10-Gnarus10-Artigo-Miscigenacao

Page 1

GNARUS - 114

Artigo

RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NA TERRA DE SANTA CRUZ: AMERÍNDIOS, EUROPEUS E AFRICANOS Por Vitor Arantes

RESUMO: A escravidão tem acontecido nas mais diferentes culturas humanas desde os primórdios da humanidade até os dias atuais, todavia, será destacado neste artigo a escravidão na idade moderna na Terra de Santa Cruz, local que mais tarde, se tornaria o Brasil. Muitos grupos humanos compartilham o mesmo continente, mas não o mesmo modo de vida, cultura, língua e costumes, sendo assim, percebe-se o modo simplório o qual caracteriza-se diferentes grupos como se fossem unidades homogêneas, como foi feito ao longo da história, tratando-se, europeus, ameríndios e africanos como se fossem grandes grupo de pessoas. Essa classificação, desconfigura as diferentes etnias que são divididas em vastos continentes. Abordasse-a neste artigo, as relações entre os “subgrupos” de europeus, ameríndios e africanos que moldaram uma nova identidade nacional no cenário mundial, um povo novo, que ao longo do tempo se tornou único, o brasileiro. Palavras Chaves: Escravidão. Ameríndios. Europeus. Africanos

Introdução

O

presente artigo tem como objetivo reafirmar sobre as origens dos brasileiros e como as mais diversas etnias advindas dos continentes Europeu e Africano, formaram a identidade nacional do povo que viria à se tornar o brasileiro contemporâneo. Cabendo a este propagar a ideia central deste estudo metodológico que são as relações entre os ameríndios, africanos e europeus. Entende-se Américas, África e Europa, como continentes vastos, de enorme diversi-

dade e culturas muito distintas. Regiões como América do Sul, Central e Ásia, foram colonizadas por europeus, na África não foi diferente, e por toda parte onde houve colonização, ocorreram baixas e prejuízos enormes para os nativos de cada região. Houve intervenções por parte destes colonizadores em suas culturas, alguns grupos africanos foram levados ao território que se tornaria o Brasil, e com eles seus costumes, língua, e religião – o qual não demoraria para serem adaptadas às circunstâncias e dar origem as religiões “afro-brasileiras” cujas influências vieram do Cristianismo, Hinduísmo e

Gnarus Revista de História - VOLUME X - Nº 10 - SETEMBRO - 2019


GNARUS - 115 principalmente do Islamismo - que em contato com a cultura dos próprios europeus e ameríndios que habitavam o local, deram origem a uma nova cultura, uma nova sociedade, cujo legado se espalhou pelos Estados do Brasil, através das relações entre ameríndios, brancos, negros, que originaram pardos, cafuzos e caboclos, criando assim o povo brasileiro. Quais os eventos deram origem a mestiçagem no Brasil? Que tipo de relações entre povos de etnias diferentes, gerariam uma nova sociedade? O Tema proposto - ainda que com a notável dificuldade de mostrar a visão indígena sobre a chegada dos europeus, principalmente na perspectiva e ponto de vista de cada etnia ameríndia da época, o que seria impossível, até pelo fato de determinados grupos já não existirem – Foi o choque cultural entre povos, que moldaram as diversas opiniões, vinda de visões de ambos os lados, tanto dos africanos que chegaria mais tarde, quanto dos ameríndios que já viviam na região.

No princípio Acredita-se que o território brasileiro tenha sido ocupado há cerca de 14 mil anos, por grupos humanos que seriam oriundos da Ásia e que chegaram através do estreito de Bering, localizado no extremo nordeste da Ásia. Aquele grupo teria dado origem as mais variadas etnias ameríndias que habitavam o território. “O etnólogo Curt Nimuendaju assinalou no seu mapa etno-histórico a existência de cerca de 1400 povos indígenas no território que correspondia ao Brasil do descobrimento. Eram povos de grandes famílias linguísticas – tupi-guarani, jê, karib, aruák, xirianá, tucano etc. – com diversidade geográfica e de organização social. ” OLIVEIRA, FREIRE

(2006)1

Sabe-se que a primeira relação étnica-racial entre ameríndios e europeus se deu de forma pacífica, onde interesses distintos de ambas as partes aconteceu em um misto de interesse e curiosidade naquele encontro de culturas, o qual mais tarde teria presença africana. Segundo os livros didáticos, portugueses “descobriram” o Brasil e tão logo outros europeus aportaram em busca de recursos naturais e iniciar processos de colonização como foi o caso dos franceses e holandeses. Todavia, grupos menores apareceram também em busca de recursos naturais como o pau-brasil. “A armadores, normandos e bretões, em sua maioria, coube organizar o tráfico de pau de tinta, principalmente na faixa costeira entre o Cabo de Santo Agostinho e o Rio Real, desenvolvendo-se entre eles e os índios um contacto muitas vezes cordial que chegaria a ameaçar a colonização lusitana nestas terras. ” KEATING, MARANHÃO, 2011. 2

Percebe-se aqui neste exemplo uma clara relação de pacificidade e de cooperação entre ameríndios e europeus, estes como: normandos e bretões. Isso sugere que as nacionalidades europeias que chegaram durante o século XVI, não foram exclusivamente de portugueses, franceses e holandeses, outros grupos se mostraram presentes, tanto quanto outros podem ter atravessado o mar até o “novo mundo” e a história não registrou?!. Os portugueses ao chegar em solo ameríndio, encontraram inúmeras etnias vivendo no território, mais tarde, em meados do século XVI, teve o início da diáspora africana que levou diferentes grupos étnicos, oriundos do continente africano. Em maior ou menor escala, o povo brasileiro vem dessa grande mistura entre povos e isso vai muito além da simplória denominação que classifica as etnias ape1 2

OLIVEIRA, FREIRE, 2006. KEATING, MARANHÃO, 2011.

Gnarus Revista de História - VOLUME X - Nº 10 - SETEMBRO - 2019


GNARUS - 116 nas como três grandes grupos de Ameríndios, europeus e africanos”, como se fossem uma unidade homogênea. O objetivo geral deste artigo, consiste em reafirmar que tipo de relações corroboraram em originar o povo brasileiro, através da miscigenação.

Relações de guerra e paz Para entender o surgimento do povo brasileiro, é preciso entender os eventos anteriores o qual os levaram até sua formação, os mestiços, denominados como: caboclo, cafuzo e pardo, assim, chega-se a um conceito de mestiçagem. Segundo Pero Vaz em sua carta para El Rei, a primeira visão sobre os nativos foi a de pessoas pacíficas, inocentes e sem qualquer crença ou fé, percebe-se uma clara intenção de disseminar o cristianismo meio a estes grupos: “Parece-me gente de tal inocência que, se homem os entendesse e eles a nós, seriam logo cristãos, porque eles, segundo parece, não têm, nem entendem em nenhuma crença”. CAMINHA (1500)3 Futuramente, a catequização indígena, viria a ser feita por padres jesuítas, função esta que daria início ao processo de aldeamento, que será melhor analisado à frente. Ainda, segundo o pastor missionário e escritor Jean de Léry, em sua visita ao território das índias ocidentais ou ainda Terra do Brasil, seu primeiro contato se deu com os índios Margaiá, aliados dos portugueses e consequentemente, inimigos dos franceses. Esse primeiro contato a primeira vista, embora temeroso por ambas as partes, se deu de forma pacífica, com alguns nativos indos ter com eles no navio, onde bugigangas como esCAMINHA, Pero Vaz. Carta enviada a Portugal. http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ bv000292.pdf Acessado em 08/09/2016.

pelhos, facas, anzóis, e camisas, foram usadas como moeda de troca por víveres, além dos nativos argumentarem ter em seu território o melhor pau-brasil, e que ajudaria cortar e carregar para o navio. Ao pedirem retorno a terra, Léry narra que os nativos foram levados, sem ser de alguma forma molestados – O escritor ainda, conta que o motivo de não os molestarem e nem os reter seria o fato de se preocuparem com qualquer francês que por acaso caísse em suas mãos e conclui dizendo que os visitantes do navio se comportaram como bons embaixadores. LÉRY (1961).4 Obviamente, inúmeros europeus, tiveram seu primeiro contato com os povos ameríndios, e percebe-se neste diálogo entre testemunhas oculares - no caso Pero Vaz e Jean de Léry - que a experiência de primeiro contato que ambos obtiveram, foram de forma pacífica, no caso de Léry, deu-se um caso ainda mais inusitado, pois os nativos contatados por ele e sua tripulação, fora de índios aliados dos portugueses, o que fariam deles inimigos naturais, apesar disso, o encontro deu se em total harmonia segundo a narração de Léry. Com o passar do tempo, as relações entre europeus e ameríndios vão deixando de ser pacíficas, e os nativos vão se posicionando como pessoas de personalidade e que nem sempre estariam dispostas às indagações dos europeus. Conflitos e revoltas aconteceram em inúmeras ocasiões. Em sua trajetória pelo território, o alemão Hans Staden relata um cerco em Pernambuco: “A localidade onde estávamos sitiados era cercada de mata. Nessa mata os selvagens construíram duas fortificações com espessas toras de madeira. Recolhiam-se para lá à noite e esperavam por eventuais investidas nossas. Durante o dia ficavam em buracos na terra que cavaram em torno do povoado e avançavam quando buscavam escaramuças. Ao atirarmos

3

4

LÉRY, 1961.

Gnarus Revista de História - VOLUME X - Nº 10 - SETEMBRO - 2019


GNARUS - 117 neles, jogavam-se ao chão de modo a escapar das balas. Mantinham-nos de tal forma sitiados, que do nosso lado ninguém podia entrar ou sair. Chegavam perto do povoado, atiravam numerosas flechas para o alto, que deviam nos atingir ao cair e às quais tinham amarrado algodão embebido de cera. Com essas flechas incendiárias queriam colocar fogo nos telhados das casas. Ameaçavam também nos comer caso nos pegassem”. STADEN (2011).5

Neste relato, Hans retrata um tumulto eclodido na região dos Caetés em uma região até então tranquila. Durante o sítio que durou cerca de um mês, os sitiados ficaram sem mantimentos e organizaram uma pequena embarcação para ir até o povoado de Itamaracá, porém os nativos colocaram obstáculos para impedir a passagem, Staden relata que o mesmo se deu durante o retorno, explica que os nativos tentaram quebrar as embarcações com uma armadilha que consistia de cortar um pouco da parte inferior do tronco de duas árvores e puxar, usando cipós como cordas, para que caísse sobre as embarcações, porém, sem sucesso, conseguiram passar pela emboscada e mesmo estando próximos ao local de retorno, começaram a gritar pela ajuda dos companheiros que ficaram aguardando seu retorno, porém, os nativos começaram a gritar ao mesmo tempo, tentando impedir que ouvissem seus apelos de socorro, além de darem a entender que os comeriam, caso os capturassem. Percebem-se neste pequeno relato de Hans Staden, algumas coisas interessantes: Primeiro, como citado anteriormente, nem sempre às relações entre ameríndios e europeus foram de paz, isso é mais do que óbvio. Segundo, os nativos de fato, não foram inocentes e passivos das indagações brancas, eles eram estrategistas, guerreiros e com opinião própria no que diz respeito a tornar-se inimigo ou aliado de alguém. Staden menciona sobre uma prática muito comum, a antropofagia, que consistia no ritual que fazia 5

STADEN, 2011.

alguns nativos de comer os inimigos capturados com o intuito de absorver características como força e coragem do inimigo para si próprio.

Relações de trabalho Nos primeiros contatos entre ameríndios e europeus, sabe-se que uma relação de interesse mútuo, aconteceu. Os ameríndios, interessados nas mercadorias oferecidas pelos europeus, principalmente anzóis, ferramentas de metal, assim como, armas de fogo - que ao que se sabe era fornecida apenas pelos franceses- por outro lado interesses diferentes motivaram os europeus que tinham as mais variadas intenções de exploração, a principal delas a extração de pau de tinta, ou ainda o chamado, pau Brasil, os quais existiam em abundância no litoral e que se encontrava facilmente, além de animais exóticos, o qual eram retirados do ecossistema para a comercialização, entretanto com o passar dos anos, motivações diferentes foram surgindo, os portugueses em sua tentativa de efetivar a colonização voltava-se agora para atividades agrícolas como o cultivo da cana de açúcar, o que iria requerer mão de obra em massa. A coroa portuguesa tivera em mente tornar os índios aliados e cidadãos integrantes desta nova sociedade colonial, com a intenção de protegê-los das incursões estrangeiras e também dos nativos hostis, assim como facilitar a conversão para o cristianismo, os índios passaram a ser aldeados próximos aos polos de estabelecimento português. Segundo a visão dos religiosos católicos essa prática de aldeia fixa facilitaria a remoção de “vícios” e práticas culturais indígenas consideradas diabólicas, sem contar que as incursões de pregação pelos sertões mostravam-se ineficazes e peri-

Gnarus Revista de História - VOLUME X - Nº 10 - SETEMBRO - 2019


GNARUS - 118 gosas. Essa conversão deixou de ser de forma afetuosa para tornar-se uma conversão pelo medo. Essa prática seria mais tarde facilitada com as campanhas violentas de Mem de Sá. Para os colonos esta prática colaborava para garantir mão de obra para o trabalho agrícola, além de outras atividades. O trabalho indígena era feito através de um sistema de rodízio e pagamento de salário regulamentado por lei. A colonização portuguesa se ergueu com braços indígenas apesar da recusa dos nativos ao trabalho agrícola, que por uma questão cultural, as atividades de plantio eram tarefas delegada as mulheres, ao homem cabia um papel diferente que consistia em caçar, pescar, confeccionar arcos e canoas, encarregarse das queimadas entre outros. “[...]Os homens ocupavam-se com derrubada e a preparação da terra para a horticultura, entregando-as prontas para o plantio às mulheres (encarregavam-se, pois, da queimada e da primeira limpa), praticavam a caça e a pesca, fabricavam as canoas, os arcos, as flechas os tacapes e os adornos, obtinham o fogo por processo rudimentar, construíam as malocas, cortavam lenha, fabricavam redes lavradas e, como manifestação de carinho, podiam tatuar a mulher, auxiliá-la no parto etc. É claro que a proteção das crianças e velhos era atividade masculina, bem como a realização de expedições guerreiras e o sacrifício de inimigos ou animais...” HOLANDA (1960).6

Na visão indígena, segundo a historiadora Maria Regina Celestino de Almeida, as aldeias fixadas próxima aos portugueses tinham significados e funções bem distintas: Terra e proteção. Esse era o objetivo dos nativos ao buscar aliança com os portugueses, diante de cada vez maior, concentração de colonos estabelecendo-se no território o qual os nativos já viviam anteriormente e tudo isso somado a escravização em massa, diminuição de territórios de caça e recursos naturais nos sertões, submeter-se ao aldeamento fixo como 6

HOLANDA ,1997.

aliado dos portugueses teria sido uma das poucas saídas, para garantir a sobrevivência. Porém durante a década de 1530, a acentuação do trabalho agrícola nos engenhos da colônia agravou as relações de trabalho, pois a crescente demanda por mão de obra indígena demandava um trabalho cada vez mais acentuado, assim, aumentaram os conflitos e resistências ao trabalho por parte dos ameríndios, visto que esses eram movidos por seus próprios interesses e quando a quantidade de trabalho começou a ultrapassar suas motivações, começaram a abandonar as atividades. ALMEIDA (2010). 7 Percebe-se que as relações de trabalho entre os povos ameríndios e europeus se deram de formas distintas, não sendo em sua totalidade um regime de escravidão, mas, considera-se também a existência do trabalho assalariado e de escambo, o qual foi uma realidade no período, todavia, entre índios aliados. As relações de trabalho criaram estreitamento dos laços, garantindo o surgimento dos primeiros caboclos, filhos de brancos e ameríndios, estes seriam a primeira remessa de mestiços surgidos em terras brasis à partir dos primeiros contatos. Quando os problemas com a mão de obra ameríndia foram acentuados, o tráfico negreiro se expandiu de forma colossal. “Em 1526, Afonso
,rei do Congo,um aliado próximo dos portugueses e um cristão devoto, reclamava: ‘Há muitos traficantes em todos os cantos do país. Eles trazem ruína ao país. Todo dia, pessoas são escravizadas e sequestradas, mesmo nobres, mesmo membros da própria família do rei’”.HALL(2005)8

Entre o século XVI e o século XVIII foram enviados para as Américas uma estimativa em milhões de pessoas escravizadas, esse 7 8

ALMEIDA, 2010. HALL, 2017.

Gnarus Revista de História - VOLUME X - Nº 10 - SETEMBRO - 2019


GNARUS - 119 fenômeno foi caracterizado como: Diáspora Africana. Sabe-se que ao longo da história humana, pessoas foram escravizadas em diversas partes do mundo, todavia, a transferência de africanos escravizados para o “Novo Mundo”, foi , sem dúvida, o mais brutal. Na África o comércio de escravos naquele território já acontecia há séculos, mas não em escala tão grande e intensa. Diferentemente do trabalho nas Américas, mais propriamente dito na região que hoje corresponde ao Brasil, o africano não era anexado à sociedade como acontecia na África, pois, ainda que na condição de escravo, a pessoa tinha algum direito, o que não acontecia nas américas, onde o negro fora tratado como mercadoria e fora levado a fazer os mais variados tipos de trabalhos forçados. A princípio em processo de substituição da mão de obra ameríndia no Brasil, o africano foi levado à trabalhar na agricultura, normalmente nas plantações de cana de açúcar, mais tarde esse trabalho seria expandido para outros setores. Darcy Ribeiro em sua obra “O Povo Brasileiro: Formação e o sentido do Brasil”, comenta sobre a África como marginalizada e tendo sua identidade negada. O autor chama de contribuição a cultura negra, devido as suas crenças, músicas, culinária, língua, e dança, tudo como parte de traços culturais. O autor relata um povo arrancado de suas culturas sendo forçados ao trabalho escravo. Para o antropólogo, a contribuição da cultura negra para a identidade brasileira estaria principalmente no plano ideológico, na força física, nas crenças religiosas, na música e na gastronomia. A África passou por um fenômeno “sócio cultural’ deixando-a livre para pensarmos nela como uma região possuidora de grandes variedades de informações, reinos e etnias, que sofreram com a diáspora, cujo período compreendeu ao início da idade moderna ao

final do século XVIII. Ao contrário da tentativa de desvalorização da cultura afro que vem coexistindo, porém, escondida, desde sempre. No Brasil, as etnias africanas e ameríndias, tiveram uma grande parte de influência na formação cultural brasileira e a diversidade dos africanos escravizados no Brasil repercutem diretamente na pluralidade de povos existentes na África. Relações entre os diversos grupos étnicos, inseridos entre os chamados: “Ameríndios, Africanos e Europeus.

Relações de mestiçagem – Os Primeiros Caboclos. Para Darcy Ribeiro, o modelo tradicional familiar indígena, fora caracterizado como cunhadismo e foi o fator determinante para o início da mestiçagem. Segundo Darcy Ribeiro, a antiga prática indígena de incorporar estranhos aos seus, deu início ao primeiro grupo de mestiços. “A
 função do cunhadismo na sua nova inserção civilizatória foi fazer surgir à numerosa camada de gente mestiça que efetivamente ocupou o Brasil. É crível até que a colonização pudesse ser feita através do desenvolvimento dessa prática. Tinha o defeito, porém, de ser acessível a qualquer europeu desembarcado junto as aldeias indígenas. Isso efetivamente ocorreu, pondo em movimento um número crescente de navios e incorporando a indiada ao sistema mercantil de produção. Para Portugal é que representara uma ameaça, já que estava perdendo sua conquista para Armadores franceses, holandeses, ingleses, e alemães, cujos navios já sabiam aonde buscar sua carga”. RIBEIRO (1995).9

Nota-se que o cunhadismo fora mesmo fundamental no processo de miscigenação, e que este novo grupo de mestiços não seria necessariamente, apenas os filhos de portugueses com ameríndios, mas, de outras na9

RIBEIIRO, 1995.

Gnarus Revista de História - VOLUME X - Nº 10 - SETEMBRO - 2019


GNARUS - 120 cionalidades, os caboclos, foram formados também através das relações entre franceses, holandeses, ingleses e alemães, tornando esse novo grupo ainda mais diverso. “Sem a pratica do cunhadismo, era impraticável a criação do Brasil” RIBEIRO (1995). Um dos locais de destaque da prática do cunhadismo aconteceu na região de Piratininga, hoje São Paulo, a partir de João Ramalho. Segundo o padre Manuel da Nóbrega, João Ramalho foi um português casado com a filha de um chefe indígena, chamado Tibiriçá, chamada de Potira ou Bartira. João Ramalho teve muitos outros filhos e filhas, tiveram também filhos com outras índias, esses filhos casaram com outros índios e índias, criando assim, um dos primeiros grupos registrados de caboclos, a influência de João Ramalho cresceu tanto devido à prática do cunhadismo, que seus filhos e netos cresceram em números e sua influência com os parentes destes o tornou um homem forte e grande líder na captura de índios de etnias inimigas para o uso próprio ou o comércio de escravos aonde eram vendidos no litoral em Santos e São Vicente e também para os castelhanos que desciam o Rio da Prata. Em conformidade com Darcy Ribeiro a prática do cunhadismo aconteceu também em outras localidades, como na Bahia, Pernambuco, Maranhão e Rio de Janeiro. Na Bahia ele destaca Diogo Álvarez, também conhecido como Caramuru, que se fixou na Bahia na primeira década do século XVI, sendo um homem de numerosa família, este, fixou-se bem entre os nativos e conseguira conciliar a convivência entre os índios e portugueses. Darcy destaca também um núcleo onde desenvolvera um grande número de mamelucos em Pernambuco e no Maranhão, onde um homem com nome de Peró teria gerado numerosos filhos com as índias daquela localidade. No Rio de Janeiro os franceses implantaram seu prin-

cipal núcleo de cunhadismo entre os Tamoios, tendo entre eles mais de mil mamelucos que viviam nas margens dos rios que deságuam na baía e também aonde hoje se encontra a Ilha do Governador. RIBEIRO (1995) “As índias serviram de mães para boa parte dos primeiros cariocas, quase todos os mamelucos”. DORIA (2012). 10

Processo de mestiçagem continuada O processo de miscigenação que deu origem ao povo brasileiro foi iniciado ainda no início do século XVI e teve continuidade ao longo do século XVII e XVIII com a inserção das etnias negras em meio a um processo já em andamento de mestiçagem. Entre as nacionalidades europeias com as etnias ameríndias, segundo Paulo Fagundes Visentini, “Menor, mas não menos irrelevante, foi a mistura entre negros e índios, existente nas áreas dos quilombos (Pernambuco e Minas Gerais) e também, no final do século XVIII, em Mato Grosso, Goiás, Maranhão e Pará.” VISENTINI (2013). 11 Grupos distintos de etnias africanas chegaram à Terra de Santa Cruz. De acordo com Daarcy Ribeiro as mais variadas etnias africanas chegadas ao Brasil vieram da costa ocidental africana, derivavam de dois grandes grupos Étnicos e alguns menores que foram eles: “Sudaneses e Bantus, mas, não apenas aqueles”: “distingue, quanto aos tipos culturais, três grandes grupos. O primeiro, das culturas sudanesas, é representado, principalmente, pelos grupos Yoruba ‐ chamados nagô ‐, pelos Dahomey – designados geralmente como gegê ‐ e pelos Fanti‐Ashanti – conhecidos como mircas ‐,além de muitos representantes de grupos menores da Gâmbia, Serra Leoa, Costa da Malagueta e Costa do Marfim. 10 11

DORIA, 2012. VISENTINI, 2013.

Gnarus Revista de História - VOLUME X - Nº 10 - SETEMBRO - 2019


GNARUS - 121 O segundo grupo trouxe ao Brasil culturas africanas islamizadas, principalmente os Peuhl, os Mandinga e os Haussa, do norte da Nigéria, identificados na Bahia como negros malé e no Rio de Janeiro como negros alufá. O terceiro grupo cultural africano era integrado por tribos Bantu, do grupo congo‐angolês, provenientes da área hoje compreendida pela Angola e a “Contra Costa”, que corresponde ao atual território de Moçambique”. 12

Todavia, segundo Charles Boxer, em “O Império Colonial Português” (1969), “à princípio, a maior parte dos africanos vindos para o Brasil procedia da Guiné. Mas, é necessário registrar que isso representa uma diversidade de indivíduos e múltiplas referências culturais que não foram ainda mapeadas na sua totalidade. ” As relações entre os grupos foram as mais variadas possíveis, no entanto serão destacados apenas os mais relevantes.13 Os três grandes grupos, subdivididos em etnias distintas, originaram o brasileiro, o aldeamento entre ameríndios, africanos e europeus, deram origem há três novos grupos: caboclos, resultado da união de brancos e ameríndios. Mulatos, resultado da união entre brancos e negros e finalmente, o grupo de Cafuzos, que é o resultado da relação entre negros e ameríndios. A proposta deste artigo foi enfatizar um apanhado geral sobre as relações étnicas raciais ocorridas no Brasil desde suas origens, ocorridas precisamente no litoral e nos sertões na Terra de Vera Cruz, a partir do século XVI. Dentre aquelas relações, pode-se destacar algumas como o comércio informal, o escambo, casamento inter-racial e trabalho. Os ameríndios, europeus e africanos se relacionaram através do trabalho escravo e do contato com a união entre pessoas de outras etnias, o qual colaborou na origem do povo que formou o brasileiro. 12 13

RIBEIRO. São Paulo, 1995 BOXER, 1969.

Considerando as heranças culturais ameríndia e afro, como parte integrante da história brasileira, apontam-se a necessidade de interagir as questões populares, as ligações entre o brasileiro e a cultura africana e com os costumes dos nativos indígenas. Reconhecendo as diversidades culturais como produto intrínseco ao brasileiro. Percebe-se a história da miscigenação no Brasil ainda sendo escrita no mundo contemporâneo, visto que a inserção de povos de diferentes partes do mundo, continuam acontecendo. Isso permite fomentar que este trabalho de pesquisa possa ser continuado visto que o brasileiro ainda se encontra em processo de miscigenação, com a chegada cada vez mais frequente de novas etnias ao Brasil, entre elas, destacam-se: Libaneses, japoneses, sírios, bolivianos, haitianos entre tantos outros, que buscam vida nova nessa Terra. Vitor Arantes é graduado em História pelas Faculdades Integradas Simonsen e pós graduado em História da Cultura Afro Brasileira pela Faculdade Futura.

Referências ABREU, J. Capistrano de Capítulos de - História Colonial - Editora Civilização Brasileira – ano 1976. ÁFRICA, Carta da Renascença Cultura - Department of Social Affairs African Union Commission, Web: www.africa-union.org, Adaptada pela 6ª sessão Ordinária da Conferência, Realizada em Cartum, Sudão em 24 de janeiro de 2006. ALMEIDA, Maria Celestino de - Os Índios na História do Brasil – Rio de Janeiro : Editora FGV – ano 2010. ÁLVARES, Diogo e AMADO, Janaina - O Caramuru e a Fundação Mítica do Brasil - Artigo http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/ reh/article/view/2110/1249, acesso 05 de outubro de 2016 às 17h41min. BOXER, Charles Boxer - O Império Colonial Português – Companhia das Letras – ano 2002.

Gnarus Revista de História - VOLUME X - Nº 10 - SETEMBRO - 2019


GNARUS - 122 DOMINIO, Público - Carta de Pero Vaz de Caminha www.dominipublico.org, acessado em 08 de setembro de 2016. DOMINIO, Público – História Geral da África www.dominipublico.org, acessado em 04 de setembro de 2018 DORIA, Pedro - 1565 - Enquanto Nascia o Brasil – Editora Nova Fronteira – ano 2012 FRAGOSO, João, FLORENTINO, Manolo e FARIA, Sheila de Castro - A Economia Colonial brasileira (Séculos XVI – XIX) - Saraiva S.A Livreiros editores – ano 2000 FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. 4 ed. São Paulo: Global, 2003. FURTADO, Sérgio - Formação Econômica do Brasil - Companhia Editora Nacional, ano 2005 HALL,Gwendolyn Midlo Hall – Escravidão e Etnias Africanas nas Américas – Petrópolis – Rio de Janeiro – Editora Vozes – 2017 HEYWOOD, Linda M. Diáspora Negra no Brasil – Editora Contexto – São Paulo / SP, 2009. HOLANDA, Sérgio Buarque de - A Expansão Territorial – Difusão Europeia do Livro, ano 1960. HOLANDA, Sérgio Buarque de - A Visão do Paraíso - Editora Brasiliense - ano 2000 HOLANDA, Sérgio Buarque de - Raízes do Brasil - Companhia das Letras, ano 1995. INFO, Escola – Diáspora africana - https:// www.infoescola.com/historia/diaspora-africana, acessado em 04 de setembro de 2018 JÚNIOR, Caio Prado - História Econômica do Brasil – Editora Brasiliense – ano 1961 KEATING, Vallandro, MARANHÃO, Ricardo. Diários de navegação: Pero Lopes e a expedição de Martim Afonso de Sousa (1530-1532). São Paulo, Terceiro Nome, 2011. LERY, Jean de - Viagem a Terra do Brasil - Biblioteca do Exército Editora – ano 1961 MOKHTAR, Gamal – História Geral da África II: África Antiga, 2ª Edição Ver. Brasilia: Unesco, 2010 MONTEIRO, John Manuel - Negros da Terra: Índios e Bandeirantes nas origens de São Paulo. Editora Companhia das Letras - ano1995 NÓBREGA, Manoel da e HANSEN, João Adolfo – Domínio Público - Editora Massangana - ano 2010 OLIVEIRA, João Pacheco de , FREIRE, Carlos Augusto da Rocha - A Presença indígena na

formação do Brasil , Câmara Brasileira do livro, ano 2006, PORTAL DA CULTURA AFRO-BRASILEIRA https://www.faecpr.edu.br/site/portal_afro_ brasileira, acessado em 07 de setembro de 2018 RIBEIRO, Darcy - O Povo Brasileiro: A Formação e o Sentido do Brasil - Companhia das Letras, ano 1995. SALVADOR Frei Vicente do - História do Brasil 1500 1627 - Editora Itatiaia – ano 1982 SOUZA, Gabriel Soares de - Tratado Descritivo do Brasil em 1587 - Editora Brasiliana – ano1987 TV BRASIL, Diversidade Cultural –http://tvbrasil.ebc.com.br/novaafrica - acessado em 31 de agosto de 2018 VAINFAS, Ronaldo - A Heresia dos Índios – Companhia das Letras – ano 2010 VARNHAGEN, Francisco Adolfo - História Geral do Brasil – Editora Mestre Jou - ano 1970. VISENTINI, Paulo Fagundes - A História da África e e dos Africanos – Vozes – ano 2013.

Gnarus Revista de História - VOLUME X - Nº 10 - SETEMBRO - 2019


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.