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O QUE DIZEM OS ESPECIALISTAS

FÁTIMA FA USTINO Coordenadora do Centro Especializado em Endometriose do Hospital Lusíadas Lisboa

ENDOMETRIO SE: A DOE NÇA QUE É CONFUNDIDA COM DORES MENSTRUAI S

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Há mulheres que sofrem durante anos, sem um diagnóstico, até serem confrontadas com situações de infertilidade de difícil resolução. A endometriose é uma doença ginecológica que afeta entre 10 e 15% das mulheres em idade reprodutiva. Muitas vezes confundida com as “normais” dores menstruais, há que deixar claro: “Dor intensa, muitas vezes incapacitante e progressiva, não é normal!”.

REVI STA H - QUAI S OS SINTOMAS MAI S COMUNS DA ENDOMETRIO SE? FÁTIMA FA USTINO (FF ) - Antes de mais, para perceber a sintomatologia é importante perceber a doença. A endometriose é uma doença crónica, benigna que se carateriza pela presença de tecido endometrial fora do seu local habitual, a cavidade uterina. Como tal, todos os meses, quando ocorre a menstruação, não só sangra dentro do útero, como também sangram esses focos, o que desencadeia um processo inflamatório crónico que, por sua vez, vai causar fibrose e aderências. Poderá haver focos de tecido endometrial nos ovários, no intestino, na bexiga ou noutros órgãos, resultando em quistos ou tumores que, apesar de benignos, podem ter repercussões graves.

H - A DOR É UMA DAS CAUSAS QUE LEVA AS MULHE RES À CONSULTA? FF - A dor é um sintoma que vai, progressivamente, deteriorando a sua qualidade de vida. As queixas mais frequentes são dores

durante a menstruação (dismenorreia) que impedem a mulher de fazer a sua vida normal, dor pélvica crónica, dor nas relações sexuais (dispareunia) e dor cíclica quando menstrua, quer a nível intestinal (disquesia), quer a nível da bexiga (disúria). Também está demonstrada a associação da cessação da toma da pílula contracetiva com o agravamento progressivo da dor.

H- QUAI S AS CONSEQUÊNCIA S DA DOE NÇA E O SEU IMPACTO NA QUALI DADE DE VI DA DAS DOE NTES? FF - A endometriose pode condicionar alterações significativas na anatomia do aparelho reprodutor e órgãos vizinhos, nomeadamente no intestino, na bexiga e nos ureteres. Estas alterações além de desencadearem dor crónica, podem potenciar disfunções nestes órgãos vizinhos. Importa salientar que um terço das mulheres com endometriose sofre de infertilidade. Daí se consegue avaliar o impacto negativo desta doença na qualidade de vida destas mulheres. Não só passam anos e anos da sua vida com queixas dolorosas, cuja causa demora a ser diagnosticada, como se confrontam, por vezes, com situações de infertilidade de difícil resolução.

H - QUAL A PERCENTAGEM DE MULHE RES QUE SOF REM DESTA PATOLO GIA ? FF - A endometriose afeta cerca de 10 a 15% das mulheres em idade fértil.

H – AS MULHE RES NÃO ESTÃO ATENTAS AO S SINAI S DO SEU CORPO? FF - As “normais dores da menstruação” são habitualmente limitadas aos dois ou três primeiros dias e melhoram com a tomada de analgésicos ou anti-inflamatórios. Quando há um agravamento progressivo da dor e a mesma deixa de responder aos medicamentos habituais, convém estar atento. Infelizmente, há casos de mulheres que procuraram mais de cinco ou seis médicos, sem que algum valorize estas dores.

H - HÁ ENTÃO UMA DESVALO RIZAÇÃO DA DOR POR PARTE DOS MÉDICOS? FF - Durante muitos anos a patologia foi quase ignorada. Só recentemente é que aumentou a sensibilização para esta doença, em parte, também devido ao aumento do número de casos referenciados.

H – QUE RAZÕES PODEM ESTAR NA ORIGEM DA ENDOMETRIO SE? FF - Não se conhece a causa específica da endometriose. Sabemos que existem múltiplos fatores que podem estar implicados, nomeadamente os fatores genéticos. A evidência diz-nos que a história familiar – a mãe ou irmã terem endometriose – aumenta até seis vezes a probabilidade de a mulher vir a desenvolver a doença. Porém, os fatores genéticos são potenciados por outros fatores, nomeadamente hormonais, imunológicos e ambientais, os quais parecem também ter algum peso. No plano hormonal, sabemos que nas mulheres com menarca mais precoce e menopausa mais tardia - isto é, que estão sob a influência dos estrogénios durante um longo intervalo temporal - têm maior propensão para a doença, sobretudo no caso das mulheres com fluxos menstruais muito abundantes. Daí a pílula contracetiva ter um efeito benéfico neste contexto.

H - O DIA GNÓSTICO PRECOCE É FUNDAMENTAL PARA ATENUAR ESTA DOE NÇA? FF – Sem dúvida. É fundamental para evitar as consequências mais graves da endometriose. O diagnóstico da doença é, em primeiro lugar, clínico. Não é difícil perceber que algo está errado se fizermos o exame físico, se dermos atenção às queixas da doente. Se existir uma suspeita de estarmos perante um caso de endometriose e se a observação clínica não der os elementos suficientes, o primeiro exame a pedir é uma ecografia pélvica, de preferência por via transvaginal. Segue-se uma ressonância magnética, que nos permite mapear as lesões e detetar o envolvimento dos órgãos vizinhos.

H - A ENDOMETRIO SE TEM CURA? FF - Infelizmente não se pode falar em cura na endometriose. Da própria definição de doença crónica se deduz que, mesmo após o tratamento cirúrgico com remoção das lesões, possa haver uma recidiva da doença.

H - EM QUE CASOS É ACONSELHA DA A CIRURGIA ? FF - As terapêuticas médicas que existem para controlar a sintomatologia da doença são as que inibem a menstruação, como por exemplo as pílulas contracetivas tomadas de forma contínua. Com estas terapêuticas hormonais conseguimos tirar a dor a estas doentes e elas permanecem assintomáticas, mas a doença poderá continuar a evoluir de forma silenciosa. Porém, sendo uma terapêutica hormonal, não está indicada quando uma mulher quer engravidar e é precisamente nesta altura que a cirurgia se apresenta como incontornável. Uma intervenção que se pretende que seja o menos invasiva possível. Ainda assim, falamos de cirurgias muito complexas e não desprovidas de riscos. Por isso, cada caso deverá ser analisado individualmente.

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