físico (número de polos) influencia no recrutamento deles; 2) traçar o perfil destes estudantes identificando suas motivações para tal escolha e suas principais dificuldades ao utilizar a plataforma de ensino EAD utilizada na FAEL. Para isso, utilizamos dados de matrícula dos alunos e criamos um questionário para avaliar as condições socieconômicas, o interesse no curso, bem como as ferramentas utilizadas no processo de aprendizagem. As regiões com maior número de alunos matriculados no Curso de Geografia foram a Norte (283 alunos) e a Sul (212 alunos). Mais de 28% dos alunos tinham idades entre 17 e 30 anos. O baixo custo da graduação e a falta de tempo foram citados por apenas 17,6% e 3%, respectivamente, e não foram determinantes na escolha do aluno. A maioria (66,7%), contudo, gosta da ciência escolhida e pretende atuar na área de docência. O curso de geografia da FAEL foi a primeira escolha de mais de 77% dos alunos. De maneira geral, o curso foi muito bem avaliado pelos alunos, indicando que a estrutura do curso, a metodologia de ensino e a assistência didática que recebem são satisfatórias e atrativas. Concluímos que o perfil dos alunos do curso de Licenciatura da FAEL difere dos demais perfis identificados pelo censo da ABED. Uma possível explicação para tais resultados seria a metodologia de ensino adotada pela FAEL, que passa por constantes atualizações e adaptações para garantir um efetivo processo de ensino e aprendizagem. Suas metodologias ativas e participativas seriam um diferencial para atrair pessoas mais jovens, focadas no autoaprendizado e em busca de uma carreira sólida e efetiva. Palavras-chave: EAD; FAEL; Geografia; perfil dos estudantes.

ABSTRACT The work presented here analyzes the profile of students of the Degree course in Geography, in the distance modality, FAEL and the central objectives are:1) to identify the Brazilian regions with mere students enrolled in the undergraduate course in Geography of FAEL and to verify if the physical space (number of poles) influences their recruitment; 2) to trace the profile of these students identifying their motivations for this choice and their main difficulties when using the Teaching Platform EAD used in FAEL. For this, we used students’ enrollment data and created a questionnaire to evaluate the socio-economic conditions, interest in the course, as well as the tools used in the learning process. The regions with the highest number of students enrolled in the Geography Course were Norte (283 students) and The South (212 students). More than 28% of the students were between 17 and 30 years old. The low cost of graduation and lack of time were mentioned by only 17.6% and 3%, respectively, and were 30 Faculdade Educacional da Lapa – FAEL. E-mail: fabiana.mourao@fael.edu.br 31 Faculdade Educacional da Lapa – FAEL. E-mail: monika.kukolj@fael.edu.br Revista Vivências Educacionais

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Perfil dos Estudantes do Curso de Licenciatura em Geografia da Fael na Modalidade de Educação a Distância (EaD)


not determinants in the student’s choice. The majority (66.7%), however, likes the chosen science and intends to work in the teaching area. Fael’s geography course was the first choice of more than 77% of students. In general, the course was very well evaluated by the students, indicating that the course structure, teaching methodology and didactic assistance they receive are satisfactory and attractive. We conclude that the profile of the students of the FAEL Degree course differs from the other profiles identified by the ABED census. A possible explanation for these results would be the teaching methodology adopted by FAEL, which undergoes constant updates and adaptations to ensure an effective teaching and learning process. Their active and participatory methodologies would be a differential to attract younger people, focused on self-learning and who are in search of a solid and effective career. Keywords: DE; FAEL; Geography; student profile.

A democratização do ensino superior através da educação a distância (EAD) possibilitou o ingresso de muitos estudantes no universo acadêmico (ALMEIDA et al., 2018). A EAD se destaca no papel social que desempenha, pois essa modalidade de ensino oportuniza o acesso à educação àqueles que vêm sendo excluídos do ensino superior por condições financeiras, dificuldades nos deslocamentos ou por não se adaptarem aos horários tradicionais dos cursos presenciais, contribuindo significativamente para a formação e a qualificação profissional (OLIVEIRA; SANTOS, 2019). O fácil acesso às informações e aos ambientes de aprendizagem significativa, como o AVA, por exemplo, oferecem diversos recursos didáticos que garantem um aprendizado interessante e de qualidade. Vários modelos de design instrucional estão sendo usados para garantir o aprimoramento dessa forma de ensino, que passou a atender muito bem às necessidades de um grande número de pessoas (MARTINS; MOÇO, 2009; ALMEIDA et al., 2018). Apesar disso, uma das grandes preocupações era se os concluintes dos cursos EAD teriam as mesmas oportunidades de inserção no mercado de trabalho quando comparados àqueles que frequentavam instituições de ensino presencialmente. Hoje, entretanto, sabe-se que o ensino a distância estabeleceu forte relação com o mercado de trabalho, tanto na empregabilidade quanto na formação continuada dentro das corporações (FREITAS; BIRCKOLZ, 2021). O estudo a distância possibilitou o aprimoramento e a ampliação do conhecimento através da formação continuada. Sabemos que o desejo de ingressar em um curso superior e obter um diploma está relacionado à ideia de melhores condições de emprego e carreira. De acordo com Gondin (2002), há três grandes grupos de habilidades que o mercado de trabalho pode exigir. O primeiro se relaciona às habilidades cognitivas que regularmente são obtidas durante o processo educacional. Nesse grupo, estão as habilidades de raciocínio lógico, compreensão de problemas e suas resoluções, criatividade e análise crítica. No segundo grupo, estão as habilidades técnicas, tais como: uso das tecnologias disponíveis, conhecimento de outras línguas, operação de máquinas e equipamentos. Já o terceiro grupo reúne habilidades comportamentais e atitudinais, tais como: empreendedorismo, cooperação, responsabilidade, disciplina, ética e iniciativa. Os alunos de EAD são estimulados a desenvolver todas as habilidades necessárias ao ingresso no mercado de trabalho. Na FAEL, o curso superior de Licenciatura em Geografia tem sido cada vez mais procurado por alunos de diversas partes do país. O Censo Escolar de 2020 apontou que 34,2% dos docentes que atuavam na geografia nos anos iniciais e 60,3% dos anos finais do ensino fundamental não possuiam curso superior completo. Além disso, as Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste são as mais carentes de profissionais (INEP, 2020). Devido à elevada diversidade cultural e regional de nosso país, conhecer nossos alunos tornou-se uma necessidade. Devemos lembrar que é por meio desse tipo de análise que são traçadas estratégias de ensino e aprendizagem, tão necessárias ao desenvolvimento das habilidades e competências de nossos futuros professores. Estudos como esses permitem também a adequação da didática de ensino à realidade de nossos alunos. Dessa forma, os objetivos deste trabalho foram: 1) identificar as regiões brasileiras com maior número de estudantes matriculados no curso de licenciatura em Geografia da FAEL e verificar se o espaço físico (número de polos) influencia no recrutamento deles; 2) traçar o perfil destes estudantes, identificando as motivações para tal escolha e suas principais dificuldades ao utilizar a plataforma de ensino EAD utilizada na FAEL. Faculdade Educacional da Lapa – FAEL

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INTRODUÇÃO


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MATERIAL E MÉTODOS Para identificar as regiões brasileiras com maior número de alunos no curso de Licenciatura em Geografia EAD na FAEL, analisamos as matrículas realizadas no ano de 2018. Desses dados, extraímos a localização dos polos o os classificamos conforme as cinco grandes regiões braisleiras (Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sul e Sudeste), segundo o IBGE. Adicionalmente, para traçar o perfil do estudante, elaboramos um questionário no Google Formulário contendo três seções. Na primeira, denominada “sobre você”, investigamos a condição socioeconômica do aluno, num conjunto de nove perguntas. Nessa seção, além de sexo, idade e escolaridade, foram incluídas perguntas sobre trabalho e horas disponíveis para o estudo.

Nessa seção, os alunos puderam dar notas aos serviços prestados e às ferramentas utilizadas. Esses dados foram separados por categorias: 1) assistência acadêmica; 2) metodologia de ensino e 3) estrutura física. Na primeira categoria, foram avaliados o desempenho do professor e web-tutor, bem como o material didático oferecido pela FAEL. Já na segunda categoria, foram avaliados os fóruns, as videoaulas, as aulas ao vivo, os workshops, a distribuição de pontos e a avaliação. E, na ultima categoria, foram avaliadas a estrutura física dos polos de assistência ao acadêmico, a organização e o serviço de atendimento ao aluno. Após o levantamento dos endereços eletrônicos dos alunos regularmente matriculados, enviamos, no segundo semestre de 2018, o questionário a 757 pessoas, via Google Formulário. Neste artigo, consideramos uma avaliação positiva os itens que tiveram notas iguais ou superiores a 8 e uma avaliação negativa os itens que tiveram nota 5 ou inferior. Ao final do questionário, o aluno poderia deixar uma sugestão de melhoria para o curso, bem como fazer uma crítica ou elogio.

RESULTADOS E DISCUSSÃO As regiões brasileiras com maior número de alunos matriculados foram a Norte e a Sul (Gráfico 1). Estes números são surpreendentes, pois, na Região Sul, 54,6% das pessoas com 25 anos ou mais não haviam concluído a educação básica. No Norte, essa proporção é ainda maior, chegando a 60,1% (PNAD, 2019). Gráfico 1 – Distribuição de alunos do curso de Licenciatura em Geografia da FAEL por região, onde CO = Centro-Oeste; N = Norte; NE = Nordeste; S = Sul e SE = Sudeste

300

Número de alunos

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Na segunda seção, que recebeu o nome de “Sobre o curso e seus interesses”, foram elaboradas seis questões, que tratavam exclusivamente dos motivos que levaram o estudante a escolher o curso de Geografia da FAEL. E, por fim, na última seção, chamada de “Estrutura do curso”, foram elaboradas dez questões com a finalidade de idenficar os principais problemas que os alunos viam no curso.

250 200 150

283 212

100 50 0

79 CO

107

76 N

NE

S

SE

Regiões brasileiras Fonte: elaborado pelas autoras. 74

Faculdade Educacional da Lapa – FAEL


Ainda na Região Norte, há a maior concentração de alunos matriculados por polo (seis alunos/polo) (Tabela 1). O difícil acesso às instituições de ensino presenciais, associadas à elevada carência local na formação de professores, de modo geral, podem explicar esses dados. O Censo Escolar da Educação Básica de 2020, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), apontou que as Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste aparecem com o menor percentual de disciplinas ministradas por professores com formação adequada. Especificamente para a geografia, nos anos finais do ensino fundamental, a porcentagem de professores com formação adequada foi de 59,7%. Tabela 1 – Relação entre o número de alunos matriculados e a concentração polos de apoio presencial por região

Região CO N NE S SE

Polos 27 47 23 67 42

Alunos 79 283 76 212 107

Alunos/Polo 2,9 6,0 3,3 3,2 2,5

O perfil dos alunos do curso de Geografia da FAEL foi traçado considerando as respostas obtidas a partir dos 757 questionários, dessa totalidade, 106 foram respondidos, correspondendo a 14% da amostra. Constatamos que 52% dos alunos são do sexo feminino. A idade dos alunos matriculados variou de 16 a 65 anos. O grupo de maior representatividade foi o de 31 a 40 anos (37%), seguido do grupo de 20 a 25 anos (22,8%) (Gráfico 2). Nossos resultados diferem do perfil por idade apresentado pela Associação Brasileira de Educação a Distância (ABED, 2018), cuja maioria dos alunos apresentam idades acima de 26 e abaixo de 40 anos. Apesar de um grupo relativamente grande apresentar idades entre 31 e 40 anos, proporcionalmente semelhantes aos da ABED (2018), o segundo maior grupo de alunos da FAEL é formado por jovens de 20 a 25 anos. Outra comparação interessante é com relação ao grupo acima dos 40 anos, que, de acordo com censo da ABED (2018), é quase inexistente, enquanto, na FAEL, representa mais de 16% dos estudantes. Esses dados demonstram a inserção de pessoas tanto mais jovens quanto mais velhas no curso de geografia. Gráfico 2 – Comparação entre os perfis etários dos alunos do curso de Licenciatura em Geografia da FAEL e os dados apresentados no censo da Associação Brasileira de Educação a Distância em 2018 45 40

Porcentagem (%)

35 30 25 20 15 10 5 0

<20

20 a 25

26 a 30

31 a 40

acima de 40

Classes de Idade (Anos) Alunos FAEL

ABED 2018

Fonte: elaborado pelas autoras. Faculdade Educacional da Lapa – FAEL

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Fonte: elaborado pelas autoras.


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A maioria dos alunos da FAEL concluiu o ensino médio em escola pública (88%). Esse percentual é muito mais elevado do que a média observada pela ABED (2018), que ficou entre 63 e 66%. Quando foram perguntados se o curso de Geografia tinha sido sua primeira opção, 77,2% dos alunos disseram que sim, e, entre outras respostas, 12,5% responderam que a escolha foi motivada pela necessidade de obtenção de um diploma de nível superior. Embora um grupo tenha afirmado que, apesar de gostar de geografia e se identificar com a área, não pretende lecionar após a conclusão do curso (11,4%), a maioria dos alunos (66,7%) gosta dessa ciência e pretende atuar na área de docência. Tal resposta corrobora a questão anterior a respeito da opção de escolha pelo curso de geografia. Efetivamente, aqueles que optam pela geografia como primeira escolha (77,2%) pretendem atuar na área (66,7%). Como esperado, quase 83% dos alunos trabalham e estudam. Dentre eles, 60% cumprem uma jornada de trabalhos de 40 a 44 horas semanais. Além disso, 74% dos alunos atuam em outras áreas e apenas 14% já dão aulas (Gráfico 3).

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Gráfico 3 – Respostas dos alunos do curso de Licenciatura em Geografia da FAEL quanto aos objetivos futuros em sua área de atuação.

74,1%

14,1% Outras áreas

Docência

7,1% 4,7% Área de Geogra a Não respondeu

Fonte: elaborado pelas autoras.

O período disponível para dedicar-se aos estudos é limitado para a maioria dos estudantes. Muitos afirmaram dispor apenas de 1 a 3 horas por dia (Gráfico 4). Gráfico 4 – Disponibilidade dos alunos para se dedicar aos estudos

55,4%

9,8% 1 a 3 horas diárias

Mais de 3 horas diárias

13,0%

14,1%

1 a 3 horas no Mais de 3 horas m de semana nos ns de semana

7,6% Não tem tempo

Fonte: elaborado pelas autoras. 76

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Para concluir qualquer curso na modalidade EAD e adquirir o conhecimento necessário para atuar com maestria na área pretendida, é preciso ter muita disciplina. Normalmente, os alunos precisam seguir um plano de estudos e não deixar acumular o material disponível para leitura. Cada pessoa tem seu ritmo de aprendizado e as horas dedicadas ao estudo deveriam ser condizentes com as facilidades e dificuldades individuais (SILVA et al., 2007). Portanto, não podemos afirmar quanto ao número ideal de horas que deve ser dedicado ao estudo. Contudo, é inegável que os cursos EAD requerem grande dedicação e disciplina dos estudantes, tendo em vista o cumprimento adequado das atividades e o bom aproveitamento dos conteúdos disponíveis. Tal dedicação é recompensada, sem dúvidas, com aprendizado real e reconhecimento pelo mercado de trabalho (FREITAS; BIRCKOLZ, 2021).

De maneira geral, os alunos estão satisfeitos com a assistência recebida por parte dos professores e web-tutores. Dentre aqueles que responderam ao questionário, 49% afirmaram ter sido prontamente atendidos quando solicitaram auxílio. Essa porcentagem torna-se ainda mais expressiva levando em consideração que 40% nunca entraram em contato com seus professores ou web-tutores (Gráfico 5). Gráfico 5 – Relacionamento dos alunos com professores e web-tutores

Ótimo

Bom

40% 49%

Ruim 10%

Nunca entrou em contato 1% Fonte: elaborado pelas autoras.

Tal dado, sem dúvidas, requer atenção por parte da instituição, uma vez que constatamos que o aluno que se comunica com o professor sente-se mais acolhido. A FAEL vem trabalhando para promover maior aproximação dos estudantes com os professores, incentivando a participação dos alunos e o contato mais frequente com o professor. Já em relação ao relacionamento com os colegas, 37% afirmaram manter contato presencial com o grupo de pares de estudo, mostrando-se satisfeitos com essa interação. Entretanto, alguns mantêm contato apenas através do ambiente virtual (25%) e outros 38% disseram que não conhecem ninguém que faz o mesmo curso. A interação entre alunos é uma exigência do MEC e, por esse motivo, a FAEL desenvolveu várias ações, especialmente ligadas a atividades nos polos de apoio presencial, dentre as quais fazem parte os workshops, atividades e avaliações. Faculdade Educacional da Lapa – FAEL

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Quase 100% dos alunos atribuíram importância para o curso escolhido, mantendo o interesse em trabalhar na área como “bastante elevado” (80%). Esse dado é interessante porque aponta a EAD como uma possibilidade de mudança de profissão e/ou melhoria na condição financeira. Segundo o relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE, 2011), um diploma de nível superior pode aumentar o salário em até 156%.


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No ambiente virtual, os fóruns são utilizados como espaços para debates, sempre mediados por um professor ou web-tutor. Esses espaços são utilizados para aprofundar os conhecimentos e compartilhar experiências com a turma. A respeito do espaço virtual (AVA) e das ferramentas disponíveis para o aluno, 64% dos entrevistados afirmam saber utilizá-los corretamente, aproveitando totalmente os recursos disponíveis. Mais de 32% dos alunos apresentam alguma dificuldade e 3% não conseguem utilizar o portal e suas ferramentas. Essas informações são muito importantes porque motivam ações de ajuste nas ferramentas do portal do aluno ou de preparo de materiais e vídeos para melhor orientar os estudantes. É fundamental que os alunos se sintam seguros no manuseio das ferramentas digitais disponíveis para melhor aproveitamento do curso e de todos os recursos disponibilizados a eles. Por meio de relatos dos alunos, percebemos que, muitas vezes, o insucesso em alguma disciplina está muito ligado à dificuldade de compreender as ferramentas digitais disponíveis ou o caminho de acesso dentro do portal (AVA).

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Entre os principais motivos que levaram os alunos a cursarem Licenciatura em Geografia, estão o interesse em lecionar, seguido da possibilidade de conseguir um emprego (Gráfico 6). Um fato interessante identificado nos resultados dos questionários aplicados é que o baixo custo do curso e a falta de tempo foram citados por apenas 17,6% e 3% dos alunos, respectivamente, como a razão da escolha pelo EAD. A maioria dos cursos a distância pode custar de duas a quatro vezes menos do que os presenciais. As mensalidades na modalidade EAD variaram de 250 a 500 reais, enquanto nas presenciais os valores podem ultrapassar mil reais (ABED, 2018). Normalmente, o baixo custo e o tempo flexível da EAD são diferenciais e determinantes na escolha do aluno (ABED, 2018). Entretanto, esses não foram os motivos mais citados em nosso questionário. Isso reforça nosso argumento de que os cursos EAD têm sido cada vez mais considerados como uma modalidade eficaz de ensino e aprendizagem que pode garantir conhecimento intelectivo, adequando-se às necessidades individuais. Gráfico 6 – Motivos que levaram os alunos a cursar Licenciatura em Geografia EAD

38,5%

23,1% 14,3%

Interesse Licenciatura

Empregabilidade

Curiosidade

17,6%

Baixo custo

3,0%

3,5%

Tempo

Outros

Fonte: elaborado pelas autoras.

De maneira geral, o curso foi muito bem avaliado pelos alunos (Tabela 2). Isso indica que a estrutura do curso, a metodologia de ensino e a assistência didática que recebem são satisfatórias e atrativas. Cerca de 60% dos alunos atribuíram nota máxima (10) para a atividade de workshop, que se trata de uma importante ferramenta que promove a interação e a troca de experiências dos alunos, pois normalmente acontece nos polos de assistência ao acadêmico. 78

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Categorias

Nota maior ou igual a 8

Nota inferior ou igual a 5

Assistência Acadêmica Professor – web-tutor Material didático

76,4% 88,8%

6,5% 2,7%

Metodologia de Ensino Fóruns Videoaulas Aulas ao vivo Workshop Distribuição de pontos Avaliação

61,3% 78,2% 73,0% 85,9% 85,8% 85,8%

17,0% 8,5% 9,6% 6,5% 3,7% 5,8%

Estrutura Física Estrutura do polo Atendimento ao aluno Organização

74,7% 82,2% 88,8%

6,5% 7,5% 0,9%

Fonte: elaborado pelas autoras.

Dentro da categoria Metodologia de Ensino, o fórum recebeu a nota mais baixa, tendo uma rejeição de 17% dos alunos. Mesmo na avaliação positiva, foi a atividade que menos agradou os alunos (61,3%). No ambiente virtual de ensino e aprendizagem, o fórum pode ser considerado uma das principais ferramentas interativas, favorecendo a troca de experiências e de conhecimentos da comunidade acadêmica (PALLOF; PRATT, 2002). Por outro lado, muitas instituições de ensino que trabalham no sistema EAD encontram a mesma dificuldade de engajamento dos estudantes nessa ferramenta. Nesse sentido, a FAEL vem trabalhando para disponibilizar aos alunos uma ferramenta mais envolvente e que possibilite maior diálogo entre os alunos, tornando o fórum um espaço de melhor aproveitamento da construção da aprendizagem dos estudantes. De qualquer modo, podemos ainda compor outras interpretações para esse resultado: reflexo de uma postura desinteressada e pouco ativa por parte dos alunos; indicativo de certa dificuldade na utilização da ferramenta. Trata-se de um indício de que a atividade proposta nos fóruns não está sendo bem conduzida pelos professores e web-tutores, tornando-se pouco atrativa para os alunos. Parece-nos que um dos principais erros cometidos pelos professores e web-tutores é uma intervenção exagerada tornando a discussão cansativa e repetitiva. Além disso, percebemos o desenvolvimento de ações da instituição no sentido de romper com essa prática mais repetitiva, promovendo debates oportunos e focando em temas da atualidade relacionados às disciplinas correspondentes dentro do curso. A avaliação e a distribuição de pontos também foram bem avaliadas pelos alunos. Tanto as questões discursivas quanto as objetivas devem ser bem elaboradas e passar por uma comissão pedagógica antes de ser disponibilizada para o aluno. Essas questões são uma parte importante do processo de aprendizagem e procuram desenvolver o pensamento crítico e estimular a busca por soluções pertinentes para cada situação problema. Assim, o aluno consegue desenvolver habilidades necessárias ao crescimento profissional. Uma forma de estimular o pensamento crítico é justamente trabalhar com essa metodologia de ensino, em que a aprendizagem seja baseada na solução de problemas (MELLO et al. 2014). Faculdade Educacional da Lapa – FAEL

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Tabela 2 – Avaliação do curso sob a perspectiva dos alunos. Os serviços ofertados foram separados em categorias e os alunos atribuíram notas que variaram de 0 a 10. Nesta tabela, estão representadas as porcentagens de respostas positivas (notas iguais ou maiores que 8) e negativas (notas iguais ou inferiores a 5)


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Dentre as sugestões dos alunos, podemos destacar melhorias no portal, tornando-o mais acessível, evitando erros técnicos e melhorando o suporte. Outra sugestão se refere às videoaulas, que poderiam ser mais dinâmicas e mais atrativas, com material diferente do disponível no livro didático. Ambas as sugestões estão sendo ouvidas para o redirecionamento dos materiais disponíveis aos alunos (seja o portal, os materiais escritos e as videoaulas). Tal aspecto indica claro propósito de promover aprendizado mais significativo e muito mais motivador aos estudantes. Na modalidade EAD, os alunos devem desenvolver a habilidade de autonomia e pesquisa no processo de aprendizagem, gerenciando, com liberdade e responsabilidade, os conteúdos que precisam ser estudados (BARROS, 2010). Entretanto, o papel do professor e web-tutor é de fundamental importância, pois é por meio de orientações precisas e interações de qualidade que o aluno consegue avançar no processo de aprendizagem. O relacionamento entre colegas e professor foi mencionado algumas vezes, e foi sugerida a criação de um chat em que colegas de curso e professores estivessem conectados diretamente.

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CONSIDERAÇÕES O trabalho de pesquisa desenvolvido a partir das análises de dados das matrículas realizadas em 2018 e dos questionários enviados aos alunos do curso de Licenciatura em Geografia da FAEL permitiu formar um panorama sobre o perfil dos estudantes. O panorama apresenta desde gênero, faixa etária até a motivação para a escolha do curso e as expectativas durante o seu desenvolvimento. Além disso, os dados indicaram a importância do curso de Geografia da FAEL na formação profissional de docentes no Brasil, tendo em vista as especificidades e as lacunas regionais, especialmente as do Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Destacamos, ainda, os dados referentes à motivação para escolha do curso EAD. Contradizendo dados da ABED, os alunos afirmaram não ter optado pela modalidade a distância em função do baixo custo. Esse dado é muito relevante quando analisado conjuntamente aos resultados que se esperam do estudante que realiza um curso a distância. Hoje, o mercado vê essa modalidade com melhores olhos, reconhecendo o valor dos estudantes que se dedicam efetivamente para concluírem cursos a distância que requerem muita dedicação e disciplina. Estudos futuros devem considerar as características regionais, o perfil do estudante de geografia e as melhorias das metodologias de ensino para garantir o pleno desenvolvimento de nossos alunos. Todos os resultados analisados permitiram, por fim, a elaboração de ações de intervenção para melhoria do curso, no sentido de garantir maior aprendizado aos estudantes – seja por meio da melhoria dos materiais oferecidos, seja por meio de ajustes nas ferramentas virtuais de acesso dos alunos.

REFERÊNCIAS ABED. Censo EAD – Relatório Analítico da Aprendizagem a Distância no Brasil, 2018. Disponível em: http:// abed.org.br/arquivos/CENSO_DIGITAL_EAD_2018_PORTUGUES.pdf Acesso em: 11 jun. 2021. ALMEIDA, V. O.; SILVA, H. T. H.; BONAMIGO, A. W. Aprendizagem Baseada em Problemas na Educação a Distância e as Influências para educação em Saúde: Uma Revisão Integrativa. Revista Brasileira de Aprendizagem Aberta. v. 17, n.1, p. 1-22. 2018. BARROS, M. A. Ferramentas interativas na Educação a Distância: benefícios alcançados a partir da sua utilização. In: V Encontro de Pesquisa em Educação de Alagoas: Pesquisa em educação: desenvolvimento, ética e responsabilidade social. 2010 Anais. EDUCA INSIGHTS. 85% DOS ALUNOS DE GRADUAÇÃO A DISTÂNCIA VÊM DA ESCOLA PÚBLICA. Publicado em: 1 set. 2019. Disponível em: https://educainsights.com.br/2019/09/01/85-dosalunos-de-ead-vem-da-escola-publica/ . Acesso em: 08 de julho de 2021 80

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FREITAS, A. M.; BIRCKOLZ, C. J. A Relação entre a educação a distância e o mercado de trabalho sob a perspectiva dos alunos de graduação. Paideia: Revista Científica de Educação a Distância, p. 84-99, 2021. GONDIM, S. M. G. Perfil Profissional e Mercado de Trabalho: Relação com Formação Acadêmica pela Perspectiva de Estudantes Universitários. Estudos de Psicologia, v. 7, n. 2, p. 299-309, 2002. INEP/MEC. Censo Escolar da Educação Básica – 2019. Disponível em: https://download.inep.gov.br/ publicacoes/institucionais/estatisticas_e_indicadores/resumo_tecnico_censo_da_educacao_basica_2019.pdf. Acesso em: 21 jun. 2021 MARTINS, A. R.; MOÇO, A. Vale a pena entrar nessa? Revista Nova Escola, São Paulo, n. 227, 2009. MELLO, C. de C. B.; ALVES, R. O.; LEMOS, S. M. A. Metodologias de Ensino e Formação na Área da Saúde: Revisão de Literatura. Revista CEFAC, v. 16, n. 6, p. 2015-2018, 2014.

OLIVEIRA, F. A.; SANTOS, A. M. S. de. Democratização do ensino superior através da modalidade de educação a distância no Brasil: um convite à reflexão. Paideia: Revista Científica de Educação a Distância, v. 11, n. 20, p. 1-22, 2019. PALLOFF, R. M.; PRATT, K. Construindo Comunidades de Aprendizagem no Ciberespaço: Estratégias eficientes para salas de aula on-line. Porto Alegre: Artmed, 2002. 248 p. PPC Geografia, 2021 – Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura em Geografia, Fael 180 p. Lapa, PR. SILVA, J. U.; FERNANDES, K. R.; ROSINI, A. M. As metodologias e recursos tecnológicos aplicados à questão do ensino /aprendizado em educação a distância – ead. In: ABED – 13° 15 Congresso Internacional de Educação a Distância. 2007.

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OECD i library, Education at a Glance, 2011. Disponível em: https://www.oecd-ilibrary.org/education/ education-at-a-glance-2011_eag-2011-en Acesso em: 09 jul. 2021.


CRAVEIRO, Clara32 LARANJEIRA, Carla33

RESUMO Ao encontro dos desafios atuais da educação e de um novo desenho de supervisão ao serviço do desenvolvimento profissional e organizacional, este artigo apresenta uma reflexão situada sobre o perfil de competências de um supervisor no âmbito da monitorização/supervisão interpares (percepções e práticas), suportado por um estudo de caso em Equipas Educativas, e que encontra o seu significado num enquadramento normativo legal e teórico, através de uma revisão bibliográfica sobre a temática em estudo. Pretendemos, assim, traçar um perfil de competências de um supervisor no âmbito da monitorização/supervisão interpares no contexto da Autonomia E Flexibilidade Curricular. Este texto é uma oportunidade para refletir sobre a prática supervisiva interpares, à qual tivemos o privilégio de monitorizar no papel que desempenhamos como coordenadoras de gestão de Equipas Educativas e dos Domínios de Autonomia Curricular, da Equipa de Autonomia e Flexibilidade Curricular, no ano letivo de 2019-2020, num Agrupamento de Escolas do Norte de Portugal. Parte de uma nova experiência no âmbito da supervisão interpares em contexto de Equipas Educativas, que nos permitiu refletir sobre múltiplas dimensões do desenvolvimento profissional, centrando-as na competência do supervisor no âmbito da relação pedagógica, pessoal e interpessoal, traduzindo-se numa autoformação de aprendizagem profissional. Para a ilustração do potencial formativo, procuramos dar forma a uma estratégia de ação, recorrendo a uma metodologia mista (quantitativa e qualitativa) de análise e coleta de dados, a uma análise documental e a apontamentos de dinâmicas de trabalho em equipe de docentes, em Conselho de Comunidade de Aprendizagem e de monitorização da aprendizagem baseada em problemas nas Equipas Educativas, situando-os na discussão de dois eixos analíticos: 1) a dimensão organizacional – enquadramento das Equipas Educativas; 2) a dimensão profissional – o perfil do supervisor; e a criticidade das e nas práticas de monitorização/supervisão e os constrangimentos. Palavras-chave: Equipas Educativas; Supervisão interpares; Monitorização; Perfil do supervisor; Mudança.

ABSTRACT Meeting the current challenges of Education and a new design of supervision in the service of professional and organizational development, this article presents a reflection situated on the profile of a supervisor’s competences within the scope of peer monitoring/supervision (perceptions and practices), supported through a case study in Educational Teams, which finds its meaning in a legal and theoretical normative framework, through a 32 Escola Superior de Educação de Paula Frassinetti, Centro de Estudos Interdisciplinares em Educação e Desenvolvimento da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, ** Escola Superior de Educação de Paula Frassinetti. Centro de Estudos Interdisciplinares em Educação e Desenvolvimento da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias.

33 Escola Superior de Educação Paula Frassinetti, Centro de Estudos em Desenvolvimento Humano da Universidade Católica Portuguesa, Instituto de Investigação em Arte, Design e Sociedade da UP, *Doutoranda em Ciências da Educação na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro.

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Perfil de Competências de um Supervisor: um Estudo de Caso em Equipas Educativas


bibliographic review on the subject under study. Thus, we intend to outline a competency profile of a supervisor in the context of peer monitoring/supervision, in the context of curriculum autonomy and flexibility. This text is an opportunity to reflect on the peer supervisory practice, which we were privileged to monitor in the role that we play as the Management Coordinator of Educational Teams and the Domains of Curricular Autonomy, of the Curricular Autonomy and Flexibility Team in a Group of Schools in the North of Portugal. Part of a new experience in the context of peer supervision in the context of Educational Teams, which allowed us to reflect on multiple dimensions of professional development, focusing on the competence of the supervisor at the level of pedagogical, personal and interpersonal relationships, translating into a self-training of professional learning. To illustrate the training potential, we seek to give shape to an action strategy, using a mixed methodology (quantitative and qualitative) of analysis and data collection, a documentary analysis and notes on the dynamics of teamwork by teachers, in Council the Learning Community and the monitoring of learning based on problems in the Educational Teams, placing them in the discussion of two analytical axes: 1) the organizational dimension – framing of the educational teams; 2) the professional dimension – the profile of the supervisor; and the criticality of and in monitoring/supervision practices and constraints.

INTRODUÇÃO O nosso estudo visa percecionar a importância de traçar um perfil de competências de um supervisor e aferir o impacto da monitorização nas práticas letivas dos docentes das Equipas Educativas, no contexto da autonomia e flexibilidade curricular. O ponto de partida para o nosso estudo visa, através de uma revisão bibliográfica, construir um perfil de competências que deverá ter um supervisor no âmbito da monitorização interpares. Por outro lado, importa perceber as dinâmicas que envolvem as Equipas Educativas, aferir as vantagens da monitorização das Equipas Educativas na execução de práticas docentes e avaliar o impacto que as medidas de monitorização causam na mudança de práticas dos professores envolvidos. A Autonomia E Flexibilidade Curricular preconizada, em Portugal, pelo Decreto-Lei nº 55/2018, de 6 de julho de 2018, objetiva a promoção de aprendizagens significativas, de melhores aprendizagens que promovam o desenvolvimento de cidadãos críticos, responsáveis e humanistas. Contudo, tudo isso só será possível se centrarmos as ações estratégicas de atuação nos alunos, nas escolas, nos professores, fazendo uma gestão curricular contextualizada e flexível. Na nossa perceção, cabe às lideranças intermédias promover, nas escolas, uma atuação estratégica concertada direcionada para a cooperação, reflexão sobre práticas pedagógicas e trabalho cooperativo, em reuniões de articulação entre as diferentes estruturas de coordenação e entre professores, tendo em vista o alcance de soluções pedagógico-didáticas que contribuam para uma melhoria efetiva das aprendizagens. Desde as lideranças de topo, passando pelas lideranças intermédias e demais docentes, é fundamental o desenvolvimento de uma cultura de supervisão da prática letiva entre pares, a atualização de práticas no nível do trabalho colaborativo, a promoção de uma pedagogia de supervisão na cultura de escola e potenciar novas práticas com os materiais produzidos e com as metodologias de trabalho implementadas. A observação de aulas entre pares deverá ter como objetivo primordial identificar metodologias ativas e estratégias de diferenciação pedagógica utilizadas e/ou a utilizar em contexto de sala de aula, tendo como objetivo uma efetiva reflexão que permita a partilha de saberes e de experiências educativas para a melhoria dos processos de ensino e de aprendizagem. Nesse sentido, o processo de supervisão assume uma lógica de “dimensão interativa, dialógica, interpessoal e desenvolvimentista” (PEREIRA; GONÇALVES, 2016), promovendo-se uma articulação com o trabalho colaborativo. Aqui, liderança, colaboração e supervisão entrelaçam-se e são indissociáveis para a promoção de um desenvolvimento profissional. A ideia subjacente a essa liderança será pautada por uma interação positiva e uma ação convergente com vista a um dado propósito. As reuniões são uma outra forma de estimular e reforçar o trabalho colaborativo, pois promovem, de forma sistemática, uma reflexão consequente das e sobre as práticas docentes. Faculdade Educacional da Lapa – FAEL

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Keywords: Educational Teams; Peer supervision; Monitoring; Supervisor profile; Change.


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ENQUADRAMENTO TEÓRICO O perfil de competências do professor supervisor enquanto facilitador de práticas de monitorização. Que perfil de competências deverá ter um supervisor no âmbito da monitorização interpares? Esse é o ponto de partida a que nos propomos. Os diferentes autores que se têm debruçado sobre as competências e características que o supervisor deverá reunir apontam para um profissional que deve funcionar como agente do desenvolvimento profissional.

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Segundo Alarcão (1987), a função do supervisor é de ajudar o professor a tornar-se um bom profissional, para que os seus alunos aprendam melhor e se desenvolvam mais. O seu perfil profissional deverá atender, numa lógica de supervisão horizontal, a uma perspetiva formativa e facilitadora, promotora do estabelecimento de uma relação de confiança e de abertura que possibilite a participação responsável e ativa do professor no seu processo de formação (OLIVEIRA, L.; OLIVEIRA, M., 1997). Nesse pressuposto, o supervisor é um profissional que deve ajudar, monitorizar, criar condições de sucesso, desenvolver aptidões e capacidades no professor, tornando-se numa personagem semelhante ao treinador – “coach” –, treinando capacidades e aptidões, acompanhando o desenvolvimento e encontrando estratégias adequadas. Porém, numa perspetiva humanista da supervisão (AMARAL; MOREIRA; RIBEIRO, 1996), também se desenvolve com o “atleta” porque se “reinventa” nesse apoio, interajuda, monitorização, acompanhamento, incentivo, encorajamento para que seja ele próprio e dê o seu melhor. Aqui, encontramos uma dimensão humana no que concerne às capacidades interpessoais do supervisor no seio da organização escolar, a que acrescem competências cívicas e técnicas, a saber: competências interpretativas – capacidade de apreender o real, nas suas diferentes vertentes sociais, culturais, humanas, políticas, educativas; competências de análise e avaliação – de acontecimentos, projetos, atividades e desempenhos; competências de dinamização de formação – conhecer aprofundadamente as carências formativas da organização e fomentar ações de formação na base da aprendizagem colaborativa; e competências relacionais – boa capacidade de comunicação com os outros e gestão eficaz de conflitos (AMARAL; MOREIRA; RIBEIRO, 1996). Alarcão (2000, p. 21) define supervisor como “agente do desenvolvimento organizacional, que deve decorrer em simultâneo com o desenvolvimento pessoal e profissional dos membros da organização”. O supervisor aparece aqui como um profissional conhecedor da organização e dos seus objetivos e conhecedor e imbuído dos propósitos dos seus planos de ação e, por isso, comprometido com o seu futuro. Terá de ter uma visão crítica sobre o funcionamento da organização, ser capaz de refletir, planejar, intervir e avaliar os seus resultados. É alguém que partilha da visão e dos planos de ação que a perseguem, traçados para a escola e que participa na sua implementação. A supervisão visa a melhoria do desempenho dos professores, o desenvolvimento profissional, a capacidade da aprendizagem colaborativa e a formação de comunidades de aprendizagem. O supervisor deixa de ser o detentor do saber. As estratégias supervisivas alteram-se e cada professor é chamado a pesquisar informação científica, a discutir a partir da experiência e a liderar. Nesse quadro, a supervisão pedagógica é primordial na mudança, devendo, para isso, romper com formas “clássicas” e tornar-se, ela própria, alvo de transformação (VIEIRA, 2011).

O que nos diz a legislação sobre a supervisão das práticas letivas? Nos últimos anos, tem-se assistido a uma crescente valorização da supervisão da prática letiva e do trabalho colaborativo no contexto escolar. Diversos documentos orientadores das políticas educativas portuguesas referem estas dimensões, designadamente o Estatuto da Carreira Docente (Decreto-Lei n.º 139 -A/90, de 28 de abril, republicado no Decreto-Lei n.º 41/2012, de 21 de fevereiro), o Decreto-Lei n.º 240/2001, o referencial da avaliação externa das escolas e o Despacho Normativo 4-A/2016, de 16 de junho, em que se encontram argumentos que justificam a exigência da supervisão da prática letiva nas escolas. 84

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O trabalho cooperativo entre docentes e o acompanhamento e a supervisão da prática letiva são referentes que constam do quadro de referência do programa de avaliação externa das escolas no domínio “Prestação do serviço educativo”, campos da análise “Planeamento e articulação” e “Práticas de ensino”, respectivamente. Constatou-se, pela análise dos relatórios da avaliação externa das escolas, que não constituem práticas sistemáticas em muitas das escolas/agrupamentos, sendo assinalados como uma área de melhoria, como se pode ler no relatório da Inspeção-Geral de Educação: “o fator acompanhamento da prática letiva em sala de aula reúne quase exclusivamente asserções relativas a pontos fracos, registando-se a ausência de mecanismos de acompanhamento da prática letiva em sala de aula e práticas de supervisão pedagógica limitada” (IGE, 2011, p. 30). Por conseguinte, a supervisão, mas também o trabalho colaborativo, têm sido considerados fatores prioritários, encontrando-se em planos de melhoria e/ou em planos de ação estratégica de diversas escolas e agrupamentos do nosso país. O Despacho Normativo 4-A/2016, de 16 de junho de 2016, que estabelece as regras a que deve obedecer a organização do ano letivo nos estabelecimentos públicos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, prevê, na alínea c) do artigo 2.º, a implementação de momentos específicos de partilha, reflexão dos docentes sobre as práticas pedagógicas e de interligação entre os diferentes níveis de educação e ensino. No que concerne à monitorização da prática letiva, e apesar de não existir um enquadramento legal específico, em Portugal, para essa matéria, podemos inseri-la numa primeira fase no Decreto-Lei nº 75/2008, de 22 de abril de 2008, no qual as medidas de monitorização e supervisão interpares estão plasmadas nas competências das estruturas de coordenação e supervisão. Cabe a estas estruturas de liderança fazer uma adequação das práticas do seu conselho de docentes, no sentido de se promoverem estratégias comuns de atuação e de debate, cooperação e colaboração entre pares. Além dessa legislação, destacamos o Decreto-Lei 55/2018, de 6 de julho de 2018, Artº 21, que veio a reforçar a importância da monitorização em contexto de sala de aula, quando, ao longo da sua redação, enumera as seguintes dinâmicas pedagógicas. 1 — Nas dinâmicas de trabalho pedagógico deve desenvolver-se trabalho de natureza interdisciplinar e de articulação disciplinar, operacionalizado preferencialmente por equipas educativas que acompanham turmas ou grupos de alunos. 2 — Cabe às equipas educativas e aos docentes que as constituem, no quadro da sua especialidade, definir as dinâmicas de trabalho pedagógico adequadas, tendo por referência as especificidades da turma ou grupo de alunos. 3 — Com vista ao desenvolvimento de aprendizagens de qualidade e incorporando medidas enquadradas nos instrumentos de planeamento da escola, na ação educativa deve, entre outras, garantir -se: a) Uma atuação preventiva que permita antecipar e prevenir o insucesso e o abandono escolares; b) A implementação das medidas multinível, universais, seletivas e adicionais, que se revelem ajustadas à aprendizagem e inclusão dos alunos; c) A rentabilização eficiente dos recursos e oportunidades existentes na escola e na comunidade; d) A adequação, diversidade e complementaridade das estratégias de ensino e aprendizagem, bem como a produção de informação descritiva sobre os desempenhos dos alunos; e) A regularidade da monitorização, avaliando a intencionalidade e o impacto das estratégias e medidas adotadas. 4 — Na ação educativa deve ainda ser assegurado o envolvimento dos alunos, com enfoque na intervenção cívica, privilegiando a livre iniciativa, a autonomia, a responsabilidade e o respeito pela diversidade humana e cultural. 5 — Com vista à promoção da qualidade e eficiência educativas, podem ser implementadas diferentes formas de organização, nomeadamente: a) O trabalho colaborativo, valorizando -se o intercâmbio de saberes e de experiências, através de práticas de: i) Coadjuvação entre docentes, do mesmo ano ou ciclo, de vários ciclos e níveis de ensino e de diversas áreas disciplinares(..). (PORTUGAL, 2018) Faculdade Educacional da Lapa – FAEL

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O Decreto-Lei n.º 240/2001, de 30 de agosto de 2001, que estabelece o perfil geral de desempenho profissional do educador de infância e dos professores dos ensinos básicos e secundários, refere que o professor tem como função específica ensinar e promover as aprendizagens curriculares e que fundamenta a sua prática num saber específico da profissão apoiado na investigação e na reflexão partilhada da prática educativa (Dimensão profissional social e ética, n.º 2, alínea a). A atitude investigativa e a reflexão partilhada remetem para práticas colaborativas e de supervisão que promovem a reflexão sobre os processos e os produtos da ação, envolvendo o questionamento sobre o quê e como foi antecipadamente pensado, sobre o quê e como foi executado e sobre os resultados alcançados que, em última instância, são as aprendizagens dos alunos.


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A supervisão da prática letiva revela-se uma estratégia privilegiada para dar cumprimento a essas “exigências”, pois acentua a colaboração entre pares da mesma disciplina ou de disciplinas diferentes, promove a problematização, o questionamento e a reflexão sobre a prática docente, tornando o professor mais consciente das situações de ensino, assim como mais consciente de si próprio em ação (ESTRELA, 2008). “O professor apenas conhece subjectivamente a realidade da classe através das suas representações. Ele não dispõe de instrumentos ou de métodos que lhe permitam identificar os fenómenos de ordem pedagógica” (RODRIGUES, 2001, p. 60). A supervisão pedagógica persiste como uma exigência e um imperativo da ação profissional consciente e ponderada. A esse imperativo, adita-se o desafio de romper preconceitos e fazer emergir uma cultura docente que se pretende menos individualizada e evidencia-se a oportunidade de desenvolvimento profissional, mediante a partilha de experiências/práticas, que possam ser analisadas e refletidas, de forma a gerar sinergias. Quando “o professor deixa para trás o individualismo que o tem caracterizado e assume-se como parte activa do todo colectivo...aprende na partilha e no confronto com os outros, qualifica-se para o trabalho, no trabalho e pelo trabalho” (ALARCÃO, 2001, p. 17-18). A supervisão pedagógica terá de assumir um papel transformador nos sujeitos e nas suas práticas pedagógicas.

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Enquadramento organizacional das Equipas Educativas O modelo organizacional de Equipas Educativas consiste em “agrupar educativamente os conteúdos em áreas interdisciplinares, agrupar educativamente os alunos em grupos de turmas, agrupar educativamente os professores em equipas educativas” (FORMOSINHO, 2009, p. 32). Para entender o perfil de competências do supervisor no âmbito da monitorização interpares, importa enquadrar a dinâmica da organização da escola por Equipas Educativas que apresentam, assim, três dimensões organizacionais: o agrupamento de alunos; a integração curricular; e equipes multidisciplinares. Do modelo à diversidade das concretizações, o modelo de Equipas Educativas apresenta-se como proposta organizacional capaz de responder aos problemas da escola de massas, caracterizada pela sua heterogeneidade acadêmica e social. A criação dos agrupamentos educativos permite a criação de uma estrutura organizacional intermédia cuja principal vantagem é dar sustentabilidade à busca de novos modos de organizar o trabalho docente na escola, porquanto as experiências mostram que as novas práticas são inventadas, conquistadas, construídas coletivamente e não no isolamento individual (FORMOSINHO, 2009). Atualmente, no âmbito dos contratos de autonomia, em Portugal, várias escolas comprometem-se a basear a sua organização em Equipas Educativas, organizar modelos alternativos de agrupamentos de alunos e organizar modelos alternativos de horário escolar. Contudo, são escassos os estudos sobre essas tentativas de rompimento com a “pedagogia burocrática” e de organização da escola em conformidade com os objetivos da “educação democrática”, precisamente num sistema bastante centralizado (mesmo que desconcentrado) e onde impera mais a verificação da conformidade com as regras estabelecidas do que a adequação dos meios às finalidades perseguidas, num sistema onde as práticas de autonomia são frequentemente travadas por práticas de dependência (e reforçam mecanismos de cumprimento do mínimo burocrático). O conhecimento dessas experiências que se reclamam da autonomia, da gestão centrada na escola e do empoderamento dos professores, a investigação sobre as expectativas e as concretizações dos seus protagonistas, bem como sobre a consistência entre discursos, decisões e ações e as aprendizagens organizacionais que as experiências pedagógicas proporciona(ra)m, seria um importante contributo para o estudo da organização do trabalho docente (ROLDÃO et al., 2007). A diversidade de implementação do modelo por “Equipas Educativas” depende de múltiplos fatores, nomeadamente da dimensão humana da escola e das suas características físicas, das competências profissionais dos membros de cada Equipa Educativa e das modalidades de colaboração desenvolvidas, das atividades concretizadas e do tipo de articulação curricular ensaiada, da capacidade de liderança dos coordenadores de cada equipe e da vontade de participação de cada profissional, do estabelecimento de parcerias com instituições de ensino superior e do apoio específico e discriminado da Administração Educativa. A divulgação dessas experiências permitiria não fazer delas receita a copiar, mas conhecer diferentes modus faciendi e suscitar percursos de aprendizagem coletiva (FORMOSINHO, 2009). 86

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A prática de monitorização de Equipas Educativas em contextos de sala de aula: estudo de caso O conceito de monitorização no contexto das Equipas Educativas pode ser definido como uma função contínua que serve primeiramente para fornecer ao supervisor, ao longo de uma intervenção continuada, indicações de progresso ou da sua ausência, na concretização de resultados. Uma intervenção continuada pode ser um projeto, programa ou outra forma de sustentar um resultado.

A monitorização é, então, um método de coleta e registro de informação e dados e requer um trabalho exaustivo na identificação dos indicadores que integram os sistemas para o qual se traduz a coleta de informação. Na nossa perceção, o desenvolvimento de uma monitorização da prática letiva é concebido como uma estratégia de melhoria das aprendizagens dos alunos. Esse processo tem como objetivos a detecção precoce de eventuais problemas, dificuldades e/ou obstáculos ao sucesso educativo e o aprofundamento de práticas colaborativas nas turmas, ou anos de escolaridade, que ajudem a diagnosticar problemas e procurar possíveis estratégias para os corrigir ou suprimir. A monitorização da prática letiva pode revestir-se como uma estratégia para dar feedback aos professores no sentido do aperfeiçoamento, desenvolvimento e reformulação das suas práticas pedagógicas, sendo o seu principal objetivo a melhoria da qualidade do ensino e da aprendizagem. Pretende-se rentabilizar as sinergias potenciadas pela criação de Equipas Educativas, valorizando-se as ações para o “grupo de alunos” em detrimento da “turma”, orientadas pelo coordenador pedagógico. Reconhece-se a Equipa Educativa como medida organizacional que potencia e concretiza a colaboração entre docentes, assegurando uma gestão curricular integrada, pela criação de condições para uma colaboração mais alargada que permite uma gestão integrada e flexível do currículo, com impacto nas aprendizagens dos alunos. A monitorização das Equipas Educativas de turmas do 2º ciclo do ensino básico foi centrada na observação do desenvolvimento da aula em três pontos de focagem: a interação pedagógica, o desenvolvimento de competências e a inclusão. O foco era averiguar constrangimentos e/ou pontos frágeis na implementação dos Domínios de Autonomia Curricular e Projetos das Equipas Educativas, de forma a intervir atempadamente e positivamente junto dos docentes envolvidos. A monitorização foi, nessa perspectiva, mobilizada para aferir o seu impacto no contexto da Autonomia e Flexibilidade Curricular enquanto estratégia para dar feedback aos professores, no sentido do aperfeiçoamento, desenvolvimento e reformulação das práticas pedagógicas. A monitorização consistiu na observação do seguimento e acompanhamento de alguns parâmetros centrados na dinâmica da aprendizagem baseada em problemas para detectar eventuais constrangimentos. O acompanhamento feito através da monitorização teve como vantagem possibilitar a identificação de desvios nos resultados em relação a situações anteriores e, ainda, permitir identificar o tipo de evolução alcançada face aos resultados pretendidos. A monitorização foi realizada, então, através de um método de coleta e registo de informação e dados (checklist) e requereu um trabalho de identificação dos indicadores que integrariam os sistemas para o qual se traduzia a coleta de informação. No sentido de promover no Agrupamento uma atuação estratégica direcionada para a cooperação, reflexão sobre práticas pedagógicas e trabalho cooperativo, foram realizadas reuniões de articulação entre as diferentes estruturas de coordenação e entre professores, tendo em vista o alcance de soluções pedagógico-didáticas que contribuíssem para uma melhoria efetiva das aprendizagens. A observação de aulas entre pares teve como objetivo primordial identificar metodologias ativas e estratégias de diferenciação pedagógica utilizadas e/ou a utilizar em contexto de sala de aula, tendo como objetivo uma Faculdade Educacional da Lapa – FAEL

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A monitorização de resultados refere-se a um procedimento contínuo e sistemático de recolha e análise de dados, de forma a avaliar o sucesso das intervenções no que concerne à concretização dos resultados. A periocidade é um critério importante para que as mudanças pretendidas possam ser vistas ao longo do tempo, uma vez que a coleta e a análise da informação permite monitorizar e comparar a “situação atual” com a “situação de partida” e, posteriormente, avaliar os resultados obtidos. O acompanhamento feito através da monitorização tem como vantagem possibilitar a identificação de desvios nos resultados em relação a situações anteriores e, ainda, permitir identificar o tipo de evolução alcançada face aos resultados pretendidos.


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efetiva reflexão que permitisse a partilha de saberes e de experiências educativas para a melhoria dos processos de ensino e de aprendizagem. As reuniões quinzenais de grupo/Conselho de Comunidade de Aprendizagem foram também uma outra forma de estimular e reforçar o trabalho colaborativo, pois promoveram, de forma sistemática, uma reflexão consequente das e sobre as práticas docentes.

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A supervisão da prática letiva nas Equipas Educativas aferiu abordagens de integração pedagógica fundamentadas numa lógica inter e transdisciplinar do projeto que articulava as disciplinas de Educação Musical, Educação Física, Educação Visual, Português e História e Geografia de Portugal, contando com a presença dos docentes das respectivas disciplinas que, em conjunto, geriram a aula de forma harmoniosa e dinâmica, evidenciando-se a experiência dos professores como interlocutores qualificados que estabelecem uma empatia imediata com um público diversificado. Considera-se que os modos de comunicação e organização da informação se imiscuíram num contexto reflexivo de prática pedagógica: ação, reflexão na e sobre a ação. Na perspetiva do supervisor, o processo de ensino, aprendizagem e avaliação revelou uma clarificadora linha de ação centrada na pedagogia atual, numa abordagem de integração transversalizante do currículo, avessa a hermetismos disciplinares, evidência da incontestável conceção de que “as disciplinas não são um fim em si mesmo”, contribuindo, assim, para espelhar uma vasta realidade articulada de saberes em ação. Nessa dinâmica pedagógica, os atores (professor/alunos) e papéis se integraram num tempo e num espaço de reflexão, partilha, interação e construção de saberes, concebendo práticas pedagógicas a decorrer em simultâneo num contexto privilegiado de observação, análise e produção de desenvolvimento de comportamentos, competências e atitudes modeladoras de perfis profissionais de excelência. Pudemos obter o feedback contínuo, sistemático e positivo da aula, escutando os alunos, que registaram as aulas como motivadoras, divertidas, interessantes e envolventes, sugerindo que as aulas fossem sempre assim. Observamos que os docentes enveredaram em harmonizar o aprofundamento da integração científico-pedagógica e teórico-prática, através da reflexão sistemática e crítica nos alunos. Perdurou uma evidente interação pedagógica no sentido em que valorizaram os argumentos e interpelações dos docentes e discentes, que proporcionou oportunidades para reflexões, abrindo também as portas à confrontação de pontos de vista, uma vez que os professores foram atores motivadores, desafiadores e incentivadores das aprendizagens. Ao mergulhar na lógica transdisciplinar do decurso do projeto desenvolvido nas Equipas Educativas, foi perseguida a sistematização de um ambiente de aprendizagem baseada em problemas, procurando desenvolver as áreas de competências do perfil dos alunos, através valorização do relacionamento interpessoal, saber científico técnico e tecnológico, pensamento crítico e raciocínio e resolução de problemas, promovendo os valores, tais como a liberdade, responsabilidade e integridade, cidadania, participação, curiosidade reflexão, incitando a práticas reflexivas para proporcionar aprendizagens em contexto. Para os anos de início de ciclo, cada Equipa Educativa dispunha de tempo semanal para trabalho colaborativo, que englobou a gestão flexível do currículo, a produção de materiais de apoio às aprendizagens, a elaboração de instrumentos de avaliação, a planificação, monitorização e avaliação das estratégias transversais de mobilização dos alunos e sua implicação nas aprendizagens. Numa lógica de intervenção pedagógica/relacional, as Equipas Educativas: potenciaram a melhoria do nível dos resultados acadêmicos dos alunos; aumentaram as atividades de sala de aula que promovem a autonomia, o pensamento crítico, a comunicação e a participação cívica; melhoraram o impacto do programa de apoio e acompanhamento de alunos; e promoveram um bom clima de escola incentivando a participação ativa do aluno e o sentido de pertencimento. Em nível organizacional: estabeleceu-se a promoção de mecanismos de autorregulação; tornou-se mais eficaz a ação e a articulação das diferentes estruturas e órgãos; promoveu-se a formação dos docentes no âmbito das suas necessidades; e organizaram-se os horários de modo a viabilizar as medidas definidas. No que diz respeito a recursos e equipamentos, aumentou-se a frequência do uso das tecnologias de informação e comunicação tanto no trabalho colaborativo docente como na sala de aula. Os professores revelaram domínio pleno de metodologias ativas, bem como segurança inequívoca em termos didáticos, selecionando as melhores abordagens de ensino-aprendizagem. Relativamente aos aspetos relacionais, envolveram os 88

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alunos e criou-se um ambiente educativo fundamentado em valores comumente reconhecidos, tratando-os com a dignidade que esses valores preconizam e assegurando aos alunos o mesmo procedimento.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Justificação do tema Apesar das recomendações resultantes da investigação educacional na área da supervisão pedagógica e do que se preconiza nos normativos legais portugueses, o que parece predominar nas salas de aula são práticas letivas tendencialmente arreigadas ao ensino tradicional, com abordagens disciplinares, ainda que sob a capa de um construtivismo, cujo principal propósito é o de recolher informações para classificar os alunos e não para os ajudar a melhorar e a superar as suas dificuldades (FERNANDES, 2007).

Em Portugal, a promulgação do Decreto-Lei 55/2018, de 6 de julho de 2018, e o Perfil do Aluno à Saída da Escolaridade Obrigatória vieram instigar a refletir, de forma séria, sobre que tipo de abordagens pedagógicas (interdisciplinares e transdisciplinares), de metodologias de ensino-aprendizagem ativas e de avaliação se quer implementar nas nossas escolas. Se nos focarmos nos professores portugueses, constatamos uma consciência mais apurada quanto à necessidade de implementar novas abordagens pedagógicas, novas metodologias ativas e estratégias de avaliação formativa nas aulas (FERNANDES, 2005), mas interessa-nos aferir até que ponto os professores têm essa percepção, sobretudo quando nos focamos, especificamente, nos professores das Equipas Educativas e neste novo enquadramento normativo. Nesse sentido, essa percepção irá nos permitir entender o impacto da monitorização no desenvolvimento do trabalho das Equipas Educativas no contexto da Autonomia e Flexibilidade Curricular, assim como aferir as vantagens da monitorização das Equipas Educativas na execução de práticas docentes. O acompanhamento e a monitorização das práticas letivas em contexto da Autonomia e Flexibilidade Curricular induzem a processos de reflexão no nível de uma organização escolar. É crucial para as escolas terem uma visão estratégica para que o processo de monitorização seja válido e fiável, segundo algumas perspetivas: a utilização de instrumentos de planejamento curricular; a evolução das aprendizagens dos alunos; e as medidas de promoção do sucesso escolar. Melhorar as práticas letivas implica conhecermos as percepções daqueles que atuam na sala de aula nos pressupostos da flexibilidade curricular. Esse Decreto-Lei reforça a necessidade de se implementar novas práticas e uma avaliação para a aprendizagem participada por todos os intervenientes educativos capaz de provocar reflexões sérias que conduzam os professores e os alunos à construção de saberes significativos. Razão pela qual acreditamos que só a análise, elaboração e apresentação de pressupostos práticos, conceituais e éticos que subjazem à ação do professor (VIEIRA, 2006) contribuem para uma mudança na sua prática. A metodologia usada nesta investigação foi a de estudo de caso intrínseco com uma abordagem mista que procurou compreender as interações entre o caso em estudo e o seu contexto. Tratou-se de um tipo de estudo que não tem uma estrutura rígida, pois, à medida que a investigação foi decorrendo, foram colocados de lado planos e ideias iniciais para darem lugar a outros que revelaram ser mais adequados. Assim, à medida que o investigador foi conhecendo melhor o tema em estudo, os planos puderam ser modificados e as estratégias selecionadas, no sentido de construir um perfil de competências de um supervisor no âmbito da monitorização interpares, saber as suas percepções e aferir as suas práticas, através de um estudo de caso em Equipas Educativas e percecionar o impacto da monitorização no desenvolvimento do trabalho das Equipas Educativas no contexto da Autonomia e Flexibilidades Curricular e aferir as vantagens da monitorização das Equipas Educativas na execução de práticas docentes. Faculdade Educacional da Lapa – FAEL

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A investigação, de uma maneira global, tem vindo a evidenciar a clara e inequívoca importância da utilização de metodologias ativas que aproximem o professor do aluno do século XXI e de uma avaliação com enfoque formativo para o sucesso educativo dos alunos. Black e Wiliam (1998, 2003) demonstraram, a partir dos seus estudos, que quanto maior é o enfoque dado à avaliação formativa, maior é o ganho de aprendizagem para os alunos, privilegiando os processos que envolvem a aprendizagem e não os resultados obtidos.


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Para concretizarmos os objetivos apresentados anteriormente, consideramos que uma metodologia de investigação de tipo qualitativo e interpretativo seria aquela que melhor serviria os nossos propósitos investigativos. A coleta de dados foi realizada com recurso a entrevistas semiestruturadas, a questionário e à análise documental. Neste pressuposto, na aplicação da investigação, pretendeu-se utilizar uma amostra da dinâmica associada às Equipas Educativas.

Participantes na investigação Tendo sempre presente o tema da investigação – Perfil de competências de um supervisor no âmbito da monitorização interpares – Estudo de caso nas Equipas Educativas, é claro e justificado que os participantes na nossa investigação sejam escolhidos tendo por base o critério de conveniência para o estudo. Sendo assim, serão professores das Equipas Educativas de uma organização escolar do norte de Portugal. Os participantes deste estudo foram os professores pertencentes aos grupos disciplinares das turmas alvo. A nossa investigação teve como intenção principal identificar e compreender as percepções destes professores sobre o perfil de competências de um supervisor, a dinâmica da supervisão interpares em Equipas Educativas e o impacto das práticas de monitorização no contexto da flexibilidade curricular.

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Resultados O estudo investigativo baseado na análise quantitativa e qualitativa e documental centrado na supervisão entre pares em Equipas Educativas e a sua implicação na prática docente atendeu os nossos propósitos no sentido de aferir a supervisão da prática letiva como forma de desenvolvimento e melhoria do ensino e da aprendizagem, concebendo-se o desenvolvimento de uma cultura de supervisão entre pares e uma atualização de práticas no âmbito do trabalho colaborativo. Verificamos que os docentes se capacitaram para o exercício de supervisão clínica e a prática reflexiva, numa díade, com a finalidade de, mais tarde, efetivar o alargamento de modo assertivo, procurando um maior número de docentes a realizar o ciclo supervisivo. Preconiza-se que o docente, no exercício das suas funções, deve desenvolver a reflexão sobre a sua prática pedagógica, apoiando-se na experiência e na investigação, tendo em vista a melhoria das suas práticas e a contribuição para o sucesso educativo dos alunos.

Discussão Para Roldão (1998) e Alarcão (2001), o desenvolvimento pessoal e profissional fazem-se através da reflexão. Ao efetuar reflexões, o professor revê-se, analisa o que fez, como fez, quais foram os processos utilizados, tornando-se, assim, num profissional reflexivo. Segundo Alarcão (2009), o professor evolui mais e melhor se à reflexão juntar o trabalho em equipe, num espírito colaborativo entre docentes, de forma que todos trabalhem para um mesmo objetivo, para o mesmo fim, com hábitos auto e hetero-reflexivos. Sendo capaz de se conhecer, de participar na observação dos outros e de se questionar, o docente começará a ver-se de outro modo. Com hábitos auto e hetero-reflexivos, criam-se condições para que os docentes contribuam para uma verdadeira escola reflexiva que Alarcão definiu, em 2001, como “uma organização que continuadamente se pensa a si própria, na sua missão social e na sua organização, e se confronta com o desenrolar da sua atividade, num processo heurístico, simultaneamente avaliativo e formativo” (ALARCÃO, 2001, p. 25). A implementação de mecanismos de monitorização/supervisão da prática letiva em sala de aula, como forma de desenvolvimento profissional e melhoria do ensino e da aprendizagem, constitui uma oportunidade de reflexão por parte de todos os intervenientes na ação educativa e um fator de cultura institucional de aperfeiçoamento contínuos enquadrados no plano de melhoria do agrupamento. O objetivo geral é promover a melhoria das práticas letivas de forma a alcançar mais e melhor o sucesso educativo, criando uma dinâmica de trabalho colaborativo entre os docentes das Equipas Educativas, no sentido de (re)pensar as práticas pedagógicas. Por outro lado, promove o debate entre pares sobre metodologias utilizadas, dificuldades sentidas, boas dinâmicas observadas, no sentido de responsabilizar toda a equipe num verdadeiro espírito de partilha e de entreajuda, possibilitando a sua disseminação e replicação. 90

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Este artigo pretende veicular uma perspectiva construtiva da supervisão através de uma revisão da literatura e de reflexão pessoal, reportando-se às exigências geradas pela mudança que se impõe à escola mediante novas perspetivas, estruturas e práticas. A supervisão contribui para essa procura, através de mecanismos colaborativos de reflexão, avaliação e discussão, que propiciam aprendizagem aos profissionais e à organização escolar. Ao valorizar a reflexividade na busca de soluções, alteram-se as formas de supervisão e o papel do supervisor, surgindo uma dimensão horizontal ou colaborativa natural num ambiente de construção partilhada de conhecimento; e vertical, assumida por um coordenador, que ajude a desenvolver competências de investigação, sistematização e comunicação e encoraje o autoconhecimento dos docentes, em harmonia com a comunidade a que pertencem. O nosso estudo pode ser encarado como um trabalho de alguma exposição de problemáticas atuais, no sentido contribuir futuramente para a constituição de instrumentos de desenvolvimento e de progresso sobre relevância e o impacto de medidas de monitorização nas práticas letivas dos docentes das Equipas Educativas, no contexto da Autonomia e Flexibilidade Curricular.

Além disso, a monitorização permite identificar metodologias ativas e estratégias de diferenciação pedagógica utilizadas e/ou a utilizar, em contexto de sala de aula, tendo como finalidade uma efetiva reflexão que permita a partilha de saberes e de experiências educativas para a melhoria dos processos de ensino e de aprendizagem. Não é nossa pretensão dar respostas concretas ou verdades absolutas sobre as percepções dos professores, somente fazer refletir sobre essas questões e abrir novos horizontes à discussão. Com horizontes alargados, tornamo-nos mais questionadores, interventivos e participativos, e estudos dessa temática podem suscitar outras pistas de investigação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Na linha rogeriana, a supervisão é centrada na pessoa. O supervisor não é um especialista, mas um colaborador, um conselheiro ou um consultor do supervisionado. O papel do supervisor é criar (providenciar) um ambiente no qual o supervisionado possa partilhar toda a sua experiência de trabalho com o cliente (o aluno). A relação supervisor/supervisionado releva a facilidade na efetiva aprendizagem e o crescimento na supervisão. Salienta-se a figura do supervisor cooperante, como elemento facilitador, neste caso, da promoção dos processos de socialização em contexto profissional entre docentes. Por outro lado, os docentes das Equipas Educativas, que mediante os obstáculos e problemática de aceitação da nova dinâmica de Equipas Educativas implementada, no sentido de promover e partilhar novos modelos de ensino-aprendizagem, mais inovadores, são conduzidos a refletir sobre a sua própria ação, e o supervisor, enquanto líder intermédio, a agir com determinação face às situações de “rejeição” por parte dos seus pares. Nesse sentido, os elementos da Equipa Educativa foram envolvidos num processo de educação libertadora ou problematizante, constituído por fases distintas, mas complementares sendo envolvido na ação através do diálogo. Assim, à luz da educação libertadora de Paulo Freire (2004), foram convidados a fazer uma introspecção da sua ação, numa tomada de consciência crítica, através de interpelações constantes do supervisor, passando por uma ação transformadora e, por fim, de uma avaliação crítica. Este artigo teve como finalidade a reflexão centrada na prática supervisiva em Equipas Educativas na sua dimensão profissional e organizacional, cujo interesse era o de abordar qual o papel do supervisor como líder e como ele pode motivar uma equipe a desempenhar sua função, de forma satisfatória e realizada, diante de todos os desafios enfrentados diariamente pelos docentes. Verificou-se a importância de o supervisor estar comprometido na sua função, assumindo uma postura de liderança, responsabilidade, compromisso e empreendedorismo, Faculdade Educacional da Lapa – FAEL

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A monitorização da prática letiva pode revestir-se como uma estratégia para dar feedback aos professores no sentido do aperfeiçoamento, desenvolvimento e reformulação das suas práticas pedagógicas, sendo o seu principal objetivo a melhoria da qualidade do ensino aprendizagem. Nessa linha, Fullan (2007) crê que o novo profissionalismo exige a aprendizagem permanente dos docentes, que devem inovar e enriquecer os métodos de ensino e interagir com a comunidade educativa para melhorarem os desempenhos dos alunos.


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estabelecendo uma relação de confiança com a sua equipe pedagógica, pois o gestor dependerá do bom trabalho de todos os envolvidos no processo educacional para que ele alcance o seu próprio sucesso profissional. Dessa forma, faz-se necessário um ambiente de cooperação e também a presença do líder para orientar e dar suporte à equipe. No final, percecionavam-se as áreas fortes e fracas e delineavam-se estratégias de intervenção com vista ao sucesso educativo e ao aprofundamento de práticas colaborativas nas turmas ou anos de escolaridade. Foi possível aferir que as dinâmicas de grupo das Equipas Educativas das turmas monitorizadas evidenciaram uma boa capacidade de trabalho em equipe face às limitações espácio-temporais deparadas e dos recursos disponíveis no nível do parque informático, que restringiram a implementação efetiva de metodologias ativas e experimentais no ensino e nas aprendizagens.

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Para finalizar, consideramos importante lançar o desafio para se caminhar no sentido de um debate que permita desenvolver a reflexividade ao serviço da transformação do trabalho docente no âmbito da dimensão pessoal, que deverá ser orientado pelos valores de uma sociedade democrática, disseminando práticas de investigação narrativa que valorizem os saberes profissionais construídos pelos professores e com eles, e não sobre eles. Num cenário de emergência de mudança, focamos as exigências que se colocam hoje à escola e aos professores: uma aprendizagem colaborativa permanente baseada na investigação da prática, na autoavaliação e numa liderança pedagógica distribuída. Nesse contexto, refletimos sobre a necessidade de implementar outras formas supervisivas ligadas às comunidades de aprendizagem, com a finalidade de promover o desenvolvimento profissional e organizacional. O enfoque do novo perfil de modelos de supervisão desloca-se do ensino para a aprendizagem, assumindo bases teóricas e princípios renovados, relacionados com os conceitos de responsabilidade pela autoaprendizagem, autossupervisão, compromisso e reflexão.

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MALCHER, Danielle de Cássia da Silva34 SANTOS, Margarete35

RESUMO Este trabalho apresenta uma análise acerca dos processos administrativos referentes à principal matéria tratada no setor de Cadastro e Movimentação de Pessoal (SECAM), que compõe a Diretoria de Gestão de Pessoas (DGP) da Reitoria do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará (IFPA): a programação de férias dos servidores. Tais processos demandam o consumo de uma elevada quantidade de papel A4, muitas vezes contendo relatórios com informações desnecessárias para sua execução e informações que podem ser facilmente acessadas a qualquer momento por qualquer servidor através do Portal SEGEP, porém são obrigatórios para que seja autorizada sua tramitação e execução no sistema SIAPE. Esta análise tem como objetivo geral elaborar sugestões que visem otimizar esses processos, reduzindo o consumo de papel A4, a partir da redução de relatórios que são anexados, criando procedimentos mais limpos e eficientes para alcançar um desenvolvimento sustentável. Considerando a função essencial da educação no processo de conscientização e mudança cultural dos cidadãos e das organizações e a necessidade cada vez maior de que as organizações adquiram uma consciência ecológica, este trabalho apresenta um elevado grau de relevância que é, ainda, aumentado devido ao reduzido número de estudos com essas características. Este estudo alcançou todos os objetivos que se propôs a cumprir, elaborando propostas que sanem e/ou reduzem os problemas apresentados pela instituição de ensino e, a partir da implementação de tais propostas, a excelência na execução dos processos poderá ser alcançada ou até mesmo superada. Palavras-chave: Sustentabilidade organizacional; Otimização; MASP; Qualidade; Redução de consumo.

ABSTRACT This paper presents an analysis of the administrative processes related to the main issue dealt with in the Sector of Registration and Personnel Movement (SECAM), which is part of the Management Board of People (DGP) of the Rectory of the Federal Institute of Education, Science and Technology of Pará (IFPA): The holiday schedule of the servers. Such processes require the consumption of a large amount of A4 paper, often containing reports with unnecessary information for its execution and information that can be easily accessed at any time by any server through the SEGEP Portal, but required to allow its processing and execution in the SIAPE system. This analysis has as general objective to elaborate suggestions aimed at optimizing these processes, reducing the consumption of A4 paper, from the reduction of reports that are attached to them, creating cleaner and more efficient procedures, to achieve sustainable development. Considering the essential role of education in the process of awareness and cultural change of citizens and organizations, and the growing need for organizations to acquire an 34 Faculdade Educacional da Lapa. E-mail: daniellemalcher@hotmail.com 35 Faculdade Educacional da Lapa. E-mail: margarete.santos@fael.edu.br Revista Vivências Educacionais

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Proposta para a Redução do Consumo de Papel A4 na Análise e Execução dos Processos de Programação de Férias do IFPA a Partir da Utilização do MASP: um Estudo de Caso


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ecological awareness, this work has a high degree of relevance that is further increased due to the small number of studies with these characteristics. This study achieved all the objectives that it proposed to meet, elaborating proposals that solve and/or reduce the problems presented by the educational institution and, from the implementation of them, excellence in the execution of processes can be achieved or even overcome by it. Keywords: Organizational sustainability; Optimization; MASP; Quality; Reduction of consumption.

INTRODUÇÃO Com o agravamento dos problemas ambientais, que marcou o final do século XX, as organizações se viram pressionadas a contribuírem para a preservação do meio ambiente, preocupando-se com os limites do planeta, o que provocou a adoção de sistemas de gestão ambiental e o desenvolvimento de ações de responsabilidade social e ambiental, que podem se traduzir em mudanças nos modelos de gestão e na cultura organizacional, fato que foi o estopim da chamada Sustentabilidade Organizacional (VIEGAS; CABRAL, 2014).

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O IFPA, como uma organização educacional, possui o dever de ser socialmente responsável, tendo a obrigação de, no seu dia a dia, executar ações que contribuam para tal. Assim, há a necessidade de que seus procedimentos sejam revistos, juntamente à obrigatoriedade de anexar determinados documentos aos processos administrativos. Desse modo, o problema de pesquisa é: Há a real necessidade de anexar tantos relatórios com informações que são armazenadas no sistema do próprio governo, o SIGEP, que podem ser acessadas a qualquer momento e por qualquer servidor? Nesse enfoque, o objetivo geral deste trabalho é reduzir o consumo de papel A4, pelo SECAM, nos processos de programação de férias, através dos seguintes objetivos específicos: 9. Investigar as características específicas dos processos de programação de férias com uma visão ampla; 10. Descobrir as causas fundamentais que levam o SECAM a consumir uma elevada quantidade de papel A4 nos processos de programação de férias; 11. Elaborar um plano de ação que bloqueie essas causas fundamentais; 12. Apresentar e propor à DGP a execução desse plano de ação. Os processos de programação de férias do IFPA são um exemplo de consumo irresponsável de papel A4, uma vez que, por padrão, exige que os servidores anexem a eles relatórios com informações desnecessárias, redundantes ou que podem ser acessadas a qualquer momento por qualquer servidor do Instituto. Frente à factual necessidade de ratificar a cada vez mais frequente e emergente necessidade de reflexão dos gestores públicos sobre o seu papel no desenvolvimento de nossa sociedade, este estudo é de suma relevância ao evidenciar que, com medidas relativamente simples e de baixíssimo impacto financeiro, é possível colaborar para o desenvolvimento de uma sociedade mais limpa e correta no sentido ambiental.

DESENVOLVIMENTO Desenvolvimento sustentável e sustentabilidade organizacional Sabe-se que proposições relacionadas à sustentabilidade adquiriram destaque pela incorporação da promessa de evolução da sociedade rumo a um mundo mais harmonioso, no qual o meio natural e as conquistas culturais procuram ser preservados para as gerações futuras (MUNCK; DIAS; SOUZA, 2008). Segundo Leff (2006), desenvolvimento sustentável é aquele que permite à geração atual suprir as suas necessidades, sem comprometer as condições de subsistência das gerações futuras. Mediante essa definição, Motibeller-Filho (2007) argumenta que não basta apenas haver crescimento econômico, avanços tecnológicos e institucionais, mas também uma revolução tecnológica e institucional que procure conciliar, em seus processos decisórios, interesses econômicos, preservação ambiental e justiça social. 96

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Ao reconhecer que, para exercer suas atividades, as organizações consomem não só recursos financeiros, mas também ambientais e sociais, Elkington (1999) desenvolveu a “teoria dos três pilares” (triple bottom line – TBL), uma visão tripartite que sugere que desenvolvimento econômico, justiça ambiental e inserção social são igualmente relevantes para a compreensão da sustentabilidade. Como defendem Savitz e Weber (2006), a sustentabilidade é, hoje, princípio fundamental da gestão inteligente, algo muito fácil de ignorar ou assumir como inevitável, num mundo em que o resultado financeiro geralmente é visto como a única medida de sucesso. Enfim, sistemas políticos, instituições, tratados ou modelos de gestão que vislumbrem o tratamento de problemáticas ambientais e sociais pela abordagem sustentável devem ser capazes de transpor as barreiras físicas das organizações no intuito de obter maior eficácia na resolução de calamidades. Logo, torna-se cada vez mais necessária uma resposta institucional que objetive, em seu agir, uma racionalidade que contemple a união estável entre os desenvolvimentos econômico, social e ambiental.

Metodologia de Análise e Solução de Problemas – MASP Existem várias ferramentas de qualidade que auxiliam nas tomadas de decisão, principalmente quando se trata de processos em que sistemas não operam ou funcionam de forma adequada, acarretando desvios e, muitas vezes, perdas de matérias primas e insumos em geral. Na intenção de solucionar os problemas nos processos, em geral, há algumas ferramentas de gestão que auxiliam nesse gerenciamento. Entre essas ferramentas, há o MASP, que oferta alguns sistemas de gerenciamento e apontamentos dos erros ou tendências, indicando setores ou processos que ocorrem com maiores incidências ou com baixas frequências e alto impacto para a organização. De acordo com Campos (2005), o MASP é a versão brasileira do método de solução de problemas japonês denominado QC-Story. O QC Story foi criado para realizar trabalhos de melhoria da qualidade, visando apresentação, troca de experiências e aprendizado. O MASP é um método prescritivo, racional, estruturado e sistemático para o desenvolvimento de um processo de melhoria em um ambiente organizacional, objetivando solução de problemas e obtenção de resultados otimizados. Conforme afirma Deming (1990), a metodologia de análise e solução de problemas MASP se aplica aos problemas cotidianos e/ou específicos de cada organização conforme sua necessidade. Essa metodologia contém técnicas de análise e soluções de problemas, que irão permitir a melhoria contínua dos processos, produtos e serviços. Contudo, as organizações devem buscar as adaptações de seu sistema gerencial a fim de garantir o mínimo de condições necessárias ao planejamento, ao controle e à melhoria de cada etapa ou ciclo do processo. Com a necessidade de melhorias e padronizações, as organizações buscam a inovação dos processos e produtos, de modo a elevar a competitividade das organizações, garantindo sua sobrevivência. De acordo com Menezes (2013), o MASP é composto por oito etapas e sua estrutura é baseada no PDCA. Além disso, é um conjunto de outras ferramentas de qualidade que buscam as melhorias em processo, conforme apresentado no quadro a seguir: Quadro 1 – O Ciclo PDCA como estrutura do MASP e suas fases

PDCA

Fluxo 1

P

Etapa Identificação do Problema

Objetivo Definir claramente o problema, reconhecendo sua importância. Investigar as características específicas do problema com uma visão ampla e sob vários pontos de vista.

Ferramenta utilizada Diagrama de Pareto

2

Observação

3

Análise

Descobrir as causas fundamentais.

Brainstorming e Diagrama de Ishikawa

4

Plano de Ação

Elaborar um plano de ação para bloquear as causas fundamentais.

5W2H

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Fluxograma do Processo

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Conceito


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PDCA D C A

Fluxo 5 6 7

Etapa Ação Verificação Padronização

8

Conclusão

Objetivo Bloquear as causas fundamentais. Verificar se o bloqueio foi efetivo. Prevenir contra a reincidência do Problema. Recapitular todo processo de solução do problema para trabalho futuro.

Ferramenta utilizada 5W2H Diagrama de Pareto 5W2H

Fonte: adaptada de Menezes (2013).

Brainstorming O brainstorming é uma ferramenta valiosa para as organizações. Com a sua aplicação, surgem ideias e oportunidades de melhoria que ocasionam impactos positivos e imprescindíveis para a solução de problemas organizacionais (SILVA, 1996). Para Campos (2004), o brainstorming é uma técnica de geração de ideias em grupos em que os presentes lançam ideias e sugestões com a finalidade de criar outras ideias para a criação ou para a resolução de problemas.

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Fluxograma do processo Segundo Menezes (2013), o fluxograma do processo é um método para descrever graficamente um processo existente ou um novo processo proposto, usando símbolos simples e palavras, de forma a apresentar as atividades e a sua sequência no processo. Para ele, o objetivo de um fluxograma é fornecer uma representação gráfica dos elementos, componentes ou tarefas associadas a um processo. Os fluxogramas são úteis para o propósito de documentação de um processo, proporcionando o conhecimento das suas etapas e relações de dependência. Diagrama de Pareto Conforme Werkema (1995), o diagrama de Pareto é composto por gráfico de barras verticais que dispõem a informação de acordo com uma formatação de evidência visual para identificar a cadência de prioridades dos temas. A informação assim disposta também permite a possibilidade de estabelecer metas numéricas viáveis de serem alcançadas. Com base nas informações do Senai (1999), a interpretação do gráfico de Pareto é conduzida pelo evento que ocorre com maior frequência, o qual é representado na extrema esquerda, e os demais eventos são representados em forma decrescente para a direita. Diagrama de Ishikawa Segundo Menezes (2013), o diagrama de Ishikawa, que também é conhecido como diagrama de causa e efeito, é uma ferramenta gráfica utilizada pela administração para o gerenciamento e o controle da qualidade. Na sua estrutura, os problemas podem ser classificados em até seis tipos diferentes: método, matéria-prima, mão de obra, máquinas, medição e meio ambiente, conforme o quadro a seguir. Quadro 2 – Categorias do Diagrama de Ishikawa

CATEGORIAS MÉTODO MÃO DE OBRA MATERIAS MÁQUINA MEIO AMBIENTE MEDIÇÃO

EXPLICAÇÃO Procedimentos, métodos, maneiras de executar cada trabalho. Conhecimento e habilidades necessárias para o bom desempenho das pessoas. Tipo de materiais e disponibilidades para utilização no processo. Condições e capacidade das instalações e recursos físicos. Condições de fatores relacionados ao ambiente de negócio. Referentes a medições (medidas).

Fonte: Menezes (2013). 98

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De acordo com Moura (2005), essa ferramenta é útil para análise dos processos de forma a identificar as possíveis causas de um problema. Campos (2004) informa que o diagrama se assemelha a uma espinha de peixe, onde o efeito não desejado é inserido isoladamente das possíveis causas que o produz. 5W2H Para Werkema (1995) e Campos (2004), o 5W2H é uma ferramenta gerencial que tem o objetivo de criar ações para a tática elaborada, sendo um método gerencial na resolução de problemas relacionados à produção, por fornecer perguntas tão importantes e que fornecem bases para a realização de um plano de ação. A sigla 5W2H tem origem nos seguintes termos da língua inglesa: 2 Why: Por que deve ser executada a tarefa ou projeto? (justificativa); 2 What: O que será feito? (etapas); 2 How: Como deverá ser realizada cada tarefa/etapa? (método); 2 Where: Onde cada tarefa será executada? (local); 2 When: Quando cada uma das tarefas deverá ser executada? (tempo); 2 How much: Quanto custará cada etapa do projeto? (custo). Dellarosa (2011) complementa dizendo que, com a planilha 5W2H alimentada, o gestor pode determinar, para cada evento, de forma estruturada, o que será realizado em cada tarefa, quem será o responsável pela tarefa, quando será realizada, onde será realizada, como será realizada e quanto custará cada tarefa. Ciclo PDCA O Ciclo PDCA, para Werkema (1995) e Campos (2004), é uma ferramenta que auxilia na tomada de decisões, permitindo o alcance das metas de uma organização. Corrêa e Corrêa (2005) ainda complementam que essa ferramenta auxilia no planejamento estratégico mais detalhado e apoia os gerentes durante as mudanças necessárias. De acordo com Menezes (2013, p. 10), o Ciclo PDCA é um método gerencial de tomada de decisões para garantir o alcance das metas necessárias à sobrevivência de uma organização, sendo dividido em quatro etapas: 1. P – Plan (Planejar): antes da execução de qualquer processo, as atividades devem ser planejadas, com as definições de onde se quer chegar (meta) e do caminho a seguir (método). Essa é, sem dúvida, uma das principais fases do gerenciamento. O contrassenso está na rotineira desconsideração do planejamento. Em parte, devido aos curtos prazos do dia-a-dia, é normal privilegiar o “agir” em detrimento do “planejar”. Nossa cultura claramente estimula o “fazer”. “Não planejamos porque não temos tempo e não temos tempo porque não planejamos”. Visando o comprometimento de todos e uma melhor qualidade do plano, devemos planejar de forma participativa; 2. D – Do (Executar): é a execução do processo com o cuidado do registro de dados que permitam o seu controle posterior. Nessa fase, é essencial a capacitação, o treinamento e a educação básica. Assim como o treinamento, o registro dos dados necessários deve fazer parte integrante da tarefa e não ser encarado como um complemento; 3. C – Check (Verificar): é a fase de monitoração e avaliação, em que os resultados da execução são comparados com o planejamento (metas e métodos) para, a seguir, registrar-se os desvios encontrados (problemas). Devemos cultivar o hábito de avaliar e monitorar durante o processo e não, como é muito comum, somente ao final das tarefas; 4. A – Action (Agir corretivamente): é a definição de soluções para os problemas encontrados com contínuo aperfeiçoamento do processo. Quando tomamos alguma atitude para resolver um problema e ele volta a aparecer alguns dias depois, é sinal de que nossas ações foram paliativas e não corretivas. Faculdade Educacional da Lapa – FAEL

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2 Who: Quem realizará as tarefas? (responsabilidades);


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ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS Procedimentos metodológicos Por objetivar gerar conhecimentos para aplicação prática dirigidos à solução de problemas específicos (SILVA, 2000), a realização deste trabalho se utilizou de uma pesquisa de natureza aplicada, do tipo qualitativa e quantitativa, uma vez que, por um lado, considera que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, isto é, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito que não pode ser traduzido em números e, por outro lado, busca por resultados que possam ser quantificados pelo meio da coleta de dados sem instrumentos formais e estruturados de uma maneira mais organizada e intuitiva (SILVA, 2000).

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A pesquisa tem, do ponto de vista dos seus objetivos, um caráter exploratório, haja vista que objetiva proporcionar maior familiaridade com o problema, visando torná-lo explícito ou construir hipóteses, envolvendo levantamento bibliográfico e reuniões com pessoas que tiveram experiências práticas com o problema pesquisado (GIL, 1996). Por fim, do ponto de vista dos procedimentos técnicos, há uma análise em um estudo de caso, uma vez que envolve o estudo profundo e exaustivo de um ou poucos objetos de maneira que se permita o seu amplo e detalhado conhecimento (GIL, 1996).

Procedimentos de coletas de dados e informações Para a obtenção dos dados e informações, serão utilizados os seguintes instrumentos: observação em campo para maior entendimento acerca da tramitação dos processos, desde a origem, que são tratados pelo setor estudado, reunião com os servidores desse setor para maiores esclarecimentos sobre a análise e a execução desses processos, e, por fim, extração de dados do sistema SIPAC relativos ao número de processos tramitados pela DGP e a outras informações pertinentes para que se alcancem os objetivos do projeto.

Estudo de caso Caracterização da organização A organização estudada, o IFPA, tem como missão promover a educação profissional e tecnológica em todos os níveis e modalidades por meio de ensino, pesquisa, extensão e inovação para o desenvolvimento regional sustentável, valorizando a diversidade e a integração dos saberes. Em 26 de setembro de 2015, completou 106 anos desde sua fundação, que se deu a partir da assinatura do Decreto nº 7.566/1909, que criou 19 Escolas de Aprendizes Artífices destinadas à oferta do ensino profissional gratuito no Brasil, dando início à trajetória da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica. Atualmente, o IFPA conta com 2.276 servidores com cargos que variam de nível fundamental a superior, entre técnicos administrativos e docentes, lotados nos 18 campi da organização, espalhados por diversas regiões do estado do Pará, além da Reitoria, localizada na capital do estado, Belém. Essa, por sua vez, é composta por cinco Pró-Reitorias e três Diretorias Sistêmicas, entre elas, há a DGP. A DGP é composta por cinco Coordenações, entre elas há: a Coordenação Geral de Administração e Pessoal (CGAP), que é formada por três setores, incluindo aquele que é alvo deste estudo, o SECAM. Aplicação do MASP para elaboração de plano de ação Identificação do problema Identificação da coordenação que mais consome papel A4 na DGP O IFPA, na realização de suas atividades, consome uma excessiva quantidade de papéis diariamente, principalmente no que diz respeito à abertura, à análise e à execução de processos administrativos internos, uma vez que cada tramitação sofrida por esses procedimentos gera, no mínimo, um despacho que é impresso em uma nova folha de papel A4. 100

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Além do despacho, os procedimentos padrões para análise e execução de processos que cada setor possui, muitas vezes, obriga que certos relatórios sejam anexados aos autos mesmo que tenham pouca ou nenhuma utilidade. É comum, por exemplo, que relatórios com informações redundantes ou que podem ser acessadas a qualquer momento de maneira fácil e ágil sejam considerados de anexação obrigatória, a tal ponto que a sua ausência impede que os processos sejam tramitados e/ou executados, mesmo que não sejam fundamentais para a sua análise, execução e compreensão.

De acordo com dados extraídos do Sistema Integrado de Patrimônio, Administração e Contratos (SIPAC), no ano de 2014, a DGP recebeu e despachou 9.576 processos. Analisando uma amostra de 500 desses processos, das mais variadas matérias, determinou-se que, em média, são gastas 54 folhas de papel A4 em cada um, destarte, apenas nos processos tramitados pela DGP, gastou-se cerca de 517.104 folhas de papel A4 durante o ano passado, ou seja, essa diretoria, sozinha, é responsável, direta e indiretamente, pelo consumo de pouco mais de 20% de todo o papel A4 despendido pela Reitoria do IFPA. Para uma análise mais detalhada e com o intuito de determinar qual é a principal coordenação consumidora de papel A4 da DGP, foi feito um levantamento de quantos processos foram tramitados por cada uma dessas, obtendo os seguintes números. Tabela 1 – Quantidade de processos tramitados por cada coordenação da DGP em 2014

Coordenações Gerais

Setores

Qtd. de Processos

%

Pagamento

1.689

18%

Administração de Pessoal

Cadastro e Movimentação de Pessoal Aposentadoria e Pensão

1.974 1.393

21% 15%

Treinamento e Desenvolvimento Normas e Procedimentos Qualidade de Vida

— — —

1.447 1.728 1.345

15% 18% 14%

9.576

100%

Total (DGP) Fonte: elaborada pela autora com dados extraídos do SIPAC.

Como pode ser visto, apenas a Coordenação Geral de Administração de Pessoal tramitou, em 2014, 5.056 processos, o que representa cerca de 53% dos processos tramitados pela DGP. Dentro dessa Coordenação, destaca-se o SECAM, que tramitou a expressiva quantidade de 1.974 processos no ano de 2014, número que representa 21% do total de processos que passaram pela DGP, fato que transforma o setor no principal executor de processos da diretoria em questão, no que diz respeito à quantidade de processos. A partir desses números, foi possível concluir que o SECAM é responsável, direta e indiretamente, pelo consumo de 106.596 folhas de papel A4 a um custo próximo de R$ 2.558,30 por ano, o que evidencia que esse setor é o principal responsável pelo consumo de papel A4 dentro da DGP, fato que justifica que seja escolhido como alvo deste estudo. Identificação da matéria que mais consome papel A4 no SECAM O SECAM é responsável por analisar e executar, no sistema SIAPE, processos de 13 matérias diferentes, sempre ligadas à inclusão, à exclusão e à atualização de informações pessoais e funcionais de todos os servidores lotados na Reitoria do Instituto, de modo geral. As matérias tratadas nos processos tramitados pelo setor são apontadas no quadro a seguir: Faculdade Educacional da Lapa – FAEL

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Conforme dados obtidos com o setor de compras do IFPA, apenas a Reitoria adquiriu e consumiu, em 2014, cerca de 5.000 resmas com 500 folhas de papel A4 ao mês, no valor de R$ 12,00 cada, ou seja, apenas essa unidade do Instituto consome, aproximadamente, 2.500.000 folhas de papel A4 por mês em impressões, gastando, dessa forma, um total próximo a R$ 60.000,00 por mês.


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Quadro 3 – Matérias Tratadas pelo SECAM

Matérias Afastamentos Atualização Cadastral Cadastro de Auxílio Transporte Cadastro de Servidores Novos Designação de Função Dispensa de Função Incentivo à Qualificação Interrupção de Férias Programação de Férias Progressão por Capacitação Progressão por Mérito Reprogramação de Férias Substituição Fonte: elaborado pela autora.

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Assim como os demais setores e coordenações do IFPA, o SECAM possui procedimentos padrões adotados para a análise e a execução dos processos de sua responsabilidade que, muitas vezes, obriga que anexe relatórios com informações redundantes ou dispensáveis para tal, o que leva a um consumo desnecessário de papel A4. Através de uma análise minuciosa sobre esses procedimentos, pôde-se chegar ao número exato de folhas de papel A4 que são anexadas obrigatoriamente pelo SECAM em seus processos e, com a extração de dados do SIPAC, conhecer a quantidade aproximada de folhas gastas ao ano na análise e na execução de cada uma das matérias a seu cargo. Esses valores são expostos na tabela a seguir. Tabela 2 – Análise dos processos tramitados pelo SECAM

Processo Programação Férias Progressão Mérito Progressão Capacitação Substituição Afastamentos Reprogramação Férias Incentivo à Qualificação Interrupção Férias Designação de Função Atualização Cadastral Cad. Aux. Transporte Cad. Servidores Novos Dispensa de Função TOTAL

Ocorrência Qtd. folhas por ano anexadas 148 7 97 8 95 8 88 7 92 6 76 7 103 5 63 8 98 4 122 3 87 4 78 4 98 2

Total folhas anexadas por % por processo ano 1.036 15% 776 11% 760 11% 616 9% 552 8% 532 8% 515 7% 504 7% 392 6% 366 5% 348 5% 312 5% 196 3% 6.905 100%

% Acumulada 15% 26% 37% 46% 54% 62% 69% 77% 82% 88% 93% 97% 100%

Fonte: elaborada pela autora a partir de dados extraídos do SIPAC.

Com os dados organizados na tabela acima, foi elaborado um diagrama de Pareto para identificar qual dos processos de responsabilidade do SECAM deve receber um tratamento prioritário por ser aquele que mais consome papel A4. 102

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Gráfico 1 – Diagrama de Pareto para o problema a ser tratado

Com o diagrama de Pareto, foi possível concluir que os processos de programação de férias são aqueles que mais consomem papel A4 no SECAM, sendo responsáveis, sozinhos, por 15% de todo papel anexado de forma obrigatória a eles, devendo, por esse motivo, ter uma atenção prioritária por ser a mais representativa matéria tratada pelo setor em relação ao consumo de papel. Assim sendo, é possível identificar com clareza que o problema a ser tratado com prioridade é o grande consumo de papel A4 nos processos tramitados pelo SECAM referentes à programação de férias. Observação Após a identificação do problema, foi realizada uma grande análise desde a origem até o arquivamento dos processos de programação de férias, a partir do procedimento padrão para tal, com o intuito de investigar as características específicas do problema com uma visão ampla. Para isso, foi elaborado o fluxograma desses processos para melhor entendê-los. Figura 1 – Fluxograma dos processos de programação de férias

Fonte: elaborada pela autora. Faculdade Educacional da Lapa – FAEL

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Fonte: elaborado pela autora.


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Quando o servidor abre um processo solicitando a programação de suas férias, ele deve fazê-lo, por exigência do procedimento padrão, a partir do preenchimento completo do formulário de seu plano de férias para o referido exercício. Ao preenchê-lo, o servidor informará seu nome, matrícula SIAPE, campus, lotação, cargo e a forma como deseja que suas férias sejam programadas. Após esse preenchimento, o servidor elaborará um memorado à sua chefia imediata pedindo autorização para que suas férias sejam programadas conforme plano de férias. Caso autorize, a chefia assinará o plano de férias e elaborará um despacho à DGP solicitando a programação, entregando-o ao Protocolo para que o encaminhe para a diretoria em questão. Ao chegar na DGP, o processo irá para o diretor, que identificará a matéria e elaborará um despacho ao setor competente, no caso, o SECAM. Após analisar o processo, esse setor decidirá por seu deferimento ou indeferimento, anexará os documentos obrigatórios por padrão, e elaborará um despacho ao diretor da DGP explicando sua decisão. O diretor, por sua vez, se estiver de acordo com a decisão do SECAM, elaborará um despacho para a unidade de lotação do servidor interessado e entregará ao Protocolo, onde será remetido para a ciência do servidor e arquivamento em sua pasta funcional. Análise Revista Vivências Educacionais | ISSN: 2526-0529 | v.7 n.1

Para descobrir as causas fundamentais do problema, foi realizado, juntamente à equipe do SECAM, um brainstorming, que levantou as causas que levam ao grande consumo de papel A4 nos processos de programação de férias, que foram expostas no diagrama de Ishikawa a seguir. Figura 2 – Diagrama de Ishikawa para o problema estudado Mão de obra

Medida

Desconhece ferramentas

Não há indicadores Grande consumo de papel A4 nos processos de programação de férias Servidores indiferentes ao Desperdício

Muitos relatórios anexdos

Método do processo

Meio Ambiente

Fonte: elaborada pela autora.

Optou-se por agrupar as causas em quatro categorias: mão de obra, medida, método e meio ambiente, por adequar-se melhor à realidade do SECAM. Foram levantadas, no total, quatro causas diferentes para o problema a ser solucionado. Mão de obra Em relação à mão de obra envolvida no problema estudado, após análise e conversa com os servidores, percebeu-se que eles dizem não conhecer nenhuma ferramenta que possa lhes ajudar a reduzir seu consumo de papel A4. Medida Verificou-se que não existe, dentro do SECAM, um indicador que possa medir se o consumo de papel A4 dentro do setor está condizente com a quantidade realmente necessária, ou seja, o consumo é “livre” e não há uma preocupação com a eficiência do setor no que tange ao desperdício de papel A4. 104

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Método do processo Como visto anteriormente, os processos de programação de férias consomem uma grande quantidade de papel A4 desde sua abertura até seu desfecho. Isso se dá graças aos procedimentos padrões elaborados de maneira empírica e sem nenhuma preocupação com o meio ambiente, mais especificamente, com a quantidade de papel consumida. Em relação ao SECAM, como mostrado, deve ser anexada por padrão uma série de relatórios além de um despacho aos processos de programação de férias, independentemente se deferidos ou indeferidos. Tais documentos e justificativas para anexação são expostos no quadro a seguir. RELATÓRIOS Dados Funcionais Dados Pessoais Histórico de férias antes Histórico de férias depois

DEFERIDO X X X X

Afastamentos

X

Dados Financeiros

X

Despacho

X

INDEFERIDO JUSTIFICATIVA X Identificar o servidor interessado em nível funcional. X Identificar o servidor interessado em nível pessoal. Identificar se o servidor não possui férias já programaX das que coincidam com o período solicitado. Comprovar que as férias do servidor foram programadas de acordo com o solicitado. Identificar se o servidor está gozando algum tipo de X afastamento que impeça a marcação das férias. Comprovar a programação de pagamento de 1/3 do vencimento base devido às férias ao servidor. Informar e explicar os motivos, ao diretor da DGP, do X deferimento/indeferimento do pedido.

Fonte: elaborado pela autora.

Quando um determinado servidor abre um processo para a programação de suas férias, ele deve, para cumprir o procedimento padrão, preencher um documento chamado “Plano de Férias”. Ao fazê-lo, ele informa seu nome completo, cargo, campus, sua matrícula SIAPE, lotação e o(s) período(s) de férias que deseja para o respectivo exercício. Dessa forma, o próprio servidor já faz sua identificação em nível funcional e pessoal, ou seja, não há a real necessidade de que o SECAM anexe os relatórios de seus dados cadastrais e funcionais. O SECAM, por sua vez, ao analisar um processo, não necessita que as informações estejam impressas em uma folha de papel. Para o setor, basta acessar aquelas informações no momento da análise dentro do próprio SIAPE. Após analisar as informações, o setor deliberará sobre o deferimento ou indeferimento do pedido de programação de férias e elaborará um despacho em que justificará sua decisão a partir das informações colhidas no SIAPE. Com a leitura do despacho, o servidor interessado já saberá se seu pedido foi aceito ou não e, consequentemente, executado ou não. Porém, caso ele queira confirmar se seu pedido foi realmente executado no sistema, basta que ele o acesse a qualquer momento para verificar suas informações de férias. Destarte, a partir do exposto, verifica-se que não há a necessidade do SECAM anexar os relatórios de férias, de afastamentos e de dados financeiros do servidor interessado. Ou seja, tanto para o SECAM analisar/executar os processos de programação de férias quanto para os servidores interessados verificarem se foram de fato executados, não existe a necessidade de anexar nenhum dos relatórios extraídos do sistema SIAPE, números 1 a 6 do Quadro 4. Dessa maneira, pode ser restrito nessas análises/execuções apenas o despacho do SECAM conforme exposto acima. Meio ambiente Após conversa com os servidores do SECAM, percebeu-se que eles são, em sua maioria, indiferentes ao problema de consumo de papel. Para eles, não importa quantos papéis sejam consumidos desde que Faculdade Educacional da Lapa – FAEL

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Quadro 4 – Relatórios anexados por padrão e justificativas para tal


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eles executem seus processos de acordo com os procedimentos padrões. Ou seja, existe uma cultura dentro do setor de insensibilidade quanto aos problemas ambientais gerados devido ao excessivo consumo de papel. Plano de ação Para bloquear o problema levantado, foi elaborado um plano de ação com o objetivo de eliminar as causas diagnosticadas como responsáveis. Dessa forma, o plano de ação tem o fim de combater: 1. a indiferença dos servidores do SECAM quanto ao elevado consumo de papel A4; 2. o desconhecimento deles em relação a ferramentas que combatam tal desperdício; 3. a elevada quantidade de relatórios anexados por obrigatoriedade aos processos de programação de férias ao tramitarem pelo SECAM; 4. a falta de indicadores que meçam a eficiência do SECAM na relação “execução de processos x papel A4 consumido”.

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Esse plano de ação foi baseado na ferramenta 5W2H, sendo construído a partir de um brainstorming com os servidores do SECAM, para orientar a possível futura implementação dessas ações e, também, servir como referência para a tomada de decisões: Quadro 5 – 5W2H com a sugestão de plano de ação para combater o problema

Ação

1

2

3

O quê? (What?)

Quem? Quando? Onde? Por quê? (Who?) (When?) (Where?) (Why?)

Investir em treinamentos/cursos de desenvolPara sanar vimento sustentável e A confir- A confirCGTD. as causas ferramentas da qualidade mar. mar. I e II. para os servidores do SECAM. Até o Repensar o procedimenPara sanar SECAM/ final de Sala de to padrão para prograa causa DGP. abril de reuniões. mação de férias. III. 2015. Criar indicadores que meçam a eficiência do Até o SECAM em relação à SECAM/ final de análise/execução dos pro- DGP. 2015. cessos de programação de férias.

Como? (How?)

Quanto? (How Much?)

Pesquisar as instituições de ensino que lecionem tais A confircursos e analisar qual possui a mar. melhor relação custo-benefício para o IFPA. Analisar a real necessidade de se anexar tantos relatórios aos R$ 0,00 processos ao tramitar.

A partir do novo procedimento padrão, verificar a real Para sanar necessidade de papel A4 que Sala de a causa o SECAM possui e, a partir R$ 0,00 reuniões. IV. daí, estipular uma quantidade máxima que deve ser consumida por processo.

Fonte: elaborado pela autora.

Ação 1: sanar as causas I e II A primeira ação proposta no plano consiste em proporcionar aos servidores do SECAM subsídios técnicos, científicos e metodológicos para a questão ambiental e para o desenvolvimento sustentável, integrando desenvolvimento com preservação ambiental. Desse modo, poderão entender o cenário ambiental que vivemos e criar soluções sustentáveis em qualquer esfera do setor. Para tal, esses servidores deverão participar de treinamentos ou cursos nas áreas de desenvolvimento sustentável e qualidade em instituições de ensino que os ofereçam a uma melhor relação custo-benefício para o IFPA, escolhidas a partir de pesquisa e análise feita pela Coordenação Geral de Treinamento e Desenvolvimento. 106

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Ao concluir os cursos, os servidores passarão a ter o conhecimento imprescindível para entender e reconhecer que os recursos naturais são finitos e que deles depende não só a existência humana e a diversidade biológica, como o próprio crescimento econômico. Compreenderão que o desenvolvimento sustentável implica, de fato, em qualidade em vez de quantidade, com a redução do uso de insumos. A partir daí, espera-se que esses servidores deixem de ser indiferentes ao problema de alto consumo de papel A4 e comecem a se incomodar com a atual situação do setor, utilizando as ferramentas de qualidade aprendidas para pensar em soluções que combatam esse desperdício, o que sanaria, assim, as causas I e II. Ação 2: sanar a causa III

Sendo assim, o SECAM poderia ser limitado a apenas anexar o despacho à DGP com sua decisão, deferindo ou indeferindo o pedido. Somente com essa medida, o setor reduziria consideravelmente o seu consumo de papel A4, passando a consumir apenas uma ao invés de sete folhas de papel A4 por processo de programação de férias, o que significaria uma economia de cerca de 888 papéis A4 por ano, apenas com essa matéria, o que sanaria, assim, a causa III. Ação 3: sanar a causa IV A terceira e última ação proposta no plano consiste em criar indicadores que possibilitem a medição da eficiência do SECAM no que diz respeito ao gasto de papel A4 no setor em relação à quantidade de processos de programação de férias analisados e executados. Como visto anteriormente, caso seja adotado o procedimento padrão proposto no item anterior, o SECAM precisará anexar apenas uma folha de papel A4 aos processos de programação de férias. Dessa forma, seria possível definir que a quantidade padrão de folhas anexadas a esses processos seria uma. Isso possibilitará ao chefe do setor ter um controle maior sobre o consumo de papel A4, sanando, assim, a causa IV. Ação, verificação e padronização Essas etapas do MASP não são objetivo deste trabalho.

CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES O estudo realizado pôde atestar e comprovar que o procedimento padrão adotado pelo SECAM para analisar e executar seus processos de programação de férias exige, sozinho, o consumo de uma quantidade exagerada de papel A4, o que faz com o setor ande na contramão do que é necessário para atingir a sustentabilidade organizacional. Esse exagero deve-se à obrigatoriedade de anexar aos processos relatórios com informações desnecessárias ou redundantes para a sua execução, ou seja, não há a real necessidade de proceder dessa forma, uma vez que essas informações já foram mencionadas pelo próprio servidor que abriu o processo ao preencher seu plano de férias e, também, podem ser acessadas a qualquer momento e por qualquer servidor. Logo, para que o SECAM consiga enquadrar-se no chamado tripé da sustentabilidade, algumas medidas precisarão ser tomadas. Tais medidas foram propostas e minuciosamente explicadas neste estudo e os resultados esperados a partir de suas implantações foram expostos em detalhes. Este trabalho atingiu todos os seus objetivos específicos. Desses objetivos, o primeiro, investigar as características específicas dos processos de programação de férias com uma visão ampla, foi alcançado a partir da elaboração do fluxograma desses processos, levando em consideração o procedimento padrão adotado para analisá-los e executá-los. Com isso, foi possível visualizar e entender melhor os trâmites pelos quais passam esses processos e os documentos e/ou relatórios anexados em cada etapa. Faculdade Educacional da Lapa – FAEL

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A segunda ação proposta no plano consiste em repensar o procedimento padrão de programação de férias, levando em consideração a análise já realizada no tópico 3.3.2.1.4.3 deste estudo, em que se averiguou que, de fato, não existe a real necessidade do SECAM anexar os seis relatórios extraídos do SIAPE aos processos de programação de férias da maneira como é feito atualmente.


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O segundo, que consistia em descobrir as causas fundamentais que levam o SECAM a consumir uma elevada quantidade de papel A4 nos processos de programação de férias, foi alcançado a partir da realização de um brainstorming com os servidores do SECAM e posterior elaboração de um diagrama de Ishikawa, que evidenciou as principais causas do elevado consumo de papel A4 nos processos referentes à matéria estudada. A partir do cumprimento do segundo objetivo específico, foi possível, também, alcançar o terceiro, elaborar um plano de ação que bloqueie essas causas fundamentais, a partir da utilização da ferramenta 5W2H, que explicitou o que deve ser feito para anular as causas fundamentais do problema estudado. Por fim, o quarto objetivo, apresentar e propor à DGP a execução desse plano de ação, foi satisfeito a partir da sua apresentação ao diretor dessa diretoria, através de slides em uma apresentação utilizando o software Microsoft Power Point, em uma reunião formal, em que foram apresentados todos os pontos levantados neste estudo. Ao fim da reunião, foi acordado que o diretor apresentaria as propostas ao reitor do Instituto e, caso ele dê o aval, o plano de ação será iniciado imediatamente.

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Ao alcançar os quatro objetivos específicos, foi possível, também, cumprir o objetivo geral: criar soluções que reduzam o consumo de papel A4 pelo SECAM nos processos de programação de férias. É claro que mudar a mentalidade apenas no SECAM não surtirá um efeito amplamente visível, porém, essa mudança poderá vir a ser um start para que os demais procedimentos padrões de todas as Pró-Reitorias, Diretorias, Coordenações e setores sejam otimizados com o intuito de reduzir o consumo de papel A4 na Reitoria do IFPA como um todo. Ações aparentemente simples e de pouco impacto, quando tomadas por um grande número de pessoas, tornarão a sustentabilidade uma realidade palpável e real, possibilitando a criação de um ambiente que colabore para a construção de uma sociedade que atenda às necessidades básicas dos seus membros, respeitando e protegendo o meio ambiente para que as gerações futuras possam também ter atendidas as suas necessidades.

REFERÊNCIAS CAMPOS, V. F. Qualidade Total: Padronização de Empresas. Belo Horizonte: INDG Tecnologia e Serviços Ltda, 2004. CAMPOS, V. F. TQC: controle da qualidade total (no estilo japonês). 6. ed. Belo Horizonte: Bloch Editora, 2005. 218 p. DELLAROSA, A. Z. Proposta de melhoria no processo industrial do carbonato de cálcio apoiada em modelo de referência do desenvolvimento de produto e processo. 2011. Dissertação (Programa de PósGraduação em Engenharia de Produção), Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Ponta Grossa, 2011. DEMING, W. E. Qualidade: a revolução na produtividade. Rio de Janeiro: Marques Saraiva, 1990. ELKINGTON, J. Cannibals with forks: the triple botton line of 21st century business. Oxford: Capstone Publishing Limited, 1999. GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 4. ed. São Paulo: Atlas, 1996. 208 p. LEFF, E. Racionalidade Ambiental: a reapropriação social da natureza. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. MENEZES, F. M. MASP metodologia de análise e solução de problemas. Porto Alegre: Produttare, 2013. 53 p. MOURA, L. R. Qualidade simplesmente total: uma abordagem simples e prática da gestão da qualidade. Rio de Janeiro: Qualitymark Ed., 2005. MUNCK, L.; DIAS B. G.; SOUZA, R. B. de. Sustentabilidade Organizacional: uma análise a partir da institucionalização de práticas ecoeficientes. [Editorial]. Revista Brasileira de Estratégia, v. 1, n. 3, p. 285-295, set./dez., 2008. 108

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WERKEMA, M. C. C. As ferramentas da qualidade no gerenciamento de processos. 6. ed. Belo Horizonte: Editora de desenvolvimento Gerencial, 1995. 404 p.

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PASQUAL, Camila Marcelina36

RESUMO O presente artigo tem como objetivo analisar o diálogo intertextual entre o romance Galantes memórias e admiráveis aventuras do virtuoso conselheiro Gomes, o Chalaça, de José Roberto Torero e Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, com o propósito de mostrar que Francisco Gomes da Silva, protagonista da obra, adotou uma marca estilística machadiana, ao narrar os principais acontecimentos do Primeiro Império brasileiro. Num primeiro momento, situa-se o cânone no foco de discussão da narrativa de Torero, que se inspirou em Machado de Assis. Num segundo momento, observa-se como os desdobramentos intertextuais desse escritor contemporâneo se configuram a partir da mescla de fatos históricos com os personagens ficcionais. Como alicerce teórico, torna-se necessário recorrer às contribuições de autores como: Julia Kristeva (1969), Silviano Santiago (1989), Leyla Perrone-Moises (1998), Fredric Jameson (2002), entre outros que possam sustentar a nossa abordagem teórica. Em seguida, realiza-se uma retrospectiva do conceito de intertextualidade como palavra dialógica que reclama a voz da história e se analisa como ela ocorre em diversos excertos dos textos de Torero, o que deixa evidente que esse autor imitou, em O chalaça, a técnica narrativa da obra Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. Palavras-chave: Intertextualidade; Dialógico; Ficcionalização; Machado de Assis.

ABSTRACT This article aims to analyze the intertextual dialogue between the novel ‘Galantes memórias e admiráveis aventuras do virtuoso conselheiro Gomes, o Chalaça’ by José Roberto Torero and ‘Memórias póstumas de Brás Cubas’ by Machado de Assis. To show that Francisco Gomes da Silva, the protagonist of the work adopted a stylistic brand machadiana, when narrating the main events of the First Brazilian Empire. In the first moment, the canon is located in the focus of the discussion of Torero’s narrative, which was inspired by Machado de Assis. In a second moment, it is observed how the intertextual developments of this contemporary writer are configured from the mixture of historical facts with fictional characters. As a theoretical foundation, it is necessary to use the contributions of authors such as Julia Kristeva (1969), Silviano Santiago (1989), Leyla Perrone-Moises (1998), Fredric Jameson (2002), among others that can support our theoretical approach. Then, there is a retrospective of the concept of intertextuality as a dialogic word that claims the voice of history and it is analyzed how it occurs in several excerpts of Torero’s texts, which makes it clear that this author imitated, in O Chalaça, the technique narrative of the work Posthumous Memoirs of Brás Cubas, by Machado de Assis. Keywords: Intertextuality; Dialogical; Fictionalization; Machado de Assis. 36 Atua na área de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira na FAEL. Doutora em Estudos Literários e cursa residência Pós-doutoral pela UFMG, na Linha de pesquisa: Literatura, História e Memória Cultural.

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Um Olhar Intertextual na Obra O Chalaça, de José Roberto Torero


DESDOBRAMENTOS INTERTEXTUAIS No contexto do cânone literário, Harold Bloom (1995) afirma que, nos séculos XVIII e XIX, resolvia-se com facilidade a classificação das obras literárias como boas ou ruins, no entanto, exercia-se o domínio da crítica. Mas ao longo de todo o século XX e início do século XXI, criou-se um clima de mal-estar de julgamento, que é o da insegurança e o da esperança, que vem abalando e acentuando a crise na cultura pós-moderna.37 É oportuno ressaltar que, no contexto literário contemporâneo, os romances históricos, mais especificamente os surgidos a partir da década de 1990, tiveram grande destaque na ficção brasileira.38 Tomando o discurso literário em maior ou menor proporção, pode-se afirmar que a literatura é sempre uma constante reflexão sobre si mesma. O escritor, ao criar sua obra, tenta avançar, mudar e renovar a literatura. Quando o crítico se debruça sobre o texto, sobre essa criação, ele o relaciona com outros textos, com o modo como outras práticas tentam fazer sentido e representar o mundo. É em meio a esse emaranhado que toda a obra nova implica, em sua aceitação, uma releitura do passado. A questão da escolha, na obra crítica desses escritores, obriga a tocar em vastos assuntos de poética: formação de cânones, tradição e novidade, influência e intertextualidade, tradução. Esses escritores, apoiados em análises tradicionais, propõem novos cânones. Dialogando com os autores do passado e do presente, praticam formas particulares de intertextualidade. (PERRONE-MOISES, 1998, p. 14)

Ao partir desse pressuposto, o presente artigo objetiva um procedimento mais condensado da narrativa no que diz respeito ao contexto da literatura brasileira contemporânea, nomeadamente a intertextualidade. Parece ser pertinente a seleção dessa estratégia textual, porque, ao referir-se às suas características específicas, é possível elaborar um traço revisionista e problemático com respeito a uma série de convenções, de concepções do mundo e de sistemas epistemológicos. Considera-se que, no século XXI, uma grande quantidade de textos de vários autores brasileiros em cujas obras o gênero narrativo consegue elaborar novos modos de expressão, como heterogeneidade, diferença, fragmentação, metarrelatos, que definem o Pós-Moderno. Sendo assim, a presente pesquisa procura analisar o diálogo intertextual que se estabelece entre o romance Galantes memórias e admiráveis aventuras do virtuoso conselheiro Gomes, O Chalaça39, de José Roberto Torero, e Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. Objetiva também mostrar que o protagonista Francisco Gomes da Silva utilizou a marca estilística machadiana para compor suas memórias. Sabendo-se que a obra é memorialística, a discussão principal da narrativa gira em torno do Cânone que, para Harold Bloom (1995, p. 28), tem sua origem em vocabulário religioso. Tornou-se opção entre textos que lutam pela sobrevivência uns com os outros. Logo, é elitista, paradigmático, impõe limites e estabelece pontes entre precursores e epígonos. É nessa linha que José Roberto Torero procura inspirar-se em Machado de Assis, autor consagrado pelo cânone literário brasileiro, ou seja, um dos maiores escritores da literatura brasileira de todos os tempos. No contexto literário contemporâneo, em especial na virada do século XX para o XXI, parece estar havendo uma grande concentração de obras, cujos autores optam por uma forma ainda mais evidente de exercer a metaliteratura, aquelas que ficcionalizam escritores e personagens da literatura e/ou personalidades e fatos históricos brasileiros. 37 De acordo com Eagleton (2001, p. 328), “A obra de arte pós-moderna típica e arbitrária, eclética, híbrida, descentralizada, fluida e descontínua, lembra o pastiche. Fiel

aos princípios da pós-modernidade, rejeita a profundidade metafísica em favor de uma espécie de superficialidade forjada, jocosidade e falta de afeto; é uma arte de prazeres, superfícies e intensidades fugazes.”

38 Nota-se, no final do século XX, uma excepcional proliferação de romances históricos. “De 1949 até o final da década dos anos 70 encontramos 52 publicações, nos

anos 80, o número passa para 69 publicações, e na década de 90, chega-se à cifra de 110 publicações, beirando a média de uma publicação mensal” (ESTEVES, 2006, p. 62). É importante frisar também que muitas dessas obras foram grandes sucessos de venda e/ou receberam importantes prêmios. Algumas dessas obras também se transformaram em filmes ou seriados de televisão, obtendo grande sucesso.

39 Doravante, com o intuito de simplificar, a obra Galantes memórias e admiráveis aventuras do virtuoso conselheiro Gomes – O chalaça, de José Roberto Torero, será denominada O chalaça.

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Leyla Perrone-Moises (1998, p. 14) afirma que os escritores críticos tendem a valorizar as dinâmicas do passado.


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É importante lembrar que não são produções exclusivas da contemporaneidade, como afirma Perrone-Moisés (1998), os narradores ficcionais já existiam em Cervantes, Sterne e Stendhal, entre outros. Os traços apontados como pós-modernos são ora modernos, ora mais antigos, no entanto, o que se tem atualmente é apenas um número significativo de publicações nas estantes das livrarias.

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Entre as narrativas menos recentes da tradição brasileira, podemos citar Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, embora marcada por uma ironia bastante particular cujo enredo nos remete à forma livre e metalinguística de Lawrence Sterne e de Xavier de Maistre. Mais próximas de nós, bons exemplos dessa tendência são Em liberdade, de Silviano Santiago, na qual escreve o diário íntimo e falso de Graciliano Ramos no momento que ele sai da prisão. Quanto ao romance Terra Papagalli, de José Roberto Torero e Marcus Aurelius Pimenta, é possível afirmar que dialoga com textos produzidos pelos primeiros cronistas e viajantes que tematizam a terra brasileira e, mais especificamente, com a Carta de Pero Vaz de Caminha. Enquanto isso, o romance Dom Casmurro, de José Endoença Martins, traz a personagem Capitu para o final do século XX. O romance Memorial do fim, de Haroldo Maranhão, reconstrói os últimos dias de vida de Machado de Assis. O Chalaça, de José Roberto Torero, ficcionaliza os fatos históricos do Primeiro Império brasileiro e mantém um diálogo com Memórias póstumas de Brás Cubas, sobre o qual me deterei um pouco mais. Leyla Perrone-Moisés (1998) não se debruçou exatamente sobre esse assunto, mas, em seu livro Altas literaturas, escolhe como tema central algo que fica muito próximo do ponto central da questão: a crítica literária exercida por escritores. Embora o foco de análise, no momento, se constitua da intertextualidade e do pastiche, alguns conceitos da autora acabam sendo do meu interesse, como as implicações sobre o texto literário que funcionam como crítica, e a questão do cânone, “tradição concebida como conjunto de modelos a imitar” (PERRONE-MOISES, 1998, p. 61). Uma das suposições, por exemplo, para esclarecer tanto uma prática quanto a outra e a tão discutida crise dos valores e o lugar da literatura contemporânea, como o crítico Zygmunt Bauman (1998) a classifica, Pós-moderna, vem ocasionando um mal-estar na avaliação da obra poética ou ficcional. Segundo o autor, no cenário pós-moderno, “as novas invenções não se destinam a afugentar as existentes e tomar-lhes o lugar, mas se juntar às outras, procurando algum espaço para se mover no palco artístico notoriamente superlotado” (BAUMAN, 1998, p. 126). Segundo Perrone-Moisés (1998), as reflexões sobre o juízo de valor têm sido tema de grandes discussões ao longo do século XX a respeito do qual ainda não se chegou a um consenso: Esse exercício particular da crítica, que é a crítica literária, se inscreve num contexto filosófico maior, de profanização da esfera dos valores, de valorização da subjetividade, de perda de respeito pelas autoridades legiferantes e concomitante reivindicação do livre exame e do livre arbítrio. Desde Hegel, a própria conceitualização da modernidade coincide com uma crítica do mesmo. Na medida em que a modernidade se concebe como o lugar privilegiado do qual se encara a história como um todo, um lugar em que se prepara o futuro e se opera uma ruptura com o passado, ela tem de se autocriticar sem apoios fora dela mesma. (PERRONE-MOISES, 1998, p. 21)

Esse processo, obviamente, se inicia já na modernidade, ou até mesmo antes, mas, no período romântico, é possível afirmar que o conceito de beleza começa a se centrar com a obediência de regras como queriam os clássicos. À medida que o século XX avançava, segundo Perrone-Moisés (1998), as rupturas e as diferenças se sucederam para manter maior valorização da originalidade individual, e as mudanças no exercício da crítica também se tornaram mais intensas. Se a proposta da crítica literária é julgar, sabe-se que esse interesse tem se preocupado mais com a análise de textos propriamente ditos do que com a questão de juízo de valor. No dizer de Perrone-Moisés (1998, p. 10), os escritores acabaram por desenvolver paralelamente às suas criações uma obra crítica, e o fizeram na tentativa de suprir essa lacuna. Ao buscar razões particulares de escrita, acabaram por estabelecer critérios de valores norteadores não apenas para os leitores, mas também para outros escritores e, obviamente, para outros interessados na crítica literária. Entretanto, o julgamento continua a existir, mas ainda faltam estudos sobre as obras que desenvolvem, não de modo paralelo, mas de forma híbrida, a ficção e a crítica. 112

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O romance O Chalaça, de José Roberto Torero, é o principal objetivo aqui, mas é claro que é sintomático o fato de haver uma produção significativa de obras cujos autores de diferentes maneiras recolocam Machado de Assis, cânone indiscutível, no centro de suas criações, bem como buscam um estilo bastante próximo ao da escrita machadiana. Silviano Santiago, ao se referir ao tratamento do Pós-Moderno, atesta que: as novíssimas gerações dispensam a paródia, já que passam a trabalhar mais e mais com o estilo do pastiche. Assim, saindo da paródia e da ironia com relação ao passado, e passando para o pastiche, o artista pós-moderno incorpora a tradição e o passado de uma maneira onde a confiabilidade seria a tônica, respaldada pelo pluralismo. (SANTIAGO, 1989, p. 101)

Esse constante jogo de modernização, que tomou conta do teatro e do cinema, visa, segundo Santiago, tomar grande parte da obra, para os não contemporâneos do autor, mais clara e relevante com ajuda de acessórios modernos. Sua função primordial é iluminar alguns aspectos originais tidos como obscuros pelos contemporâneos. Sendo assim, O entre-lugar, de Silviano (1978) é definido pela tendência para a paródia, a digressão e o pastiche, ou seja, formas aparentemente leves, típicas da cultura de massa. Nisso, sua produção se parece com a de Marx, diz Silviano (1978, apud ALTHUSSER, 1958):

É sabido que todo texto literário se constitui como um concerto de vozes que dialogam incessantemente, ora de forma harmônica, ora polêmica, como é o caso de certos autores que, por não apresentarem quantitativamente uma obra extensa, estariam em desacordo com o padrão daqueles “consagrados”, mas sempre fazem novas modulações e dão sentidos novos. O fenômeno da relação intertextual, isto é, do diálogo que se estabelece entre textos de épocas distintas ou da mesma época, entre obras de autores diferentes ou do mesmo autor, ganha dimensões novas com Mikhail Bakhtin (1992). No entanto, foi Julia Kristeva (1969, p. 20), nos fins dos anos 1960, que cunhou o termo intertextualidade. Segundo a autora, “em lugar da noção de Intersubjetividade, instala-se a de “Intertextualidade” e a linguagem poética lê-se pelo menos como dupla”. A partir da década de 1960, a noção de intertextualidade foi largamente utilizada nos estudos literários, sobrepondo-se à concepção nuançada e rica de dialogismo. De conceito relativamente recente, a intertextualidade constitui uma prática que remonta aos antigos escritos, uma vez que, em todos os tempos, a atividade poética se caracterizou pela reescritura de um texto a partir de outro, por um diálogo constante entre obras, pois, assinala Perrone-Moisés (1978, p. 59), “a literatura sempre nasceu da e na literatura”. Entretanto, se o fenômeno é antigo, o seu tratamento é novo e constitui uma nova maneira de pensar e de apreender formas de interseção explícita ou implícita de um texto noutro. No ensaio O problema do texto, Bakhtin (1992) assinala que todo texto é essencialmente dialógico, ou seja, todo texto abriga em si outro com o qual interage. Todo discurso se constrói a partir de outro discurso. O teórico russo compreende as relações dialógicas como intimamente ligadas à produção de sentido e chama a atenção para o fato de que há diferentes espécies de dialogismo, cujas especificidades devem ser levadas em conta. Bakhtin salienta também que não se deve resumir a relação dialógica “a um procedimento de refutação, de controvérsia, de discussão, de discordância. A concordância é rica em diversidades e em matizes” (BAKHTIN, 1992, p. 27-358). A intertextualidade é definida como o processo de incorporação de um texto noutro, seja para reproduzir o sentido ou a forma do texto incorporado, seja para modificá-lo. Entende-se por modificação todo tipo de alteração formal, acréscimo, diminuição etc., que não acarrete modificação de sentido. O diálogo entre textos pode se realizar por meio de formas tão variadas quanto à citação, à paródia, à paráfrase, à estilização, à alusão ao pastiche, entre outras. Na relação intertextual, o texto original pode deixar marcas pouco visíveis, como a paródia, ou muito específicas, como a citação ou, ainda, assumir o estilo do outro como pastiche. Fredric Jameson (2002, p. 40) afirma que o estatuto da palavra intertextual sofre uma mutação. A intertextualidade como estilo ou como palavra dialógica ganha novos contornos, isto é, a profundidade é substituída Faculdade Educacional da Lapa – FAEL

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Quando lemos Marx, pomo-nos imediatamente diante de um leitor, que ante nós e em voz alta lê [...] lê Quesnay, lê Smith, lê Ricardo etc[...] para se apoiar sobre o que disseram de exato e para criticar o que de falso disseram. (SANTIAGO 1978, p. 27)


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pela superficialidade. Os modelos de profundidade, como dialética, “conceito de essência e aparência, ideologia e falsa aparência latente e manifesto, autenticidade e inautenticidade, significante e significado”, a partir dos anos 1960, foram todos substituídos pelas concepções de práticas, discursos, jogos textuais, cujas estruturas baseiam-se em superfícies múltiplas, determinadas pela exploração de “um sem-número de maneirismos e estilos do passado”. Todo texto passa a ser construído como um mosaico de citações. Todo texto seria uma absorção e transformação de outro texto e, em lugar da intersubjetividade, se instalaria a intertextualidade. Haveria, assim, não mais uma escritura, mas uma re-escritura. Há, contudo, três questões que se impõem à noção de intertexto: a primeira é o grau de explicitação da intertextualidade; a segunda consiste em determinar se o fato intertextual é derivado do uso do código, seja ele linguístico, cultural ou estético, ou matéria da própria obra; a terceira deriva dos modos de leitura de cada época, contextos histórico-políticos e sociais inscritos nos modos da escrita.

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Em território brasileiro, somando a nossa discussão, duas décadas antes, temos o conceito de Affonso Romano Sant’Anna (1985, p. 82), que, ao estudar o processo intertextual da modernidade, classificou o termo de “poéticas do centramento”. Ao contrário desse procedimento, do tipo “continuísta”, o processo intertextual, baseado na paródia como “poéticas do descentramento”, elabora uma ruptura com os modelos da tradição, uma vez que o texto histórico deslocado soa estranhamente. Enquanto a “técnica da paráfrase é a do endosso e da adesão, a da paródia é a apropriação modificada.” Na literatura pós-moderna40, constatou-se a inviabilidade de um estilo pessoal. Isso trouxe consigo o esmaecimento do afeto e uma escritura superficial, chamada por Roland Barthes de escritura branca que, no dizer de Jameson (2002, p. 45), é uma espécie de paródia branca, ou pastiche, “uma estátua sem olhos.” Por isso, deve-se insistir numa distinção entre o procedimento intertextual do modernismo e o uso que se fez dele a partir dos decênios de 1960 e 1970. Assim, ressalta Jameson: Claro que a paródia encontrou um terreno fértil nas idiossincrasias dos modernos e seus estilos ‘inimitáveis’(...). Tudo isso nos parece de algum modo característico, na medida em que todos se desviam da norma que depois é reafirmada, não necessariamente de forma agressiva, pela imitação sistemática de suas excentricidades intencionais.(...) A explosão da literatura moderna em um sem-número de maneirismos e estilos individuais distintos foi acompanhada pela fragmentação da própria vida social a um ponto em que a própria norma foi eclipsada: reduzida ao discurso neutro das mídias (...) os estilos modernistas se transformaram em códigos pós-modernistas (...). Nessa situação não há mais escopo para a paródia, ela já teve seu momento, e agora essa estranha novidade, o pastiche. (JAMESON, 2002, p. 44-45)

Os pós-modernistas sabem que o seu contexto social é feito de palavras e que todo novo texto só pode ser construído a partir de um texto anterior, já dado. Por isso, eles afirmam o palimpsesto41 como referência à própria intertextualidade. No caso específico de O Chalaça, o apego constante ao estilo de Machado de Assis, suas teorias filosóficas, sua escrita, o jogo digressivo, etc. acaba por alimentar um tipo de crítica literária de caráter metalinguístico, ou seja, o narrador de O Chalaça assume o estilo de Brás Cubas ao escrever um diário íntimo e falso do conselheiro de D. Pedro I durante o Primeiro Império do Brasil. Se houvesse o intuito de justificar essa escolha de José Roberto Torero, é possível dizer que ele tentou manter-se fiel a um tipo de crítica comum à época de Machado de Assis e que perdurou por muito tempo e ainda perdura em alguns níveis. Dessa forma, faz-se necessária uma análise entre o estilo do texto machadiano e a tentativa de Torero ao imitá-lo. Creio que o capítulo XXII, “Onde se conta como viveu no Paço Francisco Gomes até que foi chamado 40 Segundo Fredric Jameson, nem toda “produção cultural, nos dias de hoje, é Pós- Moderna no sentido amplo”. Para Jameson, “o Pós-Moderno é, no entanto, o campo

de forças em que vários tipos bem diferentes de impulso cultural – o que Raymond Williams chamou, certeiramente, de formas ‘residuais’ e ‘emergentes’ de produção cultural- têm que encontrar o seu caminho. Se não chegarmos a uma ideia geral de uma dominante cultural, teremos que voltar à visão da história do presente como pura heterogeneidade, como diferença aleatória, como a coexistência de inúmeras forças distintas cuja afetividade é impossível aferir” (JAMESON, 2002, p. 32-33).

41 De acordo com o dicionário de termos literários, palimpsesto significa raspado, borrado. “Também denominado códice reescrito, consistia de pergaminho cuja escrita havia sido apagada a fim de receber outro manuscrito. Desde a Antiguidade conhecia-se a lavagem de documentos com tal objetivo. Entretanto, somente na Idade Média (entre os séc. VIII e XII), quando se borravam por questões econômicas, os textos clássicos para neles se copiarem obras teológicas, é que se generalizou o emprego dos palimpsestos” (MOISÉS, 2004, p. 333).

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a fazer parte de uma altíssima empresa, e o capítulo XVIII, Onde se relata com muita propriedade a inauguração da leal e permanente amizade do príncipe Dom Pedro e de seu fiel escudeiro Francisco Gomes da Silva” (TORERO, 2001, p. 83 e 66), são bons exemplos da atitude que Torero tem ao longo do texto. Ambos os capítulos são de caráter metalinguístico. O narrador menciona ter explicado, num capítulo precedente, ou melhor, no capítulo XVIII, que ele passou a ser o ajudante de D. Pedro depois da partida de D. João VI para Portugal.

O capítulo XVI, Memórias para servir à grandeza da humanidade, é uma recriação a partir do capítulo I, Óbito do autor, de Machado de Assis. O personagem narrador, Francisco Gomes da Silva, inicia o seu diário pelo nascimento metafísico, ou seja, pelo seu parto no bar da Corneta, momento em que conheceu o seu augusto amo D. Pedro I. Adota esse procedimento para evitar que os leitores o considerem enfadonho. O protagonista detalha as condições materiais e espirituais da família, bem como do seu país, estado e cidade. A descrição do seu nascimento metafísico se deu coincidentemente com o Império do Brasil no ano de 1809, nascimento que se refere a festas, divertimentos em bares, boemia. Esse é o início de uma nova vida para Gomes da Silva, “o que vem antes disso é coisa que não vale a pena contar por ser pequeno e de pouco interesse” (TORERO, 2001, p. 61). No capítulo I de Memórias póstumas de Brás Cubas, o narrador hesita se deveria começar as suas memórias pelo início ou pelo fim, mas coloca em primeiro lugar a sua morte para que o escrito fique mais “galante, e mais novo”. Ao considerar que ele não era um autor defunto, mas um defunto autor, “Moisés, que também contou a sua morte, não a pôs no intróito, mas no cabo: diferença radical entre este livro e o Pentateuco”. (ASSIS, 2002, p. 17) O narrador mostra-se aqui tão importante e confiável quanto o personagem bíblico. Com isso, suas memórias pretensamente passam a gozar da mesma respeitabilidade do texto bíblico. No capítulo VI de O Chalaça, o autor também se apropria da forma machadiana, em especial no capítulo LIX, Um encontro, no capítulo CIX, O filósofo, e no capítulo CXVII, O humanitismo, de Memórias póstumas de Brás Cubas. O narrador de O Chalaça encontra-se com um mendigo que se diz um humilde pensador e decide “ser a prova empírica de sua teoria, a mais alta das ciências, a Bestofilosofia” (TORERO, 2001, p. 27). Enquanto Francisco Gomes da Silva separa as moedas para fazer sua esmola, o humilde filósofo expõe o resumo de sua filosofia. Pode-se dizer que a Bestofilosofia seria um paralelo da filosofia humanista teorizada pelo personagem Quincas Borba e que ele se encontra em semelhante situação à do mendigo de O Chalaça. No capítulo XXXIX, Torero faz um brilhante jogo intertextual com o romance Dom Casmurro, do mesmo autor de Memórias póstumas de Brás Cubas, quando o narrador afirma que “Gamito não exagerou, com efeito, quando disse que os olhos de D. Amélia eram belíssimos. Vistos assim de perto eles têm um poder de feitiço – porque há olhos que enganam conforme se está mais ou menos perto deles.” (TORERO, 2001, p. 144). Fica sugerido que D. Amélia tem uma personalidade fascinante, capaz de atrair as pessoas sem revelar a sua verdadeira intenção. Episódio que lembra muito bem os “olhos de cigana oblíqua e dissimulada” da personagem Capitu. A cor e a doçura eram familiares, mas a expressão que Gamito encontrou ao observá-los de perto era totalmente nova. No capítulo XL, Dos sentimentos e razões que levaram Francisco a desposar a honrada e bela Mariana e de como se encantou ele de sua gentil família, pode-se perceber que a atitude metalinguística se faz presente mais uma vez. O narrador interrompe a ação para conversar com o leitor sobre os rumos da narrativa, como ele próprio afirma: “Antes de começar este capítulo amoroso e romântico é necessário que exponha uma outra teoria científica esta sobre os humores que percorrem o corpo humano, peça que une conhecimentos medicinais e teológicos” (TORERO, 2001, p. 146). Em seguida, retoma o episódio e segue adiante. Com as explicações acima mencionadas, acaba-se de ler os capítulos mais instigantes do romance O Chalaça de duas formas diferentes. Externamente, eles funcionam como uma homenagem ao estilo machadiano e pode ser até divertido lê-los, ao tentar identificar de onde exatamente saiu cada uma das palavras que os compõem. Faculdade Educacional da Lapa – FAEL

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Esses dois capítulos apresentam o mesmo estilo de escritura do capítulo CXXX, Para intercalar no capítulo CXXIX de Memórias póstumas de Brás Cubas, em que o narrador Brás Cubas diz: “Convém intercalar este capítulo entre a primeira oração e a segunda do capítulo CXXIX.” Essa fragmentação do ato de narrar, aliada à quebra da linearidade do enredo, é outra técnica literária moderna anunciada no século XIX por Machado de Assis.


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Em O Chalaça, há inúmeros outros diálogos com a obra de Machado de Assis, no entanto, mais sutis, como por exemplo, o capítulo III, que também é um intertexto. O narrador diz que “seis jantares, duas óperas e três diamantes depois, conquistei seu coração. Desde então poderia dizer que temos sido como dois jovens namorados” (TORERO, 2001, p. 17). Essa mesma citação encontra-se em Machado de Assis, no capítulo XV, quando Brás Cubas diz: “Gastei trinta dias para ir do Rossio grande ao coração de Marcela, não já cavalgando o corcel do cego desejo, mas o asno da paciência, a um tempo manhoso e teimoso” (MACHADO DE ASSIS, 2002, p. 41). Marcela é um dos grandes amores de Brás Cubas, que finge amá-lo para poder conseguir joias, dinheiro. Vendia aparências porque, na verdade, ela amava outro, e Brás Cubas gastou grande parte da herança do pai para tentar conquistá-la, mas infelizmente o amor durou “quinze meses e onze contos de réis nada menos” (MACHADO DE ASSIS, 2002, p. 44). Brás Cubas parte, então, para a Europa.

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Em O Chalaça, o narrador Gomes da Silva fingia amar a Baronesa de Lyon Marie Louise, só para herdar os bens materiais da baronesa, mas quando ela vem a falecer, deixa apenas uma gargantilha de ouro em forma de coração, que ele tão gentilmente decantou na noite em que a conheceu mais intimamente. É o que de mais valioso herdou. As alusões ao texto machadiano são mais que evidentes nesse capítulo de dissimulação e fingimento. Ao longo da narrativa, Torero deixa registrado inúmeros provérbios filosóficos que se reportam às Memórias póstumas de Brás Cubas, por serem comuns às duas, a intertextualidade e a mesma realidade memorialística, como já citada acima. Reitera-se aqui as possibilidades de mais alguns estudos comparativos que permitem exemplificar a presença de intertextualidade, como em: “Não venci o dragão, mas pisei um rato”; “Não seria menos vencedor por isso”; “As mulheres pobres amam os abastados”; “As feias amam os belos”; “As parvas, os professores”; “As tímidas, os patuscos”; “Às adúlteras, os fiéis”; “As dissipadoras, os econômicos”; “As suarentas, os perfumados”; “As coxas, os atléticos”; “As irascíveis, os calmos”; “As plebeias, os nobres”; “As velhas, os jovens”; “As de buço, os imberbes”; “E por aí segue” (TORERO, 2001, p. 17, 41, 74, 92). Três sons é tudo o que busca o homem no decurso de sua experiência. Não são dois, nunca poderiam ser quatro. Pois muito bem, e tais são eles: o sussurro das mulheres, o tilintar das moedas e o alarido das palmas. Nenhum homem poderá se considerar plenamente satisfeito – muito embora possa fingir que deles não sente falta, como alguns devotos – se, ao menos uma vez na vida, não tiver tido contato com eles. (TORERO, 2001, p. 120)

A seguir, alguns exemplos presentes na narrativa Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis: “Não há amor possível sem a oportunidade dos sujeitos.”; “Deve ser um vinho enérgico a política.”; “O vício é muitas vezes o estrume da virtude.”; “A velhice ridícula é, porventura, a mais triste e derradeira surpresa da natureza humana.”; “Quem escapa a um perigo ama a vida com outra intensidade.”; “Suporta-se com paciência a cólica do próximo. Matamos o tempo; o tempo nos enterra.”; “Crê em ti; mas nem sempre duvides dos outros.”; “Não te irrites se te pagarem mal um benefício: antes cair das nuvens, que de um terceiro andar” (ASSIS, p. 86, 89, 107, 113, 116, 146). Na comunicação dialógica, devem ser analisadas as estratégias do processo intertextual de leituras diferentes que O Chalaça oferece. A paródia42 e o pastiche43, e as citações são métodos que definem o trabalho intertextual em maior ou menor dimensão. Os desdobramentos intertextuais se alimentam da ambivalência, do diálogo, da perspectiva de leituras distintas e da transformação. No Pós-Modernismo, o status da palavra intertextual passa por mudanças. A intertextualidade, ou como estilo, ou como palavra dialógica que exige a voz histórica, ganha contornos novos que não exigem mais a profundidade, como bem atesta Fredric Jameson: O que substitui esses diversos modelos da profundidade é, de modo geral, uma concepção de práticas, discursos e jogos textuais, cujas estruturas sintagmáticas vamos examinar adiante; basta por agora ressaltar que também aqui a profundidade é substituída pela superfície, ou por superfícies múltiplas, o que se denomina freqüentemente de intertextualidade não é mais, nesse sentido, uma questão de profundidade. (JAMESON, 2002, p. 44-45)

42 Paródia “designa toda composição literária que imita, cômica ou satiricamente, o tema ou a forma de uma obra séria” (PERRONE-MOISÉS, 2004, p. 340). 43 Pastiche. “Imitação servil e grosseira de uma obra literária. Também avizinha-se da caricatura, pode ser entendido como ‘imitação’ caricatural de um estilo’ que tende a ser uma maneira. Pode ser movido por um intuito crítico e satírico” (PERRONE-MOISÉS, 2004, p. 342).

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Pode-se considerar que o protagonista da obra O Chalaça mantém, da primeira à última página, a hipocrisia, o jogo de aparências, o egoísmo, o relativismo moral, que são características muito comuns encontradas nas narrativas machadianas. Várias outras marcas registradas do estilo machadiano estão presentes na obra O Chalaça como, por exemplo, a ironia, as digressões, a conversa com o leitor. Mesmo sem levá-lo a efeito, creio ser possível, sem pretensão de encerrar a questão, afirmar que, em O Chalaça, de Torero, além de um pastiche do estilo machadiano, encontram-se muitos jogos intertextuais no interior da narrativa. O autor insere no seu discurso narrativo diário, cartas, analogias bíblicas e aproximações com os pícaros clássicos espanhóis. Toda essa gama que permeia a trama é utilizada por Torero para jogar e driblar com as referências políticas e culturais do Brasil. Para evidenciar o conceito, cita-se Jameson que, de forma bastante objetiva, esclarece a questão:

Ao tratar das relações intertextuais, Genette (1982) distingue o hipertexto, “toda relação que une um texto B a um texto A, no qual ele se enxerta”, e o hipotexto, “todo texto derivado de um texto anterior por transformação simples (transformação) ou por transformação indireta (imitação)”. O hipertexto seria uma espécie de bricolagem, termo ao qual geralmente se atribui conotação pejorativa, mas que Lévi Strauss, segundo Genette (1982, p. 451), confere valor positivo: “A arte de ‘fazer o novo com o velho’ tem a vantagem de produzir objetos mais complexos e mais saborosos que os produtos ‘expressamente feitos’”. Enfim, é possível perceber que a ironia, a fragmentação, a colagem, o intertexto e o pastiche não são traços exclusivos do pós-moderno, e que esses estilos ocorrem pelo menos desde Stendhal. Sem medo de errar, creio poder sustentar que a obra Memórias póstumas de Brás Cubas é uma imitação implícita de Sterne ou de Maistre e que Torero, embora se enquadre nos traços ditos pós-modernos, parece ter buscado em O Chalaça a imitação do indiscutível autor canônico mais lido do século XX, Machado de Assis.

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O pastiche, como a paródia, é o imitar de um estilo único, peculiar ou idiossincrático, é o colocar uma máscara lingüística, é falar em uma linguagem morta. Mas é uma prática neutralizada de tal imitação, sem nenhum dos motivos inconfessos da paródia, sem o riso e sem a convicção de que, ao lado dessa linguagem anormal que se empresta, por um momento, ainda existe uma saudável normalidade lingüística. Desse modo o pastiche é uma paródia branca, uma estátua sem olhos: está para a paródia assim como uma certa ironia branca – outro fenômeno moderno interessante e historicamente original – está para o que Wayne Booth chama as ‘ironias estáveis.” (JAMESON, 2002, p. 44-45)


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KRISTEVA, J. A intertextualidade. São Paulo: Debates, 1969. Tradução de Sandra Nitrini. MOISÉS, M. Dicionário de Termos Literários. São Paulo: Cultrix 2004. PERRONE-MOISÉS, L. Altas literaturas: escolha e valor na obra crítica de escritores modernos. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. PERRONE-MOISÉS, L. Texto, crítica, escritura. São Paulo: Ática, 1978. SANT’ANNA, A. R. de. Paródia, paráfrase e cia. São Paulo: Ática, 1985. SANTIAGO, S. A permanência do discurso da tradição no modernismo. In: Nas malhas da letra. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. SANTIAGO, S. O entrelugar do discurso latino-americano. In: Uma literatura nos trópicos: ensaios sobre dependência cultural. São Paulo: Perspectiva, 1978.

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TORERO, J. R. Galantes memórias e admiráveis aventuras do virtuoso conselheiro Gomes – O Chalaça. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

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