6 minute read
Perto demais!
É possível sobreviver e se destacar em regiões onde há forte concorrência?
n Por Rosemeire Guidoni
Nos últimos anos, o número de postos revendedores aumentou significativamente. Segundo dados da ANP, em 2000 o país tinha pouco mais de 29 mil estabelecimentos de revenda de combustíveis. Hoje, de acordo com os números da Agência, são mais de 37 mil postos espalhados pelo país.
Este grande aumento na quantidade de postos acompanhou a evolução da demanda por combustíveis. Com as facilidades de crédito e a ampliação do poder econômico das classes de renda menos favorecidas, muitos consumidores puderam adquirir seus primeiros veículos. Outros, com melhor poder aquisitivo, passaram a ter um segundo (ou terceiro) automóvel na garagem. Com isso, a frota nacional está estimada em 28 milhões de veículos, além de 9,5 milhões de motos.
A ampliação do número de postos revendedores, no entanto, não vem acontecendo de forma uniforme no país. Enquanto algumas cidades de pequeno porte dispõem de rede de abastecimento insuficiente, onde os consumidores chegam a ter de rodar alguns quilômetros para abastecer seu veículo, em outras regiões a concentração é surpreendente. Um bom exemplo é o bairro paulistano de Moema, onde há cerca de 40 postos revendedores – talvez mais do que boa parte das cidades de médio e pequeno porte do interior do país. Bem próxima ao bairro, a Avenida Moreira Guimarães (na região do aeroporto de Congonhas) também apresenta a mesma característica: em um trajeto de poucos quilômetros, sete postos revendedores dividem a clientela.
“Estes locais realmente têm grande concentração de postos, mas isso ocorre em função da alta demanda por combustível. Na região, existem várias vias de grande fluxo de veículos, o que justifica a presença de todos estes postos de revenda”, disse Diógenes de Mattos Neto, gerente de Gestão Estratégica e Negócios Corporativos da BR Distribuidora. Segundo ele, ao optar por um determinado local para a instalação de um posto revendedor, um dos principais levantamentos feitos pelas bandeiras é em relação ao potencial de demanda. “Nenhuma distribuidora vai instalar um ponto onde não exista potencial de vendas. É um investimento muito alto, tanto para a bandeira quanto para o revendedor”, explicou.
De fato, algumas regiões podem mesmo comportar um número alto de postos revendedores sem trazer problemas à concorrência saudável. Mas isso não é regra. Na prática, em boa parte dos locais onde existe grande concentração de postos revendedores, ocorrem problemas como guerra de preços e adoção de práticas irregulares, o que inviabiliza a sobrevivência de empresas sérias e que atuam de forma correta.
Mattos Neto considera que não necessariamente os problemas estejam relacionados à presença de muitos postos em uma mesma área de influência. “As práticas
“Conheço os frentistas e me sinto à vontade, além de confiar na qualidade do combustível”, diz o técnico de eletrônica André do Nascimento, cliente do Posto Kim desde 1998
“Confio no combustível e na opinião dos frentistas, sem falar que a eficiência e a agilidade deles fazem toda a diferença”, explica o representante comercial Daniel Magalhães
Martins, enquanto o frentista André Luiz de Souza confere o nível do óleo de seu carro pouco ortodoxas não devem ser associadas à presença de concorrência. Uma coisa não leva a outra, esta associação não é correta”, frisou ele, defendendo que a concorrência é saudável e até desejável. “A tendência, onde existe concorrência, é de que as empresas passem a investir mais em qualidade e em serviços, para se destacar. E quem ganha com isso é o consumidor, inclusive em relação aos preços”, defendeu.
Em tese, é assim mesmo. A concorrência deveria ser saudável e levar a um mercado mais justo e com maior qualidade. Mas a realidade não mostra exatamente isso.
“Já são 11 anos que trabalho aqui e te digo: neste ramo o pequeno agrado faz a diferença”, explica o encarregado de pista Antônio dos Santos
Hamiltom Vasconcelos, proprietário do Posto Kim, localizado no Rio de Janeiro (RJ), sente no movimento do negócio os reflexos da concorrência. “Existem sete postos revendedores localizados na mesma área de influência do meu estabelecimento. Dentre eles, um posto do supermercado Sendas, que tem vantagens tributárias e pratica preços menores do que a concorrência, e um estabelecimento independente, que também pratica preços baixos”, contou. Segundo ele, há vizinhos que vendem combustíveis por preços menores do que o seu valor de compra. “O etanol aqui foi comprado da BR, por R$ 1,62. O preço de um dos meus vizinhos, para o consumidor, é R$ 1,59, ou seja, ele vende por um preço menor do que eu compro. Não há como competir com preços”, afirmou o empresário.
Vasconcelos diz que a saída é investir em qualidade e bom atendimento. Com isso, o revendedor diz ter conquistado uma clientela fiel. “A credibilidade do meu posto é meu melhor argumento de vendas”, destacou. Além do bom atendimento e do produto de qualidade, Vasconcelos investe em outras práticas para garantir a simpatia do consumidor, como oferecer café e água para quem abastece o veículo.
“Isso é um investimento e certamente tem um custo. Mas é necessário fazer este tipo de coisa para conseguir se sobressair perante a concorrência”, opinou. Quando Vasconcelos assumiu o negócio, em 1997, o posto Kim vendia cerca de 350 mil litros de combustíveis líquidos. Hoje o estabelecimento tem também GNV, e atinge o volume total de 400 mil litros (dos quais apenas 250 mil são de combustíveis líquidos). A venda de líquidos caiu nos últimos anos, provavelmente pelo acirramento da concorrência, mas o empresário mantém o equilíbrio por ter conquistado a confiança dos clientes.
Questão municipal
Em diversos municípios brasileiros existem legislações que restringem a instalação de postos revendedores em áreas muito próximas. As justificativas para tais leis vão desde aspectos ambientais e de segurança, até questões de zoneamento específicas do Município. São Paulo, por exemplo, já teve uma legislação mais rigorosa em relação a esta questão, que definia distância mínima entre os estabelecimentos de revenda (Lei 7.805, de novembro de 1972). Esta lei foi revogada em 1973, e depois retomada em 1975. Atualmente, encontra-se revogada pela Lei Municipal 13.885/04. Mas vários municípios paulistas contam com legislação que define distância mínima entre os estabelecimentos. É o caso de cidades como Campinas, Jundiaí, Bragança Paulista, Jaguariúna e Caraguatatuba. Porém, além de outros detalhes, cada lei especifica uma distância mínima, que pode variar de 400 metros a um quilômetro.
Na verdade, esta questão é bastante polêmica, pois a Justiça entende que a criação de legislações que estabeleçam distância mínima entre estabelecimentos que pratiquem a mesma atividade fere o princípio constitucional da livre iniciativa e concorrência, estabelecido no art. 170, inc. IV da Constituição Federal. “Toda legislação neste sentido tem de espelhar uma necessidade da comunidade em questão. Ou seja, a lei pode ter a finalidade de preservar a saúde e segurança das pessoas do entorno, como é o caso daquelas que restringem a instalação de postos em áreas de grande fluxo de pessoas, como escolas e hospitais, ou de preservar o meio ambiente. Há ainda casos em que as áreas podem ser de preservação ambiental, e a restrição passa a ser estadual, conjuntamente com a municipal (Plano Diretor). Sem uma justificativa, o impedimento à instalação de postos pode ser um entrave à livre concorrência”, destacou Alexandre Tavares, diretor da TAC Consultoria e Assessoria, uma empresa especializada na aprovação de projetos junto a órgãos públicos municipais e estaduais.
Boa vizinhança
Se o seu posto está situado em uma região de grande concorrência, a melhor (e talvez única) alternativa é procurar se destacar pelos serviços, bom atendimento e qualidade. De acordo com a economista Patrícia Vance, professora e pesquisadora do Provar (Programa de Administração de Varejo) da Universidade de São Paulo, a melhor opção é apostar na diferenciação do negócio perante os consumidores.
Confira as dicas para sobreviver em meio à concorrência acirrada: n Procure manter sua contabilidade em dia e ter uma boa planilha de custos, para ter visão real das despesas e receitas do negócio, e com isso praticar preços condizentes com a necessidade do empreendimento; n Invista no treinamento dos funcionários. Bom atendimento e cordialidade são diferenciais importantes para a maior parte dos consumidores; n Faça periodicamente um controle de estoques e invista em programas para redução de perdas, tanto na pista quanto na loja de conveniência (se houver), como forma de rentabilizar melhor o negócio; n Serviços bem executados podem fazer com que o cliente retorne ao posto e se torne fiel, independentemente de preço. Uma boa lavagem automotiva, um serviço de troca de óleo ou a loja de conveniência podem conquistar uma clientela fiel ao posto; n Observe o perfil dos consumidores potenciais do posto. O que eles buscam no estabelecimento? Atendimento rápido? Serviços automotivos? Procure investir em serviços que tragam o cliente para o posto; n Analise também o entorno do estabelecimento, e opte por serviços inéditos na região. As possibilidades são inúmeras, desde serviços automotivos básicos, como borracharia, até opções de alimentação. Tudo depende da concorrência do bairro, do perfil do consumidor e do espaço no posto. E nem é preciso um grande investimento: por exemplo, para prestar um serviço de troca de óleo diferenciado, que tal treinar um profissional especificamente para isso, ou mesmo contratar um funcionário com conhecimentos em mecânica? Ou, na lavagem de veículos, uma opção seria apostar na comodidade do consumidor, oferecendo o serviço de retirada e entrega do veículo. Na loja de conveniência, o delivery pode ser uma boa alternativa, assim como o acesso à Internet, ou serviços diversos (como fotocópias e impressão de documentos); n Procure trabalhar sempre com produtos de qualidade reconhecida.