ROTEIRO DE ESTUDOS
Metodologia Científica Módulo 1: Como Ler Sistematicamente Prof. Dr. Luiz Carlo Ramos
Todo o material desta disciplina foi produzido pela Fatej e é protegido pela Lei 9.610/98, sendo proibida a reprodução total e parcial ou divulgação comercial
SUMÁRIO 1.
Introdução ao jogo científico ........................................................................................ 3
2.
Quais são, então, as regras do gênero científico?.......................................................... 4
3.
Como ler sistematicamente? ........................................................................................ 5
4.
Chegou, finalmente, a hora de ler sistematicamente! ................................................... 7
5.
Próximos passos .......................................................................................................... 9
6.
Referências Bibliográficas .......................................................................................... 10
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MÓDULO I
1. Introdução ao jogo científico Há muitas maneiras de aprender, conhecer e pensar. A maneira como isso se dá na Universidade distingue-se daquela que vulgarmente se experimenta cotidianamente. Muito do que sabemos foi descoberto de forma intuitiva, a partir de experiências sensoriais, estéticas, afetivas, religiosas, etc. Todas essas são formas legítimas e produzem conhecimento verdadeiro. Não obstante, há um tipo de conhecimento que pretende basear-se em algo menos subjetivo que os sentidos, a intuição ou a fé. Esse outro tipo de conhecimento é a grande aspiração da ciência. Assim, a ciência, começando pela observação das coisas, e terminando pela demonstração de suas causas, pertence a outro tipo de conhecimento: trata-se do gênero do conhecimento científico. E isso não é tarefa para os sentidos corporais ou a intuição, mas uma tarefa para a inteligência. Embora haja quem advogue a supremacia do gênero científico sobre os demais tipos de conhecimento, tal como o conhecimento vulgar, o estético, o teológico ou religioso, o filosófico etc., preferimos considerar o conhecimento científico apenas como sendo diferente dos demais. Tendo, cada qual, seu valor, desde que devidamente contextualizados. Fique claro, porém, que, uma vez na Universidade, deve-se jogar com as regras do jogo acadêmico ou científico. É como nos esportes: não se pode jogar vôlei com as regras do basquete, e vice-eversa. Por essa razão, deve ficar entendido porque os textos acadêmicos não se parecem com as cartas de amor, ou com os romances, nem com os sermões ou as orações. Cada um desses
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textos pertence a um gênero distinto, e tem seu valor dentro do seu próprio contexto. O equívoco é tentar impor as regras de um gênero sobre o outro.
2. Quais são, então, as regras do gênero científico? Há muitos métodos considerados científicos que foram desenvolvidos em diferentes épocas destinados a diferentes tipos de abordagens e pesquisas, dependendo do problema ou objeto de estudo. Estritamente falando, porém,há, basicamente, duas maneira de se chegar a uma conclusão científica: ou pela via descendente, por meio da dedução (que é a aplicação de alguma lei ou regra geral a um objeto de estudo em particular), ou pela via ascendente, por meio da indução (que consiste na reunião ampla de dados a respeito do objeto em questão, até que se possa estabelecer uma regra mais geral). Seja como for, a ciência sempre almeja, nos passos que dá rumo ao conhecimento, ser racional, objetiva, factual, analítica e sistemática, Além disso, ela pretende transcender os fatos, buscando a clareza e a precisão nos seu processo comunicativo, adotando procedimentos seguros de registro e verificação, reconhecendo-se, portanto, como falível. Por essa razão, a ciência deve sempre estar aberta à revisão dos seus postulados para que suas investigações metódicas sejam úteis para a humanidade. Dependendo do objeto a ser pesquisado, a ciência obtém mais ou menos sucesso. A pretendida objetividade científica é mais facilmente alcançada quando se trata de pesquisas no contexto das ciências exatas. Quando se trata de ciências humanas, entretanto, por ser extremamente mais difícil exercer mecanismos de verificação e controle em função da complexidade dos seres humanos e de suas expressões sociais, os ventos já não sopram tão favoráveis. Isso exige uma série de adequações dos métodos e procedimentos. Seja como for, uma vantagem do emprego do método científico, sobre os métodos subjetivos e intuitivos, é que o conhecimento científico pode ser comunicado e sua experiência repetida por qualquer um que se disponha a seguir os passos registrados
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rigorosamente por um primeiro pesquisador. A experiência intuitiva é única para cada indivíduo, ao passo que o conhecimento científico é comum a qualquer pessoa.
3. Como ler sistematicamente? Primeiramente você deve se recordar que os textos acadêmicos diferem dos outros textos. Não lemos obras científicas da mesma maneira que lemos uma carta da namorada ou namorado, nem da mesma forma que lemos um romance ou a Bíblia. Alguns textos dirigem-se mais diretamente à nossa sensibilidade, tais como os poéticos; outros dirigem-se mais especificamente à nossa vontade, tais como os textos publicitários, e sermões; e há os que se dirigem à nossa inteligência, esse é o caso dos textos científicos e técnicos. Sabendo disso, não se deve esperar muito sensacionalismo, nem muita diversão na maioria dos textos que deverão ser lidos ao longo do curso. Como “o combinado não sai caro”, é bom que se diga de saída, e fique bem claro, que tipo de textos teremos que enfrentar daqui por diante (aquele ou aquela que gosta de ler por puro entretenimento, deve reservar algum tempo para tais leituras em um horário que não interfira com aquelas específicas do curso). Vamos lá. Tomemos um livro nas mãos. Por onde começamos? Pela capa, é óbvio. Os títulos dos textos científicos não tendem a ser muito divertidos, ao contrário, com alguma frequência são frios e técnicos pois procuram ser o preciso possível. Assim, temos mais chance de saber a respeito do que trata um livro científico, lendo seu título, do que pelo título de um desses livros puramente comerciais, de títulos enigmáticos (exemplo de título comercial: “Quem mexeu no meu queijo?” – tratar-se-ia de algum mineiro injuriado que protesta contra a violação de seu tesouro culinário preferido?). Além disso, alguns livros acadêmicos também incluem um subtítulo mais preciso ainda, que detalham a abordagem do texto. 5
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Lido o título, deve-se dar uma olhada na quarta capa, que costuma conter uma breve resenha do livro em questão. Fique a leitora ou leitor advertido, porém, que quem faz essa resenha, em geral, são os editores, que tem interesse comercial na obra. Assim, você dificilmente encontrará alguma crítica mais contundente ao conteúdo, ou comentários que indiquem alguma debilidade ou imprecisão do texto, mas muito mais provavelmente você lerá algo como “este livro não pode faltar na sua biblioteca...”. Feita essa ressalva, o breve resumo apresentado poderá servir para uma primeira apreciação do conteúdo do texto, e ajudará na tomada de decisão a respeito de se valerá a pena lê-lo ou não. Lida a quarta capa, deve-se dar uma espiada nas “orelhas” do livro. Nelas, você encontrará uma resenha um pouco mais elaborada e, muito provavelmente, uma breve biografia do autor da obra. Sabendo quem é o autor, qual a sua formação e qualidades acadêmicas, você poderá julgar entre um livro e outro. Finalmente chegou a hora de abrir o livro. Resista, porém, à tentação de correr para o miolo e começar a ler compulsivamente. Comece pelo sumário, que apresenta uma relação esquemática do conteúdo do livro por meio da menção dos títulos dos capítulos e de suas seções. Assim, você poderá saber qual parte do livro interessa mais especificamente à sua leitura, poupando você de perder um tempo considerável lendo o que não interessa até chegar ao pondo desejado. O índice — que pode ser de autores, de assuntos, ou de citações bíblicas — também é muito útil, pois pode indicar precisamente qual a página na qual o autor aborda alguma questão específica que o leitor está buscando. Verificados o sumário e os índices, corra os olhos pela bibliografia. Não, isso não é perda de tempo não. Além de familiarizar o leitor com os expoentes e principais pensadores ligados ao tema tratado no livro, a avaliação da bibliografia ajudará o leitor a decidir entre um livro e outro, caso não disponha de tempo para ler todos os livros disponíveis, julgando qual é a obra mais bem fundamentada, qual a bibliografia mais completa, qual a menos restrita científica, ideológica e teologicamente. 6
Não, ainda não é hora de ler o miolo. Agora é a vez de lermos a introdução e a conclusão. Pode ir se acostumando desde já: a ciência costuma começar sempre pelo fim. Os textos científicos têm o compromisso de dizer logo de saída o que pretendem. Eles não sonegam nem escondem informações fundamentais em parágrafos obscuros em subunidades secundárias. Assim, na introdução, o autor dirá logo qual é o assunto do livro, que hipótese pretende verificar, quais os referenciais teóricos assumidos, qual a metodologia empregada e qual a estrutura básica do texto. Na conclusão, ele explicitará o caminho percorrido e resumirá as principais conclusões a que chegou. Em outras palavras: na introdução o autor diz o que pretende dizer; no corpo do livro, o autor desenvolve o que ele disse que iria dizer; e na conclusão, o autor reafirma que disse o que pretendia dizer. Atenção! Nunca salte ou deixe de ler a introdução e a conclusão de um livro. Se tiver que deixar alguma coisa de lado, faça isso com o miolo. Você saberá muito mais sobre uma obra lendo sua introdução e sua conclusão, do que lendo pedaços do seu miolo. !!!
4. Chegou, finalmente, a hora de ler sistematicamente! Para começarmos a nossa tarefa de ler sistematicamente é preciso compreender que a leitura se dá em diferentes níveis. O primeiro é o nível inspecional, que é o procedimento que descrevemos anteriormente, de aproximação do texto.
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O segundo é o nível textual, para o qual é imprescindível o domínio do código adotado pelo texto e o conhecimento básico do vocabulário empregado. Se alguém não sabe russo, de nada lhe servirá querer ler um livro escrito nessa língua. Conhecimento elementar de gramática e do vocabulário é, portanto, uma primeira condição. Para isso, são absolutamente necessários os dicionários (se você não sabia por onde começar sua biblioteca, então aí está, comece pela aquisição de um bom dicionário de língua portuguesa). O terceiro é o nível conceitual. Não basta sabermos em que língua um texto está escrito, se não compreendermos os conceitos expostos. Não basta, por exemplo, saber que a palavra “Iluminismo” deve ter alguma coisa a ver com luz, ou iluminação. Iluminismo, conceitualmente falando, é muito mais do que isso. Como é que eu posso descobrir o que esse e outros conceitos significam? É aqui que entram os livros de referência, as enciclopédias e os dicionários específicos. Esses não são livros feitos para serem lidos de capa a capa, mas são obras de consulta, às quais devemos voltar assiduamente para podermos nos apropriar dos conceitos recorrentes que dizem respeito ao objeto das nossas pesquisas (um bom dicionário teológico será imprescindível para alguém que pretenda fazer o curso de teologia. Aos poucos, na medida da necessidade, se poderá acrescentar à biblioteca um dicionário de filosofia, de sociologia, de psicologia, etc.). O quarto é o nível analítico. A análise é o desdobramento de assuntos complexos em unidades menores, de tal maneira que permita a compreensão gradual de questões difíceis por meio do estudo de suas subpartes mais simples. Em geral, os capítulos e subtítulos dos textos acadêmicos já nos ajudam nessa tarefa, mas isso também pode ser feito no âmbito dos parágrafos e dos períodos ou frases. A identificação das palavras e idéias centrais dos capítulos, das seções e dos parágrafos, devidamente anotadas, permitirá a elaboração de um esquema do texto lido, que seja mais preciso e detalhado do que o sumário. A esse esquema damos o nome de “fichamento”. O quinto é o nível sintético, que resulta de todo o processo anterior. Uma vez de posse do esquema da leitura, se poderá elaborar uma síntese ou resumo do texto. Este resumo deve ser escrito tendo como referência o esquema analítico, resultante dos 8
apontamentos do leitor ou leitora, e não mediante a transcrição de partes do livro. Nesse estágio, o livro deve ser fechado e deixado de lado. Assim, o leitor e a leitora poderão escrever a síntese ou resumo do livro usando as suas próprias palavras para transformar em redação fluente o que antes estava em forma esquemática. Até esta etapa, o fundamental é o leitor apropriar-se das idéias do autor, independentemente de concordar ou não com ele. Um resumo, portanto, limita-se a sintetizar o conteúdo de uma obra, sem a necessidade de que o leitor emita juízo de valor sobre o texto lido. O sexto, e último, é o nível crítico. Somente depois que o leitor tiver certeza de que compreendeu o que o autor quis dizer é que ele poderá arriscar reagir às idéias expressas no texto. Aqui, o leitor poderá apresentar suas dúvidas e discordâncias em relação ao livro, bem como poderá comparar as idéias desse autor em particular com outros autores e textos lidos pelo resenhista. Um resenhista é alguém que escreve uma resenha. O resultado de todo esse procedimento é justamente a resenha, que deve começar com uma apresentação do autor e da obra a ser resenhada, seguida de um resumo das principais idéias do autor, terminando com uma apreciação crítica na qual o leitor emite seu parecer sobre a obra lida. Pedir resenhas é uma das tarefas preferidas pelos professores e professoras universitárias. Por isso, é bom que você compreenda o que é isso e comece a gostar de ler sistematicamente, caso ainda não o esteja fazendo.
5. Próximos passos Uma vez aprendidos os critérios para uma leitura sistemática (ver maiores instruções nas orientações e indicações para aprofundamento), resta abordarmos o tema do raciocínio científico e da redação acadêmica. Disso trataremos nos próximos módulos.. Até lá.
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6. Referências Bibliográficas
IDE, Pascal. A arte de pensar. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002. 306 p. (Ferramentas) MARTINS, Eduardo. Manual de redação do Estadão. 3. ed. São Paulo: O Estado de São Paulo, 1977. — Disponível também online em http://www.estadao.com.br/manualredacao/; e em PDF em http://naui.ufsc.br/files/2010/09/Manual-de-Reda%C3%A7%C3%A3o-e-Estilo_OEstado-de-S%C3%A3o-Paulo.pdf . SCHAEFERDIEK, Marc. O estudo como tarefa permanente: fundamentos do estudo (artigo publicado em 'rohrblatt março/2006, ano XXI), disponível em http://www.haryschweizer.com.br/Textos/estudo_permanente.htm
VENTICINQUE, Danilo. Sete dicas infalíveis para ler mais rápido. Disponível em: http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/danilo-venticinque/noticia/2013/11/sete-dicasinfaliveis-para-bler-mais-rapidob.htm,l postado em 12/11/2013 08h25.
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